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7/21/2019 PenPensar o discurso no webjornalismo: temporalidade, paratexto e comunidades de experiênciasar o Discurso N… http://slidepdf.com/reader/full/penpensar-o-discurso-no-webjornalismo-temporalidade-paratexto-e-comunidades 1/260 EDSON FERNANDO DALMONTE Pensar o discurso no webjorna lismo: temporalidade, paratexto e comunidades de experiência

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EDSON FERNANDO DALMONTEedufbaSalvador2009

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  • EDSON FERNANDO DALMONTE

    Pensaro discurso nowebjorna lismo: temporalidade, paratexto e

    comunidades de experinciatem

    poralidade, paratexto e com

    unidades de experincia

    Edson Fernando Dalmonte Doutor em

    Comunicao e Cultura Contemporneas

    Faculdade de Comunicao, Universidade

    Federal da Bahia; Mestre em Comunicao

    Universidade Metodista de So Paulo; Bacharel

    em Jornalismo Universidade Federal do

    Esprito Santo. coordenador do curso de

    Jornalismo da Faculdade Social da Bahia, pro-

    fessor de Teorias da Comunicao e pesquisador

    do Cepad Centro de Estudos e Pesquisa em

    Anlise do Discurso, Facom/ufba. membro

    da intercom Sociedade Brasileira de Estudos

    Interdisciplinares da Comunicao, e sbpjor

    Sociedade Brasileira de Pesquisadores em

    Jornalismo.

    Pensar o discurso no webjornalism

    o:

    Em detrimento da concepo de novidade, o atual um importante valor

    trabalhado pelo Webjornalismo. Por atualidade, entende-se aquilo que ainda

    est acontecendo e que, num fluxo contnuo, no cessa, pois um mesmo

    fato pode receber novos relatos, situando seus desdobramentos em curtos

    intervalos. A sedimentao do processo de construo das notcias funda-

    se sobre princpios como a apurao, o que pressupe um distanciamento

    mnimo entre o fato e a estruturao de seu relato. O desejo de produzir com

    base na celeridade tem conduzido a um novo formato de notcia, mais breve,

    reveladora de acontecimentos que, por vezes, respondem apenas a algumas

    questes do lead: o que aconteceu, onde e quem est envolvido.

    O Webjornal coloca-se como instncia capaz de articular uma temporalida-

    de que no mais a do relato, pressupondo um deslocamento entre o fato

    e sua difuso, mas uma meta-temporalidade, pois o tempo do relato e o

    relato so a mesma coisa. A partir dessa posio, os dispositivos de enun-

    ciao convidam o leitor a se informar naquele espao, cuja temporalidade

    apresentada como uma s: o tempo do acontecimento, o tempo do relato

    ali apresentado, tudo coincidindo com o tempo do leitor.

    Tem-se observado um reordenamento quanto aos papis tradicionais dos

    atores do processo comunicacional. A partir dos lugares da produo e do

    reconhecimento, novos dispositivos de enunciao tm despontado, refle-

    xo tanto das potencialidades tecnolgicas quanto do desenvolvimento de

    estratgias discursivas que fazem emergir uma nova crena quanto figura

    do destinatrio: participante.

    A presente obra, publicada com o apoio da

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da

    Bahia (fapesb), o resultado da pesquisa de

    doutorado de Edson Dalmonte, defendida em

    maio de 2008 no Programa de Comunicao

    e Cultura Contemporneas, Faculdade de

    Comunicao, ufba. Ao longo do livro, o autor

    reflete sobre as novas modalidades do discurso

    jornalstico no ambiente Web e as estratgias

    desenvolvidas para aproximar texto e leitor.

    ISBN 978-85-232-0589-8

  • jornalismo.indb 255 6/12/aaaa 11:20:18

  • Pensaro discurso nowebjorna lismo: temporalidade, paratexto e

    comunidades de experincia

    jornalismo.indb 1 6/12/aaaa 11:19:16

  • conselho editorial

    Titularesngelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby Alves da CostaCharbel Nin El-HaniDante Eustachio Lucchesi RamacciottiJos Teixeira Cavalcante FilhoMaria do Carmo Soares Freitas

    SuplentesAlberto Brum NovaesAntnio Fernando Guerreiro de FreitasArmindo Jorge de Carvalho BioEvelina de Carvalho S HoiselCleise Furtado MendesMaria Vidal de Negreiros Camargo

    universidade federal da bahia

    ReitorNaomar Monteiro de Almeida Filho

    Vice Reitor Francisco Jos Gomes Mesquita

    editora da universidade federal da bahia

    DiretoraFlvia Goullart Mota Garcia Rosa

    jornalismo.indb 2 6/12/aaaa 11:19:17

  • EDSON FERNANDO DALMONTE

    EDuFbASalvador2009

    Pensar o discurso no webjornalismo:temporalidade, paratexto e comunidades de experincia

    jornalismo.indb 3 6/12/aaaa 11:19:17

  • 2009, by autorDireitos para esta edio cedidos edufba.Feito o depsito legal.

    projeto grfico, capa & diagramaoGenilson Lima Santos

    reviso de textosAdriana TellesLlian Reichert

    edufba Rua Baro de Jeremoabo, s/n Campus de Ondina, Salvador Bahia cep 40170 115 Tel/fax 71 3283 6164 www.edufba.ufba.br [email protected]

    Editora filiada :

    Sistema de Bibliotecas - UFBA

    Dalmonte, Edson Fernando.Pensar o discurso no webjornalismo: temporalidade, paratexto e

    comunidades de experincia / Edson Fernando Dalmonte. - Salvador : EDUFBA, 2009.

    256 p. : il.

    ISBN 978-85-232-0589-8

    1. Jornalismo eletrnico. 2. Comunicao de massa e tecnologia. 3. Jornalismo - Linguagem. 4. Sistemas de hipertexto. 5. Anlise do discurso.

    CDD - 070.449796

    jornalismo.indb 4 6/12/aaaa 11:19:17

  • A minha me, Zelinda,

    minha v, Euzlia, e meu av, Z,

    que partiram no incio da

    empreitada que resultou neste livro.

    A meu pai, Edes,

    e meu filho, Leonardo.

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  • s um

    senh

    or t

    o bon

    ito

    Quan

    to a

    cara

    do m

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    Tem

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    Vou t

    e faz

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    o

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    mpo

    Tem

    po Te

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    Com

    posit

    or de

    desti

    nos

    Tam

    bor d

    e tod

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    ritm

    os

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    Tem

    po Te

    mpo

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    praz

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    ento

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    iso

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    tempo

    for p

    ropc

    io

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    mpo

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    meu

    espr

    ito

    Ganh

    e um

    brilh

    o defi

    nido

    Tem

    po Te

    mpo

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    spalh

    e ben

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    s

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    mpo

    Tem

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    mpo

    Agradeo a Deus, em todas as suas manifestaes;

    Fundao de Pesquisa do Estado da Bahia (fapesb), pelo apoio a esta

    publicao;

    a Giovandro Marcus Ferreira, orientador da tese que deu origem a este livro;

    ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao em Cultura

    Contemporneas (ufba),pela acolhida generosa;

    Faculdade Social, nas pessoas de seus diretores:

    Maria Alice, Antnio Alberto e Giorgio Borghi;

    aos colegas do curso de jornalismo da Faculdade Social,

    em especial ao colegiado: Ana Cristina Spannenberg,

    Jussara Maia, Juliana Gutmann e Llian Reichert;

    a Rossanna dos Santos Santana Rubim;

    a minha famlia que, embora distante, sempre se faz presente;

    a Ernandes Samuel Fantin, amigo e mestre incentivador.

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    jornalismo.indb 7 6/12/aaaa 11:19:18

  • Introduo

    Prefcio

    Sumrio

    O discurso jornalstico

    A materializao do discurso jornalstico

    Jornalismo e narrativa diria

    Efeito de real: da literatura ao jornalismo ou de uma tradio a outra

    12

    Da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    A comunicao segundo a lgica contratual: a enunciao como base dos contratos de comunicao e de leitura

    Jornalismo impresso: resultado de uma tradio

    Os dispositivos miditicos modos de mostrar, modos de olhar

    A comunicao segundo a lgica contratual

    Da estrutura de um discurso

    27

    29

    47

    60

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    73

    77

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  • 34

    Webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    O paratexto como modo de existncia do texto Webjornalstico

    As possibilidades de produo a partir da caracterstica memria

    Paratexto e comunidade de experincia: o lugar do leitor

    Webjornalismo: das inovaes tecnolgicas s inovaes discursivas

    O hipertexto no webjornalismo

    A ao criativa dos constrangimentos aplicada ao Webjornalismo

    Webjornalismo e posicionamento discursivo

    A enunciao das potencialidades na estrutura paratextual

    Interao como efeito de real

    Em cima da hora: as promessas do tempo real

    Webjornalismo e o fazer-refazer jornalstico

    119

    126

    132

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    207

    219

    235

    Das concluses e perspectivas

    Notas

    Referncias

    Entre inovaes tecnolgicas e contratuais

    jornalismo.indb 9 6/12/aaaa 11:19:18

  • jornalismo.indb 10 6/12/aaaa 11:19:18

  • | 11

    Prefcio

    Este livro no , certamente, uma repetio, s vezes, presente em tra-

    balhos acadmicos. Posiciona-se para alm do mesmismo e faz jus ao

    saber oriundo da pesquisa cientfica que flerta com o conhecimento de

    fronteira. O que se ressalta, ao longo de todo trabalho, o tensionamento

    do arcabouo conceitual no mbito da anlise do discurso no que tange

    articulao com outros domnios cientficos cujo objeto de anlise a

    construo de sentido no webjornalismo.

    Alm de trabalho inovador na maneira de conduzir a referida articula-

    o interdisciplinar, depara-se com os desafios implicados na anlise de

    um produto aberto, em construo e recente, em relao a outros produ-

    tos e linguagens miditicos. Tais caractersticas ressaltam sua diferena

    em comparao a outros estudos discursivos como, por exemplo, de um

    romance ou de um filme. Confrontado com a natureza do objeto analisado,

    o autor faz um corte metodolgico pelo qual objetiva identificar os cons-

    trangimentos que caracterizam as novas formas do discurso em questo,

    como tambm as estratgias que assinalam a disputa entre os webjornais,

    inseridos numa zona de concorrncia. Como o prprio autor declara:

    Na contemporaneidade, pensar a comunicao resulta numa ao cada

    vez mais complexa, visto que se observam mudanas estruturais na base

    do processo de produo, distribuio e acesso aos contedos miditicos.

    A relao emissor-receptor experimenta alteraes a partir do momento

    em que as novas tecnologias abrem possibilidades de participao de re-

    ceptor no processo de produo e distribuio de contedos. As relaes,

    at ento bastantes rgidas quanto s definies dos lugares de produo

    e reconhecimento, passam a ser vistas sob a lgica de interao entre

    essas instncias.

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  • 12 | prefcio

    Neste contexto marcado pela complexidade, o autor levanta problema

    de ordem metodolgica, demonstrando a carncia de conhecimento no

    que toca s formas balizadoras do discurso jornalstico sobre as bases

    tcnicas, agora, da web. Tal problema norteado pelo objetivo maior de

    caracterizar o posicionamento discursivo dos webjornais forjados, entre

    outras, pela disputa de mercado, alm de fazer um resgate da evoluo

    do webjornalismo, com nfase no atual estgio.

    Para atender a essa frente de desafios, o autor tem com ponto de par-

    tida a semiologia de terceira gerao. No interior dessa fase, usa como

    metodologia a relao contratual entre os meios de comunicao e seu

    pblico, que almeja revelar o sentido construdo por diferentes matrias

    significantes que compem o discurso jornalstico, considerando, alm

    da concorrncia, as expectativas dos leitores e no-leitores e a evoluo

    scio-cultural. A semiologia utilizada deixa claro que o posicionamento

    do discurso estudado est mergulhado numa rede interdiscursiva da pro-

    duo de sentido na sociedade (semiose). O discurso do webjornalismo

    nada mais , ento, que uma extrao, um pedao da rede (ou no dizer

    de E. Vern, um fragmento de tecido) dessa produo de sentido que se

    caracteriza como ternria, social, infinita e histrica.

    Ancorado no arcabouo conceitual da anlise do discurso e, ao mesmo

    tempo, convocando outros domnios de estudo, o trabalho aqui intro-

    duzido articula-se pelo menos com quatro desses domnios: teorias da

    comunicao, teorias do jornalismo, lingustica e hermenutica. Entre

    os vrios conceitos reivindicados, gostaramos de colocar em relevo dois

    deles, de extrema importncia, que conferem densidade empreitada

    proposta, no que tange ao tempo e ao espao: o triplo presente, oriundo

    da hermenutica de Paul Ricouer, e a noo de contato cunhada, inicial-

    mente, pelo lingista russo Jakobson.

    O triplo presente torna-se uma das colunas do trabalho, pois o

    conceito permite melhor compreender a noo de tempo narrativa

    jornalstica que coaduna com as caractersticas da estrutura tcnica do

    webjornalismo: articulao na explicitao dos tempos presente-presente

    (complementao em outros sites e blogs), passado-presente (banco de

    dados) e futuro-presente (projees etc). A simulao do contato, espcie

    de ampliao de aproximao entre o real e sua representao, no intuito

    de demonstrar estreitamento e entrosamento dos vnculos entre as ins-

    tncias de produo e de reconhecimento. O percurso almejado, ento,

    jornalismo.indb 12 6/12/aaaa 11:19:18

  • prefcio | 13

    neste trabalho, lembra um dizer de Gilles Deleuze, sobre a realizao da

    pesquisa cientfica como sendo, sobretudo, o ato ou a arte de levantar

    problemas, de um lado, e o de criar e articular conceitos, de outro. Estes

    so aspectos manuseados nesta pesquisa, lcida e conseqente.

    Os resultados de toda a investida no se resumem concluso, mas

    se destilam ao longo de quatro captulos, abordando aspectos da intera-

    o entre as instncias de produo e reconhecimento; interao entre

    a recepo e o produto; interao no interior da instncia de recepo,

    passando pela noo de furo jornalstico nesse novo ambiente, a no-

    o de tempo no discurso jornalstico e diferentes efeitos de real, como

    mostra o autor a seguir:

    A palavra no simplesmente aberta ao leitor, mas o fato de ele ter a

    chance de manifestar seja sua opinio, seja relatar o que acontece de

    relevante, passa a constituinte do prprio discurso da mdia. Enquanto

    discurso auto-referente, ao ressaltar a abertura para as contribuies dos

    leitores, so ressaltadas as potencialidades que um site tem de mostrar a

    realidade, a partir de testemunhos, impresses, opinies etc... A amplia-

    o das formas de aproximao entre o real e sua representao permitem

    que o discurso jornalstico crie novas formas de insero do cotidiano em

    seus relatos e, com isso, ao estender o sentido de realidade, aproxime-se

    ainda mais do universo dos leitores.

    O trabalho que se segue representa, enfim, o coroamento de um jo-

    vem pesquisador que trilhou percurso marcado pela solidez, coerncia e

    abertura criteriosa. Por esses e outros motivos, este trabalho representa

    uma mo estendida ao dilogo, em primeiro lugar aos seus pares pes-

    quisadores no domnio da comunicao mas, igualmente, aos colegas

    de reas afins convocadas ao longo do trabalho, alm de todos aqueles que

    tm interesse no aprofundamento do conhecimento das novas formas de

    produo de sentido na contemporaneidade, em particular, na produo

    do sentido miditico. S nos resta, agora, desejar tambm a voc, caro(a)

    leitor(a), agradvel e proveitosa leitura!

    Giovandro Marcus FerreiraDiretor da Faculdade de Comunicao,

    Universidade Federal da Bahia

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  • jornalismo.indb 14 6/12/aaaa 11:19:18

  • | 15

    Introduo

    O campo terico da comunicao vem se desenvolvendo no impulso

    das inovaes implementadas na esfera social. Percebe-se que cada

    idia acerca da comunicao resulta num modo de conceber a relao

    da mensagem com o receptor, ora centrando o foco no emissor, ora nos

    estratagemas do receptor. Dessa viso, quase sempre compartimentada,

    surgem os distintos paradigmas, cada qual enfatizando parte do processo

    comunicacional que, em ltima instncia, deixa de ser processo, uma vez

    que valorizada a parte e no o todo. A comunicao perde, portanto, o

    princpio de dinmica/ao.

    Logo, falar de cincia conscientizar-se da possibilidade de trans-

    formao existente no modo de compreender e analisar uma realidade.

    Uma realidade especfica requer um modo de anlise adequado. Se o

    objeto em questo de ordem social, como o caso da comunicao, o

    paradigma dever ser modificado cada vez que se observar uma mudana

    profunda/estrutural nessa sociedade. Essa a justificativa das Revolues

    Cientficas. (kuhn, 1998).

    Segundo Kuhn (1998, p. 39), quando [...] um indivduo ou grupo

    produz uma sntese capaz de atrair a maioria dos praticantes de cincia

    da gerao seguinte, as escolas mais antigas comeam a desaparecer

    gradualmente. Mas o que dizer se tal evoluo no implica no definitivo

    abandono de antigos paradigmas bem como em sua total substituio?

    Dentro da tradio dos estudos em comunicao, como ressaltam

    Barros Filho e Martino (2003, p. 35), o sujeito se incorporou tardia-

    mente ao estudo da comunicao de massa. Ao se estudar o processo

    comunicacional, eram excludos o sujeito emissor e o sujeito receptor.

    Dessa forma, para os autores, a reflexo acadmica sobre a informao

    jornalismo.indb 15 6/12/aaaa 11:19:18

  • 16 | introduo

    limitou-se durante as seis primeiras dcadas do sculo xx aos objetos de

    sua produo, veiculao e efeitos sociais.

    Pode-se dizer que a no-superao total de um paradigma em comu-

    nicao vai ao encontro daquilo que Kuhn define como revoluo parcial,

    pela qual um paradigma apenas modificado e no totalmente superado.

    Com os estudos sobre a comunicao, a relao a mesma. Ora fala-se de

    efeitos fortes sobre o receptor, ora de efeitos fracos ou nulos (dalmonte,

    2006). A questo basilar passa a ser a relao do indivduo com a comu-

    nicao, podendo ele estar na emisso ou na recepo. Seja como emissor,

    seja como receptor, o indivduo um ser de ao, dotado de capacidades

    criativas tanto para elaborar a mensagem e suas estratgias de circulao

    quanto para a escolha do contedo e interpretao.

    A questo dos meios, ou mais especificamente da tecnologia, ressal-

    tada, por exemplo, em Os meios de comunicao como extenses do homem

    (mcluhan, 1996)1, obra que trata da ampliao das capacidades humanas

    por intermdio dos meios de comunicao de massa. Atualmente, em de-

    corrncia de a tecnologia da comunicao e informao estar na ordem do

    dia, observa-se a proliferao de bibliografia sobre o impacto tecnolgico

    na vida das pessoas, em especial a partir da comunicao.

    Essa outra realidade faz emergir uma postura diferenciada quanto

    possibilidade de interao do indivduo com a mdia que, pelas novas

    possibilidades tecnolgicas, habilita-se a atender seu consumidor de

    forma distinta, o que refora ainda mais o entendimento do indivduo

    como sujeito co-participante do processo da comunicao.

    A partir do momento em que o sujeito receptor valorizado, acontece

    tambm a valorizao do processo engendrado pelo usurio na aqui-

    sio da mensagem. Com isso, lanada especial ateno para o local

    onde a recepo se realiza. A valorizao do local se processa em funo

    do conhecimento das tramas a partir das quais o indivduo se habilita para

    o consumo, na maioria das vezes, de produtos plenos de significaes. O

    entendimento da recepo a partir do local onde ocorre possibilitado a

    partir de exploraes etnogrficas. (ang, 1997, p. 88).

    Os meios de comunicao de massa tornam-se amplamente difun-

    didos j nas primeiras dcadas do sculo xx. quela altura, falava-se

    dos meios eletrnicos, como o rdio e o cinema que, desde a origem, so

    vistos por muitos como novos agentes da manipulao ideolgica. A co-

    jornalismo.indb 16 6/12/aaaa 11:19:19

  • introduo | 17

    municao de massa , ao mesmo tempo, um elemento fascinante, pela

    sua capacidade de falar indistintamente a uma grande multido, como

    tambm, desde logo, objeto de crticas.

    Nesse cenrio, surgem os primeiros enfoques acerca da comunicao

    de massa, como a teoria hipodrmica e a teoria crtica. Ambas as pers-

    pectivas surgem na Alemanha, no perodo das duas guerras mundiais,

    coincidindo com o incio da difuso em larga escala dos elementos da

    comunicao de massa. Essas idias so reforadas pelo conceito da so-

    ciedade de massa, como conseqncia do processo de industrializao, o

    que propicia o afrouxamento dos laos de famlia e conduz ao isolamento

    e alienao. Nesse conjunto, o indivduo receptor visto como isolado,

    annimo e atomizado. (wolf, 1995, p. 21-23).

    sobre esse indivduo fragilizado que a mdia lana suas mensagens,

    nesse contexto entendidas como estmulos, de acordo com a psicologia

    behaviorista. Segundo essa vertente comportamental, com base na duali-

    dade estmulo/resposta, possvel condicionar o comportamento huma-

    no. A mdia esse agente capaz de estimular e condicionar as respostas de

    seus receptores. Essa capacidade de manipulao decorre do isolamento

    fsico, com base na concepo de massa, enquanto fator aparentemente

    homogneo, agregador de elementos heterogneos.

    Em larga escala, a tradio da pesquisa em comunicao parte do pres-

    suposto de que h uma dicotomia marcada pela separao entre os papis

    de emissor e receptor. No geral, compete ao primeiro todo princpio de

    ao, indo da seleo dos fatos, passando pela elaborao, marcada por

    escolhas de linguagem, formatao e emisso. Ao receptor, visto como

    plo no qual se finaliza o processo, cabe uma ao passiva.

    Tal dicotomia foi questionada, por exemplo, pelos estudos semiticos

    e estudos culturais, que sinalizaram para vertentes segundo as quais o ato

    da recepo coloca-se de maneira independente em relao aos desejos

    externados pelo emissor. O ato de apropriao das mensagens miditicas

    passa a ser visto como resultado de uma ao criativa. Tal perspectiva pode

    conduzir a uma nova polarizao, colocando em lados opostos o local onde

    se produzem os contedos e o local onde os sentidos so elaborados.

    Na contemporaneidade, pensar a comunicao resulta numa ao

    cada vez mais complexa, visto que se observam mudanas estruturais

    na base do processo de produo, distribuio e acesso aos contedos

    jornalismo.indb 17 6/12/aaaa 11:19:19

  • 18 | introduo

    miditicos. A relao emissor-receptor experimenta alteraes a partir

    do momento em que as novas tecnologias abrem possibilidades de parti-

    cipao do receptor no processo de produo e distribuio de contedos.

    As relaes, at ento bastante rgidas quanto s definies dos lugares de

    produo e reconhecimento, passam a ser vistas sob a lgica da interao

    entre essas instncias.

    Com o advento e a difuso de tecnologias da comunicao que poten-

    cializam a capacidade de ao tambm do receptor, seja na escolha dos

    contedos, seja na participao da definio desses contedos, o prprio

    conceito comunicao de massa questionado. O antigo modelo de um

    para todos, pressupondo a ao de um emissor forte frente massa de re-

    ceptores passivos, confrontado pela realidade da comunicao em rede.

    Ao se abordar a dinmica social da comunicao, depara-se com a ne-

    cessidade de dominar uma gama de definies que, se por um lado resultam

    de uma nomenclatura tcnica, por outro, decorrem de contextos sociais,

    oscilando entre usos e expectativas. Nesse nterim, a definio de novas

    mdias pode conduzir tanto a um debate acerca da construo social do

    conceito bem como percepo de sua transitoriedade, decorrente da mu-

    tabilidade das tecnologias, o que remete dualidade velhas/novas mdias.

    O entendimento da palavra mdia pode levar a pensar, seja no suporte,

    seja na estrutura de difuso das mensagens. Segundo essa lgica, a con-

    cepo das novas mdias conduz necessidade de adequao conceitual

    para a compreenso de uma realidade em constante alterao, mediante

    os sucessivos avanos tecnolgicos.

    Seguindo-se a proposta de pensar as novas mdias, como sugere

    Manovich (2005), pode-se optar pelo entendimento de uma mdia

    como artefato cultural, surgindo como possibilidade imaginativa e de

    operacionalidade tecnolgica. Uma nova mdia pode ser compreendida

    como um mix de antigas e novas convenes culturais, empregadas na

    representao, no acesso e na manipulao de dados, sendo que os novos

    dados so dados digitais.

    O jornalismo praticado na Internet desponta como uma prtica cultu-

    ral no contexto das novas mdias. Vrios tm sido os desafios que acom-

    panham essa prtica desde seu incio, em meados dos anos 1990. Pode

    ser destacado um aspecto concernente a cada uma das instncias: seus

    produtores tm sido desafiados a desenvolver linguagens condizentes

    jornalismo.indb 18 6/12/aaaa 11:19:19

  • introduo | 19

    com o novo ambiente informacional, que possibilita o uso de ferramentas

    como a interao e a atualizao constante de contedo; os leitores pas-

    sam a interagir com um produto fluido que, ao desenvolver novas formas

    de apresentao dos contedos, exige de seu pblico novas habilidades

    e competncias cognitivas.

    importante frisar que ainda h discordncia quanto definio da

    nomenclatura do tipo de jornalismo praticado na Internet, oscilando entre

    jornalismo eletrnico, jornalismo digital ou multimdia, ciberjornalis-

    mo, jornalismo online e Webjornalismo. Mielniczuk (2003) adota o termo

    Webjornalismo2, tomando por referncia as interfaces grficas da rede. Vrios

    autores tambm tm usado essa terminologia, a exemplo de Porto Alegre

    (2004), Nogueira (2005) e Ribas (2005), e esta tambm nossa opo.

    Para o entendimento dessa modalidade de jornalismo na rede, alguns

    pesquisadores se dedicam a estudar suas caractersticas, como Bardoel e

    Deuze (2000) e Palacios (2002), que apontam como sendo as seguintes: multimidialidade, interatividade, hipertextualidade, personalizao,

    atualizao e memria (base de dados). Para efeito de entendimento, o

    Webjornalismo classificado como de primeira, segunda e terceira gera-

    es, segundo John Pavlik (2001, p. 43), que prope essa distino tendo

    por parmetro a produo e a disponibilizao de contedos, cuja base

    o uso dos recursos multimdia da Web.

    Conforme aponta Mielniczuck (2003, p. 32-36), o Webjornalismo passa

    por trs fases de desenvolvimento, definidas como Webjornalismo de pri-

    meira, segunda e terceira geraes. Na linha evolutiva do Webjornalismo,

    j se fala de uma quarta gerao, referindo-se ao impacto das bases de

    dados na narrativa Webjornalstica. (barbosa, 2007; machado, 2006)

    Em sua prtica diria, os meios de comunicao de massa esto numa

    constante situao de concorrncia, na busca de uma posio no mercado

    e consolidao de sua audincia. No geral, produtos similares se posicio-

    nam numa mesma zona de concorrncia, o que conduz a uma necessidade

    de marcar distino. Considerando-se o processo de homogeneizao no

    tocante aos contedos e formatos, na perspectiva da Anlise do Discurso,

    o posicionamento discursivo desponta como fator determinante para que

    se estabeleam as marcas distintivas de cada produto.

    A distino assegurada pela proposta e manuteno de um contra-

    to ou promessa. Na linha da concorrncia entre os produtos na rea de

    jornalismo.indb 19 6/12/aaaa 11:19:19

  • 20 | introduo

    comunicao, h mudanas operacionalizadas com base nas novas tec-

    nologias. Os estudos da Anlise do Discurso, por meio da perspectiva do

    Contrato de Comunicao e Contrato de leitura, tm se mostrado atentos

    ao sistema de produo na busca de uma interao entre as instncias

    enunciadora e destinatria.

    O contrato de leitura (vern, 1985), para a instncia de produo,

    baseia-se num conjunto de obrigaes ou constrangimentos discursi-

    vos a serem respeitados; para o destinatrio, h, por meio das estratgias

    do enunciador, o reconhecimento de suas intenes, por exemplo, no

    tocante linguagem usada, o que pode marcar tanto a aproximao quan-

    to o distanciamento em relao ao pblico.

    Com base no processo de enunciao o aparecimento do sujeito

    no discurso e da externalizao de suas marcas discursivas, a instncia

    enunciadora se posiciona em relao instncia destinatria pretendida.

    Mediante a semelhana dos produtos, o processo de enunciao pode

    conferir marcas distintivas ao sistema de produo, levando ao estreita-

    mento dos laos entre as instncias.

    O contrato de comunicao, da mesma forma, prev aes que de-

    correm do contato entre enunciador e destinatrio, de maneira mais ou

    menos estvel. Para tanto, como preconiza Charaudeau (1994), so fixados

    os papis dos sujeitos-parceiros do ato de comunicao. A idia geral de

    um contrato no que se refere ao processo comunicacional, seja ele contrato

    de comunicao ou de fala, pressupe, por meio do quadro geral dos cons-

    trangimentos, a observao de critrios concernentes elaborao do texto/

    discurso. Os constrangimentos discursivos tratam de uma previsibilidade

    quanto aos papis das instncias, o que, por fim, induz uma instncia a se

    posicionar discursivamente, tomando por baliza o que seria possvel dizer,

    com base no que se acredita serem as expectativas do outro.

    O empreendimento aqui apresentado prope a localizar as marcas dis-

    cursivas que colaboram com a consolidao de efeitos de sentido capazes

    de sinalizar a distino do discurso no Webjornalismo. A problemtica

    que a reside diz respeito configurao do processo comunicacional na

    Web, que possibilita ao discurso jornalstico produzir sentido lanando

    mo de recursos desse outro ambiente informacional.

    Com base nas caractersticas3: multimidialidade, interatividade, hi-

    pertextualidade, personalizao, memria e atualizao contnua/tempo

    jornalismo.indb 20 6/12/aaaa 11:19:19

  • introduo | 21

    real, surgiu a necessidade de observar as modalidades de aplicao de tais

    recursos na conformao do discurso Webjornalstico. Acredita-se que

    a aplicao de tais recursos oscila entre, por um lado, o uso efetivo de

    caractersticas como a multimidialidade e o uso da memria e, por outro,

    o uso idealizado de recursos como a interatividade, a hipertextualidade

    e o tempo real.

    A presente obra marcada pelo objetivo geral de caracterizar o po-

    sicionamento discursivo de Webjornais que seguem as tendncias do

    mercado do ambiente Web, ora produzindo de maneira semelhante,

    ora buscando estratgias de distino. A partir do estudo de produtos

    e linguagens, so explicitados procedimentos de investigao oriundos

    da Anlise do Discurso aplicados a Webjornais, capazes de revelar novos

    constrangimentos e novas estratgias discursivas.

    A formao do corpus corresponde a uma seleo de Webjornais orga-

    nizados de maneira empresarial, que j contavam com verses impressas

    e passaram a publicar na Web, a saber: Elpais.com 4, LeMonde.fr 5, Estadao.

    com 6, FolhaOnline 7, OGloboOnline 8. Tal opo se justifica pela possibili-

    dade de verificar a passagem das estratgias de contato com o pblico de

    um suporte a outro, pois interessa averiguar a adaptao de estratgias

    discursivas da tradio impressa, bem como o desenvolvimento de outras,

    exclusivas da Web. Para as indagaes aqui presentes, os referidos jornais

    so considerados pioneiros no uso de estratgias visando o contato, que

    busca trabalhar com a noo de troca, segundo o conceito de comuni-

    dade de experincia. Vale ressaltar que alguns outros Webjornais com

    verses apenas na Internet foram avaliados pontualmente no tocante

    questo do jornalismo cidado; so eles: OhmyNews 9, AgoraVox.fr 10 e

    SouthportReporter 11.

    Para a efetivao do estudo dos processos de construo identit-

    rios, foi preciso observar os aspectos grficos do Webjornal e as formas

    de se dirigir a seu leitor (enunciao), no apenas no texto jornalstico

    propriamente dito, mas tambm nos fragmentos paratextuais, como os

    de cunho publicitrio, que convidam o leitor a escolher o contedo de

    acordo com sua necessidade; seguir a informao contnua, durante 24

    horas; reagir aos textos etc.. A partir da, foram observados critrios tais

    como a permanncia ou a alterao de elementos substanciais referentes

    ao tipo de discurso empregado bem como a sua organizao.

    jornalismo.indb 21 6/12/aaaa 11:19:19

  • 22 | introduo

    O primeiro captulo, Da perspectiva contratual nos meios de comu-

    nicao, situa a comunicao desde seus produtos e localiza, a partir do

    posicionamento discursivo, a consolidao de marcas, cujo desejo a

    diferenciao, em detrimento dos concorrentes. Se os produtos jornals-

    ticos cada vez mais esto similares, tendo-se em vista a concorrncia e a

    adoo dos mesmos critrios de noticiabilidade, a perspectiva contratual

    pode oferecer um aporte para o estabelecimento de qualidades ineren-

    tes ao veculo que mantm um contato com a instncia destinatria. O

    desafio fazer o leitor, motivado a buscar a informao, realiz-la num

    respectivo meio.

    O posicionamento contratual aprofundado por Vern e Charaudeau.

    Para Vern, o ponto essencial est no contrato de leitura. Diante da diver-

    sidade de discursos, haja vista a similitude dos contedos e abordagens,

    o que difere a forma de apresentao. As formas de apresentao de um

    discurso, sedimentadas com o tempo, passam categoria de tradio, o

    que facilita a aproximao e o percurso de leitura por parte de seu pblico.

    Elemento importante nesse processo a estrutura de enunciao, por

    meio da qual cada produto de posiciona em relao a seu leitor.

    Para Charaudeau, a base da aproximao entre enunciador e destina-

    trio est no contrato de comunicao, cujo elemento basilar o quadro

    de constrangimentos. Na perspectiva discursiva, os constrangimentos

    atuam como referncia norteadora para a orientao discursiva. Ao tomar

    a organizao discursiva do Webjornalismo, a questo principal est na

    percepo da orientao discursiva desse ambiente informacional, tendo

    por base suas potencialidades.

    No segundo captulo, O discurso jornalstico, situa-se o processo de

    organizao e consolidao do discurso jornalstico, apontando quais so

    os elementos configuradores do sentido de veracidade desse discurso.

    Para tanto, os critrios de noticiabilidade so apresentados como facilita-

    dores da rotina produtiva, apontando caminhos consensuais, separando

    o noticivel do no-noticivel.

    O jornalismo institucionaliza uma temporalidade especfica, que o

    tempo do relato, marcado, por exemplo, pelo uso de verbos no presente,

    mesmo em se tratando de fatos passados. A sensao criada de conti-

    nuidade daqueles fatos, que se desdobram no aqui e agora, fazendo

    coincidir o tempo do jornal com o tempo do leitor.

    jornalismo.indb 22 6/12/aaaa 11:19:19

  • introduo | 23

    Com o Webjornalismo, os critrios de noticiabilidade podem ser ex-

    pandidos, uma vez que os recursos da Web potencializam, por exemplo,

    a relao do relato jornalstico com o quesito temporalidade. Por meio do

    recurso da atualizao, renova-se o sentido de atual, visto que j no

    apresentado apenas o tempo presente, mas um presente contnuo. O

    relato Webjornalstico, a exemplo do rdio e da televiso, no narra hist-

    rias ocorridas noutra temporalidade, mas situa o leitor no tempo prprio

    dos eventos, criando na instncia destinatria a sensao de acompanhar

    o desenrolar dos fatos no momento em que acontecem.

    Situa-se o tempo do relato jornalstico com base no triplo presente,

    ou seja, a dimenso presente das coisas presentes, a dimenso presente

    das coisas passadas e a dimenso presente das coisas futuras. Essa con-

    cepo determinante para a fundamentao do conceito de narrativa

    jornalstica, pois a ao de narrar um fato pressupe situ-lo na perspec-

    tiva temporal, determinando a durao dos eventos.

    As estratgias de simulao do contato so fundamentais para a cons-

    truo dos efeitos de real. No jornalismo, o conceito de efeito de real

    articulado pela incluso de elementos que ancoram o relato no real, tais

    como citaes diretas, fotos etc. O tensionamento desse conceito permite

    criar parmetros para avaliar as novas estratgias de simulao de contato

    e de atualidade no contexto das novas mdias.

    O terceiro captulo, Webjornalismo: as fases de implantao e a re-

    novao do fazer jornalstico, situa os estudos acerca do jornalismo na

    Internet. A partir das caractersticas de suas caractersticas, so apresen-

    tadas as fases de implantao do Webjornalismo, desde modelos adapta-

    dos do impresso at outros que tomam por referncia as potencialidades

    da Web. Toda a organizao discursiva do Webjornalismo avaliada com

    base na concepo do paratexto.

    O quarto captulo, Webjornalismo: das inovaes tecnolgicas s

    inovaes discursivas, apresenta uma srie de questionamentos que

    despontam a partir das expectativas suscitadas pelas novas tecnologias da

    comunicao. Com base no discurso acerca das potencialidades das novas

    mdias, busca-se na articulao entre ideologia e utopia uma ao criativa

    que pode tanto apontar para caminhos impossveis quanto contribuir para

    a implementao de novas estratgias discursivas.

    jornalismo.indb 23 6/12/aaaa 11:19:19

  • 24 | introduo

    A partir de uma fase que pode ser definida como utpica, o hiper-

    texto Webjornalstico revela-se menos potente do que se pensava. Os

    Webjornais mostram-se como sistemas fechados, permitindo apenas a

    navegao intratextual, em detrimento da to propalada intertextuali-

    dade. No entanto, a possibilidade de organizao textual em nveis, ou

    camadas, permite que se estabelea uma narrativa em profundidade,

    que depende do interesse do leitor que, ao se mover, constitui caminhos

    possveis, a partir de blocos de texto.

    A relao de interatividade e intertextualidade, em ntima ligao,

    permite compreender a relevncia das novas potencialidades da organi-

    zao discursiva na Web, visto ser possvel a interao em vrios nveis:

    entre as instncias de produo e de reconhecimento, entre leitor e pro-

    duto e entre leitores.

    A partir da anlise de produtos Webjornalsticos, so avaliados os no-

    vos constrangimentos que impulsionam o estabelecimento do contato

    com a instncia destinatria. A partir das possibilidades tecnolgicas, os

    sites se vem constrangidos a implementar modalidades comunicacionais

    condizentes com as expectativas dos leitores.

    Novas estratgias de enunciao so localizadas na estrutura paratex-

    tual, que viabiliza o contato entre as instncias enunciadora e destinatria.

    Discute-se a alterao substancial ocorrida com a representao da no-

    tcia, visto que a Web propicia a articulao de outros efeitos de sentido,

    em decorrncia do uso de novas formas de representao. O sentido de

    real pode ser expandido, graas ao uso de formatos e linguagens, im-

    plementados pela convergncia miditica.

    jornalismo.indb 24 6/12/aaaa 11:19:20

  • Voc quer pa

    rar o tempo

    O tempo n

    o tem parad

    a

    O tempo em

    si

    No tem fim

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    jornalismo.indb 25 6/12/aaaa 11:19:20

  • jornalismo.indb 26 6/12/aaaa 11:19:20

  • 1Da perspectiva contratual nos meios de comunicaoOs meios de comunicao de massa, em sua prtica, vivem situao plena

    de concorrncia. O principal alvo de disputa concentra-se em torno da

    audincia. o consumo elevado que assegura um melhor posicionamento

    da empresa no mercado. Antes da consolidao da audincia, h um longo

    percurso que busca articular a relao entre a instncia de produo e a

    instncia de reconhecimento, assim como certas caractersticas dos pro-

    dutos que disputam uma mesma zona de concorrncia na segmentao

    que hoje se observa em diversas modalidades de publicao. Percebe-se

    ento que, cada vez mais, h uma semelhana no produto dos meios de

    comunicao, em especial no tocante aos contedos.

    Diante de um quadro de tantas semelhanas, o que marca a diferen-

    a a maneira de apresentar o contedo. Essa distino assegurada

    pela proposta e manuteno de um contrato ou promessa. Na linha da

    concorrncia entre os produtos na rea de comunicao, h mudanas

    operacionalizadas com base nas novas tecnologias. A tradio do jornal

    impresso passa por transformaes no que diz respeito ao cenrio pro-

    posto pela internet. j consolidada prtica do jornalismo, somam-se

    os novos recursos da Web, fazendo do Webjornalismo um mix de antigas

    prticas, fundindo texto, imagens, udio etc.

    No mbito da comunicao de massa, em que produzir contedos

    seguir uma srie de constrangimentos que, em larga escala, so os di-

    tames da concorrncia, a questo fundamental o estabelecimento de

    marcas discursivas especficas. Logo, compete aos veculos de comunica-

    o estabelecer parmetros para esse elo, que devem ser freqentemente

    avaliados e reposicionados. Essa capacidade de renovao que define

    no apenas o estabelecimento de um pblico, mas tambm sua ampliao

    ou diminuio.

    | 27

    jornalismo.indb 27 6/12/aaaa 11:19:20

  • 28 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    O conjunto das estratgias empregadas configura o que se passou a

    definir como contrato de comunicao (charaudeau, 1994) e contrato

    de leitura (vern, 1985). Embora existam diferenas quanto ao modo de

    operacionalizar o elo contratual entre as instncias comunicacionais, h

    pontos em comum no tocante ao nvel de relacionamento entre enuncia-

    dor e co-enunciador, tomando-se o produto miditico como elemento

    fundamental dessa interface.

    Ao se conceber a comunicao na lgica contratual, h que se consi-

    derar o jogo de fora1 para que cada um dos lados, enunciador e destina-

    trio, seja considerado como uma instncia que busca constantemente

    estabelecer e manter contato com a outra.

    Todo ato de comunicao um objeto de troca entre duas instncias, uma

    de enunciao e outra de recepo, da qual o sentido depende da relao de

    intencionalidade que se instaura entre elas. Isso determina trs lugares de

    pertinncia: a instncia de enunciao lugar das condies de produo;

    a instncia de recepo, que ser chamada lugar das condies de inter-

    pretao; e aquele no qual se encontra o texto como produto acabado, que

    ser chamado lugar de construo do discurso. (charaudeau, 1997, p. 15).

    Para Charaudeau (1997), o ato comunicacional depende de uma re-

    lao de intencionalidade entre as instncias, o que define trs lugares:

    enunciador, destinatrio e o texto, resultado de um jogo de intencionali-

    dades entre as partes precedentes. O interessante perceber que o texto,

    ao mesmo tempo processo e resultado de um desejo da parte que envia

    e da que recebe. O texto, na condio de resultado de uma construo

    discursiva, carrega as marcas de sua produo, o que acarreta entender o

    que definido como sua instncia destinatria.

    O texto surge, ento, da relao entre as intenes do enunciador e

    do destinatrio. Conclui-se que o texto produzido portador da co-

    intencionalidade que se estabelece entre enunciador e destinatrio (seres

    de fala), e no entre produtor e receptor (seres de ao). (charaudeau,

    1997, p. 18). Falar do binmio emissor-receptor seria permanecer num

    mero reducionismo, base de outros pressupostos tericos interessados

    em dar conta do processo comunicacional2.

    jornalismo.indb 28 6/12/aaaa 11:19:20

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 29

    Tratar enunciador e destinatrio como seres de fala implica postular

    que a atuao/empreendimento no ato comunicativo ocorre a partir des-

    tes dois locais, de forma mais ou menos equacionada, e no de um lado

    forte que atua sobre um fraco. Fala-se, sobretudo, de um empenho no

    sentido de entender o outro, de localizar, por exemplo, as intenes do

    destinatrio para que ele se lance no processo comunicacional. Postula-

    se, dessa forma, que necessrio tentar compreender o que o destinatrio

    espera obter por meio de sua entrada nesse processo.

    Da mesma forma, a instncia enunciadora, embora ouvindo a destina-

    tria, tambm elabora o produto centrando-se em suas intencionalidades.

    Por esse ngulo, a questo passa a configurar-se como: o que o enunciador

    pretende com a elaborao e disponibilizao de seu enunciado? Tem-se,

    portanto, uma relao entre seres de fala, o que implica entender a

    comunicao como desencadeada por uma co-intencionalidade.3

    A partir do exposto, entende-se que o texto o local onde se podem

    encontrar as marcas das intencionalidades que impulsionam a elaborao

    de um discurso especfico. Por meio de uma lgica contratual, a comu-

    nicao estabelece vnculos entre as instncias que, embora devam ser

    constantemente repensados e reafirmados, podem permitir ao analista

    localizar as marcas e, por meio delas, reconstruir o nvel de envolvimento

    estabelecido entre um produto e seu pblico. Ao privilegiar elementos

    particulares/peculiares, contrato de comunicao e de leitura, a seu

    modo, cada um tenta vislumbrar as modalidades que permitem entender

    as formas de aproximao entre as instncias.

    A COMuNICAO SEGuNDO A LGICA CONTRATuAL: A ENuNCIAO COMO bASE DOS CONTRATOS DE COMuNICAO E DE LEITuRA

    O contrato de leituraO contrato de leitura, para a instncia de produo, baseia-se num con-

    junto de obrigaes ou constrangimentos discursivos a serem respei-

    tados; para o destinatrio, h, por meio das estratgias do enunciador, o

    reconhecimento de suas intenes, por exemplo, no tocante linguagem

    usada, o que pode marcar tanto a aproximao quanto o distanciamento

    em relao ao pblico. Este posicionamento entre a instncia de produo

    jornalismo.indb 29 6/12/aaaa 11:19:20

  • 30 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    e de reconhecimento estabelecido, segundo a anlise do discurso, pela

    construo e disposio dos sujeitos discursivos enunciador e destina-

    trio ou co-enunciador.

    O estudo do contrato de leitura fala, conseqentemente, sobre todos os

    aspectos da construo de um suporte de imprensa, na medida em que

    eles constroem a ligao com o leitor: capa, relao texto/imagens, modo

    de classificao do material redacional, dispositivos de apelo (ttulos,

    subttulos, chapus etc.), modalizao da construo de imagens, tipos

    de percursos propostos ao leitor (por exemplo; capa b ndice b artigo)

    e as variaes que a se produzem, modalidades de paginao e outras

    dimenses que podem contribuir para definir a maneira especfica pela

    qual o suporte constri a ligao com seu leitor. (vern, 1985, p. 211).

    Em linhas gerais, o funcionamento do contrato de leitura busca

    assegurar audincia fiel a um produto. Logo, enquanto diferencial,

    a articulao no tocante ao contrato de leitura que marca a distino.

    Ou seja, h uma diversidade de discursos semelhantes; mas a forma de

    apresentao do material j se constitui num diferencial, sobretudo por

    trabalhar aspectos identitrios, que facilitam a aproximao e o percurso

    de leitura por parte de seu pblico.

    Diante dessa diversidade, percebe-se que, ao se abordar a anlise do

    discurso, preciso estar atento para uma vasta gama de possibilidades,

    pois, como sugere Vern (1979, p. 134), o discurso uma configurao

    espao-temporal do sentido. No universo miditico possvel localizar

    distintas estratgias, associadas ao enunciador e ao destinatrio.

    a presena de elementos comuns que desencadeia a luta para mar-

    car a diferenciao entre os produtos miditicos. A distino recai sobre

    as variaes estratgicas que marcam os fenmenos de concorrncia

    interdiscursivos, resultante de um mercado de produo de discurso. A

    imprensa escrita fornece exemplos notveis desse tipo de situao e, con-

    seqentemente, um domnio privilegiado para o estudo das variaes

    estratgicas. (vern, 1988, p. 14-15).

    Enquanto setor de produo cultural massivo, a imprensa apresenta

    uma trajetria permanentemente submetida s leis da concorrncia.

    jornalismo.indb 30 6/12/aaaa 11:19:20

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 31

    Partindo dessa premissa, Vern (1988, p. 15) aponta para a necessidade de

    que se precisem as condies de mercado sob as quais a imprensa opera.

    Para tanto, torna-se fundamental compreender como um ttulo de refe-

    rncia4 chega a tal categoria, pelo reconhecimento do valor agregado. Da

    mesma forma, h que se mencionar que o valor simblico de um produto

    ganha amplitude quando socialmente partilhado.

    Na dinmica da concorrncia, possvel observar o desenvolvimento

    de trs princpios (vern, 1988) associados s condies de produo dos

    discursos da imprensa:

    A produo de seus leitores: compreende o conjunto de caractersticas

    definidoras do perfil dos leitores almejados pelo ttulo em questo. A

    produo dos leitores feita por meio de percepes-representaes que

    os atores sociais, implicados na produo do ttulo de referncia enquanto

    produto, tm dos setores sociais almejados como alvos (vern, 1988, p.

    15). O pblico desejado serve de parmetro para que o contrato de leitura

    seja proposto, tentando atender as aspiraes, motivaes e imaginrio

    do pblico pretendido.

    Posicionamento do ttulo em relao aos concorrentes: tendo-se em vista

    o panorama no qual est inserido um ttulo, ao buscar estabelecer um

    contato com o pblico pretendido, firma-se uma ligao que pode ser

    definida como contratual. A constituio de um pblico leitor supe a

    estruturao, no discurso do ttulo, de uma ligao proposta ao receptor

    sob a forma daquilo que eu chamei um contrato de leitura. (vern, 1988,

    p. 15, grifo do autor).

    O contrato de leitura elemento estratgico, que se organiza a partir

    de uma situao de concorrncia, haja vista que os outros ttulos em

    disputa uma mesma faixa de mercado tambm buscam se posicionar.

    Quem for capaz de estreitar os vnculos com seu pblico estabelece

    um contrato de leitura, assegurando, assim, a participao do leitor no

    processo comunicacional. Fator relevante que modificaes podem ser

    implementadas num contrato de leitura pela expectativa em relao aos

    concorrentes. Se um concorrente avana nas estratgias de aproximao

    com o pblico, o veculo certamente deve se reposicionar.

    1.

    2.

    jornalismo.indb 31 6/12/aaaa 11:19:20

  • 32 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    Depois da produo do leitor, a venda do coletivo potencial de consumido-

    res aos anunciantes: numa relao metadiscursiva, representando o discur-

    so do ttulo, o conjunto dos leitores vendido como pblico potencial.

    A instncia de produo, impulsionada por constrangimentos que

    no dizem respeito apenas conformao do leitor, tambm mostra-

    se preocupada com a maneira como os anunciantes vem o ttulo em

    questo, em contraste com seus concorrentes. Este terceiro princpio

    desponta como um construto discursivo que funde os posicionamentos

    anteriores, colocando em contato a idia de um pblico e os anunciantes.

    Vale ressaltar que resultado de duplo movimento de idealizao: de um

    lado, o meio de comunicao que se dirige a um pblico pretendido e se

    posiciona em relao a ele, buscando estabelecer marcas que o distingam

    dos concorrentes; do outro, o anunciante, que tambm busca atingir seu

    consumidor, igualmente imaginado. A instncia destinatria surge, dessa

    forma, como elo entre o ttulo de referncia e a esfera dos anunciantes.

    Todo o universo da imprensa massiva est localizado num panorama

    definido como zona de concorrncia direta. Cada produto, que Vern

    (1988, p. 16) classifica como gnero,5 busca estabelecer um vnculo com

    uma determinada instncia destinatria, seu pblico pretendido. A par-

    tir da idia de uma zona de concorrncia, o autor explicita que vrios

    gneros podem disputar pblico numa mesma faixa, como uma revista

    especializada para o pblico feminino, o que definido como concor-

    rncia interdiscursiva. (p. 14).

    No plano da concorrncia interdiscursiva, como no caso da impren-

    sa generalista feminina, um ttulo, segundo Vern, geralmente vem

    organizado

    em torno de trs grandes campos semnticos: moda, beleza e cozinha.

    Alm dessa regularidade temtica global, no interior de cada um desses

    campos e por razes que tocam o ritmo sazonal do mercado da consuma-

    o e de prticas coletivas associadas ao lazer, eles so levados a falar das

    mesmas coisas no mesmo momento do ano: o branco, o bronzeamento,

    as colees, a volta s aulas, o regime, os presentes das festas, e vrios

    outros temas que retornam todo ano no mesmo perodo. No interior de

    uma zona, a oferta apresenta, no plano dos grandes eixos temticos,

    uma homogeneizao considervel. (1988, p. 16).

    3.

    jornalismo.indb 32 6/12/aaaa 11:19:20

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 33

    Tem-se, dessa forma, que todo produto da grande imprensa est dis-

    posto segundo uma organizao discursiva que considera no apenas os

    interesses do pblico pretendido, mas, de maneira significativa, consi-

    derado tambm todo produto que disputa espao numa mesma zona de

    concorrncia. Ambos elaboram e emitem discurso similar a um pblico

    situado na mesma faixa de interesse. Sob esse prisma, o discurso est

    balizado entre as expectativas quanto ao concorrente e ao pblico.

    O discurso da imprensa escrita, a partir da noo de matrias significantes,

    se apresenta sob a forma de material verbal, imagem e layout (composio

    das pginas). preciso, ento, levar em conta esta complexidade discursiva

    para descrever o sentido engendrado nos suportes de imprensa, observan-

    do igualmente os sistemas de representaes ligados s estruturas institu-

    cionais e s modalidades dos destinatrios. (ferreira, 2002a, p. 269).

    Pode-se dizer que, em funo da concorrncia entre os veculos,

    opera-se uma aproximao cada vez maior entre eles. Esta similitude

    vista tanto no formato quanto no assunto. Nessa perspectiva, o que ir

    definir a diferena j no o que dito, e sim a forma do dizer, ou seja,

    a enunciao.

    Os estudos de contrato de leitura pelo modo de uma descrio do plano da

    enunciao, mostram que, freqentemente, dois suportes extremamente

    prximos do ponto de vista de suas rubricas e dos contedos neles figura-

    dos, na verdade so muito diferentes um do outro sob o plano do contrato

    de leitura, plano que crucial, porque l que se constri a ligao de

    cada suporte com seu pblico. (vern, 1985, p. 209).

    A questo central, num ambiente de concorrncia, a definio de

    singularidades. esta singularidade que deve permitir a justificativa,

    aos olhos dos anunciantes, de anunciar em um ttulo mais que no con-

    corrente. (vern, 1988, p. 17). uma estratgia discursiva, baseada na

    enunciao, a nica maneira para se construir uma personalidade dis-

    tinta em relao aos outros veculos. Por meio dessa estratgia, possvel

    estabelecer a ligao com o leitor.

    No universo da comunicao, no que diz respeito precisamente aos

    contedos, a posio fundamental para o entendimento dos jogos de sig-

    jornalismo.indb 33 6/12/aaaa 11:19:21

  • 34 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    nificados est assentada no mbito do enunciador. O enunciado o texto

    realizado e a enunciao o ato de produo do texto, sendo que esta

    desencadeada pelo enunciador. Segundo Dubois (1970, p. 100), a enun-

    ciao apresentada seja como o surgimento do sujeito no enunciado,

    seja como a relao que o locutor mantm pelo texto com o interlocutor,

    ou como a atitude do sujeito falante em relao a seu enunciado.

    Nessa perspectiva, o enunciado de exclusiva responsabilidade do

    enunciador, que assume a posio de sujeito, desencadeando a ao de

    preparar e apresentar o enunciado. Para Dubois (1970, p. 104), isso sig-

    nifica dizer que esse sujeito assume totalmente seu enunciado, e que, da

    mesma forma, h uma relativa identificao entre o eu sujeito do enun-

    ciado e o eu sujeito da enunciao.

    Considerando-se o fenmeno da homogeneizao dos contedos, o

    nico meio pelo qual um ttulo pode consolidar sua personalidade o

    desenvolvimento de

    uma estratgia enunciativa que lhe seja prpria, dito de outra maneira,

    construindo uma certa ligao com seus leitores [dessa forma] cada

    zona de concorrncia direta um verdadeiro laboratrio para o estudo

    de fenmenos enunciativos: encontra-se uma multiplicidade que tra-

    balham de diversas maneiras uma mesma matria semntica. (vern,

    1988, p. 17, grifo do autor).

    Se o material semntico o mesmo, a distino pode ser feita pelo tipo

    de organizao discursiva e na maneira como ocorre o direcionamento

    desse enunciado para o destinatrio. A relao entre o discurso e seu

    direcionamento para um pblico possvel desde que a lngua seja de-

    vidamente empregada. Para Benveniste (1989, p. 82), h que se marcar a

    distino entre a lngua e o uso que dela se faz: a dificuldade apreender

    este grande fenmeno, to banal que parece se confundir com a prpria

    lngua, to necessrio que nos passa despercebido.

    O uso dos recursos lingsticos pode marcar tanto o xito quanto o

    declnio de uma empreitada discursiva, no que tange aproximao entre

    enunciado e destinatrio. Na perspectiva que se adota aqui, de construo

    de um contrato de leitura como elemento capaz de aproximar enunciador

    e destinatrio, fundamental que o falante se posicione marcadamente

    jornalismo.indb 34 6/12/aaaa 11:19:21

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 35

    por meio do ato da enunciao. Como lembra Benveniste (1989, p. 82),

    a enunciao este colocar em funcionamento a lngua por um ato in-

    dividual de utilizao.

    Esse ato individual caracteriza um posicionamento discursivo e marca

    sua posio, alm de distingui-lo daqueles que disputam espao numa

    mesma zona de concorrncia. A individualidade no marca apenas o ato

    da enunciao, mas igualmente caracteriza e distingue aquele que enun-

    cia. Pela enunciao o enunciado criado, delineando um perfil.

    O ato individual pelo qual se utiliza a lngua introduz em primeiro lugar o

    locutor como parmetro nas condies necessrias da enunciao. Antes

    da enunciao, a lngua no seno possibilidade da lngua. Depois da

    enunciao, a lngua efetuada em uma instncia de discurso, que emana

    de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma

    outra enunciao de retorno. (benveniste, 1989, p. 83-84).

    Pelo ato da apropriao da lngua, a enunciao desponta como

    realizao individual. Segundo Benveniste (1989, p. 84), como obra da

    enunciao, o enunciador assume e explicita sua posio de locutor. Ao

    fazer isso, ele assume a lngua e instaura diante de si o outro, indepen-

    dentemente de qual seja o grau de presena atribudo a este outro. Como

    lembra o autor, toda enunciao , explcita ou implicitamente, uma

    alocuo, ela postula um alocutrio.

    Ao assumir o ato da enunciao, portanto, o locutor no apenas se

    define, mas define aquele a quem se dirige. Instaura-se, dessa forma, a

    ligao estreita que todo ttulo deve buscar manter com seu pblico. O

    discurso dirigido ao outro, que j se faz presente no ato da enuncia-

    o. Como pontua Benveniste (1989, p. 84), na enunciao, a lngua se

    acha empregada para a expresso de uma certa relao com o mundo.

    Seguindo-se essa lgica, percebe-se que o discurso miditico no algo

    acabado, no sentido de estar completo, realizado, mas uma constante

    tentativa de estabelecer contato com um pblico. A relao com o mundo

    qual o autor se refere diz respeito tentativa de dialogar seja com as

    expectativas do leitor, seja com o cumprimento de promessas no tocante

    a esses desejos, que concernem informao, entretenimento etc., ele-

    mentos prprios da comunicao.

    jornalismo.indb 35 6/12/aaaa 11:19:21

  • 36 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    Para Fisher e Vern (1986), a mdia em geral campo frtil para se

    observar as estratgias enunciativas. Mediante a diversidade das condi-

    es discursivas, seria astucioso quem conseguisse precisar a situao

    de enunciao que corresponde a cada um. Para os autores, o discurso

    social midiatizado coloca a instncia de produo em tentativa de contato

    com todo aquele (qualquer um) que possa estar em situao de recepo.

    Sobre isso, advertem os autores:

    No entanto, este qualquer um est longe aqui de ser um destinatrio

    annimo: trata-se de construir um co-enunciador bem determinado,

    o qual ser impulsionado a tomar atitudes complexas e ao qual sero

    emprestadas intenes, necessidades, interesses e uma identidade bem

    precisa. (p. 81).

    A sobrevivncia de um produto miditico depende da capacidade que

    a instncia enunciadora tem de dialogar com seu pblico. O ponto de

    tenso se instaura a partir do contato ou do atrito entre um co-enunciador

    imaginado, que pode tanto ter correspondncia com a imagem do des-

    tinatrio, e os atores sociais, reais, que assumem a posio de leitores.

    Conforme o vaticnio dos autores, se a revista no consegue encontrar

    os destinatrios que aceitam a imagem que a revista lhes prope deles

    mesmos, ela no ser comprada. (fisher; vern, 1986, p. 81).

    O estabelecimento de vnculo com o leitor, de fato, vai ser verificado,

    como lembra Vern (1989, p. 19-22), pela mensurao das vendas dos

    ttulos, visto que os demais dados apenas quantificam as declaraes dos

    entrevistados. Para o autor, o nico indicador de que dispe o sistema de

    produo aquele que se expressa por meio da preferncia, explicitada

    nos comportamentos de compra e, da mesma forma, de no-compra.

    O posicionamento consciente do sujeito falante no texto pode ser

    verificado por meio das marcas deixadas no texto. Essas marcas demons-

    tram a intencionalidade do enunciador, por meio de seu enunciado, no

    tocante a seu destinatrio o que, por sua vez, propicia o reconhecimento

    da instncia enunciadora e a possvel aproximao do destinatrio.

    Como exemplo, Fisher e Vern (1986) situam o sistema de enunciao

    das revistas femininas. Para os autores, o desejo de sincronizar um dis-

    curso com as expectativas do leitor que, no geral, respeita as demandas

    jornalismo.indb 36 6/12/aaaa 11:19:21

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 37

    sazonais, como as frias, as festas, o branco das roupas, a cozinha de

    vero, a volta escola, leva os ttulos a falarem das mesmas coisas, ao

    mesmo tempo. A diferena notada na maneira de dirigir o discurso

    leitora pretendida. Para os autores, notam-se as seguintes categorias:

    O co-enunciador uma mulher;

    Ela tem filhos;

    Tudo aquilo que possa ajud-la com a situao

    de volta s aulas lhe interessa;

    O enunciador conhece as preocupaes de seu destinatrio

    e desempenha uma atividade de conselheiro. (p. 82).

    A relao entre ttulo e leitora consolida-se pela confiana mtua. A

    instncia enunciadora, ao construir um discurso, elabora antecipadamen-

    te todo o percurso do discurso, posicionado pelas estratgias de enuncia-

    o. Como exemplo, podemos tomar uma capa do peridico feminino

    Claudia, setembro de 2007 (Fig. 1). A revista direciona-se mulher que

    trabalha fora, gosta de cuidar da casa e tem filho ou se preocupa com

    a questo. Duas chamadas de capa ilustram a ateno da revista com a

    questo filhos:

    Mulher com filhos X mulher sem filhos uma questo

    que est pegando fogo nas empresas.

    10 competncias que o seu filho precisa desenvolver

    hoje para ser um sucesso no futuro.

    A questo sexual, que deve interessar a todas as leitoras da revista,

    aparece na primeira chamada, do lado direito.

    Sexo depois dos 30 Ir para a cama no primeiro encontro ou segurar?

    As artimanhas das mulheres para garantir um compromisso.

    jornalismo.indb 37 6/12/aaaa 11:19:21

  • 38 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    A sexualidade um assunto que, no geral, est presente em todas

    as capas de revistas especializadas por gnero. Mens Health, publicao

    dirigida ao pbico masculino, na edio de Maio de 2007 (Fig. 2), traz:

    Sexo exploso! 7 dicas para esta noite...

    Em relao cobertura sazonal, por estar em maio, ms de conscien-

    tizao dos problemas cardacos, apresenta-se a chamada:

    Nunca tenha um ataque cardaco!

    Figura 1: Capa da revista Claudia, setembro de 2007.

    Figura 2: Capa da revista Mens Health, maio de 2007.

    jornalismo.indb 38 6/12/aaaa 11:19:24

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 39

    Kerbrat-Orecchioni (1986, p. 161) afirma que interpretar um enun-

    ciado , simplesmente, quer se trate de contedo explcito ou implcito,

    aplicar suas diversas competncias aos vrios significados inscritos na

    seqncia, de modo que se extraia da seus significados. Na seqncia,

    a autora adverte no se tratar de reducionismo, mas de mecanismo de

    complexidade extrema, que sempre convoca competncias heterogne-

    as. Para a autora, podem ser elencadas quatro competncias dos sujeitos

    falantes, acionadas no ato da interpretao dos enunciados: competncia

    lingstica, competncia enciclopdica, competncia lgica e competn-

    cia retrico-pragmtica.

    Na perspectiva do contrato de leitura, os dispositivos de enunciao

    cumprem duplo papel: estabelecer vnculo com o leitor e marcar a dife-

    rena do produto em relao ao concorrente. Da parte do destinatrio, a

    interpretao do posicionamento do enunciado a premissa bsica. Para

    tanto, faz-se apelo ao que se define como gramtica de reconhecimento

    (vern, 1988, p. 23) ou competncia enciclopdica. (kerbrat-orecchioni,

    1986, p. 162). O ttulo visto como fornecedor de resposta a uma questo

    que diz respeito ao destinatrio.

    O contrato de comunicaoO contrato de comunicao prev aes que decorrem do contato entre

    enunciador e destinatrio, de maneira mais ou menos estvel, fixando-se

    os papis dos parceiros do ato de comunicao, o sujeito que fala ou es-

    creve e o sujeito que compreende-interpreta. (charaudeau, 1994, p. 9).

    Nota-se a nfase na parceria quanto ao ato comunicacional, decorrente

    de estratgias concernentes a ambas as instncias. Charaudeau afirma que

    estes dados constituem ao mesmo tempo o quadro de constrangimentos

    discursivos que estes sujeitos devem reconhecer, sob a pena de no poder

    comunicar, e o espao no qual eles podem se valer de estratgias discursi-

    vas para tentar influenciar o outro. (p. 9, grifos do autor).

    A expresso contrato de comunicao originria da lingstica.

    Inicialmente, ao trabalhar com a idia de contrato, Charaudeau (1983)

    desenvolve o conceito de contrato de fala. Segundo ele, a criao de iden-

    tidades de um produto passa pela consolidao de contratos, na modali-

    dade de partilha de prticas e representaes sociais. Para compreender

    a lgica contratual, preciso que se entenda as estratgias de fala.

    jornalismo.indb 39 6/12/aaaa 11:19:24

  • 40 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    A noo desse contrato pressupe que os indivduos participantes de

    um mesmo corpo de prticas sociais sejam susceptveis de se colocar

    de acordo sobre as representaes linguageiras destas prticas sociais.

    Acredita-se que o sujeito comunicante poder, sensatamente, atribuir ao

    outro uma competncia linguageira de reconhecimento anloga a sua. O

    ato da linguagem torna-se, ento, uma proposio que o EU faz ao TU e

    pela qual ele espera uma contrapartida convivente. (charaudeau, 1983,

    p. 50, grifos do autor).

    A idia geral de um contrato no que se refere ao processo comunica-

    cional, seja ele contrato de comunicao ou de fala, pressupe, por meio

    do quadro geral dos constrangimentos, a observao de critrios con-

    cernentes elaborao do texto/discurso. A observao de tais regras

    que pode viabilizar o encontro entre enunciador e destinatrio, por meio

    do texto. Essa relao pode ser observada tambm nos estudos de cunho

    sociolgico na comunicao, na chamada sociologia dos emissores6. O ga-

    tekeeper, as rotinas produtivas ou o newsmaking configuram formulaes

    tericas que permitem entender a consolidao de modelos de produo,

    tendo-se em vista um quadro geral de constrangimentos, mesmo que di-

    gam respeito prioritariamente organizao scio-econmica e poltica

    da instncia produtora.

    Charaudeau (1994), embora se mantenha no mbito da lingstica,

    assume como objeto de anlise o discurso da mdia. Para o autor, da

    mesma forma que qualquer outro processo de comunicao, o miditico

    encontra-se pautado pelo jogo das expectativas quanto ao que dito,

    ou os constrangimentos discursivos, base do contrato de comunicao,

    composto de trs dados:

    Os que definem a finalidade do ato de comunicao, respondendo

    questo: o sujeito falante est l para fazer o qu e dizer o qu?, os que

    determinam a identidade dos parceiros deste mesmo ato de comunicao,

    respondendo a questo: quem se comunica com quem e que papis lin-

    guageiros eles devem ter?, enfim os que caracterizam as circunstncias

    materiais nas quais se realiza este ato, respondendo questo: em que

    local, com que meios, usando que canal de transmisso?. (charaudeau,

    1994, p. 09, grifos do autor).

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  • a comunicao segundo a lgica contratual | 41

    O contrato de comunicao assenta-se sobre uma preocupao

    quanto aos comportamentos discursivos, ou seja, as modalidades do

    dizer, objetivando produzir um determinado efeito junto ao destinatrio.

    Analisar um tipo de discurso equivale, ento, descrever, inicialmente, o

    contrato do qual ele depende. (charaudeau, 1994, p. 9).

    Ao se afirmar que o processo comunicacional coloca em contato ins-

    tncias, de produo e de recepo, percebe-se a necessidade de enten-

    der cada uma delas, desde suas especificidades, com o olhar focado no

    nvel relacional estabelecido entre ambas. No tocante aos procedimentos,

    cada uma circunscreve suas aes a um conjunto prprio, situado entre

    expectativas e constrangimentos discursivos.

    Entender o processo como resultado de uma transao, tendo por

    base uma relao especular, implica lanar outro olhar sobre a empreitada

    comunicacional, para alm da viso simplista que diz respeito prepon-

    derncia do plo emissor/enunciador. A questo passa a centrar-se num

    jogo entre imaginrios: como uma instncia imagina ou prev a outra,

    que desejos o enunciador atribui ao destinatrio, e este, com base nas

    potencialidades do veculo, o que espera do enunciador?

    Os constrangimentos discursivos, segundo o contrato de comunicao,

    tratam de uma previsibilidade quanto aos papis das instncias o que, por

    fim, induz uma delas a se posicionar discursivamente tomando por baliza

    o que seria possvel dizer, com base no que se acredita ser as expectativas

    do outro. Sobre essa relao, Charaudeau (1983), a partir de um exemplo

    de dilogo entre um cliente e uma garonete, mostra o excedente do que

    seria esperado numa circunstncia daquelas:

    Victor decidiu entrar em um caf para se proteger da chuva e refletir sobre

    o dia, que decididamente havia comeado mal. Sentou-se a uma mesa

    ao fundo da sala; a garonete aproximou-se dele e perguntou: voc

    fuma ? Ele levantou a cabea num tom questionador e olhou a jovem

    garonete, que estava ligeiramente inclinada, com as mos para trs, e

    que o tratava com gentileza. Victor considerou a questo inslita; ele se

    perguntava sobre o que ela poderia significar. A jovem estava a paquer-

    lo? No, absolutamente, que pretenso! E eles nem se conheciam. Teria

    ela percebido seus dedos amarelados pelo tabaco? Mas com que direito

    ela fazia essa reflexo? Ou ento, ela queria um cigarro; sim, devia ser isso.

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  • 42 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    Victor coloca ento a mo no bolso para tirar seu mao, mas ele no teve

    tempo de retirar sequer um cigarro, pois a garonete j havia colocado

    sobre a mesa o cinzeiro que ela tinha atrs das costas. Victor se reprovou

    por ter sido to bobo. Evidentemente, na Frana no se deseja ver pontas

    de cigarro nem a cinza nas xcaras de caf. (charaudeau, 1983, p. 37).

    Charaudeau (1983, p. 37) diz que [o personagem] Victor constri

    para si imagens de um interlocutor que no o enunciador real do ato de

    linguagem, mas o enunciador que ele, intrprete, imagina. Dessa forma,

    o autor ilustra os mecanismos de atrao entre o produto e o leitor/inter-

    pretante e as estratgias que atuam na captao da ateno desse leitor

    que, pelo ato interpretativo e expectativas quanto ao que dito, adere ao

    ato comunicacional.

    Em relao s instncias enunciadora e destinatria, Charaudeau

    (1983) prope um desdobramento: quanto ao enunciador, o sujeito da

    enunciao e o sujeito da comunicao; quanto ao destinatrio, o tu

    destinatrio e o tu interpretante. O tu interpretante, segundo o autor,

    para o processo de interpretao, lana mo de suas experincias pes-

    soais, ou seja, de suas prprias prticas significantes (p. 41). Tem-se,

    com isso, um esmiuamento quanto aos papis que, porventura, se

    imagine unitrios e fechados.

    Por meio dessa clivagem, pode-se perceber o papel do imaginrio

    como elemento importante na constituio do outro, enunciador ou des-

    tinatrio. possvel notar que o tu destinatrio um sujeito dependente

    do eu (enunciador), uma vez que institudo por ele. Ele faz parte, ento,

    do ato de produo que produzido pelo EU. Por outro lado, o tu inter-

    pretante um sujeito que tem sua ao marcada por um posicionamento

    pessoal, que se institui como responsvel pelo ato de interpretao que

    ele produz. (charaudeau, 1983, p. 41).

    A noo de um sujeito-agente nico e poderoso atrelado emisso

    posta em xeque quando se aceita que o outro, tu, alm de destinatrio,

    tambm pode ser visto como interpretante, ou seja, partcipe de um prin-

    cpio de ao. Se o destinatrio construdo pelo enunciador, obedecendo

    aos constrangimentos que lhe so peculiares e daqueles concernentes a

    ele (destinatrio), possvel localizar o papel das expectativas quanto ao

    enunciador, e no apenas do enunciador em relao ao destinatrio. O tu

    interpretante responsvel pelo ato, independentemente (charaudeau,

    jornalismo.indb 42 6/12/aaaa 11:19:24

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 43

    1983, p. 41), em relao ao enunciador, mas essa independncia relativa

    e permanece dependente quando se prope ir alm do que foi dito.

    Dos constrangimentos ao contrato de comunicaoO contrato de comunicao, maneira de estreitamento dos laos entre

    as instncias comunicacionais, torna-se vivel por meio do conjunto de

    constrangimentos, o que configura uma seqncia de papis atribudos

    e reconhecveis pelas instncias enunciadora e destinatria.

    Todo ato de linguagem est submetido a um conjunto de constrangimen-

    tos que lhe fazem participar de um certo Gnero discursivo e depender de

    um contrato de fala determinado. Resulta, [...], que os participantes desse

    ato de linguagem se encontram sob uma cena na qual eles devem assumir

    certos status scio-lingusticos, que lhes so conferidos pelo Contrato de

    fala. (charaudeau, 1983, p. 93).

    O quadro dos constrangimentos da informao miditica, segundo

    Charaudeau (1994), possibilita pensar sobre os elementos a partir dos

    quais se consolida o contrato. Ele fornece um instrumental que permi-

    te compreender as estratgias por meio das quais se operacionaliza a

    consolidao de elos entre as instncias, na condio de elementos

    constitutivos desse discurso. O autor elenca as seguintes caractersticas

    discursivas, que atuam como constrangimentos: a identidade dos parti-

    cipantes, a finalidade e as circunstncias.

    De incio, preciso que se trate da identidade dos participantes, isto

    porque, na perspectiva do autor (charaudeau, 1994, p. 9), a comunicao

    miditica no pe indivduos em relao, mas sim instncias, de produo

    e de reconhecimento. instncia de produo (enunciadora) compete

    a captao do fato, segundo critrios como seleo, e sua transformao

    em acontecimento midiatizado. Ao passar da captao de um fato a sua

    transformao num produto midiatizado, a mdia assume para si um duplo

    papel, ao mesmo tempo provedora de informao e pesquisadora de

    informao. (charaudeau, 1994, p. 10). Para o cumprimento desse duplo

    papel, a instncia de produo encontra-se presa a certas dificuldades/

    constrangimentos. De ordem quantitativa, em primeiro lugar, visto que h

    inmeros fatos que podem ascender categoria de notcia. Por meio dos

    constrangimentos de espao e tempo, preciso que se realize uma seleo.

    jornalismo.indb 43 6/12/aaaa 11:19:25

  • 44 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    Em segundo lugar, de ordem qualitativa, referente origem da infor-

    mao. Como o jornalista no pode estar presente em todos os lugares

    onde os fatos acontecem, v-se obrigado a lanar mo de fontes diversas:

    agncias profissionais, correspondentes, enviados especiais, informantes

    de todo tipo, outras mdias, etc.. (charaudeau, 1994, p. 10).

    Em terceiro lugar, tambm de ordem qualitativa. As empresas de co-

    municao vivem em plena concorrncia econmica, o que as obriga a se

    destacar das outras, tendo-se em vista o pblico. Eis porque a instncia

    provedora de informao levada a produzir uma auto-imagem que lhe seja

    prpria, de sorte a captar um certo grupo de leitores, ouvintes ou telespec-

    tadores que deve ser o mais amplo possvel. (charaudeau, 1994, p. 10).

    Definir a instncia de recepo (destinatria) converte-se numa

    demanda mais complexa, visto que esbarra em questes como as moti-

    vaes para a ao (ler, escutar, assistir), bem como na nomenclatura:

    leitor, ouvinte ou telespectador. Em geral, para se entender o pblico-

    alvo so feitos cortes de idade, gnero, classe social, mas so apenas

    postulaes. Os alvos, no fim das contas, so heterogneos e instveis.

    (charaudeau, 1994, p. 11).

    Compreender a relao entre produo e consumo vai alm da mera

    busca de certezas quanto produo, envio e recebimento. H que se

    considerar, isto sim, o jogo de intencionalidades concernente s instn-

    cias de produo e reconhecimento.

    Dessa forma, a instncia de produo se encontra engajada em um pro-

    cesso de transformao, no qual ela desempenha um papel de mediadora,

    e s vezes de construtora do acontecimento, entre o mundo exterior onde

    se encontra o fato no estado bruto, e o mundo miditico, cena sobre a

    qual deve aparecer o acontecimento midiatizado. (charaudeau, 1994,

    p. 10, grifo do autor).

    A finalidade 1 desejo da informao diz respeito ao posiciona-

    mento da mdia no tocante ao espao e ao tempo, tendo-se em vista que

    os acontecimentos so desdobramentos do espao social e devem ser

    transmitidos a uma instncia de recepo, possuidora da qualidade de

    ator participante da vida pblica, o que exige que as informaes faam

    parte deste mesmo espao pblico. (charaudeau, 1994, p. 11).

    jornalismo.indb 44 6/12/aaaa 11:19:25

  • a comunicao segundo a lgica contratual | 45

    A dimenso do tempo apresenta-se medida que a instncia de

    produo encontra-se diante de fatos situados numa co-temporalidade

    enunciativa que rene as instncias. Este quadro temporal d forma ao

    que se chama atualidade, o que confere ao acontecimento o status

    de notcia. Dessa forma, a atualidade o que responde seguinte

    questo: o que se passa nesse momento? [...] A atualidade aquilo que

    define o fato miditico como um acontecimento do momento: eis o que

    acontece hoje. (charaudeau, 1994, p. 11, grifo do autor).

    Em relao ao espao, fica a cargo da mdia relatar instncia de re-

    cepo os acontecimentos do mundo, no importando se ocorrem em

    lugares prximos ou distantes. O distanciamento espacial em relao ao

    local onde se desenrolam os fatos obriga a instncia miditica a adotar

    meios para conhec-los e relat-los, como ao lanar mo das agncias de

    informao. Ao estabelecer uma rede global, por meio de correspon-

    dentes, busca-se apresentar o fato e, ao mesmo tempo, o testemunho de

    quem est l, para transmitir o mais rpido possvel e quase simultane-

    amente, instncia de recepo que disposta na posio ilusria de

    ver, de ouvir ou de ler o que se passa ao mesmo tempo em diversos pontos

    do mundo. (charaudeau, 1994, p. 11-12).

    A finalidade 2 desejo da captao evoca a posio de concorrn-

    cia encampada pela mdia, na busca de interessar ao maior nmero de

    consumidores de informao. Dessa forma, a instncia de produo se

    inscreve simultaneamente em um processo que consiste em despertar no

    receptor o desejo de se informar, e de se informar aqui, neste rgo

    de informao. (charaudeau, 1994, p. 12).

    As circunstncias, mais uma vez, tratam de tempo e espao e do canal

    de transmisso 7. Como constrangimento que impulsiona a organizao

    do discurso, por meio da dimenso tempo, necessrio que se crie a

    idia de atualidade, embora sabendo que o tempo do acontecimento

    diferente e anterior ao tempo da enunciao; diferente e anterior

    ao tempo do consumo. Assim, o que define a atualidade das mdias

    ao mesmo tempo o espao-tempo do surgimento do fato que deve poder

    ser percebido como contemporneo, e o espao-tempo da transmisso

    do evento. (charaudeau, 1994, p. 13).

    Em relao ao tempo, importa, segundo o autor, o tratamento dife-

    rente da noo de co-temporalidade, de acordo com o suporte miditico.

    jornalismo.indb 45 6/12/aaaa 11:19:25

  • 46 | da perspectiva contratual nos meios de comunicao

    O rdio, seguido da televiso, confere uma flexibilidade em relao ao

    fato presente, o que ser distinto quanto ao jornal impresso, que se situa

    num distanciamento maior entre o fato e seu processo de fabricao e

    distribuio. (charaudeau, 1994, p. 13).

    A questo do espao surge numa dupla movimentao. Por um lado,

    no que se refere ao tratamento e veiculao de um fato que pode ocorrer

    longe ou perto; por outro, dos questionamentos acerca da distncia que

    se instaura entre as instncias, de produo e de recepo. A col