pedagogia histórico crítica - saviani dermeval

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./ / Dados Internacionais de Cataloga~ao na Publica~ao (CPI) / (Camara Brasileira do Livro. SP, Brasil) i j Saviani Dermeval, 1944 - Pedagogia hist6rico-critica primeiras aproxima~6es I Dermeval Saviani - 7. ed - Campinas SP: Autores Associados 2000 - (Cole~ao polemicas do nosso tempo; v 40) 1 Autodetermina<;ao (Educa<;ao) - Brasil. 2 Educa~ao - Brasil 3 Educa~ao - Filosofia 4 Pedagogia J Titulo II Serie I' Edisao- 1991 Impressa no Brasil- junho de 2000 Copyright iO 2000 by Ed~ora Autores hsociados Dep6sito legalnaBiblioteca Nacional conforme Decreta nO I 825, de 20 de dezembro de 1907 Todos 05 direitos paraa lingua portuguesa reservado5 pela Editora Autores Associados Ltda . Nenhuma parte dapublica~ao pod era ser reproduzida au transmitida de qUalquer modo au par qUalquer meio. sejae!etrooco, meean:co, de fotoc6pia, de grava<;iia,au outros. sem pj:ev;aautoriza¢o par escrito da Editora 0 c6d:go penal brasileiro determina, no artigo 184: "Dos oimes contra a propriedade intelecrual VIOIa<;iio de direito autoral Art. 184. Vioiar direito autaral: Pena- deten<;iio de tres meses a um ano. au mutta § lOSe a viola<;iia cansistir f'.a reprodu<;ao, par qualquer meio de obra inte- leaual, no todo au em parte. para fins de camerdo sem autoriza<;aoexpressa do autor ou de quem a represente. ou consistir na reprodu<;iio de fonograma e \!ideograma semautoriza<;iia do produtar au de quem 0 represente: Pena - redusao de um a quatro anos e mutta " \ \, '. \ ~\ Para Benjamin, filho dileto, novaemmor [aZaOde viver. Para Malia Aparecida, esposa querida, sanho realizado

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Dermeval Saviani, em seu livro, Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações [1], procura apresentar, de maneira sistemática, a teoria pedagógica que dá nome ao livro, que é, de certa maneira, uma criação sua. Trata-se de quatro ensaios publicados anteriormente, em vários periódicos, de um Apêndice, também não inédito (contém o Prefácio à 20ª edição de um outro livro seu, Escola e Democracia) e de uma Introdução, esta sim escrita para integrar os outros trabalhos. Apesar de conter pouca coisa de novo para os que acompanham a sua trajetória, o livro é útil por dar fácil acesso a uma série de textos que servem para explicitar uma teoria que está na boca de virtualmente todos os alunos de pós-graduação no país -- e até de graduação.Grande parte do livro se ocupa de nomenclatura e classificação, pois trata-se de demarcar a Pedagogia Histórico-Crítica (doravante chamada de PHC) de outras teorias pedagógicas que lhe fazem concorrência, principalmente a teoria dita tradicional, a teoria que Saviani chama de nova, ou "escolanovista" [2], e a teoria que ele rotula de "crítico-reprodutivista" (Althusser, Bourdieu/Passeron, Baudelot/Establet). Saviani menciona ainda uma "teoria tecnicista" e uma "teoria analítica", mas, como nesse livro elas não merecem muita atenção, também vou deixá-las de lado.

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Page 1: Pedagogia histórico crítica - Saviani Dermeval

.// Dados Internacionais de Cataloga~ao na Publica~ao (CPI)

/ (Camara Brasileira do Livro. SP, Brasil)i

j Saviani Dermeval, 1944 -Pedagogia hist6rico-critica primeiras aproxima~6es I

Dermeval Saviani - 7. ed - Campinas SP: Autores Associados2000 - (Cole~ao polemicas do nosso tempo; v 40)

1 Autodetermina<;ao (Educa<;ao) - Brasil. 2 Educa~ao - Brasil3 Educa~ao - Filosofia 4 Pedagogia J Titulo II Serie

I' Edisao- 1991

Impressa no Brasil- junho de 2000

Copyright iO 2000 by Ed~ora Autores hsociados

Dep6sito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreta nO I 825, de 20 dedezembro de 1907

Todos 05 direitos para a lingua portuguesa reservado5 pela Editora AutoresAssociados Ltda .

Nenhuma parte da publica~ao pod era ser reproduzida au transmitida deqUalquer modo au par qUalquer meio. sejae!etrooco, meean:co, de fotoc6pia, degrava<;iia,au outros. sem pj:ev;aautoriza¢o par escrito da Editora 0c6d:go penalbrasileiro determina, no artigo 184:

"Dos oimes contra a propriedade intelecrualVIOIa<;iiode direito autoralArt. 184. Vioiar direito autaral:Pena - deten<;iio de tres meses a um ano. au mutta§ lOSe a viola<;iia cansistir f'.a reprodu<;ao, par qualquer meio de obra inte-

leaual, no todo au em parte. para fins de camerdo sem autoriza<;aoexpressa doautor ou de quem a represente. ou consistir na reprodu<;iio de fonograma e\!ideograma sem autoriza<;iia do produtar au de quem 0 represente:

Pena - redusao de um a quatro anos e mutta "

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Para Benjamin,filho dileto,novaemmor[aZaOde viver.Para Malia Aparecida,esposa querida,sanho realizado

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Introdu~ao: Escola e Saber Objetivo naPerspectiva Hist6rico-cl'itica

Os estudos que comp5em este livro giram em tornoda pedagogia hist6rico-crftica. Nesse sentido, dao continui-dade e complementam as analises apresentadas no livroElcola e Democracia Em verdade, Escola e Democl'aciapode ser considerado como uma introdu~ao preliminal apedagogia historico-critica Com efeito, 0 primeiro capitu-lo, "as teorias da educa~ao e 0 problema da marginalidade".apresenta uma sfntese das principais teonas da educayaoabrangendo as t,~o.ria,snao-crfticas (pedagogia tradicional.pedagogia nova e pedagogia tecnicista) e ~~)~Qrj~_c.rJ~ic~-reprodutivist~s (teoria da escola enquanto violencia simb6-lica, teoria da escola enquanto aparelho ideo16gico de Es-tado e teolia da escola dualista) Tais teodas sao submetidasa jufzo de valor colocando-se a exigencia de sua superayaocom 0 que ja se prenuncia. no item "para uma teoria criti-ca da educa~ao", a pedagogia hist6rico-cr1tica.

o segundo capitulo "Escola e Democracia I- A teo-Iia da curvatura da vara" tern urn canlter preparat6rio paraa pedagogia hist6rico-crftica ..Como registrei no prefacio a20' edic;ao.

"trata-se de uma abordagem centrada mais no aspectopolemico do que no aspeclo gnosiol6gico. Nao se Iratade uma exposi~aoexaustiva e sistematica. mas da indi·cas:aode caminhos para a crftica do existente e para adescoberta da verdade hist6rica".Empreende-se a1 uma apreciayao radical da pedago-

gia liberal burguesa seudo"a demlncia da Escola Nova apenas uma estrategia vi-sando a demarcar mais precisamente 0 ambito da peda-gogia burguesa de inspiras:aoliberal eo ambito da pe-

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dagogia socialista de inspirayaa marxista" (Saviani,1988, p, 9)

Ve-se, assim, que, embora nlio se falfa ainda a expo-silflio da pedagogia histoIico-crftica, e ela que comanda aanalise Com efeito, a perspectiva historicizadora at ado-tada constitui uma exigencia metodologica inerente a con-ceplfiio historico-critica.

Por sua vez, 0 terceiro capftulo de E!'cola e DemocTa-cia denominado "Escola e Democracia II - Para alem dateoria da curvatura da vara" pode ja ser considerado comourn esbolfo de fOImulalfao da pedagogia hist6rico-crfticaEm contraponto com as pedagogias tradicional e nova ex-poem-se agora os pressupostos filos6ficos, a proposta pe-dagogico-metodologica e 0 significado polftico da pedago-gia historico-critica,

Finalmentc, 0 quarto capitulo, "Onze teses sobre edu-calfiio e politica" procura caI'acterizar, no conhonto com apnitica polftica, a especificidade da pnitica educativa Afir-mei, entao, que "0 problema de se determinar a especifici-dade da educayiio coincide com 0 problema do desvenda-mento da natureza propria do fenomeno educativo"(Saviani, 1988, p 92),

Ora, 0 presente livro comelfa pOI tIatar exatamente doterna relativo a n'!tur!<.~~c<~~~~9~,4!<..~a educax~o, Da,pois, continuidade a reflexiio com a qual se ~o~cl~iEscolae Democracia, Determina-se a natUIeza da educalfao no am-bito da categoria "trabalho niio-material" Para melhor com-preensiio desse conceito Iecomenda-se a leitura do texto"Trabalhadores em educalfiio e crise na universidade" pu-blicado no livro Ensino publico e algumar falas sabre uni-ve15idade (Saviani, 1984, pp 75-86), onde se esclarece adistinlfiio entre trabalho produtivo e improdutivo bem comoentre produlfao material e nao-material, distin<Yuindo-sena..... ...'?. ~ . _ ~r.·_

~~~_.n~~,~~~t_~~~.a~ duas modalidades: aquela em31,!;,oJ

~~uto se separa do produtor e aquela em que 0 produto~.~-~--_ •.._.-._-_. ---,_._--~-a-to-diP~~1'iq;,_~~ nesta segund'a--moda~lidade que se loc~ljza a educalfao Todaa refl~~i~ sf: de~senvolve na perspeetlvalliSfoifCo-crltica como 0 atesta aseguinte afirma~ao:*. "a naturezahumana nao e dada ao homem mas e por ele

produzida sabre a base da natureza bio-fisica Conse-qiientemente.~J!~].lJlo..edl!cativoe 0 ~lOde--lll!2d!.l.tiJ,direta e intencionalmente, em cada indivfdY9.singular,'a humanidade que7'proauZldahist6iTca e coletivamen-te pete conjunto do~_h~~=-~s~;J------------ "

Ia nesse texto avulta como central a questao do sa-ber Com efeito, nao estaremos, pOI certo, forlfando a ana-lise se afirmarmos que a produlfao nao-mateIial coincidecom a produitao do saber De fato, a produ9ao nao-mate-rial, isto e, a produlfao espiritual, nao e outra coisa senaoa forma atraves da qual 0 homem apreende 0 mundo ex-pressando a visao daf deCOIl'entede distintas maneiras. Eisporque se pode £alar de diferentes tipos de saber ou de co-nhecimento tais como: conhecimento sensivel, intuitivo,afetivo, conhecimento inteJectual, J6gico, racional, conhe-cimento artfstico, estetico, conhecimento axiol6gico, co-nhecimento religioso e, mesmo, conhecimento pratico econhecimento teorico. Do ponto de vista da eduCalfaOes-ses diferentes tipos de saber nao interessam em si mes-mos; eles interessam, sim, mas enquanto elementos queos indivfduos da especie humana necessitam assimilar paraque se tOlnem humanos. Isto porque 0 homem nao se fazhomem naturalmente; ele nao nasce sabendo ser hornem, ~vale dizer, ele nao nasce sabendo sentir, pensar, avaliar,agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir auavaliar e preciso aprender, 0 que imphca 0 trabafho edu-~. ~ saber que dlretamente interessa a educa-lfaOe aquele que emerge como resultado do processo deaprendizagem, como resultado do trabalho educativo ..Entre-

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tanto, para chegar a esse resultado a educa<taotern que partir,tern que tomar como referencia; como materia-prima de sua >f

atividade, 0 saber objetivo produzido historicamen~

o fenomeno acima apontado manifesta-se desde a ori-gem do homem pelo desenvolvimento de processos educa-tivos inicialmente coincidentes com 0 proprio ate de viveros quais foram se diferenciando progressivamente ate atin-gir urn carateI' institucionalizado cuja forma mais conspfcuase r~.Y5<Ii!QO ~uc:gim'entoda e~~.<?laEsta aparece inicialmen-te como manifesta<tao secundaria e derivada dos processoseducarivos mais gerais mas vai se transformando lentamen-te ao longo da Historia ate erigir-se na forma principal e do-minante de educayao. Esta passagem da escola 11 forma do-minante de educacao c"Qincidecom a ;tapa hist6rica em que~ r~aroes s~s pasSmlL.PI~~~obre as naturais,esta e ecendo-se 0 prirnado do mundo da cultura (0 mundo~duzido pelo homem) sobre 0 mllndo"oanafUreza Em~onseqiiencia, 0 saber met6dICo, sIstematico, cientifico, cl~-b9I~<!Q~p_assa_~E.r:edoininarsobre 0 saber espontaneo, "na-tEr~I". assistematico, resultando daJ que a especificidade daeducayao pa'ssa a ser determinada pela forma escolar. A'et~-pa historica em referencia - que ainda nao se esgotou - cor~responde ao-s~rgimento e desenvolvimento da sociedadecapitalista cujas contradiy5es vao colocando de forma cadavez mais intensa a:necessidade de sua superayao Eis porqueno texio "Sabre a Natureza e Especificidade da Educayao"considerou-se legftimo tomar-se a educa9ao escolar comoexemplar:.

A questao do saber objetivo recebe uma determina9aomais precisa no texto seguinte motivado pela polemica emque se contrapos a competencia tecnica ao compromissopolftico. 0 ponto de vista hist6rico-crftico permitiu af des-montar 0 raciocfnio positivista afastando a armadilha em quefreqiientemente caem os proprios crfticos do positivismo ao12

deixarem intacta a premissa maior que vincula ~~~!i_yi~a-de a neutralidade. Tal desmontagem tomou, possivel negar a~~utralidade e, ao mesmo tempo, afirmar a objetividade. Aneutnilidade e-iinpossiveI iiorqii'e-llaoexiste conhecimentodesinte~~~_go Nao obSiante-iOdoconhecimento ser'iilter~-siido, a objetividade e posslvel porque nao e todo interesseque impede 0 conhecimento objetivo ..Ha interesses que naos6 nao impedem como exigem a objetividade Mas como di-fCtencia-los? Tal tarefa resulta imposslve! de ser realizadano plano abstrato, isto e, no terreno puramente 16gico..Parase Mber quais sac os interesses que impedem e quais aquelesque exigema objetividade MO ha outra maneira senao abor-dat 0 problema em termos bist6rieos. S6 no terreno da His-tolia, isto e, no ambito do desenvolvimento de situa~6es con-cretas essa questio pode ser dirimida ..E e isso que a concIu-saQ do texto "Cornpetencia Pol/tica e Cornpromisso Teem-co" procurou evidenciar exemplificando com 0 desenvolvi-mento da sociedade burguesa ..

Este livre se completa comdois textos referidos direta-meute a pedagogia hist6rico-eritica. Ambos se cornplemen-tam a medida que situarn essa corrente pedag6gica no eon-teX'tobrasileiro em confronto com as demais tendencias es-cia ecendo as principais obje~6es a ela formuladas e explici-lando a sua rela~ao com a educa ~o escolar ..Em ambos essestextos tambem 0 problema do saber ocupa lugar proeminen-te. Com efcito, em "a pedagogia hist6rico-critica no quadrodas. tendencias criticas da educa~o brasiIeira" observa-seque todas as objelji6es exarninadas na forma de dicotomiasestao referidas ao problema do saber. Eem "a pedagogia his-torico-critica e a educa~ao escolar" reitera-se que "0 saber eo ohjeto especifico do trabalbo escolar".

Em suma, e possivel afirmar que a tarefa a que se pro-poe. a pedagogia bist6rico-critica em relas;ao a educa~o es-colar implica:

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a) Identificacrao das formas mais desenvolvidas emque se expressa 0 saber objetivo produzido bistoricamente,reconhecendo as condicroesde sua producraoe compreenden-do as suas principais manifesta~oes hem como as tendenciasatuais de transfonnacrao;

b) Conversiio do saber objetivo em saber escolar demodo a tOm3-lo assirnileivelpelos alunos no espacroetempoescolares;

c) Provimento dos meios necessarios para que os alu-nos nao apenas assirnilem 0 saber objetivo enquanto resulta-do, mas apreendam 0 processo de sua producraohem como astendencias de sua transfonnagao.

Sobre a Natureza e EsPFificidade daEduca~o

Sabe-se que a educacriioeurn fenomeno proprio dos se-res bumanos. Assim sendo, a compreensao da natureza daeducacriiopassa pela compreensao da na.tureza huma~ ..Ora,o que diferencia: os homens dos demais fenomenos, 0 que 0

djferencia dos demais seres vivos, 0 que 0 diferencia dos ou-tros animais? A resposta a essas questoes tarnbemjele conhe-cida. Com efeito, sabe-se que, 4iferenteme.nk.dos outr~animais, que se adaptam a realidade natural tendo a sua exis-tencia garantida natural mente, 0 hornern necessita produzircontinua mente sua propria existencia. Para tanto, em lugarde se adaptar a natureza, ele tern que adaptar a natureza a si,isto e, transforma-la. E isto e feito pela trabalho. Portanto, 0

que diferencia 0 bomem dos outros animais e 0 trabalbo ..Eotrabalho se instaura a partir do momenta em que seu agenteantecipa mentalmente a finalidade da acriio Conseqiiente-mente, 0 trabalho nao e qualquer tipo de atividade, mas umaa~o adequada a finalidades. E, pais, uma a~o intencional.

\ / Para sobrevivero homemnecessita extrair da nature~za../ ativa ~ inten~i~n~lmente, os meios de sua su~sistencia. Ao

. fazer ISSO ele lIlJC1a0 processo de transfoIITl3\;3oda natureza,criando urn mundo humano (0 mundo da cultura) ..

Dizer, pois, que a educa~o e urn fenomeno propriodos seres humanos significa afirmar que ela e, ao mesmotempo, uma exigencia do e para 0 processo de trabalho, bemcomo e, ela propria, urn processo de trabalho

Comunica<;ao apreseotada oa Mesa-Redonda sebre a "Natureza eEspecificidade·da EdUC:l'?i0",realizada pelo lNEP, em Brasilia, no dia5 de julbo de 1984. Pubficado aoterionneote 00 Em Abene, lNEP, o·22,1984 .

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Assim, 0 processo de produ~o da existencia humanaimplica, primeiramente, a garantia da sua subsistencia mate-rial com a conseqiiente produ~iio;em escalas cada vez maisamplas e complexas, de bens materia is; tal processo nos po-demos traduzir na rubrica "trabalho material". Entretanto,para produzir materialmente, 0 homem necessita anteciparem id€ias as objetivos da a~iio, 0 que significa que ele repre-senta mentalmente os objetivos re~. Essa representa~o in-clui a aspecto de conhecimento das propriedades do mundoreal (ciencia), de valoriza~ao (etica) e de simboliza~ao(arte). Tais aspectos, na medida em que sao objetos de preo-cupa~o explicita e direta, abrem a perspectiva de uma outracategoria de produ~ao que pode ser traduzida pel a rubrica"trabalho nao-material" T rata-se aqui da produr;ao de -ideias, conceitos, valores, simbolos, habitos, atitudes, habi-lidadesNuma palavra, trata-se da produr;ao.do saber, seja dosabersobre a natureza, seja do saber sabre a cultura, isto e, 0

conjunto da produ~o humana. Obviamente, a educa~o sesitua nessa categoria do trabalho nao-material. Importa, po-rem, distinguir, ns producao nao-material, duas modalida-des ..~ primeira retere-se aque1as atlvldadesem que 0 produ-to se separa do produtor como no caso dos livros e objetos ar-tfsticos ..lli, pois, nesse caso, urn intervalo entre a produc.<iioe 0 consumo, possibilitado pela autonomia entre 0 produto eo ato de produc.<aoAsegunda diz respeito as atividades emque 0 produto nao se separa do ato de produc.<ao,Nesse caso,nao ocorre 0 intervalo antes observado; 0 ato de produr;iio eo ato de cOIlSumose imbricam.Enessa segunda modalidadedo trabalho nao-material que se situa a educa<;ao Podemos,pais, afirmar que a natureza da educac.<aose esc1arece a partirdai..Exemplificando: se a educa~o nao se reduz ao ensino,~e certo, entretanto, que ensino e educa~o e, como tal, parti-cipa da natureza propria do fenomeno educativo Assim, aatividade de ensino, a aula, por exernplo, e alguma coisa quesupoe, ao mesmo tempo, a presenc.<ado professor e a presen-

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K

c.<ado aluno. au seja, 0 ate de dar aula e iIlSeparavel da pro-du~o desse ate e de seu COIlSumo,A aula e, pois, produzidae coIlSumida ao mesmo tempo (produzida pelo professor ecOIlSumidapelos alunos)

Compreendida a natureza da educac.<aonos podemosavanc.<arem direc.<aoa compreensao de sua especificidadeCom efeito, se a educa<;ao,pertencendo ao ambito do traba-Iho nao-material, tern a ver com ideias, conceitos, valores,sfmbolos, habitos, atitudes, habilidades, tais elementos, en-tretanto, nao the interessarn em si mesmos, como alga exte-rior ao homern.

Nessa forma, isto e, considerados em si mesmos, comoalgo exterior ao homem, esses elementos cOIlStituem0 obje-to de preocupac.<aodas chamadas ciencias humanas, au seja,daquilo que Dilthey denomina de "ciencias do esp,rito" poroposj~o as "ciencias da natureza". Diferentemente, do pon-to de vista da educa~ao, ou seja, da perspectiva da pedagogiaentendida como ciencia da educac.<ao,esses elementos inte-ressam enquanto e necessario que os homens os assimilem,tendo em vista a constitui~o de algo como uma segunda na-tureza, Portanto 0 que nao e garantido pela natureza temqueser produzido bistoricamente pelos bomens~ e ai sc illcluemos proprios homens ..Podemos, pais, dizer que a natureza hu-mana nao e dada ao homem, mas e por ele produzida sobrea base da natureza bio-flsica., CoIlSeqiientemente, 0 trabalh~educativo eo ate de produzir, direta e intencionalmente, em .cada individuo singular, a humanidade que e produzida his· :t6rica e coletivamente pelo conjunto dos home us,.Assim, 0

objeto da educac.<iiodiz respeito, de urn lade, a identifica<;iiodos elementos culturais que precisam ser assimilados pelosindivfduos da especie humana para que eles·se tomem huma-nos e, de outro lado e concomitantemente, a descoberta dasformas mais adequadas para atingir esse objetivo,

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Quanto ao primeiro aspecto (a identifica~ao dos ele-mentos culturais que precisam ser assimilados), trata-se dedistinguir entre a essencial e 0 acidental, 0 principal e 0 se-cundario, 0 fundamental eo acessorio. Aqui me parece degrande importancia, em pedagogia, a no~ao de "c!assico". 0"classico" nao se confunde com 0 tradicional e tambem naose opoe, necessariamente, ao moderno c muito menos aoatual. 0 c!assico e aquilo que se tjrmou como fundamental,como essencial Pode, pois, se constituir Hum criterio uti!para a sele~ao dos conteiidos do trabalho pedagogico.

Quanto ao segundo aspecto (a descoberta das formasadequadas de desellvolvimento do trabalho pedag6gico),trata-se da organiza\ao dos meios (conteiidos, espac;;o,tem-po e procedimentos) atraves dos quais, progressivamente,cada indi"iduo singular realize, na fonna de segunda natureza,a humanidade produzida historicamente

Considerando, comoja foi dito, que se a educa\?io nao sereduz ao ensino este, sendo urn aspecto da educac;;ao,participada natureza propria do fenomeno educativo, creio ser possivelilustrar as considera0es gerais acima apresentadas com 0 casoda educac;;aoescolar..Bte exemplo me pareee legitimo porquea propria institucionalizac;;aodo pedagogico atraves da escola eurn indicio da especificidade da educa\iao, uma vez que, se aeducac;;aonao fosse dotada de identidade pr6pria seria impossi-vel a sua institucionalizac;;ao..Nesse sentido, a escola configura-se numa situac;;aoprivilegiada, a partir da qual podemos detectara dimensao pedag6gica que subsisteno interiorda priiticasocialglobal.

Pe\io, pais, licenc;;apara reapresentar aqui as considera-~oesque fizem Olinda, por ocasiao dom Encontro Nacional doPrograma Alfa (ENPA).AJi, aotratardopapelda escola basica,parti do seguinte: a escola e uma institui<;aocujo papel consistena socializac;;aodo saber sistematizado

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Vejam bem: eu disse saber sistematizado; nao se trata,pois, de qualquertipo de saber. Portanto, aescola dizrespeitoaoconhecimento elaborado e nao ao conhecimento espo!1g11eo;ao saber sistematizado e nao ao saber fragrnentado; a culhIraerudita e nao it cultura popular.

Ern suma, a escola tem a ver com 0 problema da ciencia.Com efeito, ciencia e exatamente 0 saber metcdico, sistemati-zado. A esse respeito e ilustrativo 0 modo como os gregos con-sT<kravamessa questao. Em grego, temos tres palavras referi-das ao fenomeno do conhecimento: 1l?¥!(ooSa} sofia (00-

qllO) e epi~eme (rnLatT] ~tT])..Doxa significa opiniao, istoe, 0 saberproprio do senso comum, 0 conhecimento espon-taneo ligado diretamente a experiencia cotidiana, urn cIaro-escuro, misto de verdade e de erro. Sofia e a sabedoria fun-dada numa longa experiencia da vida E nesse sentido que sediz que os velhos SaGsabios e que os jovens devem ouvirseus conselhos Finalmente, episteme signifiq ciellcia, is.toe, 0 conhecimento met6dico e sisternatizado. Conseqiiente-mente, se do ponto de vista da sofia urn velho e sempre maissabio do que umjovem, do ponto de vista da episteme umjo-vem pode ser mais sabio do que_urnvelho.

Ora, a opiniao, 0 conhecimento que p~oduz palpites, 1nao justitica a existencia da escola Do mesmo modo, a sabe~doria baseada na expenencia de vida dispensa e ate mesmodesdenha a experiencia escolar, 0 que, inclusive, chegou a secristalizar em ditos populares como; "mais vale a pnitica doque a gramatica" e "as crianlias aprendemapesar da escola" ..E a exigencia de apropria\ao do conhecimento sjstemetiza~do por parte das novas gera\ioes que toma necessaria a exis-tencia da escola.

A escola existe, pois, para propiciar a ~~o dos .instrumentos que possibilitam 0 acesso ao saber ela Grado(ciencia), bem como 0 propno acess-oa·os~s~saber. As atividades da escola b3sica devem se organiza r a

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partir dessa questao Se chama mlOS isso de curriculo, pode-remos entao afirmar que e a partirdo sabersistematizado quese estrutura 0 curriculo da escola elementar. Ora, 0 sabersis-tematizado, a cultura erudita, e uma cultura letrada. Oar quea primeira exigencia para 0 acesso a esse tipo de saber eaprender a ler e escrevcr ..Alem disso, e preciso tambemaprender a linguagem dos n6meros, a linguagem da natureza

~ e a linguagem da sociedade. Esta af 0 conte6do fundamentalda escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos dasciencias naturais e das ciencias socia is (hist6ria e geografiahumanas). __---.--------.-------.-.~. ------ .•..--~-- '\

- !Aessa altura voces podem estar atirmando: mas isso e io 6bvio. Exatamente, e 0 6bvio. E como e freqiiente aconte- Icer com tudo 0 que e obvio, ele acaba sendo esquecido ou \ocultando, na sua aparente simplicidade, problemas que es- \capam a nossa aten\ao Eesse esquecimento, essa oculta\ao, Jacabam por neutralizar os efeitos da escola no processo de idemocratiza~ao. ._____ _ _ f--_ ..---"'

Vejamos 0 problema ja a partir da propria no\ao decurrIculo. De uns tempos para ca se disserninou a ideia deque curriculo e 0 conjunto das atividades desenvolvidas pelaescola. ~~~!!!:ulo ~.~_4.ifcrenci'!_~~_E!ograma.~.u.__~~~!.:ncode disciplinas; s~~_~~-~-~ss~~<:.e~_~~!_~~!!!.<:~~~e t~~oo q-ue-a-escolafaz;assim, nao f~ri'L~~_!1H9~t~laremativida-~ex~a~~R~~e~te~)ente, fui lc~~d~~--~orrig1ressa defiUl\ao acrescentando-Ihe 0 adjctivo "nucleares" ..Com essa retifkac,;ao a definic,;ao,provisoriamente, passariaa sera seguinte: cUrrIculoeo conjunto das atividades nuclea-res desenvolvidas pela escola E por que isto? Porque, setudo 0 que acontece na escola e currrcl:l}~L~e..se ap-;-ga;d1f'e-·ren\a ent;e curricur;lT--e'eXtra-c-urric;;i~r,e!ltao iud~~a~a}a-ad-quirindo 0 mesinopeso;-e-abre-se-ci eaminho para toda sortede tergiversac,;Oes,inversoes e confusoes que terminam porde'scaracterizar 0 trab~lbo esco1ar Com isso, filcilmente, 0

secundario pode tomar 0 lugar daquilo que e principal, des-locando-se, em conseqiiencia, para 0 ambito do acessorio .aquelas atividades que constituem a razao de ser da escola.Nao e demais lembrar que esse fenomeno pode ser facilmen-te observado no dia-a-dia das escolas ..Dou apenas urn exem-pIo: 0 ana letivo come9a na segunda quinzena de fevereiro eja em mar~o temos a Semana da Revolu9ao; em seguida, aSemana Santa, depois, a Seman a das Maes, as Festas Juni-nas, a Semana do Soldado, Semana do Folclore, Semana daPatria, Jogos da Primavera, Semana da Crian9a, Semana doIndio, Semana da Asa etc .., e nesse momento ja estamos emnovembro 0 ana letivo se encena e estamos diante da se-guinte constata~ao: fez-se de rudo na escola; enconU'ou-setempo para toda especie de comemora9ao, mas muito poucotempo foi destinado ao processo de transmissao-assimila9aode conhecimentos sistematizados. Isto guer dizer que se per-deu de vista a atividade nuclear da escola, isto e, a transmis·sac dos instrumentos de acesso ao saber elaborado.

~RL;~M'tztieMt'!.umem~tili'~~~a.IR.W'M~JP~'S'tE&!m~"e~~~J1~.Enquanto tais, sao extracurriculares e s6tern sentido na medida em que possam enriquecer as ativi-~des ~riculares, isto e, aquelas proprias da escola, naodevendo em hip6tese alguma prejudica-Ias ou substitul-las.Das considera90es feitas, resulta importante manter a due-rencia~ao entre atividades curriculares e extracurriculares.ja que esta e uma maneira de nao perdermos de vista a dis-tin<;aoentre 0 que e principal e 0 que e secundario.

Essa questao tern desdobramentos ainda de ouU'as or-dens Assim, por e.xemplo, em nome desse conceito amplia-do de currlculo a escola se tomou urn mercado de trabalhodisputadissimo pelos mais diferentes tipos de profissionais(nutricionistas, dentistas, fonoaudiologos, psicologos, artistas,assistentes sociais etc ) e uma nova inver-sao se opera De

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age.IlG~~tdnad&&atendewc.in~~~~Jb9a~C(!~,~J;:~;to~r'&~&!l:~~ab.e£i<Si:s.te.rnatiD.ado,a escola se torn a urn agen-cia a servi~o de interesses corporativistas ou clientelistas.Ese neutraliza, mais uma vez, agora por urn outro caminho,o seu pape! no processo de democratizaqao

A esta altura e necessario comentar ainda uma possi-ve! obje~ao; ate que ponto essa concep<;ao que estou expoll-do nao configura uma proposta pedag6gica tradiciona]?Quer-se com isso voltar a velha esco!a ja tao exaustivamentecriticada? E onde fica a criatividade, a iniciativa dos alunos,o ensino ativo? Tal objeqao e inevitavel aqueles educadoresque foram de algum modo influenciados pelo movimento da§.~£9.l~}':!'s).YaEnos sabemos que tal movimento, no nfvel doideario, teve grande penetra<;ao em nosso pafs

Para encaminhar a resposta a objeyao acima formula-da, parece-me uti] recordar aqui uma passagem de Gramsci,escrita na mesma epoca em que no Brasil se lanqava 0 Mani-festo dos Pioneiros da Educaqao Nova (1932). Escreveu ele;

"Deve-se distinguir entre escola criadora e escola ativa,mesmo na forma dada pelo metodo'Dalton 1odaescolaunitaria e escola ativa, se bem que seja necessario limi-tar as ideologias libertarias neste campo C.) Ainda seesta na fase romanticada escola ativa, na qual os elemen-tos da luta contra a escola mecanica e jesuilica se dila-taram morbidamentepal causa do contrastee da polemi-ca; e necessario entrar na fase 'chissica', racional,encontIando nos fins a atingir a fonte natural para ela-borar as metodos e as formas"(Gramsci, A Or intelec-lUais e a organiza~iio da cultum, p. 124?

As vezes me da a impressao de que, pass ados mais decinqiienta anos, continuamos ainda na fase romantica Naoentramos'na fase cl<lssica Eo que e fase classica? E a faseem que oemreu uma depura<;:ao,superando-se os elementospn5prios da conjuntura polemica e recuperando-se aquiloque tern caniter pelmanente, isto e, que resistiu aos emba-22

tes do tempo Cilissico, em verdade, e 0 que resistiu ao tem-po. E nesse sentido que se fala na cultura greco-romanacomo sendo chissica, que Descartes e urn cilissico da filo-sofia, Dostoievski e urn classico da Iiteratura universal,Machado de Assis urn classico da literatura brasileira etc.

Ora, classico na escola e a tIansmiss~Q-assimilaqao dosaber sistematizado Este e 0 fim a atingir. E af que cabeencontrar a fonte natural para elaborar as metodos e as for-mas de organizaqao do conjunto das atividades da escola,isto e, do currfculo. E aqui nos podemos recuperar 0 conceitoabrangente de currfculo (organiza,!ao do conjunto das ativi-dades nucleares distribufdas no espa<;oe tempo escolares)Urn cunfculo e, pbis, uma escola funcionando, quer dizer,uma escola desempenhando a f!;!.!!~ao.~ Ihe ~e!.~ria

Ve-se, assim, gue para existir a escola 'nao basta a exis-tencia do saber sistematizado. E necessario viabilizar as con-dIqoes de sua transmlSSaoe assrmtla£io. !~2..i.!!!p.JicaQQS~-lo."---·~·~"'-rc--:r:--:------- . -~.,e sequencla- 0 ue modo que a crian,!a passe gradativamente

ClO'SeU nao--croinrm(racnW'dOifiiillo~Dra, 0 saber do;;ct;e

Jseqiienciado para efeitos de sua transmissao-assl"milayao noespa<;:oescolar, ao longo de urn tempo determinado, e 0 quenos convencionamos chamaI' de "saber escolar" .'j-

Tendo claro que e a fim a atingir que determina osmetodos e processos de ensino-aprendizagem, compreende~se 0 equfvoco da Escola Nova em rela,!ao ao problema daatividade e da criatividade. Com efeito, a critica ao ensinotradicional era justa, na medida em que esse ensino perdeude vista os fins, tomando mecanicos e vazios de sentido osconteudos que transmitia ..A partir da!, a Escola Nova ten-deu a considerar toda u'ansmissao de conteudo como meca-nica e todo mecanismo como anticriativo, assim como todoautomatismo como nega<;:aoda liberdade.

Entretanto, e preciso entender que 0 automatismo econdiyao da liberdade e que nao e possIvel ser criativo sem

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dominar determinados mecanismos. Islo ocorre com 0aprendizado nos ma is diferenles nlveis e com 0 exercicio deatividades tambcm as mais diferentes Assim, por exemplo,para se aprender a dirigir aulomovel e preciso repelir cons-tantemente os rnesmos atos atc se familiarizar com eles. De-pois ja nao sera necessaria a repeti«ao constante ..De quandoem quando, praticam-se esses atas com desenvoltura, comfacilidade Entretanto, no processo de aprendizagem, taisatos, aparentemente simples, exigi ram razoavel concentra-«30 e esforr,;oate que fossem fixados e passassem a ser exer-cidos, por assim dizer, automaticamente. Por exemplo, parase mudar a marcha com 0 carro em movimento e necessarioacionar a alavanca coma mao direita sem se descuidar do vo-lante, que sera controJado com a mao esquerda, ao mesmotempo que se pressiona a ernbreagem com 0 pc esquerdo e,concomitanlemente, se retira 0 pc direito do acelerador Aeoncentrar,;ao da aten«ao exigida para realizar a sincroniadesses movimentos absorve todas as energias. Par isso 0aprendiz nao e livreao dirigir No limite, eu diria mesmo queele e escravo dos atos que tern que praticar Ele nao os domi-na, mas, ao contra rio, e dominado por eJes..A liberdade sosera atingida quando as atos forem dominados. E isto oeorreno momento em que os mecanismos forem fixados. Portan-..~~!:adoxal g.uep~.§...!xa tl!:1.~e.!!!~..g).lJl.!ld,~.-s.eating~~nivel em g.l,I~J?§_~Q~.§!~~ratic~.2HJJ.tamil.1igl..men~ll.u...e_~_ga-,1b'Lc()n.C!j~6.(:§4~.~~!<xt:r~t:r,.c.O!Illiberda~e,a atiyidadeq~ ..<:ompteende os teferido~J.Q.!i.Entao, a aten«ao se liber-ta, na~-sendomai'snecessifrio tematizar cada ato. Nesse mo-menta e possivel nao apenas dirigir livremente, mas tambemser criativo no exercicio dessa atividade ..Eso se chega a esseponto quando 0 processo de aprendizagem, enquanto tal, secompletou ..Por isso, e possivel afirmar que 0 aprendib.!illexercfcio daquela atividade queiQ ..Q.Qk!Q~gjz.age.m..._lUiirc"ii"e livre. Quando ele for capaz de exerce-la livremente).' ~ __ ---....~"---,-,",,,,-.....<.l-nesse exato momc:~~ ele_~~>~$ ..SerJ!R..~diz As consi-

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dera~6es supra podem ser aplicadas em oiItros dominios,como porexemplo, aprendera tocaruminstrumento musicaletc.

Ora, esse fenQweno esta presente tambem no processo.de aprendizagematraves do qual se da a assimila«30 do sabersistematizado, como 0 ilustra, de modo eloqiiente, 0 exem-plo da alfabetiza~ao. Iambem aqui e necessario dominar osmecanismos proprios da linguagem escnta. Tambem aqui epreciso fixar certos automatismos, incorporii-los, isto .e, tor-na-Ios parte de nosso corpo, de nosso organismo, integra-losem nosso proprio ser. Dominarlas as formas basicas, a leiturae a escrita podem fluir com seguran~a e desenvoltura. Namedida em que vai se libertando dos aspectos mecilnicos, 0aItabetizando pode, progressivamerite, ir concentrando cadavez mais sua aten~o no conteudo, isto e, no significado da-quilo que e lido ou escrito. Note-se que libertar-se, aqui, naotem 0 sentido de Iivrar-se, quer dizer, abandonar, deixar de

. Jado os d'itosaspectos mecirucos ..A Jjberta~o so se dii por-que tais aspectos foram apropriados, dominados e internali-zados, passando, em conseqiiencia, a operar no interior denossa propria estrutura organica ~~ia dizer~~2.9..u~o(;~r...~nesse caso, e UV1...li.up.era~a..s.e.nfulQ..dialetico.,QapaJa,YJa..as asp.tctgs l1!.e"caw.l;;Q~..f9r.~_~.£~E-0_~~tp~-:.a..~ao__e_n[9..p.Q.~ljJ.l§ia..Foram superados porque negadosenguanto elementos edemas e afinnados como elementosinternos ..

o processo acima descrito indica que so se aprende, defato, quando se adquire um habitus, isto e, uma disposi«3opcmlanente, au, dito de outra forma, quando 0 objeto deaprendizagem se converte numa especie de segunda nature-za. E isso exige tempo e esfor«as por vezes ingentes A ex-pressao "segunda natureza" me parece sugestiva justamenteporque nos, que sabemas Jere escrever, tendemos a conside-rar esses atos como naturais ..Nos as praticamos com rama-

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nha naturalidade que sequer conseguimos nos imaginar des-providos dessas caracteristicas Temos mesmo dificuldadeem nos recordar do periodo em que era mos ana lfabetos. k;coisas se passam como se se tratassc de ul11ababilidade na-tural e esponffinea ..E no entanto trata-se de uma habilidadeadquirida e, frise-se, nao de modo esponffineo A essa babi-~~ so se PQd~.~begarwrum processo delib~~doesI~-t-~-

-,--,maticS!_Por ai se pode perceber porque 0 n~borescritor naoserii;apenas por este fato, 0 melbor aItabetizador Dm gran-de escritor atingiu tal dominie da lingua que tera dificuldadeem compreender os percalr;:osde um alfabetizando diante deobstaculos que, para elc, inexistem ou, quando muito, naopassam de brincadeira de crianr;:a.Para que ele se convertanum born alfabetizador sera necessario aliar, ao dominio da]fngua, 0 dominio do processo pedag6gico indispensavelpara se passar da condir;:aode analtabeto a condir;:aode alfa-betizado. Com efeito, sendo urn processo deliberado e siste-matico, ele devera ser organizado. a curriculo deverii trauu-zir essa organiza,<ao dispondo 0 tempo, os agentes e os ins-trumentos necessarios para que os esforr;:osdo alfabetizandosejam coroados de exito.

Adquirir urn habitus significa criar uma sjtua~10 irrc-versivel. Para isso, porem, e preciso insistencia e persisten-cia; faz-se mister repetir muitas vezes determinados atos ateque eles se fixem. Nao e, pois, poracaso que a dura~o da es-cola primaria e fixada em todos os paises em pelo menosquatro anos Isso indica que esse tempo e 0 minimo indispen-savel. Pode-se cbegar a conseguir decifrar a escrita, a reco-nhecer os codigos em urn ano, assim como com algumas li-r;:6espraticas sera possivel dirigir um automoveL Mas domesmo modo que a interrupr;:ao,0 abandono do volante antesque se complete a aprendizagem determinara uma reversao,tambem isso oeoere com 0 aprendizado da leitura. Inversa-mente, completado 0 processo, adqui rido 0 habitus, atingidaa segunda natureza, a interrupr;:aoda atividade, aillda que por

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longo tempo, nao acarreta a reversao. Conseqiientemente, see possivel sup or, na escola basica, que a identifica<;ao e re-conhecimento dos mecanismos elementares possam se darno primeiro ano, a fixa'tao desses mecanismos sup6e umcontinuidade que se estende par pelo menos mais tres anos.E importante assinalar que essa continuidade se dara atra-yes do conjunto do curriculo da escola elementar A crian-<;apassara a estudar Ciencias Naturais, Hist6ria, Geografia,Aritmetica a~~av~s~a_l}..!1gu~g~~e?crit~" isJo ~) le!l9<:>_~.~~-crevendo de modo sistematico Di-se, assim, 0 seu ingres-so no universo letrado Em suma: pela~_~i~~~.9.~~ t:s?ola,da-se a passagem do saber espontlineo ao saber sistemati-zado, da cultura popular a cultura erudita. Cumpre assina-lar, tambem aqui, que se trata de urn movimento dialetico,isto e, a a'tao escolar permite que se acrescentem novas de-termina't0es que enriquecem as antcliores e estas, pOItan-to, de forma alguma sac excluidas. Assim, ~~so a~.-:~::.u.9i~<?~~~~!!ita a~.IQQ.Jja.<t~Q_d~ )I0vlls fo.fIIJ.a.satra'{~sd1!~_quai~_~l;_podeC]im:.~~~r9_sp_I:qpdos..conte.l.id9~.Q_Q.saherP?pular. Cabe, pois, nao perder de vista 0 carateI' derivadoda cultura erudita par referencia a cultura popular, cuja pri-mazia nao e destmnada. Sendo uma determina<;ao que seacrescenta, a restri<;ao do acesso a cultura erudita conferi-nl, aqueles que dela se apropriam, uma situa<;ao de privile-gio, uma vez que 0 aspecto popular nao Ihes e estranho, Aredproca, porem, nao e verdadeira: os membros da popula-<;aomarginalizados da cultura letrada tenderao a erieani-lacomo uma potencia estranha que os desarma e domina ..

o que foi dito acima a respeito da escola, em quesoblessai 0 aspecto relativo ao conhecimento elaborado(ciencia), parece-me ser valido tambem para outms mod a-lidades de pratica pedag6gica, voltadas precipuamente paraoutros aspectos, tais como 0 desenvolvimento da valoriza-'tao e simboliza<;ao.

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nha naturalidade que sequer conseguimos nos imaginar des-providos dessas caracteristicas Temos mesmo dificuldadeem nos recordar do perlodo em que ernmos analfabetos, Ascoisas se passam como se se tratassc de ullla habilidade na-tural e espontanea" E no entanto trata-se de uma babilidadeadquirida e, frise-se, nao de modo espontaneo A essa habi-lidad~ so se PQd~_c.begarRQrum processo delib~~~dQ;sT~i~-

-,"matic.2'Por at se pode per~eber porque 0 il;}hor escritor n~~seci;apenas p<)feste fato, 0 melbor altabetizador Dm gran-de escritor atingiu tal dOmlnio da lingua que ten! dificuldadeem compreender as percalr;;osde um aIfabetizando diante deobstaculos que, para elc, inexistem au, quando muito, nilopassam de brincadeira de crianr;;a,Para que ele se convertanum ham alfabetizador sera necessario aliar, ao dominio dalingua, 0 domlnio do processo pedag6gico indispensavelpara se passar da condir;;aode anaIta beta it condir;;iiode a1fa-betizado, Com efeito, sendo um processo deliberado e siste-matico, ele devera ser organizado, a curriculo dever<!tradu-zir essa organizar;;aodispando 0 tempo, os agentes e os ins-trumentos necessarios para que os esforr;;osdo alfabetizandosejam coroados de exito,

Adquirir urn habitus significa criar uma situa~'io irre-versivel. Para isso, porem, e preciso insistencia e persisten-cia; faz-se mister repetir muitas vezes determinados atos ateque eles se fixem. Nao e, pais, por acaso que a durar;;aoda es-cola prima ria e fixada em todos os paises em pelo menosquatro anos Isso indica que esse tempo e 0 minimo indispen-saveL Pode-se chegar a conseguir decifrar a escrila, a reco-nhecer as c6digos em urn ana, assim como com algumas li-,,6es praticas sera posslvel dirigir um automoveL Mas domesmo modo que a interrupr;;ao,0 abandono do volante antesque se complete a aprendizagem deterrninanl uma reversao,Iambem isso ocorre com 0 aprendizado da leitura, Inversa-mente, completado 0 processo, adqui rido 0 habitus, atingidaa segunda natureza, a interrupr;;ijoda atividade, aillda que por

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longo tempo, nao acarreta a reversao Conseqiientemente, see possivel supor. na escola basic a, que a identificar;;ao e re-conhecimento dos mecanismos elementares possam se darno primeiro ano, a fixar;;ao desses mecanismos sup6e urncontinuidade que se estende por pelo menos mais tres anos.E importante assinalar que essa continuidade se dara atra-yeS do conjunto do curriculo da escola elementar A crian-ga passara a estudar Ciencias Naturais, Hist6ria, Geografia,Aritmetica at~av~s ct.aJ~ngu~g~~ e:>cr!tl!,isJo~! le!l9~.~.~~-creyendo de modo sistematico, Da-se, assim, 0 seu ingres-so no uniyerso letrado. Em suma~ pela media<;:aoda escola,da-se a passagem do saber espontaneo-;o·sab~~r·~i~t~~ati ..zado, da cultura popular a cultura erudita, Cumpre assina-lar, tambem aqui, que se trata de um movimento dialetico,isto e, a a<;:aoescolar permite que se acrescentem novas de-termina~5es que enriquecem as anteriores e estas, pOltan-to, de forma alguma sao exclufdas, Assim, ~~so a~.-!~:~u9i~()~~~~!!ita a~QP.ria..~~Q.d~ povlls {o.l1J)iJ,satrax~sd;!~.quai?_~l<.podee1iNei:>~r9.sp.r.qpr:jos.contcU.99.S.Q.Q.sab.erp()pular Cabe, pois, nao perder de vista °canSter derivadoda cultura erudita pOI referencia a cultura popular, cuja pd-mazia nao e destronada, Sendo uma determinagao que seacrescenta, a restrigao do acesso a cultura erudita conferi-n1, aqueles que del a se apropriam, uma situar;;aode privile··gio, uma yez que 0 aspecto popular nao Ihes e estranho, Arecfproea, porem, nao e verdadeira: os membros da popula-,<aomarginalizados da cultura leu-ada tenderao a ericani-Iacomo uma potencia estranha que as desarma e domina"

a que toi dito aeima a respeito da escola, em quesobl essai 0 aspecto relativo ao conhecimento elaborado(eiencia), pareee-me ser valida tambem para outras mod a-lidades de PlatiCa pedag6gica, voltadas precipuamente paraoutros aspectos, tais como 0 desenyolvimento da valoriza-r;:aoe simbolizar;;ao,

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Em conclusao: a compreensao da l!aJJ!EF?~_E_~~~~~a-<{aaenquanta urn trabalho nao-material cufo produto nao sesepara do ata de proa-ii~a6'nosp~r:mite situar a especifici-~~dade da educa<;:aocomo referida a~~_c.~~.l:!-<:Ei~entos,laeia~conceitos, valores, atitudes. habitos, sfmbolos sob 0 aspecto----- ...• _-_.""'---,,_._._~ - '"~ "" -._, -..•.-_., ~ __ .---.-~.Q§ .. D~~£:S~~Fi.IJ.§-aforma9ao da humanidade emcada indivfduo singular. na forma de uma segunda nature-za, ~Ijl>eJ:a.da e intencio.n,!ITI!eJ:lte,..a!ra,!~sde rela90es pedag6gicas hiSloricament~.q~terminadas ques;t'~avameiitieOs ho~ -'-"' .. ' -- --- ..-_ ..-~ .----.----- .

A partir daf se abre tambem a perspectiva da especi-ficidade dos estudos pedag6gicos (ciencia da educa<{ao)que, diferentemente das ciencias da natureza (preocupadascom a identifica9ao dos fenomenos naturais) e das cienciashumanas (preocupadas com a identifica9ao dos fenomenosculturais), preocupa-se com a identifica9ao dos elementosnaturais e culturais necessarios a constitui<{ao da humani-dade em cada sel humano e a descoberta das formas ade-quadas ao atingimento desse objetivQ