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1 Parecer Ações concorrentes. Prejudicialidade e preliminaridade. Conexão. Suspensão do processo. Litispendência. Continência. Cumulação subsidiária de pedidos. Cumulação ulterior de pedidos. Honorários advocatícios. PARTE 1 – O caso e a consulta. 1 Síntese do problema jurídico. A consulente afirma não possuir relação jurídica tributária com a União, tendo em vista a existência de coisa julgada que reconheceu a inexistência de dever jurídico tributário relacionado ao pagamento da CSLL (contribuição social sobre o lucro líquido). Não obstante a coisa julgada, a União afirma-se titular de créditos tributários relativos ao mencionado tributo, em razão de decisão superveniente do STF em sentido contrário à norma concreta criada por decisão judicial e já estabilizada pela coisa julgada. Diante da recalcitrância do Poder Público em obedecer a coisa julgada, a empresa-consulente ajuizou três ações anulatórias de débitos fiscais e um mandado de segurança tributário, com o objetivo semelhante de reconhecer o seu direito de não-pagar o mencionado tributo, além de

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Parecer Ações concorrentes. Prejudicialidade e preliminaridade. Conexão. Suspensão do processo. Litispendência. Continência. Cumulação subsidiária de pedidos. Cumulação ulterior de pedidos. Honorários advocatícios. PARTE 1 – O caso e a consulta. 1 Síntese do problema jurídico.

A consulente afirma não possuir relação jurídica tributária com

a União, tendo em vista a existência de coisa julgada que reconheceu a

inexistência de dever jurídico tributário relacionado ao pagamento da

CSLL (contribuição social sobre o lucro líquido).

Não obstante a coisa julgada, a União afirma-se titular de

créditos tributários relativos ao mencionado tributo, em razão de decisão

superveniente do STF em sentido contrário à norma concreta criada por

decisão judicial e já estabilizada pela coisa julgada.

Diante da recalcitrância do Poder Público em obedecer a coisa

julgada, a empresa-consulente ajuizou três ações anulatórias de débitos

fiscais e um mandado de segurança tributário, com o objetivo semelhante

de reconhecer o seu direito de não-pagar o mencionado tributo, além de

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anular atos administrativos do procedimento tributário, tendo em vista

diversas autuações fiscais de que tem sido vítima.

Sucede que, com receio de ser derrotada nos processos

mencionados, a empresa-consulente gostaria de saber se ainda é possível

promover o ajuizamento de demandas declaratórias com o objetivo de

reconhecer a inexistência de relação jurídica tributária acessória, que lhe

impõe o dever jurídico de pagar vultosa multa punitiva, calculada, segundo

afirma, de acordo com critérios ilegais e inconstitucionais.

Como se trata de demandas que veiculariam pretensão

logicamente incompatível com aquelas já deduzidas nas demandas

anteriores — que partem da premissa da inexistência da relação jurídica

tributária principal —, há a dúvida sobre a possibilidade jurídica da sua

dedução e se, uma vez propostas as ações, seriam elas reunidas por

conexão com as respectivas ações anulatórias.

Há, ainda, dúvida sobre se o mandado de segurança tributário

impetrado induz litispendência para as ações anulatórias já ajuizadas —

fundamento utilizado por um dos magistrados, para extinguir um dos

mencionados processos.

Eis, pois, os questionamentos que exigem resposta:

a) O mandado de segurança tributário em questão induz

litispendência para as também mencionadas ações

anulatórias?

b) A pretensão declaratória de inexistência da relação

jurídica tributária acessória (multa) pode ser deduzida,

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por demanda autônoma, mesmo se já fora deduzida

pretensão com ela incompatível logicamente?

c) Sendo afirmativa a resposta à segunda questão

(possibilidade de ajuizamento), haverá conexão entre as

causas, apta a dar ensejo à reunião dos processos para

julgamento simultâneo? Como ficaria a situação dos

processos que já tramitam em segunda instância?

d) Sendo afirmativa a resposta à terceira questão, com a

reunião dos processos, e o necessário julgamento

simultâneo, como deveria ser resolvido o problema

relacionado ao ônus da sucumbência?

e) Existe possibilidade de suspensão dos processos a ser

ajuizados (que versam sobre a relação acessória), tendo

em vista a pendência de processos que discutem a

existência da relação jurídica tributária principal? É

possível a suspensão dos processos que se encontram

em trâmite na fase recursal?

f) A coisa julgada existente e favorável à empresa

consulente pode ser afastada, ou deve gerar,

necessariamente, efeitos futuros, inviabilizando

qualquer iniciativa do fisco no sentido de proceder ao

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lançamento tributário do tributo reconhecido

judicialmente como não-devido?

PARTE 2 – A teoria. 2 Introdução e o problema da coisa julgada tributária.

Adotamos, para elaboração da resposta a essa consulta, a

seguinte metodologia.

Em primeiro lugar, serão examinados os institutos processuais

indispensáveis à solução da controvérsia: concurso de ações, conexão,

prejudicialidade e preliminaridade, cumulação subsidiária e ulterior de

pedidos e suspensão do processo.

Em um segundo momento, examina-se o caso concreto,

partindo-se das premissas teóricas formuladas. Primeiro, a formulação dos

postulados teóricos; depois, a aplicação desses ao caso concreto.

A consulta teve por objeto, ainda, o exame do tema da coisa

julgada tributária, tendo em vista a existência de conflito entre a decisão

favorável à consulente (já transitada em julgado e ultrapassado o prazo de

ajuizamento da ação rescisória) e ulterior manifestação do STF em sentido

diverso. Esse posicionamento do STF motivou a Fazenda Nacional a

proceder aos lançamentos da CSLL, a despeito da existência de coisa

julgada favorável à Consulente, que reconheceu a inexistência de relação

jurídica tributária, que lhe imponha a obrigação de pagar esse tributo.

Foram-me apresentados pareceres dos professores-doutores

Cândido Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover e José Souto Maior Borges.

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Nada tenho de relevante a acrescentar aos brilhantes pareceres

já oferecidos. Concordo com as conclusões a que chegaram os ilustres

juristas, subscrevendo o que disseram, que pode ser sintetizado da seguinte

forma.

a) Nada há de especial na coisa julgada oriunda das causas

tributárias: trata-se de um exemplo, dentre tantos outros, de coisa julgada

de decisão que cuida de relação jurídica continuativa. Enquanto o substrato

fático desta relação jurídica, já definitivamente resolvida, mantiver-se o

mesmo, a coisa julgada é eficaz e deve ser respeitada. Não tendo havido

mudança superveniente na legislação tributária relacionada à CSLL, a coisa

julgada obtida pela consulente deve permanecer eficaz, não podendo o

fisco cobrar-lhe o mencionado tributo.

b) O enunciado n. 239 da súmula da jurisprudência do STF

(“Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado

exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”) há de ser

entendido desta forma: a decisão que reconhece a inexistência do dever de

pagar tributo permanece eficaz enquanto permanecer o mesmo o quadro

normativo do mencionado tributo. Se o painel normativo do tributo sofrer

alteração no exercício posterior, a decisão que houver reconhecido a

inexistência do dever de contribuir no exercício anterior não mais se aplica,

em razão dessa alteração. Como não houve alteração legislativa posterior à

coisa julgada, está decidida e tem de ser respeitada a seguinte regra: não

existe relação jurídica tributária entre a consulente e a Fazenda Nacional,

no que diz respeito à CSLL.

c) A posterior decisão do STF, que adotou posicionamento

contrário àquele que foi adotado em decisão trânsita em julgado, não tem

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aptidão para desconstituir coisa julgada. No direito brasileiro, ressalvada a

hipótese do inciso I do art. 741 do CPC, que não vem ao caso, somente por

meio da ação rescisória é possível desconstituir a coisa julgada. Como o

prazo para exercício do direito de rescisão, que é de dois anos, já se escoou,

a decisão favorável à consulente é imutável, “irrescindível” e indiscutível,

devendo, pois, ser obedecida.

d) A regra do parágrafo único do art. 741 do CPC não se aplica

às coisas julgadas formadas antes do início da sua vigência. Como se trata

de dispositivo que surgiu por conta da Medida Provisória 2.180/35, de 24

de agosto de 2001, e a coisa julgada favorável à consulente deu-se anos

antes, não se admite a sua incidência neste caso concreto, sob pena de

afronta à garantia da irretroatividade da lei (art. 5º, XXXVI, CF/88).

Se a coisa julgada surgisse já em dissonância com a orientação

do STF, seria possível falar de uma decisão judicial natimorta ou ineficaz

ab ovo. Se a decisão do STF fosse posterior à coisa julgada, seria possível

imaginar possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, com base no

inciso V do art. 485 do CPC, respeitados dois pressupostos: prazo de dois

anos e a eventual eficácia retroativa que o STF houvesse dado à declaração

de inconstitucionalidade, de modo a abranger a decisão rescindenda.

Mesmo assim, há quem defenda a tese de que jamais a decisão do STF

pode retroagir para atingir coisa julgada que lhe é anterior1.

Como neste caso (i) a decisão do STF foi posterior à coisa

julgada, (ii) já se passou o prazo de ajuizamento da ação rescisória e (iii) o

parágrafo único do art. 741 do CPC não incide, porque a coisa julgada lhe é

1 MARINONI, Luiz Guilherme. “O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa julgada material)”. DIDIER Jr., Fredie. Relativização da coisa julgada. Salvador: Edições JUS Podivm, 2004, p. 168.

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anterior, não há como renovar a discussão sobre a existência do dever

jurídico tributário da empresa de pagar a contribuição social sobre o lucro

líquido.

Assim, por não ter nada a acrescentar ao que foi dito de

maneira exaustiva e ex professo pelo ilustres pareceristas, e para não ser um

repetidor ou mero glosador, limito-me, em relação a esse tema, a

subscrever as conclusões a que chegaram.

Em relação aos demais temas, porém, gostaria de manifestar-

me com mais profundidade.

3 Os direitos concorrentes.

É possível, e freqüente, que um mesmo sujeito alegue possuir,

em face de outro, direitos que concorrem entre si. Fala-se que há, nesse

caso, direitos concorrentes. Em caso de concurso de ações, somente é

possível a satisfação de um dos direitos concorrentes. A satisfação de um

dos direitos concorrentes impede a satisfação do outro. Eis, pois, a regra

geral.

Sabe-se que há duas espécies de cumulação de pedidos: a

própria e a imprópria. Na cumulação própria, formula-se mais de um

pedido com o objetivo de que todos sejam acolhidos; na cumulação

imprópria, formula-se mais de um pedido, para que apenas um deles seja

acolhido. A cumulação imprópria, instituto que mais nos interessa neste

caso, pode ser: eventual (subsidiária) ou alternativa.

Os direitos concorrentes somente podem ser cumulados se o

demandante valer-se da técnica da cumulação imprópria, pois é impossível

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o acolhimento simultâneo de todos eles (art. 295, par. ún., IV, CPC).

Exatamente porque não pleiteia o acolhimento de todos os pedidos, pode o

autor demandar as concorrentes pretensões ao mesmo tempo, de modo que

a segunda possa ser acolhida, acaso a primeira não o seja.2

Na teoria dos direitos concorrentes, há um aspecto que precisa

ser frisado, pois é indispensável à solução do caso sob exame. A extinção

de uma pretensão concorrente somente ocorre com a satisfação da outra;

ou seja, enquanto uma pretensão concorrente não for satisfeita, nada

impede que o titular do direito exercite a outra, com o intuito de satisfazê-

la; não há óbice, por exemplo, a que, pendente processo em que discuta

uma pretensão concorrente, o sujeito dê origem a outro processo, que tenha

por objeto litigioso a afirmação do outro direito concorrente.

A doutrina ratifica esse posicionamento. CÂNDIDO DINAMARCO: “Como está nos raciocínios desenvolvidos ao longo de todo este estudo, é a extinção de um dos direitos concorrentes que produz a extinção dos demais. Não a propositura de demanda para o seu reconhecimento. Não a pronúncia de sentença que julgue procedente essa demanda. Não o trânsito em julgado dessa sentença. Nem sequer a propositura de execução. Há mais de meio século já ensinara superiormente Chiovenda que o que extingue a ação concorrente é a efetiva satisfação do direito”3. DE PLÁCIDO E SILVA: “As ações concorrentes não se eliminam pela simples propositura de uma delas, desde que o direito as assegure. Somente se extinguem, se obtido o resultado com a propositura de uma delas”4.

ENRICO TULLIO LIEBMAN:

2 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Quanti minoris”. Direito processual civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 211. 3 DINAMARCO, Cândido Rangel. “Electa uma via non datur regressus ad alteram”. Fundamentos do processo civil moderno. 3a ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2000, t. II, p. 917-918. 4 Vocabulário jurídico. 18a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 194.

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“A satisfação de um direito concorrente importa, assim, o simultâneo dos outros e por isso, por via reflexa, a extinção das ações correspondentes”5.

Pois bem.

O raciocínio também se aplica às exceções concorrentes:

direitos que o demandado alega ter em face do demandante, mas que

concorrem entre si. Se as exceções são direitos, e parece que quanto a isso

não há dúvida6, a elas também se aplica a teoria das pretensões

concorrentes.

Da mesma forma que o autor pode cumular pedidos, própria

ou impropriamente, pode o réu cumular defesas, própria ou

impropriamente. Haverá cumulação própria de defesas quando o réu

apresentar defesa contra vários pedidos que lhe foram apresentados

também em cumulação própria: cada defesa faz o contraponto a um pedido

e o demandado deseja que todas elas sejam acolhidas. Haverá cumulação

eventual de defesas quando o réu alega uma defesa para a hipótese de a

outra, anteriormente formulada, não ser acolhida; aliás, isso é o que

normalmente ocorre, pois o réu, preocupado com a observância da regra da

eventualidade, apresenta rol exaustivo de defesas. A uma defesa de mérito

formulada com base em uma premissa, o demandado soma uma outra

defesa de mérito, formulada em premissa incompatível com a primeira,

para o caso desta não ser acolhida. A efetivação (satisfação) de uma

exceção concorrente impede a efetivação da outra.

5 “Ações concorrentes”. Eficácia e autoridade da sentença. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 225. 6 Também considerando a exceção substancial um direito: FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 49; MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de Direito Privado.4a. ed. São Paulo: RT, 1984, t. 6, p. 10-11; THEODORO Jr., Humberto. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 3, t. 2, p. 183; ENNECCERUS, Ludwig, e NIPPERDEY, Hans Carl. Derecho civil (parte general). 2ª ed. tradução da 39ª edição alemã feita por Blas Pérez González e José Alguer. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1950, v. 2, p. 486

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Para ilustrar o fenômeno, cabe a transcrição da obra de COUTURE: “Os litigantes devem produzir as suas alegações simultaneamente, quando a lei assim o disponha. Ainda que as alegações sejam excludentes, deve-se proceder assim na previsão, in eventum, de que uma delas seja rechaçada, cabendo então considerar a subseqüente. (...) Uma expressão exagerada, mas ilustrativa do princípio de eventualidade, e da necessidade de evitar a preclusão das alegações logicamente anteriores, contém-se no seguinte dístico clássico: ‘Primeiro, não me deste dinheiro algum; segundo, já o devolvi faz um ano; terceiro, disseste que era um presente; e, finalmente, já prescreveu”.7 Uma última palavra.

4 Há direitos que podem ser exercidos por ação — objeto de uma demanda — ou por exceção — objeto de uma defesa. Vejamos o caso do direito de retenção: tanto pode ser exercido na contestação, como ocorre nas ações possessória, como também pode ser exercido por ação, no caso da propositura dos embargos de retenção, no processo de execução para entrega de coisa fundado em título extrajudicial (art. 744 do CPC). Há, também, o caso da compensação: típica exceção substancial, alegável como matéria de defesa, ela pode também ser objeto de uma ação declaratória proposta por aquele que poderia ter sido réu em outra demanda — há, inclusive, o enunciado n. 213 da súmula da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”.

4 Distinção entre questão preliminar e questão prejudicial.

Há questões que devem ser examinadas antes, pois a sua

solução precede logicamente à de outra8. O exame das questões prévias (ou

prioritárias) sempre pressupõe a existência de ao menos duas questões: a

que precede e subordina e a que sucede e é subordinada. Quando entre duas

ou mais questões houver relação de subordinação, dir-se-á que a questão 7 COUTURE, Eduardo. Fundamentos do Direito Processual Civil. Campinas: RedLivros, 1999, p. 132-133. 8 José Carlos Barbosa Moreira considera que melhor seria a menção a “questões prioritárias”, em vez de “questões prévias”, exatamente para que não houvesse dúvida de que a precedência é lógica e não cronológica (“Questões prejudiciais e questões preliminares”. Direito processual civil – ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 76).

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subordinante é uma questão prévia. As questões prévias dividem-se em

prejudiciais e preliminares.

Não se distinguem as questões prévias pelo seu conteúdo

(mérito e não-mérito). “O que importa, portanto, para a distinção entre

prejudicial e preliminar, não é, assim, a natureza da questão vinculada, mas

o teor de influência que a questão vinculante terá sobre aquela

(vinculada)”9. É equivocada a distinção que se faz entre prejudiciais

(mérito) e preliminares (processuais). A distinção correta baseia-se na

relação que mantêm as diversas questões postas à cognição judicial. É

importante frisar, por isso mesmo, que os conceitos de questão preliminar e

questão prejudicial são conceitos relativos: “não se há de dizer de uma

questão X que seja, em si mesma, prejudicial ou preliminar, mas que é

prejudicial ou preliminar da questão Y”.10

Considera-se questão preliminar aquela cuja solução,

conforme o sentido em que se pronuncie, cria ou remove obstáculo à

apreciação da outra. A própria possibilidade de apreciar-se a segunda

depende, pois, da maneira por que se resolva a primeira11. A preliminar é

uma espécie de obstáculo que o magistrado deve ultrapassar no exame de

uma determinada questão. É como se fosse um semáforo: acesa a luz verde,

permite-se o exame da questão subordinada; caso se acenda a vermelha, o

exame torna-se impossível12. As questões preliminares referem-se à

possibilidade de exame da questão de mérito13.

9 ALVIM, Thereza. Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: RT, 1977, p. 15. 10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Questões prejudiciais e questões preliminares”, cit., p. 89. 11 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Questões prejudiciais e questões preliminares”, cit., p. 87. 12 O exemplo é de TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 143. 13 TORNAGHI , Hélio. Curso de Processo Penal, cit., p. 143.

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Afirma-se que a questão preliminar não pode ser objeto de um

processo autônomo14. Essa afirmação é equivocada. É plenamente possível

que uma questão principal (um pedido) seja preliminar a outro. Três

exemplos. (a) O pedido de rescisão é preliminar ao pedido de rejulgamento

na ação rescisória (art. 488, I, do CPC). (b) O exame da demanda principal

é preliminar ao exame da denunciação da lide, pois, vencedor o

denunciante, a denunciação não será examinada. (c) O pedido principal é

preliminar ao pedido subsidiário, na cumulação eventual de pedidos (art.

289 do CPC).

Essas noções são fundamentais para a solução da controvérsia.

5 A conexão como fato jurídico que modifica a competência. A

conexão por preliminaridade.

Conexão é uma relação entre causas. Essa relação é fato

jurídico processual que determina a modificação legal da competência, de

modo que as causas sejam reunidas em um mesmo juízo, para que sejam

processadas e resolvidas simultaneamente.

A conexão é um vínculo de semelhança entre causas

pendentes. Causas pendentes distintas possuem uma relação que as torna

semelhantes. O legislador brasileiro optou por conceituar conexão no artigo

103 do CPC: “Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando

lhes for comum o objeto ou a causa de pedir”.

O conceito legal de conexão é eminentemente objetivo: haverá

conexão se houver identidade em um dos elementos objetivos da demanda.

14 FERNANDES, Antônio Scarance. Prejudicialidade. São Paulo: RT, 1988, p. 52.

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Embora claro, o conceito legal não é imune a críticas, que são

generalizadas na doutrina.

A principal crítica que se faz é a da sua insuficiência: o

legislador optou por um conceito bastante restrito de conexão, que, em sua

literalidade, não abrange diversas situações em que ela certamente ocorre.

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, taxando de ilusória a

convicção do legislador de que a regra do art. 103 do CPC eliminaria as

elucubrações doutrinárias, informa que, embora a maioria da doutrina

preste “homenagem ostensiva à noção de conexão baseada na identidade

parcial dos elementos a que alude o art. 103, termina por dilatar os

contornos da figura, reconhecendo ocorrência de conexidade entre as

causas que não tem o mesmo objeto nem o mesmo fundamento”15. Conclui

ser insuficiente o conceito, porque “a definição não abrange todo o

definido”. 16 A mesma flexibilização do conceito é vista na jurisprudência. Há julgados que admitem que “quando duas ações têm fundamento num mesmo contrato, há identidade de causas e, pois, conexão” (RP 3/330, em. 51), como por exemplo, “entre ação para cumprimento e ação para anulação do contrato” (RT 789/271, JTA 39/256). Há outros exemplos, tais como: conexão entre ação de alimentos e ação de modificação de guarda de guarda do alimentando (STJ – RT 762/197); conexão entre ação de usucapião e reivindicatória (RJTJESP 114/293, Bol. AASP 1.535/115); conexão entre ação renovatória de locação e ação revisional de aluguel (STJ – RT 748/195, RT 711/159, Lex – JTA 141/228).17

CELSO AGRÍCOLA BARBI adverte, contudo, que a “afirmação

contida no artigo não é errada, porque, realmente, segundo doutrina

dominante, as causas que tiverem aquelas características são conexas. A 15 A conexão de causas como pressuposto da reconvenção. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 125. 16 Ob. cit., p. 126. 17 NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 209 e 210.

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falha da lei está em que a hipótese prevista é aquela uma, entre as várias em

que ocorre a conexão”.18

A lição do processualista mineiro está correta.

De fato, o comando do art. 103 refere-se a uma hipótese

mínima de conexão: naquelas circunstâncias, sem dúvida há conexão. No

entanto, é definição incompleta. Nesse passo, OLAVO OLIVEIRA NETO

posiciona-se criticamente, afirmando que “uma regra deve ser formulada

tendo em vista as hipóteses que pretende regular e não apenas uma parte

delas”.19

O mesmo OLAVO DE OLIVEIRA NETO20, em seus estudos sobre

a conexão, faz um excelente trabalho ao sintetizar as principais teorias

sobre a matéria em três correntes principais.

Eis a síntese da síntese.

Teoria tradicional: identidade entre pedido e causa de pedir. É

a teoria adotada pelo nosso código (art. 103 do CPC), fundada na doutrina

de MATTEO PESCATORE (em sua obra Sposizione Compendiosa Della

Procedure Civile e Criminale, 1864). Alguns doutrinadores mantêm-se

fiéis a essa teoria. Flexibilizam-na, contudo, sua aplicação, afirmando que

essa identidade pode ser parcial (ex. mesmo pedido mediato ou imediato).

Já para outros o art. 103 do CPC é correto, mas não seria exaustivo nas

hipóteses de conexão.

18 Comentários ao Código de Processo Civil. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. 1, p. 465. 19 Conexão por prejudicialidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 62. 20 MONIZ DE ARAGÃO, em artigo científico onde analisa a obra de Pescatore, sustenta que para que a conexão se caracterize “é indiferente que os elementos ‘comuns’ sejam, ou não, idênticos. Tanto poderá ocorrer a identidade entre um, ou dois deles, como poderá dar-se de serem ‘comuns’, isto é, semelhantes. A comunhão, ou semelhança pode levar à identidade parcial. Assim é que são ‘comuns’as ‘ações’ se em uma delas a causa petendi mediata for a mesma, embora seja diferente a causa petendi imediata. O mesmo acontecerá se o pedido mediato for idêntico, conquanto o pedido imediato seja diverso. Nesses casos haverá identidade, em parte, e semelhança ocorrerá quanto ao todo”. (“Conexão e tríplice identidade”. Revista Ajuris. Porto Alegre: AJURIS, 1983, n. 28, p. 79).

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Teoria de CARNELLUTI: identidade de questões. Para que

demandas sejam havidas por conexas, bastará que ambas sejam sede de

discussões acerca de determinadas razões de fato e de direito comuns (ex.:

nas ações de despejo e de consignação, discutem-se questões comuns

como, por ex., o pagamento dos alugueres). Com essa teoria a concepção

do fenômeno evoluiu, mas não o bastante para alçar sua forma mais

completa.

Teoria materialista: identidade da relação jurídica de direito

material. Causas são conexas quando decidem mesma relação de direito

material, ainda que sob enfoques diversos. É a teoria adotada por OLAVO

OLIVEIRA NETO. A conseqüência processual do fenômeno é a garantia de

julgamentos uniformes e a economia processual.

Malgrado a existência dessa profusão de teorias sobre o

assunto, aceita-se na prática e na jurisprudência, a teoria materialista.

A conexão, assim, configura-se pela contextualização de duas

causas em um mesmo âmbito substancial, versando, pois, sobre a mesma

relação material. Sua adoção explica-se pelo fato de ser a concepção mais

abrangente e afinada com a finalidade própria do instituto da conexão: a

partir da reunião de causas “semelhantes”, evitar decisões contraditórias e

racionalizar o trabalho do Poder Judiciário, com a economia de energias

processuais. “Se são conexas as causas que derivam de uma mesma

relação jurídica material, então é conseqüência do vínculo de conexão que

os julgados sejam uniformes”.21

A conclusão não pode ser outra senão a de que a noção de

conexão é muito mais abrangente do que indica o conceito legal previsto no

21 NETO. Olavo Oliveira. Conexão por prejudicialidade, p. 65.

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art. 103 do CPC. Essa visão autoriza-nos a concluir pela existência de

conexão por prejudicialidade ou preliminaridade: se uma causa é

prejudicial/preliminar a outra há conexão e a reunião se exige, respeitados

os limites impostos para qualquer reunião.

A conexão deve ser definida à luz do direito material (objeto

litigioso do processo; demanda). Isso é fundamental. Embora seja

constatada a partir do exame do direito material deduzido em juízo, a

conexão é fato jurídico processual, que produz relevantes efeitos: ao impor

a reunião das causas no mesmo juízo, expurga julgamentos divergentes

sobre a mesma situação jurídica material, prevenindo a iniqüidade.

6 A cumulação subsidiária.

Para a solução do caso concreto, é imprescindível o exame

minucioso da chamada cumulação subsidiária, também chamada de

pedidos subsidiários, pedidos sucessivos ou cumulação eventual.

O demandante estabelece uma hierarquia/preferência entre os

pedidos formulados: o segundo só será analisado se o primeiro for rejeitado

ou não puder ser examinado (falta de um pressuposto de exame do mérito);

o terceiro só será atendido se o segundo e o primeiro não puderem sê-lo etc.

O magistrado está condicionado à ordem de apresentação dos pedidos, não

podendo passar ao exame do posterior se não examinar e rejeitar o anterior.

A cumulação de pedidos incompatíveis entre si é caso de

inépcia da petição inicial (art. 292, §1o, I, c/c art. 295, par. ún, IV, CPC).

Caso seja possível/interessante formulá-los, a técnica correta é a dos

pedidos subsidiários. É possível que o autor esteja em dúvida sobre o

acolhimento do pedido principal e, por isso, formule o outro, para o caso de

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não vingar o primeiro. Percebe-se, pois, que não se aplica a esse tipo de

cumulação o requisito da compatibilidade dos pedidos formulados, os quais

jamais poderão ser acolhidos simultaneamente. Os demais requisitos gerais

para a cumulação de pedidos (competência e identidade de procedimento)

aplicam-se, no particular, sem qualquer especialidade.22 Importante observação de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI: “Seja como for, a incompatibilidade não significa que possam ser cumulados, na espécie aqui examinada, pedidos absolutamente autônomos quanto à sua gênese fático-jurídica. Na verdade, deverá haver um elo de prejudicialidade entre os pedidos, uma vez que o provimento jurisdicional de procedência do primário fulmina (implicitamente) o interesse processual e, conseqüentemente, exaure a pretensão do autor em relação ao pedido subsidiário. Desse modo, não se viabiliza o cúmulo subsidiário na hipótese de o autor reclamar o pagamento do preço decorrente da alienação de um automóvel e, subsidiariamente, na circunstância de ser rechaçado esse primeiro pedido, reivindicar ele a propriedade de um determinado imóvel”.23

É instituto útil nas hipóteses de concurso de pretensões (ver

item abaixo). Acolhido o pedido principal, estará o magistrado dispensado

de examinar o pedido subsidiário, que não ficará acobertado pela coisa

julgada, exatamente por não ter sido examinado.24 Acaso o magistrado

examine o pedido sucessivo per saltum, sem ter examinado o pedido

principal, haverá error in procedendo, impugnável pelo autor, em razão da

preferência expressada na formulação dos pedidos. Não acolhido ou não

examinado (acaso falte um pressuposto de admissibilidade de exame do

mérito) o pedido principal, deve o magistrado examinar o pedido

subsidiário, sob pena de sua sentença ser citra petita25.

22 TUCCI, José Rogério Cruz e. “Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos”. Causa de pedir e pedido no processo civil. São Paulo: RT, 2002, p. 286. 23 José Rogério Cruz e Tucci, “Reflexões sobre a cumulação subsidiária de pedidos”, ob. cit., p. 285. 24 STF, 2a. T., AI 194.653-0-SP-AgRg, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 7.11.1997, p. 57.243. 25 STJ, 3a. T., REsp 26.423-0-SP.

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A sucumbência total do demandante, quando deduz cumulação

subsidiária, só existirá se todos os seus pedidos forem rejeitados. Acolhido

o pedido subsidiário, não se fala de sucumbência parcial: cabe relembrar

que, em demanda formulada com cumulação eventual, não é possível o

acolhimento de mais de um pedido. Acolhido totalmente um dos pedidos, o

autor é vencedor exclusivo26. E, assim sendo, não é ele considerado

vencido e não pode, em conseqüência, ser condenado ao pagamento de

verbas sucumbenciais27. Eis o que afirma, a propósito, CÂNDIDO

DINAMARCO: “De todo modo, como os pedidos não são somados, basta o

acolhimento de um deles para que suporte o réu, por inteiro, os encargos

da sucumbência (art. 20)”.28

Convém, no entanto, não olvidar a existência de

posicionamento dissonante: com base em YUSSEF SAID CAHALI, STJ, REsp

193.278-PR, rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ 10.06.2002, p. 201; ver, neste

acórdão, belíssimo voto-vista de divergência da Min. Nancy Andrighi,

adotando posição semelhante à ora exposta.

7 A cumulação ulterior.

A cumulação de pedidos pode ser inicial, quando deduzida no

ato que originariamente veicula a demanda (petição inicial da demanda

principal ou reconvencional), ou ulterior, quando a parte agrega novo

pedido à sua demanda após a sua postulação inicial, já no curso do

processo. É cumulação ulterior o aditamento permitido da petição inicial

26 “Formulado pedido subsidiário pelo autor, para o caso de reconhecimento da concorrência de culpas, os encargos de sucumbência hão de ser carreados por inteiro ao réu”. (STJ, REsp 52.750-3, rel. Barros Monteiro, publicado na RSTJ 7/75, novembro de 1995, p. 390.) 27 TJÄDER, Ricardo. Cumulação eventual de pedidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 91. 28 Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Ed., 2001, p. 172, grifos nossos.

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(art. 294 do CPC) e o ajuizamento pelo autor de ação declaratória

incidental,29 mesmo aquela que objetiva o reconhecimento da falsidade de

documento.

Alguns autores consideram que qualquer ampliação objetiva

ulterior implica cumulação de pedidos ulterior. Assim, seria a reconvenção,

p. ex., hipótese de cumulação de pedidos superveniente. Também seria

cumulação ulterior a reunião de causas conexas pela causa de pedir (arts.

103-105 do CPC).

No caso concreto, interessa-nos a cumulação ulterior em razão

da reunião de causas conexas.

A doutrina acolhe esse entendimento, como se vê da obra de

ARAKEN DE ASSIS: “Ao lado da inicial, existe a cumulação sucessiva ou

superveniente, englobando inúmeras situações, ou por inserção da nova

ação no processo pendente, ou derivada da reunião de diversos processos...

o segundo grupo inclui a reunião de processos, cujas ações sejam

conexas...”30 Também assim, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA: “A

cumulação de pedidos é provocável ex officio, pelo órgão judicial, como

conseqüência da reunião de ações propostas em separado, conexas pela

causa petendi...” 31

8 Litispendência como requisito processual negativo.

29 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 14. 30 Cumulação de ações. 4a. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 24. 31 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 14. Citando o mesmo exemplo, embora referindo ao CPC-1939, REZENDE FILHO, Gabriel. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1968, v. 1, p. 186-187; MARTINS, Pedro Batista. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1940, v. 1, p. 352-353.

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Litispendência é palavra que, na dogmática processual, possui

dois sentidos.

Primeiramente, é o nome que se conferiu ao período de tempo

que medeia o nascimento e a extinção do processo — assim como “vida” é

o nome que se dá ao espaço de tempo correspondente da existência

humana. Litispendência é o período de existência do processo.

O segundo sentido é o que mais nos interessa no presente caso.

De acordo com essa acepção, litispendência é um requisito processual

negativo: trata-se da existência de dois processos pendentes contendo a

mesma demanda, possuindo o mesmo objeto litigioso; a mesma situação

jurídico-substancial está posta para ser resolvida em dois ou mais processos

diferentes. Fala-se, então, que há litispendência “quando se repete ação,

que está em curso” (§ 3o do art. 301 do CPC). É em torno desta definição

legal que gira o problema deste caso concreto.

9 A suspensão do processo.

O art. 265, IV, “a”, do CPC permite a suspensão do processo,

quando a sentença de mérito “depender do julgamento de outra causa, ou

da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que

constitua o objeto principal de outro processo pendente”.

Examinemos a hipótese normativa.

a) Primeiramente, cabe pontuar a “sentença de mérito” que

consta no enunciado do inciso IV do art. 265 é qualquer decisão de mérito,

inclusive acórdão. “Sentença”, aqui, é termo utilizado em acepção ampla,

como sinônimo de decisão judicial, qualquer decisão judicial, e não como

uma de suas espécies (a decisão proferida pelo magistrado, que encerra a

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atividade processual em primeira instância, na forma do art. 162, § 1o,

CPC). O Código de Processo Civil, aliás, adotou essa terminologia em

outros momentos, como quando se refere à decisão rescindenda (art.485), à

coisa julgada (art. 467) e aos títulos executivos judiciais (art. 584, I); a

ninguém será permitido imaginar que nesses dispositivos o legislador não

se refere aos acórdãos ou outras decisões judiciais.

b) O enunciado refere-se ao fato de o julgamento de uma

causa pendente depender do julgamento de uma outra causa pendente. A

dependência entre causas pendentes deve ser compreendida como uma

dependência lógica: a solução de uma causa depende logicamente da

solução que se dê a uma outra. Assim, convém suspender a causa

dependente, enquanto não se decide a causa subordinante.

A relação de dependência entre causas pendentes pode ocorrer

de duas maneiras: a) uma causa é prejudicial a outra: a solução que se der a

uma causa pode interferir na solução que se der a outra; b) uma causa é

preliminar a outra: a solução que ser a uma pode impedir o exame da outra.

A diferença entre prejudicialidade e preliminaridade já foi demonstrada

linhas atrás.

Não custa lembrar: pode ser objeto de uma demanda tanto uma

questão prejudicial quanto uma questão preliminar. A alínea “a” do inciso

IV do art. 265 do CPC refere-se à pendência de processo cujo objeto seja

uma questão subordinante (ou prioritária), seja ela prejudicial ou

preliminar. Os comentadores desse dispositivo normalmente fazem

referência à existência de questão prejudicial externa, não mencionando a

questão preliminar objeto de outro processo32; partem, pois, de premissa

32 GRECO, Leonardo. “Suspensão do processo”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 1995, n. 80, p. 97-99; THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41a ed. Rio de Janeiro: Forense,

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diversa, considerando que apenas a questão prejudicial pode ser objeto

principal de um processo. Já se examinou o equívoco desta postura,

precisamente identificado por BARBOSA MOREIRA. Bem examinada alínea,

não há qualquer referência a questão prejudicial, mas, sim, a questão

prévia/prioritária, gênero de que a primeira, ao lado da questão preliminar,

é espécie.

O que importa, neste momento, enfim, é frisar que a suspensão

do processo deve ocorrer sempre que se verificar a relação de subordinação

entre causas pendentes, pouco importa se essa relação é de prejudicialidade

ou preliminaridade.

c) A suspensão do processo nessa hipótese tem um

pressuposto negativo. Somente será suspenso o processo, se não for

possível a reunião das causas pendentes em um mesmo juízo33. O vínculo

de dependência (prejudicialidade ou preliminaridade), conforme já

apontado neste parecer, implica conexão, que, não implicando alteração de

regra de competência absoluta, dá ensejo à reunião dos processos em um

mesmo juízo.

Portanto, somente haverá suspensão de um processo à espera

do outro se não for possível reuni-los para processamento e julgamento

simultâneos.

PARTE 3 – Aplicação da teoria ao caso concreto.

2004, v. 1, p. 280-282; ARAGÂO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 2, p. 400-401. 33 GRECO, Leonardo. “Suspensão do processo”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 1995, n. 80, p. 99; THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 1, p. 281-282.

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10 As pretensões concorrentes: a possibilidade de ajuizamento de ação declaratória que veicule pretensão concorrente com outra ação declaratória, ainda pendente.

A Consulente possui duas pretensões concorrentes em face da

União: a) reconhecer a inexistência de relação jurídica tributária, que lhe

obrigasse a pagar o tributo “contribuição social sobre o lucro líquido”,

tendo em vista a existência de coisa julgada neste sentido, anulando os atos

administrativos tributários correspondentes; b) se for reconhecida a

existência da mencionada relação jurídica, que fosse reconhecida a

inexistência do dever de pagar as multas fiscais (relação jurídica tributária

acessória) nos termos em que a União pretende, com a conseqüente

anulação dos atos administrativos tributários correspondente ao respectivo

procedimento fiscal.

Não há como acolher simultaneamente ambas as pretensões,

tendo em vista que a segunda (“b”) tem por pressuposto a rejeição da

primeira. São pretensões que poderiam ter sido deduzidas ao mesmo

tempo, em cumulação imprópria.

É fácil perceber, também, que tais pretensões processuais

veiculam direitos que poderiam ter sido deduzidos, em cumulação

imprópria de exceções, em uma eventual defesa de uma hipotética

execução fiscal proposta pela União, objetivando a satisfação de seu

suposto crédito tributário.

Conforme visto na parte 2 deste parecer, a propositura de uma

demanda concorrente não impede a propositura de outra. O obstáculo surge

quando uma das pretensões concorrentes já houver sido satisfeita.

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No caso presente, a Consulente já deduziu a pretensão de ver

reconhecida a inexistência da relação jurídica tributária. Não demandou,

ainda, o reconhecimento da inexistência da relação jurídica tributária

acessória (o dever de pagar a multa), pretensão que concorre com aquela já

deduzida.

Ambas as pretensões possuem natureza declaratória. A

satisfação de uma pretensão meramente declaratória ocorre com a coisa

julgada material. O objetivo da ação declaratória é exatamente resolver a

crise de certeza em torno da existência/inexistência de uma relação

jurídica. Essa crise apenas reputa-se resolvida definitivamente com a coisa

julgada, que é a estabilidade do conteúdo declaratório de uma decisão

judicial. A simples propositura de demanda declaratória, conforme visto,

não é o suficiente para impedir o exercício do direito concorrente.

Como ainda não há coisa julgada que reconheça a inexistência

da relação jurídica tributária principal, tendo em vista que está pendente o

processo que a discute, não há obstáculo ao ajuizamento de ação

declaratória de inexistência da relação jurídica tributária acessória. O

primeiro direito ainda não foi satisfeito, portanto não há qualquer empeço

ao ajuizamento de outra demanda declaratória, com pretensão concorrente,

enquanto pendente o primeiro processo.

11 A conexão por preliminaridade entre a demanda que discute a inexistência de relação jurídica principal e a que discute a inexistência de relação jurídica acessória.

É preciso, agora, investigar se há, entre a causa pendente —

inexistência de relação jurídica tributária — e a causa a ser ajuizada —

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inexistência de relação jurídica tributária acessória —, um vínculo de

conexão. De acordo com os critérios definidores da conexão, apontados na

parte II deste parecer, parece-nos que há conexão por preliminaridade.

Em primeiro lugar, as causas versam sobre uma relação

jurídica tributária que envolve os mesmos sujeitos: na primeira demanda, a

relação jurídica é negada; na segunda, embora se a aceite, nega-se a

existência de uma relação jurídica tributária acessória. Discute-se, pois, o

mesmo complexo de relações jurídico-substanciais, o que dá ensejo à

conexão objetiva entre as causas.

Em segundo lugar, é preciso verificar se as condições de

eficácia da conexão estão presentes. Para que a conexão produza efeitos, é

necessário que se verifique a compatibilidade procedimental entre as causas

pendentes e a competência. As demandas processam-se pelo procedimento

ordinário e o juízo é competente para ambas, razão pela qual não há

qualquer obstáculo formal à eficácia dessa conexão.

Em terceiro lugar, há manifesta subordinação lógica de uma

causa em face da outra. A inexistência da relação jurídica tributária

principal torna despicienda a análise do pedido declaratório de inexistência

de relação jurídica acessória; há, pois, o nexo entre as causas, que impõe a

apreciação simultânea de ambas, pois entre elas há preliminaridade — que

não se confunde com a prejudicialidade, que é outro vínculo de

subordinação lógica, embora ambas dêem ensejo à conexão. No caso

concreto, há preliminaridade, pois a depender da solução que se der à

primeira causa, a segunda nem será examinada. Explica-se: decisão

favorável à autora no primeiro processo é obstáculo à apreciação do mérito

do segundo. Essa é, inclusive, a característica básica da cumulação

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subsidiária de pedidos (conforme exposto neste parecer). A subordinação

lógica a que a segunda causa está submetida, em relação à segunda,

configura relação de conexão objetiva, a autorizar a reunião dos processos

para processamento e análise simultâneos.

Racionaliza-se o trabalho do Poder Judiciário e evita-se a

prolação de decisões contraditórias. A contradição ocorreria se, na primeira

demanda, fosse reconhecida a inexistência da relação jurídica principal e,

na segunda, a existência da relação jurídica acessória. O risco de

contradição, a conexão por preliminaridade e a identidade de competência e

de procedimento impõem a reunião dos processos, na forma do art. 105 do

CPC, correta e extensivamente interpretado. Esta conexão implicará

cumulação subsidiária ulterior de pedidos, conforme também explicado

neste parecer.

12 A possibilidade de cumulação subsidiária ulterior, em razão da

conexão, e a questão da sucumbência.

A Consulente possui, como já mencionado em diversos

momentos neste parecer, pretensões concorrentes em face da União, que

não poderiam ser deduzidas em cumulação própria.

Mas, conforme também demonstrado, é plenamente possível a

dedução de pretensões incompatíveis, pelo mesmo demandante, desde que

se valha da técnica da cumulação imprópria de pedidos, especialmente da

modalidade cumulação subsidiária.

Viu-se, do mesmo modo, que é possível a cumulação ulterior

de pedidos, tendo em vista a reunião de causas conexas. Já se demonstrou,

também, que causas que veiculem pretensões concorrentes são conexas,

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porquanto haja um vínculo de subordinação lógica entre elas, de modo que

o acolhimento de uma impede o exame do mérito da outra.

Ainda pendente o processo em que se discute a pretensão

concorrente do reconhecimento de inexistência da relação jurídica tributária

principal, nada obsta que a Consulente proponha demanda concorrente, que

é conexa à primeira, gerando uma cumulação subsidiária ulterior de

pedidos.

Tendo surgido a cumulação subsidiária ulterior, é importante

alertar que a análise da sucumbência da demandante, em caso de sua

derrota, deve levar em consideração as peculiaridades deste processo

cumulativo: somente se for derrotado em ambos os pedidos, poderá ser o

autor considerado sucumbente. Acolhido apenas um dos pedidos

concorrentes, já que apenas um deles poderia, de fato, ser acolhido, não se

poderá falar de sucumbência da demandante, conforme, aliás, já exposto no

item respectivo deste parecer, constante da parte 2. A sucumbência, neste

último caso, será suportada exclusivamente pela demandada.

Cabe, por fim, um alerta.

Se não for admitida a cumulação ulterior por conexão, a

sucumbência da nova demanda ajuizada será examinada separadamente, ou

seja, haverá duas condenações em virtude da sucumbência: no processo

originário e no processo superveniente. Essa é a razão pela qual se reputa

importantíssimo defender a tese da existência da conexão, que gera

cumulação subsidiária ulterior de demandas e o seu conseqüente regime

especial de imposição do ônus da sucumbência, extremamente favorável ao

demandante, que no caso é a empresa.

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13 A suposta litispendência entre o MS 2003.33.00.014869-0 (que ora tramita no TRF da 1a Região, mas originária da 14a Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia) e a Ação Anulatória n. 2003.33.000141221-9 (que ora tramita no TRF 1a Região, mas originária da 11a Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia).

A Consulente impetrou mandado de segurança na Justiça

Federal contra ato de autoridade fazendária federal (tombado sob o n.

2003.33.00.014869-0), com o seguinte pedido, ipsis verbis: “seja confirmada a liminar por sentença concessiva da segurança, reconhecendo a nulidade da inscrição na Dívida Ativa da União e dos demais procedimentos efetuados pelas autoridades coatoras, em decorrência da existência de coisa julgada material em favor do direito da Impetrante, afastadas ainda as sanções políticas e administrativas”. No corpo da petição inicial, a empresa faz referência à

existência de três procedimentos administrativos tributários: 13502-

000.876/2001-36, 13502-000.147/2002-61 e 13502-000.632/2002-34.

No pedido liminar, porém, a impetrante-consulente refere-se

apenas ao procedimento n. 13502-000.632/2002-34, ipsis verbis: “a) seja determinado à segunda das autoridades impetradas — o Procurador da Fazenda Nacional —, que proceda ao imediato cancelamento da inscrição na Dívida Ativa da União concernente ao processo administrativo n. 13502-000.632/2002-34, bem como se abstenha, até decisão final no presente writ, de efetuar quaisquer outras inscrições, tendo como motivo o não recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”.

O pedido principal, como visto, refere-se à liminar e é escrito

no singular (“nulidade da inscrição”). Assim, claramente o mandado de

segurança tem por objeto litigioso o reconhecimento do defeito insanável

de um ato do procedimento administrativo tributário, tombado sob n.

13502-000.632/2002-34, a inscrição da dívida ativa, e como efeito anexo a

invalidação dos atos administrativos que lhe seguirem.

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A consulente ajuizou, também, ação de nulidade de auto de

infração e procedimento fiscal, tombada sob o n. 2003.33.000141221-9,

que tramitou na 11a Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia. O ilustre

magistrado federal, titular deste juízo, entendeu haver litispendência entre

essa demanda e o mandado de segurança referido acima, extinguindo o

procedimento, sem exame do mérito.

Para verificar o acerto do entendimento do magistrado,

convém reproduzir, ipsis verbis, o pedido formulado na demanda que

tramita sob o procedimento ordinário: “60. Nessas condições, quer a suplicante através da presente ação, restaurar o seu direito violado, mediante provimento jurisdicional que declare a nulidade total do referido auto de infração e do conseqüente processo fiscal 13502-000-876/2001-36, e, igualmente, a inexistência do débito fiscal”

É preciso, porém, observar a existência de erro material na

elaboração do pedido, que não pode causar qualquer prejuízo à autora.

Percebe-se nitidamente a existência de um erro de digitação. Vejamos.

Na fl. 2 da petição inicial, exatamente na exposição dos fatos,

a demandante refere-se ao procedimento administrativo n. 13502-

000.632/2002-34. No item 63 da mesma peça, a autora postula a requisição

de cópia integral do mesmo procedimento administrativo. Não obstante

isso, no item 60, há menção ao procedimento administrativo 13502-

000.876/2001-36 — outro, portanto.

O erro ainda pode ser constatado a partir do exame de outra

circunstância.

A mesma autora ajuizou outra ação ordinária, que tramita na

9a Vara Federal da Bahia sob o n. 2004.33.0001306-6, semelhante à ação

ordinária que tramita na 11a Vara Federal, exatamente com o objetivo de

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anular ab ovo o procedimento fiscal 13502-000.876/2001-36 — só que sem

erro material.

É importante, portanto, corrigir o defeito de digitação para

identificar corretamente a demanda proposta perante a 11a Vara Federal,

que ora nos interessa, como relativa ao procedimento n. 13502-

000.632/2002-34.

Pois bem.

A mera leitura dos pedidos já basta para que se verifique a

inexistência de litispendência.

As causas são indiscutivelmente semelhantes; há entre elas

uma afinidade de questões de fato e de direito, que envolvem os mesmos

sujeitos e em que se discute a mesma tese jurídica.

Embora semelhantes, as demandas são distintas, pois possuem

causas de pedir e pedidos distintos.

As demandas referem-se ao mesmo procedimento

administrativo (13502-000.632/2002-34). Há, pois, identidade parcial da

causa de pedir, pois o tipo de defeito alegado em ambas as demandas é o

mesmo e o objeto da impugnação são atos que compõem o mesmo

procedimento (ato complexo).

A diferença entre as demandas aparece com mais clareza,

porém, quando se examinam os pedidos.

Há, na verdade, continência entre as causas pendentes.

Ambos os pedidos têm por conteúdo o reconhecimento de

nulidade, mas o pedido da ação ordinária é mais abrangente do que o do

mandado de segurança.

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Os pedidos são diferentes, pois possuem objetos mediatos

diferentes: a) o pedido do mandado de segurança tem por objeto o ato

jurídico “inscrição na dívida ativa” e os seus posteriores; b) o pedido na

ação ordinária impugna o “auto de infração” e o conseqüente processo

fiscal. Diversos os atos jurídicos que se pretende anular, diversos são os

objetos mediatos e, pois, diversos são os pedidos destas duas demandas.

A inscrição na dívida ativa (art. 202 do CTN34 e § 3o do art. 2o

da Lei Federal n. 6.830/198035) é um ato jurídico. O lançamento é outro ato

jurídico, que pode ser compreendido em duas acepções: a) ato complexo,

procedimento: lançamento, neste sentido, é o conjunto de atos tendente a

verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,

determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido,

identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade

cabível (art. 142 do CTN); b) ato final do procedimento: lançamento, neste

sentido, é o ato final do procedimento, documentado pelo auto de infração.

Anular o ato de inscrição na dívida ativa não é igual a anular o lançamento,

portanto.

O ato de inscrição na dívida ativa compõe o procedimento

tributário iniciado pelo auto de infração, que lhe é anterior. Anular a

inscrição na dívida ativa não implica anular o auto de infração, isso parece

claro e óbvio. As causas de nulidade de uma e outro podem ser distintas, 34 “Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente: I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros; II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos; III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado; IV - a data em que foi inscrita; V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito. Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.”. 35 “§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”.

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bem como se trata de atos jurídicos distintos. Não se pode considerar igual

aquilo que é diferente (princípio lógico da não-contradição): se os atos

impugnados são distintos, distintos também são os pedidos.

Mas é certo que anular o auto de infração implica, pela regra

da causalidade, a anulação dos atos subseqüentes, dentre os quais está o ato

de inscrição na dívida ativa — a anulação da inscrição aparece aqui como

reflexo da anulação do auto de infração. Assim, o pedido de anulação da

inscrição, deduzido no mandado de segurança, é diferente do pedido de

anulação do auto de infração, formulado na ação ordinária, embora haja

entre eles uma relação de continência, sendo que o primeiro está contido no

segundo. Uma observação faz-se necessária. O procedimento é ato jurídico complexo. A nulidade do ato jurídico complexo merece exame diferenciado da doutrina. A validade do ato-complexo de formação sucessiva (procedimento) dependerá da validade dos atos que o compõem. Cada ato que compõe o tipo do ato-complexo deve preencher os requisitos para a sua validade, mas a validade do ato-complexo (conjunto dos atos) dependerá da validade dos atos que compõem a cadeia — regra da causalidade. Há a validade de cada ato e há a validade do ato-complexo (conjunto de atos). Anular um dos atos do procedimento não significa anular o conjunto de atos (o procedimento), necessariamente. Explica o tema MARCOS BERNARDES DE MELLO, valendo-se da distinção explicada acima entre atos condicionantes e ato final do procedimento: “Os atos condicionantes são preparatórios do ato final e dele constituem pressupostos de validade, não de sua existência. É preciso ressaltar que cada um dos atos tem de atender a seus próprios pressupostos de validade e/ou eficácia. A nulidade de um deles, por exemplo, contamina os que lhe são posteriores e invalida o ato-complexo. Não afeta, porém, nem em sua falta, a existência do ato-complexo que será, nesse caso, nulo”36.

36 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico – plano da existência. 10a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 138.

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Não há litispendência, pois. Aplica-se, então, o art. 104 do

CPC, que reconhece a existência de continência quando o objeto de uma

demanda for mais abrangente do que o da outra.

Finalmente, não obstante reconhecida a continência, não será

possível a reunião dos processos, porque: a) os procedimentos são diversos

e incompatíveis (mandado de segurança e procedimento ordinário); b) as

causas tramitam em instâncias diversas, o que impede a reunião dos

processos pela impossibilidade de modificação de competência funcional.

A melhor solução é o pedido de suspensão do processo do

mandado de segurança, que tem conteúdo mais restrito, que ficará

aguardando o julgamento do processo-continente, que foi ajuizado perante

a 11a Vara Federal. Essa solução encontra respaldo legal na alínea “a” do

inciso IV do art. 265 do CPC, que, conforme afirmado, permite a suspensão

do processo em qualquer instância.

Eis a análise dogmática.

Cabe, porém, uma análise pragmática: dificilmente o Tribunal

Regional Federal seria convencido a aguardar o julgamento de um juiz

federal. As razões desse comportamento não se explicam pela dogmática

jurídica. Convém, portanto, diligenciar a aceleração do julgamento do

processo-continente para que, uma vez atingida a instância recursal, se

possa requerer a reunião com o processo-contido, postulação que, tendo em

vista o fato de ambos os procedimentos estarem na mesma fase, tem boas

chances de ser acolhida.

14 A possibilidade de suspensão dos processos que tramitam em instância recursal, e que discutem a existência da relação jurídica tributária principal, à espera do julgamento de processos que tramitassem em primeira instância, em que se discutisse a existência de relação jurídica tributária acessória.

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É preciso rememorar algumas conclusões desenvolvidas ao

longo de todo parecer, para que se possa responder a esse item: a) há

conexão por preliminaridade entre uma causa que discute a inexistência da

relação jurídica principal e uma causa que venha discutir a inexistência da

relação jurídica acessória; b) essa conexão deve implicar a reunião dos

processos, para processamento e apreciação simultâneos, desde que não

haja alteração de competência absoluta e os procedimentos forem

compatíveis; c) quando não for possível a reunião dos processos, é hipótese

de aplicação do art. 265, IV, “a”, CPC, de modo que a causa subordinada

fique suspensa à espera da decisão da causa subordinante.

Pois bem.

A consulente ajuizou três demandas que objetivam reconhecer

a inexistência da relação jurídica tributária principal. Dois dos processos

gerados por essas demandas já estão em fase recursal.

A demanda que veicula pretensão de reconhecimento da

inexistência de relação jurídica tributária acessória (pagamento de multa) é

demanda conexa àquela que pretende a declaração da inexistência da

relação jurídica principal, em razão do vínculo de preliminaridade,

conforme exaustivamente demonstrado.

Em relação à demanda que ainda está sendo processada em

primeira instância, o ajuizamento da demanda conexa implicará reunião

dos processos, para processamento simultâneo, conforme já dito neste

parecer.

Sucede que, em relação às demandas que já tramitam em fase

recursal, a conexão não poderá dar ensejo à reunião dos processos,

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porquanto há competência funcional (absoluta) distinta, que não pode ser

alterada por essa hipótese de modificação legal da competência (art. 102 do

CPC).

Impossível a reunião dos feitos, surge a dúvida: ajuizada a

nova demanda (que versa sobre a relação jurídica acessória), haverá

suspensão do processo que já tramita em segunda instância, que ficaria

esperando que a nova demanda atingisse também a fase recursal, quando

então seriam reunidas?

A resposta à pergunta passa pela fixação da seguinte premissa:

qual das causas é a subordinante e qual é a subordinada. Viu-se que, em

hipóteses tais, deve ser suspensa a causa subordinada, enquanto a causa

subordinante segue a sua trajetória.

A causa subordinante é a que está em fase recursal, conforme

já apontado em outra parte deste parecer. A decisão sobre a existência da

relação jurídica principal (objeto da demanda mais antiga) é questão prévia

(subordinante-preliminar) à decisão sobre a existência da relação jurídica

acessória (objeto da demanda mais nova), que é a questão subordinada.

Assim, não é possível determinar a suspensão do processo que

já está em segundo grau, neste caso, pois a demanda que deveria ter o seu

procedimento suspenso é exatamente aquela que ainda não foi ajuizada.

Neste caso, a propositura da nova demanda nenhum efeito

causaria no processamento da demanda nova, mas certamente o magistrado

responsável por este novo processo determinaria a suspensão do seu

andamento, à espera da decisão que viesse a ser proferida no processo

subordinante (aquele que carrega a demanda originária), por força da

aplicação do art. 265, IV, “a”, CPC.

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Não há óbice teórico à suspensão de um processo que esteja em fase recursal, por causa de um processo que ainda esteja em primeira instância, se esse for o subordinante e aquele o subordinado. Essa solução, inclusive, já foi oferecida para o problema envolvendo o mandado de segurança e a ação ordinária ajuizada perante a 11a Vara Federal. Essa segunda parte do caso concreto, que envolve o ajuizamento de demanda-subordinada pendente processo que discute demanda-subordinante, cuida de situação exatamente inversa, o que impede a suspensão pretendida.

15 Conclusão.

Eis, portanto, as minhas respostas aos questionamentos

formulados:

a) O mandado de segurança tributário em questão induz litispendência para as também mencionadas ações anulatórias?

R. Não. Há, na verdade, continência: o pedido de anulação da

inscrição, deduzido no mandado de segurança, é diferente do pedido de

anulação do auto de infração, formulado na ação ordinária, embora haja

entre eles uma relação de continência, sendo que o primeiro está contido no

segundo. Trata-se de continência que não pode dar ensejo à reunião dos

processos, pela incompatibilidade dos procedimentos e pela modificação de

competência absoluta.

A solução dogmaticamente adequada é a suspensão do

processo do mandado de segurança, que tem conteúdo mais restrito, que

ficará aguardando o julgamento do processo-continente, que foi ajuizado

perante a 11a Vara Federal, com base na alínea “a” do inciso IV do art. 265

do CPC. Trata-se, porém, de solução que dificilmente, em minha opinião,

seria aceita pelo TRF, sendo recomendável diligenciar a aceleração do

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julgamento do processo-continente (11a Vara Federal) para que, uma vez

atingida a instância recursal, se possa requerer a reunião com o processo-

contido, postulação que, tendo em vista o fato de ambos os procedimentos

estarem na mesma fase, tem boas chances de ser acolhida.

b) A pretensão declaratória de inexistência da relação jurídica tributária acessória (multa) pode ser deduzida, por demanda autônoma, mesmo se já fora deduzida pretensão com ela incompatível logicamente?

R. Sim. Trata-se de pretensão concorrente, que pode ser

deduzida enquanto a primeira, com ela logicamente incompatível, não for

satisfeita — o que é o caso.

c) Sendo afirmativa a resposta à segunda questão (possibilidade de ajuizamento), haverá conexão entre as causas, apta a dar ensejo à reunião dos processos para julgamento simultâneo? Como ficaria a situação dos processos que já tramitam em segunda instância?

R. Há conexão por preliminaridade. Em relação ao processo

que tramita em primeira instância, é caso de reunião das causas para

processamento e análise simultâneos. Em relação às demandas que já

tramitam em fase recursal, a conexão não poderá dar ensejo à reunião dos

processos, porquanto há competência funcional (absoluta) distinta, que não

pode ser alterada por essa hipótese de modificação legal da competência

(art. 102 do CPC).

d) Sendo afirmativa a resposta à terceira questão, com a reunião dos processos, e o necessário julgamento

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simultâneo, como deveria ser resolvido o problema relacionado ao ônus da sucumbência?

R. No caso em que há reunião dos processos, tendo em vista a

cumulação subsidiária ulterior de pedidos, a sucumbência deverá ser arcada

integralmente pela demandada, União, caso a consulente ganhe uma das

pretensões concorrentes deduzidas. Nos casos em que a reunião é

impossível, a sucumbência deve ser examinada separadamente em cada um

dos processos.

e) Existe possibilidade de suspensão dos processos a ser ajuizados (que versam sobre a relação acessória), tendo em vista a pendência de processos que discutem a existência da relação jurídica tributária principal? É possível a suspensão dos processos que se encontram em trâmite na fase recursal?

R. Não é possível determinar a suspensão do processo que já

está em segundo grau, pois a demanda que deveria ter o seu procedimento

suspenso é exatamente aquela que ainda não foi ajuizada, porquanto seja a

causa-subordinada. Neste caso, a propositura da nova demanda nenhum

efeito causaria no processamento da demanda nova, mas certamente o

magistrado responsável por este novo processo determinaria a suspensão do

seu andamento, à espera da decisão que viesse a ser proferida no processo

subordinante (aquele que carrega a demanda originária), por força da

aplicação do art. 265, IV, “a”, CPC.

f) A coisa julgada existente e favorável à empresa consulente pode ser afastada, ou deve gerar, necessariamente, efeitos futuros, inviabilizando

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qualquer iniciativa do fisco no sentido de proceder ao lançamento tributário do tributo reconhecido judicialmente como não-devido?

R. Enquanto não sobrevier alteração no quadro normativo, a

coisa julgada favorável à consulente deve ser respeitada, sendo irrelevante

qualquer decisão ulterior do STF em sentido diverso, notadamente quando

proferida após o prazo decadencial de dois anos para o ajuizamento da ação

rescisória.

Fredie Didier Jr. Professor-Adjunto de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Mestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP). OAB/BA n. 15.484.