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EOGRFICASUm tributo a Felisberto Cavalheiro

PAISAGENS GEOGRFICAS Um tributo a Felisberto Cavalheiro

Faculdade Estadual de Cincias e Letras de Campo Mouro Diretor da FECILCAM - Anonio Carlos Aleixo Vice-Diretor - der Rogrio Stela

Editora da FECILCAM Diretora - Ana Paula Colavite Vice-diretora - Dalva Helena de Medeiros Rosangela Maria Pontili - Coordenadora Geral Coordenador Consultivo - Edson Noriyuki Yokoo Secretrio Executivo - Fernando rthur de Medeiros Machado

Conselho Editorial Presidente - Ana Paula Colavite Cristina Sati de Oliveira Ptaro Frank Antonio Mezzomo Luciana Aparecida Bastos Mario de Lima

Editora da FECILCAM Av. Comendador Norberto Marcondes,733, Cx. Postal 415 CEP 87303-100 - Campo Mouro - PR Telefone: (44) 3518-1838 - E-mail: [email protected]

Organizadores Douglas Gomes dos Santos IG-UFU Joo Carlos Nucci DGEOG-UFPR

PAISAGENS GEOGRFICAS Um tributo a Felisberto Cavalheiro

Campo Mouro 2009

2009, Dos Autores Direitos desta edio reservados Editora da FECILCAM

Capa: Fotografia de Felisberto Cavalheiro

Arte final e diagramao: Fernando rthur de Medeiros Machado

Editorao e composio: Editora da FECILCAM

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) S237P PAISAGENS GEOGRFICAS: Um tributo a Felisberto Cavalheiro. /Organizao de Douglas Gomes dos Santos e Joo Carlos Nucci. -- Campo Mouro: Editora da FECILCAM, 2009. 196 p. Vrios Autores. ISBN 978-85-88753-07-5 1. Geografia 2. Ecologia da Paisagem. 3. Estudos aplicados. 4. Ttulo CDD:910.2

Organizadores Douglas Gomes dos Santos Joo Carlos Nucci

Autores Andra Presotto Dbora Olivato Douglas Gomes dos Santos Fabiane dos Santos Toledo Felisberto Cavalheiro Gelze Serrat S. C. Rodrigues Gert Grning Humberto Gallo Junior Joo Carlos Nucci Lvia de Oliveira Marlene T. Muno Colesanti Paulo Celso D. Del Picchia Vnia Rosolen Yuri Tavares Rocha

Equipe de Apoio Michelle Camilo Machado da Silva Marlene T. Muno Colesanti Oriana Aparecida Fvero Valria Nehme Guimares

Sumriopgina Apresentao Douglas Gomes dos Santos Felisberto Cavalheiro e um exemplo de cooperao Brasil-Alemanha na cultura de jardins e desenvolvimento de espaos livres Gert Grning Histrico do ordenamento da paisagem Paulo Celso D. Del Picchia Ecologia e planejamento da paisagem Joo Carlos Nucci Urbanizao e alteraes ambientais Felisberto Cavalheiro Planejamento dos espaos livres localizados nas zonas urbanas Joo Carlos Nucci Andra Presotto Um ndice de reas verdes para a cidade de Uberlndia/MG Fabiane S. Toledo Douglas Gomes dos Santos Legislao, polticas ambientais, Unidades de Conservao e gesto do territrio Humberto Gallo Junior Dbora Olivato Planejamento e gesto de Unidades de Conservao Humberto Gallo Junior Dbora Olivato Percepo ambiental Lvia de Oliveira Educao para o meio ambiente e Geografia Marlene T. Muno Colesanti Gelze Serrat S. C. Rodrigues Pedognese e mudanas na paisagem: um exemplo da regio Sudoeste da Amaznia Brasileira Vnia S. Rosolen Pau-Brasil e a transformao da paisagem da Floresta Atlntica Yuri Tavares Rocha 08 10

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APRESENTAO A idia de um livro abordando conceitos, mtodos e tcnicas de Ecologia da Paisagem surgiu durante as aulas de TEORIA GEOGRFICA DA PAISAGEM, ministradas pelo Prof. Dr. Felisberto Cavalheiro no Departamento de Geografia da FFLCH-USP, desde o incio dos anos de 1990. O Prof. Felisberto, juntamente com seus orientados de Mestrado e Doutorado, organizaram o material das aulas para que, assim, formassem uma linha mestra para a publicao do livro. As temticas e os captulos aqui apresentados correspondem de certa forma, s aulas lecionadas pelo Professor. Infelizmente, a partir do ano 2000, o Prof. Felisberto passou a apresentar uma srie de problemas de sade, que resultaram em seu falecimento no ano de 2003. No houve tempo suficiente para a publicao de obra to importante. Em 2005, durante o EGAL (Encontro de Gegrafos da Amrica Latina) no Departamento de Geografia da FFLCH-USP, eu, Joo Carlos Nucci, Andra Presotto e Humberto Gallo Jr, nos reunimos para dar os encaminhamentos necessrios publicao da obra, fato que a princpio nos deixou muito desorientados, pois no contvamos mais com o apoio do nosso saudoso professor. Assim, distribu entre os interessados em compor a obra, a cpia das transparncias das aulas ministradas por Felisberto para que todos pudessem escrever o seu prprio texto, a partir das idias e das temticas j organizadas pelo Professor. Joo Carlos Nucci se encarregou de escrever os captulos ligados Ecologia da Paisagem e do planejamento de espaos livres no espao urbano (juntamente com Andra Presotto). Fabiane S. Toledo e Douglas G. Santos publicam pesquisa emprica, um estudo de caso, desenvolvido em Uberlndia/MG, sobre o ndice de reas verdes por habitante na rea urbana da cidade, grande preocupao acadmica de Felisberto Cavalheiro. Humberto Gallo Junior e Dbora Olivato ficaram responsveis pelos captulos sobre legislao e polticas ambientais, unidades de conservao e gesto do territrio. Yuri Tavares Rocha escreveu sobre o PauBrasil e a Floresta Atlntica, um dos assuntos de sua tese de doutoramento orientada pelo professor Felisberto Cavalheiro. A Professora Lvia de Oliveira, numa homenagem emocionante, escreveu sobre sua especialidade, Percepo Ambiental, assim como as Professoras Marlene T. Muno Colesanti e Gelze Serrat Rodrigues, que se debruaram sobre as temticas da Educao Ambiental e Paisagem. O arquiteto Paulo Celso Dornelles del Picchia contribuiu com um importante captulo sobre o histrico do ordenamento da paisagem. O Prof. Gert Grening, orientador do Prof. Felisberto Cavalheiro na Alemanha nos anos de 1970, fez uma importante contribuio sobre a vida acadmica do homenageado, e o seu texto foi traduzido para o portugus por Joo Carlos Nucci. A Profa. Vnia Rosolen apresentou um outro estudo emprico, base dos estudos da Paisagem, sobre a influncia da pedognese na transformao da paisagem natural na Amaznia. Eu, Prof. Douglas Gomes dos Santos, juntamente com a aluna de graduao em Geografia, Michelle Camilo Machado da Silva fomos os responsveis por receber, organizar e colaborar com os autores. Tomava corpo, ento, o livro em homenagem no s a Felisberto Cavalheiro, mas tambm sua obra e sobre o conceito de Paisagem para a Geografia. A aluna Michelle teve, tambm, a importante incumbncia de refazer todas as figuras constantes nesta obra.

9 Por fim, eu e Joo Carlos Nucci discutimos sobre a necessidade de incorporar obra um texto do Prof. Felisberto, e a escolha foi um artigo publicado em 1994 em obra organizada por Samia Tauk, que referncia at os dias de hoje.

Uberlndia, Maro de 2009 Prof. Dr. Douglas Gomes dos Santos Instituto de Geografia Universidade Federal de Uberlndia

CAPITULO 1 FELISBERTO CAVALHEIRO: um exemplo de cooperao Brasil-Alemanha na cultura de jardins e desenvolvimento de espaos livres Gert Grning1 Berlim, Alemanha, 2006 Traduo: Joo Carlos Nucci

Em 1974, retornei de Berkeley, Califrnia para Hanover, Alemanha, vindo de uma bolsa-de-estudo concedida para pesquisa a universitrios j graduados. A bolsa foi fornecida pelo Departamento de Arquitetura da Paisagem, Faculdade de Design Ambiental, da Universidade da Califrnia em Berkeley. Para um estudante da Alemanha em arquitetura da paisagem era absolutamente singular o recebimento de uma concesso americana naqueles dias. Isso foi possvel graas eminente arquiteta paisagista americana Beatrix Jones Farrand (1872-1959) que havia decidido doar sua herana profissional e algum dinheiro para bolsas-de-estudo na Universidade da Califrnia em Berkeley. A bolsa-de-estudos tinha o nome de Beatrix-FarrandGrant. Durante meus estudos de ps-doutorado em Berkeley, eu pude experienciar abertamente todos os tipos de assuntos estrangeiros e, tambm, ter acesso a uma rara biblioteca do Campus, a qual eu realmente apreciei. Os seis meses em Berkeley provaram ser um gratificante suplemento para meus estudos em Arquitetura da Paisagem na Alemanha. Com um bem estabelecido programa de conferencistas e professores visitantes de todas as partes do mundo, a Universidade da Califrnia em Berkeley ofereceu uma oportunidade nica de familiarizao com os aspectos da arquitetura da paisagem que eu nunca tinha ouvido falar. Pela primeira vez em minha vida, encontrei estudantes de fora do mundo europeu, tais como Japo, Austrlia e Amrica do Sul. Minha experincia em Berkeley fortaleceu uma abertura e orientao internacional em meus campos de pesquisa e ensino. Entre outros, isto se materializou no seminrio Questes gerais no Planejamento de Espaos Livres que eu coordenei na Universidade de Hanover em 1974. Por alguma razo, um brasileiro chamado Felisberto Cavalheiro sentiu-se atrado pelo tpico e participou desse seminrio. Ele apresentou um discurso sobre Problemas especficos do planejamento de espaos livres em uma grande cidade de rpido crescimento o exemplo de So Paulo, Brasil. Felisberto contou para sua Kommilitonen, colegas bolsistas e a mim uma estria sobre espaos livres que ns achamos difcil de acreditar. Em sua apresentao, ele apontou que as questes relacionadas aos espaos livres eram entendidas muito diferentemente do que se via na Alemanha. Isto no era tudo, ele explicou que, naqueles anos, a populao de So Paulo crescia a uma taxa de cerca de 300.000 pessoas por ano. Aquele crescimento anual de So Paulo podia ser comparado ao nmero de habitantes da cidade de Hanover, Alemanha, que havia permanecido mais ou menos estvel em 300.000 habitantes por muitos anos. A administrao municipal dos espaos livres, departamento de parques e recreao, o departamento de cemitrios e o departamento de floresta

1 O professor doutor Gert Grning foi orientador do trabalho de tese de doutoramento de Felisberto Cavalheiro, em Hanover (Alemanha) e, atualmente, trabalha com Cultura do Jardim e Desenvolvimento de Espaos Livres no Instituto para Histria e Teoria do Design da Universidade das Artes de Berlim (Berlim, Alemanha).

11 em Hanover eram conhecidos por terem um bom time de funcionrios e por serem muito bem equipados, considerados uma liderana na Alemanha2. Para os estudantes do seminrio, que vieram de vrios pases europeus, a magnitude do crescimento anual da populao urbana de So Paulo estava alm da imaginao, e isto me inclua. Para ns, os anos de 1970 na Amrica do Sul, especificamente nas cidades do Brasil, eram muito interessantes. Esses lugares para a Alemanha, e, provavelmente para alguns outros pases europeus, estariam associados com Carnaval e exotismo. Alm disso, Felisberto enfatizou em sua apresentao, que o planejamento de espaos livres era quase desconhecido na metrpole de So Paulo. Apesar do rpido crescimento das cidades brasileiras, o planejamento de espaos livres no era o maior problema e no havia nenhum programa universitrio para a formao de arquitetos paisagistas. Tambm, como apresentado, todos ns no tnhamos idia do real tamanho do Brasil, a imensido de seus espaos livres, suas vrias regies e enormes cidades, muito menos qualquer conhecimento acerca da sociedade brasileira. Por exemplo, no tnhamos idia da evoluo demogrfica de sua populao que havia pulado de 71 milhes em 1960 para mais de 100 milhes em 1972, para a surpresa dos prprios brasileiros. Em 2006, o Brasil est se aproximando dos 190 milhes de habitantes e, mundialmente, est se tornando o quinto colocado em tamanho de sua populao e em rea3. No incio dos anos 1970, descobrimos alguns fatos sobre sua histria e constituio social e no sabamos nada sobre os paulistas e os bandeirantes, ambos originrios de So Paulo. Tais estudos foram publicados trinta anos depois, no incio do sculo XXI por Berqu4 e outros que ainda no esto disponveis para ns. Ento, a apresentao de Felisberto foi uma real abertura-de-olhos. Ela permitiu-nos um vislumbre da vida real das cidades brasileiras e uma percepo razovel sobre as questes dos espaos livres. Apesar das numerosas deficincias para o desenvolvimento de espaos livres, Felisberto se mostrava muito entusiasmado e compromissado com seu caso brasileiro. O conhecimento de Felisberto ajudou a consolidar algumas ligaes com a Amrica do Sul e, especialmente, com So Paulo em meu, ainda, vago campo de conhecimentos acerca da arquitetura da paisagem mundial, com grandes falhas no hemisfrio sul. Aprendi muito com Felisberto e ele queria muito aprender a respeito da situao na Alemanha, pois ele acreditava pudesse servir como um exemplo da cultura de jardins e desenvolvimento de espaos livres no Brasil e, especialmente, em suas grandes cidades. Com esse primeiro encontro, meu relacionamento com Felisberto tornou-se mais prximo. Tomei conhecimento de que ele havia nascido em So Paulo e l permaneceu at iniciar seus estudos de graduao, em 1963, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de So Paulo em Piracicaba, fundada em 1892. Ele trabalhou por doze anos no departamento de parques e recreao da cidade de So Paulo e, assim, teve um ntimo conhecimento da administrao de espaos livres. Em 1972, Felisberto foi voluntrio por trs meses no departamento de parques e recreao da cidade de Hamburgo na Alemanha. Em

2 Para maiores detalhes sobre os 100 anos de desenvolvimento da administrao de espaos livres em Hanover de 1890 a 1990 veja: GRNING, Gert and Joachim WOLSCHKE-BULMAHN 1990: Von der Stadtgrtnerei zum Grnflchenamt, 100 Jahre kommunale Freiflchenverwaltung und Gartenkultur in Hannover (1890-1990), Berlin. 3 veja THOMAS, Vinod 2006: From Inside Brazil, Development in a Land of Contrast, Stanford, CA. 4 veja por exemplo BERQU, Elza 2001: Demographic Evolution of the Brazilian Population during the Twentieth Century, in: Hogan, Daniel Joseph (org.), Population Change in Brazil: contemporary perspectives, pp.13-33, Campinas, SP, Brazil.

12 muitas ocasies, ele me contou quo impressionado estava pelo alto grau de realizao na cultura de jardins e desenvolvimento de espaos livres apresentada por aquela administrao e que ele sentia fortemente a necessidade de uma instituio comparvel quela em sua cidade de So Paulo. Aps um novo retorno para o Brasil, Felisberto veio para a Universidade de Hanover onde queria continuar seus estudos na arquitetura da paisagem. Tornou-se claro para mim que Felisberto estava interessado em escrever sua tese de doutoramento e que ele acreditava que eu pudesse ajud-lo na implementao de alguns aspectos relacionados com espaos livres, planejamento, design, e administrao no Brasil e, especialmente, enfatizando seu rpido crescimento das cidades. Contudo, ele no estava certo de que pudesse faz-lo. Seu receio se baseava no fato de que a Luiz de Queiroz era uma escola de agricultura e no de arquitetura da paisagem. Porm, no havia escola de arquitetura da paisagem no Brasil naqueles dias. No obstante, setores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz obviamente tratavam de arquitetura da paisagem. Com apoio de Luiz Teixeira Mendes, professor de cultura de frutos e florestas da Escola Superior, o arquiteto paisagista belga Arsnio Puttemans projetou, por volta de 1907, um parque para essa escola no estilo paisagstico ingls e supervisionou sua execuo em 1909. At hoje o design ingls de Puttemans para o parque de Piracicaba/SP, na Escola Superior de Agricultura, considerado nico em todo Brasil5. Puttemans implantou claramente em seu conceito vrios eixos de viso e, assim, forneceu um exemplo local para os estudos de arquitetura da paisagem. O interesse em arquitetura da paisagem tornou-se claro para mim quando tive a chance de ver o parque em Piracicaba, na ocasio do I Frum de Debates sobre Ecologia da Paisagem e Planejamento Ambiental, organizado por Felisberto, em Rio Claro/ SP, em 2000. Puttemans tambm ensinou arquitetura da paisagem no departamento de horticultura da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Naqueles dias, ele era um designer de espaos livres bem conhecido no Brasil. Em 1909, ele tambm projetou o Parque da Independncia, algo de reminiscncia dos Jardins de Versailles, Frana. O parque se localiza em frente ao Museu do Ipiranga, construdo no estilo neoclssico em 1895, que hoje o Museu Paulista administrado pela Universidade de So Paulo. Embora estivesse claro para mim que o interesse de Felisberto era na arquitetura da paisagem, sua educao formal no me parecia suficiente para uma qualificao como estudante de doutorado na Universidade de Hanover na Alemanha. Contudo, convencido de que seu compromisso com as questes profissionais da arquitetura da paisagem era srio e forte, eu escrevi uma carta para o decano da Faculdade de Horticultura e Manuteno da terra (Fakultt fr Gartenbau und Landespflege) da Universidade de Hanover juntamente com o professor Konrad Buchwald em outubro de 1976. A carta explicava que, com base em nosso ponto de vista, Felisberto havia adquirido conhecimento suficiente em sua Universidade no Brasil, bem como durante sua passagem pela administrao de espaos livres em So Paulo, e tambm com seus estudos adicionais na Universidade de Hanover. Ns acreditvamos estar justificado que todos os seus estudos e sua experincia eram equivalentes a graduao em arquitetura da paisagem na qual, os que so aprovados nos exames, podem receber o ttulo de Diplom-Ingenieur na Universidade de Hanover. Se o decano concordasse com isso, ento, Felisberto poderia iniciar sua tese de dou-

5 Ver BARBIN, Henrique Sundfeld 2001: Study of the transformations in display of arboreal/shrubs masses of the park of the Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz using vertical aerial pictures and floristic surveys of different times, master thesis, Department of Forest Sciences, University of So Paulo, Brazil, supervisor: Prof. Dr. Valdemar Antonio Demtrio.

13 torado que seria essencial para seu interesse futuro de estabelecer uma disciplina de planejamento de espaos livres no Brasil. O decano apresentou o caso para o conselho da faculdade (Engere Fakultt) que, ento, determinou que Felisberto teria de fazer trs exames adicionais. Um em planejamento da paisagem (Landschaftsplanung) com o professor Buchwald, um em histria do planejamento de espaos livres e histria de cidades verdes (Geschichte der Freiraumplanung und Geschichte des Stadtgrns) com o professor Hennebo, e outro em planejamento de espaos livres e planejamento do verde (Freiraumplanung und Grnplanung) comigo. Aps intensa preparao, Felisberto realizou os exames em dezembro de 1976 e janeiro de 1977, e os resultados foram encaminhados para o conselho. Em 11 de janeiro de 1977, Felisberto, com sucesso, realizou sua primeira apresentao em um colquio de pesquisa que eu ofereci para estudantes de doutorado na cadeira de planejamento do verde planejamento da paisagem de regies metropolitanas (Grnplanung - Landschaftsplanung der Ballungsrume) na Universidade de Hanover. Seu tpico era evidente. Foi a implementao e o estabelecimento da administrao de espaos livres na cidade de So Paulo com todas as suas implicaes e conseqncias. No dia primeiro de fevereiro de 1977, o decano informou a Felisberto que ele havia atingido todos os requisitos para a admisso como estudante de doutorado na Faculdade de Horticultura e Manuteno da terra. Tambm, foi solicitado que ele enviasse um ttulo preliminar de sua tese de doutoramento para a reunio do conselho da faculdade em 9 de fevereiro de 1977. Alm disso, o Servio de Intercmbio Acadmico Alemo (DAAD) concordou em fornecer a Felisberto um suporte para seu Promotions-Studium, estudos que o conduziriam ao ttulo de doctor rerum horticulturae na Universidade de Hanover. Foi-lhe concedido, tambm, uma verba adicional para a pesquisa emprica que ele planejara ao retornar para So Paulo. Como ttulo de trabalho de sua tese Felisberto entregou Chancen und Probleme der Institutionalisierung einer Freiraumverwaltung in einer wachsenden Grostadt der Dritten Welt, dargestellt am Beispiel So Paulo/Brasilien (Oportunidades e problemas da institucionalizao de uma administrao de espaos livres em uma metrpole do Terceiro Mundo em crescimento, exemplo de So Paulo/Brasil). Logo aps enviou um projeto para o Servio de Intercmbio Acadmico Alemo (DAAD), explicando como gostaria de proceder com sua tese, e eu fiz um comentrio sobre seus propsitos para o DAAD. Nesse projeto, Felisberto mostrava acreditar que seria capaz de terminar sua tese no final de setembro de 1978, isto , em um ano e meio, um rduo calendrio para uma tese de doutorado. Ento, em meu parecer para o DAAD sobre os planos de Felisberto, eu senti que deveria ser cauteloso. Eu sugeri um ano adicional antes que Felisberto fosse capaz de concluir os exames finais, o disputatio, de sua tese. Felizmente, o DAAD acolheu esse ponto de vista. O que se seguiu foram semanas e meses intensos de estruturao da tese. Felisberto desenvolveu uma srie de hipteses. Algumas delas Felisberto queria verificar por meio de questionrio. Outras, ele preferiu verificar em entrevistas pessoais, planejadas para serem aplicadas a pessoas da administrao de espaos livres e outros especialistas em So Paulo. Em dezembro de 1977, viajou para So Paulo e comeou seu trabalho com as entrevistas. Em uma carta do incio de maro de 1978, a mim endereada, Felisberto relatou acerca das dificuldades encontradas em So Paulo. Ele percebeu que algumas pessoas que ele havia selecionado para as entrevistas tentavam se esquivar das questes. Ele escreveu: Die meisten wollen ber alles sprechen aber nicht ber das Thema (A maioria quer falar acerca de tudo, mas no sobre meu tema). Algum sugeriu que ele mesmo deveria responder as questes porque ele sentiu que o tpico era srio demais para ser aplicado para o Brasil. Alguns se recusaram a falar quando ele solicitou o nome do entrevistado, mesmo com a concordncia no incio da entrevista. Alguns pareciam estar receosos de que ele pudesse citar suas opinies em sua tese, embora tivesse garantido que no mencionaria seus nomes. Alguns sentiram

14 que por ele ter estado na Alemanha por muito tempo, e devido ao seu interesse de pesquisa, tivesse se tornado um alemo. A finalizao das entrevistas consumiu muito mais tempo consumido do que Felisberto havia planejado. Ele conversou com pessoas do DEPAVE (Departamento de Parques e reas Verdes), departamento de parques e recreao da cidade de So Paulo e de outras cidades tais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e em Ouro Preto falou com funcionrios do municpio, e muitos outros da educao, planejamento, arquitetura, esportes, habitao, agricultura, economia e proteo da natureza. No final, contudo, ele ficou satisfeito com o que pde conseguir. Tambm, ativo como sempre foi, teve a oportunidade de realizar trs conferncias em So Paulo nas quais explanava sobre a contribuio que o desenvolvimento de espaos livres poderia trazer para o planejamento da cidade. Como membro da Sociedade Brasileira de Paisagismo, participou da preparao de dois encontros cientficos no Brasil em 1978. Um deles foi organizado pela Associao Brasileira para o Progresso da Cincia. Aqui Felisberto fazia parte de um grupo de pessoas que escreveu recomendaes sobre legislao ambiental. O outro evento foi organizado pela Federao Internacional de Arquitetos Paisagistas, que realizou seu encontro anual em Setembro de 1978 no Brasil. Logo aps retornar para Alemanha, Felisberto foi para o hospital onde ficou por quase dois meses. Obviamente devido sobrecarga de trabalho durante o tempo em que esteve no Brasil. Depois, conforme conselhos mdicos, teve que tomar muito cuidado no decorrer do ano. Isto significou um srio contratempo para o trabalho de sua tese, e ele teve que cancelar os planos de entreg-la ao final de setembro. Em meu relato ao DAAD em junho de 1979, assumi que dado ao seu estado de sade, Felisberto no seria capaz de realizar o seu disputatio antes do final de maro de 1980. Infelizmente, isso acabou sendo a verdade. Todavia Felisberto lutou contra todas as adversidades. Em maio de 1980, ele estava certo de que poderia faz-lo no final do ano, mas uma sria doena favoreceu o atraso de seu trabalho. No incio de novembro de 1980, eu escrevi ao DAAD que Felisberto estava na fase final de sua tese, mas necessitava de alguns meses at o incio de 1981. Isso foi aceito pelo DAAD e Felisberto teve a garantia de subsdios na reta final at maio de 1981. Em 22 de abril de 1981, o conselho do departamento de horticultura e manuteno da terra da Universidade de Hanover concordou com a promoo do Herr Eng. Agr. F. Cavalheiro para doctor rerum horticulturae, Dr.rer.hort. Felisberto, finalmente, conseguiu entregar sua tese. Comparando o ttulo de seu trabalho com o ttulo final da tese, houve somente uma leve alterao para Die kommunale Freiraumverwaltung in So Paulo/Brasilien - Gegenwrtige Situation und Chancen zuknftiger Entwicklung (Administrao Municipal de Espaos Livres em So Paulo/Brasil situao atual e oportunidades para o desenvolvimento futuro). Como o professor Buchwald, o co-orientador da tese, estava no Instituto de Engenharia Ambiental da Universidade Nacional de Taiwan, a data esperada para o disputatio teve que ser postergada por dois meses. Finalmente, o exame ocorreu em 29 de junho de 1981. A banca para o mndliche Doktorprfung (exame oral de doutoramento) foi constituda pelo eclogo da paisagem, professor Hans Langer; o geobotnico, professor Konrad Buchwald; o planejador da paisagem, professor Hans Kiemstedt; o historiador de jardins, professor Dieter Hennebo e por mim. Todos ns concordamos que Felisberto assentou a pedra fundamental do desenvolvimento dos estudos no campo do planejamento de espaos livres em So Paulo, e talvez em todo o Brasil. Ns concordamos que eram necessrias pessoas como ele para encaminhar as questes sobre meio ambiente, legislao ambiental, estabelecimento de programas especiais para arquitetos paisagistas em universidades, e tambm, a institucionalizao da administrao de espaos livres, para enfrentar os mltiplos problemas relatados sobre espaos livres que poderiam acompanhar o futuro desenvolvimento do Brasil.

15 De volta ao Brasil, no final de 1981, Felisberto teve dificuldades de encontrar um trabalho permanente. Ento, em 1982 e 1983, ele cooperou ativamente no desenvolvimento de uma srie de regulamentaes legais e administrativas para o planejamento ambiental na recm criada Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) em Braslia, capital do Brasil. Esse foi, novamente, um trabalho pioneiro. Em 1983, ele se tornou professor do departamento de ecologia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP) em Rio Claro. Comparado com So Paulo, Rio Claro era quase rural. Contudo, nesta pequena cidade, Felisberto pareceu-me florescer. Ele deu aulas sobre vrios assuntos abordando a temtica do planejamento de espaos livres, e foi ali onde iniciou a aplicao de sua experincia adquirida na Alemanha realidade do Brasil. Em 1986, conseguiu aulas adicionais em planejamento do meio fsico no programa de ps-graduao em Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). L, ele tambm orientou dissertaes de mestrado e teses de doutorado. Em 1988, Felisberto alcanou a posio de professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo (USP). Pelos 15 anos seguintes, aqueles interesses em espaos livres, parques, jardins, e qualidade de vida nas cidades, planejamento, arborizao, proteo da natureza e muitos temas associados a esses tpicos encontraram nele uma personalidade e um suporte muito ativos. Ele ensinou sobre planejamento de espaos livres urbanos bem como Teoria Geogrfica da Paisagem e Biogeografia no curso de graduao em Geografia. Na ps-graduao, foi responsvel pela Ecologia da Paisagem e design ambiental e, tambm, orientou teses e dissertaes. Ele continuava trabalhando em So Carlos. Com sua atividade interminvel, Felisberto estabeleceu vrios contatos e promoveu o desenvolvimento profissional do planejamento dos espaos livres no Brasil. Em 1992, em Vitria, Esprito Santo, foi membro fundador da Sociedade Brasileira de Arborizao Urbana (SBAU) e, desde ento, participou ativamente dos encontros dessa sociedade com proeminente contribuio. De 1998 a 2001, Felisberto foi presidente da Sociedade de Ecologia do Brasil e como tal, organizou em 2001 o 5 Congresso de Ecologia do Brasil Ambiente e Sociedade em Porto Alegre, RS. De muitas conversas com Felisberto, lembro-me de sua grande preocupao com a mata atlntica, a nica regio de floresta do sudeste de So Paulo, da qual restam somente menos de dez por cento de sua rea original. Ali, outrora, o pau-brasil (Caesalpinia echinata)6, a rvore da qual o Brasil recebeu seu nome, foi abundante. A espcie est agora quase extinta no Brasil. Tambm na mata atlntica do Estado de So Paulo, planejou-se a instalao de uma usina nuclear, que nunca foi construda. Alm de ensinar e orientar, Felisberto iniciou a publicao em vrios peridicos e livros. Fora os muitos artigos, gostaria de apontar apenas um pouco do que acredito indicar melhor seu contnuo interesse nos assuntos de educao e seu interesse em cooperar com os outros. Em 1991, surgiu seu Urbanizao e Alteraes Ambientais 7 no qual, explicitamente, se refere a literatura alem e muitas outras fontes internacionais. Em 1998, publicou um artigo

6 Para uma breve descrio e algumas imagens ver Caesalpinia echinata Lam. in: Lorenzi, Harri 2002: Brazilian Trees, A Guide to the Identification and Cultivation of Brazilian Native Trees, Nova Odessa, SP, p.161. Eu sou muito grato ao professor Yuri Tavares Rocha que presenteou-me com um exemplar desse livro nico. 7 CAVALHEIRO, Felisberto 1991: Urbanizao e Alteraes Ambientais, in: Tauk, Smia Maria; Gobbi, Nivar, and Harold Gordon Fowler (org.), Anlise Ambiental: Uma viso multidisciplinar, FAPESP:SRT:FUNDUNESP, pp.88-99, So Paulo, aqui p.90.

16 sobre Espaos Livres e Qualidade de Vida Urbana 8 juntamente com Joo Carlos Nucci, outro orientando de Felisberto e, agora, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paran, Curitiba/PR, que tambm se tornou atuante nessa rea.9 Em 2001, juntamente com Davis Gruber Sansolo, um de seus orientandos, que hoje trabalha como professor da Universidade Anhembi Morumbi em So Paulo, Felisberto publicou Geografia e Educao Ambiental.10 Esses so apenas alguns exemplos das bem distribudas atividades de Felisberto, e com isso eu concluo: por tudo que Felisberto Cavalheiro realizou, ele pode ser considerado o pioneiro da cultura de jardins e do planejamento de espaos livres no Brasil.11 REFERNCIAS BARBIN, Henrique Sundfeld Study of the transformations in display of arboreal/shrubs masses of the park of the Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz using vertical aerial pictures and floristic surveys of different times, master thesis, Department of Forest Sciences, University of So Paulo, Brazil, supervisor: Prof. Dr. Valdemar Antonio Demtrio, 2001 BERQU, Elza Demographic Evolution of the Brazilian Population during the Twentieth Century, in: Hogan, Daniel Joseph (org.), Population Change in Brazil: contemporary perspectives, pp.13-33, Campinas, SP, Brazil, 2001 CAVALHEIRO, F. Urbanizao e alteraes ambientais. In TAUK, Smia et al (orgs). Anlise ambiental: uma viso multidisciplinar. So Paulo: FAPESP : SRT : FUNDUNESP, p. 88-99, 1991 CAVALHEIRO, Felisberto; Joo C. Nucci. Espaos Livres e Qualidade de Vida Urbana, in: Paisagem e Ambiente - Ensaios, volume 11, pp.277-288, 1998 GRONING, Gert; Joachim WOLSCHKE-BULMAHN Von der Stadtgrtnerei zum Grnflchenamt, 100 Jahre kommunale Freiflchenverwaltung und Gartenkultur in Hannover (1890-1990), Berlin, 1990 GRNING, Gert. Professor Dr.rer.hort. Felisberto Cavalheiro (1945-2003) - Ein Pionier der Freiraumplanung in Brasilien, Stadt und Grn, 52, 12, 57-58, 2003 LORENZI, Harri. Brazilian Trees, a guide to the identification and cultivation of Brazilian native trees, So Paulo: Nova Odessa, 161p, 2002

8 Ver CAVALHEIRO, Felisberto e Joo C. Nucci 1998: Espaos Livres e Qualidade de Vida Urbana, in: Paisagem e Ambiente - Ensaios, volume 11, pp.277-288. 9 Ver e.g. NUCCI, Joo Carlos 2001: Qualidade Ambiental & Adensamento Urbano: Um estudo de Ecologia e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Ceclia (MSP), Humanitas/FFLCH/USP, So Paulo, Brazil. 10 Ver SANSOLO, Davis Gruber e Felisberto CAVALHEIRO 2001: Geografia e Educao Ambiental, in: Dos Santos, Jos Eduardo and Michle Sato (eds.), A Contribuio da Educao Ambiental Esperana de Pandora, pp.109-131, So Carlos, SP, Brazil. 11 Ver GRNING, Gert 2003: Professor Dr.rer.hort. Felisberto Cavalheiro (1945-2003) - Ein Pionier der Freiraumplanung in Brasilien, Stadt und Grn, 52, 12, 57-58.

17 NUCCI, Joo Carlos. Qualidade Ambiental & Adensamento Urbano: Um estudo de Ecologia e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Ceclia (MSP), So Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2001 SANSOLO, Davis Gruber; CAVALHEIRO, Felisberto. Geografia e Educao Ambiental, in: Dos Santos, Jos Eduardo and Michle Sato (eds.), A Contribuio da Educao Ambiental Esperana de Pandora, pp.109-131, So Carlos, 2001 THOMAS, Vinod From Inside Brazil, Development in a Land of Contrast, Stanford, CA, 2006

CAPITULO 2 HISTRICO DO ORDENAMENTO DA PAISAGEM Paulo Celso D. Del Picchia12

Desde tempos imemoriais, o Homem tem ordenado a paisagem nos locais que habita. Como uma caracterstica da espcie humana o fato de o Homem no ter um nicho restrito na face da Terra e o fato de ser cosmopolita determinou a necessidade de modificar o meio ambiente segundo as suas necessidades de sobrevivncia. A concepo da natureza e o desenho da paisagem desenvolvem-se acompanhando a evoluo histrica da Humanidade. Ao abordar a representao da paisagem na pintura, Clark (1961) mostra como a cultura ocidental est, historicamente, ligada evoluo cultural do Homem. Para ele a pintura da paisagem marca as fases da nossa concepo da natureza. Desde a Idade Mdia, a pintura da paisagem um ciclo em que o esprito humano procura criar harmonia com aquilo que o rodeia. Afirma, ainda, que a Antiguidade Mediterrnea, ciclo que precedeu a poca medieval, estivera impregnada do sentido grego de valores humanos o que levou o conceito da natureza a desempenhar um papel secundrio. A paisagem era usada para fins decorativos sendo seus elementos apresentados como cenrio para os feitos humanos. Percorrendo os caminhos da pintura, ele fala de uma paisagem de smbolos, da paisagem dos fatos, da paisagem fantstica, da paisagem ideal e da viso natural. A paisagem de smbolos da arte medieval no representava os objetos naturais em sua real aparncia. A representao da paisagem estava ligada filosofia crist medieval em que a vida terrena passageira e o ambiente em que ela vivida no deve absorver toda nossa ateno. Os sentidos nos desviariam da noo de Deus e poderiam induzir ao pecado. a poca dos jardins do paraso. Flores, frutas, pssaros, a Virgem, o Unicrnio, jardins encerrados por muros, isolados do mundo exterior. No campo da arquitetura e do jardim, o equivalente seriam os ptios e claustros monsticos. A paisagem dos fatos apresentada por exemplos da pintura flamenga notadamente dos sculos XV e XVI. Fala da representao da luminosidade, da busca resoluta da verdade, do estudo minucioso de cada objeto retratado e conclui que seguramente essas pinturas deviam mais observao que imaginao. A paisagem fantstica a representao do misterioso e do desconhecido que comea j no sculo XV quando os artistas originrios das cidades e que tinham como clientes as populaes urbanas, que j tinham aprendido a controlar as foras naturais e passaram a encarar as ameaas da floresta e da inundao e podiam us-las conscientemente para provocar um sentimento de horror. Cita Grnewald, Altdorfer e Bosch que haviam visto cidades queimadas pelos mercenrios, conheceram as barbaridades da Guerra dos Camponeses e as guerras religiosas e pintaram aspectos da natureza que exprimiam as convulses do esprito humano, cheio de trevas, maldade e fria. A paisagem ideal reflete uma paisagem arcadiana, potica, idealizada. Os elementos de realismo combinam-se com o sonho, o mito da Idade de Ouro na qual o Homem vivia dos frutos da terra numa verdade antes potica que cientfica. Cita Giorgione, Poussin, Bellini,

12 Arquiteto (FAUUSP), Secretaria Municipal de Verde e Meio Ambiente, Departamento de Parques e reas Verdes

19 Claude Lorrain. Longe da idealizao, a paisagem nos princpios do sculo XIX passa a ser retratada numa viso natural. Uma cena calma, com gua em primeiro plano refletindo o cu luminoso e enquadrada por rvores escuras, era algo que toda a gente estava de acordo em reconhecer como belo. Cita como expoentes dessa viso natural Turner, Constable, Corot.

OS JARDINS NA ANTIGUIDADE Os jardins da Antiguidade nos chegaram ao conhecimento mais por relatos literrios, o que dificulta o seu resgate. O jardim como arte efmera dificilmente deixa restos e os poucos que porventura tivessem se salvado foram destrudos por escavaes outras que no deram ateno a seus remanescentes. O Xystus, que entre os gregos significava um prtico coberto debaixo do qual se exercitavam os atletas e, entre os romanos, alia de jardim, rua arborizada, era uma construo de jardim que protegia os atletas em suas prticas do mau tempo. Ele era parte de um recinto cercado plantado com rvores onde os gregos treinavam para os jogos Olmpicos. Essa rea coberta, depois, foi tomada por colunatas ao lado das quais estavam caminhos a cu aberto, da os romanos chamarem de Xystus as alias dos seus jardins. Os gregos, diferentemente dos romanos, no prezavam o luxo e a ostentao e dedicavam-se mais a uma vida coletiva e, assim, seus jardins no eram privados como os dos romanos. Nesses jardins eram erigidas esttuas dos heris vencedores dos Jogos Olmpicos. Eram esses os jardins gregos, que podemos considerar de uso pblico. Na verdade, bosques com carter sagrado dedicados a Academus, heri lendrio da tica, em que eles praticavam seus esportes e discutiam filosoficamente suas idias (CLIFFORD, 1966). Os jardins dos romanos viemos a conhec-los graas catstrofe de Pompia, soterrada pela erupo do Vesvio no ano 79 da era crist e que foi descoberta em 1748. Outra fonte de conhecimento so as descries de Plnio, o jovem, dos jardins de suas vilas. Os jardins de Pompia so jardins urbanos. So ptios descobertos cercados por colunas, o peristilo, no interior das residncias. Se na Grcia esses ptios eram pavimentados, em Pompia eles eram em terra, o que nos faz supor a existncia de plantas. Na casa dos Vetii em Pompia, o peristilo tem cerca de 15 metros de comprimento por 8 metros de largura. Nos peristilos existiam muitas bacias de gua, pequenas esttuas que serviam de condutores, pilares de Hermes e, provavelmente, plantas. Eram mais salas que jardins. Em paredes cegas, apareciam pinturas em trompe loeil retratando cenas de jardim com trelias cobertas por plantas, aves, entre outras. Por essas pinturas, podemos perceber o que os romanos entendiam ser um jardim (CLIFFORD, 1966). Diferentemente dos gregos ligados ao mar, os romanos estavam ligados terra. Esse amor pela natureza os fez constituir vastas propriedades e usufruir de suas belezas naturais. Os jardins dessas propriedades, as vilas, conhecemos pelas descries do jovem Plnio, que era um homem de riqueza, estudado e culto. Se para os gregos o desfrutar da natureza era fortuito, ligado ao conforto da sombra para conversar, para o encontro social, cultural e desportivo, para os romanos as rvores, os contrastes da folhagem, a sensao de frescor e paz eram um fim em si mesmo que eles desfrutaram como homens do campo. Se os jardins dessas vilas eram herana dos gregos, sua essncia era outra. A vila romana no tinha unidade. Era constituda por um grupo de edifcios, mais parecendo uma aldeia. (Figura 2.1).

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Figura 2.1 - Maquete da Vila Adriana Em Tivoli Roma. Foto do autor 1999.

As esttuas dos jardins gregos foram substitudas pela topiria, arte que foi primeiro praticada por Cnaius Martius, amigo de Augusto, no havendo sinal dela antes dos tempos imperiais. Em buxo eram representadas batalhas navais, caa, ces, cavaleiros, o nome do proprietrio e, muitas vezes, o do topirio. Arquitetura e verde se integravam e a topiria era um dos primeiros sinais de um amadurecimento e conscincia das potencialidades materiais do jardim. Diferentemente do jardim grego, o jardim de Plnio est, essencialmente, voltado ao desfrute privado, conforme suas palavras: Deixe, meu amigo (porque j tempo), a baixa e srdida perseguio da vida aos outros e, neste protegido retiro, emancipe-se para seus estudos (CLIFFORD, 1966).

O JARDIM NA IDADE MDIA O jardim da Idade Mdia formava uma unidade entre o jardim til e o jardim artstico (ERMER et al., 1996). Os jardins, ento, foram mais funcionais que ornamentais. A gua passou de funcional para ornamental, o suporte das vinhas desenvolveu-se para a prgola e o caramancho. As bordas cercadas para evitar as aves e ces transformaram-se no treliado decorativo e da desenvolveu-se para a balaustrada de cantaria. Esse jardim esttico por muito tempo tomou pulso e teve desenvolvimento dinmico primeiramente na Itlia. Esse crescimento deveu-se riqueza comercial e relativa paz reinante na Itlia, contrariamente, s outras partes da Europa, alm do mais, os restos do grande passado estavam pesadamente no solo mais do que em qualquer outro lugar (CLIFFORD, 1966).

O JARDIM DO RENASCIMENTO O jardim do Renascimento concebido como parte integrante do edifcio e divide a mesma criatividade que se requeria para a casa. Leone Battista Alberti (1404-1472) em seu De Re Aedificatoria descreveu como um jardim deveria ser, usando como modelo os jardins do jovem Plnio. A casa deveria ser colocada numa leve elevao de modo que se obtivesse belas vistas a partir dela. Deveriam existir prticos, prgolas e grutas de tufo. Vasos decorativos deveriam ser usados para cultivar flores e o nome do proprietrio deveria estar escrito em buxo. Buxo ou alecrim deveria ser usado para fazer as bordas dos canteiros. gua corrente era desejvel e seria melhor se jorrasse de surpresa em alguma gruta que tivesse sido decorada com conchas coloridas. Haveria loureiros, ciprestes, delimitados por hera, porm, as frutferas deveriam ser mantidas em separado no pomar. Esttuas cmicas eram admitidas. Crculos e semicrculos, os quais em formas arquitetnicas como ptios seriam apreciados. No seria uma mera reproduo de Plnio, sendo suas prescries uma mistura de clssico e

21 medieval. No jardim do Renascimento, casa e jardim fazem uma unidade reconhecvel pelo olhar. O jardim numa posio elevada, numa inclinao, poderia-se olhar sem dificuldade para o mundo fora dele (CLIFFORD, 1966). No perodo de 1503 a 1573, o jardim italiano se tornou um jardim de arquiteto. Terraos e escadarias aparecem condicionados pela topografia. O que se pode observar nos jardins desse perodo o carter pblico que assumem. Nos jardins de Plnio, o uso era para o deleite do proprietrio, agora, os jardins assumem um carter de mais ostentao, sendo seu uso mais social que privado. Bramante (Fermignano, 1444-1514) realizou, sob encomenda do Papa, a ligao do Vaticano com o Belvedere. Como este estivesse em posio mais alta que o Vaticano se fazia necessrio procurar uma transio entre eles. Para resolver o problema, Bramante utilizou um magnfico arranjo de escadarias e balaustradas e com isso compensou, tambm, o desequilbrio entre as duas construes de propores desiguais. A novidade aqui, j que escadas sempre existiram no jardim, em geral disfaradas no desenho, que as escadas tornaram-se o mais importante elemento do desenho do jardim. (Figura 2.2).

Figura 2.2 - Ptio Do Belvedere, Roma. Detalhe Da Gravura De Hendryck Van Schoel, de 1579 Fonte: www.suite101.com/article.cfm/garden_design/111870

Neste perodo, a gua vai desempenhar um novo papel. Na Idade Mdia a gua aparecia no jardim na forma de uma fonte ou poo, sob a influncia do gosto islmico que chegou Itlia atravs da Espanha, pois, no sculo XV, a Casa Real de Npoles era aragonesa. Como as vilas dessa poca foram construdas em Roma onde no havia muita disponibilidade de gua, procuravam-se as encostas para satisfazer o desejo de fontes, jogos de gua, o som e o movimento da gua corrente. Posteriormente, os Papas Sixto IV, Sixto V e Paulo V realizaram obras para trazer a Roma gua o suficiente para abastecer a cidade e seus jardins. A Villa Lante atribuda a Vignola um exemplo da transio entre o jardim do arquiteto e o jardim do escultor. A Villa est localizada numa elevao suave, de modo que no foi necessrio um macio arranjo de terraos para vencer a declividade. Outra caracterstica do stio era a presena de bosques e abundncia de gua, o que no sucedeu com as outras vilas prximas a Roma. A presena de bosques fez com que essa vila tivesse um parque ao lado do jardim, como vamos encontrar em Versalhes e nos jardins ingleses. (Figura 2.3).

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Figura 2.3 - Villa Lante, Bagnaia. Planta Geral do Jardim e do Parque Fonte: www.canino.info/inserti/tuscia/luoghi/villa-lante/index.htm

Distante do esprito da Villa Lante est a Villa DEste em Tivoli desenhada por Pirro Ligorio. Se na Villa Lante tudo moderao, na Villa DEste tudo exagero (CLIFFORD, 1966). Segundo Clifford (1966), a Villa DEste um dos poucos jardins que preservam uma unidade. Ele no v a mesma unidade nos jardins Boboli de Florena (Figuras 2.4, 2.5 e 2.6) e na Villa Borghese em Roma.

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Figura 2.4 - Planta dos Jardins Boboli, Florena. Foto do autor 1999.

Figura 2.5 - Jardins Boboli (Anfiteatro), Florena. Foto do autor 1999.

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Figura 2.6 - Jardins Boboli (Fontana Del Forcone), Florena. Foto do autor 1999.

Para ele, o fascnio e engenhosidade de detalhe so os responsveis por essa falta de unidade. Na Villa DEste, se fez amplo uso da gua, aproveitando a presena do rio nio, cujas guas foram canalizadas para o jardim. Jogos de gua, fontes, cascatas descem pelas escadarias numa engenhosidade espantosa, jardins aquticos com esculturas de fonte, o famoso teatro das guas, criando ambientes diversos e imaginosos. Construes e grutas em tufo e conchas criam diversos motivos de interesse. O plano do jardim tem uma certa simplicidade apesar do tamanho e complexidade de suas partes. Um linha central marcada por fontes, esttuas e as escuras entradas de grutas levam o olhar de volta para cima onde est a grande nfase horizontal do prprio palcio. Eixos paralelos ao principal levam calculadamente para algum enftico elemento arquitetnico (Figuras 2.7, 2.8, 2.9, 2.10 e 2.11).

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Figura 2.7 - Villa Deste, Tivoli, Roma. Vista do Eixo Central do Jardim a partir da Casa. Foto do autor 1999.

Figura 2.8 - Villa Deste, Tivoli, Roma. Vista dos Jardins Junto a Casa. Foto do autor 1999.

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Figura 2.9 - Villa Deste, Tivoli, Roma. Vista do Eixo Principal do Jardim olhando para a casa. Foto do autor 1999.

Figura 2.10 - Villa Deste, Tivoli, Roma. Fontes e Jogos de gua. Foto do autor 1999.

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Figura 2.11 - Villa Deste, Tivoli, Roma. Fonte. Foto do autor 1999.

A sociedade italiana no sculo XVI sofreu uma mudana radical que produziu um novo estilo de arte, o barroco.

O JARDIM FRANCS As aventuras dos franceses na Itlia entre 1494 e 1524 colocaram-os em contato com o renascimento italiano. Carlos VIII voltou da Itlia trazendo artistas italianos e objets dart. Uma srie de artistas italianos como Leonardo da Vinci (1442-1519), Cellini (1500-1571) e outros de menor fama foram viver e trabalhar na Frana. A diferena entre os jardins franceses e italianos deve-se estrutura do pas e sua histria poltica. As restries da Guerra dos Cem Anos imps aos franceses uma vida cercada e com fossos. Os castelos rodeados de fossos e murados, inicialmente, condicionaram o desenvolvimento dos jardins. Outra condicionante para essa diferena entre a Itlia e a Frana no desenho dos jardins est na topografia e no clima. A Frana tornou-se uma monarquia unificada com seu centro de gravidade na plancie norte. O centro e o norte da Frana eram mais planos, mais frios e mais midos que as vizinhanas de Roma, de Florena ou de Milo. A populao rica da Itlia nos sculos XVI e XVII, como no tempo de Plnio, vivia no campo s nos meses de vero. As vilas situadas nas baixas encostas das colinas aproveitavam as brisas frescas e o som da gua corrente. Essa situao permitia vistas em distncia, construes terraceadas. O jardim italiano tinha uma unidade com a inter-relao arquitetnica dos terraos. Na Frana, o rei e os nobres viviam em seus castelos o ano inteiro, mudando de um para outro em busca de variedade. Raramente, retornavam a sua casa da cidade como a aristocracia de Roma e Florena fazia habitualmente. Assim, a vila italiana era uma casa de vero, uma luxuosa cabana de piquenique. O castelo francs oferecia tudo que o proprietrio necessitava, casa urbana e caa combinados. Os reis franceses viviam, por segurana, fora de Paris, desde os dias de Lus XI, com poucas excees. O jardim francs desenvolveu-se em terrenos planos, levemente inclinados onde era mais fcil obter guas paradas do que cascatas e fontes. Vistas nessa topografia s podiam ser obtidas por meio de vistas prolongadas e

28 escrupulosamente organizadas. Embora os terraos existissem, eles tendiam a ser menos altos, menos freqentes e arquitetonicamente menos importantes. Caminhos elevados continuaram a ser construdos nos quatro lados do jardim, de acordo com o princpio medieval mesmo quando, na Itlia, eles j tivessem sido abandonados. Esses caminhos elevados levaram ao parterre e, foi por causa dele que esses caminhos elevados continuaram a ser construdos mesmo quando as exigncias defensivas j haviam desaparecido. A palavra parterre foi primeiramente usada no meio do sculo XVI e derivava de par terre, no cho. O parterre levou ao compartiment de broderie. Claude Mollet (1564-1649), jardineiro de Henrique de Navarra escreveu em 1618 Le Thtre des Plans et Jardinages, a bblia do parterrista. A caracterstica essencial do parterre a perfeita simetria. Mollet popularizou o uso do buxo que pelo seu crescimento lento, pela facilidade de modelar, pela sua colorao escura, revelou-se a planta ideal para a definio do parterre. Jacques Boyceau (1560-1633), no princpio dos sculo XVII, enfatizou em um livro publicado em 1638 a necessidade de proporo; a altura das rvores e sebes deveria estar relacionada com o comprimento e largura dos caminhos. Alm da proporo e simetria, ele pedia, tambm, variedade. Essa proporo, simetria e variedade, foram os grandes princpios que regeram, daquela poca em diante o jardim francs. O italiano Francesco Primaticcio (Bolonha 1504 Paris 1570) criou em Monceaux-enBrie, um jardim para Catarina de Mdici (1560-1633) que prenunciou o jardim de vista em Vaux-le-Vicomte e Versailles que dispunha um canteiro retangular atrs do outro, juntando-os no mesmo eixo da casa. (Figura 2.12).

Figura 2.12 - Monceaux-En-Brie. Primaticcio Jardins Para Catarina De Mdici Fonte: www.ndsu.nodak.edu/instruct/dcollito/322/French/Part-two1.htm

O jardim do castelo do Cardeal de Richelieu (1627-1637) faz a ligao entre Monceaux e Vaux-le-Vicomte. (Figura 2.13).

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Figura 2.13 - Jardins Do Castelo Do Duque De Richelieu Fonte: www.ndsu.nodak.edu/instruct/dcollito/322/French/Part-two1.htm

Aqui podemos reconhecer a forma em T de Versalhes. As parterres so enfatizadas por avenidas e bosques e, de grande significao, o ramo do T foi prolongado na forma de uma avenida cortada pelo parque envolvente. O jardim de Richelieu contemporneo do Buen Retiro do Conde-Duque de Olivarez na Espanha. A diferena entre os dois est na forma desequilibrada, impetuosa e fracionada do jardim espanhol e no mtodo do pensamento francs com sua evidente confiana na razo e geometria. Vaux-le-Vicomte deve-se a Fouquet, herdeiro da grandeza de pensamento de Richelieu, que atraiu e uniu os grandes espritos criativos de sua poca. Em Melun, Fouquet encarregou o arquiteto Le Vau da construo de um castelo, o pintor Charles Le Brun da decorao interna e o projeto do jardim coube a Andr Le Ntre (1613-1700). Le Ntre vinha de uma famlia de jardineiros, sendo que sua madrinha de batismo foi a esposa de Claude Mollet. Le Ntre no surgiu do nada, ele vinha de uma tradio jardinstica que estava se formando e foi o expoente final dela. Ao ser chamado para executar Vaux-le-Vicomte, Le Ntre no iria planejar um lugar em que um homem culto iria encontrar seus amigos como ocorreu nos jardins dos Mdici: foi para criar um estupendo teatro para festas. Em Vaux-le-Vicomte Le Ntre, baseou-se num grande princpio: de que a completa extenso do enorme jardim deveria ser visvel num relance; mesmo que houvesse variedade nas partes, essas deveriam estar subordinadas ao todo. Se o jardim era para ser visto num relance, ele deveria ser relativamente estreito mas, para ser impressionante pelo tamanho, deveria ser comprido; o olhar de uma pessoa no mais alto terrao pode ver na distncia, mas deveria, tambm, ser solicitado a mover-se de lado a lado. Nesse caminho, o jardim de vista nasceu e o pequeno jardim quadrado em fosso desenvolveu-se num enorme tapete estendido do terrao da casa a uma distancia remota que lhe pareceria muito mais um fundo de cenrio do que uma realidade. Como em Monceaux e no castelo de Richelieu havia um bosque em cada lado da cadeia central de parterres. O propsito desses bosques era ajudar a emoldurar a vista, levar o olhar para a frente. No jardim de Vaux-le-Vicomte, havia um grande tema central ao qual tudo o mais era subordinado. (Figura 2.14).

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Figura 2.14 - Castelo De Vaux-Le-Vicomte Fonte: www.vaux-le-vicomte.com/vaux-images-chateau.php (vista area-Yan Arthus Bertrand)

Lus XIV, que no estava presente na festa inaugural do castelo, fez prender Fouquet que morreu 19 anos depois na Fortaleza de Pignerol, e levou a equipe do projeto para construir Versalhes para ela. Segundo o Marqus de Saint-Simon (op. cit. Saint-Simon at Versailles, traduo de Lucy Norton) Versalhes no era um stio muito agradvel. Ele a descreve como o lugar mais sombrio e falto de interesse, sem vistas, florestas, gua, sem solo e, alm do mais, toda a terra adjacente era areia movedia ou brejo e o ar no poderia, assim, ser saudvel. Tudo o que foi dito para Vaux-le-Vicomte pode ser dito de Versalhes como jardim. Versalhes foi a apoteose do jardim de vista francs. Em torno da famosa perspectiva outros jardins foram construdos e refeitos ao sabor das necessidades por festas da corte. Temos, ento, aquilo que os jardineiros franceses ao longo da histria do jardim na Frana haviam preconizado: a grande perspectiva unificadora e os jardins em sua volta, rodeados por bosques, que davam a almejada diversidade. (Figura 2.15).

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Figura 2.15 - Vista Do Eixo Central Dos Jardins Do Castelo De Versalhes, Versalhes, Paris. Foto do autor, 2000.

Um dos famosos exemplos desses arranjos perifricos a famosa Gruta de Ttis que era descrita, externamente, como se fossem trs arcos do triunfo e, internamente, como trs grandes alcovas ocupadas por grupos de estaturia. Apolo e suas ninfas e, de cada lado, os cavalos do deus do sol guiados por trites. No teto, havia um grande reservatrio de gua que alimentava inmeros dispositivos de gotejamento e esguicho de gua; o cho era elegantemente pavimentado; as paredes eram incrustadas de inmeras conchas. Enquanto Le Ntre viajava em misso diplomtica a Roma, Lus XIV encomendou a seus arquitetos o Palcio de Marly-le-Roy que tinha os mesmos defeitos apontados por Le Ntre no Bosquet de la Colonnade construdo por Charles Hardouin-Mansard para servir de substituto das funes teatrais da velha Gruta de Ttis. Pressionado pelo rei a opinar, Le Ntre disse: Bem Sire, o que diria? Vs transformastes um pedreiro em jardineiro e ele levou-vos a um dos truques de seu ofcio. Este castelo que custou imensas somas e trabalhos ingratos, construdo para satisfazer um capricho do rei, foi arrasado pelo povo durante a Revoluo Francesa em seu dio pelos desmandos da monarquia (CLIFFORD, 1966).

32 O JARDIM PAISAGSTICO INGLS Na Inglaterra, na terceira dcada do sculo XVIII, houve uma grande revoluo na arte do jardim. As muralhas se foram, os fossos se foram, as linhas retas ainda permaneciam no jardim. Iniciou-se a rejeio dessas linhas retas. Despontou a noo da linha ondulante da beleza (the wavy line of beauty). O jardim de vista francs foi substitudo por uma nova abordagem do desenho do jardim e foi na Inglaterra que isto ocorreu. Entre as razes para que isto sucedesse na Inglaterra estava o prazer do ingls em fazer um passeio pelo campo. Os jardins da Renascena Italiana eram museus onde os homens vadiavam, discursavam e conspiravam. Os jardins da Frana eram palcos para paradas e exibio. Os ptios da Espanha e Portugal eram salas ao ar livre nas quais se podia passar a siesta e desfrutar a sombra e o barulho da gua corrente. Por outro lado, a Inglaterra no era lugar para a grande ocasio cerimonial en plein air sem a necessidade de um providencial abrigo. O clima ingls era diferente daquele da le de France. Para os ingleses um jardim deveria ter sempre um lugar para caminhar e jogar e satisfazer a preferncia do ingls pelo exerccio fsico como um prazer em si. O jardim ingls visava economia, parcimnia, o que inviabilizava o modelo de jardim francs. A economia passou a ser um dos principais fatores para o bom desenho do jardim, por isso dever-se-ia afastar as decoraes com buxo e outros ornamentos e substitu-los por gramados e bosques. O plantio e disposio de rvores constituiu a nova tarefa do jardineiro. Os filsofos haviam descoberto a beleza do mundo antes do pecado original. Os economistas haviam descoberto que a sujeio da vegetao era excessivamente cara. O velho desenho do jardim no permitia mais introduzir novidades. O olhar do mundo elegante estava familiarizado com os padres assimtricos da porcelana, laca e sedas chinesas. O despotismo monrquico estava morto, o despotismo clerical foi rejeitado, tudo conspirava para o desfrutar de um mundo cheio de surpresas e suspense. Se a paisagem deveria ser admirada, no haveria nada de mais valor que a paisagem inglesa. Negaram-se as rvores podadas e as avenidas retas. Se o jardim at agora era considerado uma extenso da casa e, assim, uma questo arquitetnica, a partir de ento a natureza deveria ser idealizada at s paredes da casa. O primeiro e fundamental passo para o novo jardim foi a aparente remoo dos limites do jardim. O objetivo do jardineiro francs era que a natureza parecesse subordinada a sua arte. Removendo a inevitvel linha divisria para o mais longe do eixo central, ele pode ignorar a existncia do dia-a-dia do campo a sua volta. A inteno do jardineiro ingls ao ocultar a linha divisria era fazer parecer que os jardins eram parte do mundo total da natureza, embora sendo uma parte idealizada dela. O mtodo adotado para disfarar o limite do jardim foi o ha-ha. Perto do final do sculo XVII, na Frana, apareceu o mtodo de ocultar a linha divisria por uma cerca oculta dentro de um fosso. No sculo XVIII, o conceito de natureza s era claro num ponto: era que se detestava a linha reta. Este era o dizer favorito de William Kent (1645-1748) o pioneiro do jardim natural que vai desenvolver-se no jardim paisagstico ingls (Figura 2.16).

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Figura 2.16 - William Kent, Jardins de Stowe. Fonte: CLIFFORD, 1966, prancha 62

Um exemplo remanescente do seu trabalho o jardim de Rousham em Oxfordshire. A grande influncia de Kent foi sua viagem Itlia. No sculo XVIII, os jardins do Renascimento tinham 200 anos de idade e o que Kent viu e esforou-se por reproduzir foram imagens isoladas de um bosque super desenvolvido escondendo parcialmente um templo, uma piscina sombreada por rvores, que antes constituram uma sebe, uma fila de esttuas, um semicrculo de bustos em nichos (CLIFFORD, 1966). Nos primrdios do jardim paisagstico, estavam se desenvolvendo trs tipos distintos de jardim natural. O primeiro era o pitoresco, o segundo era o potico e o terceiro era o jardim abstrato. O jardim pitoresco derivava das tcnicas dos pintores paisagistas criando em trs dimenses o que estava representado por eles em duas dimenses. O jardim potico baseava-se no reconhecimento e na reproduo de aparncias. O jardim abstrato no deveria suscitar emoo por reconhecimento, nem por imitao de outra arte, porm, dar vida a certas sensaes. Um quarto tipo falhou em desenvolver-se, foi a ferme orne, fazenda ornamentada. Quem parece ter primeiro tentado este tipo foi Dufresnoy, o sucessor de Le Ntre no Hameau de la Reine em Versalhes, a fazendinha de Maria Antonieta. Na Inglaterra, o fracasso da ferme orne se deveu ao fato de que a agricultura era regida por linhas retas e linhas retas estavam fora de cogitao para o gosto da poca. Dos trs

34 famosos jardins da metade do sculo XVIII que mais devem paisagem esto Painshill, Leasowes e Stourhead. Leasowes era obra do poeta Shenstone. O trabalho comeou em 1743 e, de acordo com Shenstone, as cenas do jardim poderiam ser divididas entre o sublime, o belo e o melanclico ou pensativo. A despretensiosa casa de Shenstone estava em um gramado envolvida por um ha-ha. O restante do terreno estava arranjado numa sucesso de cenas ou perspectivas a serem vistas de um caminho-cinturo. O cinturo no jardim da metade do sculo XVIII era mais importante que o ha-ha. Consistia em um plantio irregular de rvores envolvendo a propriedade e provendo um caminho ou estrada no seu permetro. Significativo porque o jardim era para ser visto olhando-se para dentro. O cinturo refletia uma mudana do ponto de vista. Shenstone fez das sucessivas vistas cruzadas de seu cinturo-caminho a principal caracterstica de Leasowes. Como ele no era um homem rico como Lord Cobham, ele no pde construir casas de vero como em Stowe; ao invs disso ele espalhou urnas, bancos de jardim e placas com versos apropriados indicando os sentimentos apropriados a cada lugar. Embora seu jardim fosse desenhado como uma srie de paisagens pictricas, no havia realmente pinturas satisfatrias nele. O segundo tipo de jardim foi o jardim potico. O assim chamado jardim pitoresco deve muito ao jardim potico. A confuso entre um e outro vem da natureza dos pintores que eram, na verdade, pintores poticos. O jardim potico era uma questo de atmosfera. O freqentador ligava-se na solenidade, no sublime, na grandeza, dignidade ou elegncia, conforme a poro do jardim em que estivesse. Abismos, uma pedra com textos melanclicos, templos clssicos, uma runa gtica, deveriam evocar as sensaes apropriadas. Os arranjos no jardim deveriam criar, evocando, um genius loci, o esprito do lugar. Numa sociedade burguesa, Figuras, esttuas, vasos de flores, urnas etc., pr-fabricados, deveriam fornecer decoraes poticas ao jardim. Assim, o arquiteto voltava ao jardim fornecendo o mobilirio potico a ele. O visitante deveria vagar de uma sensao para outra numa srie de cenas evocativas. O resultado foi que esses jardins perderam sua unidade artstica. Um dos elementos do jardim potico era o eremitrio, habitado, logicamente, pelo seu eremita, uma pessoa contratada para desempenhar um papel relacionado cena que habitava. Se um tonel no jardim, o eremita evocaria Digenes. O jardim potico, como toda manifestao romntica, sofreu de uma falta de disciplina e, em 1780, a grande revoluo do jardim na Inglaterra, e em toda parte, havia perdido seu rumo. A teoria da linha ondulante de beleza (the wavy line of beauty) apareceu cedo, no sculo XVIII, e tornou-se um princpio esttico muito forte. William Kent proclamou que a natureza detesta a linha reta. A teoria da linha ondulante da beleza foi subscrita por todos os produtores de jardins, seja os poticos ou os pitorescos. Em 1750, apareceu o grande mestre do jardim paisagstico ingls: Lancelot Capability Brown (1716 1783). Os elementos poticos e pitorescos do jardim foram banidos, restando s o domnio da linha ondulante da beleza. Lancelot Brown recebeu o cognome de Capability porque costumava dizer que podia ver capabilities of improvement nas reas que deveria tratar paisagsticamente. Ele abandonou o uso de estaturia, usou bem menos edificaes que os jardineiros poticos e concentrou-se quase, inteiramente, oo uso das ondulaes contrastadas e relacionadas. A cor desempenhou pouco ou nada em suas idias. Usou o contraste tonal, luz e sombra para dispor a harmoniosa organizao da linha. Ele mesmo comparou sua arte com a composio literria, como se usasse vrgulas, parnteses e, assim, dirigisse a vista e comandasse os temas em seus jardins. Capability Brown usou poucos meios criando tramas simples. Contornos de grama verde, ondulaes do terreno, espelhos dgua, poucas espcies de rvores usadas isoladamente ou em grupos ou em cintures lineares e intencionais (CLIFFORD, 1966) (Figura 2.17).

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Figura 2.17 - Os Jardins De Stowe Modificados Por Lancelot Brown. Fonte: CLIFFORD 1966, prancha 64

O jardim de Brown com sua economia de meios, composto mais de gramados e rvores alcanou um ponto de saturao e o jardineiro florista reagiu e reapareceu com suas flores no desenho do jardim trazendo de volta a cor e o perfume. Foi o momento de Humphrey Repton (1752 1818) que se definiu como um jardineiro paisagista. Repton definiu o que ele considera como os princpios de sua arte, a jardinagem paisagstica: primeiro mostram-se as belezas naturais e escondem-se os defeitos naturais de cada situao; segundo, deve-se dar a aparncia de amplido e liberdade, disfarando-se cuidadosamente ou escondendo-se as divisas da propriedade; terceiro, deve-se, estudadamente, dissimular toda interferncia de arte, por mais que custosa, com a qual o cenrio melhorado; quarto, todos os objetos de mera convenincia ou conforto, na impossibilidade de torn-los ornamentais ou de tomar parte prpria no cenrio geral, devem ser removidos ou apagados. O estilo de Repton influenciou a jardinagem vitoriana e, com seu ecletismo, sua influncia chegou at o Brasil no princpio do sculo XX. Sob a base de Brown ele procurou construir alguma coisa que pudesse incluir ao mesmo tempo as belezas de Le Ntre e os jardins pitorescos, procurando satisfazer as necessidades do jardineiro florista e do colecionador botnico. Repton era governado pelo pensamento lgico. Para ele, o jardim um objeto artificial e no tem pretenso de ser natural sendo conseqncia do crescimento das plantas que o adornam; sua cultura deve ser toda trabalho artstico; e ao invs da linha invisvel ou cerca escondida (Ha-Ha), que separa o gramado cortado do gramado que alimenta o gado, mais racional mostrar que os dois objetos so separados. O no banimento do jardim de flores, da horta e dos estbulos da vizinhana da casa era o principal objetivo da plataforma de Repton. Brown os havia escondido bem longe da casa, o que passou a ser considerado no funcional. Repton combateu a necessidade de perspectivas em toda a parte do jardim dizendo que um pouco de recluso era necessrio.

36 Isto levaria a uma segregao do parque e do jardim o que ele evitou provendo um terrao balaustrado que servia como cerca entre a parte plantada e o parque e servia, tambm, como uma plataforma visual elevada. Esses terraos elevados constituem uma marca reconhecvel de muitos jardins de Repton. Com a introduo de plantas novas e exticas e de flores, o jardim passou a ser obra no de filsofos, poetas e arquitetos, mas de jardineiros. O ecletismo de Humphrey Repton est relacionado com o jardim de todo o sculo XIX. Foi Repton quem ensinou como a irresistvel enchente de novas plantas foi organizada na estrutura de um pleasure ground13 e justificou sua presena no jardim. Os elementos dos jardins passaram a ser o gramado, que assumiu o papel de um parque paisagstico em miniatura, uma expanso da grama aparada pontuada com arbustos exticos e rvores em grande variedade, tudo em escala reduzida; arbustos; o velho bosquete, densamente plantado e com grande variedade de espcies, atravessado por caminhos serpenteantes; o caminho-terrao, que substituiu o parterre, mirava distantemente o parque; a estufa em estrutura de ferro substituiu a orangerie. O domnio dos jardineiros no desenho do jardim estabeleceu que as plantas deveriam ser plantadas onde melhor crescessem e no onde tivessem o melhor efeito. Era o chamado estilo jardinstico (CLIFFORD, 1966).

O ESTILO PAISAGSTICO MODERNO NO BRASIL o jardim ecltico que vamos encontrar no princpio do sculo XX no Brasil. Esse jardim das cidades desenvolveram-se com a riqueza do caf em So Paulo. Como exemplos podem ser citados o Jardim da Luz, hoje chamado Parque da Luz, em So Paulo (Figura 2.18); o Parque Municipal de Belo Horizonte-MG (Figura 2.19); o Jardim da Praa Cnego Joaquim Alves em Batatais-SP; a Praa N.S. da Conceio em Franca-SP, em Rio Claro-SP.

Figura 2.18 Gruta, Parque Da Luz, So Paulo. Foto do autor 2005.

13 Hermann Frst von Pckler-Muskau faz a seguinte observao sobre o pleasure ground: A palavra pleasure ground difcil de traduzir-se para o alemo e eu tenho por mim que melhor deix-la em ingls. Pleasure Ground significa um terreno ornamentado e cercado junto casa, com dimenso bastante grande para ser tratado como jardim, sendo, de certo modo, um meio termo, uma estrutura de ligao entre o parque e os prprios jardins(PCKLER-MUSKAU 1988).

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Figura 2.19 - Parque Municipal, Belo Horizonte, Minas Gerais. Foto do autor 2005.

Esses jardins parecem ter chegado at ns atravs de modelos franceses. Entre os livros que pertenceram a Arthur Etzel, filho de Antonio Etzel que deu ao Jardim da Luz o seu desenho atual, estava o livro Les Parcs et Jardins au commencement du XX me sicle (VACHEROT, 1909) que mostra modelos de jardins semelhantes a esses. Esses modelos que se expandiram da Paris de Haussmann, dos trabalhos de Jean Charles Adolphe Alphand (Figuras 2.20 e 2.21), e se espalharam pelo mundo, esto bem descritos por Georges Lefebvre que aborda o estilo paisagstico moderno.

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Figura 2.20 - Parque De Buttes-Chaumont, Paris. Foto do autor 2000.

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Figura 2.21 - Parque De Buttes-Chaumont, Paris. Foto do autor 2000.

Aps a Revoluo Francesa, com o colapso das grandes fortunas, o jardim paisagstico ou ingls foi adaptado a jardins menores. Para remediar a insuficincia de extenso das propriedades, criaram-se alias curvas alongando as distncias e oferecendo sempre novos pontos de vista ao visitante. As modificaes que essa escola moderna fez acontecer no estilo paisagstico antigo v-se, notadamente, nesse novo traado das alias, no modelado dos gramados em ondulaes (vallonnement) e na criao de canteiros floridos. No incio desse novo estilo, as alias eram numerosas, dividindo terreno em um grande nmero de pequenos gramados com macios de vegetao minsculos. Depois, as alias tornaram-se menos numerosas, as superfcies gramadas maiores, sem a fragmentao exagerada do terreno. As ondulaes do gramado (vallonnement) modelam a superfcie em curvas cncavas graciosas no centro do terreno, e se perdem nas extremidades em direo aos macios vegetais e alias. Enfim, as flores, que haviam sido abandonadas at Capability Brown e retomadas por Repton e seus seguidores, servem para compor corbelhas dispostas sobre os gramados em grupos isolados ou junto aos macios de arbustos (LEFEBVRE, 1897). Esse modelo de jardim ainda encontramos no Parque da Luz e no desenho original da Praa da Repblica em So Paulo, hoje destrudo pelas constantes intervenes esprias. Georges Lefebvre fala ainda do estilo misto ou composto. O estilo misto um composto do jardim regular ou francs e do jardim paisagstico ou ingls onde se aplica s duas partes da composio as teorias que lhe concernem, tendo-se o cuidado de estudar o acordo dos dois estilos de modo a criar um conjunto harmonioso (LEFEBVRE, 1897). Um exemplo desse estilo composto, ecltico, encontrvamos em Franca SP, na Praa Nossa Senhora da Conceio, no projeto de Chauvire (DEL PICCHIA, 1991) (Figura 2.22), antes que esta fosse modificada em meados dos anos 1950 (FERREIRA, 1983).

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Figura 2.22 - Praa Nossa Senhora da Conceio, Franca, So Paulo. Fonte: DEL PICCHIA, 1991, p.120.

O JARDIM DA PENNSULA IBERICA Os jardins do Alhambra e o Generalife de Granada so em sua maior parte mouriscos e datam do sculo XV e da ltima fase do governo muulmano na Espanha. O jardim do Alcazar de Sevilha anterior ao jardim do Alhambra, porm sofreu modificaes posteriores pelos reis espanhis que sucederam os rabes. O peculiar uso da gua a mais distintiva caracterstica do jardim islmico. O uso da gua no era limitado s suas qualidades de espelho ou sua sugesto de frescor. O uso da gua em movimento foi responsvel pelos arranjos engenhosos e decorativos das fontes. O controle dos jatos de gua foi ensinado pelos rabes Espanha crist que depois levou essas tcnicas Itlia e a toda a Europa (CLIFFORD, 1966). Portugal e Espanha apresentam jardins de marcada influncia mourisca. Assim, esses jardins tm uma singularidade que os distinguem dos jardins do resto da Europa. Por causa da influencia da cultura moura, os jardins portugueses e espanhis no apresentam uma concepo ordenada, seguindo um eixo ou diretriz principal como os jardins italianos e franceses. Os jardins portugueses e espanhis se caracterizam por uma sucesso de espaos fechados em si, que no se articulam, segundo um eixo ou diretriz clara e definida. Esses espaos independentes entre si mais parecem salas ao ar livre, sendo encerrados por muros, destacados da paisagem ao seu redor, salvo por alguma abertura nos muros que permitem que o espao exterior seja observado discretamente do interior do jardim. A tradio helenstico-mourisca da privacidade do espao domiciliar levou criao de espaos externos recatados onde se podia gozar uma atmosfera fresca junto aos elementos da natureza: gua, flores, perfumes, frutos (CARITA; CARDOSO, 1990; CLIFFORD, 1966). interessante observar que no Palcio Pitti em Florena, onde esto os clebres jardins Boboli, vamos encontrar um jardim recluso construdo na parte posterior do palcio para Leonor de Toledo, filha de D. Pedro Alvarez de Toledo, Vice-Rei de Npoles, esposa de Cosimo I de Mdici. Esse jardim encerrado por muros e tem uma abertura em janela para observar uma rua com uma vista para a paisagem circundante. Esse jardim difere, flagrantemente, do restante dos jardins italianos do palcio, os jardins Boboli. No jardim portugus, encontramos uma srie de elementos singulares que o compem: os espelhos dgua, os azulejos, os embrechados, as tijoleiras, os alegretes, as latadas, a caniada, as plantas em espaldeira, a topiria e as esculturas (CARITA; CARDOSO 1990) (Figuras 2.23, 2.24, 2.25, 2.26, 2.27, 2.28 e 2.29).

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Figura 2.23 - Azulejos e piso de tijoleira, Quinta da Bacalhoa, Vila Fresca do Azeito, Portugal. Foto do autor 2002.

Figura 2.24 Embrechados, Palcio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.

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Figura 2.25 - Alegrete (Canteiro Elevado), Palcio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.

Figura 2.26 Latada, Palcio do Marques de Pombal, Oeiras, Portugal. Foto do autor 2002.

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Figura 2.27 Caniada, Palcio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.

Figura 2.28 Topiria, Casa de Mateus, Vila Real, Portugal. Foto do autor 2002.

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Figura 2.29 Escultura, Palcio dos Marqueses de Fronteira, Benfica, Lisboa. Foto do autor 2002.

interessante observar que no se conhece similares desses jardins no Brasil, salvo uma observao sobre dois pavilhes que existiram no Passeio Pblico do Rio de Janeiro de Mestre Valentim. Nos extremos do terrao que descortinava a Baa da Guanabara e que ficava no fim do eixo principal do jardim em oposio ao Chafariz das Marrecas, erguiam-se dois pavilhes hexagonais em que se exibia a arte muralista de painis com conchas e penas, obras de Francisco dos Santos Xavier - Xavier das Conchas, e de Francisco Xavier Cardoso Caldeira Xavier dos Pssaros (CAVALCANTI, 2004). Esta arte muralista de conchas seria, talvez, a dos embrechados portugueses, existindo no Museu dos Oratrios de Ouro Preto de autoria de Xavier das Conchas.

CHINA E O JAPO O jardim chins se desenvolve sob a influncia do pensamento de Lao Ts e de Confcio. O primeiro sustenta que no se deve viver a vida mas, deixar a vida viver. O segundo, procurando conquistar a liberdade da calma espiritual recomenda, como meio de atingi-la, uma vida de servio pblico e cooperao em uma comunidade bem estruturada, pregando

45 uma vida de moderao. A isto se adicionaram os ensinamentos de Buda que cultivava a calma, a contemplao, a libertao de todas as formas de desejo, num nvel mstico. No carter cultural chins, estavam unidos o amor natureza e uma magnfica receptividade passiva sensao. Esta a origem do jardim chins, cuja primeira funo era induzir um desejvel estado de esprito. Por seu carter selvagem mais do que urbano, a geometria no tinha lugar no jardim chins. O jardim era projetado como uma srie de cenrios como num rolo de pintura de paisagens, cada uma delas completa em si mesma. Como esses jardins eram rplicas escalares de cenrios naturais, a escala relativa tinha especial importncia. O esqueleto do jardim eram as pedras, no as pedras esculpidas, porm, as pedras naturais e elas desempenhavam o mesmo papel que as esculturas no jardim ocidental. O mesmo acontecia no jardim japons. A qualidade procurada pelos chineses em seus jardins era o pitoresco/emotivo (CLIFFORD, 1966). Os japoneses reduziram a uma regra o modo como os chineses usaram os ingredientes da paisagem natural, produzindo, assim, algo original (CLIFFORD, 1966). O jardim japons aconteceu no sculo VI, conforme o modelo do jardim chins. Nas residncias da aristocracia nos sculos X a XII, o jardim era colocado ao sul dos edifcios do palcio. Seu ponto central era um tanque com uma colina ao fundo. Nesse tanque, navegava-se num barco extico desfrutando poesia e msica. O jardim era plantado com diversas plantas floridas. Este jardim teve forte influncia Zen, cultura do sul da China. Importante que antes, em relao com o monastrio, apareceu uma outra arte do jardim, um jardim plano. Pensamentos filosficos influenciavam a forma do jardim que tinha uma significao simblica. Com o desenvolvimento da cerimnia do ch desenvolveu-se um novo tipo de jardim, o jardim do ch. Pedras delineavam o caminho, lanternas de pedra, bacias de gua em pedra tornaram-se elementos indispensveis do jardim da cerimnia do ch. rvores de folhagem perene, principalmente conferas, distribuam uma impresso de calma. O jardim do ch importante por ser a forma bsica que deu origem ao jardim japons. Dos sculos XVIII at o XIX o jardim japons tipificou-se, dividindo-se em dois tipos principais: o jardim com colinas (Figura 2.30) e o jardim plano (Figura 2.31).

Figura 2.30 - Jardim Com Colinas Fonte: YOSHIDA 1954 P. 170

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Figura 2.31 - Jardim Plano Fonte: YOSHIDA 1954 P. 171

Cada um desses dois tipos foi depois estruturado em trs tipos: Shin, Gy e S. Shin apresenta um jardim que procura ser construdo, segundo a natureza e tem um aspecto formal. No S, a natureza apresenta-se simplificada e simbolizada, a sensao leve e amigvel. Gy deve ser observado como uma forma intermediria entre Shin e S. Todos esses jardins foram popularizados e normatizados de modo que sua forma foi tornada possvel para cada jardineiro. A influncia europia se fez sentir nos jardins japoneses modernos, porm, os japoneses mantiveram no fundo do corao a tradio do prprio jardim japons (YOSHIDA, 1954).

O DESENHO DO JARDIM APS O ECLETISMO Por volta de 1929, Alfred Agache realizava os jardins da Praa Paris no Rio de Janeiro com um desenho de jardim do ecletismo vigente ainda nos princpios do sculo XX. Em 1934, Roberto Burle Marx realizou os primeiros jardins com senso ecolgico em Pernambuco utilizando plantas da caatinga, contrariamente ao que usavam os paisagistas como Agache e Glaziou (MOTTA, 1983). Roberto Burle Marx, artista plstico, trabalhou com botnicos, destacou-se no desenho de jardins completamente diferenciados dos modelos do passado recente, tornando-se uma das grandes personalidades do desenho do jardim contemporneo. No Rio de Janeiro, Fernando Chacel, arquiteto, trabalhou no escritrio Burle Marx e carregou um pouco do seu desenho de jardim. Em So Paulo, lembramos quatro Figuras no desenho do jardim contemporneo, Otavio Augusto Teixeira Mendes, Waldemar Cordeiro, Roberto Coelho Cardoso e Rodolfo Geiser. Otavio Augusto Teixeira Mendes (1907 - 1988), engenheiro agrnomo, ao voltar de uma ps-graduao na Universidade de Columbia nos Estados Unidos, passou a se autointitular arquiteto paisagista. Teve ao destacada no Servio Florestal do Estado de So Paulo como precursor de polticas ambientais e, entre seus trabalhos como paisagista, se destacam o Parque do Ibirapuera e o jardim da atual Fundao Maria Lusa e Oscar Americano em So Paulo (MARIANO, 2005).

47 Waldemar Cordeiro (1925 1973), pintor concretista, atuou, tambm, como paisagista. Seus jardins refletem os propsitos de sua pintura (BELLUZZO, 1986; MEDEIROS, 2004). Roberto Coelho Cardoso, professor de paisagismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo (FAUUSP), influenciou muitos jovens paisagistas que atuam em So Paulo e que trabalharam com ele. Segundo relato do arquiteto Joo Batista Villanova Artigas, Roberto Coelho Cardoso chegou ao Brasil com uma recomendao de Garrett Eckbo, dos Estados Unidos e passou a lecionar na FAUUSP. Em So Paulo atuou, tambm, o engenheiro agrnomo Rodolfo Ricardo Geiser que tem se dedicado ao projeto paisagstico de residncias, condomnios residenciais, praas e parques pblicos, projetos paisagsticos para instalaes industriais e recuperao de reas degradadas. Dedicou-se, tambm, ao ensino de paisagismo em escolas pblicas e privadas. Seus projetos, diferentemente dos arquitetos que se formaram com Roberto Coelho Cardoso, do nfase maior ao uso da vegetao na conformao espacial do jardim como o caso, tambm, de Otvio Augusto Teixeira Mendes. No ano de 1967, o engenheiro agrnomo Felisberto Cavalheiro comeou a atuar no, ento, Servio de Parques, Jardins e Cemitrios da Prefeitura do municpio de So Paulo, depois, Departamento de Parques e Jardins. Projetou e implantou vrias reas verdes de So Paulo. Permaneceu no Departamento at sua partida para a Alemanha onde, em Hannover, fez doutoramento, tendo recebido o ttulo de Doctor Rerum Horticulturae com a dissertao Die Kommunale Freiraumverwaltung in So Paulo/ Brasilien (CAVALHEIRO, 1981). Aps sua volta da Alemanha, trabalhou na Secretaria Especial do Meio Ambiente SEMA que mais tarde se transformou no Ministrio do Meio Ambiente. Participou, ento, da elaborao das primeiras leis ambientais federais que organizaram o Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA. Antes de sua partida para a Alemanha, participou da elaborao do Projeto Urbanstico para o Vale do Rio Jahu, permetro urbano e do projeto de um parque junto ao Rio Jahu em Jahu, So Paulo (DEL PICCHIA e CAVALHEIRO, 1987) (Figura 2.32).

Figura 2.32 - Projeto Paisagstico Para O Vale Do Rio Jahu Permetro Urbano Jahu-SP Fonte: DEL PICCHIA e CAVALHEIRO (1988) Vol. 1, P. 239

Trata-se de um projeto de recuperao de paisagem, de renaturalizao. Sendo um trabalho desenvolvido em 1974 ele , sob todos os aspectos, um trabalho pioneiro, inclusive por propor afastar o sistema virio das margens do rio, fato que s recentemente teve acolhida no planejamento urbano brasileiro. Participou do projeto do Jardim Botnico de Braslia, sendo que a presena do Modelo Filogentico no jardim foi proposio sua. Como professor

48 da UNESP, da USP e da ps-graduao da UFSCar deixou um legado inestimvel para a questo do planejamento da paisagem de acordo com os princpios defendidos pelos arquitetos paisagistas alemes, os Landespfleger.

REFERNCIAS BELLUZZO, A. M. M. Waldemar Cordeiro: uma aventura da razo. So Paulo: Museu de Arte Contempornea da Universidade de So Paulo, 1986. 193 p., il. CARITA, H.; CARDOSO, A. H. Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal, ou da originalidade e desaires desta arte. Portugal: Crculo de Leitores, 1990. 319 p., il. CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construo da cidade da invaso francesa at a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 443 p., il. CAVALHEIRO, F. Die Kommunale Freiraumverwaltung in So Paulo/ Brasilien: Gegenwrtige Situation und Chancen zuknftiger Entwicklung. 1981. 425 p. Tese (Doutoramento) Fakultt fr Gartenbau und Landeskultur, Universitt Hannover, Hannover. CLARK, K. Paisagem na Arte. Lisboa: Editora Ulisseia, 1961. 184 p., il. CLIFFORD, D. A History of Garden Design. New York: Frederick A. Praeger, 1966. 252 p., il. DEL PICCHIA, P. C. D. Brodowski, Batatais e Franca: Anlise da Paisagem Urbana. 1991. 2 V. Dissertao (Mestrado em Arquitetura) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de So Paulo, So Paulo. DEL PICCHIA, P.C.D e CAVALHEIRO, F. Projeto urbanstico para o vale do rio Jahu: projeto paisagstico. In: XXXVIII CONGRESSO NACIONAL DE BOTNICA, 1987, So Paulo. Acta Botanica Brasilica/Anais do XXXVIII Congresso Nacional de Botnica. Sociedade Botnica do Brasil, 1988. Vol.1, p. 231-241. FERREIRA, M. Franca: itinerrio urbano. Franca-SP: Laboratrio das Artes de Franca, 1983. 171 p., il. LEFEBVRE, G. Plantations dAlignement: Promenades, Parcs et Jardins Publics. Paris: P. Vicq-Dunod e Cie., 1897. 357 p., il. MARIANO, C. Preservao e Paisagismo em So Paulo: Otvio Augusto Teixeira Mendes. So Paulo: Annablume, Fapesp, Fundao Maria Lusa e Oscar Americano, 2005. 195 p. il. MEDEIROS, G. L. Arte paisagem: a partir de Waldemar Cordeiro. 2004. 365p. Tese (Doutoramento) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo, So Paulo. MOTTA, F. L. Roberto Burle-Marx e a nova viso da paisagem. So Paulo: Nobel, 1983. 247 p., il. PCKLER-MUSKAU, H. F. Andeutungen ber Landschaftsgrtnerei: verbunden mit der

49 Beschreibung ihrer praktischen Anwendung in Muskau. Frankfurt am Main: Insel, 1988. 377 p., il.(Insel Taschenbuch). VACHEROT, J. Les Parcs et Jardins au commencement du XXme Sicle. Paris: Octave Doin, 1909. 475 p., il. YOSHIDA, T. Das Japanische Wohnhaus. Tbingen: Ernst Wasmuth, 1954. 204 p., il.

CAPITULO 3 ECOLOGIA E PLANEJAMENTO DA PAISAGEM Joo Carlos Nucci14

Transformar a natureza para satisfao das necessidades humanas um processo inevitvel, porm essa transformao realizada sem um planejamento com viso sistmica, provoca profundas modificaes com conseqncias indesejveis. Um dos entraves para a busca de um desenvolvimento baseado em um planejamento com viso sistmica encontra-se na forma fragmentada de produo e aplicao do conhecimento, um reflexo da viso cartesiano-newtoniana desenvolvida a partir do sculo XVI, e que se baseia em questes isoladas, o que destri a complexidade do ambiente. Ao fragmentar a realidade, simplificando o complexo, separando o que inseparvel, a Cincia ignora a multiplicidade e a diversidade, eliminando a desordem e as contradies existentes. Monteiro (1992) afirma que, na Universidade a pulverizao dos saberes em uma mirade de disciplinas, organizadas em departamentos estanques e estruturadas em unidades (escolas, faculdades ou institutos) ajuda a expressar este caos em um negcio de concepes profissionais fragmentadas, de modo a estimular a rivalidade e o esprito de corporao. Para Morin (2000), h inadequao cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetrios.(...) os desenvolvimentos disciplinares das cincias no s trouxeram as vantagens da diviso do trabalho, mas tambm os inconvenientes da superespecializao, do confinamento e do despedaamento do saber. No s produziram o conhecimento e a elucidao, mas tambm a ignorncia e a cegueira (...) os conhecimentos fragmentados s servem para usos tcnicos (MORIN, 2000).

Para Monteiro (1992), a tentativa de compreender as leis da natureza sempre vistas em separado da permanente e perene ao derivadora do homem sob a coero das foras sociais e do determinismo econmico resulta apenas em frustrao. Sendo assim, torna-se, agora, conveniente resgatar o Planejamento da Paisagem que, na opinio do Professor Doutor Felisberto Cavalheiro, poderia ser considerado como uma possvel base terica para uma viso mais integradora das questes naturais, econmicas, sociais e culturais. Portanto, com o objetivo principal de divulgar e, quem sabe, esclarecer algumas questes sobre o Planejamento da Paisagem, este captulo tratar primeiramente do surgimento da Cincia da Paisagem no sculo XIX, quando os estudos da paisagem passaram a ser considerados cientficos; a concepo sistmica da paisagem, ou seja, o Geossistema; em seguida, ser abordado o surgimento da Ecologia da Paisagem como uma concepo que prometia um avano em direo interdisciplinariedade, mas que, atualmente, corre o risco de modificar

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Bilogo (IB-USP), Professor Doutor, Departamento de Geografia - UFPR

51 seu rumo e, finalmente, sero apresentados os princpios e metas do Planejamento da Paisagem como uma possvel teoria integradora.

A CINCIA DA PAISAGEM O termo paisagem apresenta ao longo de sua histria vrios significados e, desde o incio do sculo XX, vem retomando sua importncia nos estudos que tratam tanto da natureza quanto da cultura. A paisagem foi introduzida como termo cientfico-geogrfico no incio do sculo XIX pelo alemo Alexander von Humboldt (1769-1859), o grande pioneiro da moderna geobotnica e geografia fsica. Na lngua alem, o termo paisagem (Landschaft) contm uma conotao geogrfico-espac