ovidio batista da silva - curso de processo civil - processo do conhecimento vol 1 - 2003 -...

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6.a edio revista e atualizada com as Leis 10.352, 10.358/2001 e 10.444/2002 Anteno! A paginao deste sumrio no corresponde a verdadeira pgina neste OVDIO A. BAPTISTA DA SILVA I."edio: Porto Alegre : Fabris, 1987 - 2."edio: Porto Alegre ; Fabris, 1991 - 3."edio: Porto Alegre : Fabris, 1996 - 4a edio: So Paulo : RT, 1998 - 5." edio: So Paulo : RT, 2000. Diagramao eletrnica: Microart Com. e Editorao Eletrnica Ltda. CNPJ 03.392.481/0001-16 Impresso e acabamento: Escolas Profissionais Salesianas CNPJ 60.927.290/0001-45 Atualizao at outubro de 2002. desta edio: 2003 EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. Diretor Responsvel: CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHO Visite nosso site: www.rl.com.br CENTRO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR: Tel. 0800-11 -2433 e-mail do atendimento ao consumidor: [email protected] Rua do Bosque, 820 Barra Funda Tel. (Oxxll) 3613-8400 Fax (Oxxll) 3613-8450 CEP 01136-000 - So Paulo, SP, Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas grficos, microflmicos, fotogrficos, re progrficos, fonogrficos, videogrficos. Vedada a memorizao e/ou a recuperao total ou parcial, bem como a incluso de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processame nto de dados. Essas proibies aplicam-se tambm s caractersticas grficas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime lart. 184 e pargrafos do Cdigo Penal), com pena de priso e multa, busca e apreenso e indentaes diversas (arts. 101 a ] 10 da Lei 9.610. de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). Impresso no Brasil ISBN 85-2O3-I821-5 - Obra completaISBN 85-203-2274-3 - Volume 1 documento eletrnico. SUMARIO

1. O PROCESSO................................................................... ..................... 13 1.1 Conceito ................................................................... ................... 13 1.2 Relao processual.............................................................. ....... 14 1.3 O processo como relao jurdica de direito pblico............. 16 2. JURISDIO....................................................................... .................. 23 2.1 Conceito ................................................................... ................... 23 2.1.1 A doutrina de Chiovenda............................................ 26 2.1.2 A doutrina de AUorio .................................................. 30

2.1.3 A doutrina de Caraelutti............................................. 32 2.2 Considerao conclusiva sobre o conceito de jurisdio........ 40 2.3 Jurisdio voluntria ............................................................ ...... 41 2.3.1 Conceito ................................................................. ....... 4L 2.3.2 Classificao do procedimento ................................... 43 2.3.3 Natureza jurdica.......................................................... 44 2.4 Formas de jurisdio ........................................................... ...... 50 2.5 Funo do Poder Judicirio ...................................................... 52 2.6 Organizao judiciria e competncia...................................... 53

2.6.1 Distribuio constitucional da competncia .............. 53 2.6.2 Distribuio interna da competncia ......................... 56 2.6.3 Competncia internacional da justia brasileira........ 57 2.6.4 Classificao das espcies de competncia ............... 57 3. PRINCPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL................ 61 3.1 Princpio dispositivo ........................................................ .......... 61 3.2 Princpio de demanda.......................................................... ...... 63 3.3 Princpio da oralidade........................................................ ........ 66 3.4 Princpio de imediatidade..................................................... ..... 67 3.5 Princpio da identidade fsica do juiz..................................... 68 3.6 Princpio de concentrao ........................................................ . 68 3.7 Princpio da irrecorribilidade das interlocutrias ................... 68

3.8 Princpio do livre convencimento do juiz ................................ 69 3.9 Princpio da bilateralidade da audincia .................................. 70 3.10 Princpio de verossimilhana .................................................... 71

4. A "AO" NO DIREITO PROCESSUAL CONTEMPORNEO . 75 4.1 Evoluo do conceito de ao .................................................. 75 4.2 Direito subjetivo no plano do direito material ........................ 80 4.3 Direito subjetivo no plano do direito processual.................... 85 4.4 Teoria civilista da ao............................................................ .. 93 4.5 Teoria do direito concreto de ao ......................................... 94 4.6 Teoria do direito abstrato de ao ............................................ 97 4.7 Teoria ecltica da ao .............................................................. 99 4.8 O conceito de condies da ao na teoria ecltica .............. 104 4.9 Interesse atual do conceito de ao ......................................... 109 5. PROCESSO E PROCEDIMENTO ..................................................... . 111 5.1 Introduo..........................................................................

.......... 111 5.2 Tutela diferenciada e "ao" processual abstraa..................... 113 5.3 Tendncia de superao do procedimento ordinrio ............... 120 5.4 Processos interditais........................................................... ......... 126 5.5 Processos sumrios documentais............................................... 128 5.6 Processos monitrios e injuncionais ........................................ 1 30 ^V 5.7 'Tutela antecipada", na reforma do Cdigo de Processo Civil. 133 5.7.1 Natureza da medida antecipatria .............................. 135 5.7.2 Natureza do provimento jurisdicional que a concede 136 5.7.3 Perigo de dano irreparvel .......................................... 141 5.7.4 Abuso do direito de defesa ou manifesto propsito protelatrio do ru ....................................................... 143 5.7.5 Perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. 144 p( 5.7.6 Concesso da tutela antecipada no curso do processo 145 5.7.7 Precariedade do provimento antecipatrio................. 145 5.7.8 Prova .......................................................................... .... 146 5.7.9 Responsabilidade do autor .......................................... 146 5.8 Autotutela judicializada.................................................... .......... 146 ^ 5.9 Procedimento sumrio ....................................................... ......... 147

5.10 Aes para cumprimento das obrigaes de fazer e no fazer como demandas unitrias .......................................................... 148 5.11 Ao monitoria ..................................................................... ...... 153 6. AES DO "PROCESSO DE CONHECIMENTO" ....................... 157 6.1 Conceito.................................................................... .................. 157 6.2 Classificao .................................................................. ............. 159 6.3 Aes declaratrias............................................................... ..... 162 6.3.1 Ao de consignao em pagamento........................ 165 6.3.2 Ao de usucapio....................................................... 170 6.4 Aes condenatrias .............................................................. .... 171 6.4.1 Aes de cobrana ...................................................... 175 6.4.2 Aes de indenizao ................................................. 177 6.4.3 Aes contra o uso nocivo da propriedade............... 179 6.4.4 Aes condenatrias para entrega de coisa certa...... 179 6.4.5 Ao confessria.......................................................... 180 6.4.6 Ao negatria .............................................................. 181

6.5 Aes constitutivas ............................................................ ......... 183 6.5.1 Ao de separao judicial.......................................... 185 6.5.2 Ao de interdio ....................................................... 187 6.5.3 Aes para desconstituio de atos e negcios jurdi cos ............................................................................ ...... 189 6.5.4 Ao de sonegados ...................................................... 192 7. ATOS PROCESSUAIS............................................................. .............. 195 7.1 Introduo...................................................................... .............. 195 7.2 Classificao dos atos processuais ........................................... 1 98 7.2.1 Atos processuais das partes......................................... 198 7.2.2 Atos processuais do juiz ............................................. 199 7.2.2.1 Sentena ....................................................... 200 7.2.2.2 Deciso interlocutria.................................. 201 7.2.2.3 Despachos ou despachos de mero expe diente ............................................................ 201 7.3 Formas dos atos processuais ................................................ ..... 203 7.4 Tempo dos atos processuais ................................................. ..... 204

7.5 Prazos...................................................................... ..................... 206 7.6 Precluso..................................................................... ................. 207 7.7 Lugar dos atos processuais.................................................. ...... 211 7.8 Defeitos dos atos processuais .............................................. ..... 212 7.8.1 Teoria das nulidades dos atos processuais................ 212 7.8.2 Efeitos da nulidade dos atos processuais .................. 214 7.8.3 Atos processuais inexistentes...................................... 217

8. DEMANDA CIVIL ............................................................... ................. 221 8.1 Noes gerais................................................................... ........... 221 8.2 O pedido e suas espcies ..................................................... ..... 224 8.2.1 Pedido genrico ............................................................ 225 8.2.2 Pedido alternativo........................................................ . 226 8.2.3 Cumulao alternativa eventual.................................. 226 8.2.4 Cumulao simples ...................................................... 227 8.2.5 Cumulao sucessiva eventual.................................... 228 8.2.6 Pedido cominatrio ...................................................... 23 0 8.3 Da petio inicial ............................................................. .......... 232 9. SUJEITOS DA RELAO PROCESSUAL - AS PARTES ............. 235 9.1 Conceito de parte .......................................................... ............. 235 9.2 Capacidade processual das partes ........................................... 241 9.3 Capacidade postulatria ...................................................... ....... 244 10. LITISCONSORCIO ............................................................. .................. 247 10.1 Introduo..................................................................... ............... 247

10.2 Espcies de litisconsrcio .................................................... ...... 252 10.2.1 Litisconsrcio necessrio ............................................. 252 10.2.1.1 Litisconsrcio facultativo unitrio ............. 257 10.2.2 Litisconsrcio facultativo............................................. 260

10.2.2.1 10.2.2.2 10.2.2.3 10.2.2.4 Litisconsrcio por comunho de direitos ou obrigaes..................................................... 261 Litisconsrcio facultativo fundado em co nexo de causas ........................................... 262 Litisconsrcio fundado em afinidade de questes ........................................................ 262 Litisconsrcio por identidade de fundamen to de fato ou de direito .............................. 263 10.3 Relao processual em litisconsrcio ....................................... 264 11. INTERVENO DE TERCEIROS ..................................................... 2 69 11.1 Conceito................................................................... .................... 269 11.2 Assistncia adesiva simples ................................................. ...... 271 11.3 Efeitos da interveno adesiva simples ................................... 275 11.4 Interveno adesiva litisconsorcial ou autnoma..................... 279 11.5 Efeitos da interveno adesiva litisconsorcial ......................... 284 11.6 Oposio ...................................................................... ................ 285

11.7 Nomeao autoria .............................................................. ..... 289 11.8 Denunciao lide .............................................................. ...... 293 11.9 Chamamento ao processo..................................................... ..... 302 12. O MINISTRIO PBLICO NO PROCESSO CIVIL ........................ 307 12.1 Funes do Ministrio Pblico no processo civil................... 307 13. A RESPOSTA DO RU ............................................................ .......... 313 13.1 Bilateralidade da audincia ................................................. ...... 313 13.2 Contestao ................................................................... .............. 315 13.2.1 Defesa processual........................................................ . 315 13.2.2 Excees processuais................................................... 316 13.2.3 Excees substanciais.................................................. 316 13.3 Reconveno ................................................................... ............ 319 13.4 Ao declaratria incidental..................................................... . 324 13.5 Revelia e reconhecimento do pedido....................................... 3 29 13.5.1 Revelia ................................................................. ......... 329 13.5.2 Efeitos da revelia....................................................... .. 330

13.5.3 Reconhecimento do pedido ........................................ 332 14. DIREITO PROBATRIO ........................................................... .......... 335 14.1 Introduo .................................................................... ............... 335 14.1.1 14.1.2 14.1.3 14.1.4 14.1.5 Conceito de prova em direito judicirio ................... 335 Classificao das provas ............................................. 338 Objeto da prova ........................................................... 339 Princpios fundamentais de direito probatrio .......... 341 14.1.4.1 nus da prova.............................................. 342 14.1.4.2 Princpio da necessidade da prova ............ 344 14.1.4.3 Princpio da contradio da prova.............. 345 Sistemas de avaliao da prova .................................. 345 14.1.5.1 Sistema da prova legal................................ 346 14.1.5.2 Sistema do livre convencimento ................ 347 14.1.5.3 Sistema de persuaso racional ................... 348 14.2 Meios de prova ............................................................ ............... 350 14.2.1 Conceito ................................................................ ........ 350 14.2.2 Provas ilcitas............................................................ .... 353 14.2.3 Prova emprestada ........................................................ . 357

14.3 Das provas em espcie ....................................................... ........ 359 14.3.1 Depoimento pessoal e confisso ................................ 359 14.3.2 Confisso ................................................................. ..... 362

14.3.3 Prova testemunhal ....................................................... . 368 14.3.3.1 Conceito ........................................................ 368 14.3.3.2 Sujeito da prova testemunhal .................... 371 14.3.3.3 Admissibilidade da prova testemunhal ...... 372 14.3.3.4 Produo da prova testemunhal ................. 373 14.3.4 Prova documental ........................................................ . 375 14.3.4.1 Conceito de documento e sua natureza ju rdica ............................................................ 375 14.3.4.2 Classificao geral dos documentos .......... 378 14.3.4.3 Valor probatrio dos documentos ............. 379 14.3.4.4 Produo da prova documental ................. 381 14.3.5 Prova pericial........................................................... ..... 383 14.3.5.1 Conceito de percia..................................... 383 14.3.5.2 Admissibilidade da prova pericial............. 385 14.3.5.3 Agentes da prova pericial .......................... 385 14.3.5.4 Produo da prova pericial......................... 386

14.3.6 Inspeo judicial........................................................... 388 14.3.6.1 Conceito de inspeo judicial ................... 388 14.3.6.2 Objeto da inspeo judicial ....................... 389 14.3.6.3 Procedimento da inspeo judicial............ 390 15. AUDINCIA DE INSTRUO E JULGAMENTO........................... 391 15.1 Audincia.................................................................... ................. 391 15.1.1 Conceito................................................................. ........ 391 15.1.2 Designao .................................................................. .. 393 15.1.3 Objeto .................................................................. .......... 394 15.2 Julgamento................................................................. .................. 396 16. SENTENA...................................................................... ...................... 397 16.1 Conceito e natureza da sentena ............................................. . 397 16.2 Estrutura lgica da sentena................................................... ... 400 16.3 Classificao das sentenas de procedncia............................ 402 17. RECURSOS ................................................................... ......................... 405 17.1 Conceito e espcies de recursos.............................................. . 405

17.1.1 Conceito................................................................. ........ 405 17.1.2 Espcies .................................................................. ....... 407 17.2 Efeitos dos recursos ...................................................... ............. 408 17.2.1 Efeito devolutivo........................................................ ... 409 17.2.2 Efeito suspensivo........................................................ .. 409 17.2.3 Efeito de retratao ...................................................... 4 11 17.3 Juzo de admissibilidade e juzo de mrito............................. 412 17.3.1 Juzo de admissibilidade.............................................. 412 17.3.2 Requisitos de admissibilidade ..................................... 413 17.3.3 Exame de mrito .......................................................... 414 17.3.4 Pressupostos de admissibilidade ................................. 414 17.3.4.1 Deciso recorrvel ........................................ 415 17.3.4.2 Legitimao .................................................. 415 17.3.4.3 Tempestividade............................................. 417 17.3.4.4 Regularidade formal .................................... 418 17.4 Recursos em espcie ......................................................... ......... 419

17.4.1 Apelao..................................................................... ... 419 17.4.1.1 Conceito........................................................ 419 17.4.1.2 Juzo de admissibilidade e efeitos da ape lao ............................................................. 420 17.4.1.3 Procedimento na instncia recursal........... 435 17.4.2 Agravos.................................................................. ........ 435 17.4.2.1 Conceito e espcies de agravo.................. 435 17.4.2.2 Procedimento recursal do agravo de instru mento............................................................ 436 17.4.2.3 Efeitos do agravo de instrumento ............. 439 17.4.2.4 Agravo retido............................................... 440 17.4.3 Embargos ................................................................ ....... 442 17.4.3.1 Introduo ..................................................... 442 17.4.3.2 Embargos de declarao ............................. 442 17.4.3.3 Embargos infringentes................................. 444 17.4.4 Recurso extraordinrio................................................. 449

17.4.4.1

17.4.4.2 17.4.4.3 17.4.4.4 Fundamentos................................................. 449 Hipteses de cabimento do recurso extraor dinrio .......................................................... 451 Juzo de admissibilidade no recurso ex traordinrio ................................................... 453 Efeitos do recurso extraordinrio ............... 455 17.4.5 Recurso especial......................................................... .. 459 17.4.6 Recurso adesivo ......................................................... .. 460 17.4.6.1 Conceito ....................................................... 460 17.4.6.2 Cabimento do recurso adesivo .................. 463

17.4.6.3 Admissibilidade do recurso adesivo ........ 463 17.4.7 Embargos de divergncia........................................ 468 17.4.8 Interposio simultnea de recurso extraordinrio e especial................................................................... 468 18. FORMAS NO RECURSA1S DE IMPUGNAO SENTENA E ACRDOS.......................................................................... .... 471 18.1 Aes autnomas e outros instrumentos de impugnao dos atos jurisdicionais ............................................................ .... 471 18.1.1 Ao rescisria ....................................................... 472 18.1.2 Uniformizao de jurisprudncia............................. 472 18.1.3 Apelao ex ojficio (reexame necessrio)................. 473 18.1.4 Correio parcial..................................................... 474 18.1.5 Avocao de causas ................................................ 475 18.1.6 Reclamao............................................................. 475 18.1.7 Mandado de segurana ........................................... 476 18.1.8 Embargos de terceiro.............................................. 476 18.1.9 Ao cautelar inominada......................................... 477 ISAAOHabeas corpus........................................................ 477 19. COISA JULGADA .................................................................. ...... 479 19.1 Conceito................................................................... ............ 479 19.2 Contedo da sentena e coisa julgada .................................. 482 19.3 Coisa julgada e declarao................................................... 4 90 19.4 Coisa julgada e eficcia da sentena.................................... 493 19.5 Teoria processual e teoria material sobre a coisa julgada .... 497 19.6 Eficcia da sentena perante terceiros.................................. 498 19.6.1 Terceiros juridicamente indiferentes........................ 500 19.6.2 Terceiros juridicamente interessados e efeitos reflexos da sentena ............................................................. 501 19.6.3 Eficcia reflexa e "efeito de interveno"................ 502 19.7 Efeitos anexos da sentena .................................................. 502 19.8 Efeitos de fato da sentena.................................................. . 503 19.9 Limites objetivos da coisa julgada ....................................... 504 BIBLIOGRAFIA ................................................................... ................ 517

NDICE ONOMSTICO .................................................................. .... 533 NDICE ALFABT1CO-REMISSIVO.................................................... 541

O PROCESSO SUMRIO: 1.1 Conceito - 1.2 Relao processual - 1.3 O processo como relao jurdica de direito pblico. 1.1 Conceito Processo {processus, do verbo procedere) significa avanar, caminhar em direo a um fim. Todo processo, portanto, envolve a ideia de temporalidade, de um desenvolver-se temporalmente, a partir de um ponto inicial at atingir o fim desejado. Nem s no direito ou nas cincias sociais existem processos. Tambm na qumica as transformaes da matria se do atravs de um processo; e na biologia costuma-se falar em processo digestivo, processo de crescimento dos seres vivos etc. No direito, o emprego da palavra processo est ligado ideia de processo judicial, correspondente atividade que se desenvolve perante os tribunais para obteno da tutela jurdica estatal, tendente ao reconhecimento e realizao da ordem jurdica e dos direitos, sejam individuais ou coletivos, que ela estabelece e protege. A necessidade do processo judicial representa um custo para todos os titulares de direitos ou de outros interesses legalmente protegidos pela ordem jurdica estatal, medida que, estabelecido o monoplio da jurisdio, como uma decorrncia natural da formao do Estado, afasta-se definitivamente a possibilidade das reaes imediatas tomadas pelos titulares para a pronta observncia e realizao do prprio direito. A ideia de processo afasta a ideia de instantaneidade da reao que o titular do direito ofendido poderia ter, se no tivesse de submet-lo, antes, ao crivo de uma investigao sempre demorada, tendente a determinar sua prpria legitimidade. Assim, pois, sempre que o direito no se realiza naturalmente, pelo espontneo reconhecimento do obrigado, seu titular, impedido como est de agir por seus prprios meios, ter de dirigir-se aos rgos estatais em

busca de proteo e auxlio, a fim de que o prprio Estado, depois de constatar a efetiva existncia do direito, promova sua realizao. 1.2 Relao processual Afastada como teve de ser, necessariamente, a defesa privada, levada a efeito por seu prprio titular, em regime de autotutela, j porque este tipo de realizao do direito gera uma constante intranquilidade e compromete irremediavelmente a convivncia social, j porque a realizao privada do direito nem sempre resultar na vitria daquele que efetiva-mente tinha razo, mas acabar impondo simplesmente a preponderncia do interesse do mais forte, ou do mais astuto (FRIEDRICH LENT, Diritto processuale civile tedesco, p. 16), a exigncia de submeterem-se as pretenses daqueles que se digam titulares de algum direito, eventualmente ameaado ou j vulnerado por quem deveria cumpri-lo, a uma prvia averiguao de sua verdadeira existncia e legitimidade faz com que a relao originariamente existente entre o titular do direito e o titular do dever jurdico, do ponto de vista do primeiro, d origem a uma segunda relao, por meio da qual o titular do direito - impedido de realiz-lo por seus prprios meios - ter de exigir (pretenso) do Estado seu auxlio (tutela), a fim de que este, atravs de uma instituio, especialmente criada para tal fim (o Poder Judicirio), uma vez determinada a legitimidade da exigncia de tutela jurdica daquele que se afirmara titular do direito, o torne efetivo e realizado, segundo a lei. Esta segunda relao, que se estabelece entre aquele que exige a proteo do Estado, dizendo-se titular do direito (exerccio de pretenso de tutela jurdica), e o prprio Estado, posto agora no plo passivo desta relao como o obrigado a prestar este tipo de auxlio, que no mais a relao privada - que o pretenso titular do direito afirmara existir entre ele e o devedor e cuja existncia efetiva apenas agora ser investigada , constitui a relao processual. A relao processual civil, que constitui propriamente o processo, uma relao jurdica de direito pblico que se forma entre o pretenso titular do direito que o mesmo alega carecer de proteo estatal e o Estado, representado pelo juiz. Como qualquer outra relao jurdica, tambm ela se forma entre dois sujeitos, de forma linear, ligando o autor -aquele que age exigindo o auxlio estatal - e o Estado. Mas a relao processual, como categoria jurdica formada com a finalidade de outorgar proteo estatal quele que dela necessitar, tem uma caracterstica peculiar que a distingue nitidamente da relao, por exemplo, que se forma entre a atividade legislativa ou de administrao pblica e os respectivos destinatrios. Tanto o legislador quanto o administrador pblico praticam os atos peculiares s suas funes sem "processualizarem" a prpria atividade, ou seja, sem convocar os destinatrios do ato administrativo e da prpria lei -os seus "consumidores" - para opinarem no momento de sua formao. A relao processual, ao contrrio, oferece esta peculiaridade fundamental: os destinatrios do ato final do processo, aqueles a quem a sentena se dirige, como norma imperativa de comportamento, ou seja, as partes, contribuem com sua atividade para o desenvolvimento da relao processual e para a formao da sentena. Da a necessidade de que toda relao processual se angularize, depois de sua formao linear entre autor e Estado, mediante a

convocao daquele que figura no outro plo da relao jurdica litigiosa, para que venha integr-la, na condio de demandado (ru). No h relao processual sem a participao de, no mnimo, trs pessoas, ou trs sujeitos: autor, ru e juiz. Esta contingncia levou os juristas medievais a declarar que a relao processual era um actum trium personarum, ou seja, uma relao formada por esses trs sujeitos. Como veremos ao estudar os princpios fundamentais do processo civil, esta peculiaridade da relao processual projetar consequncias decisivas para toda a teoria geral do direito processual. As concepes modernas de regime democrtico, como forma de autogoverno (como se diz, "do povo e para o povo"), tm evidenciado uma tendncia para conceituar a democracia no como a entendiam a Revoluo Francesa e as concepes liberais dos sculos XVIII e XIX, ou seja, como democracia representativa, em que o povo apenas se limita a eleger os seus governantes, mas como governo participativo, e no simplesmente representativo. A respeito desta nova e fecunda perspectiva do direito pblico so fundamentais os inmeros ensaios de MAURO CAPPELLETTI a respeito do que ele sugestivamente denomina giustizia coesis-tenziale, forma de produo e realizao do direito no apenas pelo Estado que o produz para consumo da nao, e sim como produo do direito por seus prprios "consumidores", ou seja. pela comunidade jurdica a que a norma legal se destina, como imperativo de conduta social (veja-se, a respeito, igualmente VTCTORIO DENTI, Un progetto per Ia giustizia civile, p. 270). Esta concepo de governo democrtico como forma de governo participativo tem feito com que, nos pases mais evoludos, o prprio ato administrativo se

"processualize" atravs do estabelecimento de um contraditrio prvio entre as "partes" interessadas em sua produo. Antes de decidir pela realizao de certa obra pblica, ou antes de decretar certa medida administrativa, procura o administrador auscultar e debater com a comunidade que ser diretamente atingida por tais a ti v idades administrativas sua convenincia e oportunidade. Na verdade, o regime democrtico representativo, que fora uma contingncia do mundo moderno, imposta pela crescente dimenso dos Estados e pelo nmero cada vez maior de suas respectivas populaes, vai perdendo a razo de ser, medida que os progressos obtidos pela ciberntica voltaram a permitir um contato pessoal, direto e constante entre os governantes e a comunidade social, sugerindo a ideia de que o mundo moderno voltou a ser uma aldeia, no obstante sua dimenso "global". 1.3 O processo como relao jurdica de direito pblico O estudo do processo como uma relao jurdica de direito pblico, que se estabelece entre o Estado (juiz) e aquele que busca este tipo de tutela jurdica, deu origem, sem dvida, ao nascimento do direito processual civil como uma cincia particular, com objeto prprio e com suas leis e princpios especiais, distintos dos princpios e leis que regem os ramos do direito material. Deve-se ao jurista alemo OSKAR VON BULOW o mrito de haver, em 1868, numa obra que se tornou clssica e universalmente conhecida, mostrar a importncia do estudo da relao processual como relao de direito pblico que se forma entre o particular e o Estado, determinando as condies e pressupostos de sua existncia e validade, assim comoos princpios e regras que a presidem. Como afirma BLOW, at ento os estudiosos do processo civil, em vez de considerarem o processo como uma relao de direito pblico, que se desenvolve progressivamente entre o Estado (tribunais) e as partes, limitavam-se a ver no processo apenas uma srie de atos e formalidades a serem cumpridos pelos sujeitos que dele participavam, como uma mera consequncia da relao de direito privado litigiosa {Excepciones procesales y presupuestos pmcesales, p. 3). O direito como uma relao jurdica (a relatio dos antigos canonistas), que foi concepo dominante no sculo XIX europeu, a partir de KANT e daqueles que, no campo das cincias jurdicas, foram seus seguidores, particularmente SAVIGNY, foi a ideia matriz tanto do Cdigo Civil francs (Cdigo Napolenico) quanto do movimento cultural conhecido como pandetstica germnica. Hoje, todavia, reconhece-se que tal concepo sempre esteve historicamente comprometida com determinados pressupostos polticos, de ndole liberal e burguesa (ORLANDO DE CARVALHO, Para uma teoria da relao processual, p. 44). No se pode, evidentemente, obscurecer a extraordinria importncia que o estudo do processo como uma relao jurdica peculiar, de direito pblico, teve para o desenvolvimento do direito processual civil como uma disciplina cientfica autnoma. Mas tambm no seria adequado deixar de referir o preo extraordinrio que a doutrina processual ainda hoje paga ao conceitualismo jurdico que caracterizou a cincia europeia do sculo XIX. A noo de direito subjetivo como direito de cada indivduo, ou seja, como um poder da vontade individual (WINDSCHEID), ou mesmo como interesse juridicamente protegido (IHERING), teve reflexos mutiladores tanto nas questes de legitimao processual quanto, especialmente, na dificuldade que ainda hoje se observa na doutrina processual para conceber e disciplinar processualmente as aes coletivas ou pblicas, em que se busca no a proteo de "direitos subjetivos",

mas a tutela jurisdicional para os interesses de grandes coletividades humanas. O atomismo individual, que caracterizou a doutrina poltica nascida na Revoluo Francesa, a impedir as formaes sociais intermedirias entre os indivduos e o Estado (SRGIO CHIARLONI, Introduzione alio studio dei dirittoprocessuale civile, p. 39; ORLANDO DE CARVALHO, ob. cit., p. 46), refletiu-se nas concepes da doutrina processual com uma intensidade inaudita e ainda hoje oferece resistncia tenaz s ideias contemporneas, que procuram adequar o processo civil s novas necessidades sociais. importante observar, por outro lado, que a relao jurdica que se forma entre aquele que exige do Estado a prestao da tutela jurisdicional e o prprio Estado, na pessoa do juiz, e que d origem formao do processo, uma relao jurdica peculiar, bem diversa da relao que vincula, no campo do direito material, por exemplo, o credor e o devedor. E, no obstante, os antigos processualistas, em verdade todos os juristas brasileiros do sculo XIX, consideravam - por influncia do direito privado romano - a relao processual como um "quase contrato" que se formava entre o autor e o ru (vide, a respeito, J. FREDERICO MARQUES, Instituies de direito processual civil, v. 2, p. 86). Esta concepo est hoje definitivamente abandonada pelos processualistas que procuram mostrar, justamente, como a relao processual um vnculo de direito pblico, que subordina os litigantes ao

processo e sentena de um modo muito especial e diverso daquele existente entre um credor e um devedor, numa relao obrigacional de direito privado. Em primeiro lugar, como demonstrou JAMES GOLDSCHMIDT {Derecho procesal civil, 33), a relao jurdica de direito privado gera fundamentalmente direitos e obrigaes para as partes, o que no acontece, ou apenas excepcionalmente acontece, na relao processual, onde nem o autor nem o ru tm -enquanto sujeitos de tal relao direitos e obrigaes um para com o outro. Com efeito, todo o direito subjetivo trazido por seu titular ao processo, como objeto de uma controvrsia a ser tratada por sentena judiciai, pela simples contingncia de estar sujeito ao crivo de uma deciso do magistrado que, por definio, poder negar sua existncia -, transformar-se-, para aquele que se julga seu titular, numa simples expectativa de direito. Em segundo lugar, no h entre autor e ru uma verdadeira relao jurdica geradora de direitos e obrigaes recprocos, de tal modo que um pudesse exigir do outro uma prestao positiva ou negativa. Mesmo o dever de veracidade a que ficam sujeitas as partes, de no afirmar como verdadeiro aquilo que sabem ser falso, nem controverter sobre o que sabem ser verdadeiro (ROSENBERG, La carga de Ia prueba, p. 59; ELCIO CRESCI SOBRINHO, O dever de veracidade das partes no novo Cdigo de Processo Civil, p. 143), no poderia ser tratado como um autntico vnculo obrigacional, nascido da relao processual. verdade que nosso Cdigo de Processo Civil impe s partes e a seus procuradores o dever de expor os fatos em juzo conforme a verdade (art. 14,1), reputando-se litigante de m-f aquele que alterar a verdade dos fatos (art. 17, II). Contudo, como chega a reconhecer ELCIO CRESCI SOBRINHO (ob. cit., p. 116), tais deveres so antes para com o Estado e do para com a outra parte (cf. tambm PONTES DE MIRANDA, Comentrios..., v. 4, p. 263). Com efeito, um autntico dever de veracidade que gravasse as partes mal poderia conviver com o princpio dispositivo, como observa CAPPELLETTI {La testimonianza delia parte nel sistema delVoralit, v. 1, p. 387). E, ao menos em seus pressupostos fundamentais, o princpio dispositivo preside ainda o sistema do direito processual brasileiro. O que h de caracterstico na relao processual e que a torna distinta de qualquer outra relao jurdica de direito material, quer se trate de um vnculo de direito privado, quer mesmo de direito pblico. a circunstncia de transformarem-se, perante ela, os direitos e obrigaes, que as partes ponham em causa, em meras expectativas de direitos ou de obrigaes. Este foi o mrito inegvel de JAMES GOLDSCHMIDT, de sentido verdadeiramente genial, ao mostrar que o direito processual - ao contrrio do direito material - caracterizava-se por um estado generalizado de incertezas, onde nenhuma das partes poderia saber os verdadeiros limites de seus direitos e obrigaes. Da negar GOLDSCHMIDT a teoria, geralmente aceita, de constituir o processo uma relao jurdica. Segundo sua doutrina, enquanto todo o sistema de direito material pode ser comparado a uma nao em estado de paz, o processo corresponde incerteza prpria de uma situao de guerra, onde predomina a insegurana quanto aos direitos e obrigaes daqueles que se encontram submetidos ao estado blico (Princpios genera-les dei proceso, p. 64 e ss.). Valendo-se do conceito de "situao jurdica" devido a KOHLER, procurou mostrar GOLDSCHMIDT que a viso processual era uma

forma nova e dinmica de pensar o direito, diversa da viso esttica do fenmeno jurdico, prpria do direito material. GOLDSCHMIDT cita a seguinte passagem da obra Decadncia do ocidente, de OSWALD SPENGLER: "Os romanos criaram uma esttica jurdica, nossa misso consiste em criar uma dinmica jurdica". A fecundidade, para a teoria processual, desta nova visualizao do fenmeno jurdico sem dvida inegvel. A incerteza , indiscutivelmente, a marca essencial da relao processual. Diz GOLDSCHMIDT, com toda razo: "A incerteza consubstanciai s relaes processuais, posto que a sentena judicial nunca poder ser prevista com segurana" (Princpios..., p. 66). Realmente, s existe jurisdio enquanto h incerteza para as partes a respeito do contedo da futura sentena que haver de dizer qual delas merece a proteo estatal por ser titular do interesse protegido pela ordem jurdica. Toda sentena implica juzo e deciso, o que significa a possibilidade de o julgador decidir-se por desconhecer e negar a uma das partes o direito que a esta lhe parecia evidente e indiscutvel. Perante o processo, no pode haver nada evidente e indiscutvel, uma vez que a previsibilidade absoluta e matemtica do futuro resultado contido na sentena eliminaria, por si s, o prprio julgamento, que implica, quanto pessoa do julgador, num decidir-se entre duas alternativas possveis. Se a possibilidade de decises antagnicas desaparecesse, o prprio fenmeno jurisdicional estaria eliminado. S posso dizer-me proprietrio de algum objeto que me pertena, segundo meu prprio entendimento e de acordo com a opinio geral daqueles que comigo se relacionam, at o momento em que o ponho numa relao processual como objeto

de controvrsia e julgamento. A circunstncia de p-lo em causa, mesmo contra um adversrio que se mantenha inativo e revel, sem oferecer contestao a meu direito, suficiente para que este se transforme em simples expectativa de direito, pois no poderei admitir, ao mesmo tempo, a existncia de uma sentena futura - que implique julgamento - e a previsibilidade matemtica de seu resultado. A doutrina do processo como situao jurdica, como observou EDUARDO COUTURE (Fundamentos dei derecho procesal civil, p. 139), no obstante ter sido recusada em geral pelos processualistas, na prtica vem-se impondo a cada dia, medida que se destacam, sempre com maior relevncia, certas categorias peculiares relao processual e distintas das categorias correspondentes ao direito material, particularmente o conceito de nus processual como categoria equivalente aos atos e negcios jurdicos de direito material. No obstante as crticas feitas doutrina de GOLDSCHMIDT, cremos ser possvel aceit-la, quando mais no seja, como um importante princpio heurstico, capaz de auxiliar e orientar o processualista na busca daquilo que a cincia tem de peculiar e diverso das categorias estticas do direito material, sem que tal perspectiva cientfica seja incompatvel com a ideia do processo como relao jurdica. Cremos que uma coisa no exclui necessariamente a outra, como tornou claro uma das crticas mais percucientes formulada doutrina de GOLDSCHMIDT, feita por LIEBMAN (L'opera scientifica di James Goldsch-midt e Ia teoria dei rapporto processuale, RDP9 v. 1, p. 336), ao mostrar que a teoria da situao jurdica, ao invs de explicar e definir o processo, enquanto unidade jurdica, preocupara-se em examinar a res in iudicio deducta que constitui o objeto do processo^ no o processo em si mesmo. possvel, portanto, admitir-se que o processo configure efetivamente uma relao jurdica complexa, diversa, sem dvida, da relao jurdica prpria do direito material, como reconhece LIEBMAN (L'opera..., p. 333), e, no obstante, tratar as categorias processuais que compem e informam esta relao especial como elementos componentes de uma situao jurdica, no sentido indicado por KOHLER. Na verdade, como mostra LIEBMAN, o conceito de situao jurdica, na concepo de JAMES GOLDSCHMIDT, diverso daquele indicado por KOHLER. Para este ltimo, a situao jurdica seria um elemento, ou uma fase anterior ao nascimento definitivo do direito subjetivo. Aqui, a situao jurdica seria a condio em que se encontra aquele que tem uma mera expectativa de adquirir um direito ainda no formado definitivamente. A situao jurdica, portanto, para KOHLER, corresponderia a uma relao jurdica em formao e, pois, ainda incompleta (J. FREDERICO MARQUES, Instituies, v. 2, p. 88), ao passo que, para GOLDSCHMIDT, o processo corresponderia a uma situao jurdica enquanto expectativa a respeito da futura sentena. O processo no seria, portanto, um minus e sim aliud em comparao com a relao jurdica. A condio de ser parente, por exemplo, um elemento indispensvel para a aquisio do direito sucesso legtima. Todavia, a existncia apenas de tal vnculo no gera nenhum direito sucessrio. Se, no entanto, o autor da herana falecer sem testamento e sem que haja deserdao, o parente ter adquirido o direito subjetivo herana (CHIOVENDA, Principii di diritto processuale civile, p. 859). A condio jurdica do parente em grau sucessvel, relativamente herana, configura o que se denomina simples situao jurdica. Este o sentido utilizado por KOHLER, que, como se v, no equivale completamente ao de

GOLDSCHMIDT, embora coincida num elemento fundamental: a condio de mera expectativa de direito em que se encontra o sujeito. Para KOHLER, a situao jurdica correspondia condio de um direito ainda no inteiramente constitudo; para GOLDSCHMIDT, o conceito equivalia de um direito tido como existente, capaz de desaparecer em virtude da sentena.

2 JURISDIO SUMRIO: 2.1 Conceito: 2.1.1A doutrina de Chiovenda; 2.1.2 A doutrina de Allorio; 2.1.3 A doutrina de Caraelutti - 2.2 Considerao conclusiva sobre o conceito de jurisdio - 2.3 Jurisdio voluntria: 2.3.1 Conceito; 2.3.2 Classificao do procedimento; 2.3.3 Natureza jurdica - 2.4 Formas de jurisdio - 2.5 Funo do Poder Judicirio -2.6 Organizao judiciria e competncia: 2.6.1 Distribuio constitucional da competncia; 2.6.2 Distribuio interna da competncia; 2.6.3 Competncia internacional da justia brasileira; 2.6.4 Classificao das espcies de competncia. 2.1 Conceito A ideia de direito, no Estado moderno, suscita desde logo a ideia de jurisdio. O pensamento contemporneo tende, irresistivelmente, a equiparar o direito norma jurdica editada pelo Estado, cuja inobservncia d lugar a uma sano. Na verdade, o crescimento avassalador do Estado moderno est intimamente ligado ao monoplio da produo e aplicao do direito, portanto criao do direito, seja em nvel legislativo, seja em nvel jurisdicional. Nos primrdios da civilizao humana, contudo, a situao era diferente. O direito, antes de ser monoplio do Estado, era uma manifestao das leis de Deus, apenas conhecidas e reveladas pelos sacerdotes. O Estado no o produzia sob forma de normas abstratas, reguladoras da conduta humana. Nesse estgio da organizao social e poltica, a ativi-dade desenvolvida pelos pontfices, como observa DE MARTINO em relao ao direito romano primitivo {La giurisdizione nel diritto romano, p. 49 e ss.), no pode ser equiparada funo nitidamente jurisdicional.

A verdadeira e autntica jurisdio apenas surgiu a partir do momento em que o Estado assumiu uma posio de maior independncia, desvinculando-se dos valores estritamente religiosos e passando a exercer um poder mais acentuado de controle social. Mesmo assim, conforme ensinam os romanistas, a atividade jurisdicional do pretor, na fase primordial do direito romano, correspondia substancialmente a uma funo legitimadora da defesa privada, de vez que o direito era, de um modo geral, realizado por seu titular contra aquele que o ofendesse, ou por qualquer modo o desrespeitasse; e s excepcionalmente, e por iniciativa deste ltimo, nos casos em que se julgasse ofendido pelo exerccio arbitrrio e ilegtimo de alguma atividade no fundada em direito, que o pretor intervinha para julgar lcita ou ilcita a conduta do agente (GIUSEPPE GANDOLFI, Contributo alio studio dei processo interdittale romano, p. 130; LUZZATTO, // problema d'origine dei processo extra ordinem, p. 343 e ss.). A atualidade do problema conceituai da jurisdio deriva de duas questes: A) A teoria constitucional moderna pressupe, como princpio legitimador do Estado democrtico, a diviso dos poderes estatais, que devero ser exercidos por autoridades independentes entre si, de tal modo que as funes administrativas de gesto do prprio Estado, a funo legislativa e a funo jurisdicional sejam atribudas a poderes mais ou menos autnomos. Este dogma da separao de Poderes, segundo o qual os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio haveriam de ser independentes e harmnicos entre si, tem origem prxima na doutrina de MONTESQUIEU, tendo sido universalizado pela Revoluo Francesa. A teoria da separao de poderes, atribuda a MONTESQUIEU, na verdade mais um mito do que uma realidade. O clebre filsofo francs no a defendeu como geralmente se supe, nem considerou o judicirio um autntico poder, de vez que, ao referir-se ao poder judicial ipuissance dejuger) num Estado democrtico, MONTESQUIEU {Vesprit des lois, p. 6) afirma ser tal poder "invisvel e nulo" (sobre isto, LOUIS ALTHUSSER, Montesquieu, a poltica e a histria, p. 133), pois "os juizes no so seno (...) a boca que pronuncia as palavras da lei" (sobre isto, igualmente, a excelente exposio de FRANZ WIEACKER, Histria do direito privado na idade moderna, p. 502 e ss.). A configurao contempornea da premissa da separao de poderes, como essencial ao denominado Estado de Direito, revela duas questes fundamentais, que constituem modernamente objeto de intensa elaborao doutrinria: I) o problema da "plenitude do ordenamento jurdico", que haveria de ser editado por um legislador to sbio a ponto de dispensar a "criao jurisprudencial do direito", dogma este que o pensamento jurdico contemporneo decididamente recusa; II) a questo da jurisdio como atividade complementar da funo legislativa e no, como a doutrina clssica a supunha, atividade mais prxima da funo administrativa. Devendo, portanto, a jurisdio ser confiada a um poder independente dos demais, necessrio, antes de mais nada, saber o que seja realmente a funo jurisdicional e quais os seus limites, de tal modo que ela no seja, afinal, reabsorvida pelos demais poderes, em detrimento da liberdade e das garantias dos cidados. B) Por ltimo, tambm fundamental a determinao do conceito

de jurisdio porque, sendo o direito subjetivo concebido como um poder da vontade de seu titular, que poder livremente exerc-lo de acordo com suas convenincias, usufruindo ou renunciando s vantagens que a lei lhe confere, ao tutelar seus prprios interesses, a atividade jurisdicional h de ser sempre provocada pelo titular do direito ou do interesse protegido pela lei. A jurisdio, diz-se, uma funo inerte que s se pe em movimento quando ativada por quem a procura, invocando a proteo do Estado. E o meio atravs do qual se desencadeia a atividade jurisdicional denomina-se ao. De modo que, para que se possa conceituar ao e delimitar-lhe as fronteiras, imperioso que se defina antes o que se entende por jurisdio. Quem observar o crescimento extraordinrio da demanda por tutela jurisdicional, que se avoluma cada vez mais, tornando sempre insuficiente o aparelho judicirio do Estado, ter a impresso de que a evoluo de nossas instituies polticas, no chamado Estado de Direito, orientou-se no sentido da ampliao da esfera de "juridicizao" (ou jurisdicionalizao) do "poltico", reduzindo o campo da atividade reservada ao administrador pblico, fazendo com que todas as expectativas, exigncias ou controvrsias, porventura surgidas no campo da atividade pblica, tornem-se questes jurisdicionais. Contudo, o que se revela, num exame mais atento da realidade social e poltica de nossa experincia democrtica, , ao contrrio, a constante ampliao do campo reservado atividade administrativa do Estado, com a consequente "politizao" do fenmeno jurdico, ou da atividade verdadeiramente jurisdicional, como observa ANTNIO CASTANHEIRA NEVES (O instituto dos -assentos' e

a funo jurdica dos supremos tribunais, p. 580 e ss.), ao mostrar a transformao radical operada no conceito de lei que, de norma geral e abstraia - destinada a orientar e colocar limites ao humana, sem perder a natureza de uma norma genrica e pretensamente neutra quanto a fins - tornou-se "um fato poltico", um instrumento de governo, "de que o poder poltico lana mo para realizar a sua poltica", de modo que a raconalidade que se supunha fundadora da lei torna-se puramente instrumental ou, como diz CASTANHEIRA NEVES, "racionalidade poltico-tecnolgica", confundida, portanto, com o prprio poder. A "substituio do princpio pelo objetivo", como mostra o filsofo portugus, "numa palavra, do jurdico pelo poltico", j era previsvel, tendo-se em conta o conceito kelseniano de validade (apenas formal) da norma jurdica, que remonta, na verdade, s filosofias polticas do sculo XVII. interessante observar que esta transformao do conceito de lei, que, "de princpio normativo para a soluo passou a ser a prpria soluo", de modo que a lei acabou se tornando um "processo de governo" - "a tentativa iluminista de reduzir o poltico ao jurdico" substituda pela instrumentalizao poltica do jurdico (CASTANHEIRA NEVES, O instituto.,., p. 587) -, passou originariamente pela "juridicizao" do poltico, que fora o propsito do Estado de Direito (KONRAD HESSE, A fora normativa da Constituio, p. 28). Veremos, pela breve anlise que faremos a seguir, que o conceito de jurisdio aceito, ou pressuposto, pelos juristas modernos determinar o sentido e a funo de inmeros institutos fundamentais do direito processual civil. Tentaremos igualmente mostrar as grandes determinantes histricas e doutrinrias que forjaram a concepo moderna de jurisdio, como ela entendida hoje pelos sistemas que descendem do direito ro-mano-cannico, a que pertence o direito brasileiro. Inmeras so as teorias que procuram explicar a natureza da atividade jurisdicional do Estado e, embora profundas as divergncias que aparentemente as separam, a maioria delas pode ser facilmente reunida sob um princpio terico comum. 2,1.1 A doutrina de Chiovenda Partindo CHIOVENDA do pressuposto de que, no Estado moderno, a confeco das leis, vale dizer, a produo do direito, monoplio do prprio Estado, escreve o seguinte: "O Estado moderno considera, pois, como sua funo essencial a administrao da justia; somente ele tem o poder de aplicar a lei ao caso concreto, poder que se denomina 'jurisdio*. Para isso ele organiza rgos especiais (jurisdicionais), o mais importante dos quais so os juizes (autoridades judicirias). Perante estes deve propor a sua demanda aquele que pretenda fazer valer um direito em juzo. A tarefa dos juizes afirmar e atuar aquela vontade de

lei que eles prprios considerem existente como vontade concreta, dados os fatos que eles considerem realmente existentes" (Principii di diritto processuale civile, 2.). Sendo, pois, a funo dos juizes essa de afirmar e atuar a vontade abstrata da lei, tomando-a realidade no caso concreto, diz ento CHIOVENDA o seguinte sobre a natureza e finalidade da funo jurisdicional: "Parece-nos que o que caracterstica da funo jurisdicional seja a substituio por uma atividade pblica de uma atividade privada de ou-trem. Essa substituio tem lugar de dois modos, referentes a dois estgios do processo, a cognio e a execuo" (Principii..., p. 296). A seguir, CHIOVENDA admite que as duas funes bsicas em que a atividade jurisdicional se manifesta separam-se entre dois momentos, o primeiro dos quais corresponde cognio, onde o juiz exerce atividade intelectual, identificada "con le parole giudicare", reservado o outro realizao de "atividade material" de execuo da vontade da lei, j reconhecida pela sentena. Observa-se, portanto, na doutrina de CHIOVENDA a ntida separao entre as duas funes processuais e os fundamentos tericos que sustentam o processo de conhecimento, com suas trs aes tradicionais (declaratrias, constitutivas e condenatrias), cujas sentenas de procedncia ou prescindem de execuo ou, no caso das condenatrias, relegam a atividade executria para um processo autnomo subsequente. possvel ento identificar, na doutrina de CHIOVENDA, os seguintes elementos. A soberania estatal pressupe duas funes bem distintas, uma delas destinada a produzir o direito, ou seja, legislar; a segunda, destinada a atu-lo. A atuao da vontade da lei, porm, quando feita pelo administrador, bem diferente da maneira como o juiz a realiza. Este tem como objeto de seu agir a lei: "em outros termos, o juiz age atuando a lei; a administrao age em conformidade com a lei; o juiz considera a lei em si mesma; o administrador considera-a como norma de sua prpria conduta. E ainda, a administrao uma atividade primria ou originria; a jurisdio uma atividade secundria ou coordenada" (Instituies de direito processual civil, v. 2, p. 12).

Dessa distino entre administrao e atividade atribuda aos juizes surge a terceira funo estatal, que a jursdicional. Existem, portanto, para CHIOVENDA, duas funes bem distintas na atividade estatal: a funo de fazer as leis e a funo de aplic-las. O ato de aplicao do direito objetivo, contudo, faz-se de dois modos diferentes. Para o administrador, a lei seu limite, enquanto para o juiz a lei seu fim. O administrador no tem por funo especfica aplicar a lei. Ele atua (realiza) o direito objetivo, promovendo uma atividade destinada realizao do bem comum; constri obras pblicas, escolas, estradas, arrecada tributos, mantm os exrcitos, e realiza uma infinidade de outras atividades similares, de todos conhecidas. Para realiz-las, todavia, deve o administrador manter-se dentro da lei; a lei seu limite, no o seu fim. Ele no atua a lei, como se a funo que lhe coubesse fosse essa, de atuao da vontade abstrata da lei. Seu objetivo a realizao do bem comum, dentro da lei. O juiz, ao contrrio, no tem como finalidade de seu agir a realizao do bem comum, seno de uma forma muito genrica e indireta; a finalidade que define sua atividade a prpria atuao da lei. Pode-se dizer que o juiz age para a atuao da lei, realizando o direito objetivo. E nisto reside, pois, a distino entre administrao e jurisdio. CHIOVENDA destaca outra peculiaridade que devemos acentuar, para bem analisarmos sua doutrina. Diz ele que tanto o administrador quanto o juiz julgam, pois no se age seno com apoio num juzo. O administrador, porm, formula um juzo sobre a prpria atividade, o juiz, ao contrrio, julga uma atividade alheia. A doutrina de CHIOVENDA aceita por inmeros processualistas, dentre os quais cabe destacar CALAMANDREI, UGO ROCCO, ANTNIO SEGNI, ZANZUCCHI e, dentre ns, particularmente, J. J. CALMON DE PASSOS, MOACYR AMARAL SANTOS e CELSO BARBI. A principal objeo lanada contra a doutrina de CHIOVENDA vem resumida nesta crtica feita por GALENO LACERDA ao carter substitutivo atribudo pelo jurista italiano atividade jurisdicional: "Essa tese absolutamente insatisfatria no s no explica a natureza jurisdicional dos processos mais relevantes, que tiverem por objetivo conflitos sobre valores indisponveis, cuja soluo no se pode alcanar pela atividade direta das partes (processo penal, processo civil inquisitrio - ex.: nulidade de casamento), seno que deixa in albis tambm o porqu da natureza jurisdicional das decises sobre questes de processo, especialmente daquelas que dizem respeito prpria atividade do juiz, como as relativas competncia e suspeio, onde jamais se poder vislumbrar qualquer trao de 'substitutividade' a uma atuao originria, direta e prpria das partes" {Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, v. 8, p. 22). A crtica mais sria que se poder fazer doutrina de CHIOVENDA, que, todavia, no lhe retira o mrito, est em seu pressuposto doutrinrio, mais do que na formulao propriamente da doutrina. A objeo a ser feita clebre doutrina chiovendiana sobre jurisdio est em que o grande processualista italiano, sob a influncia das ideias jurdico-filosficas predominantes no sculo XIX, concebia como funes separadas, e at, em certo sentido, antagnicas, a funo de legislar e a funo de aplicar a lei. Sua doutrina sustenta-se na postulao de que o ordenamento jurdico estatal seja, para o juiz, um dado prvio, uma coisa existente, como se fora uma constelao posta, completa e definitivamente, pelo legislador, restando ao juiz a exclusiva tarefa de aplicao da lei ao caso

concreto. As modernas correntes de filosofia do direito, contudo, procuram mostrar que a atividade de aplicao da lei pelo juiz implica, de certo modo, tambm uma funo criadora de direito, medida que o preceito legal, abstraio como ele , em sua formulao genrica, no passa de um projeto de norma reguladora da conduta humana, projeto que o julgador deve completar na sentena, de modo a concretizlo no caso particular submetido a seu julgamento. A doutrina de CHIOVENDA, como de resto as demais de que iremos tratar, pressupe a. plenitude do ordenamento jurdico, tal como a pressupunham as doutrinas filosficas de inspirao positivista, predominantes no sculo XIX, que ainda exercem poderosa influncia no pensamento contemporneo, particularmente as variantes normativas, para as quais o direito aquilo que o legislador edita como sendo direito, de modo que o juiz no apenas deveria ficar impedido de avaliar a eventual injustia da lei, como seria totalmente desnecessrio qualquer ato de criao do direito pelo juiz, posto que o ordenamento jurdico j teria em si mesmo todas as solues para os casos futuros. Esta viso do problema, que pressupe uma ntida separao dos poderes do Estado, que est superada, especialmente a partir do extraordinrio impacto social e histrico provocado pela Segunda Guerra Mundial, cujos reflexos, no campo do direito, fizeram-se sentir atravs de uma profunda reviso das correntes positivistas predominantes na primeira metade deste sculo. Outra ordem de consideraes crticas doutrina de CHIOVENDA pode ser estendida a todos aqueles que defendem a tese segundo a qual a finalidade precpua da jurisdio seria a aplicao

do direito objetivo (WACH, ROSENBERG, SCHNKE, ANDRIOLI etc.). A aplicao ou a realizao do direito objetivo no uma atividade privativa ou especfica da jurisdio. Tambm os particulares, quando cumprem a lei, quer observando seus preceitos imperativos, quer exercendo, em toda a sua extenso e plenitude, atos e negcios jurdicos, desenvolvem atividade realizadora do ordenamento jurdico. Assim como os particulares, tambm os demais poderes estatais desenvolvem ativida-des que realizam o ordenamento jurdico. Se, realmente, a funo do Poder Judicirio fosse a de realizar o ordenamento jurdico, no se compreenderia que sua atividade necessitasse, sempre, do impulso inicial dos particulares, pois no seria compreensvel que o Estado organizasse um poder especial incumbido de tornar efetivo e realizado o direito objetivo por ele prprio editado, e confiasse aos particulares a faculdade de faz-lo atuar, segundo suas vontades e interesses (ZAN-ZUCCHI, Diritto processuale civile, v. 1, p. 7). 2.1.2 A doutrina de Allorio Num clebre ensaio publicado na Itlia em 1948, sustentou ALLORIO a tese de que a essncia do ato jurisdicional est em sua aptido para produzir coisa julgada (Saggio polemico sulla giurisdizione vo-lontaria, RTDPC, posteriormente includo em Problemas de derecho procesal, v. 2, p. 1.963). ALLORIO parte de uma premissa devida a KELSEN e aos demais filsofos normativistas, segundo os quais as funes do Estado no podem ser catalogadas e definidas por seus fins e sim por suas formas. De nada valer, dizem eles, afirmar que a jurisdio, como o fazem os partidrios das teorias objetivas, tem por finalidade a realizao do direito objetivo. Tal proposio, em verdade, nada define. O ordenamento jurdico pode ser atuado e realizado pelas mais diversas formas, seja atravs dos particulares, quando estes se comportem em conformidade com a norma, realizando atos e negcios jurdicos, seja atravs dos rgos do Poder Executivo, que igualmente realizam o ordenamento jurdico estatal. Sendo assim, conclui ALLORIO que "o efeito declaratrio, ou seja. a coisa julgada o sinal inequvoco da verdadeira e prpria jurisdio" (Problemas..., p. 15). Em verdade, diz o ensasta, a forma do processo declaratrio, mais a coisa julgada como seu resultado, definem a jurisdicionalidad e do processo; no havendo coisa julgada, como na jurisdio voluntria, no haver verdadeira jurisdio. A doutrina que restringe a jurisdio coisa julgada, geralmente atribuda a ALLORIO, no to recente nem to exclusiva. Defendeua tambm CALAMANDREI, num ensaio publicado em 1917, ao afirmar que a coisa julgada o que "constitui a pedra de toque" do ato jurisdicional (Limites entre jurisdiccin y administracin en Ia sentencia civil, Estdios de derecho procesal civil, p. 48), Segundo a opinio de CALAMANDRE1, defendida nesse estudo, apenas a funo decla-ratria verdadeira jurisdio. Para ele, a prpria sentena constitutiva, como a que decreta separao judicial em processo litigioso, ou anula algum ato ou negcio jurdico, no inteiramente jurisdicional, mas, ao contrrio, constitui um ato complexo, formado por dois elementos, um dos quais verdadeiramente jurisdicional, que a declarao contida na sentena, e outro administrativo, ou pertencente chamada jurisdio

voluntria, o que daria no mesmo, atravs do qual o juiz, baseado no ato declaratrio e jurisdicional, decreta (efeito constitutivo) a separao judicial dos cnjuges, ou anula o ato ou o negcio jurdico anulveis. Tambm LIEBMAN, em vrias oportunidades, mostrou-se partidrio dessa doutrina que, de certo modo, reflete-se em sua conhecida teoria sobre o conceito de ao. Eis o que escreve, a este respeito, MICHELI, tratando a revogabilidade dos provimentos de jurisdio voluntria como critrio para afastar desta o carter jurisdicional: "... Ia doctrina tradicional ha tomado siempre como eje Ia presencia o no de Ia cosa juzgada para atribuir o para negar naturaleza jurisdiccional a una determinada providencia. Esta tesis ha sido ultimamente puesta sobre el tapete, aunque sea desde diversos puntos de vista por Allorio y por Liebman, los cuales Uegan, en sustancia, a Ia conclusin de contemplar Ia jurisdiccin, all donde existe Ia cosa juzgada, y de ah Ia consecuencia (en particular ilustrada por Liebman) de que Ia disposicin dei art. 742 dei Cd. de Proc. Civ. encuentra aplicacin solo respecto de aquellas providencias emitidas en cmara de consejo..."(Perspectivas crticas en tema de jurisdiccin voluntria. Estdios de derecho procesal civil, v. 4, p. 89). MICHELI refere-se a um estudo de LIEBMAN intitulado Revocabilit dei

provedimenti pronunciati in camera di consiglio, republicado em Problemi dei processo civile, p. 448). Igualmente, COUTURE foi adepto declarado dessa doutrina, afirmando que a funo imediata da jurisdio a de "decidir conflitos e controvrsias de relevncia jurdica" {Fundamentos..., p. 42). Segundo ele, o "objeto prprio da jurisdio a coisa julgada", pois este resultado no aparece nem no ato administrativo, que pode sempre ser revisto e modificado, nem na atividade legislativa, cujo resultado, a lei, por natureza essencialmente mutvel. Da concluir COUTURE, reproduzindo as palavras de CALAMANDREI, ser a coisa julgada "a pedra de toque" do ato jurisdicional (Limites..., p. 43). As objees levantadas contra esta teoria podem ser resumidas no seguinte: 1.) considerando-se como ato jurisdicional apenas o processo chamado declarativo, onde houver produo de coisa julgada, ficariam excludos da jurisdio todo o processo executivo e a jurisdio voluntria. E embora, quanto a esta ltima, haja predominncia de opinies que a consideram atividade de natureza administrativa, quanto ao processo de execuo h consenso geral sobre sua jurisdicionalidade; 2.) alm destas limitaes, que, por si ss, j seriam capazes de invalidar a doutrina, ainda poderamos lembrar que, no prprio processo declaratrio, poderiam ter lugar formas procedimentais em que no ocorre o fenmeno da coisa julgada, alm da ausncia da res iudicata no processo caute-lar, cuja jurisdicionalidade ningum discute. A ser verdadeira a doutrina que identifica jurisdio com coisa julgada, pressupondo, como afirma COUTURE, que a finalidade da jurisdio a resoluo de controvrsias sob a forma de sentena, a deciso pela qual o juiz decretasse a extino do processo por falta ou insuficincia de algum pressuposto processual no seria jurisdicional. Alm de tudo, como lembra ANTNIO SEGNI (Intervento in causa, Novssimo digesto italiano, v. 8, p. 988), seria imprprio definir a jurisdio por seu efeito, sem dizer em que ela propriamente consiste. 2.1.3 A doutrina de Carnelutti Segundo CARNELUTTI (Sistema dei diritto processuale civile, v. 1. p. 131 e ss.), a jurisdio consiste na justa composio da lide, mediante sentena de natureza declarativa, por meio da qual o juiz dicit ius\ da porque, segundo ele, no haveria jurisdio no processo executivo (p. 132). De acordo com esta concepo, largamente difundida no Brasil, a jurisdio pressupe um conflito de interesses, qualificado pela pretenso de algum e pela resistncia de outrem. Tal o conceito de lide na doutrina do mestre italiano. Sem haver lide, no h atividade jurisdicional. A jurisdio um servio organizado pelo Estado com a finalidade de pacificar, segundo a lei, os conflitos de interesses das mais diferentes espcies, abrangendo no s os conflitos de natureza privada, mas igualmente as relaes conflituosas no campo do direito pblico. A partir dessa concepo de CARNELUTTI afirma JOS FREDERICO MARQUES (Instituies..., v. 1, p. 261): "a atividade jurisdicional pressupe, sempre, uma situao contenciosa anterior". H necessidade, para haver processo jurisdicional, conforme o ponto de vista de CARNELUTTI, da prvia existncia de uma "pretenso resistida", entendido, porm, o conceito de pretenso como a exigncia

de subordinao de um interesse alheio ao interesse de quem pretende. Entretanto, para ele, como para a doutrina em geral, especialmente italiana, pretender afirmar a titularidade de um direito. A pretenso passa a ser a expectativa de que a futura sentena venha a reconhecer-lhe a existncia, ao passo que o conceito de pretenso por ns aceito originrio da formulao de WINDSCHEID - corresponde a uma situao real, verdadeiramente existente, no plano do direito material. claro que a pretenso, como qualquer outra categoria de direito material, quando submetida ao crivo do julgamento, transforma-se em mera expectativa. Mas isso ocorre tanto com a pretenso quanto com o direito subjetivo. Temos, portanto, de ter bem presente que, para CARNELUTTI, como para a generalidade da doutrina italiana - que ignora o conceito de pretenso de direit o material -, ter pretenso simplesmente alegar, ou imaginar que se tem direito, a condio processual daquele que se diz titular do direito cujo reconhecimento ele busca, atravs da jurisdio. Segundo este entendimento, tanto ter exercido pretenso o autor a quem a futura sentena atribuir o alegado direito quanto tivera pretenso o autor cuja sentena de improcedncia no lhe reconheceu a titularidade do direito que ele imaginava possuir. Segundo CARNELUTTI, portanto, poder haver pretenso "infundada" {Diritto e processo, n. 32. nota 27), ao passo que, para ns, a pretenso, tal qual os direitos subjetivos. existe ou no existe, sendo absolutamente inaplicveis aos

direitos e pretenses o conceito de procedncia e no procedncia, de direitos e pretenses fundadas e no fundadas. Assim como no poderei dizer que meu direito infundado, do mesmo modo no poderei afirmar que tenho uma "pretenso infundada". De acordo com este ponto de vista, que ser melhor desenvolvido no captulo dedicado anlise do conceito de "ao", a pretenso o estado de quem tem um direito exigvel. O direito ou a pretenso que a sentena declarassse "infundados", na verdade, nunca teriam existido, no plano do direito material. Embora em sua formulao originria a doutrina de CARNELUTTI exclusse a execuo forada do mbito da jurisdio, posteriormente o prprio jurista e seus seguidores passaram a distinguir a atividade jurisdiciona l para composio de um conflito de interesses (lide), representada por uma pretenso contestada (processo de conhecimento), da outra lide destinada a compor um conflito de interesses originado do que CARNELUTTI passou a denominar "pretenso insatisfeita" (processo de execuo). Da porque no havendo, na chamada jurisdio voluntria, nenhum conflito de interesses, capaz de ser definido como uma lide verdadeira, mas, ao contrrio, "existindo to-s atividade material de carter administrativo, no se configura qualquer modalidade de tutela jurisdi-cional" (J. FREDERICO MARQUES, instituies,.., v. 1, p. 269). O vcio da doutrina carneluttiana reside, semelhana daquela anteriormente exposta, em procurar definir o ato jurisdicional indicando no o que ele , mas aquilo a que ele serve; no o seu ser, mas a sua funo, ou sua finalidade. A composio dos conflitos de interesses pode dar-se de inmeras formas, por outros agentes do Estado que no sejam juizes. E nem se salva a teoria acrescentando-lhe a nota qualifi-cadora, segundo a doutrina de CARNELUTTI, de que o ato jurisdicional realizaria uma "justa composio da lide", pois ningum poder dizer que as demais formas de composio de conflitos, realizadas pelos agentes do Poder Executivo, no sejam igualmente justas e conforme a lei. A isto poderia CARNELUTTI responder que a justia ou injustia das demais formas de composio de conflitos no foram ainda determinadas de modo definitivo, podendo, em procedimento jurisdicional subsequente, ser declarado injusto o que a autoridade administrativa tivera por justa aplicao da lei, assim como poderia darse a situao inversa. vindo o magistrado a ter por justa a soluo que os rgos do Poder Executivo tivessem considerado injusta. A objeo, no entanto, seria excessiva, provando em demasia, pois, se a distino entre a composio jurisdicional e as outras modalidades de composio de conflitos apenas reside na circunstncia de ser aquela a definitiva palavra do Estado, impossvel de ser controvertida em processo futuro, ento estaria CARNELUTTI confessando que, para sua doutrina, o que realmente caracteriza o ato jurisdicional a virtude, que lhe seria imanente, de produzir coisa julgada, ou seja, a composio da lide que seria justa, como aplicao incontrovertvel da lei. Uma interessante e radical manifestao da doutrina carneluttiana foi defendida por GALENO LACERDA (Comentrios..., v. 8, p. 20 e ss.), para

quem o ato jurisdicional tem na lide sua "pedra de toque", pois a jurisdio "s existe por causa do conflito e para solucion-lo". "A lide, como realidade dialtica, adquire feio polimrfica, extravasando-se em ambos os planos, o do direito material e o plano do processo, atravs das pretenses e razes controvertidas, a exigir deciso jurisdicional do magistrado. Exatamente porque as questes constituem projeo da lide que a deciso delas, ainda das que sejam puramente processuais, como o seria a proferida sobre a prpria competncia, passam a ser tambm jurisdicionais". "Onde houver, portanto, julgamento de questo, a estaremos em presena de ato jurisdicional" (Comentrios..., p. 23). Dessa assero conclui GALENO LACERDA ser possvel a ocorrncia da autntica jurisdio. Desta concluso percebe-se que o jurista retorna ao conceito de jurisdio sugerido, em 1917, por CALAMANDREI, no clebre ensaio a que o prprio processualista brasileiro se refere, segundo o qual s haveria legtima e autntica atividade jurisdicional na sentena declarativa, no ato do juiz que decidisse uma controvrsia ou, em ltima instncia, no ato de julgamento. Quando o juiz dirige o processo, praticando inmeros e diferentes atos necessrios para coorden-lo e conduzi-lo finalidade que o anima, no exerceria atividade jurisdicional, mas, ao contrrio, agiria como administrador. Ao presidir uma audincia, inquirir testemunhas, promover os atos de impulso da relao processual, designando audincias ou provendo sobre a regularidade formal do procedimento, o juiz no exerceria jurisdio, porque "ao efetu-lo o juiz nada decide" {Comentrios..., p. 25). Alm da manifesta confuso entre deciso e juzo, como se o ato intelectivo de julgar fosse sua prpria consequncia enquanto ato volitivo de decidir, o argumento central da teoria sugerida por GALENO LACERDA no pode ser aceito. bem verdade que a mudana de perspectiva levada a efeito por ele, com a finalidade de explicar o carter jurisdicional da deciso sobre competncia e sobre as demais

questes processuais, contorna o obstculo que essa espcie de provimentos criara doutrina de CHIOVENDA, pois estes provimentos instrumentais, em si mesmos, no se apresentam como substitutivos de uma atividade primria de outrem, como CHIOVENDA exige que o seja o ato jurisdicional. Todavia, a dificuldade mais foi contornada do que transposta. A afirmao de que a controvrsia sobre a competncia do rgo jurisdicional uma questo da lide, alm de sua brilhante feio retrica, no passa de um artifcio argumentativo que poderia, com certa habilidade, ser igualmente usado pelos discpulos de CHIOVENDA, quando estes defendem a jurisdicionalidade da deciso sobre competncia. Quando o mestre italiano definiu o ato jurisdicional como ato substitutivo, ele pretendia referir-se ao carter secundrio e substitutivo do ato jurisdicional tpico, atravs do qual o Estado desincumbe-se de seu dever de prestar tutela jurisdicional, realizando o ordenamento jurdico, o que no afastaria igualmente a jurisdicionalidade de certas "atividades-meio", ou atividade s instrumentais que no fossem, em si mesmas, secundrias e substitutivas de uma atividade primria. A mesma contaminao que faria, para GALENO LACERDA, com que uma controvrsia sobre competncia passasse a ser uma "questo da lide" poderia tornar jurisdicional a mesma atividademeio, atravs da qual o juiz decide sobre a prpria competncia, para poder, afinal, prestar a atividade-fim, contida na sentena. Alm disso, a afirmao de que poder haver jurisdicionalidade na chamada jurisdio voluntria, sempre que nela se suscite alguma questo que requeira juzo, parece comprometer irremediavelmente a teoria, tornando impossvel a determinao do verdadeiro carter dessa atividade judicial, posto que so frequentes os casos em que, em pleno domnio da jurisdio voluntria, surgem verdadeiras questes a demandar juzo do magistrado. Pense-se na divergncia entre o representante do incapaz que pretenda vender, arrendar ou onerar os bens de seu pupilo (art. 1.112, III, do CPC) e o represent ante do Ministrio Pblico que a isso se oponha. Indiscutivelmente ter surgido a uma questo a exigir juzo por parte do magistrado. Porventura esse "julgamento" teria o condo de transformar em jurisdicional a jurisdio voluntria, que GALENO LACERDA, como os processualistas em geral, consideram substancialmente uma atividade administrativa? A resposta negativa mais do que bvia. Ento, como poder haver "questo que requeira juzo" na chamada jurisdio voluntria para GALENO LACERDA? Apenas e exclusivamente quando o respectivo julgamento produzir coisa julgada, ou seja, quando houver autntica "deciso", pois a doutrina identifica deciso e juzo. Raras vezes o pressuposto ideolgico que sustenta toda a doutrina processual moderna, segundo o qual a jurisdio pressupe a produo de coisa julgada, reduzida a atividade jurisdicional apenas ao julgamento, mostra-se to ntido e indiscutvel como na lio de GALENO LACERDA. Sua proposio pressupe que o juiz. em nosso sistema, no exera, enquanto funo jurisdicional, a menor parcela de imprio, como denunciam, entre outros juristas contemporneos, EDOARDO GRASSO (Rivista diDiritto Processuale, 1966) e JOHN HENRY MARRYMANN {La tradicin jurdica romano-cannica). Em primeiro lugar, como o chamado processo de conhecimento, no dizer de CARNELUTn, tem como "programa principal a ambiciosa busca da verdade" {Diritto e processo, n. 241) - porque a herana racionalista mantm o direito subserviente metodologia das cincias empricas ou puramente lgicas, como a matemtica -, para os processualistas modernos todo provimento que o juiz emita

baseado em juzo de simples verossimilhana no corresponde a verdadeiro julgamento; e nem a deciso tomada com base nesta espcie de convencimento uma autntica deciso. Quer dizer, para a doutrina dominante, decidir comfundamento no verossmil simplesmente no decidir. frequente encontrar, nos livros e nos julgados, afirmaes declarando que o juiz, ao conceder uma medida liminar, nada decide, precisamente no sentido em que GALENO LACERDA emprega os vocbulos deciso e juzo. Em segundo lugar - e este pressuposto poltico to ou mais decisivo do que o anterior -, nosso juiz conserva-se preso receita de MONTESQUIEU, para quem o juiz no poderia sequer interpretar a lei, posto que o poder de julgar haver de ser um poder "invisvel e nulo" (L'esprit des lois, VI, 3, e XI, 6), de modo que a admisso de que o provimento liminar seja um verdadeiro julgamento corresponderia a reconhecer ao juiz o poder de conceder uma vantagem ao litigante sem direito, sempre que o subsequente julgamento definitivo infirmasse o julgamento provisrio. Isto seria no a justia da lei, e sim a justia do juiz, que, para THOMAS HOBBES, seria por isso mesmo injusta (Leviathan, XXVI, 7). Em ltima anlise, reconhecer ao juiz o poder de conceder alguma vantagem processual que a lei no contemple -o que se dar sempre que a liminar antecipatria seja declarada, depois na sentena, infundada - ser outorgar-lhe, alm do dever de declarar a incidncia da lei (iurisdictio), uma poro de imperium, que nosso paradigma terico no admite. O professor CELSO NEVES, da Universidade de So Paulo, defende a doutrina segundo a qual a verdadeira atividade jurisdicional apenas se d no chamado processo de conhecimento, e exclusivamente atravs do processo de pura declarao: "Tudo o que excede a declarao j pertence ao plano da execuo, que pode ocorrer ou imediatamente ou ex intervallo, em ao executaria ulterior" (Classificao das aes, Justitia 88/36). Se a jurisdio esgota-se no processo declaratrio, ento j no se poder buscar essa espcie de atividade no processo de execuo, uma vez que ela j teria cumprido sua funo no processo anterior. Na fase executria, "o que h atividade iurissatisfativa - no jurisdicional -, porque o que se quer, nos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, satisfazer o interesse do litigante" (ob. cit, p. 35).

Esta concepo padece de um defeito notrio, ao considerar a atividade executria como a nica forma de tutela jurissatisfativa, na pressuposio de que a tutela de pura declarao, representada pela sentena proferida em demanda declaratria, ou pelo componente declaratrio das sentenas que CELSO NEVES indica como correspondendo s "aes objetivamente complexas", no seja igualmente satisfativa de uma pretenso da parte. Contrapor-se jurisdio satisfao dos direitos atravs de outra forma de tutela corresponde a dizer que a pessoa que demanda atravs de ao declaratria a eliminao de um estado de incerteza jurdica e obtm esta espcie de tutela, mediante sentena, com o natural efeito de coisa julgada, no teria satisfeita a sua pretenso. Partindo precisamente do ponto de vista oposto, VICTOR FAIRN GUILLEN (El proceso como satisfaccin jurdica, Temas dei ordenamiento procesal, t. I, p. 385) no s procura surpreender a essncia da jurisdio na finalidade de dar satisfao ao direito como reprova a confuso entre satisfao e execuo forada. Outro eminente professor da Universidade de So Paulo, J. I. BOTELHO DE MESQUITA, partindo de uma premissa praticamente antagnica de seu colega, e em aberta oposio doutrina sustentada por GALENO LACERDA, afasta o carter de jurisdicionalidade justamente do ato de julgamento estatal, realizado pelo juiz, afirmando que a atividade de julgar ainda no corresponde verdadeira funo de prestar jurisdio, a que o Estado se obrigou. O ato de julgar, segundo ele, no passaria de uma atividade prvia, atravs da qual o juiz se capacita a dizer se o Estado, no caso concreto, est ou no obrigado a prestar jurisdio. Para chegar a esse surpreendente resultado, BOTELHO DE MESQUITA, em seu brilhante estudo sobre a teoria da ao (Da ao civil, p. 94 e ss.), separa a pretenso de tutela jurdica reconhecida aos cidados em geral, que ele denomina "direito administrao da justia", do verdadeiro "direito de ao". O primeiro, de assento constitucional, corresponderia ao "direito ao julgamento puro e simples", a que corresponderia, de parte do Estado, o "dever de julgar", o qual, todavia, ainda no expresso da verdadeira jurisdio. Enquanto no houver exerccio de ao -mas simples exerccio desse poder preliminar e genericamente a todos atribudo no haver, igualmente, exerccio de jurisdio. No consistindo a jurisdio no "ato de julgamento", atravs do qual o juiz apenas certifica estar ou no o Estado obrigado a prestar a atividade jurisdiciona, considera BOTELHO DE MESQUITA como exerccio verdadeiro de jurisdio apenas aquelas atividades que o Estado desempenha atravs do juiz consistentes na produo de algum efeito de direito ou de fato transformador de fatos contrrios ordem jurdica: "Segundo o fim a que se destina, pode, portanto, a atividade jurisdiciona ser classificada em constitutiva ou executria", conforme a "atividade de transformao do mundo do direito ou dos fatos" se realize atravs de sentenas constitutivas de direito material (e secundariamente de direito processual, como sucede com a ao rescisria) ou de "atos executrios" (ob. cit., p. 102-103). A ser correta a doutrina aceita por BOTELHO DE MESQUITA, teramos ento de excluir do campo da jurisdio a sentena que rejeitasse a ao por improcedncia, assim como seria igualmente difcil justificar a jurisdicionalidade das sentenas declaratrias e condenatrias, uma vez que nestas duas espcies no se vislumbra qualquer efeito executrio ou efeito modificativo de relaes jurdicas que pudesse ser identificado com a constitutividade, mesmo

porque, como o prprio jurista assevera, a sentena de condenao no altera a obrigao com base na qual o juiz profere a condenao nem produz qualquer transformao no mundo dos fatos (ob. cit., p. 104). No que respeita sentena de simples declarao, embora se mostre perplexo diante desta forma de atividade estatal, onde a parte no pode saber, at o momento em que a sentena proferida - segundo afirma o jurista -, se o Estado afinal lhe prestar essa espcie de tutela "contra o estado de incerteza", dando-lhe segurana jurdica, parece-lhe que a eliminao da incerteza, atravs da coisa julgada, seja tambm uma forma de tutela produtora de "efeito jurdico" que elimina a "liberdade estatal", pondo fim insegurana que a "liberdade do juiz" gera no direito (ob. cit., p. 107). No fica, porm, esclarecido se este efeito especial - que em nada modifica a realidade ou o direito - seria tambm jurisdiciona, pois esta eficcia modificativa dos fatos ou do direito seria a qualidade essencial do ato jurisdiciona. Se, no entanto, devemos ter a sentena declaratria como jurisdiciona, porque o juiz produz um novo estado jurdico, ao eliminar a incerteza em que se encontravam as partes antes da sentena, parece ento que no se pode negar o mesmo carter jurisdiciona sentena condenatria, uma vez que esta no s cria um estado de segurana jurdica, decorrente de sua eficcia declaratria, produtora de coisa julgada material, como tambm constitui (efeito constitutivo) o ttulo executivo, modificando tambm o mundo jurdico, embora com menor intensidade se comparada com as modificaes introduzidas no campo do direito pelas sentenas constitutivas.

Conquanto o jurista pretenda superar a doutrina je LIEBMAN transpondo as dificuldades que a mesma apresenta, visvel a influncia do mestre italiano sobre o pensamento do processualista de So Paulo, particularmente quando ele buscando, como LIEBMAN, a unidade do conceito de ao - pressupe uma nova dualidade: o "direito administrao da justia", que seria, como querem os discpulos de LIEBMAN, expresso de um "direito constitucional de petio", ainda no jurisdi-cional, e o verdadeiro direito de ao, que apenas corresponderia aos que lograssem demonstrar que lhes devida a prestao jurisdicional, demonstrando que o direito material lhes outorga a pretenso que reclamam. Este compromisso da teoria defendida por BOTELHO DE MESQUITA com a denominada "teoria ecltica" da ao toma-se visvel quando ele inclui, como uma "condio da ao" (ob. cit., p. 99), "a ocorrncia da hiptese qual o direito material liga os efeitos pretendidos pelo autor contra o Estado". Esta mesma dificuldade de tratar como jurisdicional a sentena de improcedncia parece acometer o pensamento de outro processualista de So Paulo, CNDIDO RANGEL DINAMARCO, eminente discpulo de LIEBMAN, ao aceitar a seguinte lio do mestre italiano: "Naturalmente, s tem direito tutela jurisdicional aquele que tem razo, no quem ostenta um direito inexistente, porque, ao julgar improcedente a demanda, claro que o juiz no estar dando tutela alguma ao autor" (Fundamentos do processo civil moderno, p. 203). O conceito de pretenso de tutela jurdica, atravs do processo, abrange o direito de ser ouvido, mesmo sem razo. A tutela cautelar eventualmente tutela de quem no tem direito material. 2.2 Considerao conclusiva sobre o conceito de jurisdio Depois dessa breve exposio das principais teorias sobre o conceito de jurisdio, cremos que as notas essenciais, capazes de determinar a jurisdicionalidade de um ato ou de uma atividade realizada pelo juiz, devem atender a dois pressupostos bsicos: a) o ato jurisdicional praticado pela autoridade estatal, no caso pelo juiz, que o realiza por dever de funo; o juiz, ao aplicar a lei ao caso concreto, pratica essa atividade como finalidade especfica de seu agir, ao passo que o administrador deve desenvolver a atividade especfica de sua funo tendo a lei por limite de sua ao, cujo objetivo no simplesmente a aplicao da lei ao caso concreto, mas a realizao do bem comum, segundo o direito objetivo; b) o outro componente essencial do ato jurisdicional a condio de terceiro imparcial em que se encontra o juiz em relao ao interesse sobre o qual recai sua atividade. Ao realizar o ato jurisdicional, o juiz mantm-se numa posio de independncia e estraneida-de relativamente ao interesse que tutela por meio de sua atividade. Como observa MICHELI (Per una revisione delia nozione di giurisdizione volontaria, RDP, 1947, v. 1, p. 31; agora em Estdios de derecho procesal civil, v. 4, p. 18), no tanto o carter de sub