o que é etnometodologia - garfinkel

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111 Tradução GARFINKEL, H. O que é etnometodologia? In: ______. Studies in ethnomethodology. Cambridge: Polity Press, 1996 [1967]. Cap. 1. P. 1-34. Créditos da tradução A tradução foi feita pela empresa Actra Traduções, na pessoa de Adauto Vilella (diretor e tradutor), e o estabelecimento do texto final, pelos professores Dr. Paulo Cortes Gago (Departamento de Letras) e Dr. Raul Francisco Magalhães (Departamento de Ciências Sociais), da Universidade Federal de Juiz de Fora. Revisão técnica e estabelecimento do texto final: prof. Dr. Paulo Cortes Gago e prof. Dr. Raul Francisco Magalhães Apresentação da tradução 1 Paulo Cortes Gago e Raul Francisco Magalhães Apresentamos ao público brasileiro a tradução do primeiro capítulo da obra seminal, Studies in Ethnomethodology (Estudos de Etnometodologia), escrita pelo sociólogo Harlod Garfinkel (1917-2011) e publicada pela primeira vez em 1967. Garfinkel era então professor da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), onde desenvolveu a maior parte de sua carreira e tornou-se professor emérito. 1 Agradecemos à profª Dra.. Anne W. Rawls da Bentley University que gentilmente permitiu a publicação sem custos do presente capítulo e ao prof. Dr. Frédéric Vandenberghe do IESP/UERJ que mediou essa solicitação. Agradecemos especialmente à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFJF, representada à época pela profª. Dra. Maria Cristina Lobo Name, por ter-nos disponibilizado os recursos públicos necessários para viabilizar a tradução. Pela mesma razão cabe-nos agradecer ao prof. Jessé Souza que fomentou parte desse projeto com recursos do Pronex-FAPEMIG. Agradecemos também ao Prof. Dr. Berthold Öelze, da Universidade de Passau (Alemanha), como um dos incentivadores iniciais do projeto de traduzir para o Português textos essências em Etnometodologia por ocasião de sua visita à UFJF, como professor visitante do Departamento de Ciências Sociais, em 2008. Agradecemos por fim à profa. Marcella Beraldo, da comissão editorial da Teoria & Cultura, que acolheu com entusiasmo a idéia de publicar esta tradução. O capítulo em questão O que é etnometodologia?pode ser entendido como o estudo que lança a pedra angular do programa etnometodológico: a idéia, contida na famosa passagem, de que “as atividades pelas quais os membros produzem e gerenciam situações de afazeres cotidianos organizados são idênticas aos procedimentos empregados pelos membros para tornar essas situações relatáveis” (1996 [1967], p. 1). Esse aforismo vem sendo estudado e discutido desde então como um programa de investigação microssociológica das estruturas da ação social. Ele gerou inúmeros desdobramentos, dentro e fora da teoria sociológica, sendo o mais eloqüente a análise da conversa, derivada da leitura socioliguística do trabalho que Garfinkel. A versão que utilizamos aqui é 6ª reimpressão do livro, de 1996. A obra original reúne no total oito capítulos, que podem ser desmembrados como oito estudos independentes sem que haja prejuízo de compreensão, embora todos concorram para apresentar um mesmo programa etnometodológico, que esperamos em tempo relativamente breve disponibilizar por inteiro para os leitores da língua portuguesa. Boa leitura! ______________________________ GARFINKEL, H. O que é etnometodologia? In: ______. Studies in ethnomethodology. Cambridge: Polity Press, 1996 [1967] 2 . Os estudos a seguir buscam tratar atividades práticas, circunstâncias práticas e raciocínio sociológico prático como tópicos de estudo empírico e, ao dedicarem às atividades mais comuns do cotidiano a atenção usualmente dispensada a eventos extraordinários, procuram estudá-las como fenômenos em si. A recomendação central 2 Primeira tradução por Adauto Vilela. Revisão técnica e estabelecimento do texto final por Paulo Cortes Gago (Programa de Pós-Graduação em Linguística, UFJF) e Raul Francisco Magalhães (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFJF).

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  • 111

    Traduo

    GARFINKEL, H. O que

    etnometodologia? In: ______. Studies in

    ethnomethodology. Cambridge: Polity

    Press, 1996 [1967]. Cap. 1. P. 1-34. Crditos da traduo

    A traduo foi feita pela empresa Actra Tradues,

    na pessoa de Adauto Vilella (diretor e tradutor), e o

    estabelecimento do texto final, pelos professores Dr.

    Paulo Cortes Gago (Departamento de Letras) e Dr.

    Raul Francisco Magalhes (Departamento de

    Cincias Sociais), da Universidade Federal de Juiz de

    Fora.

    Reviso tcnica e estabelecimento do texto final:

    prof. Dr. Paulo Cortes Gago e prof. Dr. Raul

    Francisco Magalhes

    Apresentao da traduo1

    Paulo Cortes Gago e Raul Francisco Magalhes

    Apresentamos ao pblico brasileiro a

    traduo do primeiro captulo da obra

    seminal, Studies in Ethnomethodology

    (Estudos de Etnometodologia), escrita pelo

    socilogo Harlod Garfinkel (1917-2011) e

    publicada pela primeira vez em 1967.

    Garfinkel j era ento professor da Universidade da Califrnia, Los Angeles (UCLA),

    onde desenvolveu a maior parte de sua carreira e

    tornou-se professor emrito. 1 Agradecemos prof Dra.. Anne W. Rawls da

    Bentley University que gentilmente permitiu a

    publicao sem custos do presente captulo e ao prof.

    Dr. Frdric Vandenberghe do IESP/UERJ que

    mediou essa solicitao. Agradecemos especialmente

    coordenao do Programa de Ps-Graduao em

    Lingustica da UFJF, representada poca pela prof.

    Dra. Maria Cristina Lobo Name, por ter-nos

    disponibilizado os recursos pblicos necessrios para

    viabilizar a traduo. Pela mesma razo cabe-nos

    agradecer ao prof. Jess Souza que fomentou parte

    desse projeto com recursos do Pronex-FAPEMIG.

    Agradecemos tambm ao Prof. Dr. Berthold elze,

    da Universidade de Passau (Alemanha), como um

    dos incentivadores iniciais do projeto de traduzir para

    o Portugus textos essncias em Etnometodologia por

    ocasio de sua visita UFJF, como professor

    visitante do Departamento de Cincias Sociais, em

    2008. Agradecemos por fim profa. Marcella

    Beraldo, da comisso editorial da Teoria & Cultura,

    que acolheu com entusiasmo a idia de publicar esta

    traduo.

    O captulo em questo O que etnometodologia? pode ser entendido como o estudo que lana a pedra angular do

    programa etnometodolgico: a idia, contida

    na famosa passagem, de que as atividades pelas quais os membros produzem e

    gerenciam situaes de afazeres cotidianos

    organizados so idnticas aos procedimentos

    empregados pelos membros para tornar

    essas situaes relatveis (1996 [1967], p. 1). Esse aforismo vem sendo estudado e

    discutido desde ento como um programa de

    investigao microssociolgica das

    estruturas da ao social. Ele gerou

    inmeros desdobramentos, dentro e fora da

    teoria sociolgica, sendo o mais eloqente a

    anlise da conversa, derivada da leitura

    socioligustica do trabalho que Garfinkel.

    A verso que utilizamos aqui 6

    reimpresso do livro, de 1996. A obra

    original rene no total oito captulos, que

    podem ser desmembrados como oito estudos

    independentes sem que haja prejuzo de

    compreenso, embora todos concorram para

    apresentar um mesmo programa

    etnometodolgico, que esperamos em tempo

    relativamente breve disponibilizar por

    inteiro para os leitores da lngua portuguesa.

    Boa leitura!

    ______________________________

    GARFINKEL, H. O que

    etnometodologia? In: ______. Studies in

    ethnomethodology. Cambridge: Polity

    Press, 1996 [1967] 2

    .

    Os estudos a seguir buscam tratar

    atividades prticas, circunstncias prticas e

    raciocnio sociolgico prtico como tpicos

    de estudo emprico e, ao dedicarem s

    atividades mais comuns do cotidiano a

    ateno usualmente dispensada a eventos

    extraordinrios, procuram estud-las como

    fenmenos em si. A recomendao central

    2 Primeira traduo por Adauto Vilela. Reviso

    tcnica e estabelecimento do texto final por Paulo

    Cortes Gago (Programa de Ps-Graduao em

    Lingustica, UFJF) e Raul Francisco Magalhes

    (Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais,

    UFJF).

  • desses estudos a de que as atividades pelas

    quais os membros produzem e gerenciam

    situaes de afazeres cotidianos organizados

    so idnticas aos procedimentos empregados

    pelos membros para tornar essas situaes

    relatveis. O carter reflexivo ou encarnado de prticas de relato e dos prprios relatos forma o cerne da

    recomendao. Quando falo de relatvel,

    meus interesses direcionam-se para questes

    como as seguintes: eu quero dizer

    observvel-e-relatvel, ou seja, disponvel

    para os membros como prticas situadas de

    olhar-e-dizer. Quero dizer, tambm, que tais

    prticas consistem em uma realizao sem

    fim, contnua, contingente; que elas so

    conduzidas e feitas acontecer sob os

    auspcios dos mesmos afazeres ordinrios

    que, ao organiz-las, as descrevem; que as

    prticas so realizadas pelas partes daquelas

    situaes, de cuja habilidade, conhecimento

    e direito ao funcionamento detalhado

    daquela realizao (sua competncia) elas

    obstinadamente dependem, reconhecem,

    usam e tomam como dados; e o fato de que

    aceitam sua competncia sem questionar em

    si fornece s partes as caractersticas

    distintivas e especficas de uma situao e,

    claro, fornece tambm recursos, problemas,

    projetos e todo o resto.

    Helmer e Rescher3

    resumiram algumas

    caractersticas estruturalmente equivocadas

    dos mtodos e resultados obtidos por

    pessoas que fazem sociologia, leigas e

    profissionais, para tornarem observveis

    atividades prticas. Os autores observam

    que as prescries so como-lei, restritas espao-temporalmente e frouxas, quando os relatos dos membros de atividades

    cotidianas so usados como prescries para

    localizar, identificar, analisar, classificar, e

    para tornar reconhecvel ou para orientar-se

    em ocasies comparveis. Por frouxa, entende-se que, embora sejam

    intencionalmente condicionais em sua forma

    lgica, a natureza das condies tal que, freqentemente, no podem ser completa ou

    3 Olaf Helmer and Nicholas Rescher, On the

    Epistemology of the Inexact Sciences, p-1513 (Santa

    Monica, California: RAND Corporation, 13 de

    outubro, 1958), p. 8-14.

    inteiramente explicadas. Os autores citam como exemplo uma declarao do sculo

    XVIII sobre tticas de navegao vela.

    Eles apontam que a declarao, como

    condio de teste, faz referncia ao estado

    da artilharia naval.

    Ao elaborar as condies (sob as

    quais tal declarao se sustentaria) o

    historiador delineia o que tpico do

    lugar e do perodo. As implicaes

    completas de tal referncia podem ser

    vastas e inesgotveis; por exemplo. . .

    a artilharia logo se ramifica, via

    tecnologia de trabalhar metal, em

    metalurgia, minerao, etc. Assim, as

    condies que so operativas na

    formulao de uma lei histrica

    podem, apenas, ser indicadas de uma

    forma geral, e no so,

    necessariamente, articuladas de forma

    exaustiva, na maioria das vezes, na

    verdade, no se pode esperar de fato

    que o sejam. Essa caracterstica de tais

    leis aqui designada como frouxido.

    . . .

    Uma conseqncia da frouxido

    de leis histricas no serem

    universais, mas meramente quase-

    gerais, no sentido de que admitem

    excees. Uma vez que as condies

    que delimitam a rea de aplicao da

    lei so freqentemente no-articuladas

    de forma exaustiva, uma suposta

    violao da lei pode ser explicvel

    pela demonstrao de que uma

    precondio legtima, mas at ento

    no-formulada, no satisfeita no caso

    em considerao.

    Considere-se que isso vale em

    qualquer caso especfico, e vale no por

    causa do sentido da quase-lei, mas por causa das prticas especficas e reais dos

    investigadores.

    Alm disso, Helmer

    e Rescher

    apontam que,

    Pode-se considerar que as leis

    contm uma advertncia tcita do tipo

    usualmente ou mantendo-se

  • 113

    constantes todos os outros fatores. Uma lei histrica no , assim,

    estritamente universal, visto que

    deveria ser considerada aplicvel a

    todos os casos dentro do alcance de

    suas condies explicitamente

    formuladas ou formulveis; pelo

    contrrio, pode-se considerar que ela

    formula relaes que prevalecem em

    geral, ou melhor, que prevalecem

    como regra. Chamaremos tal lei de quase-

    lei. Para que a lei seja vlida, no

    necessrio que nenhuma exceo

    aparente ocorra. necessrio apenas

    que, se uma exceo aparente ocorrer,

    que seja apresentada uma explicao

    adequada, que demonstre a

    caracterstica excepcional do caso em

    questo e que estabelea a violao de

    uma condio apropriada, at ento

    no formulada, da aplicabilidade da

    lei.

    Essas e outras caractersticas podem

    ser citadas pela fora com que descrevem

    prticas de relato dos membros. Assim: (1)

    Sempre que um membro precisa demonstrar

    que determinado relato analisa uma situao

    real, ele invariavelmente faz uso de prticas

    de et cetera, a menos que e deixa pra l para demonstrar a racionalidade de sua realizao. (2) O carter preciso e sensato da

    questo que est sendo relatada

    estabelecido por uma indicao que narrador

    e ouvinte fazem um ao outro de que cada um

    dar ao outro quaisquer entendimentos no

    declarados que se faam necessrios. Muito,

    portanto, do que realmente narrado no

    mencionado. (3) Durante o tempo de sua

    produo, os relatos podem exigir que o

    ouvinte esteja disposto a aguardar por aquilo que ser dito, para que a significncia

    presente do que foi dito torne-se clara. (4)

    Tal como conversas, reputaes e carreiras,

    as particularidades dos relatos so

    construdas, passo a passo, a partir de seus

    usos reais e as referncias a eles. (5) Para

    adquirir sentido, os materiais de um relato

    dependem fortemente de seu

    posicionamento serial, de sua relevncia

    para os projetos de quem ouve ou do

    desenrolar das ocasies organizacionais de

    seu uso.

    Em resumo, o sentido (ou o fato)

    reconhecvel, ou o carter metdico, ou a

    impessoalidade, ou a objetividade dos

    relatos no so independentes das ocasies

    socialmente organizadas de seus usos. Suas

    caractersticas racionais consistem no que os

    membros fazem com os relatos, no que

    entendem deles nas ocasies reais socialmente organizadas de seus usos. Os

    relatos dos membros esto reflexiva e

    essencialmente vinculados, pelas suas

    caractersticas racionais, s ocasies

    socialmente organizadas de seus usos, visto

    que so caractersticas das ocasies

    socialmente organizadas de seus usos.

    Esse vnculo estabelece o tpico

    central de nossos estudos: a relatabilidade

    racional das aes prticas enquanto

    realizao prtica contnua. Quero

    especificar o tpico revisando trs de seus

    fenmenos problemticos constituintes.

    Sempre que estudos de ao prtica e

    raciocnio prtico esto em questo, eles

    consistem no seguinte: (1) na distino

    programtica no satisfeita e na

    substituibilidade entre expresses objetivas

    (livres de contexto) e expresses indexicais;

    (2) na reflexividade essencial

    desinteressante de relatos de aes prticas; e (3) na analizabilidade de aes-

    em-contexto enquanto realizao prtica.

    A distino programtica no satisfeita

    entre expresses objetivas e expresses

    indexicais e sua substituibilidade

    As propriedades exibidas por relatos

    (por serem elas caractersticas das ocasies

    socialmente organizadas de seus usos) esto

    disponveis em estudos de lgicos como

    propriedades de expresses e sentenas

    indexicais. Husserl4 falava de expresses

    cujo sentido no pode ser decidido por quem

    ouve sem que, necessariamente, este saiba

    ou presuma algo sobre a biografia e os

    4 In Marvin Farber, The Foundation of

    Phenomenology (Cambridge, Massachusetts: Harvard

    University Press, 1943), p. 237-238.

  • propsitos do usurio da expresso, sobre as

    circunstncias da elocuo, sobre a trajetria

    prvia da conversa ou a relao especfica

    de interao real ou potencial que existe

    entre quem se expressa e quem ouve.

    Russel5 observou que as descries que as

    envolviam aplicavam-se, em cada ocasio

    de uso, a apenas uma coisa, porm, a coisas

    diferentes em ocasies diferentes. Tais

    expresses, escreveu Goodman6, so usadas

    para fazer proposies inequvocas cujo

    valor de verdade, no obstante, parece

    mudar. Cada uma de suas elocues,

    expresses, constitui uma palavra e se refere a uma determinada pessoa, tempo ou

    lugar, nomeia algo no nomeado por alguma

    rplica da palavra. Sua denotao relativa

    ao falante. Seu uso depende da relao do

    usurio com o objeto do qual a palavra trata.

    O tempo, para uma expresso indexical

    temporal, relevante para aquilo que

    nomeia. De forma semelhante, a regio

    exata que uma expresso indexical espacial

    nomeia depende da localizao de sua

    elocuo. Expresses indexicais e

    proposies que as contm no podem ser

    livremente repetidas; em um dado discurso,

    nem todas as rplicas so tambm tradues

    delas. A lista pode ser estendida

    indefinidamente.

    Existe uma concordncia

    virtualmente unnime entre estudantes do

    raciocnio sociolgico prtico, leigos e

    profissionais, sobre as propriedades de

    expresses indexicais e de aes

    indexicais. Existe tambm uma

    concordncia impressionante (1) que,

    embora expresses indexicais tenham enorme utilidade, elas so incmodas para um discurso formal; (2) que a distino entre expresses objetivas e

    expresses indexicais no

    procedimentalmente apropriada, mas

    inevitvel para qualquer um que faa

    cincia; (3) que sem a distino entre

    5 Bertrand Russell, Inquiry into Meaning and Truth

    (New York: W. W. Norton & Company, Inc., 1940),

    p. 134-143. 6 Nelson Goodman, The Structure of Appearance

    (Cambridge, Massachusetts: Harvard University

    Press, 1951), p. 287-298.

    expresses objetivas e indexicais, e sem o

    uso preferencial de expresses objetivas,

    os xitos de investigaes cientficas

    rigorosas e generalizantes lgica, matemtica, algumas das cincias fsicas so ininteligveis, as vitrias iriam

    fracassar, e as cincias inexatas teriam que

    abandonar suas esperanas; (4) que as

    cincias exatas so distinguveis das

    cincias inexatas pelo fato de que, no caso

    das cincias exatas, a distino entre

    expresses objetivas e expresses

    indexicais, e a substituio de umas pelas

    outras para a formulao de problema,

    mtodos, achados, demonstrao

    adequada, evidncia adequada e todo o

    resto tanto uma tarefa real quanto uma

    realizao real, enquanto que, no caso das

    cincias inexatas, a disponibilidade da

    distino e da substituibilidade de tarefas,

    prticas e resultados reais permanecem

    imperceptivelmente programtica; (5) que

    a distino entre expresses objetivas e

    indexicais, na medida em que essa

    distino composta pelas tarefas do

    investigador, seus ideais, suas normas,

    recursos, realizaes e todo o resto,

    descreve a diferena entre as cincias e as

    artes, por exemplo, entre a bioqumica e o

    documentarismo cinematogrfico; (6) que

    termos e sentenas podem ser distinguidos

    reciprocamente de acordo com o

    procedimento de avaliao, que torna seus

    caracteres decidveis como expresses

    indexicais ou objetivas; e (7) que em

    qualquer caso especfico, apenas

    dificuldades prticas impedem a

    substituio de uma expresso objetiva por

    uma expresso indexical.

    As caractersticas das expresses

    indexicais motivam estudos metodolgicos

    incessantes, direcionados a sua soluo. De

    fato, as tentativas de livrar as prticas

    cientficas desses incmodos conferem, a

    cada cincia, seu carter distintivo de

    preocupao e produtividade em relao a

    questes metodolgicas. Estudos

    empreendidos por pesquisadores

    profissionais das atividades prticas de

    uma cincia qualquer proporcionam-lhes

    ocasies incontveis de lidar, de forma

  • 115

    rigorosa, com expresses indexicais.

    So incontveis as reas nas cincias

    sociais, em que a prometida distino e a

    prometida substituibilidade ocorrem. As

    prometidas distino e substituibilidade

    so sustentadas por imensos recursos (e

    elas prprias os sustentam) direcionados a

    desenvolver mtodos para anlises

    robustas de aes prticas e de raciocnio

    prtico. As aplicaes e os benefcios

    prometidos so imensos.

    No obstante, sempre que aes

    prticas so tpicos de estudo, a prometida

    distino e substituibilidade de expresses

    objetivas por indexicais permanece

    programtica em todo caso especfico e em

    toda ocasio real, na qual a distino ou a

    substituibilidade devem ser demonstradas.

    Em todo caso real, sem exceo, sero

    mencionadas condies, cujo

    reconhecimento demandar um

    investigador competente, tal que, naquele

    caso especfico, os termos da

    demonstrao possam ser relaxados e,

    contudo, a demonstrao ainda ser

    considerada adequada.

    Aprendemos com lgicos e

    lingistas, que concordam de forma

    virtualmente unnime sobre certas

    condies, quais so algumas dessas

    condies. Para textos longos ou longos cursos de ao, para eventos em que as aes dos membros so

    caractersticas dos eventos que suas aes

    esto realizando, ou sempre que expresses

    no so usadas ou no so apropriadas

    como substitutas de expresses indexicais,

    as demonstraes reivindicadas pelo

    programa so satisfeitas como questo de

    gerenciamento social prtico.

    Sob tais condies, expresses

    indexicais, por causa de sua prevalncia e

    outras propriedades, apresentam imensos,

    obstinados e irremediveis transtornos s

    tarefas de lidar, de forma rigorosa, com

    fenmenos de estrutura e de relevncia em

    teorias de provas de consistncia e de

    computabilidade, e s tentativas de

    recuperar a conduta real, quando esta

    comparada conduta suposta e fala

    comum, com todas as suas particularidades

    estruturais. Valendo-se de suas

    experincias com o uso de pesquisas por

    amostragem e do desenho e aplicao de

    mensuraes de aes prticas, de anlises

    estatsticas, de modelos matemticos e de

    simulaes por computador de processos

    sociais, socilogos profissionais

    conseguem documentar incessantemente

    os modos como a distino e a

    substituibilidade programticas so

    satisfeitas e dependentes das prticas

    profissionais de demonstrao socialmente

    gerenciadas.

    Em resumo, sempre que estudos de

    aes prticas esto envolvidos, a

    distino e substituibilidade sempre

    realizada apenas para todos os fins

    prticos. Por conseguinte, recomenda-se

    que o primeiro fenmeno problemtico

    seja composto pela reflexividade das

    prticas e resultados das cincias nas e das

    atividades organizadas da vida cotidiana,

    sendo isso uma reflexividade essencial.

    A reflexividade essencial

    desinteressante dos relatos

    Para membros engajados em

    raciocnio sociolgico prtico como veremos em estudos recentes, para o

    quadro de funcionrios no Centro de

    Preveno ao Suicdio de Los Angeles,

    para equipes que usam pronturios

    clnicos psiquitricos na Universidade da

    Califrnia em Los Angeles (U.C.L.A.),

    para alunos de ps-graduao

    codificadores de registros psiquitricos,

    para jurados, para indivduos

    intersexuados gerenciando mudana de

    sexo, para socilogos pesquisadores

    profissionais seus interesses direcionam-se para o que decidvel para fins prticos, luz desta situao, dada a natureza real das circunstncias, e coisas semelhantes. Circunstncias prticas e

    aes prticas referem-se, para eles, a

    muitas questes srias e

    organizacionalmente importantes: a

    recursos, objetivos, desculpas,

    oportunidades, tarefas e, claro, a bases

    para discutir ou predizer a adequao dos

  • procedimentos e dos achados que

    produzem. Uma questo, contudo,

    excluda de seus interesses: aes prticas

    e circunstncias prticas no so, em si,

    um tpico, muito menos um tpico

    exclusivo de suas investigaes; nem so

    suas investigaes, voltadas a tarefas da

    teorizao sociolgica, realizadas para

    formular o que compe essas tarefas

    enquanto aes prticas. Em nenhum caso

    a investigao das aes prticas

    realizada de modo que a equipe possa ser

    capaz, antes de tudo, de reconhecer e

    descrever o que est sendo feito. Menos

    ainda so as aes prticas investigadas de

    modo a explicar aos praticantes sua

    prpria fala sobre o que esto fazendo.

    Por exemplo, a equipe do Centro de

    Preveno ao Suicdio de Los Angeles

    achou completamente incongruente

    considerar de forma sria que eles

    estivessem to engajados em seu trabalho

    de certificar a causa mortis, quanto uma

    pessoa que tenta cometer suicdio, e eles

    poderiam combinar seus esforos para

    garantir um reconhecimento inequvoco

    do que realmente aconteceu. Dizer que eles no esto

    interessados no estudo de aes prticas no reclamar, nem apontar uma

    oportunidade que eles deixam escapar, nem

    uma revelao de erro, nem um

    comentrio irnico. Tambm no o caso

    que, por no estarem interessados, os membros estejam excludos da teorizao sociolgica. Nem suas investigaes

    impedem o uso da regra da dvida, nem

    esto eles impedidos de tornar as atividades

    organizadas da vida cotidiana

    cientificamente problemticas, nem seu

    comentrio insinua que haja uma diferena

    entre interesses bsicos e aplicados em pesquisa e em teorizao.

    O que significa, ento, dizer que eles

    no esto interessados em estudar aes prticas e raciocnio sociolgico prtico? E

    qual a importncia de uma tal declarao?

    Existe uma caracterstica dos relatos

    dos membros que, para eles, de uma

    relevncia to singular e predominante que

    controla outras caractersticas em seu

    carter especfico, enquanto caractersticas

    reconhecveis e racionais de suas

    investigaes sociolgicas prticas. Tal

    caracterstica a seguinte. A respeito do

    carter problemtico de aes prticas e da

    adequao prtica de suas investigaes, os

    membros tomam como dado que um

    membro deve, desde o incio, conhecer as situaes nas quais ele deve operar, caso

    suas prticas devam servir de medida para

    transformar as caractersticas especficas e

    localizadas dessas situaes em um relato

    reconhecvel. Eles tratam como a questo

    de fato mais passageira o fato de que os

    relatos dos membros, de todos os tipos, em

    todos os seus modos lgicos, com todos os

    seus usos e para todo mtodo de os reunir,

    sejam caractersticas constituintes das

    situaes que tornam observveis. Os

    membros conhecem essa reflexividade,

    exigem-na, contam com ela e dela fazem

    uso para produzir, realizar, reconhecer ou

    demonstrar a adequao-racional-para-

    todos-os-fins-prticos de seus

    procedimentos e achados.

    No somente os membros os jurados e os outros tomam essa reflexividade como dada, mas reconhecem,

    demonstram e tornam observveis, uns para

    os outros, o carter racional de suas prticas

    reais (e isso significa: de suas prticas

    ocasionais), enquanto consideram tal

    reflexividade como uma condio

    inaltervel e inevitvel de suas

    investigaes.

    Quando proponho que os membros

    no esto interessados em estudar aes prticas, no quero dizer que os membros

    tero nenhum, um pouco ou muito desse

    interesse. Que "no esto interessados tem a ver com prticas razoveis, com

    argumento plausvel e com descobertas

    razoveis. Tem a ver com tratar relatvel-para-todos-os-fins-prticos como uma questo a ser descoberta, exclusivamente,

    unicamente e completamente. Para os

    membros, estar interessado consistiria no seu empreendimento de tornar observvel o

    carter reflexivo de atividades prticas; examinar as prticas engenhosas de

    investigao racional como fenmenos

  • 117

    organizacionais sem pensar em corretivos

    ou ironia. Os membros do Centro de

    Preveno ao Suicdio de Los Angeles

    agem como membros sempre que se

    engajam em investigaes sociolgicas

    prticas: mesmo que quisessem, eles no

    poderiam ter essa reflexividade.

    A analisibilidade de aes-em-contexto

    como uma realizao prtica

    De formas infinitamente variveis, as

    investigaes dos membros so

    caractersticas constituintes das situaes

    que analisam. Da mesma forma, suas

    investigaes tornam-se reconhecveis para

    os membros como adequadas-para-todos-

    os-fins-prticos. Por exemplo, no Centro

    de Preveno ao Suicdio de Los Angeles,

    so realizaes organizacionais prticas

    que as mortes tornem-se relatveis-para-

    todos-os-fins-prticos.

    Organizacionalmente, os procedimentos do

    Centro de Preveno ao Suicdio visam a

    realizar a relatabilidade racional de mortes

    por suicdio como caractersticas

    reconhecveis das situaes nas quais a

    relatabilidade ocorre.

    Nas ocasies reais de interao, tal

    realizao , para os membros,

    onipresente, no problemtica e lugar-

    comum. Para os membros que fazem

    sociologia, transformar tal realizao em

    um tpico de investigao sociolgica

    prtica parece inevitavelmente exigir que

    eles tratem as propriedades racionais das

    atividades prticas como

    antropologicamente estranhas. Com isso, quero chamar a ateno para prticas

    reflexivas, tais como as seguintes: em suas prticas de relato, o membro torna

    familiar atividades comuns da vida

    cotidiana reconhecveis como atividades

    familiares e comuns; em cada ocasio em

    que um relato de atividades comuns

    usado, elas so reconhecidas como uma outra primeira vez; o membro trata os processos e resultados da imaginao como contnuos em relao a outras

    caractersticas observveis das situaes,

    nas quais elas ocorrem; proceder de tal

    forma que, ao mesmo tempo em que o

    membro, no meio das situaes reais testemunhadas, reconhece que as situaes

    testemunhadas tm um sentido realizado,

    uma facticidade realizada, uma

    objetividade realizada, uma familiaridade

    realizada, uma relatabilidade realizada,

    para o membro, os comos organizacionais dessas realizaes so no

    problemticos, so vagamente conhecidos

    e so conhecidos apenas no fazer, que

    feito de forma habilidosa, confivel,

    uniforme, com uma enorme padronizao e

    como uma questo no relatvel.

    Essa realizao consiste em os

    membros fazerem, reconhecerem e usarem

    etnografias. Essa realizao , para os

    membros, um fenmeno normal, e no

    percebido. E da mesma forma no

    conhecida que a realizao comum, ela ,

    para nossos interesses, um fenmeno

    impressionante, pois, em suas formas no

    conhecidas, ela consiste em (1) usos pelos

    membros de atividades cotidianas

    concertadas como mtodos com os quais

    pode-se reconhecer e demonstrar as

    propriedades isolveis, tpicas, uniformes,

    a repetio potencial, a aparncia conexa, a

    consistncia, equivalncia,

    substituibilidade, direcionalidade,

    anonimamente descritvel e engenhosa em resumo, as propriedades racionais de

    expresses indexicais e aes indexicais.

    (2) O fenmeno consiste, tambm, na

    analizabilidade de aes-em-contexto,

    dado que, no s no existe um conceito de

    contexto-em-geral, mas tambm todo uso

    de contexto por si, sem exceo, essencialmente indexical.

    As propriedades reconhecidamente

    racionais de suas investigaes de senso

    comum seu carter reconhecidamente consistente, ou metdico, ou uniforme, ou

    engenhoso, etc. so, de alguma forma, resultados das atividades concertadas dos

    membros. Para a equipe do Centro de

    Preveno ao Suicdio, para codificadores,

    para jurados, as propriedades racionais de

    suas investigaes prticas consistem, de

    alguma forma, no trabalho concertado de

    tornar evidente (a partir de fragmentos, de

  • provrbios, de observaes passageiras, de

    rumores, de descries parciais, de

    catlogos de experincia codificados, porm essencialmente vagos e coisas

    semelhantes) como uma pessoa morreu na

    sociedade ou por quais critrios pacientes

    foram selecionados para tratamento

    psiquitrico, ou quais dentre os veredictos

    alternativos estavam corretos. O de alguma

    forma o ponto crucial da questo.

    O que etnometodologia?

    A marca registrada do raciocnio

    sociolgico prtico, onde quer que ocorra,

    que ele busca solucionar as propriedades

    indexicais da fala e da conduta dos

    membros. Inmeros estudos metodolgicos

    so voltados para a tarefa de fornecer aos

    membros uma soluo para expresses

    indexicais nas tentativas permanentes dos

    membros, com o uso rigoroso de

    idealizaes para demonstrar a

    observabilidade das atividades organizadas

    nas ocasies reais por meio de

    particularidades situadas de fala e conduta.

    As propriedades de expresses

    indexicais e de aes indexicais so

    propriedades ordenadas. Estas consistem

    em um sentido organizacionalmente

    demonstrvel, ou em facticidade, ou em

    uso metdico, ou em concordncia entre

    membros de uma mesma cultura. Suas propriedades ordenadas so compostas por

    propriedades racionais demonstrveis de

    expresses indexicais e aes indexicais.

    Essas propriedades ordenadas so

    realizaes contnuas das atividades

    comuns concertadas dos investigadores. A

    racionalidade demonstrvel das expresses

    indexicais e das aes indexicais mantm,

    ao longo da trajetria de sua produo

    gerenciada pelos membros, o carter de

    circunstncias prticas tornadas rotineiras,

    familiares e ordinrias. Enquanto processo

    e resultado, a racionalidade produzida de

    expresses indexicais consiste em tarefas

    prticas, sujeitas a todas as exigncias da

    conduta organizacionalmente situada.

    Eu uso o termo etnometodologia para me referir investigao das

    propriedades racionais de expresses

    indexicais e outras aes prticas como

    realizaes contnuas e contingentes de

    prticas engenhosas da vida cotidiana. Os

    artigos deste volume tratam essa realizao

    como o fenmeno de interesse. Eles

    buscam especificar suas caractersticas

    problemticas, recomendar mtodos para

    seu estudo, mas, acima de tudo, considerar

    o que ns podemos aprender de forma

    definitiva sobre elas. Meu propsito no

    restante deste captulo caracterizar a

    etnometodologia, o que fao apresentando

    trs estudos do funcionamento dessa

    realizao, seguidos de um conjunto

    conclusivo de polticas de estudo.

    RACIOCNIO SOCIOLGICO

    PRTICO: FAZENDO RELATOS EM

    SITUAES DE ESCOLHA DE SENSO COMUM

    O Centro de Preveno ao Suicdio

    de Los Angeles (CPS) e o Gabinete de

    Mdicos Examinadores e Legistas de Los

    Angeles juntaram foras em 1957 para

    conferir status cientfico s Certides de

    bito dos Legistas dentro dos limites das certezas prticas impostas pelo estado da

    arte. Os casos selecionados de morte sbita no natural, sobre os quais havia dvida quanto a serem suicdio ou outras modalidades de morte foram

    encaminhados pelo Mdico Examinador-

    Legista ao CPS, com o pedido de que fosse

    feita uma investigao, chamada autpsia psicolgica7.

    7 As referncias a seguir contm relatrios sobre o

    procedimento de autpsia psicolgica desenvolvido no Centro de Preveno ao Suicdio de Los Angeles:

    Theodore J. Curphey, "The Forensic Pathologist and

    the Multi-Disciplinary Approach to Death," in Essays

    in Self-Destruction, ed. Edwin S. Shneidman

    (International Science Press, 1967), in press;

    Theodore J. Curphey, "The Role of the Social

    Scientist in the Medico-Legal Certification of Death

    from Suicide," in The Cry for Help, ed. Norman L.

    Farberow and Edwin S. Shneidman (New York:

    McGraw-Hill Book Company, 1961); Edwin S.

    Shneidman and Norman L. Farberow, "Sample

    Investigations of Equivocal Suicidal Deaths," in The

    Cry for Help; Robert E. Litman, Theodore J.

    Curphey, Edwin S. Shneidman, Norman L. Farberow,

  • 119

    As prticas e interesses da equipe do

    CPS, para realizar suas investigaes em

    situaes de escolha de senso comum,

    repetiam as caractersticas das

    investigaes prticas encontradas em

    outras situaes: em estudos de

    deliberaes do jri com casos de

    negligncia; na seleo de pacientes para

    tratamento psiquitrico ambulatorial feita

    pelas equipes das clnicas; na codificao

    de contedos de pronturios clnicos em

    uma planilha de codificao seguindo

    instrues de codificao detalhadas, feita

    por alunos de ps-graduao em

    sociologia; e em incontveis

    procedimentos profissionais na conduo

    de investigao antropolgica, lingstica,

    scio-psiquitrica e sociolgica. As

    seguintes caractersticas no trabalho do

    CPS foram reconhecidas e francamente

    admitidas, por uma equipe, como

    condies predominantes de seu trabalho e

    como questes a serem consideradas na

    avaliao da eficcia, eficincia ou

    inteligibilidade de seu trabalho e somaram o testemunho do CPS ao de

    jurados, pesquisadores e todos os demais:

    (1) Um interesse permanente de

    todas as partes pela concertao temporal

    das atividades; (2) um interesse pela

    questo prtica par excellence: O que fazer agora?; (3) um interesse da parte do investigador em evidenciar sua

    compreenso de O Que Qualquer Um Sabe sobre como as situaes, nas quais teve que realizar suas investigaes,

    funcionam e seu interesse em faz-lo nas

    ocasies reais, nas quais as decises seriam

    tomadas pela sua conduta exibvel na

    escolha; (4) questes que, na fala, podem

    ser consideradas como programas de produo, leis de conduta, regras de tomada de deciso racional, causas, condies, teste de hipteses,

    and Norman D. Tabachnick, "Investigations of

    Equivocal Suicides," Journal of the American

    Medical Association, 184 (1963), 924-929; and

    Edwin S. Shneidman, "Orientations Toward Death: A

    Vital Aspect of the Study of Lives," in The Study of

    Lives, ed. Robert W. White ( New York: Atherton

    Press, 1963), reprinted in the International Journal

    of Psychiatry, 2 (1966), 167-200.

    modelos, regras de inferncia indutiva e dedutiva, na situao real, foram tomadas como dadas e dependeram de serem

    formadas por receitas, provrbios, slogans

    e planos de ao parcialmente formulados;

    (5) exigia-se dos investigadores que

    tivessem conhecimento e habilidades para

    tratar da situao do mesmo tipo, para as quais regras de tomada de deciso racional e todo o resto eram destinadas de modo a ver (ou eram requisitados por aquilo que faziam para garantir) as

    caractersticas objetivas, efetivas,

    consistentes, completa e empiricamente

    adequadas, ou seja, as caractersticas

    racionais de receitas, profecias, provrbios,

    descries parciais em uma ocasio real do

    uso das regras; (6) para aquele que toma

    as decises prticas, a ocasio real, enquanto um fenmeno em si, exercia

    prioridade esmagadora de relevncia,

    qual regras de deciso (ou teorias de tomada de deciso) estavam, sem exceo,

    subordinadas de modo a avaliar suas

    caractersticas racionais, e no o contrrio;

    (7) finalmente, e talvez de forma mais

    caracterstica, todas as caractersticas

    precedentes (junto com um sistema de alternativas do investigador, seus mtodos

    de deciso, suas informaes, suas escolhas e a racionalidade de seus relatos e

    aes) eram partes constituintes das

    mesmas circunstncias prticas, nas quais

    os investigadores faziam o trabalho de

    investigao uma caracterstica, que os investigadores, se fossem reivindicar e

    reconhecer a praticidade de seus esforos,

    conheceriam, exigiriam, com a qual

    contariam, tomariam como dada, usariam e

    glosariam.

    O trabalho de investigao realizado

    pelos membros do CPS era parte integrante

    de seu ofcio dirio. Reconhecidas pelos

    membros da equipe como caractersticas

    constituintes de seu trabalho dirio, suas

    investigaes eram, por isso, intimamente

    conectadas s condies de trabalho, a

    diversas sries internas e externas de

    relatrio, superviso e reviso, e a

    prioridades de relevncias similares, fornecidas organizacionalmente para

  • avaliaes do que era realisticamente, praticamente ou razoavelmente necessrio fazer ou do que poderia ser

    feito, o quo rapidamente, com quais

    recursos, vendo quem, falando sobre o que,

    por quanto tempo, e assim por diante. Tais

    consideraes forneciam a Ns fizemos o que podamos e, para todos os interesses

    razoveis, aqui est o que encontramos suas caractersticas de sentido, de fato

    organizacionalmente apropriado, de

    impessoalidade, de anonimato, de

    finalidade, de reprodutibilidade ou seja, de um relato apropriadamente e

    visivelmente racional da investigao.

    Era necessrio que os membros, em

    suas competncias ocupacionais,

    formulassem relatos do que ocorreu-

    realmente-para-todos-os-fins-prticos.

    Realmente fazia referncia inevitvel s tarefas ocupacionais dirias e ordinrias.

    Apenas os membros tinham o direito de

    invocar tais tarefas como fundamentos

    apropriados para tornar aceitvel o carter

    razovel do resultado sem necessidade de

    especificao. Em ocasies de desafio,

    tarefas ocupacionais ordinrias eram

    citadas, explicitamente, na parte relevante. Do contrrio, tais caractersticas eram descartadas do

    produto. Em seu lugar, um relato de como

    a investigao foi feita preenchia o como-

    isso-foi-feito-realmente da forma

    apropriada para demandas usuais,

    resultados usuais, prticas usuais e a fala

    usual da equipe do CPS falando como

    profissionais bona fide sobre demandas

    usuais, resultados usuais e prticas usuais.

    Um dentre diversos ttulos

    (relacionados causa mortis) tinha de ser

    atribudo a cada caso. A coleo consistia

    em combinaes legalmente possveis de

    quatro possibilidades elementares morte natural, acidente, suicdio e homicdio

    8.

    8 As combinaes possveis incluem as seguintes:

    morte natural; acidente; suicdio; homicdio; possvel

    acidente; possvel suicdio; possvel morte natural;

    (entre) acidente ou suicdio, no determinado; (entre)

    morte natural ou suicdio, no determinado; (entre)

    morte natural ou acidente, no determinado; e (entre)

    morte natural ou acidente ou suicdio, no

    determinado.

    Todos os ttulos eram aplicados de forma a

    no apenas resistir s variedades de

    equvoco, ambigidade e improviso que

    surgiam em toda ocasio real de seu uso,

    mas esses ttulos eram aplicados de forma a

    levar quela ambigidade, ao equvoco e

    improvisao. Fazia parte do trabalho no

    apenas que o equvoco um problema talvez um problema mas tambm que os praticantes eram direcionados para aquelas

    circunstncias de modo a levar

    ambigidade ou ao equvoco, a levar

    improvisao ou a levar temporalizao e

    a todo o resto. No que o investigador, tendo

    uma lista de ttulos, realizasse uma

    investigao que prosseguia gradualmente

    para estabelecer os fundamentos para a

    escolha dentre eles. A frmula no era

    Aqui est o que fizemos e, dentre os ttulos-meta de nossa pesquisa, este ttulo

    interpreta, finalmente, e de uma forma

    melhor, o que descobrimos. Em vez disso, os ttulos eram continuamente confirmados e

    prognosticados. A investigao era

    fortemente guiada pelo uso que o

    investigador fazia de situaes imaginadas,

    nas quais o ttulo seria usado por uma ou outra parte interessada, incluindo o falecido,

    e isso era feito pelos investigadores de modo

    a decidir, usando quaisquer dados que fossem descobertos, que aqueles dados podiam ser usados para disfarar, caso fosse

    necessrio disfarar, ou equivocar, ou

    explicar, ou guiar, ou exemplificar, se

    necessrio fosse. A caracterstica

    predominante de uma investigao era o fato

    de que nada sobre ela permanecia garantido,

    a no ser as ocasies organizadas de seus

    usos. Assim, uma investigao de rotina era

    aquela, em que o investigador usava

    contingncias especficas para realizar, e

    dependia de contingncias especficas para

    reconhecer e tornar aceitvel a adequao

    prtica de seu trabalho. Quando avaliada por

    um membro, ou seja, examinada a respeito

    de prticas reais para faz-la acontecer, uma

    investigao de rotina no aquela realizada

    pelas regras ou de acordo com as regras.

    Parecia consistir muito mais em uma

    investigao abertamente reconhecida como

    insuficiente, mas da mesma forma que

  • 121

    insuficiente, sua adequao reconhecida e,

    para ela, ningum est particularmente

    oferecendo ou pedindo explicaes.

    O que os membros esto fazendo em

    suas investigaes sempre de interesse dos

    outros, no sentido de que tais pessoas em

    particular, localizadas organizacionalmente

    e localizveis, adquirem interesse luz do

    relato feito pelo membro do CPS sobre o

    que quer que seja relatado como tendo

    realmente acontecido. Tais consideraes contriburam fortemente para a caracterstica

    percebida das investigaes, que foram

    direcionadas, no seu curso, por um relato,

    para o qual a reivindicao ser antecipada

    de que, para todos os fins prticos, ele

    correto. Assim, durante o curso de sua

    investigao, a tarefa do investigador

    consistia em fazer um relato sobre como

    uma pessoa especfica morreu em sociedade,

    um relato que fosse contado adequadamente,

    suficientemente detalhado, claro, etc., para

    todos os fins prticos.

    O que realmente aconteceu, durante o curso da investigao para se chegar at a,

    bem como aps esse o que realmente aconteceu ter sido inserido no arquivo e ser decidido o ttulo, pode ser constantemente

    revisto, bem como constantemente

    prognosticado, luz do que podia ter sido

    feito, ou do que poder ser feito com essas

    decises. Quase no novidade que, no

    curso de uma deciso, o seu resultado era

    sempre revisto e prognosticado luz das

    conseqncias antecipadas dessa deciso.

    Aps uma indicao ter sido feita e o mdico

    legista ter assinado o atestado de bito, o

    resultado pode ser ainda, como eles dizem,

    revisado. Pode ainda ser tomada uma deciso que precisa ser revisada mais uma vez.

    Os investigadores queriam muito ser

    capazes de garantir que poderiam aparecer,

    no final, com um relato de como a pessoa

    morreu, que permitisse ao mdico legista e a

    sua equipe, defenderem-se de acusaes de

    que aquele relato era incompleto, ou de que

    aquela morte acontecera de forma diferente

    de, ou em contraste com ou em contradio

    com aquela que os membros envolvidos

    alegaram. A referncia no , nem

    exclusiva, nem completamente relativa s

    reclamaes dos sobreviventes. Tais

    questes so tratadas como uma sucesso de

    episdios, a maioria delas sendo

    estabelecidas bem rapidamente. As grandes

    contingncias consistiam em processos

    persistentes, que se assentavam no fato de o

    gabinete de mdicos legistas ser uma

    repartio estatal. As atividades do gabinete

    de legistas produzem relatrios contnuos

    das atividades do gabinete. Esses relatrios

    so sujeitos a reviso como produtos de

    trabalho cientfico do mdico legista, sua

    equipe e seu consultor. As atividades do

    gabinete so mtodos para realizar relatrios

    que sejam cientficos-para-todos-os-fins-

    prticos. Isso envolvia escrever como um procedimento de garantia para que um

    relatrio, por ter sido escrito, fosse colocado

    em um arquivo. O fato de que um

    investigador faz um relatrio por isso transformado em uma questo para registro

    pblico para o uso de outras pessoas apenas

    parcialmente identificveis. Seus interesses

    em por qu, ou como, ou o que fez o

    investigador teriam, em algum aspecto

    relevante, a ver com a sua habilidade e

    direito como profissional. Mas os

    investigadores sabem tambm que outros

    interesses vo informar a reviso, pois o trabalho do investigador ser escrutinado

    para ver a adequao-cientfica-para-todos-

    os-fins-prticos como reivindicaes

    socialmente gerenciadas dos praticantes.

    No apenas para os investigadores, mas para

    todas as partes, relevante o que foi realmente descoberto para-todos-os-fins-

    prticos? que consiste inevitavelmente em o quanto voc pode descobrir, o quanto voc

    pode revelar, o quanto voc pode explicar, o

    quanto voc pode esconder, o quanto voc

    pode sustentar como no sendo do interesse

    de algumas pessoas importantes, incluindo

    investigadores. Todos eles adquiriram um

    interesse por causa do fato de que

    investigadores, por conta de um dever

    ocupacional, estavam surgindo com

    relatrios escritos de como, para-todos-os-

    fins-prticos, pessoas-realmente-morreram-

    e-esto-realmente-mortas-na-sociedade.

    As decises tm uma

  • conseqencialidade inevitvel. Com isso

    quer-se dizer que investigadores precisavam

    dizer em tantas palavras o que realmente aconteceu?. As palavras importantes eram os ttulos que eram atribudos a um texto

    para recuperar esse texto como a

    explicao do ttulo. Mas em que um ttulo atribudo consiste como um ttulo

    explicado no , a qualquer tempo especfico, para algum dizer com qualquer

    finalidade, mesmo quando proposto em tantas palavras. De fato, que ele seja proposto em tantas palavras, que, por exemplo, um texto escrito fosse inserido no arquivo do caso, fornece fundamentos de direito que podem ser invocados de modo a

    aproveitar as tantas palavras que tero sido usadas como relato da morte. Vistos em

    relao a padres de uso, os ttulos e os

    textos que os acompanham possuem um

    conjunto aberto de conseqncias. Em

    qualquer ocasio de uso dos textos, pode

    restar para ser visto o que pode ser feito com

    eles, ou o que eles iro alcanar, ou o que

    permanece feito por enquanto, ficando pendentes as maneiras pelas quais o

    ambiente daquela deciso pode organizar-se

    para reabrir o caso, ou registrar uma queixa ou encontrar um problema e assim por diante. Tais maneiras so, para a

    equipe do CPS, como padres, indubitveis;

    mas, enquanto processos especficos para

    faz-las acontecer, so, em toda ocasio real,

    imprecisas.

    As investigaes do CPS comeam

    com uma morte que o mdico legista acha

    duvidosa quanto causa mortis. Essa morte

    eles usam como um precedente, atravs do

    qual vrias formas de viver em sociedade

    que poderiam terminar com essa morte so

    descobertas e lidas no que restou; nos fragmentos disto ou daquilo, como o corpo e

    seus pertences, vidros de remdio, bilhetes,

    pedaos e peas de roupa, e outros

    memorabilia coisas que podem ser fotografadas, coletadas e embaladas. Outros

    restos tambm so coletados: rumores, observaes passageiras e histrias materiais dos repertrios de quem quer que possa ser consultado via trabalho

    comum de conversas. Esses pedaos e peas

    quaisquer que uma histria ou uma regra ou

    um provrbio podem tornar inteligvel so

    usados para formular um relato

    reconhecivelmente coerente, padro, tpico,

    necessrio, uniforme, engenhoso, ou seja,

    um relato profissionalmente defensvel e

    por isso, para os membros, um relato

    reconhecivelmente racional de como a

    sociedade trabalhou para produzir aqueles

    restos. Esse ponto de vista ficar mais

    defensvel se o leitor consultar qualquer

    manual padro de patologia forense. Nele

    ser encontrada a inevitvel foto de uma

    vtima com a garganta cortada. Fosse o

    legista usar tal viso para indicar a equivocidade da causa mortis, ele diria algo

    como: Nos casos em que o corpo parece com aquele da fotografia, voc est diante

    de uma morte por suicdio porque a ferida

    mostra os cortes hesitantes que acompanham a ferida maior. Pode-se

    imaginar que esses cortes sejam os restos de

    um procedimento pelo qual a vtima fez

    primeiro diversas tentativas preliminares de

    um tipo hesitante e, ento, desferiu o golpe

    mortal. Outros cursos de ao so

    imaginveis tambm, e, assim, cortes que

    parecem cortes hesitantes podem ser

    produzidos por outros mecanismos.

    preciso comear pela imagem real e

    imaginar como diferentes cursos de ao

    poderiam ter sido organizados de tal forma

    que aquela fotografia seria com ela

    compatvel. Pode-se pensar na imagem

    fotografada como uma fase-da-ao. Em

    qualquer imagem real h um curso de ao

    com o qual essa fase exclusivamente

    compatvel? Essa a pergunta do mdico

    legista. O legista (e a equipe do CPS) pergunta

    isso com respeito a cada caso especfico, e,

    por isso, seu trabalho de chegar a uma

    decidibilidade prtica quase inevitavelmente

    exibir a seguinte caracterstica predominante

    e importante. A equipe do CPS deve realizar

    essa decidibilidade com respeito aos estes: devem comear com este tanto; esta viso;

    esta nota; esta coleta do que quer que esteja

    ao alcance da mo. E o que quer que esteja

    l bom o bastante, no sentido de que o que

    quer que esteja l no apenas servir como

  • 123

    serve. Faz-se com que o que quer que esteja

    l sirva. No quero dizer com fazer servir que um investigador do CPS contente-se

    facilmente ou que ele no busque mais

    quando deve. Em vez disso, quero dizer: o o

    que quer que seja com o qual ele tem que

    lidar, isso o que ter sido usado para se ter

    descoberto, para se ter tornado decidvel, a

    maneira como a sociedade operou para ter

    produzido aquela fotografia, para ter

    alcanado aquela cena como seu resultado

    final. Dessa forma, os restos na lmina

    servem no apenas como um precedente,

    mas como uma meta para as investigaes

    do CPS. O que quer que os membros do

    CPS tenham que encarar deve servir como o

    precedente com o qual ler os restos de modo

    a ver como a sociedade podia ter operado

    para ter produzido o que que o

    investigador tem no final, na anlise final e em qualquer caso. O que a investigao pode alcanar o que a morte

    alcanou.

    RACIOCNIO SOCIOLGICO PRTICO:

    SEGUINDO INSTRUES DE

    CODIFICAO

    Muitos anos atrs, meus colegas e eu

    empreendemos a anlise do experimento da

    Clnica Ambulatorial da U.C.L.A. de modo

    a responder questo Por quais critrios so seus candidatos selecionados para

    tratamento?. Para formular e responder a essa questo, utilizamos uma verso de um

    mtodo de anlise de grupo utilizado por

    Kramer e associados9 para descrever

    caractersticas de ingresso e fluxo de

    pacientes em hospcios. (Os captulos seis e

    sete narram outros aspectos dessa pesquisa.)

    Sucessivas atividades de primeiro contato, entrevista de admisso, teste psicolgico, reunio de admisso, internao e alta foram concebidas com o uso do diagrama de rvore da Figura 1.

    Qualquer caminho entre o primeiro contato

    9 M. Kramer, H. Goldstein, R. H. Israel, and N. A.

    Johnson, "Applications of Life Table Methodology to

    the Study of Mental Hospital Populations,"

    Psychiatric Research Reports of the American

    Psychiatric Association, June, 1956, p. 49-76.

    e o trmino era chamado de trajetria.

  • Desejvamos saber quais

    caractersticas dos pacientes, da equipe

    clnica, de suas interaes e da rvore

    estavam associadas com cada carreira. Os

    registros clnicos foram nossas fontes de

    informao, dentre os quais os mais

    importantes eram os formulrios de

    inscrio para admisso e os contedos dos

    pronturios de caso. De modo a obter um

    registro contnuo de casos de transaes

    paciente-clnica, desde o momento do

    contato inicial de um paciente at sua alta,

    um Formulrio de Carreira Clnica foi criado e inserido nas pastas de caso. Uma

    vez que os pronturios clnicos contm

    relatrios fornecidos pela equipe clnica de

    suas prprias atividades, praticamente todas

    essas fontes de dados resultaram de

    procedimentos de auto-relatrio.

    Dois alunos de ps-graduao de

    sociologia da UCLA examinaram as

    informaes de 1.582 pronturios clnicos

    para preencher os itens da Planilha de

    Codificao. Um procedimento

    convencional de confiabilidade foi criado e

    conduzido com o objetivo de determinar a

    quantidade de concordncia entre

    codificadores e entre tentativas sucessivas

    de sua codificao. De acordo com o

    raciocnio convencional, a quantidade de

    concordncia fornece um conjunto de

    fundamentos para conferir crdito aos

    eventos codificados de eventos clnicos

    reais. Uma caracterstica crtica de

    avaliaes de confiabilidade que a

    concordncia entre codificadores consiste na

    concordncia sobre os resultados finais.

    Ningum se surpreendeu quando o

    trabalho preliminar mostrou que, de modo a

    realizar a codificao, os codificadores

    estavam presumindo um conhecimento das

    mesmas formas organizadas da clnica das

    quais os procedimentos de codificao

    deveriam produzir descries. Mais

    interessante ainda, tal conhecimento

    pressuposto parecia necessrio e foi

    consultado de forma muito deliberada

    sempre que, por quaisquer razes, os

    codificadores precisassem ser convencidos

    de que haviam codificado o que realmente aconteceu. Isso se dava independente de haverem ou no encontrado contedos

    ambguos nos pronturios. Tal procedimento punha abaixo qualquer

  • 125

    reivindicao de que mtodos atuariais de

    interrogar os contedos dos pronturios

    haviam sido usados, no importando o quo

    aparentemente claras fossem as instrues

    de codificao. A concordncia sobre os

    resultados da codificao estava sendo

    produzida por um procedimento

    contrastante com caractersticas

    desconhecidas.

    Para descobrir mais sobre o

    procedimento que nossos alunos usaram, o

    procedimento de confiabilidade foi tratado

    como uma atividade problemtica em si

    mesma. A confiabilidade dos resultados codificados foi testada perguntando-se como

    os codificadores trouxeram realmente os

    contedos dos pronturios sob a jurisdio

    dos itens da Planilha de Codificao. Por

    meio de quais prticas foi atribudo aos

    contedos reais dos pronturios o status de

    respostas s perguntas dos pesquisadores?

    Quais atividades reais compunham as

    prticas dos codificadores chamadas de

    seguindo as instrues de codificao? Foi criado um procedimento que

    produzia informaes de confiabilidade

    convencionais de forma que os interesses

    originais do estudo fossem preservados. Ao

    mesmo tempo, o procedimento permitia o

    estudo de como qualquer quantidade de

    concordncia ou discordncia havia sido

    produzida pelas maneiras reais como os dois

    codificadores estavam tratando os contedos

    dos pronturios como respostas s questes

    formuladas pela Planilha de Codificao.

    Porm, em vez de presumir que os

    codificadores, no importa como

    procedessem, pudessem estar errados em

    maior ou menor quantidade, a suposio era

    a de que o que quer que os codificadores

    fizessem poderia ser considerado como

    procedimento correto em algum jogo de codificao. A pergunta era: o que eram

    esses jogos? O que quer que os codificadores fizessem era suficiente para

    produzir o que encontravam. Como

    procediam para encontrar o que

    encontravam?

    Logo descobrimos a relevncia

    essencial para os codificadores, em seu

    trabalho de interrogar os contedos dos

    pronturios em busca das respostas s suas

    questes, de consideraes como et cetera", a menos que, deixa pra l e factum valet (ou seja, uma ao, que do contrrio proibida por uma regra,

    considerada correta aps realizada). Por

    convenincia, deixe-me chamar a essas

    consideraes de ad hoc e a sua prtica de ad hocao. Os codificadores usaram as mesmas consideraes ad hoc de modo a

    reconhecer a relevncia das instrues de

    codificao para as atividades organizadas

    da clnica. Apenas quando essa relevncia

    era clara, os codificadores ficavam

    convencidos de que as instrues de

    codificao analisadas realmente

    encontravam os contedos dos pronturios

    de modo a permitir que os codificadores

    tratassem os contedos dos pronturios

    como relatrios de eventos reais. Por fim, as consideraes ad hoc foram

    caractersticas invariantes das prticas de

    seguir as instrues de codificao. Tentativas de suprimi-las e de, ao mesmo

    tempo, reter um sentido inequvoco para as

    instrues produziam confuso por parte

    deles.

    Vrias facetas do novo estudo de confiabilidade foram desenvolvidas, a

    princpio de modo a verificar se esses

    resultados poderiam ser estabelecidos

    solidamente e, aps estar claro, para minha

    satisfao, que eles o poderiam, para

    explorar as conseqncias para o carter

    sociolgico geral dos mtodos de

    interrogao dos codificadores (assim como

    de mtodos contrastantes) e tambm para o

    trabalho envolvido em reconhecer ou

    reivindicar que algo fora feito por regra que uma ao havia seguido ou sido

    governada pelas instrues. Consideraes ad hoc so

    consideraes invariavelmente relevantes

    para decidir o ajuste entre o que podia ser

    lido nos pronturios clnicos e o que o

    codificador inseria na planilha de

    codificao. No importando o quo

    definitiva e elaboradamente as instrues

    haviam sido escritas, e a despeito do fato de

  • que regras de codificao atuariais estritas10

    poderiam ser formuladas para cada item, e

    com as quais os contedos dos pronturios

    podiam ser mapeados para a planilha de

    codificao, contanto que fosse levada

    adiante a reivindicao de que as entradas da

    Planilha de Codificao relatavam eventos

    reais das atividades dos clnicos, ento, em

    cada caso, e para cada item, et cetera, a menos que , deixa pra l e factum valet acompanhavam a compreenso do

    codificador sobre as instrues de

    codificao enquanto formas de se analisar

    os contedos reais dos pronturios. Seus

    usos tornavam possvel, tambm, que o

    codificador lesse os contedos de uma pasta

    como um relatrio sobre os eventos que a

    Planilha de Codificao fornecia e

    formulava como eventos do diagrama de

    processamento.

    Normalmente, pesquisadores tratam

    tais procedimentos ad hoc como modos

    imperfeitos de escrever, reconhecer e seguir

    as instrues de codificao. A viso

    predominante sustenta que um bom trabalho

    requer que pesquisadores, ao estender o

    nmero e a clareza de suas regras de

    codificao, minimizem ou mesmo

    eliminem as ocasies em que et cetera e outras prticas de ad hocao seriam

    usados.

    Tratar as instrues como se as

    caractersticas ad hoc em seu uso fossem

    uma amolao, ou tratar sua presena como

    fundamento para reclamar sobre a

    incompletude das instrues, muito

    parecido com reclamar que, se as paredes

    de um prdio fossem simplesmente

    retiradas do caminho, seria possvel ver

    melhor o que estava sustentando o telhado.

    Nossos estudos mostraram que

    consideraes ad hoc so caractersticas

    essenciais de procedimentos de codificao.

    A ad hocao necessria se o pesquisador

    quiser captar a relevncia das instrues

    para a situao especfica e real que

    10

    M. Kramer, H. Goldstein, R. H. Israel, and N. A.

    Johnson, "Applications of Life Table Methodology to

    the Study of Mental Hospital Populations,"

    Psychiatric Research Reports of the American

    Psychiatric Association, June, 1956, p. 49-76.

    pretende analisar. Para cada ocasio

    especfica e real de busca, deteco e

    atribuio de contedos dos pronturios a

    uma categoria prpria o que quer dizer, na trajetria da real codificao tais consideraes ad hoc tm prioridade

    irremedivel sobre os to falados critrios

    necessrios e suficientes. No o caso de os critrios necessrios e suficientes serem procedimentalmente definidos pelas

    instrues de codificao. Nem o caso de

    prticas ad hoc, tais como et cetera, ou deixa pra l, serem controladas ou eliminadas em sua presena, uso, nmero

    ou ocasies de uso tornando instrues de

    codificao to precisas quanto possvel.

    Em vez disso, consideraes ad hoc so

    consultadas pelos codificadores e prticas

    de ad hocao so utilizadas de modo a

    reconhecer aquilo sobre o que as

    instrues esto definitivamente falando.

    Consideraes ad hoc so consultadas pelos

    codificadores de modo a reconhecer

    instrues de codificao como definies operacionais de categorias de codificao. Elas operam como fundamentos e como

    mtodos para apresentar e assegurar que as

    reivindicaes dos pesquisadores foram

    codificadas de acordo com critrios

    necessrios e suficientes. A ad hocao ocorre (sem, acredito

    eu, qualquer possibilidade de soluo),

    sempre que o codificador assume a posio

    de membro socialmente competente do

    arranjo cujo relato ele busca montar e,

    quando, a partir dessa posio, ele trata os contedos reais dos pronturios como postos

    em uma relao de significao de confiana

    para com o sistema nas atividades clnicas. por assumir a posio de membro competente em relao aos arranjos

    cujo relato ele busca realizar que o

    codificador pode ver o sistema no contedo real do pronturio. Isso ele faz de

    um jeito algo parecido com o de algum

    precisar conhecer as formas metdicas do

    uso do ingls de modo a reconhecer uma

    elocuo como uma palavra-em-ingls ou

    saber as regras de um jogo para entender um

    movimento-em-um-jogo, dado que maneiras

    alternativas de entender uma elocuo ou

  • 127

    um jogo de tabuleiro so sempre

    imaginveis. Por isso, o codificador

    reconhece o contedo do pronturio por

    aquilo que ele realmente ou pode ver sobre o que uma nota na pasta 'est

    verdadeiramente falando. Isso posto, se o codificador deve ser

    convencido de que ele detectou uma

    verdadeira ocorrncia clnica, ele deve tratar

    os contedos reais dos pronturios como

    representantes permanentes da ordem-

    social-nas-e-das-atividades-clnicas. Os

    contedos reais dos pronturios se

    apresentam, para as maneiras ordenadas das

    atividades clnicas, como representaes

    deles; eles no descrevem a ordem, nem so

    evidncias da ordem. o uso que o

    codificador faz dos documentos do

    pronturio como funes-de-sinais para o

    que quero chamar a ateno, ao dizer que o

    codificador deve conhecer a ordem das

    atividades dos clnicos para as quais ele est

    olhando de modo a reconhecer o contedo

    real como uma aparncia-de-ordem. Uma

    vez que o codificador pode ver o sistema no contedo, possvel para o codificador

    estender e, fora isso, interpretar as

    instrues de codificao - para ad hoc-las

    de forma a manter a relevncia das instrues de codificao para os contedos

    reais e, dessa maneira, formular o sentido do

    contedo real de forma que seu significado,

    mesmo que transformado pela codificao,

    seja preservado aos olhos do codificador

    como um evento verdadeiro das atividades

    reais da clnica.

    H diversas conseqncias

    importantes:

    (1) De forma caracterstica, os

    resultados codificados seriam tratados

    como se fossem descries desinteressadas

    de eventos clnicos, e as regras de

    codificao, presumidamente, sustentam a

    reivindicao de descrio desinteressada.

    Mas se o funcionamento da ad hocao

    necessrio para tornar tais reivindicaes

    inteligveis, pode-se sempre argumentar e at agora no vi uma resposta defensvel que os resultados codificados consistem em

    uma verso persuasiva do carter

    socialmente organizado das operaes da

    clnica, independente de qual seja a ordem

    real, e mesmo sem que o investigador tenha

    detectado a ordem real. Em vez de nosso

    estudo das carreiras clnicas dos pacientes

    (assim como de grande quantidade de

    estudos dos vrios arranjos sociais que tm

    sido realizados de forma igualmente

    convencional) ter descrito a ordem das

    operaes da clnica, pode-se argumentar

    que o relato consiste em uma maneira

    socialmente inventada, persuasiva e prpria

    de falar sobre a clnica como um

    empreendimento ordenado, j que afinal de contas o relato foi produzido por procedimentos cientficos. O relato seria ele prprio parte da ordem real das

    operaes da clnica, de maneira muito

    semelhante de algum que trata o relato

    de uma pessoa sobre suas prprias

    atividades como uma caracterstica de suas

    atividades. A ordem real ficaria por ser

    descrita.

    (2) Outra conseqncia aparece,

    quando perguntamos o que deve ser feito

    do cuidado que, no obstante, to

    assiduamente exercido no desenho e no

    uso de instrues de codificao para

    interrogar os contedos reais e

    transform-los em linguagem da planilha

    de codificao? Se o relato resultante ele

    prprio uma caracterstica das atividades

    dos clnicos, ento talvez no se deva ler

    as instrues de codificao como uma

    maneira de obter uma descrio cientfica

    das atividades dos clnicos, j que esta

    presume que a linguagem de codificao,

    naquilo sobre o que est falando,

    independente dos interesses dos membros

    que esto sendo servidos ao us-la. As

    instrues de codificao devem ser lidas,

    em vez disso, como consistindo em uma

    gramtica de retrica; elas fornecem uma

    maneira la cincia social de falar de forma a induzir consenso e ao dentro

    das circunstncias prticas das atividades

    dirias organizadas da clnica, cuja

    compreenso espera-se que os membros

    tenham por costume. Ao se referir a um

    relato da clnica que foi obtido seguindo-

    se as instrues de codificao, possvel

    para membros com interesses diferentes

  • persuadirem uns aos outros e reconciliar

    suas falas sobre os acontecimentos da

    clnica de maneira impessoal, enquanto as

    questes sobre as quais se est

    verdadeiramente falando retm seu

    sentido, para os debatedores, como um estado de acontecimentos legtimo ou

    ilegtimo, desejvel ou indesejvel,

    vantajoso ou desvantajoso para os

    participantes da discusso em suas vidas ocupacionais. Ele fornece uma maneira

    impessoal de caracterizar seus

    acontecimentos, sem que os membros

    renunciem a importantes interesses

    organizacionalmente determinados sobre

    aquilo que o relato, aos seus olhos,

    afinal de contas. Aquilo do que trata a ordem clnica cujas caractersticas

    verdadeiras, como qualquer membro sabe

    que Todo o Mundo Sabe, nunca so da

    conta de mais-ningum-naquela-

    organizao.

    RACIOCNIO SOCIOLGICO

    PRTICO: ENTENDIMENTO COMUM

    Os socilogos distinguem entre os

    significados do produto e do processo de um entendimento comum. Enquanto

    produto, compreende-se que um entendimento comum consista em uma

    concordncia compartilhada sobre

    questes substantivas; enquanto

    processo, ele consiste em vrios mtodos pelos quais algo que uma pessoa

    diz ou faz reconhecido como estando de

    acordo com uma regra. Com seus

    conceitos de Begreifen e Verstehen, cada

    qual com seu carter distinto enquanto

    mtodo e conhecimento, Weber deu aos

    socilogos a autoridade para essa

    distino.

    Uma anlise das experincias de

    estudantes ao relatar conversas comuns

    sugere que, para qualquer dos casos, para

    "produto" ou processo, um entendimento comum consiste em uma trajetria

    intratemporal de trabalho interpretativo.

    Suas experincias sugerem algumas

    conseqncias estranhas dos fatos de que,

    em qualquer dos casos, um entendimento

    comum tem necessariamente uma estrutura

    operacional.

    No Captulo dois, relatada uma

    pesquisa, na qual estudantes deveriam

    relatar conversas comuns, escrevendo, no

    lado esquerdo de uma folha de papel, o que

    as partes realmente disseram e, no lado

    direito, o que eles e seus colegas

    entenderam que eles estavam falando. A

    seguinte conversa relatada aqui.

    MARIDO Dana conseguiu pr uma moeda no

    parqumetro hoje sem precisar ser

    levantado.

    Esta tarde, ao trazer Dana, nosso filho de quatro anos, da

    creche para casa, ele conseguiu alcanar alto o suficiente

    para pr uma moedinha dentro de um parqumetro,

    quando estacionamos numa zona de parqumetros,

    enquanto que antes ele sempre tinha que ser levantado

    para conseguir alcanar aquela altura.

    ESPOSA:

    Voc levou ele loja de discos? J que ele ps um centavo no parqumetro, isso quer

    dizer que voc parou enquanto ele estava com voc. Eu

    sei que voc parou na loja de discos no caminho

    de ida para a creche ou no caminho de volta. Foi

    no caminho de volta, de forma que ele estava com

    voc, ou voc parou l a caminho da creche e em

    outro lugar no caminho de volta?

    MARIDO No. Ao sapateiro. No. Parei na loja de discos a caminho da creche e

    parei no sapateiro a caminho de casa, quando ele

    estava comigo.

    ESPOSA:

    Para qu? Conheo uma razo pela qual voc poderia ter parado no

    sapateiro. Qual foi o motivo, de fato?

    MARIDO Comprei cadaros novos para os

    meus sapatos.

    Como voc deve lembrar, eu arrebentei um dos

    cadaros dos meus sapatos marrons no outro dia,

  • 129

    ento eu parei l para comprar cadaros novos.

    ESPOSA:

    Seus mocassins precisam de saltos

    novos urgentemente.

    Pensei em outra coisa que voc poderia ter feito

    l. Poderia ter levado seus mocassins pretos

    que precisam urgentemente de novos saltos.

    melhor cuidar logo disso.

    Os estudantes preencheram o lado

    esquerdo da folha rpida e facilmente, mas

    acharam o lado direito incomparavelmente

    mais difcil. Quando a tarefa foi passada,

    muitos perguntaram o quanto eu queria que

    eles escrevessem. medida que eu

    progressivamente impunha preciso,

    clareza e distino, a tarefa ia se tornando

    cada vez mais laboriosa. Finalmente,

    quando pedi que eles presumissem que eu

    saberia do que eles realmente estavam

    falando, apenas lendo literalmente o que

    eles escreveram literalmente, eles

    desistiram de reclamar que a tarefa era

    impossvel.

    Embora suas reclamaes tivessem a

    ver com a laboriosidade de se ter que

    escrever mais, o frustrante mais no era composto do grande trabalho de ter que

    reduzir uma montanha com baldes. Eles

    no reclamavam que aquilo sobre o que se

    falava consistia em contedos amarrados,

    tornados to vastos pelo pedantismo, que

    lhes faltaria tempo, fora, papel, garra,

    bom senso suficientes para escrever tudo sobre o assunto. Ao invs disso, a reclamao e suas circunstncias pareciam

    consistir no seguinte: se, para o que quer

    que um estudante escrevesse, eu fosse

    capaz de persuadi-lo de que aquilo no

    estava ainda preciso, distinto ou claro o

    bastante e se ele continuasse querendo

    consertar a ambigidade, ento ele voltaria

    tarefa com a reclamao de que a escrita

    em si desenvolvia a conversa como uma

    textura ramificada de questes relevantes.

    A prpria maneira de realizar a tarefa

    multiplicava suas caractersticas.

    Que tarefa tinha eu passado para eles

    que requeria que eles escrevessem mais, tal que a imposio progressiva de

    preciso, clareza e literalidade tornava-a

    cada vez mais difcil e finalmente

    impossvel, e tal que a maneira de realizar

    a tarefa multiplicava suas caractersticas?

    Se um entendimento comum consistisse

    em concordncia compartilhada sobre

    questes substantivas, a tarefa deles teria

    sido idntica de socilogos profissionais.

    A tarefa teria sido resolvida, como a

    soluo que socilogos profissionais esto

    aptos a propor, como se segue:

    Os estudantes iriam primeiro

    distinguir entre o que foi dito e sobre o que

    se estava falando, e ajustar os dois

    contedos numa correspondncia entre

    signo e referente. O que as partes disseram

    seria tratado como uma verso esboada,

    parcial, incompleta, mascarada, elptica,

    escondida, ambgua ou enganosa do que as

    partes falavam. A tarefa consistiria em

    preencher o esboo do que foi dito. Aquilo

    que foi falado consistiria em contedos

    elaborados e correspondentes daquilo que

    as partes disseram. Assim, o formato das

    colunas da esquerda e da direita estaria de

    acordo com o fato de que os contedos do que foi dito eram registrveis, ao se

    escrever o que o gravador captasse. A

    coluna da direita exigiria que algo mais fosse adicionado. Por ser o esboo do que foi dito o seu defeito, seria necessrio para

    os estudantes que olhassem para algum

    outro lugar diferente do que foi dito de

    modo a (a) encontrar os contedos

    correspondentes e (b) encontrar os

    fundamentos para discutir porque eles precisariam discutir - a correo da

    correspondncia. Por estarem relatando a

    conversa real de pessoas especficas, eles

    buscariam esses outros contedos naquilo

    que os interlocutores tinham em mente, ou naquilo que eles estavam "pensando, ou naquilo em que acreditavam, ou o que eles tencionavam. Alm disso, eles precisariam ter certeza (algum precisaria

    dar-lhes a certeza) de que haviam detectado

    o que os interlocutores realmente, e no

  • suposta, hipottica, imaginada ou

    possivelmente tinham em mente. Quer

    dizer, eles precisariam citar aes

    observadas maneiras observadas por meio das quais de modo a fornecer fundamentos para a reivindicao de

    realmente. Essa segurana seria obtida buscando-se estabelecer a presena, no

    relacionamento dos interlocutores, de

    virtudes garantidoras tais como eles terem

    falado honesta, aberta, cndida e

    sinceramente, e outras coisas semelhantes.

    Tudo isso para dizer que os estudantes

    invocariam seus conhecimentos da

    comunidade de entendimentos e seus

    conhecimentos das concordncias

    compartilhadas para indicar a adequao de

    seus relatos do que as partes estavam

    falando, ou seja, o que as partes entendiam

    em comum. Ento, para qualquer coisa que

    os estudantes escrevessem, eles poderiam

    presumir que eu, enquanto co-membro

    competente da mesma comunidade (as

    conversas eram afinal de contas comuns),

    deveria ser capaz de enxergar a

    correspondncia e seus fundamentos. Se eu

    no enxergasse a correspondncia ou se eu

    compreendesse os contedos de forma

    diferente da deles, ento, contanto que eles

    pudessem continuar a presumir minha

    competncia ou seja, contanto que minhas interpretaes alternativas no destrussem

    meu direito de reivindicar que tais

    alternativas precisavam ser levadas a srio

    por eles e por mim os estudantes poderiam compreender que eu estava

    insistindo para que me fornecessem

    detalhamento mais refinado do que as

    consideraes prticas pediam. Nesse caso,

    eles teriam me acusado de pedantismo cego

    e deveriam ter reclamado que, porque

    "qualquer um pode enxergar quando, para todos os fins prticos, bastante o bastante,

    ningum to cego quanto aqueles que no

    querem enxergar.

    Essa verso da tarefa deles explica a

    razo de suas reclamaes de ter que

    escrever mais". Isso tambm explica a razo da crescente laboriosidade, quando

    clareza e coisas semelhantes foram

    progressivamente impostas. Mas isso no

    explica muito bem a razo da

    impossibilidade final, pois explica uma

    faceta da impossibilidade" da tarefa como a relutncia dos estudantes em ir adiante,

    mas no explica o sentido concomitante,

    qual seja, o de que os estudantes viam de

    alguma forma que sua tarefa era, em

    princpio, irrealizvel. Finalmente, essa

    verso da tarefa deles no explica de forma

    alguma a reclamao que faziam de que a

    maneira de realizar a tarefa multiplicava

    suas caractersticas.

    Uma concepo alternativa da tarefa

    pode nos servir melhor. Embora a

    princpio possa parecer estranho faz-lo,

    suponha que descartemos a suposio de

    que, de modo a descrever um uso como

    uma caracterstica de uma comunidade de

    entendimentos, devamos logo de incio

    saber em que os entendimentos comuns

    substantivos consistem. Junto com isso,

    descarte a teoria dos signos que

    acompanha a suposio, de acordo com a

    qual um signo e um referente so, respectivamente, propriedades de algo dito

    e algo falado, e que, dessa forma prope

    que signo e referente esto relacionados

    como contedos correspondentes. Ao

    descartar tal teoria dos signos, ns

    descartamos tambm, por conseqncia, a

    possibilidade de que uma concordncia

    compartilhada sobre questes substantivas

    explique seu uso.

    Se essas noes forem descartadas,

    ento aquilo sobre o que as partes falaram

    no poderia ser distinguido de como as

    partes estavam falando. Uma explicao

    sobre o que as partes estavam falando

    consistiria completamente, ento, em

    descrever como as partes estavam falando;

    em fornecer um mtodo para dizer o que

    quer que deva ser dito, como falar usando

    sinnimos, falar ironicamente, falar

    metaforicamente, falar de forma crptica,

    falar narrativamente, falar de uma maneira

    questionadora ou como resposta, mentir,

    explicar, jogar com as palavras, e todo o

    resto.

    Em vez de, e em contraste com, um

    interesse pela diferena entre o que foi dito e

    sobre o que foi falado, a diferena

  • 131

    apropriada entre o reconhecimento de uma

    comunidade-lingstica de que uma pessoa

    est dizendo algo, ou seja, de que estava

    falando, de um lado, e de como estava, de

    outro lado. Ento, o sentido reconhecido do

    que uma pessoa disse consiste apenas e

    completamente em reconhecer o mtodo de

    sua fala, em ver como ela falou.

    Sugiro que no se leia a coluna da

    direita como contedos correspondentes da

    coluna da esquerda, e que a tarefa dos

    alunos de explicar o que os interlocutores

    falaram no os envolva na elaborao dos

    contedos do que os interlocutores disseram.

    Sugiro, em vez disso, que suas explicaes

    escritas consistiam em suas tentativas de me

    instruir sobre como usar aquilo que as partes

    disseram como um mtodo para enxergar o

    que os interlocutores disseram. Sugiro que

    eu tenha pedido aos estudantes para me

    fornecer instrues para reconhecer o que as

    partes estavam realmente e certamente

    dizendo. Ao persuadi-los de interpretaes alternativas, ao insistir que havia ainda ambigidade, eu os persuadira de que eles

    tinham demonstrado a mim apenas o que as

    partes estavam supostamente, ou

    provavelmente, ou imaginavelmente, ou

    hipoteticamente dizendo. Eles entenderam

    que isso queria dizer que suas instrues

    estavam incompletas; que suas

    demonstraes falharam na medida em que

    suas instrues estavam incompletas; e que

    a diferena entre reivindicaes de

    realmente ou supostamente dependiam da completude de suas instrues.

    Vemos agora qual foi a tarefa que

    exigiu que ele escrevessem mais, que achassem que ela era cada vez mais difcil e,

    finalmente, impossvel, e que se tornou

    elaborada em suas caractersticas pelos

    mesmos procedimentos empregados para

    faz-la. Eu lhes havia passado a tarefa de

    formular essas instrues de modo a torn-

    las cada vez mais precisas, claras, distintas e, finalmente, literais, onde os

    significados de cada vez mais e de clareza, preciso, distino, e literalidade

    foram supostamente explicados em termos

    das propriedades das instrues em si e

    apenas das instrues. Eu havia solicitado

    deles que aceitassem a tarefa impossvel de

    reparar a incompletude essencial de qualquer conjunto de instrues, no

    importando o quo cuidadosa ou

    elaboradamente elas pudessem ter sido

    escritas. Eu havia solicitado deles que

    formulassem um mtodo que as partes

    tinham usado ao falar como regras de

    procedimento a seguir de modo a dizer

    aquilo que as partes disseram, regras que

    resistiriam a todas as exigncias de situao,

    imaginao e desenvolvimento. Eu havia

    pedido que descrevessem os mtodos de

    falar empregados pelas partes como se esses

    mtodos fossem isomrficos com aes em

    estrita conformidade com a regra de

    procedimento que formulou o mtodo como

    questo passvel de instruo. Reconhecer o

    que dito significa reconhecer como a

    pessoa est falando, ou seja, reconhecer que

    a esposa, ao dizer seus sapatos esto precisando urgentemente de saltos, estava falando narrativa, ou metafrica, ou

    eufemisticamente, ou em sentido duplo.

    Eles se defrontaram com o fato de

    que a questo de como uma pessoa est

    falando, a tarefa de descrever os mtodos

    de fala de uma pessoa no satisfeito por,

    e no o mesmo que, mostrar que o que

    ela fala est de acordo com a regra de

    demonstrar a consistncia,

    compatibilidade e coerncia de

    significados.

    Para a conduta de seus afazeres

    cotidianos, as pessoas tomam como dado

    que o que dito ser compreendido de

    acordo com mtodos que as partes usam

    para compreender o que elas esto

    dizendo em razo do seu carter claro,

    consistente, coerente, compreensvel ou

    engenhoso, ou seja, como sujeito a

    alguma jurisdio de regras em uma palavra, como racional. Ver o sentido do que dito estar de acordo com o

    carter de regra do que foi dito. Acordo compartilhado refere-se aos vrios mtodos sociais para lograr o

    reconhecimento do membro de que algo

    foi dito-de-acordo-com-uma-regra, e no

    conforme um acordo demonstrvel sobre

    questes substantivas. A imagem

  • apropriada de um entendimento comum ,

    assim, uma operao, mais que a

    interseo comum de conjuntos que se

    sobrepem.

    Uma pessoa fazendo sociologia, seja

    sociologia leiga ou profissional, pode

    tratar um entendimento comum como

    dado concordncia compartilhada sobre

    questes substantivas ao tomar como dada

    que o que dito ser compreendido de

    acordo com mtodos que no precisam ser

    especificados, o que quer dizer que

    precisam apenas ser especificados em

    ocasies especiais. Dado o carter de descoberta

    daquilo que o marido e a esposa estavam

    falando, seu carter reconhecvel para

    ambos acarretava o uso pelos dois e a

    atribuio de um para o outro de trabalho

    pelo qual o que era dito ou ter sido

    entendido como tendo estado de acordo

    com sua relao na interao como uma

    regra invocvel de sua concordncia,

    como um esquema gramatical utilizado

    intersubjetivamente para analisar a fala

    um do outro, cujo uso estabelecia que eles

    iam entender um ao outro de forma que

    eles seriam entendidos. Tal regra

    estabelece que nenhum dos dois tinha o

    direito de evocar o outro para especificar

    como isso era feito; nem que um dos dois

    podia reivindicar que o outro necessitava

    de se explicar.

    Em resumo, um entendimento comum,

    acarretando tal como faz uma trajetria

    temporal interna de trabalho interpretativo, necessariamente possui uma

    estru