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Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 75 O processo de ocupação e de desenvolvimento da Amazônia A implementação de políticas públicas e seus efeitos sobre o meio ambiente JOSÉ MATIAS PEREIRA SUMÁRIO 1. Introdução. A visão do ambiente macroeco- nômico. 2. Formulação e implementação de políticas públicas no Brasil. Ambiente institucional e consti- tucional. 3. Estudo de casos: os Projetos Integrados de Colonização e o Programa de Incentivos Fiscais para a Amazônia. 4. Políticas públicas e o desem- penho dos projetos incentivados na Amazônia. 5. Conclusão. 1. Introdução. A visão do ambiente macroeconômico Observadas sob determinados aspectos, as tendências globais indicam que existem distor- ções relacionadas ao desenvolvimento e ao meio ambiente no presente que irão se agravar no futuro. Isso pode ser mensurado pelo cresci- mento da população mundial, pela sobrecarga dos sistemas de destinação final de resíduos, pelo mau uso dos recursos naturais, com a conseqüente poluição do ar, das águas e dos solos, com reflexos negativos nos sistemas de circulação atmosférica e mudança de clima. Percebe-se, assim, que o declínio ambiental e econômico está se acelerando e pode ser quan- tificado pela parcela significativa da humani- dade que não consegue sequer suprir suas necessidades básicas. E, apesar dessas indica- ções, o modelo de crescimento econômico mundial, no qual o Brasil está inserido, pouco se preocupa com o uso mais eficiente dos recursos, que o levaria a se orientar para um processo de desenvolvimento sustentável. Esse modelo de crescimento econômico distorcido (que vem sendo implementado nas últimas décadas) necessita ser repensado, tendo em vista as provas empíricas que alguns países José Matias Pereira é economista e advogado. Ex-Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília – UnB.

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Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1997 75

O processo de ocupação e dedesenvolvimento da AmazôniaA implementação de políticas públicas e seus efeitossobre o meio ambiente

JOSÉ MATIAS PEREIRA

SUMÁRIO

1. Introdução. A visão do ambiente macroeco-nômico. 2. Formulação e implementação de políticaspúblicas no Brasil. Ambiente institucional e consti-tucional. 3. Estudo de casos: os Projetos Integradosde Colonização e o Programa de Incentivos Fiscaispara a Amazônia. 4. Políticas públicas e o desem-penho dos projetos incentivados na Amazônia. 5.Conclusão.

1. Introdução. A visão do ambientemacroeconômico

Observadas sob determinados aspectos, astendências globais indicam que existem distor-ções relacionadas ao desenvolvimento e ao meioambiente no presente que irão se agravar nofuturo. Isso pode ser mensurado pelo cresci-mento da população mundial, pela sobrecargados sistemas de destinação final de resíduos,pelo mau uso dos recursos naturais, com aconseqüente poluição do ar, das águas e dossolos, com reflexos negativos nos sistemas decirculação atmosférica e mudança de clima.

Percebe-se, assim, que o declínio ambientale econômico está se acelerando e pode ser quan-tificado pela parcela significativa da humani-dade que não consegue sequer suprir suasnecessidades básicas. E, apesar dessas indica-ções, o modelo de crescimento econômicomundial, no qual o Brasil está inserido, poucose preocupa com o uso mais eficiente dosrecursos, que o levaria a se orientar para umprocesso de desenvolvimento sustentável.

Esse modelo de crescimento econômicodistorcido (que vem sendo implementado nasúltimas décadas) necessita ser repensado, tendoem vista as provas empíricas que alguns países

José Matias Pereira é economista e advogado.Ex-Técnico de Planejamento e Pesquisa do Institutode Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Professordo Departamento de Administração da Universidadede Brasília – UnB.

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do Hemisfério Norte fornecem, no sentido deque estão ingressando numa fase de cresci-mento não-econômico em decorrência da uti-lização de políticas econômicas agressivas, quese impõem com um efeito devastador emrelação ao meio ambiente.

A necessidade de uma melhor compatibili-zação entre os investimentos produtivos quegeram empregos, renda e divisas, e que sãoorientados sem restrições, sob a argumentaçãode que não podem ser adiados em função daqualidade ambiental, fica, assim, cada vez maisevidente e demonstra que é preciso estes seremrevisados. É sobre esses antecedentes e asalternativas de mudança do modelo de desen-volvimento atual (considerando-se o seu baixograu de sustentabilidade, em que as economiasestão sendo projetadas para prazos cada vezmenores) que se tratará a seguir.

A depressão que se abateu sobre a econo-mia norte-americana em 1929 (e que durouquase toda a década seguinte), provocandoefeitos perversos sobre a economia mundial,criou as condições básicas para que viesse àtona a teoria de John Maynard Keynes, quepermitiu a compreensão da política fiscal deequilíbrio, que teria como conseqüência umarevisão geral de todas as ciências econômicas,na qual se assentam as regras da política fiscalcontemporânea.

Delineadas inicialmente na “Teoria daMoeda”, de 1930, a qual sustentava que adepressão resulta de que as inversões nãoaplicam o volume total das poupanças, asteorias de Keynes foram desenvolvidas na“Teoria Geral do Emprego, do Juro e daMoeda”, de 1936. Contrariando a maioria dosestudiosos que o antecederam, Keynes susten-tou que não havia antagonismo entre consumoe investimentos. Visto que o produto nacionalbruto divide-se numa parte que é consumida enoutra que é poupada e alimenta os investi-mentos, rompe-se o equilíbrio econômico se osempresários não investem tudo quanto éeconomizado (provocando, assim, uma inter-rupção do pleno emprego dos fatores deprodução se o consumo não se estender àquelaparte que foi economizada). Em síntese, o fluxodo consumo deve receber sempre uma quanti-dade de recursos, sob pena de reduzir-se a rendanacional e o pleno emprego.

Assim, defendeu Keynes o entendimento deque o fomento dos investimentos aumentaria ademanda agregada e proporcionaria pleno

emprego, ou seja, que esses investimentossignificam crescimento e maior capacidadeprodutiva no futuro. Nesse sentido, sedimentoua convicção de que isso é benéfico, conside-rando que o crescimento nos faz mais ricos e,dessa forma, diminui nossas angústias eincertezas sobre o futuro, estimula-nos aconsumir e a investir mais, aumenta a confiança,a demanda total e o emprego.

Faz-se necessário reconhecer a importânciada contribuição da teoria keynesiana, desen-volvida durante a década de 30, orientada paraexplicar e resolver o problema das depressões,da teoria monetarista, da década de 60, comoproposta de solução para o problema inflacio-nário, da teoria do lado da oferta, da década de80, voltada para resolver os problemas econô-micos por intermédio de cortes nos impostos,bem como dos esforços desenvolvidos peloseconomistas, na fase atual, sobre a eficácia dapolítica econômica e o interesse renovado pelocrescimento.

O que se torna necessário questionar,porém, é a forma de comportamento dosmercados atuais, a sua estrutura de produção ede exportação, baseada na produção primáriados recursos naturais, incluindo, nessas, osprocessos de transformações mínimas. É aausência de planos de desenvolvimento susten-tável (onde se presume um crescimento limpoe eqüitativo) que levem em consideração anecessidade de se contabilizar o consumo derecursos naturais, a degradação ambiental e aperda de características dos ecossistemas(denominadas custos de externalidades). Porisso, faz-se necessário que os custos das“externalidades” sejam quantificados (dentrodas limitações econômicas possíveis) e conta-bilizados nos custos dos negócios, em decor-rência das agressões causadas pelos agenteseconômicos ao meio ambiente (pelos diversostipos de resíduos poluentes que esses empreen-dimentos tendem a liberar).

Diante da convicção de que os investi-mentos produtivos, que criam empregos e esti-mulam as exportações, possuem prioridadesirrestritas (inclusive sobre os efeitos que tendema causar no meio ambiente), o mundo não temconhecido outra solução que não seja a defesade mais crescimento econômico. Surge, porém,nesse contexto, uma preocupante indagação:quais os limites ambientais e sociais do cresci-mento econômico? Os custos marginais, deri-vados dos sacrifícios ambientais e sociais,poderiam ser maiores que o valor em termos

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de vantagens e benefícios com a produção. Naverdade, começa a ficar evidente para a humani-dade que essas perdas estariam conduzindo-nospara um crescimento não-econômico.

À existência de indícios convincentes,conforme observado anteriormente, de quealguns países do mundo desenvolvido começama atravessar esse limiar, ingressando, portanto,numa fase de crescimento antieconômico, a novapergunta que surge é se existem alternativas pararesolver-se o problema da pobreza que não sejampor meio do crescimento econômico.

Em tese, a resposta seria afirmativa casofosse possível promover-se uma redistribuiçãoda riqueza, um efetivo controle populacional eum aumento da produtividade dos recursosnaturais. Levando-se em consideração as difi-culdades políticas relacionadas aos doisprimeiros fatores (e que terão de ser enfrentadasglobalmente nas próximas décadas), crê-se queo progresso econômico da humanidade estará,nas próximas décadas, na dependência doaumento da produtividade dos recursos natu-rais, que terá de ser feito num contexto de umaeconomia estável, dentro de um ambiente dedesenvolvimento econômico limpo e eqüitativo,que faz parte da natureza do desenvolvimentosustentável.

Dessa forma, pode-se afirmar que o modelode crescimento econômico em vigência nomundo, que prioriza as variáveis macroeconô-micas, no curto prazo, estimulando a produçãoe as exportações sem garantir a proteção ambi-ental, está provocando impactos negativosirreversíveis sobre o meio ambiente, tanto noscentros urbanos como nas áreas rurais, nota-damente nos países em desenvolvimento, comoé o caso do Brasil.

A tendência de que os investimentos se con-centrem nas áreas mais ricas e as regiões maispobres fiquem abandonadas é cada vez maisevidente. A criação de mercados para popula-ções com padrões de consumo sofisticados tendea demandar mais recursos naturais, que por suavez provocam mais poluição ambiental. Issopode ser comprovado quando se verifica apolarização e a distância entre os países ricos eos países pobres. Com um Produto InternoBruto (PIB) mundial de US$ 23 trilhões em1993, US$ 18 trilhões correspondem aos paísesdesenvolvidos e os restantes US$ 5 trilhões sãoproduzidos nos países em desenvolvimento,muito embora estes últimos tenham quase 80%(oitenta por cento) da população da terra.

O desafio, portanto, é alterar essa realidade.

O enfrentamento do problema passa pela formacomo vem sendo orientada a política ambiental,tanto nos países desenvolvidos como nos paísesem desenvolvimento. Os enfoques de políticaambiental devem responder aos problemas desobrevivência e de qualidade de vida, dandoprioridade a mudanças que se traduzam emgeração de emprego e de exportações, e quepermitam reservar excedentes locais para umdesenvolvimento mais equilibrado.

E, para que nessas políticas econômicassejam incorporados os cálculos de custos e be-nefícios ambientais, é importante que paísescomo o Brasil (que muito tem a perder, caso seperpetue o atual modelo) invistam, de maneiraefetiva, na consolidação de um sistema, envol-vendo o governo, o setor privado, bem como asinstituições de pesquisa e ensino do País, comvistas a alterar a base de produção econômicae, por conseqüência, o atual modelo de ocupa-ção e de desenvolvimento da Amazônia.

2. Formulação e implementação depolíticas públicas no Brasil. Ambiente

institucional e constitucionalÉ importante registrar que as políticas

públicas (idealizadas como o nexo entre o pen-samento e a ação) estão diretamente relaciona-das com as questões de liberdade e igualdade,controle democrático do Estado em ação e coma distribuição de renda e das riquezas. Isso temque ver com o direito à satisfação de necessi-dades básicas, como emprego, educação, mora-dia, saúde, terra, meio ambiente, entre outras.

Deve-se registrar que a formação do Esta-do brasileiro tem, na sua base de constituiçãode políticas públicas, características instituci-onais de autoritarismo e elitismo. Isso tem-serevelado indesejável para a sociedade como umtodo. Nesse sentido, a evolução do processodemocrático tem permitido que a sociedadecomece a exigir seus direitos substantivos, oque irá permitir ao país alcançar um sistemainstitucional mais democrático e justo, nota-damente no que se refere à necessidade de trans-formações estruturais que venham a diminuiras desigualdades e as injustiças na distribuiçãode riquezas, de rendas e de poder.

Feitas essas considerações, torna-se neces-sário destacar, em relação ao estudo daspolíticas públicas no Brasil, que as mesmaspodem ser subdivididas nas seguintes fases:

a) Formação de Assuntos Públicos e de

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Políticas Públicas, que deve ser entendida comoa fase em que as questões públicas surgem eformam correntes de opinião ao seu redor. Issocontribui para a formação da agenda política,composta de questões que merecem políticasdefinidas;

b) Formulação de Políticas Públicas, que serefere ao processo de elaboração de políticasno Executivo, no Legislativo e em outras ins-tituições públicas, sob os pontos-de-vista daracionalidade econômica, da racionalidade polí-tico-sistêmica ou da formulação responsável;

c) Processo Decisório, que está interligadacom a anterior, porém com delimitaçõespróprias, em que atuam os grupos de pressão,exercendo influência sobre os decisores, emqualquer das instâncias mencionadas;

d) Implementação das Políticas, que serefere ao processo de execução das políticasresultantes dos processos de formulação edecisão em políticas públicas, inter-relacionandoas políticas, os programas, as administraçõespúblicas e os grupos sociais envolvidos ou quesofrem a ação governamental ou os problemassociais;

e) Avaliação de Políticas. Nessa fase,consideram-se quais os padrões distributivosdas políticas resultantes, isto é, quem recebe oquê, quando e como, e que diferença fez comrelação à situação anterior à implementação.Analisam-se os efeitos pretendidos e as conse-qüências indesejáveis, bem como quais osimpactos mais gerais na sociedade, naeconomia e na política.

Constata-se, assim, que existem diferentesformas de entrada de assuntos na formação daagenda pública. A primeira forma de entradade questões políticas dá-se pela resposta a crises,de cunho imediatista, com vistas a minimizaros efeitos de intempéries, secas, poluiçãoambiental, entre outros. São ações de caráterpaliativo, que têm como componentes apenasos aspectos administrativo-financeiros.

A segunda forma é por intermédio doprocesso político, em que os grupos interes-sados, em contato com autoridades comolegisladores, ministros, governadores, prefeitose secretários (de Estados ou municipais), tomama iniciativa de levantar questões nas quaispodem visualizar algum ganho político pela“resolução” satisfatória de algum problemaligado à sua pasta ou aos grupos ou segmentossociais que o apoiaram na eleição ou na nome-ação. Essa entrada toma forma mais definida à

medida que os problemas se agravam erequerem algum tipo de “solução”.

A terceira forma de entrada dos assuntospúblicos na agenda política refere-se à série deeventos seqüenciados no Executivo, Legislativoou no Judiciário. Esse é um processo lento quetende a envolver a atividade de pesquisa naidentificação e definição dos problemas econô-micos e sociais, com a participação de váriosgrupos.

A quarta forma refere-se à antecipação dosproblemas e conflitos latentes no âmbito dosassuntos públicos. Essa maneira faz com queas políticas públicas tornem-se pró-ativas, ouseja, antecipatórias na resolução de questõesessenciais para a sociedade.

É importante observar que políticas gover-namentais estão envolvidas com a racionalida-de e com a diferença (efeitos) que elas provocamna sociedade. Nesse sentido, temos os seguintesmodelos: o da racionalidade econômica, parao qual a racionalidade das políticas públicas ea da economia de mercado são iguais; o daracionalidade político-sistêmica, em que osatores, no jogo do poder do processo de formu-lação, interagem e chegam a um acordo políticoque permite, além do exercício do pluralismo,o funcionamento do sistema político semmudanças básicas; e o modelo da formulaçãoresponsável de políticas públicas, que busca,nas justificativas morais, os critérios para oprocesso de sua formulação.

Nesse sentido, “política”, no caso do modelode formulação responsável das políticaspúblicas, deve ser entendida como um proces-so que envolve e privilegia a questão moral. Aprimeira tarefa do estudo de políticas públicasé resgatar a razão da visão instrumental econceituá-la como algo que leva à compreensãodos problemas sociais, e, dessa forma, permitirque os analistas tenham a visão desses proble-mas e formulem políticas públicas com basenos valores de igualdade, liberdade, solidarie-dade e democracia, entendida esta comoresponsabilidade comunitária.

Assim, pode-se afirmar que as instituiçõesresponsáveis pela formulação de políticaspermanecem abertas à discussão e à deliberaçãopúblicas, ao contrário dos modelos anteriores,em que as preferências são apresentadas porgrupos de pressão e esquemas burocráticos emtorno de políticas específicas. A compreensão dasdistinções entre os modelos analisados faz-senecessária para o entendimento das questõesque serão apresentadas a seguir, que dizem

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respeito ao processo de ocupação e desenvolvi-mento da Amazônia.

Constata-se que, nas formações sociaisliberal-democrático-capitalistas, o processodecisório é produto do livre jogo de influênciase de poder entre grupos de pressão organizados,que defendem interesses individuais declaradospublicamente. Quanto maior o alcance dapressão sobre os decisores, mais provável é quea decisão seja favorável ao grupo que a exerce.Em formações sociais socialistas de planeja-mento centralizado, como ainda é o caso dealguns países socialistas, o processo decisórioé realizado pela elite do Estado, também parteintegrante do sistema político-partidário, quefiltra e estabelece o interesse público.

O caso brasileiro, no entanto, não se adaptaa nenhum desses dois casos clássicos. Nessesentido, é oportuno citar Luiz Pedone (Formu-lação, implementação e avaliação de políticaspúblicas. Funcep, 1986), que observa:

“Na verdade o processo decisóriobrasileiro, em especial o do período doregime militar instalado no país após1964, reflete a centralização decisória emaltos escalões governamentais. Assim,conselhos e órgãos deliberativos coletivossão arenas decisórias. Para chegar aestas arenas decisórias é precisopercorrer um longo caminho de con-frontação e negociação entre grupos,num sistema organizado, modificado,controlado e arbitrado pelo Estado”.

O Estado brasileiro, após 1964, orientou-separa a promoção do desenvolvimento e aacumulação capitalista, a modernização dasinstituições econômico-financeiras e a indus-trialização. Esse processo decisório, no sistemapolítico brasileiro, envolve diferentes segmentosda elite empresarial, nacional e estrangeira, aalta tecnoburocracia estatal e alguns segmentosda sociedade cooptados. Essa constanteinteração é marcada ora por avanços de algunsdesses setores, ora por outros, segundo apresença mais forte do grupo hegemônico domomento. Na verdade, em poucas ocasiões deformulação e decisão em políticas, a sociedadeé chamada a participar de decisões que, emúltima análise, vão afetá-la.

Nas questões que dizem respeito ao processode ocupação e desenvolvimento da Amazônia(notadamente no período autoritário implan-tado no país após 1964), as decisões, no âmbitoda esfera do Estado, propiciaram o surgimentode políticas públicas definidas com base em

critérios e normas desconhecidas pela maioriada sociedade, direcionadas para atender inte-resses imediatos e modificadas ao sabor dasconveniências dos grupos influentes por elasbeneficiados. É sobre essa forma de formular eimplementar políticas públicas que se tratará aseguir, com estudos de casos que dizem respeitoaos esforços feitos pelo Estado, notadamente apartir do começo da década de 70, para conduzire disciplinar o assentamento de camponeses naregião, e, posteriormente, ao programa deincentivos fiscais para a Amazônia, voltadopara a implementação de grandes empreendi-mentos agropecuários ou agroindustriais naAmazônia Legal.

3. Estudo de casos: os Projetos Integradosde Colonização e o Programa de Incentivos

Fiscais para a AmazôniaÉ por intermédio da implementação do

Programa de Integração Nacional (PIN) que oEstado brasileiro dá início aos esforços nosentido de conduzir e disciplinar o assentamentode camponeses na Amazônia. Esse programase propunha a fixar, na Amazônia, parte doexcedente populacional do Nordeste, usandoterras devolutas da região recém-transferidasao governo federal. Em 1970, foram criadostrês Projetos Integrados de Colonização (PIC)em áreas cortadas pelas rodovias Transama-zônica e Cuiabá-Santarém.

As ações do INCRA, nessa fase, também sefizeram presentes em outros Projetos Integradosde Colonização, na sua maioria em Rondônia.As reconhecidas dificuldades apresentadaspelos projetos da Transamazônica e o novoentusiasmo oficial pela concepção da grandeempresa incentivada fizeram com que fossediminuindo o interesse pela colonização-modelo. Entretanto, fatores de expulsão(decorrentes do processo de modernização daagricultura do Sul do País) e a disponibilidadede terras em partes da Amazônia Legal deramorigem a fluxos crescentes de migrantes paraáreas de fronteiras. Com isso, o governo foiforçado a continuar atuando na colonização,agora com o objetivo de atenuar os problemasgerados com uma crescente imigração espon-tânea, oriundas da Região Sul do Brasil.

Uma parcela significativa desses fluxosmigratórios se direcionou para a região, nota-damente para Rondônia, onde o controlegovernamental sobre as terras era quase total,o que permitia continuar assentando migrantes

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em projetos de colonização pública ou deassentamento rápido.

Conforme se constata nos dados dos relató-rios do INCRA, o então Território e atualmenteEstado de Rondônia foi a unidade da Federaçãocom maior concentração de projetos de coloni-zação e de assentamento rápido. Em 1986, elesocupavam 80% da área total dos projetos decolonização e 88,1% da área dos projetos deassentamento rápido da área em exame. Emseguida vem Mato Grosso, com 14,8% da áreatotal da colonização e com 11,4% da área comprojetos de assentamento rápido. Os outrosEstados da região tiveram participação poucosignificativa.

O Projeto Integrado de Colonização de OuroPreto, por exemplo, criado em áreas de pólosférteis de Rondônia, foi um projeto-modelo.Com 512.585ha, estava previsto o assentamentode 5.162 famílias em lotes de 100ha (emmédia), a metade dos quais poderia ser explo-rada, devendo o resto ficar como reservaflorestal. Criou-se infra-estrutura básica, esta-beleceram-se esquemas de assistência técnicae fundou-se cooperativa. Os assentamentosseriam efetuados com ampla assistência,orientação e acompanhamento

Ao mesmo tempo em que outros projetoscomeçaram a ser implantados, teve início umprocesso de corrida por terra, por parte de novaslevas de migrantes, atraídos pela veiculação denotícias sobre a disponibilidade de terras férteisem Rondônia. Com isso, tornou-se impossívelimplantar os projetos de colonização da formacomo foram concebidos inicialmente. O estágioseguinte foi, em decorrência da impossibilidadede atendimento da demanda por terras naregião, de invasões de áreas fora dos projetosde colonização oficiais, o que forçou o INCRAa criar projetos de assentamento rápido, objeti-vando regularizar as ocupações. A assistênciaaos migrantes, que mesmo nos projetos oficiaisfoi se tornando precária, nos projetos de assen-tamento rápido era inexistente. Tem-se, assim,uma rápida visão das razões que permitiram aocupação descontrolada naquela área, comefeitos perversos sobre o meio ambiente daregião, especialmente no que se refere à devas-tação florestal e à exaustão do solo.

Pode-se afirmar que o Estado de Rondôniaainda se apresenta como área de frente desubsistência, beneficiado pela melhoria dascondições de escoamento da produção, com aimplantação, no Estado, de esquema de comprada produção. Por outro lado, com o esgotamento

da disponibilidade de terras mais acessíveis noCentro-Oeste, aquele Estado vem-se tornando,também, área de expansão de frentes comer-ciais. Essas alterações no perfil de Rondôniaestão modificando a estrutura fundiária razoa-velmente igualitária ali implementada pelapolítica de distribuição de terras públicas. Outrovetor que vem agravando a situação ambientalem Rondônia é representado pela exploraçãode garimpo.

Numa perspectiva geopolítica, a questão dasegurança, em relação à Amazônia, sempre foicolocada em primeiro plano pelo regime militarque se instalou no País após 1964, tendo comopano de fundo o imenso vazio existente, a atraira atenção e a cobiça de alguns países desenvol-vidos pelas riquezas que abrigava. A colonizaçãoocorrida na década de 70 foi vista como uminstrumento fundamental dessa ação na Região.Havendo excedentes populacionais em outrasáreas do País, notadamente no Nordeste e no Sul,a colonização apresentou-se como saída políticapara a solução desse problema.

Nesse sentido, deve-se registrar que oprocesso de ocupação exigia a execução deações de desbravamento na Amazônia, processoesse que seria realizado pela construção derodovias, sendo as mais importantes a Transa-mazônica e a Perimetral Norte. Não se podedesconsiderar que esse programa era de inte-resse das grandes empresas construtoras doPaís, reconhecidamente um segmento influenteno âmbito do poder instalado em Brasília.

Ao mesmo tempo em que essas ações eramdesenvolvidas, têm início, também, nesseperíodo, fortes pressões de grupos influentesnacionais, interessados na captação de incen-tivos fiscais (decorrentes da especulação deterras, que veio a substituir a especulaçãofinanceira, com a quebra da bolsa de valoresem 1971). Isso provocou uma forte valorizaçãodas terras, elevando o interesse pelo programade incentivos fiscais da Amazônia, e cresceumuito a aprovação, por esse programa, degrandes projetos agropecuários ou agroindus-triais. Fica, assim, explicado o afastamento, porparte do governo, do processo de colonizaçãopública, em meados da década de 70, passando,dessa forma, a orientar os seus esforços de ocu-pação da Amazônia com base na implemen-tação de grandes empreendimentos agrope-cuários ou agroindustriais. No começo dadécada de 80, a colonização (que ainda se apre-sentava como uma alternativa de ocupação decertas áreas da região) tinha deixado de ser

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considerada importante na estratégia do governono processo de ocupação da Amazônia.

Registre-se que o sistema de incentivosfiscais estabelecido pelo Decreto-Lei nº 1.376/74 objetiva direcionar investimentos às regiõese setores incentivados, mediante o abatimentode até 25% do Imposto de Renda devido porempresas do País para aplicação em empreen-dimentos nessas regiões ou setores. Essas apli-cações podem ser feitas por meio de um fundode investimento (projetos comuns) ou direta-mente em projetos próprios. Para poderemaplicar em projetos próprios, as pessoasjurídicas ou grupos de empresas coligadasdevem deter, isolada ou conjuntamente, pelomenos 51% do capital votante da sociedadetitular do projeto beneficiário do incentivo. Nocaso da Amazônia, a Superintendência deDesenvolvimento da Amazônia – SUDAM é aresponsável pela administração dos incentivos,e o Banco da Amazônia – BASA é o operadordo Fundo de Investimentos da Amazônia –FINAM. A área beneficiada pelos incentivosfiscais do FINAM abrange toda a região acimado paralelo 13, definida como Amazônia Legal.

Assumem, assim, os incentivos fiscais opapel principal nessa nova investida, com vistasa atenderem os interesses especulativos dosgrupos econômicos com forte influência juntoao poder central. Ressalte-se que o programade incentivos fiscais orientados para a regiãoteve como objetivo declarado o de incorporar aAmazônia à economia nacional. Assim, osincentivos fiscais funcionaram como indutor doprocesso acelerado e indesejável de ocupaçãode terras da Amazônia Legal.

A partir da constatação dos enormesproblemas gerados por esses grandes investi-mentos orientados para a Amazônia Legal,começa o governo a ter a percepção de que nãoera essa a solução para que a região se trans-formasse em uma significativa fonte deprodutos agropecuários. Isso arrefece o entusi-asmo oficial e leva a uma redução sensível doritmo de aprovação de novos projetos para aregião. O grande Projeto Jari (concebido peloempresário norte-americano Daniel Ludwig),que acabou sendo transferido para um consórciode empresários nacionais, graças à ajuda oficial,pode ser destacado como o melhor exemplodessa realidade. Assim, entra em decadência oprograma de incentivos fiscais para os empre-endimentos agropecuários e agroindustriais naAmazônia.

O programa de incentivos foi sendo desa-

celerado gradativamente, e, embora de formamuito incipiente, essa forma de ocupação edesenvolvimento da Amazônia foi sendo ques-tionada dentro do próprio governo, por setoresespecíficos da sociedade e por organizaçõesnão-governamentais, notadamente devido aosdanos causados ao meio ambiente da região.Registre-se que o sistema permanece ativado,com restrições, e esses tipos de projetos, a partirde pressões políticas, eventualmente aindarecebem incentivos fiscais.

4. Políticas públicas e o desempenho dosprojetos incentivados na Amazônia

Pode-se constatar que a valorização de terrase a captação de recursos livres predominavamna decisão de grupos empresariais no sentidode apresentarem projetos à Superintendênciade Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM,na qual a preocupação com o retorno dos in-vestimentos não aparecia como uma questãorelevante. Na verdade, o programa de incen-tivos fiscais provocou, conforme observadoanteriormente, uma enorme expansão de frentesespeculativas na Amazônia.

A esse respeito, é oportuno citar CharlesCurt Mueller (em Políticas Governamentais ea Expansão Recente da Agropecuária noCentro-Oeste):

“Um dos efeitos negativos do progra-ma de incentivos fiscais da AmazôniaLegal foi o forte impulso que deu àexpansão de frentes especulativas. Avalorização de terras e a captação derecursos livres predominavam na decisãode grupos empresariais de apresentarprojetos à Sudam, tendo os retornosprodutivos dos investimentos importân-cia secundária. Assim, a despeito dasdificuldades que muitos desses projetosforam apresentando, a demanda por terrascausada por eles permaneceu elevada esurgiram ou se ampliaram conflitos nasáreas da Amazônia em que frentes espe-culativas se superpunham a frentes desubsistência (a área do GETAT, porexemplo).”

Deve-se observar também que, em grandeparte, esses projetos incentivados não foramconcluídos. O fraco desempenho dos projetosimplantados na região caracteriza a política deincentivos fiscais mais como um instrumentode doação de recurso do que de desenvolvi-mento. Isso pode ser verificado nos relatórios

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da SUDAM e confirmado no trabalho de autoriade José G. Gasques e Clando Yokomizo – “Ava-liação dos incentivos fiscais da Amazônia”, emAgricultura e políticas públicas, no qual fo-ram desenvolvidos esforços no sentido de ava-liarem-se os incentivos fiscais na Amazônia,no período de 1967 a 1985, e que, entre outrosaspectos, constatou o seguinte:

a) No período compreendido pela avalia-ção, constatou-se que existiam 947 projetosincentivados pelo FINAM, sendo que, dessetotal, 621 eram agropecuários e agroindustriaise 326 nos demais setores. Dos projetosaprovados, apenas 166 foram consideradosimplantados (sendo 94 agropecuários e agroin-dustriais e 72 industriais e de serviços básicos).Os restantes estavam em implantação. Preocu-pou-se a referida avaliação com os projetosagropecuários ou agroindustriais. Foi canali-zado, por intermédio do FINAM, nesse período,um montante superior a US$ 500 milhões;destes, 71% foram para projetos em implanta-ção, 25% para os implantados e 4% paraprojetos cancelados. Os Estados do Pará e MatoGrosso concentravam 71,3% dos projetos.

b) Como resultado da avaliação, verifica-se,entre outras conclusões, que os principaisbenefícios dos incentivos fiscais na Amazôniaforam a criação de alguma infra-estruturaregional e geração de conhecimentos, quepoderão ser internalizados pela economia daregião. Os projetos incentivados pouco contri-buíram para aumentar o produto regional. Suaprodução e venda, naquela ocasião, represen-tavam 15,7% do que fora previsto. Mesmo osprojetos com 15 ou 16 anos de implantação têmsido extremamente ineficientes. Em 94 projetosagropecuários e agroindustriais implantados,apenas 3 têm apresentado alguma rentabilidade.Os demais não apresentam receitas. A concen-tração de benefícios a empresários que fizeramdos incentivos fiscais um negócio especulativoe instrumento para garantir a posse da terra e afreqüência de mudanças de controle acionáriomostram haver um comércio de projetos incen-tivados. Isso vem ocorrendo mesmo entre osprojetos novos; os incentivos fiscais pouco têmcontribuído para a fixação da populaçãoregional e há forte concentração de projetos comincentivos fiscais e da iniciativa privada emárea de floresta semi-úmida e na hiléia amazô-nica. Está ocorrendo, a uma taxa de substituiçãoelevada, a retirada de formações florestais ricasem madeira e fauna por projetos de baixosníveis de produtividade e tecnologia.

c) Em síntese, conclui a avaliação alertandoque, pelas evidências apresentadas, não háargumento que justifique a permanência dosincentivos fiscais na forma como têm sidoutilizados. Os recursos devem ser preservadoscomo instrumentos de desenvolvimentoregional, porém o sistema de opções deveriaser extinto. Os projetos de recursos própriospoderiam ser mantidos com condicionantes.Nesse sentido, propõem os seus autores que osrecursos deveriam ser aplicados em prioridadesclaramente definidas, maximizando a contri-buição para o desenvolvimento econômico esocial e não degradando o meio ambiente. Háestudos a esse respeito, que poderão contribuirpara definições dessa natureza.

Assim, o modelo de ocupação e desenvol-vimento da Amazônia (que se encontra esgo-tado), iniciado com os projetos integrados decolonização, posteriormente transferidos parao sistema de incentivos fiscais, propiciou osurgimento de enormes distorções, traduzidaspelos prejuízos econômicos, sociais e ambi-entais (na sua maioria irreparáveis) na Ama-zônia. Os efeitos dessas distorções indicam anecessidade de serem repensadas as políticaspúblicas orientadas, no futuro, para a região.

Na verdade, constata-se que os projetosincentivados da Amazônia Legal mostraram-semais aptos a propiciar a concentração fundiáriae de renda, o desperdício e o desvio de recursose os conflitos de terras do que produção, renda,impostos e empregos. Propiciaram, também,notadamente, impactos indesejáveis ao meioambiente, especialmente pelo desmatamentodescontrolado que fomentaram.

Esse fenômeno descrito vem sendo consta-tado, há algum tempo, por especialistas na área(vide C. C. Mueller, 1983). Nesse contexto,torna-se necessário que sua avaliação não serestrinja aos aspectos da racionalidade do pro-cesso de decisão de políticas públicas. Ele vaimais além, e entra no âmbito da dimensão dopoder.

Nesse sentido, é oportuno destacar aconstatação de Mueller (1990), ao se referir àgênese da estratégia amazônica, instituída apartir do início da década de 70 pelo regimemilitar, da qual a política de incentivos fiscaisfoi peça fundamental:

“Merece ênfase o complexo de forçasque se armou em torno dela. Cumpre,também, destacar sua eficiência namanutenção das características básicasda política, a despeito de seu evidente

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fracasso e das mudanças políticas pelasquais o Brasil passou mais recentemente.Conforme ressaltado, no entorno dapolítica de incentivos fiscais formou-seuma poderosa coalização de setores:dentro da “corte”, ela inclui organismosregionais do tipo da Sudam e do Bancoda Amazônia, cujo poder – para não dizersobrevivência – respalda-se na política;em setores “externos” influentes parti-cipam organizações do tipo da Associa-ção de Empresários da Amazônia (sedi-ada em São Paulo), bem como lobbiesregionais e dos estados da região.”

Essa aglutinação de forças conseguiu, comextrema competência, criar uma espécie de“dogma” no sentido da necessidade de semanter o esquema de incentivos fiscais no Paísa qualquer preço. Isso tem sido possível com oengajamento de setores políticos influentes daregião, com assento no Congresso Nacional,de grupos empresariais influentes (na suamaioria sediados em São Paulo) e dos veículosde comunicação da região, que incutiram naconsciência da sociedade regional que eventuaismudanças teriam como objetivo enfraquecer oprocesso de desenvolvimento da Amazônia.Assim, as propostas de reformulação de incen-tivos fiscais acabam esbarrando nesses obstá-culos, que se apresentam quase intransponíveis.

5. ConclusãoNão se apresenta como uma tarefa fácil,

portanto, intervir e propor modificações nasatuais políticas públicas orientadas para esti-mular o processo de ocupação e desenvolvimentoda Amazônia. Pelo contrário, as políticas deterras públicas tiveram um efeito bastantediverso do concebido na sua versão original, ea política de incentivos fiscais provocou espe-culação fundiária e não desenvolvimento agro-pecuário ou agroindustrial. Constata-se queforam despendidos enormes recursos paraatingir resultados não-satisfatórios para a regiãoe a sociedade. Esses desvios permitiram a trans-ferência de recursos e patrimônio a indivíduose grupos influentes, com efeitos poucos signi-ficativos sobre o desenvolvimento econômicoe social da maior parcela da população da área.

Essas políticas públicas, conforme observadoanteriormente, formuladas a partir de estraté-gias agrícolas e de desenvolvimento regionalespecíficas e implementadas, administradas emodificadas no contexto do processo decisó-

rio, não contaram apenas com a atuação dasorganizações governamentais responsáveispelas estratégias e políticas. A participação degrupos influentes que interagem com o regimena defesa de seus interesses foi decisiva paradeformar, provocar inércia e tornar irracionaisessas políticas.

Verifica-se que algumas dessas políticas, porpressões internas, especialmente em decor-rência das crises econômicas e fiscais do País,enfraqueceram ou mesmo desapareceram.Outras, por sua vez, permanecem em vigor,respaldadas pelas estruturas de apoio organi-zadas, com sustentação em grupos influentes,que se localizam nos poderes Legislativo e Exe-cutivo, bem como no meio empresarial.

Partindo-se desse entendimento, passa-se ater uma visão clara de como se estrutura osistema de políticas públicas que orientaram,e, em boa parte, ainda orientam (por intermé-dio da inércia ou da irracionalidade dogoverno), o processo de ocupação e desenvol-vimento da região. Isso permite inferir quepropostas de alterações do modelo atual devem,necessariamente, levar em consideração adimensão do poder existente no sistema atual.Isso evitará a criação de falsas expectativas, quetenderão a ser frustradas no futuro, no que dizrespeito à ocupação e ao desenvolvimento daAmazônia.

Torna-se necessário, portanto, diante dessarealidade, tecer alguns comentários e sugeriralgumas medidas para o enfrentamento dosproblemas assinalados.

a) A definição de políticas públicas para aocupação e desenvolvimento da Amazôniapassa necessariamente pela redefinição do papeldo Estado e de seus organismos envolvidosnessa tarefa, notadamente a SUDAM, o BASA,a SUFRAMA, o IBAMA, o INPA, o INCRA, aEMBRAPA e as universidades da região.

b) A agenda de discussão de políticaspúblicas deve incluir, de forma explícita (comparticipação da sociedade e das organizaçõesnão-governamentais), as questões relacionadasàs políticas ambientais – leis e decisões –formuladas para solucionar os conflitos explí-citos ou latentes que envolvem o modelo de ocu-pação e desenvolvimento da região. Busca-se,assim, permitir que sejam alcançadas as metasalmejadas em comum, considerando-se que apolítica ambiental lida com valores e interessesintensamente opostos, e que só podem seralcançados pela coletividade como um todo.

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c) Nas avaliações feitas sobre os incentivosfiscais na Amazônia, constata-se que a maiorparte dos danos ambientais causados à região éextremamente difícil de ser enfrentada pelosistema político, considerando-se que osimpactos negativos, em geral, ou são diluídospela imensidão da área ou aparecem anos apóster ocorrido a devastação ou a ação poluidora.Por isso, torna-se recomendável a introduçãode critérios mais rígidos nos procedimentos deanálise, acompanhamento e avaliação dosprojetos a serem implantados ou em fase deimplantação na Amazônia Legal, com ou semincentivos fiscais, especialmente os que sereferem à exploração de madeiras, minérios,pesca e agropecuária.

d) É importante também se desdogmati-zarem os argumentos utilizados pelos gruposde sustentação política que defendem os “inte-resses” da região, de forma a neutralizarem-seou reduzirem-se as suas ações no encaminha-mento das formulações de políticas públicasrelacionadas à ocupação e ao desenvolvimentoda região (com vistas a abandonarem o enfoqueimediatista), na qual são secundados pelosgrupos empresariais influentes, que estãovoltados para a obtenção de vantagens especu-lativas e lucros. É necessário ressaltar queambos os segmentos (político e empresarial)são julgados por seu desempenho ao lidaremcom problemas imediatos; isso leva à consoli-dação de uma tendência no sentido de que setomem medidas que apresentem resultadoimediato, e que, na sua maioria, vão de encontroaos interesses ambientais, econômicos e sociaisda região e do país.

e) Outra questão importante, no processode ocupação e desenvolvimento da Amazônia,e que por decorrência reflete-se nos problemasambientais da área (reconhecidamente difíceisde serem avaliados), é a necessidade de quesejam adotadas ações concretas no campofundiário, entre elas a redistribuição de terras,com vistas a atenuarem-se ou evitarem-se osconflitos em algumas áreas críticas, como é ocaso do Mato Grosso e do sul do Pará. Deve-seexaminar, ainda, a possibilidade da criação deterritórios federais nas grandes áreas vazias erazoavelmente preservadas, como é o caso daHiléia Amazonense e das áreas de fronteirasao norte da região. As distorções geradas noprocesso de ocupação da Amazônia já demons-traram que o problema ambiental da região épreocupante e exige que o governo assuma umapostura pró-ativa, que os empresários não visem

apenas à especulação e ao lucro e que as insti-tuições de pesquisas e ensino se envolvam deforma concreta, em sintonia com as organi-zações não-governamentais que atuam na área,buscando alternativas científicas, tecnológicas,econômicas, educacionais, culturais e ambien-tais que garantam a ocupação e o desenvolvi-mento sustentável para a região.

f) Assim, fica claro que a questão da ocu-pação e desenvolvimento da Amazônia,conforme retratado no capítulo inicial destetrabalho, passa pela formulação responsável depolíticas públicas. Dessa forma, a solução doprocesso de ocupação e desenvolvimentodaquela região terá de contar com a participaçãoefetiva da sociedade, que deverá ser mobilizadae envolvida nessa tarefa árdua, com vistas aquestionar se as políticas públicas de ocupaçãoe desenvolvimento implementadas na Amazôniasão defensáveis e se os critérios adotados atéentão, na formulação dessas políticas, sãoaceitos e considerados desejáveis. O importante,nesse sentido, é agregar, no encaminhamentodessa questão, variáveis éticas e dimensões deresponsabilidade na formulação de políticaspúblicas para a Amazônia.

g) A adoção de medidas ambientaiscorretas, em sintonia com o conceito de desen-volvimento sustentável e com a Agenda 21(documento aprovado durante a Conferênciapara o Meio Ambiente e Desenvolvimento –ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, estabe-lecendo um plano internacional de ações aserem desenvolvidas pelos países signatáriosem todas as áreas relacionadas com o desen-volvimento sustentável do Planeta), indica quea maioria dos países desenvolvidos começam aperceber que é mais importante prevenir osefeitos perversos de uma atividade econômicano começo, quando é planejada, do que depoisde aparecerem os prejuízos. Mas uma consci-entização da necessidade dessa postura indicamaior entendimento e preocupação moral doque a anterior atitude, generalizada, que seconcentrava somente no crescimento econômico,especialmente para geração de empregos eprodução de bens e serviços.

É nesse sentido (considerando-se a impor-tância e a complexidade da questão ambiental)que o Brasil deverá, necessariamente, encami-nhar-se. Não deve ser desconsiderado, nessecontexto, que o crescimento econômico quebeneficie a maioria do povo é vital para aproteção do ambiente, e isso somente serápossível com a busca de um equilíbrio entre

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atividade econômica e uma proteção ao meioambiente na Amazônia. Esse é o desafio que seapresenta para a sociedade brasileira nopresente e que terá de ser resolvido por meiodo encaminhamento adequado na formulaçãoe implementação de políticas públicas paraorientar, no futuro próximo, o processo deocupação e de desenvolvimento da Amazônia.

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