o papel da intuição e dos conceitos nas teorias
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O papel da intuição e dos conceitos nas teorias kantianas da geometriaIntroduçãoPara muitos críticos de Kant, os argumentos visando provar que oespaço é uma intuição pura a priori, só concebível como tal se não fornada além de forma subjetiva de nossa intuição, e não uma determinaçãoaderente aos objetos em si mesmos, fundar-se-iam todos exclusivamentena validade inquestionada da geometria euclidiana.1 Como tambémobserva Allison (2004, p. 116), para muitos críticos, a Exposiçãotranscendental do conceito de espaço não forneceria simplesmente umaprova adicional para teses independentemente defendidas na Exposiçãometafísica, mas a sua única prova. Se isso estivesse correto, oaparecimento das assim chamadas geometrias não-euclidianasrepresentaria uma refutação de facto da concepção kantiana do espaço.Diante disso, os defensores de Kant tendem a pôr em relevo a validadeem si e independência que a Exposição metafísica do conceito de espaçoteria relativamente à geometria euclidiana. Isso posto, assumindotambém a defesa de Kant, gostaria de argumentar em sentido inverso,evidenciando a independência da geometria euclidiana relativamente àsteses apresentadas na Exposição metafísica. O apoio para essa minhalinha de defesa se encontra numa determinada teoria kantiana dageometria, distinta da que é usualmente discutida pelos intérpretes. Estaúltima é aquela teoria que pode ser depreendida de várias passagens desuas obras, em particular na Estética transcendental da Crítica da razãopura e nos parágrafos iniciais dos Prolegômenos, onde a exigência de construção de conceitos resulta num papel de destaque dado à intuiçãopura no procedimento geométrico, o que justamente dá origem à suspeitapor parte dos críticos. Entretanto, podemos encontrar em outraspassagens da própria Crítica da razão pura,2 em particular na seçãointitulada Disciplina da razão pura no uso dogmático, indicações de umadiferente concepção dos pressupostos da geometria, que, ainda queigualmente sustente a necessidade de construção de conceitos, concedeum papel destacado ao conceito geométrico e um papel absolutamentesecundário à intuição, sobretudo à intuição pura. Ora, se pudermosmostrar que esta última versão representa a posição consistente de Kant arespeito dos pressupostos da geometria, então teremos através dissoobtido um importante elemento para mostrar que ela é independente daconcepção kantiana do espaço como intuição pura e forma subjetiva daintuição. Como consequência lateral, teremos que, quaisquer que sejamas deficiências dos argumentos especificamente destinados afundamentar a concepção kantiana do espaço aduzidos na Exposiçãometafísica, elas não terão nada a ver com a pretensão de dar conta dascondições formais transcendentais da geometria euclidiana, a única queKant teve oportunidade de conhecer.TRANSCRIPT
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Studia Kantiana 14 (2013): 34-54
O papel da intuio e dos conceitos nas teorias
kantianas da geometria
[The role of intuition and concepts in the Kantian theories
of geometry]
Julio Esteves
Universidade Estadual do Norte Fluminense (Campos de Goytacazes, Brasil)
Introduo
Para muitos crticos de Kant, os argumentos visando provar que o
espao uma intuio pura a priori, s concebvel como tal se no for
nada alm de forma subjetiva de nossa intuio, e no uma determinao
aderente aos objetos em si mesmos, fundar-se-iam todos exclusivamente
na validade inquestionada da geometria euclidiana.1 Como tambm
observa Allison (2004, p. 116), para muitos crticos, a Exposio
transcendental do conceito de espao no forneceria simplesmente uma
prova adicional para teses independentemente defendidas na Exposio
metafsica, mas a sua nica prova. Se isso estivesse correto, o
aparecimento das assim chamadas geometrias no-euclidianas
representaria uma refutao de facto da concepo kantiana do espao.
Diante disso, os defensores de Kant tendem a pr em relevo a validade
em si e independncia que a Exposio metafsica do conceito de espao
teria relativamente geometria euclidiana. Isso posto, assumindo
tambm a defesa de Kant, gostaria de argumentar em sentido inverso,
evidenciando a independncia da geometria euclidiana relativamente s
teses apresentadas na Exposio metafsica. O apoio para essa minha
linha de defesa se encontra numa determinada teoria kantiana da
geometria, distinta da que usualmente discutida pelos intrpretes. Esta
ltima aquela teoria que pode ser depreendida de vrias passagens de
suas obras, em particular na Esttica transcendental da Crtica da razo
pura e nos pargrafos iniciais dos Prolegmenos, onde a exigncia de
Email: [email protected]. O presente artigo uma verso substancialmente ampliada e
revisada de um paper que apresentei no X Congresso Kant Internacional, que se encontra
publicado nas atas do mesmo (Esteves, 2005, pp. 173-184). 1 Um exemplo paradigmtico desse tipo de crtica pode ser encontrado, por exemplo, em Strawson
(1966, pp. 62 e 277) e tambm em Guyer (1987, pp. 360-1).
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construo de conceitos resulta num papel de destaque dado intuio
pura no procedimento geomtrico, o que justamente d origem suspeita
por parte dos crticos. Entretanto, podemos encontrar em outras
passagens da prpria Crtica da razo pura,2 em particular na seo
intitulada Disciplina da razo pura no uso dogmtico, indicaes de uma
diferente concepo dos pressupostos da geometria, que, ainda que
igualmente sustente a necessidade de construo de conceitos, concede
um papel destacado ao conceito geomtrico e um papel absolutamente
secundrio intuio, sobretudo intuio pura. Ora, se pudermos
mostrar que esta ltima verso representa a posio consistente de Kant a
respeito dos pressupostos da geometria, ento teremos atravs disso
obtido um importante elemento para mostrar que ela independente da
concepo kantiana do espao como intuio pura e forma subjetiva da
intuio. Como consequncia lateral, teremos que, quaisquer que sejam
as deficincias dos argumentos especificamente destinados a
fundamentar a concepo kantiana do espao aduzidos na Exposio
metafsica, elas no tero nada a ver com a pretenso de dar conta das
condies formais transcendentais da geometria euclidiana, a nica que
Kant teve oportunidade de conhecer.
A parte fundamental do que estou chamando de teoria kantiana
da geometria usualmente discutida pelos intrpretes desenvolvida na
Esttica transcendental da Crtica da razo pura e nos pargrafos
correspondentes no incio dos Prolegmenos. Trata-se de passagens
fundamentais porque nelas que o prprio Kant acredita ter dado conta
adequadamente do elemento que tornaria primeiramente possveis os
juzos sintticos a priori produzidos pela geometria, a saber, a intuio
pura do espao como forma pura da intuio.3 preciso fazer essa
advertncia preliminar porque, como salientado pelos prprios
intrpretes, segundo Kant, as condies de possibilidade do
conhecimento geomtrico no esto ainda inteiramente dadas na Esttica
transcendental, tendo de ser complementadas pela contribuio dada pelo
entendimento, tal como podemos ver na Analtica transcendental.
Contudo, os intrpretes geralmente compreendem a contribuio dada 2 Doravante citada sob a forma abreviada KrV. As referncias Crtica da razo pura so sempre ao
texto da 1 e da 2 edies, designadas, respectivamente, como de slito, pelas letras A e B, e
seguindo, o mais das vezes, a traduo de Valerio Rohden. A traduo de passagens de outras obras de Kant de minha responsabilidade.
3 Como se pode verificar, por exemplo, na seguinte passagem da Exposio metafsica do espao:
Disso se segue que, no tocante ao espao, uma intuio a priori (no emprica) subjaz a todos os conceitos do mesmo. Assim, todos os princpios geomtricos, por exemplo, que num tringulo a
soma de dois lados maior do que o terceiro lado, jamais so derivados dos conceitos universais
de linha e de tringulo, mas, sim, da intuio, e isso a priori com certeza apodtica (KrV, A 25/ B
39).
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pelo entendimento, mais exatamente, a contribuio dada pelos conceitos
puros do entendimento, sempre em vinculao com as teses da Esttica
transcendental, ou seja, em vinculao com a concepo kantiana do
espao como intuio pura e forma pura da intuio. Em contraposio a
isso, em primeiro lugar, buscarei mostrar que Kant defende uma teoria
alternativa, na qual antes especificamente o conceito geomtrico que
recebe papel de destaque. Em segundo lugar, buscarei deixar
suficientemente evidenciado em que medida ela completamente
independente da Esttica transcendental.
1. O papel da intuio pura numa das teorias kantianas da
geometria
O que usualmente entendido pela maioria dos intrpretes como
constituindo a teoria kantiana da geometria tem a forma de um
argumento analtico-regressivo, que assume a validade da geometria
(euclidiana) e do seu peculiar modo de procedimento como algo
condicionado, indo em busca das suas condies de possibilidade.
Assim, Kant parte da suposio de que a geometria uma cincia que
determina sinteticamente e com validade necessria e universal as
propriedades do espao, perguntando-se ento pela natureza que tem de
ter a representao do espao, de modo a tornar possvel uma tal cincia
(Prolegmenos). Que as proposies matemticas em geral tenham
validade necessria e universal, i.e. validade a priori, algo que Kant
toma por indubitvel, pelo menos na medida em que nos limitarmos
matemtica pura, cujo conceito j traz consigo que ela no contm
conhecimento emprico, mas s conhecimento puro a priori (KrV, B 15;
grifado no original). J o carter sinttico das proposies geomtricas,
especificamente, seria algo que, para ele, poderia ser evidenciado tanto
nos axiomas quanto nos teoremas demonstrados com base neles. Assim,
pelo exame do que toma por um princpio (Grundsatz) da geometria, a
saber, o axioma segundo o qual a linha reta o caminho mais curto entre
dois pontos, Kant procura mostrar que se trata de uma proposio
sinttica. Pois, escreve ele, o meu conceito de reto no contm nada de
quantidade, mas s uma qualidade. Portanto, o conceito do mais curto
acrescentado inteiramente e no pode ser extrado do conceito de linha
reta por nenhum desmembramento (KrV, B 16; grifado no original).
Contudo, o exemplo escolhido no me parece muito feliz. Kant est
afirmando que o conceito de reta no pode conter (analiticamente) o
predicado mais curto, porque o primeiro conteria somente uma
qualidade, ao passo que o segundo, uma quantidade. Entretanto,
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preciso admitir contra Kant que ordinariamente dizemos de certas coisas
que elas possuem a qualidade ou propriedade de serem mais curtas que
outras. Em outras palavras, o mais curto pode ser perfeitamente
considerado como uma qualidade, por exemplo, uma qualidade que
atribumos reta quando a comparamos com outras linhas possveis
passando por dois pontos dados, ainda que a atribuio daquela
qualidade reta exija uma mensurao comparativa. Alis, poder-se-ia
mesmo alegar, ainda contra Kant, que a qualidade a que ele se refere
como contida no conceito de reta poderia ser expressa justamente pelo
predicado ser o caminho mais curto entre dois pontos. No que tange
aos teoremas, a resposta dada por Kant nas partes introdutrias
primeira Crtica ainda menos desenvolvida e convincente. Com efeito,
Kant tem ainda mais dificuldade em defender a tese do carter sinttico
dos teoremas porque no desconhecia que as inferncias dos
matemticos procedem todas segundo o princpio de contradio (KrV,
B 14). Ainda assim, Kant sustenta que o procedimento dedutivo
geomtrico, fundado no princpio de contradio, no transformaria as
proposies derivadas em proposies analticas. Pois, prossegue ele,
uma proposio sinttica pode seguramente ser compreendida segundo
o princpio de contradio, mas somente de tal modo que se pressuponha
uma outra proposio sinttica, da qual a primeira possa ser inferida,
jamais, porm, em si mesma (KrV, B 14). Desse modo, Kant parece
estar querendo dizer que o suposto carter sinttico dos axiomas de
algum modo transmitir-se-ia para toda a cadeia de proposies derivadas
deles de acordo com o princpio de contradio. Em suma, pelo menos
nas partes introdutrias da primeira Crtica, Kant sustenta a tese do
carter sinttico a priori das proposies geomtricas em geral
exclusivamente apoiado no exemplo (insuficientemente discutido) dos
axiomas. Como quer que seja, a questo posta por Kant tanto na Esttica
transcendental quanto nas partes correspondentes dos Prolegmenos ser
a de determinar qual deve ser a natureza da representao do espao, se
ela deve se constituir como uma condio de possibilidade da geometria
como conhecimento sinttico a priori das propriedades do espao.
De acordo com Kant, em primeiro lugar, o espao tem de ser
originariamente intuio, j que de um simples conceito de espao no se
podem extrair proposies que ultrapassem o conceito (KrV, A 25/ B
40-1), ou seja, as supostas proposies sintticas a priori geomtricas.
Em segundo lugar, essa intuio tem que ser encontrada em ns a priori
(...), portanto, tem que ser intuio pura e no emprica (KrV, A 25/ B
41), j que as proposies geomtricas nela fundadas teriam validade a
priori. Por fim, como ltimo passo no sentido de fornecer um argumento
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indireto para as teses da Exposio metafsica, Kant argumenta que s
podemos compreender a possibilidade de determinar a priori, como o faz
a geometria, o conceito e propriedades de objetos que so dados a
posteriori no sentido externo, se admitirmos que o espao no nada
alm de forma pura da nossa intuio externa, forma subjetiva da
sensibilidade, e no uma determinao aderente s prprias coisas (KrV,
A 25/ B 41). Com esse ltimo passo, Kant pretende explicar por que os
clculos feitos pelo gemetra a respeito de figuras ideais e perfeitas, das
quais no se pode encontrar nenhum exemplo na natureza, podem no
obstante encontrar aplicao a priori em objetos reais, que se aproximam
apenas imperfeitamente dessas figuras. Pois, segundo Kant, se o espao
tematizado pelo gemetra no for nada alm de uma forma introduzida
pelo sujeito no ato de conhecimento dos objetos do sentido externo e,
portanto, uma condio de possibilidade dos mesmos aparecerem para
ns, compreender-se- como possvel obter conhecimento a priori das
propriedades de partes do espao e como esse conhecimento vlido
independentemente da experincia pode encontrar uma aplicao
necessria nos objetos da experincia.4
Essa teoria kantiana da geometria gerou muitas objees, em
virtude das suposies que lhe servem de ponto de partida. Assim, por
exemplo, Kant teria tomado por inquestionvel que a geometria
euclidiana, a nica que ele pde conhecer, exporia a estrutura necessria
do espao, tal como seria possvel depreender da afirmao de que o
espao s pode ter trs dimenses, mais um suposto exemplo de
proposio sinttica a priori fornecida pela geometria (KrV, A 25/ B 40).
Alis, em contraposio a esta ltima suposio, verifica-se hoje em dia
uma recusa geral em considerar as proposies geomtricas como
verdades sintticas a priori. Com efeito, ou bem se as considera como
proposies analticas, quando se trata das geometrias puras ou no-
interpretadas, por exemplo, ou bem como proposies sintticas a
posteriori, quando se trata da geometria aplicada ao espao fsico. Com
relao a esta ltima distino, Kant usualmente criticado por no ter
tido clareza sobre as condies de possibilidade de uma geometria pura e
as de uma geometria aplicada (Kemp-Smith, 1995, pp. 111-12). Outra
4 Cf. Prolegmenos, 13, Observao I: Se (...) esta intuio formal [for] uma propriedade
essencial de nossa sensibilidade, mediante a qual, unicamente, objetos nos so dados, e se essa
sensibilidade no nos representar coisas em si mesmas, mas somente seus fenmenos, ento
muito fcil conceber e, ao mesmo tempo, fica inquestionavelmente provado: que todos os objetos externos de nosso mundo sensvel tm de concordar necessariamente, e com toda exatido, com as
proposies da geometria, porque a sensibilidade, atravs de sua forma de intuio externa (o
espao), com o qual se ocupa o gemetra, torna primeiramente possveis aqueles objetos como
meros fenmenos. Cf. tambm KrV, A 25/ B 40-1 e Prolegmenos, 6-10.
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objeo usual est relacionada ao excessivo peso concedido por Kant ao
papel representado pela construo de figuras, qual ele faz aluso no
item 3 da Exposio metafsica do espao na primeira edio da Crtica
da razo pura (KrV, A 24), e, em decorrncia disso, intuio pura do
espao, em sua avaliao do modo de proceder geomtrico. Com efeito,
isso parece ser tributrio de um determinado modo de fazer geometria,
justamente maneira de Euclides, o qual j comeara a ser superado ao
tempo do prprio Kant com a introduo da geometria analtica por
Descartes.5
Contudo, como veremos mais a frente, mesmo do ponto de vista
de uma anlise imanente dos prprios textos kantianos, possvel fazer
objees a essa tentativa de dar conta do modo de proceder da geometria
euclidiana mediante recurso intuio pura do espao compreendido
como forma da intuio externa. Entrementes, procuremos aprofundar
nossa compreenso dessa teoria kantiana da geometria. Assim, para
efeitos de argumentao, poderamos dar por concedido que o
conhecimento geomtrico se exprima em proposies sintticas a priori,
perguntando, ento, em que sentido exatamente o recurso intuio pura
a priori do espao permitiria dar conta do carter especfico dessas
proposies. Pois, afora o remetimento sua doutrina crtica, segundo a
qual a partir de meros conceitos de espao a geometria s poderia
produzir proposies analticas, e no as buscadas proposies a priori
ampliadoras do conhecimento e dotadas de certeza apodtica (KrV, B
41), a Exposio transcendental no apresenta nenhum detalhamento
mais preciso sobre o modo como a intuio pura do espao funcionaria
em tal ampliao.
Os problemas de compreenso dessa tese kantiana se colocam j
em virtude da conhecida, mas muitas vezes esquecida, ambiguidade
envolvida na palavra intuio, que, tal como o correlato alemo
Anschauung, significa ora o ato de intuir, ora o contedo ou objeto do
5 Como observa a esse respeito Hintikka (1992, p. 22), this () is the basis of a frequent criticism
of Kants theory of mathematics. It is said, or taken for granted, that constructions in geometrical
sense of the word can be dispensed with in mathematics. All we have to do there is to carry out certain logical arguments which may be completely formalized in terms of modern logic. The only
reason why Kant thought that mathematics is based on the use of constructions was that
constructions were necessary in the elementary geometry of his day, derived in most cases almost directly from Euclids Elementa. But () it was due to the fact that Euclids set of axioms and
postulates was incomplete. In order to prove all the theorems he wanted to prove, it was therefore
not sufficient for Euclid to carry out a logical argument. He had to set out a diagram or figure so that he could tacitly appeal to our geometrical intuition which in this way could supply the missing
assumptions which he had omitted. Kants theory of mathematics, it is thus alleged, arose by
taking as an essential feature of all mathematics something which only was a consequence of a
defect in Euclids particular axiomatization of geometry.
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ato, o que intudo no ato de intuio. Ora, na Exposio metafsica,
Kant pretendeu ter provado que o espao intuio pura a priori, e no
um conceito, querendo dizer com isso, em primeiro lugar, que temos
uma conscincia originria e a priori do espao como algo uno, singular
e infinito, e, em segundo lugar, que os mltiplos espaos so
necessariamente concebidos como partes desse nico espao. Ou seja,
com a tese de que o espao uma intuio pura a priori, Kant est
chamando a ateno para a natureza do objeto ou do contedo da
conscincia que temos do espao. Ora, se for esse o sentido tambm
empregado na Exposio transcendental, no fica claro para mim por que
o apelo ao espao uno e infinito que abarca todos os espaos permitiria
compreender a validade de proposies relacionadas a pequenas partes
do espao, como, por exemplo, as proposies entre dois pontos s
pode passar uma nica linha reta e a soma dos ngulos de um tringulo
igual a dois retos, etc., nas quais, como alega Kant, ultrapassamos os
conceitos de tringulo e de reta, conectando a priori com eles predicados
que no esto contidos nos mesmos. Contudo, uma considerao de um
trecho dos pargrafos correspondentes dos Prolegmenos (7) fornece
alguma clareza a respeito do que ele tem em mente. Pois, segundo Kant,
do mesmo modo que a intuio emprica torna possvel, sem dificuldade,
que ampliemos sinteticamente na experincia o conceito que nos fazemos
de um objeto da intuio, atravs de novos predicados que a prpria
intuio oferece, assim tambm o far a intuio pura, s que com a
seguinte diferena, a saber, que no ltimo caso o juzo ser apodtico e
certo a priori, ao passo que no primeiro caso ser somente empiricamente
e a posteriori certo (...).
Se compreendo bem essa passagem, no o espao uno e infinito
enquanto tal que tornaria compreensvel a possibilidade de produzir
proposies sintticas a priori na geometria. Com efeito, de acordo com
a passagem citada, Kant supe que haja uma analogia entre o modo
como a intuio emprica permite acrescentar a um conceito predicados
que no estavam contidos nele e o modo como a geometria acrescentaria
novos predicados aos conceitos de espao, obtendo proposies
ampliadoras sobre o mesmo. Em outras palavras, se a inspeo visual de
uma rosa dada numa intuio emprica me possibilita acrescentar ao
conceito de rosa predicados que no esto originalmente contidos nele,
como o predicado vermelho, por exemplo, ento, analogamente, a
inspeo visual de um tringulo e de construes auxiliares traados num
quadro-negro possibilitar-me-ia acrescentar ao conceito de tringulo
propriedades que no estavam originalmente contidas no mero conceito
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do mesmo, como, por exemplo, a propriedade de ter a soma dos seus
ngulos internos igual a dois retos. Porm, como no ltimo caso a
proposio conhecida com validade necessria e universal, ou seja, a
priori, seria preciso admitir que na base da intuio emprica, sobre a
qual se d a minha inspeo visual do tringulo que tracei, existiria o
espao como sua forma pura, no qual eu propriamente considerei o
tringulo puro, livre das imperfeies empricas, e com o qual conectei a
priori a mencionada propriedade. Contudo, como esse tringulo puro,
forma daquele tringulo traado no quadro-negro, ainda assim um
objeto singular, pode ser chamado com toda propriedade de uma
intuio pura ou intuio formal.6 Assim, os dois sentidos em que o
termo intuio pode ser tomado, a saber, como ato de intuir e como
objeto intudo, acabam convergindo na explicao dada por Kant
visando dar conta da possibilidade de juzos sintticos a priori
ampliadores de nosso conhecimento na geometria.7
2. O papel decisivo do conceito geomtrico e o papel secundrio da
intuio na outra teoria kantiana da geometria
Ora, se o que foi dito acima for uma correta exposio do ncleo
fundamental do que os intrpretes usualmente tomam como sendo a
teoria kantiana da geometria, teremos de admitir que a explicao dada
na Esttica transcendental e no incio dos Prolegmenos no d conta
nem mesmo da validade da geometria euclidiana. Isso fica claro, se a
compararmos com a explicao alternativa dada por Kant na seo
intitulada Disciplina da razo pura no uso dogmtico, nas partes finais da
Crtica da razo pura. Ora, digno de nota que a teoria da geometria e
6 Sobre o conceito de intuio formal e sua importncia para essa concepo kantiana do
procedimento geomtrico, cf. KrV, B 161. 7 Um excelente resumo da teoria kantiana sobre as condies de possibilidade de proposies
sintticas a priori na geometria na verso que ora estou discutindo, a qual apela para uma analogia
com o modo como so estabelecidas proposies sintticas empiricamente vlidas, pode ser encontrado na seguinte passagem do livro sobre filosofia da matemtica de Jairo J. Silva (2007, p.
99): Esse genial golpe de mestre de Kant a chave da possibilidade dos enunciados sintticos a
priori. Ele nos fornece uma resposta a todas as questes anteriores. Por seu intermdio temos um meio, a saber, as intuies puras do espao e do tempo, onde levar a cabo as construes e
verificaes matemticas, e, portanto, um correlato puro das verificaes empricas; isso responde
como so possveis os enunciados sintticos a priori da matemtica. Ademais, como o espao e o tempo so as formas necessrias de toda experincia sensvel, e a matemtica, num certo sentido a
ser precisado, a cincia do espao e do tempo, claro agora como possvel aplic-la aos dados
dos sentidos, ou seja, nossa experincia do mundo sensvel. O mundo sensvel matematizvel simplesmente porque o so o espao e o tempo, e esse mundo , inapelavelmente, um mundo
espao-temporal. Como se pode observar imediatamente, por estar comentando a concepo
kantiana da matemtica em geral, e no somente da geometria em particular, o autor se refere no
somente ao espao, mas tambm ao tempo.
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da matemtica em geral exposta por Kant na mencionada seo da
primeira Crtica j tinha sido antecipada em suas principais teses na
Investigao sobre a evidncia dos princpios da teologia natural e da
moral, um opsculo pr-crtico publicado em 1764. Esta uma
observao muito importante, pois significa que a teoria da geometria
apresentada inicialmente na Investigao e depois reproduzida na
Disciplina fora concebida num momento em que Kant ainda no
dispunha daquela concepo do espao como intuio pura e forma
subjetiva da intuio, que, segundo os intrpretes mais autorizados, teria
sido antecipada somente na Dissertao de 1770. E, de fato, no que se
segue, em contraposio ao modo de proceder usual dos intrpretes, que
simplesmente acabam por projetar as teses da Esttica transcendental na
Disciplina, buscarei mostrar que a teoria da geometria apresentada nesta
ltima seo pode e deve ser lida independentemente da concepo do
espao como intuio pura e forma subjetiva da intuio.
Na Disciplina, tal como j o fizera na Investigao, Kant procede
a uma comparao entre o conhecimento filosfico, que um
conhecimento racional a partir de meros conceitos, e a matemtica, um
conhecimento racional que procede pelo que ele chama de construo de
conceitos. Kant esclarece que construir um conceito significa exibir a
priori a intuio que lhe correspondente.8 preciso atentar aqui para o
fato de que, diferentemente do que acontece na Esttica transcendental, a
expresso a priori no usada na citao acima como um adjetivo
qualificativo da intuio, e, sim, como um advrbio modificando a
Darstellung, designando o modo como exibido o objeto numa
intuio.9 Ou seja, construir um conceito exibir a priori numa intuio,
e no exibir numa intuio a priori. E que isso de fato seja assim, no se
evidencia por razes meramente gramaticais. Pois vrias passagens da
Disciplina mostram claramente que, como a geometria procede a uma
exibio a priori, pouco importa a natureza da intuio, a saber, se pura a
priori, ou emprica, na qual tal exibio feita.10 Porm, verdade que a
8 Cf. KrV, A 713/ B 741: Einen Begriff aber konstruieren, heisst: die ihm korrespondierende
Anschauung a priori darstellen. 9 Alis, o emprego da expresso a priori como um advrbio designando o modo de exibio de um
objeto ocorre em outras passagens da Disciplina, como, por exemplo, KrV, A 717/ B 745, A 722/
B 750, A 729-30/ B 757-8. 10 Cf. KrV, A 713/ B 742: Assim, eu construo um tringulo na medida em que exibo o objeto
correspondente a esse conceito ou bem mediante a pura (blosse) imaginao na intuio pura, ou
bem, de acordo com a mesma, tambm sobre o papel na intuio emprica, em ambos os casos, porm, de um modo completamente a priori (...) nessa passagem, fica completamente claro que
a expresso a priori est sendo usada como um advrbio; cf. tambm KrV, A 718/ B 746: O
segundo procedimento, contudo, a construo matemtica e, aqui, mais exatamente, a construo
geomtrica, mediante a qual componho (hinsetze) numa intuio pura, tanto quanto numa intuio
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frase que se segue imediatamente definio do que seja uma construo
de um conceito parece desmentir essa interpretao. Pois Kant prossegue
afirmando que, para a construo de um conceito, exigida uma
intuio no-emprica, como se, para exibir a priori numa intuio,
fosse necessria uma intuio a priori. Entretanto, justamente nesse
ponto, Kant manifesta algum embarao pelo fato da intuio no-
emprica supostamente exigida para a construo de um conceito
geomtrico ser, ainda assim, por definio, um objeto singular, o que
coloca o problema de saber como que ela pode expressar validade
universal para todas as intuies possveis que caem sob o mesmo
conceito (KrV, A 713/ B 741).
A reflexo contida nessa passagem fornece elementos para anular
completamente o argumento regressivo da Exposio transcendental e o
correspondente do incio dos Prolegmenos. Pois, de que adianta remeter
para uma suposta forma pura de um tringulo construdo sobre uma folha
de papel, numa tentativa de explicar, por exemplo, a validade necessria
e universal da afirmao de que num tringulo qualquer a soma dos
ngulos internos igual a dois retos? Pois a intuio formal desse
tringulo puro ser sempre ainda uma intuio, ou seja, um objeto
singular, com um determinado comprimento de seus lados formando
ngulos determinados, ao passo que essa verdade geomtrica
supostamente vlida para todo e qualquer tringulo, independentemente
de tais particularidades, independentemente da grandeza dos lados e dos
ngulos. Ou seja, a Disciplina parte de uma reflexo sobre algo trivial, a
saber, que as verdades geomtricas so vlidas, por exemplo, para os
tringulos em geral, para a triangularidade enquanto tal, acabando por
dar um golpe de morte na teoria de que a considerao de um objeto
dado numa suposta intuio pura, sempre particular e determinada, possa
fundar tal validade.
Na Disciplina, Kant fornece uma outra explicao, bem diferente
daquela dada na Esttica transcendental. Pois, segundo ele, possvel
construir um conceito geomtrico mesmo na intuio emprica, sem
prejuzo da universalidade das propriedades e proposies produzidas,
porque, nessa intuio emprica, atento apenas para a ao de
construo do conceito ou para as condies universais de construo
(KrV, A 714/ B 742).11 Ou seja, enquanto a Esttica transcendental apela
emprica, o mltiplo que pertence ao esquema de um tringulo em geral, e, por conseguinte, ao seu conceito (...).
11 Traduzo a expresso allgemeine Bedingungen der Konstruktion por condies universais de
construo, seguindo a traduo de Valerio Rohden, em contraposio, por exemplo, a Paul
Guyer, que a traduz por general conditions of construction.
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O papel da intuio e dos conceitos nas teorias kantianas da geometria
44
para uma intuio a priori de um tringulo e para sua forma pura com
vistas a dar conta da validade necessria e universal das proposies
referentes a essa figura, a Disciplina rejeita tal explicao dando a
entender que o que garante essa validade o simples fato de que o que
construdo a priori numa intuio (qualquer) o conceito (de tringulo),
i.e. uma representao universal (KrV, A 713/ B 741), qual so
indiferentes vrias determinaes que se referem, por exemplo,
magnitude dos lados e dos ngulos, abstraindo-se, portanto, dessas
diferenas que no alteram o conceito de tringulo (KrV, A 714/ B
742). Assim, diferentemente do que se pode depreender da passagem dos
Prolegmenos acima citada, Kant sustenta na Disciplina que se pode
construir um conceito geomtrico mesmo na intuio emprica, porque,
no ato de construo, o gemetra atenta para as suas condies
universais de construo, i.e. para o conceito ou regra de construo, e
no porque na base do tringulo construdo na intuio emprica estaria
uma suposta intuio pura, forma daquela intuio emprica. O que Kant
quer dizer que o gemetra procede considerando no aquela figura
particular, a saber, um tringulo particular com lados e ngulos de uma
grandeza determinada, mas o tringulo em geral, a triangularidade
enquanto tal, abstrao feita dessas particularidades. Ou seja, em
contraposio Esttica transcendental, a alegao de que o gemetra
no estuda propriamente aquele tringulo real construdo sobre uma
folha de papel e, portanto, dado numa intuio emprica, no visa tanto
pr de lado as imperfeies daquele objeto real, que fariam com que os
clculos e as proposies produzidos com base nele resultassem em
meras aproximaes ou generalizaes indutivas. A concepo exposta
por Kant na Disciplina nos faz ver que igualmente necessrio pr de
lado as particularidades da figura real e determinada que, enquanto tais,
so irrelevantes para as propriedades do tringulo em geral. Desse modo,
a geometria pode produzir proposies com validade necessria e
universal sobre, por exemplo, os ngulos de um tringulo, porque, desde
o incio, o gemetra est considerando no propriamente aquele
tringulo particular desenhado sobre o papel, mas tambm no uma
suposta forma pura daquele tringulo particular, e, sim, os tringulos em
geral, as propriedades da triangularidade enquanto tal, as propriedades
do objeto do conceito de tringulo (KrV, A 716/ B 744), conceito ao
qual jamais ser completamente adequado nenhum tringulo particular
que possa ser construdo, quer numa intuio emprica, quer numa
intuio pura, em conformidade com o mesmo.
A pergunta que se coloca agora para qualquer um que tenha
familiaridade com os textos de Kant a seguinte: se a validade
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Esteves
45
necessria e universal das proposies geomtricas garantida pelo
simples remetimento ao conceito geomtrico, s condies universais de
construo, qual ser ento o papel que caberia intuio nessa teoria
kantiana da geometria? Pois, se o conceito geomtrico o decisivo, por
que Kant insiste tanto na tese de que, em contraposio filosofia, a
geometria no pode se contentar com a mera considerao do conceito,
tendo de sair dele em direo intuio correspondente, mesmo que,
aprendemos agora, essa intuio seja emprica? Em outras palavras, se a
geometria lida com a triangularidade em geral, por que ela tem de
considerar sempre o universal em concreto (KrV, A 714/ B 742), ou seja,
sempre num tringulo particular, muito embora o gemetra saiba que
est expondo propriedades vlidas dos tringulos em geral?
Como se sabe, Kant d uma grande importncia necessidade de
construo de conceitos e ao recurso intuio correspondente por parte
da geometria. Ele insiste sobre esse ponto tanto na Disciplina quanto j
ao tempo da Investigao, sendo nisso precisamente que ele via consistir
a diferena especfica da matemtica em geral relativamente filosofia,
impedindo que esta ltima proceda more geometrico. Ora, se a
necessidade de construo de conceitos e de recurso intuio por parte
da geometria uma doutrina que Kant j defendia em 1764, ela no pode
ser ento o mero reflexo do seu interesse em argumentar indiretamente a
favor de sua concepo do espao. E, de fato, com relao necessidade
de construo em geometria, sou obrigado a concordar com Kant,
embora seja obrigado a discordar dele num ponto de menor importncia
relacionado com essa questo.
Por um lado, creio que Kant esteja certo em insistir na necessidade
de construo em geometria. Pois essa insistncia no tem nada a ver
com seu interesse em defender as teses da Esttica transcendental e,
como veremos, nem tributria do modo euclidiano de fazer geometria.
Ela se deve antes ao fato de que um conceito geomtrico a
representao de um mtodo de proceder universal da imaginao, com
vistas a fornecer a um conceito a sua imagem ou, tambm, uma regra
de sntese, com respeito a figuras puras no espao (KrV, A 140-41/ B
179-80). Ou seja, a insistncia por parte de Kant sobre a necessidade de
construo decorre de uma reflexo sobre o que conceitos geomtricos
essencialmente so. Com efeito, o que so conceitos geomtricos em
sentido prprio seno conceitos de figuras, linhas, etc., ou seja, conceitos
de objetos essencialmente exibveis no espao? E isso vlido mesmo
nos casos em que nossa imaginao ou percepo se encontra submetida
a limitaes que impossibilitam que efetivamente se construam as
figuras correspondentes, como no famoso exemplo do conceito de um
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O papel da intuio e dos conceitos nas teorias kantianas da geometria
46
quiligono, i.e. de um polgono composto por mil lados, aduzido por
Descartes nas Meditaes. Pois, devido a uma limitao da imaginao,
no somos capazes de construir ou imaginar uma figura exatamente
correspondente, pois ela seria indistinguvel da imagem e da figura de
um crculo. Porm, o mesmo se passa com conceitos da aritmtica, por
exemplo, com o conceito de um bilho. No somos capazes de abarcar
pela percepo ou imaginao um conjunto de objetos exatamente
correspondente a esse nmero, pois ele seria indistinguvel de um
conjunto de objetos correspondente a um bilho e um, por exemplo.
Entretanto, compreendemos os conceitos de quiligono e de um bilho, e
o que a cada vez compreendemos nada mais nada menos que uma regra
sobre como deveramos proceder para executar aes em conformidade
de modo a exibir objetos em correspondncia, ou seja, figuras ou
conjuntos de objetos, apesar das nossas limitaes perceptivas.12 Em
suma, cingindo-nos ao exemplo que aqui nos interessa, quem
compreende o conceito de quiligono, como, de resto, um conceito
geomtrico em sentido prprio, compreende nada alm de uma regra que
dita um modo de procedimento para produzir determinadas figuras em
correspondncia. E, no meu modo de ver, por isso, e somente por isso,
que a geometria tem de proceder construo de seus conceitos.
Por outro lado, se o que foi dito estiver correto, serei obrigado a
discordar de Kant em outro ponto. Pois ele afirma em tom polmico
contra a tradio que a geometria se ocupa com quanta, com grandezas,
porque seu modo de procedimento consiste na construo de conceitos, e
s grandezas, e no qualidades, so passveis de construo a priori
(KrV, A 714-15/ B 742-43). Entretanto, Kant, e no a tradio, quem
toma o efeito pela causa. Pois, na geometria, como, de resto, em
qualquer cincia, o modo de procedimento determinado pelas
caractersticas e peculiaridades de seus objetos. Ou seja, por lidar com
conceitos de figuras e linhas, i.e. com grandezas extensivas, que a
geometria se v forada a adotar como parte de seu procedimento a
exibio dos objetos correspondentes. A situao totalmente diferente
na filosofia, como o prprio Kant salienta, porque seus conceitos no so
regras de sntese de figuras no espao, no so regras de produo de
intuies, e, sim, regras de sntese de intuies ou percepes possveis,
que ela tem de esperar que sejam dadas em alguma parte. por isso que
a filosofia no deve tentar imitar o procedimento geomtrico.
12 Quem compreende esses conceitos est numa situao similar quela em que se encontraria um
cartgrafo nufrago numa ilha, mas ainda de posse de seus mapas e do conhecimento necessrio
para interpret-los. Ele est fisicamente incapaz de se evadir da ilha, mas sabe como deveria
proceder para tal.
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Esteves
47
Desse modo, deixando de lado essa pequena confuso entre causa
e efeito, creio que Kant esteja certo ao insistir na necessidade de
construo em geometria. De fato, com base no que foi dito acima, ouso
afirmar que qualquer geometria que merea esse nome, e no apenas
aquela feita maneira de Euclides, dever conter um mnimo de exibio
de objetos correspondentes, pois isso algo inerente a um conceito
geomtrico, est analiticamente contido no conceito de conceito
geomtrico em geral. Na verdade, se entendo corretamente, exatamente
isso o que sucede quando se d uma determinada interpretao ao que
hoje em dia se denominam geometrias no-interpretadas. Pois essas
interpretaes so nada mais nada menos que tradues de variveis e
princpios lgico-formais em termos de pontos, retas etc., de maneira que
eles adquiram significado geomtrico propriamente dito.13 E o mesmo
vlido, creio eu, para as modernas geometrias crescentemente
algebreizadas: se devem exprimir verdades geomtricas em sentido
prprio, os clculos algbricos tm de ser interpretados, por exemplo, em
termos de figuras, em suma, em termos de conceitos de espao. Nesse
sentido, gostaria de corrigir a expresso empregada por Kant.
prefervel dizer no que uma geometria proceda por, e, sim, que proceda
a construo de conceitos. Pois, por mais que sejam crescentemente
algebreizadas, tais geometrias no se confundem com a lgebra,
continuam sendo sempre ainda geometrias, ou seja, cincias que
empregam conceitos de objetos exibveis no espao. Por isso, os clculos
algbricos altamente abstratos tm de ser interpretados em termos de
conceitos de espao, mesmo que, em virtude de uma limitao nossa,
no possamos de fato construir as figuras em correspondncia. Alm
disso, expressando minha tese de um modo mais contundente, uma
geometria que no exibisse pelo menos alguns de seus conceitos
primitivos seria algo equivalente a uma teoria das cores produzida para
ou por algum que fosse cego. Pois, como se trata, em ambos os casos,
de conceitos que remetem para objetos essencialmente exibveis numa
intuio, sem essa exibio simplesmente no se saberia sobre o que se
est tratando. Evidentemente, a diferena importante entre esses dois
tipos de conceitos est em que o conceito geomtrico no obtido
empiricamente a partir das intuies dadas, sendo antes uma regra a
priori para a produo de intuies.14
Para aprofundar um pouco mais o que, a meu ver, Kant
compreende por construo de conceitos em geometria, conveniente
13 Lano mo nesse ponto das consideraes apresentadas por Stephen Barker (1976, pp. 59-63). 14 interessante notar que em certa altura da Disciplina (KrV, A 716/ B 744), Kant afirma que o que
construdo na geometria no o conceito, e, sim, a intuio, em conformidade com o conceito.
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O papel da intuio e dos conceitos nas teorias kantianas da geometria
48
retornar ao conceito de quiligono. Esse conceito foi por mim
intencionalmente aduzido acima justamente porque os intrpretes tendem
a encar-lo como um exemplo de conceito que no seria passvel de
construo, de acordo com a teoria kantiana, uma vez que no possvel
produzir uma imagem do objeto correspondente. Assim, Gottfried
Martin (1969, p. 25) afirma que, para Kant, a noo de construo
introduz uma restrio no que pode ter direito de cidadania em geometria
e que, por isso, um matemtico jamais vai querer ou poder construir
um quiligono.15 Esse caso sobretudo interessante porque discutido
por Kant em sua polmica contra Eberhard. Este ltimo parte da
suposio de que, se, para Kant, todo objeto do qual no possvel
fornecer uma imagem sensvel teria de ser considerado um objeto do
entendimento puro, ento o quiligono estudado pela geometria serviria
como um contra-exemplo da doutrina crtica, ou seja, como exemplo da
possibilidade de se obter conhecimento legtimo de uma coisa em si ou
de um objeto puramente inteligvel. Kant responde em tom sarcstico
que, seguindo a linha de raciocnio de Eberhard, um pentgono seria um
objeto sensvel, um quiligono seria um objeto puramente inteligvel e
um enegono (polgono de 9 lados) estaria a meio caminho entre o
sensvel e o supra-sensvel, pois, se no conferirmos os lados com o
auxlio dos dedos, dificilmente poderemos determinar seu nmero com
uma simples inspeo de vista. (Kant (3), 1983, p.325). O que est
subentendido nessa resposta algo que tem escapado aos intrpretes
quando afirmam que, segundo Kant, s tm direito de cidadania em
geometria aqueles conceitos passveis de construo, ou seja, cujos
objetos podem ser exibidos numa intuio. Como recordamos acima, a
palavra intuio encerra uma ambiguidade, significando ora a ao
subjetiva de intuir, ora o contedo do ato, o objeto intudo. Ora, sem
dvida, um quiligono no passvel de construo, se se entende por
isso a possibilidade de produzir subjetivamente uma imagem particular.
Porm, como fica claro na resposta dada por Kant a Eberhard, o que
determina se um objeto sensvel ou inteligvel e, portanto, objeto de
conhecimento possvel, no a nossa incapacidade ou limitao
subjetiva, ao tentar abranger com a vista, por exemplo, os lados de um
enegono. Assim, para Kant passvel de construo e inteiramente
legtimo todo conceito geomtrico cujo contedo no se choque com as
condies objetivas da intuio. por isso que o quiligono passvel
de construo, ao passo que o bingulo no o . Pois, com efeito, o
bingulo no um autntico conceito geomtrico no porque no
15 Tambm a esse respeito, vide Schirn, (1991, p. 3).
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Esteves
49
possamos fazer subjetivamente uma imagem correspondente, mas
porque ele entra em choque com as condies do espao e da
determinao do mesmo (KrV, A 220-21/ B 268), ou seja, porque o
espao (euclidiano) no se deixa objetivamente determinar numa figura
composta de duas retas. Mas o conceito de quiligono no contm notas
que entrem em choque com as condies de determinao do espao,
pois o espao, objetivamente falando, passvel de ser determinado
numa figura de 1000 lados, e, por conseguinte, esse conceito tem pleno
direito de cidadania na teoria kantiana da geometria.
Consideraes finais
Vimos acima que a concepo kantiana das condies de
possibilidade da geometria apresentada na Disciplina da razo pura no
uso dogmtico permite invalidar o argumento regressivo desenvolvido
por Kant tanto na Esttica transcendental quanto nos pargrafos
correspondentes nos Prolegmenos. Pois, de acordo com a Disciplina, de
nada adianta apelar para uma suposta intuio pura, por exemplo, de um
tringulo particular, para dar conta da validade universal e necessria de
proposies que dizem respeito aos tringulos em geral,
triangularidade enquanto tal. Ainda de acordo com a Disciplina, a
validade necessria e universal das proposies geomtricas deve-se
antes inteiramente ao fato de que, no ato de construo daquele tringulo
particular, o gemetra dirige sua ateno para as condies universais de
construo do mesmo, ou seja, para o conceito ou regra universal que
preside a sua construo. Isso posto, gostaria de finalizar este artigo com
algumas consideraes que a meu ver se colocam muito naturalmente
como decorrncia dessa diversidade de concepes dos pressupostos da
geometria no interior da filosofia de Kant.
Em primeiro lugar, poder-se-ia perguntar se e em que medida a
concepo dos pressupostos da geometria apresentada na Disciplina
pode ser interpretada sem recurso Esttica transcendental, mais
exatamente, sem recurso s teses da Exposio metafsica do conceito de
espao, como havamos anunciado na Introduo a este artigo. Em outras
palavras, poderamos perguntar em que medida a teoria kantiana da
geometria defendida na Disciplina se sustenta independentemente de
qualquer recurso concepo do espao como forma pura da intuio e
intuio pura, defendida por Kant na Esttica transcendental. E, nesta
altura, para responder a essa questo, no basta fazer referncia ao fato
histrico de que a teoria da geometria encontrada na Disciplina havia
sido esboada num opsculo pr-crtico, redigido e publicado muito
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O papel da intuio e dos conceitos nas teorias kantianas da geometria
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antes de Kant ter concebido o espao como forma pura subjetiva da
intuio externa. Com efeito, ao fazer anteriormente referncia a esse
dado histrico, eu pretendia apenas dar plausibilidade inicial minha
proposta de interpretao. Pois poder-se-ia replicar que somente com a
concepo do espao caracterstica da fase crtica, tal como
apresentada na Esttica transcendental da primeira Crtica, aquela teoria
da geometria esboada no perodo pr-crtico teria chegado a sua
completude e perfeio.
O que podemos concluir da concepo encontrada na Disciplina
que, qualquer que seja a natureza do espao em que se constri uma
figura, a validade necessria e universal dos clculos e proposies feitos
com base nela estar necessria e suficientemente garantida pelo
remetimento s suas condies universais de construo. Eis por que
desenhos toscos feitos por Scrates na areia foram suficientes para levar
o igualmente tosco escravo de Mnon compreenso do modo como se
constri um quadrado com o dobro da rea de um quadrado
originalmente dado. Scrates teve que desenhar figuras ou, em termos
kantianos, exibir na intuio espacial objetos correspondentes ao longo
do processo de demonstrao daquele teorema, simplesmente pelo fato
de que o que estava em questo era justamente um teorema em
geometria, necessariamente relacionado a conceitos de objetos
essencialmente exibveis no espao. Por ser uma pessoa nada habituada a
lidar com questes abstratas, o escravo de Mnon precisaria repetir os
passos da demonstrao algumas vezes, desenhando novas figuras na
areia, at que por fim chegasse ao discernimento de que no seria mais
necessrio repetir o procedimento desenhando outros quadrados,
compreenso de que a validade daquele teorema estava estabelecida de
uma vez por todas, evidentemente, no em virtude daqueles desenhos
toscos, mas inteiramente em virtude dos conceitos (de espao) e dos
objetos correlatos dos mesmos, no caso, os conceitos de quadrado e de
diagonal.16
Contudo, se a validade necessria e universal dos teoremas e das
proposies geomtricas pode ser adequadamente explicada
exclusivamente pelo remetimento aos conceitos em questo, o que dizer
da sinteticidade dessas proposies? Com efeito, justamente o suposto
carter sinttico (a priori) das proposies geomtricas que fez com que
16 Parece ser exatamente assim que Plato interpretava a situao, como se pode ver na seguinte
passagem da Repblica, 510 d: And do you not also know that they further make use of the
visible forms and talk about them, though they are not thinking of them but of those things of
which they are a likeness, pursuing their inquiry for the sake of the square as such and the diagonal
as such, and not for the sake of the image of it which they draw?
-
Esteves
51
o Kant da fase crtica recorresse concepo do espao como intuio
pura e forma pura da intuio, de modo a tornar possvel uma analogia
com o modo como so estabelecidas as proposies sintticas a
posteriori. Assim, interpretando o Mnon luz da Esttica transcendental
e das passagens iniciais dos Prolegmenos, teramos que admitir que, ao
atentar para as figuras desenhadas por Scrates na areia ao longo da
demonstrao daquele teorema, o escravo estaria, contrariamente ao
diagnstico do prprio Scrates, aprendendo algo novo, a saber,
acrescentando sinteticamente ao seu conceito de quadrado e de diagonal
algo que no estaria originalmente contido nele e, no obstante, vlido a
priori, o que s seria possvel pelo fato de que na base daqueles desenhos
toscos estariam quadrados perfeitos e puros a priori, que seriam as
formas dos primeiros.
Entretanto, se, como reza a concepo da Disciplina, a validade
necessria e universal, i.e. a priori, daquele teorema no pode depender
de nenhum quadrado particular e mesmo singular, seja ele dado numa
intuio emprica na areia, seja ele dado numa suposta forma pura de um
quadrado desenhado na areia como correlato de uma intuio pura, ento
estaremos diante das seguintes alternativas: 1) ou bem as proposies
geomtricas seriam sintticas e, por conseguinte, exigiriam algo mais
que a mera considerao dos conceitos envolvidos, a saber, o recurso a
alguma intuio, mas, com isso, ficaria inexplicada a sua validade
necessria e universal, mesmo que se admita que essa intuio pura a
priori; 2) ou bem a validade necessria e universal das proposies
geomtricas pode ser suficientemente estabelecida inteiramente pelo
exame dos conceitos peculiares nelas envolvidos, a saber, conceitos de
espao, o que faz delas proposies analticas. Buscarei mostrar em
outro lugar que a concepo das proposies geomtricas como
proposies analticas, implicitamente presente nos escritos pr-crticos
em que Kant est ainda muito prximo da influncia de Leibniz, ,
paradoxalmente, aquela consistente com os princpios da filosofia crtica
terica kantiana e, em particular, com a assim chamada revoluo
copernicana.
Por ora, podemos responder da seguinte maneira questo
colocada acima. A teoria kantiana esboada na Disciplina e herdada do
perodo pr-crtico sugere uma concepo de geometria no como uma
cincia que determina sinteticamente e mesmo assim a priori as
propriedades do espao, como diz Kant na Esttica transcendental
(KrV, A 25/ B 40), mas como um conjunto de proposies analticas
inteiramente obtidas da anlise de nossos conceitos de espao, de acordo
com o princpio de contradio. Por conseguinte, uma vez que tenhamos
-
O papel da intuio e dos conceitos nas teorias kantianas da geometria
52
levado a cabo uma anlise completa da teoria kantiana da geometria
apresentada na Disciplina, veremos que ela inteiramente independente
da Esttica transcendental, mais exatamente, da Exposio metafsica do
conceito de espao. Desse modo, como foi dito na Introduo a esse
trabalho, o que temos aqui um importante elemento para evidenciar
essa independncia e livrar Kant de repetidas crticas feitas por seus mais
autorizados intrpretes. Alm disso, em analogia com o que faz o prprio
Kant por ocasio do argumento regressivo na Exposio transcendental
do conceito de espao (KrV, A 25/ B 40), a anlise completa da
concepo dos pressupostos da geometria na verso da Disciplina ter de
perguntar: o que deve ser a representao do espao, e no o espao
fsico em si, para que seja possvel um conjunto de proposies
analticas estabelecidas a partir de construes de conceitos de espao?
Em outras palavras, teremos de perguntar: o que deve ser a
representao do espao para que seja possvel construir nossos
conceitos de espao, ou seja, exibir a priori objetos correspondentes aos
nossos conceitos de espao? Alm disso, ainda em analogia com a
Exposio transcendental, teremos de perguntar: como possvel que
esse conhecimento analtico a priori obtido a partir de nossos conceitos
de espao tenha aplicao a objetos dados na experincia?
Outra questo que no pode passar sem algum comentrio a da
contraposio entre o mtodo da geometria e da matemtica em geral e o
da filosofia, que j havia sido estabelecida por Kant no opsculo de 1764
e que retomada e desenvolvida mais tarde na Disciplina. Com efeito, as
interpretaes usuais dessa contraposio estabelecida por Kant
geralmente pem o acento no papel representado pela intuio pura na
matemtica (Crawford, 1962, pp. 257-268). De acordo com essa linha de
interpretao, exatamente a possibilidade de recurso intuio pura faria
com que somente na matemtica sejam possveis demonstraes feitas a
partir de axiomas e definies. Isso no deveria ser imitado pela
filosofia, onde no possvel esse recurso intuio pura, em oposio
ao que pretendeu fazer, por exemplo, Spinoza, com sua tica more
geometrico. Ora, se, como pretendi ter mostrado, o suposto recurso
intuio pura no de modo algum o elemento decisivo no procedimento
geomtrico, mas, sim, o recurso ao conceito (geomtrico), ento coloca-
se muito naturalmente a pergunta sobre o que distingue essencialmente a
matemtica da filosofia, na medida em que a matemtica
inegavelmente um conhecimento racional e a prpria filosofia definida
por Kant como um conhecimento racional a partir de conceitos.
Buscarei desenvolver detalhadamente essa questo em outra ocasio,
mas por ora, remeto o leitor para um artigo de minha autoria j
-
Esteves
53
publicado, no qual pode ser encontrado o essencial de minha resposta a
esse problema (Esteves, 2010, pp. 68-76).
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Resumo: O exame dos textos de Kant permite distinguir duas teorias distintas
sobre os pressupostos da geometria. A primeira e mais discutida pelos
intrpretes aquela que exige a construo dos conceitos da geometria
euclidiana, a nica com o qual Kant pde ter tido familiaridade, na intuio pura
a priori do espao, como uma condio de possibilidade das proposies
sintticas a priori no conhecimento geomtrico. Desse modo, essa teoria dos
pressupostos da geometria forneceria uma prova indireta da Exposio
metafsica na Crtica da razo pura. Ora, com o aparecimento de geometrias
no-euclidianas, ambas perderam muito em fora de convico nos dias de hoje.
Em defesa de Kant, eu gostaria de mostrar que ele entretm outra teoria, em
oposio primeira, que tambm exige a construo de conceitos geomtricos,
mas na qual o conceito geomtrico desempenha o papel principal, enquanto a
intuio, sobretudo a intuio pura a priori do espao, desempenha um papel
secundrio. Se isso estiver correto, esta ltima teoria revelar-se-ia independente
da Exposio metafsica.
Palavras-chave: intuio pura, conceito geomtrico, construo de conceitos,
espao
Abstract: The study of Kants texts allows us to disentangle two distinct
theories of geometry. The first and more discussed by the interpreters is that one
that requires the construction of the concepts of the Euclidian geometry, the
only one with which Kant could have been acquainted, in the pure intuition a
priori of space, as a condition of possibility of the a priori synthetic propositions
in the geometrical knowledge. Thus, this theory of the presuppositions of
geometry would provide an indirect proof of the Metaphysical exposition in the
the Critique of pure reason. Now, since the non-Euclidian geometries arose,
both have no appeal nowadays. In Kants defense, I would like to show that he
entertains another theory, in opposition to the former, that equally requires the
construction of geometrical concepts, but in which the geometrical concept
plays the main role, while the intuition, above all the pure intuition a priori of
space, plays a secondary role. If so, this theory would turn out to be independent
from the Metaphysical exposition
Keywords: pure intuition, geometrical concept, construction of concepts, space
Recebido em 23/04/2013; aprovado em 30/05/2013.