o livro do boni

11
O LIVRO DO

Upload: leya-brasil

Post on 23-Mar-2016

230 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Os bastidores da história da comunicação brasileira narrada por seu grande mestre. Pode-se dizer sem medo de erro ou exagero que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, mais conhecido como Boni, é o responsável pela criação da televisão brasileira, tal como a conhecemos hoje. Foi ele quem ditou um padrão de excelência que colocou a produção televisiva nacional girando em telinhas pelos quatro cantos do planeta. Boni, porém, fez muito mais, como apresenta este livro, que reúne uma série de histórias inéditas de sua vida e profissão, em que têm como protagonistas alguns dos nomes mais importantes e conhecidos da comunicação do país. Com bom humor e riquezas de detalhes, o leitor terá a chance de conhecer em O livro do Boni mais de 60 anos de história da comunicação brasileira narrada por seu grande mestre. Ao fim, verá que o melhor de todos os enredos é, sem dúvida, o de sua própria vida.

TRANSCRIPT

Page 1: O livro do Boni

O LIVRO DO

Page 2: O livro do Boni

O LIVRO DO

O livro do Boni V13.indd 3O livro do Boni V13.indd 3 22/11/11 17:1422/11/11 17:14

Page 3: O livro do Boni

319

A censura e o milagre de Roque Santeiro

APARÍCIO TORELLY, O BARÃO DE ITARARÉ, jornalista e humorista, foi o primeiro, no Brasil, a usar o humor para criticar os políticos e a sociedade. Tinha uma coluna no jornal carioca A Noite, de Irineu Marinho, e, com o sucesso, lançou seu próprio jornal, um semanário de humor chamado A Manha, que usava o mesmo logotipo de A Manhã, apenas sem o til. O slo-gan de A Manha era: “Quem não chora, não mama.”

O Aparício foi o primeiro a ser punido fi sicamente pelas suas piadas e comentários humorísticos. Em 1932, durante o governo provisório, com Getúlio Vargas no poder, policiais militares invadiram a redação do jornal e deram uma tremenda surra nele. Sem perder o humor e depois de apa-nhar muito, ele colocou na porta da redação: “Entre... sem bater.”

Em 1939, Getúlio criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propa-ganda) com dupla função: censurar os opositores e promover o governo. Daí para frente, a censura no Brasil teve várias fases e diferentes objetivos: atingir a imprensa, o teatro, o rádio e todos os veículos de comunicação. Com o fi m do Estado Novo, quando se pensava que a censura acabaria, foi criado pelo Ministro da Justiça, José Linhares, o SCDP (Serviço de Cen-sura de Diversões Públicas), subordinado diretamente ao chefe da Polícia Federal. O foco saiu da política e concentrou-se nos costumes. A partir de 31 de março de 1964, com a instalação da ditadura militar no país, a censura política voltou e a censura de costumes recrudesceu. No início, como a censura não estava aparelhada nem havia diretrizes claras do que censurar, eles censuravam tudo, especialmente no entretenimento. Mui-tas vezes censuravam por medo de perder o emprego, porque ainda não haviam censurado nada.

Na Globo, um dos primeiros programas a sofrer com a censura foi o Dercy comédias. Para tentar resolver esse problema, a Dercy sugeriu a con-

Acensurae omilagrede

Roque Santeiro

O livro do Boni V13.indd 319O livro do Boni V13.indd 319 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 4: O livro do Boni

O livro do Boni320

tratação de Luiz Ottati, chefe aposentado da censura no Rio, que ajudava a passar pela censura as peças teatrais que ela apresentava em todo o Bra-sil. A função do Ottati era orientar a produção da Dercy para entender ob-jetivamente o que a censura estava querendo e como poderíamos driblar os censores. Mas, como ela fugia do texto e improvisava, seu programa era cortado e mutilado pelos censores de tal forma que teve de sair do ar.

O trabalho do Ottati foi desviado para outros programas de entrete-nimento e, especialmente, para sinopses de novelas. O trabalho dele era o de “pentear” as sinopses antes de serem submetidas à censura. “Pentear”, no jargão da televisão, signifi cava disfarçar alguns aspectos do texto para obter aprovação da censura. Tínhamos também dois homens que nos re-presentavam nas discussões com a censura: o Duarte Franco no Rio, que era coordenador de televisão; e o Guy Cunha, em Brasília, diretor de TV e de programação. Esse grupo não tinha autoridade para cortar uma só pa-lavra de qualquer texto e se limitava a encontrar saídas quando a censura implicava com alguma coisa.

Diferente de textos de jornais, revistas ou rádio, a televisão construía cenários e fabricava roupas por meio de investimentos altíssimos que não podiam ser jogados fora por determinações da censura. Assim, era preciso conseguir a aprovação de uma produção para um determinado horário e ir negociando, no decorrer da história, eventuais cortes nos textos. Essa postura da empresa foi confundida com a criação de uma censura interna, mas isso jamais existiu. Ao contrário. Fomos os primeiros a usar o Con-selho Superior de Censura. Quando foi criado pelo Ministro da Justiça Pe-trônio Portela, no fi nal dos anos 1970, pedi ao Otto Lara Resende que fosse o representante da televisão nessa luta. O Otto, adoentado, não aceitou e eu recorri ao Ricardo Cravo Albin, que representou a televisão e a socie-dade civil por quase uma década. Do livro Driblando a censura, do Ricardo, transcrevo a missão que dei a ele quando mandei um bilhete convidando--o para uma tarefa de alto risco:

O convite que te faço em nome da Globo não é fácil e pode ser mal compreendido. Mas é fundamental para a defesa da liberdade de expressão (...). Trata-se da representação da sociedade civil para lutar contra a creti-nice dessa censura que nos tumultua e nos castra. Você vai lutar, nas barbas

O livro do Boni V13.indd 320O livro do Boni V13.indd 320 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 5: O livro do Boni

A censura e o milagre de Roque Santeiro 321

do inimigo, dentro do Conselho instituído pelo Ministro da Justiça e que já está funcionando há dois meses ao lado da sala do Petrônio Portela.

A partir de 1979, o Ricardo fez um trabalho que eliminou muitos cortes nos programas e novelas, liberou sinopses e centenas de letras de músicas brasileiras. Se no entretenimento a censura foi dramática, no que se referia ao jornalismo ela foi mortal. O Jornal Nacional nasceu censura-do, pois, no dia da estreia, tínhamos uma reportagem completa feita pela TV Gaúcha, no sul, sobre o derrame do Costa e Silva e só pudemos dar no ar uma nota ofi cial. Quando o embaixador americano Charles Elbrick foi sequestrado e depois libertado em troca de 15 presos, a Globo obteve os nomes de todos, mas foi proibida de divulgá-los. Houve também a proi-bição do pronunciamento do Papa Paulo VI, da missa de sétimo dia do João Goulart, de notícias sobre cassação de mandatos, suspensão de dire-tos políticos e até epidemia de meningite. O fi lme feito pelo jornalismo da Globo sobre a morte de Lamarca foi confi scado por agentes militares na sala de montagem da emissora. A censura ocorria de diversas maneiras, dependendo da gravidade, variando de instruções diretas ao dr. Roberto Marinho, comunicados ofi ciais, memorandos ou a presença de agentes do SNI (Serviço Nacional de Informação) e da Polícia Federal.

Um dia um agente foi ver uma matéria que iria ao ar no JN e chegou atrasado. Queria que o jornal o esperasse ver a matéria, mas o programa já estava no ar e ele queria saber como fazia para examinar o assunto. O Armando Nogueira mostrou para ele um botão na mesa de corte e disse:

– Está vendo aquele botão ali? Aperta quando quiser tirar alguma coisa do ar.

O agente grudou o olho na tela, mas não teve coragem de tocar no botão. Durante os chamados anos de chumbo, os apresentadores de tele-jornais precisavam ter cuidado com as expressões e as falas, pois qualquer detalhe poderia ser interpretado como crítica ou ironia ao regime militar.

Em 1977, a editora Alice-Maria e o chefe de redação Luis Edgar de Andrade, acusados de serem comunistas, foram intimados a depor no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). O dr. Roberto Mari-nho fez questão de levá-los até o local e fez os agentes do DOPS saberem que ele foi pessoalmente deixar os dois para depor. Eles foram interroga-

O livro do Boni V13.indd 321O livro do Boni V13.indd 321 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 6: O livro do Boni

O livro do Boni322

dos e retornaram à emissora. Tivemos muitos golpes duros no jornalis-mo com um volume incalculável de comunicados ofi ciais e intervenções informais. O entretenimento, especialmente o gênero novela, foi objeto de interferência permanente em todas as emissoras e mais ainda na Glo-bo, por conta da audiência maior. Um dos guardiões dos valores políticos e morais do Brasil foi o chefe da censura Romero Lago que, na verdade, era um impostor chamado Hermelindo Ramires de Godoy, procurado por ter cometido quatro assassinatos. Ele havia obtido uma identidade falsa no Paraguai, graças às suas ligações com o presidente Alfredo Stroessner, e fora colocado no posto pelo general Riograndino Kruel, que ignorava a vida pregressa do censor.

No Serviço de Censura de Diversões Públicas, os anos de chumbo foram marcados pela arrogância do general Nilo Canepa e pela mão pe-sada da Solange Hernandes como chefe do departamento. Inteligente, esperta e bem preparada, ela foi a dama de ferro da censura. Sacava tudo e encontrava até pelo em ovo. Mas assim mesmo era melhor conversar com ela, que era objetiva, do que com os despreparados que me fi zeram trinta cortes em um só capítulo de O Bem-Amado para retirar a palavra “co-roné” toda vez que era pronunciada, porque poderia ser confundida com a patente militar “coronel”. Cismaram com essa besteira, mas deixaram no ar a abertura musical de Vinicius de Moraes, cuja letra dizia: “Esta-mos trancados no paiol de pólvora ... olhos vedados no paiol de pólvora.” Só perceberam o sentido e proibiram o tema muito tempo depois. Até o comportado Roberto Carlos foi vítima da censura. Em um dos especiais de Natal, um coronel achou que as atitudes de uma bailarina, no fundo do programa, eram inconvenientes e queria que regravássemos a cena. O Roberto Carlos já estava fora e o Borjalo explicou que isso era impossível. E o que o coronel sugeriu:

– Se não dá para regravar, vocês coloquem uma foto do Roberto e dei-xa tocar a canção.

O Borjalo, que não tinha papas na língua, deitou e rolou:– Parabéns, cononel... Parabéns. O senhor acaba de inventar o rádio.Mas a pancada maior foi a censura de Roque Santeiro. A novela de Dias

Gomes havia sido baseada na peça de teatro O berço do herói, do próprio Dias, proibida pela censura em 1965. A peça original contava a história do

O livro do Boni V13.indd 322O livro do Boni V13.indd 322 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 7: O livro do Boni

A censura e o milagre de Roque Santeiro 323

cabo Jorge, do exército brasileiro, homenageado e declarado herói por ter morrido em ação, ao tentar salvar seu comandante, na Segunda Guerra Mundial. Dezessete anos depois o cabo Jorge retorna e se descobre que ele não era herói coisa nenhuma, mas sim um desertor que fugira da guerra. A mensagem do Dias era: o tempo dos heróis já passou. Em 1975, lembrando que o tema era bom, o Dias retirou da peça todas as conotações militares, inclusive a farda do cabo Jorge, transformando o personagem em um mi-lagreiro que vira mártir ao morrer, defendendo a cidade contra o bandido Navalhada. A cidade explora o mito e todos vivem às custas do falso herói.

A sinopse foi mandada para a censura junto com vinte capítulos es-critos, como era exigido na época, tendo sido aprovada para as 20h, con-forme ofício do chefe da censura, sr. Rogério Nunes, em 4 de julho de 1975. Iniciamos a produção com Francisco Cuoco no papel de Roque, Lima Du-arte como o Sinhozinho Malta e Betty Faria como a viúva Porcina, a que foi sem nunca ter sido. Foram gravados 36 capítulos. A novela estrearia no dia 27 de agosto. No dia 20 houve uma reviravolta e a censura, depois de assistir aos capítulos gravados, ofi ciou a Rede Globo que o Roque Santeiro só poderia ser exibido às 22h, assim mesmo com cortes que, a meu ver, destruiriam a obra e impediriam a sua compreensão. Começamos a agir de duas formas: tentar ajustar a novela às exigências da censura e ver se era possível liberar Gabriela, que estava às 22h, para mais cedo, permitin-do uma inversão. Gabriela iria para as 20h e Roque fi caria às 22h. O pedido foi negado pela censura. Estávamos ameaçados de fi car sem a novela das oito, sem entender por que e o que estavam censurando. Pedi ao dr. Rober-to Marinho que falasse, pessoalmente, com o Ministro da Justiça, Arman-do Falcão, mas o dr. Roberto me contou que estavam estremecidos e não queria pedir nenhum favor a ele. Na véspera da estreia programada e sem solução à vista, pedi ao Daniel Filho que preparasse a novela Selva de pedra, com Francisco Cuoco e Regina Duarte, para ser compactada e exibida no horário caso não houvesse uma solução. Depois do almoço o dr. Roberto me convocou à sala dele e, sempre em tom baixo, me chamou a atenção:

– Você colocou a empresa em risco. Não aceitei a acusação. Disse que estava perplexo e queria que ele

visse alguns capítulos comigo. Ele concordou. Vimos o primeiro e alguns trechos de outros. Ele também fi cou perplexo e irritado com a censura.

O livro do Boni V13.indd 323O livro do Boni V13.indd 323 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 8: O livro do Boni

O livro do Boni324

– Desculpe. Você não tem culpa. Não sei o que esses sujeitos estão querendo. O que poderíamos fazer?

Nem precisei pensar. Arrisquei uma sugestão:– Dr. Roberto, estamos sendo censurados há muito tempo. E os nos-

sos telespectadores não sabem disso. Vamos denunciar a censura. Vamos contar que a censura existe e que estão nos proibindo de exibir a novela.

Na mesma hora ele passou a mão no telefone e chamou o Arman-do Nogueira. Encomendou um editorial contando a história e revelando para vinte milhões de pessoas que estávamos sob censura. O editorial foi feito pelo Armando e pela Alice-Maria e fi cou pronto para ser lido no dia seguinte, quando a novela deveria estrear, caso a proibição para as 20h persistisse. Nossos funcionários credenciados para tratar com a censura tentaram até o último minuto, antes do JN, uma solução negociada, mas sem nenhum êxito. Liguei para o dr. Roberto e pedi uma confi rmação:

– Vamos com o editorial?– Claro. Vamos a qualquer risco.Era a primeira vez que fazíamos isso. Um milagre do Roque Santeiro.

Eu estava morrendo de dor de cabeça e fui para a clínica São Vicente, onde o dr. Nunjo Finkel me deu um calmante e eu fui dormir.

Não vi a Selva, mas no dia seguinte acordei cedo e fui atrás do Ho-mero Sánchez para saber do ibope da reprise. Quando soube que a audi-ência estava acima de 50%, fi quei aliviado, embora ainda não conseguis-se entender o que havia ocorrido e nem o porquê da mudança brusca da censura, liberando e depois proibindo. O mistério foi esclarecido quan-do soubemos por meio de um agente do governo que um telefonema do Dias Gomes ao Nelson Werneck Sodré havia sido grampeado. O grampo do Nelson, mesmo sem qualquer autorização da Justiça, era permanente. Nesse telefonema o Dias comentava que o Roque era o Berço do herói sem farda. Os serviços de informação do governo ordenaram que a censura in-viabilizasse a exibição, sem proibi-la ostensivamente. Ficamos sabendo também que o Ministro Armando Falcão se divertia no CPOR por ter cau-sado um problema para o dr. Roberto e para nós, profi ssionais dos quais ele sempre teve inveja. No ano seguinte, repetiram a dose do Roque proi-bindo, para qualquer horário, a novela Despedida de casado. Comecei a ter suores noturnos e procurei meu endocrinologista, dr. Geraldo Medeiros.

O livro do Boni V13.indd 324O livro do Boni V13.indd 324 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 9: O livro do Boni

A censura e o milagre de Roque Santeiro 325

Ele me encaminhou para um ultrasson com o dr. Eduardo Tomimori que, após me examinar, disse:

– Boni, você não tem mais tireoide. A Globo comeu.– E o que eu faço?– Tem que pescar, arranjar um riozinho com um barulhinho e pescar.– Mas dr. Eduardo, trabalho feito um louco. No fi m de semana quero

tomar vinho, cerveja, comer, farrear.E o dr. Tomimori, com a sua paciência nipônica, me esclareceu:– Não, não é pescar no fi m de semana. É pescar pro resto da vida.Com a censura em ação, não deu para ir pescar. O Conselho Superior

de Censura, que parecia uma solução, tinha por objetivo apenas “dourar a pílula”. Ainda bem que o tiro saiu pela culatra e o Conselho, que foi imagi-nado pela censura como “decorativo”, começou a funcionar de fato. Tan-to que, mais tarde, Abi-Ackel tentou aumentar o número de conselheiros para garantir o controle do CSC, sem resultado, porque a bancada anti-censura havia se fortalecido. Em 1985, fi zemos Roque Santeiro. Na estreia, dr. Roberto me convidou para assistir ao capítulo na sala dele. Rimos mui-to com a Regina Duarte e o Lima Duarte. Depois ele comentou:

– Não havia mesmo nada a censurar. Cumprimente a todos.E, discretamente, deixou uma lágrima rolar.Nesse mesmo ano, tive um almoço com o presidente Sarney e com

o Marco Maciel. Falei sobre a nossa amarga convivência com a censura e mostrei para ele a tremenda burocracia que a televisão vivia para liberar as nossas produções. Pouco tempo depois, o presidente Sarney me ligou di-zendo que tinha uma boa notícia e me perguntou se eu queria ir a Brasília ou poderia ser por telefone.

– Se é boa, dê por telefone mesmo.– O ministro Fernando Lyra chamou o Coriolano Fagundes para aca-

bar com o SCDP e assinou hoje uma portaria acabando com aqueles pro-cedimentos complicados e transferindo a responsabilidade do que vai ao ar para as emissoras.

No almoço da diretoria da Globo comuniquei aos companheiros a notícia que havia recebido. O Otto Lara lembrou:

– É hora de botar para fora todo o material censurado.O Daniel Filho, que almoçava conosco, deu um pulo.

O livro do Boni V13.indd 325O livro do Boni V13.indd 325 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 10: O livro do Boni

O livro do Boni326

– Roque Santeiro... Vamos fazer o Roque Santeiro.Mal terminou o almoço, o Daniel apareceu na minha sala dizendo que o

Dias estava revisando o texto para atualizar a novela e que ele iria consultar o elenco original para ver quem gostaria de fazer o papel programado para 1975. Cuoco e Betty Faria preferiram não fazer. O Wilker topou fazer o Roque e a Regina só aceitou a viúva Porcina com a condição de fazer alguma coisa bem diferente. E fez uma Porcina maravilhosa e inesquecível na história da nossa televisão. O Lima já estava com mil ideias de como melhorar o seu Si-nhozinho Malta e inventou as pulseiras e o jeito de cachorrinho carente. A novela Roque Santeiro teve seus 36 capítulos iniciais revistos pelo Dias e daí para frente o Aguinaldo Silva assumiu, com a colaboração de Marcilio Moraes e Joaquim Assis. A direção foi do Paulo Ubiratan, Jayme Monjardim, Gon-zaga Blota e Marcos Paulo. O sucesso foi total e a novela registrava médias de 90% de audiência. A abertura do Hans Donner, com boias-frias, carros, caminhões e motos andando sobre folhas, também foi um marco. A trilha musical fez um sucesso tão grande que a Som Livre teve que dividir a parte nacional em dois volumes, dispensando a trilha internacional. No capítulo 163, fui procurado pelo Dias, que queria fechar a sua obra, dando a ela o des-tino que ele havia proposto. Foi difícil tirá-la das mãos do Aguinaldo, que havia acertado em cheio e tinha todo o direito de concluir o projeto. Como o sofrimento do Dias era muito grande, contei com a ajuda e a compreensão do Aguinaldo. Fizemos uma transição a oito mãos, bem rápida, e o Dias escre-veu os capítulos fi nais. A ideia de parafrasear o fi nal de Casablanca foi do Da-niel Filho, comprada por mim imediatamente. O último capítulo atingiu, no Rio e em São Paulo, um pico de 100% de participação na audiência, fenôme-no apenas registrado na televisão brasileira por Roque Santeiro e Selva de pedra.

Não foi fácil sobreviver à censura. E a Globo foi, pela sua audiência e penetração em todo o Brasil, o veículo mais censurado pela ditadura mili-tar. A censura é uma erva daninha que cresce mais rápido que a infl ação. Quando ouvi, em 2011, vinte e três anos após a Constituinte de 88, que estão querendo proibir a campanha da lingerie Hope, com a deslumbrante Gisele Bündchen, me perguntei:

– Ué, as senhoras da Vila Maria ainda estão vivas?

O livro do Boni V13.indd 326O livro do Boni V13.indd 326 22/11/11 17:1522/11/11 17:15

Page 11: O livro do Boni

O livro do Boni356

Beth Faria na versão censurada de Roque Santeiro

Lima Duarte e Regina Duarte em Roque Santeiro

Antônio Fagundes e Adriana Esteves em Renascer

Beth Faria e Lima Duarte na versão censurada de Roque Santeiro

O livro do Boni V13.indd 356O livro do Boni V13.indd 356 22/11/11 17:1522/11/11 17:15