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PAULO HENRIQUE BRACKS DUARTE O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS NOVA LIMA – MG 2004

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PAULO HENRIQUE BRACKS DUARTE

O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA

PROFISSIONAL DE FUTEBOL

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS NOVA LIMA – MG

2004

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PAULO HENRIQUE BRACKS DUARTE

O CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA

PROFISSIONAL DE FUTEBOL

Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção de título de bacharel em direito, sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb.

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS NOVA LIMA – MG

2004

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SUMÁRIO

Resumo..............................................................................................................pág.05

Introdução..........................................................................................................pág.06 1) Parte Histórica.............................................................................................pág.08

1.1) Futebol.....................................................................................................pág.08

1.2) Legislação Desportiva..............................................................................pág.09

1.2.1) Aplicação das Normas Reguladoras................................................pág.11

1.2.2) Lei Pelé.............................................................................................pág.12

a) Penhora do Passe...............................................................................pág.14

2) Contrato de Trabalho....................................................................................pág.16

2.1) Aspectos Gerais.......................................................................................pág.16

2.1.1) Conceito............................................................................................pág.16

2.1.2) Caracteres........................................................................................pág.16

2.2) Aspectos Especiais..................................................................................pág.17

2.2.1) Requisitos.........................................................................................pág.17

2.2.2) Formas..............................................................................................pág.18

2.2.3) Conteúdo..........................................................................................pág.19

2.2.4) Capacidade.......................................................................................pág.19

2.2.5) Atleta Estrangeiro.............................................................................pág.20

2.2.6) Salário...............................................................................................pág.21

a) Luvas...................................................................................................pág.22 b) Bichos..................................................................................................pág.23 c) FGTS...................................................................................................pág.24

2.2.7) Duração............................................................................................pág.25

2.2.8) Horário..............................................................................................pág.27

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a) Adicional noturno..................................................................................pág.28

2.2.9) Concentração...................................................................................pág.29

2.2.10) Direito de Imagem..........................................................................pág.31

2.2.11) Direito de Arena..............................................................................pág.35

2.2.12) Férias..............................................................................................pág.38

2.2.13) Víncluo............................................................................................pág.39

2.2.14) Direito de Preferência.....................................................................pág.40

2.2.15) Cláusula Penal................................................................................pág.42

2.2.16) Multa Rescisória.............................................................................pág.45

2.2.17) Cláusula Penal x Multa Rescisória.................................................pág.46

2.2.18) Suspensão e Interrupção................................................................pág.47

2.2.19) Prescrição.......................................................................................pág.48

3) Poder Disciplinar do Empregador...............................................................pág.50

4) Cessação do Contrato..................................................................................pág.52

4.1) Rescisão Indireta.....................................................................................pág.53

4.2) Justa Causa.............................................................................................pág.54

4.3) Cessão-Transferência.............................................................................pág.55

4.3.1) Cessão Temporária para Clube do Brasil........................................pág.55

4.3.2) Cessão para Clube do Exterior........................................................pág.57

5) Competência / Justiça..................................................................................pág.58

Conclusão..........................................................................................................pág.60

Referências Bibliográficas...............................................................................pág.63

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RESUMO

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol possui diferenças substanciais em comparação às demais relações empregatícias, razão pela qual possui uma legislação especial que o regula. Serão demonstrados no decorrer do trabalho os aspectos jurídicos mais relevantes deste contrato de trabalho que envolve o lúdico, mas profissional, meio desportivo.

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INTRODUÇÃO

O presente estudo consiste em uma monografia de graduação, e tem por escopo

apresentar os aspectos jurídicos que revestem o contrato de trabalho do atleta

profissional de futebol, que é regido por leis especiais.

O desenvolvimento da presente monografia foi idealizado de forma a dividir-se em

cinco partes, comportando, cada uma, subdivisões conforme o número de

desdobramentos. Essa forma de sistematização foi adotada em observância às

dimensões em que se desenvolve o fenômeno jurídico, conforme ensina

MARCOS BERNARDES DE MELLO (1986, p.30).

A primeira parte traz a história, tanto do futebol propriamente dito, bem como das

normas que passaram a regular essa profissão considerada como especial ante o

ordenamento jurídico. Sucintos relatos informam a origem do esporte em nossa

sociedade e sua imensa repercussão e aceitação até os dias atuais.

Em segundo plano, pretende-se delimitar os principais aspectos que circundam o

contrato de trabalho realizado pelo atleta profissional de futebol com a equipe de

prática desportiva. Para tanto, far-se-á necessária uma introdução aos contratos

de trabalho analisados com um enfoque geral, sob os preceitos basilares que

delimitam essa figura eminentemente do direito do trabalho.

Os pontos essenciais que diferenciam a avença celebrada entre o jogador de

futebol e o clube para com as demais relações empregatícias se encontram nesse

segundo capítulo, cujo fito é o de retratar o que a Lei Geral Sobre o Desporto – a

Lei Pelé – dispõe sobre o contrato ora em análise.

A terceira parte aduz a despeito do poder disciplinar do empregador para com o

empregado. Ambos possuem, pela lei, deveres e atribuições das quais não

podem se furtar em exercer, sob pena de infringir a norma reguladora.

O descumprimento do contrato de trabalho assinado pelas partes enseja a

cessação abrupta do pacto, e as hipóteses de incidência estão lastreadas no

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capítulo quarto da presente monografia. Por regra, o vínculo do atleta com o clube

se encerra com a sobrevinda do termo no contrato expresso, mas, em exceção há

de se ressaltar as circunstâncias de extinção da relação empregatícia antes desse

prazo.

Por derradeiro, a quinta parte visa estabelecer a competência do órgão prestador

da tutela jurisdicional para dirimir lides envolvendo atletas profissionais de futebol

e as equipes de prática desportiva. A Constituição Federal pôs fim às discussões

no tocante à matéria, e determinou que a Justiça do Trabalho é a competente

para solucionar conflitos de interesses desta natureza.

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1 PARTE HISTÓRICA

1.1 Futebol

Malgrado não ser predominante ante os historiadores do esporte, o futebol

surgiu de forma rudimentar no Brasil em 1878, através dos tripulantes de um

navio denominado Criméia que, ao desembarcarem no Rio de Janeiro,

supostamente teriam disputado uma partida de futebol na rua Paissandu, hoje

conhecido logradouro do bairro do Flamengo. Todavia, dúvidas não pairam que a

cabal introdução do futebol no País foi feita através de Charles Miller, que, em

1884, trouxe da Inglaterra alguns materiais do esporte por lá já praticado, tais

como bolas e uniformes.

Charles Miller era brasileiro, filho de ingleses, e havia estudado na terra de

seus progenitores onde jogou futebol na universidade de Southampton. Sobre ele,

traz enriquecedoras informações o autor ORLANDO DUARTE (1996, p.88), senão

vejamos:

“Charles Miller não trouxe só as duas bolas. Trouxe também calções, chuteiras, camisas, bomba de encher a bola e a agulha. Foi o início dessa loucura que é o futebol entre nós. Charles Miller faleceu em 1953, em São Paulo, na cidade onde nasceu. Foi um ótimo jogador, artilheiro, estimulador da prática do futebol, criador da jogada Charles, que depois virou chaleira. Miller também foi um bom árbitro. Era um apaixonado torcedor do futebol, e responsável por tudo o que aconteceu depois. No início tudo era importado da Inglaterra, inclusive os ternos usados e livros de regras.”

É relatado que, em 14 – ou 15 – de abril de 1895, reunira um grupo de

ingleses radicados na capital paulista, e dividira-os em dois times, que foram

conhecidos como “The Team Gaz” e “The São Paulo Railway”. O jogo teria

ocorrido em um campo da Companhia Viação Paulista e o placar fora 4x2 para o

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“The São Paulo Railway”. Este foi, consoante os historiadores, o primeiro jogo de

futebol no Brasil, que teve como primeiras equipes a se dedicarem ao esporte

neófito na sociedade da época os paulistas “São Paulo Athletic”1, “A. Mackenzie”,

“S.C. Internacional” e “S.C. Germânia” em meados de 1899.

1.2 Legislação Desportiva

De acordo com a autora ALICE MONTEIRO DE BARROS (2003, p.51), “a

sociedade demorou bastante a admitir que a atividade desenvolvida pelos

profissionais de esporte é trabalho e os que a desempenham são trabalhadores”.

Citado pela autora, HECTOR HUGO BARBAGELATA aponta vários fatores

responsáveis por essa situação, entre eles o complexo processo do amadorismo

ao profissionalismo, assim como a circunstância de que o trabalho em questão se

insere em uma atividade lúdica, o que gera o “paradoxo desporto-trabalho” e não

deixa ver, nos dizeres de Mazzoni, que o homo ludens converteu-se em homo

faber.

Segundo o insigne JOSÉ MARTINS CATHARINO (1977, p.9), o acordo

celebrado entre o atleta profissional de futebol e a equipe de prática desportiva é

visto como um contrato especial de trabalho, possuindo nuances que assim o

caracterizaram, senão vejamos.

Qualificar a avença celebrada pelas partes ora em análise como especial

resulta, entre outros aspectos, da peculiar posição do sujeito, da natureza do

trabalho a ser prestado e do local em que é realizado o labor.

No tocante aos sujeitos do contrato, a prestação do serviço pactuado exige

aptidões concretas, que pugnam por constante preparação, sendo ela física e até

mesmo moral. A carreira de um jogador de futebol profissional é reduzida ante a

1 O primeiro clube a disputar jogos no Brasil, em 1895, foi o São Paulo Athletic, fundado em 13 de maio de 1888, que deixou o futebol em 1911. Existe ainda hoje apenas como Clube Social. O Bochum (Verein Für Leibersübungen Bochum Fussballgemeinschaft EV), da Alemanha, foi fundado em 10 de setembro de 1848 e é considerado o clube mais antigo do mundo.

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maioria dos trabalhadores, seja em razão de ordem física quanto pela

subordinação intensa do empregador. (FEDERICO DURAN LOPEZ, 1985, p.10)

Quanto ao objeto, o trabalho praticado pelo desportista traduz um

espetáculo dirigido a um público, que, pela paixão que norteia o futebol, aprecia,

cobra e inclusive exige retorno dos atletas de seus clubes. Paixão definida pelo

ilustre torcedor do Fluminense NELSON RODRIGUES – apud ZAINAGHI (2002,

p.6) - como a mais cruel e tenebrosa. Ademais, a prestação não se faz de forma

isolada, pois o labor é sempre exercido em consonância com outros vários

jogadores.

Por derradeiro, a relação de emprego do atleta caracteriza-se pela

atipicidade do local da prestação do serviço, ou seja, realiza-se em âmbitos

diversos dos estabelecimentos empresariais e sob parâmetros de organização e

direção pouco comuns. A legislação especial autoriza o legislador a atribuir

tratamento diferenciado ao atleta em face das peculiaridades do exercício de sua

função e a reportar-se às normas gerais Consolidação das Leis Trabalhistas2

(CLT), quando compatíveis. (BARROS, 2003, p.56).

A norma especial que rege as relações do desporto tem de estar adstrita

aos limites estabelecidos na Carta Magna, mormente em seu artigo 5º, XIII, pois a

liberdade de escolha do trabalho e o direito a este são princípios basilares de

qualquer pacto empregatício.

Com o escopo de respeitar sobretudo o que dispõe a Constituição Federal

a respeito é que foi extinto no Brasil o chamado passe, através da Lei nº 9615/98,

cujo nome foi batizado como “A Lei Pelé”. Revogou-se o malfadado art.11 da Lei

6354/76 que previa este conturbado instituto no nosso ordenamento jurídico, o

que será sobejamente exposto adiante, em tópico destacado.

Apenas para introduzir o assunto, trazemos à baila o que pensa a autora

BARROS (2002, 81):

2 BRASIL. Decreto-lei n. 5.452. 1o de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 9 de agosto de 1943.

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“O passe era um instrumento que permitia a contratação do atleta por outro empregador, depois de comprovada sua desvinculação da associação desportiva à qual prestava serviços. No nosso entendimento, o passe, com a característica de mecanismo autodefensivo, impedia o livre exercício da profissão pelo jogador de futebol, o qual, após cumprir fielmente o seu contrato por prazo determinado, dificilmente conseguiria o atestado liberatório e, em consequência, ficava tolhido o seu livre exercício da profissão.”

1.2.1 Aplicação das normas reguladoras

Aos atletas profissionais de futebol aplicam-se a Lei nº 6354/763 – não

obstante ter sido revogada em parte pela Lei Pelé -, cujo anteprojeto foi de autoria

do Prof. Evaristo de Morais Filho; a Lei 9615/984, denominada pelo apelido

mundialmente conhecido do então ministro dos Esportes do governo FHC, Edson

Arantes do Nascimento; a Lei 9981/005 e 10672/036, que alteraram alguns artigos

da Lei 9615/98; e por fim as disposições constantes na CLT compatíveis com a

relação empregatícia ora em testilha.

Por sua vez, alguns artigos da CLT não se aplicam ao contrato de trabalho

objeto deste estudo, e serão destacados quando da apreciação paliativa de cada

nuance dessa espécie peculiar de avença. A priori, é de se destacar a não

aplicação do artigo 461 da Carta Trabalhista, por ser aquele que trata da

equiparação salarial, visto que é impossível se aferir o trabalho de igual valor no

futebol, tendo em vista as características inerentes e intrínsecas desses

empregados em comparação com seus colegas de profissão.

3 BRASIL. Lei n. 6.354. 2 de setembro de 1976. Dispõe sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 3 de setembro de 1976. 4 BRASIL. Lei n. 9.615. 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 25 de março de 1998. 5 BRASIL. Lei n. 9.981. 14 de julho de 2000. Altera dispositivos da Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 17 de julho de 2000. 6 BRASIL. Lei n. 10.672. 15 de maio de 2003. Altera dispositivos da Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 16 de maio de 2003.

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1.2.2 A Lei 9.615/98 No Brasil, o advento da Lei Federal nº 9615, de 24 de março de 1998 –

também chamada Lei Geral Sobre o Desporto - determinou normas gerais no

tocante ao desporto no País, e brindou o ordenamento jurídico brasileiro com

algumas novidades, sobretudo no que tange à relação profissional entre as

equipes de prática desportiva e os atletas de futebol.

O principal aspecto elucidado pela Lei em comento remonta ao passe, mais

especificamente à extinção do instituto. É salutar a análise dos nuances

normativos referente a ele.

O desporto nacional, até a edição da Lei Pelé, atravessou um longo

interregno de carência de legislação específica. Quanto ao futebol, as relações

entre jogadores profissionais e clubes regulavam-se sob os dispositivos da Lei nº

6354/76, época em que o Brasil já era tricampeão mundial de futebol.

Consoante já trazido à baila anteriormente, o art. 11 do dispositivo legal

definia o passe, assim dispondo:

[...] “Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes”.

Com base nessa norma, e escudado no protecionismo que a legislação

nacional lhes conferia, as equipes de futebol passaram a se utilizar do subterfúgio

do passe como sendo um verdadeiro capital ativo, e fonte primordial de renda e

subsistência. O citado instituto impedia que o jogador se transferisse para outra

equipe ainda que seu contrato tivesse tido um término, salvo se fosse procedido o

pagamento de um valor atribuído pela legislação como devido.

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O fim do passe era necessário, pois era notória a ceifa à liberdade de

trabalho, consagrada pela Constituição Federal de 88. O atleta era tratado como

um escravo do clube, visto que sua manifestação contrária ao prosseguimento do

contrato não era sequer considerada quando o clube pretendia o contrário.

Como bem salientado por ADILSON BASSALHO PEREIRA (2000, p.179),

a figura do passe é de todo inconstitucional, quer por impedir o livre exercício da

profissão dos jogadores de futebol, quer por transformá-los em verdadeiras

mercadorias, que se compram e emprestam, sem qualquer consideração para

com a sua dignidade de seres humanos.

A Lei Geral Sobre o Desporto acabou com o maior patrimônio que os

clubes julgavam ter, e concederam ao atleta uma valoração do seu caráter

volitivo, quando do término de um contrato. O vínculo entre as partes apenas

permanece caso ambos pactuem nesse diapasão.

A despeito da extinção do vínculo desportivo com o término do contrato de

trabalho, trazido como novidade pela entrada em vigor da Lei Pelé, anote-se a

observação de EDUARDO CARLEZZO (2001):

“Com o sepultamento do instituto do passe, estilizado sob a égide da extinção do vínculo desportivo, agora acessório ao vínculo empregatício, ocorrido em 26/03/2001, houve, como já previsto, uma grande insatisfação por parte dos clubes de futebol, que tinham na compra e venda de jogadores o seu motor financeiro”.

Destarte, o passe, desde a data supra, não mais existe no ordenamento

jurídico desportivo nacional, o que ao nosso ver configura uma evolução no

pensamento do legislador pátrio, todavia desagradou autores como EVARISTO

DE MORAIS FILHO (1975, p.169).

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a) Penhora do “passe” Há controvérsia a respeito de ser a figura do passe suscetível de penhora

ou não, sendo corrente majoritária – na qual nos filiamos – aqueles que não a

admitem.

A ilustre autora e juíza do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho de Minas

Gerais, ALICE MONTEIRO DE BARROS (2002, p.84), por considerar o valor do

passe um bem pertencente à associação empregadora, admite que é suscetível

de penhora, tal como assim foi decidido pela Juíza Ana Maria Rebouças no

processo7 em que figuraram como partes o então técnico de futebol Vantuir

Galdino e o Clube Atlético Mineiro. Na ação, foi procedida a penhora do passe do

atleta Marques Batista de Abreu, com vínculo empregatício à época junto ao

clube mineiro.

Não é crível admitir que o passe seja algo objeto de constrição judicial,

tendo em vista que, simplesmente, após a vigência da Lei 9615/98 com suas

alterações, a figura do passe não mais existe, sendo incorreto até mesmo

mencioná-la hodiernamente quando tentar se referir ao vínculo do atleta com o

clube.

O valor correspondente à participação do empregado no valor do chamado

passe é impenhorável, por força do que determina o artigo 449, da Consolidação

das Leis Trabalhistas, exceção feita aos débitos dos profissionais referentes à

pensão de alimentos, com espeque no artigo 649, IV, do Código de Processo

Civil.

“O passe do atleta é impenhorável, dada a sua natureza intrinsecamente

ligada ao ser humano”8.

7 BELO HORIZONTE. Justiça do Trabalho de Belo Horizonte -MG. 15ª Vara do Trabalho. Processo nº 2173/98. Vantuir Galdino x CAM. Juíza Ana Maria Rebouças. Diário do Judiciário MG. 25/10/2000. 8 PERNAMBUCO. Tribunal Regional do Trabalho. 6ª região. 2ª turma. AP 1246/97. Relator Juiz Fernando Cabral de Andrade. Diário Judiciário de Pernambuco. 15.1.98.

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O que poderia ser objeto de negociação entre partes com dívidas

pendentes é algo que não possui sequer uma quantificação ou liquidez, qual seja,

o valor que venha a ser auferido pela equipe de prática desportiva em eventual

negociação do jogador ao fim do contrato como indenização, ou até antes,

tratando-se por exemplo de incidência de cláusula penal. Não existe mais o

passe, e axiomático que não há como suscitar falar-se em penhora do mesmo,

visto que seria uma incongruência lógica.

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2 CONTRATO DE TRABALHO

2.1 Aspectos Gerais

2.1.1 Conceito Consoante a ilustre autora ALICE MONTEIRO DE BARROS (2003, p.28),

pode ser conceituado como o ajuste expresso ou tácito por meio do qual uma

pessoa física se compromete, livremente, a prestar em favor de outrem (pessoa

física, jurídica ou entidade) um serviço de natureza não-eventual, mediante salário

e subordinação.

Por sua vez, DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI (1998, p.54) classifica-o como

o instrumento pelo qual uma pessoa física se obriga a prestar serviços de forma

não-eventual e subordinada a uma pessoa jurídica ou outra pessoa física.

A Lei Brasileira, com espeque na redação dada pelo artigo 442 da

Consolidação das Leis Trabalhistas, tem a seguinte definição: “Contrato individual

de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”

2.1.2 Caracteres

Analisando por um âmbito generalizado, podemos afirmar que o contrato

de trabalho apresenta os seguintes caracteres: a) é um contrato de direito privado

– na feliz expressão de MARTINS CATHARINO (1977, p.9), pois repousa no

princípio da autonomia da vontade -, sinalagmático – pois as partes obrigam-se,

reciprocamente - , de execução continuada – é de trato sucessivo, não se esgota

com a realização de um ato singular - , consensual – ausência de formas

prescritas em lei, em regra – , intuitu personae – a prestação do serviço, a par do

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aspecto fiduciário, se exterioriza por meios de valores intrínsecos do empregado -,

oneroso e do tipo subordinativo.

2.2 Aspectos especiais

No tocante especificamente ao desportista, alguns nuances são salutares e

peculiares em comparação ao contrato de trabalho dos demais trabalhadores.

Primeiramente, no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, a

subordinação jurídica é, nos dizeres de ALICE MONTEIRO DE BARROS (2002,

p.93), ampla e intensa, estendendo-se além da atividade esportiva (em que se

incluem treinos, concentrações e excursões). Ela abrange também os aspectos

pessoais, como controle da alimentação, das horas de sono, do peso; aspectos

mais íntimos como o comportamento sexual; mais convencionais, como a

vestimenta e a aparência externa, aliados, ainda, a aspectos mais significativos,

como declarações aos meios de comunicação.

Por outro lado, temos a alteridade9, pois revela que o jogador de futebol

exerce suas tarefas por conta alheia; seu desempenho, dentro do clube em que

eventualmente obtém o título de campeão, certamente lhe concederá um

benefício econômico e/ou maior prestígio no cenário esportivo.

2.2.1 Requisitos

A formação de um contrato de trabalho, em geral, pressupõe a

concomitância de três requisitos10, quais sejam, capacidade, consentimento e

licitude do objeto.

A capacidade, ante o ordenamento jurídico, consiste na aptidão para

adquirir direitos e contrair obrigações. A menoridade, com fulcro no artigo 5º do

9 Álter: conceito de cada indivíduo segundo o qual os outros seres são distintos dele próprio. 10 Na Bélgica não é permitida a celebração de contrato de trabalho de desportista remunerado antes que o atleta tenha finalizado seus estudos escolares obrigatórios.

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Código Civil11 em vigor, cessa aos 18 (dezoito) anos, quando então a pessoa fica

habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

O segundo dos requisitos é o consentimento válido das partes, visto que

hoje, mormente após a entrada em vigência da Lei Geral Sobre o Desporto, torna-

se essencial este elemento para a feitura da avença. Entre os vícios que podem

tornar defeituosa a manifestação de vontade dos co-contratantes compreendem-

se o erro, o dolo, a coação, a simulação e a fraude.

Por derradeiro, com fincas no artigo 104, II, do atual Código Civil, para que

haja a tutela do direito do trabalho é necessário que o objeto seja lícito, pouco

importando a licitude ou ilicitude do empreendimento. Urge lembrar que a ilicitude

do objeto não se confunde com atividade proibida, visto que na primeira o

contrato não produz nenhum efeito, é nulo – a atividade prestada pela meretriz

em um prostíbulo -, ao passo que na segunda o contrato pode até produzir certos

efeitos – hipótese de menor de 14(quatorze) anos trabalhando -. (BARROS, 2003,

p.35).

2.2.2 Formas

A Lei Geral sobre o Desporto estabelece, de acordo com as redações dos

arts. 28 e 30, que o contrato de trabalho do atleta profissional será formal, ou seja,

por escrito e com prazo determinado, entre outras peculiaridades, que

oportunamente serão explanadas nesta monografia. Ao nosso ver, a exigência do

formalismo é essencial neste tipo de contrato, visto que a oferta aos

empregadores é assaz intensa hodiernamente.

As peculiaridades patentes que circundam a atividade desportista fizeram

com que o legislador pátrio se afastasse do princípio da continuidade que dá

11 BRASIL. Lei n. 10.406. 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 11 de janeiro de 2002.

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preferência aos contratos indeterminados, para estabelecer com caráter prioritário

o pacto por prazo determinado. Ademais, é inviável que o contrato de um atleta

fique, após seu termo, indeterminado por ausência de estipulação das partes, tal

como pode ocorrer na relação empregatícia dos demais trabalhadores.

Como já suscitado, extinto o contrato de trabalho, não subsiste qualquer

vínculo entre o atleta profissional e o clube.

2.2.3 Conteúdo

Quanto ao conteúdo do contrato de trabalho do atleta profissional de

futebol, mister se faz conter, além do número da CTPS, os nomes das partes

contratantes de forma individualizada; o modo e a forma da remuneração; a

especificação dos salários, prêmios, gratificações, e quando houver, bonificações;

e por fim, o valor das luvas, se previamente ajustadas.

2.2.4 Capacidade

Ao atleta que pretende celebrar contrato com uma equipe de prática

desportiva, mister se faz cumprir algumas formalidades, entre elas está a

capacidade.

De acordo com o que prevê o artigo 5º e § único da Lei nº 6354/76, ao

jogador de futebol é vedado celebrar contrato de trabalho se menor de 16 anos,

sendo permitido ao maior de 16 e menor de 18 – após entrada em vigor do

Código Civil de 2003 - firmá-lo somente com a aquiescência do representante

legal. Caso o atleta tenha mais de 16 anos completos, na falta de assentimento

do representante legal, o contrato poderá ser celebrado mediante suprimento

judicial.

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Como obtempera ALAN MENEZES PESSOTTI (2003, p.5), o único

impedimento absoluto ao profissionalismo no futebol é para os menores de 16

anos.

À luz do art. 7º, inciso XXXIII, da Carta Magna, por exemplo, o contrato de

trabalho do menor de 16 anos é nulo, salvo na condição de aprendiz, mas ainda

assim exige-se que tenha, pelo menos, 14 anos de idade.

A vedação legal tem como um dos seus escopos impedir que atletas ainda

juvenis ou juniores saiam do Brasil para laborar em outro País, tal como ocorreu

com diversos jogadores que se transferiram sem sequer terem se

profissionalizado por aqui. Casos dos hoje renomados Geovane Élber (hoje no

Lyon-FRA), Sonny Anderson (no Villareal-ESP), Maxwell (Ajax-HOL), Julio César

(Valladolid-ESP), Thiago Motta (Barcelona-ESP), entre outros.

Ainda em consonância com o que determina a Constituição da República,

seria proibido submeter o atleta de futebol menor ao trabalho noturno. Todavia,

como os jogos oficiais raramente adentram por muito tempo no horário previsto no

ordenamento como noturno, é desconsiderado o preceito constitucional, visto que

pela jurisprudência dominante não faz jus o menor tampouco os demais atletas ao

adicional noturno elencado na CLT.

2.2.5 Atleta Estrangeiro

No que se refere ao atleta estrangeiro que labora ou pretende trabalhar no

Brasil, necessário se faz citar a legitimação, como um dos requisitos do seu

contrato de trabalho como profissional de futebol.

A condição sine qua non para que o atleta estrangeiro integre uma equipe

de prática desportiva nacional é a que este possua um visto temporário de

trabalho, de acordo com o que preceitua o artigo 46 da Lei nº 9615/98 e ainda

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com base no que determina o art.13, V, da Lei nº 6815/8012, disciplinadora da

situação jurídica do estrangeiro no Brasil.

Outrossim, quando o visto do estrangeiro recair no que dispõe o item III do artigo

supra citado da Lei 6815/80 – prazo de 90 (noventa) dias -, ser-lhe-á vedado

participar de campeonatos oficiais.

[...] “Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil: III - na condição de artista ou desportista; V - na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro.”

2.2.6 Salário

O salário, em escorço, é a contraprestação devida e paga diretamente pelo

empregador ao empregado em virtude de relação de emprego, conforme traz o

artigo 457, da CLT.

Os componentes salariais estão insculpidos no §1º do artigo supra,

estendido de forma subsidiária ao atleta profissional de futebol:

[...] “Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. §1º - Integram o salário, não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.”

Para ratificar o exposto no diploma trabalhista, o artigo 31, §1º, da Lei Geral

sobre o Desporto aduz que são entendidos como salários o abono de férias, o

13º, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de

12 BRASIL. Lei nº 6815/80. Define a situação do estrangeiro no Brasil, cria o CNI. Diário Oficial da União. 19/08/80.

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trabalho, para efeito de eventual mora salarial capaz de autorizar a rescisão

indireta do contrato de trabalho.

Urge diferenciar salário de remuneração, uma vez que esta última abrange

o conceito do primeiro, ainda acrescido das chamadas gorjetas. O autor

DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI (1998, p.147) considera que o direito de arena

recebido pelo atleta retrata as gorjetas no mundo desportivo, inseridas portanto na

remuneração do mesmo, e não no seu salário.13

a) Luvas

Apesar de estar geralmente associado ao futebol, o termo luva não é

exclusivo do mundo desportivo, visto que o Decreto nº 24150/34, que trata da

renovação de locação comercial – conhecido como Lei de Luvas, segundo JOSÉ

MARTINS CATHARINO – também se utiliza deste termo.

As luvas retratam um importe pago pelo clube empregador ao atleta que

está prestes a assinar um contrato de trabalho com o mesmo, tendo como base o

egresso do jogador no cenário desportivo nacional. É um pagamento feito de

forma convencionada pelas partes.

Como obtempera ZAINAGHI (1998, p.75), as luvas são convencionais, e

podem ser pagas de uma só vez, em parcelas semestrais, ou em quotas mensais

junto com o salário. São fixadas levando-se em conta o passado do atleta e não

seu desenvolvimento durante a vigência do contrato.

13 O contrato coletivo dos jogadores de futebol de Portugal assegura aos mesmos as seguintes bases mínimas de remuneração: 1ª divisão, 3(três) vezes o salário mínimo nacional; 2ª Divisão, 2(duas) vezes; e 3ª divisão, 1(uma) vez o salário mínimo mensal.

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Com espeque nos artigos 12 da Lei nº 6354/76 e 31,§1º da Lei Pelé, as

luvas compõem a remuneração do atleta para todos os efeitos legais, e podem se

caracterizar em dinheiro, títulos ou bens, como automóveis – in natura - .

Consoante bem exposto pela autora ALICE MONTEIRO DE BARROS

(2003, p.175), embora de natureza retributiva, não se confundem com prêmios e

gratificações, cujas causas ocorrem no curso do contrato. As luvas têm natureza

de salário pago por antecipação, não se confundindo com indenização, pois nelas

não se encontra presente o caráter ressarcitório advindo da perda.

Vejamos como exemplo o julgado do Tribunal Superior do Trabalho14 na

ação em que o atual técnico de futebol – à época jogador - Paulo Afonso

Bonamigo propôs em desfavor de seu ex-clube, o Grêmio, de Porto Alegre:

“As “luvas” são pagas antecipadamente ou divididas em parcelas, o que caracteriza pagamentos por conta do trabalho a ser realizado pelo atleta durante o tempo fixado no seu contrato. Em virtude de seu caráter eminentemente salarial, deverão ser integradas nas férias e gratificações natalinas.”

b) Bichos

O termo bicho, na linguagem desportiva, surgiu quando o futebol ainda não

possuía uma regulamentação legal de suas atividades, e os atletas – em função

de vitórias ou títulos conquistados – recebiam prêmios fora do salário pactuado.

Para não caracterizar o extra como sendo em função do futebol, diziam ser a

vantagem obtida em jogo do bicho, muito usual à época.

A importância assim denominada consiste em um certo prêmio ao atleta,

pago pelo empregador, em ocasiões de vitórias ou títulos conquistados. Possui

natureza de uma bonificação individual, porém resultante de trabalho do conjunto,

pois não só tem como fito compensar os atletas, mas principalmente estimulá-los.

São, inclusive, comuns os casos de pagamento de bichos sob condições, ou seja,

14 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. 3ª turma. RR nº 266.807. Paulo Bonamigo x GFPA. Relator Ministro José Zito Calazans Rodrigues. Diário Judiciário. 21/02/1997.

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caso a equipe vença, por exemplo, o empregador pagará uma quantia

preestabelecida a título de prêmio pelo êxito.

Segundo doutrina do ilustre RALPH CÂNDIA (1987, p.14) quanto ao inciso

II do art 3º da Lei 6354/76, aduz-se que qualquer parcela auferida pelo atleta em

função do contrato, ainda que não prevista taxativamente, se integrará na

remuneração para todos os efeitos, desde que se revista de habitualidade,

segundo conceito já definido amplamente pela doutrina e jurisprudência

trabalhista.

Essa verba funda-se, como obtempera ALICE MONTEIRO DE BARROS

(2003, p.175), em uma valorização objetiva, consequentemente, dado o seu

pagamento habitual e periódico, tendo feição retributiva (inteligência do artigo 31,

§1º, da Lei Pelé).

É certo que os bichos integram o salário do atleta, incidindo, por

conseguinte, em todas as verbas pelo empregador pagas a ele. O fato de haver

variação no valor pago e a liberalidade com a qual é concedido não elidem o

caráter eminentemente salarial dos mesmos.

c) FGTS

Trata-se o FGTS de um depósito efetuado pelo empregador na conta

bancária vinculada do empregado, no importe de 8% (oito por cento) da

remuneração paga ou devida no mês anterior ao atleta, sendo que o referido

percentual incidirá sobre todas as parcelas de caráter remuneratório.

Ao atleta profissional de futebol aplica-se a legislação pertinente ao fundo

de garantia, incidindo o percentual suso mencionado sobre todos os itens de sua

remuneração, entre eles bichos, luvas, e quaisquer outros pagamentos feitos pelo

clube.

Todavia, a discussão na doutrina cinge-se no fato de que, em caso de

rescisão do contrato de trabalho sem justa causa, aplicar-se-ia ou não ao atleta a

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multa indenizatória de 40% (quarenta por cento) sobre o FGTS, tal como ocorre

com os demais trabalhadores.

Há quem defenda que não se estende tal percentagem ao jogador de

futebol, eis que todos os contratos que envolvem esta parte com o clube são de

prazo determinado, recomendando-se, assim, em caso de rescisão sem justa

causa por parte do empregador, somente a aplicação do disposto no art.479 da

CLT.

Por outro lado, corrente doutrinária há no sentido de que a todos os

trabalhadores se aplica a multa de 40% sobre o FGTS em caso de dispensa sem

justa causa. Esse posicionamento, por conseguinte, pugna pela aplicação das

duas multas concomitantemente.

Por último, há quem sustente que somente se aplica a multa de 40% sobre

o FGTS, e não a prevista no artigo 479, da CLT, senão vejamos o pensamento de

SÉRGIO PINTO MARTINS (1999, p.467):

“A partir de 5.10.1988, o regime de estabilidade, com indenização, deixa de existir, passando a haver apenas o regime do FGTS, que se constitui em direito do trabalhador (art.7º, III, da Constituição). Liberando o empregador os depósitos do FGTS, na rescisão antecipada do contrato de trabalho a termo, não há direito à indenização do artigo 479 da CLT, que é substituída pelo FGTS. Assim, o empregador não mais precisa pagar ao empregado a indenização do artigo 479 da CLT quando rescinde antecipadamente os contratos de trabalho de prazo determinado, somente devendo liberar o FGTS (...). Não é mais possível o pagamento de duas indenizações, a indenização do artigo 479 da CLT e a do FGTS. Como agora só existe o FGTS, este deverá ser liberado quando da rescisão antecipada do contrato de trabalho a termo, como prevê o inciso IX do artigo 20 da Lei nº 8.036, sem se falar na aplicação do artigo 479 da CLT”.

2.2.7 Duração

A duração do contrato de trabalho do jogador de futebol terá de estar

expresso à época da assinatura do mesmo, e tem que se ater ao limite

estabelecido pelos artigos 28 e 30 da Lei Geral Sobre o Desporto.

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Tais artigos ratificam o entendimento de que o contrato será formal, ou

seja, escrito e por prazo determinado, com vigência nunca inferior a 3 (três)

meses – chamado contrato de experiência – nem superior a 5(cinco) anos, sendo

ainda expresso na Lei Pelé, e portanto, axiomático, que o artigo 445 da

Consolidação das Leis Trabalhistas não se aplica aos atletas.

O artigo da CLT supra citado possui vedação à celebração de contratos por

prazo superior a 2(dois) anos, todavia a partir da Lei 9981/00 este dispositivo não

mais vigora no âmbito da justiça desportiva. Até então, regia a norma da CLT.

É salutar que o prazo mínimo de 3(três) meses tem por escopo propiciar ao

atleta um tempo considerável pela lei como razoável para demonstrar suas

qualidades e habilidades profissionais. É muito comum a celebração de contrato

nesses termos, visto que certamente se o empregado corresponder seu vínculo

será prorrogado.

Outrossim, não se aplicam também aos atletas profissionais as disposições

contidas nos artigos 451 e 452 da CLT, que abrangem a prorrogação e renovação

do contrato do empregado. O contrato do jogador, conforme já salientado, pode

ser prorrogado por mais de uma vez e a sua renovação não está adstrita a

interregno de 6 (seis) meses entre as duas avenças.

Outra peculiaridade que circunda o ordenamento desportivo, em especial

no tocante à duração do contrato, diz respeito ao tempo em que o jogador for

convocado por Seleção Brasileira para partidas amistosas ou oficiais. Com base

no artigo 84 da Lei Pelé, o tempo em que o atleta estiver integrando

representação nacional em treinamento ou em competição esportiva no País ou

no exterior será considerado como efetivo exercício para todos os efeitos legais.15

15 A legislação argentina fixa em um ano a duração mínima desses contratos e em quatro a

máxima, estabelecendo distinção caso o jogador tenha menos ou mais de um ano para abrir a

possibilidade de prorrogação por diferentes períodos.

O direito esportivo português, através do Decreto-lei nº 305/95, estabelece em seu artigo 8º que a duração do contrato será: (em regra) não inferior a uma época desportiva (nunca superior a 12 meses), nem superior a quatro, podendo por exceção ser inferior a uma época nas hipóteses do nº 2 do artigo supra citado. Por sua vez, o direito esportivo peruano determina como prazo máximo de um contrato entre clube e atleta o período de 3 (três) anos, vedada a prorrogação automática.

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2.2.8 Horário

Aspecto polêmico e desprovido de unanimidade é o relacionado ao horário

de trabalho do atleta profissional de futebol. As peculiaridades da profissão não

permitem que lhe sejam atribuídas as normas vigentes na CLT, consoante será

exposto.

O artigo 6º da Lei 6354/76, que dispunha sobre a jornada de trabalho do

jogador, vigorou até 25 de março de 2001, quando foi revogado expressamente

pelos artigos 93 e 96 da Lei Pelé. Não obstante a Carta Magna estabelecer em

seu art.7º, XIII, que a jornada de trabalho de urbanos e rurais não poderá exceder

em 44 hs/semana, entendemos não ser extensível aos atletas profissionais de

futebol tal vedação.

O tratamento diferenciado a respeito das relações trabalhistas comuns se

justifica em face da natureza especial desta prestação de serviços, que consiste

em uma peculiar distribuição da jornada entre partidas, treinos e excursões.

(BARROS, 2003, p.183).

Contudo, há quem defenda o contrário, ou seja, que os atletas profissionais

de futebol têm sua jornada limitada nos termos da Constituição Federal.

ZAINAGHI (1998, p.99) é um defensor desta corrente e aduz que a jornada do

jogador de futebol deverá ser de no máximo 8 (oito) horas diárias ou 44(quarenta

e quatro) semanais.

No tocante ao repouso semanal remunerado, não há peculiaridade na lei

especial, visto que rege-se pelo disposto na CLT a respeito. São devidos aos

atletas um dia por semana de descanso16, sendo que este dia dificilmente recai no

Domingo ante a intensidade de uso da data pelo calendário esportivo.

16 Os direitos esportivos espanhol e português prevêem um descanso semanal de no mínimo um dia e meio, e que não coincidirá com os dias em que não se realizem as partidas.

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Geralmente, no dia posterior aos jogos, realiza-se por imposição do

empregador o chamado relaxamento muscular, que não desfigura por sua vez o

descanso, conforme foi decidido na ação em que figuravam como partes Edson

Luiz da Silva e o Clube Atlético Mineiro17.

a) Adicional noturno No tocante ao adicional noturno de 20% (vinte por cento) estabelecido

tanto na Constituição Federal bem como na CLT – Art.73, § 2º -, que é de 22

horas de um dia às 5 da manhã do dia seguinte, não há harmonia cabal entre os

doutrinadores se seria devido ou não aos atletas profissionais de futebol. A

discussão gira em torno da peculiaridade da função e pelo fato dos jogos não

terem como regra o horário noturno para ser disputados.

A posição jurisprudencial dominante é no sentido de não ser devido o

adicional, mormente porque as partidas não tem por costume adentrar ao horário

previsto na Lei como noturno. Sob argumentação, ainda que fosse devido, a

remuneração do empregado já abrangeria este adicional.

“As condições peculiares do contrato do atleta profissional de futebol não toleram incursão no adicional noturno, em louvor dos critérios universalmente consagrados na exibição profissional do atleta. Esse tipo de prestação noturna participa visceralmente do contrato e se há de tê-la como abrangida na remuneração estipulada”18.

Autores como ALICE MONTEIRO DE BARROS (2003, p.184) e

GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO (2002, p.88), por sua vez, entendem

que o plus pelo trabalho noturno possui previsão constitucional (art.7º, IX), sendo,

portanto, aplicável ao atleta empregado, sempre que comprovado o trabalho entre

17 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª região. 3 turma. RO 16.695/01. Edson Luiz x CAM. Relator Juiz Paulo Araújo. Diário Judiciário MG. 19.03.2002. 18 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. 1ª turma. RR 3.866/82. Relator Ministro Ildélio Martins. Diário do Judiciário. 16/12/1983.

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às 22:00 e 5:00 do dia seguinte. Prossegue a autora afirmando que trata-se de

aplicação subsidiária do art. 73 da CLT, compatível com a legislação específica e

autorizada pelo art.28 da 6.354/76.

Não fica ao alvedrio do clube determinar o horário do jogo, sobretudo o

noturno que, hodiernamente, é estabelecido pela rede de televisão que

eventualmente transmite o espetáculo. Vários jogos são alterados do horário

preestabelecido da tarde para o noturno, por imposição única e exclusiva da TV,

razão pela qual seria injusto punir o empregador com tal adicional.

Apenas para exemplificar, estaríamos diante de uma situação no mínimo

curiosa se o adicional fosse devido; o clube abriria mão do direito de arena – pela

transmissão do jogo à noite pela TV – em detrimento do não pagamento do

adicional de 20%(vinte por cento) estabelecido pela CLT.

2.2.9 Concentração

Dentre tantas peculiaridades do contrato de trabalho do atleta profissional

de futebol, temos o período de concentração a que alude o art.7º da 6354/76. A

prática ocorre na véspera de jogos ou de torneios importantes, devendo os

jogadores permanecerem por um ou mais dias em um local determinado pelo

clube até o dia do compromisso, tudo com o escopo de resguardar a integridade

física e mental do atleta.

Reza o dispositivo que o jogador profissional de futebol será obrigado a

concentrar-se, se convier à equipe de prática desportiva, por prazo não superior a

3(três) dias por semana, desde que seja programada competição oficial ou

amistosa, bem como ficar à disposição do empregador quando da realização de

competição fora da localidade onde tenha sua sede. O prazo poderá

excepcionalmente ser ampliado quando ele estiver a disposição de Federação ou

Confederação.

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A posição dominante da jurisprudência no que tange ao regime da

concentração é a de que caracteriza-se como um aspecto especial do contrato de

trabalho do atleta, não implicando pagamento de eventuais horas extras. A

corrente minoritária entende ser tempo à disposição do empregador, portanto,

caso ultrapassado o limite legal, deverá o período excedente ser pago como

extra.

“HORAS EXTRAS. JOGADOR DE FUTEBOL. PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. A concentração é obrigação contratual e legalmente admitida, não integrando a jornada de trabalho para efeito de pagamento de horas extras, desde que não exceda três dias por semana. Recurso de Revista a que se nega provimento”19.

De acordo com a maioria dos doutrinadores, a concentração não pode ser

equiparada ao tempo que o atleta fica à disposição do clube trabalhando ou

executando ordens tal como traz o artigo 4º da CLT. A concentração é um

costume peculiar ao atleta e visa resguardá-lo para obtenção de melhor

rendimento na competição.

Como é comum no meio esportivo, através da concentração o clube pode

exigir que o atleta alimente-se adequadamente, observe as horas de sono,

abstenha-se de ingerir bebidas alcoólicas e treine. Em alguns casos fica até

proibida a presença de familiares, razão pela qual poucos são os jogadores que

apreciam tal medida prevista na lei.

Para fins de eventuais horas extras, o raciocínio deve ser o mesmo, ou

seja, não há como relacionar a concentração a tempo à disposição do

empregador, sequer para efeito de prontidão ou sobreaviso.

Quanto ao direito de receber o atleta profissional o pagamento de horas

extras, assim se pronuncia RALPH CÂNDIA (1987, p.18):

“A concentração se traduz em resguardo costumeiro dos atletas e peculiar às competições de importância, daí ter sido consagrada

19 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. RR 405.769. Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen. Diário do Judiciário. 29.3.00.

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na legislação em causa. Se afigura útil para obtenção de um melhor rendimento dos jogadores. O prazo de três dias estabelecido como limite, a nosso ver, não pode deixar de ser considerado como de trabalho normal e, portanto, computável na jornada semanal já examinada, de sorte que, somado às horas colocadas, à disposição antes da concentração, não ultrapassem as 48 horas semanais, caso em que o excesso será considerado trabalho extraordinário, com incidência do adicional de 20% sobre as horas excedentes”.

A jurisprudência antiga20 coadunava com o entendimento de que

configuravam-se as horas extras em caso de concentração, senão vejamos:

“Horas extras. Jogador de Futebol. É devido o pagamento de horas extras ao jogador de futebol por todo o período que ficou em concentração, sem compensação de horário à disposição do empregador”.

Por derradeiro, insta colacionar o que diz acertadamente DOMINGOS

SÁVIO ZAINAGHI (1998, p.91) a respeito: “Em concentração o jogador descansa,

alimenta-se, poderá até mesmo treinar, mas inclusive dorme. É de se perguntar:

durante as horas de sono teria o atleta direito a computar na jornada como horas

de trabalho? Evidentemente que não.” 21

2.2.10 Direito de Imagem

Pomo de discórdia entre vários doutrinadores e objeto constante na quase

totalidade das reclamações trabalhistas no âmbito esportivo está o chamado

direito de imagem. É salutar que podíamos desenvolver este tópico em um

capítulo à parte, porém não foi esta a opção ante a controvérsia que circunda o

tema.

A priori, urge ressaltar que a utilização dos termos “contrato de imagem” e

“contrato de cessão de imagem”, bastante usados hodiernamente, são incorretos.

20 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho. 9ª região. AC 236/82. RO 1079/81. Relator Juiz Indalécio Gomes. Diário Judiciário do Paraná. 26/02/82. 21 A Legislação Estrangeira (art. 9.3 do Real Decreto n. 1006, de 1985, da Espanha) exclui expressamente da duração máxima da jornada dos jogadores de futebol os períodos de concentração.

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O adequado seria denominá-lo de “contrato de licença de uso de imagem”, tendo

em vista que o titular do direito – o atleta – só concede a exploração da imagem e

não o próprio direito. Não é crível que um direito personalíssimo e inalienável do

cidadão possa ser cedido a outrem.

Ademais, como assegura LUIZ ANTONIO GRISARD (2004) a imagem não

é o objeto do contrato, mas sim sua licença para uso, e também porque o sujeito

ativo não está cedendo a imagem a ninguém, apenas está autorizando sua

veiculação e exploração.

O direito à imagem é o nome doutrinariamente atribuído ao direito exclusivo

de o indivíduo permitir a utilização de sua imagem, esta compreendida como

forma física exterior do corpo, inteiro ou parte dele. Já que estamos tratando em

especial dos jogadores de futebol, ante a projeção mundial do esporte, patente é

a exploração desta área cada vez mais. (TERREL, 2004, p.175).

O professor CELSO BASTOS (1989, p.62) assim define o direito à imagem:

“consiste no direito de ninguém ver o seu retrato exposto em público sem o seu

consentimento”.

Embora controvertido o conceito, tem-se que o contrato de licença de uso

de imagem é de natureza civil, não regido, portanto, pelas leis trabalhistas. A

explicação para tal classificação reside no fato de serem as partes deste contrato

uma pessoa jurídica e uma equipe de prática desportiva, não possuindo por óbvio

este contrato caráter de relação de emprego. Em casos de rescisão deste

contrato, deverá ser aplicado o disposto pelo art.421 do Código Civil em vigor.

O clube, após celebrar o contrato de licença de uso de imagem com uma

empresa – geralmente constituída pelo jogador unicamente para este fim -, pode

dispor da imagem do atleta, utilizando-a como bem lhe convier. Admite-se até,

com base no direito de propriedade, que o clube não faça uso da imagem do

atleta, o pagando apenas para que outra agremiação não a utilize.

A discussão no meio jurídico cinge-se em classificar este contrato de

licença como integrante ou não do salário do atleta. Em primeira análise, pela

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natureza cível da avença, o valor pago a título de exploração da imagem não

integraria a remuneração do empregado. Porém, a teoria afasta-se da prática.

Na prática, com o escopo único de burlar os valores das contribuições

sociais e obrigações tributárias, as partes – tanto o atleta bem como o clube –

celebram contratos de trabalho cujo valor do salário propriamente dito é inferior ao

previsto no contrato de licença de uso da imagem do jogador.

Ressalta-se que o contrato de licença de uso de imagem é celebrado entre

uma empresa que tem por fito a transação da exploração da imagem do jogador –

na maioria das vezes constituída em seu próprio nome – e a equipe de prática

desportiva. Por sua vez, o contrato de trabalho é estipulado entre o atleta e o

clube. Essa diferença substancial é o marco para início das tentativas de fraude.

Isso ocorre - frisa-se com assaz freqüência hoje em dia no meio

futebolístico - tendo em vista que em primeira análise os contratantes entendem

que estariam pagando menos impostos. Para o jogador, recolher-se-ia 27,5% de

Imposto de Renda de seu salário na CTPS e somente 8,5% do valor do contrato

de imagem, posto haver aqui uma pessoa jurídica e não física. Para o clube,

esses valores maiores do que os constantes na carteira não incidiriam nas verbas

rescisórias – férias, 13º, FGTS, INSS, etc. - , por ser o contrato de natureza civil e

não trabalhista. A atratividade do negócio parece axiomática para ambos.

O contrato de trabalho fica completamente dissociado do de imagem, pela

diferença não só da natureza mas das partes. Porém, no direito do trabalho

prevalece a primazia da realidade sobre a forma, e as fraudes vêm sendo

desmascaradas.

ALICE MONTEIRO DE BARROS (2003, p.253) tem o seguinte pensamento

a respeito:

“É comum deparar-se no nosso País com o pagamento de remuneração ao atleta profissional sob a denominação de exploração do direito à imagem, por meio de constituição de pessoa jurídica pelo atleta, com a única finalidade de repassar parte do salário ajustado. A interposta pessoa jurídica é utilizada com o propósito de desvirtuar a aplicação da legislação trabalhista. A verba é paga pelo clube e recebida pelo atleta, e,

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em alguns casos, até mesmo independentemente de exploração do direito de imagem do autor. A hipótese traduz fraude e viola o art.9º da CLT, como também contraria o item I do Enunciado 331 do C. TST. E ainda que assim não fosse, o pagamento a este título tem feição salarial; o seu caráter oneroso reside na oportunidade que o empregador proporciona ao atleta para auferir o ganho. O raciocínio tem amparo no caput do art. 7º da CF.”

No mesmo diapasão, assim foi entendido na ação22 proposta pelo ex-

jogador Alexandre Tadeu Gallo, o Gallo, contra o Clube Atlético Mineiro: “Não há, data venia, licitude possível na utilização de estratagema, através de interposta pessoa, para diminuição de base tributária. Todo salário é salário e deve ser pago e tratado como tal. Se diluído ou classificado em outro título, para fins escusos, o ato não tem validade alguma para os fins trabalhistas, na forma do art.9º da CLT23”.

Toda esta celeuma se dá pelo fato de que os atletas profissionais de

futebol, ao proporem ações trabalhistas em desfavor do clube, pugnam que a

verba paga sob o título de contrato de imagem seja considerada de natureza

salarial, e, por conseguinte, integre para todos os fins as demais verbas

rescisórias.

Realmente soa um tanto quanto irônica e contraditória a atitude do atleta,

pois, quando se fala em pagar tributos ele assegura que o contrato de licença de

uso de imagem não tem feição trabalhista, porém, quando se trata de discussão

referente à verbas rescisórias, o jogador é o primeiro a classificar a mesma

licença como nitidamente de natureza trabalhista.

Uma das decisões precursoras no sentido de desvirtuar a prática

condenável das partes foi a proferida pelo Juiz da 12ª Vara de São Paulo,

Dr.Glener Pimenta Stroppa, no processo de nº RT 321/02, cujas partes eram o

jogador Luiz Carlos Goulart, o Luizão, e o Sport Clube Corinthians Paulista. Na

decisão, em apertada epítome, foi considerado como sendo salário o importe

pago ao jogador na rubrica de contrato de licença de uso de imagem, visto que

22 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª região. 3ª Turma. RO 8495/01. Alexandre Tadeu x CAM. Relator Juiz Paulo Araújo. Diário do Judiciário. 11.12.01. 23 Art.9º, CLT: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos da presente consolidação.

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este valor era quase 100(cem) vezes maior do que o constante na CTPS do

empregado como salário. A falta de pagamento do chamado direito de imagem –

que na verdade era salário - por mais de 3(três) meses configurou a rescisão

indireta do contrato nos termos do art.31 da Lei Pelé.

Portanto, conclui-se que o contrato de licença de uso de imagem é de

natureza civil, alheio, a priori, ao contrato de trabalho, porém, mitigado ante a

prática das partes em mascarar tal natureza, fazendo com que retrate de fato uma

avença abrangida pela lei trabalhista. O julgador deverá analisar cada caso em

separado e com suas particularidades, mas é cediço que deve a controvérsia

oriunda da discrepância entre a teoria e prática ser dirimida por nossos

legisladores com certa urgência.

2.2.11 Direito de Arena

Arena é palavra latina que significa areia. O termo é usado nos meios

esportivos, tendo em vista que, na antiguidade, no local onde os gladiadores se

enfrentavam, entre si ou com animais ferozes, o piso era coberto de

areia.(ZAINAGHI, 1998, p.145).

O direito de arena, consoante explicação de AMÉRICO LUIS MARTINS

(1999, p.256), é considerado pela doutrina um direito conexo, vizinho dos direitos

autorais e também ligado ao direito de imagem do atleta.

É reconhecido como um direito dos desportistas, mormente o atleta que

milita no âmbito do futebol, lhes assegurando uma regalia pelas transmissões -

sejam elas radiofônicas ou televisivas – de suas atuações públicas em partidas,

tendo como escuda a originalidade e criatividade das destrezas de cada um em

função do jogo a ser disputado pelo clube.

O direito de arena possui previsão constitucional, visto que o artigo 5º,

XXVIII, a, da Carta Magna, assim dispõe a respeito dos direitos do cidadão: “a

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proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da

imagem e voz humanas, inclusive em atividades desportivas”.

Ante o texto constitucional, diz ÁLVARO MELO FILHO (1995, p.41):

“Ao dar guarita (sic), no contexto constitucional, ao direito de arena nas atividades desportivas, o legislador constituinte demonstrou conhecimento e sensibilidade pois, atualmente, não se pode olvidar que os estádios foram transformados em estúdios, por força das modernas técnicas de difusão e de redução do mundo desportivo a uma aldeia global”.

Com o fito de corroborar o assegurado pela Constituição Federal, a Lei

Geral Sobre o Desporto traz, em seu artigo 42, §1º, que é assegurado ao jogador

de futebol o percentual de no mínimo 20% (vinte por cento) do total auferido pelo

empregador a título de transmissão ou veiculação da imagem do clube ao público.

Ululante que fica ao alvedrio do clube o direito de negociar, autorizar ou proibir

fixação, transmissão ou retransmissão da imagem dos espetáculos e eventos que

vier a participar, tal como está disposto no caput do artigo da Lei Pelé que trata do

assunto.

Como obtempera ZAINAGHI (1998, p.152), a doutrina tem atribuído a

natureza jurídica de remuneração ao direito de arena, de forma semelhante às

gorjetas nas demais relações empregatícias, que também são pagas por terceiro.

Bem mais fácil de se apurar o valor deste recebimento do que o das gorjetas, pois

existe entre clubes e emissoras um contrato, não havendo que se estimar o

quantum do direito de arena, situação que ocorre com as gorjetas, tendo em vista

a dificuldade de apuração real das mesmas.

É considerado pela maioria dos autores como sendo componente da

remuneração – artigo 457 da CLT - e não uma verba salarial tal como o são o

“bicho” e as “luvas”. O valor referente ao que o clube recebe como direito de

arena e repassa ao jogador irá compor apenas o cálculo do FGTS, 13º salário,

férias e contribuições previdenciárias, visto que o Enunciado 354, do TST,

aplicado por analogia, exclui sua incidência do cálculo do aviso prévio, RSR e

horas extras.

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O chamado direito de arena é pago por terceiros, geralmente detentores

dos meios de comunicação, aos atletas, como remuneração pela transmissão dos

jogos dos quais eles são os principais protagonistas e catalisadores da motivação

popular para angariar audiência. Não constitui salário – direto ou indireto – sobre

quaisquer de suas modalidades, eis que não se destina ao custeio do trabalho

prestado ao clube.

Eis o que entendeu o Juiz Bolivar Viegas24 na ação movida pelo atleta

Dermival Almeida Lima, o Baiano, contra o Clube Atlético Mineiro: “Embora não

seja um valor pago diretamente pelo empregador, e sim, por terceiros, o valor em

questão não tem por escopo indenizar o atleta e, sim, remunerá-lo pelo fato de ter

participado do evento, o que confere a referida verba um caráter salarial.”

Ressalta-se que, ao contrário do chamada direito de imagem, no direito de arena

a titularidade é da entidade de prática desportiva, e não do atleta profissional.

É assaz comum o empregador deixar de repassar esta verba ao

empregado, que somente vem a recebê-la em sede de sentença na Justiça do

Trabalho, senão vejamos como ocorreu no caso25 envolvendo o atacante

Wellington Gonçalves de Amorim e o América Futebol Clube:

“EMENTA: DIREITO DE ARENA. O direito de arena está garantido no artigo 5o., XXVIII, a, da Constituição Federal de 1988, que assegura, nos termos da lei, a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive em atividades desportivas. Em consonância com esse preceito, o artigo 42 da Lei 9.615/98 prevê que as entidades de prática desportiva possuem o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem, dispondo o seu parágrafo 1o. que "salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento". Ausente nos autos prova de que as partes tenham convencionado no sentido de retirar do atleta o direito de participar dos ganhos obtidos com a divulgação da imagem dos jogos de futebol que

24MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª região. 7ª turma. RO nº 6887/03. Dermival Almeida x CAM. Relator Juiz Bolívar Viegas. Diário do Judiciário. 15/7/03. 25MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª região. 2ª turma. RO nº 2479/02. Wellington Amorim x AFC. Relatora Juíza Alice Monteiro. Diário do Judiciário. 24/04/2002

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contaram com a sua presença e, considerando o princípio da continuidade da prestação de serviços, a presunção é de que ele tenha participado de todos os jogos do clube, cuja imagem foi produzida ou reproduzida, competindo ao demandado provar possíveis ausências do atleta nos eventos desportivos, o que não se verificou. Assim, defere-se ao atleta, a título de direito de arena, o pagamento da fração de 1/14 (considerando-se o número de atletas que podem participar de um jogo de futebol) do percentual de 20% incidente sobre o preço total das autorizações concedidas pelo Clube, durante todo o período contratual, para transmissão ou retransmissão de imagem de eventos desportivos, conforme se apurar em liquidação de sentença.”

Outra peculiaridade reside no fato de que, segundo consta o §2º do art.42,

3% (três por cento) do tempo da partida – o que aproximadamente totaliza

90(noventa) minutos – pode ser transmitido pela televisão sem pagamento do

direito de arena, desde que seja para fins exclusivamente jornalísticos ou até

mesmo educativos. Esse percentual está isento de pagamento ao clube, e, por

conseguinte, ao jogador.

Por derradeiro, urge salientar que, por ser direito particular dos jogadores,

em caso de eventual penhora de rendas obtidas pelo clube não poderão na

constrição figurar os valores referentes ao direito de arena dos atletas, ou seja,

fica protegida a porcentagem mínima de 20% (vinte por cento) do valor recebido

pela exposição do espetáculo.26

2.2.12 Férias

Tal como ocorre com os demais empregados abrangidos pela CLT, os

atletas têm direito a férias anuais de trinta dias, as quais deverão coincidir com o

recesso das atividades de futebol, geralmente em janeiro, conforme dispõe o

art.25 da 6354/76.

Na prática, é de difícil aplicação tal beneplácito legal aos atletas, eis que

raramente possuem de fato trinta dias por ano de descanso, ainda mais por dias

corridos, o que ante o calendário esportivo nacional é inviável.

26 O direito português trata também do direito de arena mas não utiliza essa nomenclatura, limitando-se a chamar de direito de imagem (art.10), já que apenas protege o uso da imagem do atleta, sem contudo disciplinar o valor de eventual pagamento.

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Ainda assim, o art.25, § único, da 6354/76, prescreve que, com o retorno

do empregado das supostas férias, terá de recomeçar os treinamentos, não

podendo nos dez dias subsequentes ao recesso participar de competição com

ingresso pago, com o fito de que tenha condições de recuperação da forma física.

Portanto, os atletas têm direito ao gozo e recebimento de férias anuais,

remuneradas com 1/3 a mais.

2.2.13 Vínculo

A extinção do passe no cenário esportivo nacional, em consequência da

redação conferida ao § 2º do artigo 28 da Lei Pelé, gerou questionamentos a

despeito do vínculo desportivo e de sua relação com o contrato de trabalho do

atleta profissional de futebol.

O vínculo desportivo é o liame jurídico que se estabelece entre o atleta

profissional de futebol e o clube, sendo um requisito essencial para que a equipe

de prática desportiva possa usufruir dos serviços contratados junto ao jogador.

Antes do advento da Lei Geral Sobre o Desporto, o vínculo desportivo era

analisado isoladamente em comparação com o empregatício, uma vez que um

jogador somente poderia se transferir à outra instituição se esta pagasse o valor

estabelecido para o passe do atleta. O vínculo desportivo persistia mesmo com o

fim do contrato de trabalho.

Atualmente, o vínculo desportivo e o empregatício coexistem enquanto

subsiste o contrato de trabalho entre o atleta e o clube. É o que dispõe com

clareza o artigo 28, §2, da Lei Pelé, com redação dada pela Lei 10.672/03:

[...] “Art. 28.(...) § 2o O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: I - com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou

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II - com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda III - com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei”.

Em escorço, o que não mais existe é a possibilidade de, findo o contrato de

trabalho, o jogador de futebol se encontrar impedido de assinar e, por

conseguinte, atuar por outro clube empregador. Extinto o vínculo empregatício,

não há o vínculo desportivo com o antigo clube, visto que o último nasce do

primeiro.

A chamada condição de jogo decorre desta prerrogativa, ou seja, o atleta

tem inteira liberdade de assinar um contrato de trabalho com outra equipe de

prática desportiva, e por ela atuar desde que não subsista mais vínculo com

nenhuma outra agremiação.

Ante o exposto, ressalta-se a pertinente observação do catarinense

MARCÍLIO RAMOS KRIEGER (1999, p.27) acerca de vínculo empregatício e

condição legal de jogo:

“Assim, a condição legal de jogo de um atleta em relação a determinada entidade de prática é estabelecida pelo registro de seu contrato junto à entidade dirigente respectiva. Inexistindo o registro, inexiste a forma juridicamente perfeita para determinar a existência ou não da condição de jogo”.

Regularmente cumprido e findo o contrato de trabalho, não mais perduram

direitos e obrigações a serem exigidas pelo empregador

2.2.14 Direito de Preferência

Com a extinção do passe pela imposição da Lei Geral Sobre o Desporto,

patente ficou a necessidade de tentar amenizar os prejuízos que o clube formador

do atleta teria, caso este ao término de seu contrato de trabalho – leia-se vínculo

empregatício e desportivo – optasse por se transferir para outra agremiação.

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Ante este quadro, concedeu o legislador pátrio o chamado direito de

preferência aos clubes que formam seus jogadores, visto que na iminência do

termo do contrato, detém os empregadores a prerrogativa de renovar o ajuste por

mais algum tempo.

Pode-se afirmar que o direito de preferência para a primeira renovação do

contrato havido entre as partes passou a prevalecer sobre as previstas

indenizações de promoção e formação do atleta.

A nova redação do §3º do artigo 29 da Lei Pelé é a seguinte:

[...] “§ 3º. A entidade de prática desportiva formadora detentora do primeiro contrato de trabalho com o atleta por ela profissionalizado terá o direito de preferência para a primeira renovação deste contrato, cujo prazo não poderá ser superior a dois anos”.

Depreende-se da leitura do dispositivo que torna-se viável que o vínculo

entre o atleta e o clube se estenda por até sete anos, tendo em vista que o

primeiro contrato profissional pode ter prazo de vigência de até cinco anos, de

acordo com o que reza o caput do art.29 – alterado pela Lei 10672/03 - .

Em epítome, a entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o

direito de assinar com este, a partir dos 16 anos, o primeiro contrato de trabalho

profissional, cujo prazo não poderá exceder a cinco anos . Findo este prazo, o

clube, denominado formador e detentor do primeiro contrato de trabalho com o

atleta por ele profissionalizado, terá o direito de preferência para a primeira

renovação desse pacto, cujo prazo não poderá ser exceder a dois anos.

Trata-se de uma preferência objetiva e não subjetiva, visto que na prática o

que ocorre é, findo o contrato de trabalho, recebe o atleta propostas de novas

avenças, tanto por parte do clube em que ele assinou o primeiro contrato, quanto

por outra agremiação, interessada em seu serviço. Caso as propostas forem

iguais ou se a do clube formador for superior a de outra equipe, e ainda assim o

empregado optar pela transferência, será devida indenização pela não

continuação do vínculo por seu arbítrio.

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Como curiosidade, há um projeto de Lei nº 3348/0427 do deputado Augusto

Nardes (PP-RS) que visa proibir o atleta com idade inferior a 25(vinte e cinco)

anos a firmar contrato com entidade de prática desportiva diversa daquela com a

qual tiver celebrado seu primeiro contrato. À nossa modesta exegese, caso esse

excêntrico projeto seja convertido em Lei, estaremos diante do retorno do instituto

do passe, pois novamente tolher-se-ia a liberdade de trabalho do atleta.

2.2.15 Cláusula penal

Proveniente do direito civil, a cláusula penal, consoante CAIO MÁRIO DA

SILVA PEREIRA (1999, p.100) pode ser denominada de pena convencional –

sipulatio penae dos romanos – e é uma cláusula acessória, em que se impõe

sanção econômica, em dinheiro ou outro bem pecuniariamente estimável, contra

a parte infringente de uma obrigação.Pode ser avençada conjuntamente com a

obrigação principal, e normalmente o é, ou em apartado.

A cláusula penal, no âmbito do direito esportivo, é uma previsão estipulada

no contrato de trabalho do atleta profissional com o clube em que haverá

pagamento ao último em caso de rescisão unilateral proveniente do primeiro. Em

seguida demonstraremos que há controvérsia a respeito de ser a cláusula devida

somente pelo atleta ou por ambos os contratantes em caso de rescisão unilateral

da avença.

DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI (2002, p.14) define que a cláusula penal

não é uma forma disfarçada da manutenção do extinto passe, mas sim um meio

de se evitar o aliciamento de jogadores durante uma competição, o que é

bastante comum hoje em dia.

27 Disponível: Agência Câmara.www.camara.gov.br/internet/sileq/propdetalhe.asp?id=249169. Data do acesso: 26/04/04.

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Quando da entrada em vigor da Lei Geral sobre o Desporto, houve desídia

dessa em relação à cláusula penal, mormente no tocante ao valor que deveria ser

pago como multa. Criticando a redação original da lei, assim se pronuncia JAYME

EDUARDO MACHADO (2000, p.28):

“Assim foi que a Lei 9615/98, na sua versão original – antes que a Lei 9981/00 lhe desse nova redação -, ao deixar por terra o instituto do passe com uma única frase – o vínculo esportivo é acessório do contrato de trabalho, e com ele se extingue(§2º do art.28) – teve a visão estrábico-demagógica de quem, a pretexto de proteger o atleta mediante a proclamação de uma versão desportiva da Lei Áurea, esqueceu do clube. Sucedeu que, extinto simplesmente o passe, pela forma prevista pelo §2º, as entidades de prática desportiva passaram a carecer de um dispositivo, na lei, que lhes assegurasse alguma forma de compensação, e, principalmente, de estímulo, fosse pelo investimento feito na formação do jogador, ou, se não, pelo que pagara para obter a prestação de seus serviços profissionais.”

Já que havia a impossibilidade do clube receber tal ressarcimento, mister

se fez incluir na lei o valor da cláusula penal, condizente com o que existia nas

legislações que inspiraram nosso legislador a optar pela extinção do passe. As

Leis nº 9981/00 e 10672/03 consertaram a omissão do legislador primeva.

A avença celebrada entre o atleta e o clube deverá – com espeque no

artigo 28, §§3º e 4º, da Lei 9615/98 – conter, obrigatoriamente, cláusula penal

para hipóteses de descumprimento do contrato, rompimento ou rescisão

unilateral. O valor desta multa, que outrora não figurava na Lei, conforme já dito

alhures, será estabelecido de forma livre pelas partes contratantes, não podendo

todavia exceder em 100(cem) vezes o importe da remuneração anual do

empregado.

Não obstante a obrigatoriedade, as partes podem deixar de inserir no

contrato celebrado o valor da cláusula penal, mas, nesta hipótese, em caso de

demanda judicial por iniciativa do atleta, ela será fixada pelo juiz, a exemplo do

que ocorreu no processo cujas partes eram Jairo Lima de Araújo e a Sociedade

Esportiva Gama, senão vejamos:

“A 2ª Sessão Especializada do Tribunal Pleno concedeu mandado de segurança ao jogador de futebol do Sociedade Esportiva do

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Gama, Jairo Lima de Araújo, que lhe garante o direito de rescindir unilateralmente o contrato de trabalho e consequentemente o libera para jogar em outro clube. O jogador postulou e pagou multa de R$ 19,5 mil. A decisão é fundamentada na legislação específica que rege o contrato de trabalho de atleta profissional, a Lei 9615/98, cujo artigo 28 prevê a extinção do contrato condicionada ao pagamento da cláusula penal pactuada, ou seja, multa estipulada pelas partes. No caso do jogador do Gama, o contrato não previa o pagamento de multa em caso de rescisão, motivo alegado pelo clube para não liberar o vínculo desportivo de Jairo. Para os juizes, o fato não é suficiente para impedir o direito de livre exercício profissional. O relator do processo, juiz Mário Caron, estabeleceu multa no valor de R$19,5 mil, equivalente a metade da remuneração devida até o final do contrato, com base na Lei 9615/98. (TRT 00127-2003-000-10-00-5-MS)”

Prosseguindo no referido artigo, traz ele uma peculiaridade, resultante na

redução automática do valor da cláusula penal com a vigência do contrato. Far-

se-á a redução automática do valor da cláusula penal, aplicando-se, para cada

ano do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais: 10%

após o primeiro ano; 20% após o segundo; 40% após o terceiro e 80% após o

quarto ano. Esses percentuais são progressivos e não cumulativos, como prevê o

§4º do art.28, com redação nova dada pela Lei nº 10672/03.

De acordo com o §5º do artigo 28, da LGSD, a cláusula penal não sofrerá

limites na hipótese de transferência para o exterior, desde que assim disponha o

contrato de trabalho desportivo.

Contudo, o fato da Lei ter facultado essa ilimitação do valor não implica que

fica ao alvedrio do empregador o importe a ser pago no momento da eventual

negociação do atleta. O valor da cláusula em transferência para o exterior, ainda

que muito acima do limite estabelecido para as negociações no âmbito nacional,

deverá estar contido no contrato, não podendo ser unilateralmente imposto pelo

empregador a posteriori. Caso isso fosse aceito, estaríamos diante de uma

infração ao preceito constitucional insculpido no artigo 5º, caput, da Carta Magna,

que assegura a igualdade contratual das partes.

A prática demonstra que, na maioria dos casos, quando a ruptura

antecipada do contrato ocorre por parte do atleta, quem acaba se incumbindo de

pagar o valor da cláusula penal é o clube contratante, já que, ante seu interesse

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em explorar o potencial técnico de determinado jogador, aceita despender cifras

pelo rompimento do pacto que este tinha com o antigo empregador.

Com fulcro no que reza a legislação civil, o objeto deste tópico é uma

cláusula acessória, que tem por escopo reforçar o vínculo obrigacional. Como

bem salientado pelo mestre CAIO MÁRIO (1998, p.103), qualquer espécie de

obrigação pode receber o reforço de uma cláusula penal.

2.2.16 Multa rescisória

A multa rescisória, por sua vez, é devida quando há o descumprimento do

contrato de trabalho pelo empregador, o que se denomina rescisão indireta. De

acordo com o que impera o artigo 31, §3º, da Lei Pelé – modificado pela Lei nº

10672/03 - , aplica-se ao descumprimento das obrigações trabalhistas pelo clube

os efeitos do artigo 479 da CLT, que trata da dispensa do empregado nos

contratos a termo. Na hipótese em comento, o atleta faz jus ao recebimento de

importe equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor restante do contrato.

A multa devida pelo clube em caso deste ter, por exemplo, deixado de

pagar o salário do atleta ou o tenha feito em atraso, possui caráter de indenização

pela ruptura antecipada da avença, e será na percentagem estabelecida no caput

do citado artigo da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Apesar de não ser pacífico na doutrina, entende-se que a intenção do

legislador ao estabelecer esta multa foi a de excluir o atleta do recebimento da

cláusula penal a que se refere o artigo 28 da Lei 9615/98, mantendo-a apenas em

favor da entidade de prática desportiva quando esta não der causa ao fim do

contrato.

2.2.17 Cláusula Penal x Multa Rescisória É controvertido na doutrina que a cláusula penal só é devida ao clube, em

detrimento da rescisão operada pelo atleta. Quem possui este entendimento o faz

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sem esquecer da incidência da própria multa rescisória, visto que segundo esses

autores a rescisão ocorrida com culpa do empregador enseja pagamento não só

desta, mas também da cláusula penal.

Aduz ALICE MONTEIRO DE BARROS (2002, p.77) que a cláusula penal é

essencialmente indenizatória, e que deverá ser arcada por quem descumpriu o

contrato e por conseguinte deu causa à sua rescisão, seja ele o clube ou o atleta.

A interpretação do dispositivo legal, segundo ela, permite o entendimento que se

o clube descumprir o contrato deveria pagar ao atleta a cláusula, que, regra geral,

é de alto valor pecuniário.

Prossegue a autora dizendo que admitir a cláusula penal somente em favor

do empregador seria restabelecer o passe, senão vejamos:

“Admitir-se a cláusula penal apenas em favor da associação desportiva, implicaria restabelecer o instituto jurídico do passe, o que vai de encontro com o aspecto teleológico da normativa inserida na Lei n. 9.615, de 1998”.

Portanto, os seguidores desta corrente entendem que quando da ruptura

antecipada do contrato por culpa do empregador deverão ser exigíveis pelo atleta

tanto a multa rescisória quanto a cláusula penal, tal como foi julgado na ação28

movida pelo jogador Alexandre de Oliveira Silva contra o América Futebol Clube:

“JOGADOR DE FUTEBOL – CLÁUSULA PENAL. A cláusula penal tratada no art.28 da Lei 9615/98, que institui normas gerais sobre o desporto e dá outras providências, é aplicável tanto ao atleta profissional quanto à entidade de prática desportiva, pois não há nada nesse dispositivo legal que autorize interpretação diversa, ressaltando-se que a previsão contida no parágrafo §3º do art.31 diz respeito ao que dispõe o seu caput.”

Por outro lado, há quem pensa que a cláusula penal só é devida pelo atleta

ao clube, não incidindo por conseguinte em casos que a rescisão se der pelo

empregador.

28 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª região. 5ª turma. RO 3824/03. Alexandre Oliveira x AFC. Relator Juiz José Murilo de Morais. Diário do Judiciário. 10.05.03

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Dessa forma, demonstrado está que, quando da ocorrência da rescisão

contratual por inadimplemento das obrigações pelo clube, há uma controvérsia

acerca da penalidade a ser imposta ao empregador: se seria tão somente a

aplicação da multa rescisória – com espeque no art.479 da CLT – ou se, a partir

da redação do §3º do art.31 da Lei 9615/98, seria exigível tanto o pagamento da

multa rescisória quanto o da cláusula penal – com esteio no art.28 da Lei Pelé - .

2.2.18 Suspensão e Interrupção

Como define AMAURI MASCARO NASCIMENTO (1999, p.230),

suspensão do contrato é a paralisação temporária dos seus principais efeitos, ao

passo que a interrupção é o período durante o qual a empresa paga salários e

conta o tempo de serviço do empregado para todos os efeitos. É salutar que em

ambos o empregador não usufrui do serviço do empregado.

Como exemplos, citamos como hipóteses de suspensão do contrato o

afastamento do serviço por motivo de doença após o prazo de 15(quinze) dias

estabelecido na lei e as faltas injustificadas. Em outro viés, são casos de

interrupção os primeiros 15 dias de afastamento por doença, a licença para

gestante e as faltas justificadas.

No âmbito do futebol, dadas as especificidades da situação, podemos

depreender que há suspensão do contrato na oportunidade em que o jogador de

futebol se encontra emprestado temporariamente para outra equipe de prática

desportiva. Nessa hipótese, os salários são pagos pelo outro clube, mas o tempo

de serviço ainda assim é computado.

Por outro lado, a interrupção ocorre nos casos de convocação para que o

atleta integre a seleção brasileira de futebol, férias, e na hipótese de sofrer o

empregado punição sancionada pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) de seu

estado ou do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

Este último exemplo merece atenção especial ante a não uniformidade da

doutrina neste sentido. Classifica-se a suspensão imposta pelo TJD ou STJD

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como sendo interrupção do contrato de trabalho, pois o atleta não estará liberado

para atuar pelo clube, que, por sua vez, não poderá, com base no artigo 7º, da CR

– direitos dos trabalhadores -29, reduzir nem se furtar em pagar integralmente o

salário do empregado no período. A celeuma consiste no fato de constituir uma

suspensão do atleta - por ato de indisciplina, por exemplo - uma hipótese

ensejadora de justa causa, como preceitua o art.482, da CLT.

Todavia, os limites estreitos impostos pela monografia não nos permite

analisar, com profundidade, as hipóteses de confrontação do art.482, da CLT,

com as penas de suspensão oriundas da esfera esportiva.

2.2.19 Prescrição

Aplica-se aos atletas profissionais de futebol o estabelecido pelo art.7º,

XXIX, da Constituição Federal.

[...] “Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de 5(cinco) anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de 2 (dois) anos após a extinção do contrato de trabalho.”

Como traz ALICE MONTEIRO DE BARROS (2003, p.199), são os

jogadores titulares de direitos provenientes do contrato de trabalho celebrado com

o clube, logo, a prescrição da ação para reivindicá-los é de 5(cinco) anos, salvo

se houver ruptura do pacto, quando então a prescrição estará sujeita ao período

de 2(dois) anos.

29 Art. 7º, VI, da CR/88: “ irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo.”

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3 PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR

O poder disciplinar trata-se, nos dizeres de LUIZ JOSÉ DE MESQUITA -

apud ZAINAGHI (1998, p.128) - de “um poder de ação do sujeito ativo para

legislar, governar e sancionar, no que respeita à ordem profissional da empresa a

que corresponde, e para o sujeito passivo, o dever de obediência a esse poder.”

O artigo 48 da Lei Geral Sobre o Desporto prevê as penalidades que o

empregador pode submeter os atletas, tudo com o fito – consoante a lei – de

manter a ordem esportiva. O poder disciplinar é conferido à entidade de prática

desportiva, empregadora, a qual poderá aplicar as seguintes sanções:

advertência, censura escrita, multa, suspensão, e desfiliação ou desvinculação.

A multa poderia em primeira análise violar o princípio basilar da

irredutibilidade dos salários – art.462 da CLT - , porém, em casos de aplicação

desta penalidade não fica o clube desimcubido de pagar a integralidade do

salário, como explicado adiante.

O valor da sanção está limitada a 40% (quarenta por cento) do salário do

atleta, conforme redação do art.15, §1º, da 6354/76, e reverte-se ao FAAP, Fundo

de Assistência ao Atleta Profissional, com previsão legal no art. 57, IV, da Lei

Pelé. – alterado pela Lei nº 9981/00. As multas geralmente são aplicadas pelos

clubes em casos de indisciplina do jogador, tais como expulsão repentina em jogo

e descumprimento de regras internas do empregador.

A aplicação de todas as sanções elencadas no artigo 48 não prescindem

de processo administrativo. Por sua vez, as penalidades de suspensão e

desfiliação só serão aplicadas após decisão definitiva da Justiça Desportiva.

Uma particularidade existente no contrato de trabalho do atleta consiste no

fato de poder ele sofrer punição dos dirigentes de entidades regionais, nacionais e

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até internacionais, apesar de não serem seus empregadores30. Essas punições

terão, evidentemente, repercussão no pacto laboral, tal como ocorreu no caso do

jogador Marcos André Batista dos Santos, o Vampeta, que, ao criticar

publicamente a organização do campeonato paulista, recebeu punição pecuniária

do então Presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo Farah.

30

Na argentina o clube pode admoestar o jogador, aplicar-lhe multas que não excedam em 1 mês ou 20% do total da remuneração; suspendê-lo sem o pagamento de salários por uma prazo máximo de 60 dias em uma mesma temporada, ou rescindir o contrato.

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4 CESSAÇÃO DO CONTRATO

Dentre os deveres do empregador, em especial o clube de futebol,

encontra-se o de propiciar condições de trabalho ao empregado, no caso, o atleta.

Tal assertiva está escudada nas disposições dos artigos 483, da CLT, e 34, II, da

Lei Pelé, cuja redação foi alterada pela Lei 9981/00.

Deixar o empregado, injustificadamente, sem atividade, implica

compensação financeira por danos, ou até rescisão indireta do contrato, com

fulcro no art. 483, a, do diploma trabalhista aplicado subsidiariamente à Lei Pelé.

Neste sentido pronunciou-se a jurisprudência de nossos vizinhos

argentinos na ação31 movida pelo carrasco brasileiro da Copa do Mundo de 1990,

Cláudio Paul Caniggia, contra o Club Atlético Boca Juniors. Autorizou-se, in casu,

a rescisão indireta do contrato do autor por descumprimento de obrigações

contratuais e indenização por dano moral, dada a repercussão causada pelo fato

de o clube mantê-lo inativo, prejudicando sua imagem frente à possibilidade de

ser contratado por clubes de primeira linha. Quando ocorreram os fatos, o atleta

se encontrava com 31(trinta e um) anos, o que significa para um jogador de

futebol o princípio do fim da carreira.

Passemos à análise dos casos de cessação do contrato de trabalho do

jogador profissional de futebol, relembrando que, à luz do artigo 28, §2º, da Lei

Pelé, o vínculo desportivo do jogador com o clube contratante tem natureza

acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se para todos os

efeitos legais com o término da vigência do contrato de trabalho.

31 ARGENTINA. Primeira Instancia Juzgado de Trabajo n. 35. Claudio Caniggia x CABJ. 30.11.2001.

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4.1 Rescisão indireta

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol será rescindido caso

o empregador se enquadre em uma das hipóteses lastreadas no artigo 31 da Lei

Geral Sobre o Desporto.

O artigo prevê que, caso o empregador estiver com pagamento de salário

do atleta em atraso, no todo ou em parte, por período de, no mínimo 3 (três)

meses, terá o contrato de trabalho do empregado rescindido, ficando extinto o

vínculo empregatício do atleta com a equipe inadimplente. Como consequência

dessa rescisão do contrato postulada, fará jus o atleta à multa rescisória prevista

no artigo 479 da CLT.

[...] “Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos. § 1o São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho. § 2o A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias. § 3o Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT”.

Aliás, de assaz aplicação o último parágrafo, visto que a falta de

recolhimento do FGTS fez com que o atleta Ruy Bueno Neto, o Ruy, rescindisse o

contrato de trabalho que possuía com o América Futebol Clube, como se vê na

decisão32 transcrita abaixo:

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“ATLETA PROFISSIONAL - RESCISÃO INDIRETA - INADIMPLÊNCIA QUANTO AO RECOLHIMENTO DO FGTS. O atraso no recolhimento do FGTS e/ou da contribuição previdenciária, por prazo superior a três meses, é motivo para a rescisão indireta do contrato do atleta profissional, ex vi do artigo 31, §2º, da Lei 9.615, de 24/03/1998. Recurso provido”.

Outra ação movida por jogador em desfavor do clube reivindicando falta de

depósito de FGTS ensejadora de rescisão do contrato foi do atleta Ricardo

Oliveira contra a Portuguesa de Desportos. Na ação33, decidiu-se pela extinção do

vínculo entre as partes pelo exposto no art.31 da Lei Pelé, uma vez que o clube

estava há 6(seis) meses sem depositar o FGTS do jogador, além de outras

inadimplências.

Por último, caso recente e semelhante aos acima transcritos foi o do

jogador Cícero João de Cezare, o Cicinho, que postulou sua rescisão de contrato

com base no art.31 da Lei 9615/98 em desfavor do Clube Atlético Mineiro. O

contrato entre as partes tinha termo somente em 12/01/2005, mas em janeiro do

presente ano o jogador conseguiu a declaração judicial de extinção do vínculo

empregatício por mora contumaz da equipe e, por conseguinte, assinou contrato

com o São Paulo Futebol Clube. O processo ainda está sub judice.

É salutar, ainda, que caso o atleta reivindique a rescisão via justiça por um

dos itens elencados pelo artigo 31 da Lei Pelé e não logre em êxito – leia-se

pedido improcedente - , a questão se resolverá em perdas e danos, posto que na

prática raramente o atleta após ingressar em juízo contra o clube volta a trabalhar

neste.

4.2 Justa Causa

32 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª turma. Recurso de Revista 1574-2001-009-03-0. Ruy Bueno x AFC. Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen. Diário Oficial da União. 03/10/2003. 33 SÃO PAULO. Justiça do Trabalho de São Paulo –SP.15ª Vara do Trabalho. Processo nº6/2003. Ricardo Oliveira x PDFC. Juíza Dra. Maria Fernanda de Queiroz da Silveira. Diário do Judiciário. 14/01/03.

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Outra hipótese de resolução do contrato de trabalho antes de seu termo é a

justa causa, prevista no art.20 da Lei 6354/76 e não alterada pela Lei Pelé. São

justas causas a improbidade, a grave incontinência de conduta, a condenação à

pena de reclusão superior a dois anos transitada em julgado34, e a eliminação

imposta pela entidade de direção máxima do futebol nacional ou internacional. O

rol é meramente exemplificativo, aplicando-se também as disposições do art. 482,

da CLT.

Interessante aspecto é o elencado pelo art.32 da Lei 9615/98, que permite

ao jogador recusar-se a jogar pelo clube caso seus salários, no todo ou em parte,

estiverem atrasados em dois ou mais meses.

Com dois meses em atraso, por exemplo, não pode ainda o atleta

reivindicar na justiça a extinção de seu vínculo, mas também não pode recusar-se

a treinar nem tampouco deixar de comparecer ao clube, casos em que a justa

causa se inverterá de pólo permitindo a rescisão do contrato por parte do

empregador.

4.3 Cessão - Transferência

Consoante nova redação do artigo 38 da Lei Geral Sobre o Desporto –

alterado pela Lei 9981/00 -, qualquer cessão ou transferência do atleta

profissional de futebol depende de sua aquiescência formal e expressa.

Este artigo trouxe o que restava em termos de liberdade de trabalho no

tocante ao atleta de futebol. Não há mais que se falar em cerceamento da

vontade do empregado em casos de empréstimo ou cessão, como ocorria antes

da entrada em vigor da Lei Pelé.

4.3.1 Cessão temporária para clube do Brasil

34 O direito peruano prescreve como causa de terminação do contrato dos atletas a condenação à pena privativa de liberdade por um período de no mínimo três meses.

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A Lei Pelé permite que, no curso do contrato de trabalho entre um jogador

de futebol e certo clube, ocorra a cessão temporária da força de trabalho do atleta

profissional, o que se denomina pela doutrina como sendo um contrato de

empréstimo.

O empréstimo viabiliza-se pelo fato de o atleta possuir contrato de trabalho

com uma equipe de prática desportiva e este permite que seja assinado uma

outra avença com agremiação diversa, e por esta equipe passar a atuar.

Existe a previsão legal para o contrato de empréstimo, nos termos do citado no

artigo 39, da Lei 9615/98:

[...] “Art. 39. A transferência do atleta profissional de uma entidade de prática desportiva para outra do mesmo gênero poderá ser temporária (contrato de empréstimo) e o novo contrato celebrado deverá ser por período igual ou menor que o anterior, ficando o atleta sujeito à cláusula de retorno à entidade de prática desportiva cedente, vigorando no retorno o antigo contrato, quando for o caso”.

Destarte, é de se afirmar que o contrato de empréstimo é acessório

daquele celebrado com o clube cedente do jogador, visto que, consoante

expresso no dispositivo legal, “o novo contrato deverá ser por período igual ou

menor que o anterior.”

Findo o contrato de empréstimo, o jogador se sujeita, in continenti, às

condições ajustadas no pacto anterior, devendo ficar à disposição do antigo clube.

O contrato antigo volta a vigorar nessa ocasião, devendo as partes cumprir suas

obrigações contratuais normalmente.

É salutar que o empréstimo do atleta configura caso de suspensão do

contrato de trabalho, visto que o salário passa a ser pago por outra entidade e

computa-se o tempo de serviço para todos os efeitos.

A rescisão do contrato de empréstimo pode ocorrer tanto pela

superveniência do termo final, que também o é de prazo determinado, quanto por

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culpa do empregado – justa causa, por exemplo – ou do empregador – rescisão

indireta -. Em todas as situações descritas deverá o jogador se reapresentar ao

antigo clube.

Em epítome, configura-se o contrato de empréstimo nada mais que uma

cessão temporária do vínculo desportivo do atleta profissional, com o fito de que

outra agremiação usufrua das qualidades técnicas do atleta sem, contudo,

necessitar de rescisão do contrato de trabalho vigente, com o eventual

pagamento da cláusula penal.

4.3.2 Cessão temporária para o exterior

Quanto à cessão para o exterior, as condições de transferência para a

entidade de prática desportiva deverão integrar obrigatoriamente as cláusulas do

contrato de trabalho firmado entre o jogador e o clube que o contratou, conforme

reza o artigo 40, §1º, da Lei 9615/98, renumerado pela Lei 10672/03.

Este é a única peculiaridade na cessão desses profissionais, visto que o §

2º do artigo 40 assim dispõe:

[...] “Art.40, §2º - Se a entidade de prática desportiva cedente de atleta profissional para entidade de prática desportiva estrangeira tiver sido cessionária do atleta, no prazo inferior a doze meses, em transferência definitiva ou empréstimo, oneroso ou gratuito, para qualquer outra entidade de prática desportiva, será caracterizada como entidade repassadora, fazendo jus a 25% do valor pactuado para a cessão ou transferência internacional, ficando a entidade formadora com direito de receber 75% do valor pago pela entidade estrangeira, desde que a entidade formadora do atleta não tenha sido previamente indenizada”.

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5 COMPETÊNCIA / JUSTIÇA

Não obstante já ter havido muita discussão a respeito de qual seria a seara

competente para julgar reclamações dos jogadores em desfavor de seus clubes,

hoje é pacífico o entendimento de que a Justiça do Trabalho é o foro para dirimir

tais lides.

De acordo com o artigo 29 da 6354/76, o atleta só poderia ingressar em

juízo após esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva. Porém, o bom senso

prevaleceu e não mais essa regra vigora.

Hoje, a matéria tem tratamento constitucional. Prevê o art. 217, § 1º, da

CR, que “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às

competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva,

reguladas em lei”.

Ante o dispositivo, apenas as ações relativas à disciplina e às competições

desportivas deverão ser discutidas na justiça desportiva, não lhe cabendo decidir

as questões trabalhistas, isto é, decorrentes do contrato de emprego, cuja

competência é da Justiça do Trabalho, por força dos arts. 5º, inciso XXXV, e 114

da mesma Carta. Inclusive há sanção no Código Brasileiro de Justiça Desportiva

(Art.213) para os clubes que ingressam na Justiça Comum antes de esgotar as

vias desportivas em casos de disciplinas ou competições.

Assim que o empregado ingressar na justiça com a ação, torna-se preclusa

a discussão de qualquer matéria na justiça desportiva. A instauração do processo

na justiça desportiva não interrompe a prescrição.

Por derradeiro, tendo em vista que ainda há quem questione se os

dispositivos previstos nos artigos 5º, XXXV, e 217 da Constituição Federal seriam

conflitantes, trazemos à baila o seguinte texto de ALEXANDRE QUADROS e

PAULO SCHMITT (2004), com o qual anuimos:

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[...] “A precitada convivência harmoniosa dos artigos 5º, XXXV e 217, §§1º e 2º, CF/88 está diretamente relacionada com a observância da competência conferida pela Carta da República à justiça desportiva em matéria de competições e disciplina desportiva. Com efeito, a regra geral é o esgotamento da instância desportiva. Todavia, qualquer vício capaz de produzir lesão ou ameaça a lesão a direito configurará o não cumprimento do seu papel constitucional. Tais vícios decorrem comumente de inobservância dos prazos constitucionais, composição irregular das instâncias desportivas, supressão de instância desportiva ou mesmo de análise de matéria que refoge da área delimitada, como por exemplo lides de ordem trabalhista, societária, penal, dentre outras que não estão diretamente relacionadas a competições e disciplina.”

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CONCLUSÃO Conclui-se da presente monografia que o direito esportivo, apesar de

pouco afeito para alguns, está em amplo crescimento perante nossos tribunais, e

caracteriza-se cada vez mais como uma área de intensa discussão pelos

doutrinadores.

Como foi demonstrado ao longo do trabalho, mesmo com legislações

anteriores que trataram da matéria, foi a Lei nº 9.615, de março de 1998, que

introduziu as normas que hoje vigoram na seara não só do futebol, bem como

dos demais esportes. Referida lei também é denominado de “Lei Geral Sobre o

Desporto” ou simplesmente “Lei Pelé”, alcunha que homenageia o atleta do

século, Edson Arantes do Nascimento.

O direito esportivo é regido primordialmente pela Lei Pelé, mas as

disposições emanadas da Consolidação das Leis Trabalhistas, em caráter

subsidiário, também se aplicam aos atletas de futebol, desde que compatíveis

com a profissão.

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol se diferencia do

pacto que envolve os demais trabalhadores por vários aspectos, todos oriundos

de uma atividade considerada pela doutrina como sendo especial.

Entre as peculiaridades, temos, por exemplo, os bichos e as luvas, que são

pagos diretamente pelo empregador aos atletas. Compôem a remuneração dos

jogadores para todos os efeitos, eis que provenientes diretamente da relação

empregatícia entre as partes.

A jornada de trabalho do atleta profissional de futebol, não obstante haver

quem entenda ser idêntica a de um empregado regido somente pela CLT, possui

especificidades. Há a concentração, que se constitui em um período selecionado

pelo empregador para que o atleta se resguarde na véspera de jogos ou torneios,

e é usual em todos pactos laborais desta natureza.

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Questões referentes ao horário e eventuais horas extras não são pacíficas

na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, bem como se é devido ou não aos

jogadores de futebol o adicional noturno. Fica ao alvedrio do julgador dirimir as

lides nos tópicos polêmicos, e cada caso retratará os direitos dos atletas e seu

respectivo empregador.

Existem, também, os institutos da cláusula penal e da multa rescisória, que

são quantias exigíveis quando da ruptura abrupta do contrato, antes do término

estipulado pelas partes. Essas indenizações, geralmente, possuem alto valor

pecuniário, visto que o escopo do legislador foi o de que os contratantes cumpram

fiel e cabalmente a avença.

Entre os direitos do jogador estão os intitulados de imagem e de arena, que

são institutos distintos e não se confundem. O contrato de licença de uso de

imagem possui natureza eminentemente do direito civil, mas é hodiernamente

utilizado pelas partes com o objetivo de desvirtuar o fisco e a previdência,

restando, pois, ao órgão jurisdicional definir a existência ou não da fraude em

cada contrato realizado. O direito de arena, por sua vez, é pago por terceiros e

tem como bem tutelado a participação do atleta em jogos e transmissões oriundos

da televisão, compondo para todos os efeitos a remuneração mensal do

empregado.

Os demais direitos dos trabalhadores regidos pela CLT se aplicam aos

atletas em igual forma, tais como repouso semanal remunerado, férias,

suspensão e interrupção do contrato e prazos prescricionais.

Além dos direitos próprios dos atletas, circunda ainda o contrato de

trabalho desses profissionais os deveres do empregador, entre os quais está o

de oferecer condições dignas de trabalho ao profissional para que ele desenvolva

seu mister da melhor maneira possível, e de cumprir integralmente o pactuado

com o seu jogador.

Caso haja alguma inadimplência por parte do empregador, está

assegurado pela lei ao atleta a rescisão de seu contrato, desde que comprovada

em juízo a conduta lesiva alegada.

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Por derradeiro, urge ressaltar que a Justiça do Trabalho é a competente

para prestar a tutela em lides provenientes entre o atleta profissional de futebol e

o clube/empregador, constituindo-se, inclusive, em demanda com crescimento

relevante em nossos tribunais.

De tudo que se viu, constata-se que muitos clubes deveriam elaborar

melhor os contratos formulados com seus atletas, utilizando cláusulas específicas

e diretas, evitando com isso o número imenso de ações ajuizadas em

decorrência de pactos mal redigidos, que acabam prejudicando

financeiramente as equipes, desgastando os jogadores de futebol na mídia e

criando lides trabalhistas temerárias . Os clubes tornam-se reféns dos seus

próprios equívocos, já que é incontestável que a realidade hoje demonstra que

contrato de trabalho com jogador profissional de futebol não pode ser realizado

por amadores.

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