o antropologo e o outro
DESCRIPTION
antropologiaTRANSCRIPT
O ANTROPOacuteLOGO E O OUTRO O TRABALHO DE CAMPO EM UMA
EacutePOCA POacuteS-MODERNA1
SMANIOTTO Edgar Indalecio2
RESUMO Neste artigo buscamos discutir o pensamento do escritor Augusto Emiacutelio Zaluar a respeito da dificuldade
que o antropoacutelogo encontra para sair do mundo do ldquooutrordquo Essa discussatildeo eacute feita por Zaluar no decorrer
da trama do livro O Dr Benignus sendo representada pelo personagem Willian River Pretendemos ao
longo destas paacuteginas expor as ideacuteias de Zaluar ao mesmo tempo em que as contrapomos com o
pensamento de Clifford Geertz James Clifford Nigel Barley e Alba Zaluar a fim de buscar
compreender o papel e a validade epistemoloacutegica do trabalho de campo na antropologia
PALAVRAS-CHAVE antropologia outro preacute-figuraccedilatildeo poacutes-moderno
ABSTRACT
In this article we discuss the thought of the writer Augusto Emilio ZALUAR about the difficulty
that the anthropologist is to leave the world of the other This discussion is made by ZALUAR
during the books plot Dr Benignus represented by the character William River We intend in
these pages expose ZALUAR ideas at the same time that we oppose the thought of Clifford
Geertz James Clifford Nigel Barley and Alba ZALUAR in order to try to understand the role
and the epistemological validity of fieldwork in anthropology
KEYWORDS Anthropology Other Pre-figuration Postmodern
INTRODUCcedilAtildeO
1 Este trabalho foi anteriormente apresentado como parte da dissertaccedilatildeo de mestrado UMA ANAacuteLISE
DO CONCEITO ANTROPOLOacuteGICO DO ldquoOUTROrdquo NA OBRA DO ESCRITOR AUGUSTO EMIacuteLIO ZALUAR defendida em 2007 no programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais da UNESP de Mariacutelia sob orientaccedilatildeo da Prof Drordf Christina de Rezende Rubim por este autor 2 Filoacutesofo mestre e doutor Ciecircncias Sociais Docente da Faculdade de Ensino Superior do Interior Paulista Membro da Associaccedilatildeo Brasileira de Antropologia ndash ABA da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciecircncia ndash SBPC da Associaccedilatildeo de Pesquisadores em Arte Sequencial ndash ASPAS e do Centro de Educaccedilatildeo Transdisciplinar ndash CETRANS Grupo de Pesquisa Social - UNESP E-mail edgarsmaniottogmailcom
No romance O Dr Benignus3 Augusto Emiacutelio Zaluar utiliza-se do conceito
antropoloacutegico do ldquooutrordquo ao narrar as aventuras do personagem homocircnimo O Dr Benignus eacute
meacutedico e naturalista e devido a um estratagema utilizado por seu cozinheiro aventura-se pelo
interior do Brasil a fim de conhecer a natureza brasileira e fazer pesquisas astronocircmicas
No decorrer da narrativa de suas aventuras pelo interior do Brasil Benignus encontra-se com o
antropoacutelogo Willian River que para a antropoacuteloga Alba Zaluar representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-
figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo
(ZALUAR Alba 1994 p 374) Tese esta que desenvolveremos neste artigo
Primeiro romance cientiacutefico brasileiro 2 ndash O Dr Benignus (Benignus = benigno) jaacute no
tiacutetulo reflete a visatildeo de Augusto Emiacutelio Zaluar de que a Ciecircncia e a Tecnologia tinham vindo
exclusivamente para fazer o bem ao ser humano5 eacute tambeacutem um relato de viagem Um relato
imaginaacuterio eacute claro mas sustentado pela pesquisa enciclopeacutedica feita pelo seu autor que insere
na obra um apecircndice com dezenas de referecircncias biograacuteficas cientiacuteficas e literaacuterias das quais
se utilizou para sustentar sua narrativa
Partindo deste relato fictiacutecio de viagem escrito por Zaluar buscamos tambeacutem
compreender os dilemas encontrados pelo antropoacutelogo durante o trabalho de campo bem como
a validade epistemoacutelogica e discursiva da monografia escrita por ele a partir dessa experiecircncia
sempre tendo em vista as criacuteticas feitas por antropoacutelogos hermenecircuticos e poacutes-modernos agrave
pretensatildeo de discurso sobre a realidade que estaacute presente na monografia antropoloacutegica
1 AUGUSTO EMIacuteLIO ZALUAR ESBOCcedilO DE UMA TRAJETOacuteRIA INTELECTUAL
3 O Dr Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 Ediccedilatildeo criacutetica com vaacuterias introduccedilotildees e uma explicaccedilatildeo teacutecnica quanto aos criteacuterios de modernizaccedilatildeo da linguagem e feita a partir da ediccedilatildeo em livros em dois volumes de 1875 Haacute indicaccedilotildees que o romance teve uma ediccedilatildeo anterior em forma de folhetim fato comum na eacutepoca contida na seccedilatildeo ldquoAo Leitorrdquo (p 27) ldquoAgradeccedilo cordialmente agrave ilustrada redaccedilatildeo do O GLOBO a benevolecircncia com que acolheu o meu trabalho que hoje principio a publicarrdquo 4 O romance de Zaluar eacute um legiacutetimo romance cientiacutefico brasileiro do seacuteculo XIX mas eacute produto tanto
da imitaccedilatildeo quanto da distacircncia cultural sofrida pelo paiacutes em relaccedilatildeo agrave Europa Ele aborda teorias
antropoloacutegicas locais como as ideacuteias da Ameacuterica como terra da liberdade e a do continente sul-
americano como o mais antigo do mundo mas seu estilo eacute claramente influenciado por Julio Verne no
qual as caracteriacutesticas literaacuterias satildeo deixadas de lado em favor de uma descriccedilatildeo cientiacutefica quase
didaacutetica
5 Particularmente eacute discutido no lsquoO Dr Benignusrsquo a relaccedilatildeo entre astronomia antropologia e
astrobiologia sendo esta relaccedilatildeo construiacuteda utilizando-se das obras de Camille de Flammarion (1937A
1937B 1995) Sabe-se que Flammarion influenciou a constituiccedilatildeo da astronomia brasileira ateacute o seacuteculo
XX entrando em disputa com os positivista ver MORAES Abraatildeo A astronomia no Brasil In
AZEVEDO Fernando de As ciecircncias no Brasil Satildeo Paulo Melhoramentos1955 p 81-161
RIBEIRO J Costa A fiacutesica no Brasil In AZEVEDO Fernando de As ciecircncias no Brasil Satildeo Paulo
Melhoramentos 1955 p 163 - 202
Augusto Emiacutelio Zaluar nasceu em Lisboa em 14 de fevereiro de 1826 filho de Joseacute de Oliveira
Zaluar6 major graduado que servira de comissaacuterio pagador da divisatildeo dos Voluntaacuterios Reais de El-Rei
na campanha do Rio da Prata antes da Independecircncia do Brasil Augusto Emiacutelio Zaluar matriculou-se
no 1ordm ano da Escola Meacutedico-ciruacutergica de Lisboa disposto a seguir esses estudos mas acabou por
descobrir-se mais apto agrave literatura
Colaborou com diversos jornais de Lisboa e algumas revistas entre elas Epoche Jardim das
Damas Revista Popular e outras publicaccedilotildees daquele tempo principalmente com poemas Jaacute em 1846
publica um folheto intitulado Poesias primeira parte7 Mas natildeo encontrou nos meios literaacuterios
rendimentos que lhe possibilitassem sustentar-se
Decidiu assim vir para o Brasil chegando ao Rio de Janeiro em 3 de janeiro de 1850 Tratou
logo de tentar viver de meios puramente literaacuterios e jornaliacutesticos Fez parte das redaccedilotildees do Correio
Mercantil e do Diaacuterio do Rio de Janeiro e em Santos da Civilizaccedilatildeo Em 1856 naturalizou-se
brasileiro8
Aleacutem das atividades de articulista e redator Zaluar viria a se dedicar a traduccedilotildees de obras
literaacuterias para os folhetins da eacutepoca Traduziu Os moicanos de Paris para o Correio Mercantil Aleacutem da
atividade jornaliacutestica Zaluar se dedicou intensamente agrave poesia Em 1851 publica Dores e Flores9 que
teria sua continuaccedilatildeo publicada em 1862 com o tiacutetulo de Revelaccedilotildees10 Mas tambeacutem publicou um livro
de contos11 Fez apreciaccedilotildees criacuteticas para outros autores como Joaquim Inaacutecio Alvares de Azevedo12
um poema em homenagem a Pedro II13 e uma peccedila de teatro14
6 Infelizmente natildeo conseguimos identificar o nome da matildee de Zaluar 7 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Poesias Lisboa
Imprensa Nacional 1846
8 Informaccedilotildees retiradas do Portugal ndash Dicionaacuterio Histoacuterico transcrito por Manuel Amaral disponiacutevel em httpwwwarqnetptdicionaacuteriozaluarhtml acesso em 22062004 9 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Dores e flores Rio
de Janeiro Typ De F de Paula Brito 1851
10 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Revelaccedilotildees Rio
de Janeiro-Paris Livraria de B L Garnier 1862
11 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Contos da Roccedila
Rio de Janeiro Typographia do Diario do Rio de Janeiro 1868
12 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Azevedo Joaquim
Inaacutecio Alvares de Poesias Rio de Janeiro Typ Universal de Laemmert 1872 Apreciaccedilotildees criacuteticas de
Augusto Emiacutelio Zaluar Joseacute Feliciano de Castilho Barreto e Noronha Joseacute Maria Velho da Silva
13 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Os Rios A SM
Imperial o Senhor Dom Pedro Segundo [ Sl sn sd] 6p 22cm
14 Esta peccedila chama-se ldquoO cofre da tartarugardquo uma conversaccedilatildeo em um ato de 1865
Zaluar era um homem profundamente interessado em ciecircncias Naturais e Fiacutesicas
principalmente em Astronomia havia comeccedilado sua carreira como meacutedico Publicou obras sobre
diversos temas como biografia seja em obra proacutepria15 ou em parceria16 obras de caraacuteter didaacutetico17
afinal era Lente em pedagogia da Escola Normal
No entanto seria uma obra sua dedicada agrave ciecircncia e agrave tecnologia18 assuntos de vital importacircncia
para Zaluar que lhe renderia o meacuterito de entrar para o Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (I H
G B )
Como viajante Augusto Emilio Zaluar escreveu a sua Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo
Paulo (1860-6119) um relato de viagem tatildeo comum no seacuteculo XIX com uma leve diferenccedila em relaccedilatildeo
a seus contemporacircneos Enquanto grande parte dos viajantes principalmente estrangeiros estava
preocupada em catalogar a natureza brasileira Zaluar realizava sua viagem a fim de catalogar os
elementos civilizadores desta naccedilatildeo por isso ela transcorreu nas proviacutencias do Rio de Janeiro e
principalmente na de Satildeo Paulo onde comeccedilavam a surgir cidades de meacutedio porte alguma induacutestria e
estradas de ferro devido sobretudo agrave cultura cafeeira
2 UMA PREacute ndash FIGURACcedilAtildeO DA ANTROPOLOGIA
No decorrer do Doutor Benignus somos apresentados ao personagem William River20 um
ldquoantropoacutelogordquo21 Este de origem inglesa passou cerca de 9 meses entre os povos indiacutegenas de Goiaacutes
15 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Emiacutelia Adelaide
Rio de Janeiro Typ do Diaacuterio de Rio de Janeiro 1871
16 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional CASTRO Eduardo
de Saacute Pereira de ZALUAR Augusto Emiacutelio Os Heroacutees brazileiros na campanha do sul em 1865
Rio de Janeiro Typ Pinheiro amp Comp 1865
17 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Liccedilotildees das cousas
animadas e inanimadas modelos e assunptos de exercicios oraes e por escripto para os
meninos de 5 a 8 annos imitaccedilatildeo para uso das escolas primarias 3 ed Rio de Janeiro Liv
classica de Alves amp comp 1893
18Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Exposiccedilatildeo Nacional Brazileira de 1875 Rio de Janeiro Typ do Globo 1875 19 Esta obra teve uma republicaccedilatildeo relativamente recente 1975 que ainda estaacute disponiacutevel Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo Paulo ( 1860-61) Satildeo Paulo Ed Itatiaia USP 1975 20 Este personagem eacute puramente fictiacutecio natildeo tendo qualquer relaccedilatildeo com o antropoacutelogo e fisiologista inglecircs W H R Rivers fundador da escola de psicologia experimental de Cambridge Criador de um meacutetodo de registrar parentesco entre outras contribuiccedilotildees teacutecnicas agrave antropologia Rivers propagava a necessidade de encarar uma cultura ou sociedade como um todo integrado (MERCIER 1986 p 109) 21 Usamos aqui o termo antropoacutelogo com o objetivo de designar o personagem Willian River Sabemos que ateacute entatildeo esta aacuterea das ciecircncias humanas natildeo se tinha constituiacutedo mas uma vez que o personagem apresenta comportamentos que viriam a serem adotados pelos antropoacutelogos (como passar meses entre os Caiapoacutes antes de escrever sua monografia) e Zaluar o designa como tal usaremos este termo para referirmos a este
para depois redigir uma monografia Em outras palavras William River estava realizando um trabalho
de campo que seria a fase primordial da investigaccedilatildeo etnograacutefica Alba Zaluar (1994) reconhece ser
esta uma proposiccedilatildeo avanccedilada ldquobasta lembrarmos que as primeiras expediccedilotildees para realizar um longo
trabalho de campo deram-se na virada do seacuteculordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374)
Alba Zaluar se refere aqui agrave coleta de materiais etnograacuteficos feita por Frans Boas por
ocasiatildeo de uma missatildeo geograacutefica agrave terra de Bafim em 1887 Seguida por uma expediccedilatildeo
zooloacutegica ao estreito de Torres em 1888 com a presenccedila de A C Haddon Foi tambeacutem em
1894 que B Spencer e F J Gillen recolheram dados por ocasiatildeo de uma viagem de estudos
zooloacutegicos na Austraacutelia (MERCIER 1986 p 75)
Para Velasco e Rada (1997) o trabalho de campo eacute o periacuteodo dedicado agrave compilaccedilatildeo e
ao registro de dados sendo mais do que uma teacutecnica Trata-se de uma situaccedilatildeo metodoloacutegica e
tambeacutem um processo em si mesmo uma sequecircncia de accedilotildees de comportamentos e de
acontecimentos cujo objetivo eacute redigir uma monografia
O primeiro trabalho de campo a enquadrar-se nesta definiccedilatildeo teria sido segundo os autores
aquele realizado por Bronislaw Malinowski (1978) em seu trabalho de campo nas ilhas Trobriand nos
anos de 1917-1918
A introduccedilatildeo de ldquoArgonautas do Paciacutefico Ocidentalrdquo pode mesmo ser considerada a carta
fundacional do trabalho de campo antropoloacutegico versando como podemos identificar em seu tiacutetulo
sobre o Tema meacutetodo e objetivo da pesquisa
Eacute nesta introduccedilatildeo que Malinowski propotildee que se faccedilam diaacuterios de campo ldquoo diaacuterio
etnograacutefico feito sistematicamente no curso dos trabalhos num distrito eacute o instrumento ideal para este
tipo de estudordquo (p 31) e os princiacutepios metodoloacutegicos que vatildeo nortear sua pesquisa
em primeiro lugar eacute loacutegico que o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
cientiacuteficos e conhecer os valores e criteacuterios da etnografia moderna Em segundo lugar
deve o pesquisador assegurar boas condiccedilotildees de trabalho o que significa
basicamente viver mesmo entre os nativos sem depender de outros brancos
Finalmente deve ele aplicar certos meacutetodos especiais de coleta manipulaccedilatildeo e
registro da evidecircncia (MALINOWSKI 1978 p 20)
Seguindo a leitura de Alba Zaluar de que Zaluar teria realizado uma ldquoprofecia do meacutetodo
etnograacutefico que se cumpriu no seacuteculo seguinterdquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) podemos verificar que
as propostas metodoloacutegicas inseridas por Bronislaw Malinowski encontram-se de certa forma
esboccediladas na ficccedilatildeo de Zaluar Isso natildeo significa poreacutem que Zaluar tenha sido um profeta ou mesmo
realizado um trabalho antropoloacutegico de envergadura que mais tarde foi esquecido por historiadores da
antropologia Na verdade Zaluar assim como o romancista francecircs Juacutelio Verne procurava fazer
extensas leituras da aacuterea de conhecimento do que iria tratar22 No decorrer do romance buscava
apresentar aos seus leitores os conhecimentos cientiacuteficos de sua eacutepoca a respeito dessa disciplina e
conseguia propor certas especulaccedilotildees acerca do desenvolvimento futuro da aacuterea tratada e por vezes
algumas de suas asserccedilotildees poderiam se verificar plausiacuteveis
No decorrer da narrativa Zaluar fala da necessidade de coletar expondo suas ideacuteias de
que o cientista (por vezes ele usa o termo antropoacutelogo) deve anotar suas observaccedilotildees e recolher
objetos a fim de poder melhor estudar os povos indiacutegenas quando retornar ao mundo civilizado
Ele eacute taxativo ao acusar os viajantes que percorreram o interior do Brasil de muito pouco
escrupulosos na exposiccedilatildeo de fatos e na decifraccedilatildeo de documentos trazendo enormes enganos agrave ciecircncia
devido agrave sua leviandade ao trabalhar ao sabor da aventura mais do que com a exploraccedilatildeo cientiacutefica
Eacute interessante salientarmos que no decorrer do romance O Dr Benignus Zaluar vai coletando
material tanto de cunho arqueoloacutegico quanto de cunho antropoloacutegico ao fazer contato com povos
nativos A expediccedilatildeo fictiacutecia de Benignus natildeo era muito diferente daquelas que ele criticava
Haacute uma certa tensatildeo no romance entre o Dr Benignus e William River O primeiro comanda
uma expediccedilatildeo agrave moda antiga dos viajantes e o segundo ateacute por forccedila dos acontecimentos relatados
no romance parece apontar para uma pesquisa mais cuidadosa e em contato direto com os nativos
Existiria entatildeo uma tensatildeo que acreditamos intencional jaacute verificada por Zaluar No texto
ldquoPoder e Diaacutelogo na Etnografia A iniciaccedilatildeo de Marcel Griaulerdquo de James Clifford (1998) apesar de
natildeo tomarmos conhecimento de fontes primaacuterias verificamos na Missatildeo Dakar-Djibout que atravessou
em vinte e um meses a Aacutefrica do Atlacircntico ao Mar Vermelho certa similaridade com a tensatildeo exposta
por Zaluar
Clifford relata que Marcel Griaule era um aviador da Forccedila Aeacuterea francesa que tinha interesse
em expediccedilotildees Pelo relato de Clifford podemos inferir que Griaule natildeo estava tatildeo distante do viajante
aventureiro do seacuteculo XIX Sua expediccedilatildeo natildeo era solitaacuteria como a de Malinowski ao contraacuterio levava
consigo vaacuterios assistentes chegou mesmo a pensar em projetar um barco-laboratoacuterio-de-pesquisa para
uso no rio Niacuteger Tambeacutem buscava realizar de forma intensiva a coleta de artefatos de uma aacuterea
Para Clifford (1998) ldquoa noccedilatildeo de que a etnografia era um processo de coleta dominou a Missatildeo
Dakar-Djibout com sua ecircnfase museograacuteficardquo (p193) mas o mesmo autor tambeacutem nos informa que
Griaule fazia pesquisas intensivas tendo ficado durante quase trecircs anos em cerca de dez expediccedilotildees
diferentes entre os dogon23 Fizemos esta citaccedilatildeo a fim de salientar que a mesma tensatildeo entre o relato
de viagem e a moderna antropologia poderia ser verificada ainda na primeira metade do seacuteculo XX
em um dos maiores expoentes da antropologia francesa
22 No caso especiacutefico da antropologia Zaluar cita os seguintes nomes no decorrer do texto Quatrefages Pierre-Paul Broca Charles Robert Darwin Alexander von Humboldt Eacutedourd Arnaud Isidore Hippolyte Franccedilois Lenormant Peter Wilhen Lund Couto de Magalhatildees Boucher de Perthes entre outros Verificamos vasta leitura da disciplina 23 Sociedade Africana pesquisada por Criaule
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
No romance O Dr Benignus3 Augusto Emiacutelio Zaluar utiliza-se do conceito
antropoloacutegico do ldquooutrordquo ao narrar as aventuras do personagem homocircnimo O Dr Benignus eacute
meacutedico e naturalista e devido a um estratagema utilizado por seu cozinheiro aventura-se pelo
interior do Brasil a fim de conhecer a natureza brasileira e fazer pesquisas astronocircmicas
No decorrer da narrativa de suas aventuras pelo interior do Brasil Benignus encontra-se com o
antropoacutelogo Willian River que para a antropoacuteloga Alba Zaluar representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-
figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo
(ZALUAR Alba 1994 p 374) Tese esta que desenvolveremos neste artigo
Primeiro romance cientiacutefico brasileiro 2 ndash O Dr Benignus (Benignus = benigno) jaacute no
tiacutetulo reflete a visatildeo de Augusto Emiacutelio Zaluar de que a Ciecircncia e a Tecnologia tinham vindo
exclusivamente para fazer o bem ao ser humano5 eacute tambeacutem um relato de viagem Um relato
imaginaacuterio eacute claro mas sustentado pela pesquisa enciclopeacutedica feita pelo seu autor que insere
na obra um apecircndice com dezenas de referecircncias biograacuteficas cientiacuteficas e literaacuterias das quais
se utilizou para sustentar sua narrativa
Partindo deste relato fictiacutecio de viagem escrito por Zaluar buscamos tambeacutem
compreender os dilemas encontrados pelo antropoacutelogo durante o trabalho de campo bem como
a validade epistemoacutelogica e discursiva da monografia escrita por ele a partir dessa experiecircncia
sempre tendo em vista as criacuteticas feitas por antropoacutelogos hermenecircuticos e poacutes-modernos agrave
pretensatildeo de discurso sobre a realidade que estaacute presente na monografia antropoloacutegica
1 AUGUSTO EMIacuteLIO ZALUAR ESBOCcedilO DE UMA TRAJETOacuteRIA INTELECTUAL
3 O Dr Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 Ediccedilatildeo criacutetica com vaacuterias introduccedilotildees e uma explicaccedilatildeo teacutecnica quanto aos criteacuterios de modernizaccedilatildeo da linguagem e feita a partir da ediccedilatildeo em livros em dois volumes de 1875 Haacute indicaccedilotildees que o romance teve uma ediccedilatildeo anterior em forma de folhetim fato comum na eacutepoca contida na seccedilatildeo ldquoAo Leitorrdquo (p 27) ldquoAgradeccedilo cordialmente agrave ilustrada redaccedilatildeo do O GLOBO a benevolecircncia com que acolheu o meu trabalho que hoje principio a publicarrdquo 4 O romance de Zaluar eacute um legiacutetimo romance cientiacutefico brasileiro do seacuteculo XIX mas eacute produto tanto
da imitaccedilatildeo quanto da distacircncia cultural sofrida pelo paiacutes em relaccedilatildeo agrave Europa Ele aborda teorias
antropoloacutegicas locais como as ideacuteias da Ameacuterica como terra da liberdade e a do continente sul-
americano como o mais antigo do mundo mas seu estilo eacute claramente influenciado por Julio Verne no
qual as caracteriacutesticas literaacuterias satildeo deixadas de lado em favor de uma descriccedilatildeo cientiacutefica quase
didaacutetica
5 Particularmente eacute discutido no lsquoO Dr Benignusrsquo a relaccedilatildeo entre astronomia antropologia e
astrobiologia sendo esta relaccedilatildeo construiacuteda utilizando-se das obras de Camille de Flammarion (1937A
1937B 1995) Sabe-se que Flammarion influenciou a constituiccedilatildeo da astronomia brasileira ateacute o seacuteculo
XX entrando em disputa com os positivista ver MORAES Abraatildeo A astronomia no Brasil In
AZEVEDO Fernando de As ciecircncias no Brasil Satildeo Paulo Melhoramentos1955 p 81-161
RIBEIRO J Costa A fiacutesica no Brasil In AZEVEDO Fernando de As ciecircncias no Brasil Satildeo Paulo
Melhoramentos 1955 p 163 - 202
Augusto Emiacutelio Zaluar nasceu em Lisboa em 14 de fevereiro de 1826 filho de Joseacute de Oliveira
Zaluar6 major graduado que servira de comissaacuterio pagador da divisatildeo dos Voluntaacuterios Reais de El-Rei
na campanha do Rio da Prata antes da Independecircncia do Brasil Augusto Emiacutelio Zaluar matriculou-se
no 1ordm ano da Escola Meacutedico-ciruacutergica de Lisboa disposto a seguir esses estudos mas acabou por
descobrir-se mais apto agrave literatura
Colaborou com diversos jornais de Lisboa e algumas revistas entre elas Epoche Jardim das
Damas Revista Popular e outras publicaccedilotildees daquele tempo principalmente com poemas Jaacute em 1846
publica um folheto intitulado Poesias primeira parte7 Mas natildeo encontrou nos meios literaacuterios
rendimentos que lhe possibilitassem sustentar-se
Decidiu assim vir para o Brasil chegando ao Rio de Janeiro em 3 de janeiro de 1850 Tratou
logo de tentar viver de meios puramente literaacuterios e jornaliacutesticos Fez parte das redaccedilotildees do Correio
Mercantil e do Diaacuterio do Rio de Janeiro e em Santos da Civilizaccedilatildeo Em 1856 naturalizou-se
brasileiro8
Aleacutem das atividades de articulista e redator Zaluar viria a se dedicar a traduccedilotildees de obras
literaacuterias para os folhetins da eacutepoca Traduziu Os moicanos de Paris para o Correio Mercantil Aleacutem da
atividade jornaliacutestica Zaluar se dedicou intensamente agrave poesia Em 1851 publica Dores e Flores9 que
teria sua continuaccedilatildeo publicada em 1862 com o tiacutetulo de Revelaccedilotildees10 Mas tambeacutem publicou um livro
de contos11 Fez apreciaccedilotildees criacuteticas para outros autores como Joaquim Inaacutecio Alvares de Azevedo12
um poema em homenagem a Pedro II13 e uma peccedila de teatro14
6 Infelizmente natildeo conseguimos identificar o nome da matildee de Zaluar 7 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Poesias Lisboa
Imprensa Nacional 1846
8 Informaccedilotildees retiradas do Portugal ndash Dicionaacuterio Histoacuterico transcrito por Manuel Amaral disponiacutevel em httpwwwarqnetptdicionaacuteriozaluarhtml acesso em 22062004 9 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Dores e flores Rio
de Janeiro Typ De F de Paula Brito 1851
10 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Revelaccedilotildees Rio
de Janeiro-Paris Livraria de B L Garnier 1862
11 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Contos da Roccedila
Rio de Janeiro Typographia do Diario do Rio de Janeiro 1868
12 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Azevedo Joaquim
Inaacutecio Alvares de Poesias Rio de Janeiro Typ Universal de Laemmert 1872 Apreciaccedilotildees criacuteticas de
Augusto Emiacutelio Zaluar Joseacute Feliciano de Castilho Barreto e Noronha Joseacute Maria Velho da Silva
13 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Os Rios A SM
Imperial o Senhor Dom Pedro Segundo [ Sl sn sd] 6p 22cm
14 Esta peccedila chama-se ldquoO cofre da tartarugardquo uma conversaccedilatildeo em um ato de 1865
Zaluar era um homem profundamente interessado em ciecircncias Naturais e Fiacutesicas
principalmente em Astronomia havia comeccedilado sua carreira como meacutedico Publicou obras sobre
diversos temas como biografia seja em obra proacutepria15 ou em parceria16 obras de caraacuteter didaacutetico17
afinal era Lente em pedagogia da Escola Normal
No entanto seria uma obra sua dedicada agrave ciecircncia e agrave tecnologia18 assuntos de vital importacircncia
para Zaluar que lhe renderia o meacuterito de entrar para o Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (I H
G B )
Como viajante Augusto Emilio Zaluar escreveu a sua Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo
Paulo (1860-6119) um relato de viagem tatildeo comum no seacuteculo XIX com uma leve diferenccedila em relaccedilatildeo
a seus contemporacircneos Enquanto grande parte dos viajantes principalmente estrangeiros estava
preocupada em catalogar a natureza brasileira Zaluar realizava sua viagem a fim de catalogar os
elementos civilizadores desta naccedilatildeo por isso ela transcorreu nas proviacutencias do Rio de Janeiro e
principalmente na de Satildeo Paulo onde comeccedilavam a surgir cidades de meacutedio porte alguma induacutestria e
estradas de ferro devido sobretudo agrave cultura cafeeira
2 UMA PREacute ndash FIGURACcedilAtildeO DA ANTROPOLOGIA
No decorrer do Doutor Benignus somos apresentados ao personagem William River20 um
ldquoantropoacutelogordquo21 Este de origem inglesa passou cerca de 9 meses entre os povos indiacutegenas de Goiaacutes
15 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Emiacutelia Adelaide
Rio de Janeiro Typ do Diaacuterio de Rio de Janeiro 1871
16 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional CASTRO Eduardo
de Saacute Pereira de ZALUAR Augusto Emiacutelio Os Heroacutees brazileiros na campanha do sul em 1865
Rio de Janeiro Typ Pinheiro amp Comp 1865
17 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Liccedilotildees das cousas
animadas e inanimadas modelos e assunptos de exercicios oraes e por escripto para os
meninos de 5 a 8 annos imitaccedilatildeo para uso das escolas primarias 3 ed Rio de Janeiro Liv
classica de Alves amp comp 1893
18Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Exposiccedilatildeo Nacional Brazileira de 1875 Rio de Janeiro Typ do Globo 1875 19 Esta obra teve uma republicaccedilatildeo relativamente recente 1975 que ainda estaacute disponiacutevel Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo Paulo ( 1860-61) Satildeo Paulo Ed Itatiaia USP 1975 20 Este personagem eacute puramente fictiacutecio natildeo tendo qualquer relaccedilatildeo com o antropoacutelogo e fisiologista inglecircs W H R Rivers fundador da escola de psicologia experimental de Cambridge Criador de um meacutetodo de registrar parentesco entre outras contribuiccedilotildees teacutecnicas agrave antropologia Rivers propagava a necessidade de encarar uma cultura ou sociedade como um todo integrado (MERCIER 1986 p 109) 21 Usamos aqui o termo antropoacutelogo com o objetivo de designar o personagem Willian River Sabemos que ateacute entatildeo esta aacuterea das ciecircncias humanas natildeo se tinha constituiacutedo mas uma vez que o personagem apresenta comportamentos que viriam a serem adotados pelos antropoacutelogos (como passar meses entre os Caiapoacutes antes de escrever sua monografia) e Zaluar o designa como tal usaremos este termo para referirmos a este
para depois redigir uma monografia Em outras palavras William River estava realizando um trabalho
de campo que seria a fase primordial da investigaccedilatildeo etnograacutefica Alba Zaluar (1994) reconhece ser
esta uma proposiccedilatildeo avanccedilada ldquobasta lembrarmos que as primeiras expediccedilotildees para realizar um longo
trabalho de campo deram-se na virada do seacuteculordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374)
Alba Zaluar se refere aqui agrave coleta de materiais etnograacuteficos feita por Frans Boas por
ocasiatildeo de uma missatildeo geograacutefica agrave terra de Bafim em 1887 Seguida por uma expediccedilatildeo
zooloacutegica ao estreito de Torres em 1888 com a presenccedila de A C Haddon Foi tambeacutem em
1894 que B Spencer e F J Gillen recolheram dados por ocasiatildeo de uma viagem de estudos
zooloacutegicos na Austraacutelia (MERCIER 1986 p 75)
Para Velasco e Rada (1997) o trabalho de campo eacute o periacuteodo dedicado agrave compilaccedilatildeo e
ao registro de dados sendo mais do que uma teacutecnica Trata-se de uma situaccedilatildeo metodoloacutegica e
tambeacutem um processo em si mesmo uma sequecircncia de accedilotildees de comportamentos e de
acontecimentos cujo objetivo eacute redigir uma monografia
O primeiro trabalho de campo a enquadrar-se nesta definiccedilatildeo teria sido segundo os autores
aquele realizado por Bronislaw Malinowski (1978) em seu trabalho de campo nas ilhas Trobriand nos
anos de 1917-1918
A introduccedilatildeo de ldquoArgonautas do Paciacutefico Ocidentalrdquo pode mesmo ser considerada a carta
fundacional do trabalho de campo antropoloacutegico versando como podemos identificar em seu tiacutetulo
sobre o Tema meacutetodo e objetivo da pesquisa
Eacute nesta introduccedilatildeo que Malinowski propotildee que se faccedilam diaacuterios de campo ldquoo diaacuterio
etnograacutefico feito sistematicamente no curso dos trabalhos num distrito eacute o instrumento ideal para este
tipo de estudordquo (p 31) e os princiacutepios metodoloacutegicos que vatildeo nortear sua pesquisa
em primeiro lugar eacute loacutegico que o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
cientiacuteficos e conhecer os valores e criteacuterios da etnografia moderna Em segundo lugar
deve o pesquisador assegurar boas condiccedilotildees de trabalho o que significa
basicamente viver mesmo entre os nativos sem depender de outros brancos
Finalmente deve ele aplicar certos meacutetodos especiais de coleta manipulaccedilatildeo e
registro da evidecircncia (MALINOWSKI 1978 p 20)
Seguindo a leitura de Alba Zaluar de que Zaluar teria realizado uma ldquoprofecia do meacutetodo
etnograacutefico que se cumpriu no seacuteculo seguinterdquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) podemos verificar que
as propostas metodoloacutegicas inseridas por Bronislaw Malinowski encontram-se de certa forma
esboccediladas na ficccedilatildeo de Zaluar Isso natildeo significa poreacutem que Zaluar tenha sido um profeta ou mesmo
realizado um trabalho antropoloacutegico de envergadura que mais tarde foi esquecido por historiadores da
antropologia Na verdade Zaluar assim como o romancista francecircs Juacutelio Verne procurava fazer
extensas leituras da aacuterea de conhecimento do que iria tratar22 No decorrer do romance buscava
apresentar aos seus leitores os conhecimentos cientiacuteficos de sua eacutepoca a respeito dessa disciplina e
conseguia propor certas especulaccedilotildees acerca do desenvolvimento futuro da aacuterea tratada e por vezes
algumas de suas asserccedilotildees poderiam se verificar plausiacuteveis
No decorrer da narrativa Zaluar fala da necessidade de coletar expondo suas ideacuteias de
que o cientista (por vezes ele usa o termo antropoacutelogo) deve anotar suas observaccedilotildees e recolher
objetos a fim de poder melhor estudar os povos indiacutegenas quando retornar ao mundo civilizado
Ele eacute taxativo ao acusar os viajantes que percorreram o interior do Brasil de muito pouco
escrupulosos na exposiccedilatildeo de fatos e na decifraccedilatildeo de documentos trazendo enormes enganos agrave ciecircncia
devido agrave sua leviandade ao trabalhar ao sabor da aventura mais do que com a exploraccedilatildeo cientiacutefica
Eacute interessante salientarmos que no decorrer do romance O Dr Benignus Zaluar vai coletando
material tanto de cunho arqueoloacutegico quanto de cunho antropoloacutegico ao fazer contato com povos
nativos A expediccedilatildeo fictiacutecia de Benignus natildeo era muito diferente daquelas que ele criticava
Haacute uma certa tensatildeo no romance entre o Dr Benignus e William River O primeiro comanda
uma expediccedilatildeo agrave moda antiga dos viajantes e o segundo ateacute por forccedila dos acontecimentos relatados
no romance parece apontar para uma pesquisa mais cuidadosa e em contato direto com os nativos
Existiria entatildeo uma tensatildeo que acreditamos intencional jaacute verificada por Zaluar No texto
ldquoPoder e Diaacutelogo na Etnografia A iniciaccedilatildeo de Marcel Griaulerdquo de James Clifford (1998) apesar de
natildeo tomarmos conhecimento de fontes primaacuterias verificamos na Missatildeo Dakar-Djibout que atravessou
em vinte e um meses a Aacutefrica do Atlacircntico ao Mar Vermelho certa similaridade com a tensatildeo exposta
por Zaluar
Clifford relata que Marcel Griaule era um aviador da Forccedila Aeacuterea francesa que tinha interesse
em expediccedilotildees Pelo relato de Clifford podemos inferir que Griaule natildeo estava tatildeo distante do viajante
aventureiro do seacuteculo XIX Sua expediccedilatildeo natildeo era solitaacuteria como a de Malinowski ao contraacuterio levava
consigo vaacuterios assistentes chegou mesmo a pensar em projetar um barco-laboratoacuterio-de-pesquisa para
uso no rio Niacuteger Tambeacutem buscava realizar de forma intensiva a coleta de artefatos de uma aacuterea
Para Clifford (1998) ldquoa noccedilatildeo de que a etnografia era um processo de coleta dominou a Missatildeo
Dakar-Djibout com sua ecircnfase museograacuteficardquo (p193) mas o mesmo autor tambeacutem nos informa que
Griaule fazia pesquisas intensivas tendo ficado durante quase trecircs anos em cerca de dez expediccedilotildees
diferentes entre os dogon23 Fizemos esta citaccedilatildeo a fim de salientar que a mesma tensatildeo entre o relato
de viagem e a moderna antropologia poderia ser verificada ainda na primeira metade do seacuteculo XX
em um dos maiores expoentes da antropologia francesa
22 No caso especiacutefico da antropologia Zaluar cita os seguintes nomes no decorrer do texto Quatrefages Pierre-Paul Broca Charles Robert Darwin Alexander von Humboldt Eacutedourd Arnaud Isidore Hippolyte Franccedilois Lenormant Peter Wilhen Lund Couto de Magalhatildees Boucher de Perthes entre outros Verificamos vasta leitura da disciplina 23 Sociedade Africana pesquisada por Criaule
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
Augusto Emiacutelio Zaluar nasceu em Lisboa em 14 de fevereiro de 1826 filho de Joseacute de Oliveira
Zaluar6 major graduado que servira de comissaacuterio pagador da divisatildeo dos Voluntaacuterios Reais de El-Rei
na campanha do Rio da Prata antes da Independecircncia do Brasil Augusto Emiacutelio Zaluar matriculou-se
no 1ordm ano da Escola Meacutedico-ciruacutergica de Lisboa disposto a seguir esses estudos mas acabou por
descobrir-se mais apto agrave literatura
Colaborou com diversos jornais de Lisboa e algumas revistas entre elas Epoche Jardim das
Damas Revista Popular e outras publicaccedilotildees daquele tempo principalmente com poemas Jaacute em 1846
publica um folheto intitulado Poesias primeira parte7 Mas natildeo encontrou nos meios literaacuterios
rendimentos que lhe possibilitassem sustentar-se
Decidiu assim vir para o Brasil chegando ao Rio de Janeiro em 3 de janeiro de 1850 Tratou
logo de tentar viver de meios puramente literaacuterios e jornaliacutesticos Fez parte das redaccedilotildees do Correio
Mercantil e do Diaacuterio do Rio de Janeiro e em Santos da Civilizaccedilatildeo Em 1856 naturalizou-se
brasileiro8
Aleacutem das atividades de articulista e redator Zaluar viria a se dedicar a traduccedilotildees de obras
literaacuterias para os folhetins da eacutepoca Traduziu Os moicanos de Paris para o Correio Mercantil Aleacutem da
atividade jornaliacutestica Zaluar se dedicou intensamente agrave poesia Em 1851 publica Dores e Flores9 que
teria sua continuaccedilatildeo publicada em 1862 com o tiacutetulo de Revelaccedilotildees10 Mas tambeacutem publicou um livro
de contos11 Fez apreciaccedilotildees criacuteticas para outros autores como Joaquim Inaacutecio Alvares de Azevedo12
um poema em homenagem a Pedro II13 e uma peccedila de teatro14
6 Infelizmente natildeo conseguimos identificar o nome da matildee de Zaluar 7 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Poesias Lisboa
Imprensa Nacional 1846
8 Informaccedilotildees retiradas do Portugal ndash Dicionaacuterio Histoacuterico transcrito por Manuel Amaral disponiacutevel em httpwwwarqnetptdicionaacuteriozaluarhtml acesso em 22062004 9 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Dores e flores Rio
de Janeiro Typ De F de Paula Brito 1851
10 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Revelaccedilotildees Rio
de Janeiro-Paris Livraria de B L Garnier 1862
11 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Contos da Roccedila
Rio de Janeiro Typographia do Diario do Rio de Janeiro 1868
12 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Azevedo Joaquim
Inaacutecio Alvares de Poesias Rio de Janeiro Typ Universal de Laemmert 1872 Apreciaccedilotildees criacuteticas de
Augusto Emiacutelio Zaluar Joseacute Feliciano de Castilho Barreto e Noronha Joseacute Maria Velho da Silva
13 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Os Rios A SM
Imperial o Senhor Dom Pedro Segundo [ Sl sn sd] 6p 22cm
14 Esta peccedila chama-se ldquoO cofre da tartarugardquo uma conversaccedilatildeo em um ato de 1865
Zaluar era um homem profundamente interessado em ciecircncias Naturais e Fiacutesicas
principalmente em Astronomia havia comeccedilado sua carreira como meacutedico Publicou obras sobre
diversos temas como biografia seja em obra proacutepria15 ou em parceria16 obras de caraacuteter didaacutetico17
afinal era Lente em pedagogia da Escola Normal
No entanto seria uma obra sua dedicada agrave ciecircncia e agrave tecnologia18 assuntos de vital importacircncia
para Zaluar que lhe renderia o meacuterito de entrar para o Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (I H
G B )
Como viajante Augusto Emilio Zaluar escreveu a sua Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo
Paulo (1860-6119) um relato de viagem tatildeo comum no seacuteculo XIX com uma leve diferenccedila em relaccedilatildeo
a seus contemporacircneos Enquanto grande parte dos viajantes principalmente estrangeiros estava
preocupada em catalogar a natureza brasileira Zaluar realizava sua viagem a fim de catalogar os
elementos civilizadores desta naccedilatildeo por isso ela transcorreu nas proviacutencias do Rio de Janeiro e
principalmente na de Satildeo Paulo onde comeccedilavam a surgir cidades de meacutedio porte alguma induacutestria e
estradas de ferro devido sobretudo agrave cultura cafeeira
2 UMA PREacute ndash FIGURACcedilAtildeO DA ANTROPOLOGIA
No decorrer do Doutor Benignus somos apresentados ao personagem William River20 um
ldquoantropoacutelogordquo21 Este de origem inglesa passou cerca de 9 meses entre os povos indiacutegenas de Goiaacutes
15 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Emiacutelia Adelaide
Rio de Janeiro Typ do Diaacuterio de Rio de Janeiro 1871
16 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional CASTRO Eduardo
de Saacute Pereira de ZALUAR Augusto Emiacutelio Os Heroacutees brazileiros na campanha do sul em 1865
Rio de Janeiro Typ Pinheiro amp Comp 1865
17 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Liccedilotildees das cousas
animadas e inanimadas modelos e assunptos de exercicios oraes e por escripto para os
meninos de 5 a 8 annos imitaccedilatildeo para uso das escolas primarias 3 ed Rio de Janeiro Liv
classica de Alves amp comp 1893
18Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Exposiccedilatildeo Nacional Brazileira de 1875 Rio de Janeiro Typ do Globo 1875 19 Esta obra teve uma republicaccedilatildeo relativamente recente 1975 que ainda estaacute disponiacutevel Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo Paulo ( 1860-61) Satildeo Paulo Ed Itatiaia USP 1975 20 Este personagem eacute puramente fictiacutecio natildeo tendo qualquer relaccedilatildeo com o antropoacutelogo e fisiologista inglecircs W H R Rivers fundador da escola de psicologia experimental de Cambridge Criador de um meacutetodo de registrar parentesco entre outras contribuiccedilotildees teacutecnicas agrave antropologia Rivers propagava a necessidade de encarar uma cultura ou sociedade como um todo integrado (MERCIER 1986 p 109) 21 Usamos aqui o termo antropoacutelogo com o objetivo de designar o personagem Willian River Sabemos que ateacute entatildeo esta aacuterea das ciecircncias humanas natildeo se tinha constituiacutedo mas uma vez que o personagem apresenta comportamentos que viriam a serem adotados pelos antropoacutelogos (como passar meses entre os Caiapoacutes antes de escrever sua monografia) e Zaluar o designa como tal usaremos este termo para referirmos a este
para depois redigir uma monografia Em outras palavras William River estava realizando um trabalho
de campo que seria a fase primordial da investigaccedilatildeo etnograacutefica Alba Zaluar (1994) reconhece ser
esta uma proposiccedilatildeo avanccedilada ldquobasta lembrarmos que as primeiras expediccedilotildees para realizar um longo
trabalho de campo deram-se na virada do seacuteculordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374)
Alba Zaluar se refere aqui agrave coleta de materiais etnograacuteficos feita por Frans Boas por
ocasiatildeo de uma missatildeo geograacutefica agrave terra de Bafim em 1887 Seguida por uma expediccedilatildeo
zooloacutegica ao estreito de Torres em 1888 com a presenccedila de A C Haddon Foi tambeacutem em
1894 que B Spencer e F J Gillen recolheram dados por ocasiatildeo de uma viagem de estudos
zooloacutegicos na Austraacutelia (MERCIER 1986 p 75)
Para Velasco e Rada (1997) o trabalho de campo eacute o periacuteodo dedicado agrave compilaccedilatildeo e
ao registro de dados sendo mais do que uma teacutecnica Trata-se de uma situaccedilatildeo metodoloacutegica e
tambeacutem um processo em si mesmo uma sequecircncia de accedilotildees de comportamentos e de
acontecimentos cujo objetivo eacute redigir uma monografia
O primeiro trabalho de campo a enquadrar-se nesta definiccedilatildeo teria sido segundo os autores
aquele realizado por Bronislaw Malinowski (1978) em seu trabalho de campo nas ilhas Trobriand nos
anos de 1917-1918
A introduccedilatildeo de ldquoArgonautas do Paciacutefico Ocidentalrdquo pode mesmo ser considerada a carta
fundacional do trabalho de campo antropoloacutegico versando como podemos identificar em seu tiacutetulo
sobre o Tema meacutetodo e objetivo da pesquisa
Eacute nesta introduccedilatildeo que Malinowski propotildee que se faccedilam diaacuterios de campo ldquoo diaacuterio
etnograacutefico feito sistematicamente no curso dos trabalhos num distrito eacute o instrumento ideal para este
tipo de estudordquo (p 31) e os princiacutepios metodoloacutegicos que vatildeo nortear sua pesquisa
em primeiro lugar eacute loacutegico que o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
cientiacuteficos e conhecer os valores e criteacuterios da etnografia moderna Em segundo lugar
deve o pesquisador assegurar boas condiccedilotildees de trabalho o que significa
basicamente viver mesmo entre os nativos sem depender de outros brancos
Finalmente deve ele aplicar certos meacutetodos especiais de coleta manipulaccedilatildeo e
registro da evidecircncia (MALINOWSKI 1978 p 20)
Seguindo a leitura de Alba Zaluar de que Zaluar teria realizado uma ldquoprofecia do meacutetodo
etnograacutefico que se cumpriu no seacuteculo seguinterdquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) podemos verificar que
as propostas metodoloacutegicas inseridas por Bronislaw Malinowski encontram-se de certa forma
esboccediladas na ficccedilatildeo de Zaluar Isso natildeo significa poreacutem que Zaluar tenha sido um profeta ou mesmo
realizado um trabalho antropoloacutegico de envergadura que mais tarde foi esquecido por historiadores da
antropologia Na verdade Zaluar assim como o romancista francecircs Juacutelio Verne procurava fazer
extensas leituras da aacuterea de conhecimento do que iria tratar22 No decorrer do romance buscava
apresentar aos seus leitores os conhecimentos cientiacuteficos de sua eacutepoca a respeito dessa disciplina e
conseguia propor certas especulaccedilotildees acerca do desenvolvimento futuro da aacuterea tratada e por vezes
algumas de suas asserccedilotildees poderiam se verificar plausiacuteveis
No decorrer da narrativa Zaluar fala da necessidade de coletar expondo suas ideacuteias de
que o cientista (por vezes ele usa o termo antropoacutelogo) deve anotar suas observaccedilotildees e recolher
objetos a fim de poder melhor estudar os povos indiacutegenas quando retornar ao mundo civilizado
Ele eacute taxativo ao acusar os viajantes que percorreram o interior do Brasil de muito pouco
escrupulosos na exposiccedilatildeo de fatos e na decifraccedilatildeo de documentos trazendo enormes enganos agrave ciecircncia
devido agrave sua leviandade ao trabalhar ao sabor da aventura mais do que com a exploraccedilatildeo cientiacutefica
Eacute interessante salientarmos que no decorrer do romance O Dr Benignus Zaluar vai coletando
material tanto de cunho arqueoloacutegico quanto de cunho antropoloacutegico ao fazer contato com povos
nativos A expediccedilatildeo fictiacutecia de Benignus natildeo era muito diferente daquelas que ele criticava
Haacute uma certa tensatildeo no romance entre o Dr Benignus e William River O primeiro comanda
uma expediccedilatildeo agrave moda antiga dos viajantes e o segundo ateacute por forccedila dos acontecimentos relatados
no romance parece apontar para uma pesquisa mais cuidadosa e em contato direto com os nativos
Existiria entatildeo uma tensatildeo que acreditamos intencional jaacute verificada por Zaluar No texto
ldquoPoder e Diaacutelogo na Etnografia A iniciaccedilatildeo de Marcel Griaulerdquo de James Clifford (1998) apesar de
natildeo tomarmos conhecimento de fontes primaacuterias verificamos na Missatildeo Dakar-Djibout que atravessou
em vinte e um meses a Aacutefrica do Atlacircntico ao Mar Vermelho certa similaridade com a tensatildeo exposta
por Zaluar
Clifford relata que Marcel Griaule era um aviador da Forccedila Aeacuterea francesa que tinha interesse
em expediccedilotildees Pelo relato de Clifford podemos inferir que Griaule natildeo estava tatildeo distante do viajante
aventureiro do seacuteculo XIX Sua expediccedilatildeo natildeo era solitaacuteria como a de Malinowski ao contraacuterio levava
consigo vaacuterios assistentes chegou mesmo a pensar em projetar um barco-laboratoacuterio-de-pesquisa para
uso no rio Niacuteger Tambeacutem buscava realizar de forma intensiva a coleta de artefatos de uma aacuterea
Para Clifford (1998) ldquoa noccedilatildeo de que a etnografia era um processo de coleta dominou a Missatildeo
Dakar-Djibout com sua ecircnfase museograacuteficardquo (p193) mas o mesmo autor tambeacutem nos informa que
Griaule fazia pesquisas intensivas tendo ficado durante quase trecircs anos em cerca de dez expediccedilotildees
diferentes entre os dogon23 Fizemos esta citaccedilatildeo a fim de salientar que a mesma tensatildeo entre o relato
de viagem e a moderna antropologia poderia ser verificada ainda na primeira metade do seacuteculo XX
em um dos maiores expoentes da antropologia francesa
22 No caso especiacutefico da antropologia Zaluar cita os seguintes nomes no decorrer do texto Quatrefages Pierre-Paul Broca Charles Robert Darwin Alexander von Humboldt Eacutedourd Arnaud Isidore Hippolyte Franccedilois Lenormant Peter Wilhen Lund Couto de Magalhatildees Boucher de Perthes entre outros Verificamos vasta leitura da disciplina 23 Sociedade Africana pesquisada por Criaule
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
Zaluar era um homem profundamente interessado em ciecircncias Naturais e Fiacutesicas
principalmente em Astronomia havia comeccedilado sua carreira como meacutedico Publicou obras sobre
diversos temas como biografia seja em obra proacutepria15 ou em parceria16 obras de caraacuteter didaacutetico17
afinal era Lente em pedagogia da Escola Normal
No entanto seria uma obra sua dedicada agrave ciecircncia e agrave tecnologia18 assuntos de vital importacircncia
para Zaluar que lhe renderia o meacuterito de entrar para o Instituto Histoacuterico e Geograacutefico Brasileiro (I H
G B )
Como viajante Augusto Emilio Zaluar escreveu a sua Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo
Paulo (1860-6119) um relato de viagem tatildeo comum no seacuteculo XIX com uma leve diferenccedila em relaccedilatildeo
a seus contemporacircneos Enquanto grande parte dos viajantes principalmente estrangeiros estava
preocupada em catalogar a natureza brasileira Zaluar realizava sua viagem a fim de catalogar os
elementos civilizadores desta naccedilatildeo por isso ela transcorreu nas proviacutencias do Rio de Janeiro e
principalmente na de Satildeo Paulo onde comeccedilavam a surgir cidades de meacutedio porte alguma induacutestria e
estradas de ferro devido sobretudo agrave cultura cafeeira
2 UMA PREacute ndash FIGURACcedilAtildeO DA ANTROPOLOGIA
No decorrer do Doutor Benignus somos apresentados ao personagem William River20 um
ldquoantropoacutelogordquo21 Este de origem inglesa passou cerca de 9 meses entre os povos indiacutegenas de Goiaacutes
15 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Emiacutelia Adelaide
Rio de Janeiro Typ do Diaacuterio de Rio de Janeiro 1871
16 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional CASTRO Eduardo
de Saacute Pereira de ZALUAR Augusto Emiacutelio Os Heroacutees brazileiros na campanha do sul em 1865
Rio de Janeiro Typ Pinheiro amp Comp 1865
17 Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Liccedilotildees das cousas
animadas e inanimadas modelos e assunptos de exercicios oraes e por escripto para os
meninos de 5 a 8 annos imitaccedilatildeo para uso das escolas primarias 3 ed Rio de Janeiro Liv
classica de Alves amp comp 1893
18Original sem republicaccedilatildeo recente pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Exposiccedilatildeo Nacional Brazileira de 1875 Rio de Janeiro Typ do Globo 1875 19 Esta obra teve uma republicaccedilatildeo relativamente recente 1975 que ainda estaacute disponiacutevel Peregrinaccedilatildeo pela Proviacutencia de Satildeo Paulo ( 1860-61) Satildeo Paulo Ed Itatiaia USP 1975 20 Este personagem eacute puramente fictiacutecio natildeo tendo qualquer relaccedilatildeo com o antropoacutelogo e fisiologista inglecircs W H R Rivers fundador da escola de psicologia experimental de Cambridge Criador de um meacutetodo de registrar parentesco entre outras contribuiccedilotildees teacutecnicas agrave antropologia Rivers propagava a necessidade de encarar uma cultura ou sociedade como um todo integrado (MERCIER 1986 p 109) 21 Usamos aqui o termo antropoacutelogo com o objetivo de designar o personagem Willian River Sabemos que ateacute entatildeo esta aacuterea das ciecircncias humanas natildeo se tinha constituiacutedo mas uma vez que o personagem apresenta comportamentos que viriam a serem adotados pelos antropoacutelogos (como passar meses entre os Caiapoacutes antes de escrever sua monografia) e Zaluar o designa como tal usaremos este termo para referirmos a este
para depois redigir uma monografia Em outras palavras William River estava realizando um trabalho
de campo que seria a fase primordial da investigaccedilatildeo etnograacutefica Alba Zaluar (1994) reconhece ser
esta uma proposiccedilatildeo avanccedilada ldquobasta lembrarmos que as primeiras expediccedilotildees para realizar um longo
trabalho de campo deram-se na virada do seacuteculordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374)
Alba Zaluar se refere aqui agrave coleta de materiais etnograacuteficos feita por Frans Boas por
ocasiatildeo de uma missatildeo geograacutefica agrave terra de Bafim em 1887 Seguida por uma expediccedilatildeo
zooloacutegica ao estreito de Torres em 1888 com a presenccedila de A C Haddon Foi tambeacutem em
1894 que B Spencer e F J Gillen recolheram dados por ocasiatildeo de uma viagem de estudos
zooloacutegicos na Austraacutelia (MERCIER 1986 p 75)
Para Velasco e Rada (1997) o trabalho de campo eacute o periacuteodo dedicado agrave compilaccedilatildeo e
ao registro de dados sendo mais do que uma teacutecnica Trata-se de uma situaccedilatildeo metodoloacutegica e
tambeacutem um processo em si mesmo uma sequecircncia de accedilotildees de comportamentos e de
acontecimentos cujo objetivo eacute redigir uma monografia
O primeiro trabalho de campo a enquadrar-se nesta definiccedilatildeo teria sido segundo os autores
aquele realizado por Bronislaw Malinowski (1978) em seu trabalho de campo nas ilhas Trobriand nos
anos de 1917-1918
A introduccedilatildeo de ldquoArgonautas do Paciacutefico Ocidentalrdquo pode mesmo ser considerada a carta
fundacional do trabalho de campo antropoloacutegico versando como podemos identificar em seu tiacutetulo
sobre o Tema meacutetodo e objetivo da pesquisa
Eacute nesta introduccedilatildeo que Malinowski propotildee que se faccedilam diaacuterios de campo ldquoo diaacuterio
etnograacutefico feito sistematicamente no curso dos trabalhos num distrito eacute o instrumento ideal para este
tipo de estudordquo (p 31) e os princiacutepios metodoloacutegicos que vatildeo nortear sua pesquisa
em primeiro lugar eacute loacutegico que o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
cientiacuteficos e conhecer os valores e criteacuterios da etnografia moderna Em segundo lugar
deve o pesquisador assegurar boas condiccedilotildees de trabalho o que significa
basicamente viver mesmo entre os nativos sem depender de outros brancos
Finalmente deve ele aplicar certos meacutetodos especiais de coleta manipulaccedilatildeo e
registro da evidecircncia (MALINOWSKI 1978 p 20)
Seguindo a leitura de Alba Zaluar de que Zaluar teria realizado uma ldquoprofecia do meacutetodo
etnograacutefico que se cumpriu no seacuteculo seguinterdquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) podemos verificar que
as propostas metodoloacutegicas inseridas por Bronislaw Malinowski encontram-se de certa forma
esboccediladas na ficccedilatildeo de Zaluar Isso natildeo significa poreacutem que Zaluar tenha sido um profeta ou mesmo
realizado um trabalho antropoloacutegico de envergadura que mais tarde foi esquecido por historiadores da
antropologia Na verdade Zaluar assim como o romancista francecircs Juacutelio Verne procurava fazer
extensas leituras da aacuterea de conhecimento do que iria tratar22 No decorrer do romance buscava
apresentar aos seus leitores os conhecimentos cientiacuteficos de sua eacutepoca a respeito dessa disciplina e
conseguia propor certas especulaccedilotildees acerca do desenvolvimento futuro da aacuterea tratada e por vezes
algumas de suas asserccedilotildees poderiam se verificar plausiacuteveis
No decorrer da narrativa Zaluar fala da necessidade de coletar expondo suas ideacuteias de
que o cientista (por vezes ele usa o termo antropoacutelogo) deve anotar suas observaccedilotildees e recolher
objetos a fim de poder melhor estudar os povos indiacutegenas quando retornar ao mundo civilizado
Ele eacute taxativo ao acusar os viajantes que percorreram o interior do Brasil de muito pouco
escrupulosos na exposiccedilatildeo de fatos e na decifraccedilatildeo de documentos trazendo enormes enganos agrave ciecircncia
devido agrave sua leviandade ao trabalhar ao sabor da aventura mais do que com a exploraccedilatildeo cientiacutefica
Eacute interessante salientarmos que no decorrer do romance O Dr Benignus Zaluar vai coletando
material tanto de cunho arqueoloacutegico quanto de cunho antropoloacutegico ao fazer contato com povos
nativos A expediccedilatildeo fictiacutecia de Benignus natildeo era muito diferente daquelas que ele criticava
Haacute uma certa tensatildeo no romance entre o Dr Benignus e William River O primeiro comanda
uma expediccedilatildeo agrave moda antiga dos viajantes e o segundo ateacute por forccedila dos acontecimentos relatados
no romance parece apontar para uma pesquisa mais cuidadosa e em contato direto com os nativos
Existiria entatildeo uma tensatildeo que acreditamos intencional jaacute verificada por Zaluar No texto
ldquoPoder e Diaacutelogo na Etnografia A iniciaccedilatildeo de Marcel Griaulerdquo de James Clifford (1998) apesar de
natildeo tomarmos conhecimento de fontes primaacuterias verificamos na Missatildeo Dakar-Djibout que atravessou
em vinte e um meses a Aacutefrica do Atlacircntico ao Mar Vermelho certa similaridade com a tensatildeo exposta
por Zaluar
Clifford relata que Marcel Griaule era um aviador da Forccedila Aeacuterea francesa que tinha interesse
em expediccedilotildees Pelo relato de Clifford podemos inferir que Griaule natildeo estava tatildeo distante do viajante
aventureiro do seacuteculo XIX Sua expediccedilatildeo natildeo era solitaacuteria como a de Malinowski ao contraacuterio levava
consigo vaacuterios assistentes chegou mesmo a pensar em projetar um barco-laboratoacuterio-de-pesquisa para
uso no rio Niacuteger Tambeacutem buscava realizar de forma intensiva a coleta de artefatos de uma aacuterea
Para Clifford (1998) ldquoa noccedilatildeo de que a etnografia era um processo de coleta dominou a Missatildeo
Dakar-Djibout com sua ecircnfase museograacuteficardquo (p193) mas o mesmo autor tambeacutem nos informa que
Griaule fazia pesquisas intensivas tendo ficado durante quase trecircs anos em cerca de dez expediccedilotildees
diferentes entre os dogon23 Fizemos esta citaccedilatildeo a fim de salientar que a mesma tensatildeo entre o relato
de viagem e a moderna antropologia poderia ser verificada ainda na primeira metade do seacuteculo XX
em um dos maiores expoentes da antropologia francesa
22 No caso especiacutefico da antropologia Zaluar cita os seguintes nomes no decorrer do texto Quatrefages Pierre-Paul Broca Charles Robert Darwin Alexander von Humboldt Eacutedourd Arnaud Isidore Hippolyte Franccedilois Lenormant Peter Wilhen Lund Couto de Magalhatildees Boucher de Perthes entre outros Verificamos vasta leitura da disciplina 23 Sociedade Africana pesquisada por Criaule
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
para depois redigir uma monografia Em outras palavras William River estava realizando um trabalho
de campo que seria a fase primordial da investigaccedilatildeo etnograacutefica Alba Zaluar (1994) reconhece ser
esta uma proposiccedilatildeo avanccedilada ldquobasta lembrarmos que as primeiras expediccedilotildees para realizar um longo
trabalho de campo deram-se na virada do seacuteculordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374)
Alba Zaluar se refere aqui agrave coleta de materiais etnograacuteficos feita por Frans Boas por
ocasiatildeo de uma missatildeo geograacutefica agrave terra de Bafim em 1887 Seguida por uma expediccedilatildeo
zooloacutegica ao estreito de Torres em 1888 com a presenccedila de A C Haddon Foi tambeacutem em
1894 que B Spencer e F J Gillen recolheram dados por ocasiatildeo de uma viagem de estudos
zooloacutegicos na Austraacutelia (MERCIER 1986 p 75)
Para Velasco e Rada (1997) o trabalho de campo eacute o periacuteodo dedicado agrave compilaccedilatildeo e
ao registro de dados sendo mais do que uma teacutecnica Trata-se de uma situaccedilatildeo metodoloacutegica e
tambeacutem um processo em si mesmo uma sequecircncia de accedilotildees de comportamentos e de
acontecimentos cujo objetivo eacute redigir uma monografia
O primeiro trabalho de campo a enquadrar-se nesta definiccedilatildeo teria sido segundo os autores
aquele realizado por Bronislaw Malinowski (1978) em seu trabalho de campo nas ilhas Trobriand nos
anos de 1917-1918
A introduccedilatildeo de ldquoArgonautas do Paciacutefico Ocidentalrdquo pode mesmo ser considerada a carta
fundacional do trabalho de campo antropoloacutegico versando como podemos identificar em seu tiacutetulo
sobre o Tema meacutetodo e objetivo da pesquisa
Eacute nesta introduccedilatildeo que Malinowski propotildee que se faccedilam diaacuterios de campo ldquoo diaacuterio
etnograacutefico feito sistematicamente no curso dos trabalhos num distrito eacute o instrumento ideal para este
tipo de estudordquo (p 31) e os princiacutepios metodoloacutegicos que vatildeo nortear sua pesquisa
em primeiro lugar eacute loacutegico que o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
cientiacuteficos e conhecer os valores e criteacuterios da etnografia moderna Em segundo lugar
deve o pesquisador assegurar boas condiccedilotildees de trabalho o que significa
basicamente viver mesmo entre os nativos sem depender de outros brancos
Finalmente deve ele aplicar certos meacutetodos especiais de coleta manipulaccedilatildeo e
registro da evidecircncia (MALINOWSKI 1978 p 20)
Seguindo a leitura de Alba Zaluar de que Zaluar teria realizado uma ldquoprofecia do meacutetodo
etnograacutefico que se cumpriu no seacuteculo seguinterdquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) podemos verificar que
as propostas metodoloacutegicas inseridas por Bronislaw Malinowski encontram-se de certa forma
esboccediladas na ficccedilatildeo de Zaluar Isso natildeo significa poreacutem que Zaluar tenha sido um profeta ou mesmo
realizado um trabalho antropoloacutegico de envergadura que mais tarde foi esquecido por historiadores da
antropologia Na verdade Zaluar assim como o romancista francecircs Juacutelio Verne procurava fazer
extensas leituras da aacuterea de conhecimento do que iria tratar22 No decorrer do romance buscava
apresentar aos seus leitores os conhecimentos cientiacuteficos de sua eacutepoca a respeito dessa disciplina e
conseguia propor certas especulaccedilotildees acerca do desenvolvimento futuro da aacuterea tratada e por vezes
algumas de suas asserccedilotildees poderiam se verificar plausiacuteveis
No decorrer da narrativa Zaluar fala da necessidade de coletar expondo suas ideacuteias de
que o cientista (por vezes ele usa o termo antropoacutelogo) deve anotar suas observaccedilotildees e recolher
objetos a fim de poder melhor estudar os povos indiacutegenas quando retornar ao mundo civilizado
Ele eacute taxativo ao acusar os viajantes que percorreram o interior do Brasil de muito pouco
escrupulosos na exposiccedilatildeo de fatos e na decifraccedilatildeo de documentos trazendo enormes enganos agrave ciecircncia
devido agrave sua leviandade ao trabalhar ao sabor da aventura mais do que com a exploraccedilatildeo cientiacutefica
Eacute interessante salientarmos que no decorrer do romance O Dr Benignus Zaluar vai coletando
material tanto de cunho arqueoloacutegico quanto de cunho antropoloacutegico ao fazer contato com povos
nativos A expediccedilatildeo fictiacutecia de Benignus natildeo era muito diferente daquelas que ele criticava
Haacute uma certa tensatildeo no romance entre o Dr Benignus e William River O primeiro comanda
uma expediccedilatildeo agrave moda antiga dos viajantes e o segundo ateacute por forccedila dos acontecimentos relatados
no romance parece apontar para uma pesquisa mais cuidadosa e em contato direto com os nativos
Existiria entatildeo uma tensatildeo que acreditamos intencional jaacute verificada por Zaluar No texto
ldquoPoder e Diaacutelogo na Etnografia A iniciaccedilatildeo de Marcel Griaulerdquo de James Clifford (1998) apesar de
natildeo tomarmos conhecimento de fontes primaacuterias verificamos na Missatildeo Dakar-Djibout que atravessou
em vinte e um meses a Aacutefrica do Atlacircntico ao Mar Vermelho certa similaridade com a tensatildeo exposta
por Zaluar
Clifford relata que Marcel Griaule era um aviador da Forccedila Aeacuterea francesa que tinha interesse
em expediccedilotildees Pelo relato de Clifford podemos inferir que Griaule natildeo estava tatildeo distante do viajante
aventureiro do seacuteculo XIX Sua expediccedilatildeo natildeo era solitaacuteria como a de Malinowski ao contraacuterio levava
consigo vaacuterios assistentes chegou mesmo a pensar em projetar um barco-laboratoacuterio-de-pesquisa para
uso no rio Niacuteger Tambeacutem buscava realizar de forma intensiva a coleta de artefatos de uma aacuterea
Para Clifford (1998) ldquoa noccedilatildeo de que a etnografia era um processo de coleta dominou a Missatildeo
Dakar-Djibout com sua ecircnfase museograacuteficardquo (p193) mas o mesmo autor tambeacutem nos informa que
Griaule fazia pesquisas intensivas tendo ficado durante quase trecircs anos em cerca de dez expediccedilotildees
diferentes entre os dogon23 Fizemos esta citaccedilatildeo a fim de salientar que a mesma tensatildeo entre o relato
de viagem e a moderna antropologia poderia ser verificada ainda na primeira metade do seacuteculo XX
em um dos maiores expoentes da antropologia francesa
22 No caso especiacutefico da antropologia Zaluar cita os seguintes nomes no decorrer do texto Quatrefages Pierre-Paul Broca Charles Robert Darwin Alexander von Humboldt Eacutedourd Arnaud Isidore Hippolyte Franccedilois Lenormant Peter Wilhen Lund Couto de Magalhatildees Boucher de Perthes entre outros Verificamos vasta leitura da disciplina 23 Sociedade Africana pesquisada por Criaule
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
extensas leituras da aacuterea de conhecimento do que iria tratar22 No decorrer do romance buscava
apresentar aos seus leitores os conhecimentos cientiacuteficos de sua eacutepoca a respeito dessa disciplina e
conseguia propor certas especulaccedilotildees acerca do desenvolvimento futuro da aacuterea tratada e por vezes
algumas de suas asserccedilotildees poderiam se verificar plausiacuteveis
No decorrer da narrativa Zaluar fala da necessidade de coletar expondo suas ideacuteias de
que o cientista (por vezes ele usa o termo antropoacutelogo) deve anotar suas observaccedilotildees e recolher
objetos a fim de poder melhor estudar os povos indiacutegenas quando retornar ao mundo civilizado
Ele eacute taxativo ao acusar os viajantes que percorreram o interior do Brasil de muito pouco
escrupulosos na exposiccedilatildeo de fatos e na decifraccedilatildeo de documentos trazendo enormes enganos agrave ciecircncia
devido agrave sua leviandade ao trabalhar ao sabor da aventura mais do que com a exploraccedilatildeo cientiacutefica
Eacute interessante salientarmos que no decorrer do romance O Dr Benignus Zaluar vai coletando
material tanto de cunho arqueoloacutegico quanto de cunho antropoloacutegico ao fazer contato com povos
nativos A expediccedilatildeo fictiacutecia de Benignus natildeo era muito diferente daquelas que ele criticava
Haacute uma certa tensatildeo no romance entre o Dr Benignus e William River O primeiro comanda
uma expediccedilatildeo agrave moda antiga dos viajantes e o segundo ateacute por forccedila dos acontecimentos relatados
no romance parece apontar para uma pesquisa mais cuidadosa e em contato direto com os nativos
Existiria entatildeo uma tensatildeo que acreditamos intencional jaacute verificada por Zaluar No texto
ldquoPoder e Diaacutelogo na Etnografia A iniciaccedilatildeo de Marcel Griaulerdquo de James Clifford (1998) apesar de
natildeo tomarmos conhecimento de fontes primaacuterias verificamos na Missatildeo Dakar-Djibout que atravessou
em vinte e um meses a Aacutefrica do Atlacircntico ao Mar Vermelho certa similaridade com a tensatildeo exposta
por Zaluar
Clifford relata que Marcel Griaule era um aviador da Forccedila Aeacuterea francesa que tinha interesse
em expediccedilotildees Pelo relato de Clifford podemos inferir que Griaule natildeo estava tatildeo distante do viajante
aventureiro do seacuteculo XIX Sua expediccedilatildeo natildeo era solitaacuteria como a de Malinowski ao contraacuterio levava
consigo vaacuterios assistentes chegou mesmo a pensar em projetar um barco-laboratoacuterio-de-pesquisa para
uso no rio Niacuteger Tambeacutem buscava realizar de forma intensiva a coleta de artefatos de uma aacuterea
Para Clifford (1998) ldquoa noccedilatildeo de que a etnografia era um processo de coleta dominou a Missatildeo
Dakar-Djibout com sua ecircnfase museograacuteficardquo (p193) mas o mesmo autor tambeacutem nos informa que
Griaule fazia pesquisas intensivas tendo ficado durante quase trecircs anos em cerca de dez expediccedilotildees
diferentes entre os dogon23 Fizemos esta citaccedilatildeo a fim de salientar que a mesma tensatildeo entre o relato
de viagem e a moderna antropologia poderia ser verificada ainda na primeira metade do seacuteculo XX
em um dos maiores expoentes da antropologia francesa
22 No caso especiacutefico da antropologia Zaluar cita os seguintes nomes no decorrer do texto Quatrefages Pierre-Paul Broca Charles Robert Darwin Alexander von Humboldt Eacutedourd Arnaud Isidore Hippolyte Franccedilois Lenormant Peter Wilhen Lund Couto de Magalhatildees Boucher de Perthes entre outros Verificamos vasta leitura da disciplina 23 Sociedade Africana pesquisada por Criaule
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
Apesar de se mostrar bastante preocupado com o aprimoramento da pesquisa ldquoantropoloacutegicardquo
Zaluar era um homem de sua eacutepoca Geertz (2002) relata que a antropologia nasce no seio da expansatildeo
imperialista do ocidente trazendo consigo uma crenccedila salvacionista nos poderes da ciecircncia
Zaluar estava impregnado desta visatildeo de mundo com uma uacutenica diferenccedila os nativos aos quais
Zaluar se referia satildeo parte constitutiva da mesma metroacutepole que ele O mesmo dilema foi enfrentado
por outros escritores brasileiros entre eles Gonccedilalves de Magalhatildees Joseacute de Alencar Gonccedilalves Dias e
Bernardo Guimaratildees
Todos estes homens do seacuteculo XIX os romacircnticos se apropriaram do iacutendio em seu imaginaacuterio
Segundo Jobim (1998)
o nosso romantismo elegeraacute o iacutendio como seu heroacutei entre outras coisas porque este
podia ser representado como o nativo legiacutetimo do Brasil ndash aquele que desde sempre
aqui viveu e que lutou heroicamente contra os colonizadores estrangeiros Nada
melhor para um movimento literaacuterio nacionalista do que um heroacutei que pode ser
apresentado como legiacutetimo produto da nossa terra (p 36)
Esses escritores pretendiam tratar epicamente o nativo americano e sua natureza Zaluar
tambeacutem um escritor romacircntico natildeo deixou de enaltecer o indiacutegena mas pretendeu sobretudo
tornaacute-lo parte da sociedade civilizada Em seu romance o Doutor Benignus almejava fundar
uma colocircnia agriacutecola e industrial na ilha de Santana
Jaime River e os filhos do Dr Benignus preparam-se com estudos racionais e praacuteticos
para serem um dia grandes proprietaacuterios agriacutecolas na colocircnia da ilha de Santana sonho
dourado do saacutebio Benignus e seus amigos pois querem fazer representar ali todas as
naccedilotildees principais atraindo agrave civilizaccedilatildeo pela santa comunhatildeo do trabalho as raccedilas
ainda mergulhadas na indolecircncia e no barbarismo (Zaluar 1994 p 346)
Mesmo demonstrando apreccedilo pela pesquisa cientiacutefica e respeito agrave cultura desses povos Zaluar
natildeo deixa de enxergaacute-los como baacuterbaros indolentes a serem transformados em cidadatildeos uacuteteis ao Impeacuterio
do Brasil
Zaluar afinal natildeo estava escrevendo de um modo geral sobre povos coloniais para uma
metroacutepole aleacutem do Atlacircntico Aqui os povos nativos satildeo ainda que marginalizados parte da metroacutepole
Portanto devem trabalhar por ela
3 O antropoacutelogo no mundo do ldquooutrordquo
A antropologia seja ela ldquouma busca malinowskiana da experiecircncia uma paixatildeo straussiana
pela ordem uma ironia cultural benedictiana ou uma reafirmaccedilatildeo cultural pritchardiana - eacute acima de
tudo uma apresentaccedilatildeo do realrdquo (Geertz 2002 p 186)
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
Para realizar esta apresentaccedilatildeo do real a ficccedilatildeo antropoloacutegica ainda usando uma interpretaccedilatildeo
de Geertz pretende fazer de forma objetiva e cientiacutefica a ponte entre duas culturas Eacute o antropoacutelogo
por sua vez o sujeito que experimenta essa outra cultura e que a traduz de forma coerente para ser
degustada pelos membros da cultura ocidental
O historiador da antropologia James Clifford (1998) em seu trabalho ldquoSobre a Autoridade
Etnograacuteficardquo relata a constituiccedilatildeo da figura do antropoacutelogo como cientista Ele natildeo deve ser confundido
com aquele que faz o trabalho de gabinete O novo antropoacutelogo agora um cientista eacute aquele que realiza
um trabalho de campo e legitima seu texto evocando a sua experiecircncia participante
Muitas etnografias ndash por exemplo a de Colin Turnbull Forest people (1962) ndash ainda
satildeo apresentadas no modo experiencial defendendo anteriormente a qualquer
hipoacutetese de pesquisa ou meacutetodo especiacuteficos o ldquoeu estava laacuterdquo do etnoacutegrafo como
membro integrante e participante (CLIFFORD 1998 p 35)
A observaccedilatildeo participante seria nas palavras de James Clifford uma foacutermula para o contiacutenuo
vaiveacutem entre o ldquointeriorrdquo e o ldquoexteriorrdquo dos acontecimentos de um lado captando o sentido de
ocorrecircncias e gestos especiacuteficos atraveacutes da empatia para entatildeo buscar situaacute-los em contextos maiores
(CLIFFORD 1998 p 33)
Calcado na observaccedilatildeo participante nasceu este novo gecircnero cientiacutefico e literaacuterio a etnografia
dependente das seguintes inovaccedilotildees institucionais e metodoloacutegicas segundo James Clifford
Primeiro a persona do pesquisador de campo foi legitimada tanto puacuteblica quanto
profissionalmente Segundo era tacitamente aceito que o etnoacutegrafo de novo estilo
cuja estadia no campo raramente excedia a dois anos e mais frequumlentemente era bem
curta podia eficientemente ldquousarrdquo as liacutenguas nativas mesmo sem dominaacute-las
Terceiro a nova etnografia era marcada por uma acentuada ecircnfase no poder de
observaccedilatildeo Quarto algumas poderosas abstraccedilotildees teoacutericas prometiam auxiliar os
etnoacutegrafos acadecircmicos a ldquochegar ao cernerdquo de uma cultura mais rapidamente do que
algueacutem por exemplo que empreendesse um inventaacuterio exaustivo de costumes e
crenccedilas Quinto uma vez que a cultura vista como um todo complexo estava sempre
aleacutem do alcance numa pesquisa de curta duraccedilatildeo o novo etnoacutegrafo pretendia focalizar
tematicamente algumas instituiccedilotildees especiacuteficas Sexto os todos assim representados
tendiam a ser sincrocircnicos produtos de uma atividade de pesquisa de curta duraccedilatildeo O
pesquisador de campo operando de modo intensivo poderia de forma plausiacutevel
traccedilar o perfil do que se convencionou chamar ldquopresente etnograacuteficordquo (CLIFFORD
1998 p 28-30)
Este pesquisador descrito por Clifford entretanto segundo Geertz (2002) tem seu discurso cada
vez mais difiacutecil de realizar-se Afinal
A capacidade dos antropoacutelogos de nos fazer levar a seacuterio o que dizem tem menos a
ver com uma aparecircncia factual ou com um ar de elegacircncia conceitual do que com
sua capacidade de nos convencer de que o que eles dizem resulta de haverem
realmente penetrado numa outra forma de vida (ou se vocecirc preferir de terem sido
penetrados por ela) - de realmente haverem de um modo ou de outro ldquoestado laacuterdquo E
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
eacute aiacute ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu que entra a escrita
(GEERTZ 2002 p 15)
Verificamos entatildeo que tradicionalmente o antropoacutelogo eacute aquele cientista que pretende escrever
uma etnografia e para tanto deve fazer uma observaccedilatildeo participante Enfocaremos o trauma da saiacuteda
desse cientista do mundo do ldquooutrordquo que ele pretende estudar defendendo a tese de que tal trauma jaacute
estava presente na obra de Zaluar
No decorrer do O Doutor Benignus ficamos sabendo que William River apesar de todas as
dificuldades que encontrou entre os Carajaacutes pretendia apoacutes apresentar sua monografia em um
Congresso Internacional de Geografia voltar para junto desses nativos a fim de entre outras coisas
continuar seus estudos e participar da cidade utoacutepica de Zaluar
Uma vez que para a antropoacuteloga Alba Zaluar como jaacute citamos na introduccedilatildeo deste artigo o
personagem William River representaria uma espeacutecie de ldquopreacute-figuraccedilatildeo da situaccedilatildeo vivida por muitos
etnoacutegrafos que natildeo sabem como sair do mundo do outrordquo (ZALUAR Alba 1994 p 374) e levando-
se em consideraccedilatildeo que o termo prefiguraccedilatildeo pode ser definido como ldquoAto de prefigurar representaccedilatildeo
de coisa futura Representar antecipadamente coisa que ainda natildeo existe mas que pode existirrdquo
(FERNANDES 2005 p [SP] ) ao utilizarmos entatildeo a palavra prefiguraccedilatildeo como definida no
dicionaacuterio citado queremos enfatizar de acordo com Alba Zaluar um certo exerciacutecio de antecipaccedilatildeo
por parte de Augusto Emiacutelio Zaluar
O natildeo sair do mundo do ldquooutrordquo ou o natildeo saber fazecirc-lo poderia vir a ser o futuro da
antropologia Recorrendo ao antropoacutelogo Nigel Barley acreditamos que podemos defender tal tese pois
as afirmaccedilotildees de Zaluar tornaram-se realidade
Nigel Barley (2005) autor de ldquoEl antropoacutelogo Inocenterdquo estabelece algumas certezas
que diz serem comuns na vida universitaacuteria ainda que totalmente arbitraacuterias Uma dessas
certezas arbitraacuterias seria a de que o bom estudante se tornaria um bom investigador de que um
bom investigador se tornaria um bom escritor de ensaios e que por fim um bom escritor de
ensaios desejaria fazer trabalho de campo
Para o autor estas satildeo deduccedilotildees sem qualquer fundamento Afinal alguns estudiosos tornam-
se investigadores mediacuteocres alguns ensaiacutestas que estatildeo constantemente publicando nas melhores
revistas de sua aacuterea satildeo professores decepcionantes Ele mesmo faz parte de uma nova geraccedilatildeo de
antropoacutelogos que considera o trabalho de campo um tanto sobrevalorizado Assim teria feito um
doutorado tendo por base horas de pesquisa em bibliotecas Mas apoacutes ensinar durante vaacuterios anos
Barley optou por fazer um trabalho de campo ainda que para ele o trabalho de campo parecesse ldquouna
de esas tareas desagradables como el servicio militar que habiacutea que sufrir en silencio o si por el
contrario se trataba de uno de los lsquoprivilegiosrsquo de la profesioacuten por el cual habiacutea que estar agradecidordquo
(BARLEY 2005 p 18)
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
Seria um recurso para escapar da docecircncia e tutoria um privileacutegio da profissatildeo que durante o
resto da vida coloca agrave matildeo um repertoacuterio de anedotas etnograacuteficas para fazer calar os alunos e entreter
as pessoas Ou quem sabe uma maneira de adquirir uma aura que permite fazer parte lsquodos santos da
igreja britacircnica dos excecircntricosrsquo nas palavras do autor
Y sospecho que haacute sido la utilizacioacuten de tales latiguillos lo que haacute dotado de esa valiosa
aura de excentridad a los grises pobladores de los departamentos de antropologiacutea Los
antropoacutelogos han tenido suerte en lo que se refiere a su imagem puacuteblica Es notorio
que los socioacutelogos son avinagrados e izquierdistas proveedores de desatinos o
perogrulladas Pero los antropoacutelogos se han situado a los pies de santos hinduacutees han
visto dioses extrantildeos presenciado ritos repugnantes y haciendo gala de un audacia
suprema han ido a donde no habiacutea ido ninguacuten hombre Estaacuten pues rodeados de un
halo de santidad y divina ociosidad Son santos de la iglesia britaacutenica de la
excentricidad por meacuterito proprio (BARLEY 2005 p 19-20)
Continuando sua linha de argumentaccedilatildeo o autor coloca em xeque o trabalho de campo como
simples coleta de material ldquocoleccionar mariposasrdquo pois o que importa natildeo eacute o volume de material
etnograacutefico recolhido e descrito mas aquilo que se faz com esse material
Assim as justificativas para a investigaccedilatildeo de campo seriam iguais agravequelas dadas para
qualquer atividade acadecircmica natildeo residindo em uma contribuiccedilatildeo agrave coletividade mas em uma
satisfaccedilatildeo egoiacutesta Para sustentar suas teses Barley decide partilhar com o leitor sua proacutepria
experiecircncia de campo tendo por objetivo
puede servir para reequilibrar la balanza y demostrar a los estudiantes y ojalaacute
tambieacuten a los no antropoacutelogos que la monografia acabada guarda relacioacuten con los
lsquosangrantes pedazosrsquo de la cruda rea que se basa asiacute como para transmitir algo de la
experiencia del trabajo de campo a los que no han pasado por ella (BARLEY 2005
p 21)
Barley continua sua argumentaccedilatildeo sugerindo que
Es una ficcioacuten amable pensar que un deseo irrefrenable de vivir entre un iacutenico pueblo
de este planeta que se considera depositario de un secreto de gran transcendencia para
el resto de la raza humana consume a los antropoacutelogos que sugerir que trabajen en
outro lugar es como sugerir que podiacutean haberse casado con alguien que no fuera su
insustituible compantildeero espiritual (BARLEY 2005 p 21)
Uma vez natildeo estando comprometido com tal visatildeo da etnografia Barley pretendeu
escolher para sua pesquisa o povo de uma perspectiva mais praacutetica Devido a dificuldades de
ordem material e principalmente poliacutetica desistiu de pesquisar em Timor Leste (entatildeo colocircnia
da Indoneacutesia) e em Fernando Poo (sob regime ditatorial) optando pelos dowayos habitantes
das montanhas da Repuacuteblica dos Camarotildees (Aacutefrica)
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
Entretanto Barley relata que antes mesmo de chegar ao local da pesquisa teve de passar por
vaacuterios contratempos entre eles o processo de convencer o Comitecirc responsaacutevel pela bolsa de pesquisa
sobre a validade de seu trabalho de campo Ainda que Barley defendesse sua pesquisa como interessante
nova e importante para o desenvolvimento da antropologia sabia que esta era apenas normal seguindo
o padratildeo de diversas pesquisas anteriores
Apoacutes ter sua pesquisa aprovada Barley relata suas dificuldades em conseguir um visto para
desenvolver seu trabalho na Repuacuteblica dos Camarotildees
La principal dificultad reside aquiacute igual que en otras aacutereas en explicar por queacute el
gobierno britaacutenico considera provechoso pagar a sus suacutebditos joacutevenes cantidades
bastante importantes de dinero para que se vayan a zonas desoladas del mundo con el
supuesto cometido de estudiar pueblos que en el paiacutes son famosos por su ignorancia
y atraso iquest Coacutemo era posible que semejantes estudios fueran rentables
Evidentemente habiacutea alguacuten tipo de propoacutesito oculto El espionaje la buacutesqueda de
yacimentos minerales o el contrabando habiacutean de ser el verdadero motivordquo
(BARLEY 2005 p 28)
O tratamento dispensado pela empresa aeacuterea local ldquoAir Cameroun consideraba a todos los
clientes una detestable molestiardquo (BARLEY 2005 p 26) a vacina que teve de tomar contra a febre
amarela e que lhe provocara tonturas e vocircmitos as dificuldades em comprar materiais adequados para
a pesquisa jaacute que a alfacircndega criava imensos problemas com as importaccedilotildees inglesas foram essas as
dificuldades de Barley
Seu relato prossegue descrevendo a monotonia de estar em uma populaccedilatildeo tipicamente rural
afinal havia sido criado na moderna sociedade industrial cheia de estiacutemulos Foi ateacute mesmo chamado
para ser mediador em disputas entre empregados (oriundos da etnia dowayos) e seus patrotildees
Apesar destes percalccedilos Barley apresenta uma poderosa etnografia oferecendo
minuciosas informaccedilotildees sobre cerimocircnias linguagem comida construccedilatildeo de choccedilas
circuncisatildeo e fertilidade Tambeacutem expotildee os processos de coleta e construccedilatildeo do objeto de
estudo inclusive suas incertezas
Barley relativiza os dowayos em relaccedilatildeo agraves etnias e aos grupos vizinhos (fulanis koma negros
urbanizados cristatildeos muccedilulmanos funcionaacuterios e cooperantes ocidentais) tratando suas experiecircncias
ndash tropeccedilos linguumliacutesticos extraccedilatildeo dentaacuteria aventuras na medicina indiacutegena ndash sem idealizaccedilotildees
Por fim ao retornar agrave Inglaterra com 18 quilos a menos e com suas crenccedilas
fundamentais abaladas sentindo que a trabalhosa instalaccedilatildeo no paiacutes Dowayo foi um
empreendimento insensato ele tem a seguinte conversa com um amigo antropoacutelogo
- Ah ya has vuelto
- Siacute
- iquest Haacute sido aburrido
- Siacute
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
- Te has puesto muy enfermo
- Siacute
- iquest Has traiacutedo unas notas a las que no encuentras ni pies
ni cabeza y te has dado cuenta de que te olvidastes de hacer
todas las preguntas importantes
- Siacute
- iquest Cuaacutendo piensas volver
Me reiacute deacutebilmente Sin embargo seis meses maacutes tarde
regresaba al paiacutes Dowayo (BARLEY 2005 p 234)
O relato de Barley tem certas similaridades com a descriccedilatildeo feita por Zaluar da vida do
personagem William River A princiacutepio eacute o estranho elo que liga o antropoacutelogo ao ldquoseu povordquo Mesmo
com todas as dificuldades que Barley e River24 enfrentam almejam apenas umas pequenas feacuterias no
mundo ldquocivilizadordquo para entatildeo retornar ao ldquoseu povordquo25
Esta volta ao ldquoseu povordquo presente na obra de Barley e de Zaluar ainda que apenas preacute-
figurada natildeo eacute somente uma curiosidade psicoloacutegica inerente ao antropoacutelogo mas o resultado
de um questionamento epistemoloacutegico e discursivo que pode ser a via de fortalecimento do
trabalho de campo
Jaacute salientamos neste trabalho que a antropologia teve como seu principal alicerce e garantia de
objetividade cientiacutefica o trabalho de campo A etnografia seria assim o equivalente agrave experiecircncia
repetida em laboratoacuterio nas ciecircncias exatas Entretanto criacuteticas foram feitas tanto por antropoacutelogos
hermenecircuticos (Clifford Gerrtz) quanto por antropoacutelogos poacutes-modernos (James Clifford)
Gerrtz apoiando-se em uma tradiccedilatildeo hermenecircutica e na semioacutetica propotildee que a uacutenica
maneira de descrever os fatos culturais eacute precisamente interpretando-os uma vez que os
fenocircmenos culturais satildeo sinais mensagens ou textos Podemos apenas interpretar seu
significado
Tal construccedilatildeo em tais moldes agora que as suposiccedilotildees simplistas sobre a convergecircncia
de interesse entre povos (sexos raccedilas classes cultos etc) de poder desigual foram
historicamente rejeitadas e que a proacutepria possibilidade da descriccedilatildeo absoluta foi
questionada natildeo parece nem de longe uma empreitada tatildeo inambiacutegua quanto na
eacutepoca em que a hierarquia estava instaurada e a linguagem natildeo tinha peso As
assimetrias morais atraveacutes das quais trabalha a etnografia bem como a complexidade
discursiva em que ela funciona tornam indefensaacutevel qualquer tentativa de retrataacute-la
como mais do que a representaccedilatildeo de um tipo de vida nas categorias de outro
(GEERTZ 2002 p 188)
24 Vamos nos referir aqui a William River de forma bastante literal Quase como a um personagem
real
25 Segundo James Clifford ldquoa forma possessiva lsquomeu povorsquo foi ateacute recentemente bastante usada nos ciacuterculos antropoloacutegicos mas a frase na verdade significa lsquominha experiecircnciarsquordquo (CLIFFORD 1998 p 38) Eacute neste sentido que usamos a expressatildeo neste trabalho
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
James Clifford por sua vez participou do movimento empreendido por jovens antropoacutelogos
americanos no seminaacuterio de Santa Feacute (Novo Meacutexico EUA abril de 1984) de certa forma todos eles
inspirados por Geertz ainda que fazendo criacuteticas a este26 Clifford e os demais antropoacutelogos presentes
nesse seminaacuterio identificavam uma crise no campo da antropologia ateacute entatildeo segundo eles muito
positivista
Sua intenccedilatildeo era partindo de uma postura claramente impregnada da criacutetica poacutes-estruturalista
ou poacutes-moderna redefinir a antropologia a partir de criteacuterios esteacuteticos recorrendo a anaacutelises
paraliteraacuterias e filosoacuteficas Esse movimento teve seu manifesto publicado na forma do livro Writing
Culture27 publicado em 198628
Os autores presentes no livro satildeo os antropoacutelogos James Clifford Mary Louisse Pratt Vincent
Crapanzano Renato Rosaldo Stephen A Tyler Talal Asad George E Marcus Michel M J Fischer e
Paul Rabinow Aleacutem de ser o organizador e um dos ensaiacutestas James Clifford eacute tambeacutem responsaacutevel pela
introduccedilatildeo da obra
Destacamos um trecho de sua introduccedilatildeo
Los ensayos que aquiacute se contienen hacen bien expliacutecito un aserto la ideologizacioacuten
en el anaacutelisis haacute claudicado haacute sucumbido Estos ensayos son el resultado de uma
observacioacuten de una visioacuten a la contra uacutenica manera posible de componer un coacutedigo
fiable de representaciones Se assume en este libro que lo poeacutetico y lo poliacutetico son
cosas inseparables y que lo cientiacutefico estaacute impliacutecito en ello no en sus maacutergenes O
sea como en todo processo histoacuterico y linguumliacutestico Asumen estes ensayos que las
interpretaciones puramente literarias son propicias a la experimentacioacuten a la vez que
rigurosamente eacuteticas El texto en gestacioacuten la retoacuterica incluso arrojan buena luz para
construir siquiera sea artificialmente una sucesioacuten de eventos culturales Ello mina
ciertas resoluciones que propenden al autoritarismo interpretativo ello hace maacutes
transparente el sustrato cultural que se contempla Asi se evita en definitiva que la
interpretacioacuten etnograacutefica sea maacutes que una representacioacuten de culturas una
reinvencioacuten de las mismas (veacutease a Wagner) Por todo ello podemos decir que el
problema no radica en la interpretacioacuten de unos textos literarios en su sentido maacutes
tradicional La mayoria de estos ensayos apoyados en un empirismo constatable se
refieren a textos elaborados en contextos de poder de resistencia de tensiones
institucionales y espoleado todo ello por una clara intencioacuten renovadora
(CLIFFORD 1991 p 26-27)
Os escritos etnograacuteficos teriam de passar a combinar descriccedilotildees com interpretaccedilotildees nos
quais o etnoacutegrafo usa da interpretaccedilatildeo para associar o pensamento do nativo aos seus meios de
expressatildeo e tornaacute-los compreensiacuteveis para o leitor O resultado parece ser uma reduccedilatildeo do papel
26 Segundo Sena ldquoeles natildeo satildeo um grupo eles natildeo formam uma escola eles natildeo seguem modelos eles natildeo propotildeem modelos eles natildeo acreditam em teoria geral eles natildeo suportam o positivismo eles natildeo satildeo convencidos pela transparecircncia do realismo etnograacutefico eles natildeo satildeo enganados pelo virtuosismo interpretativo eles natildeo reivindicam uma genealogia na tradiccedilatildeo da disciplina eles se reuniram em Santa Feacute para matar o pai (Geertz)rdquo (SENA 1987 p 3) 27 O tiacutetulo completo eacute Writing Culture The Poetics and Politics of Ethnography 28 Para confecccedilatildeo deste trabalho usamos a seguinte ediccedilatildeo em liacutengua espanhola CLIFFORD James MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
do antropoacutelogo ao de escritor e da crise epistemoloacutegica e poliacutetica da disciplina a uma questatildeo
de estilo
Para Sena (1987) estes antropoacutelogos pretendiam sim destacar-se de seus colegas
Afinal a inovaccedilatildeo aleacutem de garantir a sobrevivecircncia intelectual garantia tambeacutem a econocircmica
jaacute que o mercado de trabalho estava saturado de relatos etnograacuteficos
Apoacutes os escritos de Clifford Geertz e James Clifford com suas criacuteticas ao ldquotrabalho de
campordquo este teria realmente se esgotado a atividade antropoloacutegica inovadora passaria a ser a
meta-antropologia Acreditamos que natildeo
Ainda que nos faltem maiores leituras e possivelmente experiecircncia etnograacutefica o que
desponta para noacutes eacute um aumento da complexidade do trabalho de campo Pensamos que para
fazer antropologia precisamos ter acesso a dados e que em muitos casos poderemos recorrer a
bibliotecas ou mesmo agrave rede mundial de computadores (Internet) O trabalho de campo com
todas as criacuteticas feitas por hermenecircuticos e poacutes-modernos parece ainda ser a melhor forma de
colher dados natildeo publicados
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As criacuteticas feitas aos textos etnograacuteficos e as discussotildees teoacutericas originadas destas servem ao
nosso ver natildeo para invalidar o trabalho do etnoacutegrafo mas para sobrevalorizaacute-lo
Na verdade os fatos sociais religiosos tecnoloacutegicos etc coletados pelo antropoacutelogo no
trabalho de campo satildeo o resultado de processos sociais institucionais e discursivos de construccedilatildeo
teoacuterica realizada pelo antropoacutelogo que de qualquer forma deve ter o trabalho de colhecirc-los O
questionamento acerca destes dados natildeo deve ser pretexto para substituir o trabalho de campo pela pura
anaacutelise teoacuterica Ao contraacuterio aumenta a necessidade de cada vez mais fortalecer seu trabalho com mais
dados voltando-se novamente ao campo de pesquisa e possivelmente voltar-se outra vez e quem sabe
ateacute mesmo uma outra vez Redundacircncia agrave parte parece ser cada vez mais imperativo o trabalho de colher
dados e analisaacute-los e mais tarde voltar ao campo para comprovaccedilatildeo da anaacutelise para entatildeo fazer uma
nova anaacutelise e assim por diante
Sair do mundo do outro dificuldade enfrentada pelo personagem de Zaluar e possivelmente
por dezenas de antropoacutelogos de carne e osso parece natildeo ser mais uma dificuldade a ser suplantada mas
uma postura a imitar William River mostrou-se ao natildeo conseguir evitar seu retorno ao ldquoseu povordquo
coerentemente um antropoacutelogo preparado para o seacuteculo XXI O trabalho de Barley eacute um bom exemplo
do fortalecimento epistemoloacutegico e discursivo que o trabalho de campo pode ganhar com esta postura
Afinal ldquoo autor agora natildeo tem apenas que construir um texto para ser feliz mas deve
ainda estar consciente do processo de construccedilatildeo de seu proacuteprio lugar no texto dos artifiacutecios
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994
retoacutericos usados e dos efeitos conseguidosrdquo (SENA 1987 Advertecircncia ao Leitor Espertinho I
[S P])
Referecircncias Bibliograacuteficas
BARLEY Nigel El antropoacutelogo inocente Trad de Mordf Joseacute Rodellar EspanhaBarcelona
Editora Anagrama 2005 (20ordm ediccedilatildeo)
CLIFFORD James A Experiecircncia Etnograacutefica antropologia e literatura no seacuteculo XX Org Joseacute
Reginaldo Santos Gonccedilalves Rio de Janeiro Editora UFRJ 1998
________________ MARCUS George E Retoacutericas de la Antropologia Trad Joseacute Luis Moreno-
Ruiacutez Espanha Madrid Ediciones Juacutecar Universidad 1991 (Seacuterie Antropologiacutea)
FERNANDES Francisco LUFT Celso Pedro GUIMARAtildeES F Marques Dicionaacuterio
Brasileiro Globo Portuguecircs 41ordm ed Satildeo Paulo Editora Globo 1995
GEERTZ Clifford O Saber Local Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa Trad
Vera Mello Joscelune Petroacutepolis Vozes 1997
______________ A Interpretaccedilatildeo das Culturas Trad Fnny Wrobel Rio de Janeiro Zahar
Editores 1978
_______________ OBRAS E VIDAS O antropoacutelogo como autor Trad Vera Ribeiro Rio
de Janeiro Editora UFRJ 2002
JOBIM Joseacute Luiacutes Indianismo Literaacuterio na Cultura do Romantismo Rev Let Satildeo Paulo 373835-
48 1998
MALINOWSKI Bronislaw Argonautas do Pacifico Ocidental Trad Anton P Carr e Liacutegia
Aparecida Cardieri 2ordm ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Coleccedilatildeo Pensadores)
MERCIER Paul Histoacuteria da Antropologia Trad Manuela Torres Lisboa Teorema 1986
SENA Custodia Selma Em favor da tradiccedilatildeo ou falar eacute faacutecil fazer eacute que satildeo elas Brasiacutelia
Universidade de Brasiacutelia Departamento de Antropologia 1987 (Seacuterie Antropologia nordm 63)
VELASCO Honorio RADA Aacutengel Diaz de La loacutegica de la investigacioacuten etnograacutefica Un modelo
de trabajo para etnoacutegrafos de la escuela EspanhaMadrid Editorial Trotta 1997
ZALUAR ALBA Ameacuterica Redescoberta O Civilizado Cientista e seus outros In Augusto Emiacutelio
Zaluar O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994 pp 371-376
ZALUAR Augusto Emiacutelio O Doutor Benignus Rio de Janeiro Editora UFRJ 1994