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n.13, 2º sem. 2004 1 Nº 13 Canoas - 2004 Revista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais

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Nº 13

Canoas - 2004

Revistade Ciências Empresariais,

Políticas e Sociais

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Revista de CiênciasEmpresariais, Políticas e Sociais2o semestre de 2004 - Número 13ISSN 1413-0408

R454 Revista Opinio/Universidade Luterana do Brasil - Ciências Em-

presariais, Políticas e Sociais. - Canoas: Ed. ULBRA, 1999.

Semestral

1. Ciências políticas-periódicos. 2. Ciências sociais-pe-

riódicos. 3. Ciências contábeis-periódicos. 3. Administra-

ção-periódicos. I.Universidade Luteran do Brasil-Centro

de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais.

CDU 3+65

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/CAnoas

Endereço para submissãoAv. Farroupilha, 8001CEP: 92425-900 - Canoas/RS - BrasilFone: (51) 477.9151 - Fax: (51) 477.1313E-mail: [email protected]

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Matérias assinadas são de responsabilidadedos autores. Direitos autorais reservados.Citação parcial permitida, com referência àfonte.

PresidenteDelmar StahnkeVice-PresidenteJoão Rosado Maldonado

ReitorRuben Eugen BeckerVice-ReitorLeandro Eugênio Becker

Pró-Reitor de AdministraçãoPedro MenegatPró-Reitor de Graduação da UnidadeCanoasNestor Luiz João BeckPró-Reitor de Graduação das UnidadesExternasOsmar RufattoPró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoEdmundo Kanan Marques

Capelão GeralGerhard Grasel

Ouvidor GeralEurilda Dias Roman

OPINIO

Comissão EditorialAna Regina F. SimãoMaria Cleci Martins

Conselho EditorialCézar Roberto Bitencourt (PUCRS)Clóvis Massaúd B. da Silveira (ULBRA)Irê Silva Lima (ULBRA)Juan José M. Mosquera (PUCRS)Maria Cleci Martins de Carvalho (PUCRS)Maria Cleci Martins (ULBRA)Maria Emilia Camargo (ULBRA)Oscar Claudino Galli (UFRGS)Paulo Schmidt (UFRGS)Rui Otávio Berdardes de Andrade (CFA)

Editora da ULBRADiretorValter KuchenbeckerCoord. de PeriódicosRoger Kessler GomesCapaEliandro RamosEditoraçãoMarcos Locatelli

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Índice

5. Editorial

ARTIGOS

7. Max Weber: o Intelectual e o Homem PolíticoAlmiro Petry

19. O Impacto das Mudanças Políticas e Econômicas Internacionais na PolíticaExterna BrasileiraAna Regina Falkembach Simão

33. Dominação Militar e Escola Superior de Guerra no Brasil: Legitimação eInstitucionalização do Poder CastrenseEverton Rodrigo Santos

55. O Papel do Estado no Discurso Trabalhista de Alberto Pasqualini na EraVargas: de 1945 a 1955 à Luz da Teoria PositivistaJaime Antônio Nalin

71. O Poder Legislativo e a Pesquisa Universitária: Possibilidades para a Realiza-ção de Estudos Políticos a Partir da Experiência do Memorial da CâmaraMunicipal de Porto AlegreJorge Barcellos

81. Assis Brasil e a Política de Sua ÉpocaJosé Antônio Giusti Tavares

89. Cultura, Comunicação e Política na Sociedade ContemporâneaPaulo Gabriel Martins de Moura

NORMAS EDITORIAIS

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Editorial

Nestes últimos dez anos, 1994–2004, que marcaram não apenas a criação como o desen-volvimento da Ciência Política na Universidade Luterana do Brasil, a busca pela pesquisa epelo debate acadêmico tem sido um dos pontos relevantes do curso. Na totalidade, o seucorpo docente tem se debruçado no estudo e nas análises de variadas temáticas, que transi-tam entre o amplo universo das questões políticas e econômicas, tanto nacionais como inter-nacionais, como também na reflexão sobre questões teóricas que guardam em autores clássi-cos ou contemporâneos os fundamentos das Ciências Sociais e Humanas.

Contando sistematicamente com a significativa participação de pesquisadores de outrasinstituições universitárias, a Revista Opinio procura apresentar ao público especializado ounão diferentes visões sobre temáticas, consideradas dentro do espaço acadêmico, importan-tes para a compreensão de questões contemporâneas e históricas. Nesta edição a RevistaOpinio conta com sete artigos que vêm ao encontro deste desiderato, cuja temática centralaponta no sentido da reflexão sobre questões relativas à política em seu amplo aspecto.

Comissão Editorial

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Almiro Petry é Doutorando em Ciências Sociais Aplicadas do PPG da UNISINOS, Mestre em Sociologia Rural pela UFRGS, Profes-sor de Sociologia na UNISINOS e na UFRGS. E-mail: [email protected]

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.7-17

Max Weber: o Intelectual e oHomem Político

Max Weber: the Intellectual and thePolitician

Almiro Petry

RESUMO

O presente texto resgata alguns conceitos fundamentais de Max Weber, como po-der, dominação e seleção, voltados para a esfera política. Dá-se alguma ênfase à demo-cracia e à dominação carismática. Com esses conceitos, olha-se um pouco na perspecti-va weberiana da dinâmica do poder. Além disso, apontam-se aspectos do engajamentopolítico de Weber como cidadão preocupado com os rumos de sua pátria.

Palavras-chave: poder, dominação, seleção, carisma, democracia.

ABSTRACT

The text discusses some fundamental concepts from Max Weber, such as power,dominance and selection, focusing on the political sphere. Also democracy and thecharismatic dominance are put in evidence. With these concepts it’s possible to look atthe weberian perspective on the dynamics of power. Besides, some aspects of Weber’spolitical engagement are presented, specially his preoccupation with the future ofGermany.

Key words: power, dominance, selection, charisma, democracy.

INTRODUÇÃO

No centenário da publicação de “A éticaprotestante e o espírito do capitalismo” (Dieprotestantische Ethik und der “Geist” desKapitalismus, 1904/1905), retornam-se osolhares sobre Weber sociólogo, para melhoraquilatar sua teoria sociológica da moderni-dade, da sociedade industrial e do capitalis-

mo, preterindo-se, um pouco, o Weber políti-co e os demais campos disciplinares – Histó-ria, Economia, Direito, Filosofia e Teologia –com os quais este pensador se preocupou. Poroutro lado, a tendência acadêmicafuncionalista de separar as abordagens pre-judica a compreensão da totalidade da obraweberiana.

Pretende-se, nestas breves considerações,

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sinalizar com alguns apontamentos sobre oWeber pensador e autor político e o Webercidadão, de atuação e engajamento político.

Os ensaios, os artigos e as conferências deconteúdo político foram editados emGesammte Politische Schriften (3 vol., 1921),que se agregam ao capítulo da Sociologia dadominação de Economia e Sociedade1 . Na co-letânea referida, destaca-se Politik als Beruf2 ,que tomarei como uma das referências. Entre-tanto, não podemos preterir o capítulo da So-ciologia da dominação, sustentáculo da con-cepção teórica weberiana do poder.

Divido o texto em duas partes, abordandoo Weber como pensador político e o Weberpoliticamente engajado.

WEBER: O PENSADORPOLÍTICO

Max Weber (1864–1920) elege o poder e adominação como elementos polarizadores dasua teoria da sociedade que perpassam a or-dem econômica, a ordem social, a ordem polí-tico-jurídica e a ordem religiosa. Para dar sen-tido e significado a seus escritos, mantém umestilo contundente e crítico, escrevendo con-tra algum intelectual ou personagem, ou con-tra fatos de seu tempo, buscando a polêmica,ou ainda, analisando as culturas e a história.

Seu contexto histórico é a Alemanha pós-bismarckiana, resultante da Realpolitik e daKulturkampf, que se encaminha, inexoravel-mente, para o primeiro conflito bélico de di-mensões mundiais. O Estado nacionalconstruído por Bismarck e os príncipes ale-mães, sem a participação do povo e afastadodas classes sociais, após o tratado deVersalhes (1870), estava distante da visãodemocrática que Weber elaboraria no futu-ro. Entretanto, a marca de ser filho de umpolítico deste Reich – o pai é um jurista e po-lítico influente do Partido Nacional Liberal –

e sua vinculação com a emergente burguesiaindustrial não apagam a pecha de ser um fru-to intelectual deste contexto, qual seja, o na-cionalismo, o Sozialstaat, o dirigismo indus-trial, etc. e, em especial, o pangermanismo.

Na análise que faz de seu tempo, ele identi-fica os dilemas políticos, econômicos e inte-lectuais do mundo prussiano-germânico e oscomplexos problemas de liderança políticade sua contemporaneidade.

Neste contexto e circunstâncias, Weberteoriza a sociedade humana, tendo as rela-ções de poder (Macht) como uma constanteluta (Kampf) na forma de competição(Wettkampf), donde resulta uma necessáriaseleção (Auslese)3 . Ele acredita que não épossível excluir a luta ou o conflito das dife-rentes esferas da sociedade humana. Seusmeios, seu objeto, sua orientação e seus pro-tagonistas podem ser alterados, mas não eli-minados. Em 1917, escreve4 :

O conflito está sempre presente, e as suas

conseqüências são pelo menos tanto mais

importantes quanto menos são percebidas,

quanto mais assumem a forma de uma pas-

sividade indiferente ou cômoda, de um qui-

mérico autoengano, ou, inclusive a forma

de uma “seleção”. A “paz” não significa ou-

tra coisa do que um deslocamento das for-

mas, dos protagonistas ou dos objetos de luta,

ou, finalmente das chances de seleção

(WEBER, 2001, p.381).

A partir do confronto entre alemães e po-loneses, nas fronteiras da Prússia, Weber ana-lisa a luta pela direção da sociedade alemã,tendo o Estado e a política econômica comoexpressões. Dessa discussão formula a tesede que o poder econômico e a vocação para adireção da política nacional nem sempre co-incidem. Ele cita os Junkers, a parte da bur-guesia alemã que lutava em defesa de seus in-teresses e privilégios em detrimento de umaordem econômica nacional.

1 Weber, Max. Economia e Sociedade. V.2, Brasília/DF: EditoraUnB, 1999, cap. IX.2 Utilizo o texto de M. Weber Ensaios de Sociologia, organiza-dos por H.H. Gerth e C. Wright Mills, editados por Zahar Edito-res (2ª edição, 1971), A política como vocação, p.97-153. Confe-rência proferida na Universidade de Munique, em 1918. A maisrecente tradução deste texto é da Editora Martin Claret: Ciên-cia e Política: duas vocações, 2002, p. 59-124.

3 PETRY, Almiro. Max Weber (1864-1920): roteiro de aula 2003.Disponível em: http://www.humanas.unisinos.br/pastanet/sociologia_I4 O sentido da “neutralidade axiológica” nas ciências sociais eeconômicas, 1917. Publicado em: WEBER, Max. Metodologia dasCiências Sociais . 2ª Parte, 3ª edição. Campinas/SP: Ed.UNICAMP, São Paulo: Cortez, 2001, p. 361-398. Publicação ori-ginal, Logos, Tomo 7, 1918.

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Para Weber, os Junkers5 são uma compa-nhia agradável “na caça, junto a um bom copo,ou no jogo de cartas”, mas tudo se torna es-púrio quando agem como “burguesia de em-presários”, porque então:

Estão empenhados na luta de seus interes-

ses econômicos. Sua luta social e econômica

é tão impiedosa quanto a de qualquer indus-

trial. Dez minutos passados entre eles mos-

tram que são plebeus. Suas virtudes mes-

mas são as de natureza plebéia (WEBER,

1971, p.439).

Os Junkers não constituem, segundo ele,uma aristocracia e, por isso, padecem da au-sência de “homens de educação cosmopoli-ta”. Entretanto, na estrutura políticaprussiana exerciam, gloriosamente, uma in-tensa presença militar. Afastados das acade-mias, aspiravam a serem Herrenvolk (senho-res do povo), baseados na raça, que paraWeber foi um erro estratégico de política in-terna e externa.

A discussão surgida na Alemanha, após aprimeira guerra mundial, sobre a democrati-zação, resultando na constituição da Repú-blica de Weimar, leva Weber a refletir sobre“o desenvolvimento de uma forma alemã re-almente culta” de uma democracia política esocial. Acredita que isso “cabe ao futuro”,porque o espírito democrático era aindaincipiente na Alemanha.

Em sua teoria social, considera que a açãosocial das relações na ordem econômica (in-teresses), na ordem social (usos e costumes),na ordem jurídico-política (partidos, decisõese leis) e na ordem religiosa (valores e ética)configuram o poder na sociedade. O poder,para Weber, “significa toda probabilidade deimpor a própria vontade numa relação soci-al, mesmo contra resistências, seja qual for ofundamento dessa probabilidade” (WEBER,1994, p.33). Apesar de adotar este conceito,considera-o “sociologicamente amorfo”, por-que qualquer pessoa, numa situação dada,

pode impor sua vontade. Por isso, sua prefe-rência recai sobre o conceito de dominação,por ser mais preciso. Então, na sociedade hu-mana, o conjunto das ordens, acima referido,constitui a dominação (Herrschaft), queWeber entende ser a “probabilidade de en-contrar obediência a uma ordem de determi-nado conteúdo, entre determinadas pessoasindicáveis” (idem, p.33), ou seja, sociologi-camente exprime “a probabilidade de encon-trar obediência a uma ordem”. Na prática, sig-nifica que na situação alguém manda, eficaz-mente, em outros, com um quadro adminis-trativo ou sem um quadro administrativo6 .

Weber vê a temática à luz dos dominantes,colocando a legitimidade de forma direta ouatravés de um quadro administrativo. Enten-de que a relação social pode ser orientada pela“representação da existência de uma ordemlegítima”. Esta pode ser atribuída pelos agen-tes em virtude de uma tradição; em virtudede uma crença afetiva; em virtude de umacrença racional referente a valores; em vir-tude de um estatuto existente, em cuja legali-dade se acredita. A legalidade pode ser con-siderada legítima em virtude de um acordoentre os interessados, ou em virtude da im-posição e da submissão correspondente(idem, p.22).

A intenção de Weber, fiel à metodologiaproposta, é a construção de tipos puros (ide-ais) de dominação legítima. Classifica-os emtradicional, carismático e legal (racional). Adominação tradicional é fundamentada nacrença do caráter sagrado das tradições e nalegitimidade dos que são chamados a exercera autoridade. A dominação carismática ba-seia-se no devotamento de uma qualificaçãopessoal (carisma) do portador de uma men-sagem de salvação contra os poderes destemundo, propondo a mudança deste mundo(seja pelo caráter religioso ou pela raça he-róica...). A dominação legal (racional) é aquelafundada na existência de um quadro burocrá-tico-administrativo. A burocracia é vistacomo o tipo puro da dominação legal, funda-mento da crença na legalidade da ordem e dos

5 Os Junkers constituíam a aristocracia agrária (Junkertum),ou seja, os grandes proprietários rurais, mormente do norte eleste da Alemanha. Por isso, Weber, que nascera em Erfurt, jul-gava que “para além do Elba não havia inteligência”. Já KarlMarx, que nascera em Trier, pensava que “para além do Renonão havia inteligência”.

6 Weber cita o pai de família ou o chefe beduíno que exercem adominação sem um quadro administrativo. Entretanto, na po-lítica, o Estado, por exemplo, reivindica o monopólio legítimoda coação física para realizar, através de um quadro adminis-trativo, as ordens vigentes. Isto ocorre nas empresas, nas igre-jas, enfim, lá onde há associação de poder e de dominação.

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títulos dos que exercem a dominação (PETRY,2003, p.9-10).

Weber desenvolve uma visão linear dopoder e da dominação, em especial quandoaborda o tema da obediência conectada à dis-ciplina. Para ele, a disciplina “é a probabilida-de de encontrar obediência pronta, automá-tica e esquemática a uma ordem, entre umapluralidade indicável de pessoas, em virtudede atividades treinadas” (WEBER, 1994, p.33).

Isto traduz a situação de o subalterno assu-mir a ordem da autoridade como se fosse suaprópria, o que elimina toda e qualquer possi-bilidade de reação. Nesta perspectiva, o poderpossui uma estrutura formal, associado à lógi-ca de a minoria ser a detentora da conjunçãodominial no plano econômico, no plano políti-co, no plano social e no plano religioso.

No plano político, a profissionalização dospolíticos e a burocratização dos partidos, nainterpretação de Weber, torna a participaçãoativa no processo político, na sociedade mo-derna, cada vez mais restritiva às pessoas quefazem da política um meio de vida. Esta é umaquestão básica, porque assenta a distinçãoentre “viver para a política” de “viver da polí-tica”. Weber assim se expressa:

Quem vive “para” a política a transforma,

no sentido mais profundo do termo, em “ob-

jetivo de sua vida”, seja porque encontra

forma de gozo na simples posse do poder, seja

porque o exercício dessa atividade lhe per-

mite achar equilíbrio interno e exprimir va-

lor pessoal, colocando-se a serviço de uma

“causa” que dá significação à sua vida. Nes-

te sentido profundo, todo homem sério, que

vive para uma causa, vive também dela.

(WEBER, 2002, p.68)

Weber trabalha o conceito restrito de polí-tica que se refere à “direção do agrupamentohoje denominado Estado, ou a influência quese exerce nesse sentido” (idem, p.59). Por ou-tro lado, o Estado só se define pelo “uso dacoação física”. Ele repete a frase de Trotsky:“Todo o Estado se fundamenta na força” (idem,p.60). Acredita que, se houvesse estruturassociais em que a violência tivesse desapareci-do, o Estado e seu conceito também cessariame “subsistiria o que, no sentido próprio da pa-lavra, se denomina anarquia” (idem, p.60).

Weber concebe o Estado contemporâneocomo uma comunidade humana (agrupamen-to político) que, limitado a um determinadoterritório “reivindica o monopólio do uso le-gitimo da violência física” (idem, p.60). Destaforma, o Estado detém a fonte do direito à vio-lência e se constitui em seu detentor, podendotolerar concessões na esfera de sua atuação.Com esta fundamentação, ele entende a políti-ca como o conjunto de esforços para “a parti-cipação no poder ou a luta para influir na dis-tribuição de poder, seja entre Estados ou en-tre grupos dentro de um Estado” (WEBER,1971, p.98). Por isso, na concepção weberiana,quem participa da política envolve-se, ativa-mente, “na luta pelo poder, quer como um meiode servir a outros objetivos, ideais ou egoís-tas, quer como o poder pelo poder, ou seja, afim de desfrutar a sensação de prestígio atri-buída pelo poder” (idem, p.98).

A percepção weberiana de envolvimentona política é de cidadãos que lutam pelo bemcomum como um ideal; aqueles que lutam porobjetivos egoístas; aqueles que lutam para go-zar o poder e se deleitar nas sinecuras que opoder proporciona. Entretanto, quando Weberfala em vocação para a política, ele encontra afonte no carisma, alertando, porém, que eletambém é a fonte dos demagogos e doscondottiere. Pelo lado positivo, “o portadordo carisma assume as tarefas que consideraadequadas e exige obediência e adesão em vir-tude de sua missão” (WEBER, 1999, p.324). Seuêxito depende da adesão daqueles aos quaisele se sente enviado, assumindo o senhorio dosmesmos enquanto souber manter o reconhe-cimento “mediante provas”. Caso rompa essarelação, sua missão fracassa.

Nesta perspectiva, a dominaçãocarismática é a abrangência de vocação polí-tica, porque ela se opõe à dominação buro-crática, em particular quanto ao fundamentoeconômico. A dominação burocrática exigeuma economia ordenada, regrada, monetari-amente controlada, racional e planejada, queproporcione receitas constantes, enquanto adominação carismática “é um poderantieconômico por excelência”, porque “ape-sar de viver dentro deste mundo, não vivedele” (idem, p.325), porquanto seus porta-dores não visam ganhos pessoais, seja na for-ma de trocas de prestação ou contraprestaçãode serviços, ou na remuneração de serviços.

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A dominação carismática pura não conhece“nenhuma ordem tributária” para oatingimento da missão, fluindo os recursoseconômicos necessários “de patrocinadoresindividuais, ou na forma de doaçõeshonoríficas, contribuições e outras presta-ções voluntárias por parte daqueles aos quaisse dirige a missão” (idem, p.325). Contudo,quando se trata das finanças públicas, Weberentende por Estado o “complexo de relaçõeshumanas” determinado por normas, leis e ins-tituições que se destinam a prover a existên-cia física das pessoas, intervindo “por viaslegislativas” na vida econômica (ou por qual-quer outro modo), sustentado na relevânciaou condicionamento econômico (WEBER,1991, p.119).

Na esfera política, “a dominaçãocarismática genuína desconhece disposiçõesjurídicas, regulamentos abstratos e a jurisdi-ção formal” (WEBER, 1999, p.326), porque odireito objetivo é resultante da vivência con-creta, do dia-a-dia, o que dá ao “senhorcarismático” um caráter revolucionário, “in-vertendo todos os valores e rompendo sobe-ranamente com todas as normas tradicionaisou racionais” (idem, p.327)7 .

A revolução carismática apresenta-secomo um poder contestador da ordem vi-gente, e o discurso é de eqüidade, defraternidade e de justiça social. Por outrolado, a racionalização burocrática constitui-se em “poder revolucionário” por meios téc-nicos, frente à ordem tradicional e acarismática, transformando

As coisas e as ordens, e depois, a partir dali,

os homens, e estes últimos, no sentido de

uma modificação de suas condições de adap-

tação e eventualmente de um aumento de

suas possibilidades de adaptação ao mundo

circundante, mediante o estabelecimento

de fins e meios racionais. (Idem, p.327)

São dois movimentos opostos: de dentropara fora e de fora para dentro. O poder docarisma fundamenta-se na fé em revelações e

heróis. “Esta fé revoluciona os homens dedentro para fora e procura transformar ascoisas e as ordena segundo seu querer revo-lucionário” (idem, p.327). O que ocorre, por-tanto, “a partir de uma metanóia central domodo de pensar dos dominados” (idem,p.328). Por outro lado, a convicção racionale a crença nos meios técnicos movem a revo-lução burocrática “de fora para dentro”, de-terminada pelo poder revolucionário querompe com a ordem tradicional oucarismática, modificando primeiro, “as coi-sas e as ordens” e, depois, “os homens” e oseu pensar e agir.

Weber enxerga o carisma (no campo políti-co, econômico, religioso ou psíquico) comoum poder extraordinário, enquanto a autori-dade carismática visa à perenização da domi-nação carismática, através dainstitucionalização e da rotinização das ações.Desta forma, a atuação carismática plena eunitária somente ocorre in statu nascendi domovimento (do líder, do profeta e de seus dis-cípulos), desaparecendo este caráter com arotinização do cotidiano. Em decorrência, sedissipa “a revolução carismática”, absorvidapela burocratização, ou até, pelatradicionalização. Isto significa que a domina-ção carismática pura é instável e transitória,provocada pelo próprio “senhor carismático”,ou pelo desejo dos discípulos de “transformaro carisma” em “uma propriedade permanenteda vida cotidiana” (idem, p.332).

Quando da mudança estrutural nasce umEstado, os discípulos transformam-se em fun-cionários e os “carismaticamente dominados”tornam-se súditos tributários, “soldados trei-nados e disciplinados forçados ao serviço,segundo determinadas regras e ordens, oucidadãos fiéis à lei” (idem, p.332). Assim, ocarisma e sua profecia convertem-se emdogma, em doutrina e em ordenamentos jurí-dicos, iniciando a fossilização de seus conteú-dos, caracterizando a perda total da “revolu-ção carismática”. Neste passo, desenvolvem-se os interesses “de todos os detentores deposições” no plano político e no econômicoque, avidamente buscam legitimar sua auto-ridade, sua propriedade e seus direitos. En-tão, o carisma inverte o sentido genuíno desua atuação, passando de revolucionário para“fundamento de direitos adquiridos” (idem,p.333), tornando-se um componente de vida

7 Weber cita, como argumento, a frase: “Está escrito, mas eu vosdigo”, como fundamento do discurso profético e oraculino, comvistas à transformação da tradição ou do burocrático-racionalestabelecido.

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cotidiana. A primeira repercussão históricada “sobrevivência” manifesta-se na “escolha”do(s) sucessor(es) da autoridade carismática,na qual deverá ser reconhecível a existênciado carisma, seja por epifania ou porencarnação8 .

Para Weber, o Estado forma-se na moder-nidade como Estado nacional e racional, re-sultando da luta constante entre concorren-tes pelo poder, constituindo as “maiores opor-tunidades para o moderno capitalismo oci-dental” (WEBER, 1999, p.517). Cada Estadoconcorre pelo capital livre de estabelecer-seem qualquer lugar, ditando, porém, as regrasde sua preferência. Da aliança entre o Estadonacional e o capital surge “a classe burguesanacional”. Por isso, para Weber, é o Estadonacional quem garante ao capitalismo as pos-sibilidades de sua sobrevivência. Nesta pers-pectiva, enquanto o Estado nacional não ce-der lugar “a um império universal, subsistirátambém o capitalismo” (idem, p.517), quesomente floresce no Estado nacional, buro-crático, de estamentos funcionais especiali-zados e garantido por um direito racional.

O direito racional desenvolve-se no Oci-dente com o amplo processo da racionaliza-ção e da secularização (processos dedemitização e de desencantamento), que criaas instituições políticas e econômicas legal-mente embasadas. Desponta, neste processo,a prevalência dos princípios jurídico-formaise utilitaristas. A burocracia estatal prefere oformalismo jurídico ao “sentimento naturalde justiça”, aplicados pelos princípiosjusnaturalistas e de eqüidade social. Este con-texto jurídico privilegia o capitalismo, quelida com o direito previsível. “A criação deum direito deste tipo foi conseguida ao aliar-se o Estado moderno aos juristas, para imporsuas pretensões de poder” (idem, p.520). Esteé um aspecto da repartição do poder no Esta-do moderno, ou seja, o exercício da políticacomo tentativa de participar no poder. Weberarremata: “quem pratica política reclama po-der” (idem, p.526).

Assim, para Weber, o Estado:

É uma relação de dominação de homens so-

bre homens, apoiada no meio da coação le-

gítima (quer dizer, considerada legítima).

Para que ele subsista, as pessoas dominan-

tes têm que se submeter à autoridade

invocada pelas que dominam no momento

dado. (Idem, p.526)

Isto significa que toda a organização dedominação exige uma continuidade adminis-trativa, tendo, por um lado, uma atitude deobediência dos “dominados” frente aos “por-tadores do poder legítimo”; de outro lado, adisposição de acatar as decisões sobre a dis-ponibilização dos bens concretos na aplica-ção da coação física.

Na constituição e repartição do poder, ospartidos políticos são instituições que têm umprograma e visam a conquistar o poder eexercê-lo.

Weber denomina partidos às formas derelações associativas baseadas no recruta-mento, formalmente livre, com o fim de pro-porcionar poder a seus dirigentes e, por meiodisso, a seus membros ativos, oportunidadesideais ou materiais (de realizar seus objetivosou de obter vantagens pessoais, ou ambas ascoisas). As relações podem ser efêmeras ouduradouras e as associações na forma deséqüitos carismáticos, servidores tradicio-nais e adeptos racionais (racionais referen-tes a fins ou a valores, ou de cunho ideológi-co). Podem ser dirigidos por um líder ou porquadros administrativos. Podem estar orien-tados por interesses de estamentos ou clas-ses (partido estamental ou partido de clas-se), ou por fins objetivos concretos ou porprincípios abstratos (partido ideológico =Weltanschauung).

Os partidos empregam todos os meios parachegar ao poder. Quando um governo depen-de de eleições livres e as leis são feitas por vo-tação, os partidos constituem organizaçõespara o recrutamento de votos. Sendo feito numquadro jurídico, eles são partidos legais. A ade-são voluntária configura uma situação de inte-resse político (e não de interesse econômico).

Isso significa que as atividades políticas

8 Exemplo específico são as encarnações de Buda, o novo Dalai-Lama. Os discípulos de Buda continuam após sua morte, forman-do uma comunidade de monges mendicantes com um mínimo deorganização e com a conservação do caráter de uma relaçãocomunitária ocasional mais amorfa possível (Weber, 1999,p.334).

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estão nas mãos (a) dos dirigentes e de um qua-dro administrativo, ao lado dos quais (b) apa-recem os membros ativos (na maioria dasvezes como aclamantes ou com instâncias decontrole, de discussão, de contrapropostas ede resolução), enquanto (c) as massas não ati-vamente associadas (eleitores e votantes) sãoapenas objeto de solicitação, em tempos deeleição ou votação (são os simpatizantes pas-sivos), cuja opinião só interessa como meiode orientação para o trabalho de propagandado quadro do partido, em casos de luta efeti-va pelo poder. Normalmente permanecemocultos (d) os mecenas do partido (WEBER,1994, p.188-9).

Além dos partidos, legal e formalmenteorganizados, podem existir:

a) partidos carismáticos (dissensão sobreas qualidades carismáticas do chefe, o verda-deiro senhor carismático – forma: cisma);

b) partidos tradicionalistas (dissensãosobre o modo de exercício do poder tradicio-nal – forma: obstrução ou revolta aberta con-tra as inovações);

c) partidos doutrinários (dissensão sobreconteúdos de ideologias ou doutrinas – for-ma: heresia, que também pode aparecer empartidos racionais – socialismo);

d) partidos de pura apropriação (dissensãocom o senhor e seu quadro administrativo so-bre o modo de recrutamento dos quadros ad-ministrativos – forma: obstrução ou revolta).

A sustentação econômica do partido éuma questão relevante (pequenas contribui-ções das massas, ou do mecenato ideológico,ou contribuições regradas a partir do quadroadministrativo, ou venda de bônus etc.), por-que essa origem financeira distribuirá a influ-ência do poder e a direção que as ações toma-rão (idem, p.189).

Enquanto as classes têm seu verdadeiro lar

na ordem econômica, e os estamentos na or-

dem social, isto é, na esfera de distribuição

da honra, exercendo a partir dali influência

uns sobre os outros e ambos sobre a ordem

jurídica, além de também serem influencia-

dos por esta, os partidos têm seu lar na esfera

do poder. Sua ação dirige-se ao exercício de

poder social, e isto significa: influência sobre

uma ação social, de conteúdo qualquer: pode

haver partidos, em princípio, tanto num clu-

be social quanto num Estado. A ação social

típica dos partidos, em oposição àquela das

classes e dos estamentos que não apresentam

necessariamente este aspecto, implica sem-

pre a existência de uma relação associativa,

pois pretende alcançar, de maneira planeja-

da, determinado fim – seja este de natureza

objetiva: imposição de um programa por mo-

tivos ideais ou materiais, seja de natureza

pessoal: prebendas, poder e, como conseqüên-

cia deste, honra para seus líderes e partidá-

rios, ou, o que é o normal, pretende conse-

guir tudo isto em conjunto. Por isso, partidos

somente são possíveis dentro de comunida-

des que, por sua vez, constituem, de alguma

forma, uma relação associativa, isto é, que

possuem alguma ordem racional e um apa-

rato de pessoas dispostas a pô-la em prática,

pois o objetivo dos partidos é influenciar pre-

cisamente este aparato e, se possível, compô-

lo com seus adeptos. No caso isolado, podem

defender interesses condicionados pela situ-

ação de classe ou pela situação estamental e

recrutar seus partidários de acordo com isto.

Mas não precisam ser nem meros partidos

de classe nem estamentais, e muitas vezes

somente o são em certa proporção, ou em

nenhuma. Podem constituir complexos

efêmeros ou perenes, e seus meios para al-

cançar o poder podem ser de natureza mais

diversa, desde a força bruta em todas as suas

formas até a propaganda eleitoral com mei-

os grosseiros ou refinados: dinheiro, influên-

cia social, poder da palavra, sugestão ou en-

gano grosseiro, e até a tática de obstrução,

mais tosca ou mais elaborada, dentro das

assembléias parlamentares. Sua estrutura

sociológica é necessariamente muito diver-

sa, conforme a ação social, por cuja influên-

cia estão lutando, consoante a comunidade

esteja ou não diferenciada por estamentos

ou classes e, sobretudo, de acordo com a sua

estrutura da dominação, pois para seus líde-

res é disso que se trata, em regra. (WEBER,

1999, p.185-6)

WEBER: O CIDADÃO POLÍTICO

Weber procura traduzir em engajamentoseus conceitos e suas idéias. Na medida em

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que, no plano teórico, ele não separa o siste-ma político do sistema social e da infra-estru-tura econômica, formando o conjunto dasrelações nas diferentes ordens (econômica,social, política, jurídica e religiosa), na confi-guração do poder e da dominação, ou ainda,a distribuição do poder pelas diferentes esfe-ras, pessoalmente engaja-se em atividadespolítico-partidárias. Entretanto, como alertacabe referenciar que ele não buscava o quetanto criticava: retribuição material e prestí-gio social. Entendia que, tanto na dominaçãotradicional quanto na dominação carismáticae na dominação burocrática, “o medo de per-der o conjunto dessas vantagens é o motivodecisivo” (WEBER, 2002, p.63) para solidifi-car os liames entre os detentores do poder eos “dominados”, nas diferentes estruturas depoder (patriarcal, patrimonial, burocráticoetc). O Estado moderno, que caracteriza odesenvolvimento racional das atividades po-líticas,

é um agrupamento de dominação que apre-

senta caráter institucional e que procurou

– com êxito – monopolizar, nos limites de

um território, a violência física legítima

como instrumento de domínio e que, tendo

esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigen-

tes os meios materiais de gestão. (Idem,

p . 6 6 )

Desta forma, o Estado moderno monopo-liza a administração dos instrumentos milita-res, dos recursos financeiros públicos, da po-lítica monetária, dispondo, enfim, da totali-dade dos meios políticos de gestão do poder,legitimando suas ações (quer dizer, conside-rando-as legítimas...). Neste contexto, surgea figura dos políticos profissionais, exercen-do “influência sobre a divisão do poder”, tan-to no plano econômico quanto no político eno social, na composição de determinadasdominações.

No Ocidente, as atividades políticas, bemcomo as diplomáticas, passaram a ser enten-didas e exercidas como uma arte por quadrosde especialistas, e, segundo Weber, os Esta-dos constitucionalistas formalmente unifica-ram este conjunto de procedimentos em tor-no do monarca ou do parlamento. É no parla-mento que ocorre a barganha política das as-pirações partidárias frente às demandas dabase e do poder dominante, variando o siste-

ma de cultura para cultura, de povo parapovo, como expressão da formação históri-co-estrutural. Quando se trata das democra-cias, o demagogo desponta como um chefepolítico típico, risco inerente ao próprio re-gime, que somente o cidadão, consciente deseu papel político, pode dirimir pelas urnas.

Weber vive num ambiente familiar e inte-lectual que divide a sua atenção entre “a ati-vidade intelectual e a participação prática navida política alemã” (COHN, 1997, p.9). O paié um jurista e político influente do PartidoNacional – Liberal, oriundo de uma família decomerciantes de linho e industriais têxteis daVestfália. A casa paterna é um local de per-manentes discussões da vida nacional, fre-qüentada por políticos, empresários e inte-lectuais. Ao mudar a residência para Berlim(de Erfurt, Turíngia), o pai torna-se um prós-pero político da dieta municipal, da dietaprussiana e do novo Reichstag (1871)9 doReich de Guilherme II e de Bismarck.

Em 1883, após três semestres emHeidelberg, Weber interrompe seus estudospara prestar o serviço militar em Strasburg.Após a fase de simples soldado, obtém o títu-lo de oficial do Exército Imperial, patentemilitar da qual se orgulhará por toda a vida.

Concluídos os estudos superiores, sua vidagira em torno da atividade acadêmico-inte-lectual e a participação prática na vida políti-ca alemã, cujo ápice se deu em 1919, quandoparticipa da comissão encarregada de redigira Constituição da República de Weimar10 . Esteestilo de vida ensejou-lhe a convivência, emgeral polêmica, pois se autodefinia como “exa-gerar é a minha profissão”, com um leque deintelectuais e políticos que ia de Georg Simmela Georg Lukács, de Werner Sombart a TheodorMommsen, de Hugo Münsterberg a JakobGoldschmidt, de Georg Jellniek a KarlNeumann, de Ernst Troeltsch a WilhelmRickert, lista que seria difícil de completar.

Aos 20 anos identifica-se com a causa doliberalismo nacional11 sem, contudo, filiar-se

9 PETRY, A. op.cit. (introdução)10 PETRY, A. idem.11 Em 1880, o Partido Nacional – Liberal aproximara-se deBismarck para influenciá-lo (sem combatê-lo, nem segui-lo),permitindo-lhe a Kulturkampf contra os católicos e a repres-são ao trabalhismo-socialista. Bismarck, com estas políticas,joga os liberais contra os esquerdistas, trabalhadores contraempregadores etc.

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ao partido e quando os liberais nacionais apoi-aram Bismarck na “lei de emergência”, con-tra os socialistas, observa:

Se desejarmos justificar essa lei, teremos de

tomar o ponto de vista, talvez não totalmen-

te inexato, de que, sem essa lei de emergên-

cia, uma considerável restrição de muitas

realizações da vida pública seria inevitá-

vel, ou seja, a liberdade de palavra, de reu-

nião e de associação. Afinal de contas, os so-

ciais-democratas, pela sua agitação, iam re-

almente comprometer as instituições fun-

damentais da vida pública. (...) Mas quan-

do penso tranqüilamente no assunto, pare-

ce-me por vezes que os direitos iguais para

todos seriam preferíveis a qualquer outra

coisa e, nesse caso, o que se deve fazer é amor-

daçar a todos, ao invés de prender alguns.

O erro básico, afinal, parece ter sido o pre-

sente do cesarismo de Bismarck, ou seja, o

sufrágio universal que foi um simples as-

sassinato dos direitos iguais para todos, no

verdadeiro sentido da palavra. (WEBER

apud GERTH e MILLS, 1971, p.48)

Suas restrições a Bismarck, apesar deadmirá-lo como herói nacional da unidadealemã, referem-se ao autoritarismo ebonapartismo, causas do seu afastamento, aos23 anos, desta visão de Estado e sociedade.Começa a entender, então, que o Estado de-veria dar atenção, como obrigação, ao prole-tariado urbano e às camadas sociais mais fra-cas, resultantes do incipiente capitalismo in-dustrial instalado na Alemanha, sem, contu-do, submergir ao paternalismo estatal. Incli-na-se para o lado dos conservadores, sem in-gressar no partido.

Em 1894, ao assumir a cátedra de Econo-mia Política na Universität Freiburg-im-Breisgau, Weber faz uma análise da situaçãoda Alemanha e expressa sua preocupação emrelação ao futuro.

No geral, os frutos de todas as tentativas

econômicas, sociais e políticas do presente

beneficiarão não as gerações vivas, mas as

futuras. (...) Mas nenhuma política econô-

mica é possível à base de esperanças otimis-

tas de felicidade. (...) Não é um sonho de paz

e felicidade humana. A questão não é como

os homens do futuro se sentirão, mas quem

serão eles. É esse o problema que nos preocu-

pa quando pensamos além dos túmulos de

nossa própria geração. (...) Não lutamos

para o bem-estar futuro do homem; estamos

ansiosos para incutir nele traços que associ-

amos ao sentimento de que constituem o que

é humanamente grande e nobre em nossa

natureza. (...) Em última análise, os pro-

cessos de desenvolvimento econômico são

lutas pelo poder. Nossa medida final de va-

lor são as “razões de Estado”, que constitu-

em também a medida de nossas reflexões

econômicas. (Idem, p.50)

Manifesta-se defensor do Império e do Es-tado nacional, mas está preocupado com apolítica externa do Kaiser, o culto ao lemaDeutschland über alles (pangermanismo) e aexpansão do Lebensraum (espaço vital), quepelo recrudescimento levam a Alemanha àPrimeira Guerra Mundial. Os liberais nacio-nais são os imperialistas, os pangermanistas,os anglófobos. Eles conseguem a adesão dosJunkers e dos industriais ao programa de ex-pansão militar e naval, porque temiam as or-ganizações social-democratas e o crescenteclamor pela democracia.

O conflito ideológico weberiano consistiaem sua expressa posição favorável ao capita-lismo industrial e por acreditar firmementena liberdade individual. Após sua mais gravecrise psíquica (1903), afasta-se do “roman-tismo conservador” e, em 1905, depois daviagem aos Estados Unidos, seus interessespolíticos voltam-se para a primeira revolu-ção russa. Disso resulta uma expressiva pro-dução intelectual12 .

Seus estudos sobre o “constitucionalismode fachada” o impulsionam para uma com-plexa visão democrática. Via a democraciasob o ângulo pragmático da “seleção de líde-res políticos eficientes” (GERTH e MILLS,1971, p.53) e não na perspectiva humanistada pretensão dos “direitos iguais”, do “direi-to natural” e “da igualdade dos homens”

12 Em 1904/05 – A ética protestante e o espírito do capitalismo.Em 1906 – A situação da democracia burguesa na Rússia;A evolução da Rússia para um constitucionalismo de fachada;Estudos críticos para servir à lógica das ciências da cultura;As seitas protestantes e o espírito do capitalismo.

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(idem, p.53). Colheu esta visão da sociedadenorte-americana que optara em ser governa-da pelos “lideres das burocracias dos grandespartidos”.13 Em decorrência, a luta pelo votouniversal, pela participação política somenteteria sentido se disso resultasse a escolha delideres políticos eficientes, dispostos a assu-mirem as responsabilidades públicas e nacio-nais. Pensava assim, porque via o Estado na-cional como uma grande “empresa privada”.Receava que as “democracias”, com seus par-lamentares eleitos, se reduziriam “à condiçãode bestas de votar, perfeitamente disciplina-das” (WEBER, 2002, p.96), como aconteciano parlamento inglês. Aponta que noReichstag alemão, os parlamentares cuida-vam das questões privadas e pouco se preo-cupavam com o bem-estar da nação. E com-para: “Entretanto, na Inglaterra, nem essemínimo é exigido: o parlamentar nada maistem a fazer senão votar e não trair seu parti-do” (idem, p.96).

No entanto, julgava o sistema de eleiçõesuniversais uma “máquina plebiscitária” e oeleito assumia o papel de “senhor da distri-buição dos empregos”. No caso dos EstadosUnidos, o presidente eleito gozava, por forçada separação dos poderes, “de uma indepen-dência quase completa em relação ao parla-mento” (idem, p.98), podendo, como vitori-oso, oferecer recompensas aos partidários.

Tinha o costume de escrever cartas às au-toridades do Império, expressando suas crí-ticas e também os apoios. Em 1916, proferiuum discurso na reunião política dos liberaisprogressistas, avaliando que a Alemanha,rodeada de vizinhos poderosos, deveria de-senvolver “uma política de alianças sóbrias enão uma política de jactância vaidosa e deconquista” (GERTH e MILLS, 1971, p.56). Naocasião, manifestou que a Rússia era a princi-pal ameaça para a Alemanha. Desejava umentendimento com a Inglaterra e os demaisvizinhos.

Não concordou com a “revolução” de Mu-nique, porque julgava não ser o caminho dapaz. Segundo Marianne, sua esposa, entretan-

to alimentava uma simpatia pela “luta do pro-letariado em favor de uma existência huma-na e digna”. Essa admiração o inclinava a exa-minar a possibilidade de filiar-se aoSozialdemokratische Partei Deutschlands(SPD)14 , mas concluía que não era a via para asua luta. Segundo seu raciocínio.

só poderia ser um socialista honesto, tal como

um cristão, se estivesse pronto a participar

do modo de vida dos pobres, e, de qualquer

modo, só se estivesse pronto a abrir mão de

uma existência culta baseada no trabalho

deles. (Apud: idem, p.57)

Um dos diálogos mantido com o generalLudendorff é, seguidas vezes, referido peloconceito de democracia que Weber expressa.Ele havia sugerido que os “criminosos de guer-ra” se entregassem voluntariamente para se-rem decapitados. Escreveu isso aoLudendorff, que recusou a proposta. Conse-guiu, então, uma audiência com o prisioneiropara convencê-lo. Mas Ludendorff joga todaa responsabilidade sobre o marechal-de-cam-po Hinderburg, que era o número um da guer-ra. A conversa desliza para a política e a de-mocracia. O seguinte trecho é apontado parademonstrar o antidemocratismo de Weber.

Weber: Numa democracia, o povo escolhe

um dirigente que goza da sua confiança. En-

tão o dirigente diz: “Agora é calar e obede-

cer”. A partir desse momento, o povo e o

partido já não podem interferir nos seus as-

su nto s .

Ludendorff: Eu seria capaz de me acostu-

mar a uma democracia assim.

Weber: Mais tarde o povo pode julgar. Se o

dirigente cometeu erros, que o enforquem!15 .

13 A reeleição dos Presidentes não era limitada. Franklin DelanoRoosvelt elegeu-se, pela primeira vez, presidente em 1932, re-elegendo-se em 1936, 1940 e 1944. Em 1948, o Congresso aprovoua emenda constitucional (nº 26) que limita o cargo a uma reelei-ção, proibindo aos ex-presidentes se candidatarem a cargospúblicos (Zero Hora, Porto Alegre, 05-01-2005, p.46).

14 O SPD surgiu em 1863, fundado por F. Lassalle, como AllgemeineDeutschen Arbeitervereins (ADAV); em 1869, A. Bebel e W.Liebknecht fundam o Sozialdemokratischen Arbeiterpartei(SDAP); em 1875, unem-se o ADAV e SDAP, formando oSozialistische Arbeiterpartei Deutschlands (SAPD - Programade Gotha); em 1890 fundem-se no SPD. O USPD (UnabhängenderSozialdemokratischen Partei Deutschlands) rompe, em 1917,com o SPD e volta ao mesmo em 1922. Em 1933 é extinto,retornando em 1945. Em 2003, o SPD comemora, festivamente os140 anos de existência e a permanência no atual Governo daAlemanha.Em 1917, o jovem Herbert Marcuse filia-se ao SPD, contra avontade dos pais por considerá-lo um partido operário,desfiliando-se em 1918, porque acreditava que os dirigentesestavam envolvidos no assassinato de Rosa Luxemburgo e KarlLiebknecht.15 MARSAL, Juan. Por que Weber? In: Ciência e Política: duasvocações, p.18; GERTH e MILLS, 1971, p.58.

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De fato, os paradoxos weberianos são ma-nifestados em vários momentos e, no caso dademocracia, via-a mais pragmaticamente ecomo um instrumento de descentralização dopoder e a possibilidade de frear oautoritarismo e o burocratismo. Considera-va a burocratização a “ditadura do funcioná-rio”, mais terrível, no futuro, do que a ditadu-ra do proletariado, na perspectiva históricada “dinâmica do poder”.

CONCLUSÃO

Através destes breves apontamentos (nãoao gosto de Weber) podemos perceber a atu-alidade de Weber. Ele é um pensador clássi-co, porque demonstra uma capacidade ím-par de leitura e interpretação de seu tempo.Toma como foco a civilização ocidental, ondeidentifica os processos da racionalização, dasecularização e da burocratização. A racio-nalização e a secularização, como processosculturais de esclarecimento (Aufklärung),expressam-se no desencantamento do mun-do (Entzauberung). A razão, a ciência e a téc-nica dão o sentido à modernidade. É o novodemiurgo do mundo e da sociedade humana.

A temática do poder e da dominação, sem-pre atuais, nos remete à leitura e interpreta-ção do nosso tempo. A abordagem weberianaauxilia a fazer o diagnóstico do nosso tempo.Por exemplo, a luta pelo poder, a distribui-ção do poder pelas diferentes esferas: econô-mica, política, jurídica e religiosa.

A maior dificuldade na leitura de Weber é asua concepção metodológica, além da erudi-ção e multidisciplinaridade. A forte influênciapositivista-funcionalista, no meio acadêmico,ainda mantém o paradigma desta ideologia,obstaculizando um maior avanço da metodo-logia da compreensão através da técnica daconstrução de tipos ideais. A interpretação e acompreensão da realidade, na ótica weberiana,

requer algum domínio desta metodologia.

Weber nos sugere que as análises sócio-econômico-políticas sejam contextualizadashistoricamente, com os atores sociais bemcaracterizados como partícipes da domina-ção na “dinâmica do poder”.

Não é supérfluo aventar a preocupação deBourdieu da vigilância metodológica eepistemológica, tão importante na análiseweberiana.

REFERÊNCIAS

COHN, Gabriel. Introdução. In: FERNANDES,F. (org.). Weber. 6.ed. São Paulo: Ática, 1997,p.7–34.GERTH, Hans; WRIGHT MILLS, C. O homem esua obra. In: WEBER, Max. Ensaios de socio-logia. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1971, p.13–94.MARSAL, Juan. Por que Weber? In: WEBER,Max. Ciência e Política: duas vocações. SãoPaulo: Martin Claret, 2002, p.13–24.PETRY, Almiro. Max Weber (1864-1920): ro-teiro de aula 2003. Disponível em:www.h u man as .u n is in o s .b r/ past an et /sociologiaIWEBER, Max. Ensaios de sociologia. 2.ed. Riode Janeiro: Zahar Editores, 1971.______. Economia e sociedade. 3.ed. v.1;Brasília/DF: UnB, 1994.______. Economia e sociedade. v.2; Brasí-lia/DF: UnB, 1999.______. Metodologia das ciências sociais. 1ªparte. São Paulo: Cortez; Campinas/SP:Unicamp, 1992.______. Metodologia das ciências sociais.3.ed. 2ª parte. São Paulo: Cortez; Campinas/SP: Unicamp, 2001._____. Ciência e política: duas vocações. SãoPaulo: Martin Claret, 2002.

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Ana Regina Falkembach Simão é Doutora em História pela UFRGS. Diretora e professora do Curso de Ciência Política daULBRA.

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.19-31

O Impacto das MudançasPolíticas e Econômicas

Internacionais na PolíticaExterna Brasileira

The Influence of the Political and EconomicalChanges at the International Scenario on

Brazilian Foreign Policy

Ana Regina Falkembach Simão

RESUMO

A partir da década de setenta o cenário internacional passou a apresentar mudan-ças indeléveis no plano político e econômico. Neste contexto, as Grandes Potências co-meçaram a delinear um novo caminho para a condução de suas políticas internas eexternas. Este novo quadro internacional influenciou decisivamente nos planos e nosprojetos dos países recém-industrializados. Especificamente com relação ao Brasil, ob-serva-se a busca por pontos que resultem no processo de integração sub-regional.

Palavras-chave: crise internacional, política externa brasileira, integração sub-regional.

ABSTRACT

From the seventies on, the international scenario began to present fundamentalchanges in the political and economical levels. In such a context, the Hegemonic Countriesstarted to delineate a new path for conducting their internal and foreign policies. Thisnew international scene influenced decidedly the plans and projects of the newindustrialized countries. Specifically in relation to Brazil, we observe the search forelements that would result in a process of regional integration.

Key words: international crisis, Brazilian foreign policy, regional integration.

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As mudanças políticas e econômicas quese desenvolveram no cenário internacionalao longo dos anos oitenta e que repercutiramintensamente nas diferentes nações do mun-do, se relacionam diretamente com os acon-tecimentos econômicos ocorridos na primei-ra metade dos anos setenta. Embora para EricHosbawm, “de início a mudança no clímaxeconômico não foi notada pelos participan-tes do jogo das superpotências, a não ser porum súbito salto nos preços da energia provo-cado pelo bem-sucedido golpe do cartel deprodutores de petróleo”,1 estas duas décadas,1970 e 1980, podem ser identificas como ummomento da história contemporânea inter-nacional de profunda crise e instabilidade,onde as grandes e médias potências se res-sentem e se movimentam em direção a refor-mas econômicas e a reestruturação de suaspolíticas internas e externas.

Mesmo que inicialmente os Estados Uni-dos e a URSS tenham sido menos afetados pelacrise do Petróleo de 1973, do que os paíseseuropeus e o Japão, pelo o fato de serem pro-dutores de petróleo e, portanto, necessitaremde menos importação, o desgaste da Pax Ame-ricana, após mais de duas décadas de estabi-lidade, já era percebido internacionalmente.Esta nova conjuntura indicava não apenas si-nais de esgotamento do modelo econômicointernacional empreendido e sustendo pelosEstados Unidos desde a Segunda Guerra Mun-dial, como também a fragilização de suahegemonia política.

A desestabilização norte-americana rela-ciona-se fundamentalmente com duas ques-tões: primeiro, com os excessivos gastos comguerras, sobretudo com a do Vietnã, que nãosó o debilitou economicamente e moralmen-te, como o isolou, pois nenhum de seus alia-dos enviou forças que o auxiliassem nessaguerra, que já havia sido condenada e avisa-da sobre a possibilidade de insucesso. O pró-prio Kruschev, em 1961, alertou os EstadosUnidos sobre a possível derrota que teriamno Vietnã.

Em segundo, os déficits orçamentários quese avolumavam em função da Guerra doVietnã, devido aos vultuosos gastos militares,fez com que a economia norte-americana se

fragilizasse frente ao desenvolvimento econô-mico do Japão e dos países da Europa Ociden-tal, sobretudo da Alemanha, que já tinham al-cançando e até mesmo ultrapassando os nor-te-americanos em vários setores da economia,naquele momento. Talvez estejam nesta novaconjuntura internacional marcada pela crisede hegemonia norte-americana as explicaçõespara a aparente atitude técnica decretada porNixon, em 1971, que tinha como objetivoredefinir as medidas econômicas protecionis-tas e colocar fim na paridade do dólar em rela-ção ao ouro. Junto ao plano de ajuste econô-mico e contribuindo para aumentar a instabi-lidade internacional, estas medidas norte-americanas foram acompanhadas por outra,porém vinda do Oriente Médio.

Ou seja: de um aliado dos Estados Unidos– o Irã – que iniciou um aumento escalonadonos preços do petróleo, sendo posteriormen-te acompanhado pelos países árabes, que seencontravam em conflito com Israel – Guer-ra de Yom Kippur – resultando na ‘crise doPetróleo de 1973’, que conforme já se obser-vou, atingiu duramente as Grandes Potênci-as, exceto inicialmente os EUA e a URSS, e osdemais países que se encontravam num cres-cente desenvolvimento industrial denomina-dos de médias potências.

Embora saibamos dos desdobramentos edos efeitos da crise dos anos setenta nos paí-ses periféricos, as avaliações iniciais sobreeste processo apontavam no sentido de mos-trar que este momento era de oportunidadespara os países recém-industrializados, era oque demonstrava os denominados NICs(Newly Industrialized Countries). Neste sen-tido, apostava-se que através de um diálogosistemático entre Norte e Sul, os países peri-féricos e em desenvolvimento emergiriam nodecênio de 1980 como atores importantes nonovo ordenamento internacional que come-çava se delinear.2 Este prognóstico nãocorrespondeu à realidade dos fatos, em geralo que ocorreu foi a total inviabilidade de darcontinuidade ao ritmo de desenvolvimentoque marcou o ‘milagre econômico’ e o Brasilpassou a enfrentar os primeiros impactos dareordenação da ordem internacional.

A partir da crise do Petróleo de 1973 a

1 HOSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. O Breve Século XX – 1914–1994. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 241.

2 Cf. FURTADO, Celso. O Pós-“Milagre”. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1981. p.114.

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possibilidade de dar continuidade ao desen-volvimento de alguns países latino-america-nos foi através do endividamento externo, aexemplo do Brasil de Geisel. Segundo o histo-riador Gerson Moura, “a facilidade de acessoao mercado financeiro internacional permi-tiu que os desequilíbrios das contas externasfossem resolvidos via endividamento”.3 O di-lema do governo de Ernesto Geisel estava emduas alternativas: ou continuar o desenvol-vimento econômico, que de certa forma man-tinha a legitimidade dos militares no poder, oque seria importante na condução do proces-so abertura política ‘gradual e segura’; ou di-minuir o ritmo de desenvolvimento e adotaruma política recessiva no sentido de ajustar oBrasil a nova situação internacional o quepossivelmente provocaria um colapso soci-al, acelerando o fim do regime. A primeiraalternativa foi condutora do governo. Segun-do Marcílio Marques Moreira:

[...] tinha dinheiro, a taxa de juros era ne-

gativa, e ele optou por tomar. E, com uns

10% a 20% de erros, até aplicou relativa-

mente bem, em siderurgia e petroquímica,

que eram os grandes itens da nossa impor-

tação. [...] Agora, macroeconomicamente,

havia dois diagnósticos que provaram es-

tar errados: o primeiro era o de que a crise

do petróleo era uma crise passageira e bas-

tava fazer uma ponte; o segundo era a ava-

liação da matriz energética.4

Neste sentido, para dar continuidade a altataxa de crescimento econômico que estavasendo implementada deste 1968, o governode Geisel optou pelo endividamento externo,que embora tenha resultado inicialmente emefeitos positivos, conforme referido pelo di-plomata e ex-ministro da Fazenda MarcílioMarques Moreira e ratificado ao avaliarmosalguns indicadores econômicos a exemplo doPIB, que teve em média uma taxa anual de 7%entre 1974-1978, embora se observe um pe-queno decréscimo em 1977, de 5,4%, e em1988 chegando em 4,8%, a média de 7 % aocompararmos com os anos de ‘milagre eco-

nômico’ que teve um PIB de 10,8 %, repre-sentou um índice excelente de desenvolvi-mento, e portanto justifica positivamente oendividamento externo. 5

Ao contrário do PIB, a inflação foi um ele-mento de preocupação para o governo deGeisel, no período de 1974-78 registra-se umíndice médio anual 37,9 % representando pra-ticamente o dobro, em relação ao período de1968-73, que manteve uma média anual de19,3 %. Mas a equipe econômica do governo,entre adotar medidas para baixar a inflaçãoou manter o crescimento, optou pela segun-da alternativa, fazendo do processo inflacio-nário descontrolado um futuro inimigo dodesenvolvimento econômico brasileiro. Caberegistrar que no ano de 1979 a inflação ficouem 77,2 % e em 1980 em 110,2 %,6 o que semdúvida resultou fragilizando sensivelmente aeconomia brasileira num momento de incer-tezas internacionais.

Por outro lado, a opção do governo Geiselem manter o crescimento baseado noendividamento externo foi viável em curtoprazo. Numa prospecção econômica para ofuturo do Brasil, o PND II não representouum salto qualitativo, possivelmente mesmoque os empréstimos externos tivessem dimi-nuído, o crescimento econômico talvez esti-vesse se comportado da mesma forma. Segun-do Bresser Pereira, “através doendividamento externo, o país procurou adi-ar ou contornar a desaceleração econômica.”7

Outro aspecto que preocupou e, portanto,acabou sendo o mote de muitas críticas a po-lítica econômica de Geisel, foi a distribuiçãode renda no Brasil.8 Os dados apontam queno Brasil houve um aumento significativo daconcentração de renda ao longo da década desetenta. Os PND I e PND II viabilizaram o cres-cimento econômico visível, porém desigual epreocupante. Segundo Censos do IBGE sobrea população economicamente ativa revelaque em 1970 os 1% mais ricos detinham 14,7%da renda nacional, uma década depois em

3 MOURA, Gerson. América Latina às vésperas do século XXI. In:VIZENTINI, Paulo (org.) A Grande Crise. A Nova (Des)OrdemInternacional dos Anos 80 aos 90. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 12.4 MOREIRA, Marcilio Marques. Diplomacia, Política e Finan-ças: De JK a Collor: 40 anos de história por um de seus protago-nistas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.130.

5 Cf. SKIDMORE, Thomas. Op. cit., 1988, p. 402.6 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise Econômica e Reforma doEstado no Brasil. Por ruma nova interpretação da América La-tina. São Paulo: Ed. 34, 1990. p.145.7 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e Crise noBrasil. História, Economia e Getúlio Vargas a Lula. São Paulo:Ed. 34, 2003. p. 191.8 Cf. BACHA, Edmar. Os Mitos de Uma Década: Ensaios de Eco-nomia Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

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1980 os 1% mais ricos detêm 16,9 % da rendado país. Enquanto que na outra ponta da pirâ-mide, em 1970 os 80 % mais pobres repre-sentavam 38,2 % da renda nacional e em 1980este índice passou para 33,7%,9 evidencian-do não apenas uma perda substancial, comocolocou o Brasil na categoria de ser um dospaíses cuja renda é uma das mais concentra-das no mundo.

Em matéria publicada pela Revista Veja,em novembro de 1989,10 foi comparada a dis-tribuição de renda em países de diferenteseconomias, de industrializados a recém-indus-trializados. Em relação a várias nações o Bra-sil se encontra em primeiro lugar no item con-centração de renda, ou seja: os 40% mais po-bres do Brasil detêm 7% da renda nacional eos 20% mais ricos 67%, a Argentina, os 40 %mais pobres detêm 14 % da renda e os e os20% mais ricos 50%, comparando com os Es-tados Unidos onde os 40% mais pobres de-têm 17% da renda e os 20% mais ricos 40% darenda. Poder-se-ia aqui continuar demons-trando os índices e as comparações com ou-tros países como a Índia, a Turquia, aVenezuela, a Argélia, a Espanha, a Coréia, quecontinuaríamos no podium.

Dentro deste contexto, o importante a serapontado era a existência da relação entremodelo de crescimento econômico brasilei-ro desenvolvido na década de setenta, e ca-racterizado pela opção da concentração derenda e pelo foco na região sul e sudeste, e acondução deste desenvolvimento econômi-co num cenário político e econômico inter-nacional de crise, sobretudo a partir de 1973.Ressalta-se que em decorrência desta crisehouve a amplificação dos erros do Plano Na-cional de Desenvolvimento I, assim comodeixou mais complexas e dificultou as possi-bilidades de mudanças nos rumos do projetode desenvolvimento nacional e nos ajusteseconômicos que o Plano Nacional de Desen-volvimento II deveria tomar.

A segunda crise do Petróleo, em 1979, con-tribui para o aprofundamento da instabilida-de econômica brasileira, como disse MarcílioMarques Moreira, aquele foi um momento emque “os juros e o dólar foram para o céu, e o

Brasil para o inferno [...]”.11 O governo de JoãoFigueiredo iniciou sob o impacto de uma novacrise em escala internacional e seus efeitosdesestabilizadores na economia brasileira eno Plano Nacional de Desenvolvimento II.

Delfim Netto, Ministro do Planejamento dogoverno Figueiredo, que assumiu esta pastaapós a renúncia do ministro Mário HenriqueSimonsen, possivelmente equivocado quan-to ao cenário econômico internacional, vistoque não estávamos mais em 1968 e, portan-to, não se poderia contar com a prosperidademundial daquele momento e nem as taxas dejuros mundialmente baixas, continuou apos-tando no crescimento econômico. O econo-mista Delfim Netto, ao iniciar seu ministériopraticamente não alterou o III Plano de De-senvolvimento Nacional elaborado no perío-do de Simonsen, apenas ajustou alguns pon-tos que prospectasse uma economia mais oti-mista do futuro brasileiro no que se refere aositens crescimento e inflação.

Portanto os ajustes no III Plano Nacionalde Desenvolvimento elaborado pelo ministroDelfim Neto, otimistas quanto à possibilidadede continuar o processo de crescimento eco-nômico mesmo num momento de turbulên-cia internacional, são observáveis quandoexpressa as idéias lúdicas de um Brasil Potên-cia. Conforme Marcílio Moreira “[...] um paísem desenvolvimento com tantas potenciali-dades e problemas como o Brasil não poderenunciar ao crescimento, seja por legitimasaspirações do seu povo por maior prosperi-dade, seja pelo alto custo social da estagna-ção ou do retrocesso”.12

Sem minimizar o equivoco da política eco-nômica brasileira em sustentar uma visão oti-mista em relação ao cenário internacional,nos parece que o grande problema estava namá percepção das condições do Brasil dentrodo contexto internacional. Ou seja, como se opaís pudesse escolher entre continuar cres-cendo ou retroceder economicamente. Os si-nais de insucessos do projeto ‘Brasil potênciaemergente’ foram se tornando visível nãoapenas para os especialistas em economiacomo para a sociedade em geral que se depa-rava desde o final dos anos de 1970 com uma

9 Fundação IBGE – Censo. In: BRUM, Argemiro. O Desenvolvi-mento Econômico Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1991. p.191.10 Revista Veja, ano 22, nº 43, 1º de novembro 1989, p. 39.

11MOREIRA, Marcílio Marques, Op. cit. p. 131.12 III Plano Nacional de Desenvolvimento, p.6 apud SKIDMORE,Thomas. Op. cit., 1988. p. 420.

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seqüência de crises econômicas, que culmi-nou com o insucesso do Plano Verão, dandoinício em um espiral inflacionário que influ-enciou diretamente no projeto de desenvol-vimento nacional.

No plano internacional o aprofundamentoda crise foi acompanhado de ajustes econô-micos promovidos principalmente porRonald Reagan e Margaret Thatcher. O novoliberalismo do final do século XX orquestra-do pelo presidente norte-americano e pelaprimeira-ministra inglesa foi se tornando ocondutor da política interna e externa de vá-rios países, sobretudo das grades potências,cuja influência sobre as pequenas e médiaspotências é decisiva.

Na medida em que a crise internacionaldos anos oitenta foi se recrudescendo atingiue dificultou diretamente as relações entre Sule Norte, assim como as relações entre as Mé-dias e Grandes Potências. Desta situação decrise política e econômica são criadas e in-tensificadas novas condições para que os pro-jetos de integração regional se estabeleces-sem com o objetivo de defender os interessescomuns dos países periféricos e projetá-losno sistema internacional.

Diante do quadro de mudanças na concep-ção do papel do Estado, mesmos os EstadosUnidos que historicamente não se caracteri-zam por ter construído um Estado de bem-estar do tipo europeu, promoveram ajustesinternos característicos da política neoliberal– a redução de impostos sobre grandes fortu-nas, a elevação das taxas de juros, – porémmesmo controlando e ajustando os gastos doEstado, não foram parcimoniosos nos inves-timentos do Estado com a corridaarmamentista. Pelo contrário, priorizaramgrandes investimentos numa competição mi-litar com a União Soviética, acelerando a cri-se interna do Kremilin e colocando fim nadétente.

Embora as preocupações com o cenáriointernacional sejam um indicativo de que apolítica neoliberal norte-americana estevemais voltada para o campo externo do quepara os grandes ajustes na política domésti-ca, cabe ressaltar que no plano interno asmedidas neoliberais articuladas na ‘EraReagan’ tenham proporcionado ao Wall Streetmaior liberdade nas negociações econômicas,

indo ao encontro dos interesses da elite fi-nanceira dos Estados Unidos.

Mas, retornando ao papel que estas medi-das exerceram na política externa, observa-se que a reeleição de Ronald Reagan, em mar-ço de 1985, ratificou nos Estados Unidos osplanos de uma política externa conservadorae intransigente, própria de uma administra-ção republicana. Para Mauro de Azevedo,Reagan “continuaria – e incrementaria – apolítica armamentista dos derradeiros mesesde Jimmy Carter.”13

Segundo Mauro Azevedo, as reaganomics,marcada por uma economia voltada para aoferta, para o corte nos impostos das grandesfortunas e para os vultuosos gastos no orça-mento para a defesa, reafirmando a superio-ridade militar norte-americana, através dodiscurso de “guerra na estrelas”, resultaramnum aumento considerável do déficit. Diantedesta crise interna que se acenava e com for-ma de amainar os resultados destedesequilíbrio orçamentário os Estados Uni-dos exercem pressão sobre as nações recém-industrializadas, sobretudo da América Lati-na para que cumpram suas obrigações com oFundo Monetário Internacional e iniciem osdevidos ajustes na máquina do Estado.

Por outro lado, na Inglaterra de MargaretThatcher, onde o Estado de bem-estar socialteve um papel fundamental tanto no desen-volvimento econômico como social, sobre-tudo no pós-guerra, foi aplicada a uma políti-ca neoliberal considerada pioneira, clássica ereferência para outros países que se lança-ram numa investida liberalizante ao longo dasúltimas duas décadas do século XX. Dentre asgrandes medidas que nortearam os governosThatcher, observamos que:

[...] contraíram a emissão de monetária,

elevaram as taxas de juros, baixaram dras-

ticamente os impostos sobre os rendimen-

tos altos, aboliram o controle sobre fluxos

financeiros, criaram níveis de emprego

massivos, aplastaram greves, impuseram

13 AZEVEDO, Mauro Mendes. Visão Americana da Política Inter-nacional de 1945 até hoje. In: GUIMARÃES, Samuel Pinheiro.Estados Unidos: Visões Brasileiras. Brasília: Instituto de Pes-quisa de Relações Internacionais, Fundação Alexandre deGusmão, 2000. p. 150.

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uma nova legislação anti-sindical e corta-

ram gastos sociais. E, finalmente – esta foi

uma medida surpreendentemente tardia ,

se lançaram num amplo programa de

privatização, começando por habitação pú-

blica e passando em seguida a indústrias

básicas como aço, eletricidade, o petróleo, o

gás e a água.14

Medidas de conteúdo anti-sociais acaba-ram justificando sua eficácia através da umapolítica de contenção da inflação e do déficitpúblico, propondo programas deprivatizações e refutando conquistas sociaisque haviam sido obtidas deste o século XIX,através de sistemáticas lutas sociais. Na Amé-rica Latina estas medidas também foram sen-do adotadas, em momentos e intensidade di-ferentes, porém com um custo social grandepara todas as nações. As conquistas sociaisdos países latino-americanos foram histori-camente menores e, portanto, as conseqüen-tes perdas advindas em decorrência dos ajus-tes liberais acabaram sendo mais profunda-mente danosas para as nações periféricas.

Na esteira das mudanças internacionais oparadigma das relações internacionais funda-mentados no Estado desenvolvimentista vaiaderindo gradualmente ao modelo neoliberal.Segundo Amado Cervo, não houve “unifor-midade na intensidade e nos ritmos das refor-mas requeridas pela nova forma de inserçãointernacional. A modernização foi concebidapelos dirigentes como abertura de mercadode bens e valores e privatizações das empre-sas públicas”.15 Para o autor, os países latino-americanos avançaram na adoção destas me-didas de maneira própria. A Argentina e oChile foram mais rápidos na adaptação dasreformas, aderindo-as de forma mais radical,enquanto o Brasil e a Venezuela foram maiscautelosos na adoção da nova política, inclu-sive cometendo alguns “tropeços operacio-nais”, já o México iniciou seu projetoneoliberal se afastando da América do Sul ese encaminhando para a formação do NAFTA.

Na medida em que foi se criando um con-

senso global em torno do neoliberalismo, al-guns temas que fizeram parte das discussõesda esquerda e do centro esquerda, foram in-corporados e reelaborados pela ‘nova direi-ta’ liberal, que postulava sobre democracia,direitos humanos, proteção ambiental, soli-dariedade – promovida pelo terceiro setor –,e obviamente sobre o liberalismo econômi-co. Perseguir e conquistar estes valores, so-bretudo, a questão econômica foi se tornan-do um pré-requisito universal importantepara a inserção das médias potências no mun-do globalizado. Os planos de governo de vári-os dirigentes de países latino-americanos,contando com o apoio sofisticado da mídiainternacional, vão se adaptando as novas ten-dências internacionais e construindo a partirdo ideário do ‘novo liberalismo’ verdades pra-ticamente incontestes.

As nações que por ventura viessem a ques-tionar estas medidas, não estariam enquadra-das na categoria de Estados normais,16 fatorque conseqüentemente arranharia acredibilidade internacional do país que nãose alinhasse à nova alternativa de desenvol-vimento. Neste sentido, perseguir e conquis-tar os ajustes neoliberiais acabou sendo amola propulsora da política de vários paíseslatino-americanos, a exemplo dos governosde Carlos Menem, na Argentina, FernandoCollor de Melo, no Brasil, Carlos Salinas deGordari no México, Carlos André Peres naVenezuela, Alberto Fujimore no Peru.

Os ajustes neoliberais da década de 1990ocorrem num momento em que o Brasil seencontrava diante de um profundo esgota-mento econômico e de uma completa incapa-cidade de dar continuidade ao projeto Nacio-nal-desenvolvimentista, implementado apartir de 1930. O impacto da crise política eeconômica internacional ocorrida a partir doinício dos anos 1970 prolongando-se ao lon-go da década significou, também, um retro-cesso econômico se considerarmos algunsdados objetivos e esclarecedores, que justifi-cam a incapacidade dos países de dar segui-

14ANDERSON, Perry. O Balanço do Neoliberalismo. In: SADER,Emir e GENTILI, Pablo (org) O Pós Neoliberalismo: As PolíticasSociais e o Estado Democrático. São Paulo: Rio de Janeiro, 1995.p.12.15 CERVO, Amado. Sob o Signo Neoliberal: As Relações Interna-cionais da América Latina. Revista Brasileira de Política Inter-nacional, Brasília, nº 2, ano 43, p. 5-27, 2000. p.5.

16 A expressão ‘Estado normal’ foi cunhada pelos dirigentes dosgovernos de Menem (1989-1999) para designar adaptação ao novoparadigma. Segundo Amado Cervo: “Ser normal significava, nocaso, Argentino, romper com os princípios da autodetermina-ção e da não intervenção, tão caros à tradição diplomática lati-no-americana [....].” CERVO, Amado. Sob o Signo Neoliberal: AsRelações Internacionais da América Latina. Revista Brasileirade Política Internacional, Brasília, nº 2, ano 43, p. 5-27, 2000. p.6.

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mento aos planos de desenvolvimento nacio-nal, dentre os dados possíveis de se apresen-tar destacamos os seguintes:

As exportações não se destinavam como

antes à obtenção de recursos para ampliar

as importações. O fluxo de capitais tornou-

se artificial, quando passou a significar ape-

nas operações de transferências que se fazia

nos países credores do Brasil. As estatísticas

das contas externas denunciam a enormi-

dade da distorção: entre 1980-89, o país

deixou de receber investimentos e contudo

desembolsou US$ 134.389,2 milhões a tí-

tulo de serviços; assim mesmo, a dívida ex-

terna ascendeu dos US$ 49.904,2 de 1979

para US$ 115.096 em 1989. As altas taxas

históricas de crescimento do Produto Inter-

no Bruto despencaram para 3,2% ao não

durante os anos de 1980.17

Segundo Ricardo Sennes, a partir sobretu-do da segunda metade dos anos oitenta hou-ve um processo de esgotamento das bases dasposturas externas em decorrência das crisesde vulnerabilidade que o Brasil começou aenfrentar em função dos ajustes que o paísnecessitou fazer para se adequar às alteraçõesao ambiente internacional e que resultaramem custos sociais, econômicos e políticos.Para o autor:

As conseqüências dessa sucessão de crises

foram não apenas a crise política e econô-

mica do país, mas também a perda relativa

de sua capacidade de projetar poder e de se

reposicionar em termos estratégicos no sis-

tema internacional, em comparação com a

capacidade de que o país dispôs na década

de 70. Assim, o período da década de 80 foi

para o Brasil uma fase de crescentes restri-

ções à sua capacidade de atuação externa,

destacadamente nos âmbitos multilateral

e bilateral.18

Embora a política externa de Saraiva Guer-reiro, ministro das relações exteriores no go-

verno de João Figueiredo, tenha se esforçadopara manter a autonomia do Brasil frente aocenário internacional, a pressão dos EstadosUnidos sobre os países latino-americanos au-mentava na medida em que a dívida externase intensificava, nos encontrávamos diante

da Era Reagan. Evidentemente que o con-texto de crise e de aumento do endividamentoexterno impulsionou a aproximação do Bra-sil com os Estados Unidos, ainda que restrita.É crível que mesmo que a dívida externa sejaum fator importante dentro da escala de pro-blemas nacionais a serem resolvidos, não erasuficiente para amainar as divergências exis-tentes da relação bilateral Brasil–EstadosUnidos. O protecionismo dos Estados Unidos,sobretudo na década de oitenta, representouum dificultador no relacionamento dos doispaíses, assim como, era também, umimpedidor à própria a recuperação da econo-mia brasileira. Segundo o Presidente JoãoFigueiredo:

[...] as dificuldades do Brasil serão enorme-

mente acrescidas: se persistirem as tendên-

cias protecionistas que restringem o acesso

dos produtos brasileiros aos grandes merca-

dos; se não forem agilizados os fluxos finan-

ceiros internacionais, se os países em desen-

volvimento, que hoje absorvem mais de

40% de nossas exportações, não tiverem mi-

noradas suas dificuldades presentes; e por

último, se não forem reforçados os organis-

mos multilaterais, com a aplicação dos seus

recursos, atualização de seus critérios ope-

racionais, e maior acesso dos países em de-

senvolvimento a seus processos decisórios.19

Na esteira das divergências do relaciona-mento bilateral – entre Brasil e Estados Uni-dos –, a ‘opção européia’, delineada no go-verno Figueiredo, representou uma alterna-tiva importante para economia brasileira, quese encontrava diante de três crises devulnerabilidade conforme aponta RicardoSennes20 : primeiro com os dois choques dopetróleo de 1973 e 1979, em segundo, já noinício dos anos oitenta e de caráter financei-

17 CERVO, Amado. Relações Internacionais do Brasil. In: CER-VO, Amado (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Ed UNB, 1994.p.48-49.18 SENNES, Ricardo. Op. cit. p. 88.

19 VIZENTINI, Paulo. Op. cit. 1998, p. 287.20 Conforme referimos anteriormente, segundo Ricardo Sennes,o conceito de vulnerabilidade está relacionado aos “custos deajustes estrutural de um país decorrente de alterações no am-biente externo.” SENNES, Ricardo. Op. cit. p. 88.

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ro, a crise em decorrência das altas quantiaspara o pagamento da dívida externa, e em ter-ceiro, a crise de vulnerabilidade comercial,ocorreu “na medida em que o Brasil se tornoumais dependente de suas exportações aospaíses desenvolvidos, passando a ser objetode intensas pressões para modificar sua con-duta comercial – política tarifária e de subsí-dio, barreiras não-tarifárias, ação diretiva doestado, etc.”21

A primeira grande conseqüência que o novocenário internacional trouxe para as econo-mias dos países recém-industrializados foi oaumento da dependência externa. A vinda dopresidente Ronald Reagan para o Brasil, emnovembro de 1982, embora possa ter arrefe-cido a conturbada relação entre Brasil e Esta-dos Unidos, não representou uma melhora sig-nificativa nesta relação, mas reafirmou algunsaspectos que apontam para o aumento da de-pendência externa brasileira, não apenas pelofato de existir uma grande dívida externa –que acarreta diretamente no aumento doscompromissos externos, dentre eles a neces-sidade de exportar mais para obter “saldo po-sitivo e com isso manter o fluxo pagamento dadívida externa”22 –, mas também pela tendên-cia internacional de forçar a adoção de umanova política de Estado que convergisse com aidéia de ‘cooperação’, ‘de abertura de merca-dos’ e de ‘globalizar economias’.

O novo diálogo proposto pelo sistema in-ternacional e traduzido pelos Estados Unidosaos países latino-americanos possibilitou comque o presidente Reagan, em sua estada no Bra-sil, sugerisse algumas recomendações ao paísque segundo a política de Washington deveri-am pautar substancialmente a agenda do go-verno Figueiredo: “o Brasil deve passar a ob-servar a taxa de juros de 10% (observava a de8,5%) e abrir os seus mercados. Solenemente,diria Reagan: “o Brasil deve por a casa em or-dem”.”23 Considerando o contexto latino-ame-ricano, “colocar a casa em ordem” significavapara o Brasil colocar em prática algumas me-didas recessivas e também de aproximaçãocom os EUA, através do estabelecimento denovas relações econômicas, que impunhamalguns pontos de estrangulamento.

O futuro das relações econômicas entre osdois países depende das conclusões de algunsgrupos de trabalho propostos pelos EstadosUnidos para discutirem e examinarem os se-guintes pontos: a cooperação industrial-mili-tar, nuclear, científica e tecnológica, econô-mica e espacial. Os debates em torno destespontos colocam o Brasil numa posição de re-trocesso nas conquistas de uma política ex-terna autônoma, a exemplo da sugestão dosEstados Unidos a área de industrial-militar,onde o Brasil teria acesso à tecnologia demotores de jatos sofisticados, como os F5-E,porém deveria terminar com o fornecimentode blindados para países ideologicamente di-vergentes dos Estados Unidos, como a Líbia ealguns países do Oriente Médio.

Para os Estados Unidos seria importanteneste momento, de redefinição da política in-ternacional no início dos anos de 1980, que oBrasil assinasse o tratado de Não-Proliferaçãode Armas Nucleares, firmado em 196824 , po-rém, seguindo a tradição brasileira de políticaexterna, o chefe do Estado Maior da ForçasArmadas, do governo de João Figueiredo, ogeneral Alacyr Frederico Werner, aponta paraa continuidade da política de não alinhamen-to, observando que “há uma série de posiçõesque o Brasil não abre mão”,25 ao se referir so-bre a indústria nacional de armamentos.

No discurso de Saraiva Guerreiro, no Palá-cio do Itamaraty, ao receber o cargo de Minis-tro das Relações Exteriores, em 15 de marçode 1979, o novo chanceler traduziu o compor-tamento do Brasil frente às questões interna-cionais demarcando a independência e auto-nomia da política externa brasileira, nestemomento de recomposição das forças políti-cas internacionais e de pressão e interferêncianorte-americana no sobre os países latino-americanos. Saraiva Guerreiro observa que:

[...] A evolução da conjuntura econômica

internacional penaliza diferentemente os

países, e, ao criar novos obstáculos às na-

ções que lutavam por desenvolver-se, faz ne-

cessário o reforço dos vínculos de solidarie-

21 SENNES, Ricardo. Op. cit. p. 89.22 BANDEIRA, Moniz. Relações Brasil-EUA no Contexto daGlobalização. 2ª ed. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 1999. p. 151.23 VIZENTINI, Paulo. Op. cit. 1998. p.288-289.

24 Cabe ressaltar que o Brasil não assinou durante toda a décadade 1970 nenhum acordo de não proliferação de armas nuclea-res, embora tenha estabelecido uma relativa convergênciacomercial com Washington, durante os governos Médici eGeisel.25 Revista Veja, 8 de dezembro de 1982, p. 33.

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n.13, 2º sem. 2004 27

dade que as unem. Para responder a esse

panorama a política externa estará organi-

zada, conceitualmente, como acenou Sua

Excelência o Senhor Presidente da Repúbli-

ca, de acordo com três vetores fundamen-

tais: o universalismo, a dignidade nacional

e a vocação brasileira para a boa convivên-

cia. Vamos, pois, utilizar ao máximo o nos-

so potencial diplomático e a nossa capacida-

de de convencimento. A política externa se

guiará por princípios cardeais, entre os quais

sobressaem a independência nacional, a

igualdade soberana dos Estados, a autode-

terminação dos povos, a não-intervenção,

a solução pacífica de controvérsias e a coo-

peração para o desenvolvimento e o bem-

estar.26

Outra dimensão do impacto das mudançasinternacionais na América Latina, – evidente-mente além do aumento da dívida externa, daincapacidade dos países, sobretudo o Brasil,de dar continuidade aos planos de desenvolvi-mento – foi o processo de aprofundamento daarticulação política das nações latino-ameri-canas. Pela primeira vez na história dos paísesda América Latina foram formuladas perspec-tivas comuns em relação aos problemas etemáticas internacionais de forma independen-te e até mesmo contraditória dos Estados Uni-dos. Conforme Saraiva Guerreiro, neste mo-mento a relação entre Brasil e Estados Unidosestava mais “madura e amistosa, sem fantasiase tapeações”.27

Para elucidar a tendência das relações in-ternacionais desenvolvidas nos países daAmérica Latina, ao longo da década de oiten-ta, cabe observar a possibilidade de concreti-zar acordos e políticas comuns que sinalizas-sem soluções para as dificuldades que as na-ções latino-americanas encontravam de seinserirem no novo cenário internacional e,também, para superar os sucessivosinsucessos econômicos decorrentes da criseinternacional. Entre os diferentes grupos detrabalho que buscavam encontrar pontos deconvergência e debatiam sobre estes temas

comuns destacam-se: o Grupo da Contadora,em 1983, o Grupo de Apoio a Contadora, em1985, o Consenso de Cartagena, onde se dis-cutiram fundamentalmente a questão da dí-vida externa, o Grupo dos Oito (Brasil, Ar-gentina, Uruguai, Colômbia, México, Panamá,Peru, Venezuela) e a Declaração de Acapulco,de 1987, momento em que foram delineadasmais claramente as perspectivas comuns so-bre problemas de América Latina.

Os acordos assim como as políticas exter-nas do Brasil e da Argentina apontam parauma reflexão conscienciosa sobre oaprofundamento das relações econômicas, nosentido de resolverem questões comuns. Parao historiador Gerson Moura:

O esforço da década de oitenta não nasceu

de inspiração súbita, mas da necessidade de

resolver certos problemas no intercâmbio

comercial Brasil-Argentina, que se apresen-

tava enormemente deficitário para a Ar-

gentina e extremamente baixo em termos

de volume. Esse desequilíbrio constituía um

obstáculo intransponível à renovação do

Acordo de Alcance Parcial (AAP), que os dois

países mantinham no âmbito da ALADI e

incluía centenas de itens sobre os quais não

incidiam alíquotas de importação e que ex-

piraria em 31 de julho de 1985. Os objeti-

vos das longas negociações entre as duas

partes seriam, portanto: zerar o superávit

brasileiro e a partir daí buscar um cresci-

mento equilibrado do intercâmbio comer-

cial. Um amplo acordo foi alcançado em

agosto daquele ano. Dispunha sobre a com-

pra de trigo e petróleo argentinos, a aboli-

ção de certas barreiras comerciais e a ativi-

dade de mecanismos de cooperação.28

Embora as questões econômicas pareçamser as grandes motivadoras da abertura, dodiálogo e dos caminhos que levam a coopera-ção e a integração regional, como aponta osvários encontros realizados pelos países lati-no-americanos, assim como a própriahistoriografia, a exemplo da análise detalha-da realizada por Gerson Moura, se observa aolongo deste capítulo que primeiramente aconvergência entre Brasil e Argentina se deu

26 Resenha de Política Externa do Brasil. Nº 21, de março, abril,maio, junho de 1979, p.9.27 GUERREIRO, Saraiva. Lembranças de um empregado doItamaraty. São Paulo: Siciliano, 1992. p.149.

28 MOURA, Gerson. In: VIZENTINI, Paulo (org.). Op. cit. 1992,140-141.

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28 n.13, 2º sem. 2004

através de acordos e planejamentos políticossólidos e objetivos.

Segundo Sônia Camargo, ao analisar de for-ma comparativa a política externa brasileirae argentina, conclui que “tanto o Brasil comoa Argentina possui uma verdadeira políticaexterna, com objetivos definidos e prazosmais ou menos longos e com instrumentos deação que correspondem a esses objetivos.”29

As relações bilaterais promovidas entre osgovernos Figueiredo e Videla foram se ampli-ando na medida em que a aproximação polí-tica ia se consolidando. A visita de JoãoFigueiredo a Argentina, entre 14 e 17 de maiode 1980, após 45 anos, pois a última visitaoficial do Brasil a Argentina havia sido em1935, no governo de Getúlio Vargas, e em re-tribuição a vinda de Jorge Videla, ao Brasil,em agosto de 1980, a assinala um momentoimpar no entendimento político entre as duasnações, embora se observa através dos dis-cursos presidências que a concretização des-ta aproximação se de no terreno comercial.

Através do discurso de Jorge Videla, em14 de maio de 1980, após a chegada de presi-dente João Figueiredo a Buenos Aires, obser-va-se que a aproximação é tecida a partir deesforços políticos, que tentam demonstrarcom objetividade a importância de se estabe-lecer vínculos duradouros a partir de deci-sões políticas que entendam as dificuldadesdo momento em curso. Segundo Videla:

[...] Têm, também, a certeza de que chega-

rá o dia que não haverá garantia, mais uni-

versal nem possibilidades melhores que o

entendimento e a prosperidade conjuntos.

Por isso com impaciência, Exmo. Senhor, o

início das conversações que estamos segu-

ros culminarão em acordos frutíferos e du-

radouros. Sabemos que nos aproximam, até

quase, confundir-nos, em nosso tempo agi-

tado, ideais democráticos compartilhados e

aspirações similares de bem-estar e progres-

so para nossos povos, partes arraigadas da

América do Sul, da América Latina e da

cultura do Ocidente. Está aberta a possibili-

dade de inaugurar um ciclo de amplo en-

tendimento, uma etapa na qual a aceitação

realista dos verdadeiros limites da

interdependência objetivamente estabele-

cidos, substitua qualquer outra aspiração.30

O presidente João Figueiredo, no dia 15 demaio, ratifica a necessidade de solidez e a es-tabilidade no relacionamento entre Brasil eArgentina, a qual observa que deve ser con-quistada através de políticas objetivas:

[...] Em termos de negócios, competição não

quer dizer conflito. Antes, abrem-se aí no-

vas oportunidades: à troca de experiências,

aos fenômenos cruzados de equipamentos e

componentes, e até á ação concertada em

terceiros mercados. Cooperação sólida e es-

tável requer alicerces firmes e duradouros.

Êxitos de curto fôlego podem criar expecta-

tivas irrealizáveis. Sua frustração arrefece

o ímpeto da aproximação e prejudica o apro-

veitamento de oportunidades efetivamen-

te vantajosas.31

Outro aspecto que cabe observar, além doconteúdo político, que antecipou os acordoseconômicos, foi à busca de uma maior auto-nomia política dos países latino-americanosdiante do cenário internacional, sobretudodurante a primeira metade da década de 1980.Ou seja: se por um lado houve a fragilizaçãodas economias países classificados como mé-dias potências, ocasionando uma maiorvulnerabilidade nas políticas internas e ex-ternas dos países latino-americanos emarginalização do próprio continente, devi-do os ajustes econômicos impostos pela novapolítica internacional, por outro, houve umsaldo positivo desta crise internacional e daprópria que foi à busca da superação desta‘nova condição periférica’ que os países lati-no-americanos.

Especificamente para o Brasil e para a Ar-gentina, cujo processo de cooperação se en-contrava em curso, argolar novos acordos eefetivar a integração a partir do final dos anosde 1970, significava o alinhamento de impor-

29 CAMARGO, Sônia. In: CAMARGO, Sônia e OCAMPO, José Ma-ria Velásquez. Op.cit. 1988. p.360.

30 Resenha de Política Externa do Brasil. Nº 25, abril, maio, ju-nho, 1980. p.24.31 Resenha de Política Externa do Brasil. Nº 25, abril, maio, ju-nho, 1980. p.23.

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tantes interesses para as duas nações, quepossibilitavam não apenas melhorias econô-micas como também garantir a própriagovernabilidade neste momento de crise doregime militar e, ou, de redemocratização.

Portanto, o desenvolvimento de um pro-jeto de política externa que visasse o afasta-mento da retórica apenas reivindicatória,colocou o Brasil e a Argentina diante do desa-fio de estabelecer relações regionais mais só-lidas, que evidentemente fossem formuladase definidas pela diplomacia de ambos os paí-ses32 com a participação de novos atores so-ciais e políticas neste processo.

As análises apontam no sentido de demons-trar que o processo de abertura e de coopera-ção entre o Brasil e a Argentina se deu em eta-pas distintas: primeiramente houve entre osdois países decisões políticas importantes quefavoreceram pontos de aproximação e de con-vergência, que conseqüentemente e num se-gundo momento possibilitaram que se concre-tizassem as parcerias econômicas,

Diante das reflexões apresentadas nestecapítulo e que percorrem o caminho da coo-peração entre Brasil e Argentina, cabe aindadividir este processo de integração entre asduas nações em três pontos de análise: pri-meiramente se observa que as políticas con-vergentes não se deram especificamente noterreno de democracia. Os governos deFigueiredo, de Viola e de Galtieri, muito em-bora o Brasil já estivesse claramente seredemocratizando, construíram importantespossibilidades de integração que certamenteabriram sólidos caminhos para a integraçãoregional sendo posteriormente bem aprovei-tados pelos governos civis que os sucederamem ambos os países.

Na esteira da aproximação já iniciada pe-los governos militares se encontra a Declara-ção de Iguaçu, de 1985, onde os presidentescivis do Brasil e da Argentina expressaram afirme vontade de acelerar o processo deintegração bilateral, criando neste momento

uma Comissão Mista de Alto Nível, presididapelos Ministros de Relações Exteriores de am-bos os países. Junto a este propósito, o Brasil ea Argentina firmaram, também, uma Declara-ção Conjunta sobre Política Nuclear, com oobjetivo de estabelecer uma cooperação cien-tífica na área nuclear para fins pacíficos.

A evolução dos acordos científicos entreBrasil e Argentina pode ser observada, tam-bém, através das manifestações tanto da As-sociação Física da Argentina como da Socie-dade Brasileira de Física que em 1986 divul-garam em nota oficial, no Rio de janeiro e emBuenos Aires, o repúdio a construção de ar-mas nucleares e apelavam para a união emtorno de projetos civis para desenvolvimen-to de estudos na área da medicina e da enge-nharia, na busca de estreitar o máximo a coo-peração científica, tecnológica e industrialentre os dois países.33

Em segundo, o compromisso com a demo-cracia e com a estabilização econômica queos presidentes de José Sarney e Raúl Alfonsinassumiram durante seus governos encontrouna ampliação das relações associativas e nacooperação, através da concretização de di-versos acordos, a governabilidade necessá-ria para enfrentar um momento de crise comrelativo sucesso tanto no plano interno comoexterno, pelo menos na primeira fase dos deseus governos.

Quando referimos sobre a concretizaçãode diversos acordos que contribuíram para agovernabilidade dos dois primeiros presiden-tes civis do Brasil e da Argentina, se está pro-curando apontar para a idéia de continuida-de do processo de cooperação. Ou seja: umano após a Declaração do Iguaçu, de 1985,ocorreu Assinatura de Ata de Integração en-tre Brasil e Argentina, em 1986, onde foi esta-belecido “segundo modalidades baseadas nacomplementação industrial, o Programa deIntegração e Cooperação Econômica, de ca-ráter ‘gradual, flexível e equilibrado’ e pre-vendo tratamentos preferenciais frente a ter-ceiros mercados; diversos protocolossetoriais são assinados bilateralmente”.34

32 Embora no decorrer deste trabalho serão apresentadas as di-ferenças diplomáticas que marcaram a conduta da políticaexterna de ambos os países, torna-se importante registrar quemesmo ocorrendo firmes convergências no processo integraçãoe de valorização das relações bilaterais, o Brasil e a Argentinaconviveram com profundas diferenças na condução de suaspolíticas externas.

33 FÍSICOS argentinos e brasileiros repudiam os projetos nu-cleares. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 de outubro, 1986. p. 5.34 ALMEIDA, Paulo Roberto de. Mercosul: Fundamentos e Pers-pectivas. São Paulo: LTr, 1998. p. 88.

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30 n.13, 2º sem. 2004

Na seqüência da aproximação se encontrao Tratado de Integração, Cooperação e De-senvolvimento, realizado entre os dois paí-ses, em 1988, que objetiva consolidar o pro-cesso de integração bilateral e sobretudo

[...] instituir, numa primeira etapa, um es-

paço econômico comum no prazo máximo

de dez anos e a harmonização das políticas

aduaneiras, comercial, agrícola, industri-

al e de transportes e comunicações, assim

como a coordenação de políticas monetária,

fiscal e cambial; numa segunda etapa, se

procederia à harmonização gradual das de-

mais políticas à formação do mercado co-

m u m . 3 5

Em terceiro, o novo contexto internacio-nal colocou o Brasil e a Argentina, numa situ-ação de fragilidade, tanto internamente – atra-vés do elevado endividamento externo e dacrise do modelo de desenvolvimento basea-do na substituição das importações, cuja par-ticipação do Estado era fundamental – quan-to externamente, devido o colapso do mun-do soviético que resultou num novo quadropolítico para o América Latina marcado pelaperda gradativa da importância estratégicados países latino-americanos no cenário in-ternacional, fez da integração sub-regionaluma possibilidade de estabelecer uma outramaneira de inserção internacional para os doispaíses.

O amadurecimento da cooperação sub-re-gional conquistada pela disposição política e,que resultou na criação do Mercosul, em1991, protagonizou uma nova fase no proces-so de integração na América Latina. Segundoo embaixador Rubens Antônio Barbosa, oaprofundamento da relação entre Brasil e Ar-gentina foi “caracterizado pela associaçãopragmática de países relativamente homogê-neos e dispostos a vencer a tradicional para-lisia dos acordos essencialmentecomercialistas herdados dos esquemasALALC-ALADI.”36 É importante destacar quea ALALC, Associação Latino-Americana deLivre Comércio, criada em 1960, composta

pelos países da América do Sul e o México, eque tinha como “meta estimular a industriali-zação e diversificação das economias, e a re-dução de sua dependência em relação às eco-nomias dos países industrializados”37 , chegouaos anos 1980 com a pecha de não ter apre-sentado resultados concretos. Diante destafragilidade e Associada, acrescido às mudan-ças do contexto internacional e latino-ameri-cano, em 1980, os países membros da ALALCcriaram a ALADI, Associação Latino-Ameri-cana de Integração, com o objetivo deviabilizar a total liberação do comércio entreos onze países membros.

Em entrevista à Revista Gente e à AgênciaTelam, ambas argentinas, em 12 de maio de1980, o presidente João Figueiredo, ilustrarealidade daquele contexto, evidenciando asmudanças que a ALALC estava passando eaponta para o novo caminho que começará aser traçado pelas duas nações a partir de en-tão. Segundo o presidente Figueiredo:

A ALALC está vivendo um processo de

reestruturação potencialmente muito fru-

tí fero para as aspirações de integração na

América Latina. Antes de estagnar-se, a

Associação já cumprira papel relevante no

processo de aproximação comercial e eco-

nômica de nossos países. Cabe agora desco-

brir instrumentos eficazes para que a obra

integracionista continue e se fortaleça. Ali-

as, o momento tem sido férti l em termos de

sugestões, ideais, conceitos novos. Isto me

leva a confiar no êxito do processo negocia-

dor da reestruturação. O próprio ato de ne-

gociar mostra claramente que o ideal de

integração está implantado entre nossos

países. A questão é dar forma ao ideal, a

fim de dar continuidade e direção ao tra-

balho da ALALC. [...] O Brasi l objetiva – e

penso que a Argentina também – articu-

lar as bases para um processo de integração

que seja útil para nossos povos. Capaz de

permitir , em suma, o recurso a formas

mais flexíveis e expressivas de

complementação econômica em nível con-

tinental. Capaz de aproveitar a dinâmica

35 Ibidem36 BARBOSA, Rubens Antônio. A Integração Regional e oMercosul. Política Externa, São Paulo: Paz e Terra, USP, vol. 1, nº2, set-out-nov,1992. p. 133.

37 FLORÊNCIO, Sérgio Abreu e Lima; ARAÚJO, ErnestoHenrique Fraga. Mercosul Hoje. São Paulo: AlfaOmega, 1998. p. 34.

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n.13, 2º sem. 2004 31

específica das relações bi laterais com a

Argentina e elas somar-se. 38

Na esteira da reestrutura da Associação, agrande novidade que a ALADI apresentou foiestimular os acordos sub-regionais num mo-mento em que os países latino-americanosnecessitavam criar condições para uma novainserção internacional. Nesta perspectiva, aliberalização comercial estabelecida e firma-da por apenas um pequeno grupo dos paísesque compunham a ALADI, possibilitou acor-dos sub-regionais, a exemplo do ocorridoentre Brasil e Argentina, em 1985 e 1986 e1988, os quais ocorreram sob o abrigo jurídi-co da ALADI. Além de outros acordos, comoo Protocolo de Expansão do Comércio (PEC),entre Brasil e Uruguai, e o Convênio Argenti-no-Uruguaio de Complementação Econômi-ca (CAUCE).

Na busca de redesenhar a tentativa deintegração regional que marcou as agendasgovernamentais na década de 1980, sobretu-do a relação entre a integração Brasil-Argen-tina diante do inquieto cenário internacional,cabe dar continuidade à entrevista do presi-dente João Figueiredo. Ao ser perguntadosobre que respostas o Brasil e a Argentina,naquele momento em franco entendimento,poderiam oferecer ao mundo, que atravessa-va uma “crise de sinais alarmantes”, o presi-dente faz uma longa apologia à integração e aimportância da unidade da América Latina eobserva que além de ambos os países teremmúltiplas dimensões em suas presenças nosistema internacional, são nações de Tercei-ro Mundo e por este fato têm posturas pró-prias no quadro internacional. Em função des-ta qualificação, o presidente pergunta: “queconseqüências derivam dessa situação, levan-do em conta a fase crítica que o mundo vivehoje?”

Podemos pensar em pelo menos duas linhas.

A primeira tem a ver com a nossa condição

latino-americana. A própria situação de

crise leva naturalmente a um período de

introspecção, de renovação dos laços com

parceiros, à descoberta de formas novas de

cooperação. Não tenho dúvidas de que a dé-

cada de 80 estará marcada na América

Latina pelo tema unidade. E, para explorar

plenamente as suas potencialidades, não nos

devemos limitar dentro da América Lati-

na, à cooperação sub-regional. [...] como

bem demonstram o Pacto Andino, o tratado

da Bacia do Prata, e, em breve Tratado da

Cooperação Amazônica. Mas, essas experi-

ências devem ligar-se ao plano amplo da

integração e da unidade. [...] Uma segunda

[...] está localizada exatamente na incapa-

cidade que as nações industrializadas de-

monstraram ao tratar com países em de-

senvolvimento. Não souberam despertar

confiança nem estabelecer esquemas equi-

librados de relacionamento. [...] Insisto que

não devemos dar lições, nem propor fórmu-

las. O que á básico é a fidelidade aos princí-

pios do relacionamento latino-americano,

fundado na não-intervenção, na paz e na

busca harmonia e equilíbrio.39

O que se pontua nessa perspectiva de aná-lise é que as mudanças políticas e econômi-cas internacionais ocorridas a partir da se-gunda metade dos anos 1970 não apenas ace-leraram o processo de cooperação entre Bra-sil e Argentina, na medida em que ambas asnações tiveram que buscar soluções comunspara uma nova inserção internacional e re-composição da política econômica domésti-ca, como também revitalizaram a ALALC,quando a transformaram em ALADI, e derama integração um conteúdo político, fundamen-tal para a concretização do aprofundamentoda cooperação regional.

39 Resenha de Política Externa. N° 25, Abril, Maio, Junho de 1980.p. 42.

38 Resenha de Política Externa. N° 25, Abril, Maio, Junho de 1980.p. 38.

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Everton Rodrigo Santos é Doutor e Mestre em Ciência Política pela UFRGS. Atualmente é professor de Ciência política naULBRA e Sociologia na FEEVALE. E-mail: [email protected]

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.33-53

Dominação Militar e EscolaSuperior de Guerra no Brasil:

Legitimação eInstitucionalização do Poder

Castrense

Military Dominance and the BrazilianNational War College: Legitimation and

Institutionalization of the Military Power

Everton Rodrigo Santos

RESUMO

Este artigo objetiva discutir de uma maneira geral o processo de construção dadominação militar no Brasil, procurando especialmente inserir a Escola Superior deGuerra (ESG) neste processo que envolveu tanto a própria organização militar quanto arelação desta com o Estado e a Sociedade, resgatando a importância política da ESG e,portanto, sublinhando suas ligações com o poder militar.

Palavras-chave: dominação militar, Escola Superior de Guerra, legitimação.

ABSTRACT

This article aims to discuss, from a general perspective, the process of constructionof the military dominance in Brazil, especially trying to insert the Brazilian NationalWar College (the “Escola Superior de Guerra” - ESG) in this process, which included themilitary organization itself, as well as its relation to the Brazilian State and society. Thepaper considers the political importance of ESG and so emphasizes its connections withthe military power.

Key words: military dominance, Brazilian National War College, legitimation.

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INTRODUÇÃO

Em agosto de 1949 é fundada na cidade doRio de Janeiro, capital federal da Repúblicabrasileira, a Escola Superior de Guerra (ESG).Esta escola, como um “centro misto de estu-dos militares e civis”, em que se elaboravamalternativas aos obstáculos do desenvolvi-mento nacional no contexto político do pós-guerra, tinha em sua localização geográficana capital, muito mais do que uma coincidên-cia, um desejo manifesto de influir nos rumosda política nacional. De fato, na seqüência his-tórica, a ruptura institucional de 1964 reser-vou à ESG um importante papel, pois a partirde suas formulações doutrinárias foi possí-vel, a um grupo de militares e civis, não so-mente elaborar um projeto político para opaís, que articulasse de forma coerente segu-rança com o desenvolvimento econômico,como também catapultar muitos dos seusquadros a estrutura estatal “pós-revolução”,o que ficou cristalizado na ascendência doGeneral Castelo Branco à Presidência da Re-pública. Ele mesmo um esguiano.

Portanto, a história da Escola Superior deGuerra (ESG) a coloca em estreita ligação comos destinos da política nacional de uma ma-neira geral e particularmente com o podermilitar a partir da segunda metade do séculoXX. Entretanto, uma importante bibliografiaelaborada sobre esta instituição em décadaspretéritas parece ter ficado ou aquém ou alémde uma importante especificidade desta ins-tituição no quadro da política nacional emsuas abordagens. Das análises que apresen-tam a ESG e sua ideologia como um instru-mento a serviço da modernização do capita-lismo, até as análises marxistas que a colo-cam a serviço das “classes economicamentedominantes”, em todas elas, a dimensão quemais interessa a análise política e o futuro dademocracia, a saber, as relações de poder aíestabelecidas entre civis e militares, tem sido,senão negligenciada, tangencialmente tocada.

Este artigo objetiva, de maneira inicial,inserir a ESG no processo mais amplo e com-plexo da construção das relações de domina-ção civil-militares no país que envolveu, tan-to a própria organização militar, quanto à re-lação desta com o Estado e a Sociedade, res-gatando a importância política da ESG, subli-nhando suas ligações com o poder militar.

Neste sentido, dividimos o presente textoem duas partes interdependentes. Na primei-

ra parte, Estado e Forças Armadas, carac-terizaremos rapidamente a anterioridade doEstado em relação à sociedade a partir de umaperspectiva analítica de inspiração weberiana,bem como, apresentaremos o caráter preco-ce da modernização das Forças Armadas(mais especificamente do exército), que a par-tir do interior do Estado coloca-se como umaimportante instituição estatal que ao longodo século XX vai adquirindo cada vez maisgraus de autonomia em relação à sociedade.Procuraremos neste item reunir argumentosestruturais razoáveis para explicar a partici-pação dos militares na política nacional, atra-vés da apresentação do processo de configu-ração das relações de dominação referidasque desembocaram no exercício do podermilitar. .Por poder militar entendemos a ca-pacidade de impor vontades mesmo encon-trando resistências. Aqui particularmenteesta capacidade é extensiva e pertencente aosmilitares, capacidade esta que vai aumentan-do no transcurso do processo histórico.

Na segunda parte, A Escola Superior deGuerra: Legitimação e Institucio-nalização do Poder Militar, analisaremoso surgimento e o desenvolvimento da ESG jána segunda metade do século XX, destacando-a como instituição responsável pelalegitimação e institucionalização do podermilitar. A idéia é apresentar a ESG comoimportante instituição do Estado que terá opapel de legitimar, mas tambéminstitucionalizar no quadro de relações dedominação assimétricas entre civis e militares,o poder militar na sociedade brasileira atravésda extensão de idéias e valores militares aomundo civil.

Complementando a primeira parte e res-pondendo ao objetivo central deste artigo,procuraremos responder a questão: Qual é arelação que a Escola Superior de Guerra man-tém com a estrutura de dominação civil-mili-tar no Brasil?

I- ESTADO E FORÇAS ARMADAS

Engels, após a morte de Marx, já haviadesautorizado a interpretação segundo a qualos fatores econômicos, da infra-estrutura dassociedades, são necessariamente os únicosfatores determinantes dos processos históri-cos. O referido autor argumenta que as cons-tituições, as formas jurídicas, as idéias religi-

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osas (da superestrutura) exercem igualmen-te a sua ação sobre o curso das lutas históri-cas determinando em muitos casos predomi-nantemente sua forma (ENGELS apudQUINTANEIRO, 2003).

Muito embora este autor dê importância(a tempo) aos fatores políticos, será Weberquem de fato inverterá a lógica marxista deinterpretação das relações entre Estado e so-ciedade, rompendo com a idéia de que a baseinfra-estrutural das sociedades édeterminante da superestrutura, abrindo as-sim, espaço para uma compreensão inovado-ra destas relações.

Assim, pensamos que seguindo tal tradi-ção e dadas às características de nossa colo-nização portuguesa no século XV, teremosprimeiramente no Brasil a criação do Estadoe posteriormente a formação da sociedade.De fato, o Estado no Brasil, como uma impor-tação lusitana, configurou-se como uma enti-dade anterior, forte e robusta, que vai paula-tinamente amalgamando esta nova socieda-de, portanto criando-a.

Esta anterioridade pode ser constatada jána criação dos primeiros núcleos de povoa-mento no Brasil, pois

a organização política dos núcleos locais,

feitorias ou arraiais, não é posterior ou mes-

mo concomitante à sua organização social:

é-lhes anterior. Nasce-lhes a população de-

baixo das prescrições administrativas (...).

No estabelecimento das cidades e das vilas,

estas já tem no seu próprio fundador o seu

capitão-mor regente, com carta concedida

pelo rei ou pelo governador. Esta carta é con-

cedida antes mesmo, muitas vezes da fun-

dação da vila (...) (VIANNA apud FAORO,

1984, p.148)

Desta forma, complementa Faoro (1984),desde o primeiro século da história brasilei-ra, a realidade se faz e se constrói com decre-tos, alvarás e ordens régias. A terra inculta,selvagem e desconhecida, recebe a forma doalto e de longe, com a ordem administrativavinda da metrópole, ou mesmo após o pro-cesso de independência do centro adminis-trativo do Império.

O Estado em sua anterioridade cria a soci-edade, quer seja através da concessão de ter-

ras, instituindo uma “aristocracia rural”, naconcessão de financiamentos e créditos paraempreendimentos comerciais, criando bur-guesias locais, ou mesmo na concessão e cri-ação de inúmeros empregos públicos, possi-bilitando nos diferentes rincões do país, a pro-liferação de uma classe média de origem esta-tal.

De fato, o Estado configura-se como um“núcleo estrutural hegemônico” em relação àsociedade, articulando em seu entorno osdemais sistemas (FERRAZ, 1993).

É no sistema econômico, por exemplo, queo Estado fixa os limites da liberdade de inicia-tiva econômica, apropriando-se de recursosda sociedade, financiamentos, fiscalismo, re-gulamentações. No sistema político, a ativi-dade política brasileira começa e terminamem função da disputa de poderes, legais, eco-nômicos de autoridade moral conferidos peloEstado, bem como através do sistema social ecultural que temos a divulgação de valores,idéias e atribuição de prestígio por parte doEstado (FERRAZ, 1993).

Portanto, a ocupação deste espaço porqualquer grupo que seja, configurará umaposição estratégica em relação ao controleda vida societal, por evidente. É assim queeste Estado, com uma estrutura (forte) quegerencia os demais sistemas, sobreposta e in-dependente a uma sociedade desarticulada eatomizada (fraca), que teremos a formaçãode um tipo de dominação tradicional que abibliografia chama de patrimonialismo.

Este conceito é utilizado de uma forma ge-ral para

(...) caracterizar a apropriação privada dos

recursos do Estado, seja pelos políticos ou

funcionários públicos, seja por setores pri-

vados. Como tal contrapõe-se a um tipo ide-

al de sociedade liberal ou moderna na qual

o Estado está separado do mercado, em que

as burocracias funcionam de acordo com re-

gras universais e o governo expressa os pro-

jetos das representações políticas constituí-

das a partir da sociedade civil. (SORJ, 2000.

p . 1 3 )

Entretanto, este conceito depatrimonialismo como dominação tradicio-nal, passou a ser atualizado na bibliografiacorrente. Simon Schwartzman (1988), usa otermo “neopatrimonialismo” para referir-se

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a um tipo de patrimonialismo moderno, umavez que o termo originalmente utilizado porWeber estava ligado às formas típicas de do-minação tradicional. Este conceito de domi-nação política captura melhor a dimensão damodernização do Estado brasileiro que com-binou a manutenção de estruturas de tipo tra-dicional com estruturas modernas.

Como argumenta Sorj (2000), se o Estadobrasileiro fosse somente patrimonialista, oBrasil estava condenado ao atraso, o que asaltas taxas de crescimento econômico no sé-culo XX não confirmam. Desta forma, o con-ceito de neopatrimonialismo coloca-se ade-quadamente em sociedades como a nossa quetransitaram, ou que procuram transitar deformas tradicionais de dominação políticapara formas modernas, cujo resultado é umhibridismo entre o moderno e o tradicional.

Isto pode ser explicado pelo importantepapel, por exemplo, desempenhado pelo Es-tado modernizador/racionalizador, tanto naexpansão industrial, quanto na criação de umaburocracia administrativa qualificada.

Isto é particularmente verdadeiro no tocan-

te a carreira diplomática e em especial às

Forças Armadas, que assumiram desde o iní-

cio da República o papel de encarnação e

tutoras da pátria e dos interesses nacionais,

responsáveis pelo “progresso do país numa

perspectiva fortemente influenciada pelo

p osi ti v ismo .( . . . )

Embora o Estado(...) tenha se orientado fun-

damentalmente por uma lógica do cresci-

mento econômico, relegando a solução dos

problemas de desigualdade social e de aces-

so da educação e à saúde, foi um Estado com

perspectiva nacional. Essa perspectiva na-

cional, ainda que permeada de interesses

patrimonialistas, permitiu uma política ex-

terna de manutenção e expansão das fron-

teiras nacionais e, internamente, o desen-

volvimento de uma ampla infra-estrutu-

ra, nacional, a formação de núcleos buro-

cráticos modernos ligados ao esforço de in-

dustrialização e a institucionalização de um

sistema de estatísticas e de investigação ci-

entífica e tecnológica. (SORJ, 2000.p.17)

Este processo de modernização/raciona-lização do Estado que em outros países co-

meçou pela educação, pela burocracia admi-nistrativa, vai dar-se no Brasil pelas ForçasArmadas, já no final do século XIX. Destamaneira, as Forças Armadas terão um lugarprivilegiado em relação à sociedade, uma vezque, estão inseridas neste “núcleo estruturalhegemônico”, que é o Estado.

Neste contexto histórico em que o Brasilpassava por importantes transformaçõesinfra-estruturais, com a extinção da escravi-dão, com o crescimento da produção cafeeirae um relativo desenvolvimento industrial,somados no plano político a proclamação daRepública, é que veremos uma lenta passa-gem de um país escravocrata para um paísque adota a mão de obra livre, demanda dasnações capitalista modernas, colocando-sedesta forma cada vez mais distante do seuantigo papel colonial. Na então nova divisãointernacional do trabalho, as nações periféri-cas como o Brasil, passam a ser exportadorasde produtos primários, para o centro e con-sumidores de produtos industrializados, oque a teoria das “vantagens comparativas”explicaria mais tarde.

O importante a reter, é que, estas mudan-ças infra-estruturais exigiram no plano polí-tico um redimensionamento do Estado, ouseja, a sua modernização. No Brasil esta mo-dernização estatal começa internamente pe-las Forças Armadas como já dissemos, elas

(...) asseguram a ordem interna e permi-

tem a exploração sem sobressaltos das ri-

quezas minerais e agrícolas de que a Europa

tem necessidade, (...) elas estabelecem no

exterior uma imagem de seriedade (...) que

dá confiança aos investidores. (ROUQUIÉ,

1984.p. 94/95)

Quando este tipo de administração se mo-derniza, e segmentos do antigo estamentoburocrático vão-se profissionalizando e bu-rocratizando, surge uma característica im-portante do Estado brasileiro, queSchwartzman (1988) chama de “despotismoburocrático”, ou seja, do imperador sábioD.Pedro II aos militares da Escola Superiorde Guerra, passando pelos positivistas do Sule tecnocratas do Estado Novo, nossosgovernantes tendem a achar que tudo sabem,tudo podem.

Então, este processo de modernizaçãooperado no Brasil privilegiando primeiramen-te os militares como atores fundamentais se

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dará através do aperfeiçoamento do recru-tamento militar, da socialização doscorpos militares e da própria organiza-ção das Forças Armadas de uma maneira ge-ral desembocando na construção do podermilitar.

Estes três quesitos se entrelaçam com Es-tado e a sociedade no Império e ao longo daRepública.

O Império

Esta modernização significou um contínuoprocesso de fechamento da instituição mili-tar aos influxos societais e a aquisição degraus de autonomia cada vez maiores destaem relação à sociedade. Nós tivemos inicial-mente uma fase que Coelho (1976) chama de“hibernação”, na qual a hostilidade das lide-ranças civis com os militares fez com que esteadotasse um comportamento defensivo, pro-curando ajustar-se a esta sociedade hostil asua presença, durante a monarquia.

Logo após a Independência, nós tivemosum “exército nacional” criado as pressas, quepagava baixos soldos aos militares, tinha umabaixa dotação orçamentária, uma parca or-ganização e que possuía, portanto, poucoprestígio social. Para se ter uma idéia, os efe-tivos do exército que em 1830 era de 30.000homens, caiu para 14.342 no ano seguinte,perdendo a metade de seus efetivos, subindosomente para 35.689 em virtude da Guerrado Paraguai em 1865. Depois despencou em13.000 homens em 1889, chegando a um nú-mero inferior ao início da monarquia.

O próprio recrutamento das praças nãoajudava em nada o prestígio das armas. Esterecrutamento era feito “no laço” nos setoresmais subalternizados da população, criandouma verdadeira ojeriza pelos serviços das ar-mas, o que ficou cristalizado no “decreto de1835” que permitia o recrutamento à forçaem caso de o voluntariado e o reengajamentonão preencher as vagas disponíveis no exér-cito. Diga-se de passagem, que é desta épocaa origem do “complexo paisano” das ForçasArmadas, em que os militares ao longo de suahistória nunca conseguiram proclamar outracoisa senão a semelhança e o equilíbrio comos civis (COELHO, 1976), dado o seudistanciamento inicial em relação a estes.

Por outro lado, e de maneira diferenciada,o corpo de oficiais era proveniente inicialmen-

te da nobreza, pois nossas Forças Armadas,em função da peculiaridade de nosso proces-so de independência pacífico, preservou aestrutura européia portuguesa. Assim,“cadetismo” português de 1757, incorpora-do no Brasil, possibilitava a entrada de no-bres no exército, lhes dando vantagens finan-ceiras e privilégios.

Todavia, os critérios de recrutamento dosoficiais tiveram de ser relaxados a fim de man-ter esta instituição (CARVALHO, 1978).

Disposições de 1809 e 1820 ampliam a fa-

culdade de se alistarem cadetes aos filhos de

oficiais das forças de linhas e das milícias,

bem como das ordenanças e de pessoas agra-

ciadas com o hábito de ordens

honoríficas.(...) (CARVALHO, 1978.p.186)

Foi assim que,

Ao longo do império, o caráter nobre do re-

crutamento militar modificou-se no senti-

do de tornar-se cada vez mais endógeno à

organização, isto é, a limitar-se cada vez

mais à nobreza militar com exclusão da ci-

vil. (CARVALHO, 1978.p.186)

Esta tendência de fechamento à sociedadejá pode ser verificada na “lei de promoçõesde 1850” que racionalizava as promoções dosmilitares, exigindo requisitos acadêmicos emdetrimento de indicações ou vínculos políti-cos e ou aristocráticos.

Como argumenta Castro (1995), quando oexército adota regras racionais e burocráticasde ascensão na carreira, diminuem a atraçãoque a carreira militar poderia exercer sobreos membros da elite civil, já que reduzia aspossibilidades de ascensão através de laços deparentesco ou de apadrinhamento político.Assim, o exército foi se tornando cada vez maisuma instituição profissional meritocrática, apartir do aperfeiçoamento de seu processo derecrutamento. E foi o desenvolvimento destequesito entre outros, que podemos entender aconstrução de seu poder.

Por outro lado, o distanciamento entre ci-vis e militares amplia-se, havendo por partedas elites civis uma desconfiança com o exér-cito. A criação da Guarda Nacional em 1831que dava aos proprietários de terra o títulode coronéis igualando-os em poder com osoficiais do exército e permitindo que estes

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mantivessem milícias armadas sob seu co-mando, já era um indicativo desta rivalidade.

Na tentativa de diminuir estas discrepân-cias foi criada em 1874 uma nova forma derecrutamento, “o alistamento universal”. Porele, todos deveriam alistar-se para então ha-ver um sorteio para cobrir as vagas. Todavia,esta lei natimorta, acabou em fracasso, poispermitia que os mais aquinhoados, como pro-prietários e bacharéis pagassem ou fossemsubstituídos para não servir o exército o quemanteve a situação na mesma.

Contudo, paralelamente a estes fatos, e paraa melhor compreensão da construção destasrelações de dominação, é preciso lembrar queo exército brasileiro já havia feito-se vitorio-so na Guerra do Paraguai (1864-1870), muitoembora, frustrado por este não reconheci-mento. Que a “Questão Militar” (1883-1887)acentuava o distanciamento entre civis e mi-litares no final do Império e que a reaberturada Escola Militar da Praia Vermelha após aguerra disseminando a doutrina positivista noapagar das luzes do século XIX colaborou paraa socialização de oficiais, no sentido de lhesdar uma dimensão política e humanitária parasuas ações.

Desta forma, no final do Império tivemosinternamente no exército brasileiro a forma-ção de dois tipos de militares. Os “bacharéisfardados” ou “científicos”, provenientes daEscola Militar da Praia Vermelha, que sobreinfluência do positivismo de BenjaminConstant dedicava-se à matemática, as letras,a engenharia e de outro lado, temos os cha-mados “tarimbeiros”, (que tem no nome deDeodoro da Fonseca sua representação me-lhor) aqueles oficiais provenientes da Guerrado Paraguai e de pouca formação, ligados asatividades práticas da caserna (aqueles quetambém fazia os anos iniciais da Escola Mili-tar da Praia Vermelha, as armas de infantariae ou cavalaria). Como coloca Carvalho (1978)a proclamação da República viria como umafusão destes dois grupos, em que os jovensentravam com as idéias e os velhos com acorporação prevalecendo o esprit de corps.

O fato é que, a partir da “Questão Militar”,em fins do século XIX até 1930 o exército en-trou em sua fase de “ativação”, segundo Coe-lho (1976), o exército adquiriu maior consci-ência de sua existência como entidade distin-ta da sociedade, tornando as fronteiras daorganização mais firmemente definida, tantona cabeça de seus integrantes, como do res-

tante da sociedade. Isto levou à sociedade ase ajustar às demandas de um exército cadavez mais consciente de sua força política.

A evolução desta consciência, destesgraus de fechamento e autonomia da institui-ção militar, pode ser cristalizada e acompa-nhada também através dos modelos deintervencionismo que justificavam a partici-pação dos militares na política.

Nesta segunda fase, o modelo concebidoera do “soldado-cidadão”, chamados na ter-minologia de Carvalho (1978) de“intervencionistas reformistas”. Era a idéia deque os militares deveriam assumir sua condi-ção de cidadãos afirmando-se positivamenteem relação às elites políticas. Nesta concep-ção estava a idéia de ao mesmo tempo afir-mar a organização militar, fortalecendo-a pe-rante os civis, como também intervir no sis-tema político reformando-o nem que isto,entretanto, significasse a extinção da própriaorganização pois,

Se o soldado na concepção de Benjamin, de-

via ser o “cidadão armado, importante

cooperador do progresso”, este próprio pro-

gresso, produzido pelo avanço do regime in-

dustrial, tornaria os exércitos entidades

inúteis e faria com que fossem “recolhidas

ao museu da história às armas que se em-

pregam como elemento de destruição. (CAR-

VALHO 1978. p.210)

O modelo dava um papel claro aos milita-res impulsionando-os à política, entretanto,como vemos na concepção de BenjaminConstant, o progresso “destruiria” as ForçasArmadas. O modelo catapultava os militarespara o ativismo político, mas por outro lado,não fortalecia a organização. Mesmo sendoexitosa a experiência dos militares em 1889,fruto de graus crescentes de autonomia e ra-cionalização da instituição, tanto no recruta-mento quanto na socialização, as Forças Ar-madas ainda tinha uma longa caminhada emseu processo de modernização República adentro.

A República

A intervenção dos tenentes nas primeirasdécadas da República significou uma grandequebra hierárquica no exército e um

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indicativo deste não fortalecimento da orga-nização militar de que falamos no modelo do“soldado-cidadão”.

Haverá, nesta ordem das coisas, e para obem da estruturação das Forças Armadas,uma cooperação estreita entre os países eu-ropeus centrais e os periféricos, principal-mente no que concerne a uma ajuda militarpara a modernização das forças militares, ago-ra no início do século XX.

Os militares terão um importante papelnestes primeiros movimentos, justamenteporque, acabaram assumindo também umafunção de intervenção pública nos problemasda nação inclusive como “elites nacionalis-tas”, que deveriam construir também a iden-tidade nacional e ajudar na construção de umEstado e de Forças Armadas modernas. Istopode ser visto no crescimento significativodos efetivos militares, se a população do paíscresceu entre 1890 e 1930, em 162%, já osefetivos militares cresceram 220%.” Carva-lho (1978; 1980).

Quanto à organização, a experiênciatrazida pelos militares brasileiros da Alema-nha, entre os anos de 1906 e 1910, (os cha-mados “jovens turcos”) iria impulsionar for-temente esta modernização do exército bra-sileiro. Inclusive, quando a Escola da PraiaVermelha é reaberta em 1911 no Realengo,ela já será uma nova escola, enfatizando ago-ra os aspectos militares na formação e socia-lização dos oficiais, diferentemente da antigaformação teórica.

Na continuidade deste processo, a missãofrancesa em 1920 veio também colaborarpara a construção de um exército nacional.Este ganhou maior coesão ecentralização.Tanto o Regulamento Discipli-nar do Exército (RDE) quanto o Regulamentopara Instrução e Serviços Gerais (RISG) sãodesta época. Estes regulamentos podem serencontrados no armário ou sob a mesa dequalquer oficial das Forças Armadas até hoje.Eles dão a base para disciplinar e para punir!

Assim,

Poderíamos, (...), pensar que a influência

francesa tem por objetivo abrir as Forças

Armadas para os problemas sócio-políticos,

enquanto que o modelo prussiano tenderia

a fechá-la em suas próprias normas e eti-

quetas.(...), embora por vias diversas os dois

modelos estabelecem o prestígio, cimentam

a coesão e reforçam a participação do apa-

relho militar na vida nacional. (ROUQUIÉ,

1 9 8 4 . p . 1 2 5 )

Todos estes esforços significaram umamelhor racionalização das tarefas burocráti-co-militares. Nesta direção, o aperfeiçoamen-to do recrutamento militar dará importantecontribuição. Apesar da “lei do sorteio mili-tar de 1908”, colocar o imperativo do servi-ço militar obrigatório, a instituição deste ser-viço aparece (também na maior parte dospaíses latinos) no Brasil antes do sufrágio uni-versal. Aqui, é preciso observar a precedên-cia do serviço militar obrigatório. Vemos ovelho modelo do Estado que precede a socie-dade neste país, “primeiro se é militar depoiscivil”. Assim, a instituição militar passa aconstituir um “núcleo duro” dentro do Esta-do brasileiro, dando-lhe maior autonomia di-ante das adversidades políticas e, portanto,dando-lhe capacidade para penetrar na soci-edade possibilitando um importante passo naagenda da consolidação de estruturas de do-minação civil-militares no Brasil, haja vistoque apresentavam um alto grau deinsulamento estatal. Ou seja, antes do serviçomilitar obrigatório o exército não conseguiaadentrar efetivamente a sociedade, pois seus“vínculos para trás” como argumenta Carva-lho (1980), (usando um conceito de AlbertHirschman) dá-se no processo de recrutamen-to de oficiais e praças no fluxo de pessoas dasociedade para o exército e este fluxo no Im-pério (o recrutamento) estava confinado ba-sicamente ao proletariado e aos setores mé-dios, excluindo-se a classe alta. Esta situaçãosó foi aos poucos alterada a partir de 1916com a campanha de Olavo Bilac para o servi-ço militar obrigatório. Passando nos anossubseqüentes a incorporação dos diferentesestratos sociais, inclusive, a criação do NPOR(Núcleo Preparatório de Oficiais da Reserva)e do CPOR (Centro Preparatório de Oficiais daReserva) corresponde à incorporação dasclasses médias e altas ao exército temporari-amente. Assim, o exército penetrou devida-mente a sociedade e ao mesmo tempo preser-vou sua estrutura autônoma em relação a estamesma sociedade.

Estes esforços de estruturação somados aoutros que veremos, desembocariam no mo-delo do “soldado profissional”, os“neutralistas” (CARVALHO, 1978;1980). Este

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era o modelo dos “jovens turcos”. Estes de-fendiam a idéia de que os militares não deve-riam intervir na política, assumindo uma po-sição de neutralidade, era a influência de umaconcepção liberal da atuação dos militares.Se por um lado este modelo retira os milita-res da política, por outro lado ele fortaleceu aorganização militar, quer seja com a defesado serviço militar obrigatório,profissionalização dos corpos militares oumesmo com a reestruturação do Estado-Mai-or da Forças Armadas.

Todavia, se a abertura da sociedade foiimportante para os militares, à abertura des-te à sociedade poderia ser um perigoso movi-mento de destruição das organizações milita-res. Alguns grupos tinham medo da influên-cia externa no exército.

Assim, por exemplo:

Uma primeira série de disposições veio re-

forçar a tendência no sentido de dificultar a

promoção de praças a oficiais. O Decreto

1.351 de 7 de fevereiro de 1891 mandava

preencher metade das vagas de segundo

tenente com praças, a outra metade com

alferes-alunos, se houvesse. Já a lei de pro-

moções de 1934 (...) só permitia a promo-

ção de praças ao posto de segundo-tenente

em casos excepcionais e se não houvesse

número suficiente de aspirantes. (CARVA-

LHO, 1980.p.126)

Havia claramente um sentido de fecha-mento da instituição na medida em que seprocurava manter o oficialato, os postosdeliberativos mais altos sob responsabilida-de de um corpo de militares que passava porum largo período de socialização nas acade-mias militares, ao passo que, as praças, deparca socialização, ficassem nos postos maissubalternos, de execução.

Se até 1930 temos uma fase de “ativação”dos militares, de equilíbrio de forças entreelites civis e militares, como já dissemos, apartir desta data, haveria na política brasilei-ra um desequilíbrio favorável de poder paraos militares em detrimento dos civis, ou seja,“(...) significa que o processo global da socie-dade brasileira passa a ser cada vez mais de-pendente de um centro específico de decisão,o Exército” (COELHO, 1976.p.137) começa achamada “fase institucional”.

Os aspectos organizacionais são indicativosmais uma vez desta fase, pois durante a Repú-blica os efetivos e o orçamento militares, par-ticularmente do exército cresceram significa-tivamente. Em 1930 havia 4.185 oficiais noexército e 43.812 praças, já em 1944 houveum salto para 10.087 oficiais e 161.213 pra-ças. No que toca aos orçamentos militares, oexército passa de uma participação no orça-mento nacional de 12,5% em 1929 para um picode 25,0% em 1932 e chega com 18,4% em 1944.Além das previsões orçamentárias, é impor-tante lembrar que os militares dispunham decréditos complementares adicionais, chegan-do em alguns casos, a representar mais de 50%do orçamento previsto.

Quanto ao recrutamento militar, vemosque a tendência endógena indicada já no Im-pério continua no período republicano, namedida em que há progressivamente um au-mento do número de filhos de militares queprocuram, através de incentivos do própriomeio militar, a carreira das armas em detri-mento dos filhos de civis. O quadro abaixoque incorpora os dados de Stepan (1971) eCastro (1990) demonstra este argumento dorecrutamento endógeno:

Porcentagem de cadetes filhos de civis emilitares, em três períodos.

Anos 1941/1943 1962/1966 1984/1985

Filiação

Civis 78,8% 65,1% 48,1%

Militares 21,2% 34,9% 51,9%

N=1.031 N=1.176 N=812

Fonte: Castro, Celso. O Espírito Militar. Um estudo de antropo-logia social na Academia Militar das Agulhas Negras. Ed. JorgeZahar.1990. p.144.

O número de civis cai de 78,8% entre osanos de 1941/1943 para 48,1% em 1984/1985,já no número de militares aumenta de 21,2%nos anos quarenta para 51,9% nos anos oiten-ta superando o percentual de civis.

As formas de recrutamento dos oficiaissuperiores conforme indicamos anteriormen-te, passando de um recrutamento aristocrá-tico (feito entre as elites nobres do país) paraum recrutamento endógeno (feito entre ospróprios militares), somadas a uma socializa-ção que enfatizava o esprit de corps, bemcomo o fortalecimento organizacional das

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Forças Armadas, acabam dando graus de au-tonomia a instituição militar cada vez maio-res. Estes graus de autonomia estão implica-dos na “fase institucional” que mencionamosanteriormente, mas também está ligada ao fatode que é preciso tanto internamente quantoexternamente às Forças Armadas, um graumínimo de consenso sobre o que deva ser suasfunções e papéis, ou seja, tanto a sociedade,quanto à própria organização militar deveacordar consensualmente sobre o papel dasForças Armadas na sociedade. Internamen-te, este consenso foi trabalhado pela adoçãonos meios militares da Doutrina de GóisMonteiro, externamente, poderíamos dizerque não se pode ter disciplina, unidade na ins-tituição armada se não há disciplina e unida-de na sociedade, por isso, a edificação do Es-tado Novo em 1937 e a institucionalização daidentidade do exército eram uma mesma eúnica coisa, segundo Coelho (1976).

Esta fase de institucionalização abrirá umnovo modelo de intervenção política aos mi-litares. É desta forma que, herdando ointervencionismo dos “tenentes”, sua sensi-bilidade com os problemas políticos e sociaisdo país e a estruturação burocrática dos “jo-vens turcos”, desembocamos na concepçãodo “soldado-corporação”, os chamados“intervencionistas moderadores” (CARVA-LHO; 1978;1980).

Esta posição apesar de defendida porBerthold Klinger, um “jovem turco”, aludiapara o fato de que as Forças Armadas deveri-am intervir sim na política, nas perturbaçõesinternas do país, uma intervenção modera-dora, controladora sob os auspícios de umEstado-Maior. Finalmente um modelo quefortalecia a organização e ao mesmo tempo aimpulsionava à atividade política.

O General Góis Monteiro (que também foium “jovem turco”) é um nome que certamen-te representaria melhor esta concepção, paraele o exército é

(...) um órgão essencialmente político; a ele

interessa fundamentalmente, sob todos os

aspectos, a política verdadeiramente naci-

onal, de que emanam, até certo ponto, a dou-

trina e o potencial de guerra. A política ge-

ral, a política econômica, a política indus-

trial e agrícola, o sistema de comunicações,

a política internacional, todos os ramos de

atividades, de produção e de existência co-

letiva, inclusive a construção e a educação

do povo, o regime político-social, tudo en-

fim afeta a política militar do País (...) (sic)

(GÓIS MONTEIRO apud TREVISAN, 1985,

p . 3 7 )

Assim, se aos militares tudo interessa qualseu envolvimento com a política? O generalresponde:

(...) sendo o Exército um instrumento essen-

cialmente político, a consciência coletiva

deve-se criar no sentido de se fazer à política

do Exército e não a política no Exército(...) A

política do Exército é a preparação para a

guerra e esta preparação interessa e envol-

ve todas as manifestações e atividades da

vida nacional, no campo material, no que se

refere à economia, à produção e aos recursos

de toda a natureza(...) (sic) (GÓIS

MONTEIRO apud TREVISAN, 1985, p.37)

Como vemos, “fazer a política do Exércitoe não a política no Exército”, a frase sintetizamuito bem a evolução organizacional das For-ças Armadas. Num movimento de cima parabaixo elas se fortalecem, se organizam abrin-do à sociedade, penetrando-a pois, fazem apolítica do exército e por outro lado, fecham-se a esta própria sociedade, não fazendo polí-tica no exército.

Pensamos que neste primeiro momento doartigo deixamos razoavelmente claro que asForças Armadas como uma instituição cria-da e abrigada pelo Estado, foram as primeirasa modernizarem-se e por isso adquiriramgraus de autonomia e organicidade suficientepara imporem suas vontades à sociedade, ca-racterizando efetivamente a estruturação derelações de dominação civil-militares.

Este processo por nós descrito tem um pesoimportante para compreendermos o papelque os militares desempenharam na políticaao longo do século XX que acabaram muitasvezes desembocando numa “visãomessiânica”, na sua relação com a sociedade,o que ficou nítido nas doutrinas de segurançanacional do continente nos anos 50/60, comoveremos a seguir.

É claro que esta visão “messiânica”, comalguma nuança, nem sempre foi privilégio dosmilitares. Daniel Pécaut (1990) em seu livro“Os Intelectuais e a Política no Brasil”, de-monstra que nossa intelectualidade, de uma

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maneira geral, assumiu uma vocação de eli-tes dirigentes nacionais. Sempre respaldadosno “conhecimento científico”, no conheci-mento da própria “realidade nacional”, aca-baram projetando-se acima da sociedade nacondução dos destinos da nação.

Entretanto, nossos militares como umaespécie de “intelectuais de farda”, assumemeste papel também de pensadores e conduto-res dos desígnios do país, aderindo a um naci-onalismo que invadiu a cultura brasileira noinício do século XX (PÉCAUT, 1990).

Estes “intelectuais de farda” foram ao lon-go do processo histórico de sua formação (ra-cional e modernizante) adquirindo uma “cons-ciência de corpo” até desembocarem no com-portamento dirigista/intervencionista queStepan (1971) enfatiza tanto e responsabilizaa ESG.

Coelho (1976), inclusive chama a atençãopara o fato de que a doutrina desenvolvidapor Góis Monteiro foi apropriada posterior-mente pelo grupo da ESG e apenasreelaborada para os fins da conjuntura do pós-guerra, significando o aprofundamento desteprocesso de institucionalização de uma iden-tidade aos militares.

Pensamos que a Doutrina da ESG é partede uma estratégia de institucionalização dopoder militar, contudo, esta Doutrina comoveremos adiante, é muito mais do que umasimples adaptação do pensamento de GóisMonteiro. Ela busca não somente em sua ori-ginalidade, estabelecer o consenso entre aselites civis e militares do que deva ser o papeldos militares no quadro aberto no pós-guer-ra, bem como, sustentar relaçõesassimétricas de dominação, procurandolegitimá-las perante a sociedade.

II - A ESCOLA SUPERIOR DEGUERRA: LEGITIMAÇÃO E

INSTITUCIONALIZAÇÃO DOPODER MILITAR

A Escola Superior de Guerra (ESG), apare-ce embrionariamente no início dos anos 40.Inicialmente destinada a atender a formaçãode um público essencialmente militar, logo ainstituição estenderia suas tarefas ao mundocivil, pois novas orientações acabaram sen-do imprescindíveis na ótica militar ao “Esta-do Contemporâneo”, sobretudo no que dizia

respeito à racionalidade das tarefas governa-mentais. Assim, a Escola surge como uma ins-tituição que tentará sistematizar um projetoaos militares e por extensão a sociedade paraenfrenta os novos desafios. Este projeto resi-diria, entre outras, na confecção de um ins-trumental, mais especificamente de uma dou-trina, a Doutrina de Segurança Nacional (DSN)com perspectivas normativas, valorativasque respondessem às adversidades de então.Este instrumental não teria como caracterís-tica elaborar respostas prontas à conjuntura,mas servir como um equacionador dos pro-blemas nacionais como de fato ocorreu apósa “revolução de 1964”.

Desta forma, tanto o surgimento da ESG nadécada de 40, quanto seu desenvolvimentoposterior, são elementos essenciais para acompreensão desta importante instituição, noque se refere à sustentação de relações dedominação civil-militares. Neste sentido, epara melhor compreendermos a evoluçãodesta Escola, mesmo correndo o risco de co-metermos defecções, procuramos criar umanova periodização para a ESG que, ao mesmotempo, abrangesse e fosse conciliadora dasclassificações pretéritas de autores que já aestudaram.

As Fases da ESG

Os autores que se dedicaram ao estudo daESG costumam periodizá-la segundo critériosespecíficos. Para Arruda (1983), por exemplo,numa perspectiva mais interna, as fases da ins-tituição estão relacionadas a sua evolução dou-trinária e conceitual. Para ele, a ESG passou porquatro fases. A primeira de 1948 a 1952 (estu-do da conjuntura), 1953 a 1967 (estudo da DSNe conceitos), 1968 a 1973 (estudo do Desen-volvimento Nacional) e 1973 em diante (carac-terizado pelos trabalhos em grupo).

Barros (1979) também acredita que a ESGpassou por quatro fases, porém, propõe umaperiodização diferente, baseada em aspectosexternos, políticos. Até 1964, seria o períododo crescimento, de 1964 a 1967 o apogeu,com o golpe de Estado, de 1967 a 1974 o os-tracismo, com Costa e Silva no poder, e final-mente em 1974 em diante a cristalização.

Aderaldo (1978), propõe três fases, base-ando-se no contexto internacional e nacio-nal. A primeira fase de 1948 a 1956 (enumeradede a instituição da OEA até a fundação doISEB e o programa de metas); a segunda fasede 1956 a 1964 (aparecem à crise dos mísseis,

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criação da SUDENE...) e a última fase de 1964a 1967 (Concílio Vaticano II até Constituiçãode 67).

Com base nestes importantes trabalhos, edado o distanciamento histórico, sugerimosuma reformulação desta periodização, pro-curando conciliar o critério das formulaçõesconceituais, com a política interna e externa.Desta maneira, teríamos três fases distintas,mas interligadas: 1º) A fase da Criação (1948a 1964); 2º) A Inserção (1964 a 1974) e fi-nalmente 3º) A Institucionalização (1974a 1989).

A Primeira Fase - A Criação(1948 a 1964)

A primeira fase chamamos de criação,pois nela temos a criação propriamente ditada ESG, que comporta não somente os pri-meiros movimentos da Escola com o estudoda conjuntura, mas também suas primeirasformulações doutrinárias e em especial pelasprimeiras especulações sobre a SegurançaNacional, num ambiente internacional mar-cado pelo acirramento do confronto entre osEUA e a URRSS.

Apesar do “clima democrático” que se ins-tala no país com a derrota do nazi-fascismona Europa e o fim do Estado Novo no Brasil,em maio de 1947, o Supremo Tribunal Fede-ral cassava, em pleno governo Dutra, o regis-tro do PCB numa clara investida de conten-ção do crescimento desta sigla partidária queelegera 14 deputados federais e um senador.Este ato singular representava no plano in-ternacional o rompimento das relações diplo-máticas com a União Soviética e a tendênciado alinhamento brasileiro com o mundo oci-dental cristão, na sua expressão maior, osEstados Unidos.

Na verdade, o “concerto europeu moder-no” que vinha prevalecendo desde o séculoXIX encontrava seu fim com o declínio daspotências da Europa debilitadas pelos confli-tos da 2ª Guerra e o afloramento do camposocialista que já vinha sendo gestado desde1917 com a revolução de outubro.

A metade do século XX comporta umanova ordem internacional. O mundo está di-vidido entre as superpotências, que disputaminfluências, tanto em nível ideológico, políti-co, como econômico. Intrinsecamente, liga-dos a elas, modelos de desenvolvimento desociedade acompanham esta divisão do glo-bo terrestre. De um lado as economias capi-

talistas que tentavam vincular-se ao modelonorte-americano, de outro as “economias decomando” do socialismo ligados a URSS, con-forme o conceito de Robert Kurz (1993).

Uma verdadeira disputa pela hegemoniapolítica e econômica se acirra no âmbito in-ternacional. O mundo assiste à era da guerrafria, as duas Coréias, os dois Vietnam, a revo-lução cubana... Nos bastidores destes acon-tecimentos estavam os interesses de ambasas nações (URSS e EUA) em adotar seu mode-lo de desenvolvimento. É dentro deste con-texto bipolar que está surgindo a Escola Su-perior de Guerra.

Num projeto ainda muito embrionário, em1942, foi criado um curso de alto comandoque se destinava apenas a militares do exér-cito. Posteriormente, em 1948, este curso es-tendeu-se a três forças armadas, já sob a de-nominação de Escola Superior de Guerra e fi-nalmente, em 20 de agosto de 1949, comorelata Antônio de Arruda (1983), foi criada asegunda ESG, agora sob o impacto da visitado General César Obino aos EUA que conhe-ceu uma semelhante Escola que lá existia.

Com o auxílio da missão americana e ins-pirada na Nacional War College (NWC), a Es-cola brasileira deveria trilhar um caminhodiferente. Na verdade, a preocupação não serestringia apenas aos aspectos da guerra ex-terna, mas a conflitos internos e aos grandesproblemas nacionais que demandavam umaelite competente e capaz de resolvê-los. A ins-tituição postava-se como um “instituto depesquisas”, um “centro misto de estudos mi-litares e civis” de elaboração de alternativasaos obstáculos do desenvolvimento nacional,pois o pós-guerra havia complexificando opróprio conceito de guerra, esta não era me-ramente exterior, porém interior, atacando apopulação das diferentes nações, exigindouma nova postura das Forças Armadas.

A criação da ESG correspondeu a um mo-

mento em que a organização armada sen-

tiu necessidade de explicar de maneira sis-

temática, seu projeto (...) a criação da ESG

originou-se de exigências colocadas pelos

conflitos e alianças surgidas no cenário in-

ternacional a partir da Segunda guerra. A

participação do exército brasileiro nesta

guerra foi sua primeira experiência de re-

lacionamento internacional enquanto orga-

nização. A partir daí a elite militar tomou

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conhecimento de sua importância estraté-

gica na condução das negociações e alian-

ças que compuseram o quadro da guerra

fria. (ADERALDO, 1978, p. 80-81)

A Escola colocava-se não só a grande tare-fa de explicar os acontecimentos do plano in-ternacional que permeavam os diversos pla-nos nacionais, bem como elaborar uma saídaaos novos desdobramentos.

Estes novos desdobramentos exigiam umaoutra compreensão da realidade que passavaprioritariamente pela “Segurança Nacional”.Como se pode constatar, nos diversos manuaisda ESG, não se tratava de elaborar respostas,mas, sobretudo confeccionar um instrumentalcapaz de equacionar os problemas nacionaisque acabaram materializando-se na DSN.

As décadas de 50 e 60, segundo AlfredStepan (1971), mostrar-se-iam propícias aosurgimento de doutrinas mais específicas nospaíses latinos destinadas a capacitar quadrosmilitares para assumirem postos de direção.Na verdade, era um momento em que a guer-ra tradicional do inimigo externo era postaem cheque, pela tese do inimigo interno, doperigo da subversão revolucionária nos dife-rentes países latinos. Como salienta o autoracima referido:

Las instituciones que contribueron en

mayor medida a la reestructuración y

defusión de los nuevos conceptos de

dessarrolo y seguridade nacional, com el

concomitante aumento de la participación

política de los militares, fueron las Escuelas

superiores de Guerra de las naciones res-

pectivas: el centro de Altos Estudios Milita-

res (CAEM) en Perú, la Escuela Nacional de

Guerra en la Argentina, la Escola Superior

de Guerra (ESG) en Brasil. (STEPAN, 1970,

p. 205)

Estas instituições foram criadas como parteintegrante destes Estados. Particularmente aESG no Brasil foi inicialmente subordinada àPresidência da República e ao EMFA, tendovínculos com a burocracia militar e civil, in-clusive com as escolas de Estado-Maior dastrês forças, possibilitando uma boa comuni-cação entre as elites. Esta comunicação entreelites pode ser melhor compreendida se olhar-

mos rapidamente para quatro pontos de suaestruturação institucional.

Primeiro, a ESG é integrada por um corpopermanente (militares e civis), corpo deestagiários (são os “alunos” que freqüentamos cursos, como, deputados, empresários,funcionários públicos, oficiais) e os mem-bros da ADESG (ex-alunos da ESG). Segun-do, seu público alvo é composto de civis emilitares. Preferencialmente civis com for-mação universitária e oficiais militares de altapatente das Forças Armadas ocupantes decargos e funções com destaque na vida nacio-nal. Terceiro, a partir do regimento de 1973,a Escola ficou organizada internamente comum Comando (havendo um comandante naESG que é um oficial-general da ativa, asses-sorado por uma junta consultiva e um gabi-nete), um Departamento de Estudos e umDepartamento de Administração. Quar-to, a ESG inicialmente ofereciam os seguintescursos a seus estagiários: Curso Superiorde Guerra, Curso de Mobilização Naci-onal, Curso de Informações e Curso deEstado-Maior e Comando das ForçasArmadas (CEMFA), este último destinadosomente para militares.

Estas características estruturais possibili-taram não somente um encontro entre civis emilitares, mas, sobretudo um encontro alta-mente qualificado, pois seus cursos sãocongregadores de uma elite civil e militar alo-jados principalmente nos altos postos de di-reção do Estado brasileiro. Como argumentaOliveira (1987), a ESG apresentou-se

(...) enquanto instrumento de relação or-

gânica entre os setores militares e grupos

ou setores das classes dominantes, entre gru-

pos militares e outros setores do aparelho de

Estado (magistrados, políticos, educadores,

embaixadores, numa dimensão política e

burocrático-administrativa), com o objeti-

vo de promover um determinado tipo de de-

senvolvimento econômico (de tipo capita-

lista), dirigido por um grupo específico (as

elites) e dotado de uma ideologia (ideolo-

gia da segurança nacional) e de uma

opção estratégica (o Mundo ocidental), sob

a hegemonia dos Estados Unidos. (grifo nos-

so. P.60)

Assim, esta Escola teve uma importância

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fundamental na formulação de um projetonacional (de um grupo de militares com pre-tensões hegemônicas) para a nova ordembipolar, no intuito de sistematizar, articularum conjunto de idéias pertinentes ao momen-to histórico vivido pelas Forças Armadas cris-talizados em uma doutrina. Entretanto, comoargumenta Gaspari (2003), por mais que estacongregação de elites fosse inédita na políti-ca nacional, seria um exagero dizer que nosprimeiros dez anos de vida da instituiçãoagrupou-se uma amostra da elite nacional, écom o passar dos anos que a ESG vai adqui-rindo cada vez mais prestígio.

Todavia, a DSN formulada por este grupotornou-se ponto importante para nosso estu-do, na medida em que se constitui na basesobre a qual são pensadas as ações governa-mentais para responder a determinadas de-mandas nacionais e internacionais, formula-das por uma instituição, disposta a disputar adireção política da sociedade a partir de suaimplantação no interior do Estado (OLIVEI-RA, 1987).

A Doutrina da Escola é uma “Doutrina deação política”. No prefácio do Manual Básicode 1983, encontramos a alegação de que oEstado moderno, antecedendo o Estado con-temporâneo, carecia de ações racionais, im-pessoais e, portanto menos vulneráveis àsimprovisações. Necessitava de um instru-mental, de um “conjunto de princípios quepossibilitasse orientar a ação. Esse corpo co-ordenado de idéias constitui a Doutrina”. Osfundamentos desta Doutrina de SegurançaNacional tem suas origens na noção de segu-rança coletiva que se inscreve na noção desegurança hemisférica desenvolvida pelaDoutrina Monroe, de 1823 nos EUA (BORGES,2003).

Contudo, ela trabalha com conceitos e te-orias, das quais várias perambulam nos ma-nuais das Ciências Sociais. Há autores queidentificam a doutrina como umaprofundamento e sistematização do pensa-mento de Góes Monteiro, outros que a identi-ficam com suas bases geopolíticas já em 1925em trabalhos militares.

O fato é que esta doutrina, caracterizadaentre outras coisas, por ser antimarxista,anticomunista, cristã e democrática, retóri-ca esta que nunca esteve ausente a suas for-mulações, filiar-se-ia ao ocidente capitalista,onde suas preocupações estariam voltadaspara a conjuntura do pós-guerra.

O caráter conservador deste pensamentoreside no fato da Escola preconizar a manu-tenção de uma ordem nacional capitalista in-terligando a lógica do capital internacional.Não há proposição de um novo modelo deordenamento social, mas a conservação deuma sociedade cindida por desigualdades so-ciais que deve integrar-se à nova ordem in-ternacional.

A Segurança Nacional não era mais vistano sentido tradicional de defesa externa, po-rém incluía a noção do inimigo interno imis-cuído à população. Desta forma cabe ao Esta-do o dever de salvaguardar os cidadãos, fi-cando o conceito de 1954 da seguinte forma:

Segurança Nacional é o grau relativo de

garantias que por meio de ações políticas

(internas e externa), econômicas e

psicossociais (inclusive atividades técnico

científicas) e militares, um Estado propor-

ciona à coletividade que jurisdiciona, para

a consecução e salvaguardar de seus Obje-

tivos Nacionais, a despeito dos antagonis-

mos existentes. (TÁVORA, apud ARRUDA,

1983, p.7)

A delegação de responsabilidade pela se-gurança da nação fica com o Estado, o grandeLeviatã que resguarda a integridade dos ho-mens. Neste sentido, merecem destaque àselaborações teóricas daquele que foi um dosse não o maior, teórico da Escola Superior deGuerra, o General Golbery do Couto e Silva.

Dentro do que já se havia salientado nesteestudo, sobre a importância que a ESG tevenos anos anteriores ao golpe, com a formula-ção de um projeto nacional para o país, po-der-se-ia inserir a obra deste autor,Geopolítica do Brasil, demonstrando a influ-ência deste trabalho nos estudos desta casa.A obra, na verdade, antecipa algumas das pre-ocupações do General com a segurança e odesenvolvimento nacional, com ainterligação entre ambos os conceitos. A im-portância é que estas formulações datam de1952, 1959 e 1960. O fato é que algumas desuas idéias seriam utilizadas para erigir o “Es-tado pós-revolução”.

Nas primeiras páginas de Geopolítica doBrasil, o autor ressalta o aspecto da insegu-rança eterna dos indivíduos, numa clara alu-são à angústia do homem Hobbesiano. E con-clui dizendo que os mesmos fazem tudo por

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um “prato de lentilhas que contenha seguran-ça e paz”. A humanidade em fuga, com medo,acaba entregando-se aos totalitarismos e co-locando em jogo a sua própria liberdade.

A guerra, segundo Golbery, é total, per-manente e, portanto, diversa daquela dostempos de outrora. “De guerra estritamentemilitar passou ela, assim, a guerra total, tantoeconômica e financeira e política e psicológi-ca e científica.” (GOLBERY, 1967, p. 24)

Dentro dessa dimensão, a própria seguran-ça da nação também exige um mínimo de sa-tisfação material dos indivíduos para nãodeixá-los vulneráveis á influência “externa”.

Reduza-se ainda mais, o bem estar, e a pró-

pria segurança virá, agora, decrescida.

A segurança estrutura-se (...) sobre uma

base irredutível de bem estar econômico e

social, nível abaixo do qual se ofenderá a

própria capacidade de luta e resistência da

nação, incapacitando-a, afinal, para o es-

forço continuado e violento que dela a guer-

ra exigirá. (GOLBERY, 1967, p. 14)

Este raciocínio seria aplicado, na preocu-pação dos primeiros governos militares emlegitimar-se, procurando respaldo na popu-lação, bem como se precaver das influênciasdesta guerra total.

Esta é parte da base teórica sobre a qualpensava-se saídas estratégicas para o Brasil,dentro de um mundo marcado pela insegu-rança, do “perigo vermelho”, da subversão.

A velha idéia comtiana da ordem e do pro-gresso parecem ser levadas às últimas conse-qüências pelo pensamento esguiano. Muitasdestas idéias foram incorporadas a Escolapara seu instrumental de análise da conjun-tura, a Doutrina de Segurança Nacional.

Assim, é importante ressaltar que Golbery,o teórico da ESG, ancorava muitas de suasanálises à perspectiva dada por OliveiraVianna (1933), um eminente representantedo pensamento conservador. Golbery faz umdiagnóstico da conjuntura brasileira, clama-do pela necessidade do desenvolvimento eco-nômico como fator para a segurança nacio-nal. O modelo econômico da doutrina privi-legiará o desenvolvimento, às custas, comoficou evidenciado, nos governos militares quese seguiram, ao achatamento salarial eendividamento externo.

A doutrina, desenvolvida na Escola Supe-

rior de Guerra, elaborava uma interpretaçãodo mundo e o equacionamento de questõesdentro de marcos pré-concebidos, obedecen-do também um sentido normativo.

A Doutrina de Segurança Nacional teveuma grande importância no seu caráterexplicativo dos desdobramentos do pós-guer-ra, porém, mais do que instrumentalizar com-portamentos, ela pode ser vista na esteira doque concebe Coelho (1985) como um discur-so afetivo, destinado ao consumo dacorporação, fortalecendo o destino comumdos militares enquanto instituição.

Talvez, especula Coelho (1985), isto possanão ter sido determinante nas condições dopré-64, mas nada garante que isto não foi im-portante.

Pegando uma carona nas análises de queStepan serve-se para a ESG, ainda em 1971,constatamos um conjunto de fatos no míni-mo curiosos.

Em primeiro lugar, elaborando uma espé-cie de estatística do golpe, ele demonstra que:

..., de los 102 generales en servicio activo

al producirse la revolución de 1964, los que

habian asistido a cursos de la ESG se

encontran entre los principales conspirado-

res contra el regime de Goulart, corrobora

la teoria de que la ideologia de la ESG fue

uno de los fatores de mayor relevancia en

dicha revolución. De los generales que

habian asistido a la ESG el 60% participó

activamente en el complot, en tanto que solo

el 15% de quienes no asistieran a dicha

escuela se contaban entre los conspiradores

activos. (STEPAN, 1971, p. 217)

A idéia de que a passagem dos militarespela ESG forneceu-lhe capacidade para assu-mirem a gerência do país, pensarem os pro-blemas nacionais e procurarem soluções. AEscola contribuiu para aumentar esta cren-ça. O autor privilegia a ESG no sentido de queela produziu um determinado comportamen-to aos militares. Teria tido papel determinantena ruptura de 64.

Entretanto, não se pode concordar comStepan (1971), quando privilegia o aspectoexógeno à corporação, desembocando numexcessivo otimismo quanto ao papel da ESG.Segundo este, de “moderadores”, os milita-res passaram a “dirigente”, pós intenso tra-

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balho de formulações da ESG quando, a partirde 64, teremos outro padrão de intervenção,caracterizado pela permanência dos milita-res no Estado, diferentemente do pré 64,quando os militares tinham apenas uma atua-ção tópica e retornavam à caserna. Devemosflexibilizar este apontamento na medida emque, “mais do que um papel, parece ter havi-do uma longa evolução no pensamento dosmilitares no curso da qual foi se cristalizandoa concepção de um novo papel para as ForçasArmadas” (COELHO, 1985, p. 345).

É nesta ordem das coisas, que os trabalhosda ESG tiveram importância nas novas defini-ções em 64, ainda que não fosse a responsáveldireta pelo papel dirigista que assumiria. A ins-tituição trabalharia como um fator relevanteao lado de outros. Assim, devemos assinalar,que a ESG teve o mérito de abolir no corpo desua doutrina dois princípios fundamentais doregime democrático liberal: a subordinaçãodos militares aos civis e sua não intervençãono processo político (BORGES, 2003), legiti-mando um comportamento que já vinha sen-do a muito construído pelos militares.

Se ela não pode ser responsabilizada porproduzir um comportamento dirigista aosmilitares, a ESG foi importante na “produçãode consensos”, desenvolvendo uma lingua-gem e idéias comuns sobre as quais se pensa-vam os problemas do país. Estabelecendosintonia às Forças Armadas e grupos de elitepara um projeto político.

Este projeto da ESG, num contexto histó-rico determinado, visava responder às deman-das do pós-guerra. Embora não produzindoum “comportamento dirigista” aos militares,isto é, um padrão que lhes permitissem assu-mir e permanecer no Estado, formou impor-tantes quadros para esta tarefa, produziu umabase consensual sobre a qual pensou-se osproblemas nacionais, assim como, detinhainicialmente um interesse manifesto de apli-cação de suas idéias.

Se neste momento foram alicerçadas asbases de um projeto para o país, assim comoa aglutinação de importantes lideranças na-cionais no seu entorno. A segunda fase da ins-tituição colocaria a prova suas formulações.

A Segunda Fase – A Inserção(1964 a 1974)

Na segunda fase, chamamos de inserção,pois nesta fase temos a inserção do grupoesguiano no núcleo central do poder, em que

muitos dos quadros da escola são incorpora-dos pelo Estado “pós-revolução”, assim comoalgumas de suas idéias. No plano internacio-nal há um acirramento da guerra fria, bemcomo, no plano nacional, um combate semtréguas ao “inimigo interno”. Isto significouum aniquilamento dos grupos guerrilheirosno Brasil, bem como um aprofundamentodoutrinário e conceitual, no sentido de incor-porar a problemática do Desenvolvimento àquestão da Segurança Nacional. Entendia-seque a segurança poderia estar melhor respal-dada quando houvesse desenvolvimento eco-nômico e social, ambos interligadosobjetivando o “bem comum”. Embora a dou-trina trabalhe com outros conceitos comoSegurança Nacional, Objetivos Nacionais Per-manentes (ONP), Objetivos Nacionais Atuais(ONA), Estratégia Nacional, Poder Nacional,Política Nacional entre outros, a preocupa-ção básica que iria permear o pensamentoesguiano era o desenvolvimento econômicoe a segurança da nação, na articulação destesdemais conceitos.

No que diz respeito aos quadros esguianos,identificamos muitos membros desta institui-ção ocupando postos importantes dentro doprimeiro governo militar:

El presidente mismo, Castello Branco,

habia sido directo del departamiento de

estudios de la ESG (...) El mariscal Oswaldo

Cordeiro de Farias, ministros de Organis-

mos Regionales, habia sido el primer coman-

dante de la ESG. El ministro de Transportes,

mariscal Juarez Távora, habia sido el se-

gundo comandante. El director del nuevo y

muy importante Serviço Nacional de Infor-

mações (SNI), general Golbery do Couto e

Silva, era tenido por le ‘padre de la ESG’. Los

dos ministros de Relaciones Exteriores del

gobierno, el civil Leitão da Cunha y el gene-

ral Juracy Magalhães, eran graduados de la

escuela, al igual que el general Geisel, jefe

de Vivendas Militares y secretário general

del Consejo Nacional de Seguridad. (grifo

nosso) (STEPAN, 1971, p. 218)

Outros quadros ocupariam escalões demenor evidência na administração estatal. Ofato é que a ocupação do Estado pelo grupoda ESG será importante na medida em queestes quadros tinham um projeto, tinham idéi-as para o país.

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Inclusive, alguns de seus trabalhos foramutilizados para formulação de políticas públi-cas, pois a ESG possuía um interesse manifes-to de aplicação destas idéias. Aderaldo (1978)chamou de “objetivo instrumentalpropositivo”, a instituição objetivava influirno governo ou mesmo preparar quadros paraocupar postos de coordenação no primeirogoverno militar.

Stepan (1971), argumenta que numa dasconferências da ESG, por exemplo, postula-va-se o caráter personalista e localista demembros de partidos políticos em vigênciano país. A solução estaria em diminuir o nú-mero de partidos e obrigar figuras políticas arepresentarem um único partido, assim comotambém se discutiam a necessidade da cen-tralização dos poderes e planos de desenvol-vimento econômico.

O que se viu posteriormente foi à transfor-mação destes argumentos em ações políticasno governo que assumiu após a “revolução”tanto na centralização das ações administra-tivas como o bipartidarismo em 1966.

Também ficou evidente sua influência nosistema de ensino militar e público, as insti-tuições políticas como o Estado Maior dasForças Armadas (EMFA), o Serviço Nacionalde Informações (SNI), os Atos Institucionais,a própria Constituição de 1967, a emendaConstitucional de 1969 (com a introdução daprisão perpétua e a pena de morte, reforçan-do a LSN), o Conselho de Segurança Nacional(CSN) (embora já existindo desde 1934), a Leide Segurança Nacional (LSN) (muito emboratambém já existindo desde 1935), possuemmarcas esguianas em seu corpo.

Gran parte de la doctrina referente a la

guerrilla interna fue incorporada por la

escuela de Estado Mayor General. En los pla-

nes de estudio do ECEME para 1956 por

ejemplo, no se incluían conferencias sobre

la lucha antiguerrillera, la seguridad in-

terna o el comunismo. Pero a partir de 1961

aumentaron los cursos que enfocaban dichos

temas. (STEPAN, 1971, p. 213)

Todavia, apesar destas evidências apon-tarem para a importância da ESG para aedificação do Estado de Segurança Nacional,é preciso fazer duas ressalvas: Primeiro, dei-xar claro que o propósito da doutrina da ESG

não é dar respostas aos problemas nacionais,mas equacioná-los. Assim, as ações políticassão derivadas desta equação (a DSN), ou seja,a doutrina não dá respostas para a conjuntu-ra, mas fornece elementos para encaminharpossíveis soluções. Quem procurar umalinearidade mecânica entre a Doutrina e açãode governo não encontrará nada!

Segundo, embora possamos perceber al-gumas influências da ESG nas primeiras for-mulações no pós 64, não é este o acento quecolocamos neste capítulo à ESG, ou seja, elanão deve sua importância na política nacio-nal por seu aspecto instrumental em fornecerprojetos para os governos militares. Inclusi-ve, é muito comum esta ênfase no aspecto ins-trumental da ESG. Elio Gaspari (2003) em seulivro “A Ditadura Derrotada”, repisa estaabordagem ao dizer que: “Do ponto de vistainstitucional a proposta de Golbery na ESGresumia-se a um palavratório”(...) [que] “(...)Geisel informou ao Alto-Comando das ForçasArmadas que, tendo lido o misterioso enun-ciado do conceito Estratégico, percebera-ovelho e inepto, mandando redefini-lo” (p.131).Ou seja, no fundo esta, neste tipo de argumen-to, a tentativa de minimizar a importância daESG por sua pouca instrumentalidade, por suaparca aplicabilidade de suas idéias na cons-trução do regime de 64. Este raciocínio igno-ra, por evidente, que as diferentes forças einteresses políticos que compõe um gover-no, disputam também a direção das açõespolíticas, inclusive conjuntamente com umgrupo organizado como a ESG.

É importante mencionar que, muito em-bora tenha sido captaneado pelos militares,a ruptura de 64 e seus desdobramentos pos-teriores não são unicamente responsabilida-de destes. O desenho institucional que se es-boça na seqüência histórica procuraaçambarcar também uma sociedade de tipocapitalista. A ESG não se constitui no únicogrupo organizado a ocupar o Estado. Nestaparticularidade, merece destaque às conclu-sões aferidas por Dreifuss (1987), em seu li-vro “1964, A Conquista do Estado”, em quedemonstra as articulações Ipesianas eIbadianas no cerco e derrubada do governode João Goulart. A expressão ipesianos eibadianos, refere-se aos membros ligados aosIPES (Instituto de Pesquisas e Estudos So-ciais) e aos IBADs (Instituto Brasileiro deAção Democrática) que constituem-se emorganizaçãos apartidárias surgidas no início

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da década de 60, que articulavam os inte-resses “multinacionais e associados”. Emborafosse composta por diferentes grupos ideo-lógicos de militares a homens de negócios, oque os unificava eram seu posicionamentoanti-comunista e ambição de reformular oEstado, bem como suas relações econômi-cas de defesa aos interesses “multinacionaise associadas”, Dreifuss (1981).

Para Dreifuss, 1964 significou um golpecivil e militar que buscou afastar as forças “re-formistas/populistas” do poder. O que ficouevidenciado, com o desenrolar dos fatos, é apresença significativa de “técnicos-empresá-rios” ligados aos IPES (Instituto de Pesquisase Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasilei-ro de Ação Democrática) dentro do Estado“pós-revolução”, colocando por terra o mitode técnicos no governo. Na verdade, não eraa neutralidade dos técnicos que ocupava aadministração federal, mas os interesses em-presariais, (“multinacionais associados”) poismuitos desses técnicos estavam ligados aempresas fora do círculo estatal.

É claro que alguns dos membros destasduas instituições haviam passado pela ESG. Opróprio Golbery fora coordenador do IPESno Rio de Janeiro. Entretanto no pós-64 en-contraríamos, segundo Dreifuss, os esguianosem postos de coordenação de políticas naci-onais, ao passo que ipesianos e ibadianos as-sumiriam a “formulação e implementação dediretrizes políticas”. Entretanto, esta distin-ção entre postos de coordenação e imple-mentação pode ser questionada, pois, nadamais implementador que o próprio Golberyna criação do SNI, Castelo Branco na Presi-dência da República, ou mesmo Delfin Netono Ministério da Fazenda. Há ao nosso veruma incorporação dos propósitos empresa-riais ao projeto esguiano.

Esta instituição, sem dúvida nenhuma teveum papel importante na história política dopaís, como um centro onde se amadurecerammuitas das idéias que foram incorporadas peloEstado. Estas idéias aglutinaram-se num pro-jeto de poder e de governo para o país quelevou em conta o movimento do “capital in-ternacional”, mas que não é o projeto do “ca-pital internacional”.

O que queremos enfatizar com as ressalvasanteriores é o acento na produção de consen-sos, bem como na produção simbólica da Es-cola, do que na sua instrumentalidade, comopoderemos acompanhar nesta terceira fase.

A Terceira Fase - AInstitucionalização (1974 a 1989)

A terceira fase chamamos deinstitucionalização. Nesta fase, seus con-ceitos já foram bem desenvolvidos, emboraconstantemente aperfeiçoados, a Escola temum aumento cada vez maior de alunos civisem detrimento dos militares. É o início dachamada “transição à democracia” em que háa entrega do governo aos civis, mas nem porisso a entrega do poder aos civis. Num climainternacional de democratização de “tercei-ra onda” que assolava o mundo e em particu-lar a América Latina, temos a Escola buscan-do corroborar e reforçar as ações dos “mili-tares enquanto governo” (Geisel e Figueiredo)e paralelamente, “os militares enquanto ins-tituição” ao longo de todo o processo, masespecialmente no governo Sarney, garantin-do na Constituinte seus recursos de poder.

Esta fase de institucionalização não está li-gada ao aumento do poder ou prestígio da ESG,porém no quadro mais amplo das relações dedominação civil-militares, está ligada a cola-boração da instituição para a resolução de sua“crise de identidade difusa”, por um lado, ain-da não resolvida e por outro, a legitimaçãodestas relações assimétricas de dominação.

Embora a ESG, segundo Stepan (1986), nãofosse um centro de iniciativa ao longo da“transição”, era a fonte autorizada da ideolo-gia militar para os “militares enquanto insti-tuição”, além do que, todo o sistema de ensi-no e socialização militar, as agências estatais,como o SNI, e o sistema legal, usaram comobase doutrinária os estudos da Escola, assimcomo durante seu trabalho ideológico entreos civis foi intenso.

Poderíamos dizer então que a instituiçãopassou de um “objetivo instrumentalpropositivo”, como Aderaldo (1978) pon-tuou, para paulatinamente um “objetivo fun-cional explicativo” a partir de 1974, numanítida tentativa de corroborar um espaço ins-titucional para os militares que saem, comolegitimar seu projeto de entrega da nação auma democracia representativa.

Na verdade, não houve nenhum rompi-mento da Escola com os princípios quenortearam o golpe de 1964, ela estabeleceucontinuidade com os propósitos da “revolu-ção”, defendendo as Forças Armadas comoinstituição tuteladora da sociedade na transi-ção à democracia.

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E neste processo de transição, a ESG con-tinuou tendo importância na resolução destasua “crise de identidade difusa”, como disse-mos, pois a desagregação que flui da socieda-de leva as lideranças militares a pensaremseriamente em nela intervirem para regene-rar a estrutura da organização militar.

Assim, a incorporação de uma Doutrinarepresenta esta tentativa deinstitucionalização das Forças Armadas econseqüentemente sua intervenção nos ru-mos da sociedade conflitiva e adversa à orga-nização militar.

Muito embora alguns autores, como já as-sinalamos, considerem a DSN uma reelabora-ção do pensamento de Góes Monteiro, de fatoa ideologia da ESG estará a serviço dos mili-tares, tendo importância no desenvolvimen-to de uma linguagem comum, mediante a qualsão tematizados os problemas do país, esta-belecendo sintonia no conjunto das ForçasArmadas, em especial entre os grupos de eli-te, a fim de estruturar um projeto políticopara o país. Elas acabam estabelecendo aqui-lo que Coelho (1976) chama de “consensosobre o domínio”, “(...) ou seja, requerem aelaboração de um conjunto de expectativas,tanto para os membros da organização quan-to para os não membros com os quais elainterage(...)” (COELHO, 1976,p.153/154) eeste torna-se um trabalho permanente. Tra-ta-se de um consenso quanto ao papel dasForças Armadas na sociedade.

Todavia, entendemos que a ESG, paraalém da produção de consensos, estabeleceuma relação de produtora simbólica que sus-

tenta relações de dominação civil-militaresassimétricas no quadro da sociedade brasi-leira.

E este é o caráter ideológico da Escola Su-perior de Guerra, qual seja de mobilizar ossentidos na direção da sustentação de rela-ções de dominação entre civis e militares noquadro da transição democrática no Brasil.

Estas relações de dominação permitem aosmilitares o exercício do poder. Neste sentido,esta sustentabilidade se dá não somente inter-namente a corporação militar (pela divulga-ção da Doutrina) como extensiva ao mundocivil, procurando legitimar esta assimetria depoder, com a inclusão de civis em seus cursose quadros, como podemos ver na Tabela 1,durante o governo Geisel, por exemplo.

Observamos em números absolutos queseu alunado provém do Estado, em sua imen-sa maioria de suas instâncias superiores. Con-forme negritado abaixo, são provenientes dosministérios civis/ tribunais, dos ministériosmilitares, governos estaduais e municipais euniversidades públicas. Da sociedade, comopodemos observar o sublinhado, são parcos.Gaspari (2003) assinalou acertadamente re-ferindo-se a ESG, que o “(...) número de esta-giários sem ligação com o Estado dificilmentealcançava um terço das turmas”(p.122).

Em números absolutos temos de um totalde 649 estagiários do período, 569 proveni-entes do Estado e apenas 80 estagiários dasociedade. Em termos percentuais teríamoso equivalente a 87% de estagiários proceden-tes da estrutura estatal contra 13% da estru-tura societal.

TABELA 1 - Procedência dos Estagiários da ESG - anos 1974/1978

Ano da Turma 1974 1975 1976 1977 1978 total globalProcedência freq. freq freq. freq. freq. freq.Ministérios civis / tribunais 2 9 3 1 3 6 2 5 2 9 15 0civis/ secretariasMinistérios militares/ 5 1 5 5 6 0 5 8 6 1 28 4emfa tribunais militaresGovernos estaduais/ 6 2 1 2 1 1 5 1 2 7 6municip.parlamentoUniversidades 1 4 2 0 8 1 0 7 5 9Associação de classes/ 12 1 6 10 29empresários/ligasAvulsos 5 4 8 2 4 23Dados não informados e outros 9 5 5 9 28Total 126 136 139 125 123 649

Fonte: Adesg/R.STotal: 649

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Os recrutamentos cumprem um papel im-portante na medida em que, os estagiáriosocupam “posições chaves” no espaço social,suas capacidades de influenciar e deliberarposteriormente são muito mais potentes doque aqueles que ocupam posições inferiorese, portanto, detentores menores de capitalglobal.

Como argumenta Bourdieu (2000), na lutapela imposição da visão legítima do mundosocial, os agentes detêm um poder à propor-ção do seu capital, quer dizer, em proporçãoao reconhecimento que recebem de um gru-po” (BOURDIEU, 2000, p.145), nada melhordo que recrutar alunos “potentemente capi-talizados” ou que venham ter a perspectivade capitalizar-se. Neste sentido, a Tabela 1indica inclusive a existência de alunos deten-tores daquilo que Bourdieu chama de “capi-tal político objetivado”, ou seja, detentoresde cargos políticos no interior do Estado. Al-tos funcionários da administração pública,bem como inúmeros parlamentares freqüen-tam a ESG.

Estes estagiários da instituição serão im-portantes quadros do serviço público a en-volverem-se nas lutas simbólicas que dispu-tam a direção de políticas públicas, como amanutenção de espaços políticos para os mi-litares na transição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos arrematar este artigo pontuandocinco conclusões possíveis: Primeiro que asForças Armadas são produto do Estado, maisespecificamente do processo de modernizaçãoque este sofreu a partir do final do século XIX,em que gradativamente os militares vão ad-quirindo, através da racionalidade de variá-veis como recrutamento, socialização e orga-nização, graus de autonomia e independênciaem relação à sociedade.

Segundo, este processo desembocou naprópria estruturação de relações de domina-ção civil-militares para o efetivo exercício dopoder militar, que a partir de um Estadoneopatrimonial, que se caracterizou por umhibridismo entre estruturas modernas e tra-dicionais, acabou fortalecendo (modernizan-do) algumas instituições deste Estado, (nocaso as Forças Armadas) possibilitando um“despotismo esclarecido” diante de uma so-ciedade fraca e pouco organizada. O que por

si só explica a participação dos militares napolítica ao longo do século XX.

Terceiro, o papel “dirigista” que os mili-tares adquiriram em 1964, não pode ser com-preendido conjunturalmente, mas estrutural-mente ligado a este processo anterior de quefizemos menção, ou seja, um processoevolutivo no qual 64 é apenas um desfechode uma longa construção política em que aESG o cristaliza.

Quarto, que a ESG constitui-se como umaimportante instituição estatal no quadro daguerra fria que irá formular um projeto dos mi-litares para a sociedade. Este projeto, caracte-rizar-se-ia por ser anticomunista, antipopulista,cristão e filiado ao ocidente, significando a op-ção da Escola pelo capital. Muito embora, alia-dos ao capital internacional, os militares nãopossam ser reduzidos a agentes do capital, poisseus compromissos institucionais/corporativosos identificam mais com o Estado do que com asociedade, mais com um estamento do que comclasses sociais.

Quinto, a relação que a ESG estabelececom as relações de dominação civil-milita-res é por um lado, de institucionalização, namedida em que a instituição militar sentiunecessidade de consolidar seu poder, ou maisprecisamente institucionalizar um papel paraas Forças Armadas, resolvendo sua “crise deidentidade difusa”, devendo para tanto e demaneira bilateral, acordar sobre suas funçõescom a sociedade, como, por outro lado, legi-timar, sustentar estas relações de dominaçãoassimétricas existentes na sociedade, atravésda socialização de sua Doutrina no meio mili-tar e principalmente civil. Isto configura-seno exercício de poder por outras vias, porvias simbólicas.

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Jaime Antônio Nalin é Professor de Ciência Política no Curso de Direito da ULBRA e UNILASALLE e História Política e Social noCurso de Ciência Política da ULBRA.

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.55-69

O Papel do Estado no DiscursoTrabalhista de Alberto

Pasqualini na Era Vargas: de1945 a 1955 à Luz da Teoria

Positivista

The Role of the State on Alberto PasqualiniSpeeches and the Positivist Theory

Jaime Antônio Nalin

A filosofia da história pode resumir-se na “Lei dos Três Estados”.

O primeiro Estado: o Estado teológico ou fictício, representou o ponto de partida da

inteligência humana.

O segundo: o Estado metafísico ou abstrato, foi uma ponte de transição. O terceiro

Estado: o Estado científico ou positivo, é o estágio maduro, fixo e definitivo da

evolução racional da humanidade, o homem torna-se capaz de prever os fenômenos,

podendo agir sobre a realidade.

(COMTE, Augusto, Discurso sobre o Espírito Positivo , 1893, p. 5)

Também, em política, há uma espécie de “Lei dos Três Estados”: o primeiro Estado

é o do antropomorfismo. O homem é o centro do sistema, não a idéia. O segundo é o

das abstrações políticas, que corresponde ao Estado metafísico. O terceiro Estado é o

das soluções sociais concretas, que corresponde ao Estado positivo.

(PASQUALINI, Alberto, Bases e Sugestões, 1948, p.176.)

RESUMO

Este trabalho visa a contribuir para o entendimento da formação do pensamentohistórico–político brasileiro deste século através da carreira política e do discurso deAlberto Pasqualini. Este estudo é uma tentativa de “desvelar” a gênese filosófica dadoutrina de Alberto Pasqualini no cenário político brasileiro. Propomo-nos analisarsobre a influência da filosofia positivista no pensamento trabalhista de Pasqualini emnível de teorização política. Os resultados evidenciaram que Alberto Pasqualini afas-tou-se do positivismo clássico ou ortodoxo, como também do positivismo gaúcho

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INTRODUÇÃO

Alberto Pasqualini foi uma personalidadede destaque na história política do Rio Gran-de do Sul e do Brasil. Consolidou-se como amais importante liderança do trabalhismoregional no período de 1945/ 1954. Pasqualiniexerceu sua liderança no Rio Grande do Sul,onde o partido PTB tornou-se o partido maisforte, melhor estruturado e que teve a maiorpenetração em todo o Brasil. Notabilizado

como um grande ideólogo, teórico edoutrinador político, distinguiu-se pela suacultura, capacidade de análise sistemática dosfatos, da história das civilizações e pelo seualto valor moral.

A tese que lançamos é de que AlbertoPasqualini tinha como base de seus pressu-postos teóricos a Doutrina Positivista deAugusto Comte. O que mostra esta inter-rela-ção política -ideológica entre a doutrina tra-balhista de Pasqualini e a teoria política

Castilhista. Suas teses aproximam-se da vertente positivista política ilustrada, corres-pondente aos pensadores paulistas. Esses acreditavam que a ação governamental de-veria ser eminentemente pedagógico-cultural, a condução política far-se-ia pelo escla-recimento, via mudança de mentalidade da sociedade. Alberto Pasqualini propôs tam-bém uma ação pedagógica que determinaria as mudanças sociais. Outros princípioscomuns em ambas as doutrinas dá-se na opção pela educação científica, técnica e mo-ral. O Estado deveria agir de forma esclarecida e inteligente, formado por homens notá-veis. Eles captariam as necessidades da consciência coletiva e dariam fórmulas teóri-cas e práticas as questões suscitadas.

Palavras-chave: Alberto Pasqualini, História Política Brasileira, positivismo.

ABSTRACT

This study is an attempt to “unveil” the philosophical genesis of Alberto Pasqualini’s doctrinein the Brazilian political setting. We propose to analyze the influence of Positivistic Philosophyon Pasqualini’s laboristic reasoning at the level of political theorization. Concerning the methodof analysis, it was chosen the qualitative one. The option for the bibliographical method coveredthe survey of literature and the interpretation of the data collected from several publicationsof highly regarded authors. The work was developed in two stages. In the first chapter, weintroduce the positivistic doctrine and its historical influence on the educational, political,and cultural institutions in Brazil based on political scientists, philosophers and historians. Inthe second chapter, we make the outline of the main theoretical postulates of AlbertoPasqualini’s work, emphasizing the pedagogical, moral, and religious aspects and the scientificapproach that permeates all his reasoning. In this chapter, it is also given emphasis to theState issue and its relationship with the proletarian classes, which is always confronted, at thelevel of convergence and divergence, with the positivistic theses. The results showed thatAlberto Pasqualini deviated from the classical or orthodox positivism and the “GauchoCastilhista” positivism as well. His theses approach the illustrated political positivistic trendrelated to “paulistas” thinkers who believed the governmental action should be basicallypedagogical, cultural; the political management would be achieved through understandingvia changes in the mentality of society. Alberto Pasqualini also proposed a pedagogical actionthat would establish social changes. Other principles in common in both doctrines are theoption for the scientific, technical and moral education. As to the role of the State, it shouldact in an open and intelligent way, constituted by remarkable men who would grasp the needsof the collective consciousness and would give theoretical and practical shape to the risingquestions. Pasqualini built his theses and proposals regarding the Brazilian problems, in astage where the social symptoms were already emerging. According to him, the educationalsystem was the safest and the most effective way, capable of accomplishing social, politicaland economic reforms, overcoming the country’s underdevelopment.

Key words: Alberto Pasqualini, Brazilian Political History, positivism.

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Positivista de Augusto Comte. Defendemos ainter-relação entre a doutrina de Pasqualini ea visão do Positivismo adaptada à realidadebrasileira, o grupo de Positivistas do norte dopaís. Os Positivistas Ilustrados que seabastaram da visão positivista do sul do Bra-sil, do Castilhismo. Afirma-se de quePasqualini e os positivistas ilustrados possuí-am como base comum uma mesma visão po-lítica, econômica e social.

Delimitamos o tempo a partir do períodode maior produção intelectual e política queocorreu no ano de 1945 a 1955. Esses dadosforam contextualizados dentro da históriainterna e externa do país, dentro dos aspec-tos locais, regionais e internacionais. Cabedestacar que de 1889 a 1930, o Rio Grande doSul foi berço do Positivismo Castilhista, por-tanto Pasqualini nasceu e se criou dentro deum Estado nos quais os preceitos positivistaseram vividos na prática. A influência da ideo-logia positivista em qualquer estudo que bus-ca resgatar facetas da história no período deVargas, não pode ser deixada de lado, pois osistema de idéias positivistas apareceu fre-qüentemente justificando ou rejeitando pro-postas políticas, econômicas, educacionais,culturais e sociais dos governos do Rio Gran-de do Sul.

Entre os autores, há várias tendências deinterpretação sempre o aproximando à cor-rente Social Democrata, ao Socialismo Inglês,à Doutrina Social da Igreja Católica, ao pen-samento Socialista e de outras correntes deidéias. Como objetivo específico, pretende-se mostrar se há vinculação entre os princípi-os do Positivismo (o caráter humanista) e osprincípios do trabalhismo de Pasqualini res-saltando os principais aspectos. Partimos doponto de vista de que uma idéia e um fato po-lítico a partir de suas análises em suas múlti-plas relações são possíveis chegar ao seu va-lor e significado real, mesmo que seja a umvalor aproximado.

Os Positivistas Ilustrados enfatizavam opapel eminentemente cultural do Positivismo,esse grupo acabaria privilegiando a mudançados costumes e da mentalidade como condi-ção prévia para a reforma social. Sobre oPositivismo Ilustrado, destacamos a obra “APlataforma Política do Positivismo Ilustra-do”, de Antônio Paim, que mostra os ditamesdessa vertente. Há de distinguir de início, ostrês campos de abrangência do positivismo:o religioso, o político e o intelectual-cultural.

Embora os três encontrem apoio em AugustoComte., seus adeptos penderam para um de-les.

No presente trabalho, utilizamos comomarco teórico a História das Mentalidades e ado Imaginário, partindo do entendimentodialético entre as condições objetivas da vidae a maneira como os grupos sociais narravamos acontecimentos. Essa corrente nos dá liber-dade de organizar e confrontar os conceitosutilizados pela elite política da época, atravésde seus discursos. Entendemos por Mentali-dades, as idéias de mundo produzidas por de-terminados grupos, dominantes ou não, quefazem parte do imaginário de um determinadoperíodo histórico e que, com o passar do tem-po, perpetuam-se, tornando-se comuns a de-terminada parcela da sociedade. Já o estudodo Imaginário, mostra a existência de uma tro-ca de símbolos entre os valores culturais dosgrupos populares e os da elite intelectual, pro-porcionando uma influência mútua. O Imagi-nário é uma forma de interpretar o mundo usa-do pelos grupos sociais, que através de discur-sos simbólicos constroem uma maneira de darsentido às suas relações e à sua vida. SegundoLe Goff, Imaginário é um fenômeno coletivo,social e histórico, pois é parte integrante dasociedade, variando conforme os grupos so-ciais. Mas o autor alerta para os modismos emás interpretações do Imaginário decorren-tes de análises superficiais. Sendo assim, eledistingue também as diferenças entre Imagi-nário e Ideológico:

O ideológico é empossado por uma concep-

ção do mundo que tende a impor à repre-

sentação um sentido tão repressor do real

material como do outro real do imaginário.

Só pelo forçamento que exerce no real - obri-

gado a entrar num quadro conceptual pre-

concebido - que é o ideológico, tem um pa-

rentesco com o imaginário.1

O que Le Goff denomina de ideológico podeser também chamado de discurso, pois repre-senta as aspirações de um grupo politicamen-te dominante de organizar a sociedade. Se-gundo José Murilo de Carvalho, imaginário ediscurso se assemelham, pois são formas derepresentação da realidade. Enquanto o dis-curso trabalha com conceitos, o imaginário

1 LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: EditorialEstampa, 1994. p.12.

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utiliza imagens e símbolos, que são represen-tações que se completam.2

Através do discurso produzido porPasqualini e pela elite política de seu períodopodemos captar o imaginário, pois ao mesmotempo em que prescreve seus conceitos e pre-ceitos sociais, procura desmistificar concei-tos pré - concebidos por determinados gru-pos sociais. Procuramos levantar o imaginá-rio a partir dos discursos e matérias de jor-nais nas quais levamos sempre em conta suasespecificidades.

Os documentos que o historiador trabalha,

podem todos sem dúvida, encerrar uma

parte do imaginário. Até o mais prosaico

dos documentos pode ser comentado, quer

na forma quer no conteúdo, em termos de

i ma g i ná r i o . 3

Uma vez definido o conceito de Imaginá-rio, passamos a identificar as diferençasconceituais das diferentes vertentes com baseno Positivismo e formas discursivas que com-põem este estudo. A pesquisa baseou-se naanálise do entendimento da relação entre amentalidade Positivista que influenciou for-temente o imaginário dos grupos políticos eda sociedade, tendo em Pasqualini sua gran-de expressão.

ALBERTO PASQUALINI

Getúlio Vargas governou o Brasil durante18 anos, primeiro como ditador (1930 a 1945)e depois pelo voto popular (1951 a 1954),imprimindo marcas profundas na históriapolítica e social brasileira. No dia 24 de agos-to de 2004, relembra-se os 50 anos da mortede Vargas. O prestígio do partido PTB no RioGrande do Sul e também em nível nacionaldeveu-se ao carisma e da história política dogaúcho Getúlio Vargas, como “revolucioná-rio” da década de 30, como Chefe de Estado eda legislação trabalhista do período de 1931 a1945.Já Alberto Pasqualini ficou notabiliza-do como o grande ideólogo, teórico edoutrinador político e social do trabalhismo

brasileiro. A sua formação e sua atuação maissignificativa de Pasqualini, contextualiza- sepós- crise econômica mundial de 1929 com areconstrução e redirecionamento do sistemacapitalista. Aqui no Brasil, a crise dos anos 30significou a derrocada do modelo econômicoagro-exportador e o redirecionamento parao mercado interno, seja pela indústria ou pelapolicultura. Tratava-se de uma série de mu-danças profundas na estrutura produtiva dopaís, que implicaria em reformas e de novasformas de articulação entre o capital e traba-lho. O governo estabelecido no período nadécada de 30 concebia-se como tarefas ime-diatas evitar a estagnação, ou seja, minimizaros efeitos negativos da crise mundial. Ointervencionismo deve ser entendido nessecontexto e que se reflete diretamente nas re-lações entre estado e economia. Neste senti-do, o intervencionismo estatal marcou pro-fundamente o desenvolvimento capitalista doBrasil, também devido à história política dopaís com uma forte herança positivista.

O contexto político da formação,teorização e atuação de Alberto Pasqualini sedá na era de Vargas, certamente o principalpersonagem da vida nacional brasileira detodo o período de 1930 a 1954. Vargas queexerceu a chefia executiva federal por maisde duas décadas. Um governante que se con-fundiu com o próprio Estado. Dos três gran-des partidos políticos do período pós- 1945,dois foram criados por ele e o outro, apesarde oposição, mas que não deixava de ser umadas criações, de forma diversa do próprioVargas. A maior parte do período da “Primei-ra República’ até 1926, Vargas filiava-se comoparlamentar estadual e federal ao Positivismoe comportava-se como políticosituacionista”. Esse fato não pode ser negli-genciado. Percebeu-se que houve a tentativade aplicação das idéias de Comte à realidadeRiograndense. Procurou-se analisar a manei-ra como as idéias foram usadas no contextopolítico, cultural e social do Rio Grande doSul. Idéias que serviram para legitimar as re-lações de poder entre os membros do gover-no e legitimar as relações entre os governantese os governados.

Alberto Pasqualini foi muito pouco estu-dado. Na bibliografia levantada, somam-sepoucas obras ao seu respeito. Normalmenteé agraciado pelos políticos atuais que elabo-ram coletâneas sobre sua produção intelec-tual, como é o caso da obra em quatro volu-mes “Alberto Pasqualini. Obra Social e Políti-

2 CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imagi-nário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,1993, p.3.3 LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: EditorialEstampa, 1994, p.13.

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ca”, organizada pelo Senador Pedro Simon,em 1994. Nela foram reunidos, em cinco vo-lumes, os discursos, entrevistas e artigos pu-blicados no Jornal Correio do Povo4. P. Simon(1994) é um dos autores que, através de vá-rias iniciativas, busca difundir as propostasde Alberto Pasqualini. Também na obra “Re-lendo Alberto Pasqualini”, o autor mencio-nado, sintetiza os dados biográficos, a traje-tória política de Pasqualini e também desta-ca os principais fatos referentes à atuaçãodo líder gaúcho, mas não documentando-os,sem aprofundá-los no contexto regional, na-cional e internacional e sem interpretá-los.Na mesma linha, segue a obra “OTrabalhismo de Pasqualini”, organizada porMilton Dutra que juntou grandes números deartigos de Alberto Pasqualini publicados emjornais diários: Correio do Povo e Diário deNotícias. A obra “Bases e Sugestões- parauma Política Social” de Alberto Pasqualini,reedição comemorativa lançada pela prefei-tura de Ivorá, onde se encontra o Museu-casadele e pela Universidade de Santa Maria, é amais completa. Miguel Bodea, na obra“Trabalhismo e Populismo no Rio Grande doSul”, traz uma grande contribuição para onosso estudo , pois trata da formação e evo-lução do PTB no Brasil e no Rio Grande doSul, nos anos de 1945 a 1954. Como preten-demos provar a influência Positivista na pro-dução de Pasqualini, trabalharemos com aprodução intelectual de Augusto Comte e deseus seguidores no Brasil que formaram odenominado Positivismo Ilustrado, tendên-cia integrada por homens como Luís PereiraBarreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Aarão Reis(1853-1936) E contemporaneamente, IvanLins (1904-1975).

Getúlio Vargas, durante sua atuação naRepública Velha, foi decisivamente influen-ciado pelo Positivismo. Júlio de Castilhos foium dos mais ferrenhos defensores doPositivismo no Rio Grande do Sul e foi a mai-or autoridade doutrinária no partido do PRR.Vargas reconhecia que Castilhos foi um doshomens que mais o influenciou politicamen-te. O apoio integral e intransigente às deci-sões governamentais sempre acompanhou

Vargas durante a República Velha. Duranteesse período, a influência do Positivismo nãosomente aparecem na política, como tambémna área econômica, cultural, jurídica, educa-cional e social.

Nos últimos anos da primeira república,notam-se em Vargas mudanças em seus posi-cionamentos quando assume como governa-dor do Estado do Rio Grande do Sul. Acarre-tou a substituição no seio da classe dominan-te, do núcleo oligárquico tradicional. Vargas“combate” os privilégios do modelo anterior.Avança nos compromissos da industrializa-ção e em levar adiante a nova regularizaçãoda legislação trabalhista. É possível afirmarque com a revolução de 30 inaugurou-se umanova fase na história política do Brasil, o novodesenvolvimento capitalista.

Pasqualini é uma das personalidades dedestaque na história política do Rio Grandedo Sul e do Brasil; polêmico até hoje, distin-guia-se no meio intelectualizado pelas suasidéias, pela sua cultura universal, pela capa-cidade de análise sistemática dos fatos, dahistória das civilizações e pelo seu valormoral retratado nas suas práticas políticas,nas suas obras, nos seus discursos e pelosartigos jornalísticos publicados. Pasqualinipossuía uma sólida formação humanista e co-nhecimentos interdisciplinares nas áreas daEconomia, Filosofia, Ciências Políticas, His-tória, Sociologia, Pedagogia, Teologia e ou-tras.

Embora na historiografia brasileira, os es-tudiosos geralmente se referem aotrabalhismo do período já mencionado de for-ma tangencial, aparecendo o pensamento deAlberto Pasqualini como secundário, onde seressalta mais a personalidade, a força e o po-der de Getúlio Vargas. Nesse sentido, tambémse torna importante aprofundar neste estudoas possíveis relações entre as duas liderançastrabalhistas no que concerne a possíveis com-ponentes divergentes e convergentes no cam-po das idéias e das práticas políticas. Tam-bém torna-se necessário reler a história dotrabalhismo brasileiro através das relaçõescomplexas entre as diversas categorias quese inter-relacionam. Visa-se, neste trabalho,por meio da análise principalmente de seusdiscursos de Alberto Pasqualini, a contribuirpara o entendimento da formação históricodo pensamento político brasileiro, principal-mente as raízes da tradição trabalhista no RioGrande do Sul.

4 Jornal fundado em 1o. De Outubro de 1895, Órgão Líder na Com-panhia Jornalística Caldas Júnior, Fundada por Francisco An-tônio Vieira Caldas Júnior, foi um dos mais tradicionais e im-portantes Jornais do Rio Grande do Sul. Hoje a direção do Jor-nal e da Companhia está nas mãos do empresário Renato BastosRibeiro.

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A INDUSTRIALIZAÇÃO E OTRABALHISMO BRASILEIRO

A industrialização no Brasil foi tardia. O Bra-sil pode ser caracterizado, até o Império, comouma sociedade nitidamente agrária cuja baseeconômica centrava-se no latifúndio e no tra-balho escravo. No início do período republi-cano, o café apresentou grande dinamismo,utilizando mão- de- obra assalariada e, em gran-de parte, imigrante. Esses indicadores ajudama evidenciar a significativa transformação porque passou o Brasil ao longo de algumas déca-das. Mudanças profundas de uma sociedadeagrária para uma sociedade urbana, de agro-exportadora para industrial, do trabalho es-cravo para o trabalho assalariado. Mudançasque se verificaram não apenas no econômico,mas também no político, no social, tecnológi-co, no ideológico. Embora as mudanças inici-assem na República Velha, foi a partir de 1930que as mudanças se deram com maior intensi-dade e profundidade.

A origem do trabalhismo no Brasil é re-cente. Surge como fruto da política trabalhis-ta centralizadora do Estado Novo (1937-1946), que instituiu em 1937 uma Carta Cons-titucional baseada na Carta Del Lavoro, da Itá-lia fascista, na qual adotava o princípio daunidade sindical e a ilegalidade das greves.Em 1939 o governo organizou a Justiça doTrabalho. Em 1943 ocorreu a ampliação e sis-tematização das leis trabalhistas através daConsolidação das Leis do Trabalho (CLT). Du-rante o período do Estado Novo a política tra-balhista foi marcada pelo caráter paternalistade Getúlio Vargas, o que resultou na constru-ção da imagem de “pai dos pobres” e “prote-tor dos trabalhadores”. O recurso utilizadopara difundir esta imagem de Vargas era atra-vés das cerimônias realizadas a partir do anode 1939, em comemoração do dia do traba-lho, 1º. De maio. As comemorações eram noestádio de São Januário, no Rio de Janeiro,no qual se reuniam grandes massas de operá-rios e o público em geral. Nas cerimônias Ge-túlio Vargas proferia seus famosos discursose anunciava as medidas de alcance trabalhis-ta e social. Em 1944 as comemorações se des-locam para o estádio do Pacaembu, em SãoPaulo.

No entanto, é a partir de 1945 que otrabalhismo brasileiro adquire uma nova ên-fase, uma nova conotação, importância e ex-pansão. Em 15 de maio de 1945, com base no

movimento queremista e com forte inspira-ção no trabalhismo britânico, Getúlio Vargasfundou o Partido trabalhista Brasileiro (PTB).Um partido de massa, voltado para os traba-lhadores. O Partido Trabalhista Brasileiro, noperíodo, constituiu-se na primeiraagremiação trabalhista legal, organizada,intelectualizada e popular no Brasil. Nessecontexto, destacou-se como grande mentore líder intelectual a figura de AlbertoPasqualini. Tanto Vargas quanto Pasqualinidesenvolveram uma concepção diferente paraum partido de massas. A própria figura e lide-rança de Pasqualini são impensáveis fora des-sa concepção de partido, a sua trajetória notrabalhismo é essencialmente partidária. Dopartido PTB é que advém o seu reconhecimen-to como teórico e doutrinador junto aos qua-dros partidários, sendo considerado o políti-co mais intelectual e bem equipado na orga-nização trabalhista. No partido PTB é que seunome é consolidado e também como lideran-ça junto às massas populares.

Alberto Pasqualini destacou-se no cená-rio político pelo reconhecimento de suas idéi-as e pela aguda percepção dos problemas so-ciais e econômicos do Brasil. O desenvolvi-mento industrial e o crescimento da classeoperária, durante as décadas de 1940- 1950,bem como a extensão do sufrágio, impunhama utilização de novas táticas políticas e denovas soluções correspondendo a nova rea-lidade contextual.

O CIENTIFICISMO ESTATAL DEPASQUALINI

Alberto Pasqualini estudou as diversasdoutrinas e as diversas correntes teóricaseconômicas. Ao analisar a questão do Estadocomo entidade institucional, oscilamos emduas abordagens: uma em que se constituemas características da liberdade pessoal, polí-tica e econômica, e a outra em que o Estado écomo força maior, que intervém na vida soci-al. Comte defendia um regime político forte eestável capaz de impulsionar, dirigir e guiar aprodução da riqueza. O apelo era para que oexecutivo fosse forte e intervencionista. Asociedade deveria se submeter obediente-mente à liderança jurídica e moral. A idéia derepresentação política não tinha sentido, aescolha dos sucessores se dava por indica-ção. O papel de autoridade e a sua responsa-

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bilidade era o sustentáculo do novo governo:“o governo temporal estão não apenas no di-reito, mas ainda no dever de prevenir e até dereprimir”.5 Uma boa parte dos teóricos doPositivismo Ilustrado privilegiava o fortale-cimento do executivo, pois o mesmo desem-penharia uma função moderadora no sentidode evitar que os interesses particulares se so-brepusessem aos coletivos. No Estado, da-vam-se os direitos e garantias individuais esociais, por isso o governo necessitava dosconhecimentos científicos em nível de políti-ca e de competência prática. Inseridos na re-alidade brasileira, eles inovaram também naaceitação do governo representativo e vin-cularam-se ao liberalismo.6

Quanto ao conceito de Estado, AlbertoPasqualini, na sua obra “Bases e Sugestõespara uma Política Social”, considerava-o numsentido genérico: “a união, Estado ou municí-pio, praticamente é a pessoa de direito públi-co investida da função de legislar na esfera desua jurisdição e competência”.7 O mesmo ca-racteriza-se pela função social ampla, numprimeiro momento, pelo papel de educadorda nação e protetor dos marginalizados:

Servir ao homem desde o nascimento, pro-

porcionar-lhe os meios de desenvolver a per-

sonalidade e capacidade, garantir seu aper-

feiçoamento e aproveitamento e promover

sua defesa contra os riscos do infortúnio e

da miséria - são sem dúvida, os fins

precípuos do Estado moderno.8

Desenvolveu os principais pontos em queconsistiam suas propostas, dentro da pers-pectiva de regeneração da sociedade. Recu-perar a sociedade era o papel do Estado, nosentido de propiciar um programa de recu-peração social e de soerguimento nacional,que deveria incluir dois pontos fundamentais:o combate à doença, à mortalidade infantil, àdesnutrição, ao analfabetismo, ao desconfor-to; a reforma agrária, pelo desenvolvimentoda pequena propriedade, que era o fator deestabilidade econômica e social; a assistênciasocial; a técnica educacional ao trabalhadorrural e ao pequeno agricultor; as instalações

de colônias agrícolas e as organizações ruraisatravés do cooperativismo.9 Percebe-se queo papel do Estado seria também de criar ascondições materiais de vida. O Estado deve-ria oferecer essas garantias e o mesmo deve-ria efetivá-las.

Em 14 de setembro de 1943, Pasqualinitomou posse como Secretário do Interior eJustiça do governo de Ernesto Dorneles. Foiuma passagem rápida, pois solicitou demis-são em caráter irrevogável, em 23 de julho de1944. Em 1943, ao empossar-se, afirmou:

As leis hão de ser rigorosamente cumpridas

e não haverá interpretações diferentes (...)

O interesse público há de ser o supremo guia

e o único critério do governo e não influirão

nos seus conselhos e nas suas decisões, em-

penhos ou conveniências que lhe sejam es-

tranhos. [...] O governo é um órgão e um

instrumento da coletividade. Sua função é

traduzir, em ordens e determinações con-

cretas, as necessidades e as aspirações do

povo. [...] Através dos órgãos de expressão e

da opinião dos cidadãos honrados e patrio-

tas, os seus sentimentos, os seus desejos e as

suas necessidades.10

O discurso de posse foi de um democrata,em pleno regime intervencionista ditatorialde Vargas. A administração pública era cen-tralizada e gerida por interventores e nessecontexto Pasqualini era secretário de uminterventor. O atributo moral do governante,do Estado, segundo Pasqualini, caracteriza-va-se pela função social, o bem comum dizque a função precípua do Estado deve ser hojea realização da justiça social, comocomumente se admite, traduzindo-se por umaeqüitativa distribuição da riqueza; isso signi-fica que, garantindo um mínimo fundamen-tal, a participação de cada um no produto so-cial deve estar em relação ao valor social deseu trabalho, isto é, ao grau de sua contribui-ção para a produção desses bens e para o bemestar geral. Afirma Pasqualini que essa é a es-sência do trabalhismo.11 Ele entende que o Es-tado possui por essência a democratização, a

5 COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo. Tradu-ção de Renato Pereira. Porto Alegre: Globo, 1976, p.109.6 PAIN, Antônio. Plataforma Política do Positivismo Ilustrado.Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, p.4.7 PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma PolíticaSocial. Porto Alegre: Globo, 1948. p.148.8 Idem, ibidem.

9 MARGINAIS e Colônias Agrícolas. Correio do Povo, Porto Ale-gre, 27 ago. 1944; Defesa do colono. Correio do Povo, Porto Alegre,28 abr. 1945.10 ASSUMIU ontem o novo Secretário do Interior. Correio do Povo,Porto Alegre, 15 set. 1943. p.8.11 Idem, ibidem.

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socialização dos bens e a defesa das nações.“O governo dever proteger o povo contra to-das as formas de exploração”.12 Além do ele-mento moral e da condição cultural, intelec-tual de um governante, fundamentados naracionalidade, faz-se mister: “ciência, técni-ca e sistema”13. O governo deveria possuir opreparo necessário para a condução dos des-tinos do povo. Em discurso pronunciado nasessão de encerramento da convenção doPTB-RS:

Não devemos esquecer que o povo, de um

modo geral, tem apenas os conhecimentos

da finalidade, que é uma expressão e uma

síntese de suas necessidades. A forma de

realizá-la‚ uma questão de ciência e de téc-

nica (...) O Estado (...) É um mecanismo de-

masiadamente complexo para que possa ser

racionalmente conduzido pela ignorância e

pela incultura.14

Todo governante deveria ter os esclareci-mentos racionais necessários para equilibrara natureza do Estado intervencionista paracom os fins sociais. Dele se exigem conheci-mentos técnicos, científicos. Deve adequarracionalmente os meios aos fins. Conclui-sedaí, a influência do paradigma grego no pen-sar em todo o ocidente e que é retomado naidade moderna pelos pensadores, principal-mente a partir de Descartes e Kant que influ-enciaram uma boa parte das correntes filosó-ficas, repercutindo em teorias sociais, políti-cas, econômicas e pedagógicas: de que pelarazão o homem é capaz de construir o seu pró-prio destino e da sua coletividade. O homemcria o seu próprio universo científico e, a par-tir do esclarecimento, pauta suas ações. Asregras imanentes do funcionamento da men-te se definem como epistemologia e adquireuma função metafísica de garantir os pressu-postos do conhecimento e da moralidade. Ohomem conhece o mundo ao transformá-lopelos instrumentos materiais ou conceituaisque elabora. Um paradigma que eleva as ci-ências ao patamar de destaque e sobreposiçãosobre as demais formas de conhecimento.Comte é herdeiro do paradigma moderno darazão individual é crente na lógica da funcio-nalidade, da ciência em suma da

racionalidade. Como vimos no tema desen-volvido, referente ao cientificismo emPasqualini, a educação “racional” era a basetambém para os governantes que pretendi-am chegar ao poder ou mesmo se manter, re-alizando o seu fim.Somente este poder teóri-co era capaz de consagrar os governantes ede proteger os governados.15

Pasqualini vai além quanto à valoração docaráter científico no Estado. Na citação abai-xo, para expressar a função do Estado, relaci-onou a estrutura política, social, econômicacom organismos vivos (ciências biológicas):

Cumpre que todos se compenetrem de que

no organismo social e econômico deve exis-

tir solidariedade, equilíbrio e harmonia”.

Se no organismo humano os braços come-

çassem a crescer à custa das pernas, em

breve o corpo não se sustentaria mais de pé,

então, de que adiantariam aos braços se te-

rem desenvolvido tanto? O necessário, pois

é que haja um sistema central de distribui-

ção. No organismo social, esse sistema é o

Estado.16

Nesse mesmo sentido, a filosofia social epolítica positivista também se aproximavamdas ciências da natureza. Buscava-se elabo-rar conceitos ou explicações à luz das ciênci-as naturais, procurando chegar à mesma ob-jetividade e êxito para a sociedade, para asquestões sociais e políticas. A própria socie-dade foi concebida como um organismo cons-tituído de partes integradas e coesas que fun-cionavam harmoniosamente. Os positivistasforam conhecidos também como pensadores“organicistas” justamente pelas analogias queestabeleceram. Baseavam-se, em suma, naassimilação e organização das sociedades àorganização e funcionamento dos organismosvivos. Pasqualini, em inúmeras citações, bus-cou o estabelecimento de conceitos unitáriosa respeito dos fenômenos sociais para a difu-são da doutrina trabalhista que é uma análiseessencialmente positivista-organicista:

O Estado é a integração desses processos e

12 Idem, ibidem.13 Idem, ibidem.14 ASSUMIU ontem o novo Secretário do Interior. Correio do Povo,Porto Alegre, 15 set. 1943. p.8.

15 PASQUALINI, Alberto. ESSÊNCIA do Trabalhismo. Diário deNotícias, Porto Alegre 28 fev. 1950; PASQUALINI, Alberto. Ba-ses e Sugestões para uma Política Social. Porto Alegre: Globo,1948., p.83 a 90.16 ______. “Governos e Partidos”. In: Dutra, Milton. O Trabalhismode Pasqualini. Porto Alegre: Intermédio, 1986, p. 40.

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está para a coletividade como o sistema ner-

voso para os seres animados. Ele deve, por-

tanto, ser estruturado de tal forma que per-

mita a pronta e rápida percepção das neces-

sidades de todas as partes do organismo so-

cial e assegure a rapidez das reações especí-

ficas destinadas a satisfazê-lo. O Estado é es-

sencialmente um órgão de ajustamento e

equilíbrio social. 17

Além da característica do “organicismo”presente na citação anterior, o Estado eraapresentado como o “cérebro” do equilíbriohumano. Ele, segundo Pasqualini, era o “ór-gão de ajustamento” do corpo social. Emnome da sua função social, ele poderia utili-zar os meios adequados para alcançar seusobjetivos. Na introdução, mencionou-se quepara o Positivismo, o autoritarismo possuíacomo direito e também como dever prevenire, se fosse necessário, até reprimir em nomedos interesses coletivos. Para justificar oautoritarismo, apela para uma fundamenta-ção moral: “Estado autoritário não significa,pois, arbítrio governamental, mas uma mai-or sensibilidade e uma maior rectibilidade noajustamento contínuo dos interesses indivi-duais aos interesses coletivos”. Nesse aspec-to, justifica-se o autoritarismo quando o Es-tado é ativo no “ajustamento de interessesdivergentes”18.

Pasqualini, opondo-se aos positivistas clás-sicos quanto ao regime sucessório, aproxima-va-se dos positivistas ilustrados, pois o princí-pio do governo representativo é o único regi-me que possui as fórmulas políticas de estrutu-ração e mecanização do Estado. Outra posiçãoera a postura da aceitação do sistema de inicia-tiva privada; logo, da propriedade privada, istoé do regime capitalista. Como os PositivistasIlustrados, que, em boa parte, vincularam-seàs teses liberais e não deixaram de realizar se-veras críticas aos abusos do sistema, Pasqualinitambém se manifestava: “O mal não está em quehaja iniciativa privada, o mal está em que essainiciativa seja conduzida num sentido egoísta eindividualista, em explorar o povo, ao invés deser dirigida para o bem coletivo”.19

Ele não apenas fez críticas, apontando fa-lhas, mas apresentou uma “nova” propostadentro do próprio sistema capitalista:

Se é conveniente que se mantenha, em seus

delineamentos gerais, a estrutura do regi-

me capitalista, isso não significa que seja

qualquer tipo de capitalismo que o

trabalhismo possa admitir e defender. Em

primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não

poder solidarizar-se com o capitalismo de ca-

ráter individualista e parasitário; em se-

gundo lugar, há certas atividades e empre-

endimentos, certas riquezas e certas formas

de poder econômico que devem ser sociali-

zados.20

O problema, segundo ele, não residia nopressuposto da existência da lei da proprie-dade privada, pois era um direito natural. Nãodeveria ser suprimida, mas limitada.Pasqualini defende que o melhor sistema é osistema capitalista, logo, o princípio da pro-priedade privada como o da livre iniciativa énatural. A base desse pensar se encontra nagênese do próprio liberalismo, a partir dasteses dos contratualistas em Hobbes, e Locke:os homens no Estado de natureza eram livres,possuíam a propriedade privada e reinava oegoísmo o direito de propriedade privada se-ria um direito natural, o que se distinguiriaera o uso que dele se faria. Tanto ao tratar aos”atributos dos governantes” quanto ao “po-der do Estado” percebe-se que princípios doliberalismo se mesclam com idéias socialis-tas. Idéias como propriedade privada, livreiniciativa, representação, liberdade de ex-pressão, entre outras. Mas, também, estãopresentes idéias de uma distribuição eqüita-tiva das riquezas, um Estado intervencionistanas iniciativas privadas. Ele conclui na obrabases e sugestões que o regime ideal para ele,seria aquele onde fosse possível conciliar amáxima liberdade política com o máximo dedistribuição das riquezas; mas esta última ca-racterística só seria possível mediante a in-tervenção do Estado no domínio econômico.O Estado proposto por Pasqualini vem apro-ximar-se do Estado social democrático umavez que preconiza não a extinção da proprie-dade privada, mas sim que ela se torne aces-sível a toda a população. Sua intenção é criar

17 REPERCUTE intensamente, dentro e fora do Rio Grande, odiscurso-plataforma do candidato do PTB. Correio do Povo, Por-to Alegre, 26 nov. 1946, p.3.18 PASQUALINI, Alberto. Inflação e Estabilidade Social. Cor-reio do Povo, Porto Alegre, 23 de setembro de 1950, p.4 e 9.19 ______. Bases e Sugestões para uma Política Social. PortoAlegre: Globo, 1948. p.90 a 93 e 139 a 155. 20 Idem, ibidem, p.57.

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um Estado ideal aproveitando os aspectospositivos do capitalismo e do comunismo e,ao mesmo tempo, eliminando seus efeitosnegativos21.

A base da teoria que iria nortear as mu-danças é através de um processo pedagógico,concentrava-se nos aspectos morais, na ci-ência, no papel da autoridade e no Estado. Asclasses dos marginalizados deveriam ser in-corporadas à sociedade de forma lenta, gra-dual e pacífica. Nessa perspectiva, o agentedas mudanças era o próprio Estado. Cabia,portanto, a ele a função de realizar as grandesreformas, impulsionando, guiando e dirigin-do-as. Segundo essa orientação, a sociedadealcançaria o progresso moral e material noBrasil.

O ESTADO INTERVENCIONISTA

Abordando sempre em seus discursos osproblemas fundamentais da realidade brasi-leira, Alberto Pasqualini propõe soluções ba-seadas na doutrina trabalhista à qual se filiarae dera embasamento. Em síntese, o Estadodeve ser forte o suficiente para impor solu-ções para o bem da coletividade. O governo éo instrumento da coletividade, toda vez quese afastar de sua função poderá ser criticadopor seus erros e abusos. Ao tratar da “essên-cia do trabalhismo”, ao referir-se ao papel doEstado afirmava: “Há tarefas que cabem so-mente ao Estado e outras ao indivíduo (cida-dão). Os objetivos da justiça social se alcan-çarão pela ordem e pelo mecanismo jurídicoconstitucional, através dos poderes do Esta-do”.22 Para Alberto Pasqualini, o Estado seriao mediador entre a liberdade individual e aliberdade social. Através dos “meios legais”(dos mecanismos jurídicos constitucionais),o Estado deveria intervir na sociedade. EmCaxias do Sul, ao desenvolver filosoficamen-te os vários sistemas políticos, ele reafirmavacom muita objetividade e clareza a necessi-dade de um Estado forte para regular as rela-ções sociais e econômicas:

Para coibir o abuso do poder econômico, os

açambarcamentos, os trustes, os cartéis, os

monopólios e todas as manobras que visam

tão somente à exploração do povo, proporci-

onando alguns lucros fabulosos”. O Estado

deve também intervir para regular as re-

lações de trabalho, para assegurar todas as

garantias ao trabalhador.23

Fica claro que o trabalhismo não defendiaapenas a intervenção na sociedade no campodas relações de trabalho, mas uma ampla in-tervenção do Estado na economia: “o poderpúblico deve intervir no mecanismo econô-mico, não para desorganizar a economia, maspara orientá-lo, para substituir as puras forçasdo acaso pela racionalização” “Deve enfim in-tervir para que se realize, em toda a sua pleni-tude, a justiça social”24. No entender dePasqualini, o Estado representava o órgãomáximo de defesa, proteção e implementaçãode medidas sociais com um caráter essencial-mente moral. “O objetivo da intervenção doEstado no campo econômico: substituir oirracionalismo pelo racionalismo, o injustopelo justo, a desordem pela harmonia”25.

Ao tratar do intervencionismo estatal naeconomia dentro do regime capitalista da pro-priedade privada e da livre iniciativa, deter-minou que entre o Estado e o indivíduo e vice-versa, haveria um papel moral que caberia aambos: o ideal da solidariedade comonorteador das ações e do bem-estar social26.Pasqualini acreditava e defendia que deverí-amos continuar no sistema capitalista, não ode caráter “individualista e parasitário”, masnum programa de reformas no próprio siste-ma, socializando determinadas funções ame-nizando o através do “solidarismo”. Impor-tante destacar a realidade brasileira do pe-ríodo da era de Vargas em que a industrializa-ção já produzia seus resultados com o agra-vamento na área social e o processo de con-centração de rendas nas mãos de uns poucos.

Quanto à idéia de um Estadointervencionista, já no Positivismo clássico,Augusto Comte preconizava um regime fortee estável27. No Positivismo Ilustrado à brasi-leira, Aarão Reis e Pedro Lessa defenderam aintervenção do Estado na economia para me-

21 Idem, ibidem, p.83.22 ______. Pronunciado no Conselho Administrativo do Estado.Correio do Povo, Porto Alegre, 17 nov. 1940.

23 Idem, ibidem.24 ______. Bases e Sugestões para uma Política Social. Ed. Glo-bo, Porto Alegre, 1948, p.57.25 ______. Conferência proferida em Caxias do Sul, 08/09/50.Diário de Notícias de 14/09/1950, p.7.26 ______. Bases e Sugestões para uma Política Social. PortoAlegre: Ed. Globo, 1948, p.193.27 COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo. Traduçãode Renato Pereira. Porto Alegre, 1976, p.109.

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lhor distribuir as riquezas. Lessa, sendo umpositivista ilustrado, também defendia a exis-tência da iniciativa privada e do papel do Es-tado na economia para melhor impulsionar,dirigir, guiar e distribuir a riqueza. Pasqualini,na obra “Bases e Sugestões para uma PolíticaSocial” (p. 233 a 241), demonstra que aceita-va a iniciativa privada, mas “orientada” numsentido de utilidade social, como segue “Paraisso, dispõe o Estado de meios diretos e indi-retos. A maior arma que o Estado pode usar éo crédito”28. Como sabemos, o crédito é a almada economia moderna. Eis por que deveria oEstado (entre nós, a união), através de tribu-tações específicas e da redução drástica detodas as despesas improdutivas e desneces-sárias, constituir um fundo monetário paraser invertido em empreendimentos de neces-sidade e de utilidade social29. Ele defendia oprincípio da propriedade privada, conside-rava também que o Estado deveria oferecercapitais para estimular a economia e o traba-lho, eliminando assim os obstáculos e coibin-do os abusos. Portanto, em ambos há posi-ções comuns no que concerne ao projeto dedesenvolvimento nacional, de reformas so-ciais30. Outro aspecto comum foi a fundamen-tação “moral” de cooperação, solidariedade,bem social, que era a essência moral dotrabalhismo de Pasqualini. Lessa tambémpriorizou os ideais morais e enumerava-ospara a sociedade. Segundo ele, tais idéias eramviver como um homem digno, patriota, res-peitando as leis; respeito, unidade e discipli-na para com as autoridades constituídas, evi-tando o egoísmo, a concorrência desregrada;ir contra os interesses da ganância individu-al, elevando os interesses da coletividade31.

A busca da “justiça social” relacionava-secom a idéia da atuação do Estado como a for-ça articuladora que levaria a integração har-mônica das classes. Comte assegurava que erapossível conciliar as necessidades da paz so-cial com as de liberdade32. Aarão Reis consta-tava a plena vinculação de suas teses: inter-venção econômica, fortalecimento do execu-tivo com o liberalismo econômico, governo

representativo, a propriedade e a iniciativaprivada33. Pasqualini também buscava na suadoutrina política, unir intervenção estatal eliberdade privada:

Há certas formas de riquezas, certas ativi-

dades e empreendimentos, certas formas,

portanto, de “capital”, cuja propriedade e

exploração o Estado reserva para si, mesmo

nos regimes capitalistas. Há, pois é uma so-

cialização parcial, como existe, aliás, em

nosso país. O grau dessa “socialização” pode

ser maior ou menor, conforme as conveni-

ências e os interesses nacionais, que repre-

sentam sempre o supremo critério dessa so-

cialização (...) Essas riquezas, que não foram

criadas pelas mãos do homem (...) Devem

ser exploradas tendo unicamente em vista

o interesse da coletividade e não do lucro

privado. Além disso, como sabemos, envol-

vem elas um grande poder econômico, ra-

zão pela qual não devem ficar sob o controle

de grupos econômicos, mas sob o controle do

Estado.34

“[...] é preferível que a fábrica seja dirigida

pela iniciativa privada, colocando, porém,

o Estado como árbitro, a fim de que a em-

presa cumpra a sua função social e a fábri-

ca não seja explorada apenas em proveito

individual. [...] O que o trabalhismo pre-

tende é a utilidade social”.35

Para o Positivismo Ilustrado no que se re-fere ao intervencionismo estatal na iniciativaprivada, Alberto Sales entendia que, haviauma luta entre conservar os interesses gerais,coletivos, com os interesses egoístas particu-lares. O equilíbrio se concretizaria no podergovernamental, pois “o Estado possuía umafunção moderadora”, evitando que os inte-resses particulares se sobrepujassem aos in-teresses gerais36.

Alberto Pasqualini procurou demonstrarque com certas riquezas, atividades e empre-endimentos, cuja propriedade e exploraçãoo Estado reservava para si, seria possível a

28 PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma PolíticaSocial. Porto Alegre: Ed. Globo, 1948, p.233 a 241.29 Idem, ibidem, p.59.30 PAIN, Antônio. Plataforma Política do Positivismo Ilustrado.Brasília: Editora da Universidade.31 PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma PolíticaSocial. Porto Alegre: Ed. Globo, 1948, p.59.32 COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo. Traduçãode Renato Pereira. Porto Alegre: Globo, 1976, p.67 a 73.

33 PAIN, Antônio. Plataforma Política do Positivismo Ilustrado.Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, p.141 a 160.34 PASQUALINI, Alberto. A essência do trabalhismo. Diário deNotícias, Porto Alegre, 28 de fevereiro de 1950, p.2.35 ______. Conferência Proferida em Caxias do Sul em 08/09/50, Diário de Notícias, Porto Alegre, 14 ago. 1950.36 PAIN, Antônio. Plataforma Política do Positivismo Ilustrado.Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, p.46 a 61.

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convivência, mesmo no regime capitalista. Eleatacava o capitalismo individualista que bus-cava a concentração de renda, “o monopó-lio”, que explorava a população. Ele comba-tia o capitalismo selvagem, “egoísta e agres-sivo” e propunha o capitalismo solidarista. Asua pregação tinha um sentido-educacionalporque acreditava que as transformações dasociedade, a reformulação do sistema econô-mico, passava, necessariamente, pela mudan-ça do homem tendo por base a ética37.

No “Estado Novo” sob a égide docorporativismo, Vargas abraçou de novo avisão desenvolvimentista e a industrialização,aprofundando a intervenção estatal na eco-nomia, principalmente a partir de 1943, pe-ríodo de maior atuação política de Pasqualini,Vargas dá início a uma política de aproxima-ção com a classe trabalhadora do meio urba-no e com os sindicatos. Pasqualini, durante oEstado Novo realiza críticas e faz oposição,mesmo sendo um secretário de Estado. Noperíodo de 1944 a 1947, as relações entreVargas e Pasqualini tornam-se conflituosas oude total apatia política, a trajetória dePasqualini no trabalhismo é essencialmentepartidária, iniciou sua reputação comodoutrinador no PTB e se torna conhecido nasmassas populares com sua candidatura aogoverno do Estado do Rio Grande do Sul nes-se período. Já nas eleições de 1950, Pasqualinienaltece as conquistas e as medidas imple-mentadas por Getúlio Vargas, não questionan-do o caráter autoritário e corporativo da le-gislação social, da subordinação dos sindica-tos ao Estado. Os conflitos pareciam estar su-perados e os projetos políticos, econômicose sociais se interagem e se complementamnum único objetivo, é um período deintegração de todas as forças, a do partidomajoritário no Estado do Grande do Sul, o PTB,o carisma, a tradição no imaginário coletivode Vargas e o projeto político de Pasqualini.

Alberto Pasqualini coaduna suas teses coma maioria dos teóricos positivistas ilustradosbrasileiros quanto à via pedagógica, moral,religiosa, cientificista e estatal. Difere, porém,da tese de Aarão Reis quanto ao sistema polí-tico. Acredita na ascensão natural da socie-dade ao regime socialista; mas quanto aosprincípios dos sistemas, esses são comuns emambos. Afastam-se não nas características

essenciais dos mesmos, mas apenas a nível dedesignações terminológicas. As idéias de pro-gresso, a partir da postura de que o homemno mundo seria um sujeito racional, ativo so-bre a natureza, criou uma mentalidade queinfluenciou decisivamente na estrutura dasociedade atual. A vida submeter-se-ia aosditames do homem “esclarecido”. Um pata-mar amplo para o progresso se formou quan-do grupos econômicos, investindo nas ativi-dades científicas, fizeram surgir a revoluçãoindustrial. O trabalho humano passou a servisto capaz de transformar a matéria brutaem produtos com valor de mercado. A revo-lução industrial introduziu inovações técni-cas e, com a aceleração do processo, houve aseparação social entre os trabalhadores e osdonos dos capitais, entre os que detinham opoder da propriedade privada, dos meios deprodução e dos resultados dos trabalhos. Apartir daí deu-se a desigualdade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alberto Pasqualini soube aliar pensamen-to e ação política, com a produção intelectualresultou na formulação da base teórica domovimento trabalhista brasileiro. Foi consi-derado um homem à frente do seu tempo,devido às suas concepções sobre o papel doEstado frente às questões sociais, sobre polí-ticas econômicas, política agrária, capital es-trangeiro, inflação, organização política,moralidade publica e políticas sociais. A par-tir das análises dos pronunciamentos (discur-sos, entrevistas, cartas, mensagens, manifes-tos) pretendeu-se resgatar a importância dodiscurso como fonte de estudo. Buscou-se,diante da conjuntura histórica, política, eco-nômica e social, apontar para significados dasintenções, propostas e percepções.

O pensar de Pasqualini encontra sua iden-tidade nos princípios positivistas de PereiraBarreto, Alberto Sales, Pedro Lessa e AarãoReis, que encontraram maior homogeneidadeentre as duas doutrinas, há uma interaçãoentre os principais aspectos políticos, econô-mico-capitalistas, culturais e nas propostasde superação da problemática social. Estadefesa intervencionista já estava presente nacrise da economia do charque, o Rio Grandedo Sul não poderia competir com a argentinae Uruguai, menor preço, contrabandos, aces-so facilitado pelos meios de transportes. Já

37 PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma PolíticaSocial. Porto alegre: Ed. Globo, 1948, p.90 a 93.

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em 1912, o Estado assume o controle dos por-tos, intervêm na iniciativa privada em nomedo interesse geral da sociedade gaúcha. Ë in-teressante a relação entre o intervencionismoe a questão social no Positivismo, em Vargase Pasqualini, essa aliança entre Estado- indus-trialização- questão social era uma constan-tes nas correntes estudadas, mas na Europa,também se relacionaram tais aspectos na ide-ologia socialista (da segunda internacional).Aqui, o intervencionismo estatal, apesar denecessário para se conseguir as mudanças,não poderia ser confundido com o estadismoapregoado pela doutrina marxista. O pensa-mento em Pasqualini jamais atacou o princí-pio da propriedade privada; ao contrário, aenaltecia, considerando-a necessária e essen-cial para se chegar ao progresso. O Estadodeveria exercer papel de regulador e coorde-nador.

Os resultados evidenciaram que AlbertoPasqualini afastou-se do Positivismo clássicoou ortodoxo, como também do Positivismogaúcho castilhista. Suas teses se aproximamdos positivistas políticos ilustrados, pois osmesmos crêem que a ação governamentaldeveria ser eminentemente pedagógica. Acondução política se faria pelo esclarecimen-to da sociedade, via mudança de mentalida-de. O sistema educacional era para ele, o ca-minho mais eficaz capaz de realizar as refor-mas sociais, políticas e econômicas, superan-do assim o subdesenvolvimento do país.

A concepção de Estado, segundo a visãopositivista, é que ele é fruto da evolução dasociedade, devido a seu estágio alcançado, porisso, é o órgão mais especializado e comple-xo, ele é o “cérebro da sociedade”, ao qualcabe um papel de direção e organização. Tan-to em Vargas como na doutrina trabalhistade Alberto Pasqualini abrem-se brechas paraa defesa e práticas de intervenção estatal bemmaior que nos moldes do liberalismo tradici-onal clássico. Nesse sentido, deve o Estado,através de seus dirigentes, dar o exemplo àsociedade com austeridade e ausências dedéficits, exigindo-se execução rígida de orça-mentos; ao mesmo tempo, manter a ordem eeliminar os obstáculos que dificultam o pro-gresso e o desenvolvimento.

As reformas necessárias, devido à proble-mática social na sociedade, ocorreriam atra-vés da mudança de mentalidade, eliminaram-se, assim, as práticas egoístas e substituiriapor ações solidárias: cooperação, ordem,

harmonia, lealdade, evitando, portanto, oconfronto entre os interesses individuais(egoístas) com os interesses coletivos (mo-rais). Deveria haver uma plena harmonia en-tre todos os setores da sociedade: Estado, ini-ciativa privada e proletária. A todos cabia umpapel moral. Pasqualini destacou principal-mente a função moral do Estado: executar naprática o sistema solidário com suasespecificidades. Uma outra constatação refe-re-se ao dever das classes privilegiadas emrelação a defesa, proteção e incorporação dosproletários na sociedade.

A partir da ética positivista ilustrada e dotrabalhismo de Pasqualini, que defende ointervencionismo estatal, a sociedade orga-nizada passou a ser um mera espectadora dosfenômenos sociais. Esse modelo de Estadointervencionista, mas que reconhecia o indi-víduo, foi traduzida na livre iniciativa capita-lista. Nessa perspectiva, permanecia a idéiade liberdade individual, mas limitado peloideal do “interesse coletivo”. O Estado pas-sou a ser, então, o coordenador da distribui-ção da riqueza nacional. O fim moral do bemcomum deveria ser a finalidade do Estado e omesmo delimitaria os interesses de cada indi-víduo dentro da sociedade.

A criação do trabalhismo não foi por aca-so, mas correspondeu aos interesses políti-cos e econômicos daquele contexto. Naquelaestrutura, exigia-se a prática do princípio daincorporação política dos trabalhadores paraêxito do Estado nacional. O Estado passou aser o anseio do operariado. A conotação novalor do trabalho adquiriu uma significaçãomoral, e nossa tradição cultural encontrounela um eco, sendo ainda mais fortalecidapêlos ideólogos da classe política e econômi-ca; entre eles Pasqualini.

As estratégias da “incorporação”, que de-veriam garantir os direitos à classe trabalha-dora, melhorando as condições de vida, naprática, as problemáticas naquele contextosocial, político e econômica não foram solu-cionadas. A massa foi incluída passivamentena política e excluída da participação ativa,como sujeito de representações nas decisões,no fazer história como cidadãos.

Pasqualini, cuja doutrina se aproximavaao Positivismo ilustrado, elaborou suas tesese propostas, numa visão voltada para os pro-blemas brasileiros, numa fase em que o Brasilcaminhava decididamente para a industriali-zação e em que os sintomas sociais já se fazi-

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am presentes. No contexto político daqueleperíodo os discursos de Vargas sobre a legis-lação do trabalho e mais especificamente so-bre saúde, previdência e educação revelamconcomitantemente seu caráter paternalistaconservador e com forte caráter doutrinário,mas sempre com a preocupação com o de-senvolvimento econômico. O partido traba-lhista, o PTB, nesta perspectiva filosófica bus-cou encarnar as reivindicações sociais dostrabalhadores.

Vargas e Pasqualini se afastam apenas nosaspectos dos meios a se concretizar o equilí-brio social e a ordem político-social, meiosque no próprio Positivismo em seus matizes eadaptações nas mais diversas realidades bus-cam apresentar caminhos viáveis de supera-ção: a mudança via educação, através idéiasclaras, racionalizadas, com forte apelo moralou um projeto centralizador, autoritário,numa economia desenvolvimentista – indus-trial concretizado por um grupo privilegia-do, através de estratégias claras, distintas eeficientes. Ambos, até 1954, buscaram imple-mentar um projeto político, com basesmodernizantes aliados com o apoio das ca-madas populares.

Os discursos e obras de Alberto Pasqualinisão testemunhos de uma época. Mas, quandose compara com a realidade e o debate nos diasde hoje, percebe-se a atualidade de suas pala-vras. Ainda no Brasil não conseguimos harmo-nizar a tese primordial da doutrina trabalhistade Pasqualini: o crescimento econômico com ajustiça social, uma discussão que já se encon-trava presente já na primeira constituição re-publicana positivista rio grandense de 1891.

Muitas das soluções propostas porPasqualini continuam válidas, o pensadorcontinua a ser um referencial importantequando se trata da história e evoluçãotrabalhismo brasileiro e principalmente noEstado do Rio Grande do Sul, berço e com umaforte tradição trabalhista incorporados inici-almente pelo partido PTB, posteriormentepelo PDT e hoje pelo PT. Ambas as doutrinasestudadas: a trabalhista e a positivista ilus-trada inspiraram-se na realidade nacionalviva, colhida na fonte real na tentativa de pen-sar em termos de nossa cultura e de nossahistória. Para os intelectuais, para a classepolítica e para todos aqueles que buscam su-perar a problemática social cabe, promoverdebates, discussões, releituras do trabalhismoe ações concretas, viabilizando reformas drás-

ticas no que concerne o aparato jurídico, po-lítico, social e cultural das organizações, dasestruturas e mentalidades.

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Jorge Barcellos é Historiador. Mestre em Educação/UFRGS, Doutorando em Educação/Unisinos, Coordenador da Seção de Memoriale responsável pelo projeto de Educação para Cidadania da Câmara Municipal de Porto Alegre. E-mail:[email protected]

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.71-79

O Poder Legislativo e aPesquisa Universitária:

Possibilidades para aRealização de Estudos Políticos

a Partir da Experiência doMemorial da Câmara

Municipal de Porto Alegre

The Legislative and the University Research:Possibilities for the Accomplishment of

Political Studies from the Experience of theCity Memorial – Porto Alegre City, Brazil

Jorge Barcellos

RESUMO

Este estudo apresenta a Câmara Municipal de Porto Alegre como objeto privilegi-ado do campo dos Estudos Legislativos e problemas e fontes para o seu estudo.

Palavras-chave: Poder Legislativo, pesquisa universitária, estudos políticos.

ABSTRACT

This study presents the City Council of Porto Alegre City, Brazil, as a privileged object of thefield of the Legislative Studies and problems and sources for its study.

Key words: Legislative Power, research, political studies.

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INTRODUÇÃO

Alimentada pela variedade e volume deabordagens da área, seus estudos envolvemdiscussões sobre o regime de representaçãopolítico-partidária, a questão da democraciae a estrutura e natureza das decisões no inte-rior do poder legislativo, campo em estadonascente.

Poucos estudantes universitários têm co-nhecimento da existência da Seção deMemorial na Câmara Municipal de Porto Ale-gre. Órgão vinculado à Diretoria Geral, cons-titui um espaço disponível de acesso do pes-quisador universitário às fontes para a elabo-ração de Estudos Legislativos. Localizada noandar térreo da Câmara, dispõe de recursosfísicos e materiais para prestação de apoio apesquisa.

Este estudo objetiva oferecer ao estudan-te universitário referenciais e sugestões parao encaminhamento de estudos e pesquisassobre política na Câmara Municipal de PortoAlegre. Para isso, sugere uma série de recor-tes possíveis a serem feitos na área de estu-dos legislativos, indica o tema da organiza-ção interna das Câmaras Municipais e apre-senta linhas de estudo possíveis para traba-lhos de conclusão.

Os Estudos Legislativos assumiram espe-cial relevância em virtude do intenso debatesobre as modificações introduzidas no regi-mento interno do Congresso norte-america-no. O formato institucional do ParlamentoEuropeu multiplicou, na literatura internaci-onal, análises de como diferentes arranjos“organizacionais” afetam a natureza e a quali-dade das decisões aprovadas no interior dasCâmaras dos Deputados, principal órgãolegislativo a que se dedicam as análises. En-tretanto, os legislativos municipais ainda nãoreceberam atenção merecida, o que, em últi-ma instância, abre possibilidades de estudo einvestigação para trabalhos futuros.

O MEMORIAL DA CÂMARAMUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

A visita ao Memorial da Câmara Municipalde Porto Alegre começa antes mesmo do pes-quisador chegar ao Legislativo. Conectando-se ao site da instituição na Word Wilde Web(www.camarapoa.rs.gov.br) o interessado

descobre as funções do parlamento, seus in-tegrantes e tem acesso a rotina dos procedi-mentos e processos em andamento. Estes as-pectos da visita Câmara Municipal.

É importante valorizar o significado da in-trodução de um setor especializado em pro-dução cultural no meio do Legislativo Muni-cipal. O Memorial da Câmara Municipal, res-ponsável pelas atividades de guarda do acer-vo iconográfico, videográfico e diversas pe-ças de interesse do pesquisador, reproduzemo que já ocorre em diversos setores da admi-nistração pública, vem tomando a consciên-cia de que a atuação na área preservação damemória é uma forma importante de atingirnovas audiências. De fato, o projeto de me-mória da Câmara Municipal possui como prin-cipal efeito o fato de trazer para o espaçolegislativo um novo público novo.

Adotando lentamente prerrogativas e ob-jetivos de um minicentro cultural, o Memorialda Câmara oferece uma alternativa ao públi-co universitário, que descobre agora que exis-te acervo para pesquisa e uma referência ins-titucional importante para estudos e proje-tos, uma novidade numa instituição que atéentão tinha a imagem exclusiva de “ fazer asleis”. Esse movimento de multiplicação desetores ligados à preservação da memória naadministração pública pode ser visto no Cen-tro de Documentação da AssembléiaLegislativa e no Memorial do Rio Grande doSul do Governo do Estado constituem insti-tuições fundamentais para a pesquisa políti-ca. O importante, no entanto, é salientar o fatode que a Câmara Municipal acompanha estemovimento através de seu Memorial, dandoo seu passo rumo a valorização de sua histó-ria política na vida da cidade.

A criação do Memorial da Câmara tem,contudo uma história. Estruturar, produzir,divulgar, criar acervo, tudo isso que não exis-tia na Câmara. Trabalho difícil, manter ativoe vivo um setor de documentação quando aprimeira vista, esta não parece ser a funçãodos órgãos legislativo, é um trabalho imenso.Trabalhando artesanalmente, organizandoacervo numa época em que asmegaexposições estão se tornando algo cadavez mais corriqueiras, o Memorial mantémvivo sua iniciativa cultural e função.

Criado em 1994 pelo vereador Luiz Brazcomo a sala onde estavam guardadas as ima-gens dos presidentes da Câmara de Vereado-res, aos poucos teve sua função ampliada.

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Entre 1995-96, já se podia ver uma atuaçãocultural crescente, com exposições. Fechadono primeiro semestre em 1997 reabriu logoem seguida e desde então começou sua cole-ção de materiais raros da história dolegislativo municipal: uma coleção de foto-grafias e documentos históricos, hemerotecacom notícias da Câmara, e recortes de jornaisdo centro do país. Desempenha também no-vas funções: atende escolas, auxilia na reali-zação de pesquisas, etc.

Na medida em que informações dolegislativo são colocadas na Web, e paulati-namente, o acervo é também colocado na redemundial, pesquisadores poderão se conectare conhecer a história política do seuLegislativo. A publicização via eletrônica doCatálogo de Atas da Câmara Municipal é umdos exemplos.1 A mudança do espaço do se-tor, do terceiro andar um lugar no centro daAvenida Cultural do Legislativo, é de fácilacesso ao pesquisador e dispõe de estruturapara o atendimento público.

O PARLAMENTO COMO OBJETODE ESTUDO

O elemento básico de organização do Po-der Legislativo Municipal a vida do plenário.Embora o sistema de comissões seja um foroimportante nos legislativos estaduais, na Câ-mara Municipal a divisão de trabalho das co-missões não supera os grupos privilegiadosque se manifestam no momento de votaçãode projetos polêmicos do plenário. A delega-ção de tarefas dadas às Comissões termina porproduzir assimetrias de poder e de informa-ção entre o Plenário e as Comissões da Câma-ra, cujo poder, bem como seus impactos narotina legislativos, é questão empírica quemerece ser investigada por projetos acadê-micos específicos.

O Poder Legislativo Municipal é, antes detudo, um corpo representativo. Estudar suaorganização legislativa significa essencial-mente avaliar o desempenho da Câmara deVereadores em sua capacidade representati-va. Propostas de trabalho que investiguem aestrutura das comissões, suas prerrogativase recursos podem sugerir formas diferencia-das de participação no processo deliberativo

do Plenário. O exame da composição das co-missões da Câmara Municipal, seu perfil ide-ológico é apenas uma sugestão de começo depesquisa, muito preliminar por sinal, que po-derá ser realizado no interior da Câmara deVereadores.

A pesquisa universitária pode resgatar asquestões fundamentais da teoria democráti-ca contemporânea no contexto de investiga-ção da estrutura do Câmara de Vereadores. Aimportância de tais investigações fica clarana medida em que a tendência predominantena literatura, a abordagem institucionalistaem suas diversas ramificações, não enfatiza ofato simples e fundamental de ser o Legislativoum corpo representativo. Com isso, e esta tal-vez seja a principal que a universidade podedar a uma interpretação do legislativo muni-cipal, está na sugestão de uma ampliação pro-funda dos estudos legislativos da capital, bemcomo suas possibilidades de análisenormativa. Em outras palavras, os estudos dolegislativo municipal são importantes por queas análises podem trazer conseqüências paraa qualidade da democracia local que estamosaos poucos construindo.

A investigação entre o peso relativo dospartidos políticos e o do sistema de comis-sões na rotina da câmara de vereadores per-mite a caracterização das múltiplas arenas dedecisão de seu interior, o que amplia as opor-tunidades de participação autônoma dos ve-readores na produção de políticas públicas.Consideradas as instituições paralelas comoa “tribuna popular”, que permite a manifesta-ção da comunidade diretamente nos traba-lhos legislativos, o número reduzido de vere-adores eleitos e a existência de lideranças for-tes, de outra parte, significam que o processodecisório é ao mesmo tempo forte e elástico,por que é controlado por número reduzidode vereadores, os líderes, e, ao mesmo tem-po, é suscetível as influencias das galerias, doslobbies e da tribuna popular.

O fato de que os partidos na Câmara de Ve-readores sejam relativamente pouco coesos, emuitas vezes, situações de indisciplina parti-dária transcorram com certa normalidade, asnegociações, articulações dos políticos emmomentos chaves são extremamente comple-xa. A forma de divisão do poder, controladapelas lideranças e presidência da Casa é umcampo aberto à investigação universitária.

A verdade, todavia, é que embora desen-volvimentos recentes da teoria política cons-

1 Disponível em http://www.camarapoa.rs.gov.br/memorial

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tantemente apontem para “modelos” de or-ganização do parlamento, na verdade, há umaforte simplificação na prática. Para os estudi-osos e iniciantes na área de estudoslegislativos, por exemplo, é fundamental con-sultar a página da Câmara na Internet quepode ser considerado uma das mais comple-tas no gênero. Dividido em vários links, ali seencontram as Atas, a programação, as maté-rias jornalísticas oriundas do trabalholegislativo sobre temas tão variados quantoevolução da urbanização em Porto Alegre, asações da prefeitura.

Ali se encontra uma primeira abordagempara estudos, um acervo de matériasjornalísticas que permite perceber que há are-nas temáticas que permitem aos vereadorescapturarem “ganhos da troca política”. OS te-mas privilegiados (trabalho, emprego, criti-ca ao executivo) são lugares maximizadoresde suas possibilidades de reeleição, e isto im-plica lutar para atingir visibilidade públicapara sua base eleitoral. As notícias produzi-das pela Câmara seriam assim uma espécie denúcleo cooperativo que garante a estabilida-de das trocas legislativas.

A segunda abordagem, a partidária, afir-ma que as ações dos vereadores no Plenáriosão estruturadas para fazer valer os objetivospolíticos do partido majoritário na Casa, istoé, os vereadores seriam agentes dos partidos.O fato de que nem sempre esta regra é respei-tada, e mesmo, as formas como, em momen-tos críticos, os demais vereadores organizam-se para fazer valer a imposição do partido, éum excelente campo de investigação políticaainda em aberto. Finalmente, segundo a pers-pectiva do público que visita os gabinetes daCasa, ao permitir que o cidadão lute pessoal-mente por “ganhos pessoais”, seria um espa-ço interessante para perceber como a popu-lação representa a incerteza sobre a qualida-de das políticas públicas produzidas no inte-rior do parlamento.

Cada uma dessas perspectivas se aproxi-ma mais ou menos da “verdade” (sic) sobre aorganização da Câmara de Vereadores, depen-dendo da proposta de análise de conjunturapolítica e do momento histórico que cada pro-posta de investigação possa dar conta. Istofica claro se pensarmos que quanto maior adeterminação do foco ou objeto, maior a fre-qüência com que tais temas possam ser en-contrados no cotidiano da Câmara. Por outrolado, a investigação sobre os métodos de ar-

ticulação dos partidos majoritários, poderáfornecer indicadores sobre os modos que ospartidos encontram para impor sua agenda anível local.

A história da Câmara de Vereadores refle-te as idas e vindas da disputa pelo poder entrepartidos e vereadores. Em outras palavras, aorganização do Legislativo Municipal se en-contra em permanente evolução, sendo estamarcada pelo predomínio ora dos líderes dospartidos, ora da Presidência, ora das aliançaspolíticas Não custa mencionar que com isso,os universitários encontram não apenas nadimensão analítica, mas também na dimen-são histórico-descritiva, um campo de inves-tigação. Nesse sentido, é relevante mencio-nar a recente criação de um Código de ÉticaParlamentar, e da freqüente edição de Rela-tórios Anuais e Publicações, nos quais cadaPresidente descreve os seus feitos, as suasrealizações.

Um campo pouco explorado é o da pes-quisa comparada. Em primeiro lugar, é im-portante frisar que os estudos disponíveis,mal dão conta da história geral da Câmara deVereadores e os contatos com outroslegislativos, pela própria política da Casa, fo-ram eventuais em sua história. Eis uma dasgrandes possibilidades para os estudantesuniversitários. a boa análise comparativa.Ainda que o viés do curso seja os países doCone Sul, uma pesquisa em aberto é a carac-terização da política nos municípios da gran-de Porto Alegre.

Uma questão interessante à pesquisa é ade como é possível integrar os desenvolvi-mentos dos diversos parlamentos num siste-ma ativo e fiscalizador no contexto deconurbação - o aglutinamento das cidades? Aanálise de indicadores para medir a maior oumenor complexidade do sistema também sãoimportantes e podem ser verificados a partirdos seguintes itens:

a) tipos predominantes de comissões (sepermanentes ou especiais);

b) número de comissões (quanto maior,maior é a capacidade operacional dosistema);

c) tamanho das comissões (quanto menor,maior é a especialização);

d) jurisdição e correspondência com a ju-risdição (quanto mais bem definida ecorrespondente, mais desenvolvido éo sistema);

e) restrições ao número de comissões per-

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mitido por membro do parlamento(quanto menor o número maior será aespecialização do membro); e, final-mente,

f) as subcomissões (quanto maior seu nú-mero, maior a diferenciação interna dascomissões).Ainda conhecemos muitopouco sobre a origem das Câmaras deVereadores bem como sobre seus efei-tos na ação política local.

A descentralização da atividade legislativaé usualmente associada a uma maior partici-pação dos parlamentares nos processosdeliberativo e decisório da instituição. O for-talecimento do sistema de comissões teria,segundo essa forma de raciocínio, a dupla ca-pacidade de incentivar a aquisição pelos le-gisladores de especialização em determina-dos temas, ademais de fomentar uma partici-pação mais efetiva do baixo clero nas deci-sões legislativas. Em outras palavras, os estu-dos legislativos têm cada vez mais assumidocomo verdade incontestável a hipótese de queo grau de participação legislativa é função daestrutura “organizacional” do órgão. Se estefor dominado pelas comissões, então o graude participação é alto; se os partidos domi-nam os trabalhos legislativos, então oabsenteísmo passa a caracterizar o padrão decomportamento legislativo.

Algumas idéias de estudiosos antigos po-dem oferecer importantes insights arespeito.De Stuart Mill, é preciso lembrar queo parlamento é um corpo representativo e,como tal, deve, por intermédio de seu pro-cesso deliberativo, suprir a ausência das di-versas forças e grupos que compõem a asso-ciação política no momento em que se defi-nem a agenda e decisões coletivas fundamen-tais. A assimetria de informações entre osmembros do órgão implica a possibilidade deque decisões sejam tomadas sem que a maio-ria tenha a mais pálida noção de seu real im-pacto. Nesse sentido, a capacidade represen-tativa do Parlamento é diluída pela presençadessa assimetria “informacional”.

De Robert Dahl, Hall resgata a noção deintensidade de preferências. A capacidaderepresentativa da democracia não é medidapelo grau com que as preferências reveladassão atendidas, mas sim pelas conseqüênciaspolíticas da revelação de intensidades. A par-ticipação dos representantes no processodeliberativo revela, muito mais do que prefe-

rências, quais os interesses efetivamente re-presentados durante a atividade legislativa.

Investigar a organização do PoderLegislativo é tarefa central para a teoria de-mocrática contemporânea. Representa mui-to mais do que o registro de preferências re-veladas em votações nominais e indicaçõespara as diversas comissões. O que dizer dataxa de participação de seus membros? Eisum campo de investigação, que pressupõedescobrir o envolvimento de cada vereadorno processo deliberativo. É preciso urgente-mente um estudo que meça o grau de partici-pação dos membros de comissões permanen-tes da Casa durante as ultimas legislaturas;precisamos de estudos que investiguem a taxade presença durante as votações nas Comis-sões e no Plenário e descrevam seus efeitos.Precisamos saber qual o percentual dos mem-bros ofereceram emendas aos projetos láapreciados, e qual a porcentagem de verea-dores que participa efetivamente do debates.

Por que esses dados não existem? O queesses números representam? Eles não exis-tem por que nunca houve uma pesquisa sé-ria, em moldes acadêmicos na Câmara Muni-cipal e significam que especialização e parti-cipação são conceitos que fazem eco noLegislativo, mas não se tem certeza de suasdimensões fundamentais. A alta taxa de vari-ação no envolvimento de vereadores nos di-versos projetos que tramitam pela Casa signi-fica a existência de diferentes graus de parti-cipação, que por sua feita, significa as possi-bilidades de investir recursos escassos, comoassessoria, tempo e dinheiro na tramitaçãode determinada proposição. Trata-se de di-agnosticar uma espécie de perfil legislativoque somente pode ser explicado pela revela-ção de preferências dos vereadores. Este éoutro campo a ser investigado.

As campanhas políticas são importantelócus de investigação da atuação da Câmara.Reeleição, ideologia e visões do interesse pú-blico estão sempre presentes enquanto moti-vações, a predominância de cada uma delasvariando de forma estável e relativamente pre-visível, em geral de acordo com a conjunturapolítica do momento, seja uma eleição estadu-al ou municipal. O que faz um vereador parti-cipar mais ou menos de uma eleição estadualou municipal, o estudo das decisõeslegislativas, em outras palavras, o efeito nocomportamento legislativo de cada processoeleitoral é um campo do qual nada se sabe,

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menos ainda do que determina a ação dos ve-readores tal como subjetivamente percebidopelo ator político. Os vereadores, em suma,não possuem mapas de motivações simples eaplicáveis genericamente; ao contrário, a pes-quisa pode contribuir na definição de seus ob-jetivos e à medida que promovem escolhasconcretas concernentes a temas específicos.

O objetivo de qualquer estudo, portanto,não poderia ser simplesmente detectar por quevariam as ações dos vereadores. Outrossim,trata-se de investigar até que ponto as posi-ções assumidas são representativas das posi-ções dos partidos e da Casa como um todo. Oresultado destes estudos, se abraçados pelauniversidade, pode revelar que o consensoesperado de um órgão representativo é tãoraro. Na grande maioria dos casos examina-dos, percebe-se a predominância de uma mi-noria de vereadores engajados e uma maioriasilenciosa e “racionalmente” ausente.

A pesquisa sobre como os vereadores in-vestem energias na atividade legislativa é in-dicador do que considera êxito e custo. Paradeterminados vereadores, fazer um projeto delei é tão custoso que a maioria dos legisladoresabre mão de uma participação efetiva nos pro-jetos em tramitação em troca de umasuperinfluência nos assuntos que lhe dizemrespeito individual e intensamente. As inves-tigações sobre as assimetrias assim geradas asconseqüências na produção de um arremedode órgão representativo, estão em aberto.

A PROPOSTA DE INCENTIVO DEESTUDOS UNIVERSITÁRIOS

ATRAVÉS DE PARCERIAS COMOUTRAS INSTITUIÇÕES

O projeto de incentivo à pesquisa em histó-ria e política a partir do acervo da Câmara deVereadores é iniciativa do Memorial da Câma-ra e deseja atuar em quatro grandes frentes:

I) na formação técnico-profissional dopesquisador universitário, em diferen-tes níveis, através de oferecimento deestágio remunerado na área de ciênci-as políticas e sociais (a disponibilidadede vagas é decisão da Diretoria Geral);

II) no suporte técnico às atividades de pes-quisa, por meio de disponibilização defontes especialmente dirigidos aos estu-dantes;

III) no fomento e realização de estudos e

pesquisas técnico-acadêmicas voltadaspara o Poder Legislativo e no desenvol-vimento de atividades que aproximemo parlamento da sociedade, em especi-al projetos de análise histórica, políti-ca, sociológica;

IV) na abertura a parcerias na organiza-ção de cursos e atividades dirigidos apúblico universitário na área de ciên-cia política;

V) na proposição de discussão de projetosde publicações técnicas e eletrônicasconjuntas voltadas para temas relacio-nados com a atividade político-parla-mentar;

VI) no inicio da discussão, junto às insti-tuições universitárias, de projetos deConcursos de Monografias destinado aprofissionais e estudantes, que objetiveincentivar a produção de trabalhos ci-entíficos que possam subsidiar a elabo-ração legislativa no exercício das fun-ções de controle e fiscalização.

Temas sugeridos parainvestigação

1- Temas centrais em EstudosLegislativos

Sugerimos que sejam compreendidos naárea de Estudos Legislativos quatro temas queno nosso entendimento, representam o do-mínio de conhecimentos mínimos que todoestudante pode investigar na Câmara de Ve-readores.

1. – Poder Legislativo: aspectos históricos,sociopolíticos, jurídicos, institucionaise culturais.

2. – Estrutura e Funcionamento da Câma-ra de Vereadores: uma visão histórico-institucional.

3. – Regimento Interno e Dinâmica do Pro-cesso Legislativo na Câmara Municipal

4. – Servidor Público, Administração Pú-blica e Sociedade porto-alegrense.

2- Possibilidades de investigação

As possibilidades de investigação com-põem um quadro de temas aberta, que reúneestudos em cinco áreas de concentração, con-jugando conhecimentos variados, relaciona-dos com as atividades do Legislativo.

1. Análise Jurídica e Legislativa (paraacadêmicos de Direito): compreen-

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dem estudos jurídicos municipais demodo geral, especialmente o processolegislativo, matérias legislativas decompetência do Município e DireitoConstitucional Municipal;

2. Estudos de Administração Públi-ca (para acadêmicos de Adminis-tração): abrangem questões de teoriada administração municipal, de plane-jamento e gestão públicos, e a situaçãodas organizações e do legislativo muni-cipal recente em Porto Alegre;

3. Estudos Sociopolíticos (para acadê-micos de Ciências Humanas): en-volvem conceitos básicos no campo dapolítica, a avaliação, dos pontos de vistasociológico e histórico, das relações en-tre a sociedade porto-alegrense a Câma-ra de Vereadores, e a discussão orienta-da sobre problemas e questões das reali-dades portoalegarense e gaúcha;

4. Estudos Econômicos, Financeirose Orçamentários (para acadêmi-cos dos Cursos de Economia eContábeis): abrangem temas de eco-nomia e os relativos à competência doPoder Legislativo na área de controle efiscalização financeira e orçamentária;

5. Estudos Lingüísticos (Para os cur-sos de Letras): ocupam-se de todo oconhecimento na área de comunicaçãoe expressão escrita que o acervo mate-rial da Câmara de Vereadores oferece

3- Possibilidades para CientistasPolíticos e Sociais

Há, é claro, uma série de temas aqui nãoexplorados, que envolvem questões de polí-ticas municipais, como Análise do SistemaEleitoral nos Municípios, sistemas de Gover-no Municipais e Sistemas Partidários, Estu-dos Eleitorais (Campanhas de Vereadores ecomportamento Político), Relações Prefeitu-ra/Câmara de Vereadores. Na medida em quea Câmara de Vereadores possui apenas umavereadora cassada, caberia um estudo decaso naquilo que se convencionou chamar deEstudos de Patologia Política ou DecadênciaInstitucional e Corrupção, o que confesso,seria uma ousadia.

Os documentos permitem ainda análisesteóricas, empíricas e comparadas sobre osprocessos de transformação da Câmara deVereadores, a capacidade decisória do siste-ma político municipal e a interferência do

governo. Seriam interessantes estudos sobrecaracterísticas dos processos e estilos de de-cisão de vereadores e lideranças municipais;análise dos mecanismos decisórios do Exe-cutivo e do Legislativo no plano municipal;as conseqüências econômicas do funciona-mento da Câmara de Vereadores (como porexemplo, os sentidos da aprovação do PlanoDiretor); a análise dos processos de formula-ção e implementação de projetos a partir dainiciativa popular; avaliação do papel dolegislativo na consolidação democrática emPorto Alegre.

Estudos que analisassem a reconfiguraçãodo Mundo Público Municipal poderiam anali-sar o desempenho da Câmara de Vereadoresem concatenação com os problemas nacio-nais. Eles incluiriam a análise da questão daDemocracia e Reforma do Poder Legislativono Brasil, onde a análise do processo decisóriona Câmara dos Vereadores poderia identifi-car os fatores que determinam o comporta-mento dos legisladores diante de votações deprojetos de lei, com ênfase nos partidos e naorganização interna da Câmara.

Uma pesquisa a ser feita, por exemplo, po-deria ser Partidos e Bases de Sustentação doGoverno Petista em Porto Alegre. A ausênciada organização de um banco de dados com to-das as votações nominais da Câmara dos Vere-adores durante o governo petista poderia in-vestigar o desempenho dos partidos políticos,sejam pelo o grau de coesão nas votações e ataxa de oposição e apoio ao governo.

ACERVOS DISPONIBILIZADOS2

1- Base Memorial:

- Acervo Fotográfico de aproximadamen-te 3000 imagens de fotos antigas e atuaisde Porto Alegre, das sessões legislativasdo século XX, das artes em Porto Alegre(gravuras, pessoas e objetos diversos)

- Acervo de fitas que apartir de 1997 gra-va as Sessões Plenárias (ordinárias, ex-tra-ordinárias, solene e documentáriosdiversos): aproximadamente 1200

- Acervos de Jornais: cadernos de políticae cultura, entre outros: Jornais Correio

2 Conforme levantamento de Claudira Cardoso e Daniel Milke“Guia de Legislaturas da Câmara Municipal de Porto Alegre,2000

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do Povo, Zero Hora, Folha de São Paulo,Jornal do Brasil, Estado de São Paulo

- Acervos particulares ainda não organi-zados:

Vereadora Julieta BatistioliVereador Tasso Vieira de Faria (objetos,

artefatos e documentos)Vereador Loureiro da Silva (fotos e docu-

mentos)

2- Base Laboratório Fotográfico:

- fotos diárias das sessões plenárias a par-tir de 1990.

3- Base Biblioteca da Câmara:

Organizada a partir de 1970, é responsá-vel pelo armazenamento da documentaçãolegal do poder legislativo municipal. Dispõede:

- Anais de 1826 a 1937 Incompleto- Anais de 1947 a 1985(completo)- Anais de 1986 (outubro) a 1993(em an-

damento)- Anais de 1994 a 1999 (completos)- Pareceres da Procuradoria da Câmara de

1947 até a atualidade- Relatório Anual de Atividades da Câma-

ra de 1947 até a atualidade- Legislação Federal: material de 1847,

1880 e1892 e de 1900 até hoje.- Legislação Estadual: 1887, 1889 a 1931,

1934 e 1935. Recomeça de 1947 até a atu-alidade (completa)

- Legislação Municipal (todos os atos le-gais ) 78.000 fichas doa tos legais em ar-quivos. A partir de 1896 até a atualidadeem decretos, atos, leis, leis complemen-tares, resoluções).

- Catálogo de nomes de ruas e bairros cri-ados oficialmente por lei.

4- Base Setor de Protocolo e Arquivo:

Documentação semelhante ao setor deArquivo Histórico. Arquivo corrente e inter-mediário, armazenando documentação queposteriormente será enviada ao Arquivo His-tórico. Informatizado desde 1990, o que pos-sibilita a utilização de um banco de dados, que,no entanto está desatualizado. Disponibiliza48.000 fichas referentes a processos inter-nos de 1956 a 1990, 8000 fichas de vereado-res, incluindo dados sobre projetos e atua-ção, de 1956 a 1992, já que as de 1947 a 1955encontram-se no arquivo Histórico, 17.000

itens relativos a várias espécies de processosde 1990 a 1995. Possuem arquivados tambémcerca de 25 000 processos, de 1990 até a atu-alidade.

Não existem copias destes documentos emoutro arquivo público. Seu estado de conser-vação é satisfatório, ainda que faltem materi-ais para uma conservação mais efetiva.

5- Base Arquivo Histórico da CâmaraMunicipal

Armazenados milhares de processos inter-nos desde 1947. São projetos de Lei doLegislativo, do Executivo, Pedidos de Infor-mações, Requerimentos, Projetos de Decretodo legislativo, Pedidos de Autorização, Pro-jetos de Resolução, Emendas a Lei Orgânica,Indicações, Projetos de Lei do Eleitorado,Projeto de Lei Complementar do Legislativoe do Executivo, Adiantamentos e Pedidos deProvidencias. Todas referenciadas por cercade 65.000 filhas, organizadas precariamenteem ordem cronológica e numérica. E ainda

- Pastas com dados funcionais da Câmarade 1947 até a atualidade

- Aproximadamente 2000 pastas de fun-cionários e 216 de vereadores

- Fichas contendo os projetos encaminha-dos pelos vereadores entre 1947 e 1955

- Pastas contendo os resumos de Pronun-ciamentos dos vereadores entre 1955 até1995

- Apanhados Taquigráficos das Sessões Ple-nárias de 1965 a 1999

- Apanhados Taquigráficos de reuniões deComissões Permanentes de 1979 a 1999

- Pastas com os dados de Efetividade (pre-sença) de vereadores e funcionários efe-tivos e cargo de confiança (de 1980 a1997: Aproximadamente 800 documen-tos por ano

- Livros ponto de 1948 a 2000: aproxima-damente 18 metros de prateleiras

- Livros caixa ( de 1988 a 1993)- Documentos de Caixa de 1988 a 1993- Folha de Pagamento de 1954 a 1985- Prestação de contas de adiantamento de

1981 a 1983- Relatórios de Projetos do Conselho Mu-

nicipal de Porto Alegre de 1900 a 1953,exceto 1907,1920, 1923 a 27, 1938 a1945.

- Eventos organizados pela Câmara de1980 a 1996, na forma de transcrição depalestras e debates.

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- Livros de Registro da presença dos vere-adores de 1957 a 1996

- Livro dos Títulos Honoríficos de cidadãoemérito de 1980 a 1987, Honra ao Méri-to, Prêmio Literário Érico Veríssimo de1980 a 1987, Premio Artístico LupicínioRodrigues de 1977 a 1988 e Premio Ar-tístico Qorpo Santo de 1985 a 1988. Hátambém guias de pagamento e despesasda Câmara de 1991 a 1992, e diversosdocumentos contábeis; o processo queoriginou a lei Orgânica do Município(1445/90), com proposições, discussõese índice, o processo 1025/89, a Comis-são Especial que tratou da Câmara Cons-tituinte e Comissões Temporárias de In-quérito de 1955 a 1993.

6- Base do Acervo do ArquivoHistórico de Porto Alegre MoisesVellinho

Possui documentação desde a criação até1937, enquanto que os documentos produzi-dos após o Estado novo concentram-se naCâmara de Vereadores, de forma dispersa.

CONCLUSÃO

Os temas indicados apontam, cada um àsua maneira, a importância e projetos para osestudiosos do Poder Legislativo. Propomos

temas que revelem que a organizaçãolegislativa do município é algo em permanen-te mutação, que sofre pressões contraditóri-as de interesses partidários e dos represen-tantes tomados individualmente. Com os te-mas burocráticos-institucionais, entramosem contato com a incrível variedade de ex-periências que a Câmara possibilita, para seusvereadores, para sua administração e seusfuncionários e comunidade.

Assim como na área de estudos eleitoraise de sistemas de governo, percebe-se que aorganização legislativa é questão delicada,cujo tratamento analítico e empírico deveestar assentado em forte “ancoragem” com-parativa. Finalmente, resgatamos a rica tra-dição da moderna teoria democrática. Nossurpreendemos com as extraordinárias pos-sibilidades conceituais e normativas ofereci-das pela área de estudos legislativos. Melhordizendo, pode-se concluir que muito aindatem de ser feito também na dimensãoconceitual para análise concreta da Câmarade Vereadores.

Em resumo, os estudos legislativos sãouma área de investigação que começa a reto-mar força na ciência política brasileira em umcontexto de reflexão internacional extrema-mente rico. O convite está feito para estudan-tes universitários para que os estudantes pos-sam contribuir com estudos sobre políticabrasileira sobre o entendimento dessa insti-tuição que se confunde com a própria essên-cia da moderna democracia.

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José Antônio Giusti Tavares é Doutor em Ciência Política pela IPERJ e professor do curso de Ciência Política da UniversidadeLuterana do Brasil.

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.81-87

Assis Brasil e a Política de SuaÉpoca

Assis Brasil and Politics at his Time

José Antônio Giusti Tavares

RESUMO

A biografia de J. F. de Assis Brasil, certamente o mais denso e erudito pensadorpolítico gaúcho e o notável arquiteto das instituições eleitorais brasileiras, confunde-secom a história da Primeira República, polarizada entre o autoritarismo castilhista-borgista e o liberalismo, do qual Assis Brasil foi o líder intelectual e político. Com oprocesso revolucionário dos anos trinta, Getúlio Vargas introduziu no país uma versãoadaptativa do autoritarismo castilhista, que dulcificava e dissimulava o paradigmaoriginário ao substituir, nele, o partido único pela administração técnica como instru-mento de governo. Contudo, a teoria das instituições políticas construída por AssisBrasil sobreviveu ao autoritarismo varguista, provendo ainda hoje o rationale e asregras básicas da representação proporcional no Brasil.

Palavras-chave: autoritarismo, castilhismo, liberalismo, representação propor-cional.

ABSTRACT

The J. F. de Assis Brasil’s biography, certainly the most dense and learned gaúchopolitical thinker and the Brazilian electoral institutions’ distinguished architect, coinci-des with the First Republic ’s history, polarized between the castilhist-borgistauthoritarianism and the liberalism of which Assis Brasil was the intellectual and politicalleader. With the 1930’s revolutionary process, Getúlio Vargas introduced in the countryan adaptive version of the castilhist authoritarianism which attenuated and dissimulatedthe original paradigm substituting the single-party for technical administration asgoverning instrument. However, the political institutions theory built by Assis Brasilsurvived Vargas’ authoritarianism, providing yet in Brazil the rationale and the basicrules of proportional representation.

Key words: authoritarianism, castilhism, liberalism, proportional representation.

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Ao longo da Primeira República, enquan-to nos demais estados da federação brasileirao governo era entregue a um partido únicoestadual, cuja função limitava-se a referen-dar o monopólio tranqüilo da política regio-nal por uma oligarquia monolítica, o Rio Gran-de do Sul permaneceu dividido, como nos úl-timos anos do Império, entre dois segmentosda oligarquia agrária, cujo confrontoestruturou-se na competição polar entre mo-narquistas liberais e republicanos autoritári-os, dois protopartidos que recorriam alter-nativamente à política e às armas.

Aglutinados no Partido Liberal, ao qualincumbira o último gabinete do Império, ecom a República, sucessivamente no PartidoFederalista e no Partido Libertador, os pri-meiros sustentavam o constitucionalismo, oparlamentarismo e o federalismo. Entretan-to, os vínculos que os associavam à tradiçãomonárquica unitária, a precedência que con-feriam ao parlamentarismo sobre a federaçãoe a dificuldade de conciliar entre si esses doisúltimos mecanismos institucionais aproxima-vam muito os liberais gaúchos da admissãode um Estado centralizador ou virtualmenteunitário.

Os últimos organizaram-se no Partido Re-publicano Rio-Grandense que, entre 1891 e1928, sob a chefia de Júlio de Castilhos e, logo,de Borges de Medeiros, ocupoumonoliticamente o governo estadual, com aexceção de um período de confusão e turbu-lência, entre 1891 e 1893, e de dois intervalosde feroz guerra civil, entre 1893 e 1895 e em1923.

Impregnados da filosofia políticapositivista e do espírito jacobino, os republi-canos castilhistas simplesmente desprezavamas instituições do constitucionalismo e dogoverno representativo. Rigorosamente, nãoeram presidencialistas; sustentavam, comconvicção, a ditadura pessoal do presidente.Na lógica da Constituição estadual castilhista,o presidente do Estado acumulava o PoderExecutivo e o Poder Legislativo: à Câmara dosDeputados cabia apenas dar a redação finalao projeto de lei elaborado pelo Presidenteou rejeitá-lo e, neste caso, revisto pelo Presi-dente e aprovado por dois terços dos municí-pios, a Câmara o promulgaria compulsoria-mente (artigo 24, IV). Quanto ao federalis-mo, Castilhos advogou-o vigorosamente du-rante o Império e, na Constituinte Republica-na, opôs ao projeto de Rui Barbosa um proje-

to radical de federalismo fiscal, que debilita-va profundamente a União em benefício dosestados. Na realidade, o federalismo politica-mente frouxo da Constituição de 1891 permi-tia a quase segregação do estado e, por essemeio, a convivência da ditadura rio-grandense com a União. E, de qualquer modo,a idéia da secessão ou de desmembramentofoi publicamente considerada por Castilhosem muitos momentos.

Nesse quadro excitante de dilemas mastambém de alternativas fundamentais Joa-quim Francisco de Assis Brasil edificou a suavasta e densa teoria das instituições políti-cas.

Assis Brasil nasceu em 1857 no municípiode São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Filho deproprietário de estância, herdou extensaspropriedades no estado. Fez os seus primei-ros estudos em Pelotas e, logo, em Porto Ale-gre, nos dois casos em colégios dirigidos porrepublicanos. Sua adesão à causa republica-na foi precoce. No colégio de Porto Alegre foicolega e tornou-se amigo de Júlio de Castilhos,que mais tarde seria eleito, pela AssembléiaConstituinte republicana, presidente do RioGrande do Sul, governando o estado por trêsmandatos, entre 1891 e 1898.

Em 1878 Assis Brasil ingressou na Faculda-de de Direito de São Paulo e, no primeiros anosda década de oitenta, participou ativamentedo Clube Republicano Acadêmico de São Pau-lo, também em companhia de Júlio deCastilhos, com o qual, concluído o bacharela-do, retornou a Porto Alegre. Em 1881 escre-veu A República Federal e em 1882, Históriada República Rio-Grandense, uma reconstru-ção apologética da Revolução Farroupilha.Nesse último ano, fundou com Castilhos o Par-tido Republicano Rio-Grandense (PRR), queassumiu a causa da abolição e da República.Em 1884, com Júlio de Castilhos, Demétrio Ri-beiro, Ramiro Barcelos e Barros Cassal, pas-sou a escrever no jornal do PRR, A Federação,cujo nome sugerira.

A primeira divergência entre Castilhos eAssis Brasil ocorreu em 1887 no Congressodo PRR em Santa Maria sobre a questão dasecessão, defendida por políticos de São Pau-lo e de outras províncias: enquanto Castilhospropunha uma manifestação pública de que opartido não afastava e não repelia a idéia daseparação se necessária para conquistar a re-pública e a federação, Assis Brasil insistia noprojeto de uma República Federal que com-

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preendesse o conjunto das províncias do país,admitindo secessão apenas como um recursoextremo e provisório para alcançar aqueleprojeto. Com o propósito de afastar o impasse,as duas propostas foram retiradas.

Entretanto, em março de 1889, reunidosna Fazenda da Reserva, de Júlio de Castilhos,os republicanos elaboraram um documentono qual reconheciam “a necessidade de orga-nizar a oposição em qualquer terreno ao fu-turo reinado (...) e a necessidade de prepararelementos para, no momento oportuno, ga-rantir o sucesso da revolução”, nomeandopara agir com tal propósito uma comissão naqual se encontravam Júlio de Castilhos e As-sis Brasil.

Em 1989, o Visconde de Ouro Preto, doPartido Liberal, foi chamado pelo Imperadorpara constituir o que seria o último Conselhode Ministros do Império e, logo, nomeouGaspar da Silveira Martins, monarquista e li-beral convicto, para a Presidência da Provín-cia, o que, descontentando os conservadoresgaúchos, arrastou-os em grande número parao PRR.

Entretanto, com a proclamação da Repú-blica, a primeira reação dos monarquistas deGaspar Martins diante do golpe de Deodorofoi simplesmente a abstenção política. Assim,em 1890 o PRR elegeu todos os representan-tes do estado à Assembléia Constituinte: trêssenadores e quinze deputados, incluído entreos últimos Assis Brasil.

Em fevereiro de 1891, um dia depois depromulgada a Constituição, a AssembléiaConstituinte deveria eleger o Presidente daRepública. Surgiu então o segundo desenten-dimento entre Assis Brasil e Castilhos: sob aliderança deste último, o PRR, buscando es-treitar as suas relações com o exército, apoioue elegeu Deodoro; Assis Brasil e aqueles so-bre os quais exercia influência votaram emPrudente de Moraes, um candidato civil e con-ciliador.

Enfim, em 14 de julho de 1891 o CongressoConstituinte estadual aprovou o projeto deConstituição que Castilhos redigira solitária esecretamente enquanto, para ganhar tempo,postergava o trabalho da comissão incumbi-da de elaborá-lo. No mesmo dia a Constituin-te elegeu o chefe republicano para a Presi-dência do estado.

A Constituição, até hoje identificada pelonome de Castilhos, confinava a competênciada Assembléia dos Representantes à tributa-

ção e ao orçamento, entregando ao Presiden-te o poder de legislar sobre qualquer outramatéria, regras coerentes com a concepçãocomtiana da política. Contudo, sob a aparen-te inspiração positivista, a Constituição auto-ritária castilhista estabeleceu, na realidade,no Rio Grande do Sul, entre 1891 e 1928, comintervalos de turbulência e guerra civil, umaditadura autocrática essencialmentejacobina, fundada no centralismo do partidoúnico, o PRR, e, em última instância, novoluntarismo político de seu chefe, Júlio deCastilhos e, a seguir, Borges de Medeiros.

O partido não apenas detinha a suprema-cia sobre o governo e o mais estrito controlesobre a administração, mas o monopólio dacapacidade de arregimentação permanentedo apoio massivo, que obtinha, do centro paraa periferia, de cima para baixo, por meio denomeações, recompensas e ameaças, mas,sobretudo, de uma rede de chefes partidáriose de coronéis-burocratas locais que – inves-tidos no título, no poder e na autoridade pelogoverno estadual – vasocapilarizavam politi-camente todo o Rio Grande. O critério decisi-vo na avaliação de cada comportamento po-lítico consistia em verificar se obedecia ounão ao mais radical alinhamento partidário.

O regime castilhista reforçou a suahegemonia interna assegurando ao estado,em vez de integração, o isolamento e a coe-xistência, à distância, com a federação cons-titucional frouxamente articulada que resul-tara do pacto entre as oligarquias estaduaisdo país.

Tripulada por segmentos mais recentes esocialmente não hegemônicos do conjunto daoligarquia sul-rio-grandense, a ditaduracastilhista e borgista desencadeou um esfor-ço de modernização conservadora e de cres-cimento econômico com base no investimen-to público em infra-estrutura que culminariacom a gestão de Vargas na presidência do es-tado, entre 1928 e 1930.

Mas já em 1891 instalou-se no estado a tur-bulência. Deodoro dissolveu o Congresso, pro-vocando manifestações de reprovação e re-beldia em todo o país. Depois de algumas hesi-tação, Castilhos manifestou publicamente oseu apoio ao Marechal. Em conseqüência, foiobrigado a renunciar, assumindo o governouma Junta Governativa com existênciaefêmera, da qual participou Assis Brasil. Se-guiu-se um período de instabilidade e violên-cia políticas, que recrudesceu em 1893 com a

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reeleição de Castilhos à presidência do estadoe com a Revolução Federalista, que a seguiu,para cessar apenas em 1895, com a interven-ção pacificadora do Presidente Prudente deMorais. Terminada a guerra civil, Castilhos ain-da governou pouco mais de 2 anos, elegendo oseu sucessor, Antônio Augusto Borges deMedeiros, que ocuparia o governo de 1898 a1928, com o intervalo de 1908 a 1913, duranteo qual o governo seria exercido por outro re-publicano, Carlos Barbosa.

Em dezembro de 1891 Assis Brasil publica-ra um manifesto rompendo formal e definiti-vamente com o castilhismo. Contudo, não po-dia associar-se quer aos dissidentes do PRR,quer aos federalistas, que, liderados por Gasparda Silveira Martins, constituiriam em 1892, noCongresso de Bagé, o seu próprio partido. Porum lado, os republicanos rio-grandenses,castilhistas ou dissidentes, tinham clara cons-ciência da extravagante incongruência e in-compatibilidade, no Estado, entre o regimeautoritário de governo e a sua integração à fe-deração constitucional. E, assim, capitalizan-do a fragilidade da federação, alimentavam oisolamento do Rio Grande, buscando, na prá-tica, converter-lhe a autonomia em soberania.Por outro, o Partido Federalista tinha comocentro de seu programa o sistema parlamen-tar de governo que supunha uma federaçãocom a maior concentração possível de poderna União, no limite um Estado unitário. Diver-gindo essencialmente dos dois projetos extre-mos, Assis Brasil propunha uma República Pre-sidencial Federativa.

Assim, politicamente solitário, Assis Bra-sil retornou à atividade diplomática, no cur-so da qual, em 1893, publicou o seu livro De-mocracia Representativa. Do Voto e do Modode Votar. A obra seria reeditada sucessiva-mente em 1894, 1895 e, enfim, em 1931, comofundamento para a elaboração do projeto deCódigo Eleitoral pela subcomissão nomeadapelo Governo Provisório e presidida pelo cas-telão de Pedras Altas.

Em 1896, enquanto embaixador do Brasilem Portugal, Assis Brasil publicou, em Lis-boa, Do Governo Presidencial na RepúblicaBrasileira, reeditado no Brasil em 1934, anoem que se reuniu a Assembléia Constituinte,da qual foi deputado pelo Partido Libertador.

Retornando à política e ao estado, Assis Bra-sil apoiou em 1907 Fernando Abbott, que con-corria à presidência do estado contra o candi-dato de Borges, Carlos Barbosa, afinal eleito.

Em 1908 Assis Brasil fundou em SantaMaria o Partido Republicano Democrático(PRD),cujo programa político-institucionalconcentrava-se em duas proposições funda-mentais: o federalismo e o presidencialismocom a nomeação do Presidente pela repre-sentação política reunida nas duas câmarasdo Congresso, o que, segundo enfatizava opensador político rio-grandense e autor doprograma, não devia ser confundido com elei-ção indireta do Presidente. O livro contendoo longo discurso pronunciado por Assis Bra-sil naquele ato e o programa que ele redigirapara o PRD foi publicado, ainda em 1908, pelaLivraria do Globo, em Porto Alegre, com otítulo Ditadura, Parlamentarismo e Demo-cracia, reeditando-se em 1927 no Rio de Ja-neiro com notas de atualização pelo autor.

Em 1922, em um manifesto redigido porRaul Pilla e assinado por Fernando Abbott eVálter Jobim, as oposições lançaram a candi-datura de Assis Brasil à presidência do estadocontra Borges, que concorria à reeleição. Tra-tava-se da primeira eleição efetivamente com-petitiva e disputada pelo governo do Rio Gran-de do Sul.

Efetuado o pleito em novembro de 1922, aapuração só se realizou em janeiro de 1923, eseu resultado, a vitória a Borges por 106.360votos contra 32.216 de seu contendor, foi cla-ramente fraudulento. Novamente as oposi-ções gaúchas tiveram de recorrer ao levantearmado, desta vez tendo como objetivo nãoapenas a deposição de Borges, mas o afasta-mento dos republicanos dos cargos públicosque ocupavam e a derrogação da Constitui-ção Castilhista,

Contudo, o conflito encerrou-se em dezem-bro de 1923, por mediação do governo fede-ral, com o Tratado de Pedras Altas, que con-tinha compromissos recíprocos entre o go-verno e a oposição, entre os quais aquele queafastava a possibilidade de uma nova reelei-ção de Borges, que governara o estado entre1898 e 1908 e continuaria a governá-lo de1913 a 1928.

Mas a situação permanecia tensa. Em 1924as oposições gaúchas – integradas pelos re-publicanos democráticos (PRD), pelosfederalistas e pelos republicanos dissidentes– associaram-se, formando a AliançaLibertadora, com o propósito de combater aautocracia borgista. Ao mesmo tempo, nafrente política nacional, as oposições gaúchasdesenvolveram contactos com a oficialidade

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jovem do Exército e, em particular, com ostenentes.

Nesse momento Assis Brasil chegou a con-cluir que a revolução seria a única alternati-va viável para a introdução de uma democra-cia pluralista e competitiva no país. E, com ainsurreição tenentista de julho, exilou-se noUruguai, de onde continuou a sua articulaçãocom o movimento revolucionário.

Retornando ao Rio Grande do Sul em 1927,Assis Brasil foi eleito deputado federal juntocom seis outros libertadores. Sua atividadena Câmara dos Deputados concentrou-se nocombate à fraude eleitoral e na proposta deanistia aos revolucionários de 1922 e 1924.No mesmo ano fundou-se, no Rio de Janeiro,no hotel em que residia Assis Brasil, o PartidoDemocrático Nacional (PDN), resultado daassociação entre os líderes da AliançaLibertadora gaúcha e os líderes do PartidoDemocrático paulista, cabendo ao políticogaúcho a presidência do novo partido.

Ainda em 1927, extenuadas e desgastadasa ditadura e as oposições pela guerra civil, re-alizou-se no Rio Grande do Sul a eleição parapresidente do estado. Proibida a reeleição,Borges indicou pelo PRR Getúlio Vargas. Sobtais condições, eleito como candidato único ecom o apoio das oposições, Vargas empenhou-se em um governo de conciliação e e consen-so, introduzindo com tal propósito uma ver-são adaptativa e pragmática do autoritarismocastilhista-borgista originário que, associadaà sua personalidade peculiar, flexibilizava edulcificava o o exercício do poder.

Em março de 1928, reuniram-se em Bagé,no Congresso da Aliança Libertadora, repre-sentantes dos federalistas, dos republicanosdemocráticos e dos republicanos dissidentes,com a presença de uma delegação do PDpaulista, para examinar a viabilidade de fun-dir as oposições rio-grandenses em um únicopartido. Entretanto, foi impossível conciliaro parlamentarismo dos federalistas com opresidencialismo assisista. Raul Pilla e AssisBrasil chegaram a um consenso sobre umafórmula provisória, que afastava as questõescontroversas: eleição do Presidente da Repú-blica por um colégio eleitoral e um governocolegiado. Com base nesse consenso fundou-se, dois dias depois, o Partido Libertador (PL),tendo como presidente Assis Brasil e comovice-presidente Raul Pilla. O programa, ela-borado por Assis Brasil, silenciava sobre o sis-tema de governo – questão sobre a qual não

havia consenso – mas concentrava-se no votosecreto, na representação proporcional, nainstituição de tribunais eleitorais independen-tes e nos direitos civis e políticos.

Entrementes, rearticulava-se, no país, omovimento político-revolucionário pela de-mocracia, cuja direção coube ao PDN e cujachefia foi confiada a Assis Brasil. O pensamentode Assis Brasil, do Partido Democrático Naci-onal e do Partido Libertador acerca do regi-me político vigente sob Washington Luís e dasucessão presidencial de 1930, encontra-seno livro Atitude do Partido Democrático Na-cional na Crise da Renovação Presidencialpara 1930-1934, que contém dois discursospronunciados em 1929 pelo político gaúchona Câmara dos Deputados, além dos progra-mas daqueles dois partidos.

Em 1929 deputados federais gaúchos emineiros articularam nacionalmente a Alian-ça Liberal, que se propunha assegurar a vitó-ria de uma candidatura oposicionista vigoro-sa ao governo de Washington Luís como últi-ma alternativa constitucional a um movimen-to armado para estabelecer uma verdadeirademocracia no país. A Aliança Liberal am-pliou-se nacionalmente com o lançamentodas candidaturas de Vargas para a presidên-cia e de João Pessoa, presidente da Paraíba,para a vice-presidência da República.

No Rio Grande do Sul constituiu-se a Fren-te Única Gaúcha (FUG), que congregava inso-litamente PRR e PL para apoiar o programada Aliança Liberal, que incluía o voto secre-to, a instituição de um Código Eleitoral e detribunais eleitorais, e a democracia represen-tativa.

A vitória do candidato situacionista, JúlioPrestes – em eleição contaminada por frau-de, intimidação e violência –, sucedida peloassassinato de João Pessoa, deu a senha paraa revolução, logo vitoriosa, sob a liderançade Getúlio Vargas.

Empossado na Chefia do Governo Provi-sório de um país de dimensão continental,fragmentado por oligarquias estaduais e lo-cais e subitamente abalado por uma enormevariedade de radicalismos sísmicosprotagonizados por classes médiasmilitarizadas – Vargas dividiu-se entre a sualealdade aos compromissos do programa daAliança Liberal, que prometera uma demo-cracia representativa e constitucional, e aversão flexível, despartidarizada edespolitizada, do método autoritário que ha-

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via ensaiado no governo do Rio Grande doSul. A solução do líder revolucionário con-sistiu em contemporizar tanto quanto possí-vel com a promessa liberal enquanto consoli-dava o caminho para a ditadura.

Em 26 de outubro de 1930, uma semanaantes de Vargas assumir a Presidência da Re-pública, Assis Brasil lhe enviara uma carta,logo conhecida como Decálogo, em cujo itemoitavo recordava os compromissos funda-mentais do novo governo com a Aliança Li-beral: o alistamento eleitoral honesto, o votosecreto, a representação proporcional e aconvocação de uma assembléia nacional cons-tituinte, que deveria instituir no país a demo-cracia constitucional e representativa.

Vargas nomeou uma comissão que, cons-tituída por Assis Brasil e João Crisóstomo daRocha Cabral, elaborou, em 1931, dois ante-projetos de lei que se converteriam na matrizdo Código Eleitoral de 1932. O Código de 32regulava estritamente todo o processo elei-toral, incluindo, além do sistema eleitoral emsentido estrito – que compreende a definiçãodos distritos eleitorais e da estrutura do bole-tim de voto, o procedimento da votação e aconversão dos votos em cadeiras legislativasou em cargos executivos –, o alistamento, aconstituição dos juízes e dos tribunais eleito-rais e as regras para os seus procedimentos.Tratava-se de uma bela obra de arquiteturajurídica, que, entretanto, por longo temponão teria vigência.

Logo depois do empastelamento, por obrade elementos radicais ligados ao tenentismo,do Diário Carioca – jornal do Rio de Janeiroque defendia a necessidade de restituir ao paísa ordem constitucional –, ocorrido em marçode 1932, Assis Brasil enviou ao Chefe do PoderExecutivo uma nova carta, denominadaHeptálogo porque continha sete exigênciasdos líderes rio-grandenses da Aliança Liberal,das quais as cinco primeiras e mais importan-tes eram a instituição de um inquérito, presi-dido por membro do Supremo Tribunal e poreste indicado, com plenos poderes para apu-rar as responsabilidades por aquela violência;o restabelecimento dos direitos civis e políti-cos estatuídos pela Constituição de 1891; aedição de uma lei assegurando a liberdade e asresponsabilidades da imprensa; a nomeaçãode uma comissão de notáveis com o objetivode elaborar um projeto de Constituição paraser submetido à deliberação de uma Assem-bléia Constituinte; e, enfim, a efetiva realiza-

ção do alistamento eleitoral em todo o país,observados os preceitos do novo Código.

Em novembro daquele ano, depois derro-tar a revolução constitucionalista de São Pau-lo, o Governo Provisório nomeou uma comis-são que deveria produzir um projeto de Cons-tituição para o país, da qual também partici-pou Assis Brasil. Mas, diferentemente do Có-digo Eleitoral, a Constituição promulgada em1934 contrariou gravemente o projeto, intro-duzindo na Câmara dos Deputados, ao ladodos representantes eleitos pelo sufrágio uni-versal, deputados classistas que, na realida-de, cooptados pelo Poder Executivo, neutra-lizariam a representação política, reforçandoo autoritarismo em curso.

No campo de batalha, em 1932, e no terre-no político, com a Constituinte de 1934,Vargas derrotou o projeto moderno-liberalde São Paulo – fundado noconstitucionalismo, no governo representa-tivo, na expansão do sufrágio e no federalis-mo –, assegurando a vitória de um projeto demodernização conservadora, que se faria pormeio do modelo peculiar de autoritarismo aque já havia chegado, germinativamente, noRio Grande do Sul.

Esse projeto teve duas faces: por um lado,seguiu e aprofundou a política de investimen-tos em infra-estrutura e em indústrias bási-cas que Borges de Medeiros desenvolvera noRio Grande do Sul; por outro, assimilou a tra-dição bismarckiana de um Estado de compro-misso entre classes sociais com base em al-guns programas de bem-estar social.

Ao longo do governo provisório, do regi-me de 1934 e do Estado Novo, Vargas recor-reria efetivamente, na direção do governo daUnião e dos estados, à versão adaptativa epragmática do autoritarismo castilhista quefizera funcionar no Rio Grande do Sul entre1928 e 1930.

No novo autoritarismo a arregimentaçãoe o alinhamento partidários cederam lugar àdesmobilização, à negociação, aopragmatismo e à despolitização crescente dasdecisões públicas. o partido foi simplesmen-te substituído, como instrumento de gover-no, pela administração técnica, fenômeno quese converteria na característica mais insólitado Estado Novo.

Vargas recusou não apenas a instituiçãodo partido único - em virtude dos riscos ine-rentes aos seus efeitos virtualmentemobilizantes - mas a instituição do governo

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de partido, substituindo-as por um governolegitimado pela competência estritamentetécnica e administrativa, dotado de elevadonível de institucionalização, de eficiência e deneutralidade técnicas.

Com Vargas consolidou-se a matriz doautoritarismo brasileiro que, sobrevivendo,ainda adaptativamente, ao longo do regimeconstitucional 1946, teria o seu maior refina-mento no governo Juscelino Kubitscheck.

Em sua obra Assis Brasil construiu os fun-

damentos da democracia representativa, dogoverno presidencial e do federalismo brasi-leiros.

Em 1933 Assis Brasil foi eleito pelo Parti-do Libertador para a Assembléia NacionalConstituinte, na qual continuou a defender oprograma da Aliança Libertadora, enfatizandoa independência do poder judiciário. Entre-tanto, a sua presença na Constituinte foiefêmera, afastando-se dela e da política noinício de 1934.

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Paulo Gabriel Martins de Moura é Mestre em Ciência Política – UFRGS; Doutorando em Comunicação Social – Famecos (PUC-RS);Professor do Curso de Ciência Política da ULBRA. Fone/fax: 55 51 3337.6854. Celular: 55 051 [email protected]

Artigo

Canoas n.13 jul./dez. de 2004 p.89-98

Cultura, Comunicação ePolítica na Sociedade

Contemporânea

Culture, Communication and Politics inContemporary Society

Paulo Gabriel Martins de Moura

RESUMO

A dimensão cultural adquiriu relevância central para a análise e compreensão dadinâmica dos acontecimentos da sociedade contemporânea. Sob esse ponto de vista, eno contexto do capitalismo pós-industrial, procura-se compreender a dimensão cultu-ral da vida social, como se produzindo e se reproduzindo no interior daquilo que aquidefinimos e procuramos descrever como sendo os “circuitos culturais”, que explicam osmecanismos de circulação dos bens simbólicos, assim como suas imbricações com adimensão política da nossa sociedade. O marketing eleitoral e a comunicação políticaoperam no interior do circuito da cultura, como estágios do processo de construção designificados e recrutamento de identificações no contexto das disputas de poder no seioda sociedade midiatizada.

Palavras-chave: poder simbólico, circuitos culturais, marketing eleitoral, co-municação política.

ABSTRACT

The cultural dimension has acquired fundamental importance for analyzing andunderstanding the dynamic behind the events of contemporary society. From this pointof view and in the context of post-industrial capitalism, one tries to understand thecultural dimension of social life as producing and reproducing itself on the inside of thatwhich we here define and try to describe as the “cultural circuits,” which explain themechanisms of circulation of symbolic assets as well as their overlaps with the politicaldimension of our society. Electoral marketing and political communication operate onthe inside of the culture circuit like stages of the process of meaning construction and

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identification recruitment in the context of power struggles in the bosom of mediatizedsociety.

Key words: Symbolic power, cultural circuits, electoral marketing, politicalcommunication.

INTRODUÇÃO

No presente artigo, procuramos lançar umolhar sobre a interface inevitável e cada vezmais evidente entre a cultura, a comunicaçãoe a política. Para tanto, buscamos suporte emautores contemporâneos do novo campo te-órico dos Estudos Culturais, para sustentarpontos de vista segundo os quais, a dimensãocultural adquiriu relevância central para aanálise e compreensão da dinâmica dos acon-tecimentos econômicos, sociais e políticos dasociedade contemporânea.

Essa compreensão pressupõe entender acultura num sentido amplo e complexo, quenão se restringe à visão elitista e limitada ex-clusivamente ao mundo das artes, mas a com-preende como algo relacionado à dimensãosimbólica da vida de todos os indivíduos, nasesferas micro e macro social e política.

Sob esse ponto de vista, e no contexto docapitalismo pós-industrial, procura-se com-preender a dimensão cultural da vida social,como se produzindo e reproduzindo no inte-rior daquilo que aqui definimos e procura-mos descrever, inclusive graficamente, comosendo os “circuitos culturais”.

O modelo do circuito da cultura aqui apre-sentado, procura explicar, de formaesquemática e sintética, os mecanismos atra-vés dos quais circulam os bens simbólicos nasociedade contemporânea, assim como, aoadotá-lo, procuramos explicitar as interfacese imbricações entre as dimensões cultural epolítica da nossa sociedade.

O marketing eleitoral e a comunicação po-lítica, portanto, operam no interior do cir-cuito da cultura, como estágios do processode construção de significados e recrutamen-to de identificações no contexto das disputasde poder no seio da sociedade midiatizada.

A CENTRALIDADE DA CULTURACOMO PARADIGMA

Os seres humanos são seres interpretativos,

instituidores de sentido. A ação social é sig-

nificativa tanto para aqueles que a prati-

cam quanto para os que a observam: não

em si mesma mas em razão dos muitos va-

riados sistemas de significado que os seres

humanos utilizam para definir o que signi-

ficam as coisas e para codificar, organizar e

regular sua conduta uns em relação aos ou-

tros. Estes sistemas ou códigos de significa-

do dão sentido às nossas ações. Eles nos per-

mitem interpretar significativamente as

ações alheias. Tomados em seu conjunto,

eles constituem nossas “culturas”. Contri-

buem para assegurar que toda a ação social

é “cultural”, que todas as práticas sociais

expressam ou comunicam um significado

e, neste sentido, são práticas de significa-

ção .1

A expressão “centralidade da cultura” dátítulo a um artigo de Stuart Hall (1997), que,entendemos ser uma referência central den-tre os escritos teóricos dos Estudos Culturais.Nele, Hall defende a tese de que a cultura pos-sui uma importância e um peso explicativobem maior do que lhe era atribuído anterior-mente. O autor refere-se a uma abordagem daanálise social contemporânea, que passou aver a cultura como uma condição constitutivada vida social, ao invés de uma variável de-pendente. Essa concepção provocou, nos úl-timos anos, uma mudança de paradigma nasciências sociais e nas humanidades, que, se-gundo esse autor, passou a ser conhecida comoa virada cultural. 2

Este processo teria tido início com umarevolução de atitudes em relação à linguagem,antes vista como assunto de interesse de lin-güistas e estudiosos da literatura, mas agoraincorporada como preocupação mais amplaligada às práticas de representação, no inte-rior das quais é conferida à linguagem umaposição privilegiada na construção e circula-ção de significados. Na concepção de Du Gay

1 HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revo-luções culturais do nosso tempo. Revista Educação e Realidade,jul./dez. 1997, 22(2): 15-46.2 Id., Ibid., p. 27.

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(1994), a linguagem constitui os fatos e nãoapenas os relata, estabelecendo uma relaçãototal entre linguagem e realidade. Essa cone-xão entre linguagem e realidade estabelece-se na medida em que os objetos, embora exis-tam independentemente da linguagem, sópodem ser definidos socialmente em funçãoda existência de um sistema de significaçãocapaz de classificá-los dessa forma, dando-lhes um sentido, ao distingui-los de outrosobjetos. Isto é, o significado surge não dascoisas em si – a realidade – mas a partir dosjogos de linguagem e dos sistemas de classifi-cação nos quais as coisas são inseridas, o queleva a considerar-se aquilo que tendemos atratar como fatos naturais, também como fe-nômenos discursivos. (Hall, 1997)

Assim a cultura é entendida como a somade diferentes sistemas de classificação de di-ferentes formações discursivas aos quais a lín-gua recorre a fim de dar significado às coisas.Os significados que atribuímos aos objetos,portanto, resultam de seu caráter discursivoe não de uma suposta essência natural a elesimanente. Dessa forma, entende-se que osprocessos econômicos e sociais, por depen-derem do significado e terem conseqüênciasem nossa maneira de viver, em razão daquiloque somos – nossas identidades – e dada àforma como vivemos, também têm que sercompreendidos como práticas culturais,como práticas discursivas (Hall, 1997).

Embora, como Gramsci já o entendera, eantes dele talvez os “intelectuais orgânicos”da burguesia revolucionária, a cultura sem-pre tenha jogado um papel central nos pro-cessos sociais, os Estudos Culturais identifi-cam, na dinâmica das transformações da so-ciedade atual, que a cultura tem assumidopapel central e incomparável no que diz res-peito à estrutura e à organização da socieda-de moderna tardia. Isto se verifica em rela-ção aos processos de desenvolvimento domeio ambiente global e na disposição de seusrecursos econômicos e materiais, devido àexpansão dos meios de produção, circulaçãoe troca cultural, proporcionada pela revolu-ção nas tecnologias da informação.

Nesse contexto, a mídia joga papel central,hoje em dia, para a sustentação dos circuitosglobais de trocas econômicas, dos quais de-pende todo o movimento mundial de infor-mação, conhecimento, capital, investimento,produção de bens, comércio de matéria pri-ma e marketing de produtos e idéias. Esse fa-

tor nega sustentação à tese marxista sobre arelação entre a base econômica e a superes-trutura ideológica das sociedades, pois hoje amídia integra, de forma vital e inseparável, ainfra-estrutura material das sociedades mo-dernas, sendo um dos principais meios de cir-culação do capital intelectual e simbólico quealimenta e move o novo sistema de produçãode riqueza da sociedade contemporânea.

A comunicação online em realtime pro-duz a compressão tempo-espaço, alterando apercepção que as pessoas têm dessas dimen-sões, e modificando a maneira como elas per-cebem a realidade. De repente, sociedades si-tuadas em extremos distantes do planeta, comhistórias e culturas distintas; tempos, estági-os e ritmos diferentes de desenvolvimentosofrem o impacto das informações que circu-lam em alta velocidade pelas vias neurais quetransportam, de um lado para outro do mun-do, o novo capital simbólico. Vê-se, assim,mudar seus modos de vida, suas maneiras deperceber a vida e as expectativas que nutremem relação ao futuro. Enfim, seu tecido cultu-ral e social tradicional é permanentementetrespassado por essas informações, fazendocom que o local não tenha mais identidade“objetiva” fora de sua relação com o global(Du Gay, 1994).

Em um dos primeiros movimentos de aná-lise desse processo, buscou-se ver nele umapropensão à homogeneização eestandardização da cultura. Essas caracterís-ticas teriam sido provocadas pela existênciade redes transnacionais de produção, trans-missão e circulação de informações, merca-dorias ou pessoas, que, utilizando tecnologiase/ou linguagens padronizadas, apagariam asparticularidades e diferenças locais, substi-tuindo-as por uma alegada cultura mundialpasteurizada e homogênea em suas caracte-rísticas principais.

Tal como ocorreu com as teorias da co-municação, que evoluíram da concepçãohipodérmica para concepções mais moder-nas e complexas do processocomunicacional, a análise do impacto do pro-cesso de globalização sobre as culturas locaistambém evoluiu para concepções mais com-plexas. Esta não necessariamente nega umacerta tendência à homogeneização eestandardização da cultura mundial, mas aconsidera como apenas uma das dimensões etendências a conviver com processos diver-sos de reação e resposta local às pressões

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homogeneizadoras.Entendemos ser mais correta a visão se-

gundo a qual a diversidade é naturalmentedecorrente e intrinsecamente necessária aosprocessos culturais, e que este processo depermanente produção de diferençascorresponde também a uma necessidade ló-gica da circulação do capital que tende a con-verter os produtos culturais em mercadoriaspara o mercado globalizado e midiatizado.Concordamos com o ponto de vista de Hall,para quem, nesse contexto, é mais provávelque sejam produzidas simultaneamente no-vas identificações globais e novas identifica-ções locais do que uma cultura global unifor-me e homogênea (HALL, 1997).

Ao defender seu ponto de vista, Hall (1997)refere-se a Woodward, que utiliza a expressão“fechamento” para identificar o tipo de reaçãoresistente à mudança cultural global, que, se-gundo ele, podem ser positivas, mas que mui-tas vezes podem também, ser reações defensi-vas e negativas3, contrárias à cultura global.Para Hall (1999), então, o nacionalismo cultu-ral como forma de reafirmação da herançacultural tradicional de uma determinada co-munidade, por exemplo, presente emdiversificadas manifestações, em diferentespartes do planeta - e que pretendemos demons-trar ter ocorrido com relação ao nosso objetode estudo -, pode ser considerado como ex-pressão de reações culturais conservadorasintegrantes de uma tendência de retrocesso4

causado pela disseminação da diversidade efe-tuada pelas forças da globalização cultural.

A CULTURA MUDANDO A VIDADE CADA UM E DE TODOS

Um dos aspectos que distingue o enfoqueparadigmático da realidade pelo viés da cul-tura é a importância conferida à dimensãomicropolítica das transformações sociais.Essa importância dada à dimensãomicropolítica decorre da própria visãoparadigmática proposta, e da posiçãoepistemológica dela decorrente, mas tambémdo fato de que a revolução tecnológica emcurso, e o processo de globalização a ela vin-culada, ao alterarem a percepção social darelação tempo-espaço, desencadearam trans-formações muito significativas na vida dosindivíduos, dos grupos e das comunidadeslocais e regionais.

O enfoque de Hall volta-se para mudançasculturais tais como as transformações da es-trutura familiar e da relação entre as gera-ções, com impacto sobre a autoridade dospais sobre os filhos, entre outras; o declíniodo casamento; a transformação do perfiletário da população e seu impacto sobre ossistemas de seguridade social e projetos devida dos indivíduos; a relação dos indivíduoscom a religião e a igreja e as decorrentes alte-rações nos padrões de conduta moral e socialtradicional; a substituição da ética puritanadecorrente da decadência da moral religiosa,por uma ética consumista e hedonista decor-rente da sociedade de consumo e do podersimbólico e ideológico das mercadorias numasociedade midiatizada. Essas mudanças, em-bora vistas por Hall (1997) como não exclu-sivamente relacionadas à condição de classedos indivíduos, estão todas derivadas e rela-cionadas, pelo próprio autor, às mudançaseconômicas da sociedade global e tecnológica.

A diferença do determinismo econômico,no caso, talvez esteja na identificação detransformações na vida local e no cotidianoque foram precipitadas pela cultura. Istopode ter se dado devido ao fato de que a redede comunicação global que interliga os dife-rentes quadrantes do planeta em tempo real,criando um verdadeiro mercado de trocassimbólicas, tornou bastante acessível aos in-divíduos a informação sobre outros povos eculturas e as decorrentes comparações, assi-milações e/ou rejeições de símbolos e valo-res daí decorrentes, levando a cultura a pe-netrar em cada recanto da vida social con-temporânea, fazendo proliferar ambientes

3 Interpretamos os termos positivo e negativo aqui utilizadospelo autor como estando desprovidos de juízo de valor ou dequalquer conteúdo pejorativo, e sim, como tentativas de identi-ficar as propensões à integração e assimilação às tendênciasglobalizadoras por parte das comunidades nacionais, regionaisou locais, por um lado, ou à resistência e negação a essas tendên-cias por essas mesmas comunidades, por outro lado.4 Entendemos no mínimo como controvertida a caracterizaçãocomo sendo retrocesso (idéia de volta atrás no tempo em direçãoa um momento histórico já transcorrido) à tendência nostálgicaidentificada nos movimentos de resistência à globalização cul-tural. Coerente com a visão que o próprio Hall sugere em outraspassagens de seus textos, parece-nos que o que ocorre, tanto noscasos de integração como nos casos de resistência à globalização,é a geração de um novo produto cultural, correspondente a umnovo momento histórico, decorrente da mistura sincrética en-tre os ingredientes oriundos das pressões culturaisglobalizadoras, com os sentimentos nostálgicos e conservadoresdecorrentes das tendências de resistência a essas pressões, e nãoe idéia simplista e simplificadora de volta no tempo. Trata-seaqui, de uma caracterização do movimento de transformação quese processa no circuito da cultura na era da globalização, o quenão implica em desconhecer que, em muitos casos, as motivaçõesdos adeptos dessas tendências de resistência à globalização sejamconservadoras, ou mesmo reacionárias.

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secundários, mediando tudo. (Hall, 1997).Nesse contexto, a nostalgia de uma comu-

nidade imaginada (ancorada em fragmentosperdidos na memória social e individual deculturas vividas em importantes locais, trans-formados ou destruídos pela transição da so-ciedade industrial para a pós-industrial) vi-rou produto valioso do mercado de trocassimbólicas, especialmente quando o que estáem jogo são disputas de poder, a regulaçãosocial e a construção da hegemonia atravésda cultura e da comunicação.

A ótica tradicional do conceito dehegemonia, na cultura das esquerdas, sem-pre focou seus pontos de vista nas dimensõessocial e política em seu sentido macro. Mes-mo tendo o mérito de introduzir o viés da cul-tura no âmbito das relações de hegemonia,tanto para fins de análise como para fins polí-ticos propriamente ditos, a questão da formacomo os processos de construção e consoli-dação da hegemonia se processam no âmbitomicro-político e individual somente veio a sercontemplada como relevante para a análise ecompreensão da realidade, muito recente-mente, e como resultado da evolução dos Es-tudos Culturais. Hall (1997) nos chama a aten-ção para a centralidade da cultura na consti-tuição da subjetividade e da própria identi-dade e da pessoa como ator social, que se-gundo ele, até pouco tempo era vista comoseparação acadêmica convencional entre dis-ciplinas como a sociologia e a psicologia, ain-da que se reconhecesse formalmente certainterface e relação entre essas duas dimen-sões. As questões da cultura têm abalado alinha divisória formal entre essas duas dimen-sões dos processos sócio-políticos e culturais,e não há como negar que os significados sãosubjetivamente válidos e, ao mesmo tempo,estão objetivamente presentes no mundocontemporâneo – em nossas ações, institui-ções, rituais e práticas (HALL, 1997).

Desse ponto de vista, depreende-se que aidentidade nacional (ou eventualmente ou-tros tipos de identidade coletivas similares)emerge do diálogo entre os conceitos e defi-nições que são representados para nós pelosdiscursos de uma cultura e pelo nosso desejo(consciente ou inconsciente) de responderaos apelos feitos por esses significados, desermos interpelados por eles, e de assumir-mos as posições de sujeitos construídas paranós por alguns discursos que projetam ima-gens em relação às quais investimos nossas

emoções em busca de identificação.5

Assim sendo, aquilo que comumente é re-conhecido como nossas identidades, estasseriam constituídas pelo processo de sedi-mentação das diferentes identificações ouposições adotadas pelos indivíduos como sebrotassem do interior de cada um de nós, masque na realidade são o resultado de um con-junto especial de circunstâncias, sentimen-tos, histórias e experiências única e peculiar-mente nossas como sujeitos individuais, em-bora formadas culturalmente e sob influên-cia de contextos sociais. As subjetividadessão, portanto, segundo esse ponto de vista,parcialmente produzidas de modo discursivoe dialógico, como resultantes de um proces-so de identificação que possibilita que nosposicionemos no interior das definições queos discursos culturais (exteriores) fornecemou que nos subjetivemos (dentro deles), tor-nando impraticável, para efeito de análise, adivisão entre interior e exterior, ou entre adimensão social e psicológica dos processosculturais6.

Esses processos são simultaneamente in-dividuais e coletivos, e encontram, na sua di-mensão cultural, aspecto central. Nem tudo écultura nos processos sociais, mas há relaçãode dependência entre as práticas sociais e osprocessos de construção de significado, quetêm, necessariamente, seu caráter discursivo.O funcionamento das lutas por poder e dosconflitos e disputas em torno de interesseseconômicos, com impacto direto sobre a vidadas pessoas, depende da forma como as pes-soas definem politicamente as situações. E aspessoas definem politicamente as situaçõesde acordo com o ponto de vista aqui defendi-do, isto é, no interior do que definimos a se-guir como circuitos da cultura, com todas assuas implicações teóricas e epistemológicas.

DE QUE CONCEITO DECULTURA ESTAMOS FALANDO?

A dimensão cultural possui, portanto, im-portância central para a compreensão dosprocessos sociais, políticos e econômicos

5 Hall utiliza um exemplo sobre a identidade inglesa, ao refe-rir-se a essa questão, e sugere que se veja Woodward 1997.6 HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revo-luções culturais do nosso tempo. Revista Educação e Realidade,jul./dez. 1997, 22(2): 15-46.

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contemporâneos. Mas qual compreensão te-mos nós de cultura?

Raymond Williams, um dos principais te-óricos e “fundador” dos Estudos Culturais,propõe um enfoque que consideramos ade-quando do conceito de cultura. Sua contri-buição ao debate tem no texto Culture isOrdinary (1993) uma referência central paraesse novo campo teórico. O insight que mo-biliza sua reflexão, nesse texto, brota da rup-tura com uma concepção tradicional do con-ceito de cultura, predominante nos meios aca-dêmicos e intelectuais até então.

Williams demarca sua compreensão doconceito de cultura entendida como um pro-cesso que se dá em vários níveis e do qualparticipam todos, em oposição à compreen-são elitista da cultura como sendo algo restri-to à produção artística somente acessível auma minoria que faz os produtos artísticos.

Para esse autor, a sociedade em desenvol-vimento é um dado e, no entanto ela se cons-trói e reconstrói em cada modo de pensar in-dividual, através do lento aprendizado das for-mas, dos propósitos e significados que possi-bilitam o trabalho, a observação e a comuni-cação. Esse processo complementa-se com acomprovação daqueles na experiência, a cons-trução de novas observações, comparações esignificados. Assim, a cultura é compreendidacomo tendo duas dimensões que envolvem asdireções e os significados conhecidos, em queseus membros são treinados, e as novas ob-servações e significados, que são apresenta-dos e testados. A cultura é, nesse sentido en-tão, simultaneamente tradicional e criativa.

Parte-se do pressuposto, portanto, de quea cultura, isto é, o sistema de formação e re-produção de crenças e valores de uma socie-dade, entendido como algo que envolve emsuas ambigüidades a história de disputas emtorno da fixação de seu sentido para cumprirdeterminada função social, é um campo deluta 7. Segundo essa lógica, a cultura pode serconsiderada como mais importante para umprojeto de transformação social, ou talvez atéum caminho distinto e mais adequado do queo preconizado pelo “marxismo tradicional”para essa finalidade histórica que, na lingua-gem de Williams, implica em lutar para a cria-ção de uma “cultura comum”.

No prefácio de Culture and Society (1958),

Williams explicita a aspiração dos EstudosCulturais, segundo ele, à construção de umateoria geral da cultura, amparada na compre-ensão da cultura como uma teoria das rela-ções entre os elementos de todo um modo devida, alertando para a importância de assimi-larmos a idéia de uma cultura em expansão,que requer que procuremos entender sua na-tureza e condições.

Aceita essa compreensão do processo cul-tural, não é possível compreender as mudan-ças em que estamos envolvidos se nos limi-tarmos a pensar as revoluções democrática,industrial e cultural como processos separa-dos. Além disso, para Williams, a verdade arespeito de uma sociedade encontra-se nasrelações reais e bastante complexas que seestabelecem entre o sistema de decisões, osistema de comunicação e de aprendizagem,o sistema de manutenção e o sistema de gera-ção e criação (Williams, 1961).

Para fundamentar suas posições, Williamsdesenvolve toda uma análise sobre o papelda arte no processo cultural, inserido-a noque define como sistema de criação de umasociedade, propondo uma revisão do sentidode criatividade e das artes como algo funda-mental para compreender-se a definição decultura envolvendo todo um modo de vida eos processos especiais das artes e do aprendi-zado, ou seja, compreendendo a cultura tan-to como o modo de vida, quanto os proces-sos, e não apenas produtos culturais.

Nesse sentido, a criatividade é vista comoalgo comum a todos, isto é, como possibilida-de de perceber a relação entre significados evalores formuladores nas artes e significadose valores inscritos em convenções e institui-ções sociais, que estruturam os modos de vidadas sociedades. Compreendida essa relação,amplia-se o poder de captação das formas quedefinem a sociedade em questão.

Para mapear o presente (campo da açãopolítica que interessa a Williams realizar), noentanto, há um pré-requisito metodológicoque é o de compreender-se a mudança na his-tória, compreensão essa que remete direta-mente ao conceito-chave de “materialismocultural”, equivalente funcional na teoria deWilliams, ao conceito de materialismo histó-rico tão caro à tradição marxista.

Dessa maneira, a sociologia da cultura pro-posta por Williams parte da compreensão deque os meios de comunicação existentes nasociedade contemporânea não são autôno-mos, mas constituídos e constituintes da or-

7 Cf. E. P. Thompson, citado por Cevasco in CEVASCO, Mª Elisa,2001. Um plano de trabalho: Culture is Ordinary, in Para lerRaymond Williams, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

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dem social na qual seus efeitos seriam medi-dos. Entendida a cultura como a interação deum modo de vida e dos produtos das artes edo aprendizado, a sociologia da cultura pro-posta por Williams deveria voltar-se para oexame dos diferentes tipos de instituições eformações na produção e distribuição de bensculturais, e na ligação destes com todos osprocessos materiais de produção de uma de-terminada sociedade.

Nesse contexto, Williams defende a tese deque se faz necessário reexaminar as categoriasteóricas e as disciplinas através das quais des-crevemos e entendemos os processos de sig-nificação, entendendo que estudar a culturaordinária pode ser um modo de explicar o fun-cionamento real do mundo em que vivemos edas formas que herdamos para entendê-lo, afir-mando a necessidade de reformulação das con-cepções teóricas vigentes na época sobre acultura, e que, nesse contexto, a teoria deveser pensada como intervenção.

Assim, Williams retém, das três vertentesda teoria marxista da cultura, a visão clássicaque relaciona a interpretação da cultura nasua relação com o modo de produção, des-prezando a análise que relaciona a cultura auma só classe, e a visão que entende que acultura está relacionada ao modo de produ-ção. Lutar pela mudança, portanto, passariapor estabelecer prescrições sobre o tipo dearte que seria adequado ao novo modo deprodução pelo qual se estaria lutando paraimplantar. Para ele, então, a solidariedadeseria um princípio da cultura da classe traba-lhadora, oposto ao da classe dominante queexclui os trabalhadores do acesso à arte e àeducação. Assim, a produção cultural da clas-se trabalhadora, vista como contribuição es-pecífica para a herança comum da sociedade,mais do que as obras individuais, são as insti-tuições (sindicatos, partidos, movimentoscooperativos, etc.) nas quais se praticam idéi-as coletivas de desenvolvimento social.

O modo de vida coletivo da classe traba-lhadora, que encontra expressão nas institui-ções democráticas, configuraria, portanto,uma versão da sociedade que não precisa ficarconfinada somente a esta classe e pode ser es-tendida para a sociedade em geral, residindoaí uma das fontes do potencial de mudançadessa classe. Os meios de comunicação demassas ofereceriam a condição técnica neces-sária para a criação dessa cultura comum. Paraisso, a audiência de massa deveria ter facilita-do seu acesso à produção, de forma a

transformá-la em produtores ao invés de sim-ples consumidores do que os outros acham quevão gostar. A contribuição central do pensa-mento de Williams se daria, então sob a rubri-ca do pensar novas maneiras de abrir a possi-bilidade para uma cultura comum.

Essa reprodução sintética aqui feita, dacompreensão daquilo que Williams definecomo “cultura ordinária”,8 não tem a preten-são de manifestar adesão à ótica ideológicadefendida pelo autor. Parece-nos que, mes-mo pretendendo evoluir em direção a umavisão mais ampla e complexa dos processossociais do que a expressa pela visão marxistatradicional, Williams preserva as pretensõesutópicas e românticas do marxismo.9

A crise do paradigma marxista e a falênciado socialismo real talvez tenham permitido aesse autor abandonar o receituário clássicoda revolução socialista que os manuais mar-xistas defendem, mas não parece tê-lo levadoa abandonar a utopia de uma nova sociedadeformada a partir dessa cultura comum, a seralcançada como resultado da intervençãotransformadora na realidade, somente queagora pelo viés da cultura. Williams não pare-ce ser o único teórico fundador dos EstudosCulturais a compartilhar dessas ilusõesteleológicas.

A não ser pela referência à solidariedadecomo um valor alegadamente intrínseco10 àcultura da classe trabalhadora, e a algumasreferências a um conceito próprio (e tambémvago) de democracia, Williams não faz refe-rência a quaisquer outros valores inerentes ácultura da classe trabalhadora que seriam osreferenciais que norteariam a mudança soci-al (oposta aos valores burgueses), em dire-ção aos quais a sociedade deveria11 caminhar,o que ao nosso ver deixa sem resposta umalacuna teórica considerável. A experiência

8 Entendemos que a tradução literal para o português da ex-pressão original em inglês cunhada pelo autor, não contemplatoda a riqueza do conceito e do ponto de vista teórico queWilliams expõe em Culture is Ordinary.9 Terry Eagleton identificou esse tendência em The Illusions ofPostmodernism, como indica passagem de seu texto reproduzidapor Cevasco, 2001, p. 70.10 Entendemos que todo o ser humano é, simultânea e natural-mente, inclinado à colaboração e à competição, e que, o que levaos indivíduos a penderem mais para uma ou outra tendência,não é sua condição de classe, que Williams defende fornecer osubstrato para a construção dessa “cultura comum”, ao nossover, equivalente funcional á utopia comunista no esquematórico do marxismo tradicional.11 A representação gráfica do circuito da cultura tal como ex-posta acima, é criação do designer gráfico Manoel Petry, a par-tir de briefing deste autor.

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histórica não trás boas lembranças das con-seqüências práticas que esse tipo de utopiaproduziu para sociedade contemporânea.

Nossa crítica, no entanto, não desprezaa contribuição do insight teórico deWilliams, segundo o qual a cultura não seresume à “alta cultura” ou às artes, mas sim,que é um processo que se dá em vários ní-veis e do qual participam todos, iluminan-do uma das dimensões em que se processa aprodução e a reprodução da cultura na so-ciedade moderna.

UM MODELO TEÓRICO -METODOLÓGICO

Johnson (1996) propõe um modelo teóri-co para explicar o que ele chama de circuitosculturais. Esse modelo vai, posteriormente,ser aperfeiçoado por Paul du Gay e Stuart Hall(1997).

Um diagrama permite representar, de for-ma mais inteligível, o circuito da produção,circulação e consumo dos produtos culturaisa que se referem, Johnson (1996) num pri-meiro momento, e posteriormente Du Gay eHall (1997). Não nos parece haver contradi-ção entre os modelos/diagramas construídospor esses autores, mas sim evolução ecomplementaridade, razão pela qual daremospreferência ao modelo de Du Gay e Hall, vistopor nós como mais completo e por isso, commaior potencial heurístico.

Os diagramas propostos por ambos nossão apresentados graficamente numa super-fície plana, isto é, de forma unidimensional(ver Figura 1, abaixo). Sem prejuízoexplicativo, entendemos que o esquema ad-quire melhor capacidade de representaçãoconceitual, se apresentado sob formatridimensional (ver Figura 2, abaixo), ouseja, não como um círculo desenhado sobreuma folha plana, em que flechas interligamde diferentes formas seus pontos/momen-tos, mas como uma esfera em que as mesmasflechas (ou linhas) cortam o espaço internoou deslizam por sua superfície, podendo cru-zar-se em quaisquer direções e sentidos, in-terligando os pontos/momentos que com-põem o circuito da cultura, tal como procu-ramos expressar.

Fig. 2 – Representação tridimensional do diagrama do circuitoda cultura.12

O diagrama apresenta cinco pontos que re-presentam momentos ou estágios do proces-so de produção (ou, reprodução), o consu-mo; a regulação; a representação e a identi-dade e circulação das relações culturais.

A produção é o resultado de ações de trans-formação socialmente organizada de materi-ais numa nova forma. O consumo consiste doato de gastar/usar produtos, o que no planoda comunicação e da cultura significa a pro-dução de sentido.13 No caso dos processospolíticos propriamente ditos, isto é, a dinâ-mica das relações, disputas e jogos de poderque ocorrem no interior das sociedades, po-

Fig. 1 – Representação unidimensional do diagrama do circuitoda cultura proposto por Du Gay e Hall.

12 Segundo Hall (1985), “Experimentamos o mundo graças e atra-vés dos sistemas de representação da cultura. A experiência é oproduto de nossos códigos de inteligibilidade, de nossos esque-mas de interpretação. Em conseqüência, não existe nenhuma ex-periência fora das categorias de representação ou do discurso.”13 Para Hall (1980), “A realidade existe fora da linguagem, mas éconstantemente mediada por e através da linguagem, e o quenós podemos saber e dizer têm de ser produzido no e através dodiscurso. O conhecimento discursivo é o produto não da trans-parente representação do real na linguagem, mas da articula-ção da linguagem em condições e relações reais.”

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dem ser situadas na intercessão entre os pon-tos/momentos da produção e do consumo docircuito da cultura.

A regulação pressupõe que o artefato cri-ado gera efeito sobre a regulação da vida so-cial. Em se tratando de processo políticos tra-dicionais, as instituições, o sistema de cren-ças e valores, e as normas sociais seriam es-ses artefatos. Contemporaneamente, os pro-dutos culturais, dentre os quais podem serincluídos os audiovisuais que circulam nosmais variados veículos e espaços, também sãocompreendidos como mecanismos deregulação social simbólica.

A representação é o resultado da associa-ção de sentidos a determinado artefato. E, fi-nalmente, a identidade corresponde ao posi-cionamento dos sujeitos, construídos dentroda representação.14 Esses pontos/momentossão inter-relacionados, interdependentes eindispensáveis, uns em relação aos outros.Todos, no entanto, diferem entre si pela for-ma com se relacionam com as outras partes,com o processo e com o todo.

Do nosso ponto de vista, então, o proces-so social, político, cultural e comunicacional,implícito a uma campanha eleitoral é enten-dido como situado dentro do circuito da cul-tura. Mais precisamente - se é que se podereduzir e isolar a rica dinâmica de um proces-so eleitoral – movimentando-se no espaço quevai da representação à identidade.

A comunicação política e o marketing elei-toral operam a partir de um ferramental teó-rico e conceitual próprio, não contempladospelo esquema do circuito da cultura, mas nãoincoerente com ele. Esse ferramental consti-tui as técnicas usadas pelas candidaturas paraconstruir os significados e enunciar as repre-sentações através das quais procuram recru-tar a identificação da maioria dos eleitorescom vistas a produzir como resultado a vitó-ria eleitoral. Diferentes autores ligados à co-municação política e ao marketing eleitoralpodem trabalhar com diferentes conceitos ecategorias, ou atribuir diferentes nomes aosmesmos conceitos.

Uma campanha eleitoral pode ser vistacomo uma guerra que se desenvolve em vá-rias frentes. Trata-se de uma guerra de argu-

mentos; uma guerra de imagens, e uma guer-ra por espaços políticos e territoriais. A pró-pria denominação “campanha” nos chaga pelovocabulário militar.

O planejamento estratégico de uma cam-panha eleitoral, por sua vez, abrange pelomenos duas dimensões, uma de natureza po-lítica, outra de natureza operacional.

As questões de natureza política estão re-lacionadas aos argumentos que os candida-tos esgrimem uns contra os outros, a ques-tões ligadas à imagem das candidaturas, e tam-bém, a questões relacionadas à conquista deespaços no espectro político-ideológico den-tro do qual se situam os diferentes segmentosdo mercado eleitoral.

As questões, que aqui definimos comooperacionais, dizem respeito a aspectos ad-ministrativos, logísticos, financeiros, de infra-estrutura material, de organização, de recur-sos humanos, e finalmente, da conquista deespaços no território físico em que a eleição édisputada, isto é, nos bairros das cidades, nasregiões dos estados, e nos estados do país,dependendo do cargo em disputa. Ambas sãodimensões relacionadas para efeito prático,mas as questões operacionais são de impor-tância mínima para o presente caso, razãopela qual nos deteremos apenas na dimensãopolítica do planejamento estratégico em co-municação política e marketing eleitoral, poisé através deles que são construídos os signifi-cados e as representações através das quaisas candidaturas buscam recrutar a identifica-ção da maioria dos eleitores.

Planejar a estratégia de comunicação po-lítica e marketing eleitoral da candidaturapara a guerra de argumentos que será trava-da entre os candidatos, pressupõe definirquestões tais como: o que dizer (mensagem);por que dizer (objetivos); para quem dizer(eleitorado potencial).

Essa dimensão do planejamento é, por na-tureza, política, e está vinculada à leitura queos cientistas políticos fazem do cenário elei-toral, com base:

a) nas pesquisas quantitativas e qualita-tivas;

b) em conhecimentos sobre teoria política;c) em conhecimentos sobre comporta-

mento eleitoral;d) em conhecimentos sobre cultura cívi-

ca e sobre história; e também,e) em conhecimentos sobre a situação

econômica e social, e sobre a culturapolítica do eleitorado em disputa.

14 As definições aqui esboçadas, dos pontos/momentos do circui-to da cultura de Gay e Hall, procuram reproduzir com fidelida-de, a síntese esquemática produzida pela Profª Drª Ana Caroli-na Escosteguy e apresentada aos alunos da disciplina de Estu-dos Culturais e Comunicação, do doutorado em ComunicaçãoSocial da PUC/RS em 2002.

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Definidas essas questões, o passo seguinteé decidir através de que meios dizer (instru-mentos de comunicação e marketing); ondedizer (veículos de comunicação); a freqüên-cia e as quantidades adotadas para se dizer oque se definiu dizer (plano de mídia); e, final-mente, como dizer (a forma do discurso emtexto, som e imagem). Aqui se faz sentir o pa-pel insubstituível dos profissionais de comu-nicação e publicidade, tais como os jornalis-tas e os publicitários.

São inúmeros os conceitos teóricos dispo-níveis como ferramentas para o planejamen-to de comunicação e marketing de uma cam-panha eleitoral. Carlos Gerbase, cineasta e umdos principais profissionais de comunicaçãoque atuou na campanha de Olívio Dutra em1998, afirmou, num seminário de marketingpolítico promovido pela Universidade Lute-rana do Brasil, que vê a construção da estra-tégia de comunicação de uma candidaturacomo se fosse a criação de uma fábula atravésda qual busca envolver o eleitor. Os concei-tos de foco, posicionamento, discurso básicoe de construção de imagem, são usuais nomarketing eleitoral contemporâneo, e pode-mos utilizá-los também, para uma compre-ensão sobre como podem ser construídos odiscurso e a imagem de uma candidatura, emuma estratégia de comunicação política apli-cada ao marketing eleitoral.

Na sociedade contemporânea, a dimensãosimbólica está intrinsecamente imbricada aosprocessos culturais, tal como descritos pelomodelo dos circuitos culturais, aqui analisa-dos. Assim, os campos da cultura e da comuni-cação assumem papel central como novos ter-ritórios das disputas de poder. Dessa forma,tornar-se-á uma tarefa inglória ao observadorda sociedade atual, analisar e tentar compre-ender a complexidade dos acontecimentospolíticos da sociedade contemporânea, des-conhecendo-se essa dimensão da realidade.

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