"não tenho vergonha de dizer: sou da zona rural, sou agricultora familiar"

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1765 Serra Preta A história de vida de Dona Irene Silva Jesus é marcada por vitórias, algumas delas mais recentes, como a superação de um acidente e a conquista da cisterna de enxurrada, através do Projeto Mais Água, desenvolvido pela APAEB Serrinha e outras organizações que compõe a ASA - BA. Ela que não sabia o quanto sua terra era boa, conta que pensou em abandonar a roça, por não ter como sobreviver nela, com o marido Davi de Jesus, e os filhos Katia de 15 anos e Anderson de 18 anos, que trabalha no Rio de Janeiro. “Nasci e me criei aqui. Antes dos projetos eu pensei em ir embora por que a seca é muito grande. Na última seca a gente panhava água muito distante, a água do banho a gente aproveitava para limpar o banheiro e a casa, por que a água do nosso consumo não era suficiente. Graças a Deus hoje para mim eu costumo dizer que não tem seca. Tenho minhas caixas aí cheias de água boa, tenho minha cisterna de enxurrada, e a de consumo. Sempre trabalhei com agricultura, ia para roça com meu pai. Aqui, o que mais a gente planta é o feijão e o milho. A hortaliça a gente plantava só um pouquinho para tempero. Hoje é uma riqueza que a gente descobriu”. A chegada da cisterna de enxurrada na Comunidade Cazuzão animou também outras famílias, e para Dona Irene, foi um incentivo a mais, já que ela tinha acabado de sofrer um acidente. “Sofri um acidente de automóvel, fiquei três meses em cima da cama. Quando o projeto chegou foi uma notícia maravilhosa. Mesmo doente eu não desisti. Chamei os vizinhos, minhas irmãs, os compadres e pedi ajuda. Deu certo. O povo achava que eu acidentada não ia consegui fazer nada e hoje minha cisterna é modelo.” Com água em casa, um sonho antigo foi conquistado, cultivar a horta orgânica. “Depois dessa horta, o necessário na mesa da gente não falta e para quem chega também. A gente tá despreocupado. Meu sonho era ter minhas comidas orgânicas, a minha alimentação eu sei de onde vem. Todo mundo vem aqui por que sabe que é natural, quase toda semana tem visita na minha casa. A gente realiza evento, samba de roda, quadrilha e montaria. Já estou pensando em servir almoço natural nos fins de semana. Eu como agricultora familiar tou até patrocinando evento, tudo isso de um ano para cá, depois da minha cisterna, e graças a meu esposo que me ajuda”. agosto/2014

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A história de vida de Dona Irene Silva Jesus é marcada por vitórias. Algumas delas mais recentes, como a superação de um acidente e a conquista da cisterna de enxurrada. Com o acesso água, ela transformou o quintal de casa, que antes só tinha pasto, em diversos canteiros de hortaliças e se tornou-se referência de comercialização na comunidade.

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Page 1: "Não tenho vergonha de dizer: sou da zona rural, sou agricultora familiar"

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1765

Serra Preta

A história de vida de Dona Irene Silva Jesus é marcada por vitórias, algumas delas mais recentes, como a superação de um acidente e a conquista da cisterna de enxurrada, através do Projeto Mais Água, desenvolvido pela APAEB Serrinha e outras organizações que compõe a ASA - BA. Ela que não sabia o quanto sua terra era boa, conta que pensou em abandonar a roça, por não ter como sobreviver nela, com o marido Davi de Jesus, e os filhos Katia de 15 anos e Anderson de 18 anos, que trabalha no Rio de Janeiro.

“Nasci e me criei aqui. Antes dos projetos eu pensei em ir embora por que a seca é muito grande. Na última seca a gente panhava água muito distante, a água do

banho a gente aproveitava para limpar o banheiro e a casa, por que a água do nosso consumo não era suficiente. Graças a Deus hoje para mim eu costumo dizer que não tem seca. Tenho minhas caixas aí cheias de água boa, tenho minha cisterna de enxurrada, e a de consumo. Sempre trabalhei com agricultura, ia para roça com meu pai. Aqui, o que mais a gente planta é o feijão e o milho. A hortaliça a gente plantava só um pouquinho para tempero. Hoje é uma riqueza que a gente descobriu”. A chegada da cisterna de enxurrada na Comunidade Cazuzão animou também outras famílias, e para Dona Irene, foi um incentivo a mais, já que ela tinha acabado de sofrer um acidente. “Sofri um acidente de automóvel, fiquei três meses em cima da cama. Quando o projeto chegou foi uma notícia maravilhosa. Mesmo doente eu não desisti. Chamei os vizinhos, minhas irmãs, os compadres e pedi ajuda. Deu certo. O povo achava que eu acidentada não ia consegui fazer nada e hoje minha cisterna é modelo.”

Com água em casa, um sonho antigo foi conquistado, cultivar a horta orgânica. “Depois dessa horta, o necessário na mesa da gente não falta e para quem chega também. A gente tá despreocupado. Meu sonho era ter minhas comidas orgânicas, a minha alimentação eu sei de onde vem. Todo mundo vem aqui por que sabe que é natural, quase toda semana tem visita na minha casa. A gente realiza evento, samba de roda, quadrilha e montaria. Já estou pensando em servir almoço natural nos fins de semana. Eu como agricultora familiar tou até patrocinando evento, tudo isso de um ano para cá, depois da minha cisterna, e graças a meu esposo que me ajuda”.

agosto/2014

Page 2: "Não tenho vergonha de dizer: sou da zona rural, sou agricultora familiar"

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Seu Davi de Jesus, esposo de Irene, trabalha como pedreiro, é agricultor, e está animado com a produção de hortaliças. “Estou apostando nessa horta, é o que mais dá renda para gente. Melhorou muito, quando não tinha era ruim demais, faltava água, só tinha água de fonte, no tempo de seca nós ia pegar bem longe, com o pote na cabeça”. Ele construiu a cisterna de outras famílias da Comunidade, o que recebeu investiu na propriedade. “O dinheiro que eu ganhei construindo as cisternas eu ampliei a minha, fizemos o sistema de cano para molhar a horta. Me sinto feliz, quero deixar de trabalhar para os outros e trabalhar só na minha horta”.

Numa propriedade de 2 tarefas e 20 braças, há um ano atrás, a família alugava a área para pastagem. Depois que choveu e a cisterna encheu, a paisagem logo se transformou. “Tenho coentro, alface, pimenta, pepino, cebola, quiabo, tomate para meu consumo, pés de laranja, tangerina, milho. É uma correria porque essas hortaliças têm que tá sempre molhando três vezes ao dia. Eu tenho ela [a cisterna] desde agosto de 2013, com oito dias choveu forte, encheu e não secou mais. Antes eu não tinha nada disso aqui, a dificuldade era água, depois que teve água tudo eu tenho. Eu acredito que vou ficar uns dois anos sem seca”.

Comercialização e organização Na Comunidade Cazuzão, sete famílias conquistaram a cisterna de enxurrada. Organizadas através da associação, estão comercializando para supermercados das comunidades vizinhas. “Eu já vendo ovos de galinha, o frango, as folhas da horta que não servem para comer eu jogo para as galinhas. Eu não quero parar, o meu pensamento é formar uma rede de mulheres. Nas nossas reuniões a maioria são mulheres. São sete mulheres retadas”, diz Dona Irene, que está guardando o lucro das vendas. “Eu ainda não fiz um cálculo, a gente tá vendendo e o que recebe tá guardando para ver quanto fica. Vendendo aqui na porta só para os vizinhos a gente ganhou 700 reais no período de quase dois meses. Eu entrego no supermercado a 2 reais, para os vizinhos eu vendo 3 pés de alface a 1 real, porque meus vizinhos aqui me ajudam muito”.

Até o arroz ela plantou para fazer a experiência. “Eu trouxe a semente [de arroz] de Juazeiro, lá teve as trocas, e se dê certo eu vou passar a semente para o meus companheiros também”, diz Irene. Sempre preocupada com os vizinhos e a comunidade, ela é muito presente na associação e partilha o que

aprende. “A gente reúne mensalmente e a mente da gente abre. Nas viagens para Serrinha, Juazeiro, eu aprendo muita coisa e faço aqui. Eu trouxe a experiência das oficinas, passava para meu esposo, ele tem uma cabeça boa. Falo para os meus colegas nas reuniões da associação sobre o que aprendo”. Ela conta que tem sentido cada vez mais orgulho de ser agricultora familiar. “Eu costumo dizer que um dos projetos que identificou a cara da gente foi esse Mais Água, aqui todo mundo se envolveu. Minha cara mudou, a maneira de ser, a nossa organização. Eu tinha uma casa de adobe toda rachada, juntei dinheiro vendendo ovos e galinha e consegui reformar a casa. De um ano para cá, tenho minha geladeira, televisão, graças a minha horta e ao Bolsa Família.

Eu hoje tenho a garantia de tá trabalhando e ter o meu dinheiro, sem ser empregada de ninguém, as sextas-feiras tenho duas meninas que me ajudam que é o dia da entrega, e eu partilho o resultado com elas. Tou fazendo a ampliação dos meus canteiros. Hoje eu não tenho um pingo de vergonha de dizer eu sou da zona rural, eu sou agricultora familiar”, conclui Irene Silva.

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