mulher e família nos anos dourados: os anúncios

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Mulher e família nos anos dourados: os anúncios publicitários da Revista Grande Hotel (1958 – 1961)1 CHORTASZKO, Diane Saggiorato2, MOREIRA, Rosemeri3 Resumo: O período conhecido como Anos Dourados, foi recheado de mudanças. Para alcançar a tão desejada sociedade moderna, muitos costumes precisavam mudar, e novos padrões de consumo eram propagandeados. O Brasil passa a incorporar os padrões de produção e de consumo dos países desenvolvidos. Na década de 1950, os enunciados são voltados para a modernização, que era almejada . O período conhecido como os Anos Dourados, marcado pela modernidade e pela industrialização, no qual surgiram novos modos de pensar e de viver, é o recorte temporal deste trabalho, a proposta é discutir o (s) ideal (is) de mulher e família dos anúncios publicitários da revista fotonovela Grande Hotel nas décadas de 1950 e 1960. Palavras-chave: Gênero; Representações; Mulher; Família; Periódicos. Neste trabalho discutimos o ideal de mulher e família presente nos anúncios publicitários da revista fotonovela Grande Hotel, veiculados nas edições do período 1958 -1961. A revista fotonovela Grande Hotel, publicada pela editora Vecchi, circulou de 1947 até os anos 1980. F undada em 1913, pelo imi grante italiano Arturo Vecchi, a Editora Vechhi especializou-se em romances para mulheres a partir dos anos 1920. No Brasil, as chamadas “revistas fotonovelas” se tornaram auge de vendas na década de 1970, chegando a ser comercializados aproximadamente 2 milhões de exemplares por 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Centro-oeste (2012). Graduanda do curso de Ciências Sociais, pela Faculdade Guarapuava. 3 Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (2000), mestrado em História pela Universidade Estadual de Maringá (2007) e doutorado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Email: [email protected]

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Mulher e família nos anos dourados: os anúncios publicitários da Revista Grande Hotel (1958 – 1961)1

CHORTASZKO, Diane Saggiorato2, MOREIRA, Rosemeri3

Resumo: O período conhecido como Anos Dourados, foi recheado de mudanças. Para alcançar a tão desejada sociedade moderna, muitos costumes precisavam mudar, e novos padrões de consumo eram propagandeados. O Brasil passa a incorporar os padrões de produção e de consumo dos países desenvolvidos. Na década de 1950, os enunciados são voltados para a modernização, que era almejada. O período conhecido como os Anos Dourados, marcado pela modernidade e pela industrialização, no qual surgiram novos modos de pensar e de viver, é o recorte temporal deste trabalho, a proposta é discutir o (s) ideal (is) de mulher e família dos anúncios publicitários da revista fotonovela Grande Hotel nas décadas de 1950 e 1960.

Palavras-chave: Gênero; Representações; Mulher; Família; Periódicos.

Neste trabalho discutimos o ideal de mulher e família presente nos anúncios

publicitários da revista fotonovela Grande Hotel, veiculados nas edições do período

1958 -1961.

A revista fotonovela Grande Hotel, publicada pela editora Vecchi, circulou de

1947 até os anos 1980. Fundada em 1913, pelo imigrante italiano Arturo Vecchi, a

Editora Vechhi especializou-se em romances para mulheres a partir dos anos 1920. No

Brasil, as chamadas “revistas fotonovelas” se tornaram auge de vendas na década de

1970, chegando a ser comercializados aproximadamente 2 milhões de exemplares por

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013.

2 Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Centro-oeste (2012). Graduanda do curso de Ciências Sociais, pela Faculdade Guarapuava.

3 Possui graduação em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (2000), mestrado em História pela Universidade Estadual de Maringá (2007) e doutorado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Email: [email protected]

mês. Nesse período mais de vinte títulos de revistas de fotonovelas chegaram a circular

pelo país4.

A historiadora Tânia Regina De Luca nos mostra como as fontes impressas

passaram a ser estudadas, quais suas principais características e qual a importância de

utilizá-las como fontes históricas. Segundo ela, no início da década de 1970 as pesquisas

históricas envolvendo jornais e revistas como fonte eram poucas. A medida que foram

crescendo o número de jornais e revistas no país, junto com o crescimento do número de

jornalistas, foi aumentando a importância desses meios impressos como fontes

históricas5.

No início do século XX as revistas apresentavam estruturas que

proporcionavam uma leitura simples e de bom grado. Os espaços eram pensados para

inserir imagens e conteúdos de diversas origens, tanto humor, como dicas de saúde,

receitas, leituras, acontecimentos sociais, moda, etc.. Procurando, dessa forma, abranger

vários tipos de leitores ou interesses.

No século XX, novos métodos de impressão permitiram a tiragem de um grande

número de exemplares, melhoraram a qualidade e, por conseguinte, baixaram os preços

atingindo um maior número de leitores e de regiões alcançadas. O sistema de transporte

mais modernizado agilizou o processo de distribuição com o intuito de oferecer assuntos

cada vez mais atraentes e variados para um maior contingente lucrativo6.

Os anúncios publicitários também começaram a ganhar novos métodos de

exibição. As fotografias passaram a ser utilizadas cada vez em detrimento dos desenhos.

As edições analisadas da revista Grande Hotel, já inseridas nesse contexto da metade do

século XX, tem por foco o uso da imagem fotográfica, tanto nas histórias românticas em

“quadrinhos”, quanto nas propagandas publicitárias. Os produtos de beleza, por

exemplo, passam a ser vendidos com o uso da imagem de artistas de cinema. Outro fator

que podemos levar em consideração é o uso das imagens coloridas, que foram pouco a

pouco ganhando espaço nas páginas da revista Grande Hotel.

4 HABERT, Angeluccia Bernardes. Fotonovela e a indústria cultural: estudo de uma forma de literatura sentimental fabricada para milhões. Petrópolis: Vozes, 1974.

5 DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKI, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 111.

6 Idem, p. 138.

A publicidade, por exemplo, se articula às demandas da sociedade da vida

urbana no início do século XX. Não podemos esquecer que esse meio, é uma estratégia

de venda, direcionado sempre a um público-alvo. O anúncio publicitário trilha caminhos

e estratégias de acordo com as demandas da sociedade, utilizando-se de recursos

linguísticos e/ou visuais para seduzir sua clientela. Impondo valores, ideias, criando

expectativas, desejos e realidades, tornando-se um método discursivo7.

As edições da revista Grande Hotel, tomadas como fontes de análise neste

artigo, são voltadas para mulheres de classe média, que fazem parte da vida urbana. Nas

fotonovelas temos como cenário das histórias ambientes urbanos onde se desenvolve um

roteiro baseado nas relações amorosas entre homens e mulheres. Nos anúncios, temos

produtos destinados ao uso das mulheres, como por exemplo, produtos de higiene

pessoal e beleza; produtos de uso doméstico (de limpeza e remédios); roupas íntimas

etc.. Tecendo um panorama geral, a revista está organizada através de duas histórias

românticas, os anúncios publicitários e algumas poucas reportagens. Além das

fotonovelas, existem em cada edição algumas reportagens sobre receitas culinárias, dicas

de moda e beleza, cuidados com os filhos, etc. Lembrando que o foco da revista é a

fotonovela e essas reportagens estão inseridas em espaços que parecem sobrar.

No final do século XIX e início do século XX, entre as muitas possibilidades de

problemáticas que a fonte impressa nos oferece, De Luca destaca o surgimento dos

estudos históricos a partir da categoria gênero nos anos 1990: “[...] que se constitui num

dos mais dinâmicos da historiografia contemporânea brasileira [...]”8. A partir desse

período vários pesquisadores começaram a problematizar as representações construídas

historicamente sobre as mulheres.

A noção conceitual de representação adotada neste artigo tem por base o

pensamento de Roger Chartier. Este historiador considera representação como a

articulação entre três registros da realidade. Por um lado, “[...] as representações

coletivas que incorporam nos indivíduos as divisões do mundo social e organizam os

esquemas de percepção a partir dos quais eles classificam, julgam e agem”; por

7 DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKI, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005,p. 123.

8 Idem, p. 126

outro lado, “[...] as formas de exibição e a estilização da identidade que pretendem ser

reconhecida”; e, por fim, “[...] a delegação a representantes (indivíduos particulares,

instituições e instâncias abstratas) da coerência e da estabilidade da identidade

assim afirmada”9. Ou seja, representação como incorporação das classificações

hierárquicas; como as formas de exibição e como o poder de criar, definir, delimitar as

identidades. No âmbito deste artigo são discutidas as representações como formas de

exibição do ideal de mulher e de família presentes nos anúncios publicitários.

Nos anos 1990, as problematizações trazidas à tona pela História das Mulheres,

focada na visibilidade das mulheres que foram excluídas como sujeitos históricos, se

voltam ao gênero como categoria de análise, com a finalidade de ressaltar as relações

sociais entre homens e mulheres e a construção histórica da ideia de feminino e

masculino10.

Joan Scott define gênero sendo como “[...] um elemento constitutivo de

relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é um

primeiro modo de dar significado às relações de poder”11. Com a utilização da categoria

gênero, o que se pretende é “[...] apontar e modificar as desigualdades entre homens e

mulheres [...]”12, discutir como são construídas as relações de gênero, como são

contestadas e como são mantidas.

Com base nesses pressupostos, nos preocupamos com as formas de exibição da

ideia de mulher e de família, ou seja, com as representações de gênero, uma vez que a

concepção do “eterno feminino” é reificado constantemente nos anúncios publicitários.

Os anúncios, ao mesmo tempo em que vendem produtos diversos, reproduzem e

reforçam as maneiras de ver, de dar significado ao mundo social, pautadas no gênero.

O período 1950-1960 é chamado de “Anos Dourados” e se caracteriza pelo fim

da Segunda Guerra Mundial; a ascensão da classe média; o crescimento urbano e a

industrialização. O processo da urbanização e da industrialização conduziam o país ao

9 Ver: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed.UFRGS, 2002. p. 11.

10 PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História. V. 24, n. 1. São Paulo: Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP, 2005. p. 88. 11 Idem.12 Ibidem.

aumento das possibilidades educacionais e profissionais para homens e para mulheres,

em uma sociedade em que o discurso da democracia e da educação eram ideias que

estavam fortalecidas no âmbito político. O país estava passando por momentos decisivos

do processo de industrialização, a vida urbana ganhava um ritmo acelerado. Com todas

essas mudanças e ideias ampliaram-se aos brasileiros, dos grandes centros urbanos, as

possibilidades de acesso à informação, lazer e consumo. As condições de vida nas

grandes cidades diminuíram sobremaneira a distância entre homens e mulheres. Porém,

as distinções feitas entre eles prevaleciam fortes e visíveis. O trabalho das mulheres era

visto como subsidiário ao trabalho dos homens, que continuavam sendo considerados os

“chefes” da casa.

No Brasil, no período pós-guerra as mulheres da classe média foram inseridas

ao mercado de trabalho. Entretanto, os discursos em defesa da volta das mulheres ao

espaço doméstico para cumprirem os valores tradicionais da sociedade voltam a circular

com força13. Os anúncios publicitários analisados mostram o embate entre a presença

das mulheres no mercado de trabalho e ao mesmo tempo a ideia da mulher rainha do lar.

Figura 1: “Ela é moderna, ela sabe viver” Figura 2: “Ela é moderna, ela sabe viver” (Grande Hotel, n. 595, de 16 dez 1959. p.34.) (Grande Hotel, n. 600, 20 jan. 1959. p. 7).

A campanha da Johnson & Johnson de 1959 enfocava a “mulher moderna”. A

campanha tem por foco a venda de absorventes higiênicos de uso exclusivo de

13 BASSANEZI, Carla. Mulheres dos Anos Dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org.) História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 608.

mulheres.

Nas Figuras 1 e 2 a campanha da Johnson & Johnson deixa explícito a

ideia de positividade da mulher moderna em contraste com a mulher “dona de casa”.

Contudo temos que ter em mente que essa ideia de positividade em “ser moderna” é

desenvolvida no contexto dos anos 1950. Conforme nos aponta Rosemeri Moreira, no

início do século XX ser uma “mulher moderna” não era considerado algo positivo.

Juristas e criminologistas, desde o início do século XX discutiam o problema da mulher

moderna:

Visto como um apavorante afrouxamento nos costumes, a maior circulação de mulheres na cidade trouxe transformações à ideia de feminino, uma vez, que as mulheres, antes descritas como ociosas, passaram a ser vistas como fúteis. O trabalho das mulheres no espaço urbano era visto pelos juristas e criminologistas como um passo à prostituição. Os lazeres da cidade incitariam ainda mais a mulher moderna, já a um passo da devassidão. Presente nos textos de Afrânio Peixoto, Leonídio Ribeiro, ou ainda, de Nelson Hungria, a mulher moderna, participante da cidade, pelo trabalho e/ou pelo lazer, era posta como a causa de desagregação da família e, consequentemente, da sociedade, e, por isso, precisava ser contida. A criminologia, que emergiu nesse período, colocava as mulheres como indesejáveis no espaço público, prováveis prostitutas, incapazes de racionalidade, excessivamente sensíveis. O poder moral e maternal, posto como característica intrínseca às mulheres, estava ameaçado frente à vida moderna […].14

Como podemos perceber, na primeira metade do século XX, os criminologistas e

juristas problematizaram a mulher moderna, a qual era considerada culpada por muitos

males sociais. O termo “mulher moderna” era considerado pejorativo. Ser moderna era

estar “a um passo da prostituição”. A mulher moderna era aquela que não sabia viver.

Nesses dois primeiros anúncios, percebemos que, ao contrário da

sociedade dos anos 1930/1940, os anos 1950 foram marcados pela forte propaganda da

modernidade, tendo como manchete o enunciado “Ela é moderna... Ela sabe viver...” os

anúncios nos mostram a modernidade como algo benéfico para a sociedade. O produto

que esta sendo mostrado, aparece como um avanço para a higiene pessoal da mulher, um

produto relativamente com preço baixo, “custa menos que um vidrinho de esmalte” que

14 MOREIRA, Rosemeri. Sobre mulheres e polícias: a construção do policiamento feminino em São Paulo (1955-1964). 328f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2011. p. 90.

pode se difundir entre todas as camadas sociais. Neste caso o uso do modess para

substituir o tradicional “paninho” caseiro, tornando-se um produto de venda, engajando-

se no mercado de consumo, a menstruação publicizada passa a ser algo lucrativo.

O texto escrito acompanhando a manchete, logo abaixo da imagem, afirma:

Ela se destaca do comum, é uma líder nas ideias de vestir, no viver. Em proteção higiênica, por exemplo, ela exige o super absorvente Modess. Porque ela exige conforto e segurança, em todos os dias do mês. Sua maciez...aquela leveza de pluma...uma absorvência sem igual – e mais que tudo – a higiene de Modess (usa-se uma vez e joga-se fora) fazem-no indispensável para a mulher moderna. E, V. Sabia que o suficiente para um mês custa menos que um vidrinho de esmalte15.

Outro fator que podemos destacar nesses anúncios é a questão do tabu da

menstruação, que nesse período parece ser quebrado. Nos séculos XVII, XVIII E XIX, a

“restrição” que existia em torno da prática menstrual era grande, visto com um poderoso

meio de poder e dominação sexual das mulheres sobre os demais. Del Priore afirma que

a opinião dos médicos incorporava-se a mentalidade tradicional, ou seja, estavam

impregnadas de desconfiança em relação ao corpo das mulheres.16 A menstruação

sempre foi um tabu, porém a partir do século XX, esse tabu é quebrado, e como

podemos observar nas figuras 1 e 2, a menstruação é publicizada.

Nessa sociedade com os pés na modernidade, apregoava-se a mudança de

hábitos de higiene pessoal e doméstica. A campanha do absorvente higiênico, exaltando

a modernidade das mulheres, trata dessa higienização. As mulheres agora podem ter

controle sobre si, sobre sua natureza, uma vez que esse produto facilita seu trânsito pelo

espaço público, e mantém em uma segura discrição o período menstrual.

O enfoque da campanha publicitária do absorvente higiênico é que sendo uma

mulher moderna, é ser ao mesmo tempo higiênica; é ficar menstruada e ninguém saber;

é poder estar inserida no mercado de trabalho sem ser vista como “infecta”, pois com o

absorvente higiênico o “conforto e a segurança”ser moderna e usar modess é se

destacar das mulheres comuns.15 “Ela é moderna ela sabe viver”. Revista Grande Hotel. Rio de Janeiro, 16 dez. 1959, edição n. 595, p.

34.16 Sobre os discursos médicos sobre o corpo das mulheres Ver: MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do

Feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.

Na figura 2, o anúncio da campanha da Johnson & Johnson deixa ainda mais

explicito a ideia de positividade da mulher moderna. Com o mesmo texto que aparece no

anúncio anterior, e com o mesmo slogan, a moça da motoneta destaca-se das demais

mulheres, àquelas que supostamente aceitariam os valores impostos pela sociedade.

Em uma sociedade que pregava que a reputação (virgindade) era o que as

moças possuíam de mais precioso, a imagem (figura 2) de uma moça sorridente

acenando para as consumidoras, se contrapõem a figura feminina sentada no sofá ao

fundo, simbolicamente em casa, no lar com aparência enfadonha e cansada. A campanha

ressignifica a “mulher moderna” dando-lhe positividade, leveza, alegria e liberdade.

Positivação esta obtida, obviamente, pelo consumo.

Na garupa de uma motoneta, outras possibilidades surgem para as mulheres,

além do enfadonho lar. Na figura 2, a dualidade existente entre as representações sobre

“a mulher” é mais óbvia. A campanha usa o contraste entre enunciados em relação ao

comportamento das mulheres e seus espaços de atuação. A mulher moderna, que

aparece “inovando” é superior àquela que permanece no lar, recatada, que não se entrega

a coisas mundanas, aquela que se “se dá o respeito”. Nesse sentido, ao mesmo tempo em

que aparece uma moça trazendo a ideia de impulsividade, desejo, e sedução

demostrando encanto, a imagem nos mostra o completo desencanto do lar, em uma

simbólica critica a ideia de esmero, dedicação ao lar, espera ansiosa por um príncipe

encantado, e pela maternidade.

Figura 3: “ A saúde de minha família depende de mim” (Grande Hotel, n.643, 01 dez. 1959. p.19).

Ao contrário da campanha da Johnson & Johnson (Figuras 1 e 2) este anúncio de

sabonete, se pauta na ideia de uma mulher dedicada ao lar, e também se na concepção da

sociedade moderna caracterizada pelo consumo de produtos industrializados.

Comprometida com a saúde dos filhos e do marido, essa é a mulher que se dedica ao lar,

aos afazeres domésticos, aos filhos e ao marido. Como se pode perceber no próprio

enunciado sublinhado em vermelho: “A saúde de minha família depende de mim”.

Acompanhando a imagem, segue o texto:

Aí esta uma família feliz. Uma família com saúde. Por trás de casa sorriso, de cada olhar de felicidade, existe o carinho de uma mãe extremosa. De alguém que pensa em todos os detalhes: desde a alimentação até o sabonete para o banho diário e higiene das mãos. Para ela, tudo é importante quando de trata de saúde da família. Por isso ela escolheu o Novo Lifebuoy com Puralin – e todos em casa aprovaram! Agora, com novo delicioso perfume, Lifebuoy tem nova atraente côr rosa-coral. E é durável, tão durável que se tornou o sabonete mais econômico que se pode comprar!17

Em uma sociedade em que ser mãe, ser esposa e ser dona de casa, era

considerado o destino natural das mulheres, essas obrigações estavam traçadas desde o

seu nascimento e marcavam a feminilidade das mulheres. As mulheres que não

seguissem essas “fases” iriam contra os princípios impostos pela sociedade da época e,

principalmente contra sua própria natureza, já que ser uma boa dona de casa e uma boa

mãe fazia parte da essência das mulheres. Esse discurso é o que prevalece no anúncio

apresentado acima.

Nesse modelo discursivo, referente às mulheres dos anos dourados, era forte a

delimitação de gênero. O marido era considerado o chefe da casa e, sendo assim era o

responsável por prover a família materialmente. Ao homem caberia o sustento da

esposa e dos filhos enquanto às mulheres deveriam ocupar-se de obrigações domésticas

e o cuidado com os filhos e com o marido.

Observando a disposição das pessoas no anúncio, as figuras das pessoas estão

17 A saúde de minha família depende de mim. Grande Hotel. 1 de dez. , n.643, p.19.

dispostas de uma maneira hierárquica: o marido acima de todos, logo em seguida a

esposa, comprometida com o bem estar dos filhos e do marido e, abaixo dos dois as

crianças, deixando prevalecer a ideia de dever e obediência aos pais, proporcionando-

nos uma fisionomia de família feliz e burguesa. No arejado ambiente doméstico,

decorado com plantas e quadro na parede, todos estão felizes na família

heteronormativa. Dentro desse ordenamento, todos estão felizes com o cuidado que

recebem da mulher (mãe e esposa), a qual fica mais contente ainda por poder se dedicar

a eles. É uma mulher casada, mãe de família que tem como preocupação principal a

família. A imagem da esposa/mãe aparece duas vezes no anúncio: primeiro junto com a

família e em segundo com o olhar feminino pairando sobre a cena do amor,

ordenamento e higiene familiar. Um olhar que deixa transparecer o quanto ela estava

satisfeita com o cuidado que os membros da família estavam recebendo.

Uma vez mais é importante destacar a questão da industrialização e consumo

de produtos industrializados. Neste caso o produto oferecido é o sabonete, com nome

americanizado. Não é mais preciso se preocupar em fazer sabão em casa, esse já não faz

mais parte do modelo de vida dos anos dourados, agora, o que se precisa é comprar,

consumir produtos prontos, importados ou não, melhorando a qualidade de vida e

ajudando as mulheres.

O anúncio quatro apresenta uma enceradeira, a Nova Arno, como um meio de

facilitar a vida das mulheres que trabalham fora de casa. Essa propaganda também esta

baseada no discurso da modernidade: “Mais firme! mais rápida!”, poupando o tempo

das mulheres que trabalham fora. A “nova Arno”, que se refere a um produto novo no

mercado consumidor, que abrangeria todas as expectativas das mulheres.

Figura 4: “Nova Arno” (Grande Hotel, n.614, 24 abr. 1959. p.31).

Conforme diz o texto da propaganda:

V. faz todo o trabalho em menos tempo e sem esforço!Uma só escova – rendimento superior – maior superfície de polímetro que nas enceradeiras comuns com três escovas!Faz todas as operações - raspa, espalha a cera, encera, lustra e dá brilho – sem troca de escova!Controle centralizado – facilita o manejo! Pode ser equipada com espalhado de cêra eletro-automático18.

Podemos perceber pelo texto do anúncio que a nova enceradeira, tem por

objetivo facilitar os afazeres domésticos das mulheres. Um único objeto que faz várias

atividades, “faz todas as operações”, poupando o tempo e esforço, podendo ajudá-las a

cumprirem com todas os seus deveres (impostos) mesmo trabalhando fora de casa, e

talvez por isso não ser cobrada, nem pelo marido, nem pela sociedade, de que estaria

deixando de cumprir com suas obrigações.

Esperava-se que as mulheres antes de se dedicarem ao trabalho remunerado,

fossem boas donas de casa: “[...] a mulher que estuda parece abdicar os afazeres

18 Nova Arno. Grande Hotel. 24 de abril de 1959, edição n. 614, p. 31;

domésticos […] toma uma posição falsa de desconfiança para a sociedade, que

geralmente a julga para exercer o elevado sacerdócio do lar [...]”19. Muitas mulheres

estavam incorporadas ao processo do trabalho fabril e no setor de serviços. As mulheres

da classe média passaram a cumprir dupla ou tripla jornada de trabalho: fora de casa, o

cuidado com os filhos e a higiene do ambiente doméstico. E ideia de que a mulher

deixaria o lar em segundo plano, e não cumpriria com suas obrigações de mãe e de

esposa, ameaçaria não só à organização doméstica, mas também à estabilidade do

matrimônio. Este era um dos principais motivos que reforçavam o uso dos

eletrodomésticos.

Por fim, o último anúncio apresentado reproduz um diálogo entre duas

mulheres: “- Pensei que meu vestido fosse branco...mas o seu que beleza!” - É porque

Rinso lava mais branco!”.

Figura 5: “Rinso lava mais branco”

(Grande Hotel, n.647, de 24 dez . 1959. Contracapa).

19 MALF, Maria e MOTT, Maria Lucia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAES, Fernando A. (org.). História da vida privada no brasil; vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 402;

Assim como a Figura 4, este anúncio também enfatiza a ideia de praticidade,

pois acaba com o sofrimento das mulheres na atividade da lavagem das roupas.

O texto do anúncio diz o seguinte:

Ah! Como é bom lavar com Rinso! Rinso lava mais branco! Seu môlho Super – espumoso penetra fundo nos tecidos e remove a sujeira, lavando fio por fio e dando à roupa êsse branco tão branco que chega até a brilhar! E Rinso lava pelo método “lava – fácil” é só fazer uma boa espuma no tanque, colocar a roupa, movimentando-a um pouco, deixar de môlho, dar uma esfregada, enxaguar e pronto: Brancura Rinso! Nada de alvejantes que estragam os tecidos. Nada de ensaboar peça por peça e ficar lavando a roupa no tanque! Por isso, Rinso conserva os tecidos. E como Rinso é econômico! Rinso é puro mesmo! E essa pureza visível faz Rinso lavar mais roupa do que qualquer sabão. Experimente e a Sra. Verá! 20

Logo no início do texto, a frase “Ah como é bom lavar com Rinso” enfatiza a

possibilidade da lavagem das roupas se transformar em uma atividade prazerosa. O

anúncio foca a possibilidade de lavar roupa pelo método “lava fácil”, proporcionando

uma lavagem com menos esforço, e ainda com a garantia da brancura das roupas. Tudo

isso daria mais credibilidade à mulher como uma exemplar dona de casa esforçada em

fazer de tudo para manter a boa aparência das roupas da família. “Nada de ensaboar

peça por peça e ficar lavando roupa no tanque”, pois agora as mulheres modernas não

se dedicam somente as atividades da casa. A vida moderna, a vida urbana é acelerada,

com a jornada de trabalho fora de casa, as mulheres não tem o mesmo tempo gastar

com o cuidado com as roupas da família: “Experimente e a Sra. Verá!”, além de ser um

produto para o uso do lar é diretamente direcionado para as mulheres.

Na Figura 5 as mulheres estão em um supermercado, conversando sobre um

produto de uso doméstico. As expressões felizes e a alegre interação das personagens

mostram essa atividade doméstica como boa e divertida. Num período marcado pela

modernização, pela industrialização, pelos ritmos acelerados das cidades, pelo

investimento em setores tecnológicos, os anos 1950, foram caracterizados por mudanças

nos costumes da sociedade urbana brasileira.

No âmbito familiar, esses costumes foram nitidamente perceptíveis. Nos

anúncios publicitários da Revista Fotonovela Grande Hotel, podemos perceber a 20 Rinso lava mais branco. Grande Hotel, 24 dez. , n.647, Contracapa.

incorporação de meios, métodos e objetos que transformaram a vida das mulheres, e a

vida no interior das famílias. A ideia de modernidade estava calcada nas propagandas,

nas reportagens, nas histórias fotonovelas, sempre evidenciando o quanto os produtos

modernos e industrializados podem ser positivos na vida das famílias, e o quanto

podiam facilitar a vida agitada das cidades. O desses diversos produtos poupava tempo,

esforço, e ajudavam as mulheres a manterem seus lares como exemplares espaços

higienizados, ao mesmo tempo em que trabalhavam empregos diversos.

Contudo, nem sempre a inserção de produtos modernos facilitava a vida dentro

do ambiente familiar. Ao mesmo tempo em que surgiam novidades mercadológicas,

surgiam também novas tarefas, novos cuidados, novas necessidades, e nem sempre

significavam ganho de tempo.

Em contrapartida observamos também o embate existente entre os novos

produtos industrializados e as práticas tradicionais de higiene, como por exemplo, o uso

do absorvente industrializado e o uso do sabonete em substituição ao tradicional sabão

feito em casa. Todos esses fatores contribuíram para a mudanças de usos e costumes nas

famílias dos anos 1950 e 1960.

Sobre o ideal de mulher e de família presentes nos anúncios, observamos que

não existe somente um. O que existem são diversos anúncios sendo veiculados, com o

objetivo de atingir as diferentes mulheres: as casadas; as solteiras; as donas de casa,

mães e esposas; as trabalhadoras urbanas, etc.. Sendo donas de casa e/ou trabalhando

fora; mães e esposas ou jovens que se ariscavam nas motonetas, aparecem todas

mediadas e envolvidas pelo discurso do consumo e da modernidade.

REFERÊNCIAS:

BASSANEZI, Carla. Mulheres dos Anos Dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org.) História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008;

BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia. Tradutor: Nilo Odalia. Sao Paulo: Editora da USP, 1997; CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002;

DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKI, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005;

DEL PRIORE, Mary. Magia e Medicina na Colônia: o corpo feminino. In: DEL PRIORE, Mary (org.) História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008;

HABERT, Angeluccia Bernardes, Fotnovela e a indústria cultural: estudo de uma forma de literatura sentimental fabricada para milhões. Petrópolis: Vozes, 1974;

MALF, Maria e MOTT, Maria Lucia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAES, Fernando A. (org.). História da vida privada no Brasil; vol 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998;

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