morri e agora_vera lúcia marinzeck de carvalho

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  • 8/6/2019 Morri e agora_Vera Lcia Marinzeck de Carvalho

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    SINOPSE:Em plena madrugada, Nelson sente uma dor terrvel. Ouve a esposa aflita chamar a ambulncia. Mais tarde,acorda num quarto estranho, onde nota a ausncia de equipamentos hospitalares... Z Pedro, um modestotrabalhador do campo, assassinado e abandonado na mata. Sem entender o que est acontecendo, assisteao prprio enterro... Snia, a enfermeira, atropelada. No hospital, desesperada, recusa-se a aceitar amorte... Artista famosa e vaidosa, agora doente, evita os jornalistas. Solitria, sentindo a ausncia do mdico,

    descobre que no pertence mais ao mundo dos vivos. Chamando pelo filhinho desencarnado, sente odelicado contato de mos infantis... Durante uma briga entre marginais, Janu perde a vida. Ainda revoltadocom a morte, descobre que foi socorrido por um bando de espritos perversos... A morte do corpo fsico inevitvel. Para o leitor entender melhor essa realidade, o Esprito Antnio Carlos explica o depoimento devrios espritos - histrias verdicas que a vida escreveu...

    Psicografado pela mdium Vera Lcia Marinzeck de Carvalho com explicaes do Esprito Antnio Carlos

    Petit editora

    Rua Atua, 383/389 - Vila Esperana/Penha CEP 03646-000 - So Paulo - SP

    Fone: (0xx11) 6684-6000

    Endereo para correspondncia:

    Caixa Postal 67545 - Ag. Almeida Lima

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    Sumrio

    Introduo.A enfermeira ................................................................................................................... 09Mala vazia ...................................................................................................................... 23A artista .......................................................................................................................... 33Em Coma ....................................................................................................................... 43Preconceito .................................................................................................................... 54Ana Preta ....................................................................................................................... 70O Presidirio ................................................................................................................... 78O Suicida ....................................................................................................................... 88O Vestido Vermelho ...................................................................................................... 98Atesmo ......................................................................................................................... 106O Poltico ........................................................................................................................ 118Maria, a sequinha ........................................................................................................... 128Sombra de uma rvore ................................................................................................... 140Os Abusos do Sexo ........................................................................................................ 153A Guerra ......................................................................................................................... 163Somos Espritos ............................................................................................................. 172A Eutansia ................................................................................................................... 181Deus lhe pague e obrigado ............................................................................................ 191

    Depois de muito tempo indaguei: "E agora?"

    Introduo

    Muitas vezes j desencarnei. E, em todas indagava-me, ao ter conscincia de quemudara de plano: O que ser de mim? Tive medo, na maioria das minhas

    desencarnaes, ao me defrontar com essa situao. E a resposta somente foi tranqila, quandotive boas aes me acompanhando. Morri! Desencarnei! Como definir essa passagem? uma viagem que fazemos? Para onde iremos? Como ficaremos? Como ser nossa vidano Alm? Quem ir conosco? Tantas perguntas! E como receamos as respostas... Viagem? Talvez sejamelhor dizer "mudana". E so muitos os locais para onde poderemos ir. A espiritualidade enorme.H lugares lindos, e outros nem tanto. E somente nossas obras nos acompanham. Osprudentes levam consigo as boas aes que lhes do, de imediato, agradveisfrutos,o merecimento de ser acolhido em planos elevados onde h amigos que os orientame auxiliam. Infelizmente as ms obras so pesadase prendem quem as coleciona em lugares no to agradveis e seus frutos so

    amargos. Tambm fazer essa mudana sem obras como estar oco, vazio e infelizContinuamosno Alm como somos, com os mesmos conhecimentos, costumes, odiando ou amando aosoutros.

    E a maioria das pessoas ao ter o corpo fsico morto, indaga: E agora? Eacontecimentos vm mente. A mudana est feita! Ser uma passagem feliz paraaqueles queviveram encarnados fazendo jus ao merecimento de ser socorrido e permanecerentre amigos bondosos Tero surpresas desagradveis os que agiram sem piedade esem seguir

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    os ensinamentos de Jesus, que recomendou que fizssemos ao prximo o quegostaramos que fosse feito a ns.

    Convidamos alguns amigos para que narrassem como foi defrontar-se com adesencarnao.

    Espero que nossos leitores acreditem nos casos aqui narrados, pois soverdadeiros. E que aproveitem a oportunidade da encarnao, vivendo no bem parao bem, a fimde merecer, ao desencarnar, serem socorridos.

    Antonio Carlos

    Vero 2004

    captulo um

    A enfermeira

    Estava atrasada. Levantei-me no horrio de costume.

    Como sempre, toda manh em casa era uma correria. Meus dois filhos, um moo euma adolescente acordavam para ir escola e meu marido para ir ao trabalho.Naquelamanh, meu filho me pediu:

    "Mame, por favor, pregue o boto na minha camisa, quero ir escola com ela."

    E l fui eu pregar o boto. Todos saram, eu me atrasei, no peguei o nibus nohorrio costumeiro, mas sim outro, dez minutos depois. Atrasada, atravesseicorrendoa avenida em frente ao hospital em que trabalhava e um carro me atropelou. Sentio baque e me vi cada no cho. No senti dor, fiquei tonta e o que me aconteceu

    depois, pareceu-me que sonhava.

    Vi que me colocaram em uma maca, entraram comigo no prdio do hospital, indopara a sala de emergncia.

    No conseguia mover-me nem falar. Reconheci os enfermeiros amigos ao meu lado,olhando-me preocupados. Senti o doutor Murilo me examinar e escutei:

    "O estado de Snia gravssimo!"

    Deu ordens que julguei serem certas.

    "No est adiantando!" - escutei e reconheci a voz de

    Ivone, uma competente enfermeira.

    "Morreu!" - falou algum.

    "Snia, infelizmente no resistiu, est morta!" - expressou-se doutor Murilo.

    "Eu no!" - pensei aflita. - "O que est acontecendo meu Deus? Por que ser queacham que morri! Tenho de falar, reagir e mostrar a eles que estou viva."

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    -Calma, enfermeira Snia! Tranqilize-se. Sabemos que voc est viva. Durma!

    Escutei e no identifiquei quem falou. Uma mo quente fechou meus olhos comcarinho. Achei que me deram algum sedativo. Senti que estava sendo medicada edormi.

    Mas no foi um sono tranqilo. s vezes sentia que mexiam comigo. Tentavatranqilizar-me, achando que estava sendo operada ou que me faziam curativos.Depois ouvimeus familiares chorando, principalmente minha filha, me e irm.

    Pensei: "Eles j sabem e esto chorando junto ao meu leito. Isso no permitido. Ser que abriram exceo porque trabalho aqui?".

    - Morreu to jovem!

    - Coitada da Snia, foi atropelada quando ia para o trabalho!

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    Sentia um torpor e no conseguia entender o que me acontecia. Conclu que era aanestesia que estava me fazendo delirar.

    - Snia - escutei uma voz forte falando comigo -, vamos lev-la para um localsossegado. Acalme-se e tente descansar.

    "Vou para a U.T.I." - pensei.

    E esforcei-me para ficar tranqila. Senti algum mexer no meu corpo, mas nosenti dor, apenas aquele estado terrvel de torpor. Parecia que sonhava, queriaacordare no conseguia.

    Senti que me levaram para outro local e deitaram-me numa cama. Abri os olhos umpouquinho e vi que estava numa enfermaria. Pessoas de branco carinhosamenteacomodaram-mee uma delas falou:

    - Snia, voc ir dormir tranqila!

    Ainda escutava choros e lamentos; depois dormi.

    Acordei. Acabou aquele estranho torpor. Olhei para o local onde estava, era umaenfermaria bem-arrumada, limpssima e silenciosa.

    - Onde estou? - ouvi minha voz indagar e ressoar pelo quarto.

    Duas senhoras me olharam. Ningum respondeu.

    "Estou no hospital" - pensei. - "Que pergunta boba a minha. Estou me lembrando.Fui atropelada!"

    Curiosa, levantei o lenol. Estava vestida com uma camisola branca e pasmei:nenhum ferimento. Movi-me com facilidade e pensei:

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    Aconteceu algo estranho! O que ser que houve? Talvez tenha batido somente acabea e agora estou saindo de um coma. isso! Mas por que no estou na U.T.I.?Porque no estou num quarto particular? Temos convnio!".

    Um senhor entrou no quarto e uma das senhoras que me olhou, falou:

    - Doutor Jos Augusto, Snia j acordou!

    - Que bom! Como est, garota? - perguntou ele me olhando e sorrindo.

    Parecia que o conhecia, mas no me lembrava de onde. Observei-o bem. Tive acerteza de que ele no era mdico do hospital.

    "Ser que fui transferida?" - pensei.

    Como no respondi, ele perguntou novamente:

    - Snia, como est se sentindo?

    - No sei, acho que bem. Estou saindo do coma?

    - No, voc no estava em coma - respondeu o senhor gentilmente.

    - Onde estou?

    - Na outra parte do hospital.

    - Que outra parte? - indaguei curiosa.

    - Na que fica do outro lado - respondeu uma das senhoras, intrometendo-se naconversa.

    - Lado?! - balbuciei.

    - Do Alm - ela falou rapidamente e baixinho.

    - Snia - falou o senhor -, voc compreender aos poucos o que lhe aconteceu. muito importante se esforar para ficar calma e tranqila para se recuperar.

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    Uma senhora me trouxe um suco. No estava com vontade, no quis. O senhorafastou-se, foi conversar com outra pessoa. Fiquei ali aborrecida, semcompreender o

    que se passava.

    Fingi dormir e quando o senhor se afastou e tudo ficou quieto, levantei-me comfacilidade e sa escondida do quarto, passei por um corredor e vi uma escada,descie, aliviada, reconheci o hospital em que trabalhava. Estava como sempre, lotado,pessoas indo e vindo. Voltei para o quarto e deitei no meu leito.

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    "Deve haver uma explicao para estar aqui" - pensei.- "Depois, por certo, aquele senhor me dir o que aconteceu. Certamente fizeram,de algum setor do hospital, esse local mais tranqilo, onde me trouxeram para merecuperar."

    Dormi de novo. Acordei e pensei em tudo o que me ocorreu e achei estranho,principalmente porque escutei, sem compreender como, minha filha chorando.

    "Ela veio me visitar e chorou. Por que no me acordou? Mas est chorando agora!Por que a escuto e no a vejo?"

    Quando o senhor entrou no quarto, chamei-o:

    - Senhor, por favor, venha c um pouquinho. O senhor enfermeiro ou mdico?

    - Sou algum que cuida de vocs.

    - Escutei essa senhora cham-lo de doutor Jos Augusto. No me lembro de ningumcom esse nome na equipe mdica. Bem, isso no tem importncia. Estava vindotrabalhar,

    atravessei a avenida e um carro me atropelou; depois no me lembro direito o queaconteceu. Escutei o doutor Murilo

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    dizer que meu estado era grave, entrei num torpor, num sono estranho, com sonhosconfusos. O senhor pode me dizer o que houve?

    - De fato, voc foi atropelada - respondeu ele, tentando me esclarecer sem mechocar. - Foi conduzida para a sala de emergncia. Snia, voc, sendoenfermeira, jviu muitas pessoas morrerem, no ?

    - Sim j - respondi. - Trabalho com doentes terminais. No comeo ficava tristequando uma pessoa morria, at orava por ela, depois isso se tornou rotina, erameutrabalho, cuidava de todos com carinho e a morte no me

    incomodou mais.

    - A morte do corpo fsico algo natural! Voc religiosa? - perguntou ele.

    - Sou, vou igreja quando d, gosto de orar no sossego de um templo - respondi.

    - E o que pensa da morte?

    - No sei... - respondi sacudindo os ombros. - Por que est me perguntando isso?

    - Porque o corpo fsico nasce e morre. Ns o usamos para viver na Terra duranteum perodo. Voc no pensa na morte, em morrer?

    - Eu no! Ainda mais agora que sobrevivi daquele atropelamento em que ainda nome recuperei. A pancada na cabea me deixou confusa, deve ter afetado meucrebro.

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    Falei um tempo sobre o que sentia e tinha explicao para tudo. Doutor JosAugusto me ouvia atento. Aproveitando que fiz uma pausa, ele falou:

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    - Snia, no esquea que a morte do corpo fsico para todos, e que somossobreviventes depois dessa ocorrncia.

    Mudei de assunto aceitando um suco que me foi oferecido. No estava gostando nemum pouco de estar ali, achei muito estranho. Quando minhas companheiras dequartodormiram, levantei devagarzinho e sa do quarto. Uma senhora de aparnciaagradvel, aproximou-se quando estava no corredor perto da escada.

    - Snia, aonde vai? Est fugindo?

    - Sa somente para dar uma voltinha - respondi.

    - Voc pediu permisso? - indagou-me. - No pode sair e andar por a, pode ser

    perigoso. Volte, por favor! Voc est em recuperao e tem de obedecer s normasdohospital. Como enfermeira sabe disso, no ?

    Fingi que ia voltar, mas corri e desci as escadas. Passei correndo peloscorredores movimentados do hospital. Entrei na ala reservada ao corpo docente,no vestiriodas enfermeiras. Apressada troquei de roupa. Sa do prdio, parei em frente daavenida, quis estar em casa. E, logo estava. Aliviada, nem pensei como vim,acheique estava esquecendo alguns detalhes.

    Meu lar estava bagunado. Tentei arrum-lo e no consegui. Quis colocar objetosnos seus lugares, mas eles continuavam onde estavam. Cansada, sentei numapoltronae adormeci. Acordei com meus filhos chegando com minha me. Corri para abra-los, mas eles no me deram ateno. Pareciam no me ver. Escutei minha filhadizer:

    - Estamos contentes, vov, por estar aqui nos ajudando.

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    Conversaram sem me dar ateno.

    "Acho" - pensei - "que esto bravos comigo porque fugi do hospital."

    Meus dois filhos e minha me fizeram uma faxina na

    casa. Ela foi embora, meu marido chegou, estava abatido e triste. Tambm nem meolhou. Chorei. E minha filhinha

    chorou tambm. Meu marido a abraou.

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    - Filha, no chore! Estamos todos sofrendo. Tente reagir, temos de continuarvivendo.

    - Sinto tanta falta dela!

    "Ser que minha filha est chorando porque minha me, a av dela, foi embora?" -pensei.

    Os trs se abraaram. Foram dormir, nem me deram ateno. Resolvi ir para oquarto. Deitei na minha cama. Encostei-me no meu marido. Ele se revirou,levantou e foipara a sala, ligou a televiso. Fui tambm, disposta a conversar com ele.

    Falei por minutos que estava bem, por isso sa do hospital e que eles noprecisavam me tratar assim. Meu esposo sempre fora muito atencioso comigo,fingiu to bemque parecia no me escutar. Sentei-me no sof e dormi.

    Assim se passaram dias. At que escutei minha me e minha filha conversando.Diziam que iam ao hospital pegar alguns objetos meus que estavam l.

    "Bem" - pensei -, "se esto me tratando assim, com desprezo porque fugi de l,vou com elas, assim me desculpam e fica tudo bem."

    Entrei com elas no carro. Pararam no estacionamento

    do hospital, acompanhei-as e entramos no prdio.

    Fiquei olhando o movimento e quando percebi as duas sumiram. Resolvi ir para aenfermaria onde estive, mas no encontrei as escadas. Fiquei andando pelocorredor,acabei indo ao setor em que trabalhava, dos doentes em estado grave. Fiquei numcanto olhando. Vi um senhor, que j conhecia, era um doente difcil, exigente e

    abusado.Maltratava com palavras rudes quem cuidava dele. Por duas vezes passara as mosem mim. Agora estava morrendo e, morreu. Vi dois vultos escuros o pegarem pelosbraos,deram-lhe um puxo e ele se transformou em dois. Um quieto, ali no leito, outrogritando e desaparecendo com os vultos. Tremi de medo. Logo em seguida, outramorte,uma senhora tranqila morreu orando e foi envolvida por uma luz. Tambm setransformou em duas. Uma ficou dormindo serenamente, e

    a outra foi embora com a luminosidade

    Estava estupefata, ento, vi aquela senhora que tentou me impedir de fugir.

    - Oi, Snia! Que bom ter voltado! Espero que tenha compreendido o que ocorreucom voc.

    - Acho que estou louca!

    Ela me abraou com ternura.

    - No, Snia! Por favor, no se iluda mais! Observe-nos! Somos, voc e eu,diferentes dessas enfermeiras e desses doentes. Voc no est louca! Quando foi

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    atropelada,seu corpo fsico morreu, porm voc continuou viva, porque o esprito no morre.

    - Morta eu?! E agora? - perguntei aflita e com medo.

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    - Aceite essa forma de viver. Venha, vou lev-la para a parte do hospital ondeabrigamos desencarnados necessitados de orientao.

    Pegou na minha mo e foi me puxando. Ao passar pelo corredor principal, vi naparede uma foto do doutor Jos Augusto, ele foi um dos fundadores do hospital emorrerah muito tempo.

    - O retrato do doutor Jos Augusto! - exclamei. - Ele me ajudou. Via sempreessas fotos quando trabalhava aqui, por isso que, ao v-lo, achei que oconhecia.

    Aquela senhora me colocou no leito. Chorei por horas com d de mim e com medo.Senti-me abraada. Era o doutor Jos Augusto.

    - Snia - falou ele carinhosamente -, minha amiga, no chore mais! A vidacontinua.

    Adormeci tranqila.

    Acordei sentindo-me bem. Compreendi tudo. Minutos depois, o doutor Jos Augustoveio me visitar e perguntei para ele:

    - E agora?

    - Ir aprender a viver com esse corpo que agora reveste, o perisprito, para

    depois continuar sendo a boa enfermeira que sempre foi.

    - Explique-me, por favor, o que aconteceu comigo pedi.

    - Voc, h oito meses e quinze dias, ao atravessar a avenida, foi atropelada edesencarnou. Foi trazida para c e um dia fugiu.

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    - Parece que faz somente alguns dias que fui atropelada!

    - exclamei.

    - Porque ficou confusa e dormiu muito.

    - Foi por isso que ningum em casa me viu. Coitados!

    - No poderiam v-la. Voc, Snia, iludiu-se e no quis aceitar a situao. Via,em seu trabalho, muitas pessoas desencarnarem, mas no pensou que issoaconteceriacom voc.

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    - Como fui para minha casa? Como troquei de roupa?

    - quis saber curiosa.

    - Ns, desencarnados, locomovemo-nos com a fora do pensamento, da vontade. Issose chama volitao. Para fazer esse processo consciente necessitamos aprender.Algunso fazem sem saber, usam da vontade, como voc fez. Quanto troca de roupas,podemos plasmar vestimentas e objetos, tambm se faz conhecendo e depois de umaprendizado,ou como voc, que usou a fora mental, sem saber.

    -Vi, na U.T.I., duas pessoas morrerem. Um senhor foi levado por vultos escuros euma senhora por uma luz - falei, olhando para o doutor Jos Augusto, esperandoporuma explicao.

    - A desencarnao no igual para ningum - ele me esclareceu gentilmente. -Aquele senhor infelizmente viveu fazendo maldades, e desencarnados que no operdoaram,levaram seu esprito para regies trevosas a fim de se vingarem dele. A senhora

    que viu com luz foi uma pessoa bondosa e amigos vieram busc-la para lev-la alocaisde agradvel moradia. H tambm desencarnes como o seu, em que o espritopermanece junto ao corpo morto, vendo

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    de forma confusa arrumarem-no dentro do caixo e o velrio.

    Voc foi desligada duas horas antes do enterro. Outros, no querendo abandonar oenvoltrio carnal, so enterrados junto.

    Admirei-me com as explicaes coerentes que aquele bondoso doutor me dava.

    -Ainda bem que no me cremaram! - suspirei aliviada.- Meu marido quer ser cremado. O que acontece com espritos que tm o corpofsico morto reduzido a cinzas pela cremao?

    - Nos locais onde so cremados, trabalham equipes de socorristas que,independentemente de merecerem ou no, desligam esses espritos da matriamorta. Quem fezpor merecer um socorro levado para casas de auxlio,- outros, que viveramimprudentemente ou sem fazer o bem, somente so desligados - alguns ficam avagar e muitos

    retornam ao antigo lar.

    - Existem ento desencarnados, como o senhor se refere aos que morrem, bons emaus? Corri risco em ter sado daqui sem permisso? - indaguei-o.

    - H, no plano espiritual, espritos bons, maus e os que tm a inteno de semelhorar s que no tiveram coragem o suficiente para se dedicarem ao bem. Voc,Snia,correu perigo, de desencarnados maus a pegarem e faz-la escrava. Ns sabamosonde voc estava e um socorrista ia

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    v-la sempre, tnhamos notcias suas.

    Agradeci-o pelo auxlio e pelas explicaes. Dessa vez fui obediente, recuperei-me, compreendi que fizera minha partida do plano fsico e como quem parte,

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    chega, vim para o plano espiritual. Fui transferida para umacolnia, onde aprendi a viver desencarnada e a ser til.Tinha sempre notcias dos meus familiares, depois de anos, pude v-los e estarcom eles nos momentos importantes. E foi uma felicidade quando o doutor JosAugustome convidou para servir como enfermeira, ser socorrista no hospital em quetrabalhei quando encarnada.E a vida fantasticamente continua!

    Sonia

    Explicaes de Antonio Carlos

    Iludir-se fcil. Temos tendncia a acreditar no que queremos. Assim, Snia

    iludiu-se. Escutou, ao ser levada para a sala de emergncia, que seu estado eragrave,que morrera. Agarrou-se tanto ao corpo fsico que socorristas que serviam nohospital tiveram dificuldades para deslig-la - seu socorro somente ocorreu duashorasantes do seu envoltrio carnal ser enterrado. Deu para si mesma explicaes paratudo o que estava lhe acontecendo de diferente. Ao ficar numa parte do hospitalque no conhecia achou que era uma nova ala. Na sua casa terrena pensou que afamlia no falava com ela, por estarem bravos, por ter fugido etc.Normalmente poucas pessoas se preparam para esse fato natural que adesencarnao. Infelizmente, sempre achamos que isso acontece com os outros equando

    21

    chega nossa vez, apegamo-nos a detalhes para crer que continuamos na matriafsica. Se tivermos conhecimento, fazemos essa mudana com mais facilidade.Embora necessitamosfazer jus para merecer o socorro. No aceitar a desencarnao no depende domotivo que levou os rgos do corpo fsico a findarem suas funes. O desencarnedeSnia foi brusco. Talvez, se tivesse doente por meses, ter-se-ia preparado eaceitaria sem tantas dificuldades a mudana de plano. Mas, infelizmente, tenho

    vistodoentes de anos tambm se iludirem. No deveramos ter pavor da morte, e simentend-la e designar esse fenmeno pelo nome certo: desencarnao, aceitandoessa outraforma de viver. com aceitao e compreenso, tudo fica mais fcil e agradvel.

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    captulo dois

    Mala vazia

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    Que coisa! No sei o que est contecendo comigo. E esta dor est bem chata!" -resmunguei aborrecido.

    Estava a caminho do banco e, no momento, parado no trnsito. Uma senhora quecaminhava pela calada me informou do ocorrido:

    - Teve um acidente na esquina, nada grave, logo o trnsito vai ser liberado.

    - Obrigado! - agradeci sorrindo.

    E os pensamentos vieram novamente:

    "Se eu tivesse tido mais pacincia com duas companheiras e freqentadoras docentro esprita em que tentava ser til, elas no haviam brigado e se afastadoda casa" As duas me fizeram perder a pacincia - tentei me justificar.

    "Somente se perde o que se tem. E voc, tem a virtude da pacincia?"

    'Acho que deveria ter tentado apazigu-las."

    23

    E o monlogo prosseguia; embora tentasse pensar em outras coisas, voltavam ospensamentos em que dialogava comigo mesmo. E assim foi durante todo o dia.

    Lembrei-me das vezes em que fiquei nervoso no meu segundo lar: a casa esprita.

    'Acho que no fui caridoso com Toninho. Tambm ele estava levando alimentosarrecadados para sua casa."

    "Tentou ao menos saber o porqu de ele fazer isso? Ser que no estava passandonecessidades?"

    'Aparentemente no tinha motivos, ele estava empregado" - justifiquei-me.

    Pensei tambm em alguns fatos desagradveis que ocorreram em minha vidafamiliar. Ainda bem que foram poucos, e todos eles me pareceram sem importncia.Estava sendobom filho, esposo e pai, senti que eu mesmo no tinha queixas sobre mim nessaparte, com a famlia.

    Assim como tambm no estava me cobrando as ati-

    tudes que tive com outras pessoas que conviviam comigo no trabalho e nasociedade.

    Dei um longo suspiro. O trnsito foi liberado, prestei ateno e me dirigi aobanco.

    Enquanto esperava ser atendido, os pensamentos voltaram:

    "E se tivesse me dedicado mais assistncia social?

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    Participado com mais atividades nas campanhas? Acho que no fiz visitas aosdoentes que poderia. No levei consolo aos pais que tiveram filhosdesencarnados. Poderiater feito mais, muito mais."

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    O gerente me chamou:

    - Senhor Nelson, por favor!

    "Chega! Que pensamentos persistentes! Se no fiz, vou fazer agora e pronto!"

    Aproximei-me do gerente e o cumprimentei.

    - Como est, senhor Nelson?

    - com algumas dores na coluna; vou marcar uma consulta com meu mdico - respondi

    Resolvi o problema com o gerente, voltei ao escritrio e noite, em casa,depois do jantar, sentei-me no sof para ler o jornal e novamente preocupei-mecom ospensamentos:

    'As malas, ser que esto arrumadas?" - indaguei, pensando nelas.

    Desde que me tornara esprita compreendera que a morte somente uma mudana naforma de viver e tranqilizei-me; antes tinha um medo terrvel desse fato que naturala todos ns. Ento resolvi acumular obras boas que me acompanhariam nessa viagem

    em que faria s. Imaginei algumas malas e nelas, dia aps dia, colocavamentalmente,algo que julgava ter feito de bom.

    Tomei um remdio para amenizar as dores e fui dormir.

    Acordei de madrugada com uma forte dor, no consegui nem falar. Devo ter gemido,pois, acordei minha esposa que acendeu a luz. Vi temor nos seus olhos. Ouvi-afalarao tele-

    fone, chamando a ambulncia e os filhos. Tenho dois que j esto casados.

    Ela pegou na minha mo, senti-me seguro. Outra dor forte, aguda, que me deu aimpresso de que algo explodia

    25

    em meu peito; fui apagando. Esse "apagando" quer dizer "sumindo". Ainda vi minhaesposa passar as mos sobre meu peito, ajeitar minha cabea e me chamar:

    - Nelson!

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    Acordei. Dei uma olhada no local onde estava. Era um

    quarto estranho. Somente mexi os olhos. Estava num leito com lenis brancos. Dolado esquerdo havia uma janela fechada, por onde entrava tnue claridade. Doladodireito, duas portas, uma mesinha de cabeceira e uma poltrona.

    - Devo ter desencarnado! - exclamei baixinho.

    Estava bem, tranqilo e me sentindo confortvel. Sem

    saber o que fazer resolvi ficar quieto.

    "Se eu no tiver desencarnado e estiver em um hospital de encarnados, falandoque morri, eles acharo que enlouqueci. melhor esperar" - decidi.

    No demorou muito, um senhor entrou no quarto. Olhei-o e achei que o conhecia.

    - bom dia, Nelson! Como est passando? - ele me cumprimentou sorrindo.

    - bom dia! Estou bem! - respondi.

    - Est precisando de alguma coisa?

    - No, obrigado. O senhor mdico?

    - No sou mdico, e sim seu amigo - respondeu. Fiquei sem saber se perguntavaonde estava e o que

    me acontecera. Ele, vendo-me encabulado, explicou:

    -Voc, Nelson, sofreu um infarto e est se recuperando. "Sem soro? No vejo

    instrumentos hospitalares. No

    devo estar encarnado!" - pensei.

    26

    ria

    -! Sem

    n hospital >enlou-

    ,ondeu.

    " estava e o que L explicou: "^se recuperando, pitalares. No

    Olhei novamente para ele. Veio na minha mente a lembrana dos amigos da casaesprita. Recordei-me da descrio dos mdiuns videntes sobre os nossosorientadoresdesencarnados, lembrei-me com detalhes do que falavam de um deles, o que estavasempre ao meu lado, orientando-me. Jos, assim o chamvamos.

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    Enquanto me recordava desse fato, ele ficou quieto. Observei-o bem.

    "Parece com ele ou o prprio Jos?" - indaguei-me.

    Resolvi perguntar:

    - O senhor meu amigo porque trabalha no centro esprita que freqento? Do ladoespiritual? o Jos?

    - Sim, sou. Tenho imenso prazer em t-lo aqui conosco.

    - O que aconteceu?

    - Como j disse, voc teve um infarto e os rgos do seu corpo cessaram suasfunes. Ns, os companheiros desencarnados, que por anos trabalhamos com voc,pudemosdeslig-lo da matria morta e traz-lo para c. Est na ala de recuperao dacolnia, situada no espao espiritual da cidade onde viveu encarnado.

    Olhava-o atento, ele sorriu e perguntei em tom de indiferena - parecia que o

    assunto era corriqueiro, como se indagasse: "Voc leu esse livro?".

    - E meus familiares?

    - Comportaram-se e agiram muito bem, demonstrando os conhecimentos adquiridos.Sendo espritas, deram exemplos de como se deve agir nesses momentos ainda todifceispara os terrqueos. Voc recebeu muitas oraes dos

    27

    companheiros e teve um velrio e um enterro tranqilos, dignos de um aprendiz do

    Evangelho.

    Fiquei quieto. Depois de dois longos minutos, esse senhor, percebendo que eudesejava ficar sozinho, sorriu e se despediu.

    - Nelson, vou deix-lo a ss um pouquinho. Volto logo. Acenei com a cabeaconcordando, e ao ficar sozinho,

    fiquei a pensar:

    "Ontem no estava me sentindo bem. Tive aqueles pensamentos estranhos. No, achoque no eram estranhos, eram reais. Deixei de fazer muitas coisas, e outras fiz

    de forma errada. E a morte me surpreendeu...".

    Comecei a ficar inquieto, a suar, senti minhas mos geladas.

    "No fiz o que deveria ter feito! No julgava que isso ia ser cobrado."

    Passei a respirar com dificuldade e senti uma dorzinha no peito.

    Senti um pavor que me paralisou no leito, devo ter arregalado os olhos. Faleialto, repetindo a indagao:

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    - E agora?

    - Nelson, por favor! - disse Jos, entrando no quarto novamente. - Calma!

    E estendendo as mos sobre mim, deu-me um passe. Fui me tranqilizando.

    - O que lhe aconteceu? Voc estava to bem! - ele indagou.

    28

    - Sou infeliz! Deixei de fazer muitas coisas - queixei-me.- No me dediquei como deveria assistncia social, no apaziguei asdiscrdias, no fiz...

    - Pare! - ordenou-me Jos. - No se recrimine assim! Voc vai agora me dizer oque fez de bom para a casa esprita.

    - Eu? O que fiz?

    - Sim, voc! Que tal lembrar-se dos passes que aplicou, das entrevistas em queaconselhou e consolou a muitos, das orientaes que deu a desencarnadosnecessitadosde ajuda por meio dos trabalhos de desobsesso, dos livros espritas queemprestou, doou e...

    Foi falando dos pequenos atos que fiz, e fui melhorando. Jos parou de falar,indaguei-o aflito:

    - E agora? O que fao?

    - Primeiro, descanse para se recuperar; depois aprender a viver sem oenvoltrio fsico e a ser til colnia que o abriga.

    - O senhor falando assim, parece fcil - expressei-me.

    - , de fato fcil. Lembre-se, Nelson, de que a vida continua sem saltos e semcomplicaes, por isso no a complique. No se deixe abater por pensamentosnegativoscomo esses que teve. Pense no presente, no momento atual que devemos fazer obem para sermos bons um dia.

    Envergonhei-me do vexame que dei, Jos sorriu compreendendo.

    - Nelson, todos ns sabemos que os rgos do corpo fsico um dia cessam suasfunes. Mas, quando ocorre conosco, um acontecimento especial, porque essemomento

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    Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - Antnio Carlos

    nosso. E ns que passamos. Agora, durma para descansar, ficarei aqui at queadormea.

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    Quando acordei vim a saber que trinta dias j haviam se passado da minha mudanade plano. Cobrei de mim mesmo o que deixara de fazer quando encarnado,amargurei-me,entristeci-me, sentindo-me um pouco fracassado. Quem pode, tem obrigao defazer. E sofri, julguei a mim mesmo. Mas compreendi que no basta se lamentar eme esforceipara melhorar. Se no realizei mais coisas, agora estava tendo a oportunidade derealizar.

    Fiz uma viagem em que mudei de plano, e somente o que me acompanhou foram asminhas obras! Voltei com a bagagem quase cheia, aproveitei encarnado muitas dasoportunidadesque tive. Aprendi, erradiquei alguns vcios, adquiri virtudes, mas me incomodavao espacinho que deixei vazio.

    Resolvi reagir. Levantei-me e imaginei as malas que quando encarnado mentalizei,aquelas em que fui colocando meus atos. Abri o armrio do quarto e tambm aprimeiramala. Continuei a imaginar, ia pegar meu aprendizado para colocar dentro dagaveta. Parei. Compreendi que no se guardam conhecimentos adquiridos em locais.

    Elesestavam dentro de mim.

    Retornara ptria espiritual. E voltara sabendo como era, o que encontraria. Euestava num lugar de maravilhas e com amigos. Ajoelhei-me e agradeci a Deus;lgrimasrolaram pelo meu rosto. Senti-me agradecido e dei graas.

    Fiquei mais cinco dias no hospital, depois fui hospedado numa casa com amigos.Encantei-me com as belezas da

    30

    colnia. Lera em livros espritas descries das cidades espirituais, mas v-laspessoalmente uma felicidade indescritvel.

    O tempo passou, de aprendiz tornei-me servo til, um morador pelos muitosservios prestados. Pude saber e estar sempre com meus familiares, e assimamenizar minhasaudade.

    Hoje, acho engraado ao recordar aqueles momentos em que receei, sem razo,

    estar desencarnado. Sofri muito naqueles minutos. Mesmo com conhecimento no meisenteide ficar inseguro, de sentir medo. Ainda bem que aquela agonia passou rpido.Hoje estou muito feliz, tentando no deixar mais nenhuma obra que possa serfeita,sem fazer. E, penso nas malas, no quero deixar nenhuma vazia, porque sei quemudarei de plano novamente. Um dia, reencarnarei novamente. E quero ter uma boabagagem,com boas obras, pois elas so tesouros conquistados.

    Anseio servir sempre para ajudar a melhorar a Terra - o planeta que temos por

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    graa para morar -, pois tornando-o melhor, teremos um lar de bem-aventuranas.

    Nelson

    Explicaes de Antonio Carlos

    A histria da vida de Nelson um exemplo. Foi um servo til, tanto que mereceuum socorro imediato e foi levado para uma colnia. Infelizmente so raras aspessoasque ao desencarnarem no se sintam como ele, que poderia ter feito mais a si eao prximo, julgando-se

    31

    devedoras, porque oportunidades de praticar o bem, faz-lo a outros e a si mesmotodos temos, quando encarnados. Tranqila a desencarnao dos que agem comoNelson;felizes e bem-aventurados os que realmente retornam ptria espiritual, tendono plano fsico feito tudo o que podiam.

    32

    captulo trs

    A Artista

    entia-me muito doente. Sabia que a doena que padecia era incurvel, estavasofrendo muito e o tratamento tambm era dolorido.

    Pedi muitas vezes ao mdico, que conhecia desde criana, para interromper otratamento.

    - Esses remdios me fazem mais mal do que bem! exclamei.

    Ele explicou por minutos que eu estava errada e que, embora doloroso, era o quea medicina oferecia etc.

    - Meu querido doutor deve ter pensado melhor e ter feito o que eu queria. S queno est mais me visitando! falei suspirando.

    Meu mordomo, secretrio, nem sei mais o que ele era para mim, porque fazia detudo em casa, entrou na sala em que eu estava. Talvez, pensando melhor, adefinio

    que poderia lhe dar, era de apaixonado-amigo.

    33

    Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - Antnio Carlos

    Silencioso e triste abriu a cortina de uma das janelas. Nada falou. Estavam elee uma das empregadas que ficou comigo, obedecendo-me. Eu no queria conversar.Primeiro,por no gostar mais de falar; no tinha assunto a no ser de doena e isso mecansava. Segundo, porque depois que meu filhinho faleceu, desinteressei-me de

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    tudo.

    Tinha bastante dinheiro e o mordomo, administrava-o bem.

    Fechamos a casa com ns dentro, isso para que jornalistas vidos por notciasno conseguissem alguma foto minha doente. J no parecia mais a jovem que fora.Eele, meu mordomo, no me dava motivos para recrimin-lo. Abriu a cortina da

    janela que dava para os fundos da casa.

    - Como agora no gosto de jornalistas! - expressei-me baixinho.

    Ele me olhou, ou talvez para a poltrona em que eu estava. Aproximou-sedevagarzinho e arrumou a manta que estava sobre a poltrona, cobrindo-me.

    Olhei-o agradecida. Sabia que ele me amava e foi somente por esse amorverdadeiro que ficou comigo. Era meu empregado h anos. Um dos meus namoradosinsinuou queele era apaixonado por mim. Ri naquele momento.

    Depois da tragdia, fiquei doente e ele ficou ao meu lado, compreendi que esse

    homem me amava, mas era tarde demais.

    Pensei nos reprteres e jornalistas, agora me escondia deles. Antes no foraassim, gostava de ser fotografada, exibia-me diante das cmeras. Fazia de tudoparaser entrevistada e sair em jornais e revistas. Mas o tempo passou e eu mudei.

    34"Pense na sua vida e preste ateno nas mudanas que houve!"

    Escutei algum me falar, mas como no vi ningum, achei que eram pensamentosmeus. s vezes sentia que escutava meu filhinho, achava que era por sentir muito

    suafalta.

    Cochilei e acordei na minha enorme cama.

    - Estou muito sozinha! Nenhuma visita! - falei resmungando.

    Proibira as visitas e quando algum vinha me ver, no as recebia. E,ultimamente, at o mdico da famlia no vinha mais. Nem meu irmo, ele sezangara por no quererir para o hospital. Estava tendo o sossego que desejava, mas me sentia sozinha.

    Nos tempos de glria, aparentemente fui feliz. Fama, sucesso e com isso,dinheiro. Fora os maridos, amantes e muitas badalaes.

    De uma relao mais sria, nasceu meu filho. Amei-o muito. com a separao, eleficou comigo e nos tornamos grandes companheiros, unidos por uma relaomaravilhosaque somente existe entre me e filho. Estava com ele sempre que possvel. Atrecusei alguns trabalhos para ficar juntinho dele.

    Meu filho crescia forte, bonito e muito inteligente.

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    Viajava a trabalho sempre. O mordomo e as empregadas ficavam com meu filhinho,que adoravelmente, cativava a todos, sendo em casa um reizinho muito amado.

    Meu filho nunca saa sozinho, levavam-no e buscavam-no na escola. Um dia em queeu estava viajando, tendo

    35

    um dos professores do seu colgio falecido, as crianas foram dispensadas maiscedo e ele voltou para casa de carona. O porto da frente de nossa casa era tododegrade com pontas. Meu filho em vez de tocar a campainha, resolveu, sabe-se lpor que, pul-lo.

    Caiu e ficou ferido por uma ponta no pescoo. Pessoas que passavam pela ruaviram, gritaram, meus empregados acudiram. O mordomo aflito levou-o para ohospital,onde morreu de hemorragia.

    Sofri tanto, no queria acreditar. Quis, com sinceridade, ser enterrada com ele.

    Fiquei depressiva e adoeci.

    Fizeram o que eu pedi, no conversavam comigo e no recebiam visitas. Mas noestava satisfeita. A solido me

    deixava mais triste e a doena me fazia delirar. Ora escutava algum que me davaa impresso de ser meu menino a me falar para analisar a situao, ora sentiapessoasorarem por mim. Ao sentir isso, achava que eram fs querendo que me curasse. Mass vezes, sentia ou escutava pessoas chorarem achando que haviam me perdido.Eramsensaes estranhas que me deixavam confusa; desejava que passasse logo, mas no

    passava.

    Por tempos vivi nessa agonia e tristeza, sem conseguir definir se foram meses ouanos.

    Um dia, o mordomo entrou no quarto, ento resolvi sair do meu mutismo.

    - Voc tem sido um leal amigo! Pode falar, vamos conversar.

    36

    \

    Ele no respondeu. Estranhei e repeti:

    - Sente-se aqui perto de mim. Vamos conversar! Ele deu uma olhada pelo quarto esaiu.

    "Ser que o ofendi? Certamente o fiz, mas no foi por querer" - pensei.

    Conquistara, usando de minha beleza muitos homens, mas no o seduzi, nunca tivea pretenso de ter um caso com um empregado.

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    - J viu como o corpo dele e como o seu? - a voz que ouvia de vez em quandome falou.

    - vou telefonar para meu mdico ou para meu irmo! No consegui tirar o fone dogancho. Toquei a sineta

    que fora colocada na minha mesinha de cabeceira desde que ficara doente. Nada.

    Depois de um tempo, o mordomo entrou no quarto. Olhou tudo, passou a mo pelacmoda, pegou um portaretrato com fotos minhas, olhou-as com carinho e dissebaixinho:

    - Perdoe-me! No pude impedir que seu irmo, seu herdeiro, vendesse tudo! Amanhvir o caminho para retirar alguns mveis que sero leiloados. Logo, os novosproprietriosestaro aqui e modificaro tudo. Irei embora! Esta casa deveria ser um santurioe no deveria ser modificada.

    "Como?!" - gritei. - "O que est falando? Meu irmo vendeu tudo? Como pde se euainda no morri?"

    - Veja a diferena! - escutei a voz.

    Olhei para ele examinando-o e depois para mim. Estvamos muito diferentes. Elesadio e eu doente. Mas a voz37insistiu. Analise-o novamente. O mordomo chorava sentido. Ento percebi que seucorpo era grosseiro e o meu leve e diferente.

    Pedi para ele ficar no quarto comigo, mas ele saiu.

    Escutei barulho. Abriram o quarto, meu irmo e o mordomo entraram, meu mano deuordem:

    -Voc, por favor, pegue tudo o que era de uso pessoal e os retratos, coloque-osnestas caixas, vou lev-las comigo, depois resolvo o que farei.

    - Ela nos far falta! - falou o mordomo.

    - J faz! Entenda que no posso mais deixar esta casa sem moradores, e nopretendo residir aqui.

    - Compreendo! - expressou o mordomo triste. "Por que faz isso?" - gritei.

    Meu irmo suspirou e disse como se falasse a si mesmo.

    - Minha irmzinha morreu! Uma artista como ela, no deveria nunca morrer! Tempessoas que vieram Terra para

    serem eternas.

    Abri a boca de espanto.

    "Eu, morri?!"

    Deviam estar enganados. Estava ali, doente, mas viva. Olhei-os, estavam srios,

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    expresses sofridas e no iam brincar com esse assunto srio: a morte. Tremi demedo.

    E novamente a voz:

    - Calma! Voc nunca pensou nas coisas boas que fez? No estava com vontade, masme lembrei. Pratiquei

    muitas caridades, tinha muito dinheiro. Nunca maltratei ningum e ajudava sempreque podia, todos a minha volta.

    38

    - O que mais quer nesse momento? - a voz me perguntou.

    -Ver meu filhinho! - respondi em tom de splica.

    - No ter medo? -No!

    Senti algum pegar na minha mo. Olhei-a e vi uma mozinha. Deliciei-me com ocontato e com o carinho. E junto da mozinha foi se materializando a figura domeufilho.

    - Filhinho do meu corao! Voc veio me ver! Sinto tanto sua falta!

    - Mame, tive meu corpo fsico morto e continuei vivo em esprito. Tenho lhepedido para observar nossos empregados, os dois que ficaram nesta casa.

    - Meu irmo quer vend-la! - expressei-me sentida. Nisso o mordomo voltou com ascaixas. Abriu a cmoda, foi pegando alguns objetos e colocando-os dentro.

    - Ele nosso amigo querido! - disse meu filho. Observe*o, mame, ele diferente de ns. Ns dois morremos, ele no!

    O mordomo chorava, e eu tambm.

    - E agora meu filho? Que fao? - indaguei com ansiedade e medo.

    - Venha comigo! Aqui local de moradia para quem ainda tem o corpo carnal, nsque o deixamos, temos outros locais para viver.

    Abraamo-nos, confiei e fui com ele, que volitou comigo. Fui abrigada numa

    colnia e internada num hospital. Minha adaptao foi longa. Sentia-me doente,tive dereceber

    39muita ajuda para me sentir novamente sadia. Quando melhorei, senti falta dasatividades artsticas, de ser admirada pelos fs. Mas, acostumei-me,principalmentetendo ao meu lado meu filhinho. E a vida continuou muito diferente para mim. Eraacostumada ao luxo e a ser servida, ali tudo era lindo, mas simples, e tive deaprender

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    a servir.

    Ao desencarnar, meu esprito foi desligado da matria e meu corpo enterrado compompas. Continuei em casa, sem compreender o que me acontecera. Fiquei muitotempoconfusa. Meu filho ia sempre me visitar, tentando me explicar que meu corpofsico morrera; era dele a voz que ocasionalmente eu escutava.

    E o mordomo, amigo fiel, de fato me amou, dedicou-se a mim com fidelidade. Ficouo quanto pde em minha casa, tomando conta de tudo.

    Fs compadeceram-se comigo na tragdia que me abalou, com o acidente em que meufilho desencarnara e com a minha doena. Meu desencarne foi sentido. Muitosorarampor mim, outros choraram. Mas tudo passou. Aos poucos foram me esquecendo,alguns ainda se lembram do meu trabalho, labutei muito para conseguir serconhecida eadmirada.

    Sofri como uma pessoa comum. E somente compreendi e indaguei: "O que fao agoraque morri?", tempos depois, quando tive conscincia desse fato. Foi uma sensao

    muito estranha, senti um vazio, como se passasse por uma porta, e essa sefechasse e no saberia o que encontraria pela frente. Ainda bem que Deus misericordiosoe permitiu que encontrasse meu filhinho.40Tenho planos de aprender para ser til aqui na espiritualidade. Desejo trabalharauxiliando os que sofrem. Quero esquecer o passado, mas, s vezes, soureconhecidaaqui no plano espiritual.

    - Voc no foi artista?

    - Sim, respondo

    Depois de observada e de alguns comentrios, retornamos s atividades. Sei queesses fatos sero cada vez mais raros, porque tudo muda, passa, e conoscopermaneceo que de fato somos.

    Explicaes de Antnio Carlos

    Essa convidada no quis se identificar. Porque nomes so para sermosidentificados por uma encarnao. Podemos nos tornar conhecidos por muitosmotivos, por sermos

    talentosos ou por um trabalho srio, seja essenas artes, na cincia, na religio etc. J tivemos muitos *nomes, e com certeza, teremos outros mais. E todos ns nos defrontamos com amorte do corpo fsico, famosos ou no. E essa foi a histria dela. Muitosindagam oque acontece com pessoas conhecidas que tm muitos fs. A desencarnao paraelas no diferente. O corpo carnal morre. E o socorro logo em seguida paraaquelesque fizeram jus. Assim como se comenta entre os encarnados a mudana de plano depessoas famosas, na espiritualidade tambm se ouvem comentrios quando issoacontece.

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    inclinou para me ver melhor

    e gritou:

    - Me! Corre aqui! Papai no est passando bem! Eles correram e telefonaramchamando uma ambulncia.

    Minha esposa segurou minha mo e chorou aflita. O socorro veio, colocaram meucorpo na maca. A pessoa que me amparava disse:

    -Vem!

    Aproximei-me do meu corpo e no vi mais nada at que despertei. No conseguia memexer nem falar, mas via e ouvia. Estava na U.T.I. de um hospital e acordei comum mdico com voz agradvel. Senti que ele pegou na minha mo.

    - Vamos l, Niquelino, acorde! Sei que voc muito trabalhador, no v agoradar uma de preguioso. Voc teve um acidente vascular cerebral e est nohospital.Deve se recuperar. Daqui a pouco hora de visitas, vou pedir para fazer suabarba. Vamos reagir!

    Quis mexer-me, mas no consegui. Aproximou-se de mim outra pessoa que mebarbeou, limpou-me, mas essa

    pouco conversou.

    Chegaram as visitas, minha esposa e filha. Fizeram-me carinho e beijaram-me, foiuma sensao agradvel, muito gostosa. Minha filha falou comigo, disse que tudoestava bem e que haviam conseguido parcelar minha dvida.

    Foram embora e pensei que se no tivesse ficado to preocupado, talvez noestivesse doente. Mas sempre fui muito honesto, estava endividado e no

    conseguia quitara

    dvida. Isso muito me aborrecia, para no dizer enervava, a ponto de no mealimentar direito nem dormir

    Fiquei com muita pena da minha esposa e dos meus dois filhos. Eles cuidavam detudo sozinhos E eu nada mais

    podia fazer, pois estava no hospital, vtima daquele acidente vascular, conformedissera o mdico

    Estava em coma e sentia uma sensao estranha. Dormia, acordava, mas no memexia. Ouvia e via os enfermeiros, mdicos e as visitas. s vezes, via pessoasdiferentesque me orientavam.

    - Calma, Niquelino! Seu corpo fsico est em coma e seu estado grave. Ore,pense em Deus!

    Conseguia fazer oraes as quais havia decorado, e outras fazia como seconversasse com Deus. E ao Pai Celeste

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    pedia pelos meus.

    No tinha medo. Sentia que todos me queriam bem. Escutei duas enfermeirasconversando.

    - Ser mesmo, Mrcia, que as pessoas em coma ouvem o que conversamos?

    - O doutor Cludio acha que sim. Ele esprita! Talvez seja por isso que ele to bondoso e caridoso. Conversa com os doentes em coma como se eles oescutassem.

    - Acho que por isso que o doutor Cludio est sempre nos pedindo para termospensamentos alegres, otimistas e tratarmos muito bem esses doentes.

    De fato, doutor Cludio - agora sabia seu nome -, era muito simptico.Continuava falando comigo, incentivando-me a reagir.

    45

    Queria atend-lo, mas no sabia como No queria morrer, queria ficar perto deminha famlia e ajud-los a sair da situao difcil em que estvamos.

    Quando de novo vi aquele senhor diferente, porque ele se erguia no ar como umbalo, indaguei-o-

    - O que fao para reagir como o doutor Cludio quer?

    - Mantendo-se calmo e tranqilo.

    - J estou - respondi

    - Vamos aguardar. Tudo tem seu tempo - respondeu ele tranqilamente.

    Acho que piorei Na visita, minha esposa chorou e meu filho me beijou muitasvezes.

    Vi o tnel de novo, a luz, ansiei para ir para aquela claridade brilhante e fui.Aquele ser diferente me deu a mo e disse:

    - tempo! Venha!

    Adormeci tranqilo. Acordei sem os aparelhos e virei no leito calmamente.

    Esforcei-me e consegui sentar-me na cama. Vi com clareza aquele senhor; estavasentadoao lado do meu leito, sorriu e me cumprimentou:

    - bom dia, Niquelino! Como se sente?

    - Sa do coma? O que me aconteceu?

    - Niquelino, seu corpo fsico no tinha condies de continuar no planoencarnado e voc em esprito est aqui, entre ns - explicou ele.

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    Fiquei quieto, pensamentos vieram e parecia que via o mdico dizer que faleci,desligarem os aparelhos, meu corpo ser velado e o enterro.

    46

    - Sinto-me bem - respondi depois de alguns segundos. Estou confuso! Morri? E oque morrer de fato?

    - Os rgos do corpo carnal param e esse falece. Ns continuamos vivos, somosespritos e uma outra forma de vida nos apresentada.

    Chorei.

    - O que ir me acontecer? - perguntei emocionado,

    temeroso e ansioso.

    -Viver de outro modo - respondeu o senhor tranqilamente, tentando me darsegurana.

    - E os meus? Minha famlia? Que ser deles, passvamos por grandes dificuldades.

    - Passavam, disse bem, tudo passa... No se preocupe com eles - aconselhou-me osenhor bondosamente.

    Mas me preocupei. Sentia-me bem, pelo que me falavam, estava em um posto desocorro na parte espiritual do hospital, onde estive em coma, sendo tratado comcarinho.Mas achava que no merecia estar ali me sentindo bem e os meus com tantosproblemas. Quis ir para perto deles; quis tanto que fui.

    No entendi como, num instante estava em casa.

    Minha esposa e meus dois filhos j haviam resolvido quase todos os nossosproblemas, no achei que foi da melhor forma. Na minha opinio, deveriam tertentado sairdo aperto financeiro. Eles quitaram todas as dvidas, entregando a nossa pequenafbrica aos credores e venderam at a casa onde morvamos. Chorei ao escutar deminha esposa:

    - Foi melhor assim. Niquelino morreu de tanto se preocupar, e no quero que issoacontea comigo ou com vocs.

    Voc, meu filho, tem um diploma, conseguiu um emprego, ser um bom funcionrio efar carreira dentro dessa empresa. Filhinha, voc logo casar e ir ajudar seumarido na loja dele. Vamos mudar para aquele pequeno apartamento. Nossa despesaser menor, no precisarei de ningum l para me ajudar e estou pensando emvoltara costurar.

    Fiquei pela casa, comecei a ter dores de cabea, enjo, muita tristeza e, svezes, sentia-me perturbado, no sabia h quanto tempo estava ali.

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    Meu filho chegou noite em casa com um livro e comeou a l-lo. Escutei-ocomentar com minha esposa:

    - Mame, esse livro timo! um relato de uma jovem que desencarnou, teve ocorpo fsico morto aos dezenove anos. Ela chama-se Patrcia e o livro Violetasna

    janela. O que est escrito aqui vai de encontro com meu raciocnio. Parece quesabia disso tudo, tinha esquecido e agora ao ler recordo-me. Ganhei-o depresentede um colega de trabalho. Ao me ver triste com a morte de papai, ele quis meajudar me dando esse presente. Disse que esse livro iria me auxiliar.

    As duas, minha esposa e filha, foram dormir, e meu filho ficou lendo, estavainteressado. Fiquei ao seu lado.

    - Papai! Meu pai! - disse meu filho baixinho. -Amo-o, quero que esteja bem e empaz a no plano espiritual, numa colnia linda! O senhor deve estar pensando emns,pois sempre nos amou. Mas no deve! Passamos por uma lio

    1 CARVALHO, Vera Lcia Mannzeck de Violetas na Janela Esprito Patrcia So

    Paulo Petit Editora (Nota do Editor)

    48

    e estamos acertando. Sentimos sua falta, mas como o amamos, queremo-lo feliz ana espiritualidade! Receba meu beijo!

    Estalou um beijo com a boca. Levantou-se e foi para seu quarto.

    Fiquei pensando. Eles me queriam bem e desejavam que estivesse feliz, e eu

    queria o mesmo para eles. Ali no era o meu lugar. Mas sim aonde meu filhoqueria queestivesse. Chorei e orei. Pensei naquele senhor que tanto me ajudara e ao qualnem agradeci. Acho que fiquei horas assim, orando, pedindo e chamando aquelesenhor.E ele veio.

    - Vem, Niquelino!

    Voltamos ao posto de socorro. Senti-me diferente agora, tive a certeza damudana de plano. Agradecido, paciente, tentei fazer tudo o que me recomendavam.Passei

    a receber pensamentos de incentivos de meu filho, da esposa e filha que tambmleram o livro. Obedeci-os. Fui transferido para a colnia que eles tanto queriamqueestivesse. Encantei-me com tudo o que vi e recebi. Aprendi a viver desencarnadoe passei a ser til.

    Atualmente, tenho permisso para v-los So visitas agradveis. Eles se tornaramespritas, passaram a ser mais tranqilos e esperanosos. Minha filha se casou,tudo deu certo para ela. Minha esposa e filho moram num apartamento pequeno, eletrabalha muito, est bem, e minha esposa costura e tem muitas freguesas. Estoufeliz

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    como eles queriam que eu estivesse.

    Para mim, a desencarnao me pareceu natural, tudo transcorria bem, mas quisvoltar para casa por me preocupar

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    demais. Sei que errei em sair de um local de socorro sem permisso. Volteiporque quis muito e fui impulsionado pela vontade. Volitei sem saber e depoisno souberetornar Quando se est abrigado em postos de socorro, sair mais fcil. Temosnosso livre-arbtrio para sair de locais de socorro, porque l no se ficapreso.Isso no ocorre para quem est preso no umbral, l somente se sai pelo socorro.Poderia ter ocorrido comigo muitos transtornos nesses vinte dias em que fiqueinomeu lar terreno, porque l estive sem preparo, conhecimento ou permisso.Poderia, sem querer, trocar energias com os encarnados, ou at sug-los,vampirizar seus

    fluidos vitais, prejudicando-os. Poderia tambm acontecer de desencarnados

    mal-intencionados me pegarem e me maltratarem. Certamente iria perturbar cadavez mais, ter dores atrozes sentindo com intensidade os reflexos do meu corpofsico.

    Ainda bem que nada disso ocorreu. Recebemos a graa de um presente. Foi pelolivro esprita que meu filho ganhou e leu que pde compreender e agir diferente,fazendo-me

    querer o socorro.

    No fcil deixar tudo o que amamos e julgamos ser nosso. Mas, querendo ou no,a desencarnao nos faz deixar. A resposta que obtive para: "E agora?" foi que adesencarnao uma mudana e por ela defrontamos com uma continuao de vidatotalmente diferente. Necessitamos de coragem e incentivo dos que amamos e seissoacontecer, como receber um empurro, um alento que nos d vontade de estar bempara agrad-los. Hoje, no tenho mais esse sentimento de apego nem me preocupodemasiadamente

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    com minha famlia. Somos solitrios, porm no devemos deixar de ser solidrios.A vida continua...

    Niquelino

    Explicaes de Antnio Carlos

    Convidei Niquelino porque ele ficou em coma por cinqenta e dois dias. O comano sentido igual para os que passaram por essa experincia. Para muitos, oesprito

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    fica no corpo fsico sem se afastar, sentem como se dormissem, no se recordamde nada. Temos muitos relatos de pessoas encarnadas que saram do coma, umas noserecordam, outras se lembram de muitos fatos. O mesmo se sucede com os quedesencarnaram, alguns se lembram desse perodo e outros no.

    O tnel e a luz podem ser tambm sintomas fsicos, desligamento de clulascerebrais. Nem todos os que desencarnam vem essa luz ou tnel, ou se vem noacham ofato to importante, no lhes chama a ateno para mencionarem. Eu no me lembronas minhas desencarnaes de t-las visto. Mas, tambm temos outra explicaoparaessa luz, ela pode ser de amigos desencarnados que esto juntos nesse momentoimportante que para os desencarnantes. Muitos so desligados quando vem aluz, outrosno, como vemos em muitos relatos. Niquelino a viu por

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    duas vezes, na sala de sua casa quando apareceu o senhor citado, o socorrista, e

    quando desencarnou. Niquelino, na U.T.I. do hospital, afastava-se do corpo, isto, seu esprito, alma, ligado pelo cordo prateado ao corpo fsico, via osencarnados que ali se encontravam e at alguns desencarnados. Tinha noo do quese passavaao seu redor. Isso ocorreu em alguns momentos e no o tempo todo. Ele foi umapessoa boa, caridosa, religiosa e muito honesta, teve por isso quem o auxiliasseesocorresse. O que aconteceu com ele, ocorre com muitos. Sentindo que seus afetosqueridos esto sofrendo acham que imerecido sentir-se bem. Niquelino resolveuir auxili-los. S que ningum ajuda sem saber. Ele saiu do posto de socorroimpulsionado por sua vontade forte e foi para seu lar terreno.

    E como muito acontece, um bom livro esprita auxiliou os encarnados,incentivando-os a ajudar o afeto desencarnado. Patrcia, a autora do livro quebeneficiou afamlia do convidado, disse-me que o livro Violetas na janela tem ajudado muitomais os desencarnados, porque quando os que esto no plano fsico o lem, passama incentivar seus afetos que foram para a espiritualidade, desejando que essesestejam bem, e muito os ajudam.

    O grande problema de muitos desencarnados a preocupao com seus bens, osmateriais ou com aqueles que amam. Como esto? Que iro fazer sem mim?

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    Como deix-los em dificuldades? So indagaes que se resumem em: "E agora?". Emvez de pensarem neles, preocupam-se com os outros. Sofrem at que compreendemquetodos os problemas se resolvem e que

    o amor continua.

    Ser desapegado de bens materiais para pessoas que querem ser boas mais fcil.

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    Mas ser desapegado dos afetos mais difcil. Devemos aprender a amar sem apego,pois esse amor sem posse que o verdadeiro.

    captulo cinco

    Preconceito

    que ser de mim quando morrer? Ai, meu Deus! - exclamei baixinho.

    Estava num leito do hospital morrendo em conseqncia da aids. Sofria com muitasdores, enjoos, tonturas e mal-estares. Meu corpo definhava e, injees, sondasmemaltratavam.

    Glorinha entrou na enfermaria com um vasinho de flores e uns pacotes debolachas.

    - Oi Tonz! Como est Jos Antnio? - cumprimentou-me beijando-me.

    - Mal, amiga. Acho que estou para morrer - respondi.

    - Nem fale isso! Voc viver muito - disse animando-me. Falou por minutos dando-me notcias de amigos e de

    pessoas conhecidas. Gostava de Glorinha. Prestei mais ateno quando me falou doorfanato.

    - As crianas perguntam de voc, do palhao Ton. Quando lhes falei que estavadoente, os pequeninos oraram

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    para voc se curar. Ontem fizemos uma festa para eles. Estou indo l tambm squartas-feiras para dar aula de reforo, fao o que voc me aconselhou. Isso mefazmuito bem. Pedi para a diretoria do orfanato me empregar e se isso acontecer nofarei mais programas. vou viver do meu salrio, s que no terei mais dinheiroparacomprar presentes para a garotada.

    - Faa isso, Glria! Veja bem o que pode ocorrer com nosso corpo, no somosnada. Voc no dar presentes, mas dar carinho, que para os rfos maisimportante

    do que os objetos materiais.

    Terminado o horrio de visita, Glorinha foi embora e fiquei pensando. Tinhamuitos amigos e eles vinham me ver, traziam mimos e agradavam-me, tentando meanimar.Avisei meus parentes que estava doente. Tinha irmos, sobrinhos, tios e muitosprimos. Somente um irmo veio me ver. Lembrei-me com tristeza dessa visita; elefoifrio, discreto, cumprimentou-me sem me encostar.

    "Boa tarde, Jos Antnio! Queria me ver?"

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    Queria falar tantas coisas para ele, mas diante de sua expresso de desprezo,disse somente.-

    "Queria lhe dizer que tenho um apartamento que est usufruto de voc e dosnossos irmos. Quando os avisarem

    que morri, venda-o e repartam o dinheiro."

    "Voc tem dinheiro em bancos? Est precisando de alguma coisa?"

    "No, obrigado, tenho tudo o que necessito. No tenho dinheiro em bancos,somente possuo o apartamento. Gostaria de saber da famlia, d-me notciasdeles" - pedi.

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    -"Estamos todos bem" - respondeu ele. - "Ainda bem que papai e mame estomortos para no terem mais essa vergonha de saber que voc morrer de aids porser homossexual."

    Virei o rosto e esforcei-me para no chorar. Acho que ele queria me dizer umasverdades segundo a opinio dele, mas teve o bom senso de se despedir e irembora.No tive mais nenhuma visita da famlia.

    A enfermeira veio me medicar. Era atenciosa e delicada.

    - Obrigado! - agradeci, tentando sorrir.

    - Tratar de voc um prazer, Jos Antnio. to educado e no reclama. Achoque por isso que tem tantos amigos.

    Muitos dos meus amigos eram homossexuais, garotos e garotas de programa, mastambm tinha muita amizade pelos companheiros de trabalho, com o pessoal doorfanato,vizinhos e proprietrios dos locais em que fazia compras.

    No estava com vontade de ler e comecei a pensar na minha vida, em fatos quenesses anos tinham me acontecido. No gostava de recordar o passado, mas nolutei commeus pensamentos, deixei vir as recordaes.

    "Homem no tem essa atitude! Vai levar uns tapas para aprender!"

    Meu pai me deu uma surra. E no podia chorar para no apanhar mais. E assim foiminha infncia, surras de papai, mame e ironias dos irmos e parentes.

    "Voc menino! No mulher! Ponha isso na cabea e aja como homem, pelo amorde Deus! No nos envergonhe!"

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    No entendia o porqu das agresses. Agia com naturalidade. As surras me levaram

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    a fingir, a tentar fazer coisas que meus irmos e amiguinhos faziam. Mas era umdesastre. No jogava bem os ]ogos ditos masculinos, no gostava de brigar e fuime isolando. As meninas gostavam de mim e eu delas, como amigo, mas me eraproibidoficar perto delas. Vivi a infncia querendo fazer uma coisa e tendo de fazeroutra. Percebi que queria ser menina. E como queria!

    Estava sempre triste e infeliz. Era desprezado em casa, e quando recebamosvisitas, tinha que me esconder, ficar no quarto, para no envergonhar a famlia.

    Na adolescncia foi pior. Passei-a isolado. No podia ter amigas e os garotoscorriam de mim. Meus irmos me detestavam, pois quando brigavam na rua eramchamadosde irmos de marica e outros adjetivos depreciativos.

    Comecei a orar para Deus me fazer homem mesmo. Ento minha me me falava:

    "Voc no deve orar. uma peste maldita! Sua prece ofende a Deus. Voc pertenceao demnio!"

    De tanto me dizer isso, tinha receio de orar e ofender

    a Deus.

    Um dia, ao voltar sozinho da escola, ouvi um chamado. Era um moo que seapresentou. Chamava-se Jlio. Convidou-me para tomar um caf num barzinho emfrente. Enquantotomvamos o caf, ele conversou comigo:

    "Vejo-o sempre sozinho. No tem amigos?"

    "Queria t-los, mas no posso conversar com as garotas e os meninos fogem demim."

    57

    "Por qu? Est doente?" - perguntou Jlio.

    'Acho que pior que doena ser assim..."

    "Homossexual?"

    "No o sou, acho que sou somente diferente" - respondi, querendo chorar.

    "Entendo-o. Embora eu no tenha sofrido tanto preconceito, sou como voc emuitos outros."

    Passamos a conversar sempre, Jlio me esperava no bar e ia encontrar com elequando saa da escola. Ficamos amigos. Um dia, um dos meus irmos nos viu. Emcasa,apanhei dele, de mame, do papai, e fiquei marcado, muito machucado, deixaram-mede castigo sem alimento. Dias depois, consegui sair de casa, quando mame foifazercompras. Fui ao bar perto de onde morvamos e telefonei para o Jlio. Ele estava

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    preocupado comigo e me convidou para ir morar com ele.

    Fugi. O que me levou a sair de casa foi, que sem ter culpa, era a vergonha dafamlia ou como diziam, a infelicidade deles. Escrevi um bilhete explicando queiaembora e pedindo desculpas. Arrumei minhas roupas e sa antes de mame voltar.

    Jlio morava em outro bairro, mas perto. Fui para o apartamento dele. Tratou-mecomo amigo. Ele tinha um bom emprego, morava num apartamento confortvel.Transferiu-mede escola, passei a estudar noite, e me arrumou um emprego. ramos somenteamigos.

    Ele me ensinou tudo o que sabia. Indicava-me bons livros para ler, como deveriaagir, falar, vestir e o que acontecia comigo. Conheci outros homossexuais ecompreendique

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    outras pessoas sofriam como eu, passando pela mesma discriminao.

    Escrevi muitas cartas aos meus pais, porm no foram respondidas.

    Embora temeroso, um dia, em horrio em que sabia que mame estava sozinha, fuivisit-la. Fui recebido friamente.

    "Entre" - disse ela -, "no quero que lhe vejam a na porta. Foi bom ter vindo."

    Alegrei-me, para, em seguida, ter uma grande decepo.

    'Aqui esto algumas roupas suas, quero que as leve. Como tambm quero que noescreva mais, no necessitamos de notcias suas, sabemos que mora com um homem.Porfavor, se nos quer algum bem, v para longe, onde ningum o conhea e no nosvenham dizer que o viram.

    Quis dizer a ela que nada fizera de errado; porm, diante de seu olhar rancorosoe frio, nada disse, e mame continuou a falar.

    "Voc, Jos Antnio um perdido! Vai morrer e ir para o inferno, l o seulugar. Deixou que o demnio tomasse conta de voc, est perdido. Ns tentamoscorrigi-lo,

    mas o demo foi mais forte. Quando morrer ir para o inferno queimar pelaeternidade!"

    Sa de casa atordoado, sofri muito e voltei para o apartamento. Jlio meconsolou.

    At ento, nada fizera de errado. No compreendia o porqu de sofrer assim, serdiscriminado; chorei muito.

    Jlio resolveu mudar; fomos morar num bairro bem longe do local onde meus paismoravam. Enturmamo-nos com outros homossexuais.

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    "Se vou para o inferno sem ter cometido pecados, ento vou comet-los" - pensei.- "Por certo no sou mesmo filho de Deus. Se fosse, por que Ele me fez assim?"

    Tive amantes.

    Estudei, cursei uma Universidade, e me tornei um excelente profissional.

    Jlio adoeceu, cuidei dele com muito carinho, a famlia dele tambm o ajudou.Ele ia igreja e orava. Um dia, com muitos amigos no apartamento, um deles meperguntoupor que no ia a nenhuma igreja e no orava. Jlio respondeu:

    Tonz" - era assim que muitos dos meus amigos me chamavam - "tem vergonha deorar, acha-se indigno".

    "Voc indigno?! Nunca conheci algum to digno! Voc uma pessoa boa! Eu lhe

    devo uns dez favores. Acho que se algum deve se envergonhar de orar so oshipcritas,os corruptos, os que tiram dos pobres. Se Deus o criou assim, no ir seenvergonhar de voc."

    Sorri.

    com dinheiro honesto do meu trabalho, comprei um timo apartamento para ondeJlio e eu nos mudamos. Foi tambm nessa poca que amigos me convidaram paravisitarum orfanato. Aquelas crianas sem afeto me comoveram. Passei a visit-las,vestia-me de palhao para alegr-las. Tornei-me um voluntrio. Aprendi a

    disfarar meujeito feminino, no queria ser, na minha opinio, mau exemplo. Era bemremunerado. Do meu ordenado pagava nossas despesas, pois no quis que Jliotrabalhasse mais,o restante doava para o orfanato.

    60

    Jlio morreu. Foi muito triste nossa separao.

    No local em que eu trabalhava, encontrei com um exvizinho, os pais dele aindamoravam perto dos meus. Ele me deu notcias. Meus irmos haviam se casado, meuspais,

    j velhos, estavam doentes e necessitando de dinheiro.

    Resolvi visit-los. Receberam-me friamente. Ofereci ajuda

    "Trabalho meu pai, sou honesto e bom profissional."

    "Se no dinheiro do pecado, aceito. Mas no venha aqui, mande pelo banco."

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    E assim fiz at que morreram.

    Apaixonei-me. Tive ento um relacionamento srio, ele era como eu, honesto,caridoso, trabalhador e ia comigo ao orfanato.

    Descobrimos que ramos soro-positivos. Ele adoeceu, e eu cuidei dele at quandopiorou e sua me o levou para a casa dela. Essa senhora bondosa me tratava bem.Elesofreu muito e depois morreu. Senti-me muito sozinho e no tive mais nenhumrelacionamento.

    Dediquei-me ainda mais s crianas do orfanato; elas

    me amavam.

    - Fiz coisas boas tambm, no fui somente ruim! falei baixinho.

    - (os Antnio, trouxe uma pessoa para v-lo! - falou uma enfermeira sorrindo eme apresentando visita. - Esse o padre Lus; e esse o nosso pacientefavorito!

    - Boa tarde!

    O padre me cumprimentou sorrindo, respondi baixinho e abaixei a cabeaenvergonhado. A enfermeira afastou-se e,

    Vera Lcia Marinzeck de Carvalho - Antnio Carlos

    aps perguntar como estava, ao que respondi com monosslabos, ele me indagou:

    - No gostou da minha visita? Estou incomodando-o?

    Senti-me envergonhado diante da presena de um sacerdote, pois achava ser um

    representante de Deus na Terra. Como no respondi, ele falou:

    - No se envergonhe por estar doente!

    - Tenho aids e a adquiri pela minha homossexualidade.

    - No vejo nada de errado em ser homossexual disse ele.

    - Mas tive parceiros!

    - No acha que j pagou por esse erro? Voc est sofrendo! Por que no pede comsinceridade perdo a Deus por esses pecados j que reconhece que os praticou?

    - No tenho perdo! - falei, sentindo-me sufocado.

    - Deus perdoa sempre! Agiu por acaso pior que um homicida ou ladro? Foroualgum a ter relaes com voc?

    - No senhor. Isso no fiz!

    - Pode ter certeza que Deus o entender - falou o padre com convico.

    Tive vontade de contar a ele meus medos, mas estava me sentindo muito mal, a

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    enfermeira teve de me colocar outra sonda para que respirasse e no conseguifalar.O padre me abenoou e disse palavras de incentivo. Piorei, at que dormitranqilo.

    Acordei sem nenhuma sonda e respirando quase normalmente.

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    - bom dia Jos Antnio! Como est voc? - cumprimentou-me uma enfermeira, que euno conhecia, com alegria, parecendo-me que cantava.

    - Sinto-me bem! Melhorei graas a Deus! - respondi.

    - E vai melhorar ainda mais. Que tal tomar uma sopa?

    - Obrigado. Mas ser que consigo?

    - Claro que sim!

    E foi me dando as colheradas. Na primeira temi no engolir, mas tomei toda, e mesenti fortalecido.

    Melhorei muito e senti-me aliviado pensando que certamente no iria morrer dessavez. Oflia, assim chamava a enfermeira, mimava-me, parecia adivinhar o quequeria.E dias se passaram tranqilos. Ela me levava ao jardim, local onde gostei muitode ir. Mas essa bondosa senhora tinha uma conversa estranha, gostava de falar emmorte, tema que me apavorava. Dizia que todos morrem, que entendemoserroneamente esse fato natural, que o inferno no existe etc. No queria serindelicado com

    ela e no queria falar desse assunto. Estava me recuperando e j no me sentiacom o "p na cova", como costumvamos nos referir aos doentes terminais. Decidilhepedir com carinho para falar de outras coisas.

    Estava no jardim, sentado sombra de uma rvore florida, quando senti quealgum me observava, olhei para a porta que dava para o corredor e vi um meninoque aoperceber que o vi, afastou-se.

    'Aquele garoto parece muito com Aldo. Mas no ele. Aldo j morreu! No, nopode ser ele!" - pensei.

    63

    Quando Oflia veio me buscar para retornar ao quarto, indaguei:

    - Oflia, tm crianas internadas neste hospital?

    - Como pacientes, no. Crianas aqui somente como visitas. Por que pergunta?

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    - que vi uma criana, achei-a parecida com Aldo, um menino que conheci noorfanato e que teve cncer. Sofreu muito, coitadinho, e morreu - respondi.

    - que...

    - No me fale mais que todos morrem, por favor interrompi.

    - Est bem, vou falar de outra coisa. los Antnio, o que voc faria para algumque ajudou carinhosamente pessoas que voc ama muito?

    - Seria muito grato a ela e se pudesse ajud-la faria com todo carinho e amor.

    - Pois fao isso - disse Oflia. -Faz?

    - Sim, a voc.

    - Como, se no a conheo? - perguntei curioso.

    - Voc ajudou meus filhos. Rogrio e Aninha. Lembra-se deles?

    Lembrei-me. Rogrio e Aninha eram internos no orfanato. Dois irmos que se

    queriam muito. Sim, eu era amigo deles. Incentivei-os a estudar, paguei paraeles cursosde ingls, computao e profissionalizante. Quando Rogrio fez dezoito anos,aluguei um apartamento pequeno para os dois, eles saram do orfanato,continuaram aestudar e foram

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    trabalhar. So excelentes pessoas, deram valor ao que receberam. Depois de algum

    tempo no precisei mais ajud-los financeiramente, mas os visitava e osaconselhava.Os dois acreditavam que os pais haviam falecido. Olhei bem para Oflia, ela nome pareceu ser capaz de abandonar os filhos.

    - Eles acham que voc morreu! - expressei-me decepcionado.

    - Jos Antnio, voc est gostando daqui, melhora e faz sessenta e cinco diasque est conosco e nesse tempo no tem recebido visitas de amigos. Sabe que estnumhospital onde no se aplicam medicamentos dolorosos. No lhe parece diferente?

    Ela tinha razo, mas se melhorava, para que saber. Fiquei curioso ao escut-la eindaguei:

    - Por que abandonou seus filhos?

    - No os abandonei! Eu os amo! Eu morri e voc

    tambm! Pronto, disse!

    -Uuu...

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    Senti-me mal, com falta de ar e tremi de medo.

    - Calma, Jos Antnio! Tranqilize-se! J faz dois meses e meio que morreu! Quedesencarnou! Fique calmo! - ordenou Oflia.

    Fui acalmando-me.

    - E agora? - perguntei. - vou para o inferno? vou queimar pela eternidade?

    - Claro que no! Vai continuar sua recuperao at ficar sadio e depois iraprender a ser til na espiritualidade.

    - Estou com medo!

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    - Jos Antnio, se voc tivesse de ir para um local de sofrimento, j teria ido.Est aqui junto de pessoas que lhe querem bem. Aldo est ansioso para lhe dar umabrao.

    com um sinal de mo Oflia chamou algum. Vi Aldo sorrindo, vindo ao meuencontro. Se j no estivesse morto, certamente morreria de medo. Ao v-lo, tivea confirmaode que ela no mentira. Ele me abraou.

    - Palhao Ton, que alegria v-lo se recuperando.

    - Aldo, morri! Que tristeza! vou ser julgado por Deus e ir para o inferno.

    - Chega Jos Antnio! - falou Oflia enrgica. - Se continuar falando assim vouficar brava com voc.

    Aldo pacientemente me explicou que o inferno como eu acreditava no existia, massim lugares tristes para onde iam os que fizeram maldades. E que Deus no nos

    julgava,e no O vamos como uma figura, porque Ele um esprito e est em todos oslugares e dentro de ns.

    Fiquei com medo, Aldo e Oflia me tratavam com muito carinho. Compreendi quedesencarnara e esforcei-me para me recuperar. Dias depois estava bem e no tivemaisreceio. Recuperado, fui para uma outra parte do hospital fazer um tratamento,no seria na espiritualidade um homossexual. com estudo, entendi que esprito

    no temsexo, mas que o ser masculino ou feminino deixa reflexo no perisprito, e ao noslivrarmos desses reflexos, tornamo-nos seres humanos, o que de fato somos.

    Soube do meu passado, de minhas vivncias anteriores para compreender porque fuihomossexual. Queria muito

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    reencarnar e o fiz sem preparo. Sentia-me ainda muito feminino, mas animei umfeto masculino. Fora anteriormente muito preconceituosa, fiz por isso muitos

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    sofrereme infelizmente tive de aprender pela dor, sentindo o peso do preconceito parano o ser mais, aprendendo assim que somos seres humanos, filhos de Deus,criaturasrumo ao progresso.

    Nesse curso que fiz, ouvi muitos relatos, fatos que levaram espritos areencarnar sendo homossexuais. Um senhor que participava disse-nos que na suaencarnaoanterior fora uma mulher e ela e o marido assassinaram o

    filho por ele ser homossexual. E as causas so muitas. Benditos aqueles que noso promscuos! Quando aprendemos a viver na espiritualidade sem os reflexos docorpofsico, no sentindo fome, sede, necessidade de dormir, tambm deixamos de nossentir masculinos ou femininos, para compreender que somos espritos, serescriadospelo Pai para sermos felizes. Podemos aprender pelo amor, e esses ensinamentossempre nos so oferecidos e, quando recusados, a dor vem nos impulsionar nanossacaminhada.

    O tempo passou rpido e fiz muitos amigos. Sou muito agradecido pelo socorro querecebi, quis ser til. Trabalho no falta e o fao com entusiasmo e gratido.Soufeliz!

    Jos Antnio

    Explicaes de Antnio Carlos

    Repito que ao desencarnarmos somente nos acompanham nossos conhecimentos enossas aes ou atos, bons ou ruins.

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    Aqueles que voltam sem eles, retornam ptria espiritual sentindo-se vazios,ocos, e essa sensao os faz sofrer

    O erro de Jos Antnio foi ser promscuo e ele teve por conseqncia a aids Seassim no fosse, ele ficaria mais tempo no plano fsico e certamentedesencarnariasem precisar sofrer tanto, doente. O que o padre lhe disse foi o que aconteceu,resgatou com a dor da doenaseus erros.

    E promscuo so todos os que abusam, sejam homens ou mulheres.

    Jos Antnio sofreu com o preconceito muito mais do que nos narrouPreconceituosas so pessoas que no vem uma trave no seu olho, mas vem bem nado outro, atirampedras esquecendo-se de que tambm tm vcios e pecam.

    Esse convidado fez amigos, colecionou "Obrigados" e "Deus lhe pague". E muitosque se sentiram beneficiados por ele, foram sinceramente gratos e quando elenecessitou,

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    retriburam.

    As crianas do orfanato oraram por ele. Oraes com gratido produzem umaenergia benfica maravilhosa. Oflia, uma me grata, tratou-o como filho docorao. Nesserelato fica claro que a amizade um tesouro e que o amor cobre multides depecados. Mesmo sem

    2 KARDEC, Allan O Evangelho Segundo o Espiritismo Captulo 10, item 9 SoPaulo Petit Editora (N E )

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    pedir socorro ele foi socorrido. Outros pediram por ele,

    que fez por merecer.

    Amizade sustenta-se com compreenso e tolerncia,

    e a fortalecemos quando fazemos aos amigos o bem

    carinhosamente e espontaneamente, e que s vezes

    nem notamos.

    Que bem precioso a amizade!

    Captulo Seis

    Ana Preta

    Estava cansada. Sentia-me isolada. H tempos que a maioria das pessoas no medavam ateno. Resmungava:

    - Deve ser porque sou negra, feia e desdentada! por isso que as pessoas noconversam comigo. Devo tambm estar doente! Bbada! Doente de tanto beber pinga!

    No gostava de recordar o meu passado. Tive um lar at a adolescncia. Minha meera empregada domstica, cuidou de mim do modo dela e tive muitos padrastos. comquatorze anos apaixonei-me por um homem de trinta anos que morava numa fazenda efui embora com ele. Minha me chorou, pediu para no ir. Essa fazenda era longee l tive de trabalhar muito e cuidar dos filhos dele. Ele se embriagava e mebatia. Um dia, fugi e voltei para a casa de minha me. Ela havia morrido e noencontreimais nada dela. Sem ter onde ficar, fui para uma casa de prostituio. No

    gostei e logo sa de l com outro homem. Ele tambm se embriagava e

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    motivou-me a beber. Viciei-me. Morvamos numa casinha, num bairro pobre. Ele, svezes, trabalhava, mas bebia cada vez mais. Tive com esse homem trs filhos. Eleno os quis, deixei-os no hospital para serem adotados. No terceiro parto, omdico me operou para no ter mais filhos. Esse meu companheiro morreu e desdeessedia, tornei-me andarilha e tive muitos outros amantes. Todos como eu,embriagavam-se. Quando mais jovem, at trabalhava de vez em quando, depois no

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    conseguia fazermais nada e passei a esmolar.

    Vivia pelas ruas, passava s vezes dias sem comer. Pessoas generosas me davamroupas, alimentos e quando ganhava dinheiro, comprava bebidas

    Bebia com amigos que agora no falavam mais comigo. Eu estava dormindo embaixode um viaduto, e comendo resto de lixo. As pessoas certamente cansaram de mim,nemrespondiam quando lhes pedia esmolas.

    Resolvi parar de me queixar e ir ao bar ali perto. Ia sempre l; nem osfreqentadores nem o dono conversavam comigo, mas me deixavam beber com eles.

    - Ol, Ana Preta! Vem c, fique perto desse bebum e beba com ele.

    s vezes, achava que estava enlouquecendo. A bebida estava me deixando doida.Via as pessoas diferentes, umas mais ntidas, outras nem tanto. Fiz o que umhomemme aconselhou.

    De repente, entraram umas pessoas no bar. Eram estranhas, amedrontaram amaioria. Estavam armados com correntes e barras de ferro.

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    "So bandidos!" - pensei, e tremi de medo.

    O mais estranho que algumas pessoas que estavam no bar nem ligaram; pareciamnem perceb-los. Esses homens, com aparncia de maus, olharam para todos oslados

    e pegaram um dos freqentadores.

    -Voc vem! Ter de prestar conta ao nosso chefe!

    O coitado gritou, pediu socorro. Alguns, estavam apavorados como eu, agrupamo-nos num canto, tremendo de medo sem saber o que fazer. Os outros nem pareciamv-los.Amarraram aquele que foram buscar com as correntes, e saram. No quis bebermais e resolvi ir embora. Alguns pensaram como eu e saram tambm. Um delescomentou:

    - No temos segurana nem depois de morto! Coitado do Joca, os maus o pegaram.

    No meu canto, embaixo do viaduto, fiquei pensando em tudo o que estavaacontecendo. H tempos no tinha companheiro, achava que era por estar doente emuito feia.A solido me amargurava. Pensei no que aquele homem disse: "No temos segurananem depois de morto!".

    No sabia orar, mas tinha f em Nossa Senhora Aparecida - sua imagem era negracomo eu. Estava inquieta sentindo falta da bebida, mas mesmo assim, ajoelhei-meepedi para Maria, me de Jesus, ajudar-me.

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    Lembrei-me de umas pessoas e resolvi ir at a casa delas esmolar, pois sempre medavam algo. Uma vez um dos meus companheiros me disse que elas eram espritas eque viam e conversavam com os mortos. Para mim, eram bondosas.

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    Fui l e fiquei parada olhando a casa. Uma senhora veio at mim e me indagou:

    - O que a senhora quer?

    - A senhora me dar pinga se pedir? -No!

    - Ento quero algo para comer.

    - Venha comigo. Vamos, o dono da casa e ns, a um local onde voc receberajuda.

    Fiquei desconfiada, mas esperei. O dono da casa saiu e essa senhora me puxou

    pela mo.

    - Vamos Ana Preta! J tempo de voc compreender muitas coisas.

    Entramos em um local tranqilo. Senti-me bem, era limpo e algumas pessoas mecumprimentaram, outras pareciam nem me ver. Essa senhora me colocou junto deoutraspessoas que como eu, estavam desconfiadas.

    Achei tudo muito bonito. Uma senhora alegrinha falou que devemos amar e pensarem Jesus. Um senhor falou bonito, mas entendi pouca coisa. Gostei mesmo foi dasoraes.

    Percebi que as pessoas se diferenciavam umas das outras. Aproximei-me de umamoa que estava sentada, havia um grupo desses que achei diferente, sentados emvoltade uma mesa.

    - Fale com eles Ana Preta! - pediu uma senhora. Cumprimentaram-me e eu respondi.Como me deram

    ateno e me perguntaram como estava, falei de mim, da minha tristeza, solido eacabei chorando.

    Um moo que conversava comigo fez-me ver que para se comunicar com eles, eudeveria falar e a moa que estava

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    sentada repetia, porm ela no estava me imitando. Ele me pediu que prestasseateno em nossos corpos e vi naquele momentoque no ramos parecidos. com delicadezame explicou, at que compreendi, que h tempos, meu corpo fsico morrera.

    Lembrei-me do acidente. Era de noite, estava embriagada, atravessei sem prestar

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    ateno a rua e um carro me atropelou. Achei,naquele instante em que bati a cabea,que dormi. Acordei embaixo do viaduto, no me lembrando direito o queacontecera.

    Mas foi nesse atropelamento que desencarnei. Senti um medo terrvel, d de mim eindaguei:

    "O que ser de mim agora?"

    Diante daquelas pessoas soube, ento, que alguns estavam encarnados e outrosdesencarnados. Todos, porm, eram bondosose me ofereceram ajuda; tranqilizei-me eaceitei o convite de ficar com eles.

    Fui levada a um hospital; tinha um forte reflexo do corpo fsico, das doenas euma vontade imensa de beber.

    Havia bebido tanto na minha vida encarnada, viciando-me de tal forma, que parame livrar dessa vontade tive de fazer umlongo tratamento. Nesse perodo em que estive

    no hospital, estudei e aprendi a trabalhar, fazendo limpeza no local que meabrigava.

    Quando terminei o tratamento, pedi para ajudar as pessoas que se embriagavam.Foi-me explicado que no estava preparadapara isso, que deveria fazer outro trabalho.

    Fui ser til na escola, fazendo limpeza e me dei muito bem.

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    Hoje sou chamada somente de Ana e meu aspecto est bom: estou limpinha, sadia ealegre.

    At chorei de emoo quando o senhor Antnio Carlos me co