monografia pedro daniel sousa (2009) - futebol total.pdf

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    Um Algoritmo do FUTEBOL (mais do que)TOTAL:

    algo que lhe d o Ritmo!

    Uma reflexo sobre o Jogar de qualidade

    Pedro Daniel Cunha Pereira Sousa

    Porto, Maio 2009

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    Monografia realizada no mbito da disciplina de

    Seminrio do 5 ano da licenciatura em Desporto e

    Educao Fsica, em alto rendimento Futebol, da

    Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

    Orientador: Mestre Jos Guilherme Granja Oliveira

    Pedro Daniel Cunha Pereira Sousa

    Porto, 2009

    Um Algoritmo do FUTEBOL (mais do que)TOTAL:

    algo que lhe d o Ritmo!

    Uma reflexo sobre o Jogar de qualidade

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    III

    Talvez a possibilidade de repor no seu lugar exacto certos

    conceitos, mostrando com a desmistificao cada vez mais precisa

    do seu mecanismo de formao a dose de preconceitos, de juzos

    de valor, de desejos insatisfeitos, de angstia persistente, de

    automatismos religiosamente transmitidos de gerao em gerao,

    que os atulha. Talvez que, depois de nos ter desembaraado de um

    certo nmero de escrias especficas do crebro humano, essa

    cincia emprica tenha a possibilidade de nos aproximar dessa

    Realidade to querida a Einstein, mesmo que nunca a cheguemos a

    conhecer. Pois, qual o motivo que nos leva a pretender provar que

    o inconhecivel no existe?Se para vermos uma sombra, esperemos,

    simplesmente, humildemente, que ela no fique excessivamente

    deformada pela passagem atravs da nossa retina, e no

    confundamos realidade com verdade, porque est s vlida

    para o que a exprime. Quando para utilizar uma expresso

    que est na moda uma ideia aceite por um amplo

    consenso, no ser por um milho de indivduos estarem deacordo com um erro que este passa a ser uma verdade. (...) A

    realidade a coisa, o que conhecido, o que podemos

    pensar. a nica coisa que o Homem tem possibilidade de

    conhecer de uma maneira cada vez mais pormenorizada,

    medida que os instrumentos que utiliza para explorar se forem

    aperfeioando. Mas a interpretao que ele atribui aos

    resultados que pode ser criticvel.Laborit (1987: 48,49)

    Esta a nossa realidade...

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    IV

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    V

    Agradecimentos

    Ao Professor, Orientador, Mestre, Treinador, Amigo Jos Guilherme,

    pela disponibilidade, pacincia, abertura e motivao extraordinria com que

    sempre me orientou e incutiu nestes longos meses. Com o seu sentido prtico,

    fez com que esta dissertao fosse uma verdadeira descoberta guiada. Se

    existe trabalho cuja primeira pessoa do plural faz sentido, este.

    Ao Professor eAmigo Victor Frade, por ter sido uma pessoa com a qual

    adquiri algo para o qual no estava formatado: aprendi a ser crtico, aprendi

    que para sermos melhores temos que sair da mdia, aprendi que o Futebol,

    assim como a vida, feito de Pessoas. Por tudo isso, o professor foi o

    despoletar deste trabalho que tem tudo de mim.

    A Louis Van Gaal, pela sabedoria e Futebol que sempre fabricou, pela

    disponibilidade e amabilidade com que abriu as portas do seu gabinete em

    Alkmaar.

    Ao Andr Vil las-Boas, pela manh inteira com que fluiu conhecimento

    de jogo das suas palavras. Pela disponibilidade, pacincia, abertura, contributo

    e interesse demonstrado pelo trabalho.

    Aos meus Avs e aos meus Pais, simplesmente por estarem sempre

    comigo e por terem depositado confiana em mim num ano que no foi fcil, o

    esforo ir ser recompensado.

    Rita, por estar sempre presente, por acreditar sempre em mim, pela

    motivao que muitas vezes precisei. Sem ti este trabalho no seria o mesmo...

    por tudo isso este trabalho tambm teu.

    Ao Z Maria e a Sr. Conceio pela amizade com que sempre metrataram.

    Ao Cludio Braga (Parabns campeo...), Lena, Sofia, Evinha,

    Sr.Orlando, DLina, porque sem me conhecerem acolheram-me, por duas

    vezes no pas da laranja mecnica, como se fizesse parte da famlia (assim

    me senti).

    A todos os meusAmigos .

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    VI

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    ndices

    VII

    ndice Geral

    Dedicatria III

    Agradecimentos Vndice Geral VII

    ndice de Figuras X

    Resumo XIII

    Abstract XV

    1. Introduo 1

    2. Reviso de Literatura 5

    2.1Contextualizao de um entendimento do contedo do jogo 5

    2.2Bases sistmicas para um entendimento do contedo do

    jogo8

    2.2.1Cultura de Urgncia: uma limitao qualidade do futebol 8

    2.2.1.1Emergncia de uma cultura de risco 11

    2.2.2 InterAco: invariante estrutural que se expressa numa

    organizao que Especifica15

    2.2.2.1Princpios de InterAco 17

    2.2.3Tudo Organizao... tudo Tctica!!! 20

    2.2.4Nveis de organizao 23

    2.2.4.1Da macro microOrganizao: espiralidade morfolgica 29

    2.2.5Categorizao 35

    2.2.5.1Diferentes categorizaes, diferentes entendimentos da

    dinmica do jogo: Fases e Momentos de jogo - Escala temporal 37

    2.2.5.2Categorizao estrutural dos momentos de organizao

    ofensiva - Escala Espacial43

    2.2.5.2.1Transies (defesa/ataque) 44

    2.2.5.2.2Criao de desequilbrios 46

    2.2.5.2.3Finalizao 48

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    ndices

    VIII

    2.3MacroSistematizao do jogar de qualidade 49

    2.3.1Espao: Macrodimenso organizada e organizadora de

    qualquer jogar 50

    2.3.2(Macro) Organizao funcional do jogar de qualidade 53

    2.3.2.1Transies 57

    2.3.2.1.1Procura imediata de situaes de finalizao 58

    2.3.2.1.2 Manuteno da posse de bola 60

    2.3.2.2Criao de desequilbrios 69

    2.3.2.2.1Verticalizao aps circulao de bola

    horizontal 73

    2.3.2.2.2Verticalizao intensa da circulao de Bola 75

    2.3.2.2.3Desequilbrios no corredor lateral 78

    2.3.2.2.4Desequilbrios no corredor central 83

    2.3.2.3Criao de situaes de Finalizao e de Finalizao 87

    2.3.3(Macro) Organizao Estrutural do jogar de qualidade 88

    2.3.3.1Jogo posicional 92

    2.3.3.1.1Diagonais posicionais 93

    2.3.3.1.2Subestrutura posicional 94

    2.3.3.1.3Posicionamento para ganho de 2 bola 101

    2.3.3.1.4Equilbrio dinmico 104

    2.3.3.2Circulao Bola e Estrutura 107

    2.3.3.3Controlo do campo e Estrutura 112

    2.3.3.4Jogadores em Espaos de finalizao e Estrutura 118

    3. Campo Metodolgico 123

    3.1Caracterizao da Amostra 123

    3.2Construo das Entrevistas 126

    3.2.1Condies de aplicao e recolha de dados 126

    3.3Anlise de contedo 127

    3.3.1Definio e justificao do sistema categorial 128

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    ndices

    IX

    4. Apresentao e discusso dos

    resultados

    131

    4.1Filosofia das Equipas de Top 133

    4.2Momentos de organizao ofensiva 135

    4.2.1(Macro) Organizao funcional 135

    4.2.1.1Transio ofensiva 140

    4.2.1.1.1Procura imediata de

    situaes de finalizao:

    Transies Agressivas

    141

    4.2.1.1.2Manuteno da posse de

    bola

    144

    4.2.1.2Criao de desequilbrios 146

    4.2.1.3Criao de situaes de

    finalizao/ finalizao

    157

    4.2.2(Macro) Organizao estrutural 158

    4.2.2.1Jogo posicional 1634.2.2.1.1Diagonais posicionais

    dinmicas; subestrutura

    posicional;

    posicionamento

    estratgico para ganho

    de segundas bolas; e,

    equilbrios

    1

    1166

    4.2.2.2Relao da dinmica das Equipas

    de top com as Estruturas

    179

    5. Consideraes finais 195

    6. Referncias Bibl iogrficas 199

    7. Anexos XVII

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    ndices

    X

    Anexo 1 Guio da Entrevista a Louis van Gaal XIX

    Anexo 2 Entrevista a Louis van Gaal (Ingls) XXI

    Anexo 3 Entrevista a Louis van Gaal (Traduo) XXXVII

    Anexo 4 Guio da Entrevista a Andr Villas-Boas LIII

    Anexo 5 Entrevista a Andr Villas-Boas LVII

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    ndices

    XII

    Figura 26. Risco dos passes horizontais 174

    Figura 27. Mobilidade dos avanados para as faixas 176

    Figura 28. Distncia entre os avanados 176

    Figura 29. 1-4-3-3 de Van Gaal 179

    Figura 30. 1-4-4-2 losango: linhas e tringulos 181

    Figura 31.1-4-4-2 de Van Gaal (Org. Defensiva) 182

    Figura 32.Espao interior: 1-4-3-3; 1-4-4-2; 1-4-4-2 losango 184

    Figura 33.Jogo entre - linhas (org. Defensiva): Mdio encostado linha

    def.185

    Figura 34.Jogo entre - linhas (org. Defensiva): Subida do central 187

    Figura 35. 1-4-4-2 losango: Espaos livres e Intersectorial 189Figura 36. Posicionamento do Piv alto 189

    Figura 37. Mobilidade do 2 avanado 190

    Figura 38. Movimento contra do Piv alto 190

    Figura 39. Dinmica da Equipa de Van Gaal 193

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    XIV

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    Abstract

    XV

    ABSTRACT

    This work intends to refer to contents that, interpreted differently, we can

    recognize with regularity at the top teams and, therefore, are the key in raising

    the quality of football.

    Accordingly, we have the following objectives: contextualise an specific

    understanding of the game content; demonstrating the existence of an

    expectation football that destroyed the quality of the game, evoking in turn, the

    emergence of a risk culture; understand the importance of space in the

    organization of teams; systematize the functional and dynamic positional

    patterns inherent to the top teams; inferred about the importance of: ball

    circulation, game control, midfielder control, equilibrium, structures, "positionalgame"; understand the relationship between the structures and dynamics

    involved in top teams.

    To meet these objectives, we use the document analysis and the

    implementation of semi-open interview to two top coaches: Louis van Gaal and

    Andr Villas-Boas. This was the corpus of study that, in the presentation and

    discussion of results, we subject to the techniques of content analysis.

    In our final considerations, we demonstrated the existence of a gamepattern common to the top teams, backed by a complex organization that has

    on the player its interpretation; In the content of the game, we show that the

    team organization is viewed according to the purpose of the game, then

    emerging as key features: ball movement, midfielder control, attack with many

    players, and the overall organization of the game. The relationship of these

    features with the structures, shows that the 1-4-3-3, the 1-4-4-2 and 1-4-4-2

    diamond, are likely to ensure quality in the organization of teams and concludedthat are the dynamization of spaces that the structures occupy and allow free

    that favoring the emergence of dynamic and (sub) dynamics specifics of the

    Teams.

    Keywords: FOOTBALL; ORGANIZATION OFFENSIVE, FUNCTIONAL

    ORGANIZATION; STRUCTURAL ORGANIZATION, COLECTIVE DYNAMICS;

    INDIVIDUAL (SUB) DYNAMICS;

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    XVI

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    Introduo

    1

    1. Introduo

    Apercebemo-nos da realidade em funo daquilo que projectamos nela,

    pintamos a nossa prpria realidade. Sendo uma projeco das nossas

    manifestaes emocionais, verificamos que o instinto de sobrevivncia no

    Futebol est permanentemente em sobressalto, pois as consequncias da

    derrota tornaram-se mais devastadoras, do que as consequncias da vitria

    revigorantes. Esta dissertao procura contrariar esta aparente tendncia,

    identificando alguns traos de um Futebol de qualidade superior (elevando-os

    portanto, a referncias de qualidade), de uma realidade que, excepo das

    Equipas de rendimento superior, nos parece cada vez mais utpica.O pressuposto bsico com que partimos para esta dissertao est no

    entendimento do rendimento superior e na diferenciao das Equipas de top

    para as restantes. O qual se situa acima das idiossincrasias inerentes a

    qualquer Equipa, talvez uma das poucas verdades do Futebol: o jogo tem

    explcito um objectivo (a no ser que os seus valores sejam deturpados): a

    vitria. Ganhar aquilo que distingue as Equipas de rendimento superior para

    as restantes, que para o fazerem com regularidade tm que apresentarqualidade. Deste facto, emergiu um esboo da nossa pergunta de partida da

    nossa inquietao: o que permite a essas Equipas Ganhar regularmente!?

    Na procura de respostas, fomos desbravando caminhos, com o auxlio

    de reas do saber diversas, e as nossas inquietaes dissiparam-se,

    apareceram, aumentaram e nesse caos o nosso caminho ia tomando um

    sentido (no nico, pois vrias vezes fizemos inverso de marcha).

    Deparamo-nos com a recorrente premissa que ostenta a impossibilidade deapontar comportamentos repetidos (ou repetitivos!?), pois: No futebol no

    h dois jogos iguais. Porm, constatamos que essa apenas meia-verdade.

    Ainda que cada jogo seja um jogo diferente (Cunha e Silva, 2003), somos

    capazes de identificar a mesma Equipa pela regularidade morfolgica que ela

    vai apresentando nos diferentes jogos. Portanto, essas referncias de

    qualidade resultaro da interpretao do que acontece ao longo dos jogos,

    daquilo que regular. Eis que surge a tal pergunta de partida: que

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    Introduo

    2

    indicadores conferem qualidade regular equipa que lhe permite ganhar mais

    vezes!?

    Esta questo est na origem do contedo desenvolvido e explorado

    nesta dissertao. Assim, na reviso de literatura, procuramos o contributo de

    autores que, nas suas reas de referncia, esto a Top. Da Fsica,

    Matemtica, passando pela Filosofia, a incurso pelas diversas reas s faz

    sentido para nos ajudar a enquadrar e levar um pouco mais longe, as nossas

    interpretaes ao contedo do jogo. Por esse motivo, as nossas fontes de

    inspirao e de reflexo, passam muitas vezes por jogadores ou treinadores

    que, provavelmente, no conhecendo o trabalho de Prigogine, ou de

    Mandelbrot, pem as Equipas a jogar com qualidade: Rinus Michels, JohanCruyff, Kovacs, Van Gaal, Guardiola, Xavi, Iniesta, Fabregas, Messi, nomes

    que nos recordam que o Futebol assume um estado de graa na categoria de

    Arte. E por sua vez: Mourinho, Wenger, Van Gaal (novamente), Hiddink,

    Benitez que nos relembram que o Futebol feito de arte mas tambm de

    cincia. dessa matria de arte e cincia que o Jogo feito, e portanto da

    que surge a nossa luta: o jogar com qualidade.

    Pelo exposto definimos os seguintes objectivos:Objectivos Gerais:

    Referenciar um conjunto de indicadores colectivos inerentes s Equipas

    de Top.

    Objectivos Especficos:

    Contextualizar um entendimento Especfico do contedo do jogo;

    Evidenciar a existncia de um futebol de expectativa que destri a

    qualidade do Jogo, evocando por seu turno, a emergncia de umacultura de risco;

    Perceber a importncia do Espao na organizao das Equipas;

    Sistematizar os padres dinmicos funcionais e posicionais inerentes s

    Equipas de top;

    Inferir acerca da importncia da: circulao de bola, controlo do jogo,

    controlo do meio-campo, equilbrios, Estruturas, jogo posicional.

    Perceber a relao entre as Estruturas e as dinmicas;

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    Reviso de Literatura

    5

    2. Reviso de literatura

    2.1 Contextualizao de um entendimento Especfico do contedo do jogo

    O essencial saber ver,Saber ver sem estar a pensar,

    Saber ver quando se v,

    E nem pensar quando se v

    Nem ver quando se pensa.

    Mas isso (tristes de ns, que trazemos a alma vestida!),

    Isso exige um estudo profundo,

    Uma aprendizagem de desaprender.

    FernandoPessoa (1974)

    Num futebol educao no deves apenas estar disponvel para aprender.

    Deves estar disponvel tambm para desaprender.Cruyff (1986, cit. por Barend e Van Dorp , 1999)

    No futebol h coisas importantes e coisas interessantes.

    Entre as importantes, a mais importante, est por exemplo,

    em ter a cabea aberta para a aprendizagem.

    Menotti (s/d)

    Conhecer... esse o alimento da nossa existncia. Aristteles num dos

    seus famosos escritos disse que todos os humanos tm uma vontade natural

    de conhecer (Alves et al., 1995). A caixa de Pandora confiada pelos Deuses

    dificilmente se manter fechada, tamanha a curiosidade do Homem.

    A percepo e representao dos objectos/fenmenos tem-se

    constitudo a problemtica central da reflexo sobre o conhecimento nas mais

    distintas reas do saber. Desde a antiguidade clssica que diversos

    pensadores se tm ocupado do conhecimento, divergindo na forma, mtodo e

    instrumentos sugeridos para conhecer. Em diferentes momentos esses autores

    assumem uma influncia muito importante na evoluo do conhecimento,

    sendo impulsionadores do que Thomas Khun (1978, cit. Por Alves et al., 1995)

    designou de paradigma: esquema global composto de algumas hipteses de

    base, sobre as quais cada poca cientfica conduz as orientaes de

    investigao.

    Do paradigma cartesiano ao paradigma sistmico a evoluo do

    conhecimento tem-se pautado pelo contributo de diversos autores em

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    Reviso de Literatura

    6

    diferentes reas de conhecimento. Deixamos em seguida algumas das

    referncias que nos iro acompanhar na nossa caminhada:

    Capra, F. (1996).A Teia da Vida: Uma nova concepo Cientfica dos

    Sistemas Vivos (N. R. Eichemberg, Trans.). So Paulo: Editora Cultrix.

    Cunha e Silva, P. (1999).O Lugar do Corpo - Elementos para uma

    Cartografia Fractal. Lisboa: Instituto Piaget.

    Holland, J.H. (1997).A ordem oculta: Como a adaptao gera a

    complexidade. (Jos Malaquias, Trans.) (1ed.) Lisboa: Gradiva

    Laborit, H. (1987). Deus no Joga aos dados. Mem Martins:

    Publicaes Europa - Amrica.

    Le Moigne, J. (1977). A Teoria do Sistema Geral: Teoria da

    Modelizao (Jorge Pinheiro, Trans.). Lisboa: Instituto Piaget.

    Morin, E. (2003). Introduo ao Pensamento Complexo (D. Matos,

    Trans. 4 ed.). Lisboa: INSTITUTO PIAGET.

    Stacey, R. D. (1995).A Fronteira do Caos. (F. F. e. M. E. Paulo

    Simes Trans.). Venda Nova: Bertrand Editora.

    Todo o conhecimento depende de uma organizao terica que

    condicionada pelos paradigmas, pelas necessidades e aspiraes do sujeito

    que pretende conhecer (Garganta, 1997), desse modo, torna-se pertinente

    situar o tema do nosso trabalho (conhecimento do contedo do jogo)

    relativamente a esses paradigmas.

    semelhana do que aconteceu ao longo de toda a histria da biologia,

    tambm no estudo do contedo do jogo, verificamos uma tenso entremecanicismo e holismo (e posteriormente sistemismo) consequncia da

    dicotomia Substncia/Forma (Capra, 1996).

    Quando para estudar o contedo do jogo, partimos do jogo formal

    estamos a isolar a estrutura para perceber as suas funes, a partir da

    natural que o objecto seja decomposto e analisado nas suas partes,

    independentes do contexto. Esta construo intelectual uma encarnao do

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    Reviso de Literatura

    7

    paradigma cartesiano, na medida em que h isolamento das partes para se ter

    um, suposto, conhecimento total do todo.

    Com o reconhecimento da irreversibilidade das estruturas ao longo do

    tempo reconhecida a sua evoluo e, desse modo, o interesse passa das

    partes para o todo (advento da mecnica estatstica), no entanto o seu estudo

    teve implicaes perniciosas no conhecimento dos objectos, na medida em

    que, esse reconhecimento era acompanhado pelo isolamento de contextos

    frequentemente mutveis (Le Moigne, 1977).

    O futebol tem o seu expoente na competio (jogo formal), que

    pressupe a existncia de duas equipas numa situao de oposio, devendo

    cada uma, coordenar as suas aces com a finalidade de recuperar, conservare fazer progredir a bola, tendo como objectivo criar situaes de finalizao e

    marcar golo (Grhaigne & Guillon, 1992 cit. Garganta, 1997). Porm, esse

    momento resultado da preparao das equipas, que trabalham a sua

    organizao na tentativa de conferir alguma inteligibilidade ao jogo. Por esse

    motivo, o jogo, um momento de avaliao que permite ajustar o treino em

    funo daquilo que a equipa vai manifestando nos jogos (Guilherme Oliveira,

    2006), porque cada jogo um jogo diferente (Cunha e Silva, 2003), fazendoparte de um processo com caractersticas teleolgicas.

    Assim sendo, a elevao do jogo formal a objecto de estudo uma

    abstraco, pois no existe um jogo formal mas vrios jogos. Por fora

    deste isolamento a recorrente anlise do jogo, perspectiva-o como se de um

    filme se tratasse, onde jogador e jogo so interpretados como sendo

    independentes um do outro (Frade, 2007). Urge assim uma interpretao do

    contedo do jogo perspectivada a partir da fenomenologia, que acentue oprocesso, focando o todo que o fenmeno Futebol. Sendo um fenmeno,

    conhece-lo um esforo para identificar e descrever os significados

    fundamentais, as referncias primrias, os relacionamentos necessrios, os

    contornos decisivos (...) (Loureno & Ilharco, 2007, pp.82).

    No pretendemos, portanto, analisar o jogo formal para conhecer o

    contedo do jogo, mas antes interpretar as regularidades que nas equipas de

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    dinheiro. Esta linearidade do tempo advm da filosofia de Taylor, onde a ideia

    de produto acabado leva pressa de... (Mariotti, 2002). Com este modelo,

    para alm da desvalorizao do tempo, h tambm desvalorizao da

    subjectividade: no h lugar para o ser humano individualizado, mas sim para

    o homem recortado, o homem-funo. (Mariotti, 2002), ou seja, sem lugar para

    a criatividade.

    O futebol, semelhana da sociedade, desenvolveu a tal ponto a cultura

    de urgncia e ansiedade que a derrota se afigura uma tragdia, que pe em

    causa a confiana, a estabilidade e os afectos (Dias, 2007), e assim, o

    desempenho da equipa, na sua dimenso resultado, uma emergncia que

    relativiza a credibilidade da maioria dos treinadores.Esta situao social modifica o modo como as diferentes equipas

    entendem o jogo, sendo notrias as diferenas entre as equipas de

    rendimento superior/top das que no o so. Nesse sentido, para as equipas

    que no so de top, o jogo potencia uma ideia do espectculo desportivo que,

    de acordo com Stone (s/d, cit. por Dunning, 1992, pp.307) promove a ausncia

    de jogo, tornando-se (...) um tipo de ritual, previsvel, at mesmo

    predeterminado nos seus resultados..O medo de perder tornou-se maior que o desejo de ganhar e assim, o

    risco a que as equipas se submetem quase nulo. Por um lado, as equipas

    tendem a fechar-se (ideia de produto acabado pressupe que o sistema se

    feche) na tentativa de eliminar ao mximo a imprevisibilidade e por outro

    procuram atacar rpido, privilegiando assim os momentos reconhecidos como

    sendo de transio (defesa-ataque). O resultado um futebol monlogo

    (Mourinho, 2002), dando a impresso que no futebol de hoje, no se joga,transita-se. (Arajo Pereira, 2007).

    Esse jogo estereotipado de transies concretizado sob as vestes de

    mecanismos que se regulam de modo independente ao exterior (tendncia

    para se fecharem sobre si prprios Mecanismos Mecnicos (Frade, 2006)),

    havendo por esse motivo, perda de autonomia e de adaptabilidade das equipas

    que o praticam.

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    fenmenos qumicos da ordem para a desordem (Capra, 1996). Desse modo,

    Prigogine estabeleceu uma ligao entre a desordem e a possibilidade de

    novas formas de ordem, mais complexas, surgirem (Cunha e Silva, 1999),

    assim, para estes sistemas, a dissipao de energia (que corresponde a

    informao, organizao) na transferncia de calor, no pressupe

    degradao mas sim manuteno e por vezes a emergncia de novas formas

    de ordem (Loureno e Ilharco, 2007).

    Atravs das estruturas dissipativas de Prigogine, vrias leituras podem

    ser feitas ao fenmeno futebol, revelando-se uma concepo bastante

    pertinente na interpretao do contedo do jogo. Assim, quando olhamos o

    jogo, podemos observar que o binmio complementar ordem/desordem estpresente em todos os momentos de organizao. Sendo dois conceitos

    complementares, a ordem normalmente associada segurana e a

    desordem ao risco. Desse modo, tendo em considerao o que foi mencionado

    anteriormente, quanto maior o risco, maior a complexidade do sistema e maior

    a possibilidade de surgirem novas formas de ordem de complexidade

    crescente. Como veremos posteriormente, em jogo, este risco tem contornos

    concretos, na medida em que, consubstancia apenas a perda de posse de bolae no a possibilidade do adversrio criar situaes de finalizao.

    Para que esta reflexo seja coerente, necessrio alertar para o facto

    de haver alguns conceitos que nesta concepo tm um interpretao diferente

    da que normalmente tm no futebol, falamos concretamente, do importante

    conceito de equilbrio.

    Na concepo de Prigogine o equilbrio2 refere-se a um estado de

    neutralidade caracterstico dos sistemas fechados, pelo que, um organismo emequilbrio um organismo morto (Capra, 1996). No jogo, esse equilbrio

    acontece quando a equipa entendida como um sistema fechado, em que os

    seus comportamentos so totalmente previsveis, no havendo lugar para o

    novo. Nestas condies a desordem dever ser reduzida ao mnimo possvel e

    a evoluo do jogo tende para a mecanizao dos comportamentos. Deste

    2 Sobre o conceito de equilbrio utilizado no futebol uma reflexo aprofundada feita em

    captulo posterior.

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    modo, estar em equilbrio, luz da concepo das estruturas dissipativas,

    corresponde no futebol jogado a um desequilbrio organizacional, na medida

    em que o fecho limita a capacidade de adaptao da equipa.

    Pelo exposto, a equipa pode ser percebida como um sistema que opera

    longe do equilbrio, uma estrutura dissipativa, que necessita de infuso de

    energia, de informao, de organizao, para se ajustar aos problemas que o

    confronto com um adversrio coloca. So estas trocas com o exterior que

    garantem um estado longe do equilbrio, havendo um desequilbrio do fluxo que

    alimenta a equipa e lhe permite manter-se em aparente equilbrio

    (estabilidade), que s se pode degradar se houver fecho do sistema (Morin,

    2003). Para perceber de que modo estas estruturas nos podem ajudar ainterpretar o contedo do jogo e a necessidade de uma cultura de risco, temos

    necessariamente de as explorar com maior profundidade.

    Estas estruturas surgem com o reconhecimento da irreversibilidade do

    tempo. Por ser um tempo com sentido nico , de acordo com Cunha e Silva

    (1999, pp.116) um tempo catico, porque arrasta consigo toda a realidade,

    deixando a realidade que se lhe ope s o estatuto de memria.. Prigogine e

    Sengers (1990, cit. Cunha e Silva, 1999) referem que este um tempo devrios devires, que acontecendo no podem voltar a acontecer. Nesse sentido,

    podemos afirmar que o presente tem vrios futuros possveis (Frade, 2006).

    Quanto mais afastado do equilbrio, maior a sua complexidade e mais

    elevada a sua no-linearidade, logo aumenta o nmero de solues para o

    mesmo problema, consequentemente h um aumento da imprevisibilidade, e

    novas situaes podero emergir a qualquer momento (Capra, 1996). Isto

    pressupe graus de liberdade nas decises tomadas pelo sistema, recusandoassim a ideia de automatismo humano (Loureno e Ilharco, 2007), o tal

    mecanismo mecnico que Frade (2006) prope para evidenciar os

    mecanismos fechados sobre si prprios e que, como vimos, tendem a morrer.

    A imprevisibilidade do presente surge, portanto, da variabilidade de

    futuros possveis, da variabilidade de solues que determinada equipa

    apresenta para resolver determinado problema. Essa imprevisibilidade aparece

    no que Prigogine designou de Pontos de bifurcao, ou seja, momentos em

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    que o sistema se confronta com a existncia de um leque de opes que a

    qualquer momento podem ser tomadas, ramificando-se para um estado

    totalmente novo (Capra, 1996), evidenciando deste modo, a liberdade do nosso

    futuro atravs das nossas aces (Loureno e Ilharco, 2007).

    De acordo com Cunha e Silva (1999) esta imprevisibilidade surge

    fundamentalmente periferia dos pontos de bifurcao, ou seja, quando a

    definio do futuro se comea a desenhar, sendo a que se instala o caos e,

    consequentemente, esto criadas condies para o aparecimento de novas

    formas de ordem. O mesmo autor ressalva que, tomada a deciso por um

    futuro possvel, ou seja, seguindo uma das ramificaes, o seu comportamento

    pode ser previsto. E a, um problema de probabilidade pode determinar qual ocaminho a seguir (Prigogine 1999, cit. por Loureno e Ilharco, 2007).

    Ao admitirmos que a equipa uma estrutura que no se confina a

    estados de ordem estacionrios, que no se fecha sobre si prpria, procurando

    antes integrar a desordem/desconhecido e a partir da gerar novas formas de

    ordem mais complexas, ou seja, ao admitirmos que a equipa se rev nos

    preceitos, que at agora exploramos, das estruturas dissipativas, verificamos

    que mantendo-se num estado longe do equilbrio vo apresentar uma grandevariabilidade de solues (graus de liberdade da equipa e dos jogadores).

    Um exemplo concreto: a qualidade da equipa em posse de bola, em

    termos colectivos, tem inerente a capacidade dessa sair a jogar curto ou longo

    (Benitez, 2008), adaptando os comportamentos aos diferentes momentos de

    organizao ofensiva e aos problemas que o adversrio lhes vai colocando,

    esta variabilidade de solues, ramificam-se em diferentes pontos de

    bifurcao.Deste modo, para um futebol de qualidade superior emergente uma

    cultura de Risco, que procure manter-se num estado estvel longe do

    equilbrio, pois, como nos diz Capra (1996, pp.151): medida que nos

    afastamos do equilbrio, movemo-nos do universal para o nico, em direco

    riqueza e variedade.. Portanto, concordamos com Maciel (2008), quando

    afirma que o correcto entendimento do rendimento superior tem subjacente

    uma Cultura de Risco.

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    2.2.2 Interaco: Invariante estrutural que se expressa numa

    Organizao que Especfica

    Quando temos duas equipas em confronto, temos dois sistemas (de

    sistemas...) com o mesmo objectivo: obter rendimento nos jogos.

    Aquilo que permite o rendimento, ou seja, o desempenho, a interaco

    entre os elementos de cada equipa (entre si, com o meio, com o adversrio...-

    relao que traduz a maior ou menor complexidade do sistema), que se

    expressa na sua organizao, conferindo-lhe uma dinmica que Especfica3.

    Por esse motivo, Frade (1990) considera a interaco, invariante estrutural do

    rendimento. Revelando-se, por isso, pertinente apresentar as suascaractersticas fundamentais.

    Enquanto estrutura do rendimento, a interaco fenomenolgica

    (porque diz respeito ao fenmeno do jogar) e representacional (porque tem

    que ver com as Especificidades da equipa) (Frade, 1990). Regula as relaes

    possveis entre os jogadores, pois uma presena ausente (abstracta) em

    todos os jogares, ou seja, uma presena detectvel atravs de uma

    manifestao concreta: a organizao, sendo que, os diferentes jogaresexpressam formas particulares de organizao (lado representacional do

    jogar). Denotando-se uma relao dialctica de modificao e/ou

    construo/evoluo entre interaco e organizao.

    semelhana de um organismo vivo quando pretende conhecer, a

    equipa (rgo que modeliza o objecto) (deve ser) dotada de um projecto

    identificavl (jogar idealizado4) a partir do qual o seu comportamento pode ser

    3Especfica/Especificidade: A acentuao do E (com letra maiscula e a negrito) no se

    trata de um preciosismo semntico, de acordo com Guilherme Oliveira (2004) este pormenor

    (que na prtica um pormaior pois condiciona todo o processo de treinabilidade) pretende

    diferenciar a especificidade inerente modalidade da Especificidade do jogar de determinada

    Equipa que resulta da convergncia de mltiplas dimenses.4 Jogar idealizado para uma determinada Equipa, na medida em que resulta da

    convergncia de mltiplas dimenses: cultura (pas e clube), caractersticas tctico-tcnicas

    dos jogadores, etc. Sendo reconhecido tambm como modelo de jogo ou projecto colectivo

    de jogo (Guilherme Oliveira, 2004).

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    interpretado (caracterstica teleolgica). Esses objectivos passam pelo

    desempenho da equipa, no apenas na sua dimenso resultado mas tambm

    na sua dimenso jogo (Cunha e Silva, 2003), ou seja, pela apresentao de

    determinadas regularidades que conferem uma morfologia (Goethe cit. por

    Capra, 1996) equipa, o jogar de determinada forma. Por outras palavras,

    dentro da imprevisibilidade caracterstica ao jogo, pretende-se que a equipa

    manifeste algumas regularidades, que vo permitir reconhecer determinada

    equipa pela semelhana familiar em jogos diferentes.

    Esta hiptese teleolgica (Le Moigne, 1977) reala a necessidade de

    interpretar a equipa de acordo com os seus objectivos (no que a dimenso

    jogo se refere, uma vez que no rendimento superior o objectivo na dimensoresultado sempre o mesmo: ganhar). A interaco ao ser interpretada luz

    desses objectivos vai apresentar necessariamente configuraes diversas mas

    todas elas pertinentes em relao aos objectivos/projectos propostos, de onde

    resulta a importncia de acentuarmos o lado representacional da interaco.

    A coerncia e persistncia de cada sistema que permite definir a sua

    identidade (Holland, 1997), no caso concreto do sistema Equipa: a sua

    morfologia. Ou seja, a imprevisibilidade caracterstica ao jogo implica que osistema Equipa se confronte continuamente com situaes novas, a resposta

    a essas situaes novas que, se coerentes com o projecto colectivo de jogo,

    conferem uma morfologia Equipa; e depende de numerosas interaces, da

    agregao de vrios elementos e da adaptao/aprendizagem (Holland, 1997).

    No entanto, dada a abertura ao ambiente, inerente aos sistemas complexos

    adaptveis5 (SACs) ( semelhana da Equipa) para que a mudana seja

    coerente necessrio que os comportamentos se orientem por princpios, quefornecero pistas para a resoluo de problemas pendentes (Holland, 1997).

    Esses princpios, estabelecidos em funo dos seus objectivos,

    assemelham-se ao que Laborit (1987) designa de informao-estrutura, que,

    de acordo com a sua etimologia, prope a atribuio de uma forma

    5Sistemas complexos adaptveis: Traduo da designao atribuda por Holland (1997) aos

    sistemas complexos que se mantm coerentes quando enfrentam o novo, atravs do processo

    de adaptabilidade ou aprendizagem (SACs).

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    ((in)formao) s relaes entre as partes de um todo de acordo com uma

    determinada ordem, sendo estes princpios que permitem conferir alguma

    inteligibilidade ao jogo.

    2.2.2.1 Princpios de interAco

    No h jogo sem regras. So as regras do jogo que o definem,

    embora elas sejam incapazes de especficar os decursos individuais de cada partida.

    Fiolhais (1989)

    No futebol no existem regras fixas, porque se nutre de pequenos grandes detalhes.

    E acrescentaramos: porque esses pequenos detalhes tm que ver com a nossa condio de humanos.

    Olivares (1978)

    Comummente designados de princpios de jogo, consideramos que,

    face ao que temos explorado, a designao mais adequada ser princpios de

    interAco, pois pe em evidncia os seus propsitos: estabelecer relaes

    entre as partes com uma determinada ordem. Para alm disso, o

    comportamento da equipa, enquanto todo, depende muito mais das

    interaces do que da aco das partes (Holland, 1997), na medida em que a

    interAco que permite antecipar a aco das partes ao longo do jogo.

    A definio desses princpios de interAco deve ser cuidada, na medida

    em que no deve limitar o desenvolvimento da estrutura do rendimento

    (fechando-a), isto porque as estruturas mudam momentaneamente quando

    funcionam, mas, quando esta mudana to grande que se torna

    necessariamente irreversvel, desenvolve-se um processo histrico, dando

    origem a uma nova estrutura. (J.A.Millher, 1971, cit. Por Le Moigne, 1977,

    pp.70) ou seja, a uma nova morfologia do jogo (que um jogar) que surge da

    complexificao da organizao colectiva.

    Isto leva-nos s noes similares propostas por vrios autores de

    servomecanismo (Laborit, 1987), mecanismo regulado em tendncia da

    ciberntica (Oliveira et al., 2006) e mecanismo no mecnico (Frade, 2006),

    que sugerem a existncia de um conjunto de princpios de interAco que

    regulam a abertura ao ambiente, ou seja, uma equipa possui determinadas

    referncias comportamentais (princpios) que se modificam (adaptao) em

    funo das informaes exteriores (contextuais), podendo evoluir para novas

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    Loureno (2007) (...), no funcionamento de um grupo, atravs da interAco

    que as pessoas se vo conhecendo, que vo aprendendo a lidar umas com as

    outras, atravs da percepo dos seus pontos fracos e dos seus pontos fortes,

    das suas preferncias e averses, das suas necessidades, etc. Vo, pois,

    atravs do conhecimento, identificando as possveis reaces aos diversos

    estmulos e dessa forma acabam por se ajustar uns aos outros no convvio do

    dia-a-dia., este um dos aspectos que justifica o processo de treinabilidade,

    s treinando como se joga (ou como se pretende) que se torna possvel

    identificar os pontos fracos e fortes entre colegas de Equipa. Deco (2008?,

    fonte desconhecida), ainda no Barcelona, evidenciou um aspecto que vai de

    encontro ao que pretendemos salientar, referindo que, quando tem de servirum dos jogadores da frente sabe como eles gostam mais de receber ajustando

    o tipo de passe em funo do jogador que vai receber a bola. O mesmo

    podemos inferir nas palavras de Assuno (2006), na altura jogador do F.C.P:

    Quando o Lucho sai, fico na cobertura, se o Quaresma, que muito

    habilidoso, leva a bola, tento ficar um pouco atrs para o caso de ele a perder..

    Existe portanto uma funo de ajuste dos jogadores que vai promover o jogar

    uns em funo dos outros, uma sentimentalidade de Equipa. Van Gaal (1997,cit. por Kormelink e Seeverens, 1997, pp.3) corrobora ao afirmar que No

    futebol, tudo depende do colectivo. Desse modo, importante que cada

    jogador saiba o que pode ou no fazer. Tm que descobrir as caractersticas

    de cada um, e isso automaticamente leva a um bom entendimento, que a

    base para o resultado. Todos os jogadores tm de aprender a colocar os

    interesses da equipa em primeiro lugar.

    Deste modo, os princpios de interaco assumem um papelpreponderante na emergncia de uma morfologia, sendo que a sua coerente

    articulao leva necessidade de os sistematizar.

    Neste trabalho ao procurarmos as expresses das equipas de

    rendimento superior, pretendemos sistematizar os indicadores qualitativos que

    se desdenham com maior ou menor dificuldade nessas equipas. Assim,

    falamos de uma MacroSistematizao do jogar de qualidade, no singular

    porque nos estamos a referir a indicadores que se verificam com alguma

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    regularidade nas equipas de rendimento superior. Esta perspectiva permiter-

    nos- apreender a diversidade de MicroSistematizaes dos diferentes

    jogares de qualidade. Tomemos como exemplo a circulao de bola, sendo

    um indicador de qualidade, o modo como concretizada (microsistematizao)

    depende de muitos aspectos, podendo desse modo, apresentar dinmicas

    distintas.

    Neste (sub) captulo deixamos j antever a importncia de uma noo

    crucial no desenvolvimento de todo o trabalho: a organizao. Sobre o qual

    dedicaremos, com o fluir desta dissertao, uma reflexo mais aprofundada.

    No passaremos para outro (sub) captulo sem antes realar, em jeito de

    concluso, que a interaco enquanto invariante estrutural que se expressanuma organizao que Especfica, conferindo desse modo uma morfologia a

    determinada equipa, um jogar, por meio de referncias comportamentais (que

    definimos de princpios de interAco), orgnica, ou seja, funcionante e

    evolutiva, desse modo, o nosso objecto de estudo deve ser percebido como um

    edifcio inacabado e para o qual no existe fim.

    2.2.3 Tudo Organizao...tudo Tctica!

    Bogdanov (cit. por Capra, 1999) distinguiu trs tipos de sistemas

    complexos: os Organizados (em que o todo maior do que a soma das suas

    partes), os Desorganizados (em que o todo menor que a soma de suas

    partes) e os Neutros (as actividades organizadoras e desorganizadoras

    anulam-se mutuamente). No entanto, Le Moigne (1977) relembra que o

    conceito sistema funda-se na dialctica do organizado e do organizante,desse modo, qualquer equipa, para se apresentar como um sistema, tem

    necessariamente que apresentar organizao, caso contrrio estaremos na

    presena de um conjunto de jogadores.

    Aparentemente diversas, estas posies tm em comum o facto da

    unidade global dos sistemas, o Todo, pressupor organizao. Desse modo, a

    optimizao de um qualquer sistema (Jogar de qualquer equipa) resulta da

    articulao de sentido dos diferentes nveis de organizao que o compem

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    (Seirullo, 1993, cit. por Garganta, 1977), de onde resulta o rendimento, nas

    dimenses resultado e sobretudo na dimenso jogo (o jogar de determinada

    forma).

    A organizao uma das principais caractersticas sistmicas e nesse

    sentido, Morin (cit. Le Moigne, 1977, pp.27) definiu-a como: a capacidade de

    um sistema para, ao mesmo tempo, produzir e produzir-se, ligar e ligar-se,

    manter e manter-se, transformar e transformar-se. Parafraseando um

    reconhecido gestor nacional, Gustavo Pires (s/d. cit. Lopes, 2006) A

    organizao faz a organizao da organizao.

    Esta construo terica evidencia trs modos de representao de um

    sistema: a Eco-Organizao, a Auto-organizao e a Re-Organizao (LeMoigne, 1977). Ou seja, o conceito de organizao pressupe que o sistema se

    adapte, se equilibre e evolua organizacionalmente. Este representao dos

    sistemas est na base do entendimento da dimenso Tctica, enquanto

    caracterstica emergente da interrelao das vrias dimenses que compe o

    fenmeno do jogar.

    No captulo anterior evidenciamos a necessidade de se conceber o

    futebol de acordo com uma cultura de risco, valorizando a abertura aoambiente e aceitando a incerteza como um aspecto inevitvel de qualquer

    jogar que se pretenda de qualidade. No entanto, tambm deixamos claro que,

    de acordo com Morin (2003), essa abertura s possvel a partir do seu fecho,

    assim o jogar de uma determinada Equipa um sistema que organiza o seu

    fecho na e pela sua abertura. Por outras palavras a organizao promove a

    ordem interior do sistema a partir da imprevisibilidade caracterstica do (s) jogo

    (S). O mesmo autor refere que esta a principal diferena dos organismosvivos para as mquinas, ou seja, a aptido temporria para criar ordem a partir

    da desordem. A Equipa ao ser dotada desta propriedade inerente aos

    sistemas, a organizao, tem a possibilidade de engendrar comportamentos

    sucessivos recusando, desse modo, que a sua histria seja totalmente

    aleatria (Le Moigne, 1977).

    Pelo exposto podemos afirmar que a Organizao do jogo de qualquer

    Equipa de qualidade no se funde na ordenao de princpios rgidos, pois

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    ela contempla a ordem e a desordem. Desse modo a organizao deve ser

    dotada de flexibilidade e criatividade, uma vez que, segundo Michael Hammer

    (s/d, cit. por Lopes, 2006) esta organizao caracteriza-se pela

    responsabilidade, risco e incerteza.

    Assim temos uma Equipa, com determinados objectivos, cujas

    interaces so configuradas por princpios referenciais, promovendo uma

    ordem interna no seio da equipa, ou seja, organizao. No entanto, quando

    em confronto com outra Equipa, na presena do imprevisvel, a equipa tem de

    se adaptar de acordo com as informaes que vai recebendo do exterior

    (contra-informao promovida pelo adversrio), do ambiente (derivadas do

    confronto com outra equipa: informaes contextuais).Pelo que, a (in) formao resulta da habituao e apresenta-se quer

    como uma memria, como um saber, como uma mensagem, como um

    programa, quer como uma matriz organizacional (Morin, 2003), apresenta-se

    tambm como contra-informao (Frade, 2006), na medida em que, o jogo

    um confronto, logo h um adversrio que vai procurar contrapor a informao.

    Pelo exposto, a Equipa organiza-se no para agir, mas para interagir com o

    ambiente.Essa adaptao leva aprendizagem e por sua vez pode levar a novos

    estados de ordem, ou seja, a uma Reorganizao da equipa que pressupe um

    ajustamento criativo. Salientamos deste modo, que a organizao pode

    modificar o ambiente, como o ambiente pode promover modificaes na

    organizao, h uma interaco entre ambos.

    Desse modo, a interpretao da informao est dependente da

    Especificidade das diferentes Equipas, que tm objectivos distintos e que seorganizam em funo de princpios de interaco Especficos. Sendo que, a

    sua identidade, resulta da estabilidade da sua organizao (longe do

    equilbrio), ou seja, de um padro de organizao, definido por Capra (1996)

    como uma configurao de relaes caractersticas de um sistema particular.

    Falamos de uma cultura organizacional, que constituiu-se nos pressupostos

    que orientam os comportamentos dos jogadores no seio da equipa (Loureno e

    Ilharco, 2007). Por isso, quando nos referimos organizao do jogo, falamos

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    de uma organizao de interaces que confere uma dinmica que

    Especfica de determinada Equipa.

    Evidenciamos assim que o conceito de organizao no um conceito

    chave mas antes um conceito problema, que deve prevalecer em todas as

    Equipas que pretendem manifestar qualidade no seu jogar, na medida em que

    a cultura de risco pressupe organizao.

    Sendo a nossa pretenso estudar a organizao do jogo, aquilo que

    vamos fazer mapear padres de organizao de carcter probabilstico, ou

    seja, embora pertencendo a uma determinada matriz organizacional (que tem

    que ver com determinada Equipa) os seus padres podem ser diversos

    estando ou no em posse da bola. Desse modo, torna-se pertinente decompora organizao do jogo em dimenses fraccionrias que tenham que ver com

    essa situao. Decomposio que se pretende didctica e que respeite a lgica

    interna do jogo, que se caracteriza pela sua irregularidade e abertura ao

    ambiente.

    2.2.4 Nveis de organizao

    ...E tambm o mundo,Com tudo aquilo que contm,

    Com tudo aquilo que nele se desdobra

    E afinal a mesma coisa variada em cpias iguais.

    Fernando Pessoa - lvaro de Campos

    A organizao multinivelada de sistemas dentro de sistemas pressupe

    uma caracterstica chave, referenciada por Woodger (cit. por Capra, 1996) para

    os organismos vivos: a sua natureza hierrquica. No entanto Laborit (1987) e

    Capra (1996) ressalvam o perigo que do conceito hierarquia emana, sugerindoa sua substituio pela noo de redes, expressando desse modo o

    funcionamento global dos sistemas.

    Esta perspectiva inerente ao paradigma sistmico revela-se de total

    pertinncia para o estudo do contedo do jogo na forma que aqui nos

    propomos.

    Interpretar o jogo de futebol como um confronto de sistemas (Guilherme

    Oliveira, 2004), significa que temos dois sistemas de sistemas, assim, cada

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    Equipa constituir uma rede. Porm, pelo que vimos anteriormente, a Equipa,

    enquanto todo, s existe como resultado da interaco das partes segundo

    uma certa ordem, desse modo, a rede, no a equipa enquanto somatrio de

    elementos, mas a Equipa que manifesta padres de interaco Especficos,

    configurando a rede, ou seja, apresentando uma morfologia.

    Laborit (1987) j havia constatado esta interrelao dos sistemas dentro

    de sistemas, deparando-se com problemas que hoje nos ajudam a interpretar

    o funcionamento das redes. Ao procurar perceber como que as mltiplas

    regulaes, inerentes aos mltiplos sistemas que compem um organismo, se

    podiam harmonizar, chegou, segundo o prprio, ao segredo dos segredos: os

    nveis de organizao e consequentemente aos servomecanismos, que sereferem a sistemas regulados (ordenados para dar uma forma) por um

    comando exterior.

    O autor citado ao questionar-se sobre a provenincia das informaes

    que regulam os sistemas chegou aos nveis de organizao. Evidenciando que

    as informaes exteriores (reguladoras) a um nvel, provm do nvel que o

    engloba, existindo, por esse motivo, uma ligao energtica e sobretudo (in)

    formacional entre os diferentes nveis de organizao. Para alm disso, so asinformaes que vo regular a abertura do sistema ao ambiente ( informao

    contextual), que por sua vez permite a adaptabilidade do sistema.

    Daqui se conclui que para estudar melhor a funo de cada nvel de

    organizao no podemos isolar dos nveis de organizao que o englobam,

    nesse sentido Laborit (1987, pp.39) afirma que: (...) se importante conhecer

    a estrutura de um nvel de organizao, talvez seja ainda mais importante por

    em evidncia as relaes que ele estabelece com o sistema que o engloba..O mesmo autor acrescenta que a abertura do ponto de vista da

    informao-estrutura (ou seja, dos princpios de interAco), s possvel

    atravs de um englobamento num sistema que garanta o controlo do

    funcionamento do nvel de organizao em questo.

    O sistema Equipa, realizando-se por nveis de organizao, pode ser

    configurado atravs da metfora da Casca de cebola, a qual apresenta

    mltiplas camadas de graus de complexidade distintos (Maciel, 2008). Assim,

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    para melhor percebermos o funcionamento da Equipa (enquanto manifestao

    de um jogar), temos de identificar os seus nveis de organizao. Essa

    identificao trata-se no fundo de identificar as partes do jogar (que se

    manifestam no nvel englobante: o colectivo). O que nos levanta alguns

    problemas, que se consubstanciam na necessidade de respeitar a inteireza-

    inquebrantavl do jogar, desse modo a questo que se nos coloca : como

    reduzir um qualquer fenmeno representacional do jogo (um qualquer jogar)

    sem que isso cause danos significativos totalidade do jogar!?

    Para responder a essa questo, necessrio definir partes cujas

    propriedades sejam representativas do todo, o que implica o respeito pelo

    princpio Hologramtico sugerido por Morin (2003) para facilitar a compreensodos fenmenos complexos, o qual prope que: o todo est no interior da parte,

    que est no interior todo. Esta ideia est tambm subjacente aos fractais de

    Mandelbrot, cuja principal propriedade reside no facto, dos seus padres

    caractersticos so repetidamente encontrados em escala descendente, de

    modo que suas partes, em qualquer escala, so, na forma, semelhantes ao

    todo (Capra, 1996, pp.118). Assim, em qualquer nvel de organizao temos

    de ser capazes de reconhecer o todo (auto-semelhana) e de identificarregularidades (atravs dos sub-princpios,... definidos em funo dos

    princpios) dentro da imprevisibilidade que lhes inerente.

    Quando olhamos para o sistema Equipa constatamos com relativa

    facilidade dois planos de organizao distintos: um plano mais amplo que

    corresponde ao jogar da equipa, macroOrganizao, que tem expresso no

    nvel de organizao colectiva; sendo que este resulta da organizao das

    partes em interaco, pelo que, o individual, nvel de organizao maiselementar, corresponde ao plano da MicroOrganizao.

    Estes dois planos apresentam propriedades fractais, na medida em que,

    apresentam auto-semelhana, ou seja, se ampliarmos o plano da

    microorganizao, ele ser representativo da macroOrganizao, resultando

    esse da convergncia da organizao funcional e estrutural do plano Macro.

    Assim, para que estes planos estejam em harmonia necessrio que sejam

    auto-coerentes: Quando falamos na perspectiva micro do jogar temos que

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    primeiro criar um contexto num sentido lato para que esse lado micro seja

    sempre direccionado para o mesmo objectivo. (Silva, 2007).

    No entanto, do plano Macro ao plano da MicroOrganizao, que se

    expressam nos nveis de organizao colectiva e individual respectivamente,

    encontramos outros nveis de organizao cuja pertinncia se rev na tal

    necessidade de reduzir sem empobrecer6, ou seja, de apreender (para

    interpretar e operacionalizar) a complexidade do fenmeno representacional do

    jogar sem desvirtuar as suas interaces.

    Guilherme Oliveira (2004) vai de encontro a esta perspectiva sugerindo

    que os comportamentos nos diferentes momentos de jogo podem assumir

    vrias escalas: colectiva, sectorial/grupal, intersectorial e individual. Sendo estauma fractalidade em profundidade (Guilherme Oliveira, 2007), inerente

    inteireza-inquebrantavl do jogar. Esquematicamente estas escalas

    traduzem-se em nveis de organizao, do modo que propomos na figura 1:

    Como j salientamos anteriormente a representao do sistema Equipa

    pela Organizao (Eco; Auto e Re) est intimamente ligada ao conceito de

    Tctica da que, estes nveis de organizao possam ser considerados de

    tctica Colectiva, tctica Intersectorial, tctica Sectorial e tctica Individual.

    6 Reduzir sem empobrecer : Este conceito assume importncia crucial na operacionalizao

    de um jogar, porm necessrio ressalvar que sempre que h reduo h perda, cabendo ao

    treinador minimizar os efeitos dessa reduo e nesse sentido o entendimento deste conceito e

    das fractalidades assume um papel preponderante.

    Figura 1. Nveis de organizao

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    ainda pertinente relembrar, a propsito dos servomecanismos de

    Laborit (1987), que os nveis de organizao estabelecem uma relao entre

    eles, de tal modo que, para estudar a funo de um dos nveis no o

    poderemos isolar do nvel que o engloba. Desse modo, necessrio perceber

    que informaes (reguladoras: princpios) vo actuar nos nveis de organizao

    que o plano da macroOrganizao engloba. Daqui emana a pertinncia de

    existirem sub-princpios, sub-princpios dos sub-princpios, etc. que derivam

    dos princpios definidos no plano Macro.

    Constatamos assim, que a ordem nos diferentes nveis de organizao

    deriva da auto-organizao do nvel que os engloba (Capra, 2005). Esta

    articulao entre os diferentes nveis de organizao e dentro do prprio nvel essencial para o funcionamento e coerncia de todo o sistema, para o

    aparecimento de regularidades e pe em evidncia a inteireza-inquebrantavl

    que o fenmeno do (s) jogar (es) deve manifestar na sua interpretao (do

    ponto de vista do treinador) e operacionalizao, pelo que, a propriedade

    fractal7 (Guilherme Oliveira, 2004) surge como caracterstica essencial dos

    diferentes nveis de organizao.

    Esta proposta em quatro nveis de organizao permite-nos interpretar ojogo nas suas diferentes partes/nveis sem perder a noo do seu

    enquadramento global, uma vez que, qualquer um destes nveis apresenta as

    propriedades que apresentamos: complexidade; auto-organizao; abertura e

    dimenso fractal em relao a um todo maior que o jogar.

    7 Propriedade fractal: uma das caractersticas particulares inerentes ao jogo de futebol

    (Guilherme Oliveira, 2004) e pretende evidenciar que dentro da imprevisibilidade caracterstica

    do jogo possvel identificar padres de (inter) aco que se repetem no tempo.

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    2.2.4.1 Da macro microOrganizao: espiralidade morfo lgica

    Apesar de vivermos numa sociedade individualista, pretende-se no mundo do futebol que o centro de

    gravidade de uma equipa seja o colectivo.

    Valdano (2007)

    o indivduo a arma de desequilbrio mais sofisticada de qualquer equipa.

    Valdano (2005)

    Uma partida podia, por exemplo, partir duma dada configurao astronmica, ou do tema duma fuga de

    Bach, ou duma frase de Leibniz ou dos Upanishads e, segundo a inteno ou o talento do jogador, prosseguir e

    desenvolver a ideia condutora por ela evocada ou enriquecer a expresso dessa mesma ideia com a evocao de

    ideias prximas. Se o principiante era capaz de estabelecer um paralelo, por meio dos smbolos do jogo, entre uma

    melodia clssica e a frmula duma lei da Natureza, o conhecedor e o mestre conduziam a partida desde o tema inicial

    at combinaes ilimitadas.

    Hesse(s/d, cit. por Fiolhais, 1989)

    Evidenciamos assim a necessidade de conceber a organizao em

    planos de complexidade distintos: da Macro MicroOrganizao, que resultam

    em diferentes nveis de organizao em interaco permanente. Salientamos

    que os nveis de organizao constituem-se fractalidades do jogar, e, nesse

    sentido, interessa evocar Cunha e Silva (1999, pp.62) que nos elucida sobre

    uma caracterstica inerente a esta propriedade: A fractalidade intui que o micro

    no se ope ao macro, ela sabe que o macro contm o micro, mas o micro

    quem identifica, quem atribui identidade ao macro..

    Identificados os nveis de organizao, as suas propriedades

    fundamentais e a sua pertinncia, surge-nos outra questo tambm

    proveniente das inquietaes de Laborit (1987), e tm que ver com a formao

    do sistema, concretamente por onde comea: Em baixo ou em cima? O

    mesmo ser perguntar como surge a morfologia da Equipa!?

    Na interpretao do contedo do jogo observamos frequentemente duasposies distintas quando se procura a resposta a esta questo. Por um lado a

    velha questo do ter ou no ter jogadores, sendo esse o argumento utilizado

    por muitos treinadores para justificar a no opo por formas de jogar mais

    evoludas (Amieiro, 2005). Por outro lado, h quem defenda de forma definitiva

    a totalidade do sistema Equipa, a equipa um todo, um todo homogneo, o

    que nos parece tambm, uma perspectiva limitadora da evoluo do fenmeno

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    representacional do jogar, na medida em que poder promover barreiras aos

    desvios criadores dos jogadores, sua individualidade.

    O nosso fio condutor leva-nos porm para outra perspectiva, que se

    consubstancia no princpio da recurso organizacional proposto por Morin

    (2003), que tem subjacente a ideia de um processo em que os produtos e os

    efeitos so simultaneamente causas e produtores daquilo que os produziu. O

    mesmo autor (2003, pp.108) clarifica-nos com um exemplo: A sociedade

    produzida pelas interaces entre indivduos, mas a sociedade uma vez

    produzida, retroage sobre os indivduos e produ-los., tambm a Equipa, uma

    sociedade (com vrias microsociedades), s existe pela organizao das

    suas partes, porm essa organizao ao suceder vai retroagir sobre as partese tambm produzi-las. Esta ideia da recurso organizacional est subjacente

    ideia de autonomia do sistema, porm, pode-nos induzir numa lgica de

    circularidade na medida em que no explicita a experincia subjectiva das

    partes, ou seja, dos jogadores. Sabemos de antemo que essa no a ideia

    implcita em Morin (2003) pois, como j vimos, este autor concebe os sistemas

    abertos pelo seu fecho.

    Cunha e Silva (1999) menciona que esta circularidade (existindo) temconsequncias negativas no crescimento do sistema, limitando-o. O mesmo

    autor (1999, pp. 139) sugere, em oposio circularidade, o conceito de

    espiralidade, na medida em que: A espiral cresce, conquista territrio, e

    embora se desenvolva na periferia de pontos por onde j passou f-lo

    progressivamente mais afastada. A espiral no despreza o centro, no lhe vira

    as costas, mas vai-se emancipando paulatinamente. Regressa, mas est cada

    vez mais longe do ponto de partida. Ela compatvel com a aquisio, com aevoluo.. Se nos recordarmos do que evidenciamos nas estruturas

    dissipativas, esta noo de espiral descreve o desenvolvimento inerente a

    essas estruturas.

    Guilherme Oliveira (2006) corrobora esta perspectiva ao afirmar que,

    quando se confronta com determinada equipa no adopta um modelo de jogo,

    cria, juntamente com os jogadores, um modelo de jogo, enfatizando que no

    uma criao exclusiva do treinador, na medida em que os jogadores recriam

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    aquilo que o treinador estabelece como princpios de interAco. A esta

    interrelao dialctica o autor mencionado designa, tal como aqui nos

    propomos, de desenvolvimento em espiral.

    Pelo exposto, o princpio da recurso organizacional deve ser

    complementado com o princpio do desenvolvimento em espiral.

    O ponto de partida da espiral ser o estado final que se pretende

    atingir, uma morfologia que balizada pela articulao dos princpios de

    interAco que o treinador define em funo da convergncia de muitas

    variveis, nomeadamente: a cultura (do pas e do clube), a ideia que (o

    treinador) do jogo se tem e da qualidade dos jogadores8 que constituem um

    plantel. Dando estes origem a sub-princpios, sub-princpios dos sub-princpios,etc., que funcionam como respostas preferenciais a determinados estmulos e

    que se articulam pelos diferentes nveis de organizao.

    O incio da espiral d-se a partir do momento que os jogadores do vida

    aos princpios que o treinador prope para a sua equipa. Os jogadores ao

    interagir com o ambiente, com o desconhecido, na sua individualidade, recriam

    a organizao levando-a para stios onde nunca esteve, podendo esses locais

    traduzir-se em novas formas de organizao, mais complexas, e namodificao das prprias partes.

    Metaforicamente, imaginemos um casal, composto por duas pessoas

    com um cdigo gentico prprio. Planeiam e concebem um filho. Ainda na

    barriga da me desconhecem por completo como vai ser o filho, no entanto,

    8A qualidade dos jogadores um aspecto preponderante no decorrer do processo que confere

    a determinada Equipa uma identidade, influindo tanto na idealizao de um jogar como nacomplexificao da sua organizao. Porm, pertinente ressalvar que esta qualidade que se

    baseia na capacidade Tctico-tcnica dos jogadores tem subjacente, tambm, as qualidades

    tcnicas que permitem que dois jogadores tenham comportamentos tcticos-individuais

    distintos. manifestamente diverso o comportamento de um lateral com capacidade para

    cruzar na passada de um outro lateral que no o consiga fazer. Ainda que isso requisite

    qualidades tctico-tcnicas como a identificao do timing de cruzamento e a coordenao

    com o colegas de Equipa, as qualidades tcnicas so tambm muito importantes, e devem ser

    continuamente trabalhadas, pois se no consegue cruzar na passada de nada importa

    identificar o timingpara o fazer.

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    sabem que vo ter um beb com determinada forma. Que relao tem isto com

    o futebol?

    Enquanto treinadores idealizamos um jogar que, partida, acreditamos

    que aquele que melhor se adequa a um determinado plantel. No entanto, os

    jogadores, tambm tm o seu cdigo gentico, e da interaco de cada

    indivduo, do seu cdigo gentico, com aquilo que idealizamos e com o

    ambiente, que vai emergir algo que ainda no sabemos exactamente como vai

    ser, mas sabemos que vai ter alguns traos caractersticos.

    Para alm disso, pertinente reforar um outro aspecto de veras

    importante, estamos a falar de individualidades que se inserem e trabalham em

    prol de um colectivo, pelo que, necessrio atender ao facto de haver umainterpretao individual e uma interpretao colectiva, pois como refere Queiroz

    (1983, pp.15), sobre os princpios de jogo, eles devem ser entendidos como

    as regras de base segundo as quais os jogadores dirigem e coordenam a sua

    actividade consideradas individualmente e em colectivo (...) .

    Imaginemos a seguinte situao: determinada Equipa procura a

    verticalidade da circulao de bola atravs da circulao horizontal, este

    comportamento colectivo tem implicaes na sada de bola do GR, devendoesta fazer-se preferencialmente curta (estando o adversrio defensivamente

    organizado). medida que vamos ampliando os nveis de organizao,

    definem-se referncias comportamentais (sub-princpios, sub dos sub,...) cuja

    articulao e coerncia determinam o xito (ou no) do princpio e logo a

    possvel configurao da equipa. A ttulo de exemplo, sugerimos as seguintes

    referncias:

    Colectivo: Equipa posicionada de modo a estabelecer sempre linhas depasse ao portador da bola.

    Intersectorial: relao do sector defensivo com o sector intermdio que

    permita a criao de espao entre estes para: libertar as reas mais recuadas

    do terreno; e criar Espao para depois aparecer com movimentos de apoio

    Circulao de bola.

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    Sectorial: laterais devem preferencialmente procurar dar profundidade

    largura e os centrais devem posicionar-se preferencialmente no prolongamento

    das linhas laterais da grande rea.

    Individual: apoios dos centrais (e mdios) em momento de receber a

    bola preferencialmente orientados para a baliza do adversrio (diagonal ou de

    frente).

    Em primeiro lugar pertinente salientar que os nveis de organizao ao

    funcionarem como servomecanismos regulam, atravs das referncias/

    (in)formaes, a abertura ao ambiente. No entanto, medida que ampliamos

    os nveis at ao individual, verificamos que aumenta a dificuldade em prever o

    comportamento, esta caracterstica , na geometria fractal, reconhecida comoestrutura fina, isto , quanto mais se amplia mais detalhes possvel observar

    (Alves, 2008).

    Esta variabilidade do detalhe permite que pequenos acontecimentos

    aleatrios, que Prigogine designou de flutuaes (Capra, 1996), possam

    definir a ramificao que o sistema vai seguir. No jogo estas flutuaes

    correspondem, por exemplo, ao adversrio: como se posiciona, como

    pressiona, etc. Estas flutuaes ao influenciar a bifurcao que o sistemasegue podem levar emergncia de novas formas de ordem (ordem por

    flutuaes).

    Assim, apesar de reconhecemos que estas referncias comportamentais

    exercem influncia no nvel mais elementar, quem determina o que fazer no

    aqui e agora o jogador. Holland (1997) corrobora ao referir que a modelao

    dos sistemas complexos adaptveis dirigido para a seleco e representao

    de estmulos e respostas preferenciais (definio dos princpios de interaco),porm quem determina os comportamentos so os prprios elementos activos,

    os jogadores. Como j vimos, so onze individualidades, que ao posicionar-se

    num ponto de bifurcao vo decidir em funo de contextos aleatrios e

    irrepetveis (Flutuaes) e da sua histria anterior (cultura do jogador,

    caractersticas e qualidades inerentes a cada jogador).

    O cerne da questo est na compreenso que a individualidade, por ser

    nica, por possuir uma histria prpria, criativa no modo como resolve os

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    problemas que o contexto lhe coloca, como escolhe entre vrios futuros

    possveis.

    Recorrendo novamente ao exemplo em cima citado, que falamos da

    orientao dos apoios de um central ou mdio, se o adversrio no pressiona

    essa sada de bola (flutuao), existe Espao para a receber, no h problema

    algum em receber de costas.

    Outro exemplo: para a posio de mdio centro temos dois jogadores

    com caractersticas manifestamente diversas: Busquets (Barcelona) e

    Fabregas (Arsenal). O modo como eles fazem a leitura do jogo

    completamente distinta, verificando-se que, Busquets apoia muito mais a

    circulao de bola, sendo que, nessa situao recebe muitas vezes de costas ed de primeira, enquanto Fabregas recebe na maioria das vezes a pensar em

    servir os colegas da frente. As caractersticas de um e de outro jogador vo

    gerar (sub)dinmicas manifestamente distintas, mas o princpio

    independentemente do jogador que os substitua (como suplente ou em trocas

    posicionais) nas respectivas equipas, mantm-se.

    Numa situao em que temos dois jogadores que ocupem a mesma

    posio, ao emprestarem Equipa a sua individualidade promovem paraaquela mesma posio (sub) dinmicas distintas. Nesse sentido, podemos

    afirmar que diferente termos o Deco como jogador que serve os avanados,

    ou termos o Ballack, as qualidades de cada um, ou seja, a sua individualidade

    permite que a (re) criao do jogo seja distinta estando um ou outro jogador em

    campo (ou at simultaneamente). Isto , qualidades diferentes vo permitir

    comportamentos tcticos individuais distintos. Do mesmo modo que nos

    referimos orientao dos apoios poderamos falar de um drible ou de outraaco que permita ao jogador resolver os problemas que se lhe colocam.

    A liberdade de um jogador, no acontece pois, revelia do que so as

    referncias comportamentais da equipa, na medida em que, tem objectivos

    colectivos precisos. Nesse sentido concordamos com Queiroz (2006) quando

    refere que Primeiro, cada jogador tem que saber e compreender exactamente

    o que que a equipa espera dele, segundo, tem que compreender e saber qual

    que deve ser o seu contributo para a equipa ().

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    sempre os mesmos (propriedades emergentes9 da MacroOrganizao),

    daqueles que so variaes nicas (que o aqui e agora proporciona lado

    criativo que se expressa na abertura do sistema pelo lado Micro) ou que so

    caractersticos de uma determinada interpretao (entenda-se de um jogo)

    (Levitin, 2007). Esta capacidade , segundo o mesmo autor, prpria ao

    crebro, na medida em que o computador incapaz de identificar diferentes

    verses da mesma cano, do mesmo modo, quando recorremos anlise

    por programas de computador devemos ter em ateno essa mesma limitao

    que se relaciona com a natureza e funo da memria humana.

    Esta caracterstica da memria pressupe um processo que se revela

    fundamental na identificao dos aspectos que permanecem ao longo dosjogos, a categorizao. Este um processo crucial na medida em que nos

    serve de alternativa para estruturar a informao, reflectindo a organizao

    informacional de uma pessoa sobre determinado assunto (Almeida e Silva,

    2008).

    De salientar ainda, acerca do processo de categorizao, que este no

    se pretende estanque, nem definitivo, desse modo, qualquer pessoa pode

    discordar acerca das categorizaes e a mesma pessoa pode, em alturasdiferentes, discordar de si prpria (Levitin, 2007). Par alm disso este processo

    no tem fronteiras distintas (Levitin 2007, Morin, 2003), pelo que o

    enquadramento de um determinado comportamento numa categoria

    concretiza-se pela semelhana Familiar (Levitin, 2007).

    9Cada nvel de organizao possui propriedades emergentes que so propriedades exibidas

    por um nvel que o anterior no exibe (Capra, 1996).

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    2.2.5.1 Diferentes categorizaes, diferentes entendimentos da

    dinmica do jogo: fases e momentos de jogo.

    O estudo do contedo do jogo assume, na sua mais recente histria,

    duas lgicas que se pretendem didcticas e que se relacionam com

    entendimentos distintos da dinmica dos jogos.

    Por um lado, temos uma perspectiva dualista que considera a existncia

    de duas fases distintas: a fase ofensiva, em que a equipa se encontra com a

    posse da bola e realiza um conjunto de aces na tentativa de obter o golo; e a

    fase defensiva, em que a equipa no tem a posse de bola e atravs de aces

    colectivas vai procurar recupera-la (Guilherme Oliveira, 2004). Estas fasesencontram-se separadas uma da outra sendo que, uma fase abandonada

    logo que o objectivo concretizado (marcar golo ou recuperar a bola) (Castelo,

    1994), apresentando, desse modo, uma lgica sequencial (Guilherme Oliveira,

    2004). Vrios autores (Garganta, 1997, Castelo, 1994) apesar de utilizar estas

    duas categorias, consideram o jogo na sua inteireza-inquebrantavl, ou seja,

    ainda que reconheam a existncia de fases, a lgica que est subjacente ao

    seu entendimento pressupe uma das caractersticas fundamentais do jogo, asua fluidez. Porm, parece-nos que as interpretaes, que derivam da lgica

    que divide o jogo nestas duas categorias, levam frequentemente a encarar a

    construo de uma equipa nos seus diferentes processos como um edifcio,

    definindo-se uma hierarquia de comportamentos que se pretendem

    institucionalizar na equipa. Daqui derivam as ideias de construir a equipa de

    trs para a frente e vice-versa ou sustentar a equipa defensivamente e depois

    pensar nos aspectos ofensivos., que por sua vez leva necessidade deanalisar o jogo nas suas diferentes fases para o conhecer.

    Por outro lado, em funo das limitaes que esta lgica didctica

    parece apresentar, vrios treinadores (Frade, 1985, 2006; Ferreira, 2003,

    Guilherme Oliveira, 2002, Michels, 2001, Mourinho, 1999, Van Gaal cit.

    Kormelink e Seeverens, 1997) consideram que o jogo apresenta quatro

    momentos: organizao ofensiva, organizao defensiva, transio defesa-

    ataque e ataque-defesa. A substituio das fases por momentos justificada

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    por Guilherme Oliveira (2004) pela necessidade de enfatizar a lgica arbitrria

    com que se apresentam ao longo de um jogo.

    Para melhor percebermos a lgica por detrs desta categorizao

    revela-se pertinente recuar sua gnese: o Futebol Total, que suscita nos

    romnticos adeptos do futebol uma ressonncia mtica, mesmo aqueles que

    no o presenciaram visualmente sentem o cheiro de um futebol que se revela

    cada vez mais utpico (sobretudo pelas equipas que no so de top). Falar de

    Futebol total falar em Rinus Michels (considerado treinador do sculo pela

    FIFA em 1999), e sucessivamente na Laranja-Mecnica, Steven Kovacs, Johan

    Cruyff (jogador e treinador), Van Gaal, nomes que potenciaram a evoluo

    desta modalidade ao introduzir uma nova abordagem ao jogo, que ainda hojefornece princpios actualizados s pretenses de um futebol de qualidade

    superior.

    Segundo Michels (2001) o famigerado futebol total resultou da

    necessidade de abrir a defesa do adversrio, motivo pelo qual, a sua Equipa

    apresentava muita mobilidade, com frequentes trocas posicionais entre as trs

    linhas: defesa, meio-campo e ataque. Nesse sentido Cruyff (1977, cit. por

    Barend e Van Dorp, 1999, pp. 26) refere que: O que h de especial na equipaholandesa o movimento. Todos se movem. essa a base de tudo. Se em

    algum momento disserem: Cruyff est a jogar muito profundo, devia estar no

    meio-campo, porque no percebem nada. (...) Isso causa problemas ao

    adversrio, porque pode aparecer um pela esquerda e outro pela direita ou

    todos pelo meio e eles tm que se adaptar. Esta dinmica implicava que, para

    alm das tarefas bsicas inerentes a cada posio, os jogadores possussem

    qualidades para, durante o jogo, assumirem outras posies (Michels, 2001,Cruyff, 1977 cit. por Barend e Van Dorp, 1999).

    Uma extenso desse futebol o pressing realizado no meio-campo do

    adversrio, ou, como menciona o seu autor (2001), a caa bola que resulta

    da vontade de a ter sempre em sua posse. Assim, a sua equipa, mal perdesse

    a bola, revelava uma dinmica colectiva que indicava a vontade de a recuperar

    imediatamente. Obviamente que isso nem sempre era possvel, e nessas

    alturas (re) organizavam-se defensivamente e logo que recuperassem a bola o

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    primeiro objectivo seria a profundidade, tentando tirar proveito da possvel

    desorganizao do adversrio (Michels, 2001)10.

    Da interpretao desta dinmica que Michels pretendia para as suas

    equipas derivou uma lgica didctica que considera algo mais para alm do

    ataque e da defesa: as transies, cuja tnica se encontra no aproveitamento

    da eminente desorganizao das equipas nos instantes imediatos perda ou

    recuperao da posse de bola (Guilherme Oliveira, 2004). Surgindo assim uma

    categorizao do jogo em 4 momentos, que foi inicialmente formulada para

    responder sua inteireza inquebrantvel (Frade, 2006; Amieiro, 2005).

    Porm, a nfase colocada na escala temporal levou a que os momentos

    reconhecidos como sendo de transio da defesa para o ataque e osmomentos de organizao defensiva fossem sobrevalorizados (Benitez, 2008,

    Wenger, 2008) e muitas vezes mal interpretados.

    Tendo como mote um artigo publicado no Pblico em 2006, intitulado

    Mais do que ter a bola, interessa atacar rpido, podemos inferir acerca de

    como estes momentos tm sido negligenciados.

    O treinador citado nesse artigo diz no ser adepto de um modelo que

    privilegie a posse de bola. Dizendo ainda que o que uma equipa pode ganharcom muita posse de bola acabar por perd-la. No futebol actual o que faz

    mais sentido so as transies rpidas. A equipa ganha a bola e procura atacar

    rapidamente a baliza, para apanhar o adversrio desorganizado.

    frequente a associao entre ataque rpido e/ou procura de

    profundidade com as transies. A justificao para a sua importncia

    encontra-se na vulnerabilidade defensiva do adversrio aps perda de bola. Ou

    seja, como o adversrio est a atacar encontra-se defensivamentedesorganizado, pelo que, necessrio aproveitar essa desorganizao. Este

    princpio vlido, porm no pode ser interpretado como uma relao nica de

    10 A conjugao verbal destes dois pargrafos remete-nos para o passado. Porm, podemos

    rever estes princpios em algumas equipas de Top, das quais, o Barcelona actualmente o

    exemplo mais elucidativo. Desse modo, ser com naturalidade que, com o fluir desta

    dissertao, reavivemos os princpios inerentes ao mtico futebol total.

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    causa-efeito, pois se assim for, sempre que a equipa ganha a bola ir procurar

    imediatamente profundidade, assumindo assim uma escala temporal.

    Desta situao surgem algumas limitaes qualidade do futebol

    jogado de muitas equipas: transies em profundidade e/ou rpidas como

    nicas solues de ataque (Mourinho, 2003) e a ineficcia das transies

    consequncia da organizao dos adversrios. E quando falamos da

    organizao do adversrio, mencionamos as equipas de rendimento inferior

    que deixam muitos jogadores atrs da linha da bola quando esto a atacar

    (Benitez, 2008) e das equipas de rendimento superior que procuram manter

    uma organizao global durante todo o jogo.

    De ressalvar que o artigo acima mencionado surge na sequncia daspalavras proferidas pelo treinador de um dos grandes portugueses, que

    expunha algumas das suas ideias em conferncia de imprensa. certo que o

    discurso nem sempre igual ao percurso, e a inexistncia de uma autonomia

    temtica11no futebol pode levar a interpretaes diversas daquilo que a fonte

    pretende transmitir. No entanto, depois da reflexo realizada anteriormente

    podemos medir, ou seja, olhando para os dados estatsticos da poca

    passada constatamos: a dificuldade das equipas grandes em derrotar aspequenas as derrotas sofridas pelos grandes no campeonato, o reduzido

    nmero de golos marcados por partida e a pobre participao dos grandes

    nas competies europeias.

    Urge assim uma perspectiva das transies, e consequentemente das

    categorias que permitem interpretar o jogo, que eleve no a dimenso

    temporal, mas antes a dimenso Espacial, relacionando-se esta com a

    organizao/desorganizao da prpria equipa e do adversrio.

    11A inexistncia de uma autonomia temtica foi um problema apontado por Sobral (1999) que

    dificulta a proclamao do desporto como uma Cincia. No futebol este problema recorrente

    sobretudo na discursividade utilizada pelos agentes ligados modalidade. Constatamos

    frequentemente que: sistema, estrutura, tctica, modelo, so usados como sinnimos, o

    que pode levar a interpretaes deturpadas deste fenmeno. necessrio falar-se a mesma

    linguagem, pois a impreciso semntica leva a equvocos que na prtica se podem revelar

    fatais.

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    Na realizao desta dissertao partimos do pressuposto que s

    percebendo o jogo como um continuum, fluido na passagem de uns momentos

    para os outros que respeitamos uma das suas caractersticas fundamentais,

    a sua inteireza-inquebrantavl (Frade, 2006; Amieiro, 2005).

    Assim, uma vez que o jogo feito de muitos momentos de organizao,

    no podemos ignorar a escala temporal, porm, com essa escala apenas

    achamos pertinente identificar como tendo semelhana familiar os momentos,

    decorridos durante todo o jogo, em que a equipa est em posse de bola e

    noutra categoria todos os momentos em que a equipa no tem a posse de

    bola. Uma vez que esta terminologia se afigura pouco prtica e havendo uma

    classificao estabelecida no mundo do desporto, iremos atribuir aosmomentos em que a equipa est em posse a definio de Ofensivos, e aos

    momentos em que a equipa no est em posse de bola de Defensivos. Porm,

    devemos lembrar que os momentos ofensivos tambm pressupem

    comportamentos defensivos e vice-versa.

    O jogo tem, na sua natureza, um objectivo, a vitria. Sendo este

    objectivo explcito nas equipas de Top, que, para o serem, tm de ganhar

    regularmente. Desse modo, uma equipa que queira ser de Top tem,necessariamente, de perspectivar a sua organizao em funo de como quer

    chegar baliza do adversrio, s assim consegue concretizar o objectivo do

    jogo. Deste modo, esta dissertao tratar, como j tivemos oportunidade de

    salientar, dos momentos de organizao ofensiva e, sempre que acharmos

    conveniente trataremos tambm dos momentos de organizao defensiva.

    Nesse sentido, interessa perceber como os vamos estruturar.

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