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Meu Primo Eleutério É Um Corno! – Darcicley Lopes

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DARCICLEY LOPES

ARAGUAÍNA-TO

2006

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Meu Primo Eleutério É Um Corno! – Darcicley Lopes

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PREFÁCIO

Calma, calma! Eleutério não foi, de fato, inspirado

em nenhum dos primos do autor Darcicley Lopes. A

história, a saga de um homem relutante por sua realização-

mor, é inspirada em contos, piadas e até mesmo

convivências do autor com a sociedade atual, que é, tirando-

se a tecnologia e outras inovações científicas e intelectuais,

a mesma sociedade de antes, que traía enquanto era traída.

Eleutério – aqui representando todos os cornos do

nosso amado Brasil – é um homem comum, mas que enfrenta

um grave problema em sua vida: a obsessão pela “cornice”!

Ele amadurece na vida, trabalha, se casa e tem filhos, mas

não larga, por nada, o seu maior objetivo na vida, que é o de

ser corno.

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Meu Primo Eleutério É Um Corno! – Darcicley Lopes

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O autor desenvolve um romance dramático com um

toque suave de comédia sarcástica e irônica, envolvendo o

personagem e o leitor, fazendo certa referência à vida de

um corno qualquer, que vive por aí levando chifre da mulher.

Assim como qualquer homem comum da sociedade, que

também é suscetível à cornice, bastando para isso ser

homem.

Ah! Só mais um aviso: este romance é uma obra de

ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes também

são produtos da imaginação do autor ou são usados de

maneira ficcional. Qualquer semelhança com pessoas, vivas

ou não, eventos ou locais, e até mesmo casos

extraconjugais, é mera coincidência.

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“Ser corno é como respirar: se você está vivo, acontece”.

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CAPÍTULO UM

MAIS DO QUE PRIMO: MELHOR AMIGO

Todo mundo tem uma história para contar. Mesmo

que tenha acontecido com outra pessoa. Vou contar para

vocês a história de meu primo, Eleutério. Ele sempre foi,

desde pequenininho, muito esquisito e cheio de problemas,

mas um sujeito pelo qual sempre tive muita consideração e

apreço.

A mãe dele é irmã da minha. As duas casaram quase

que no mesmo tempo, e assim tiveram seus filhos também

quase que na mesma época. Sou mais velho que Eleutério

alguns meses, fomos criados praticamente juntos e

crescemos compartilhando juntos muitos momentos de

nossas vidas. Eleutério também sempre viu em mim alguém a

quem pudesse confiar todos os seus segredos.

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Isso começou quando estudávamos na escolinha lá

do bairro. Eleutério tinha uma “namoradinha” na primeira

série. Era a Mariquinha. Certo dia, durante o recreio,

encontrei meu primo escondido atrás da cantina chorando

feito criança (gozado, pois naquela época éramos crianças).

Sem que eu perguntasse o que aconteceu, ele se atirou em

meus braços berrando desconsolado, dizendo que a

Mariquinha o havia traído com o Jorginho, seu colega de

sala.

- Mas o Jorginho é o namorado da Mariquinha desde

o começo do ano, Eleutério!

- Buá! Então ela me trocou pelo meu companheiro de

sala. Buá! – chorava meu primo, desconsolado.

Resolvi tomar as dores do meu primo querido e fui

tirar satisfações com a Mariquinha. Bom, na verdade foi um

dos maiores micos que já paguei, porque nem ela mesma

sabia desse namoro com meu primo. Era daquelas namoradas

que não podia saber, porque se ela descobrisse, terminaria

com ele na hora.

A partir daí me tornei como um conselheiro para

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Eleutério. Ele sempre vinha me perguntar sobre coisas da

vida, sempre me contava sobre suas alegrias e frustrações

e até mesmo sobre coisas íntimas, sobre as quais homem

algum comenta. Nos tornamos os melhores amigos!

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CAPÍTULO DOIS

OS PRIMEIROS SINAIS DE CORNICE

Uma coisa interessante que sempre notei na vida de

Eleutério é que ele sempre se dava mal. Em tudo! E olha que

isso desde criancinha...

O pior de tudo era que seus relacionamentos

amorosos sempre acabavam de uma forma muito trágica:

meu primo sempre era traído! Ora pelas namoradas que o

trocavam pelo cachorrinho de estimação, ora as que o

deixavam por estarem apaixonadas pelo galã da novela das

oito.

O caso é que nunca dava certo.

Mesmo assim eu apostava minhas fichas no sucesso

do meu primo: um jovem idealista, batalhador, merecia

arrumar um bom emprego, encontrar (quem sabe) uma boa

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esposa e enfim se dar bem na vida.

Lembro do dia em que ele me disse, empolgado,

sobre o emprego que acabara de arranjar, o emprego cujo

sempre sonhou em trabalhar.

- Vou ser caminhoneiro!

Ali estava um dos primeiros sinais do que eu achava

ser um complexo, talvez isso poderia ser até uma disjunção

hereditária. Entretanto, na família de Eleutério não havia

nenhum parente corno. Então o problema era com ele

mesmo.

Esse negócio de sair viajando por aí, semanas e

meses fora de casa, deixando a mulher sozinha, ainda mais

nas condições dos dias atuais e hodiernos, não dá muito

certo. Aconselhei-o inúmeras vezes quanto a procurar outro

serviço. Sem efeito. Ele gostava do que fazia. Pra acabar de

completar, todas as namoradas o traíam. E sempre de uma

forma bem suspeita. Uma vez eu estava descendo a rua, e lá

estava Eleutério escondido atrás do poste, com os braços

rentes ao corpo, com a cabeça um pouco virada pro lado da

casa da Zileuda, uma de suas primeiras namoradas. Achei

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um pouco engraçado, mas muito esquisito. Perguntei a ele o

que estava fazendo ali.

- Silêncio! Ninguém pode me ver aqui – respondeu

Eleutério.

- Mas que loucura é essa? – e lá estava eu também,

atrás do poste com os braços rentes ao corpo, campeando a

casa da Zileuda junto com meu primo.

É que o Eleutério colocou na cabeça que sua

namorada estava traindo-o com um cara bem mais velho que

ela, todas as tardes, em cima de uma bicicleta. Desconfiei

da história, mas mal ele acabou de falar, a Zileuda saiu de

mãos dadas com um cara bem velho, e uma bicicletinha.

- Ah, tenha dó, Eleutério! Não vê que esse é o pai

da Zileuda? Não vê que estão aí fora porque a Zileuda está

aprendendo a andar de bicicleta? – falei furioso com meu

primo. Uma lágrima cai dos olhos de Eleutério:

- Como ela pôde me trair com o próprio pai... ?

Estava ali, bem na minha frente, a prova de que meu

primo tinha algum distúrbio...

Com a sua última namorada foi assim: Eleutério foi

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fazer uma viagem no caminhão. Passou alguns dias fora e

quando retornou, qual foi a primeira coisa que ele viu? Sua

namorada abraçada com um “brucutu” de dois metros de

altura na Sorveteria do Zé, lá na esquina. Eleutério não

agüentou olhar aquela cena, tinha que fazer alguma coisa. E

foi tirar satisfações. Encontrei meu primo no Bar do Zé, na

outra esquina. Foi a primeira vez que o vi ali. Estava com um

olho roxo e o outro não abria. Sabendo do porquê, também

fui tirar satisfações com o brucutu, que estava cantando a

namorada do meu primo.

- Ô, brucutu! Por que você socou a cara do meu

primo?

Acontece que o tal brucutu era o irmão mais velho

da Jurema e morava em outra cidade. Havia chegado

recentemente e resolveu levar a irmã caçula para tomar

sorvete. É, foi um mal entendido... Só não precisava me

deixar de olho roxo também.

Voltei a bater na tecla da profissão de Eleutério.

Ele acabava de testemunhar uma das conseqüências do

ofício, mas mesmo assim não aprendera a lição. Ele gostava

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do ofício. Gostava também do Bar do Zé. Começou a

freqüentar aquele lugar algumas vezes, sempre quando se

sentia traído. Disse que aprendeu a gostar tanto daquele

lugar que, quando se casasse, iria morar nos arredores.

Teve um dia em que o vi lá, inconformado com a traição do

patrão, que lhe prometera um caminhão novo, mas quando

esse chegou entregou-o ao Florêncio, outro caminhoneiro

amigo de Eleutério. Não bastasse a namorada, agora até o

patrão o trai.

Outro dia chegou em casa e sentiu falta do Lulu,

seu cachorrinho de estimação. E lá estava Lulu na casa do

vizinho, todo esparramado no tapete da porta. Era só o que

faltava: até o cachorrinho de estimação traiu Eleutério. Até

tu, Lulu? Comecei a me preocupar com Eleutério. Fiquei com

medo de que aquilo lhe causasse algum trauma

posteriormente, ou pior, que isso pudesse acarretar

problemas matrimoniais. Eu não suportava a idéia de um dia

o meu primo ser corno. Eu queria o melhor para ele.

Entretanto, o que mais me preocupou foi saber com quem

meu primo estava andando...

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CAPÍTULO TRÊS

INFLUÊNCIA DE CORNOS É CHIFRE

Um dia Eleutério me convidou para ir com ele a uma

festa na casa do João, um de seus colegas de profissão.

Quando cheguei vi que a casa estava repleta dos amigos que

eu considerava como má influência para meu primo.

Posso citar um fato inusitado que aconteceu aquele

dia. Fui pegar uma bebida na cozinha e não pude deixar de

ouvir uma conversa entre duas mulheres, ambas esposas de

amigos do meu primo. Era a Elinéia, mulher do João,

chorando no ombro da Gecilda:

- Eu sou uma infeliz, Gecilda!

- Mas por que, Elinéia? O que está havendo?

- Eu sou uma infeliz! Buá! Minha família não aceita

meu novo amor. São todos contra... Meu pai, minha mãe,

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meus irmãos, os sobrinhos... Todos mesmo!

Eu já estava ficando comovido ao ouvir isso. Sei

como são essas coisas do coração. Mas fiquei furioso com a

infâmia que veio em seguida.

- Como é que pode ter gente tão má assim? –

Perguntou Gecilda à amiga.

- É... É verdade. E o pior de todos, o que mais

implica, é o corno do meu marido!

Esse foi um dos principais motivos para que eu

insistisse com Eleutério para ele deixar de ser

caminhoneiro enquanto estava solteiro.

Quando voltava pra sala, encontrei Eleutério numa

conversa animada com vários de seus amigos. Estavam

discutindo sobre experiências de casamento. Fiquei

desconfiado de que Eleutério pudesse assimilar bons

aprendizados ali e fui espreitar o que se passava. Foi justo

quando o Agenor começou a falar que volta e meia flagrava

uma falseta da esposa. Emburrada, ela se trancava no

quarto por vários dias. Ele disse que batia na porta, pedia

desculpas, levava almoço na bandeja, dava presentinhos.

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Depois de uma semana ela “amansava”... Olha só que tipo de

experiência: como se amansar uma esposa emburrada. Esse

com certeza é um homem sábio.

Eleutério fez questão de me apresentar o Efigênio,

que perdera seu pai semanas atrás. Efigênio, emocionado,

contou-nos como foi os momentos finais de seu pai, o velho

Asdrúbal.

- Meu pai disse, em seu leito de morte, à minha mãe

que não queria que ela permanecesse sozinha, que

arranjasse alguém que lhe fizesse feliz. Pra demonstrar o

quanto isso era verdade, meu pai disse a ela que pudesse

dar ao novo homem de sua vida todos os seus tacos de golfe

preferidos.

- Nossa! Que homem! E qual foi a reação de sua

mãe? – perguntei.

- Uma objeção. Minha mãe disse a ele que o novo

amor de sua vida era canhoto e detestava golfe...

Que homem foi Asdrúbal!

Ainda bem que aquela noite foi curta. Eu já não

agüentava mais estar no meio de tanto corno. E também não

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suportava mais ver meu primo inserido naquele meio. Olha

só quanta energia positiva estava sendo transmitida para o

pobre coitado.

Sentados no sofá, Onofre e Aníbal conversavam

sobre casamento, quando Ofélia, a mulher de Aníbal, chega.

Aníbal, empolgado, conta à mulher o que Onofre acabara de

lhe contar:

- Ofélia, o Onofre tava aqui me dizendo que sua

mulher decidiu confessar a ele todas as suas infidelidades...

Eu fiquei impressionado com tanta coragem por

parte da mulher de Onofre. Foi aí que a esposa do Aníbal

soltou o seu comentário:

- Quanta memória, hein! Surpreendente!

Entre tantas más companhias que meu primo tinha,

havia também o Lúcio Flávio. Certo dia, enquanto

descansávamos da partida de futebol, um certo amigo de

Eleutério contava que deu um tiro no amante de sua mulher.

Mas o camarada conseguiu pular pela janela mesmo baleado

no braço. Foi aí que o Lúcio Flávio, cheio de sabedoria,

entrou na conversa:

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- Ah, mas eu não faria isso não... Dar um tiro no

amante de minha mulher? Tá maluco?

Ficamos sem entender porque tanta moralidade

empregada nisso. Aí ele completou sua afirmativa:

- Ele é o pai dos meus filhos!

Pra mim essa foi a gota d’água. Tive uma dura

conversa com Eleutério sobre seus amigos, como eles

poderiam ser péssimos exemplos a serem seguidos, como as

experiências que tinham a transmitir eram sórdidas.

Consegui convencê-lo que o melhor que ele tinha a fazer era

se afastar deles. Prontamente me empenhei na tentativa de

descobrir as origens da “cornidão”, pois só assim eu poderia

cortar o mal pela raiz.

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CAPÍTULO QUATRO

ESTUDANDO AS ORIGENS DO CORNO

Preocupado com a reputação que meu primo pudesse

ter perante a comunidade, fui pesquisar sobre a História

dos Cornos. Esperava encontrar algo de revelador sobre a

traição, algo de nobre, algo de edificador, que tivesse algo a

acrescentar (com exceção dos chifres, faz favor).

Eu ouvia tanto falar de corno, de chifres. Nunca

imaginei que fosse tão obscura a origem da idéia de ligar

chifres à infidelidade feminina, bem como da palavra

“corno” com o sentido pejorativo que a ela emprestamos,

hoje em dia.

Descobri que na Idade Média, quando se chamava

alguém de cornuto, queria dizer alguém com um chapéu, um

capacete, uma mitra, ou alguma coisa na cabeça. Talvez a

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usasse para esconder algo revelador. Seria a calvície?

Descobri também que infelicidade é causadora de calvície.

Lembrei que Eleutério não apresentava sinais de que um dia

viesse a ser calvo. Aí que me preocupei mesmo: e se a idéia

de ser corno lhe trouxer felicidade? Resolvi ler outro livro.

Outra coisa interessante que descobri, é que os

guerreiros nórdicos (dinamarqueses e suecos) exibiam sua

masculinidade e poder através de capacetes de aço com

vistosos chifres. Só não gostei de saber que eles passavam

boa parte do tempo em alto mar, deixando em casa suas

mulheres (talvez por isso o capacete de chifres).

Larguei logo de mão esses livros de nórdicos e de

europeus e fui pesquisar a cultura do Oriente Médio. Nessa

cultura, o chifre na cabeça é sinal de poder e sabedoria.

Moisés desceu do Sinai com dois “chifres” de luz na cabeça,

texto que as Bíblias atenuaram, retirando a expressão

chifres e deixando apenas as luzes. Percebi que os orientais

têm uma cultura estranhíssima...

Desde o início da humanidade os cornos

participaram diretamente dos fatos e acontecimentos. Nas

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culturas orientais, era comum o homem ter uma grande

quantidade de parceiras, já as regras sociais desaprovavam

as mulheres ditas promíscuas. Com a evolução da

humanidade, essas culturas passaram a reprovar o homem

traído, e assim, o adultério acabou sendo uma das

proibições dos doze mandamentos. Já os muçulmanos, muito

mais afinados com a constituição cerebral do homem - que

tem o hipotálamo (área do sistema límbico que controla os

impulsos sexuais) maior que as mulheres - permitiam, e até

incentivavam o homem a ter várias esposas. Descobri

também algumas religiões orientais, para quem só entrará

no reino celestial aquele que tiver proporcionado boa vida à

pelo menos duas esposas. Lembrei do meu vizinho Carlão,

que mantém três respeitáveis famílias no mesmo prédio.

Mas ele não se parece em nada com um oriental.

Desvendando os segredos das organizações

familiares das antigas civilizações, li que as ordinárias,

cachorras ou, para sermos diretos, as corneantes, foram um

elemento essencial no desenvolvimento da sociedade como a

conhecemos, visto que em tempos remotos não apenas

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perpetuaram a espécie, mas também determinaram as

maiores e mais sangrentas batalhas da história da

humanidade ao manipularem seus maridos e seus amantes,

que ficaram para sempre lembrados, afinal, como cornos

históricos. Quanta bobagem...

Todas estas culturas, porém, repudiavam o corno e

matavam as corneantes, geralmente a pedradas, já que a

pau poderia dar uma conotação negativa. Hoje em dia já não

é mais assim. Os filósofos da sociedade civil atual e

hodierna, aqueles que, por obra do acaso, do trabalho ou do

vizinho experimentaram as enobrecedoras dores do corno,

conseguem, se muito, um motivo a mais pra encharcar a

cara nos sagrados e curativos fluidos etílicos. E podemos

encontrá-los, todos, reunidos lá no Bar do Zé, lá na esquina,

filosofando entre um copo e outro de cerveja.

Em outro livro, este de um grande escritor e

palestrante, discorria sobre motivação e realização humana,

li que para um homem ter uma vida completa, é preciso

alcançar as suas grandes realizações, que são: plantar uma

árvore, escrever um livro, ter um filho e ser corno.

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Não dei créditos ao que li sobre essas realizações,

levei em consideração que se escrevem muitas besteiras por

aí. O hilário popular tem muitas histórias. Eu não conseguia

entender como alguém pudesse se sentir realizado ao

descobrir que é corno. Também não entendi porque essas

realizações deixam o homem tão contente, já que são tão

fáceis de serem atingidas. Hoje em dia, plantar uma árvore,

escrever um livro e ter um filho não requer nenhuma

habilidade especial. Principalmente ser corno! Para falar a

verdade, dá muito mais trabalho derrubar uma árvore, ler

um livro, evitar ter filhos e colocar chifres. Talvez é porque

o homem se contente com aquilo que lhe é mais acessível. E

pra ser corno basta ser homem.

Confesso que em um momento de relance, distração,

pensei que tinha descoberto a razão pela qual o homem se

sente tão realizado ao ser corno. Estava vendo numa revista

uma pesquisa realizada com mulheres, onde elas afirmavam

que os homens é que são felizes. Se só os homens podem

ser cornos, e as mulheres dizem que os homens é que são

felizes, pensei então: só os cornos é que são completamente

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felizes. Ora essa. Preferi ter a certeza de que escrevem

muitas besteiras por aí, isso sim.

Comecei a estudar então os tratados, teses e

trabalhos científicos sobre o assunto. Legal. Percebi que,

em tudo que pese a essência, por mais ontológico que seja, a

“cornecência” merece explicações sociológica, psicológica ou

gnosiológica: assim também o corno, por expressão máxima

da inconformação humana, a merece. Incrível as leis da

“cornice”: só o homem pode ser corno. Já que é da natureza

masculina ter várias parceiras, desde os primórdios da

civilização, e trair, portanto, é um ato natural, se expressa

assim o amor para com a parceira fixa. Fixamos aí dois

sujeitos: o ativo, “corneante”, e o passivo, “corneado”. Ah,

não poderíamos deixar de fora o Ricardão, figura

indispensável à sociedade moderna, pois sem ele os

casamentos acabariam em número cada vez maior,

desestruturando a sociedade e colocando em xeque (e em

cheque também) a existência humana na terra. Seria o

apocalipse! Já pensaram então que responsabilidade? Bom...

Deixei de ler esses artigos. Sacudi bem forte minha cabeça.

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Ufa! Já estava sentindo algo estranho...

Enfim, não encontrei nada científico que falasse

sobre o problema que meu primo sofria (para ver se

encontrava alguma solução), nem algum registro histórico

sequer sobre o primeiro corno da humanidade (para ver se

havia alguma ligação genealógica), apesar de que pude

aprender muito sobre a dor que o corno sente. A dor de

corno é tão antiga quanto a dor do parto. Existe desde o

início da humanidade. As fêmeas dos primeiros hominídeos

já gritavam ao dar a luz e seus maridos nem sabiam que o

filho era do peludo da caverna ao lado. Sem contar que,

naquela época, os testes de DNA eram feitos na base da

pedra lascada e como não existiam instrumentos cirúrgicos

de precisão, os machos arrastavam suas fêmeas pelo cabelo

até o laboratório, onde elas eram então dissecadas e

observadas em microscópios tão rudimentares quanto os

seus próprios cérebros.

Engraçado como eram as coisas. Mais engraçado

ainda como funcionam certas coisas. O homem dá respostas

a tudo nesta vida. Passados quase dez mil anos, a tecnologia

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descobriu ou inventou remédios para os mais diversos

males, além de inventar alguns males sem remédio. Mas dois

mistérios permanecem intocáveis: a cura da ressaca e a

cura da dor de corno. Ou mesmo a cura da cornice de meu

primo. Por mais que o chifrudo afirme não se importar com

o troféu que tem na cabeça, a verdade é que só uma bolada

no saco dói mais do que uma chifrada pelas costas.

Mas cá entre nós, sou obrigado a afirmar que o

corno é universal! Imperativo e categórico, lógico e

indelével, citado pelos fenícios há milhares de anos,

ratificado pelos hindus e venerado pelos astecas, contado

em hieróglifos pelos egípcios, que o esculpiam em blocos de

mármore para que se perpetuassem pela história. Marcado

irreversivelmente pela Bíblia, na antiguidade resultou nas

maiores e mais sangrentas batalhas da humanidade, como

por exemplo, a de Tróia, onde o famoso corno Menelau

mandou que construíssem um cavalo de madeira para dar de

presente, em retribuição ao presente que Pares lhe dera:

um belo par de chifres.

Hoje citado, colorido, ilustrado, cultuado, venerado,

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cantado e exaltado pelas culturas modernas e atuais,

resultou nas maiores bilheterias do cinema, nas maiores

vendagens de CDs e DVDs piratas, nos maiores acessos a

sites específicos. Cantores bregas, filósofos e religiosos,

políticos e cientistas, reis e princesas e todos os

governantes imbuíram-se e devotaram precioso tempo de

suas vidas às enobrecedoras dores do corno. E agora meu

primo metido nessa. Preciso urgentemente fazer alguma

coisa, encontrar uma solução para esse problema.

Tirei uma única conclusão disso tudo: minha

pesquisa não serviu de nada! Nem ao menos descobri a

origem do corno entre nós. Foi aí que tive uma certeza: essa

história de corno e de chifre na cabeça do corno não existe.

É apenas uma coisa que colocam em nossas cabeças... Tratei

de colocar em minha cabeça foi outra coisa: uma explicação

para o que se passava com Eleutério. Ele não era um corno;

apenas imaginava que era. Poderia ser um trauma vivido na

infância ou ainda no útero, talvez fosse um complexo, uma

doença... Não conseguia entender. Foi aí que me veio a idéia

de levá-lo a um especialista. Levei-o a um psiquiatra.

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CAPÍTULO CINCO

TRANSTORNO DO CORNO OBSESSIVO

Diante do que eu via acontecer com meu primo,

resolvi levá-lo a um especialista. Procurei o melhor

psiquiatra da cidade. Expus a ele tudo que estava

acontecendo. Cobrei dele uma resposta. Marcou uma

consulta com meu primo e então fomos lá.

O tal doutor nos garantiu que o problema seria

resolvido. Senti confiança nele. De certo modo, senti um “ar

de modéstia” naquele consultório. Logo ele começou a nos

contar casos que tinha resolvido, como por exemplo, o do

candidato a corno que foi procurá-lo pedindo um tratamento

para aligeirar a frígida esposa. Acontece que esse sujeito

tinha uma amante fogosa (que tivera três maridos) e

chifrava com ele o atual esposo (o quarto). O psiquiatra nos

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contando como avaliou a situação, falou assim àquele

sujeito:

- Se transformarmos tua mulher numa fogosa como

a amante, você vai levar sozinho o mesmo chifre que os

demais maridos da outra levaram!

O tal marido achou melhor desistir.

Eu tinha ouvido dizer que esse doutor era muito

bom. Eu só não sabia que ele era ótimo! Ele era realmente

um especialista, um expert, um ás, um PhD no assunto. Era

um filósofo da sociedade civil atual e hodierna. Olhou para

nós dois, deu um sorriso, pediu para que eu aguardasse pelo

meu primo na recepção. Eleutério ficou deitado no divã.

Então o doutor começou a divagar filosoficamente sobre o

assunto, como se estivesse dando ao meu primo uma lição de

vida.

- Só existem duas certezas na vida do homem, meu

jovem! Ele vai morrer e ele vai ser corno, ao menos uma vez

na vida. Isso é tão certo quanto o céu é azul...

Para Eleutério, era como se aquilo não fosse uma

sessão com um psiquiatra, mas com um pedagogo, o qual

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tinha muito a ensinar!

- Em primeiro lugar, quero que saiba: Se uma pessoa

acha que nunca foi traída, isso não quer dizer que ela não o

tenha sido. Isso só quer dizer que a sua parceira (esposa,

namorada ou congênere) simplesmente é muito competente.

A questão então é: como lidar com a cornice? Aqui vão

minhas dicas...

No divã, Eleutério, boquiaberto, tava que nem

piscava.

- Primeiro: O que os olhos não vêem... Se você

simplesmente não percebe que está sendo traído, ou para

ser mais objetivo, “corneado”, não vá atrás. Acredite, é

melhor... Segundo: Corno sim, manso nunca! Se por um acaso

você se deparar com a cornidão, dê escândalo. Chame ela de

vagabunda, de vaca, do que você quiser. Dependendo da

situação, até um tapa é válido - mas que seja cenográfico,

por favor. Violência não é uma coisa boa... Se você for

manso, além de incentivar a atitude feminina, ainda vai

passar por boiola e triturar a sua auto-estima. Não faz bem

ao ego. Ah! Uma coisa é importante nessa hora: não agrida o

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pobre do corneador. O corneador de hoje é o corneado de

amanhã. Ou vai dizer que você nunca auxiliou uma "vaca" a

gerar um "corno"? Terceiro: Não seja valentão. Caras que

são ciumentos em excesso ou bravos na defesa de seu

território só perdem tempo. Tenha a certeza, meu caro, que

nada do que você fizer vai evitar o curso da natureza.

Quanto mais valente você for em defesa de sua honra, mais

você vai endurecer a sua testa, criando uma camada extra

de ossos e couro. E saiba que, quando o chifre crescer, vai

doer mais ainda. E, quando isso ocorrer, qualquer atitude

que você tome pra demonstrar que não é manso, não vai ter

o efeito desejado. Normalmente são "os bravos que mais

choram". E, pra finalizar, meu amigo, tenha sempre em

mente: Não é o caso de SE, é o caso de QUANDO...

Após algumas horas de espera, vi Eleutério abrir a

porta da sala, abrir um leve sorriso e dizer que o psiquiatra

queria falar comigo. Ele ficou aguardando fora da sala

enquanto eu ouvia atentamente a constatação do

especialista.

- Lamento informar, mas o seu primo está com uma

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doença terrível. Os cientistas tratam isso como o TCO – me

disse o doutor.

- TCO? Não seria TOC, o tal Transtorno Obsessivo-

Compulsivo? – indaguei.

- Não. É TCO mesmo... Transtorno do Corno-

Obsessivo!

Eu não sabia qual dos dois poderia ser pior! Até

aquele momento eu só tinha ouvido falar sobre o TOC, e

mais recentemente havia lido sobre isso na minha busca

pelas origens do corno. O TOC é um transtorno de

ansiedade caracterizado por pensamentos obsessivos. Estes

pensamentos são idéias persistentes, impulsos ou imagens

que ocorrem de forma invasiva na mente da pessoa, gerando

muita ansiedade e angústia. O seu portador tenta ignorar ou

eliminar esses pensamentos através de ações que são

intencionais e repetitivas, na tentativa de se sentir aliviado.

Geralmente reconhece que seu comportamento é excessivo

ou que não há muita razão para fazê-lo. As obsessões ou

compulsões provocadas pelo TOC acarretam grande

estresse, consomem muito tempo e interferem bastante na

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rotina normal, no trabalho ou nas atividades sociais e

relacionamentos interpessoais, até mesmo casamento.

Porém o problema relatado era TCO. Pelo que o

doutor me explicou, era realmente terrível. Meu primo

estava doente. Pior, estava obsessivo. Para ele, ele era um

corno – mesmo não sendo na realidade. Segundo o doutor, a

obsessão de meu primo pela cornice era enorme! Maior até

que os chifres que queria ter. E a falta de realização o

deixava frustrado. Pior: o deixava transtornado.

Sinceramente, eu preferia que fosse TOC. As obsessões ou

compulsões provocadas pelo TCO acarretam grandes

problemas, como depressão, choradeira e bebedeira e

interferem substancialmente na rotina normal, no trabalho,

nas atividades sociais e relacionamentos interpessoais,

principalmente no casamento. Nele, o transtorno não é a

causa da doença, é a conseqüência. O doutor disse que a

solução era fazer com que meu primo fosse traído, e que

todo mundo soubesse disso, ou que procurasse fazer um

tratamento psiquiátrico para tentar reverter seu quadro

psicológico. Fiquei preocupadíssimo, afinal éramos mais do

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que primos: éramos melhores amigos. Juntos nós

compartilhamos tantas alegrias. Eu não poderia deixar meu

primo sozinho nessa crise, pois eu era o único em quem ele

podia confiar. É óbvio que preferi a segunda opção.

Resolvi sacrificar minha poupança em um

tratamento psiquiátrico para meu primo. Passou-se algum

tempo, o tratamento acabou, assim como o meu dinheiro.

Fiquei contente ao ver meu primo, meu melhor amigo, com

um sorriso no rosto. Respirei aliviado (mas sem trocadilhos,

faz favor), pois finalmente Eleutério estava recuperado.

Como poderiam dizer alguns, estava pronto pra outra. Eu

mesmo que não queria ver meu primo metido numa dessas de

novo. Jamais.

Eleutério me disse ter sido uma pena ele não ter

levado o seu caderninho de anotações, pois as lições do

doutor lhe serviriam para toda uma vida.

Uma coisa que o doutor havia recomendado a

Eleutério era mudar de profissão. Concordei. Afinal

caminhoneiro não é profissão de quem não quer ser corno.

Não que eu tenha algo contra os caminhoneiros... Longe de

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mim! Mas como não queria ver meu primo com uma cabeça

sortida de galhos, tratei de ajudá-lo a arrumar um bom

serviço. Para nossa felicidade, abriu uma vaga na mesma

firma em que trabalho. Com sorte, Eleutério começou a

trabalhar comigo. Aí que respirei aliviado pra valer.

Certo dia, ao sair do serviço, percebi que Eleutério

olhava longe, além do horizonte. Perguntei-lhe no que

pensava.

- Sabe primo... Estou com saudades do tempo de

caminhoneiro. É como se naquele tempo eu fosse mais feliz.

É como se eu sentisse que meu futuro seria mais próspero –

me respondeu.

Bati com a mão na testa, passei a mão no rosto.

Olhei pra cima. Respirei fundo. Não é preciso nem dizer no

que pensei. Mas eu mantive minha esperança na recuperação

total do meu primo querido.

Passou-se algum tempo, Eleutério aquietou-se com a

saudade dos tempos em que ele estava mais próximo da

cornidão. E com o tempo, até me despreocupei disso.

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CAPÍTULO SEIS

UM SINAL DE ESPERANÇA

Certo dia Eleutério disse que queria conversar

comigo. Era pra me contar de sua nova namorada, que nunca

se sentiu tão apaixonado na vida. Disse que com essa era

diferente. Era uma moça decente, humilde, sofredora.

Sabia dar valor às coisas. Fez questão de me apresentar

ela. Realmente, uma moça com todos os predicados de boa

esposa.

Semanas se passaram. Nunca mais ouvi meu primo

comentar nada sobre voltar a ser caminhoneiro, ou mesmo

falar que fora traído. Seu atual relacionamento ia de bem a

melhor. Enchi-me de orgulho!

Era pontual ao serviço, deixou de freqüentar o Bar

do Zé, se dedicava com afinco ao relacionamento e até

começou a ler alguns livros.

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Passados alguns meses de namoro, a notícia: iriam

se casar. Àquela altura, eu já havia até me esquecido da

doença de Eleutério. Pensei que ele já estivesse curado, que

o tratamento dera certo. Ou pelo menos torcia por isso.

Fizeram todos aqueles preparativos, convidaram

muita gente, os petiscos estavam uma delícia! Os noivos

estavam impecáveis, e não houve uma objeção sequer

durante a cerimônia. Nem mesmo do padre, que passava o

dia todo ouvindo fofocas de seus fiéis no confessionário e

que sempre tomava “uma” antes de realizar uma cerimônia.

Dizia ele que era pra entrar no clima.

Aquele casamento era o melhor sinal de uma

esperança: meu primo estava curado, livre de suas

obsessões, seria um homem feliz, teria sucesso na vida,

tanto profissional quanto matrimonial. Era um homem

reabilitado para uma vida social saudável. Bom, pelo menos

era meu sonho. Ou talvez mais que isso. Era mesmo um sinal

de esperança; eu acreditava nisso.

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CAPÍTULO SETE

ANELAIDE, A ESPOSA INFIEL!

Anelaide era a melhor pessoa que Eleutério poderia

ter encontrado para esposa. Era uma moça de família, era

trabalhadeira. Era pobre, mas limpinha. Era respeitante e

respeitável. Não tinha uma vaidade sequer. Era virgem. Um

exemplo a ser seguido pelas próximas gerações. O único

erro era se chamar Anelaide. Devia se chamar Amélia. Isso

sim é que é nome de mulher de verdade!

Imaginei que seria um casamento livre de

preocupações. Senti como se um milagre fosse acontecer.

Pois bem, tudo começou um dia depois de ter se casado...

Era já o final da tarde, o sol se punha no horizonte.

Lá vinha Eleutério do serviço, trajando sua tradicional

camisa de listrinhas, quando avista de longe sua esposa

cumprimentando um homem na rua. Mas não era qualquer

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homem. Era um crioulo de quase dois metros de altura. Aí

meu primo começou a ter uma recaída. Parou um pouco.

Colocou a mão na cabeça. Olhou pro céu. Acho que não

encontrou respostas rápidas sobre o que poderia ser aquilo.

Estava próximo à esquina. Olhou e viu o barzinho do Zé. Por

sinal, muito convidativo. Tudo o que tinha a fazer era

encher um copo para poder encher a cara de coragem para

falar com Anelaide.

Eleutério chegou em casa já no final da noite,

pronto para tirar essa história a limpo.

- De onde você conhece o Ricardo?

- Que Ricardo, amor? – retrucou Anelaide, sem

saber do que se tratava.

- Um homem qualquer que você cumprimentou hoje

na rua.

Claro que esta poderia ser uma indagação inocente,

um questionamento típico de quem apenas está interessado

em zelar pelo relacionamento. Mas não no caso em que é

feita, ou seja, com o ar ríspido e incisivo que caracteriza

profundamente o corno transtornado. Eleutério o havia

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associado ao Ricardão, símbolo máximo da cornescência.

- Não se chama Ricardo. É o Juvenal, marido da

Dona Gertrudes, da banquinha de verduras da praça –

responde-lhe a esposa, toda inocente.

Anelaide estava na porta de sua casa esperando seu

marido quando o Juvenal passou. Ela nem imaginava a

repercussão da saudação ao conhecido. Justamente aí que o

transtorno do meu primo começou pra valer. Nesse dia

Anelaide teve o primeiro calafrio, mas como ela nem

imaginava que aquilo havia sido uma manifestação da doença,

preferiu ignorar e considerar que se tinha tratado de um

caso isolado.

Foram dormir. Deitada na cama, pensando

profundamente, Anelaide continuou por mais um dia

sonhando com o casamento apaixonado e monogâmico que

tinha aprendido com a mãe, as tias, irmãs mais velhas e

demais mulheres da família, bem como nos romances e

revistas femininas que lia desde pequenina, umas vezes às

claras, outras vezes não.

Foi uma semana tranqüila. Bom, pelo menos a

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primeira semana foi realmente tranqüila.

No começo da semana seguinte, Eleutério recebeu a

notícia de que um amigo seu havia sido preso. Ao sair da

empresa ele me ligou, convidando para ir com ele à delegacia

ver seu amigo. Chegando lá vi que era um daqueles que eu

havia enquadrado como “má companhia”. Eu tinha certeza de

que o sujeito era um mau exemplo a ser seguido tendo em

consideração o relacionamento conjugal que levava. Mas,

agora, um criminoso? Então Eleutério cumprimentou o amigo

atrás das grades, que foi logo contando sua história,

choramingão como um autêntico corno.

- Todo mundo dizia que minha mulher vivia pulando a

cerca... Eu sabia disso, afinal ela sempre foi dada aos

exercícios físicos. Só porque eu não posso acompanhar o

pique dela, não quer dizer que eu seja um corno. Ela é boa

mãe, cuida da casa, eu trabalho demais, deixa ela se

divertir, não tira pedaço... – chorava o tal preso amigo de

Eleutério.

- Mas Cândido, como isso aconteceu? Como você

veio parar aqui? – perguntou-lhe meu primo.

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- Ah... Não sei por onde começar. Eu tava com a

cabeça cheia de tanto ouvir aquele cara que se dizia meu

amigo e vivia dizendo que minha mulher não era fiel. Fiquei

transtornado com tudo aquilo e meti-lhe um tiro na cara!

Buá! Eu era corno, mas era feliz!

Resolvi tirar meu primo dali o mais rápido possível,

saímos e ainda da esquina escutava-se os berros daquele

amigo de Eleutério. Segurei-o pelos braços e disse-lhe de

modo imperativo:

- Viu só? Não te disse que eram más companhias?

Meu primo abaixou a cabeça, numa pífia

demonstração de consentimento. Mas no fundo ele se sentia

bem ao lado de seus amigos. Gostava de ouvir suas histórias

e diante de suas experiências sentia-se instruído para

assumir as responsabilidades de uma família. Seria o marido

ideal, um pai exemplar e um bom homem.

Eu temia uma recaída de Eleutério. Mas fiquei um

pouco mais calmo quando ele me disse que jamais tomaria a

atitude de seus amigos como exemplo.

Naquela mesma noite, no entanto, o marido de

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Anelaide teve uma recaída fortíssima. Chegou em casa, foi à

cozinha, e sem a olhar nos olhos (o corno nunca olha

diretamente a sua vítima), enquanto colocava água no copo

como pretexto para fingir que se tratava de uma conversa

de circunstância, disse-lhe:

- Você foi durante toda a vida uma puta, mas fique

sabendo de uma coisa: comigo isso vai ter um ponto final!

A princípio, Anelaide pensava tratar-se de uma

charada pateta. Tentou encontrar um significado para o que

Eleutério acabara de falar, pois não tinha qualquer

recordação de ter executado tarefas sexuais a troco de

dinheiro ou outros bens materiais em toda a sua vida. Então

logo começou a ter consigo uma terrível certeza: o marido

era corno! E como ela odiava ter essa certeza. Mas sempre

quando se deitava, antes de dormir, Anelaide recordava-se

dos seus tempos de moça, quando sonhava com um

casamento regado unicamente a amor.

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CAPÍTULO OITO

A DOENÇA SE AGRAVA

Anelaide começou a desconfiar de seu próprio

marido. Desconfiava de que ele era corno. Com o passar dos

dias começou a ter certeza de que ele realmente o era.

E como tinha razão... As provas foram-se

acumulando dia após dia como gotas! Foram meses de pura

angústia para Anelaide. Eleutério ora fazia cena de ciúmes

violenta por a ter apanhado numa conversa divertida com

um dos irmãos, ora a interrogava sobre o que ela andava

fazendo durante todo o dia, visto que ela ficava em casa

enquanto ele trabalhava. Até que um dia Anelaide aparece

grávida.

Eleutério passou a freqüentar diariamente o Bar do

Zé, na esperança de descobrir no copo de cerveja quem

seria o pai de seu filho. Ele tinha certeza de uma coisa, sua

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mulher lhe havia traído. E dessa vez foi pra valer.

Depois da primeira visita ao médico, mais um

questionamento de Eleutério à sua mulher: onde e como lhe

tinha tocado o clínico geral e o que tinha ela sentido nesse

toque. Questionamentos assim passaram a ser rotina na vida

de Anelaide. E todo dia víamos Eleutério enxugando sua

angústia no Bar do Zé, lá na esquina.

Quando o menino nasceu aí é que o negócio pegou.

Eleutério chorava amargurado porque o menino em nada se

parecia com ele – apesar de que era quase que idêntico!

Nesse dia Eleutério me procurou pra dizer que ia

pedir divórcio. Tudo porque não suportaria olhar para a cara

do filho que não parecia consigo, apesar de que era a sua

cara. Dei muitos conselhos a meu primo. Tentei por tudo

fazer Eleutério aceitar que o menino era verdadeiramente

seu filho. Não sei se o convenci disso, mas ele voltou mais

calmo para a sua casa e resolveu aceitar a situação.

Mas as recaídas de Eleutério continuaram. Mais

tarde proibira Anelaide de freqüentar cafés,

supermercados, feiras e até a lavanderia sem a sua

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companhia. Finalmente decidiu escolher pessoalmente toda

a roupa dela para que nada expusesse que pudesse provocar

a cobiça alheia. Afinal, estava provado: Eleutério era corno!

Anelaide estava certa disto. Mas apesar desta

certeza, ela recusou-se a aceitar de uma vez por todas a

realidade. Desde o princípio pensou que tudo aquilo podia

ser uma crise passageira. Naquele momento não foi

diferente. Continuou a consentir em tudo para que ele

acalmasse, para que se desenvolvesse um clima de

confiança, na esperança de que isso fosse aos poucos

apagando todos os sintomas.

Foi logo que tiveram o segundo e derradeiro filho.

Foi logo também que Anelaide descobriu: estava errada! A

cada dia que passava, o corno que vivia dentro do marido de

Anelaide manifestava-se mais e mais e, vendo-se

contrariado pela mulher, explodia em ataques sucessivos de

raiva. E pra tentar se acalmar Eleutério procurava o Bar do

Zé, lá na esquina, pra variar. Afogava-se no copo de cerveja

e chegava em casa descontrolado. Brigava com Anelaide.

Chamava o regalo de bastardo, dizia que não era seu filho.

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Perguntava se ela não tinha vergonha. Danava a chorar,

berrava e perguntava se ela não tinha dó dele. Ela na

verdade tinha pena do marido, só não fazia idéia de como

lhe aliviar o sofrimento.

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CAPÍTULO NOVE

A INFELICIDADE CONJUGAL

Eleutério um dia me disse que ia mandar sua mulher

ligar as trompas. Disse que não estava a fim de criar filhos

dos outros. Tudo bem que dessa vez o menino realmente não

se parecia em nada com o pai. Era a cara da mãe. Tentei

colocar na cabeça de meu primo que não existia ninguém na

vida de Anelaide a não ser ele mesmo. Acho que a doença

não o fez aceitar isso. Só aceitava-lhe pôr na cabeça

chifres.

A única coisa que consegui convencer Eleutério a

fazer foi mandar sua mulher trabalhar fora. Achei que o

fato dela passar o dia em casa enquanto meu primo ia pro

serviço é que era o problema de tanta desconfiança.

E assim foi, logo Eleutério arrumou um trabalho pra

Anelaide numa empresa qualquer. Ambos passavam o dia

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fora de casa, trabalhando, e deixavam os filhos com uma

babá.

Pensei que tudo se resolveria ali. Aí que me enganei.

Cada dia que se passava Eleutério se irritava mais e

mais com a traição de sua mulher, e passava a acusá-la de

manter casos amorosos secretos com os colegas de

trabalho dela. Eleutério estava cada vez pior.

Anelaide, por seu lado, sentia-se cada vez mais

infeliz. Até que ela viu indo pela janela todos os seus sonhos

de menina moça e não conseguiu encontrar outro remédio

senão aceitar a dura verdade: o marido era corno e ela

tinha que aceitar isso. Pior: tinha que lhe fazer a vontade.

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CAPÍTULO DEZ

A MAIOR REALIZAÇÃO DO HOMEM

A princípio a medo, Anelaide partiu então para a sua

derradeira missão: Fazer do marido, materialmente, aquilo

que ele sempre fora em espírito. Eleutério era um corno.

Faltava-lhe apenas o par de chifres.

Entretanto, a missão de Anelaide não foi nada fácil.

Ela não fazia idéia de como. Não tinha experiência. Por isso,

a primeira vez que Anelaide traiu o marido foi com uma

amiga. Para início, precisava da maciez e do conforto que só

uma amiga com quem já se trocou todas as confidências

possíveis proporciona. Os homens, eternos adversários,

ficariam para mais tarde.

Naquela tarde, ao sair do serviço, Anelaide não foi

direto pra casa. Foi pra casa de sua melhor amiga e dormiu

por lá. Voltou apenas no outro dia.

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Pela manhã, percebi que Eleutério chegou muito

inconformado ao trabalho. Pela correria que foi o

expediente daquele dia não tive tempo de conversar com

meu primo, mas logo vi em seu rosto um leve sorriso de

satisfação, daqueles que há muito eu não via naquele rosto.

Fiquei mais preocupado com meu primo ainda, sentia que a

doença tomava cada vez mais conta dele.

Anelaide sentiu que funcionou da primeira vez que o

traiu. Percebeu que estava fazendo de seu marido um

homem realizado: um corno feliz. Resolveu então traí-lo

novamente, mas desta vez com mais confiança e com um

homem. Combinou uma reunião de trabalho durante o final

de semana na cidade vizinha, com um distinto cavalheiro que

já tinha completado quarenta anos de idade no dia em que

ela nasceu. Era o clima perfeito para aquilo que por vezes

chamamos de degradação moral. Anelaide agia politicamente

incorreta, mas nesse dia pela primeira vez sentiu que estava

a corresponder verdadeiramente aos parâmetros que

permitiriam ao marido seguir, em todo o seu esplendor, a

sua vocação de corno.

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Anelaide tinha que se esmerar, tinha que

aperfeiçoar suas técnicas de traição, pois os requisitos de

um corno, na sua essência, exigem todo um trabalho que

envolve muitas e complexas variantes. Não basta trair. É

preciso que o traído desconfie sempre e sinta no ar que há

traição, mas nunca consiga direcionar a sua desconfiança

para o alvo certo. É preciso que o ato da traição seja

acompanhado de todo um manancial de sedução e prazer

genuíno. É preciso arriscar muito, marcar encontros pelo

telefone mesmo com o traído sentado ao lado a ver

televisão ou a jantar, aliás, o coadjuvante tem sempre que

saber que está com uma mulher casada. Caso contrário, o

corno nunca se sentirá plenamente realizado.

E assim se passaram mais alguns anos de

infelicidade conjugal. Felicidade para Eleutério, é claro.

Anelaide, como boa esposa que era, proporcionava ao marido

todos os sentimentos de traição que ele poderia sentir.

Seus filhos cresceram. O mais velho era a cara do pai,

parecia com ele em todos os aspectos. Só quem não via isso

era o pai, lógico. Ele era um corno, logo, os filhos de sua

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mulher não poderiam ser seus. O que mais lhe dava orgulho

era o mais novo, que em nada com ele parecia.

Até que um dia, Anelaide, no fundo ainda uma

ingênua no que toca às artes da traição, deu por si a pensar

a toda a hora no mais recente dos seus casos. Não

importava onde, quando ou como. Quando estava a

trabalhar, quando estava a tomar banho, a pentear-se, a

cozinhar, a limpar o pó ou mesmo a tentar ler um livro, só

pensava naquela pessoa, e estranhou que tal coisa lhe

estivesse a acontecer, pois não era isso o planejado. Nesse

dia ela pegou a si mesma imaginando como era bom estar ao

lado daquela pessoa. Isso foi ao ver uma cena na novela

mexicana do canal sete.

O pior estava por acontecer. Anelaide descobriu

que quem lhe ocupava daquela maneira os pensamentos, se

encontrava no mesmo estado. Então tomada de um desejo

sinistro começou a fazer asneiras, a cometer erros básicos,

que a levavam a arriscar além do razoável para estar com

aquela pessoa. Pior ainda, quando estavam juntos chegavam

a passar horas a... Conversar. A situação estava negra,

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muito negra... Era um caso irreversível!

Os olhos do meu primo começaram a brilhar,

finalmente. Enfim Eleutério estava começando a se sentir o

homem mais completo do mundo: estava a um passo de

alcançar a sua maior realização!

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CAPÍTULO ONZE

MEU PRIMO É UM CORNO!

Anelaide não suportava mais viver assim. Decidiu de

uma vez por todas mandar às favas o marido corno que

tanto trabalho lhe dava e arranjou um normal. Bem que sua

mãe lhe avisara. Aliás, todas as mães têm essa atitude

quando a filha resolve se casar. Sogra é sogra.

Agora ela vive feliz, e nas conversas com suas

amigas e vizinhas, conta que vive como nos romances e nas

revistas que lia quando era criança, vive bem como sua mãe,

irmãs e tias, um relacionamento apaixonado e monogâmico,

ao lado de alguém com quem sempre sonhou: um homem

normal.

Fui um dos primeiros a ficar sabendo da separação

e fiquei muito chocado, afinal sempre torci pela felicidade

conjugal de meu primo. Fui até a casa de Eleutério, mas ele

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não estava lá. Encontrei seu filho mais novo brincando com

seus amiguinhos na rua e perguntei-lhe sobre seu pai. Como

já era de se esperar, Eleutério estava no bar da esquina,

tentando esquecer Anelaide num copo de cerveja.

Encontrei-o nessa situação, chorando suas dores, enchendo

a cara e cantando o refrão de uma música sertaneja

qualquer - muito do desafinado, diga-se de passagem!

Há quem diga que naquele dia Eleutério estava no

barzinho apenas comemorando a sua grande realização.

Havia se tornado, de fato, não apenas um corno qualquer,

mas O Corno.

Quando Eleutério me viu, arregalou seus olhos

vermelhos e cheios de lágrimas, levantou-se da cadeira

junto ao balcão, abriu os braços esperando de mim um

abraço, não sei se consolador, e, meio que gaguejando, me

perguntou o que eu achava do acontecido. Sempre achei que

meu primo sofria de um trauma de infância, que tinha algum

complexo, que sofria de uma doença grave, ou algo parecido.

Mas diante de tudo isso me enchi de uma única e absoluta

certeza: o problema não estava no meu primo; o problema

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estava em mim. Todo esse tempo ele vinha se aconselhar

comigo esperando uma única resposta, mas eu não conseguia

enxergar isso. Na verdade, eu não queria enxergar. Até que

finalmente resolvi colaborar. Tomei a decisão de dizer para

Eleutério o que ele realmente necessitava ouvir naquele

momento. Foi aí que mandei às favas toda a consideração

que tinha em relação ao meu primo. Respirei bem fundo,

estufei o peito e disse, emputecido, bem forte e confiante:

- Eleutério, você é um CORNO!

E nunca mais tive problemas com meu primo. Agora

ele vive feliz, do jeito como sempre sonhou em viver: um

corno realizado e reconhecido pelo seu trabalho.

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Fim

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por me conceder a

graça de estar vivo e poder ter concretizado esse sonho

tão desejado e esperado (não o de ser corno, mas o de

escrever este livro); agradeço à minha família; a todos os

meus amigos; aos meus relacionamentos amorosos, que me

proporcionaram a oportunidade de sentir um peso a mais na

cabeça; e principalmente a todos os meus primos, que

tiveram uma contribuição fundamental para que essa obra

se realizasse. A minha gratidão a todos.

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