metodologia da lingua portuguesa

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1 FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGUÁ DIRETORIA ACADÊMICA NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD METODOLOGIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

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FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGUÁ

DIRETORIA ACADÊMICA

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD

METODOLOGIA DA LÍNGUA

PORTUGUESA

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Sumário: Introdução Módulo I - Pressupostos Teóricos e Metodologia Módulo II – TEXTUALIDADE, TIPOS DE TEXTOS E GÊNEROS TEXTUAIS Unidade I: Condições de Textualidade Unidade II: Tipos de Texto e Gêneros Textuais Módulo III - A Produção de Sentido e Informações Não Explícitas Unidade I : Construindo o sentido do texto Unidade II : Nem tudo o que é lido está escrito Módulo IV - COESÃO E COERÊNCIA Unidade I : Coesão Unidade 2: Coerência Módulo V - Literariedade Unidade I: Literário X Não literário Módulo VI - Estilo e Épocas Unidade I: Visões de Estilo Módulo VII - Intertextualidade Unidade I : Texto e Intertexto

MÓDULO VIII – GRAMÁTICA E ENSINO Unidade 1 – O “PARA QUÊ” ENSINARMOS GRAMÁTICA Unidade 2 – DOGMATISMO OU DEMOCRACIA? Unidade 3 – A GRAMÁTICA EM UMA PERSPECTIVA TEXTUAL-INTERATIVA Unidade 4 – SOBRE GRAMÁTICA E TEXTO Bibliografia:

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Introdução De modo geral, nosso aluno manifesta seu desagrado em relação às aulas de língua

portuguesa, porque, quase sempre, se constituem de um desfile de regras a serem decoradas, juntamente com suas exceções e um excesso de terminologias gramaticais. Tal desagrado não é unilateral, pois, logo nos primeiros anos de atividade profissional, o professor mais criativo sente também uma insatisfação com a forma pela qual a língua é ensinada. Muitos dos nossos alunos sabem as regras gramaticais, mas conservam uma grande dificuldade para estruturar lingüisticamente um pensamento e aplicar adequadamente as regras memorizadas.

Nem sempre, entretanto, podemos responsabilizar o professor, tendo em vista que ele sofre pressões externas que interferem em sua metodologia de ensino de língua portuguesa, tais como: provas de concursos e vestibulares que, muitas vezes, hiper-valorizam questões pouco significativas e que não permitem ao falante pôr em evidência o seu potencial lingüístico. Portanto, o objetivo fundamental do ensino de língua materna é o desenvolvimento da competência comunicativa. Os usuários da língua se comunicam por meio de textos, assim, o trabalho de desenvolvimento da competência comunicativa corresponde, em última instância, ao desenvolvimento da capacidade de produção e compreensão nas mais variadas situações de comunicação. Nossa disciplina se justifica, ainda, pelo fato de propiciar a reflexão sobre o uso da língua como construtora de significados e de papéis sociais. A leitura, assim, não pode ser dissociada do contexto interlocutivo; ao contrário, deverá se relacionar à situação sócio-histórica em que o texto foi construído, incluídos aí interlocutores, intencionalidade e seleção de elementos do sistema lingüístico. Objetivos É fundamental que as aulas de língua portuguesa não sejam apenas aulas de gramática. Devem, portanto, oportunizar momentos de reflexão a respeito da língua e oferecer instrumentos que facilitem a análise de sua estrutura e de seu funcionamento, para que se a aperfeiçoe a capacidade de leitura e de escrita funcionais. Nessa perspectiva, são os seguintes objetivos do ensino da língua portuguesa:

• retornar, sistematizar e aprofundar os conhecimentos lingüísticos internalizados pelo aluno; • conscientizar o estudante da importância de desenvolver uma certa competência de

análise gramatical, não como um fim em si, mas como uma “linguagem especial” útil para a reflexão a respeito da norma culta e para o emprego eficiente dela;

• dar possibilidades ao aluno no sentido de ampliar gradativamente o seu domínio de uso da norma culta, variedade indispensável para a sua participação na vida social letrada;

• contribuir para que o aluno desenvolva uma visão não preconceituosa em relação às variedades lingüísticas divergentes do padrão culto;

• capacitar o aluno no sentido de distinguir os diferentes recursos (morfológicos, sintáticos, semânticos) na construção formal e significativa dos enunciados lingüísticos;

• desenvolver habilidade de leitura funcional do aluno, para que ele seja capaz de associar o conteúdo lingüístico de um texto com o conhecimento de mundo (informações pragmáticas, de modo a “interpretar” eficientemente textos de caráter prático (informativo, publicitário, instrucional etc.) que circulam n o meio social;

• tornar o aluno mais apto a identificar aspectos discursivos explorados pelo texto determinando seus objetivos e intencionalidades.

MÓDULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA 1. Tipos de ensino Partindo de uma visão sócio-interacionista da linguagem, em que o aluno atua como interlocutor de fato, isto é, como produtor de sentido, e não apenas como aquele que o recebe,

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nossa metodologia estará voltada, sobretudo, para a análise de situações concretas de leitura e para a elaboração de estratégias de compreensão e interpretação, envolvendo o estabelecimento de mecanismos de produção de sentido que certamente vão contribuir para aprimorar o uso da língua.

Não podemos esquecer que a terminologia deve ser parte do conhecimento do professor, nenhuma aula ganha sustentação sem um embasamento teórico-metodológico.

Atividade: Sugestão para formação de um fórum de discussão Discutir com os demais participantes do curso a seguinte afirmação: “A terminologia não deve ser o alvo do ensino, mas não deve deixar de fazer

parte dele”. O ensino pode ser realizado sob três óticas: 1. ensino prescritivo 2. ensino descritivo 3. ensino produtivo

Ensino prescritivo O ensino prescritivo objetiva levar o aluno a substituir seus próprios padrões de atividade lingüística considerados errados/inaceitáveis por outros considerados corretos/aceitáveis. Esse tipo de ensino está diretamente vinculado ao estudo gramática normativa como um fim em si mesmo, só privilegiando, em sala de aula, o trabalho com a variedade escrita culta, tendo como um de seus objetivos básicos a correção formal da linguagem. Objetivo: evitar que o aluno cometa erros de linguagem. Características:

- goza de grande tradição na escola brasileira; - constitui uma contingência social; - valoriza a visão maniqueísta do certo e do errado; - interfere nas habilidades lingüísticas já existentes.

O ensino prescritivo objetiva, portanto, levar o aluno a substituir seus próprios padrões de atividade lingüística considerados errados por outros considerados corretos. Este tipo de ensino está ligado, portanto, à gramática normativa Ensino descritivo O ensino descritivo objetiva mostrar como a linguagem funciona e como determinada língua em particular funciona. Fala de habilidades já adquiridas sem procurar alterá-las, porém, mostrando como podem ser utilizadas. Objetivo: descrever o funcionamento da língua. Características:

- não procura alterar os padrões já adquiridos pelos falantes; - são tímidas ainda as suas contribuições: maior desenvolvimento das descrições

fonológicas e morfológicas; - procura mostrar como esses padrões já adquiridos podem ser utilizados.

Ensino produtivo O ensino produtivo objetiva ensinar novas habilidades lingüísticas. Contribui no sentido de fazer com que o aluno entenda uso de sua língua materna de maneira mais eficiente. Dessa forma, não quer alterar os padrões que o aluno já adquiriu, mas aumentar os recursos que ele já possui e fazer isso, de modo tal, que tenha a seu dispor, para uso adequado, o maior grau

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possível de potencialidades de sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidades delas. O ensino produtivo valoriza o respeito à variabilidade lingüística, como também a adequação às diversas situações de interação entre os falantes. Objetivo: desenvolver nos falantes nativos novos hábitos lingüísticos ou facilitar o desenvolvimento daqueles já anteriormente adquiridos. Características:

- não preconiza o abandono de hábitos anteriores; - estimula a criatividade do falante.

A partir dessas três modalidades apresentadas podemos estabelecer algumas conclusões: a) o ensino prescritivo não deve ser superestimado em detrimento do ensino produtivo; b) as três modalidades de ensino são importantes;

c) as modalidades prescritiva e descritiva devem ser vistas como ferramentas fundamentais

para o ensino produtivo;

d) através do ensino produtivo, o professor deverá criar estratégias para o preenchimento de lacunas sintáticas e semântico-pragmáticas observadas no discurso do aluno, capacitando-o a ser um bom compreendedor e produtor de textos;

e) o uso de terminologias deve ser feito com moderação. Atividade: sugestão de fórum de discussão Discuta a seguinte afirmação: “As três modalidades de ensino (prescritiva, descritiva e produtiva) são

importantes para formação do saber do aluno”. A partir do que aparece sugerido nos parâmetros curriculares, os professores que trabalham

com L1 (língua materna) não devem centrar suas aulas na utilização de teoria gramatical principalmente, somente em cursos que visam à aprovação em concursos de egresso a órgãos públicos e em empresas de economia mista é que tais conhecimentos metalingüísticos devem ser cobrados dos alunos.

Sem dúvida alguma, principalmente a partir da valorização das discussões sincrônicas, as várias correntes da lingüística surgidas no século XX, muito têm contribuído para a melhora do ensino de L1. Tal fato aparece refletido nos parâmetros curriculares propostos pelo MEC, bem como nas sucessivas reformulações por que têm passado os manuais didáticos.

As questões focalizadas nessa disciplina devem servir de reflexão para nós profissionais que

trabalhamos com o ensino de língua materna no ensino fundamental e médio e que aula de língua portuguesa é aula, primordialmente, de compreensão e produção de textos e que não devemos enfocar a gramática pela gramática, tornando-a um fim em si mesma e não um meio. Módulo II TEXTUALIDADE, TIPOS DE TEXTOS E GÊNEROS TEXTUAIS Objetivos Específicos: Identificar as condições de textualidade; Distinguir tipo de texto e gênero textual.

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Unidade 1 Condições de Textualidade Quando pensarmos na palavra texto, imediatamente, várias imagens nos vêm à mente: notícias, poemas, narrativas literárias, letras de canções, bulas de remédio, e-mails, carta de apresentação, currículo, outdoors, anúncios classificados, manual de instruções, gráficos, charges, críticas, editoriais, receitas culinárias, embalagens, discurso de políticos em campanha ou do vendedor ambulante dentro do ônibus...Pode-se mesmo afirmar que vivemos imersos em textos. Mas o que há em comum entre essas diferentes formas de expressão? O que aproxima textos aparentemente tão díspares? Ou, em outras palavras, o que faz do texto um texto? Esta e uma questão que deve ser discutida em um fórum de discussão. De antemão, sabemos que não basta ter um conjunto de frases para se ter um texto. Além de terem de apresentar certa organização, as sentenças devem estar inseridas em dada situação (contexto) para que adquiram sentido. Vamos ver como isso acontece. Compare: (01) Computador – adj. e s. m. 1. (O) que faz cômputos. 2. Calculista. S. m. 3. Aparelho eletrônico capaz de armazenar, analisar e processar dados. (LUFT, Celso Pedro. Minidicionário. 3 ed. São Paulo: Ática & Scipione, 1991.) (02) Computador – Máquina inventada para resolver problemas que não existiam antes da sua criação. (FERNANDES, Millôr. www.recreacao.hpg.ig.com.br/pia_dicionario_alternativo.htm) Trata-se aparentemente de duas definições, ou seja, textos que objetivam explicitar a significação de um vocábulo. No entanto, para que sejam, de fato, compreendidos, faz-se necessária uma contextualização. O texto (01) é um típico verbete de dicionário, com a indicação de dados gramaticais e de diferentes acepções para o termo. Ou seja: sua intenção é especificamente informativa. É exemplo de metalinguagem, isto é, do uso da língua para explicar um vocábulo da própria língua. Já o texto (02), embora supostamente também pretenda definir o mesmo termo, vai partir do princípio de que o leitor já traz um conhecimento a respeito da máquina, evitando apresentar detalhes sobre ela. Note-se que a única tentativa de especificação dos problemas a serem resolvidos pelo computador é aparentemente vaga (“problemas que não existiam antes da sua criação”), porém sem deixar de insinuar que, ao contrário do que apregoa o senso comum, a máquina seria dispensável. Portanto, é sobretudo pela expectativa do locutor de que o leitor já teria consciência do status adquirido pelo computador na sociedade contemporânea que o sentido do texto se constrói. Em outras palavras: a definição de Millôr Fernandes só tem eficácia para quem já sabe minimamente o que é um computador e como funciona. Isto porque, aqui, a intenção do autor vai além da definição: com seu “verbete”, ele pretende, tão-somente, exprimir com humor sua opinião sobre o computador e sobre sua mitificação, relativizando, desta forma, a importância da máquina. Portanto, diferentemente do texto (01), cujo caráter referencial é perfeitamente adequado à forma textual escolhida, o texto (02) assume formato de definição para, na verdade, revelar, de modo aparentemente impessoal, a crítica de quem o escreveu. Convém observar que, para interpretar os dois textos, foi preciso ir além da mera significação das palavras. Foi necessário inseri-las num contexto determinado, que incluía, evidentemente, a intenção do produtor do texto e sua visão de mundo. Então, vamos voltar à indagação inicial – o que faz do texto um texto? –, recuperando alguns itens básicos a respeito do conceito de textualidade: um texto pode trabalhar com signos verbais (palavras orais ou escritas), sons,

imagens, formas em movimento;

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além da organização dos elementos (lingüísticos ou não) que o constituem – organização esta responsável pela construção de sentido –, há referências ao contexto histórico-social em que foi produzido; todo texto traduz um posicionamento diante de uma realidade.

Unidade II Tipos de Texto e Gêneros Textuais Inicialmente, procedermos a uma distinção entre tipo de texto e gênero textual, pois tais conceitos – ferramentas básicas em nossa disciplina – costumam gerar algumas confusões. Os tipos textuais podem ser definidos por sua natureza lingüística, ou seja, pelos aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais e relações lógicas. Já os gêneros são os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Vejamos dois exemplos: (03) Reino Unido – Oxford 24 de fevereiro: A professora Cristina da Silva Leme, da USP, profere a palestra As Origens do urbanismo no Brasil e seu impacto nas Transformações das Cidades Brasileiras no Século XX, no Center for Brazilians Studies, 92 Woodstock Road. Informações: www.brazil.ox.ac.uk (Nossa História. Ano 1, n º 4, fev. 2004. p. 96.) (04) 6 de dezembro Deixei o leito às quatro da manhã liguei o rádio para ouvir o amanhecer do tango. ... Eu fiquei horrorizada quando ouvi as crianças comentando que o filho do sr. Joaquim foi na escola embriagado. É que o menino está com doze anos. Eu hoje estou muito triste. (JESUS, Carolina Maria. 1960. Quarto de despejo – diário de uma favelada. São Paulo: Círculo do Livro. p. 131) Uma leitura inicial permite-nos, de imediato, estabelecer diferenças entre os dois textos, classificando o primeiro como um tipo de informação e o segundo como um relato de experiências pessoais. Note-se que se compararmos a estrutura dos dois textos, poderemos observar que, enquanto, em (03), aparece simplesmente um sujeito (“A professora Cristina da Silva Leme”), um predicado (“profere”), no presente, um complemento (“a palestra”) e indicações de lugar (“Reino Unido – Oxford”, “no Center for Brazilian Studies, 92 Woodstock Road”. “www.brazil.ox.ac.uk”) e de tempo (“24 de fevereiro”), em (04), predominam referências temporais (“6 de dezembro”, “às quatro da manhã”, “quando ouvi as crianças comentando”, “hoje”) e locais (“o leito”, “na escola”), estruturadas por verbos que indicam mudança (transformação) de estado (“deixei”, “liguei”, “fiquei”, “ouvi”), o que revela um enunciado indicativo de ação. O predomínio das mudanças de estado dentro de uma seqüência temporal caracteriza os textos narrativos, sejam eles expressos por “páginas de diários”, “romances”, “redações escolares”, “capítulos de novela”, etc. A apresentação de dados sobre eventos – como no texto (03) – , pessoas, lugares, objetos, situações, sem qualquer enunciado que possa ser considerado cronologicamente anterior a outro, caracteriza textos descritivos. Assim, já podemos distinguir um primeiro aspecto entre tipo de texto e gênero textual: a tipologia refere-se a uma espécie de grade, de estrutura teórica básica capaz de abrigar realizações lingüísticas diferenciadas. Já a expressão gênero textual diz respeito ao texto em si, à manifestação lingüística específica, adequada a diferentes situações comunicativas. De acordo com a classificação apresentada pelos teóricos que se ocupam da questão dos gêneros textuais, há cinco tipos de texto: narração, argumentação, exposição, descrição e

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injunção. A seguir, apresentamos um quadro com as funções e seqüências lingüísticas mais comuns de cada um: TIPOLOGIA FUNÇÕES SEQÜÊNCIAS

LINGÜÍSTICAS NARRATIVO Conta fatos, episódios. Seqüências temporais,

com verbos de mudança de estado; circunstanciais de tempo e lugar.

ARGUMENTATIVO Defende uma tese, persuade, forma opinião.

Seqüências contrastivas; verbos normalmente no presente.

EXPOSITIVO Apresenta informações, dados.

Seqüências analíticas ou explicativas.

DESCRITIVO Caracteriza pessoas, lugares, objetos.

Seqüências de localização; verbos de estado, situação ou indicadores de propriedades, atitudes, qualidade, no presente ou no imperfeito; adjetivação abundante.

INJUNTIVO Tenta modificar o comportamento do interlocutor.

Seqüências imperativas, referências diretas ao interlocutor.

Voltando aos exemplos (03) e (04), pode-se afirmar que o primeiro é um texto basicamente expositivo, apresentado sob a forma de “anúncio, chamada, divulgação de curso”. Já o segundo, de estrutura narrativa, apresenta-se sob o formato de relatos de experiências. Analisemos alguns exemplos: (05) Esqueça da vida na praia de Itacoatiara, em Niterói. Em tupi-guarani, Itacoatiara quer dizer “pedra riscada”, porque na rocha existem linhas esbranquiçadas formadas por milhares de anos de erosão. Chegue cedo, aproveite o sol fraquinho e deixe que ele esquente aos poucos. Depois mergulhe e se imagine em uma praia de antigamente. Se quiser, leve uma prancha – existem ótimas ondas, para ninguém colocar defeito. (Empório Natural. In: Vida. N º 52. 4 de dezembro de 2004. p. 29.) Pelas características que se podem depreender do texto, podemos afirmar que estamos diante de um texto de tipo injuntivo, uma vez que o uso acentuado de seqüências imperativas (“esqueça”, “chegue”, “aproveite”, “deixe”, “mergulhe”, “se imagine”, “leve”) caracteriza a tentativa de interferência sobre o interlocutor. Contudo, paralelamente, encontramos aspectos expositivos – “em tupi-guarani, Itacoatiara quer dizer ‘pedra riscada’, porque na rocha existem linhas esbranquiçadas formadas por milhares de anos de erosão”. Então, como pudemos perceber, o texto apresenta seqüências lingüísticas diferenciadas, o que quebra a unicidade tipológica. Vejamos outro caso: (06) Rio de Janeiro, 15 de julho de 2003. Sr. Roberto Canázio

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Meu nome é XXXXXXXXX1, tenho 70 anos, sou aposentada e ganho apenas um salário. Pago aluguel, compro remédios e moro sozinha. No momento estou com o meu aluguel atrasado há dois meses. Sei fazer docinhos muito bem, pois já trabalhei muitos anos neste ramo. Mas, para trabalhar com doces, preciso de uma geladeira ou freezer, mesmo que seja usado. Apelo para o seu programa com fé em Deus que hei de conseguir que alguém faça esta doação. Meu telefone é XXXXXXXX. Desde já lhe agradeço de todo coração. XXXXXXXXXXXXXXX (Domingo. Ano 28, n º 1420, 20 de jul de 2003. p. 14.) O texto deste exemplo e uma carta pessoal. Porém, quanto à tipologia, observe como o texto apresenta uma variedade seqüencial ainda mais expressiva do que a do anterior. Veja: Rio de Janeiro, 15 de julho de 2003. ⇒ Descritivo Sr. Roberto Canázio ⇒ Injuntivo Meu nome é XXXXXXXXX, tenho 70 anos, sou aposentada e ganho apenas um salário. ⇒ Descritivo Pago aluguel, compro remédios e moro sozinha. ⇒ Expositivo No momento estou com o meu aluguel atrasado há dois meses. Sei fazer docinhos muito bem, pois já trabalhei muitos anos neste ramo. Mas, para trabalhar com doces, preciso de uma geladeira ou freezer, mesmo que seja usado. ⇒ Expositivo Apelo para o seu programa com fé em Deus que hei de conseguir que alguém faça esta doação. ⇒ Injuntivo Meu telefone é XXXXXXXX. ⇒ Expositivo Desde já lhe agradeço de todo coração. ⇒ Injuntivo Ao longo das nossas leituras, você vai perceber que a heterogeneidade tipológica pode ser mais ou menos freqüente, dependendo do tipo de gênero em questão. Neste último caso, a carta pessoal permite essa diversidade, o que já não seria apropriado, por exemplo, em um currículo. Mas será que em relação ao gênero também podemos verificar essa mistura? Bem, se reconsiderarmos o texto (05), aparentemente, poderíamos classificá-lo como uma mensagem publicitária com o objetivo de “promover” a praia de Itacoatiara. No entanto, o texto, que na revista Vida aparece acompanhado de foto, faz parte de uma coluna intitulada Empório Natural, com subtítulo “Programa”. Ou seja, funciona como uma espécie de informação sobre os programas possíveis para o leitor da revista. Porém, alguns aspectos da injunção são tão contundentes que aquilo que poderia soar simplesmente apenas como informações sobre um lugar interessante, soa quase como um apelo para que se visite o lugar. Como identificar, então, o gênero de um texto como esse? Neste caso, o importante é lembrar que a função de um texto deve prevalecer sobre o formato na determinação do gênero. Se, no texto (05), temos um artigo de uma seção intitulada Programa, é claro que a função de sugestão, de propaganda vai se sobrepor à de uma simples informação. Recuando ainda um pouco mais e repensando o texto (02), podemos reafirmar agora que o formato de verbete conferido ao texto não é suficiente para identificá-lo como um verbete. O texto, por seu caráter humorístico, funciona mais como uma crítica aos costumes do que como uma definição formal. Para concluir este módulo, vamos destacar num quadro sinóptico os itens mais importantes e, em seguida, passar a uma atividade:

1 Segundo informação da revista Domingo, “alguns nomes foram embaçados nas reproduções das cartas para preservar o anonimato”.

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Condições de Textualidade

Tipologia Textual Gêneros Textuais Heterogeneidade Tipológica

Signos (lingüísticos ou não) organizados em torno de um objetivo e situados num contexto histórico-cultural.

Estruturas teóricas básicas capazes de abrigar diferentes seqüências lingüísticas: narração, argumentação, descrição, exposição e injunção.

O texto em si, manifestação lingüística específica.

Os diferentes gêneros textuais podem abrigar tipos de textos diversos.

Estudamos neste módulo condições de textualidade, tipos de texto e gêneros textuais e, agora, recomendamos, para que você possa prosseguir com sucesso no seu estudo autônomo, a realização da seguinte tarefa: Selecionar dois textos de gêneros diferentes e analisá-los do ponto de vista da tipologia empregada, considerando aspectos como intencionalidade, interlocutor preferencial, tema, seqüências lingüísticas e contexto. Sugestões de sites http://www.angela_dionisio.sites.uol.com.br/images.htm http://www.litterisconsultoria.com.br/arteliana.htm http://www.sbpcnet.org.br/eventos/rrceara/textos/OFP6_Generos_sequencia.pdf www.filologia.org.br/soletras/2/06.htm www.filologia.org.br/vicnlf/anais/os%20generos.htlm MÓDULO III A PRODUÇÃO DE SENTIDO E INFORMAÇÕES NÃO EXPLÍCITAS Objetivos Específicos: Explicitar processos de produção de sentido textual; Relacionar informações explícitas a informações pressupostas e/ou subentendidas.

Unidade I Construindo o sentido do texto Quando apresentamos o conceito de texto, ressaltou-se o fato de sua existência encontrar-se atrelada a certo ordenamento lingüístico e a um contexto histórico-social, co-responsável pelo sentido. Todavia, não detalhamos tal funcionamento: A significação de um texto seria determinada por esses dois fatores? Existiria uma única significação? E mais: o leitor que não tiver acesso a tal contexto não poderá alcançar o sentido? Os conceitos de tipos e gêneros textuais interferem na significação? Para começar, faz-se necessário precisar o que entendemos por “sentido” do texto. “Sentido” é o significado que se pode depreender em um contexto específico. A frase “Você tem algum dinheiro?” , por exemplo, tanto pode significar “Você está precisando de dinheiro?” ou “Você quer algum dinheiro?”, num contexto em que o locutor demonstre preocupação em relação à situação financeira do interlocutor, quanto “Você pode me emprestar algum dinheiro?”, numa situação em que o falante pretenda fazer um pedido de modo indireto. O que vai determinar a opção por um ou outro sentido será justamente o contexto no qual o ato lingüístico se insere, incluídos aí, além do conhecimento lingüístico dos interlocutores, informações prévias a respeito do assunto tratado, a intencionalidade subjacente ao ato e o conhecimento de mundo acumulado. Serão as relações estabelecidas entre esses elementos que vão possibilitar a depreensão de sentido, o que vem reforçar a idéia de que o leitor (ou ouvinte) terá de interagir com o texto, ajudando a construir seu significado.

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Quanto à possibilidade de um texto adquirir mais de um sentido, poder-se-ia pensar inicialmente apenas no texto dito “literário”, de sentido predominantemente conotativo e, conseqüentemente, aberto a várias significações. Porém, essa possibilidade vai além do literário. Vejamos um exemplo: (07)

A incrível semelhança entre o Dodô e a água que você bebe Talvez você nunca tenha ouvido falar no dodô, e isso é compreensível. É que desde o século XVIII, este pássaro só é encontrado mesmo nos livros de Zoologia. Original das ilhas do Oceano Índico, o dodô não tinha defesas naturais contra os animais introduzidos pelos colonizadores europeus em seu hábitat e, por isso, começou a desaparecer. O golpe final veio com a caça impiedosa. Os homens acreditavam que existiam tantos dodôs que, por mais que se matasse, sempre apareceriam outros. E assim foi até o dia em que o último exemplar sumiu da face da Terra. A incrível semelhança entre o dodô e a água que você bebe começa aqui. Nunca levamos em conta que a água também não é eterna. Usamos fontes e reservas sem equilíbrio, despejamos esgoto, lixo tóxico e desperdiçamos a água doce em grandes quantidades. Como os colonizadores que extinguiram o dodô, nós também esquecemos de pensar no dia seguinte, e isso a história já provou ser um grande equívoco. O dodô que o diga. (Texto publicado na revista JB Ecológico, em 2003. Fundação ONDA AZUL. www.ondazul.org.br)

Num primeiro nível de leitura, observando o texto e a indicação da fonte, pode-se chegar a duas idéias iniciais: 1. as referências históricas sobre o pássaro e sua extinção apontam para o predomínio do caráter informativo sobre o emotivo 2; 2. de acordo com a tipologia textual, o texto divide-se entre a exposição e a narração, no primeiro e no segundo parágrafos, e, no último, o autor faz uso do tipo argumentativo. Em outras palavras, o texto principia com uma exposição de dados a respeito da trajetória de um pássaro até sua extinção para, posteriormente, argumentar contra o desperdício de água no planeta e suas possíveis conseqüências. Convém observar, pois, que, neste nível, concretiza-se uma analogia entre a história do dodô e a da água doce no planeta. Ora, se aprofundarmos um pouco mais nossa leitura, perceberemos também que o texto apresenta um interlocutor explícito, indicado já no título e retomado justamente no terceiro parágrafo, cujo caráter seria mais claramente argumentativo. Tudo isso vem ampliar o universo das questões referentes à intencionalidade para além da informação e da opinião. Acrescentando às informações textuais novos elementos de contexto, tais como o fato de o texto ter sido inicialmente publicado na Revista JB Ecológico (ano 2004) 3 e de fazer parte de matéria publicitária de uma fundação – Onda Azul – , que visa a preservar, conservar e otimizar os recursos hídricos brasileiros e dos ecossistemas associados, podemos aprofundar um pouco mais o nível de compreensão. Como publicidade, a intenção persuasiva se sobrepõe à informativa, justificando, desta forma, a evocação ao leitor e gerando a possibilidade de outra significação: o texto não visa simplesmente a informar sobre a extinção de um pássaro ou a apresentar um ponto de vista sobre o desperdício de água, mas pretende, isto sim, modificar o comportamento do leitor quanto ao consumo de água doce, mostrando que há organizações já engajadas nesse propósito. Note-se que o mesmo texto agora nos permite chegar às seguintes conclusões: 2 JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 10 ed. São Paulo: Cultrix, s.d. 3 Não foi possível recuperar a referência completa.

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1) ocorre o predomínio da persuasão; 2) informação e opinião vão atuar como argumentos para a persuasão do leitor; 3) os tipos textuais predominantes são a argumentação e a injunção, uma vez que o texto pertence ao gênero publicitário, cujo objetivo é persuadir o leitor em relação a determinada tese. Para chegarmos a tais conclusões, precisamos contar com informações que ultrapassam os dados meramente lingüísticos. Não podemos prescindir, por exemplo, do conhecimento de mundo, que permite identificar o gênero textual, os objetivos da fundação responsável pelo anúncio ou a informação de que a escassez de água doce no planeta vem mobilizando entidades ecológicas. Por isso, podemos afirmar que o sentido de um texto, construído em diferentes níveis, será mais ou menos complexo de acordo com as informações que o leitor (ouvinte) consegue captar do texto, relacionadas a seu conhecimento prévio sobre o assunto desenvolvido e sobre o contexto em que se insere. Unidade II Nem tudo o que é lido está escrito Vimos como a construção do sentido de um texto é um exercício que envolve desde de elementos lingüísticos até a intencionalidade do locutor, o conhecimento do contexto histórico-social em que o texto é produzido ou os conhecimentos prévios que fazem parte da bagagem cultural do interlocutor. Desta maneira, a noção de implícito e explícito deve estar incorporada ao saber daquele que ensina. Como produtores e leitores/ouvintes de textos, lidamos ainda com o não dito. Isto é, com informações que, embora não tenham sido explicitadas, são levadas em consideração por quem fala e/ou escreve e, assim, precisam ser consideradas também pelos leitores/ouvintes na interpretação de textos. Vejamos, inicialmente, alguns exemplos de manchetes de jornal4: (08) Rio ficou sem verba para evitar tragédias. (Jornal do Brasil. Janeiro de 2005) (09) 2005 será tão bom quanto 2004? (Jornal do Brasil. Janeiro de 2005) Em cada exemplo acima, temos duas afirmações: uma explícita, direta, e outra que, embora, não seja claramente expressa pelo texto, pode ser depreendida pela leitura. Vejamos o exemplo (08): Explícito = O Rio de Janeiro não possui recursos financeiros para evitar tragédias. Não explícito = O Rio de Janeiro, anteriormente, possuía recursos financeiros para evitar tragédias. Observe-se que, para chegarmos à informação não dita, recorremos a um termo da própria frase – “ficou” –, pois se é dito que o “Rio ficou sem verba” é porque, antes, o dinheiro existia. Igualmente, no exemplo (09), ao mesmo tempo em que se indaga se 2005 será um bom ano, afirma-se de modo não explícito que 2004 teria sido bom. Note-se que expressão comparativa “quanto 2004” acaba nos levando a uma opinião sobre o ano que terminou. Perceber as informações não explícitas em um texto é fundamental principalmente porque funcionam como recursos argumentativos que objetivam levar o interlocutor a aceitá-las como verdadeiras. Por exemplo, se diante dos textos citados, alguém resolvesse discordar, a conversação só seria possível se a discussão se desse sobre o conteúdo explícito. Seria válido, então, pôr em discussão as razões de o Rio de ter ficado sem verba. Poderíamos argumentar que o estado não estaria sem verba se tivesse se preparado com antecedência para o período das chuvas, ou se aplicasse de maneira racional as verbas federais, ou até mesmo que o estado estaria escondendo ou desviando a verba destinada a esse fim.

4 As referências, infelizmente, estão incompletas.

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Porém, se tentássemos contra-argumentar discordando da afirmação não explícita, negando, portanto, o ato de o Rio ter tido anteriormente verba para tal fim, a comunicação seria inviabilizada, pois seria impossível dar continuidade à discussão pondo em cheque a própria base do raciocínio do locutor. Nesses dois casos, referimo-nos a informações pressupostas (DUCROT: 1977.), ou seja, a informações não explícitas que podem ser logicamente deduzidas a partir de alguma expressão empregada no enunciado. Agora, analisemos um outro grupo de exemplos: (10) Um aluno, ansioso, diante da professora, que corrigia as provas da turma: – A senhora já corrigiu a minha? (11) A vizinha adentrando a cozinha da amiga: – Ai, que cheiro bom de café! Você fez agora? (12) Freguês: – Garçom, tem uma mosca nadando na minha sopa. Garçom: – Que é que o senhor queria? Que ela morresse afogada? (Anedotas do Pasquim, 6: uma antologia mundial de anedotas de salão. 3 ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1982. p. 78) Também nos exemplos apresentados acima, o exercício de leitura precisa ir além do que é proferido pelos locutores. Em (10), uma resposta simplesmente afirmativa não seria suficiente, pois, dentro da situação, subentende-se que o real desejo do aluno seja o de saber sua nota. Da mesma forma, em (11), o objetivo da vizinha é certamente tomar uma xícara de café, o que é apenas insinuado por sua fala. Já, no exemplo (12), o humor reside justamente no fato de o garçom não ter compreendido o apelo implícito na fala do freguês. A reação do empregado revela uma leitura superficial da fala do outro que, na verdade, pretende, no mínimo, uma explicação para o fato. Diferentemente dos exemplos (08) e (09), em que a informação não explícita era marcada pelo enunciado, comprometendo o locutor também com o não expresso literalmente, aqui se chegou ao conteúdo não dito através de dados contextuais, discursivos. Tanto que seria possível refutar qualquer argumento contrário às idéias implícitas nesses textos com a mesma resposta: “Mas eu não disse isso! Isso é você que está dizendo!” Assim, em (11), se a amiga, já cansada das indiretas da vizinha, retrucasse: “– Nossa! Você não pode ver nada, né? Pega lá uma xícara no armário!...”, a outra poderia simplesmente dizer: “– Puxa! Eu não pedi nada! Só estava elogiando!” E a dona do café não poderia dizer nada... Já em (12), se o freguês mandasse chamar o maître para fazer queixa do garçom, este poderia argumentar: “– O que o senhor queria? O senhor não pediu para trocar o prato, não pediu o dinheiro de volta! O senhor só comunicou que havia uma mosca nadadora...” Nos três últimos exemplos, de acordo com a nomenclatura de Ducrot (1977), temos informações subentendidas. Sistematizando as questões apresentadas até agora sobre informações não explícitas, temos: Pressupostos Subentendidos Afirmações não explícitas que podem

ser recuperadas a partir de marcas lingüísticas do enunciado; Os pressupostos atuam como base

das afirmações explícitas, isto é, seu conteúdo não pode ser posto em discussão, sendo apresentado como se tivesse anuência do leitor (ouvinte).

Afirmações não explícitas, apenas insinuadas, em um ato de fala; Por não serem lingüisticamente

marcados, acabam sendo atribuídos ao leitor (ouvinte), como se fossem de sua inteira responsabilidade.

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A importância das classes de palavras na construção do sentido 1. Adjetivos (ou termos determinantes) (13) “Itagiba diz que Londres é pior para turistas que o Rio.” (JB. 29/12/04. p. A15.) Pressuposto: Se Londres é pior, é porque o Rio também é ruim para os turistas. (14) “Fizemos uma decoração ‘gostosinha’”. (Abel Gomes, sobre a decoração do Rio de Janeiro para o carnaval de 2005, feita em parceria com o caricaturista Lan. JB. 29/12/04. p. A12.) Pressuposto: As decorações anteriores não tinham esse perfil. 2. Verbos que indicam permanência ou mudança de estado (15) “Angola deixa de ser colônia de Portugal.” (Jornal do Século. 10/11/1975. Jornal do Brasil. 24/12/2000.) Pressuposto: Angola era colônia de Portugal. 3. Verbos que denotam um ponto de vista sobre o fato expresso (16) “Clima leva a culpa pela fumaça do réveillon.” (Jornal do Brasil. 02/01/05. p.)5 Pressuposto: A culpa foi atribuída injustamente ao clima. (17) “Presidente do Peru teria falsificado registros.” (Jornal do Brasil. 15/01/05. p. A9) Pressuposto: Não há certeza sobre a autoria da falsificação.

3. Certos advérbios 4. “Brasileiras, enfim, se tornam eleitoras.” (Jornal do Século. 24/02/1932. Jornal do Brasil.

26/11/2000.) Pressuposto: O Brasil demorou a aceitar o voto feminino.

5. “Entregador de jornais foi atropelado por neto de desembargador e até hoje não se sabe se o culpado será punido.” (Jornal do Brasil. 15/01/05. p. A14)

Pressuposto: O acusado já deveria ter sido punido.

6. Orações adjetivas

7. “Esqueça as dietas radicais que prometem emagrecimento relâmpago...” (Vida. Ano 2. n º 56, 15 de janeiro de 2005. p. 22)

Pressuposto: Apenas as dietas que prometem emagrecimento rápido devem ser esquecidas. 8. Esqueça dietas radicais, que prometem emagrecimento relâmpago.

Pressuposto: Todas as dietas radicais prometem emagrecimento rápido e devem ser esquecidas. 9. Certos conectivos 10. “Central não leva Oscar, mas ganha público brasileiro.” (Jornal do Século.

22/03/1999.Jornal do Brasil. 07/01/2001.) Pressuposto: A conquista do público brasileiro é mais valiosa que o prêmio. Agora que já percebemos que, além de fatores como “conhecimento de mundo partilhado”, “intencionalidade”, “contexto” ,“identificação do gênero textual” etc., as informações pressupostas e subentendidas também são fundamentais na produção de sentido textual, passemos à aplicação dos conceitos estudados. Atividade 1 Leia o trecho que segue e explicite os pressupostos nele contidos.

5 Infelizmente, não foi possível obter a referência bibliográfica completa.

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“Dos estrangeiros assaltados, metade diz que vai voltar ao Brasil. Acham emocionante passar por isso, parece turismo de aventura. Esperam encontrar tigres e cobras nas ruas. Não temos isso, temos assalto. Eles comparam a experiência a saltar de pára-quedas do alto de algum penhasco.” (Ângelo Vivacqua, vice-presidente da Associação da Indústria de Hotéis. Nov. de 2004. Jornal do Brasil. Coluna Sete Dias.) Atividade 2 Leia o texto abaixo e explique que fatores garantem seu tom humorístico.

Dois amigos conversavam: − Coloquei um anúncio no jornal, pedindo uma esposa. E perguntou o outro: − E muitas mulheres te escreveram? − Mulheres, poucas – disse o primeiro. Mas, maridos, mais de trinta. (Anedotas do Pasquim n º 6 – uma antologia mundial de anedotas de salão. Rio de Janeiro: Codecri, 1982. p. 27)

Respostas: Atividade 1 Podem-se depreender vários pressupostos do texto em questão, dentre os quais, destacamos: 1 º período – Os assaltos em terras brasileiras não chegam a espantar os turistas. 2 º período – Os turistas apreciam os assaltos. 3 º e 4 º períodos – A expectativa dos turistas não é totalmente frustrada graças aos assaltos. 5 º período – Para os turistas, os assaltos são tão emocionantes quanto a prática de esportes radicais. Atividade 2 O aspecto humorístico revela-se com a explicitação do subentendido: ao solicitar uma esposa através de um anúncio classificado, o personagem não contava com as doações de maridos descontentes. Portanto, depreende-se desse fato que o casamento pode não ser uma boa opção. Sugestão de sites www.csonlineunitau.com.br/comu/artigo10.html www.csonlineunitau.com.br/comu/artigo14.html MÓDULO IV COESÃO E COERÊNCIA Objetivo Específico: Diferenciar coesão e coerência, compreendendo sua relevância na construção do sentido

textual. Introdução Os fatores de coesão dão os que dão conta da estruturação da seqüência superficial do texto; e os de coerência, os que dão conta do processamento cognitivo do texto e permitem uma análise mais profunda do mesmo. A coesão se dá ao nível microtextual – conexão da superfície do texto, a coerência caracteriza-se como nível de conexão conceitual e estruturação do sentido manifestado, em grande parte, macrotextualmente. Unidade I Coesão Por coesão, compreende-se a forma como os elementos lingüísticos presentes na superfície do texto estabelecem conexões, formando uma unidade significativa. KOCH (2004) divide seu estudo em dois tipos – referencial e seqüencial. I. Coesão referencial: manifesta-se através do uso de pronomes, numerais, artigos definidos, alguns advérbios, repetições, sinônimos, hiperônimos, nominalizações e elipses.

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Exemplos: 1. O garoto recuou quando viu a mãe. Ele não esperava encontrá-la naquele lugar.

(pronomes reto e oblíquo) 2. Separei os cds. Os meus estão na estante. (pronome possessivo) 3. Juliana está vendendo chinelos. Alguns são lindos! (pronome indefinido) 4. Olha, o rádio que você me vendeu não presta! (pronome relativo) 5. A patroa ganhou três vestidos e agora não sabe qual usar! Pode? (pronome interrogativo e

elipse) 6. Rita e Paulo viram os três apartamentos que eu indiquei. Mas só gostaram do primeiro.

(elipse e numeral) 7. Alcântara é belíssima! Lá, cada janela é uma moldura. (advérbio) 8. Olhava para as unhas roídas. Unhas de menina tímida. (repetição) 9. Convidei todas as crianças do prédio. Quero ver se ele vai resistir, vendo toda a pirralhada

aqui, brincando. (sinônimo) 10. Vim procurar umas calças, blusas e saias. Minhas roupas estão horríveis! (hiperônimo) 11. Passou o dia pesquisando na internet. Até que veio o apagão e acabou com a pesquisa.

(nominalização) Um aspecto da coesão referencial que merece destaque é a anáfora, que tanto pode se referir, por associação, a termos anteriormente mencionados quanto a referentes não expressos, que só podem ser recuperados pelo processo de inferência. Compare:

O restaurante era ótimo. Assim que entrei, o maître foi logo servindo uma dose de vinho do Porto. O escritor já participara de feiras anteriores. Mas demonstrou constrangimento quando um menino perguntou-lhe por que não substituía sua professora de português.

No exemplo (34) ocorre uma associação de sentidos, ativada pela referência a modelos cognitivos. O termo maître, a partir de determinado conhecimento de mundo, é facilmente associado a restaurante.

Já no exemplo (35) o nível de inferência precisa ser bem mais agudo, pois o “menino” precisa ser associado ao contexto de feiras de livros, que costumam promover debates com escritores destinados a públicos diferenciados. Crianças, inclusive. I. Coesão seqüencial: refere-se aos mecanismos lingüísticos responsáveis por estabelecer, entre os segmentos do texto, vários tipos de relações semânticas e/ou pragmático-discursivas, gerando seqüências. Observe os mecanismos que possibilitam o encadeamento de enunciados: 1) Justaposição (com ou sem articuladores explícitos)

Mais uma noite sem jantar. A mulher deixara a geladeira vazia. Lúcia foi ao quintal. Precisava ver se o papagaio estava na sombra. Choveu durante toda a noite. O quarto ficou alagado. Aconteceu uma coisa terrível. A filha da Lu morreu atropelada.

2)Conexão (através do uso de conectores – conjunções, locuções conjuntivas, prepositivas e adverbiais)

Luiz foi para Maricá porque era aniversário do filho. (causalidade) Comi tanto que fiquei enjoada. (causalidade) Caso você viaje antes da sexta, leve a mamãe com você. (condicionalidade) Quando quiser jantar, é só falar; já está tudo pronto. (temporalidade/ tempo pontual) Depois que terminar com o computador, leia esses artigos que separei. (temporalidade/tempo posterior) Antes de sair ainda vou refazer aquelas contas. (temporalidade/tempo anterior) Enquanto você usa o micro, vou aproveitar para tirar uma soneca. (temporalidade/tempo simultâneo) À medida que eles forem saindo, vamos recolher as cadeiras e arrumar tudo. (temporalidade/tempo progressivo) Tudo deve ser feito conforme o combinado. (conformidade)

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Olha, ou você fica quieto, ou não poderá permanecer no ônibus. (disjunção) Não satisfeita em desfilar na Escola de Samba, saiu ainda em cinco blocos. (conjunção/adição) Já passou da hora de comprar uma casa para você, menina. Ou pretende ficar na casinha da mamãe até morrer? (disjunção argumentativa) Corre, que a chuva já começou. (explicação) Você não gostou da tinta? É tão boa quanto a antiga. (comparação) Os pais não lhe deram qualquer apoio. Logo, não poderia mesmo ter um bom rendimento. (conclusão) O Dr. Mário se atrasou muito. Tanto que dois pacientes que chegaram antes de mim acabaram desistindo. (comprovação) Rafael teve seu carro roubado em plena Pça Saens Pena às 7 da manhã. Alliás, na última semana, naquele trecho só teve assalto. (generalização) Vou entregar esta semana a apostila. Ou melhor, vou tentar. (modalização da força ilocucionária) A equipe não me parece confiável. Na verdade, é uma porcaria de time! (correção) Posso passar aí no carnaval. Isto é, se não for incomodar. (reparação) Muitos optaram pelo magistério. Por exemplo, Paulo tornou-se professor de História e Jaqueline, de Francês. (especificação/exemplificação) Enfrentou a pior das dores. Mas não perdeu a vontade de viver. (oposição/contraste) Embora gostasse muito de bossa nova, não pretendia aceitar o convite para o show. (oposição/contraste) Passava o dia cercado de livros. Lia e relia os mesmos trechos. Ligava o computador, procurava mais informações na internet. Encontrava páginas e mais páginas referentes ao assunto. Porém, não conseguia escrever uma linha. (oposição/contraste)

Agora, passemos aos níveis apontados por Koch (Idem. p. 92) para as relações entre os segmentos textuais. No interior do enunciado (articulação tema – rema) De um enunciado para outro (progressão com tema constante, progressão linear,

progressão com tema derivado, progressão por subdivisão do rema, progressão com salto temático) Identificando, primeiro, a informação temática como a informação dada (conhecida) e a temática, como a nova, examinemos nos exemplos seguintes como tais mecanismos se processam no interior dos textos: a) progressão com tema constante:

“O resfriado é o maior problema de saúde pública do mundo e a maior causa de ausência de crianças na escola. Durante o inverno, é também o problema mais freqüente nos consultórios. O pediatra Pedro Paulo Rodrigues, professor da UGF e da Faculdade Souza Marques, garante que não há cura para o resfriado. ‘São mais de duzentos vírus que, a cada ano, fazem mutação genética. Um resfriado costuma durar de 12 a 13 dias, sendo que três a quatro deles com febre, não alta demais. Às vezes, a febre não aparece, apenas os outros sintomas, como tosse, nariz escorrendo, coriza. Se o resfriado ultrapassar esse tempo é porque aconteceu outro problema, como alergia ou sinusite. Não existe resfriado mal-curado’, garante o pediatra.” (Vida. Ano 1, n º 38. 28/08/04. p. 22.)

b) progressão linear: “Era uma vez um pobre mendigo. O mendigo tinha um cachorro. O cachorro segurava na boca um chapéu velho e ajudava a apanhar as moedas que algumas almas caridosas jogavam.” (KOCH. 2004. p. 92)

c) progressão por subdivisão de um hipertema: O Brasil está dividido em cinco regiões geopolíticas. A região norte compreende a parte do território ocupada pela Floresta Amazônica. A região nordeste tem grande parte atingida por secas periódicas. A região sudeste é a mais industrializada. A região sul recebeu maior número de imigrantes europeus. Na região centro-oeste localiza-se Brasília, a capital do país. (Idem. p. 92-3.)

d) progressão por subdivisão do tema:

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Os pronomes ditos pessoais dividem-se em dois grupos. O primeiro é constituído pelos pronomes da pessoa, que nomeiam os sujeitos da enunciação e são, portanto, exofóricos, isto é, não-coesivos; o segundo é dos pronomes da não-pessoa, que designam os seres a que os sujeitos fazem referência e que funcionam coesivamente. (Idem. p. 93.)

e) progressão com salto temático: A mulher estava doida para ver o mar. O mar – de um verde escuro jamais visto – ficava ali na esquina. A esquina, aparentemente, não oferecia perigo. O perigo eram os motoristas apressados, que não respeitavam pedestres.

Koch (Id. p. 93) ressalta que, embora freqüentemente os textos apresentem mais de um tipo de progressão temática, pode-se estabelecer certa relação entre determinadas seqüências lingüísticas (tipologia) e o tipo de progressão. A descrição, por exemplo, utiliza com mais freqüência a progressão com tema constante. Já a exposição e a argumentação estruturam-se mais comumente através da progressão com subdivisão do tema. Embora essa unidade tenha principiado apontando elementos lingüísticos “responsáveis” pela coesão, não podemos esquecer o caráter pragmático da língua e o poder da interação do leitor (ouvinte), como co-responsável na construção do sentido. As marcas lingüísticas superficiais vão apenas possibilitar que o interlocutor construa a conexão entre as idéias. Unidade 2 Coerência

É a possibilidade de se estabelecer, no texto, alguma forma de unidade ou relação, possibilitando a interpretação. É uma continuidade de sentidos, resultado de uma conexão conceitual (cognitiva) entre os elementos do texto. Exemplo:

O professor entra em sala, cumprimenta e turma e começa: “Leite de rosas, fósforo, lasanha, açúcar, coador de café, jornal.”

Todos vão imaginar que o professor enlouqueceu, pois sua atitude seria completamente incoerente dentro daquele contexto. No entanto, as mesmas palavras, se dirigidas a alguém que fosse ao mercado (mulher, filho, empregada...), produziriam um resultado diverso, uma vez que o texto ganharia unidade, sentido, interpretabilidade, enfim, coerência. B) Fatores de coerência Elementos lingüísticos: vocabulário, estrutura sintática; Conhecimento de mundo: frames, esquemas, planos, scripts, esquemas textuais.

Vale assinalar que o conhecimento de mundo determina a formação de estruturas cognitivas a saber: a) frames(= quadro, molduras) – A teoria dos frames foi proposta a partir de um mecanismo de armazenagem do conhecimento por computadores, isto é, como representar o conhecimento na linguagem artifical, de forma que se aproxime da linguagem natural. Os frames são modelos globais que contêm o conhecimento comum sobre um conceito primário(geralmente situações estereotipadas), como: natal, carnaval, imposto de renda... Os frames estabelecem que elementos, em princípio, fazem parte de um todo, mas não estabelecem entre eles uma ordem ou seqüência(lógica ou temporal) Ex: Festa de aniversário (a atualização dessa expressão ativa na mente do interlocutor elementos como: bolo, brigadeiro, bolas, roupas, música... estes elementos individualmente são conceitos, mas conjuntamente constituem um frame sobre festa de aniversário. b) esquemas – os esquemas são modelos cognitivos globais de eventos ou estados dispostos em seqüências ordenadas, ligadas por relações de proximidade temporal e casualidade; são previsíveis, fixos, determinados e ordenados. Como os conhecimentos de mundo estão organizados e como tal organização influi na compreensão do texto ? Nossa memória não é meramente reprodutiva, mas construtiva, isto é, utilizamos , no processo de compreensão, não só in formações contidas no texto, mas também o saber acumulado em experiências passadas que não se apresentam desordenadamente mas estão organizadas em estruturas que nos levam a esperar ou predizer certos aspectos – são os esquemas.

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Ex. O marido diz à esposa: - Há um incidente grave na esquina, pois uma ambulância e um carro de polícia estão parados lá. (a percepção do acidente foi possível porque temos um conhecimento de mundo acumulado sobre acidentes de trânsito, conhecimento esse organizado num esquema que contém elementos como ambulância que é chamada em caso de acidentes com vítimas, polícia que chega para providenciar liberação do tráfego... Esse conhecimento prévio partilhado com o interlocutor e cujos componentes estão organizados em um esquema, e que permite a compreensão). c) planos – são modelos de comportamento deliberados exibidos pelas pessoas, podendo abranger vários propósitos superpostos. Além de terem todos os elementos numa ordem previsível, levam o leitor/ouvinte a perceber a intenção do escritor/falante e é isso que os distingue dos esquemas: permitem reconhecer o que pretende o planejador.(Ex. um funcionário que tem um plano de recompensa no trabalho ou um adolescente que organiza um plano para conseguir de seus pais a permissão para sair com os amigos.). d) scripts - são planos estabilizados, utilizados ou incorporados freqüentemente para especificar os papéis dos participantes e as ações deles esperadas; diferentemente dos planos, são estereotipados e contêm uma rotina preestabelecida. Enquanto um frame é geralmente considerado um conjunto de elementos sobre uma situação estereotipada, o script é mais dinâmico, pois incorpora uma seqüência estereotipadas de ações que descreve uma situação. Ex. Perdera a infância: já não podia acorrer com as meninas pelos barrancos, nem subir pelas árvores, nem passar por entre os arames das cercas de flores... Perdera a mocidade: não tinha mais voz para cantar, nem corpo para dançar, e nunca mais poderia vestir-se de noiva...(Cecília Meireles – Uma velhinha). Infância – caracterizada por ações que expressam essa fase da vida: correr com as meninas... Mocidade: voz para cantar, corpo para dançar... e) cenários – domínio estendido da referência que é usado para interpretar textos, pois pode-se pensar o conhecimento de contextos e situações como constituindo um cenário interpretativo atrás do texto. O bom êxito na compreensão do cenário depende da eficácia do escritor/falante em ativar cenários apropriados. . Conhecimento partilhado: os interlocutores devem partilhar ao menos uma parcela de conhecimentos para possibilitar as inferências; Inferências: raciocínios através dos quais o interlocutor estabelece uma relação não

explícita entre dois elementos do texto que busca compreender; Contexto: refere-se na apenas ao contexto histórico-social, mas, por exemplo, no caso de

textos escritos, refere-se também a fatores gráficos, título, indicação de autor, coluna, etc.; Situacionalidade: contexto imediato da interação, que determina, por exemplo, o grau de

formalidade discursiva, a abordagem de temas, etc.; Informatividade: remete-se ao grau de previsibilidade da informação contida no texto, que

será tanto mais informativo quanto menos previsível for a informação apresentada; Intertextualidade: o conhecimento prévio de outros textos (verbais ou não-verbais) é

fundamental para a construção de sentido; Intencionalidade e aceitabilidade: o produtor de um texto tem sempre um objetivo, uma

intenção, que pode ser explicitada ou não. Caberá ao interlocutor tentar atribuir sentido ao texto, trabalhando tanto com essa intenção, quanto com os outros fatores de textualidade; Consistência e relevância: o texto não pode ser contraditório e seus enunciados devem ser

organizados de forma que sejam relevantes para os tópicos ou subtópicos de que fazem parte. Ressaltamos aqui o papel do interlocutor diante da construção do sentido do texto. Quando um leitor (ouvinte) interpreta um texto, o que ele faz é ativar os mecanismos de cognição, responsáveis pelas relações de sentido e inferências, a partir das seqüências lingüísticas empregadas pelo produtor e do conhecimento de mundo partilhado por ambos, dentro de um contexto específico. Por isso, concordamos com KOCH & TRVAGLIA (1989), quando afirmam que:

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Convém observar que a construção da coerência pode se dar de modo diferenciado de acordo com o gênero textual em questão. Como cada gênero pressupõe intenções e contextos específicos, pode-se afirmar que o que é coerente para um gênero pode não ser para outro. Vejamos o texto que segue:

O menor M.B.L. foi atingido logo cedo por uma grande explosão de alegria: descobriu que o emprego aumentou, não houve mais Chacina na Favela e as crianças já não vivem embaixo de viadutos. Além disso, bandidos fogem de novos crimes e não fazem mais vítimas no Rio. Jovens se viciam cada vez mais cedo no esporte. Por falar em esporte, juiz ladrão nem no futebol. E por falar em futebol, o time dele atropelou e escapou do rebaixamento. Parecia uma bola perdida mas o atacante acreditou e fuzilou friamente o goleiro. Depois de tantas notícias boas, ele não resistiu e vibrou de felicidade. Uma leitura inicial – com a observação das seqüências lingüísticas que configuram uma narrativa e das expressões, em negrito, típicas da linguagem jornalística – poderia levar à identificação do gênero como “notícia”. Entretanto, o slogan (Vamos mudar nossa história. Segurança pública. Uma ação de todos nós.) e as referências bibliográficas localizam a “informação” como parte de um propósito publicitário. Ademais, se observarmos o aspecto gráfico do texto, perceberemos que sua construção se deu por “colagem” de trechos de outras notícias, boa parte deslocados de seções policiais. Porém, a função de tais segmentos aqui seria justamente demonstrar a possibilidade de mudança, ou seja, a palavra recontextualizada contribuindo para a transformação social. Neste caso, aquilo que a princípio soaria improvável em uma notícia de jornal, como, por exemplo, “O menor M.B.L. foi atingido logo cedo por uma grande explosão de alegria” ou “bandidos fogem de novos crimes e não fazem mais vítimas no Rio”, vai adquirir aqui nova significação ao reconfigurar o conhecimento de mundo do leitor. Dito de outra forma: em um outro contexto social – e é justamente a visualização dessa possibilidade que interessa ao locutor – , tais construções seriam coerentes.

(...) a coerência não é apenas uma característica do texto, mas depende fundamentalmente dainteração entre o texto, aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo. (...) A nosso ver háelementos (pistas) no texto que permitem ao receptor calcular o sentido e estabelecer a coerência;mas muito depende do próprio receptor/interpretador do texto e seu conhecimento de mundo e dasituação de produção, bem como do seu grau de domínio dos elementos lingüísticos pelos quais otexto se atualiza naquele momento discursivo-comunicativo. Cremos que a coerência, assim,estaria no processo que coloca texto e usuários em relação, numa situação dada.” (grifo dosautores) Op. cit. p. 38

Vamos mudar a nossa história. Segurança Pública. Uma ação de todos nós.

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Logo, será somente a partir da reconstrução dos esquemas cognitivos que se vai poder interpretar o texto. Conclui-se, então, que a construção da coerência, em alguns casos, vai implicar a reestruturação de frames e esquemas cognitivos. Filme recomendado: Edifício Master. Brasil. 2002. Documentário. Duração: 110 min. Diretor: Eduardo Coutinho. Leitura recomendada: SCLIAR, Moacyr. “O anão no televisor”. In: ZILBERMANN, Regina (org.). Os melhores contos: Moacyr Scliar. 2 ed. São Paulo: Global, 1986. p. 191-194. Atividade 1 Leia o texto a seguir, de Fritz Utzeri. O que é jeitinho? Cena um – Vanja Orico, Oscar Niemeyer, dois índios xavantes e o Hotel Nacional (a atriz aponta com um braço o hotel e com o outro apresenta Oscar aos índios). – Este é Oscar Niemeyer, grande arquiteto. Ele fez esse prédio. Os índios entreolham-se com uma expressão incrédula e num instante explodem numa sonora gargalhada e passam a falar em língua xavante, apontando para Vanja, que – sem entender nada – acaba de entrar no livro dos recordes da tribo como a maior das mentirosas. Cena dois – Turista brasileiro (o jornalista Ronald de Carvalho) perdido em Lisboa; uma velha moradora do local e uma pergunta. – Bom dia, minha senhora, a senhora sabe onde fica o Chiado? – Ora essa! E como não havia de saber? Sou alfacinha, nasci aqui em Lisboa, há 76 anos... Mas que pergunta idiota o pá! (e retira-se indignada e rapidamente). Cena três – Um americano, o jornalista John Allius, que viveu muitos anos no Brasil; uma feijoada insistente e uma família do interior paulista, muito hospitaleira. – O senhor quer mais um pouquinho de feijoada? (pela quarta vez). – Pois não – diz Allius, e faz menção de retirar o prato da mesa. – Ora, que maravilha! O senhor gostou mesmo da minha feijoada – diz a dona da casa despejando mais uma generosa concha de feijão do prato do gringo aterrorizado. Os três episódios revelam uma característica muito brasileira, a imprecisão e a flexibilidade de nossa língua e de nosso raciocínio, algo de que até nos orgulhamos, gozando freqüentemente os portugueses e outros estrangeiros “duros de cintura”, mas sem perceber que essa imprecisão e flexibilidade podem explicar muito a nosso respeito, a respeito da maneira como encaramos a vida. No primeiro caso, os índios xavantes nunca entenderiam que Vanja Orico, ao usar o verbo fazer, queria dizer que “ele”, Niemeyer, concebeu, criou o Hotel Nacional. Para eles, fazer é empilhar pedra por pedra. Olhando para a figura do arquiteto e para a mole imponente do edifício, concluíram facilmente que Vanja ou era doida ou mentirosa. O jornalista brasileiro também não foi direto. Se alguém nos perguntar se sabemos onde fica Copacabana ensinaremos o caminho sem qualquer problema, mas para a velha alfacinha o jornalista a estava testando, e não pedindo uma informação. Já o bom americano caiu numa das armadilhas do português. Aqui, “pois não” quer dizer sim e “pois sim” quer dizer não. Enquanto pensava estar recusando um novo prato, nosso gringo arranjava uma indigestão de feijoada. Essa riqueza e ao mesmo tempo imprecisão vocabular e de raciocínio facilitam muito a vida de quem não quer andar na linha. Podemos usar e torcer as palavras à vontade, buscar nas entrelinhas soluções que nos permitam dar “um jeitinho” – outra expressão de grande alcance – em qualquer situação. Daí as palavras e construções muitas vezes incompreensíveis ou dúbias com que nossas autoridades nos brindam freqüentemente, seja pra explicar uma crise, fazer uma lei ou simplesmente assumir um compromisso. Talvez fosse melhor ter uma língua mais pobre, mais enxuta, voltar às origens de nossos antepassados lusos e índios, jogar a metáfora no lixo e adotar o pensamento strictu sensu que tanto ridicularizamos em nossos gajos d´além mar.. Ou, se for muito difícil, a solução seria mudar de regime, voltar à monarquia, mas com uma condição: o rei teria que ser sueco e estaria expressamente proibido de aprender o português do Brasil. Imagino a cara do intérprete ao perguntar-se como traduzir para o sueco termos como

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“jeitinho”, “fracassomania”, “variação da banda diagonal”, ou simplesmente a expressão “pinta lá em casa” ou “me vê uma cerveja aí”. Garanto que o país ia melhorar e muito. Mas, se algum dia o rei chamasse seu intérprete e – em sueco – perguntasse o que quer dizer “jjj...eai...tinhoo...” estaria na hora de manda-lo de volta rapidinho e buscar outro rei novinho em folha. Jornal do Brasil. 22 de setembro de 1999. 1. Identificar o gênero e a tipologia textual. 2. Comentar as três cenas iniciais, considerando o conceito de coerência. 3. Como relacionar o título ao texto? Respostas 1) Gênero – crônica jornalística Tipologia – O texto é constituído por diferentes seqüências lingüísticas, o que implica a utilização de tipos textuais diversos. (§ 1) Cena um – descritivo (§ 2) – expositivo (§ 3) – narrativo (§ 4) – descritivo (§ 5) – injuntivo (§ 6) – argumentativo e narrativo (§ 7) Cena três – descritivo (§ 8) – injuntivo (§ 9) – injuntivo e descritivo (§ 10) – argumentativo e narrativo (§ 11) – argumentativo e expositivo (§ 12) – argumentativo e expositivo (§ 13) – argumentativo e expositivo (§ 14) – argumentativo (§ 15) – argumentativo e expositiva (§ 16) – argumentativo 2) As três cenas referem-se a fatos que envolvem o uso da língua e os problemas de comunicação gerados por diferenças de registro. Embora não haja uma relação direta entre os acontecimentos, pode-se afirmar que mantêm, entre si, certa coerência, uma vez que todos remetem a situações em que os interlocutores divergem quanto ao sentido dos enunciados. Na cena 1, por exemplo, Vanja Orico atribui determinado significado ao verbo “fazer” diferente do sentido apreendido pelos indígenas. Da mesma forma, na cena 2, a senhora “alfacinha” não entende como apelo a indagação do brasileiro e, sim, como provocação. Finalmente, na cena três, a confusão ocorre devido ao sentido de “pois não” – negativo para o estrangeiro. Como vimos, as cenas estão interligadas por apresentarem um objetivo semelhante, qual seja, ilustrar, através de exemplos da riqueza vocabular da língua portuguesa, aspectos da imprecisão comportamental dos brasileiros. 3) A pergunta apresentada no título não é respondida de imediato pelo texto, pois os parágrafos iniciais reproduzem cenas que aparentemente não mantêm relação imediata com o conceito de “jeitinho”. No entanto, a partir do § 11, o autor passa a relacionar os episódios narrados àquilo que denomina “imprecisão e flexibilidade de nossa língua e de nosso raciocínio”, tentando, desta forma, identificar uma das manifestações – neste caso, lingüística – do chamado “jeitinho” brasileiro.

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Atividade 2 Analise o texto que segue, identificando a estratégia argumentativa (recursos coesivos e operadores argumentativos) utilizada pelo autor. Inútil pranto por Santa Teresa Conheci Santa Teresa em 1968. E era tão bonita que nem parecia real , mas locação de filme brasileiro de época, com o casario colonial de portas e janelas coloridas feito pintura primitivista, o sobe-desce das ladeiras e o Rio de Janeiro esparramado lá embaixo. Jurei encantado: um dia, ah um dia ainda venho morar aqui. Cumpri a promessa. Lá por 1971, fui morar numa espécie de minicomunidade hippie com Lima, Lili e Tereza, perto do Morro do Silvestre. No fundo do apartamento, um abismo de bananeiras, flores tropicais selvagens que ninguém sabe o nome. Vezemquando alguma cobra atravessava a rua, bem natural. E nós tão hippies, mas tão hippies que volta e meia, geralmente nos sábados à tarde, o pintor Luiz Jasmin (onde andará?), que morava ao lado, colocava as caixas de som na janela e a trilha sonora de Hair bem alto, só pra nós. Os acordes de Aquarius ou Let the sunshine in eram uma declaração de simpatia ao mesmo tempo explícita e delicada. Se éramos felizes? Não sei, éramos jovens. Além disso, havia Santa Teresa em volta e aquele exagero de beleza da Baía de Guanabara, que podia ser vista até da janela do banheiro. Nem teve importância que tudo terminasse numa dançada federal. Saímos de lá corridos, feridos, assustados. Normal para a época. Afinal, quem não dançou nos anos 70 nem sequer sonhou. Mas não me dei por vencido. Em 1982 voltei para morar outra vez em Santa Teresa. Desta vez no lendário hotel do mesmo nome, onde, reza a lenda, morou Raul Seixas. Durante quase um ano, enquanto escrevia o Triângulo das Águas, me dedicava a longas caminhadas pelas ladeiras de calçadas estreitas, pegando amizade com a população do bairro. Naquele tempo, e nem tanto tempo assim faz, por incrível que pareça as pessoas não tinham medo umas das outras. Violência? Vez por outra um pivete roubando relógio ou corrente de ouro de turista tonto no bondinho, e a história era comentada durante uma semana. Mas tiro, bala perdida, mortos e feridos, isso nunca. Essas coisas não cabiam lá. Santa Teresa ficava no interior da cidade do Rio de Janeiro. Santa Teresa, qualquer coisa entre Paraty e as cidades coloniais mineiras, era pacífica, preguiçosa, suavemente monótona. Feito uma foto em sépia, aquarela primitiva, vila fora do tempo. À noite, dava para sentar no muro caiado de branco, ouvindo as mangas maduras demais se esborracharem no chão, sentindo o perfume de dama-da-noite solto no ar. E quando se descia até o Rio e ficava muito tarde, e os motoristas de táxi recusavam-se a subir, dizendo que os trilhos dos bondes cortavam os pneus, ia-se a pé mesmo, por quebradas estreitas da Glória, por intermináveis escadarias do Cosme Velho. Havia grilos, vaga-lumes, perfumes soltos no ar um pouco mais frio no morro. E as luzes da Guanabara, maravilhosas e perigosas, lá longe. O melhor de Santa Teresa, talvez, era que o Rio de Janeiro era uma coisa que você podia ou não usar, mas estava sempre lá. Agora acabou. O que leio nos jornais e vejo na TV nas últimas semanas me deixa doente. Ainda mais doente. Santa Teresa sangra, transformada em Sarajevo tropical, em Chechênia invadida, estuprada. As pessoas abandonam as casas e fogem para qualquer outro lugar, escondendo o rosto. Balas perdidas cruzam o ar. Não, não sei se é suficiente chorar o que se perdeu e rezar pelo que ficou. Sei que, por conta disso, acabei achando um pouco ridículo o FHC todo sorridente ao lado da rainha da Inglaterra e todas essas comemorações do fim da 2 ª Guerra, enquanto Santa Teresa agoniza, desamparada e bela, no alto daquele morro. Quem pode fazer alguma coisa, que faça. E quem pode? (ABREU, Caio Fernando. O Estado de São Paulo. 14 de maio de 1995.) Resposta: Num texto que contrapõe passado e presente, as expressões indicativas de tempo vão desempenhar um papel relevante.

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No primeiro parágrafo, a expressão “em 1968” demarca o início do “encantamento” do cronista diante de Santa Teresa. A partir daí seguem descrições do local e uma jura de que, um dia, voltaria para ficar. O segundo parágrafo inicia-se com o período “Cumpri a promessa”, que remete imediatamente à jura anterior para, em seguida, indicar (de modo não tão preciso) quando isso ocorreu: “lá por 1971”. Então, o cronista procede a outra descrição do local, destacando agora cenários, personagens e as circunstâncias da despedida. O terceiro parágrafo inicia-se com o conectivo mas, que denota oposição. Isto é, o cronista, que havia saído de Santa Teresa “corrido”, retornaria “em 1982”. Observe-se que esse parágrafo é demarcado também por expressões temporais como desta vez, durante quase um ano, naquele tempo, vez por outra, que pontuam a narração sobre a tranqüilidade da vida do lugar. O quarto parágrafo alterna um tom mais descritivo (“qualquer coisa entre Paraty e as cidades coloniais mineiras”, “pacífica”, “preguiçosa”, “suavemente monótona”, “uma foto em sépia”, “aquarela primitiva”, “vila fora do tempo”) com a narrativa sobre algumas das peripécias do cronista pelo bairro. Finalmente, o último parágrafo interrompe a memória e põe o leitor cara a cara com as mudanças: “agora acabou”. A ruptura é assinalada tanto pelo uso do marcador temporal “agora”, quanto pelo uso de formas verbais no presente do indicativo (“leio”, “vejo”, “sangra”, “abandonam”, “agoniza”) e pela caracterização de uma Santa Teresa contemporânea (“Sarajevo tropical, Chechênia invadida”, “desamparada e bela”). O texto termina com um apelo inseguro do cronista, que não está certo de que alguém possa, de fato, fazer algo pelo bairro. Atividade 3 Elaborar uma aula (para o nível Médio) sobre o conto de Moacyr Scliar, abordando os conceitos de coesão e coerência. Nosso objetivo é abordar os conceitos de coerência e coesão a partir da leitura do conto de Moacyr Scliar – O anão no televisor. Começaremos por uma análise da coerência do texto. A coerência textual é um processo que envolve a construção de sentido. Dizemos que um texto é coerente se conseguimos depreender seu sentido. O personagem narrador principia lamentando sua condição: é anão e passa os dias dentro de uma tv. Sua única diversão é poder observar, de dentro do aparelho desligado, o cotidiano das pessoas do lado de fora da tela. Note-se que ele vê sem ser visto, já que, como diz, ninguém presta atenção em uma tv desligada. Mas o personagem parece conformado. Até porque, à noite, como explica posteriormente, espera ser retirado de lá por Gastão – o dono do apartamento. O narrador, desde o princípio, acena com alguns índices de que entre ele e Gastão existiria uma relação secreta: • “Olhar é o que faço durante o dia. À noite... Bom. (...)”; p. 191 • “O apartamento é enorme, um exagero para um homem que vive só (aparentemente só). (...)”; p. 191 • “Só posso sair do meu esconderijo depois que os empregados se despedem. (...)”. p. 192 Posteriormente, vêm as reminiscências e a revelação da paixão: • “(... na peça em que Gastão e eu trabalhávamos. Ele entrava, com aquele jeitinho dele, abria uma mala que estava a um canto – e eu aparecia, dizendo: puxa vida, mesmo para um anão isto aqui é pequeno! Ele sorria e me tomava nos braços. Isso, noite após noite.)”; p. 192 • “(...) E é bonito, este diabo... Barba bem aparada, unhas manicuradas – é bonito, reconheço, o coração confrangido. É bonito – mas não vem me buscar.” p. 192 Por fim, o ciúme explícito e o rompimento: • “(...) Mas que ordinário, este Gastão! Na minha cara! (...); p. 194

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• “(...) É preciso fazer alguma coisa, e faço. Me mexo dentro do aparelho, produzo estalos e rangidos. (...)”. p. 194 Observe-se que, neste caso, por se tratar de um texto literário, o conceito de coerência manifesta-se de forma diferente daquela de um texto informativo, por exemplo. Aqui não podemos avaliar os fatos narrados a partir de sua coerência em relação a fatos externos, e ainda que haja na narrativa uma inversão de papéis, pois quem está dentro da tv é que assiste às cenas do cotidiano, pode-se dizer que existe verossimilhança. Isto é, existe uma coerência lógica, interna ao texto, já que os fatos narrados não são gratuitos, têm motivação e, conseqüentemente, geram outros fatos. Exemplo disso é a reação do narrador quando vê Gastão se insinuando para o empregado. Ele produz ruídos que, de certa forma, perturbam Gastão em sua investida. A ponto de este, após ter tido frustrada sua tentativa de conquista, decretar metonimicamente o fim do anão: • “– Este aparelho já foi bom. Mas já deu o que tinha que dar. Acho que nem funciona mais.” p. 194 e ligar o aparelho, ignorando o apelo do narrador. Convém notar, contudo, que a atitude de Gastão não parece ser gratuita. O próprio narrador sugere por vários momentos que seu encarceramento ocorrera como uma espécie de concessão: • “Foi Gastão que trouxe o televisor para o apartamento”; p. 191 • “Quando o vigia desliga a chave geral fogem as oitenta imagens, ficam escuras as oitenta telas. De nenhuma – e isto Gastão me repete constantemente – de nenhuma espreitam olhos. De nenhuma – diz, um tom de censura na voz. De nenhuma! – muito desgostoso.”; p. 191 • “Dou graças a Deus que ele me traz comida – uns sanduíches muito mal preparados e leite frio.”; p. 192 • (...) “os empregados já se despediram, já se foram – e ele ainda não veio de tirar daqui. Eu poderia sair sozinho, se quisesse. Mas não quero. Ele sabe que tem de vir me buscar. Mas não, se faz de bobo.” p. 192 A coerência do texto manifesta-se também em relação às figuras que o compõem. Mesmo em relação a seu aspecto mais esdrúxulo – a presença do anão no televisor –, temos referências ao fato de ele não ser visto de fora, de o pequeno espaço ser-lhe incômodo, da impossibilidade de permanecer na tv quando estar está ligada. Todos esses aspectos repercutem no plano argumentativo, uma vez que a condução do discurso pelo narrador personagem torna-se convincente. Um outro fator que contribui para a coerência do texto é a conexão entre seus vários enunciados, ou seja, a coesão resultante das diversas relações de sentido existentes. No caso do conto lido, vamos observar o papel de alguns elementos na construção dessa conexão. Tais elementos poderão promover a articulação por referência ou garantir o aspecto seqüencial do texto. No primeiro parágrafo, para enfatizar o inusitado de sua condição – “ser anão e viver dentro de um televisor” –, o narrador recorre a uma expressão concessiva: “ainda que seja um televisor gigante, a cores – é terrível” (p. 191). Com isso, seu argumento ganha força: sua vida é, de fato, difícil. Porém, na seqüência, como resolve apontar uma vantagem, necessita recorrer mais uma vez à concessão – “mas (...) quando o aparelho está desligado a gente pode observar, através dela, cenas muito interessantes (...) “ Nos três parágrafos seguintes, o autor praticamente não utiliza conectivos (as exceções são duas conjunções – uma aditiva e outra final – no 2 º parágrafo). Esse recurso, sem impedir que sejam criadas relações de sentido, parece dar maior dinamismo à narrativa. Principalmente quando associado a outros recursos. Observe os exemplos abaixo: 1) “Gastão pode ter quantos televisores quiser; ele agora é o dono da loja.” 2) “O primeiro piso é o território dos televisores; há cerca de oitenta em exposição, em filas – um batalhão de televisores, de todos os tamanhos e formatos, coloridos ou P&B, todos ligados no mesmo canal.” 3) “Uma cara sorridente – oitenta caras sorridentes; uma arma disparando – oitenta armas disparando.”

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4) “De nenhuma – e isto Gastão me repete constantemente – de nenhuma espreitam olhos. De nenhuma – diz, um tom de censura na voz. De nenhuma! – muito desgostoso.” Em 1, existe uma relação da causalidade entre as duas orações, já que o fato de ele poder ter quantas tevês quiser deve-se à sua condição de dono da loja. Em 2, destacamos a utilização de termos diferentes para retomar anaforicamente o termo “televisores”: um numeral (“oitenta”), um termo coletivo (“batalhão”) e um pronome indefinido (“todos”). Em 3 e 4, a repetição não constitui um defeito, mas adquire efeito de ênfase. Destaca-se ainda o fato de, no exemplo 4, o autor ter recorrido à elipse do termo tela: “(...) de nenhuma [tela] espreitam olhos.” Moacyr Scliar utiliza ainda outros mecanismos de coesão. Veja: 5) “(É curioso eu ter lembrado esta frase. Era a minha primeira fala na peça em que Gastão e eu trabalhávamos. [...] Ele sorria e me tomava nos braços. Isso, noite após noite.)” 6) “Os empregados já apareceram na porta, já perguntaram se o patrão precisava de alguma coisa, ele já disse que não, que não precisava de nada, os empregados já se despediram, já se foram – e ele ainda não veio me tirar daqui.” p. 192 Em 5, destacamos dois casos de anáfora: o primeiro representado pela expressão “esta frase”, que repete o último período do parágrafo anterior; o segundo, através do pronome “isso”, remete-se à rotina da peça teatral. No exemplo 6, a repetição do advérbio já indicando passado, anterioridade, associada à enumeração de um série de ações, acentua a idéia de demora do personagem. Outro exemplo de repetição enfática seria o do trecho: “E é bonito, este diabo... barba bem aparada, unhas manicuradas – é bonito, reconheço, o coração confrangido. É bonito – mas não vem me buscar.” p. 192 Sites recomendados www.pead.letras.ufrj.br/tema02/conectividade.html www.pead.letras.ufrj.br/tema09/coerenciacoesao.html www.ipv.pt/millenium/ect8_pol.htm www.leffa.pro.br/profs_escrever.htm MÓDULO V LITERARIEDADE Objetivos Específicos: Reconhecer aspectos específicos do texto literário.

Unidade I Literário X Não literário

Carta Há muito tempo, sim, que não te escrevo. Ficaram velhas todas as notícias. Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias

(...) O que há de mais importante na literatura, sabe? é a aproximação, que ela

estabelece entre seres humanos, mesmo à distância, mesmo entre mortos e

vivos. O tempo não conta para isso. Somos contemporâneos de Shakespeare e

de Virgílio. Somos amigos pessoais deles.

(ANDRADE, Carlos Drummond de . Tempo, vida e poesia. Rio de Janeiro:

Record, 1986. p. 58)

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(tão leves) que fazias no meu rosto: são golpes, são espinhos, são lembranças da vida a teu menino, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças. A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias “Deus te abençoe”, e a noite se abria em sonho. É quando, ao despertar, revejo a um canto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Lição de coisas. In: ____. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 490.)

Rio de Janeiro, 11 de julho de 2003.6 Querida mamãe, Desejo encontrá-la bem e com perfeita saúde e dizer o quanto sinto saudades do nosso convívio natural de mãe e filha. Apesar dos nossos desencontros impostos pelas circunstâncias, muitas vezes contrárias a nossa vontade, estou disposta a superar todas essas dificuldades e recebê-la no meu coração, como a Senhora é, não como eu gostaria que fosse. Assim sendo, sugiro que faças o mesmo, esquecendo a filha imaginária que você criou e me aceite como sou. Pretendendo vê-la breve e estar informada mais detalhadamente sobre sua saúde, Com muito carinho, sua filha, XXXXXXXXXXXXXXXX (Domingo. Ano 28, n º 1420, 20 de jul de 2003. p. 15.) Diferenciar o texto literário do não-literário pode, a princípio, parecer uma tarefa simples. Comparando os textos acima, de imediato se percebe que o (71) apresenta um título e é organizado em estrofes compostas basicamente por versos decassílabos. Já o (72) assume o formato de uma carta, está distribuído em parágrafos e apresenta as marcas específicas desse gênero textual: localidade, data, saudação, despedida, assinatura. No entanto, se ambos se pretendem cartas, como diferenciá-los? O principal fator a ser considerado é a função do texto. Em (72), o propósito é explícito: uma filha pretende obter informações sobre o estado de saúde da mãe e reatar laços outrora desfeitos. O caráter “utilitário”7 é, portanto, predominante e baseia-se em referências concretas. Em (71), também temos um filho dirigindo-se à mãe para relatar a saudade da infância, do carinho materno. Entretanto, não se pode afirmar que seja esse o principal objetivo do texto. Trata-se aqui de um homem maduro (a quem, como a qualquer outro, os sofrimentos, as decepções deixaram marcas) “fazendo um balanço” de sua vida e percebendo que o “saldo” da passagem do tempo foi sobretudo a perda da esperança. Procedemos, então, à leitura da “carta” como à de uma reflexão sobre a passagem do tempo, diluídas aí as referências individuais. Porém, para a leitura do texto literário, não basta compreender o conteúdo. O plano da expressão, a forma como texto é construído torna-se tão relevante quanto o próprio significado.

6 Segundo informação da revista Domingo, “alguns nomes foram embaçados nas reproduções das cartas para preservar o anonimato”. 7 PLATÃO & FIORIN (1991). p. 350.

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No texto (71), o eu lírico percebe os sinais do tempo como “golpes”, “espinhos”, “lembranças da vida a teu menino”, configurando, assim, o amadurecimento como sofrimento e desesperança. Tudo isso permeado por uma atmosfera sombria (“ao sol-posto”, “ao despertar, revejo a um canto / a noite acumulada de meus dias”), como se, ao ser privado da “sabedoria das crianças” e da esperança que as anima, só lhe restasse a noite, mas sem os sonhos. Ora, a partir daí pode-se chegar a algumas diferenças básicas: Texto literário Texto não literário objetiva o prazer estético; predomínio da linguagem

conotativa; admite a plurissignificação; procura a originalidade.

tem função “utilitária” (informar, persuadir, explicar, documentar); predomínio da denotação; evita a ambigüidade; não tem compromisso com a

originalidade. ATIVIDADE 1 Analisar os textos abaixo, especificando os fatores que definem sua literariedade. a)

Epigrama n º 2 És precária e veloz, Felicidade. Custas a vir, e, quando vens, não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e, para te medir, se inventaram as horas. Felicidade, és coisa estranha e dolorosa. Fizeste para sempre a vida ficar triste: porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo, despovoado e profundo, persiste. (MEIRELES, Cecília. Viagem. In: ___. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 114.)

b) Vestibular Paulo Roberto Parreiras desapareceu de casa. Trajava calças cinzas e camisa branca e tinha dezesseis anos. Parecia com teu filho, teu irmão, teu sobrinho, parecia com o filho do vizinho mas não era. Era Paulo Roberto Parreiras que não passou no vestibular. Recebeu a notícia quinta-feira à tarde, ficou triste e sumiu. De vergonha? de raiva? Paulo Roberto estudou dura duramente

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durante os últimos meses. Deixou de lado os discos, o cinema, até a namoradinha ficou dias sem vê-lo. Nem soube do carnaval. Se ele fez bem ou mal não sei: queria passar no vestibular. Não passou. Não basta estudar? Paulo Roberto Parreiras a quem nunca vi mais gordo, onde quer que você esteja fique certo de que estamos de seu lado. Sei que isso é muito pouco para quem estudou tanto e não foi classificado (pois não há mais excedentes), mas é o que lhe posso oferecer: minha palavra de amigo desconhecido. Nesta mesma quinta-feira em Nova Iorque morreu um menino de treze anos que tomava entorpecentes. Em S. Paulo, outro garoto foi preso roubando um carro. E há muitos outros que somem ou surgem como cometas ardendo em sangue, nestas noites, nestas tardes, nestes dias amargos. Não sei pra onde você foi nem o que pretende fazer nem posso dizer que volte para casa, estude (mais?) e tente outra vez. Não tenho nenhum poder, nada posso assegurar. Tudo que posso dizer-lhe é que a gente não foge da vida, é que não adianta fugir. Nem adianta endoidar. Tudo o que posso dizer-lhe é que você tem o direito de estudar. É justa a sua revolta: Seu outro vestibular. (GULLAR, Ferreira. Na vertigem do dia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 83-5.) Atividade 1

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a) Epigrama significa uma pequena composição em verso. Neste caso, o tema é o tempo. O eu poético dirige-se à Felicidade, personificando-a (v. 2, 3 e 6), para discutir a passagem do tempo, a efemeridade das coisas. A ela são atribuídas as seguintes características e ações:

CARACTERÍSTICAS AÇÕES “precária”, “veloz”, “coisa estranha”, “dolorosa”

“custas a vir”, “quando vens, não te demoras”, “ensinaste aos homens que havia tempo”, “fizeste a vida ficar triste”

Definida atribuição de ensinar aos homens a noção da temporalidade, a felicidade adquire papel central na existência humana. É só por ela que se vive. É por ela que se contam as horas. Mas, justamente por essa associação ao tempo, a Felicidade assume um caráter paradoxal: “Custas a vir, e, quando vens, não te demoras (....) / (...), és coisa estranha e dolorosa. / Fizeste para sempre a vida ficar triste.” Conclui-se, assim, que a felicidade é fugaz e com, isso, sobram horas não felizes. Sobra tempo para pensar nos momentos felizes que não vieram ou nos que passaram: “porque um dia se vê que as horas todas passam, / e um tempo, despovoado e profundo, persiste”. Observe-se ainda que a linguagem usada é figurada, permitindo, por exemplo, a personificação da felicidade e o paradoxo que a sustenta. b) O texto Vestibular começa num tom narrativo, semelhante ao de uma notícia: “Paulo Roberto Parreiras / desapareceu de casa. / Trajava calças cinzas e camisa branca / e tinha dezesseis anos”. Mas logo percebemos que seu objetivo não é meramente informativo, pois há uma tentativa de aproximar o leitor da dor vivida pelo personagem: “Parecia com teu filho, teu irmão, / teu sobrinho, parecia / com o filho do vizinho (...)”. E só então o eu poético identifica a razão da fuga de Paulo: ele não passou no vestibular. O modo narrativo prossegue, porém com inserções de questionamentos (“De vergonha? De raiva? / (...) Não basta / estudar?”). A partir da terceira estrofe, o eu poético vai revelar sua solidariedade ao rapaz, dirigindo-se diretamente a ele. Então, o tom argumentativo vai prevalecer, com a tese: embora o sistema educacional seja injusto e não garanta vaga aos que estudam, isso não é motivo para fuga. Ao contrário, encarar a “derrota” seria um outro vestibular. Assim, percebe-se que o objetivo não seria simplesmente apresentar dados sobre a trajetória de Paulo Roberto ou consolá-lo em sua dor, mas mostrar que esta é uma espécie de “prévia” do amadurecimento. A dor e o desencanto dizem respeito a todos os seres humanos e “Tudo que posso dizer-lhe / é que a gente não foge da vida, / é que não adianta fugir. / Nem adianta endoidar.” A vida, pois, adquire no texto o sentido da grande prova por que passamos, diariamente, com ou sem mérito. ATIVIDADE 2 A canção que segue se encaixa no perfil traçado para os textos literários? Justifique sua resposta com dados analíticos sobre o texto.

Eu te amo Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios Rompi com o mundo, queimei meus navios Me diz pra onde é que inda posso ir

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Se nós, nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir Se entornaste a nossa sorte pelo chão Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu Como, se na desordem do armário embutido Meu paletó enlaça o teu vestido E o meu sapato inda pisa no teu Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair Não, acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos pra tomares conta Agora conta como hei de partir (Tom Jobim – Chico Buarque. 1980. In: HOLLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque, letra e música. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. p.184.)

Sim, porque o eu poético, para desenvolver o tema do inconformismo diante do fim da relação, faz uso da função poética destacando o plano da expressão. Note-se que a declaração de amor é toda feita em linguagem figurada, permitindo múltipla interpretação. Vejamos alguns exemplos: a) Hipérbole: “rompi com o mundo” (= a vida, as pessoas, nada mais faz sentido) b) Metáforas: “jogamos tudo fora” (= abrimos mão do que conseguimos), “queimei meus navios” (= destruí meu futuro, minhas metas, minhas perspectivas), “nas travessuras das noites eternas / já confundimos tanto as nossas pernas / diz com que pernas eu devo seguir” (= depois de tantas noites ardentes de amor, como posso prosseguir sozinho?),“entornaste a nossa sorte pelo chão” (= desperdiçaste nossa sorte), “na bagunça do teu coração” ( = na desordem da tua vida afetiva), “meu sangue errou de veia e se perdeu” (= me aproximei tanto de você que perdi minha identidade), “te dei meus olhos pra tomares conta” (= depositei minha confiança em você, te dei o poder de dirigir minha vida); c) Personificação: “meu paletó enlaça teu vestido / e o meu sapato inda pisa no teu” (= nossas coisas estão completamente misturadas, atadas, unidas) d) Comparação: “se nos amamos feito dois pagãos” (= se nos amamos com inteira liberdade, sem limites) Vale ressaltar também o recurso das rimas (AAB), reforçando o ritmo e destacando a correlação entre algumas palavras (por exemplo, “perdemos” X “jogamos”; “hora” X “fora”). Assim, há uma preocupação não apenas com o conteúdo do texto, mas sobretudo com a forma como tal sentido foi construído. Sugestões de sites www.pead.letras.ufrj.br/tema04/textoliterario.html www.uninet.com.br/niteroi/nmdp_018.htm www.estacaodasletras.com.br/rodas02.asp

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MÓDULO VI - ESTILO E ÉPOCAS Objetivos Específicos: Identificar os principais fatores que caracterizam um estilo. Relacionar estilo e época. Distinguir diferentes abordagens (psicologizante, sociologizante e formalista).

Unidade I Visões de Estilo De acordo com POSSENTI (2001), tradicionalmente, a crítica literária vem abordando esse tema seguindo uma das três concepções de estilo: a) Psicologizante, que vê a obra como revelação da subjetividade do escritor; b) Sociologizante, que relaciona a produção literária a aspectos sociais e ideológicos que lhe são contemporâneos; c) Formalista, que tenta ver a obra apenas em sua manifestação artística, sem a interferência de fatores autobiográficos e contextuais. Dentro da concepção dita “psicologizante”, o estilo é visto como um desvio em relação a uma norma, caracterizado na literatura pela rejeição ao corriqueiro, ao lugar-comum próprio da linguagem diária. A interpretação do leitor, nesse caso, seria construída a partir de um “estranhamento”, que ativaria a reflexão sobre a linguagem empregada. Diferentemente, a visão “sociologizante” de estilo insere a criação artística no processo sócio-cultural, relacionando-a a convenções sociais e artísticas de uma época. Nesse caso, até mesmo para caracterizar uma obra como original, inovadora, faz-se necessário um contraponto com a produção artística vigente. Já a abordagem formalista vai enfocar o estilo de um ponto de vista interno à obra. Isto é, vai caracterizá-lo pela forma como o material lingüístico é trabalhado e pelos efeitos estéticos produzidos. Note-se que todas essas acepções contêm aspectos relevantes e não excludentes, que podem ser associados no estudo de um texto. Por exemplo, quando se considera o contexto sócio-cultural em que uma obra foi produzida, ou as intenções do escritor, as condições de enunciação, criam-se mecanismos para melhor compreender referências, omissões, linguagens, possibilitando a construção da coerência. Porém, a compreensão não pode prescindir das escolhas lingüísticas e dos efeitos daí derivados. Exemplos:

O assassino É caminhoneiro, viaja por todo o país, às vezes mais de mês fora de casa. Quando encontra a mulher grávida, o tipo fica possesso: – Meu? Esse aí? Nunca que é! A moça, muito religiosa, ele o único homem. Feliz que terá enfim companhia nas longas ausências do marido. Cada vez que ele chega: – Não é meu esse bicho. E xinga: – Dessa barriga o pai não sou.

Repetir repetir – até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo. (BARROS, Manoel de. Livro das ignorãças. 10 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 11.

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Na outra viagem: – Esconda a pança medonha. Nada tenho com ela. No fim da gravidez: – O quê? Ainda prenha? Não se livrou desse trambolho? Nasce uma menina, bonita, alegre, sempre de fita no cabelo, a amiguinha da mãe que, desde então, evita o assédio do marido. A criança adora o pai, que repele o seu agrado. – Sai pra lá, você! Na partida, manobrando de ré o caminhão, ele passa pelo corpinho da menina. Mais que alegue inocência, para a mulher foi de propósito: – Assassino, sim. Da tua própria filha. Bandido. Há de queimar no inferno. Monstro! Absolvido no inquérito, mas não por ela, que o recebe aos gritos de três vezes maldito. Na viagem seguinte morre de mal súbito. A mulher não chora nem veste luto: – E um assassino merece? (TREVISAN, Dalton. Capitu sou eu. 3 ed. São Paulo: Record, 2003. p. 46-7.) Destaca-se aqui a concisão narrativa. Não há descrição do espaço nem dos personagens. Note-se que estes nem têm nome e sua caracterização é dada pelos elementos lexicais usados para referi-los ou pelo efeito provocado pelo diálogo. Veja: No discurso do narrador: Homem = “Caminhoneiro”, “o tipo”, “o único homem”, “marido”, “pai”; Mulher = “a mulher grávida”, “a moça muito religiosa”, “mãe”; Criança = “menina”, “amiguinha da mãe”, “criança”, “corpinho da menina”. No discurso do marido: Mulher = “prenha”; Criança = “meu?”, “esse aí?”, “bicho”, “barriga”, “pança medonha”, “trambolho”. No discurso da esposa: Homem = “assassino”, “bandido”, “monstro”, “maldito”; Criança = “tua própria filha”.

Na seleção lexical prevalecem itens que configuram o homem como “inseguro”, “agressivo”, “bruto”, e a mulher como a “esposa leal”, “mãe dedicada”, “mártir”.

A concisão do texto – manifestada, inclusive, na supressão de elementos coesivos (“É caminhoneiro, viaja por todo o país, às vezes [passa] mais de mês fora de casa”; “A moça, muito religiosa, ele o único homem. [Por] “Mais que alegue inocência, para a mulher foi de propósito) – dá dinamismo ao conflito, do qual se exibem apenas “instantâneos”, despidos de qualquer apelo sentimental.

O registro é coloquial, em coerência com os personagens de classe média-baixa: “O quê? Ainda prenha? Não se livrou desse trambolho?”

Lembramos, aqui, HOHLFEDT (1988) para quem Trevisan, “por vezes”, “substitui gradativamente o narrar pela simples presentificação, a simples ‘atitude’ do personagem” 8 . Tudo isso ajuda a compor um quadro em que os “atores”, como que pinçados da realidade, encaram com objetividade e crueza as frustrações e tragédias diárias.

Vimos até então tratando da noção de estilo em textos literários. No entanto, sabe-se que o conceito ultrapassa o domínio da palavra artística; torna-se, pois, recomendável, relacioná-lo a diferentes gêneros textuais. Optamos por um gênero bastante difundido no jornalismo contemporâneo – a coluna. O texto que leremos a seguir foi extraído da coluna dominical Sete Dias, do comentarista Augusto Nunes, que aborda criticamente os principais fatos políticos da semana.

Ser feliz é ver Pelé em campo

8 HOHLFEDT, Antonio. Conto brasileiro contemporâneo. 2 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p. 163.

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Fosse outro o país e as filas de espectadores se estenderiam por quilômetros. Paralisariam shoppings, abarrotariam calçadas, provocariam engarrafamentos amazônicos – e ai de quem se atrevesse a balbucios queixosos, esgares descontentes, quaisquer vestígios de contrariedade. Porque tais atitudes seriam ofensas mortais a uma reverência prestada por procissões de devotos a um deus vivo, a uma homenagem de milhões de súditos a seu rei – o Rei Pelé.

Assim seria se fosse outro o país. Mas estamos no Brasil. Pode ser que haja alguma lógica em toda loucura. Não aqui. Só assim se entende que Pelé eterno não tenha provocado a comoção nacional exigida por evento de tamanha dimensão.

É um excelente documentário sobre o maior jogador de futebol de todos os tempos. Excelente, sim: gente que escreveu para criticar depoimentos colhidos pelo diretor Aníbal Massaini ou declarações formuladas por Edson Arantes do Nascimento merecem pilhas de ingressos para divertir-se com filmes iranianos. Ou albaneses.

Um documentário que mostra quase 400 gols do gênio, e dezenas de jogadas inverossímeis, já justificaria a decretação de um feriado nacional, dúzias de manifestações cívicas. Mas Pelé eterno é muito mais que isso. É o retrato de um artista definitivamente singular, irrepetível. Não houve nada parecido com Pelé. Tampouco haverá.

“Era tudo verdade”, murmuram jovens brasileiros, à saída das sessões, para pais que durante tanto tempo pareciam estar viajando por excessos nostálgicos. Como pudera haver alguém com o arranque de Garrincha, a ginga de Muhammad Ali, capaz de girar no espaço como Nureyev e voar como Michael Jordan, dissimular o movimento como Marlon Brando, manter todo o gramado sob a estreita vigilância de quem alcança, com olhar de fera, o milagre dos 360 graus?

Como acreditar que Pelé tinha mesmo equilíbrio de ginasta, rapidez de velocista, força de decatleta, resistência de maratonista, coragem de um brigador das ruas do Harlem? Como entender que, com pouco mais de 1,70m, chegasse a altitudes inatingíveis para gigantes que tentavam impedir-lhe a cabeçada perfeita?

Como entender que um jovem destro aprendesse a fazer aquilo tudo com a perna esquerda, de tal forma que a certa altura ninguém sabia qual fora a escolha da natureza? Como comparar a qualquer outro um craque que ganhou a primeira Copa do Mundo aos 18 anos – e nos 17 seguintes seria titular absoluto da Seleção Brasileira e do Santos? E faria 1.281 gols, e provaria com os que por muito pouco não fez que no futebol pode haver a imperfeição mais que perfeita? Que interromperia combates entre guerrilheiros mais interessados em vê-lo atacar?

Ao cinema, brasileiros. Esqueçam as preocupações por duas horas. Fechem ouvidos à discurseira eleitoral. Arquivem momentaneamente inquietações de todos os gêneros. Ao cinema, brasileiros. Ver Pelé em campo – isto sim é ser feliz.

(Augusto Nunes. Jornal do Brasil. Domingo, 11 de julho de 2004. p. A18.) Dessa vez o artigo também principia por uma crítica. Só que não aos políticos, mas aos

brasileiros em geral que, segundo o autor, não saberiam valorizar seus heróis – “(...) se fosse outro país. Mas estamos no Brasil. Pode ser que haja alguma lógica em toda essa loucura. Não aqui.”

O tom de cobrança é suspenso temporariamente pelos elogios ao filme. Todavia, mesmo aí, há espaço para uma crítica que fica implícita quando recomenda “pilhas de ingressos” de filmes iranianos ou albaneses para os mais exigentes.

Pelé eterno é usado como mote para o comentarista louvar a genialidade do atleta. E isto é feito principalmente através de hipérboles (“Fosse outro o país e as filas de espectadores se estenderiam por quilômetros. Paralisariam shoppings, abarrotariam calçadas, provocariam engarrafamentos amazônicos...”) e um turbilhão de perguntas retóricas (“Como acreditar que Pelé tinha mesmo equilíbrio de ginasta, rapidez de velocista, força de decatleta, resistência de maratonista, coragem de um brigador das ruas do Harlem? Como entender que, com pouco mais de 1,70m, chegasse a altitudes inatingíveis para gigantes que tentavam impedir-lhe a cabeçada perfeita?”), que acabam nos levando à conclusão de que Pelé, eleito “atleta do século XX”, é de fato, inexplicável, imprevisível, irrepetível e, sobretudo, inesquecível.

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Ao final, como que tomado também por um “excesso nostálgico”, o articulista pede uma pausa às preocupações, à “discurseira” eleitoral, às “inquietações de todos os gêneros”, ou seja, ao seu próprio “estilo” de jornalismo e convoca os brasileiros ao cinema e à felicidade.

Seria interessante se pudéssemos, agora, analisar outros textos desses dois autores para observar como as formas por eles escolhidas de certa forma se repetem, contribuindo para reforçar sua significação. Como isso não é possível neste trabalho, fica a sugestão.

Com isto, concluímos reafirmando que o que vai definir o estilo é a recorrência de marcas de conteúdo e de expressão, que conferem uma espécie de “personalidade”, de “originalidade” ao discurso. Do mesmo modo como as jogadas de Pelé conferiram ao espetáculo do futebol sua singularidade. Atividade

O texto seguinte (fragmento), de Carlos Drummond de Andrade, também tem Pelé como tema. Mas, você vai perceber que o poeta faz o uso de outros recursos expressivos (aliterações, assíndetos, ecos, neologismos, rimas, etc.) para louvar o atleta. Selecione alguns desses recursos e comente seus efeitos expressivos e, em seguida, estabeleça uma comparação com o texto Ser feliz é ver Pelé em campo, tendo por base os gêneros textuais e os recursos formais utilizados por cada autor. Letras louvando Pelé Pelé, pelota, peleja. Bola, bolão, bolaço. Pelé sai dando balõezinhos. Vai, vira, voa, vara, quem viu, quem previu? GGGGoooolll. Menino com três corações batendo nele, mina de ouro mineira. Garoto pobre sem saber que era tão rico. Riqueza de todos, a todos doada na ponta do pé, na junta do joelho, na perna do peito. E dança. Bailado de ar, bola, beijada. A boa bola, bólide, brasil-brincando. A trave não trava, trevo de quatro, de quantas pétalas, em quantas provas, que se contam? Mil e muitas. Mundo. Gol de letra, de lustre, de louro. O gol de placa, implacável. O gol sem fim, nascendo natural, do nada, do nunca: se fazendo fácil na trama difícil, flóreo, feliz. Fábula. Na árvore de gols Pelé colhe mais um, receita rara. E não perde a fome? E não periga a força? E não pesa a fama? Ama. Ama a bola, que o ama, de mordente a amor. Os dois combinam, mimam-se, ameigam-se, amigam-se. “Vem comigo”, e entram juntos na meta. Quem levou quem? Onde um termina, e a outra começa, mistura fina. Saci-pererê, saci-pelelê, só pelê, Pelé, na pelada infantil. Assim se forma um nome curto, forte, aberto. Saci com duas pernas pulando por quatro? Nunca vi. Nem eu. Mas vi. Saci corta o ar em fatias diáfanas, corta os atacantes, os defensores, saci-bola, tatu-bola, roaz, reto, resplandece. (...) (ANDRADE, Carlos Drummond de. Quando é dia de futebol; pesquisa e seleção de textos de Luís Maurício G. Drummond e Pedro Augusto G. Drummond. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 205-6.) Atividade 1 Destacamos alguns efeitos expressivos: 1) aliterações: insistente repetição dos fonemas /p/ e /b/, sugerindo, além da associação Pelé = bola, a própria sonoridade de um bate-bola; repetição do fonema /v/, evocando rapidez, velocidade, em : “Vai, vira, voa, vara, quem viu, quem previu?” 2) alterações no significante produzindo significados de sentido metafórico: “Saci-pererê, saci-pelelê, só pelê, Pelé, na pelada infantil”, com associação do jogador a imagens que remetem à infância, à brincadeira, o que também se revela em “menino com três corações batendo nele”. Há ainda metáforas que remetem ao prazer, à leveza, como em “E dança. Bailado de ar.”

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3) associações de significantes, sugerindo carinho e intimidade entre o jogador e a bola: “Os dois combinam, mimam-se, ameigam-se, amigam-se.” 4) paradoxo: revela o espanto diante “garoto pobre sem saber que era tão rico”; “se fazendo fácil na trama difícil”; “Saci com duas pernas pulando por quatro? Nunca vi. Nem eu. Mas vi.” 5) assíndeto: a ausência de conectivos conferindo certo dinamismo à narração, como em “Vai, vira, voa...”, ou ainda acentuando a gradação como em “Os dois combinam, mimam-se, ameigam-se, amigam-se.” Comparando, agora, este texto com o de Augusto Nunes, pode-se afirmar que, embora tratem do mesmo “personagem”, o de Drummond utiliza-se de uma linguagem poética, metafórica, explorando recursos sonoros próprios da poesia para descrever a magia que Pelé criou em campo. Já o de Augusto Nunes vai lançar mão de recursos próprios da argumentação para defender sua tese de que o país deveria fazer uma pausa para a felicidade assistindo ao filme Pelé Eterno. Porém, quanto à subjetividade, podemos encontrá-la também no de Augusto Nunes através do uso da ironia e da figuratividade das hipérboles. Sugestões de sites www.jornalismo.cee.ufsc.br/gratex1.html www.radames.manosso.nom.br/retorica/estilo.htm MÓDULO VII INTERTEXTUALIDADE Objetivos Específicos: Identificar o intertexto como fator de coerência; Estabelecer relações intertextuais.

Unidade I Texto e Intertexto É a referência (explícita ou implícita) de um texto a outros, ditos “intertextos”. (Entenda-se “texto”, aqui, em sentido amplo: orais, escritos, cinema, artes plásticas, música, publicidade, etc.). Explícita: quando tais referências são feitas diretamente, com a indicação da fonte

(intertexto). Exemplo: resumos, resenhas, citações, etc.; Implícita: quando um texto “dialoga” com outro sem indicar objetivamente o intertexto.

Exemplo:

B. O intertexto Funcionam como intertextos: frases famosas, provérbios, trechos de obras literárias, textos publicitários, bordões de programas humorísticos ou de novelas, etc.

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde Se ele chorar Se ele se ajoelhar Se ele se rasgar todo Não acredita não, Teresa É lágrima de cinema É tapeação Mentira CAI FORA (BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: Manuel Bandeira: poesia e prosa.v. II. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958. p. 77.)

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“Canção do exílio” (Gonçalves Dias), que serviu de base para inúmeras recriações, inclusive não literárias. “Até que a bebida nos separe.” (Veja, 16 de março, 1988, mensagem da AAA. Apud KOCH. 2004. p.149.) “Quem vê cara não vê AIDS.” (Veja, 17 de fev., 1988, propaganda do Ministério da Saúde. Idem p. 149)

C. Manifestações e Funções da Intertextualidade

Considerando a intertextualidade de forma ampla, pode-se afirmar que ela é praticamente onipresente. Isto devido a quase impossibilidade de produzirem-se textos que não façam referência a outros ou à “memória coletiva, a memória de um grupo ou de um indivíduo específico” 9. Conversas telefônicas, canções, textos didáticos, canções, filmes, propagandas..., enfim, nosso discurso se constrói a partir de outros. De acordo com KOCH & TRAVAGLIA (1989. p. 88-89), a intertextualidade pode se manifestar a partir dos seguintes fatores: Como referência ao conteúdo:

Exemplos:

textos (teóricos, publicitários, literários...) que se remetem a conteúdos de outros textos, artigos jornalísticos que comentam (explicitamente ou não) uma fala ou um acontecimento já noticiado, etc.;

Como referência a fatores formais e/ou a modelos cognitivos globais ou a fatores “tipológicos”: Exemplos:

textos que “imitam” o estilo de determinado autor, textos que tentam seguir o “formato” de outros, etc.;

Já FIORIN (2003) utiliza outra nomenclatura para processos semelhantes – a citação, a alusão e a estilização. No primeiro, referindo-se somente a textos literários, o autor inclui indiferentemente os que mantêm ou alteram o sentido do intertexto, como no exemplo (75), em que Manuel Bandeira “brinca” com os versos românticos de Joaquim Manuel de Macedo:

Mulher, irmã, escuta-me: não ames. Quando a teus pés um homem terno e curvo Jurar amor, chorar pranto de sangue, Não creias, não, mulher: ele te engana! As lágrimas são galas da mentira E o juramento manto da perfídia.

9 MATEUS, Mira et alii,.1983. Apud MOTTA MAIA. p. 4.

“A intertextualidade é o processo de incorporação de

um texto em outro, seja para reproduzir o sentido

incorporado, seja para transformá-lo.”

(FIORIN, José Luiz. Polifonia textual e discursiva. In:

___ & BARROS, Diana L. P. de. Dialogismo,

polifonia e intertextualidade. São Paulo: EDUSP,

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(Apud BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: Manuel Bandeira: poesia e prosa. v. II. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1958. p. 77.)

Note-se que Bandeira preservou o mesmo sentido, porém procurou adaptar a linguagem do

texto a um registro coloquial, em consonância com a poética modernista. No processo de alusão, Fiorin inclui textos que reproduzem tanto construções sintáticas (com a substituição de algumas figuras), quanto relações com o tema original. Um dos exemplos apresentados pelo autor é o da Canção do Exílio, de Murilo Mendes, cujos versos iniciais aludem aos da abertura do poema de Gonçalves Dias. Quanto ao processo de estilização, que o autor o define como “a reprodução do conjunto de procedimentos do ‘discurso de outrem’, isto é do estilo de outrem” (op. cit. p. 31), pode ser ilustrado por textos de Manuel Bandeira escritos “à maneira de” outros escritores, tais como Augusto Frederico Schmidt, Alberto de Oliveira, etc. Com tudo isso, concluímos que, através da intertextualidade, pode-se: Defender as idéias contidas em um texto; Contestar o intertexto; Ironizar o texto original; Adaptar um texto a novas situações; Argumentar a partir das idéias nele contidas, etc.

Assim, reexaminando o exemplo apresentado no Módulo IV, o texto (70), construído através de colagem de trechos jornalísticos, pode-se dizer agora que a identificação dos intertextos (fragmentos de notícias) torna-se tão importante para a construção de sentido quanto a identificação do gênero. Senão, vejamos: ao reconhecer trechos da matéria como seqüências empregadas em seções específicas, o leitor, de certa forma, é induzido a determinada expectativa. E vai ser justamente a ruptura dessa expectativa que levará o leitor a construir a idéia de que as notícias podem ser diferentes, de que a rotina pode (e deve) ser rompida. Atividade I Leia o texto abaixo e, em seguida, responda aos itens propostos. Condenados à Civilização Existem frases que sobrevivem ao tempo em que foram criadas. Monteiro Lobato cunhou uma delas: “Um país se faz com homens e livros.” Encerra uma espécie de destino. Sem homens e sem livros não haveria país nenhum. Os homens, é claro, não seriam Jecas esqueléticos e banguelas que viviam agachados nos arraiás da vida a pitar seus cigarrinhos de palha. O escritor talvez imaginasse super-homens nacionais, saudáveis e cultos: a antítese daquele fazendão onde só cresciam febre amarela, peste bubônica, varíola, cólera, tuberculose, sífilis e outras doenças. “Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são.” Repetida por Macunaíma, o nosso herói preguiçoso e sem caráter, a frase de Mario de Andrade dá o tom da época. O tempo passou e, em lugar do super-homem lobatiano, apareceu isto sim um superpobre obeso. O fazendão mudou, mas os seus problemas ditos estruturais, como fome e analfabetismo, só para tirar duas cascas da nossa história de feridas, ainda permanecem. Nasceram cidades e suas gigantescas periferias. Quanto aos livros, que junto com os homens deveriam construir o país de Lobato, nem se fala. Livro sempre foi um luxo das elites. Fala-se de inclusão digital e nem se chegou ainda à era “alfabética” para as grandes massas. Cai como uma luva outra frase, esta de Euclides da Cunha, que disse: “Estamos condenados à civilização”. Não importa que civilização. Mesmo que seja um cenário de bárbaros

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com celular. O país tem que correr atrás do prejuízo. Apesar do pessimismo do poeta de A banda, que disse recentemente não ver possibilidade de mudança social no horizonte e tudo descambando para uma situação irracional, é necessária uma utopia, uma supernova consciência. O governo, mais do que de campanhas publicitárias, precisa mobilizar gente, inventar programas e incentivar quem trata da “palavra”. Neste fim de ano, como se viesse do mundo imaginado por Lobato, surgiu uma boa nova. A lei que isenta a produção de livros de impostos federais e anuncia para o ano que vem um plano para estimular a leitura. É o primeiro passo. Quem sabe agora sai o “Programa livro 10”, a preços realmente populares. É assim que se vai construir uma civilização brasileira. (Bruno Liberati. Jornal do Brasil, 29 de dezembro de 2004, p. A2) a. Indique o gênero textual e tipologia empregada. b. Identifique o(s) intertexto(s). c. Como são feitas as referências: há substituição de palavras? transposição de sentidos? Explique. d. Qual a finalidade, neste caso, da relação intertextual? Atividade 1: a) Gênero – coluna jornalística, crítica jornalística ou crítica política. Tipologia – O autor utiliza basicamente a argumentação, mas lança mão também da narração, da descrição e da exposição. Exemplos: 1 º § – Exposição 2 º § – Exposição (“Monteiro Lobato cunhou uma delas: ‘Um país se faz com homens e livros.’”) e Argumentação (“Encerra uma espécie de destino. Sem homens e sem livros não haveria país nenhum.”) 3 º § – Argumentação 4 º § – Narração (“O tempo passou e, lugar do super-homem lobatiano, apareceu isto sim um superpobre obeso.”) 5 º § – Argumentação (“O fazendão mudou, mas os seus problemas ditos estruturais, como fome e analfabetismo, só para tirar duas cascas da nossa história de feridas, ainda permanecem.”) e Narração (“Nasceram cidades e suas gigantescas periferias.”) 6 º § – Argumentação (“Livro sempre foi um luxo das elites. Fala-se de inclusão digital e nem se chegou ainda à era “alfabética” para as grandes massas.”) 7 º § – Argumentação (“Apesar do pessimismo... é necessária uma utopia, uma supernova consciência.”) e Exposição (“...poeta de A banda, que disse recentemente não ver possibilidade de mudança social no horizonte e tudo descambando para uma situação irracional,...”) 8 º § – Argumentação (“O governo, mais do que de campanhas publicitárias, precisa mobilizar gente, inventar programas e incentivar quem trata da ‘palavra’”.) 9 º § – Narração (“Neste fim de ano, como se viesse do mundo imaginado por Lobato, surgiu uma boa nova. A lei que isenta a produção de livros de impostos federais e anuncia para o ano que vem um plano para estimular a leitura.”) e Argumentação (“É o primeiro passo. Quem sabe agora sai o “Programa livro 10”, a preços realmente populares.”) 10 º § – Argumentação b) Intertextos: • “Um país se faz com homens e livros.” (Monteiro Lobato) • “Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são.” (Mario de Andrade) • “Estamos condenados à civilização.” (Euclides da Cunha) • Referência ao pensamento de Chico Buarque sobre o futuro do país.

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c) O autor faz três citações literais e, com o intuito de demonstrar sua atualidade, procura fundamentá-las com exemplos contemporâneos. Por exemplo, quando se remete a Mario de Andrade, o autor apresenta problemas do Brasil de hoje, tais como a fome e o analfabetismo, freqüentes sobretudo nas periferias dos centros urbanos. Posteriormente, quando se refere à frase de Euclides da Cunha – “Estamos condenados à civilização.” –, ele concorda com o autor de “Os sertões”, ainda que com a ressalva da visão contemporânea: “Mesmo que seja um cenário de bárbaros com celular.” A única discordância ocorre em relação ao pronunciamento de Chico Buarque, considerado muito pessimista pelo cronista. d) A intertextualidade objetiva, neste caso, mostrar que o país pouco evoluiu e que as observações de seus intelectuais, quase um século depois, infelizmente, ainda têm aplicabilidade. Atividade II Leitura e produção de texto Texto 1 Recado de Primavera Meu caro Vinícius de Moraes: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera – acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui da minha casa vejo uma vaga espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris. O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho em uma touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos. Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui – a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus. Setembro, 1980 (BRAGA, Rubem. Recado de Primavera. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 1985. p. 107-8.) Texto 2 Recado de primavera Meu caro Rubem Braga: Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a primavera chegou. Na véspera da chegada, não sei se lhe contaram, você virou placa de bronze, que pregaram na entrada do seu prédio. O próximo a ser homenageado é seu amigo Vinícius de Moraes, e é essa lembrança que me faz parodiar o “Recado de Primavera”, que você mandou ao poeta quando ele se tornou nome de rua.

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Sua crônica foi lida na inauguração da placa, durante uma cerimônia rápida e simples, para você não ficar irritado. A idéia foi da Confraria do Copo Furado, um alegre clube de degustadores de cachaça que não existia no seu tempo. Antes que alguém dissesse “mas como, se Rubem só tomava uísque!”, o presidente da confraria, Marcelo Câmara, se apressou em lembrar que Paulo Mendes Campos uma vez revelou que o maior “orgasmo gustativo” do velho Braga, na verdade, foi bebendo uma boa pinga num boteco do Acre. Paulinho, que deve estar aí a seu lado, só faltou dizer que você sempre foi um cachaceiro enrustido. Temendo uma bronca sua, Roberto, seu filho, fez tudo na moita: não avisou a imprensa e não comunicou nada a nenhuma autoridade ou político. De gente famosa mesmo só havia Carlinhos Lira e Tônia Carrero. Aliás, sua eterna musa declamou aquele soneto que você ficou todo prosa quando Manuel Bandeira incluiu numa antologia, lembra-se? Tônia se esforçou para não se emocionar, e quase conseguiu. Mas quando aquela luz do meio-dia que você tanto conhece bateu nos olhos dela, misturando as cores de tal maneira que não se sabia mais se eram verdes ou azuis, viu-se que estavam ligeiramente molhados, mas todo mundo fingiu que não viu. Depois da homenagem, subimos até a cobertura. Não sei se você sabe, mas Roberto levou uns quatro meses reformando o terraço. Agora pode chover à vontade que não inunda mais. O resto está igual: as paredes cobertas de quadros e livros, o sol entrando, a vista do mar. Quando chegamos à varanda, achamos que você estava deitado na rede. O pomar, mesmo ainda sem grama, está um brinco e continua absolutamente inverossímil. “Como é que ele conseguiu plantar tudo isso aqui em cima?”, a gente repetia, fazendo aquela pergunta que você ouviu a vida toda. Os dois coqueiros que lhe venderam como “anões” já estão com mais de três metros de altura. As duas mangueiras, depois da poda, ficaram frondosas e enormes, uma beleza. Vi frutinhas brotando nos cajueiros, nas pitangueiras e nas jabuticabeiras, pressenti promessas de romãs surgindo e esbarrei em pés de araçá e carambola. Agora, há até um jabuti. As palmeiras que ficam no canto – se lembra? – estão igualmente viçosas. Roberto jura que não é forçação retórica e que de madrugada vem um sabiá-laranjeira cantar ali, diariamente, acordando os galos que deram nome ao morro que fica atrás. Assim, sua cobertura é a única que tem palmeiras onde canta o sabiá (Roberto faz questão de dizer “a” sabiá, em homenagem ao Tom). Há um outro mistério. Maria do Carmo, sua nora, conta que o pastor alemão, Netuno, de sobrenome Braga, que você conheceu, pegou todas as suas manias: toma sol no lugar onde você gostava de ler jornal de manhã, resmunga e passa horas sentado, com as duas patas pra frente, apreciando o mar. A diferença é que dessa contemplação ainda não surgiu nenhuma crônica genial. Mas muita coisa mudou, cronista, nesses 16 anos. As “violências primaveris” de que você falava na sua carta a Vinícius não são mais o “mar virado”, a “lestada muito forte” ou o “sudoeste com chuva e frio”. Não são mais licenças poéticas, são violências mesmo. Para você ter uma idéia, a primavera desse ano foi como que anunciada por um cerrado tiroteio bem por cima de sua cobertura: os traficantes do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho voltaram a guerrear. Você deve ter visto aí de cima os tiros riscando a noite, luminosos, como na Guerra do Golfo. Estamos vivendo sob fogo cruzado. Ainda bem que nenhuma bala perdida atingiu seu apartamento. Por milagre, aquela parede de trás ainda está incólume. O tempo vai passando, cronista. Chega a primavera nesta Ipanema, toda cheia de lembranças dos versos de Vinícius, da música de Tom e de sua doce é poética melancolia. Eu ainda vou ficando por aqui – a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. E temendo, como todo mundo, as balas pedidas. Adeus. (VENTURA, Zuenir. Jornal do Brasil. 28 de setembro de 1996.) A crônica de Rubem Braga foi escrita em 1980 e exterioriza suas impressões sobre a passagem do tempo e as transformações que dela decorrem. Quase vinte anos depois, Zuenir Ventura retoma o tema, respondendo ao cronista. Agora, você também vai participar desse “papo”.

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Escreva um recado ao “poetinha” e aos dois cronistas – Rubem e Zuenir –, falando não apenas de Ipanema ou do Rio de Janeiro, mas do nosso país e das transformações que você observa. Lembre-se de que, em uma crônica, podem se alternar, diferentes tipos textuais. Atividade 2 Resposta pessoal. (Os critérios de avaliação empregados serão: obediência à proposta apresentada, coesão, coerência, domínio da norma culta e criatividade.) Atividade III Leia o trecho da entrevista de Carlos Drummond de Andrade e escreva uma resenha crítica sobre a entrevista, considerando o tratamento dado à intertextualidade. Atividade 3 Resposta pessoal. (Os critérios de avaliação empregados serão: obediência à proposta apresentada, coesão, coerência e domínio da norma culta.) Atividade IV Você vai “se apropriar” do conto Penélope, de Dalton Trevisan, considerando o que você conhece da personagem homônima de Homero, e construir uma narrativa que se relacione com ele por imitação ou por subversão. Seu texto deverá ser narrado em 1a. pessoa, sob a ótica feminina. Atividade 4 Resposta pessoal. (Os critérios de avaliação empregados serão: obediência à proposta apresentada, coesão, coerência, domínio da norma culta e criatividade.) Sites recomendados www.pead.letras.ufrj.br/tema02/intertextualidade2.htm www.fazeraprender.hpg.ig.com.br/FilosofiaeEducacao/trabalhos/T-AlineOliveira-EFE.htm MÓDULO VIII – GRAMÁTICA E ENSINO Ao longo do curso, quase integralmente, defendemos o ensino da gramática. Vimos que é uma prática de por mais que tenha sido (ou ainda seja, em alguns casos) árida na maior parte do tempo, é necessária à formação do aluno. Digo árida porque essa prática, além de contar com definições por vezes inconsistentes e incoerentes em livros (também chamados de gramáticas), contou (e, às vezes, ainda conta) com a postura obsessiva e despreparada de professores em relação à norma-padrão. Refletimos ao longo da apostila o quão importante é a ação encorajadora do professor, que deve desenvolver esse conhecimento sim, mas não de maneira obsessiva. Ele deve fazer a comunhão entre o formal e o funcional. Além de retomarmos essas questões de maneira conclusiva, acentuaremos, neste módulo, a perspectiva textual-interativa da gramática. Se analisarmos a gramática com os alunos sob o prisma do funcionamento da língua em vez de encará-la de uma forma correta de dizer as coisas, perceberemos que seu o ensino se confunde com a produção de texto (ainda que sejam pequenos enunciados). Enriquecemos este módulo com um exemplo de TRAVAGLIA sobre como ensinar o artigo definido nessa perspectiva formal-funcional. Unidade 1 – O “PARA QUÊ” ENSINARMOS GRAMÁTICA Se perguntarmos a professores e alunos quais são as finalidades do ensino da gramática na escola, a resposta provavelmente será algo como: “Melhorar o desempenho lingüístico do aluno, pois a partir do conhecimento de regras e normas do padrão culto, ele terá

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mais chance de “falar e escrever melhor” e, assim, poderá vir a ter sucesso em concursos e bom desempenho social e profissional. AZEREDO (2000) critica essa idéia de “adestrar” o aluno na língua padrão para que este possa ter sucesso em provas de concursos. Para ele, esta é uma justificativa pouco convincente. Uma outra finalidade que o estudioso também classifica como pouco convincente é o fato de o ensino gramatical possibilitar o aluno melhorar suas habilidades de escrita e leitura. Já discutimos anteriormente essa questão no módulo 5, quando apontamos outros fatores (e não somente o ensino gramatical) concorrentes para o desenvolvimento da leitura e da escrita. A finalidade mais expressiva do ensino e da aprendizagem da gramática de uma língua deve ser a de desenvolver o entendimento da estrutura e funcionalidade da língua. O leitor pode até argumentar, dizendo que esse é um interesse particular daqueles que desejam estudar a língua profundamente, ou seja, futuros professores de português, lingüistas, escritores, jornalistas etc. Na realidade, é um interesse de todos nós, que somos falantes da língua portuguesa. Esse argumento é tão incoerente quanto o argumento dos alunos que não gostam de Biologia e dizem que não precisam estudar essa ciência porque não pretendem ser médicos, biólogos, cientistas, dentistas ou veterinários. Como o autor afirma:

É preciso que o professor de português, ao ensinar gramática, “vista a camisa”. Se ele próprio não acreditar que as aulas de gramática são necessárias ao seu desenvolvimento intelectual como um todo, como poderá tornar as suas aulas atraentes? O objetivo do ensino é desenvolver no aluno atitudes próprias de conceber a realidade. Assim sendo, é necessário fazer da língua, de seus aspectos gramaticais, de suas normas e conceitos – por vezes instáveis – um objeto de observação, estudo e análise. Unidade 2 – DOGMATISMO OU DEMOCRACIA? Um dos maiores problemas que enfrentamos não somente com os nossos alunos mas com o falante da língua em geral é o medo de incorrer em erros durante a fala ou no registro escrito. Devido ao privilégio da língua escrita de acordo com a variante-padrão surgiu um preconceito lingüístico (e a Sociolongüística se encarrega dessa problemática) para com as variedades de uso coloquial. Como diz EVANILDO BECHARA (1989), não é uma questão de certo ou errado, mas de uso adequado ou inadequado da língua. Se o falante diz, na comunidade onde vive, “- Nós vai ao Maracanã assistir o Framengo jogar”, isto é norma dentro do grupo social a que pertence. Mesmo porque se passar a utilizar uma linguagem diferente, de acordo com a normatização, pode parecer pedante em sua comunidade e sofrer discriminação. Quando, entretanto, vai à escola precisa saber que lá é um ambiente onde deverá aprender a utilizar a língua padrão. Não digo que a utilizará entre os colegas de classe, mas em situações mais formais, como por exemplo, a apresentação de um trabalho, uma pesquisa, elaboração de uma dissertação, quando dirigir-se a professores, coordenadores ou diretores. Cito mais uma vez o professor BECHARA (1991), que sabiamente escreve:

Não se mede a pertinência de um dado conteúdo de ensino pelapossibilidade de ensiná-lo associado a qualquer espécie de utilidadepragmática. É preciso que se tenha do entendimento e da faculdade depensar, que são atributos exclusivamente humanos, um conceito dealta relevância pedagógica.

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Dessa forma, explica-se porque utilizou os termos “Opressão? Liberdade?” no título de uma de suas obras (1991); pois haverá “opressão” ao tentarmos impor exclusivamente a língua de uma das modalidades a todas as situações de linguagem indistintamente. Dessa forma, a língua não será respeitada como fator de manifestação da liberdade de expressão do falante. Por outro lado, haverá liberdade quando ficar claro que, sendo a língua um diassistema, cada comunidade lingüística poderá fazer a escolha que melhor lhe servir. É necessário explicar isso ao aluno, mostrar-lhe a necessidade do uso padrão como um conhecimento lingüístico a mais. A finalidade não é “evitar” que o aluno continue a falar “errado”, mas, uma vez que ele está na escola para formar-se e não apenas informar-se, ele deve ter acesso a esse conhecimento para ter o direito de escolha de expressar-se lingüisticamente numa sociedade democrática. Concordo plenamente com a citação do professor italiano RAFAELLE SIMONE no livro de EVANILDO BECHARA (1991). (...) “enquanto a posição populista perpetua a segregação lingüística das classes subalternas, a educação lingüística deverá ajudar na sua liberação.” (p. 12) Embora seja imperativo respeitar o saber lingüístico prévio de cada um, não podemos tirar do aluno a possibilidade de ampliar, enriquecer e variar o seu patrimônio inicial a fim de torná-lo eficiente na intercomunicação social. É condição básica para o exercício pleno de sua cidadania. O que dificulta muito o ensino da gramática é a obsessão normativa. Com isso generalizou-se erroneamente que a língua falada está repleta de erros que nos causam vergonha e que precisam ser corrigidos. Como se o ensino da gramática não passasse de um inventário de usos aceitos e não aceitos segundo as normas estabelecidas pelos gramáticos tradicionais. A obsessão normativa acabou por implantar um forte sentimento de incapacidade e insegurança quanto à proficiência lingüística. Encarar a gramática como uma doutrina absolutista cuja pretensão é exclusivamente a correção do que é impróprio desencoraja as pessoas a terem iniciativa no campo da linguagem. Há quem se recusa a participar de concursos de redação ou fazer alguma exposição oral por receio de ser criticado pelo seu uso da língua e não por sua idéias. Insisto que não devemos encarar a gramática como um livro cheio de verdades prontas, acabadas e imutáveis ao qual temos que seguir cegamente. O ensino normativo não é um mal em si, mas a sua aplicação segundo preceito de dogma é que é prejudicial ao aluno. Unidade 3 – A GRAMÁTICA EM UMA PERSPECTIVA TEXTUAL-INTERATIVA Você alguma vez pensou como o ensino de gramática pode ter a ver com a qualidade de vida do falante? TRAVAGLIA em uma de suas obras intitulada Gramática – Ensino plural (2003), faz essa interessante ligação. Ele diz que se focalizarmos a concepção de gramática como o próprio mecanismo de funcionamento da língua e não como uma teoria ou postura da sociedade sobre como usar a língua, poderemos perceber que o ensino da gramática e o de produção/compreensão de textos são uma coisa só visto que não há gramática sem texto e vice-versa. Você já parou para pensar que é a linguagem que dá forma a nosso mundo e à nossa vida sócio-cultural? Refletiu que é por meio dela que nos relacionamos e vemos o mundo? Tudo isso é “enformado” pela linguagem, sobretudo pela língua.

No fundo, a grande missão do professor de língua materna é transformarseu aluno num poliglota dentro da própria língua, possibilitando-lheescolher a língua funcional adequada a cada momento de criação e até,no texto em que isso se exigir ou for possível, entremear várias línguasfuncionais para distinguir, por exemplo, a modalidade lingüística donarrador ou as modalidades praticadas por seus personagens.” (p.14)

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Concluímos, portanto, que só de posse desse instrumento é que podemos perceber o sentido de nossa existência e interagir na sociedade. Ao ensinarmos a língua portuguesa nas escolas para alunos falantes nativos (nossos conterrâneos!) pretendemos muito mais do que transformá-los em analistas capazes de identificar unidades e funções gramaticais. Pretendemos que eles desenvolvam competência comunicativa. Ou seja, sejam capazes de utilizar cada vez mais um maior número de recursos da língua de forma adequada. a) à possibilidade de produzir os efeitos e sentido desejados; b) ao atendimento de normas sociais de uso da língua em face a tantas variedades lingüísticas; c) ao direcionamento argumentativo; d) a exigências diversas como estética, polidez, etc. É isso que chamamos de competência comunicativa. É o conjunto de conhecimentos lingüísticos e não meramente teóricos que o estudo da gramática coloca à disposição do usuário como produtor e receptor de sentido através de seus textos (orais ou escritos). Segundo TRAVAGLIA, importa muito mais ao aluno discutir a diferença de sentido entre as diversas formas de ordenar, por exemplo, do que aprender puramente os conceitos de imperativo ou presente do indicativo. Como se pode perceber, um ensino de gramática preocupado com a qualidade de vida precisa necessariamente trabalhar com as possibilidades significativas dos recursos lingüísticos e sua condição de uso para produzir efeito na interação comunicativa. Unidade 4 – SOBRE GRAMÁTICA E TEXTO Vimos discutindo neste e em outros módulos questões pertinentes à prática de ensino da língua portuguesa. Dentre as tantas questões abordadas estão a finalidade de ensino, a atitude do professor diante de tantas variedades lingüísticas, a concepção de linguagem, gramática e texto e a inter-relação entre esses elementos no ensino/aprendizagem na sala de aula. Baseamos nossa idéias no que há de mais sério no que diz respeito às recentes publicações de estudiosos como BECHARA, AZEREDO, BAGNO, TRAVAGLIA e outros. Defendemos a idéia (assim como tantos outros autores) de combinar o formalismo – o estudo formal, teórico da língua – e o funcionalismo – os vários sentidos que podemos significar em nossa interação comunicativa. Contudo, há ainda uma questão que precisamos considerar: a dicotomia texto/gramática. É comum ver o tratamento diferenciado que o texto e a gramática recebem como se eles fossem coisas distintas. Reitero a afirmação de TRAVAGLIA, já considerada no capítulo anterior de que tudo é gramatical é textual e tudo que é textual é gramatical. Não poderia deixar de ser assim visto que quando estudamos aspectos gramaticais da língua portuguesa, por exemplo, estamos estudando os recursos que ela oferece para que o usuário produza o seu texto (oral/escrito) com o efeito de sentido que pretende para atingir o seu interlocutor. Da mesma maneira, ao estudarmos os aspectos textuais da língua, estudamos como esses recursos (nos planos fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático) funcionam na interação comunicativa. Vamos avaliar um exemplo claro que TRAVAGLIA dá em seu livro Gramática – Ensino Plural (2003p. 46-54) evidenciando que não há uma separação entre gramática e texto. Verifique como ele aborda o conceito gramatical de artigo. “Tratando dos chamados artigos, podemos discutir com os alunos: a) a existência de um tipo de recurso na língua que alguns chamam de artigo e outros de pronome e outros ainda vêem como um morfema marcador de gênero e número; b) que há dois tipos de artigo: o definido e o indefinido;

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c) que tipos de instrução de sentido esse recurso, isolado pela teoria como um tipo de unidade da língua, pode trazer para o texto. No final de um estudo sobre o chamado artigo nosso aluno pode saber: 1) dizer o que é um artigo; 2) dizer qual a classificação dos artigos; 3) listar os artigos; 4) classificar os artigos; 5) identificar artigos em seqüências lingüísticas; 6) discutir se o artigo é uma classe de palavras à parte ou um tipo de pronome, se ele nem é uma classe de palavras mas apenas um morfema. (...) Exemplo (1): a - * Os estes/alguns meninos estão alegres. b - * Uns estes/alguns meninos estão alegres. c - * Os meus meninos estão alegres. 7) saber usar na construção a compreensão de textos os recursos da língua chamados de “artigos” com base no conhecimento das instruções de sentido com as quais estes recursos são capazes de contribuir para a produção de sentido em um texto, permitindo a comunicação numa situação de interação comunicativa. Neste caso podemos trabalhar com os alunos as seguintes questões: a) as instruções de sentido básicas desses recursos da língua, normalmente especificadas na teoria lingüística, os artigos definidos apresentam entidades como definidas, conhecidas dos interlocutores e os indefinidos as apresentam como indefinidas, desconhecidas (...). b) alguns efeitos de sentido mais freqüentes derivados desses valores básicos (...). Exemplo (2) a) O preço da entrada é X. b) O preço de uma entrada é X. c) O preço de entrada é X. O texto em (2 a) é um texto que poderia ser usado em qualquer situação em que se pretende dizer quanto custa a entrada, o ingresso para algo, por exemplo, para um show, inclusive poderia responder à pergunta “Qual é o preço da entrada?”. Já (2b) só poderia ser usado, por exemplo, em uma situação em que se discute o valor da entrada para se comprar uma só ou muitas. Talvez como parte de um texto maior como “O preço de uma entrada é R$ 10,00; mas, quando a gente compra mais de dez, eles fazem cada uma a R$ 7,00 (...). Já (2c) não se refere a ingresso, mas a outro tipo de entrada: é o começo de participação em algo, como ser sócio de um clube, por exemplo: -“Quanto paga para ser sócio do seu clube? / - O preço de entrada é R$ 1000,00, depois você paga uma mensalidade de R$ 30,00”. Exemplo (3) a) João levou seu sobrinho ao parque. O menino pulou no lago para nadar. b) João levou seu sobrinho ao parque. Um menino pulou no lago para nadar. Nos textos de (3) a diferença entre a e b é de referência e é causada pelo uso de recursos diferentes (artigo definido ou indefinido) na segunda frase do texto: em a “sobrinho” e “menino” são a mesma pessoa, mas em b “sobrinho” e “menino” são duas pessoas diferentes. Inclusive, o sobrinho de João pode não ser um menino, pode ser um rapaz, um adulto. Exemplo (4) a) O grupo do Rio, composto pelos países latino-americanos, decidiu que... b) O grupo do Rio, composto por países latino-americanos, decidiu que ... Em (4) a diferença entre a e b é conseqüência do uso ou não do artigo definido contraído com a preposição (pelos x por). O texto significa que o grupo do Rio é formado por todos os países latino-americanos, enquanto o de b significa que o grupo do Rio é formado apenas por alguns países latino-americanos. Dessa forma, se confrontarmos com a realidade, apenas um texto é verdadeiro: o texto b. Num telejornal de uma de nossas redes de televisão, um jornalista, ao dar uma notícia sobre o grupo do Rio, usou o texto de a, que é falso, e por isso construiu inadequadamente o seu texto para a situação, pois deveria usar b para passar a informação correta. Este é um valor do artigo definido: indicar quantidade, expressando totalidade. Assim, se se disser “João comeu bolo” entender-se-á que ele comeu todo o bolo, o bolo inteiro. Para se produzir outro efeito de sentido (de não totalidade) temos que usar “João comeu do bolo”. Já em

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“João comeu bolo” tem-se a indicação do tipo de coisa que ele comeu (substância), sem referência à quantidade (...). Os aspectos apresentados nos itens de 1 a 6, no início deste artigo, constituíram uma parte da teoria lingüística ou gramatical que se preocupa basicamente com a identificação dos tipos de unidades e recursos de que a língua dispõe, sua classificação, identificação, estruturação. Já o que foi apresentado em 7 e nos comentários dos exemplos constituiria uma parte da teoria lingüística ou gramatical que se preocupa basicamente com o funcionamento dessas unidades e recursos na constituição de textos para produção de determinados efeitos de sentido, pode-se dizer num plano mais semântico e pragmático e no nível textual-discursivo. Pode-se afirmar que a primeira parte é um requisito para a segunda, ou melhor ainda, faz parte da segunda. Desta forma, acreditamos que, se deixarmos de dividir essas duas partes em gramatical e textual, como fossem coisas distintas e estivermos convencidos de que texto é apenas um resultado da gramática da língua em múltiplos planos e níveis, que texto é a gramática da língua em funcionamento, para comunicar por meio de efeitos de sentido, deixaremos de ter no ensino da língua materna a atitude de achar que gramática e texto são coisas distintas e que têm de ser tratadas separadamente por terem pouca ou nenhuma relação entre si (...)”. EXERCÍCIOS 1 – Faça um relatório das principais dificuldades que um professor de língua portuguesa de ensino fundamental/médio enfrenta em sala de aula e apresente, se forem possíveis, sugestões para a solução dessas dificuldades. 2 – Consulte em uma gramática escolar ou livro didático um ponto gramatical de sua escolha para analisar como este foi abordado pelo autor. 3 – Elabore um planejamento de aula; de algum ponto gramatical relacionando aspectos formais e funcionais (ao mesmo tempo). Grande parte das regras normativas apresenta graus de elevada incoerência e mistura de descrições sincrônicas e diacrônicas. Vejamos alguns exemplos:

1) o verbo pôr pertence à 2ª conjugação porque vem do antigo poer

Para explicar que o verbo pôr pertence à 2ª conjugação, o professor não precisa percorrer nenhum caminho diacrônico, basta que mostre que a vogal temática e , que caracteriza os verbos de 2ª conjugação é recuperada em alguns tempos verbais:

pusera pusesse puseras pusesses pusera pusesse puséramos puséssemos puséreis pusésseis puseram pusessem

Assim, evitar-se-ia misturar descrições diacrônicas e sincrônicas.

2) Se apresentarmos as palavras

fidalgo vinagre freguês

primavera

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a alunos do ensino médio e lhes perguntasse quais as palavras aglutinadas, certamente, eles responderiam que vinagre, fidalgo são as que sofreram o processo de aglutinação, normalmente, os alunos decoram os exemplos fornecidos pelos professores. Esses mesmos alunos não possuem conhecimento diacrônico para dizerem que freguês e primavera tão são aglutinados. Na verdade, essas palavras, na sua origem histórica, foram algum dia compostas, nascidas da cristalização de um sintagma. Mas a verdade, também, é que hoje, elas são, dentro do sistema de relações formais e semânticas absolutamente indecomponíveis. Como podemos estas palavras sem fazer explicitamente etimologia erudita, que nada tem com os processos formativos de palavras do português atual? Como colocar qualquer uma delas no mesmo plano dos compostos como guarda-chuva, couve-flor, pontapé e passatempo?

Só uma perspectiva historicista pode classificá-las como compostas. Portanto, fidalgo, vinagre, freguês e primavera deveriam ser tratadas como palavras

simples, pois já não são sentidas como compostas.

3) Não é um advérbio de negação.

Aqui é um advérbio de lugar.

As duas frases apresentadas já apresentam a incoerência da definição. Vejamos: não e aqui, nos dois sintagmas oracionais apresentados são sujeitos e, como sujeitos, só podem ser substantivos. Portanto, podemos observar que não podemos postular uma classificação rígida parar as palavras, porque as palavras são passíveis de migrações intercategoriais. Passemos para outro exemplo: aquilo ou aquele de quem se fala. 4) sujeito

termo da oração que denota a pessoa ou a coisa de que afirmamos ou negamos uma ação, estado ou qualidade.

Podemos observar que as definições apresentadas apresentam impropriedade teórica, pois misturam critérios e não recobrem casos como:

a) Está chovendo. b) Faz calor. c) Bateram a porta. Para encerrar, apresento um poema de Paulo Leminski em que ele aponta ludicamente este

problema com o seguinte poema: O assassino era o escriba.

O assassino era o escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.

Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida, regular como um paradigma da 1ª conjugação.

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Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético de nos torturar com um aposto.

Casou com uma regência.

Foi infeliz.

Era possessivo como um pronome.

Ela era bitransitiva.

Tentou ir para os E.U.A.

Não deu.

Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.

A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.

Um dia matei-o com um objeto direto na cabeça.

(Paulo Leminski)

Bibliografia básica: AZEREDO, José Carlos de (org.). Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000 NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na Escola. São Paulo: Contexto, 2002. TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática Ensino Plural. São Paulo: Cortez, 2003. Bibliografia Complementar: MURRIE, Zuleika F. O ensino de português: do primeiro grau à universidade. São Paulo, Contexto, 2004. DIONÍSIO, Ângela Paiva et alii (org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro, Lucerna, 2003. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 9 ed. São Paulo, Cortez, 2003.