merton - estrutura social e anomia - merton

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ROBERT K. MERTON "-<.- SOCIOLOGIA TEORIA E ESTRUTURA Tradução de MIGUEL MAILLET !j, ÂI~> EDITôRA MESTRE JOU SÃO PAULO ! . ~

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ROBERT K. MERTON

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SOCIOLOGIATEORIA E ESTRUTURA

Tradução deMIGUEL MAILLET

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ÂI~>EDITôRA MESTRE JOU

SÃO PAULO

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VI ESTRUTURA SOCIALE ANO MIA

A TÉ HÁ POUCO TEMPO - e outrora muito mais -, podia-se falar deuzfta acentuada tendência nas teorias psicológicas e sociológicas, de atri-iC) '1 ;l;)\.\

buir o funcionamento defeituoso das estruturas sociais às falhas do con-L \ ,trôle social sôbre os imperiosos impulsos biológicos do homem. A íma- .,'.' iv,:,;gem das relações entre o homem e a sociedade insinuada por esta dou- =c/é r.".trina é bastante clara mas é muito questionável. No comêço, existem os .impulsos biológicos do homem, os quais procuram expressão total. Sur-ge depois a ordem social, essencialmente um aparelhamento para o ma-nejo dos impulsos, para o processamento social das tensões para a "re-núncia às satisfações dos instintos", nas palavras de Freu.d.. º__.!D.º-Q.g!Ql:-

omísmocom as exigências de uma ..~:strutura social é assim·admitido._QQillQ '"ests,º-º,º--,-3,Ea.!g-ª.clQ:QªJ.1ªt~r~:z-ªº!,.iEi!:lªI. 1 São os impulsos biologicamen-te enraizados que de vez em quando irrompem através do contrôle social.E implicitamente, a conformidade é o resultado de um cálculo utilitário,ou de um condicionamento não racional.

Com o recente avanço da ciência social, êste conjunto de concepçõessofreu modificação básica. Um dos fatôres observados é que j!i, não oRa-}':o~Q~tã_o.._ólJ'yi-º.qtl~ohomemseja colocado contra. a _ªº~*dade,r.tuma.gt,leJ,'-ra incessante entre o impulso. biológico e as restrições sociais. A imagemdo homem como um indomado feixe de impulsos começa' li: parecer maisuma caricatura do que um retrato. Por outro lado, as perspectivas so-ciológicas têm contribuído cada vez mais à análise do comportamentoque se desvia das normas prescritas, pois qualquer que seja o papel dosimpulsos biológicos, ainda permanece de pé a questão de se saber por que

1. Ver, por exemplo, S. Freud, Civilizalion and Its Discontents (passim e esp. pág. 63); Er-nest Jones, Social Aspects of Psychoanalysis (Londres, 1924), 28. Se a noção freudianaé uma variedade da doutrina do "pecado original", então a Interpretação oferecida nes-te estudo é uma doutrina do "pecado socialmente derivado".

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2 freqüência do comportamento desviado varia dentro de estruturas so-ciais diferentes, e por que sucede que os desvios têm diferentes formas emoldes em estruturas diferentes. Hoje, como outrora, temos muito queaprender sôbre os processos pelos quais as estruturas sociais geram as cir-cunstâncias em que a infração dos códigos sociais constitui uma reação"normal" (isto é, qus pode ser esperaríaj.a Êste capítulo constitui umatentativa de esclarecimento do problema.

A estrutura erigida neste ensaio pretende proporcionar um enfoquesistemático da análise das fontes sociais e culturais de comportamentotransviado. Nosso objetivo principal é descobrir como é que algumas es-

l :truturas sociais exercem uma pressão definida sôbre certas pessoas da' I sociedsuie, para que sigam conduta não conformista, ao invés de trilharem o[caminho conformista. Se pudermos localizar grupos peCUliarmente sujei.tos- a tais pressões, deveremos esperar encontrar proporções moderada.mente elevadas de comportamento desviado em tais grupos, não porqueos seres humanos, nêles compreendidos, sejam compostos de tendênciasbiológicas diferentes, mas porque êles estão reagindo normalmente à si.tuação social na qual se encontram. liQ.s.sªQ~rspectiva. é socio16gÍ9a.Olhamos as variações nas proporções do comportamento desviado, e não

i à sua incidência. 3 Se nossa indagação fôr bem sucedida, algumas formas! de comportamento desviado serão encontradas como sendo psicológica-[mente normais, e a equação do desvio e da anormalidade psicológica[serã posta em dúvida.

PADRóES DE METAS CULTURAIS ENORMAS INSTITUCIONAIS

Entre os diversos elemento" das estruturas sociais e culturais, doissão de imediata importância. São analiticamente separáveis embora se

'~. "Normal" no sentido da reação a determinadas condições sociais, psicologicamente esperadz,se não cuIturalmen te s,provada. Esta afirmação, evidentemente, não nega o papel dasdiferenças biológicas e de personalidade, na fixação da incidência do comportamento des-viado. Simplesmente, êste não é o problema aqui considerado. E, no mesmo sentido,assim o considero, que ~ª--rç.§ª.__§, J~J.ªI.1t ü/2. da "reação normal de pessoas normais acondições anormais". Ver sua PersonaÜty and the Cultural Pattern (Nova Iorque, 1937)~248.

3. A posição aqui tomada tem sido lucidamente descrita por Edward Sapir. " ... os proble.mas da ciência social diferem dos problemas do comportamento individu::;J em grau deespecificidade, e não de classe. Cada afirmação a respeto de comportamento que dirija nênfase, explíclts, ou implicitamente, sôbre as experiências atuais e integrais de pessoasdefinidas ou tipos de perso.nalidades, constitui um dado de psicologia ou de psiquíatrta,não de ciência sociaã. Cada afirmação a respeito de comportamento que pretende nãoestudar o indivíduo ou indivíduos em si mesmos, ou tratar do comportamento esperadode um tipo de indivíduo física e psicolõgicamente definido, mas que prescinde de tal

',comportamento a fim de pôr em claro relêvo certas expectativas em relação aos aspec-tos de comportamento individual que vátias pessoas compartilham como norma inter-pessoal ou 'social', constitui um dado, embora cruamente expresso, de ciência social", Nes-ta obra escolhi a segunda perspectiva; embora eu venha a ter ocasão de falar de .&tt!tudes, valôres e funções, será do ponto de vista de como a estrutura social estimul ••ou inibe sua aparição, em tipos especírícos de situações. Ver Saplr, "Why cultural anthro-

pology needs the psychiatnst", Psychíatry, 1938, I, 7.12.

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SOCiologia - Teoria e Estrutura 205

misturem em situações concretas. 10 primeiro consiste em QbJetivos C11.1-tMr[tlm~nt!Lg.efinldºli, de propósitos e ínterêsses, mantidoscQmoobJeti,YºS...J~gíUWºSP.ªIª ..tºdo§, ou para membros diversamente localizados dasociedade. Os objetivos são mais ou menos integrados - o grau de inte-gração é uma questão de fato empírico - e aproximadamente ordenadosem alguma hierarquia de valôres. Envolvendo vários graus de sentímen-to e de significação, os objetivos predominantes compreendem uma arma-/;,ão de referência aspiracional , São coisas "que valem o esfôrço". Sãoum componente básico, embora não exclusivo, do que .J:4!l:t!211- denominou"desígnios para a vida "do grupo". E embora alguns, não todos, de taisobjetivos culturais sejam diretamente relacionados aos impulsos bíológí-cos do homem, não são por êles determinados.]IUm segundo elemento .da,. estrutura cUlt11ralciefine,. reg11Ia e controla

as rnoqosaceitáveis de alcançar êsses objetivos. Cada grupo social, ínva-riàvelmente, liga seus objetivos culturais a regulamentos, enraizados noscostumes ou nas instituições, de procedimentos permissíveis para a procu-ra de tais objetivos. EstasI1ormasr~g1l1[tdoras não são necessàríamen-te idênticas às normas técnicas ou de eficiência. Muitos procedimentosque do ponto de vista de indivíduos isolados seriam os mais eficientes naobtenção dos valôres desejados - o exercício da fôrça, da fraude, do po-der - estão excluídos da área institucional da conduta permitida. Porvêzes, os procedimentos desabonados incluem algo que seria eficiente parao grupo em si mesmo, por exemplo, os tabus históricos contra .a vivissec-ção, ou a respeito das experiências médicas, ou a análise sociológica dasnormas "sagradas" - desde que o critério de aceítabilidado não é a efi·ciência técnica, mas sim os sentimentos carregados de valôres (apóia-dos pela maior parte dos membros do grupo, ou por aquêles capazes depromover tais sentimentos através do uso simultâneo do poder e da pro-paganda). Em todos os casos,.fI, escoíha jíos exp~clieI1tes para se esfor-çar na obtenção dos objetivos. culturais é limitada pelas normas instituo_ciQU.aliz;aQa.s.

Os sociólogos falam freqüentemente de tais contrôles como estando"nos costumes", ou operando através das instituições sociais. Tais afir-mações elipticamente são bastante verdadeiras, porém obscurecem o fa-to de que as práticas culturalmente 'padronizadas não são tôdas de umasó peça. São sujeitas a uma larga gama de contrôles. Êstes podem re-presentar padrões de comportamento prescritos em forma definida oupreferencial, ou permissiva, ou proibida. Na avaliação do funcionamentodos contrôles sociais, estas variações aproximadamente indicadas pelostêrmos prescrição, preferência, permissão e proibição devem ser natural-rnente levadas em conta.

Outrossím, dizer que os objetivos culturais e normas ínstítucíonalíza-das funcionam ao mesmo tempo para modelar práticas em vigor, nãosignifica que elas exercem uma relação constante umas sôbre as outras.A ênfase cultural dada a certos objetivos varia independentemente do grau

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de ênfase sôbre os meios institucíonalízados. Pode-se desenvolver umatensão muito pesada, por vêzes virtualmente exclusiva, sôbre o valor deobjetivos particulares, envolvendo em comparação pouca preocupaçãocom os meios institucionalmente recomendados de esforçar-se para a con-secução de tais objetivos, j O caso limite dêsse tipo é alcançado quandoa amplitude de procedimentos alternativos é governada apenas pelas nor-mas técnicas em vez das normas ínstítucíonaís. Neste caso extremo e·hipotético, seriam permitidos todos e quaisquer procedimentos que permi-tissem atingir êsse objetivo tão importante, Isto constitui um tipo de'cultura mal integrada.v Um segundo tipo limite é encontrado em gruposonde as atividades originalmente concebidas como instrumentais são trans-mudadas em práticas auto contidas, às quais faltem ulteriores objetivos.As Jinalidad~~ c:rig~!lªi~ são esqueei<:l?138 8 estreita aderência à condutaInstítucionajments recomendada tprna-se1,l!Dassllntod.e, ):it,1,lªJ.4 A con-formidade absoluta torna-se um valor central. Por algum tempo, a esta-bilidade social é assegurada às expensas da flexibilidade, Desde que aamplitude dos comportamentos alternativos, permitidos pela cultura, é

severamente limitada, há pouca base para adaptá-Ia a novas condições. De-senvolve-se então uma sociedade limitada pela tradição, "sagrada", mar-cada pela neofobia. Entre êsses tipos extremos estão as sociedades quemantêm um equilíbrio aproximado entre ênfases sôbre objetivos culturaise práticas institucionalizadas, e estas constituem as sociedades integra-das e relativamente estáveis, embora mutáveis.

Um equilíbrio efetivo entre essas duas fases da estrutura social é man-tido enquanto as satisfações proporcionadas aos índívíduos se ajustam àsduas pressões culturais, por exemplo, satisfações provenientes da realiza-ção dos objetivos e satisfação diretamente emergentes das formas de es-fôrço para atíngí-los, institucionalmente canalizados. É estimado emtêrmo do produto e em têrrnos do processo, em têrmos do resultado e emtêrmos das atividades. Assim devem derivar satisfações contínuas, dapreocupação se transferir exclusivamente para o resultado da competi-eclipsar os competidores, se a própria ordem deve ser sustentada Se apreocupação se transferir exclusivarnente para o resultado da competi-ção, então aquêles que perenemente sofrem derrota podem, de modo bas-tante compreensível, procurar alterar as regras do jôgo _O)LSaCJ;iJíciosucasionalmente - e não ínvaríàvelrnente, segund0I<'.reud admitia -a.car-ri3tado§. pela _gQnformidag,e com as _normasinstitucionaís devem ser com-pensados ..pelas recompensas socializadas. A distribuição de posições so-ciais através da competição deve ser organizada de modo que se propor-cionem incentivos positivos para a adesão às obrigações da situação, e

4. Êste ritualismo pode ser ussoctnoo com urna rnitologia que racíonz.lizc estas prát.icas demodo que elas aparentemente retenham sua situação como meio, porém, a pressão de-minantc é no sentido de conformidade ri tualísttca estrita, independente da mitologia.O ritualismo é cssím tanto mais completo, quanto tais racionalizações não são nemsequer provocadas.

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isso, para cada posição dentro da ordem distributiva. Do contrário, talcomo o verificaremos adiante, surgirá o comportamento aberrante. Na,verdade, minha hipótese central é que'q comportamento aberrante pode ..ser considerado sociológicamente como um sintoma de díssocíação entre: C":;-"''ê ..as aspirações culturalmente prescritas e as vias sociallIlente estruturadas] "h.

- . . l...:..~--~. .,para realizar essas aspirações. ')t." '.:;;

Dos tipos de sociedades que resultam da variação independente dosobjetivos culturais e dos meios ínstítucionalízados, daremos prioridade aoestudo do primeiro: uma sociedade em que há ênfase excepcionalmenteforte sôbre objetivos específicos, sem uma correspondente ênfase sôbre os ':'/\'procedimentos íntitucíonais . Para evitar mal-entendidos, êste enun-ciado deve ser bem explicado. Nenhuma sociedade carece de normas go-vernantes da conduta, porém elas realmente se diferenciam na medi-da em que os usos e costumes populares e os contrôles institucíonais T II

estão efetivamente integrados com os objetivos que se destacam na hie-rarquia dos valôres culturais. A cultura pode ser tal que induza os indi-víduos a centralizarem suas convicções emocionais sôbre o complexo defms culturalmente aplaudidos, com muito menos apoio emocional sõbre osmétodos prescritos para alcançarem essas finalidades. Com tais ênfases di-ferenciais sóbre os objetivos e sôbre os procedimentos institucionais, osúltimos podem ser tão viciados pela tensão em alcançar os objetivos, que "! ."~,"\...

o comportamento de muitos indivíduos, fique sujeito apenas a conside- : : ,:rações de conveniência técnica. Neste contexto, a única pergunta signi-ficativa é a seguinte: Qual dos processos disponíveis lê o mais eficientea fim de apossar-se do valor culturalmente aprovado? 5 O processo maiseficiente do ponto de vista técnico, quer seja culturalmente legítimo ounão, torna-se tipicamente preferido à conduta institucionalmente prescrí-ta. À medida que se desenvolve êste processo de amaciamento das nor-mas, a sociedade torna-se instável e aparece o que .Durkheím denominava"anemia" (ou ausência de norma). 6

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5. A éste respeito, percebe-se a relevância da paráfrase deEltlU1.M;~YÇl do titulo do bem c"~- .. /

conhecido livro de ~'I'awriey . UNa verdade o problema não ~ o da enfermidade de ~uma sociedade aquisitiva; é o da. aquisitividade de uma sociedade doente". I-Juman Pre-blems of an Industrial Civilization, 153. Mayo lida com O processo através do qual ar iquez a, vem a ser o símbolo básico da realização social, e encara isto como sendo pro-veniente de um estado de anomia. Minha maior preocupação aqui é com as conseqüên-cias sociais de uma pesada ênfase sôbre o sucesso monetário como objetivo, numa SOA

ciedade que nã-o adaptou sua estrutura às correlações desta ênfase, Uma análise com-ple ta exigiria. o exame simultâneo de ambos os processos.

6. A ressurreícão feita por Durkhc.im do termo "anomía", o qual, tanto quanto é de meu cc-nhecímento , aparece em primeiro lugar no mesmo sentido no fim do século XVI, bempoderia. ser objeto de uma investigação, por uni estudante interessado na ríliaçâo his-tórica das idéias. Tal como ao frase "clima de opinião" trazida à popularidade acadê-mica e politica por A. N. Wh~teheª.c!, três séculos depois de ter sido cunhada por J("!.

seph Glanvill, a palavra "anomía" entrou ultimamente em uso freqüente, desde quefoi reíut.roduzida por .!?_~r~~i_l!!. Por que essa ressonância na sociedade contemporã-nea? Um magnifico modélo do tipo de pesquisa exigido por questões dessa ordem, en-

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o funcionamento dêste processo que eventualmente resulta em ano-mia pode ser fàcilmente percebida numa série de episódios familiares einstrutivos, embora talvez triviais. Assim, na competição de atletismo,quando o alvo da vitória é despojado de suas roupagens ínstítucíonaís e osucesso torna-se subentendido em "ganhar a partida" em vez de "ganharsegundo as regras do jôgo", estabelece-se implicitamente um prêmio aouso de melos ilegitimos, porém têcnicamente eficientes. O "craque" do ti-me de futebol concorrente é sub-reptícíamente golpeado; o lutador é in-capacitado por seu oponente, através de técnicas engenhosas, porém ilí-citas; os alunos da universidade encobertamente dão "colas" aos "estudan-tes" cujos talentos são limitados ao campo do atletismo. A ênfase con-cedida ao resultado de tal maneira atenuou as satisfações derivadas dasimples participação na atividade competitiva, que somente um resultadobem sucedido fornece a satísracão. Através do mesmo processo, a ten-são gerada pelo desejo de ganhar numa partida de pôquer é afrouxada pe-la distribuição de quatro ases a si próprio ou, quando o culto do sucessochegou ao extremo, pelo sagaz embaralhamento de cartas numa partidade paciência. A débil pontada de mal-estar no último exemplo e a natu-reza sub-reptícía dos delitos em público indicam claramente que _.ªs__re-gras institucionais do jôgo são conhecidas por aquêles que as desprezam.Porém, o exagêro cultural (ou idíossíncrátíco ) que conduz o homem a ob-ter sucesso de qualquer maneira, leva-o a desprezar o apoio emocional das.regras.7

Êste processo evidentemente não se restringe às competições esporti-vas, as quaís simplesmente nos fornecem imagens mícrocósmícas do ma-crocosmo social. O processo pelo qual _a exaltaçãQ._dQ Jim gera ..uma li-teral de$1!!-oralização, isto é, desinstítucíonalízacâo dos meios, ocorre emmuitos 8 grupos, nos quais os dois competentes da estrutura social nãoestejam altamente integrados.

A cultura norte-americana contemporânea parece aproximar-se do ti-po polar em que ocorre grande ênfase sôbre objetivos de êxito sem a ên-fase equivalente sôbre os meios institucionais. Evidentemente seria irrealasseverar que a riqueza acumulada permanece sózínha como um símbolo

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contra-se em Leo Spitzer, "Milieu and Ambiance: an essay ín historical semantícs".Philosophy and Phenomenologteal Research, 1942, 3, 1,42, 169·218.

7. Pa-rece improvável que as normas culturais, depois de assimiladas. possam ser totalmenteeliminadas. Qualquer resíduo que persista, induzirá tensões de personalidade e confli-tos, com alguma medida de ambivalência. Uma rejeição ostensiva das normas insta-tucionais já incorporadas, estará provávelmente ligada a algurns, retenção latente deseus correlativos emocionais. Sensação de culpa, sentimento de pecado, a.ngústia d2consciência, são têrmos diversos apltczdos a esta tensão não aliviada. A aderênciasimbólica aos valõres nominalmente repudíados, ou as racionalizações da rejeição detais valôres, constituem expressões mais sutis dessas tensões.

8. Em "muitos", mas não em todos os grupos não integrados, pela razão antes mencionada.Nos grupos em que ae·ufzlSe principal recai sôbre os meios instituc1onais, o resultadoé normalmente um tipo de ritualismo, em vez de anomía,

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do sucesso, assim como seria irreal negar que os norte-americanos lheatribuem um lugar saliente em sua escala de valôres. Em grande parte,Q ..dinheíro teIDsidoçºJ:l§ªgrl1dº~ corno um, yaIQ:l".,~!!1,,§.LI!!~Sm9,além eacima de seu gasto a trôco de artigos de consumo ou de seu uso para oaumento do poder. O "dínheíro" ~ peçuHarro~llt~._bflmarnmtado,_a __tor-nar-se um símbolo de prestígio. Conforme Simmel salientou, o dínhei-rõ'é' aítam~~te 'abstrato e- impessoal. Não importando como é adquiri-do, fraudulenta ou dentro das instituições, pode ser usado para adquiriros mesmos bens e serviços. A anonímía da sociedade urbana, em con-junção com essas peculíarídades do dinheiro, permite que a riqueza, _cujas origens podem ser desconhecidas da comunidade em que vive o plu-tocrata ou, quando conhecidas, podem ser purifica das pelo decurso dotempo - sirva como símbolo de elevado status. Ainda mais, no SonhoNorte-americano não há ponto de parada final. A medida de "sucessomonetário" é conveníentements indefinida e relativa. Em cada nível de ; (, I

renda, conforme verificou H ·_E., , Gta"r.:i!:,. os norte-americanos querem sem-, ~,pre uns 25% a mais (é claro que' esta' idéia. de "um pouco mais" volta a'funcionar logo depois que o alvo anterior foi atingido). Neste fluxo de,padrões em mudança, não há ponto de descanso estável, ou, em outraspalavras, é o ponto que se mantém sempre "um pouco adiante". O ob- i '-

servador de uma comunidade na qual não são inconiuns os salários anuais il'epresentados por seis algarismos (isto é, de 100.000 dólares para cima)relata as palavras angustiadas ue uma vítíma do Sonho Americano: "Nes-ta cidade, sou socialmente menosprezado, porque ganho apenas mil dó-lares por semana. Isto dói." 9

Dizer que o objetivo do sucesso monetário está entrincheirado na cul-tura norte-americana é apenas repetir que os americanos são bombardea-dos de todos os lados por preceitos que afirmam o direito e, freqüente.mente, o dever de alcançar o objetivo, mesmo em face a repetidas frus-trações. Prestigiosos representantes da sociedade reforçam essa ênfasecultural. A família, a escola e o local de trabalho - principais organis-mos que modelam a estrutura da personalídad., e a formação dos objeti-vos dos norte-americanos - unem-se a fim de impor a intensiva discipli-na necessária para que um indivíduo consere intacta uma meta que está,cada vez mais, fora do seu alcance e que obrigue a motivar seu compor-tamento pela promessa de uma recompensa que não se cumpre. Tal co-mo veremos, Qª_Im.!§.Il~:[Y~m_ge_,cº-w~iª _.<l€l" tral!ll!l1ill.llªº __Pª,m,QIl._Vªl!ll"E!s

_JLQbjetiyos dos grupos dos quais fazem parte, sobretudo os da sua clas-se social ou da classe com que se identificam, E as escolas são evidente-mente organismos oficiais para a transmissão dos valôres predominantes,com uma grande proporção de livros usados nas escolas da cidade, afir-mando implicitamente, ou mesmo de modo explícito, "que a educação con-duz à inteligência e conseqüentement« ao sucesso no emprêgo e ao êxí-

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9. Leo C. Rosten, Hollywood (Nova Iorque, 1940), 40.

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to monetário". 10 Os protótipos do sucesso, os documentos vivos que tesotemunham que o Sonho Norte-americano pode ser realizado contanto quea pessoa tenha as habilidades exigidas, são peças centrais dêsse proces-so de disciplinar o povo, a fim de mantê-to prêso às suas ilusões insatis-feitas. Considere-se a éste respeito os seguintes trechos do jornal de ne-gócios, Nation's Business, extraídos de uma grande quantidade de maté-ria análoga encontrada em comunicações de massa, estabelecendo os va-lôres de cultura predominantes, no mundo dos negócios:

o Documento(Nation's Business, Vol. 27, n.o 8, pág. 7).

"Você tem que ter nascido para êssetrabalho, meu amigo, ou então ter um bompistolão",

Isto é um velho sedativo para a ambição.

Antes de dar ouvidos a esta sedução, porgunte a êstes homens:

Elmer R. Jones, presidente da WeIls-Far-go Co., que começou a vida como rapazpobre e deixou a escola no 5.? ano parapegar seu primeiro emprêgo.

Frank C. Ball, o pedreiro que veio a sero rei das frutas em conserva, que VÜ:'1joll

de Buffalo até Muncie, Indiana, numa car-roça, com O cavalo do irmão George, aliiniciou um pequeno negócio que se tornouo maior de sua espécie.

Suas Implicações Sociológicas

Aqui está uma opinião herética possi-velmente nascida de uma frustração con-ttnuoda, a qual rejeita o' valor de alcançarum objetivo aparentemente irreaUzável e~mais ainda, põe em dúvida, a legitimidadede uma estrutura social que oferece dife-renças no acesso a esse meta.

o contra-ataque, afirmando explicitamen-te o valor cultural de reter as aspiraçõesde cads, um intactas, de não perder a"ambição".

Uma clara afirmação da função a serservida pela seguinte lista de "sucessos",Êstes homens são testemunhos vivos de quea estrutura social (:. t~l que permite queessas aspirações sejam alcançadas se apessoa fôr corajosa e persistente. E cor-relativamente, .0 rracasso ,,}~"l:º..._.~t~.~g~mentodêsses_objetivºsdá testemunho das de fi-

_~~i.~QÇ.illJ:i-.P~§êºa,is! A reação provocada pelofracasso deveria, portanto, ser dirigida pa-ra dentro e não para fora, contra as pró-prias pessoas e não contra ums, estruturasocial que proporciona acesso livre e igualà oportunidade.

Protótipo de sucesso I: Todos podem teras mesmas corretas ambições elevadas, POi5não importa que o ponto de partida sejamuito bzdxo : o talento verdadeiro podealcançar as maiores alturas. As aspiraçõesdevem ser conservadas intactas.

Protótipo de sucesso 11: Quaisquer quesejam os atuaís resultados dos esforços de::rJguém, o futuro é grande em suas pro-messas, pois .9 homem ...comum -ªj.nçl.ª .podetornar-se um rei. As recompensas podemparecer ad 'adas para sempre, mas final-

mente elas serão concretizadas quando fi

emprêsa de alguém se tornar "a maiorde sua espécie".

10. Malcolm S. MacLean, Scholars, Workers and Gentlemen (Harvard University Press, 1938),29.

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Sociologia - Teoria e Estrutura 211

J. L. Bevan, presidente do IIlinois Cen-tral Railroad, que aos doze anos era men-sageiro no escritório de frete de NovaOrleans.

Protótipo de sucesso lIr: Se as tendên-cias seculares de nossa economia parecem:dar pouco incentivo aos pequenos negó ..·cios, então as pessoas podem subir dentrodas gigantescas burocracias das emprêsasp:;,rticulares. Se alguém já não pode serrei no âmbito de sua própria criação, pe-lo menos pode ser um presidente em umadas democracias econômicas. Seja qual tõra situação atua' de um individuo, môçode recados' ou escriturário, o seu olhar de-ve estar sempre fixado para o alto.

De diversas fontes jorra uma pressão contínua a fim de manter al-tas ambições. A literatura de exortação é imensa, e podemos escolhersomente correndo o risco de parecermos injustos. Lembremos apenas osseguintes: O Rev. Russel H..Cowell, cujo sermão Acres ot Diamonds foiouvido e lido por centenas de milhares de pessoas, sendo seguido porThe New Day, ou Fresh Opportunities: A Book for Young Men, Elbert Hub-bard, que proferiu a famosa Mensagem a Garcui nos clubes de Chautau-qua, por tôda a extensão do país; Orison Swett Marden que, numa tor-rente de livros, publicou em primeiro lugar The secret o] Achievement,elogiado por reitores de universidades; a seguir ensinou como "Ir para afrente" em seu livro Pushinq to lhe Front, recomendado pelo Presí-d.ente.McKinley e finalmente, não obstante êsses testemunhos democrá-ttcos, cartografou os caminhos para fazer de todo homem um rei (EveryMan a King). O simbolismo do homem comum, elevando-se à situação de;realeza econômica, está profundamente entrelaçado à cultura norte-ernerí-:cana, encontrando talvez a sua definitiva expressão nas palavras dealguém que sabia do que estava falando. Andrew Carnegie: "Seja um rei:em seus sonhos. Diga a si mesmo "Meu lugar é no alto".l1 i

Unida a esta ênfase positiva sôbre a obrigação de manter alvos ele-vados, há uma ênfase correlativa sôbre o castigo daqueles que refreiamsuas ambições. Os norte-americanos são admoestados a "não ser um dosque desistem" pois no dicionário da cultura daquele povo, tal como no lé-xico da sua juventude, "não existe a palavra 'fracasso'''. O manifestocultural é claro: não se_po<l~gesistir, não se devernoderar os esforços,

_ráo_.s<J_ pode diminuir os objetivos, pois "não o fracasso, mas o alvo bai-xo é crime".

Assim a cultura impõe a aceitação de três axiomas culturais. . PrÍ-meíro, todos devem esforçar-se para atingir os mesmos elevados objeti-vos, já que estão à disposição de todos ;::segundo, o aparente fracasso mo"mentâneo é apenas uma estação no caminho .do sucesso final ;:=:eterceí-ro, o fracasso genuíno consiste apenas na diminuição ou retirada da am-bição.

11. Cf., A. W. Griswold, The American Cult of Suecess (Yale University doctoral dísscrtatíon,1933); R. O. Carlson, "Personality Schools": A Sociological Analysis (Columbia trníver-síty Masters Essay, 1948).

212 Roõert K. Merton

:t.

Numa paráfrase psicológica aproximativa, êsses axiomas representamem .primeiro lugar.j. um refôrço secundário simbólico do incentivo; emsegundo Iugar.Iurn freio à ameaça de extinção da reação mediante um es-idmulo associado ; em terceíro lugar,3,0 aumento da fôrça impulsora para

." .responder ronstantemente ao estímulo, apesar da continuada ausência derecompensa.

Na paráfrase sociológica, êstes axiomas representam primeiro'.o des-vio da crítica da estrutura social para a critica do próprio indivíduo, co-locado entre aquêles situados de tal forma na sociedade, que não têm to-tal e igual acesso à oportunidade; segundo.ra preservação de uma estru-tura do pouer social, pela identificação dos indivíduos dos estratos so-ciais inferiores, não com seus pares, mas com aquêles que estão no alto(a quem êles finalmente se juntarão); e terceíro.Ta atuação de pressõesfavoráveis à confcrmidade com os ditames culturais de ambição irrepri-mível, mediante a ameaça, para aquêles que não se acomodam aos referi-dos ditames, de não serem considerados plenamente pertencentes à so-ciedade.

É nestes têrmos e através de tais processos que a cultura norte-amerí-cana contemporânea continua a ser caracterizada por uma pesada ênfa-se sôbre a riqueza como símbolo básico do sucesso, sem uma ênfase cor-respondente sôbre as legítimas vias nas quais se deve marchar em dire-ção a êste objetivo. Como reagem os indivíduos que vivem nesse contex-to cultural? E como as nossas observações se refletem na doutrina deque o comportamento transviado deriva tipicamente dos impulsos bioló-gicos que irrompem através das restrições impostas pela cultura? Empoucas palavras quaís são as conseqüências do comportamento das pes-soas situadas em várias posições na estrutura social de uma cultura, naqual a ênfase sôbre os objetivos do sucesso dominante afastou-se' cadavez mais de uma ênfase equivalente sôbre os processos tnstltucíonalíza-dos para a obtenção dêsses objetivos?

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TIPOS DE ADAPTAÇÃO INDIVIDUAL

Deixando êstes padrões de cultura, examinaremos agora os tipos tIeadaptação dos indivíduos, dentro da sociedade portadora da cultura. Em-bora nosso enfoque seja ainda. a gênese cultural e social das proporçõesvariáveis e tipos de comportamento divergente, nossa perspectiva. se+ransferírá do plano dos moldes dos valôres culturais para o plano dostipos de aaaptação a êstes valôres entre as pessoas que ocupam diferen-tes posições na estrutura socia1.

Consideramos aqui cinco tipos de adaptação, tal como estão esquema-ticamente dispostos na tabela seguinte, onde (+) significa "aceitação",f -) significa "rejeíçâo", e (±) significa "rejeição de valôres predominan-tes e sua substítuíção por novos valôres".

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SOCiOlogia - Teoria e Estrutura 213

TIPOLOGIA DE MODOS DE ADAPTAÇÃO INDIVIDUAL U

.\fodos de' Adaptação Metas CuDturais MeiosI nstitucionalizados

I. Conformidade + +II. Inovação +

lII. Bítualísmo - +IV. RetraimentoV. Rebelião 13 ± ±

\'.Io exame do modo pelo qual a estrutura social opera a fim de exercer

pressões sôbre os indivíduos, num ou outro dêsses modos alternativos decomportamento, deve ser precedido pela observação de que as pessoas po-dem mudar de uma alternativa. para outra, à medida que elas se lançam emdiferentes esferas de atividades sociais. Essas categorias se referem aopapel de comportamento em tipos específicos de situações, não à persona-lidade. São tipos de reação mais ou menos duradoura, não tipos de or-ganização de personalidade. Considerar êsses tipos de adaptação em di-versas esferas de conduta introduziria uma complexidade que não pode-ria ser dominada na extensão dêste capítulo. Por esta razão, vamos nosocupar primordialmente com !J. atividade econômica. no sentido amplo"da produção, troca, distribuição e consumo dos bens e serviços" em nos-sa sociedade competitiva, onde a. riqueza assumiu um papel altamentesimbólico.

12. Não faltam tipologias de diferentes modos de reação, em relação às condições defrustração .• Ereud, em sua CiviJization and Jts Díscontents (pág. 30 e segs.) forneceum; tipologiaSderivativas,· freqüentemente diferentes em detalhes básicos, serão en-contradas em ...Kª.rgn .H;aroey, Neuroii~ Personality of Our Time (Nova Iorque, 1937);!h.~oselll'.weig,_ "The experim"ental measurement of types or reaction to frustration", emª,_IL~Mtiril!Y, 'e outros, Explorations in Personality (Nova Iorque, 1938), 585·599; e nostrabalhes de ,!911I!..I)QUarg, Harold Lasswell, Abram. Kar.diner._.e..-E.rich .. Fromm. Masparticularmente na. estrita típología rreT~diant:1 a perspecttva é Ide tipos de--reaçóes in-dividuais, inteiramente separada do lugar do indivíduo dentro da estrutura social.Apesar de sua constante preocupação com a "cultura", por exemplo, Horney não explo-ra as diferenças no impacto dessa cultura sôbre o fazendeiro, o trabalhador e o homemde negócios, sõbre os indivíduos das classes baixa, média e z,lta, sôbre os membros devários grupos étnicos e raciais etc. Como resultado, o papel das "inconsistências dacultura" não é localizado em seu impacto diferencial sõbre grupos diversamente situa-dos. A cultura torna-se uma espécie de lençol que cobre Iguarnente todos os mem-bros da sociedade, sem considerar as diferenças ídíossíncrátícas nas suas hístórías dovida. Uma suposição primordial da nossa tipología é que essas reações ocorrem comfreqüência diferente dentro de vários subgrupos de nossa sociedade, precisamente por-que os membros de tais grupos ou estratos são diferencialmente sujeitos ao estímulocultural c às restrições sociais. Esta orientação sociológica será encontrada. nos escrí-tos de Dollard, e, menos sistemàticamente, nos trabalhos de Fromnl, Kardiner e Lasswell.Do ponto de vista geral, ver a nota 3 dêste capitulo.

r\, .)'..''.' .. :~~)Esta quinta alternativa está num plano claramente diferente d"," demais. Representauma reação de transição que procura institncionalizar novos objetivos e novos procedi.

.r mentos a serem compartilhados por outros membros da sociedade. Refere-se assím aesforços para mudar a estrutura cultural e socísd existente, ao invés de acomodar es-forços dentro dessa estrutura.

+

214 Robert K. MertonSociologia - Teoria e Estrutura 215

Na medida em que uma sociedade é estável, o tipo I de adaptaçãoconformidade tanto com os objetivos culturais como com os meios

ínstitucionalízados - é a mais comum e a mais difundida extensamen-te. Se assim não fôsse, não se poderia manter a estabilidade e contt-nuidade sociais. A engrenagem de expectativas que constitui cada ordemsocial é sustentada pelo comportamento modal de seus membros, repre-sentando a. conformidade com os padrões culturais estabelecidos, emboraêstes estejam talvez variando desde muitos séculos. De fato é somen-te porque o comportamento é tipicamente orientado em direção aos valô-res básicos da sociedade, que podemos falar de um agregado .humano co-mo constituinte de trrna sooíedade.. 1\.-ID!:!.l1Qs ... glJ,·e. .l:Uol,j'LY..wrepO.sitÓr.io.de.y.ª!QI§_COlll-ºªIltlll,ªg9JLPQL.L11ºi.yíd}J.illL,glJ~ ....J;,e ...inHlJem ..reclP.l,:ocam~pj;e,existem relações soc~is (se é que assim possam ser chamadas as inte-rações desordenadas), mas_ºª"Q. __s9.ciedª-Q.e. É assim que, em meadosdêste século XX, seria possível nos referirmos à extinta "Liga das Na-ções" principalmente como uma figura de linguagem, ou como um objeti-vo imaginado, mas não como uma realidade sociológica.

Já que o nosso interêsse primordial se concentra sôbre as fontes decomportamento desviado e já que temos examinado resumidamente os me-canismos que transformam a conformidade como a reação modal da so-ciedade norte-americana, pouco mais necessita ser dito neste ponto, emrelação a êste tipo de adaptação.

manobras "espertas" além dos costumes. Conforme VeblelL.observou,"não é fácil em qualquer caso dado - na verdade, é por --Vêzesímpossí-vel, até que os tribunais hajam se manítestado a respeito - dizer se éum caso de elogiável habilidade de vendedor, ou uma ofensa punível".A história das grandes fortunas norte-americanas é um exemplo de ten-sões rumo a inovações ínstítucíonalmente duvidosas, tal como é atesta-do por muitos elogios aos "Barões Ladrões". A relutante admiração fre-qüentemente .expressa em particular, e não raramente em público, a ês-ses homens "astutos, hábeis e bem sucedidos", é um produto da estrutu-ra cultural em que a meta sacrossanta virtualmente consagra os meios.Êste fenômeno não é nôvo. Sem admitir que Charles ..PipJ.;:º-l}§ fôsse umobservador inteiramente cuidadoso da cena norte-americana.ie com plenoconhecimento de que êle era tudo, menos imparcial, citemos suas agudasobservações sôbre o "amor dos norte-americanos"

L CONFORMIDADE

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às transações "espertas", que encobre muitas fraudes e grosseiras quebras de corifiança: muí-tos desfalques, públicos e privados, e permite que muitos canalhas merecedores da rõrca ~(! t-, .. '

igualem com pessoas honestas... Os méritos de uma especulação irregular ou uma falêncial LIou de um tratante bem sucedido, não são medidos por suas relações com a regra áurea."Faze a outrem o que queres que te façam". mas são apreciados pela sua "esperteza" ... Man-tive o seguinte diálogo uma centena de vêzes: "Não é uma circunstância muito degradanteque fulano esteja -adquirindo uma grande propriedade pelos meios os mais ínrames e odio-sos, e não obstante todos os crimes de que êle se tornou culpado, deva ser tolerado e esti-mulado pelos vossos concídedãos? Ele é uma praga pública, não é"? "Sim, senhor". "Ummentiroso confesso"? "Sim, senhor". "Éle tem sido chutado e algemado, e prêso"? "Sim, se- io +nhor". "É um indivíduo inteiramente desonrado, degradado e 'devasso"? "Sim, senhor", "Bantc -1;, C.~,";:-:· IDeus, qual é então o seu mérito"? "Bem, senhor, êle é um homem esperto",

..A..g)'"ªlJc1eêpfase.clJ,ltural sóbre a meta de êxito estimula êste modoele adaptação através de meios institucionalmente proibidos, mas rre-qüentemente eficientes, de atingir pelo menos o simulacro do sucesso - a.riqueza e o poder. Esta reação ocorre quando o indivíduo assimilou aênfase cultural sôbre o alvo a alcançar sem ao mesmo tempo absorve!'igualmente as normas institucionaís que governam os meios e processospara o seu atingimento.

Do ponto de vista da psicologia, pode-se esperar que um grande inte-rêsse emocional por determinado alvo em vista, produza a ~Qsiçªpde.aceítar ...rísccs, e esta atitude pode ser adotada por pessoas de tôdas ascamadas da sociedade. Do ponto de vista da sociologia, surge então estapergunta: quaís as características de nossa estrutura social que predis-põem em direção a êsse tipo de adaptáção, produzindo assim maiores fre-qüências de comportamento divergente em uma camada social do queem outra?

Nos níveis econômicos mais elevados a pressão rumo à inovação apa-ga, com não pouca freqüência, a distinção entre os esforços normalmenteusados no mundo dos negócios, ou seja, no lado "legal" dos costumes e as

Nesta caricatura dos valôres culturais conflitantes, J:;>.ickJ\Il~. era evi-dentemente apenas mais um dêsses espíritos agudos que demonstraramsem piedade as conseqüências da importância dada ao sucesso financei-ro. Os humoristas norte-americanos continuaram no ponto em que osestrangeiros pararam. .Art~.mus__:W1!,rd. satirizou os lugares comuns davida americana, até que parecessem estranhamente incongruentes. Os"filósofos de praça pública", .B.ilLArn e Petroleurn volcano [mais tardeVesúvio] Nasby, puseram a sátira a serviço da íconoolastía, quebrandoas imagens das figuras públicas com prazer não oculto. ..:r9.§ll,..Billjngse seu alter ego, 1l._'I'io.Esek, tornaram explícito o que muitos não podiamadmitir livremente, quando êles observavam que a satisfação é relativa,já que "a maior parte da felicidade neste mundo consiste em possuir oque os outros não podem conseguir". "Todos se dedicaram a demonstraras funções sociais do humorismo tendencioso, tal como foi mais tardeanalisado porFJ~ud) em sua monografia acêrca de Wit and Its Relationto the Unconscious, usando como "uma arma de ataque tudo o que égrande, dignificado e poderoso, contra aquilo que está protegido por obs-táculos internos ou circunstâncias externas contra a detração dire-ta" . .. Porém, talvez mais apropriada tenha sido a exibição de espírito,feita por _AmbrQ.sJL.:61~[ç!Lnuma forma que tornou evidente que o espíri-to não se havia de'stacado de suas origens etimológicas e ainda sígnífí-

lI. INOVAÇÃO

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216 Robert K. Mertori

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cava o poder pelo qual a gente sabe, aprende, ou pensa. Em seu en-saio caracteristicamente irônico e profundo acêrca do "crime e seus cor-retivos", Bierce começa observando que "os sociólogos têm longamentedebatido a teoria de que o impulso para cometer o crime é uma molés-tia; os que concordam com isso parecem sofrer dessa mesma moléstia".Após tal prelúdio, descreve os modos pelos quais o malandro bem sucedi-

• do alcança a legitimação social e prossegue, analisando as discrepânciasentre os valôres culturais e as relações sociais.

Via de regra, o bom norte-arnertcano é bastante contrário à velhacaria, mas êle suavizasua &.!usteridade por uma amigável tolerância para com os velhacos. Sua única exigência éde que êle deva conhecer pessoalmente os tratantes. Todos nós "denunciamos" os ladrões emvoz alta, se não temos a honra de conhecê-Ios. Se tivermos essa honra, bem, isto é. dire-rente, a menos que êles recendam à favela ou à prisão. Podemos saber que êles são delin-qüentes, mas quando os encontramos, sacudimos suas mãos) bebemos com êles, e se acon-tece que sejam ricos, ou importantes sob algum outro aspecto, convidamo-tos às nossasessas e consideramos uma honra freqüentar as suas. Bem entendido, "não aprovamos osseus métodos" e isto já constitui uma punição suficiente. A idéia de que um patife dá qual-quer importância ao que dêle se pensa, parece ter sido inventado por um humorista. Nopalco de vaudevilIe de Marte, isto provàvelmente teria feito sua fortuna.

[E acrescentr.l : Se fôsse negado o reconhecimento social aos velhacos, êles seriam emnúmero consideràvelmente menor. Alguns, apenas esconderiam com mais cuidado seus ras-tos ao longo do caminho da iniqüidade, mas outros contrariariam bastante os seus instintospcra renunciar às desvantagens da velhacaria em troca das de uma. vida honrada. Umapessoa iJ?di~ª_~ª-çJ_ª-_.t~m_~.t~ºJ9. ~oPJ9.a.J;lega~iya._.d~ um._ apêrto de_ro~º .e o...gQJp~.~àemor~dcJmas inevitável de um olhar de desprêzo.

Temos velhacos ricos porque temos pessoas "respeitáveis" que não se envergonham detomá-Ios pela mão, de serem vistas com êles, de dizer que os conhecem; consideram deslealcensurá-Ias; gritar quando se é roubado por êles equivaleria a testemunhar contra um cúm-plice,

Pode-se sorrir para um canalha (a maior ps-rte de nós faz isso muitas vêzes por dia)se a gente não sabe que êle é um safado e não disse que êle é; mas sabendo que é, ou ten-do proclamado que é, sorrir para êle é ser hipócrita, apenas um simples hipócrita ou umhipócrita adulador, de acôrdo com a posição na vida em que esteja o canalha que recebenossos sorrisos. Há mais hipócritas simples do que hípócribas aduladores, pois há mais ve-lhacos de pouca importância do que canalhas ricos e distintos, embora' cada. um dos últimosreceba. menos sorrisos. O povo norte-americano será saqueado enquanto o seu caráter fôro que p.: enquanto fôr tolerante em relação aos canalhas bem sucedidos; enquanto a ínge-nuidade norte-amerrcssna traçar uma distinção imaginária entre O caráter público de U1U

homem e o seu caráter parttcular, comercial ou pessoal. Em poucas palavras, o. P'?.Y9 dosE§~ados .._{[email protected].. s.eQ.Jouba.do, enquanto merecer ser roubado, Nenhuma lei humana podene!I!.~~:ve _.eviy~:1(l,.__PQ_~~_~~~.9_..~lz~§~e~vlría abrtgar urna "eí __mais alta ~ mais salutar: "Haverás

~Ç2~E~.! __9_Ql!e_~jY~;LelLfi~_m~~ç19".~4

14. As observações de Dickens são de SU2.S American No!es (por exemplo, na edição publí-cada em Boston: Books, Inc., 1940), 218, Uma análise sociológica das funções do hu-mor tendencioso e dos hurnoristas tendenciosos, que seria a contrapartida formal, emboraJnevlt àvelmente menor, da arrál ise psicolõgica de Preud , já. está tardando w aparecer.A dissertação doutoral de .rcannette 'I'a.ndy, embora não seja de caráter sociológico,apresenta um ponto de pa.rtida: Crackcrbox Philosophcrs: Amcrioan Humor and Sat.ire(Nova Iorque: Columbia University Press, 1925). No Capítulo V de In!ellcctual America(Nova Iorque: MacmilIan, 1941), apropriadamente intitulado "The Iritcltigantsta,", OscarCargill tece algumas sólidas observações sôbre o papel dos mestres da sátira norte--americana do século XIX; porém, isto naturalmente tem apenas um pequeno lugar emseu grande livro sôbre Ha marcha das idéias norte-americanas". O ensaio de Bierce,

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Sociologia - Teoria e Estrutura 217- .._-------

Vivendo na era em que os barões ladrões floresceram, Bíerce não po-dería fàcilmente deixar de observar o que mais tarde se tornou conheci-do como "d.§.li!1:q4~tes. çleeolRl'illl1o brilP,QQ". Não obstante, êle sabiaque nem todos êsses grandes é dramáticos afastamentos das normas ins-titucionais nos estratos superiores da economia são conhecidos, e quepossivelmente vêm à luz número menor de desvios entre as classes mé-dias inferior€s.S_uth~rlª).).d _tem repetidamente documentado a predomi-nância da "criminãiidacte' de colarinho branco" entre os homens de negó-cios. Êle nota, além disso, que muitos de tais crimes não foram levadosao tribunal porque não foram descobertos; ou, se foram,' devido ao "sta-tus social do homem de negócios, a tendência contrária ao castigo, e oressentimento público relativamente não organizado contra os crimino-sos de colarinho branco". 15 Um estudo de aproximadamente 1.700 índi- Cvíduos, predominantemente da classe média, revelou que as Ülfra.çQgf;~n.ã.o: .c';:regístradas" eram comuns entre membros inteiramente. "respeitáveis" da .,.so.c.i~da~.:. Noventa e nove por cento das pessoas pesquisadas contes- •. "saram ter cometido uma ou mais das 49 infrações à lei penal do Estado de: /Nova lorque, sendo cada uma de tais infrações Suficientemente séria Pª' ,- I

ra ser passível de pena máxima de pelo menos um ano de prisão. Onúmero médio de infrações em idade adulta - excluídas tôdas as ínrra-ções cometidas antes dos dezesseís anos - era de 18 para os homens ede 11 para as mulheres. Mais de 64% dos homens ede 29% das mulheresreconheciam sua culpa em um ou mais casos de crimes graves o que,segundo as leis de Nova Iorque, são suficientes para privar a pessoa detodos os seus direitos de cidadão. Um caso frisante foi expresso por umeclesiástico, ao se referir às falsas declarações prestadas por êle a res-peito de urna mercadoria que vendera: "Procurei primeiramente dizer averdade, mas nem sempre ela dá bom resultado"· Com base em tais re-sultados, os autores concluíram modestamente que "oII1ÍIl1ero de.a,tºsque legalmente constituem crimes, excede de muito longe aquêle dos ofi-.cialmente denunciados, O comportamento ilegal, longe de ser uma mani-festação anormal, do ponto de vista social ou psicológico, é na verdadeUm fenômeno muito comumv.is

do qual tirei tão extensa citação, pode ser enconrrsoo em "The Collecled Works of Am-brose Bierce (Nova Iorque e Washington: The Neale Publishing Company, 1912), vol.XI, 187-198, Qualquer que seja o seu valor, devo discordar do rude e injustificado jul·gamento de Cargill a respeito de Bierce. Parece ser menos uma opinião do que aexpressão de um preconceito que, na própria idéia que Bierce failia do "preconceito",seria apenas "urna opinião vadia sem qualquer meio visível de apoio".

15. E. H. Sutherla..nd, "White collar criminality". en. cit.; "Crime and business", Annals,American Academy of Political and Social Scicncc, 1941, 217, 112·118; "Is 'white collarcrime' crime"? American SociologicaI Review 1945, 10, 132-139; Marshall B. Clinard.Thc Bl ack !\1arkct: A Study of White CoIlar Crime (Nova Iorque: Rinehart & CO.,1952); Dorra.d R. Cressey, Olher People's IUoney: A Sludy in the Social Psychology otEmbezz1emcnt (G1encoe: The Free Press, 1953).

16. Jarnes S. \\:z:Jlerstein and Clemcnt J. Wyle. "Our Iaw-abíding law-breakers", ProbatioD.abril, 1947.

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218 Robert K. Merto1~

Porém, quaisquer que sejam as proporções diferenciais do comporta-mento desviado nos diversos estratos sociais, e sabemos por muitas ron-tes que as estatísticas oficiais a respeito dos crimes mostram uniforme-mente proporções maiores nos estratos inferiores, e que elas não são dig-nas de confiança, resulta da nossa análise que. as maiores.P!e15sães para

.9_ .,ǺJ:D..QQl'j;ª!!:IE?p!Q._~~l!:l1_s_,,-i~s!()_.~f,() exerci d~il....:5.â..b.x:e...asc:j,!p:.a.clª_s_...ÍIlferiores .Casos que podemos apontar nos permitem descobrir os mecanismos socio-lógicos responsáveis por essas pressões. Diversas pesquisas têm mostra-do que as áreas especializadas de vícios e crimes constituem uma reação"normal" contra uma situação em que a Ênfase cultural sôbre o sucessopecuniário tem sido assimilada, mas onde há pouco acesso aos meios con-vencionais e legítimos para que uma pessoa seja bem sucedida na vida.As oportunidades ocupacionais das pessoas destas áreas são grandernen-te confinadas ao trabalho manual e aos pequenos empregos de colarinhobranco. Dada a.eI'.1igJ,:!H.tJ;lzJKã-º__Jl,Q]j&a.mericana.ao __trabalho .manual,a qual se ve~yic.~.~_~e1'.~C!stl1:rI:~~Y7Ly?rrne_I!'f!!...t~_d:a.s_iJ:.s.!!!:I!:_~~l!.~..s()ciais,17 ea ausência de oportunidades realísticas para ultrapassar aquêle nível, c re- j

sultado tem sido uma tendência acentuada em direção ao comportamen-to desviado. A situação social do trabalhador manual (não especializa-do) e o conseqüente baixo rendimento não o habilitam a competir den-tro dos padrões consagrados de honestidade, com as oportunidades depoder e de alto rendimento oferecidos pelos sindicatos do vício, da chan-tagem e do crime. 18

Para as finalidades dêste trabalho, essas situações exibem duas ca-racterísticas salientes. ;J. Primeiro, os incentivos para o êxito são inculca-dos pelas normas estabelecidas da cultura eZ,.em segundo lugar, as viasdisponíveis para o acesso a êste objetivo, são tão limitadas pela estrutu-ra de classe, que não resta outra saída senão apelar para os desvios decomportamento. É a jalta de entrosamento entre os alvos propostos pelo

.;:.-.",:. 17. National Opinion Research Center, National Opinion on Occupatíons, abril, 1947. EstaI_o pesquisa sôbre a classificação e avaliação de noventa ocupações. numa amostragem na-

cional, apresenta uma série de importantes dados empírícos. De grande significação ~a constatação de que, apesar de uma leve tendência das pessoas a valorizarem sua pró-pria ocupação e as correlctas mais alto do que as de outros grupos, há uma subsran-~_~ concordância na avaliação dos empregos ou ocupações em todos os ambientes dotrabalho. Mais pesquisas desta espécie são necessárias a fim de cúrtografar a topo-grafia cultural das sociedades contemporâneas. (Ver o estudo comparativo do prestígioconcedido às principais ocupações em seis países industrializados: Alex Inkeles e PeterH. Rossí, "Natíonal comparrsons of occupational prestige", American Journal of 80-ciology, 1956, 61, 329·339).

18. Ver Joseph D. Lohman "The participant observer in community studies", American So-ciological Revíew, 1937, 2,. 880-'898 e William F. Whyte, street Comer Society (Chicago,1943). Notem-se as conclusões de Whyte: "É difícil para o homem de Cornerville al-cançar a escada (do sucesso), mesmo o seu primeiro degrau ... ~le é um italiano, e ositalianos são considerados pelas pessoas das classes superiores como os menos desejá-veis dos povos imigrantes ... a sociedade promete recompensas atraentes em têrmos dedinheiro e posses matertaís ao homem 'bem sucedido'. Para a maioria dos habitantesde Cornerville essas recompensas só poderão ser alcançadas pela influência das quadrl-lhas ("rackets") e da proteção pol itíca". (273-274)

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SOCiologia - Teoria e Estrutura 219

ambiente cultural e as possibilidades oferecidas pela cultura social qUQproduz intensa pressão para o desvio de comportamento. O recurso a""'uais legítimos pará. "entrar no dinheiro" é limitado por uma estruü··ra de classe a qual não é inteiramente acessível, em todos os níveis, ahomens de boa capacidade. 19 Apesar de nossa .PJlIs.!ste1lte-idaol.ug.ia__deho.p-ºIlyui.!JIj,.lÍesjguais..para. tºq.a~",20 o caminho para o êxito é relativamen-te fechado e notavelmente difícil para os Que têm pouca instrução formale parcos recursos. A pressão dominante conduz à atenuação da utiliza-ção das vias legais, mas ínefícientes, e ao crescente uso dos expedientes ile-gítimos, porém mais ou menos eficientes.

..a....,Çl1ltur:ª_çlºm!.I),ª:Il,t.eJal'u:)~!gªnçilts_. il1.ço.mn\lt!yej,~, para os índíyíduossltY.ª99?!la.l?.~amad.~ ipferioj."eso,a estmtura.s9C.Üil. De um lado, a êlesse pede que orientem sua conduta em direção à expectativa da granderiqueza: - "Que cada homem seja um rei", diziam Marden, Carnegie cLong - e do outro lado, a êles se negam, em larga medida, as oportuní-nades efetivas de assim fazer dentro das instituições vigentes. A conse-qüência desta inconsistência estrutural é uma grande porcentagem decomportamento transviado. JL~JL~ilJJ;gto__en.t:rg.º_sJiIl15 e .9ê.meiOS cultu-xa!lJlª-ut-ª---ª-c:eitOilJ_.t-ºXI}?'-SELaltªlIl5!.Dtªjnst.ªy~L geyJgQ._Il,..teI1c1~I1ciª_crescen-. te__ª-.§.f...-ª1ingir..a:'?...metª.:,?_ç,ª!!,~gª.ºJ!.:'?_ºe_I1rest~iQ,_l}Q;t:..g.l!ªl<m~Lmej,9. Den-tro dêsse contexto, .AL"CaPQne_representa o triunfo da inteligência amo-ral sôbre o "fracasso" que a moral prescreve quando os canais da mobili-dade vertical são fechados ou estreitados numa sociedade que atribui al-to prêmio sôbre a afluência econômica e ascensão social para todos osseus membros. 21

Esta última qualiiicação é ele importância essencial. Ela implica emque outros aspectos da estrutura social, além da extrema ênfase sôbre osucesso pecuníárío, devem ser considerados, se quisermos entender as fon-tes sociais do comportamento desviado. Altª ...p-ºIGept_ªgfill_º,e.GO!IlPor-tam~l1,tQdesviado não é gerada8inm1E:)smente peJª.faJtade oportunidadeou ..por. exagerada ênfase pecuniária. Uma estrutura de classes comparartivamente rígida, uma ordem ele castas, pedem limitar as oportunidades,muito além do ponto que hoje se observa na sociedade norte-americana .

'.9. Numerosos estudos têm concluído que a pirâmide educacional funciona P(ü3 impedirque uma grande proporção de jovens inquestionàvelmente hábeis mas econôrnicamentedesvzmtajados obtenham uma instrução formal mais alta. Êste fato acêrca de nossaestrutura de classes tem sido observado com desalento, por exemplo, por Vannevar Bushem seu relatório ao govêrno , Science: The Endlcss Frontier. Veja-se ainda. W. L. War-ner, R. J. Havighurst e M. B. Loeb, Who Shall Be Educated? (Nova Iorque, 1944).

20. O papel histórico cambiante desta ideologia é um assunto que merece ser estudado.21. O papel do negro com relação a éste assunto faz surgir questões tão teóricas como

práticas. Jâ foi dito que grandes segmentos da população negra têm assimilado os va-Iôres da casta dominante. de sucesso pecuniário e de progresso social, mas se tem"ajustado rellilisticamente" ao "fato" de que a ascensão social P atualmente confinadaquase inteiramente ao movimento dentro daquela casta. Ver Dollard, Caste and Classin a Seuthern Town, págs. 66e segs.; Donald Young, Am-erican l\1inoriiy Peoples, 581;Robert A. Warner, New Haven Negroes (Ne\V Haverr. 1940), 234. Ver também a subse-qüente discussão neste capítulo. \

220 Roberi K. Merton

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É somente quando um sistema de valôres culturais exalta, virtualmenteacima de tudo o mais, certos objetivos de sucesso comuns à populaçãoem geral, enquanto a estrutura social restringe rigorosamente ou fechaeomp:etamente o acesso aos rr.odos aprovados de alcançar êstes objeti-

. vos, para uma parte considerável da mesma população, que o compor-tamento desviado se apresenta em grande escala. Em outras palavras,nossa ideologia igualitária nega implicitamente a existência de indivíduose grupos não competidores, na perseguição do sucesso pecuniário. Ao in-vés, o mesmo corpo de símbolos de sucesso é dado como se aplicando a

. todos. Afirma-se que as metas transcendem as linhas de classe, nãosendo limitadas por elas, mas a organização social de hoje é tal que exis-tem diferenças de classe na acessibilidade a essas metas. Neste contex-to,. uma virtude cardeal norte-americana, a "ambição", estimula um víciocardeal também norte-americano, o "comportamento desviado".

Esta análise teórica pode auxiliar a explicar as correlações variáveisentre o crime e a pobreza. 22 A "pobreza" não é uma variável isoladaque opere precísaments da mesma forma, onde quer que seja encontrada;é apenas uma dentro de um complexo de variáveis sociais e culturais,identificávcis e interdependentes. A pobreza em si e a cqnseqüente limi-tação de oportunidades não bastam para produzir uma proporção alta econspícua de comportamento criminoso. Mesmo a notória "pobreza nomeio da opulência" não conduzirá, necessàriamente, a êste resultado.Porém, quando a pobreza e as desvantagens a ela associadas, em cornps-tição com os valôres aprovados para todos os membros da sociedade es-tão articul2.das com uma ênfase cultural do êxito pecuniário como obje-tivo domina.nte, as altas proporções de comportamento criminoso são oresultado normal. Assim, as estatísticas de, crimes, rudimentares (e nãonecessàríaments dignas de confiança), sugerem que a pobreza é menosaltamente correlacionada com a delinqüência no sudoeste da Europa doque nos Estados Unidos. As oportunidades de vida econômica dos pobres,naquelas áreas européias, pareceriam ser ainda menos promissoras do queneste país, de modo que nem a pobreza nem sua associação com oportu-nidades limitadas é suficiente para justificar as diferenças de correla-ções. Contudo, quando consideramos a configuração total - pobreza,oportunidar;!.es limitadas e Inculcaçâo de alvos culturais - aparece algumabase para explicar a mais alta correlação entre a pobreza e o crime em

\ ;y

22. Êste esquema tmalítico pode servir para resolver algumas das inconsistências aparen-tes na relação entre o crime e o status econômico, mencionados por I'~._A._8c9c,-,*in. 1!:leobserva, por exemplo, que "não é em tôda a parte, nem sempre, que os pobres mos-tram maior proporção de crimes... muitos países mais pobres têm tido menos crimeque países mais ricos... A mclhoría econôrnícs, da segunda metade do século XIX edo com.êço do XX, não foi acompanhada pelo decréscimo da delinqüência". Ver seu Con-temporary Sociological Tbcorics (Nova Iorque, 1928), 560-561.Contudo, o ponto erucíalé de que a baixa situação econômica, exerce um papel dinâmico diferente, em estrutu-ras sociais e culturais diferentes, tal como é estabelecido no texto. Portanto, .D-ªº._.~~.

.~ex~ .. ~p'~!a! ...~,?J:~__correlação l~.~ar _entr~ o crime e a pobreza.

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Sociologia - Teoria e Estrutura 221

nossa; sociedade, do que em outras onde a estrutura de classes, rígida, éassociada a símbolos âe sucesso diferentes para as diversas classes.

As vitimas dessa contradíçâo entre a ênfase cultural da ambição pe-cuniária e os obstáculos sociais à oportunidade completa não são sempreconscientes das fontes estruturais de suas aspirações frustradas. Certa-mente, elas são freqüentemente conscientes de uma discrepância entre ovalor pessoal e as recompensas sociais. Porém, elas não percebem, neces-sàriamente, como é que isto ocorre. Aquêles Que encontram a fonte detal fenômeno na estrutura social, podem tornar-se alienados em relaçãoa essa estrutura e tornar-se candidatos prontos para a Adaptação V (re-belião). Porém outros, e isto aparentemente inclui a grande maioria,podem atribuir suas dificuldades a fontes maís místicas e menos socio-lógicas. Pois, conforme o distinto classícísta e sociólogo "apesar de ~imesmo", .Gilber.t .M1Jr.H!Y, tem observado em sua explicação geral, "O me-lhor terreno pari··-a'superstição é uma sociedade em que as fortunas doshomens parecem não comportar pràtícamente nenhuma relação entre seusméritos e seus esforços. Uma sociedade estável e bem governada tende:mais ou menos a assegurar que o Aprendiz Virtuoso e Industrioso seja ,.-bem sucedido na vida, enquanto o Aprendiz Malvado e Preguiçoso virá f.' ... 'a fracassar. E em tal sociedade as pessoas tendem a pôr em evidência: . ,~.Cas correntes de causação, razoáveis ou visíveis. Porém, (numa socieda-,';:'de sofrendo de anomia)... as virtudes comuns da diligência, honestida-de e bondade parecem ser de pouca utilidade". 23 E em tal sociedade aspessoas tendem a aliviar a tensão através do misticismo: os efeitos daFortuna, do Acaso, da Sorte.

De fato, tanto o indivíduo "bem sucedido" como o eminentemente "fra-cassado", em nossa sociedade, freqüentemente atribui o resultado à "sor-te". Assim, o próspero homem de negócios, l!lJi!J..§_ª9.~I1J1ªld, declarouque 95% das grandes fortunas eram "devidas à sorte". 24 E um impor-tante jornal de negócios num editorial explícatívo dos benefícios sociaisda grande riqueza individual, dizia que aQ:;t];>~ªQrjª,G..Qmplemen.t.a_dapelasor~e.eramos f~~()~es r:~:?ponsáveis.pelas.grandes fortunas: "Quando umhomem através de prudentes investimentos - auxiliado, conforme reco-nhecemos, pela boa sorte em muitos casos - acumula uns poucos mi-lhões, nem por isso tira algo do bôlso dos outros". 25 De modo parecido,c trabalhador freqüentemente explica a situação econômica em têrmos deacaso. "O trabalhador vê em seu derredor homens experimentados eespecíalízados, que não encontram trabalho. Se êle trabalha, sente-se

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23. Gilbert Murray, Fivc Stages of Grcek Rcli!(ion (Nova Iorque, 1925), 164·165. O capitulodo ProL Murray & respeito de "The Failure of Nerve", do qual tirei êste parágrafo,deve certamente ser classificado entre as msds civilizadas e penetrantes análises so-ciológicas de 110SS0 tempo.

24. Ver '" citação de uma entrevista em Gustavus Meyers, nislory of the Grcat Aro.,.rícan Fortunes (Nova Iorque, 1937), 706.

25. Naiion's Busíness, VoJ. 27, N." 9, pága. &-9.

222Robert K. M erton

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com sorte. Se êle está sem trabalho, considera-se a vitima de má sorte.Estabelece ête pouca relação entre o valor e as conseqüências".26

Porém, estas referências à atuação do acaso e da sorte servem a fun-ções distintas, conforme elas sejam feitas por aquêles que as atingiram,ou por aquêles que não atingiram as metas valorizadas pelo ambientecultural. Para os bem sucedidos, isso constitui em têrmos psicológicos,

, ..uma desarmante expressão de modéstia. Com efeito, está longe de qual-. \, quer aparência de presunção dizer que alguém teve sorte, em vez de di-

i· zer que mereceu inteiramente sua própria boa fortuna. Em têrmos socío-'1 ; -. .'. .: lógicos, a doutrina da sorte, tal como é exposta pelos bem sucedidos, ser-

/. ve à dupla função de ..~..pltçacª- fregjj~.ntf'l_..dÜ:;çr_e.pápctaentre.o.mérito'e a .:reÇ9m,PE2I1.8a,.Jl·9...mesmo tempn , que. conserva imune da critica umaestrtlt.url!. l:?ºGial que permite que tal discrepância se torne freqüente.Pois se o sucesso fôr primàriamente matéria de sorte, se êíe existe sim-plesmente na cega natureza das coisas, se êle sopra onde quiser, e nãose pode prever de onde vem e para onde vai, então certamente êle seráincontrolável e ocorrera na mesma medida qualquer que seja a esiru-tura social.

Para os qus não são bem sucedidos, e particularmente para aquêlesentre êstes, que encontram pouca recompensa de seus méritos e seu esfôr-ço, a doutrina da sorte serve à função psicológica de as habilitar a pre-servar sua auto-estima, face ao fracasso. Também pode implicar a dis-função qUe consiste em reprimir a motivação para um esfôrço persisten-te.27 Sociolàgicamente, como é ensinado por_~ª,k~.~28, a doutrina pode re-fletir falta de compreensão do funcionamentõ 'do sistema econômlco so-cial, e pode ser disfuncional na medida em que elimina a explicação ra-cional de trabalhar a favor das mudanças estruturais, proporcionandomaior justiça nas oportunidades e nas recompensas.

Esta. oríentação em direção à sorte e aos riscos, acentuada pela ten-são de aspirações fr.ustradas, pode ajudar a explicar o acentuado ínterês-se pelos jogos de azar em certos estados da sociedade, jogos êstes proibi-dos peja lei ou apenas tolerados, mas não reconhecidos ou estimuladosas

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26. E. W. Bakke, The Unemployed Man (Nova Iorque, 1934), pág. 14. (Os grifos são meus).Bakke faz insinuação em relação às fontes estruturais que sugerem uma crença nasorte entre os trabalhadores. I'Há certa dose de desârrirno na situação em que um ho-mem sabe que a maior parte de sua boa ou má fortuna está fora de seu contrõte e de-pende do fator sorte". (O grifo é meu). Na medida em que êle é forçado a se acorno-dar a decisões da gerência ocasionalmente imprevisíveis, o trabalhador está sujeito ainseguranças e ansiedades no seu trabalho: outra "semente" para a crença no destino,fato, acaso. Seria Interessante saber se tais crenças diminuem quando os sindicatosoperários reduzem a probabilidade de que seu destino ocupacional esteja fora de suaspróprias mãos.

27. Em seu ponto extremo, pode estimular a resignação e a atividade rotineira (Adapta-ção nD ou a passividade fatalista (Adaptação IV), de que nos ocuparemos adísmte.

28. Ver Bakke, op , cit., 14, onde êle sugere que o "trabalhador sabe menos acêrca dos pro-cessas que lhe permitam ser bem sucedido ou não ter nenhuma probabilidade de êxito,

do que os homens de negócio ou das profissões liberais. Portanto, há mais C:ioSOS emque os acontecimentos parecem ser influenciados pela boa ou má sorte".

29. Cl., R. A. Warner, New IIaven Negroes e Harold F. Gosnell, .Negro Politicians (Ohica-

"'. "-"- •• "._- •••••••• - •• - __ o •• ----.--- •••• - •••• -- •• -- ••• - •••• --,.-- •• --- •• _ •• _._ ••• "'_._~ __ • ._....... .....~--""""" ••• ,." •••••• _ ••• ~"':.b~./ •••••,,,.,''''":~~'":••'4:,,''''''-~.x.t.~,~.ir,-i!'!;b.i;

Sociologia - Teoria e Estrutura 223

Entre aquêles que não aplicam a doutrina da sorte à separação entre [o mérito, os esforços e as recompensas, pode-se desenvolver uma atitudeindívidualística e cínica para cem a estrutura social, melhor exemplífica-da no clichê cultural de que "o que importa não é o que você conhece, masquem você conhece".

Em sociedades como a nossa, a grande ênfase cultural sôbre o sucessopecuniárío para todos, e uma estrutura social que indevidamente limita.o recurso prático aos meios aprovados, estabelecem para muitos uma ten-são rumo as práticas inovativas, em contraste com as normas institucio-nais. Porém, esta forma de adaptação presupõe que os indivíduos te-nham sido imperfeitamente socializados, de modo que abandonam osmeios ínstítncíonais, enquanto retêm a aspiração ao êxito. Por outro lado,entre aquêles que têm assimilado completamente os valôres ínstítucíonaü-zados, é mais provável que uma situação comparável conduza a uma rea-ção alternativa, na qual o alvo é abandonado, persistindo, porém, a con-formidade aos costumes. Ésse tipo de reação requer exame ulterior maisdefinido.

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III. RITUALISMO

o tipo ritualista de adaptação pode ser prontamente identificado.Implica no abandono ou na redução dos elevados alvos culturais do gran-de sucesso pecuniário e da rápida mobilidade social, até o ponto em que:possam ser satisfeitas as aspirações de cada um. Porém, embora se re-jeite a obrigação cultural de tentar "progredir na vida", embora se tracemos próprios horizontes, quase compulsivamente continuam a ser seguidasas normas institucionais.

Seria um jôgo de palavras terminológico perguntar se isto constituium comportamento divergente. Desde que a adaptação, com efeito, éuma decisão interna, e desde que o comportamento claro é instítucio-nalmente permitido, embora não seja culturalmente preferido, nãCL.!Lg~·I-ªlI!~~l1tJ!_e.ºD.§!g~rado.cºmo_ representativo de um m:oP.1em,a social. Aspessoas íntimas dos indivíduos que estejam fazendo esta espécie de adap-tação podem dar opinião em têrmos da ênfase cultural predominante,e podem "ter pena dêles", e podem, no caso individual, sentir que "ovelho Jonesy está certamente em decadência". Quer isto seja ou não des-crito como um comportamento desviado, claramente representa um aras-t.amento do modêlo cultural no qual os homens são obrigados a se esfor-çarem ativamente, sendo preferível que o façam através dos procedimentosinstitucionalizados, para caminharem para á frente e para cima, na hierar-quia social.

go, 1935), 123~125, os quaís comentam o grande ínterésse pelo "jõgo de números- entre osnegros norte-amertcanos de baixa situação econômica. (N. do trad.: "Number/s game " éuma loteria clandestina, um tanto semelhante ao "jôgo do bicho" brasileiro).

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224 Robert IL M ertonSocio/.o(!;n - J'eO'-;fl. e E!>trutura 225

Seria de esperar que êsse tipo de adaptação fôsse bastante freqüentenuma sociedade que faz a posição social de cada um, largamente depen-dente das próprias realizações. Pois, conforme tem sido observado commuita freqüência,30 esta incessante luta competitiva produz agudo esta-do de ansiedade. Um dos recursos para suavizar estas ansiedades é bai-xar o próprio nível de aspiração permanente. O mêdo produz a inação,ou mais exatamente, a ação rotínízada. 31

. ... .9_E!nd~9me .cl9.U,tt!ªlista soeíal tanto é famili9,r como instrutivo. Suafilosofia implícita de vida encontra expressão numa série de clichês cul-turais: "Não estou pondo o meu pescoço para fora", "vou jogando nacerta", "estou satisfeito com o que já consegui", "não aspire alto e vocênão ficará desapontado". O tema que se entremeia nessas atitudes é queas altas ambições convidam à frustração e ao perigo, ao passo- que asaspirações mais baixas produzem satisfação e segurança. É uma reaçãoa uma situação que aparece como ameaçadora .8 excita a desconfíança-É a atitude implícita entre trabalhadores que regulam cuidadosamentesua produção a uma. quota constante, numa organização na qual tem oca-sião de temer que "serão observados" pelo pessoal da gerência e "algumacoisa acontecerá" se sua produção subir e descer. 32 É a perspectiva doempregado assustado, do burocrata zelosamente conformista, na gaiola dacaixa da ernprêsa bancária particular ou no escritório da emprêsa deutilidade pública. 33 Em poucas ipalavras, é o modo de adaptação paraprocurar individualmente uma fuga particular dos perigos e frustraçõesque parecem a êles inerentes r.a competição pela obtenção dos objetivosprincipais, pelo abandono de tais objetivos, agarrando-se o quanto maisestreitamente às rotinas seguras e às normas ínstitucionaís .

Se esperássemos que os norte-americanos das classes mais baixas exi-bissem a Adaptação H - "inovação" - às frustações cuja aderência re-sulta da ênfase predominante das grandes metas culturais e do fato das

:pequenas oportunidades sociais, deveríamos esperar que os americanos daclasse média inferior estivessem pesadamente representados entre os quese incluem na Adaptação lU, "rítualísrno". Pois é na classe média infe-rior que os pais tipicamente exercem pressão sôbre as crianças a fim dese pautarem pelos mandatos morais da sociedade, e na qual a escaladasocial para cima apresenta menos possibilidade de encontrar sucesso doque entre a classe média superior. O forte disciplinamento a favor daconformidade com os costumes reduz a probabilidade da Adaptação II e

ii~ti

estimula a probabilidade da Adaptação IJI. O severo treinamento fazcom que muitos indivíduos carreguem mais tarde pesada carga de ansie-dade. Os moldes de socialização. da classe média inferior estimulam as-:~I!!.aJ~r?Jl!.ia estrutura de.c.~rlÍtt)~.rnaisIJre.<1i'!IJOstO. .8111 . gtreção.ao ri.tgalil'.!!.!Q,34 e é nesse estado, por conseguinte, que ocorre com mais fre-qüência o molde adaptativo lH.35

Devemos, porém, salientar novamente, tal como no princípio dêstecapítulo, qUE' estamos examinando aqui modos de·-'adaptação a contradi-

':J~l.~:.~;irli~;, 34, Ver, por exemplo, Allison Davis e John Dollard, Cbildren of Bondage (Washington,

1940), Capo 12 ("Child Training and Class") o quaJ, embora trate dos moldes de socía-liza.ção entre os negros da. classe inferior e média inferior no Extremo Sul dos Est~dosUnidos, parece ser aplicável, com poucas modificações, à população branca. A respeito.ver ainda M. C. Erickson, f'Child-rearing and social status", Amerrcan Jonrnal Df Secio-Iogv, 1946, 53, 190·192; Allison Da-vis e R. J. Havighurst, "Social class and color dlf'Ie-rences in chüd-rearíng", American Sociological Review, 1946, 11, 698·710: ", _.0 signi ..ficado básico da classe social para os estudantes do desenvolvimento humano é que eledefine e sistematiza diferentes ambientes de aprendtaadc para. crianças de classes dtte-rentes". "Genera.lizando a partir da evídêncía apresentada pelas tabelas, diríamos queas crianças da classe média (os autores não distinguem entre os estratos de média baixae média alta) são sujeitos mais cedo e mais insistentemente às influências que fazemuma criança ser ordeira, conscienciosa, responsável e calma. No decurso da sua edu-cação, as crianças d~. classe média provàvelmente sofrem mais frustrações em seusimpulsos",

35, Esta hipótese ainda aguarda comprovação ernpírtca. ·Estudos iniciais nesta direçãotêm sido feitos com as experiências de "nível de aspiração", as quaís exploram as deter-minantes de formação das metas e de modificações nas a.tividades especificas e expe-rimenta.lmente planejadas. Há, todavia, um obstáculo principal, ainda não sobrepu-jado, parz, deduzir inferéncias da situação de laboratório. com seu relativamente leve au-to-envolvímento nos labirintos fortuitos das taretas de lápis e papel, tomadas de posição,problemas aritméticos etc., que sejam aplicáveis à forte -ínversão afetiva nas metas deêxito, nzs rotinas da vida diária. Nem tais experiências, com suas formações de gruposad hoc, têm sido capa.zes de reproduzir as profundas pressões sociais que dominam riavida diária, (Qual experiência de laboratório, por exemplo, poderia reproduzir o Ia-rnentoso resmungo de uma moderna Xantipa: "O ruim com você, é que você não temnenhuma ambição; um homem de verdade sa.rrs, de casa. e faria coisas"?) Entre os es·tudos com relação definida, embora limitada, com êste assunto, veja-se especialmenteR. GOlild, "Some sociological determinants of goaI strtvmgs", Journal or Social Psyoh o-IOgJ', 1941, 13, 461·473; L. Festinger, "Wish, expectation and group standards as f"",to!"sinfluencing levei of aspiration", JournaI of Abnormal and Social Psyohofcgy, 1942, 37,184.200. Um resumo das pesquisas é 2,presentado por Lewin e outros "Levei ot Aspira-tion", em J. McV. Hunt , ed., Personality and lhe Behavinr Disorders (Nova Iorque,1944), I, Capo 10. ed ,

O conceito de "êxito" como proporção entre a aspiração e a realização perseguidasístemàticamente nas experiências de nível de aspiração. tem, evidentemente, uma. longa.história. Gilbert Murray (op. cit., 138·139) salienta a predomináncia desta concepçãoentre oS pensadores da Grécia do século IV. E em Sartor Resartus, Carlyle observa quea Hfelic!dade" (satisfação) pode ser representada por uma fração em Que o numeradorrepresenta as reaüz a.côes. e o denominador. a aspiração. Algo muito parecido, é apre-sentado por William James (The Principies of Psychology [Nova torque, 1902).I, 310). Ver também F. L. Wells, OJl. cil.,. ·879, c P. A. Sorokin, Social and Cultural

Dynamics (Nova Iorquc, 1937) 111, lG1·164. A questão crítica é saber se esta mtrospecãofamiliar pode ser sujeita a rigorosa cxpertmentacâo na qual a situação preparada [10laboratório reproduza. adequadamente os aspectos satíentes da situação de vida real, ouse a observação bem disciplinada das rotinas do comportamento na vida real, dernons-trarão ser o método de inquirição mais produtivo.

(i'(~[11{I

30.

,I;:1·'

ljVer, por exemplo, H. S. Sullivan, "Modem conceptions of psychiatry", Psychiatry, 1940,3-111·112; Margaret Mead, And Keep Your Powder Dry, (Nova Iorque, 1942), Capo VII;Merton , Fiske e Curtis, l\rJass Persuasion, 59-60.

31. P. Janet, "The fear of action", Journal of Abnormal Psycb olo g-y, 1921, 16, 150·160, e oextraordinário estudo de F. L. Wells, "Social maladjustments: s-dapt.íve regression",op, cít. o qual trata de perto <> tipo de adaptação aqui examinado.F. J. Roethlisberger e W. J. Dickson, l\Ianagemenl and the Worker, Capo 18 e pá g ..531 e segs.: e sôbre o tema mais geral, as anotações tipIcamente perspicazes de Grlber tMurray, op, cit., 138·139.Ver os três capitulas seguintes.

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226 Robert K. M erton

de caráter ou de personalidade. Os índivíduos apanhados nestas contra-ções entre a estrutura cultural e a social: não estamos tocalízandc tiposdições podem mover-se de um tipo de adaptação para outro, e efetiva-mente o fazem. Assim, se pode conjeturar que alguns rttualistas, con-formando-se meticulosamente com as regras ínstítucíonaís, estão de talmodo embebidos nos regulamentos que se tornam "virtuoses" da burocra-cia e que se submetem de modo tão extremo porque estão sujeitos à açãodo sentimento de culpa engendrada por anterior inconformidade com asregras (isto é, Adaptação Ll ). E a passagem ocasional da adaptação ri-tualístíca para espécies impressionantes de adaptação ilícita é bem docu-mentada em histórias de casos clínicos e freqüentemente estabelecem te-mas de ficção cheios de introspecção .. Não é raro que a períodos de extre-ma submissão se sigam: explosões de rebeldia.36 Porém, embora os meca-nismos psíccdínâmícos dêsse tipo de adaptação tenham sido bastantebem identificados e articulados com moldes de disciplina e socializaçãona família, ainda é necessáría muita pesquisa sociológica para explicarporque êsses moldes são presumivelmente mais freqüentes em certos es-tratos e grupos sociais do que em outros. Nossa própria discussão nãofêz mais que erigir uma armação analítica para a pesquisa sociológica fo-calizada sôbre êste problema.

IV. RETRAIMENTOAssim como a Adaptação 1 (confonnidade) permanece como mais

freqüente, !1 Adaptação IV (rejeição dos objetivos culturais e meios ínsti-tuc.i{)l!:;ti!?Lçprovàye!IIl~!1te...a,IIlenos comum. As pessoas que se adap-tam (ou mal se adaptam) desta maneira estão, para se falar estritamentena sociedade, mas não são da sociedade. Sociolàgicamente, t~i::j_p~1'ts_oas.constitu_emº.~ ver:ciadf!r:()1!_E)str~mhos.Não compartilhando da escala co-

16. Em sua novela, Tlle Bitter Box (Nova Iorque, 1946) Eleanor Clark retratou êste procer-so com grande sensibilidade. A discussão feita por Erich F'romrn, Escape from Freedom(Nova Iorque, 1941), 185·206, pode ser citada, sem implicar aceitação de seu conceitode "espontaneidade" e lide tendência inerente do homem em direção ao autodesenvolvi·mento". Um exemplo de sólida formulação sociológica: "Enquanto admitimos... queo caráter anal, como típico da classe média inferior européia é causado por certas prí-meiras experiências ligadas com a defecação, mal temos dados que nos levem a enten-der porque urna classe específica devesse ter um caráter anal. Contudo, se entendemosisto como uma forma de relacionamento com outros, enraizada na estrutura. de cará-ter e resultando de experiências com o mundo externo, temos uma chave para enten-der porque dado o modo de vida da classe média inferior, sua estreiteza" ísolamentoe hostilidade, foworeceu o desenvolvimento desta espécie de estrutura de caráter". (293-294). Exemplo de formulação derivada de uma espécie de anarquísmo benevolente deúltima hora, aqui julgado como dúbio: " ... existem também certas qualidades psicoló-gicas inerentes ao homem que necessítam ser satisfeitas _. _ A mais importante pareceser a tendência a crescer, a desenvolver e realizar potencialtdades que o homem temadquirido no curso da História - como, por exemplo, a faculdade de pensamento cria-dor e critico ... Também parece que esta tendência geral para crescer - a qual é oequivalente psicológico da tendência biológica íd.mttca - resulta em tendências esne-cíficas, como o desejo de liberdade e o ódio contra a opressão. uma vez que a Iíberdadaé a condição fundamental para qualquer crescimento". (287-288).

SOCiologia - Teoria e Estrutura

~

mum de valôres, podem ser incluídos como membros da socieâaâe (dis-tinguindo-se da população) sõmente num sentido fictício.

Pertencem a esta categoria algumas das atividades adaptativas dos _psicóticos, artistas, párias, proscritos, errantes, mendigos, bêbados crôní- \::J,eos e viciados em drogas. ~ Êles renunciaram aos objetivos culturalmen-te prescritos e o seu comportamento não se ajusta às normas ínstítucío-nais. Isto não quer dizer que em alguns casos a fonte de seu modo deadaptação não seja a própria estrutura social que êles efetivamente re-pudiaram, nem que sua própria existência dentro de uma área não cons-titua um problema para os membros da sociedade.

Do ponto de vista das suas fontes na estrutura social, êste modo deadaptação ocorre com maior probabilidade quando os alvos culturais e aspráticas institucionais foram ambos inteiramente assimilados pelo indi-víduo e embebidos de afeto e de altos valôres, sem que os caminhos íns-titucicnais acessívos conduzam ao êxito. Daí resulta um duplo conflito:a obrigação moral assimilada, de adotar os meios institucionais, confli-ta com as pressões para recorrer a meios ilícitos (os quais podem atin-gir o alvo) e o indivíduo não pode utilizar meios que sejam ao mesmotempo legítimos e eficientes. O sistema competitivo é mantido, mas oindivíduo frustrado e que encontra empecilhos que não pode sobrepujar,é excluído do sistema. _º _d~rrotismo, o.gtlietis~ng e a .res.~gnação_são ma-níf~s.t~_~()s__()!!l__l?:ec.~.nismo.s9E)._fu.gll..que .p()steri_()I'll!.ente.0 Ievam a "fu-gir".9-()srequisitos da sociedade. É assim um expediente que resulta dofracasso continuado em aproximar-se da meta por meíos legítimos, e damcapacídadc em usar a rota' ilegítima devido às proibições assimiladas; eeste processo ocorre quando ainda não se deu a renúncia à concepçãodo valor supremo atribuído ao atingimento do êxito. O conflito é resol-vído, abandonando-se ambos os elementos conflitantes: os fins e os meios.A fuga é completa, o conflito é eliminado e o indivíduo é assocializado.

Na vida pública e formal, êsse tipo de comportamento desviado émais vigorosamente condenado pelos representantes convencionais da so-ciedade. Em contraste com o conformista que mantém funcionando asrodas da sociedade, êsse tipo de desviado representa uma responsabilida-oe improdutiva; em contraste com o inovador que, pelo menos é "sabi-do" e se esforça ativamente, êste não dá valor objetivo de sucesso navida que a cultura conceítua tão altamente; em contraste com o ritualis-ta que se conforma pelo menos com os costumes, êle presta. escassa aten-ção às práticas institucionais.

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(

~. Obviamente, esta afirmação é elíptica. 1!:stes indivíduos podem reter alguma. orienta-ção dos valôres de seus próprios agrupamentos dentro da socíedade maior, ou ocasío-naJ.mente, dos valôres da própria sociedade convencional. Em outras .palavras, êles po-dem mudar para outros modos de adaptação. Porém, a Adaptação IV pode ser identi-ficada fàcilmente. Nels Anderson relata o comportamento e as atitudes do vagabundo,e tal relato pode, por exemplo, ser prontamente refundido em têrmos de nosso esque-ma ••.nalítíco. Ver The Bobo (Chicago, 1923), 93-98, et passim.

___ ~__ ~=_,",~=._ .. J

227

228 Robert K. Merton Sociologia - Teoria e Estrutura 229

Nem sequer a sociedade aceita indiferentemente êsses repúdios deseus valôres, Assím agindo admitiria dúvidas quanto a tais valôres.Aquêles que abandonaram a busca do sucesso são implacàvelmente per-

- seguidos até seus esconderijos por uma sociedade que insiste em ter todosos seus membros orientados em direção aos esforços em adquirir o su-cesso. Assim, no coração dos quarteirões de Chicago, em que se reúnemos vagabundos. estão as prateleiras das livrarias recheadas com as mer-cadorias destinadas a revi talizar aspirações mortas.

..dade, também têm poucas das frustrações que esperam aquêles que con-tinuam a buscar essas recompensas. Além disso, te.Ilr.es.enia_um..modod~._ad.::l:pJ.~~o.~ais p.!!!"~i~~!~r._.qu_El_~Q!~J~~g.Embora as pessoas que exí-bem êste comportamento desviado possam gravitar em direção a centrosonde entrem em contato com outros vagabundos e embora possam parti-lhar da subcultura dêsses grupos divergentes, suas adaptações são gran-demente particulares e isoladas em vez de serem unirícadas sob a égidede um nôvo código cultural. Êsse tipo de adaptação coletiva ainda estápara ser estudado.A "Livraria da Costa do Ouro" fica no porão de uma velha residência, construída em

recuo em relação à rua, e agora apertada entre duas quadras de prédios de escritórios. Oespaço da frente é cheio de barracas, cartazes berrantes e placares.

~sses cartazes anunciam livros que atraem a ~tenção dos desprovidos de recursos. Umdêles diz: " ... Homens aos milhares passam por aqui diàriamente, porém a maioria dêlesnão é bem sucedida. rmancetrsanente. Nunca estão mais que dois passos à frente do co-brador de aluguel. Em vez disso êles deviam ser mais audazes e ousados". "Indo à frentedo jôgo", antes que a velhice venha deftnhá-los e atírá-los ao monte de refugos dos nau-frágios humanos. Se você quer escapar dês te mau destino - o destino da vasta maíorlados homens, entre e compre um exemplar do The Law of Financial Sucesso Êle meterá aí-gumas idéias novas em sua cabeça, e o colocará no caminho do sucesso. 35 centavos.

Sempre há homens rtans.ndo em roda das barracas. Mas raramente compram. Para ovagabundo, 38 c. sucesso custa caro mesmo a trinta e cinco centavos.

;;V. REBELIÃO

Mas. se êste, desviado é condenado na vida. real, pocle ..transformar-seem_!Q!J.Je..cte._s>ltisfliÇão..na, vida.. da fantasia. Assim,. Kardiner observouque tais figuras do folclore contemporâneo e da cultura popular erguem"a moral e a auto-estima pelo espetáculo do homem que rejeita as idéiascorrentes e expressa seu desdém por elas". No cinema, o protótipo é,evidentemente, o "vagabundo" de Charlie Chaplin ("Carlitos").

É êle o joâo-nirrguém e está muito consciente de sua própria insignificância. Êle É'- sem-pre o alvo de zombaria de um mundo louco e desconcertante, no qual êle não tem lugar edo qual constantemente roge para dentro de uma atitude satisfeita de vagabundagem. flleestá livre dos conflitos porque abandonou a busca da segurança e do prestíglo, e estã reslg-nado à falta de qualquer pretensão de virtude ou de distinção. (Retrato precíso do caráterda Adaptação IV). Sempre se envolve no mundo por acidente. Ali êle encontra maldadee agressão contra os fracos e incapazes, e contra isso não pode reagir, No entanto, sem-pre, apesar de si mesmo. toma-se o campeão dos injustiçados e dos oprimidos, não pela vir-rude de sue grande habilidade de organização, mas por fôrça da simples e tõsca espertezapela qual êle procura a fraqueza do ofensor. Êle sempre permanece humilde, pobre e ísola-do, mas desdenhoso do incompreensível mundo e de seus valõres. Portanto, êle representao personagem do nosso tempo, que está perplexo ante o dilema de ou ser esmagado na lutaa fim de alcançar as metas do sucesso e do poder (êle o alcança apenas uma vez, no rnmeEm Busca do Ouro) ou de sucumbir fugindo das mesmas numa. resignação sem esperança.O vagabundo de Carlitos representa um grande alívio, pois exulta em sua habilidade de sermais esperto que as fôrças perniciosas alinhadas contra, si e proporciona a cada homem fi

satisfação de sentir que a derradeira fuga dos objetivos sociais, rumo à solidão, é um atode escolha e não um sintoma de SUEI derrota. Mickey Mouse é uma continuação da sagade Chaplin. 39

:Il:ste quarto modo de adaptação é, pois, o dos deserdados sociais, osquaís, se não têm nenhuma das recompensas proporcionadas pela socie-

f',

Esta adaptação conduz os homens que estão fora da estrutura socialcircundante a encarar e procurar trazer à luz uma estrutura social nova,isto é, profundamente modificada. Ela pressupõe o afastamento dos ob-jetivos dominantes, e dos padrões vigentes, os quais vêm a ser conside-rados como puramente arbitrários. E o arbitrário é precisamente aqui-lo que nem pode exigir sujeição, nem possui legitimidade, pois poderiamuito bem ser de outra maneira. Em nossa sociedade, os movimentosorganizados para a rebelião, aparentemente, almejam introduzir uma. es-trutura social na qual os padrões culturais de êxito seriam radicalmentemodificados e na qual se adotariam medidas para uma correspondênciamais estreita entre o mérito, o esfôrço e a recompensa.

Antes de examinar, porém, a "rebelião" como um modo de adaptaçãodevemos dtstínguí-Ia de um tipo superficialmente similar, mas essencial-mente diferente, o ressentimento. Introduzido num sentido técnico es-pecial, POr..~'lJ()t~lioch!'!+.o conceito de ressentimento foi adotado e desenvol-vído sociolàgicamente por Max.Jiçh!ller. 40 Êsse sentimento complexo temtrês elementos entrelaçados. 'i Primeiro, sentimentos difusos de ódio, ínve-ja e hostilidade;: segundo, um senso de impotência para expressar taissentimentos, ativamente, contra a pessoa ou estrato social que os evoque;o terceiro, a consciência contínua desta hostílidade ímpotente.u O pon-to essencial cue distingue o ressentimento da rebelião é que o primeironão envolve uma genuína mudança de valôres. O ressentimento implica

40. Max scheíer. L'hommt. du resentimcnt (Paris, sem data). Éste ensaio apareceu primei.ramente em 1912; revisto e aumentado, foi incluído na obra de scbeer, Abhandlungen nndAufsatze, aparecendo depois em Vom Umsturz der Werte (\919), o. últ mo texto roluse.do para a tradução francesa. Teve considerável influência em varados c.rculos in-telectuais. Para uma excelente e bem equilibrada discussão "o ensa'o de Scheler, queindica algumas de suas inclinações e preconceitos, os aspectos em que êle prerígurouos conceitos nazistas, suas -crtentações antídemocrátícas e sobretudo suas íntuíçõeaocas'onalmenta brilhantes. Ver V. J. McGill, "Scheler's theory of sympathy and love", -rnPhilosophy and Phenomenologlcal Research, 1942, 2, 273·291. . Outro rel sto critico queanalisa corretamente a visão de Scheler de que a estrutura social desempenha apenasum papel secundário no ressentimento, aparece em Svend RE'l1ulf, Moral Inãígnatronand l\liddle·Class Psycbology: A Soeiological Stndy (Copenhague, 1938), 199.204.

41. scneer, op. cit., 55·56. Nenhuma palavra inglêsa reproduz o complexo de elementoscontidos na palavra ressentiment; "SU<laproximação maior em fulemão seria GroIl.

38. H. W. Zorbaugh, The Gold Coast and the Slum (Chicago, 1929), 108.39. Abram Kardiner, The Psychological Frontiers of Soclety (Nova Iorque, 1945), 369·370. (OS

grifos são nossos>. Las fronteras psicológicas de Ia sociedad (México: F. de C. E., 1955).

230 Robert K. Merton

uma atitude "uvas verdes" que simplesmente afirma que os objetivos de-sejados, mas não atingíveis, na verdade não encarnam 0& valôres apre-ciados: - afinal, a rapôsa da fábula não diz que renuncia ao gôsto pelas

. uvas; diz apenas que precisamente aquelas uvas não estão maduras. Pe-lo contrário a rebelião envolve uma genuina transvaloração, em que aexperiência direta ou vicátia-·(la-frustraçã~-con-duz --àtõtai--deniinéi·a: -dos.~~liJ_r_c:.~anteI:i~!~~~i~~-~preciados'-·A rapôsa-rebelde·· snnpiesmente -renun-cíaría ao gôsto geral pelas uvas maduras. No ressentimento, a gente con-dena o que secretamente ambiciona; na rebelião a gente condena a pró-pria ambição. Mas, embora as duas coisas sejam distintas, a rebeliãoorganizada pode movimentar um vasto reservatório dos que acumulamressentimento, e de descontentes, à medida que se tornam agudas as des-locações institucionais.

Quando o sistema ínstítucíonal é considerado como a barreira à sa-tisfação de objetivos legítimízados, está preparado o palco para a rebe-lião como reação adaptativa. Para se passar à ação política organizada.não somente deverá ser repudiada a lealdade à estrutura social predomi-nante, como também deverá ser transferida a novos grupos possuídos porum nôvo mito. 42 A função dual do mito é localizar a fonte de frustra-ções em larga escala, na estrutura social, e delinear uma estrutura que,presumlvelrr.ente, já não provocará a frustração dos indivíduos merecedo-res. É um mapa para a ação. Neste contexto, as funções do contra--mito dos conservadores - brevemente esboçada numa seção anterior des-te capítulo - tornam-se ainda mais claras: qualquer que seja a fonte dafrustração da massa, ela não será encontrada na estrutura básica da so-ciedade. O mito conservador pode assim assegurar que essas frustra-ções estão na natureza das coisas e ocorreriam em qualquer sistema so-cial: "O desemprêgo em massa, periódico, e as depressões dos negócios,não podem ser eliminados por atos de legislação; é como uma pessoa quese sente bem hoje, e mal no dia seguinte".43 Ou, se não se adota a teoriada inevitabilidade. então se apega à doutrina do ajustamento gradual esuperficial. "Umas poucas mudanças aqui e ali, e teremos as coisas iun··cionando tão suavemente quanto possível". Ou, talvez, apregoa a doutrinaque transfere a culpa da estrutura social para o indivíduo que "fracas-sa", já que "realmente, neste país, todo indivíduo consegue atingir o graude prosperidade que almeja".

Os mitos da rebelião e do conservadorismo ,ambos trabalham na dire-ção -de·-üm;;ii;~nopÓli-;"-dª'iI.illtgiii~ç~o~,,~piºçlt!;n~9de.firti.r· a situação em

-tê~m~~- tais que encaminhem o frustrado em direção. à AdaptMii9_V, ouü-ãiastem-·dela .-i--~-~iii:i·;\·-dettid;-~-re;eg;d~·· que, e~bora bem colocado

n~id;':-re:;;ll;;cia aos valôres vigentes, que se torna o alvo; da maior hos-

42. George S. Pettee, The Process of RevoJution (Nova Iorque, 1938), 8-24. Ver particular-mente seu relato de "monopólio da imaginação".

43. R. S. e H. M. Lynd. l\Iiddletown rn Transition (Nova Iorque, 1937).408, numa série declichés culturais que exempllficam o mito conservador.

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Sociologia - Teoria e Estrutura 231

,.tílidade entre aquêles do seu grupo original, pois êle não só lança dúvi-das sôbre os valôres, como o faz o grupo rebelde, como também êle sígra-fica que o grupo conservador tem sua unidade quebrada.44 No entanto,como tem sido observado com bastante freqüência, os organizadores dosressentidos e dos rebeldes em grupos revolucionários, são tipicamentemembros de uma classe em ascensão em vez de provirem dos estratosmais deprimidos .

i

TENDÊNCIA À ANOMIAA estrutura social que temos examinado produz uma tendência à ano-

mia e ao comportamento divergente. A pressão de tal ordem socialvisa a que o indivíduo "faça melhor" que os competidores. Enquanto ossentimentos que apóiam êste sistema competitivo estão distribuídos portôda a extensão das atividades, e não estão confinados ao resultado fi-nal do "êxito", a escolha dos meios permanecerá principalmente dentro doâmbito do contrôle ínstítucíonal. Contudo, quando a ênfase cultural mu-da da satisfação provinda da própria competição para a preocupação ex-clusiva com o resultado final, a tensão resultante favorece a rupturada estrutura reguladora. Com esta atenuação' dos contrôles institucío-nais ocorre uma aproximação à situação que os filósofos utilitários con-sideram errôneamente típica da sociedade, situação esta em que os cál-culos de vantagem pessoal e temor ao castigo são os únicos elementosreguladores.

Esta tensão rumo à anomia não opera uniformemente em todos ossetores da sociedade. Algum esfôrço tem sido feito na presente análisepara sugerir quais os estratos mais vulneráveis às pressões que favore-cem o comportamento transviado, e para estabelecer alguns dos mecanis-mos que funcionam para produzir tais pressões. Com o propósito de sim-plificar o problema, SLb()rrJ._~;l{tt()..fiI1allCf;I!:Qt()i tº.m~c:locºrno.oprincipalobjetivo cul..t.1}Ial,embora haja, evidentemente, objetivos outros no repo-sítõrío dos valôres comuns. Por exemplo, os campos da realízação inte-lectual e artística proporcionam tipos de carreira que podem não trazergrandes resultados pecuníáríos. Na medida em que a estrutura cultu-ral concede prestígio a estas profissões e a estrutura social permite acessoa elas, o sistema permanece mais ou menos estabilizado. Os desvios po-tenciais ainda podem seguir :1 linha geral dêsses conjuntos auxiliares devalôres ,

Mas persistem as tendências centrais em direção à anomia; para es-tas é que o esquema analítico aqui estabelecido chama a atenção.

,.

o PAPEL DA FAMÍLIADeve-se dizer uma palavra final agrupando as implicações espalha-

das por tôda a extensão do discurso precedente, relativo ao papel de-sempenhado pela família nos tipos de conduta divergente.

44. Ver as perspicazes observações de Georg Simmel, Soainlogie (Leipzig, 1!l(8), 276-277.

232 Robert K. Merton

! '

É evidentemente a família que funciona como importante correia de.!!ansmi_~s~o__~.ª-._gi!.l!§_ªº_d.<.J.l)_p_aJ1.rº.el)e1,l!t1.!rai$,em relação à, geração se-

i. ,guinte. Porém, o que tem passado desapercebido até há pouco tempo,,·,~",.,cé que- a família transmite especialmente a porção de cultura acessível ao':'. .:;;~"\:'estrato social e aos grupos em que os próprios pais se encontram. É,

~" portanto, um mecanismo para. disçiplínar as ,cJ:ianças, em têrmos dos ob-. jetivos culturais e dos costumes característicos dessa estreita variedadede grupos. Nem é a socialização limitada ao treinamento e à disciplina-ção diretos. O processo é fortuito, pelo menos parcialmente. Inteira-mente à parte de repreensões diretas, recompensas e castigos, a criança éexposta a protótipos sociais no comportamento diàriamente testemunha-do e nas conversações casuais cios pais. Não raro as crianças descobreme incorporam uniformidades culiurtüs, mesmo quando elas permanecemimplícitas e não foram reduzidas a. regras.

Os padrões' de linguagem fornecem a mais impressionante evidên-cia, prontamente observável como se fôsse numa clínica, de que as crían-ças, no processo de socialização, descobrem uniformidades que não foramexplicitamente formuladas para elas, pelos mais velhos ou contemporâ-neos e que não são formuladas pelas próprias crianças. Erros de Iingua-

.c-, gem entre as crianças, são muito instrutivos. Assim, a criança usaráespontãneamente palavras tais como "mouses" ou "morieys", mesmo que

'jamais tenha ouvido tais têrmos ou não lhe tenha sido ensinada a "reçra":\, 'de formação dos plurais". Ou ela criará palavras, como "falled", "runned",

"singed", "hitted" embora não lhe tenham ensinado aos três anos de ida-de, as "regras" da conjugação. Ou dirá que um manjar predileto é"gooder" como o que outro menos apreciado, ou talvez através de umaextensão lógica, poderá descrevê-lo como o "gnodest" de todos.* Obvia-mente, a criança descobriu os paradigrnas implícitos para a expressãodo plural, para a conjugação dos verbos e a fl,exão dos adjetivos. A pró-pria natureza de seu êrro e a má aplicação do paradigma dão disso tes-temunno.xe

Pode-se, portanto, concluir, tentativamente, que a criança está tambémlaboriosamente ocupada em descobrir e agir conforme os paradigmas im-plícitos de avaliação cultural, de categorização das pess-oas e das coisas ede formação das metas dignas de estima, assim como assimilando a orien-tação cultural explícita, baseada na infinita corrente de ordens, explica-

(~) N. do trad. Talvez convenha lembrar que, em inglês, o plural correto de "mouse" é"rnice"; "rnoriey" é invariável. Em vez de "fal led", "runried", "singed", "hí tted", o pre-térito perfeito correto é "f'el!", "rari", "sarig" e "hit". O aumentatívo de "good" não ~"gooder" mas "better" e o absoluto não é "goodest" mas "best", O que o autor quisdemonstrar é que as crianças tendem a adotar as formas regulares, isto é. mais "<rmuns, em vez das formas irregulares que, como o nome indica, fogem das regrasregulares.

45. W. Stern, Psychology of Early Childbood (Nova Iorque, 1924), 166, menciona a incidênciade tais erros (p. ex., "drinked", [que seria o pretérito perfeito regular mas incorreto],em vez de "drank" (pretérito perfeito irregular, mas correto ]'), porém não tira as ínte-rências rel atdvas à descoberta 'dos paradigmas implícitos.

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Sociologia - ,Teoria e Estrutura 233

ções e exortações a ela dirígídas pelos pais. Parece que, além das L'Il-portantes pesquisas das psicologias profundas no processo de socializa-cão, haja necessidade de tipos suplementares de observação direta da di-fusão da cultura na família. Pode muito bem acontecer que a crian-ça retenha o paradígma implícito dos valôres culturais, descoberto nocomportamento diário de seus pais, mesmo quando o mesmo entre emconflito com seus conselhos e exortações explícitos .

A projecão das .a.wbiç,QgL1J.ªt~!nª_L~J;>I.EL;LQtL~çª.t_ª!llb~m._t~m. tm-..Pº-rj;ª~cia_J-,j·,mt!\_m.~.Il.tªJnº~§WltQ.qe queestamos ..tn~tªnqo. Conformebem se sabe muitos pais confrontados com o "fracasso" pessoal ou um"sucesso" limitado, podem silenciar sua ênfase sôbre objetivos de sucessoe podem adiar ulteriores esforços para o atíngimento de tais objetivos,tentando alcançá-lo "por procuração", através de seus filhos. "A influên-cia pode vir através da mãe ou do pai. Freqüentemente dá-se o caso deum pai que alimenta a esperança de que seu filho atinja alturas que êleou a espôsa deixaram de atingir". 46 Numa recente pesquisa da organí-zaçâo sacia! de conjuntos de residências construí das pelo govêmo, temosencontrado, tanto entre negros como entre brancos, dos níveis ocupacio-nais inferiores, uma proporção substancial com aspirações de que seusfilhos sigam uma profissão liberal. 47 Se tal descoberta fôr confirmadapor pesquisas posteriores, terá grande significação para o caso que nosocupa pois se a projeção compensatória da ambição dos pais sôbre ascrianças fôr muito acentuada, isto significará que precisamente os paismenos capazes de proporcionar a seus filhos fácil acesso às oportunida-des - os "fracassados" e os "frustrados" - são os que exercem maiorpressão sôllre os filhos para que êstes alcancem êxitos importantes. E ês-te síndrome de elevadas aspirações e limitadas oportunidades reais, co-mo temos visto, é precisamente o padrão que provoca o comportamentodesviado. Isto aponta claramente para a necessidade de serem realiza-das investigações focalizadas sôbre a formação das metas ocupacionaisnos diversos estratos, se quisermos entender, J!Q...JlQgtº_.g~ y~stª_ªº ...nosso

. eS!L~ID.ª-.a..n.!ilJJiç.oJ.Q l?a,p.~Lg1J~.-ª..giscipltnÇl,..fanÜ1.iar_.desemp.e.nl;J.ª,ínadver-tiQa,mente naorig~m.d.a. con.cluta.<:f!vez:gente.

NOTAS FINAIS

Deve ficar claro que a discussão anterior não é afinada a um planomoralístíco. Quaisquer que sejam os sentimentos do leitor referentes àconveniência moral de coordenar as fases dos alvos e dos meios da es-trutura social, é claro que a imperfeita coordenação das duas conduzà anomia. Se _uma-.Ji-ª!Lt!l.nǺe!L.m..!\_!!>__gel'§~!>..d?:.e..$tI'tltlll'ª social é. a def9.D!~~r uma ba~:Rl!DLll ....p!,~evi~i1:>i~i.<i.ad~.~"a Jeg!lJar~qa<ie do, comporta-

46. H. A. Murray e outros, Explorations in Personality, 307.47. Extraído de um estudo d:;, organização socIal das comunidades planejadas, por R. K.

Merton, Patricia S. West e M. Jahoda, Patterns of Social Life.

VII CONTINUIDADES NA TEO~IADA ESTRUTURA SOCIAL

E DA ANOMIA

234 Robert K. M erton

_!!!~~() so_<:~1_e_~s.af.l!~Ç~()_t~~~=-S~_<:'~~~~~l!~_~Irl_eI1_!e-'!mi!~~~ em efrciência,à medida que êsses elementos da. estrutura social se tornam díssocíados.Noi.Jontoextrelno, a-pre~isibiJidade --é -tliniirmÚla e sobrevém o que sepode chamar corretamente de anomia ou caos cultural.

Êste ensaio acêrca das fontes estruturais do comportamento desviadoconstitui apenas um prelúdio. Não inclui um estudo detalhado dos ele-mentos estruturais que predispõem em direção a uma ou a outra das rea-ções alternativas, abertas aos indivíduos que vivem numa estrutura malequilibrada; desprezou em grande parte, sem todavia negá-Ia, a relevân-cia dos processos sociopsicológicos que cieterminam a incidência espe-cífica dessas reações; apenas considerou resumidamente as funções so-ciais preenchidas pelo comportamento desviado; não submeteu o poderexplanatório do esquema analítico a um teste empírico completo, me-diante a eleterminação das variações dos grupos no comportamento des-viado e no conformista; abordou só de leve o comportamento rebelde queprocura rerormular a armação social.

Sugerimos que êstes problemas, e outros que lhes são relacionados,podem ser analisados com vantagens, mediante o uso dêsse esquema.

1

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N OS úLTIMOS ANOS tem aparecido uma literatura SOCIOlógicadeconsiderável expressão a qual trata de um outro aspecto da anomía Is-to proporciona uma base mais extensa para clarificar e ampliar as ror-mulações estabelecidas no trabalho anterior. Na verdade, o interêsse a r,

respeito da anomia cresceu, ràpídamente, o bastante para tornar-se (quase ~.: :,(.)inevitàvelmente) vulgarizado, à medida que se difunde em círculos so-ciais cada vez mais amplos. Como exemplo de vulgarização, observemoso caso do semanário que publica uma investigação sóbria e cuidadosa, C·,,·.efetuada por ..Q.~:r.bar~l~lJlEJ~.r, acêrca das conseqüências sociais da ano-mia, e prontamente considera: o relato como "atração para o leitor",começando nestes têrmos coloquiais e gritantes: "Menino, isso é o queeu chamo de anemia aguda", exclamou com um assobio~le.e_cj{~.Totten,um dos 225 estudantes da "Oglethorpe University".l Menos sibilantes, po-rém mais instrutivos, são os estudos teóricos da anomía, substantivos epertinentes, que agora serão examinados.

,o COI\CEITO AMPLIADO DE ANOMIA

Conforme foi elaborado por _pm:l<;!}~illl, o conceito de anomia se refe-ria a uma Q.oIlçljçã9 de relativa normalidade numa sociedade ou grupo.~':ll"~0~mdeixou claro que êste conceito se referia a uma propriedade daestrutura social e cultural, e não a uma propriedade dos indivíduos queconfrontavam tal estrutura. Não obstante, enquanto se tornava evidentea utilidade do conceito para entender diversas formas de comportamen-to desviado, êle foi se ampliando até referir-se a uma condição de indíví-CiUOS, em vez de se referir ao ambiente.

1. Pathfinrlcr, 17 de maio de 1950, 55.

236 Robert K. M ertott

Êste conceito psicológico da anemia foi simultâneamente formuladopor J.t .. M.~MJ!,ç.ly.er e por David !y.~~~::m.Uma vez que suas formula-çóes são substancialmente semelhantes, o que se diz de uma pode-se di-zer de ambas.

. "Anemia", diz Maclver, - o qual adota a grafia da palavra tal como era usada no sé-~:;'.....' culo XVI (Uanomy", enquanto outros adotam "anomie") - significa o estado de espirito de

r.Jguém que foi arrancado de suas raizes morais, que já não segue quaisquer padrões DIas: somente necessidades avulsas, que já não tem qualquer senso de continuidade, de grupo e

de obrigação. O homem anônimo tornou-se espiritualmente estéril, reage somente diante desi mesmo, não é responsável para com ninguém. Êle ri dos valôres de outros homens.Sua única fé é a filosofia da negação. Vive sôbre a débil linha da sensação entre nenhumfuturo e nenhum passado". E acrescenta: "A anomía é um estado de espírito no qual o

_senso de coesão social - mola principal da moral - está quebrado ou fatalmente enfra-~quecído ". 2

,.j.

Conforme tem sido observado, "o enfoque (e ~ª!:J:yer:. é assim psíco-lógico Cisto é, a anomia para êle é um estado de espirito, não um estadode sociedade - embora o estado de espírito possa refletir tensões sociais), ,e seus tipos psicológicos (de anomia) correspondem aos elementos ran-siedade - isolamento - falta de finalidade) que formam o aspecto sub-jetivo do conceito de. DU.I.kh~!m".3 Que o conceito psicológico de ano-mia tenha uma referência derínída, que se refira a "estados de espírito"identificáveis de indivíduos particulares, é fora de dúvida, tal como oatestam as estantes repletas dos psiquiatras. Todavia, o.con(;~ito psico-lógico é uma contrapartida do conceito _socíológico da ano mia, e nãoum substituto para êle.

O conceito sociológico da ano mia, conforme foi explicado nas pági-nas anteriores, pressupõe que o ambiente mais destacado dos indivíduospossa ser concebido de maneira útil, como envolvendo a estrutura cultu-

JlIl, de um lado, e a estrutura social, de outro. Tal conceito pressupõeque, mesmo sendo tais conceitos intimamente ligados, devem ser conser-vados separados para finalidades de análise, antes que sejam novamen-te reunidos. Neste contexto a estrutura cultural pode ser definida co-mo o .conjt:nto de valôres normativos que governam li conduta comumdos membros de uma determinada so~i~.dade ou grupo. E por estrutu-ra social se entende o conjunto organizado de relações sociais no qual osmembros d~ sociedade ou grupo são implicados de várias maneiras. Aanomia é então concebida como uma:rupturfl..na estrutura cultural':

2. R. M. Maclver, The Rarnpar-ts We Guard (Nova Iorque : The MacrnilIan Co., 1950) 84, 85e todo o Capítulo X; (os grifas são nossos). Compare-se 2, descrição independent.ementeconcebida mas equivalente, dos "anômícos", por David Riesman, em COlaboração comReuel Denney e Nathan Olazer. Tile Lonely Growd (New Haven: Yale University Press,1950), 287 e segs.

3. R. H. Brookes, "The anatomy of anorníe", Politic.al Scienee, 1951, 3, 44·51; 1952, 4, 38·49- um artigo em revista que examina cs recentes extensões conceptuais da anemia. H. L.Ansbacher procure relacionar a anornía com a noção adleriana de f<falta de ínterêssesocial" num", nota publlcada em Individual Psychololy News Letter: Organ of the Jn-ternational Association of Individual Psycilology, Londres, junho- julho de 1956.

~

f

Sociologia - Teoria e Estrutura 237

(

\ ocorrendo, ..RªrtJ<:::ur~l"!llentEl,Cluan,~o l1~~a disJ\l.nç~~..aguda entre as nor-,h • mas e metas culturais e as capacidades sOGia,lm,enteestruturacas dosmem- !J

j; ,L:qbro'::;_d9_gr]'!P.Q~.!!Lagir de acõrdo com as primeiras. Conforme esta con- .- cepção, os valôres culturais podem ajudar a produzir um comportamen-

to que esteja em oposição aos mandatos dos próprios valôres.Sob êste ponto de vista, a estrutura social pressiona os valóres cultu-

rais, tornando possível e fácil aos indivíduos que ocupam determinadassituações sociais dentro da sociedade, agirem de acôrdo com os ditos va-lôres e impossível para os outros indivíduos. A estrutura social age co-

_mo barreira ou como porta aberta para o desempenho dos mandatos cul-i turais. Quando a estrutura social e cultural estão mal integradas, a'primeira exigindo um comportamento que a outra dificulta, há uma ten-são rumo ao rompimento das normas ou ao seu completo dasprêzo. Evi-dentemente, não se conclui que êste seja o único processo que favoreça acondição social da anomia ; as teorias e pesquisas posteriores estão orien-tadas à procura de outras fontes padronizadas, geradoras de um alto graude anemia.

Esforços têm sido feitos para captar os conceitos psicológicos e socío-lógicos que distinguem a anomia "simples" da anomía "aguda".4 A ano- ,/-jJ: !.:mia simples se refere a um estado de confusão num grupo ou socieda-de, que está sujeito a conflito entre esquemas de valor, resultando emalgum grau de mal-estar e num senso de separação do grupo; a anomia-::aguda é a deterioração e, no caso extremo, a desintegração dos sistemasde valor, o Que resulta em proíundas angústias. Isto tem o mérito de as-sinalar terminológicamente o fato algumas vêzes anunciado, mas tre-qüentemente esquecido de que. tal como sucede com outras condiçõesda sociedadeva a_nomiª..varia er,ngnl,U, efalvez em espécie.

Tendo identificado alguns dos processos que conduzem à anomia, o ca-pítulo anterior formula uma típología de reações adaptativas a esta con-dição e descreve as pressões estruturais que proporcionam maior ou me-nor freqüência de cada uma dessas reações entre os diversos estratos daestrutura de classe. A premissa aqui subjacente é a de que os. estIª.tosde classe não são apenas diferentemente sujeitos à anomia, mas. sãotambém, diferentemente sujeitos. a um ou outro tipo de reação a ela.Ta~çºtt ;.:paxson,sadotou esta tipologia e a derivou, quanto às motivações,do seu esquema conceptual de ínteraçâo social.s Esta análise parte dasuposição de que nem as tendências a um comportamento desviado, nemas tendências ao equilíbrio de um sistema de interação social podem de-senvolver-se no acaso; pelo contrário, trabalham em uma ou mais dire-ções identificáveis, escolhidas entre um número limitado. Isto quer di-zer que Jl...PJ:C>pri::1,c()ndutadivergente tem suas n0J:lIl~s.

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4. Sebastian De Orazi ••, Tile Political Commnnity (trníversíw of Chicago Press, 1948), '12-74,passím: cf. Brookes, op.eít., 46.

5_ Parsons, Tile Social System, 256.267, 321-325; Talcott Parsons, Robert F. Bales e EdwardA. Shil., Workíng Papera ia the Tileory of Action (Glencoe: The l"ree Press, 1953) 67·78.

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238

Um passo nesta direção foi dado por _~fl()SJole, ao desenvolver uma"escala de anemia" prelíminar.s Em parte, a escala incorpora itens quese referem à percepção do indivíduo em relação a seu ambiente social;em parte, à percepção do seu próprio lugar dentro daquele ambiente.'Mais especificamente, os cinco itens compreendidos nessa escala prelimi-nar se referem a: (1) a percepção de que os líderes das comunidades sãoindiferentes às necessidades dos indivíduos; (2) a percepção de que pou-co pode ser realizado numa sociedade, que seja considerada como bàsi-camente ímprevísível e onde falte ordem; (3), a percepção de que asmetas da vida se afastam em vez de se realizarem; (4) um senso de fu-tilidade; e (5), a convicção de que não se pode contar com associadospessoais para apoio social e psicológico. 9 Conforme .sI:g~- indica com al-guns detalhes, êste esfôrço para desenvolver uma escala de anornía temvárias limitações e algumas inadequações, porém fornece um ponto departida em direção a uma medida padronizada oe anomía, tal como é per-cebida e experimentada por indivíduos num grupo ou numa comunidade.

Esta escala pode ser tomada corno medida de ano mia, tal como ésubjetuuimente experimentada; é evidente que se necessita de outra me-aida da ano mia, como condição objetiva dz vida do grupo. Um progres- (Yí

so sintomático em direção a êste último tipo de medida foi feito por .Ber-nard Lander , 10 Através da análise de fatõresem oito itens característi-cos de formulários de recenseamento, feitos muna cidade norte-america-na, êle identificou dois feixes de variáveis, um dos quais êle designa co-mo "um fator anômico". Com isto êle significa que êste feixe de variá-veis - possuindo os vaíõres de alta porcentagem de delinqüência, gran-de quantidacie de residentes não-brancos na área e uma pequena porcen-tagem de moradias ocupadas pelos proprietários - parece, à. inspeção,r.aracterizar áreas de relativa ausência de normalidade e de instabilidadesocial. Como ~allQer é o primeiro a reconhecer, o fator anômico é, nomelhor dos casos, apenas medído com aproximação por êste particularfeixe de variáveis. Sua limitação decisiva deriva de uma circunstânciacom que regularmente se defrontam os sociólogos que procuram estabe-lecer medidas de conceitos teóricos, elaborando os dados sociais que por

Sociologia - Teoria e EstruturaRobert K. MCTton 239

Nas palavras de _Parsons e 13aJes, "ficou demonstrado que o desvio to-mava, fundamentalmente, quatro -direções, conforme fôsse a necessidadede expressar a alienação do molde normativo - inclusive o repúdio àmudança como objetivo em si - ou de manter a conformidade compul-siva com o tipo normativo e com a adesão à mudança e, mais ainda,segundo fôsse o modo de ação orientado ativa GU passivamente. Isto da-va quatro tipos de rumo: os de!agressividade e deCretraimento, do ladoda alienação, e as de3atuação compulsiva e de!aceitação compulsiva, dolado da conformidade compulsória. Demonstrou se ainda que êste pa-radigma, alcançado de modo independente, é essencialmente o mesmoque o anteriormente estabelecido por _~erig:n, para a análise das estrutu-ras social e de anomía".e

Esta primeira ampliação da tipologia da reação, conforme se obser-vará, continua a referir-se tanto à estrutura cultural - "o molde nor-rnatdvo" - como à estrutura social - as conexões moldadas a outras pes-soas, ou o afastamento em relação a elas. Continua, porém, a caracte-rizar os tipos de reação em têrmos de serem êles ativos ou passivos, sig-nificando, assim, qus o comportamento desviado pode, seja ativamente"'tomar a situação nas mãos', fazendo mais para tentar controlá-Ia, doque as expectativas [institucionalizadasJ" exigem ou, passivamente, "de-monstrando insuficiência em afirmar o grau de contrôIe ativo" exigi-uo por essas expectativas. Os tipos de comportamento desviado podemainda ser subdivididos pela distinção entre casos nos quais as tensõassurgem principalmente nas relações sociais com outros, ou nas formasculturais para com as quais a conformidade é esperada. 7 Tais mani-festações concretas de reação a tensões anômicas, como a delinqüência,o crime e o suicídio, bem como tais tipos intermediàriamente conceptuaisde reações, como a inovação, o ritualismo, o retraimento e a rebelião, tor-nam-se assim classificáveis como resultantes de certas propriedades abs-tratas de -sistemas de interação identificados por iParsons. Êsse tipo declassificação mais complexa dos tipos de comportamento desviado aindatem que ser utilizado de maneira extensa nas investigações empíricas,.iá que foi formulada tão recentemente. t'

INDICADORES DA ANOMIA

Tal como muitos de nós que temos de seguir suas grandes pegadas econseqüentemente vacilamos um tanto nestas áreas excessivamente espaço-sas, _~1Jl'kheim não proporcionou direção explícita e metódica em relaçãoaos vários sinais de anomia, às de ausência de norma observáveis e às rela-ções sociais deterioradas. No entanto, é claro que se devam desenvolver ín-dices, caso se deseje utilizar o conceito da anomia na pesquisa empírica.

S. Num trabalho lido perante a Sociedade Sociológica Amerícans, em 1951, intitulado "Se-cial dysrunction , persoriaãíty, and social distance attitudes", e ainda, numa versão am-pliada, porém ainda não publicada, intitulada "Social integration and certain corolla-nes".

9. A transcrição específica dU;tes itens é relatada em Alan H. Robcrts c Milton Rokeach,"Anornic, authoritarianism, and prejudice: a replication", Americau Journal of Secíologv.1956, 61, 355-358, na nota 14. Num comentarto publicado a respeito deste trabalho,8r01e duvida que seu estudo haja sido efetivamente replicado; Ibid .• 1956, 62; 63-67.

10. 'I'owards an Lnderst andíng of .Juvcnile Dcliuquency (Nova Iorque: Columbia trntvcr-sity Press, 19,»4), especialmente os Capítulos V-VI. VPT também o instrutivo t.rabalhoem artigO de revista baseado sôbre ôste livro, por Ernest Greenwood, "New dircctionsin delinqucncy research", Thc Social Scrvícc Review, 1956, 30, 147-157.

6. Parsons e outros, lVorking Papers, 68.7. Ibid. 74.

240 Robert K. M erton

acaso estão regístrados na série estatística organizada pelas entidades ofi-ciais - a saber, a circunstância de que tais dados da contabilidade socialque acontecem estar à mão não são necessàríamente os dados que me-lhor correspondem à medição do conceito. É por isso que descrevi o en-genhoso estôrço de. Larider; como "sintomático" ao invés de considerás-lo como um progresso decisivo. Pois assim como Dl:u:kbeim teve que sebasear apenas em estatísticas oficiais, obrigando-o a empregar essas apro-ximadas, indiretas e altamente provisórias medidas da anemia, como se-jam a situação ocupacíonal, a situação conjugal e a desintegração da fa-mília (divórcio), assim o fato fortuito de Que os dados do recenseamentode Baltimore incluíam itens sôbre a delinqüência, a composição racial e apropriedade das casas conduziu Lander a usá-Ias como medida da ano-mia, aproximada, indireta e altamente provisória. Considerações pragmá-ticas desta espécie não são evidentemente uma alternativa adequada aosíndices do conceito, teàricamente derivados. Mudanças de residência po-dem ser uma medida indireta da proporção do rompimento nas relaçõessociais estabelecidas, porém, é evidente que a medição seria substancialmen-te melhorada se se pudesse obter dados diretamente colhidos, sôbre asrelações sociais rompidas. li; assim, com os cutros componentes objeti-vos da anomía, concebidos tanto como normatívos e como relativos aorompimento. Isto não é um simples conselho de perfeição inatingível.Apenas afirma, o que é bastante evidente, que assim como as escalasdos aspectos subjetivos da anomía devem ser ainda melhoradas, tam-bém devem ser as escalas de seus aspectos subjetivos.·· A utilização de<:!~o? oficiais disponíveis da contabilidade social é apenas um substituto

.JJ.r_a.grnàticame!l.t_~.adotado ....e_.PX9vi;:;.ório.Ortginando-ss do conceito dos componentes subjetivos e objetivos da

anemia, está o requisito também evidente de que a pesquisa sôbre asrentes e as conseqüências da anornía devem tratar simuttãnearnente da!ntegração dos dois tipos de componentes. Concreta e Ilustratívamente,isto Significa que o comportamento dos indivíduos "anômícos" e "eunômícos", dentro dos grupos que tenham um grau determinado de anomía ob-jetiva, poderia ser sistemàticamente comparado, assim como o compor-tamento dos indivíduos do mesmo tipo poderia ser examinado em grupos,com vários graus de anomía . Essa espécie de pesquisa constitui eviden-temente o próximo passo à frente no estudo da anomia. 11

As recentes contribuições teóricas e de processo clarificaram assimo conceito da anomía e começaram a modelar as ferramentas necessá-rias a seu estudo sistemático. Outras contribuições substantivas têmsurgido recentemente, as quaís têm influência direta sôbre uma outra

11. Quanto à lógica geral desta espécie de análise, ver a seção acêrca de "índices esta-tlsticos da estrutura social", 286-288 dêste volume e Paul F. Lazarsfeld e Morris Rosen-berg, The Language of Social Researeh (Glencoe: The Free Press, 1955).

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sociologia -Teoria e Estrutura2,41

parte da análise funcional e estrutural da anomia estabelecida no traba-

lho anterior.

o TEMA DE SUCESSO NA CULTURA AMERICANA

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Devemos recordar que temos considerado a ênfase sôbre o bom êxi-to monetário como um tema dominante na cultura americana, e indicadoas tensões que o mesmo impõe diferencialmente sôbre as pessoas situa-

\: i das em várias posições na estrutura social. Evidentemente, isto não que-ria significar. _ conforme repetidamente salientamos - que a disjunçãoentre as metas ..çulttlIªis e os _~~i9.S_..i~!5ti~tlcioIJ,alrneIJ,te!egí~i!ll(Js derivas-se apenas desta extrema ênfase nos objetivos, A teoria mantém quequalquer ênfase extrema sôbre as realizações - quer sejam de produti-vidade científica, de acumulação de riqueza pessoal ou, por um pequenovôo da imaginação, as conquistas de um Dom Juan - atenuará a con-formidade com as normas que governam o comportamento destinado :1

alcançar a forma especial de "sucesso", especialmente entre os indivíduosque estão em desvantagem social na corrida competitiva. .É.. O.. .conüítoentre os objetivos culturais e <l.possibilidade .de .usarosmeiosinstitucio-nais - qualquer que seja o caráter do objetivo - que produz uma ten-são em direção à anon:lÍa.12

O _QpjetJyo.do êxito monetário. foi escolhido para a análise üustratí-va, pela admissão de que êle se enraizou firmemente na, cultura .norte-:ª.m-.~rlçª,!l.!L Uma lista de estudos de história e de sociologia históricarecentemente emprestou maior apoio àquela opinião muito generalizada,Em sua detalhada monografia sôbre o evangelho norte-americano do suocesso mediante a ajuda a si mesmo, - o impulso para auto- realização -Irvin GOrãon Wy1lie tem demonstrado que, embora o "sucesso" tenha evi-dentemente sido definido por diversos modos na cultura norte-americana,(e por diversos modos entre os vários estratos sociais), nenhuma outradefinição "goza de tal prestígio universal nos Estados Unidos, do queaquêle que identifica o sucesso com a capacidade de ganhar dinheiro". 13

Êste pesado acento sôbre c sucesso financeiro, evidentemente nâo épeculíar aos norte-americanos. Ainda é muito oportuna a observação ana- .:litica feita de longa data por Max ~~~%.: "O impulso de aquisição, a bus-ca do ganho, da maior quantidade possível de dinheiro, nada tem a verem si com o capitalismo (e, no caso presente, com a cultura especifi~camente norte-americana). Êste impulso existe e tem existido entre gar-çons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas, funcionários desonestos, "U 7;,

soldados, nobres, cruzados, jogadores e mendigos. Pode-se dizer que tem ;)\'.:'\('~\:"sido comum a tôdas as espécies e oondíções de homens, em todos os tem-

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12, W. J. H, Sprott tem expressado isto, com invejável clareza, nas conterências de JosinhMason , proferidas na Universidade de Birmingham. Seienee and Social Action (Londres:

Watts & Co., 1954>,113.13. Irvin Gordon Wyllie, The Self-Made Man in Ameriea (New Brunswiek: Rutgers trní-

versity Press, 1954), 3·~ e em tõda a extensão do livro .

242 Robert K. Merton. Sociologia - Teoria e Estrutura 243

pos, em todos os países da terra, onde quer que tenha existido a sua pos-síbílidade objetiva".14

Mas o que distingue relativamente a cultura norte-americana sob és-te aspecto e foi tomado como ponto central para a análise dêste caso nocapitulo anterior, é que esta é "uma sociedade que atribui alto prêmio sô-bre a afluência econômica e a ascensão social para todos os seus mem-bros" . Tal como uma cartílha de sucesso do fim do século XIX retra-:tou admiràvelmente essa crença cultural: "A estrada para a fortuna, talcomo a estrada pública de pedágio, está aberta igualmente aos filhosdo mendigo, e ao descendente de reis. Há taxas a serem pagas por to-dos, e no entanto todos têm direitos, e unicamente a nós compete utíli-'zar êsses direitos". 15 A característica dessa doutrina.Gultural é dupla:'primeiro,'lo esfôrço à busca do sucesso não é-~m -;~;~nt~d~s--indivíduosque por acaso tenham impulsos aquisitivos, enraizados na natureza huma-na, mas sim uma _exp~cJ;[lçl1:~.s()c:ifl.llYlellte.defillida;~ e segundo, esta ex-pectação padronizada~_.9g!l~~c1.erlJ.cl[l CClUlO. apropriada parª, _cada compo-ll~~tQ_ga_sociedade não levando em consideração sua situação inicial ou_posição na vida. Evidentemente, não se trata do fato de que os pa-drões idênticos de realização sejam concretamente exigidos de cada C0'l11-

ponente da sociedade; a natureza e extensão dêsse movimento para cioma, na escada econômica, pode tornar-se definida diferentemente entreos diversos estratos sociais; mas as orientações culturais predominantesdão grande ênfase a esta forma, de êxito e consideram apropriado que to-dos se esforcem para atingi-Ia. (Como veremos adiante, esta proposi-ção é bastante diferente da proposição empíríca de que as mesmas pro-porções de pessoas de tôdas as classes sociais aceitam de fato estaênfase cultural e assimilam-na em sua estrutura pessoal de valôres) , É

apenas o fato de que no púlpito e na imprensa, na ficção e nos filmescinematográficos, no decurso da educação formal e da socialização infor-mal, nos variados meios de comunicação públicos e particulares queatraem a atenção dos norte-americanos há uma ênfasé relativamente acen-tuada sôbre a obrigação moral, assim como sôbre a possibilidade efetiva,de lutar pelo êxito monetário e de conseguí-lo .

Conforme _Wy~li(3demonstra, palestras inspiradoras nas escolas, asso-ciações meroanüs de livreiros, colégios comerciais, e uma grande biblio-teca de manuais de sucesso, propagam insistentemente êsse tema. (Págs.137 e segs.). Isto é ainda amplamente documentado pelo resultado de umasérie de análises do conteúdo dos romances mais lidos, das cartilhas reírn-

, pressas sem cessar, usadas nas escolas primárias por tôda a extensão dopaís, e pelos valores reafirmados nos necrológios de alguns dos mais fa-mosos homens de negócios. J:~~rm~lh_~_:I:,.YIl.n pesquisa o penetrante te-ma da subida "dos andrajos para a riqueza" nos romances de Theodore

Dreíser, Jack London, David Graham Phillips, Frank. Norris e RobertHerrick. A durável presença do mesmo tema na série aparentementeinexaurível de leitores das obras de McGuffey é demonstrada por Ri-chard D. Mosíer , 16 E na obra The Reputation ot the American Busi-neesmanu, Sígmund Díamond analisa uma grande lista de necrológios,êsses repositórios de sentimento moral, publicados após a morte de Ste-phen Girard, John Jacób Astor, Cornelíus Vanderbilt, J. P. Morgan, JohnD. Rockefeller e Henry Ford, e assinala a freqüência constante do conceí-;to de que, quando um homem "tem as qualidades exígídas, Ü' sucesso será(p,,,.<7seu em qualquer tempo, em qualquer lugar, sob quaisquer circunstân-jcías". I

Êsse tema cultural não só assevera que o sucesso monetário é possí-vel para todos, não importando a posição inicial, como também que o es-fôrço para conseguir o sucesso incumbe a todos, mas que, às vêzes, as apa-rentes desvantagens da pobreza são na verdade vantagens, pois, naspalavras de Henry Ward Beecher, é "o duro, mas bondoso seio da pobre-za, que lhes diz: 'Trabalhem!' e mediante o trabalho faz dêles homens".18

Isto conduz naturalmente ao tema subsidiário de que o êxiW_oJJ_....ºnwlôgrore"mltamint",iram",ntedas qualidades pessoaís : de que quem fra- -cassa deve queixar-se apenas de si, poia o corolário do conceito do homem- - -_o-guevencena vida por esfôrço próprio (self-unmademg'flc)éodo homemquese desfez a sjmesmo . Na medida em que esta definição cultural é as-símílada por aqueles que não acertaram em seu alvo, o fracasso repre-senta uma dupla derrota: i a derrota manifesta de permanecer muito par.itrás na corrida para o sucessoje a derrota implícita de não ter a capaci-dade e a energia moral necessárias para se obter o êxito. Qualquer queseja a verdade objetiva ou a falsidade da doutrina, em qualquer exemplot.omadoem particular, e é importante que isto não possa ser descobertocom facilidade, a definição predominante arranca um tributo psíquico da-queles que malograram. É neste terreno cultural que, numa significati-va proporção de casos, a ameaça da derrota impulsiona os homens aouso daquelas táticas, fora da lei ou dos costumes, mas que prometem"sucesso".

O mandato moral de alcançar o êxito exerce assim pressão sôbre oindivíduo, para ser bem sucedido usando dos meios normais, se fôr pos-sível. ou mediante o emprêgo de meios fraudulentos, se fôr necessário.As normas morais evidentemente continuam a reiterar as regras do jôgoe a pedir que seja feito o "jôgo limpo", mesmo quando o comportamentoseja divergente da norma. Contudo, ocasionalmente, mesmo os manuaisde sucesso "instam os homens" a "irem para adiante e ganhar" fazendo

14. Max Weber, 'Ehe Pro testant Ethic and the Spirit of Capitalism (Nova lorque: CharlesScríbner's Sons, 1930),17.

15. A. C. McCurdy, Win Who Will (Filadélfia, 1872),19, citado por Wyllie, op. cit., 22.

16. Kenneth S. Lynn, The Dream of Sucess (Baston: Líttle Brawn, 1955);Richard D.Mosíer, lIfaking the American Mind (Nova larque: King's Crown Press, 1947)_Ver tain-bém Marshall W. Fishwick, American Heroes: Myth and Reality (Washington, D.C.:Publ ic Affairs Press, 1954>-

17 Cambridge: Harvard University Press, 1955.18. Citado por Wyllie, 22-23.

244 Robert K. M erton

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uso de todos os meios disponíveis para chegar à frentc dos competido-res", como no tratado compreensivelmente anônimo de 1878, Hou: to Be-come Ricti . E "no período de 1880 a 1914, os populístas, os partidários deuma só taxa, os jornalistas ínvestígadores de casos, de corrupçãoI. "muckrakers") e os socialistas, olharam por trás da fachada moral dosnegócios, l1, fim de examinar suas práticas. O que descobriram dificil-mente se enquadrava no tema de riqueza através da virtude. Seus acha-dos não eram inteiramente novos, pois os céticos já de há muito suspei-tavam flue OULra coisa além d2.. virtude poderia estar envolvida no fatode se "fazer dinheiro". O que constituiu novidade foi a documentação- prova concreta de que os maiores barões eram barões ladrões, homensque abriam seu caminho corrompendo as câmaras legtslativas, aproprian-do-se de recursos oficiais, organizando monopólios e esmagando os com-petidores". 19

Éft,es recentes estudos confirmam o que fóra antes observado com!reqüênci.::.: que uma extrema ênfase. cultural sôbre .a meta do sucessoªt~n.t.!a__º".!esJ)eit~ª'().1? .!p~.tQd()sinstítucíonalmente recomendadoapara camí-

_~h~_f;'m bUscfL.Qe.s.s.a.meta. A "ambição" vem a aproximar-se do sígní-. licado de suas origens etimológicas; "correr em redor" e não apenas S8-

'gundo a forma praticada pelos pequenos políticos da Roma antiga, que.solrcítavam os votos de um e de todos em suas "zonas eleitorais" Iançan-.do mão de tôda espécie de truques para alcançar a porção de votos nc-cessários. É desta forma que .oJ1Jvb_CllItur~lm~n.teestab.elecido tende a~fHüificaT todos os meios que perrnitarn ao indivíduo alcançá-lo , Istoé o que S3 pretendia dizer-no ensaio anterior, sóbre o processo de "desmo-ralização", no qual as normas são despojadas de seu poder de regular aconduta, resultando daí o componente da anomia, a "ausência de nor-ma".

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Éste processo que conduz à anomia, contudo, não tem que se desenro-lar necessariamente sem obstáculos. Sób condições ainda a serem iden-nrícadas, podem-se produzir tendências compensadoras. Em certo grau,a julgar pejo que diz a história, tal pode ter ocorrido na sociedade norte--americana. A ênfase cultural sôbre o êxito ao alcance de todos ficoucontida dentro de certos limites, em parte talvez como reação ao conhe-CImento cada vez maior da estrutura real de oportunidades e, em parte,como reação às conseqüências desmoralízadoras, da adesão irrestrita a1-'ssa teoria. Isto equivale a dizer que, embora persista a teoria original,ela é de vez em quando contida dentro de limites que aconselham a mo--{~erar as aspirações. Aquêle popular missionário do evangelho do suces-'80, Ori~onSwett Marderi, advertiu seus leitores: "'O fato é que a maiorparte de nós nunca pode esperar ficar rico' ". Um manual de sucesso, pu-licario no comêço do século, oferece uma filosofia de consolação que re-

defina o sucesso: "Tanto vale ser um soldado raso, como um general que

19. WyJlie. 84-85. 146.

Sociologia - Teoria e Estrutum 245

manda. Nem todos podemos ser generais. Se você é um bom soldado,numa mult.dâo selecionada, e tem boa reputação, isto é o sucesso em simesmo". Até um jornal como o American Banker diz ser possível afir-mar que "apenas uns poucos de nós que repartem o destino comum sãodestinados a acumular grande riqueza, ou alcançar conspícuas posições.O número de tais posições e as oportunidades para tal acumulação de di-nheiro nunca corresponderam, e jamais corresponderão ao número dehomens enêrgícos, ambiciosos e capazes que esperam alcançá-Ias. A lite-ratura pubíícada a respeito dos homens "que venceram na vida' fingeignorar essa desagradável verdade". 20

Embora estas doutrinas, acomodando-se acs fatos visíveis do caso,encontrem expressão teórica e forneçam uma explicação para subida va-garosa e limitada na hierarquia econômica, _Wyllie e outros recentes estu-uantes do assunto acham que tais conceitos são ainda somente secundá-rrcs na cultura da época. Numa considerável extensão, o tema de êxi-to ainda domina as manifestações públicas da cultura americana.

Mas se as mensagens dirigi das a gerações de americanos continuama reiterar o evangelho do sucesso, não se deve concluir que os america-:DOS de todos os grupos, regiões e estratos de classes tenham assimiladouniformemente êsse conjunto de valôres. Não há nenhuma passagemrápida e íninterrupta dos valôres expressos na cultura popular para osvalôres pelos quais os homens vivem presentemente. Seria igualmenteerrado, contudo, admitir que os dois estejam inteiramente separados, sim-plesmente porque não são idênticos. É matéria para pesquisa, e não parasuposição, verificar em que extensão foram assimilados os valores sobexame. É por isso que; na introdução da Parte Ir dêste livro, foi ditoque "entre os problemas que exigem ulterior pesquisa (está) o seguinte:a extensão em que os norte-americanos de diferentes estratos sociais as-similaram efetivamente os mesmos objetivos e valôres culturalmente indu-zidos ... " (123) Êste problema pode ser esclarecido mais adiante, exami-nando a pesquisa que sôbre êle tem sido focalizada.

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DIFERENCIAIS NA ASSIMILAÇÃO DOS VALÔRES DO hXITO

Num trabalho recente, _H:e11:>~r.LB_._JIYJl1_anabordou o problema, co-lecionando e reanalisando dados disponíveis em pesquisas de opinião pú-blica, os quaís tratam direta ou indiretamente da distribuição dos valô-res dados ao êxito entre os estratos econômicos e sociais. 21 Conformeêle colocou pela primeira vez o ponto em discussão: "É claro que a aná-

2D. Para essas e outras observações comparáveis, ver Wyllic, 144 e scgs.21. Herbcrt H. lIyman, "Thc valuc systems of dlHercrit classes" em Bendix e Lipsct, edí-

tõres, Class, Status and Power-, 426-442. Provas adequadas acêrca das aspirações e rea-lizações das minorias religiosas e raciais, também são K!pTcsentadas por Gcrhart saen-ger e Norma S. Gordon, "The influencc of discrinünation on minority group mernbersin its relatíon to attempts to cornbat díscrimínatlon", Journal of Social Psychologl~,19~0,31, 95·120,especialmente 113 c segs.

246 Robert li. M erion Sociologia - Teoria e Estrutura

sidade, assim como da extensão em que tais valôres são mantidos emai versos grupos, estratos sociais e comunidades.

Devemos notar, então, que a hipótese do capítulo anterior requer queuma apreciável minoria, (não todos ou a maior parte), dos que estão nosestratos sociais inferiores haja assimilado o mandato cultural do sucessomonetário, e que isto pressuponha a assimilação afetivamente significa-tiva de tal valor, e não a mera. aquiescência verbal com o dito objetivo.Estas duas qualificações fornecem um contexto para localizar as corre-lações teóricas da evidência empíríca reunida no trabalho pertinente ecompacto de,1:IY1!lfl.!,l...

De modo geral, a lista das evidências, que não é revista aqui emdetalhe completo, pois é tàcilmente acessível, mostra uniformemente osdiferenciais nas proporções de adultos e de jovens dos estratos sociaisinferior, médio e superior que são positivamente orientados em direçãoao êxito proríssíonal e em direção aos meios estabelecidos para ajudar aconsecução de tal êxito. Por exemplo, uma pesquisa nacional de opi-nião no fim da década de 1930 encontrou diferenciais de classe na cren-ça da oportunidade ocupacional, tal como se registra pelas respostas àpergunta: "Você pensa que hoje qualquer jovem que seja econômico, ca-paz e ambicioso tenha oportunidade de subir no mundo, possuir sua pró-pria casa, e ganhar cinco mil dólares por ano"? Entre "os prósperos", 53%confirmaram essa crença comparados com o que Hyman descreve como"apenas" 31% entre "os pobres".23 Outra pesquisa nacional encontra 63%dos profissionais liberais e empregados de escritório de categoria (geren-tes e "executíve") expressando sua crença de que os anos vindouros ofe-reciam boa possibilidade de progresso, além de sua presente situação,comparados com 48% dos operários fabris; outrossim, 58% do primeirogrupo (empregados de mais alta categoria) diziam que o trabalho maisl:nérgico lhes proporcionaria uma promoção, enquanto que só 40% desegundo grupo de trabalhadores manuais concordavam com esta opinião

otimistaA ésses dados, citados por ~LIl!ll:.D., podem acrescentar-se outros ex-

traídos de um estudo soclotógico dos moradores brancos e negros de umbairro residencial nôvo, de aluguéis baixos. 24 Êstes 500 moradores, emdiferentes níveis dentro dos setores mais baixos da hierarquia ocupacío-

Iise de Merton admite que o objetivo cultural é realmente assimilado pe-los indivíduos das classes mais baixas".( 427) Em vista dos dados quesão apresentados a seguir, torna-se essencial enunciar esta suposiçãomais claramente mediante sua qualificação: a análise admite que algunsindivíduos dos estratos inferiores econômicos e sociais realmente adotama meta do êxito. Pois, afinal, a análise não mantém que todos ou amaior parte dos membros dos estratos inferiores são sujeitos a pressãoem direção ao, comportamento não conformista das várias espécies esta-beiecidas na típologia da adaptação, mas somente que maior número dê-íes são sujeitos a essa pressão, do que os situados nos estratos mais altos,Na hipótese em foco, o comportamento desviado ainda é o molde subsi-diário e a conformidade o padrão modal. Portanto, é suficiente que umaminoria de tamanho considerável dos estratos inferiores assimile a metapara que os seus componentes sejam diferencialmente sujeitos a esta pres-são. como resultado de suas oportunidades relativamente menores, de al-cançar o sucesso monetário.

_Jj:yman inicia seu trabalho observando que "o que é obviamente exigi-do é a evidência empírica sôbre o grau em que os indivíduos de estra-tos diferentes valorizam a meta do êxito culturalmente recomendada, acre-cdtam que a oportunidade é disponível para êles, e mantêm outros valõ-res que os ajudariam ou prejudicariam em suas tentativas de se move-rem em direção aos seus objetivos. Êste trabalho, de maneira prelimi-nar, é assim complementar à análise teórica de -M,eriün:'. 22 Aqui, no-<lamente, se os dados disponíveis foram ligados apropriadamente à hipó-tese, o enunciado precisa ser delimitado. É verdade que a análise reclamaevidência empírica a respeito do "grau em que os indivíduos dos diferen-tes estratos" dão valor ao alvo do sucesso; é evidente que a meta do su-cesso proporcionará pouco, a titulo de motivação, a menos que êles sejarr,significativamente comprometidos ao tema. Na realidade, os dados depesauisa de que B:YI1151n. se valeu não discriminam entre os graus de comprornísso com o objetivo, mas indicam somente a freqüência com que osíndívíduos da amostra tirada dos diversos estratos sociais expressam al-gum grau desconhecido de aceitação do objetivo de sucesso e dos valôresrelacionados. Desde o comêço, então, verifica-se que a pesquisa subse-qüente poderia ser dirigida com proveito em direção ao estudo da inten-

23. Ibid., 437. A crença- nas probabilidades realísticas da oportunidade de progresso noemprêgo parece ests.r razoàvelmente espathada entre os trabalhadores, pelo menos aténos últimos anos da década de 1940. Por exemplo, Roper relata que numa pesquisa eletrabalhadores. 70 por cento dizia que suas probabilidades de progredir eram melhoresque as que seus pais tinham tido e 62 por cento acreditava que as oportunidades paraseus filhos serram ainda meniorcs que as suas próprias. Esta avaliação relativa dasnpnrf un id a.düs ocupacionais, envolvendo comparações entre gcracões consecutivas. podeser mais pertinente. em têrmos de uma Imagem das oportunidades, do que as n,valiações;\bsoiutas para :;:.própría geração de quem as faz. Ver Elmo. Roper, "A self portrait otthc Amcrtoan people - 1947", Fortu ne, 1947, 35, 5-16.

21. R. K. Merton, P.· S. West e M. Jahoda, Pa tter ns of Social Life, Capi tulo 3, não publi-

cado.

22. Ibid., 427·428 [os grifos são nossos). Investigações empíricas a respeito da freqüênciacomparativa do motivo de sucesso em diferentes grupos sociais já foram iniciadas. Umde tais estudos é de R. W. Mack, R. J. Murphy e S. Yellin, "The Protestant ethic, levetof aspiration and social mobítítv : an empirical test'' , Amer-Ican Socioto eical Review,1956. 21, 295<mO. Éste estudo ínsínuu, embora não com intr:~nção ele demonstrá-Io, qUI?

a étrce, norte-arnericana do sucesso pode ser bastante mrütrante nara superar as di Ie-rencas na l:nf3sr: cu't ural encontrada entre .protestantes e catól.oos, nos Estados Unidos.Outro estudo diz que "o mito de Horatio Atgcr é um mito da classe média que seinfíltra em a'gurnaf; nrssoas , mas não em todos. os mcrnbros da classe do homem comum"JoseDh A. Kahf. "Educational and occupational aspirattons oI 'common rnan ' bovs",Harvurd Educationat Jtevtew, 1953, 23. 185-203.

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247

248 Robert K. M erton

1

I1.li

Sociologia - Teoria e Estrutura 249

nal, expuseram suas avaliações de oportunidade de melhoria, em suasocupações em geral e em seu próprio local de trabalho em particular. 35

Surgiram três significativos tipos de apreciação.I Primeiro, um tipo decrescente otimismo acêrca das oportunidades de "ir pax:aa. frente" nasocupações em geral em cada nível sucessivamente mais alto desta modes-ta hierarquia de empregos. É como se a mera existência de outros in-divíduos em estratos ocupacíonaís mais baixos que o próprio, apoiassea convicção de que é possível a subida na escala, pois o entrevistado estánum estrato relativamente mais alto. Entre os negros com empregosum tanto especializa dos, ou de colarinho branco (empregados de comér-cio, de escritório) 63% acreditavam que as oportunidades de progresso emsuas ocupações eram boas ou razoáveis, comparados com 44% daquelesqUe tinham empregos semi-especializados, e 31% em empregos sem es-pecialização (trabalhadores manuais) ou ';a serviços domésticos. Embo-ra não fôsse tão pronunciado o mesmo padrão prevalecia entre os bran-cos.

Jf Em segundo lugar, o mesmo tipo, embora com uma amplitude signi-ficativamente mais estreita de variação, ocorre nas. estimativas das opor-

..tunidades predornin.ant~s em ..seuprópriQ local de trabalho. guantoITlais_lllto .0 nível de emprêgo,tanto maior ~ proporção dos que acreditavamque as oportunidades de progresso em seus locais de trabalho eram boasou razoáveis. Entre os negros, as porcentagens que registravam seuoti-mismo eram respectivamente 43, 32 e 27; entre os brancos, 58, 47 e 44..m·a terceiro tipo na avaliação das oportuniciades, contudo, distinguedefinitivamente a perspectiva dos trabalhadores brancos e dos negros, co-mo grupos. Os trabalhadores brancos tendem a ver po_uca_diferença en-tre as probabilidades das ocupações em geral e em seus próprios locaisde _t:ra.balhQ: o que êles tomam como verdade em geral, também tomamcomo verdadeiro em seus ambientes imediatos. Entre os trabalhadoresnegros, particularmente entre os que detêm empregos um tanto mais ele.vados, tudo isso muda. Qualquer que sejam suas estimativas de oportu-nidades em sua ocupação em geral, tendem a ser decididamente mais pes-simistas na avaliação das oportunidades nos locais onde trabalham. Oque essas estatísticas de expectativa ocupacíonal parecem demonstrar éque a freqüente convicção entre os trabalhadores negros em cada nívelde ocupação é que êles são barrados no acesso equítativo à melhoria.

A estas provas sôbre as diferenças de classe e de raça acêrca dacrença nas oportunidades ocupacíonaís, pode-se acrescentar outra evidên-cia, citada por _Hy!Uan, sôbre diferenças de classe acêrca do valor atribuí-do à ~ducação form-al como meio de aumentar a possibilidade de suces-so ocupacional. Por exemplo, proporções substancialmente maiores dos

estratos sociais mais altos do que dos mais baixos, expressam a crença deque "alguma educação universitária" é necessária "para progredir na vida";mais uma vez, 91% dos indivíduos "prósperos", entrevistados em uma pes-quisa nacional, comparados com 68% dos indivíduos "pobres", expressou odesejo de que seus filhos freqüentassem 'urna universidade em vez de con-seguir um emprêgo imediatamente depois de sua diplomação colegial; alémdisso, 74% de ·uma amostra de rapazes do grupo entre 13 e 19 anos de ia-mílias "ricas e prósperas", comparadas com 42% dos· de "classe inferior",preferiam ingressar nas universidades, como seqüência da dípíomaçãonum colégio; e finalmente, nesta escolha dos numerosos dados resumidospor ~, 14% dos jovens de ginásio, derivados de famílias "pobres", da-vam preferência por um emprêgo que proporcionasse alto salário masgrande risco comparado com 31% daqueles provenientes de familias degerentes de negócios (".executives") e de profissionais liberais.26

A evidência, embora ainda escassa, apresenta constantemente diferen-ças nas proporções dos diversos estratos sociais te talvez dos negros 6

brancos) que afirmam a crença. culturalmente moldada nas oportunida-des de sucesso ocupacíonal, que aspiram a empregos de alto salário, em-bora sujeitos a riscos, e dão grande valor a melhor educação como meiode progresso ocupacíonal , Porém o que ~ymaD. deixa de anotar, em suacoleta de provas, aliás instrutiva e útil, é que do ponto de vista da hípó-tese oferecida no trabalho anterior, o qU,E!,.interessa não são as proporçõesreiatioas das diversas classes 50ciais qu1'··adotam o alvo cultural do êxi-to mas os seus números absolutos. Dizer que uma porcentagem maiordos estratos superiores sociais e econômicos adota firmemente o obje-tivo cultural do êxito, não é dizer que o faça um número maior de indi-víduos da classe superior comparados com as pessoas da classe inferior.Na verdade, desde que o número de pessoas no estrato superior identi-ficado nestes estudos é substancialmente menor que o número do estra-to mais baixo, acontece às vêzes que mais pessoas das classes mais bai-xas adotam êste objetivo, do (ue pessoas de classe superior.

Centralizando-se quase que exclusivamente27 nas promoções compara-tivas dos diversos estratos sociais que tenham um ou outro valor de orien-tação - assunto que efetivamente desperta interêsse por seu próprio mé-

..

26. Hyman, op. cit., 430·434.27. Numa passagem quase ao final de seu estudo, Hyman claramente observa a distinção

entre ss proporções comparativas e as proporções absolutas (e os números absolutos).Mas €Ie assim o faz em conexão com um problema especial de teoria do grupo de rere-rêncía, e não extrai as conseqüências básicas da. hipótese que tem em mão. Sua obser-vação é a seguinte: "Embora a evidência até agora apresentada proporcione prova con-sistente e forte, de que os indivíduos da classe inferior, como um grupo, têm um sistemade valor que reduz a probabilidade de progresso individual, também é claro nos dado,apresentados de que há uma considerável proporção do grupo inferior, que não in-corpora êsse sistema de valôres , [Com relação a alguns itens, Hyman relatou que esta'consíderãvei proporção' representa uma maioria substanciaJ]. Da mesma forma, hãindivíduos nas classes superiores que não demonstram a tendência modal de seu gru-po". Ibid, 441.

25. As perguntas que provocaram as estimativas eram estas: "Quais são as oportunidadesde progresso para uma pessoa do seu nível técnico, se ela realmente resolve empregartõda a sua fôrça de vontade?" "A respeito do IUgE". onde você agora trabalha, quaíssão as oportunidades para melhorar de vida?"

250 Robert IC M erton

3. relativa acessibilidade ao objetivo: ocasiões que se apresentam navida, na estrutura das oportuuidades ;

4. a extensão da discrepãncui entre o objetivo aceito e sua acessi-bilidade;

5. o grau de anomia; e6. as proporções de comportamento desviado de várias espécies es-

tabelecidas na típología dos modos de adaptação.É claro que não é fácil reunir dados adequados a todos êsses itens

úistintos embora relacionados. Até agora, os sociólogos têm tido que tra-balhar com medidas conressansmente aproximadas e írnperíeitas de qua-se tódas essas variáveis - usando, pOr exemplo, o grau de educação for-mal, como sendo um indicador de acesso à oportunidade. Porém, é cadavez mais freqüente em sociologia que, uma vez identificadas teoricamenteas variáveis estratégicas, descobrem-se medidas aperfeiçoadas para [;,8

mesmas. Há um crescente intercâmbio entre a teoria, que enuncia a sig-nificação de certas variáveis: a metodologia, que formula a lógica da pes-quisa empírica envolvida nessas variáveis e a técnica, que elabora as fer-ramentas e os procedimentos para medir as variáveis. Vimos que, ultima-mente, iniciativas definidas têm -sido tomadas para se achar as medidasdos componentes da anemia, tanto subjetivos como objetivos. Talvez sepossa supor que estas medidas continuarão a ser melhoradas, e que me-didas adequadas para outras variáveis serão elaboradas, especialmente me-(lidas aperfeiçoadas para o conceito ainda utilizado frouxamente, mas im-portante daquilo que _\Y-~J~É'rdenominou "ocasiões que se apresentam navida", na estrutura de oportunidades.

Desta maneira, tornar-se-à possível descobrir a topografía social daanomía . 'I'ornar-se-á possível localizar os lugares estruturais na sociedadenorte-americana, por exemplo, onde esteja no ponto máximo, a disjunçãoentre os valôros culturais que determinaram ao povo manter certos ob-jetívos, e as possibilidades padronizadas de viver conforme êsses valôres.Tal inquérito viria contrariar qualquer tendência impensada em pressu-'por que a sociedade norte-americana esteja uniformemente afetada pelaanornía. Ao contrário, determinaria pela pesquisa os status na estrutu-,ra da sociedade americana que acarretam a maior dificuldade para que'h. .>os indivíduos sigam os requisitos normativos, pois isto é que se Quer dizerquando se afirma que a disjunção entre as normas aceitas e as oportuni- (nades para uma conformidade com essas normas socialmente recompen-sada, "exerce pressão" favorável ao comportamento desviado, e produz aanomia.

Assim como é oportuno identificar as fontes de diferentes graus deanomia em diferentes setores da sociedade, também é oportuno examinaras variáveis adaptações, e as fôrças que favorecem um ou outro dêstestipos de adaptação. Um certo número de estudos recentes influi nesteproblema geral.

Sociologia - Tecrui e Estrutura

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rito - Hyman deixa de considerar os fatos que são mais pertinentes !thipótese que está em foco. Pois, conforme tem sido dito repetidamente,a hipótese não exige que maiores proporções, ou mesmo maiores núme-lOS de pessoas dos estratos sociais inferiores sejam orientados em direçãoà meta de êxito, mas somente que um número substancial seja assim

i orientado. Pois é a disjunção entre as altas aspirações culturalmente; induzidas e os obstáculos socialmente estrutura dos em relação à realiza-ição dessas aspirações, que' se sustenta como exercendo clara pressão a fa-Ivor do comportamento divergente. Por "número substancial", se enten-de, pois, um número suficientemente grande para resultar em uma. dis-junção mais freqüente entre os objetivos e a oportunidade, nos estratosda classe inferior, do que entre os estratos da classe superior mais favo-recida. E mesmo, pode ser que esta dísjunção seja mais freqüente nosestratos inferiores de que nos estratos médios, embora ainda fa.ltem da-dos empíricos adequados sôbre isto, desde que o número evidentemen-te maior dos norte-americanos da classe média, que adotam a meta. de su-cesso, pode incluir uma proporção suficiente menor dos que são séria-mente impedidos em seus esforços para avançar em direção â dita meta.

Em qualquer eventualidade, o requisito analítico fundamental é dis-tinguir sistemàticamente entre os achados sôbre as proporções relativas esôbre os números absolutos 23 nas diversas classes sociais que aceitam ()objetivo cultural, e reconhecer qu~té a freqüência da disjunção entre o al-\'0 e o acesso socialmente estrutu~ado em relação a êle, que tem interésseteórico. As pesquisas adicionais terão que resolver o difícil problema deobter dados sistemáticos tanto sôbre as metas como sôbre o acesso pa-dronizado às oportunidades e de analisá-Ios juntamente a fim ele ver se ~combinação de elevadas aspirações e pequenas oportunidades ocorrecom .freqüência substancialmente diferente em vários estratos sociais,grupos e comunidades, e se, por sua vez estas diferenciais são relaciona-das em diferentes proporções, com o comportamento desviado. Esque-màticarnente, isto exigiria dados acêrca das diferenciais socialmente pa-dronizadas em

1. exposição à meta cultural e às normas que regulam o comporta-mento orientado em direção àquele objetivo;

2. aceitação do objetivo e das normas como mandatos morais e va-lóres assimiiados;

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28. Deve-se notar, pelo menos de passagem, que a necessidade de razer esta distinção teml:õ:.ügainfluencia na a.nálise da vida social. Por importantes que sejam em si mesmas,as proporções retuttvas dos que se situam em vários estratos sociais e grupos que ex..bem atitudes particulares, talentos. riqueza ou qualquer molde de comportamento, nãodeve ser permitido que obscureçam, como freqüentem ente o fazem em estudos sociotó-~icos, o fato igualmente importante dos números absolutos que manifest.am (f3tes itens emdiferentes estratos e grupos. Do ponto de vista dos efeitos sóbre a. sociedade. 33..0 rre-qüentementc os núrneros absolutos e não proporções relativas que irnportam . Pare0UtrOS exemplos desta mesma consideração, ver o Capítulo XII dêstc livro, nota 16.

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~ Jõ2 Robert K. Merton Sociologia - Teoria e Estruturalt

t 253i

A ANOMIA E AS FORMAS DE COMPORTAMENTODIVERGENTE

A primeira forma de comportamento divergente identificada na tipo.Jogía estabe!ecida no capítulo anterior foi descrita como inovação. Pode.·se recordar que isto se refere à rejeição de práticas institucionais, coma retenção dos objetivos culturais. Isto poderia na aparência caracte-rizar uma parte substancial do comportamento transviado que tem rece-bido a maior porção de atenção da pesquisa, por exemplo, aquela que seinclui vagamente nos conceitos gerais de "crime" e "delínqüência", Umavez que a lei proporciona critérios formais para êsses tipos de desvio,êles vêm a ser relativamente observáveis e logo se tornam focos de estu-do , Em contraste, outras formas de comportamento que do ponto de vis-ta sociológico, embora não do legal, se consideram desvios das normasaceitas, por exemplo, aquela que denominamos de "retraimento" _ sãomenos visíveis e recebem menor atenção.

Diversos estudos indicaram ultimamente que os conceitos convencío-. "nais de "crime" e "delinqüência", podem servir para obscurecer ao invés

•.....".'.,de esclarecer o entendimento da numerosa variedade de comportamentodesviado à qual se referem .. _..lLu.b~rt,por exemplo, observa que "a defi-

.'.nição legal de crime... provavelmente [representa] pouco em comum en-.tre todos os fenômenos cobertos pelo conceito... E o mesmo parece ser

.<,Terdadeiroem relação ao crime de 'colarinho branco'... Êsse tipo podetambém diferir muito em sua natureza, e pode exigir explicações causaisinteiramente diferentes".29

No processo de aplicação de um têrmo, tal como o de crime' ou delin-qüência, a uma classe de comportamento, desenvolve-se uma tendência deatender primeiramente às semelhanças - conseqüentes ou não - entreos itens de comportamento abrangidos na dita classe. Formas de com-portamento sociológica e inteiramente distintas, por exemplo comporta-mento de jovens, vêm a ser designadas pelo têrmo genérico, "delinqüên-cia juvenil". Isto acarreta com freqüência a suposição de que a extensa.diversidade de comportamento dos indivíduos ~ue se lançam a uma ououtra rorrna de tal conduta, sejam de espécie teõricamente semelhante.No entanto, é questionável que 0 comportamento do jovem que haja des-viado algumas peças de "baseball" dos seus companheiros tenha um sig-

nificado semelhante à ação do jovem que periõdicamente assalta mem-bros de outro grupo.

Além do mais, a decisão de abranger uma extensa lista de comporta-mentos sob a rubrica de crime ou delinqüência, tende a fazer supor queuma só teoria explicará todo o campo de conduta \olocado em tal catego-ria. No pensamento lógico, isto não é muito distanciado da suposiçãode um Benjamin Rush ou de John Brown, de que deve haver uma teoriada doença, ao invés de diferentes teorias de doenças: da tuberculose e daartrite, do síndrome de Meniêre e da sífilis. Assim como classificar con-dições e processos profundamente diversos sob o único título de doença,levou alguns zelosos e sistemáticos médicos a crer que era sua tarefa fa-zer evoluir uma teoria geral da doença, que tudo abrangesse, também,ao que parece, o modismo consagrado, tanto coloquial como científico, de13ereferir à "delinqüência juvenil" como se tôsse uma só entidade, levaalguns a crer que deve haver uma teoria básica de "sua" causação. _Tal.: ....vez isto seja s1,Jficiepte para. suger:!r .o quep~Çl~fligr1Íficar rE;!fE!.r.ir·se..ao cri~me OU à dE)linqüência juvenil, como um conceito que tud0!tl:Ju!:,ca e quepode perturbar as formulações teóricas do problema.riesde que se sabe que _Lc.QillPm1amentQ_.Q!:.cliiJ.àriameDte__4escrito_c_Q·mo crímínoso ou delinqüente é, da ponto de vístauocíotõgícç, JntE)iramen-te va.ria.do_€'díspar, torna-se evidente que a teoria em discussão não podedar. conta de tôdas as formas de comportamento desviado. Em seu li-'.'TO sensível às teorias, l'l.lberLK .._.S!BJ:llp. sugere que esta teoria é "alta-mente plausível como uma explicação do crime profissional dos adultose dos delitos contra a propriedade cometidos por alguns ladrões juvenísmais idosos e serniprofíssíonaís. "Infelizmente - continua êle - nãoexplica a qualidade não utilitária da subcultura ... Se o participante dasubcultura delinqüente estivesse empregando simplesmente meios ilícitospara a finalidade de adquirir valôres econômicos, mostraria mais res-peito pelos bens que assim adquiriu. Além do mais, a destrutividade, aversatilidade, o 'gostinho: especial em praticar ação proibida e o totalnegativismo qUe caracterizam :1 subcultura delinqüente estão além do al-cance desta teoria". 30

A primeira e mais saliente afirmação feita por Cohen, convida ao con-senso e merece rsíteraçãoj A teoria da anemia anteriormente exposta

Inovação

...;~

29. Vilhelm Aubert, "White-collar crime and social structure", AmericanJournal of Socio-logy, 1952, 58, 263·271, à pág. 270; conferir, também, R. K. Merton, "The sccial-cuf turalenvlronment and anomie", em Helen L. Witmer e Ruth Kotinsky, editõres, New Pers-peelives for Research on Juvenile Delinquency (Washington, D.C.: U. S. Department ofHealth Education and Welfare. Children 's Bureau, 1956), 24-50, inclusive discussões permembros ds. conferência; Daniel Glaser, "Criminality theories and behavioral image.:-;H.American Joum"! of Sociology, 1956, 61, 433·443, à pág; 434.

I30. Albert K. Cohen , Delinquent Boys (Glencoe: The Free Press, 1955), 36. Uma vez que

alguns dos principais ternas teóricos estão sendo examinados em relação com o livrode Cohen, são apenas citadas as seguintes discussões que se referem ao paradigma daestrutura social e da anemia, como base para analisar o comportamento criminoso edelinqüente: Milton L. Barron, "Juvenile delinquency and American values", AmericanSuciological Review, 1951, 16, 208-214; Solomon Kobrin. "The conflict of values in delín-quency areas", American Sociological Review, 1951, 16, 653·662; Ralph H. Turner, "Valueconflict in social disorganization", Sociology and Social Research, 1954, 38, 301-308; W. J.H. Sprott, The Social Background of Delinquency (Unlversity of Nottingham, 1954>.contorme resenha de John C. Spencer, em The Howard Jnurnal, 1955, 9, 163-165; Her-mann Mannheim "Juvenile delinquency", British Journal of Sociology, 1956, 7, 147-152;Aubert, op. cit.; Glaser, op. cito

L

254 Robert K. Mertrm.

serviu para explicar algumas, e não tôdas as formas de compor~mentodesviado, babitualmente descrito como criminoso ou delinqüente.j O se-gundo ponto será importante, se se revelar verdadeiro; em qualquer ca-so, terá o mérito de focalizar futuras pesquisas sôbre suas correlações.Êste é o ponto em que a teo!i[1_ct!_('!§'!!'_1:I_~!:l_ra_spcial e da anomía não expli-ca o _car:M~r."n,ªº ),IJUitá,rio" de. boa parte do cor,nportgmeIJ..tQQJJe ocorreI!ºlLgrl,lIl..o.e_gE:!.º~}ipqijêneia. Mas ao explorar êste assunto mais profun-damente, deve-se recordar, para fins de clareza teórica, que esta teoria nãoafirma que o resultante comportamento desviado seja racionalmente cal-culado e utilitário. Ao invés, centraliza-ss sôbre as pressões agudas cria-das pela discrepância entre os objetivos culturalmente induzidos e as opor-tunidades socialmente estruturadas , As reações a essas pressões, comas conseqüentes tensões sôbre os indivíduos a elas sujeitos, podem envol-ver um considerável grau de frustração e de comportamento não racio-nal ou írractonai.si A "destrutívídade" tem sido amiúde psicológícamen-te identificada como urna forma de reação à rrustração continuada. Damesma forma, parece que o "negatívísmo total" pode ser interpretado, semalargar a teoria a fim de incorporar variáveis novas e ad hoc, como umrepúdio persistente às autoridades que personificam a contradição entreas aspirações culturais Iegítimízadas e as oportunidades socialmente res-tríngídas.

Contudo, parece que a "versattlidadeve o "gostinho" com que alguns ra-pazes praticam seus desvios apoiados pel,?se,!l grupoJ não. são diretameQ-te expliçados pela t~oria da estrutura social e da anomia. Quanto às fon-tes dessas particularidades do comportamento desviado. deve-se presu-mivelmente observar a interaçáo social entre êstes indivíduos transviadosde mentalidade semelhante, os quais mutuamente reforçam suas atitudes

, e comportamentos divergentes que, em teoria, resultam da situação maisou menos comum em que êles mesmos se encontram. É a esta fase do

\. progresso total de comportamento desviado, apoiado pela "gang" ou tUY-

ma, que_Ç.pJ;1~n aplica especialmente sua instrutiva análise. Porém, comoindica mais adiante em seu livro (54), antes de prosseguir na análisedos tipos de =soluções'' para as dificuldades que os "rapazes delinqüentes"encontram em seu meio social imediato, é preciso atentar para as fre-qüências vat íáveis com que tais dificuldades se apresentam. Nesta partede sua análise, Cgn.en efetivamente examina as fontes sociais e culturaisdessas pressões, em têrmos sensivelmente iguais aos que temos conside-rado. Sua análise cabalmente sociológica faz progredir consideràvelmen-te nosso conhecimento de certas formas de comportamento transviado,comurnente encontradas em grupos de delinqüência, e assim faz arnplian-do o tipo de teoria estrutural '! funcional que estamos examinando.

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31. EIn seu comentário precisamente sôbre êste ponto, He rman Mnn nhcim indicr. que ateoria "pode ser muito bem capaz de expftcaa- muito mais do que símp.esrncnte afor-ma utilitária de expressar aspirações frustradas". OIto cit., 149.

1.

Sociologia - Teoria e Estrutura 255

Ao estudar a subcultura da delinqüência, .C.pJleJ:j"está evidentementenuma linha direta de contínuiuade com os estudos anteriores de_S.h.a.Y>'~.

.McKªy, e especialmente,_Tl}j::ª@g. 32 Contudo, êle prossegue observandoque "êstes estudos diziam respeito principalmente ao problema de como setransmite aos jovens a subcuttura da delinqüência e que o problema cor-relativo, ao qual êle própria se dirige, diz respeito à origem de tais mol-des culturais. De maneira muito semelhante, é possível distinguir entreuma teoria que trata apenas das reações dos indivíduos às tensões cultu-ralmente induzidas, tal como foi proposto por _IS;:'H:t:m.J:!º:r!l,~'yypor exem-plo, e uma teoria que trata também dos efeitos d.as reaçÓés -á'gregu-das e alogumas véze~ socialmente organizadas, sôbre a própria estrutura norma-

tiua ..ºh~Jla1/l.CI3..ao VTOÇ,(!:)sgsqciqL q1te.Jiga. lL._.anomia. eo. comz;ort.a.~~nto

des.v.ia§:o. A.fim de colocar êste problema em seu contexto teórico apro-priado, é necessário que vejamos a gênese e o crescimento da anemia co-mo resultante de um processo social em movimento e não simplesmentecomo uma condição que ocasionalmente surge.33 Dentro dêsse contex-to, o processo pode ser provisàriamente retratado do seguinte modo. D8'vido à sua posição objetivamente desvantajosa no grupo, assim como as di-Ierentes configurações de personalidade, 34 alguns indivíduos são sujeitos

32. Entre as muitas publicações bem conhecidas por êste grupo de sociólogos, ver ClifIordR. Sha',v e Henry D. Mckay, Juvenile DeUnquency and Urban Arcas (University Df

Chicago Press, ]942); Frederic M. Thrasher, The Gang (University of Chicago Pres:.,

1936), 2, edição.33. Ver Merton, "The social and cultural environment and anornie", op. cito34. É consistente com a teoria em exame reconhecer que constelações ramíüares caractr-

rlstícas podem promover a vulnerabilidade a pressões anômícas , Por exemplo, _Fn::.nz.~~xa.n-ºr;!.r._:escreve de seus pacientes oriundos "de norte-americanos da segunda gera-

çao;··rllembros de famílias de lrntgr z-ntes, e.. de um grupo de minoria racial" que opapel do pai é muito importante no sentido de incutir no filho uma preocupação do-míriante em relação ao êxito monetário. Tal como o expltca. "um resu.tado habitualé que o rítho, usurpando o lugar do pai no areto da mãe, assim como em muitosaspectos materiais desenvolve tremenda ambição. Quer justificar tôdas ao5 esperan-ças e sacrifícios da mãe e assim acalmar sua consctêncta em relação ao pad. Há só-mente um meio de rea.l ízar essa finalidade. Éle deve ter bom êxito, custe o que custar-Na. hierarquia de valóres. o sucesso torna-se supremo, sobrepuja.ndo tudo o mas, e C

rracasso torna-se equivalente ao pecado... Conseqüentemente, todos os outros víciostais como a insinceridade nas relações humanas, a deslealdade na eoncorrênci a-, a in-fidelidp.de, a õesccnsideraçãc para com os outros, parecem não ter a menor impor-tànciz. relativamente; e então surge o formidável fenômeno do ímpíedoso carreírlsta ,obcecado pela única idéia da autopromoção, caricatura do homem que se fêz por simesmo, ameaça a civilização ocidental cujos prmcípios êle reduz a um absurdo". FranzA'exander , "Educative influence ot personality factor<: in the environment", reimpres-so por Clyde Kluckhohn, Henry A_ Murray e David M. Schneider, edltôrcs, PcrsonalityIn Nature, Society and Cn\turc (Nova torque : A. A. Knopf, lS53, 2>. ed.), 421-435, "'3págs, 4:n·4:n.

Esta. análise essencialmente psicológica da formação dos objetivos de sucesso ilImitado e, portanto. destruidores das normas deve, contudo, ser ligada a uma aná.lísesociológica. se desej ar mos ..f_Q!!§19~r.ªL_i.Q1.ll:a.rcUl.tlJl·cn.tç __os fatos. Pois, mesmo que êste.:esforços para o êxito possam se desenvolver de nõvo e mais ou menos índependerrtesem cada uma. das familias que estão sendo descrttas, o comportamento t rsmsvladu oco r

256 Robert K. Merton

mais do que outros, às tensõ~llju?!!rg~!lJ. __gafli.s.(}x:eJ!ªº.:;~ª_~tre os Qbje-t.ivQLGIDturais __!Lº-ª-Jn~!9~.illID:? _.!#.tlYQ:?_.Qªr-ª_§:U.~ _realização . Conseqüen-t.emente, êles são mais vulneráveis ao comportamento desviado. Em al-guma proporção de casos, também dependentes da estrutura de contrô-Ie do grupo, êsses afastamentos das normas institucionais são socialmen-te recompensados pelo bom "êxito" em alcançar as metas. Porém, êstesmodos desviados de alcançar os objetivos ocorrem dentro de sistemassociais. Em conseqüência, o comportamento desviado afeta não somente0.8 inc4:v.íquos q\leprimeirameIlte§~lançam.~. êle, ffiª,s cl~__ce..r:tQIllQ.c!o,afetaLa,gl~êfl:umtros_.i..tJ._<1!.Y!clUº_SǺmqll~m.êle:?são ínter- relacíonadosno sistema.

Uma freqüência crescente de comportamento desviado, mas "bem su-cedido", tende a diminuir e, até mesmo, como possibilidade extrema, a elij-' .minar a legitimidade das normas tnstítucíonats para os demais compo-nentes do sístema. O processo aumenta assim a extensão da anemiadentro do sistema, de modo que outros indivíduos que não reagiam sobforma de comportamento desviado à leve anomia que a princípio preva-lecia, chegam assim a proceder, quando aanomia se espalha e é intensifi-cada. Isto, por sua vez, cria uma situação mais agudamente anômica,para outros indivíduos do sistema social, que de início seriam menos vul-neráveis. Desta forma, a anemia e as proporções crescentes de compor-tamento desviado podem ser concebidas como ínteratuantes, num preces-so de dinâmica social e cultural, com conseqüências cumulativamentedestruidoras da estrutura normativa, a menos que entrem em jôgo meca-nismos de contrôle e de retenção. Em cada caso específico em foco, éessencial, como temos dito, identificar os mecanismos de contrôle que"diminuem as tensões resultantes de contradições aparentes [ou reais]entre os objetivos culturais e o acesso socialmente restrito" a êles. {123i

Conjeturas Ulteriores da Teoria

Uma seção anterior dêste capítulo examina as provas relativas àsformas de reação à anomía, abrangidas no conceito afetivo e eticamente.neutro de "inovação" ou seja, o uso de meios institucionalmente proibidospara atingir um objetivo culturalmente válido. Antes de estudar as pro-vas relatívas a outros tipos principais de reação - ritualismo, retraimen-to e rebelião - devemos salientar outra vez que a teoria geral da estru-tura social e da anomia não é confinada ao objetivo específico do êxitomonetário e às restrições socíaís para o scesso ao mesmo. Verificou-se,

re num sistema social que articula de várias maneiras êsses tipos de comportamentodiversamente iniciados. Desta maneira, qualquer que seja a situação inicial de cadaindivíduo, o comportamento divergente elos indívíduos fora da família tende a apoiar--se mutuamente, tornando-se destrutivo das normas estabelecídas. A anom!a se trans-forma em fenômeno social, muito além dos limites de um grupo de fam11!as separa-das e distintas. Uma análise relativa. a êstes dados encontra-se em Ralph Píería,"Ideologícal momentum and social equilibrium", American .Tournal of Sociology, 1952,57, 339-346.

Sociologia - Teoria e Estrutura 2~'1;).

por exemplo, que a teoria era aplicável a um caso de pesquisa científicaem que colaboraram várias disciplinas, a casos de comportamento em co-municações de massas, S5 a um caso de desvio da ortodoxia religiosa 36 e 2.

um caso de conformidade com as normas sociais e de desvio das mesmasDUma prisão militar 37 - casos êsses que, pelo menos à primeira vista,pareceriam ter pouco ou nada em comum com a meta do êxito monetá-rio. Como foi dito na exposição inicial da teoria, "o sucesso monetáriofoi tomado como o principal objetivo cultural" somente "para os fins desimplificação do problema .. _ embora existam, naturalmente, outros objeti- .vos nos repositório de valôres comuns".(157) Em têrmos da concepção: 0, '}.-r,')!w.~geral, quaisquer objetivos culturais que recebam ênfase extrema e ape-I/::;:, (;, pd.tj~nas insignificantemente qualificadas na cultura de um grupo. servirão! yí-\·'J\Q.i \.jpara atenuar a ênfase sõbre as práticas ínstítucionalízadas e contribuirão: nb.\, ~l·.para a anemia ..

Da mesma maneira, é necessário reiterar que a tipologia do compor-rtamento desviado está longe de ser confinada ao comportamento ordínà-riam ente descrito como criminoso ou delinqüente. Do ponto de vista dasociologia, outras formas de atastarnento das normas reguladoras podemter pouco ou nada a ver com a violação das leis do país. Simplesmenteidentificar alguns tipos de desvio, é em si mesmo um problema difícil deteoria social, que está sendo progressivamente esclarecido. Por exemplo.foi efetuado visível progresso teórico pela concepção de J?-ª.r.liiPJ1s, de queli doença num de seus principais aspectos. é "definida como uma form:tde comportamento desviado, e que os elementos da motivação do desvio,que são expressos no papel do doente, são conexos com aquêles expres-sos numa variedade de outros canais, inclusive tipos de conformidade com-pulsiva que não são socialmente definidos como de desvio". 38

Como outro exemplo, o comportamento que se pode descrever com')"superconformidade" ou "supersubmíssâo" às normas ínstitucíonais, temsido socíolõgícamente considerado como divergente, mesmo que à pri-meira vista possa parecer corno representativo da conformidade decla-

,\, 35.

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II?

36.

37.,

38.

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Warren G. Bennis, "Some barriers to teamwork ín social research", Social Problems,1956, 3, 223-235; Matilda White Riley e Samuel H. Flowerman, "Group relations as avarrable in communications research", American Sociological Review, 1951. 16, 174·180;Leonard 1. Pearlín, Thc Social and Psychologieal Setting of Communications Behavior,(Columbia University, tese inédita de doutoramento em sociologia, 1957). Pearlin cons-tata fortes tendõncias em usar a televisão como "fuga" entre aquêles que estejamaltamente motivados a alcançar mobilidade social e ao mesmo tempo colocados numaocupação que não permita. a rápida satisfação de tal objetivo. Uma das prmcípaísconclusões dêste estudo empíríco é que fia televisão está bem definida como um íns-trumento pelo qual as pessoas podem fugir a conflitos e tensões que têm sua etíologíano sistema social".Celi", Stopnicka Rosenthal, "Deviation and social change in the Jewish communlty ora small Polish town". American .Tournal of Sociology, 1954, 60, 177·181.Richard cíoward, Tbe Culture of a !llilitary Prison: A Case Study of Anomie (Glencoe:The Free Presa, ainda inédito); e o resumo parcial de Cloward, em Witmer e Kotinsky, op. cit., 80·91.Parsons, Tbe Social System, 476-477, e todo o Capitulo X.

258 Robert K. Mertoni

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rada.39 Como a tipologia das reações à anoznía pretende deixar claro,esses são tipos distintos de comportamento que, em contraste com a suamanifesta aparência de conformidade com as expectações Instítucíonaíí-zadas, pode ser apresentado na análise sociológica como representativo deafastamento dessas mesmas expectativas.

Finalmente, a título de preâmbulo a esta revisão de outros tipos decomportamento desviado, deve-se notar mais uma vez que, do ponto devista da sociologia, nem todos êsses desvios das normas dominantes dogrupo são necessàriamente disfuncionais em relação aos valôres básicosf; à adaptação ao grupo. Correlativamente, a aderência estrita e nãoquestionada a tôdas as normas dominantes seria funcional somente numgrupo que jamais existiu: um grupo que seria completamente estático einvariável, num ambiente social e cultural estático e invariável. Algum(desconhecido) grau de desvio das normas correntes é provàvelmentefuncional para os objetivos básicos de todos os grupos. Um certo grau.de "inovação", por exemplo, pode resultar na formação de novos padrõesinstitucionalizados de comportamento que sejam mais adaptativos que osantigos, para favorecer a realização dos objetivos primordiais.

Constituiria uma visão míope e, além disso, um julgamento ético dis-simulado admitir que mesmo o comportamento desviado disfuncionalem relação aos valôres correntes do grupo, seja também êticamente defi-ciente; pois, como temos tido freqüente ocasião de observar neste livro, o.conceíto de disfunção social não é um substituto terminológico de últí-[ma hora para a "moralidade" ou as "práticas antíétícas". Um ·determina,.,do padrão de comportamento que se afaste das normas dominantes dogrupo pode ser dísfuncíonal quando diminui a estabilidade do grupo ouquando reduz suas probabilidades de alcançar as metas que o mesmo va-loriza. Mas, do ponto de vista de outro conjunto de padrões éticos, podeser que os defeitos estejam nas normas do grupo e não no inovador queas rejeita. Isto tem sido definido com característíca intuição e eloqüên-cia por um dos homens verdadeiramente grandes de nossa época:

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Na tribo primitiva cada classe tem sua :Thloira ou quota designada e seu Ergon Ou fun-ção. e as coisas vão bem se cada classe e cada indivíduo preenche sua Moira e cumpre seuErgon, e não transgride ou viola os dos demais. Na linguagem moderna, cada classe ouindivíduo tem seu serviço social a realizar e gozz; seus direitos conseqüentes. E a velhaThemis [lei ou justiça personificada, e as coisas que "são feitas"]; mas uma Themis vasta--mente ampliada pela íms.gínação, e tornada mais positiva. Uma Themis em que podeis serchamado não só para morrer por vosso pais - as mais antigas leis tribais já íncluícm isto- mas a morrer pela verdade, ou, conforme vem explicado Duma passagem maravilhosa dosegundo livro, a desafiar tôda a lei convencional da vossa sociedade por amor à verdadeiralei que tenha sido desamparada ou esquecida. Ninguém que a tenha lido pode esquecerfàcilmente o relato do homem justo na sociedade má ou equivocada, como êle é açoitadoe cegado e por fim empalado ou crucificado pela sociedade que o entende mal, porque êle

39. Ver a discussão a respeito, na seção seguinte devotada ao padrão de retraimento emresposta à anomia.

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Sociologia - Teoria e Estrutura 259

é justo mas parece o contrário, e como depois de tudo é melhor para é-e sofrer assimdo que seguir a multidão na prática do ma1.40

Tudo isto não necessitaria ser repetido se não fôsse a suposição for-" tuíta e ao que parece, 'sempre mais freqüente, de que o comportamento

desviado necessàríamente equivale à disfunção social, e a disfunção so-cial, por sua vez, à violação de um código de ética. _NILbis.t6na de cadªsociedade, presumivelmente, alguns. dos .11Elróis.de sua cultura foram con-siderados heróicos, precisamente porque tiveram a coragem e a visão de

."afastar-se de normas que então prevaleciam no grupo. Como bem sabe--mos: -ô--~~beúi~:-o"~e;ólucÚ;nãriõ, o não-contormísta, o individualista, oheróico, ou o· renegado da véspera é, muitas vêzes, o herói de hoje.

Também se deve dizer, pois isto é esquecido com tanta facilidade,que centralizar esta teoria sôbre as fontes culturais e estruturais do com-portamento desviado, não significa concluir que tal comportamento se-ja a reação característica, e muito menos exclusiva às pressões que te-mos examinado. Esta é uma análise de proporções e tipos variáveis decomportamentos desviados, não uma generalização empírica com a fina-lidade de provar que todos os que estão sujeitos a essas pressões reagemmediante o desvio. A teoria apenas assevera que os que se acham lo-calizados em lugares na estrutura social, particularmente expostos a taistensões, têm maiores probabilidades que outros a apresentar desvio de con-duta. No entanto, c0l!lQ..!esUlta~() dos mecanismos sociais contrários,mesmo estas posições carregadas de tensão não induzem tipicamente aodesvio: a conformidade tende a permanecer como reação modal. Entr':!ósmecanismos compensadores, - conforme foi "sugertclo--nü capítulo prece-dente, está o acesso a "outros objetivos no repositório dos valôres co-muns ... Na medida em que a estrutura cultural conceda prestígio e essasalternativas, e a estrutura social permita acesso a elas, o sistema torna--se, de certo modo, estabilizado. Os transgressores potenciais ainda podemse conformar com êsses conjuntos auxilares de valôres".(157) Já se ini-ciou a pesquisa do funcionamento de tais alternativas como freios daconduta divergente. 40a

40. Gilbert Murray, Greek Studies (Oxrord : Clarendon Press, 1946), 75, A alusão é aosegundo livro da República de Platão: se a formulação original de Pistão justif •.•• nparáfrase de Gílbert Murray, é sutil questão de opinião.

40s. Ver o trabalho a ser publicado brevemente, de Ruth B. Granick. "Biographles of popu-lar Negro 'heroes"'. Seguindo os processos estaoelectdos por Leo Lowenthal em seu es-tudo das biografias populares, Granick analisou a composição soc'al dos "heróis ne-gros" em duas revistas populares Ilustradas. destinadas príncpatrnente a leitores ne-gros, dentro do contexto proporcionado pela teoria do comportamento transviado queestá sendo estudada. A autor •• encontra diferentes roteiros para alcançar êxito nomundo das diversões) para negros e brancos, embora os status de valor aparentepareçam bastante idênticos para êstes dois subgrupos. O mais interessante é a suaconclusão provisória de que o acesso a diferentes metas de ·"tto proporciona amploespaço para o comportamento conformista, e não para o desviado. O estudo bemconhecido de Lowenthal encontra-se em "Biographies ín popular magazines', P. F .

260 Robert K. MerionSociologia - Teoria e Estrutura 261

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Resummdo, torna-se evidente que (1) a teoria em exame trata demetas de diversas espécies, postas em relêvo pela cultura e não sórnen-te da meta do êxito monetáric. que já foi estudado a título de ilustra.ção; (2) ela distingue formas ÔC" comportamento desviado, que podem es-tar muito afastadas das que representam violações das leis; (3) que ocomportamento desviado não é necessôruimente dísfuncíonal para a ope-ração eficiente e o desenvolvimento do grupo; (4) que os conceitos dedesvio social e de disfunção social não agasalham premissas éticas ocul-tas; e (5) que metas culturais alternativas proporcionam uma base para.a estabilização dos sistemas sociais e culturais.

f

mar-se precisamente porque estão sujeitos à culpa engendrada pela an-terior não-conformidade com as regras". 41 Sôbre esta hipótese em espe-r-ia.I, ainda há poucas provas sistemáticas, além de um estudo psicanalí-tico de vinte "burocratas" que julgavam apresentar tendências à "neu-rose compulsiva". 42 Mesmo estas provas escassas, contudo, não se rela--cionam diretamente com a presente teoria, que tem de se haver, não comtipos de personalidade, embora isto seja importante para outros propósí-tos, mas com tipos de desempenho do papel em resposta a situações so-cialmente estruturadas.

De interêsse mais direto é o estudo feito por _r~t§.r.J\,.L",!3Jan43 sôbreo comportamento dos burocratas. Êle sugere que os casos observados desuperconformidade "não são devidos ao fato de que a aderência rítuaiís-tica aos procedimentos operacionais existentes se tenha tornado um hábi-to inescapável" e que "o ritualismo resulta não tanto da superidentifica-ção com as regras e a profunda habítualidads com as práticas estabele-cídas, como da falta de segurança em importantes relações sociais dentroda organização", Em poucas palavras, quando a estrutura da situaçãonão suaviza a ansiedade de status e a ansiedade sôbre a capacidade desatisfazer as expectativas institucionalizadas, os indivíduos destas organi-zações reagem pela excessiva submissão.

As situações modeladas pela estrutura social que convidam à reaçãoritualista ela superconformidade às expectações normativas têm sido re-j.roduzidas experimentalmente e, evidentemente, de modo apenas hornó-logo, entre carneiros e bodes. (O leitor certamente resistirá à tentaçãode pensar que não se poderiam ter encontrado animais mais simbolica-mente apropriados), Convém lembrar que a situação que envolve o ritua-Esmo, envolve II repetida frustração dos objetívos fortemente desejados,ou a constante verifica;;ão de que a recompensa não é proporcionada à,eonformidade, O psicobiologista Howard S. Lidg.!ill, com efeito, reprodu-ziu ambas essas condições em sua série de experiências, 44 Citamos umexemplo, entre muitos:

~.

Ritualismo

\.

Tal como está situado na tipología, o rítuausmo é um tipo de reaçãoem que as aspirações culturalmente definidas são abandonadas, enquan-to "a gente continua a acatar quase compulsívornente as normas institu-cionais". Ao expor êste conceito, dissemos que "seria um jôgo de pala-vras terrnlnológíco perguntar S8 isto constítuí um 'comportamento divergente'. Desde que a adaptação, com efeito, é lima decisão interna e des-de que o comportamento branco é ínstítucíonalmente permitido, emboranão seja culturalmente preferido, não é geralmente considerado como re-presentatívo de 'um problema social'. As pessoas íntimas dos indivíduosque estejam fazendo esta adaptação podem dar opinião em têrrnos daênfase cultural predominante, e podem 'ter pena dêles'; num caso indivi-dual. podem sentir que 'o velho Jonesy está certamente em decadência'.

_Q,1..!?rse__descreva ,êste comportamento corno desviado ou não êle repre-sgn.t.~_cJa,ral!lep.te,llI!l afastamento do modêlo cultural, no qual os homenssão obrigados a se esforçar ativamente, de preferência através dos proces-sos ínstitueíonalizados, a fim de caminharem para a frente e para cima,na hierarquia social" (224), Desta maneira. sugeriu-se que a aguda ansiedade de status, numa so-~iedade que dá grande importância ao tema do sucesso na vida, podeinduzir o comportamento desviado descrito como "superconformidade" e"supersubmissâo", Por exemplo, tal supersubmissâo pode ser encontradaentre os "virtuosos burocráticos", alguns dos quais podem "superconfor-'

Um bode". é trazido ao laboratório cada dia, e submetido a uma prova simples: cr..dadois minutos um aparelho de telegrafia bate uma vez por segundo, durante dez segundosseguidos de um choque aplicado à sua perna dianteira. Depois de vinte combinações díártasde choques e sinais, o bode é devolvido a seu pasto. Logo êle adquire um satisfatório nível

Lazarsfetd e F. N. Stanton (edítôres), Radio Rcsearch , 1942-1843 (Nova Iorque : Duel l,Sloan e Pearce. 1944\.

Tem-se considerado também que os moldes de comportamento de consumo, - porexemplo, a transm.ssão decrescente dos estilos e das modas no sistema de estratirícação.- serve à função latente de tornar O sistema agradável mesmo para E,TLlêles que nãoprog-ridem apreciàvelmentc dentro dêle. Ver Bcr-nard Barber e Lyle S. Lobcl, 11 'Fashion'in womcns clothes and the Amerícan social system", Social Forces, 1952, 31, 124-131 eum trabalho correlotrvo por Lloyd A. Fallers, "A note on the 'trickle elfect' ", PublicOl)iníon Quartcrl~'_ Hl~4. 18, - 314-321.Quanto às observações pertinentes acêrca de símbolos diferenciais de realização queservem para mí tígar um senso de íracasso pessoal, ver Mz.rgaret M. Wood, Paths 01Loneliness (Nova Iorquc : Columbia Univcrsity Press, 1953), 212 e segs.

-t41. Pág , 226, ver também a discussão das "fontes estruturais de superconformidades" no

Cap ítujo VIII e do "reriegado= e do "convertido" nos Capitulas X e XI dêste livro; aobservação de Pnrsons e Bales de que "a pnmeira ínt.rospecção importante nesta co-nexão" [de relacionar suas teorias independentemente desenvotvídas ] era que a "supercon-f'orm idade' devia ser rtertntcta como desvio". Parsons e outros. worntug Papcrs , 75

42_ Otto Sperlf ng, "Psvchoanntyue aspects or bureaucracy", l"sychoanalytic Quartcrly. 19501-19, 88·100,

4~_ P. M_ Blau, The Dynnrntcs of Bureaucracy, Cap. XII, especialmente 184.193,44. Conven'cntemente resumid?,s em Howard S_ Liddell, "Adz.ptatton an the threshold QI

ínte ligcncc", Adaptation, editado por John Romano. (Itha,.ca: Cornell University Press,1949), 5!>-75.

262 Robert K. Merton Sociologia - Teoria e Estrutura263

Êste retrato caracterológico do conformista compulsivo· que agradecea Deus porque êle não é como os outros homens, ilustra os elementos es-senciais de uma espécie de reação ritualísta às situações ameaçadoras.Cabe à teoria sociológica identificar os processos estruturais e culturaisque produzem altas proporções de tais condições de ameaça em certossetores da sociedade, contra proporções negügíveís em outros, sendo otipo de problema que se dirige à teoria da estrutura social da anomia.Desta maneira produz-se uma consolidação de interpretações "psicológi-ca" e "sociológica" dos padrões de comportamento observados, como aquê-les representados pelo ritualismo.

Nos estudos centralizados sôbre "a intolerância da ambigüidade" 47

encontram-se outros dados e idéias oportunas, focalizados sôbre a persc-nalídade, ao invés de o serem sôbre o desempenho de papel em tipos de-signados de situações. O que falta a tais estudos na sistemática incorpo-ração das variáveis e da dinâmica da estrutura social, é largamente com-

••

pensado pela sua caracterização detalhada dos componentes que presumi-velmeme entram nas reações ritualísticas a situações padronizadas e nãosómente na estrutura da personalidade rígida. Como foi dito num rápi-do e i:ecente balanço, os componentes de intolerância da ambigüidadeincluem: "indevida preferência pela simetria e familiaridade, pelos 'propó-sitos definidos e pela regularidade; tendência a soluções do tipo 'ou bran-co ou prêto', dicotomização simplificada, soluções do tipo 'um ou ou-tro' sem limites nem distinções, conclusão prematura, perseverança e es-tereotipia; tendência para a forma excessivamente 'boa' (isto é, excessivaPrdgnanz da organização de Gestalt), alcançada através da globalidade di-fusa ou pela superênfase nos detalhes concretos; compartimentalização,limitação do estímulo; tendência a evitar 8, incerteza mediante a reduçãonos significados, pela inacessibilidade à experiência, pela mecânica repe-tição das séries, ou mediante uma segmentação ao acaso, e uma absolu-tização daqueles aspectos da realidade que foram conservados". 48

A significação substantiva de cada um de tais Componentes não pode serobservada nesta lista compacta; os detalhes são encontrados em nume-rosas publicações. Porém, o que é evidente, mesmo observando-se a lista~presentada, é que o conceito da intolerância da ambigüidade se refere a"um excesso" de classes determinadas de percepção, atitudes e comporta-mento (corno é indicado por têrrnos tais como "indevida preferência","Simplificação excessiva", "não qualificada", "superêntass", e semelhan-tes), Contudo, as normas em cujos têrmos elas são Julgadas como "ex-cessivas", não precisam ser confinadas às normas estatísticas observadasem um agregado de personalidades sob observação, ou a normas de "ade-:quação funcional" estabelecida considerando os indivíduos em série eabstraindo-os de seus ambientes sociais. As normas também podem serderivadas das expectativas normativas padronizadas que prevalecem emcertos grupos, de modo que pelo primeiro conjunto de padrões o comporta-mento que possa ser considerado como "super-rigidez psicológica" pode, àsvêzes, ser considerado pelo segundo conjunto de padrões, como conformi-dade Social adaptatíva. Isto equivale apenas a dizer que embora haja pro-vàvelmsnts uma articulação entre o conceito de personalidades demasiadorígidas, e o conceito de comportamento ritualístico socialmente induzido,os dois estão longe de serem idênticos.

de habJlidade motora e aparentemente adapta-se bem a êste.. proceditnento de Imha-de-mon-taP."'J:1. Dentro de ses ou sete semanas, contudo, o observador nota que se desenvolveuinsidiosamente uma atteração no comportamento do animal. i;:le vem de boa vontade aoIaborutórío, mas, ao entrar. exibe uma - certa deliberação afetada, e suas reações condicio-nais são muitíssimo precisas. Parece estar procurando "fazer a coisa certa". Há algunsanos, nosso grupo começou a chamar tais animais de "perfeccionistas" ... Descobrhnosque no laboratôrio de Favlov era usada a expressão "comportamento formal", para carac-terizar tal conduta no cão.

Isto parece apresentar mais do que uma semelhança passageira ao quetemos descrito como "o síndrome do ritualista social" que "reage a umasituação na aparência ameaçadora e que excita a desconfiança agarran-no-se tanto mais estreitamente às rotinas seguras e às normas ínstítucío-nais." 45 E, na verdade, ~dell prossegue para relatar que "aquilo que po-eternos deduzir como sendo o comportamento similar no homem, sob cir-cunstâncias ameaçadoras, vai ser encontrado na descrição de .1\1ir,~...y.:M@Z. acerca dos seis estágios do mêdo humano [o primeiro vem descritoa seguir]:

~,.. "i

Prudência e a automoderação: Observado exteriorrriente, o paciente pz.rece ser mortes-to, prudente e sem pretensões. Por meio de automoderação voluntária, êle limita seus obje-tivos e ambições. e renuncia aos prazeres que acarretam risco OU exíbíção. O indivíduoem tal estágio. já está sob a influência inibitória do médo. Reage escapando profí làttca-mente da situação que se aproxima. Introspectivarncnte, o paciente ainda não se achaconsciente de estar com mêdo. Ao contrário, está até um tanto auto-satisfeito e orgulhosoporque se considera dota-do de maior previsão que outros seres humanos. 46

Retraimento

.. o padrão de retraimento consiste no abandono substancial tanto dasmetas culturais anteriormente estimadas, como das práticas instítucíona.lizadas dírigídas a tais metas. Recentemente têm sido identificadas apro-ximações a êste tipo, entre o que tem sido descrito como "tamíjías emlrroblemas" - ou seja, aquêles que não vivem de acõrdo com as expectatí-

45,46.

Ca:,itulo VI dêste livro, às págs. 224-225.Emilio Mira y López, Psychia.try in \Var (Nova Iorque: Acaderny of Medícine. 19-13),citadopor Liddctl , on. de. 70.

4'1. Else Frenkel-Brunswik, "Intnlerance of ambiguity as an ernotional and perccptual ner-sonality vanablc" • .Iournal of Pcrsonality, 19411,18, 108·143; também T. W. Adorno eoutros, Th, Authoril<lrian l'crsonalôty (Nova Iorque : Harper & Brothers, 1950); Hi-chard Christie e Ma r ie .rahoda, edítóres, Studies tu the Scope and Met.hod of "Th eAuthoritarian Pe rs o.na.lity", (Glencoe: 'I'hc Free Press, 1954). 4" Else Frenkel-Brunswí k, em Christic e -Iahnda, cp. cit., 247.

:&-64 Robert K. li!erton Sociologia - Teoria e Estrutura 265

vas norrnatívas predominantes em seu ambiente social. 49 Provas adicio-nais dêste modo de reação são encontradas entre trabalhadores que de-senvolvem um estado de passividade psíquico em reação a alguma dís-'cernível manifestação de anomia. 50

Contudo, de maneira geral, o retraimento parece ocorrer como reaçãoà ano mia aguda, envolvendo uma quebra abrupta da estrutura normati-va aceita P. familiar e das relações sociais estabelecidas, particularmentequando Ines parece, aos indivíduos sujeitos a ela, que a situação se pro-

[longará indefinidamente. Conforme .Durkheím observou com característi-. I ca penetração.ei tais rupturas podem -~~;-"encontradas na "aJ:)QIl1iadai.jprpsperidade",.quando a fortuna sorri e muitos indivíduos ascendem a.

!'.• ,,\~;.!.u!p_a__p.?~iÇ~r)__I]?,1,lit().s1.l'pe_riºr.à. queestavam .a,costumados e não apenas na.;!: "anomia_Q.a_<lepr.!!.S.~ªo':,. quando a Jortuna franze os sobrolhos e parece'.

ii : ';<Í'··;lJ'Jª.~tª.I:s~._-ºm::!Lª-em.Rre. Um estado anômi~o muito parecido surge comfreqüência naquelas situações bem definidas que "isentam" o indivíduo euma longa lista de obrigações inerentes ao seu papel como, por exemplo,

.~

no caso da "aposentadoria" imposta a pessoas sem o seu consentiment.oe no caso de viuvez. 52

Num estudo das pessoas viúvas e das que se aposentam de seus em-, .pregos, .Z.e.n.a..S~. Blau examina em pormenores as circunstâncias que fa- L;" > v

vorecern o retraimento, como sendo um dos diversos tipos de reação. 53

Conforme ela aponta, tanto a viúva como os "aposentados" perderam umpapel principal e, de alguma forma, experimentam um senso de isolamen-to. A autora acha que o retraimento tende a ocorrer mais amiúde entreviúvas e ViÚVOSisolados e prossegue relatando sua freqüência aindamaior entre mulheres viúvas do que entre os homens viúvos. O retrai-mento se manifesta em nostalgia do passado e apatia no presente: Osretraídos são ainda mais relutantes em entrar em novas relações sociaiscom outros. do que os que são descritos como "alienados", daí resultan-,do que tendem a continuar em sua condição apática.

Possivelmente porque o retraimento representa uma forma de com-portamento desviado não publicamente registrado nas estatísticas de con-tabilidade social, ao contrário do que aconteceu com outros desvios decomportamento tais como o crime e a delinqüência, e porque não têm omesmo efeito dramático e altamente visível sôbre o funcionamento de gru-pos como as violações da lei, tem havido a tendência de ser negligencia-do como assunto de estudos pelos sociólogos, quando não pelos psiquía-tras. No entanto,.o síndrome de,retr.ai!D:eIlt() .te!f1§i~o.l.<!.~º!g~c.ª<!()_g!cl-r§!Ilteséculos, e sob orótulo de acídia (ou sua variação, acídía [pregui-ça]) foi considerado pela Igreja Católica Romana como um dos peca-dos mortais. Tal como a indolência e o torpor, no qual "os poços doespírito secam", a acídía tem interessado os teólogos desde a Idade Mé-dia, e ocupado a atenção de literatos de ambos os sexos, pelo menos des-de o tempo de .Langland e.Chaucer, passando por ..~y;rton, até. AldousHuxley el}ebecca West . Inúmeros psiquiatras lidaram com a acídia naforma de apatia, melancolía, ou anedonía.es Mas é singular que os so-

. h,;/l.r€',. "" ·.h

_4

49 W. Baldarnus e Noel Timms, "The problem family: a sociological approach", BritishJournal of Sociology, 1955, 6, 318·327. Os autores concluem dizendo que "embora 0'traços individuais de estrutura da perscnaltdzde pareçam ter um efeito mais pode-rosa... do que era esperado, a evidência das crenças e orientações desviadas comouma determinante separada ainda é suficiente para merecer uma pesquisa mais elahoraoana natureza e importância ctêste fator. Assim pareceu que, com certas qualificações,os casos mais extremos de desorganízeção e ineficiência. em farrrílí a-problema aproxi-mavam-se de uma situação de retraimento ... : a conformidade com os valóres estahe-tecidos é virtualmente desprezada, especialmente com relação aos padrões de compor-tarnerito". Conforme tôdas as índlcaçôes, o retraimento parece ser mais freqüente entre

aquêles que estão no estrato social extremamente inferior, tal como foi descrito porW. Lloyd W&.rner e Paul S. Lunt, Tlle Social Life of a l\'Iodern Community (New Ha-ven: Yale University Press, 1941).

50. Ely Chinoy, Automobile Workers and the American Drearn (Nova Iorque: Doubleday &Co., 1955); ver sôbre êste ponto, a resenha do livro de Paul Meadows, American Su-ciological Revícw, 1955, 20, 624.Conforme observamos na primeira apresentação dos tipos de adaptação, êstes sereterem "ao comporta.mento de desempenho... não person z.lldade". Ev.de nt.emern e,não se deve concluir que a adaptação permaneça fixa. durante tôda a vida dos indiví-duos; ao contrário. há espaço para uma investigação sistemática a respeito dos ~)aw

drões de seqüência do papel que se desenvolvem sob determinadas condições. Porexemplo, o esfôrço de conformidade, pode ser seguido por uma adaptação r.tualísta,

e esta, por sua vez, por retraimento; outros tipos de seqüência. do papel também P0-dem ser identificados. Quanto a um interessante estudo que começa a tratar com asseqüências de adaptação de papel, ver Leonard Reíssmz.n , "Levels or aspiratíon andsocial class", Amerícan Sociological Review, 1953. 233-242.

51. Conforme acontece com a motor parte das introspecções acêrca do comportamento h-i-mano, esta havia sido evidentemente, "antecipada". Em Thc ',,"'ay of Ali Plesh , porexemplo, Samuel Butler nota: "A adversidade, se o homem é levado a ela gradual-mente, é mais suportável com eqüanimidade pela maior parte das pessoas, do quequalquer grande prosperidade alcançada numa vida inteira". (Capítulo V) A dife-rença. evidentemente, é que Du rkheim continuou a incorporar sua introspecção numconjunto ordenado de idéias teóricas, as quais êIe seguiu em suas conclusões; êste nãoera o "mé tíer" (oficio) de Butler, e êle prosseguiu, ao contrário, com 2..5 numerosasoutras int.rospecções sem conexão ao homem e à. sua sociedade.

<452. Aqui, novamente, o escritor percebe antecipadamente o que o cientista social irá exami.

nar, mais tarde, em seus detalhes e correlações. O ensaio clássico de Charles Larnb,acêrca de The Superannuated Man, descreve o sindrome de desorientação experírnen-t.,do por aquêles que são afastados da obrigação (função, desempenho) que os amarra-vam a uma escrivaninha, com tôdas as rotinas ínslpidas, mas inteiramente confortá-veis, que imprimiam ordem à sua existência diária. E êle prossegue, "recomendandomuito cuidado às pessoas que s.Jcançam idade avançada nos negócios ativos, para quenão abandonem levianamente seu emprêgo, sem avaliar previamente suas próprias pos-sibilidades em manter uma vida ativa, pois a passagem repentina e total à ociosidadepode SEr perigosa". Os grifos são nossos e foram colocados para chame-r a atenção stJ-brc O que Durkheim, Butler e Larnb consideram como a essência do assuuto: a mu-dança .epcn t.i na de st s.tus e de funçã-o.

53. Zena Smith Blau, 01d Age: A Study of Changc in Status, dissertação inédita de dou-toramento em sociologia, Columbia University, 1956.

54. Qtu:-:.ntoa alguns entre muitos relatos de acídía : Langland, Piers Plowman, e Chaucer,"Parsons T'ale"; Burton , Anatomy Or" Mclancholy; o ensaio de Aldous Huxley em ()ntheiHarginj Rebecca West, The TJtinking Reed, Ver também F. L. Wells, uSocial msaad-

••

Sociologia - Teoria e Estrutura 267

ri!

266 Robert K. M erton.

ciõlogos tenham dispensado pouca atenção a tal síndrome , No entanto,esta forma de comportamento desviado tem aparentemente seus antece-dentes sociais, assim como suas conseqüências sociais manifestas, e pode-mos aguardar maiores inquirições sociológicas sôbre a mesma, da es-pécie representada pelo recente estudo de Zena Blau.

Resta verificar se os tipos de apatia política e organizacional que ago-ra estão sendo investigados pelos cientistas sociais se relacionam às fôr-ças sociais que, segundo esta teoria, condícionam o comportamento deretraímento.ee Esta possibilidade tem sido enunciada nos seguinte"têrmos:

/'.,por subgrupos distintos numa sociedade, freqüentemente resultam numaumento de adesão às normas predominantes em cada subgrupo , É oconflito entre os valôres culturalmente aceitos e as dificuldades social-mente estruturadas em viver de acôrdo com êsses valôres, que exercepressão para os desvios de comportamento e o rompimento do sistemanormatívo . Contudo, o resultado da anomia pode ser apenas um prelú-dio para a formulação de novas normas, e é esta reação que temos descri-to como "rebelião", na tipologia da adaptação.

Quando a rebelião se limita a elementos relativamente pequenos e im-potentes numa comunidade, fornece um potencial para a formação desubgrupos, alienados do resto da comunidade porém unificados entre si .Êste padrão é exemplificado pelos adolescentes afastados da sociedade,oue se agrupam em turmas ou se integram num movimento de juventu-de .com uma .própría subcultura distintiva. 58 Esta reação à anomia tende,contudo, a ser instável, a menos que os novos grupos e normas sejamsuficientemente isolados do resto da sociedade que os rejeita.

Quando a rebelião se torna endêmica numa parte substancial da so-ciedade, proporciona um potencial para a revolução, a qual reformula tan-to a estrutura normativa quanto a social. É neste sentido que um recen-te estudo do papel mutável da burguesia da França no século XVIII am-plia, significativamente, a atual concepção da anomia. Esta ampliaçãoestá sucintamente expressa nos seguintes têrmos :5~

. .. a rejeição de normas e metas inclui o fenômeno da apatia cultural, com respeít-,aos padrões de conduta. Aspectos qualitativamente diferentes deste último estado sãodesignados em várias formas, por têrmos como indiferença, cinismo, fadiga moral, desen-canto, falta de •.feto, oportunismo. Um sinal destacado de apatia é a perda de interêssepor um alvo cultural anteriormente visado tal como ocorre quando um esrôrço contínua.do resulta em frustração persistente e na aparência inevitáveL A perda das metas tun-damentais da vida deixa o indivíduo num vácuo social, sem direção focal ou propósito. Ou.tra espécie crucial de aps.tía parece emergir, porém, de condições de grande complexidadenormativa, e/ou de rápidas mudanças, quando os indivíduos são empurrados numa evnou-tra direção mediante normas e objetivos numerosos e conflitantes, até ficarem literalmentedesorlentzdos e desmoralizados, incapazes de garantir um propósito firme em r-elação aum conjunto de normas que êles possam sentir como autoconsistente. Sob certas condições,ainda não compreendidas, o resultado é uma espécie de "demissão de responsabilidade";a perda de tôda conduta atinente a princfpíos, a f",lta de preocupação pela manutençãode uma comunidade moral. Parece que esta perda é uma. das condições básicas das quaisemergem ~guns tipos de totalitarismo político. O indivíduo renuncia à autonomia morale sujeita-se a uma dtsctplma externa.ss

~.

pelo mesmo prísms, as medidas a serem tomadas para reforma da sociedade, mas doponto de vista dos defensores de RockefeIler e da 'livre ernprêsa", êsse desacôrdo eratalvez menos importante que a prova da desconfiança para com o regime de livre emprêsae da alienação - particularmente nas camadas inferiores da ordem social - em relaçãoaos objetivos e padrões que proporcionavam base ideológica e segurança àquele regime.Para êstes críticos, tais objetivos P. padrões não possuíam rnads legitimidade, não maispodiam servir para exigir lealdade; e com a lealdade rompida, como então poderiam osempresários: de negócios esperar confiantemente que fôsse mantida a rotina de ações creações que caracterizava a disciplina industrial? Porém o que estava emboscado nasdiatribes dos criticos era algo além d., diferença de opinião e a falta de satisfação. Se asatividades de um' empresário como Roclcefeller' eram funções de uma organização socialque era em si mesma causa do descontentamento - de pobreza e desemprêgo, seus criti-cas sustentavam então que aquela, organização social já não merecia ser apoiada e que os•jovens' já não mais entrariam nas fileiras dos que seguiram êsses padrões entre simesmos - poder-se-ia alcançar uma nova e melhor organização social. Isto era - oupoderia tornar-se - mais do que uma simples discussão; era um planejamento paraação. E como a ação tenderia a restringir a escopo e a liberdade de ação da iniciativaprivada, seus defensores na imprensa tinham que enfrentar o desafio. As lealdades em

perigo necessitavam de reafirmação, e cada nova. prova de que elas estavam em perigo,desde as greves de braços cruzados em Flint, até a legisla.ção do 'New Deal' em Was-hington imprimiam urgência à tarefa" _ Sigmund Diamond, The Reputation of theAmerican Businessman, 116-117.

58, Ver o estudo altamente instrutivo de Howard Becker, German Youth: Bond or Free(Londres: Routledge & Kegan Paul, 1946); S. N. Eisenstadt, From Generation to Gene-ration: Age Groups and Social Structnre (Glencoe: The Free Press, 1956) especialmenteO Capitulo VI.

.59. Elinor G. Barber, The Bourgeoisie in 18!h Century France (Prínceton : Princeton Uni-versity Press, 1955), 56.

Rebelião

Deve ter ficado claro que a teoria em exame considera o conflito en-tre os objetivos culturalmente definidos e as normas ínsütucíonaís comouma fonte de anomia, mas que não iguala o conflito de valôres com aanomía 57 Muito ao contrário: os conflitos entre as normas mantidas

justments: adaptative regresston", em Carl A. Murchison, ed., Handbook of Social Psycbc-logy, 869 e segs., e o trabalho citado de A. Meyerson. "Anhedonra", American Jonrna]of Psychiatry, 1922, 2, 97-103.

55. Cf. Bemard Barber,. 'Mass Apathy' and Volunlary Social Participa!ion in lhe UniledStates, tese inédita de doutoramento em sociologia, Harvard University, 1949; B. Za-wadski e Paul F. LazarsfeJd, "The psychological consequences or uriemployrnerrtv, Jonr.nal of Social Psychology, 1935, 6.

56. Robin M. Williams, Jr., Amerícan Society (Nova Iorque: A.. A. Knopf, 1950, 534-535.57. Tal como foi formulada de inicio, a teoria é evidentemente mais obscura que de costu-

me, sôbre êste ponto. No mínimo. esta conclusão parece estar indicada pelo fato deque dois _penetrantes estudos sugeriram que um conflito entre as normas foi equipa-rado com a ausência de norma (aspecto cultural da anornía). Ralph H. Tumer, "Va-lue confllct ín social disorganization", Sociology and Social Research, 1954, 38, 301.308;Ch rfstaarr Bay, The Freedom of Expressíon, manuscrito inédito, Capitulo !IL

Um sociólogo da história identificou os contornos de um processo de desencanta-mento com os objetivos culturais e os meios institucionais nos últimos anos da decadade 1930, nos Estados Unidos, ao registrar os comentários da imprensa sôbre a mortede John D. Roekefeljer-. Observou 61e: "É evidente que o. dissidentes não encaravam

~

::068 Robert K. M erton

Tem sido sugerido que... uma discrepância muito grande entre a expectativa da mo-obilidade e o atingimento real redundam num estado de anemia, o que vem a ser uma desin-tegração social parcial, refletindo o enfraquecimento das normas morais. A mesma desmorallzação também surgirá muito provàvelmente quando houver mobilidade de fato, desa-companhada de aprovação moral; foi com drscrepãncía de ambos os tipos que a burguesia.da França, no século XVIII, se viu confrontada numa extensão crescente, à medida queo século transcorria.

Inteiramente à parte do caso histórico particular que apontamos, istochama a atenção teórica para a concepção geral de que .a..anomíacncde ....!"~§!!I.1~?-..!..g~.c!.()i§,1J.p()l).c!e"~l)cT~p'âll~i3:~I!.t!~.~::;p'r()l?_ors,i5e.s..o.b..jetivª~~)!19:

)~m<ia<iesociale as defíníções culturais do direito moral (e da obriga-ção) de ascenª~, dentI:~ ..cl~,tl}.r!_-ªIl~~I!!ª-,llg(!~aLhierªrgtlicº. Até agora,temos examinado somente o tipo de discrepância em que a ascensão cul-turalmente valorizada é objetivamente restrita, podendo acontecer queisto seja histõricamente o tipo de exemplo mais freqüente. A díscrepân-cía correlativa, porém, como observa a )!Iª,-..1.3-ªrº~l." também produz gra-ves tensões no sistema. Em têrmos gerais, isto"pode ser identificado co-mo o tipo familiar, cada vez mais familiar para os norte-americanos, emque prevalecem ao mesmo tempo normas de casta e normas de classeaberta, numa sociedade, como uma ambivalência dela resultante em di-reção à classe de fato e à mobilidade de casta daqueles apontados pormuitos como membros de uma casta inferior. A fase de ,desmoralizaçãoque resulta de uma situação estrutural desta espécie é exemplificada nãosomente nas relações entre as raças nas várias partes dos Estados Uni-dos como num grande número de sociedades que foram colonizadas pe-lo Ocidente. Êstes fatos familiares parecem formar um todo, em têrmosde teoria sociológica, com os fatos referentes à burguesia do ancien ré-çime que a Dra. Barber colocou neste marco teórico. 60

ESTRUTURA SOCIAL EM TRANSIÇÃO E DESVIOSDE COMPORTAMENTO

Em têrrnos da teoria que estamos estudando, é claro que as pressõesdiferenciais do comportamento desviado continuarão a ser exerci das sô-bre certos grupos e estratos, apenas enquanto permanecer inalterada aestrutura da oportunidade e os objetivos culturais. Correlativamente, à.medida que ocorrerem mudanças significativas na estrutura dos obje-tivos, deveremos esperar mudanças correspondentes nos setores da po-pulação mais diretamente expostas a essas pressões.

60. Uma. vez que o interêsse imediato é a contribuição teórica, em lugar dos achados empí-ricos específicos, não resumo os materí.sas substantivos encontrados pela Dra. Barber.Estão resumidos em sua tentativa de conclusão. segundo a qual u10i o enrijamento desistema de classe que precipitou a alienação dêste segmento (médio) da burguesia,atastando-o da exíst.mte estrutura, de classe, à qual se mantivera leal até a Revo.u-ção , Quando lhe negaram o direito de melhorar sua posição social, o burguês achouintolerável a tensão das moralidades conflitantes, de modo que passou •• rejeitar ín-telramente a desaprovação da mobilidade social", Ibid., 144.

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Bocioloqia - Teoria e Estrutura 25!l

Temos tido freqüentes ocasiões de notar que as organizações crimi-nosas ("rackets") e as camarilhas políticas que lhe são às vêzes associa-odas, persistem por fôrça das funções sociais que realizam para váriaspartes da população sUbjacente, 3 qual constitui a clientela confessada einconfessada de ambos .61 portanto, seria de esperar que, à medida em'que se desenvolvem alternativas estruturais legítimas para desempenharestas funções, isto resultasse em mudanças substanciais na distribuiçãosocial do comportamento desviado É precisamente a tese desenvolvidapor=-l}anieLBf!!I.num trabalho analiticamente penetrante. 62

.J3~!Lobserva que "os quadrilheiros, de 'gangster mobsters' de modo ge-ral, eram imigrantes ou filhos de imigrantes e que o crime, na medida queC' padrão demonstrou, era um caminho de acesso para uma posição socialna vida norte-americana". (142) E conforme foi observado freqüentementepor estudiosos sociológicos do assunto, cada nõvo grupo de imigrantespassava a ocupar o estrato social mais baixo, r,ecém-abandonado por um

,grupo imigratório que chegara anteriormente. Por exemplo, quando os ita-" líanos tinham a experiência de uma ou duas gerações de vida norte·ameri-cana, descobriam que "os caminhos mais evident.es na grande cidade, parachegar dos farrapos à riqueza, já estavam ocupados" pelos judeus e Irlan.deses. E conforme continua ~Il,

Excluidos da escada política _ nos primeiros anos da década de 1930 não havilà quasenenhum nome italiano entre os altos funcionários da municipal1da-de, nem nos livros doperíodo índícsdo se podem encontrar referências a líderes políticos de nome ita.liano - {e 1

encontrando êles poucas vias abertas à riqueza, alguns se voltaram para os meios ilicito3.Nas estatisticas dos tribunais de menores da década de 1l,30, o m••ior grupo de del in-quentes era de origem italiana. _. (146)

Foi O f:'x-camorrista, procurando respeitabilidade, diz ~~11_que "pro-porcionou um dos maiores apoios ao impulso de conquistar uma voz po..íítíca para os descendentes de italianos na estrutura de fôrças das má-quinas políticas urbanas". E uma decisiva mudança nas origens dos run-dos para as máquinas políticas urbanas proporcionou o contexto que ta-cilitava esta aliança entre os malfeitores ("racketeers") e organização po-lítica; pois os substanciais fundos que anteriormente vinham das gran-des emprêsas estavam sendo desviados das organizações políticas mu-nicipais para as nacionais. Uma dessas fontes substitutivas para o fi-nanciamento das organizações polítícas estava pronta e à mão, na "nova,e freqüentemente ganha ilegalmente, riqueza italiana. Isto é bem ilus-trado pela carreira de Costello e seu aparecimento como poder políticoem Nova Iorque. Aqui o motivo dominante foi a busca de uma entrada_ para si mesmo e para seu grupo étnico - nos círculos que governavam a

61. Ver a observação de Wllliam F. Whyte, citada no Capitulo III dêste livro (145) bem co-mo a discussão ulterior do delito como meio de mobilldade social, no Capitulo VI.

62. Da.niel Bell, t'Crime as an American way of Iífe", Thc Antiocb RevielV, verão de 1953,

131-154.

270 Robert K. Merton

C\.

grande cidade"· (147) No devido tempo e pela primeira vez, os descen-dentes de italianos chegaram a alcançar um grau substancial de influên-da na política municipal de Nova Iorque .

'1'\"\,,.$,> Em resumo, êstes são os têrmos em que BeJl traça "uma seqüên-\.. cia étnica distinta acêrca dos modos de obter riqueza ilícita". Embora

'I·J"'1>8 provas estejam ainda longe de ser adequadas, há alguma base para\'h concluir, conforme Bell o faz, de que "os homens de origem italiana apa-

receram na maior parte dos papéis principais no alto drama do jôgo edos sindicatos do crime, assim como há vinte anos os filhos dos judeus do

~'I Leste europeu eram figuras proeminentes no crime organizado, e antes~.,~.~·,.dêstes, os indivíduos de origem irlandesa estiveram em evidência".(l50-151)

Porém, com as mudanças na estrutura da oportunidade, "um cres-cente número de italianos nas profissões liberais e no comércio legítimo ...ao mesmo tempo estimula e perrrite ao grupo italiano de exercer influên-cia política crescente; e, cada VEOZ mais, são os membros das profissõesliberais e os homens de negcc.o que proporcionam modelos para a ju-ventude de origem italiana de hoje, modelos que mal existiam há vinteanos atrás".( 152-153)

Por fim e irônicamente, em vista da estreita ligação de Roosevelt comI>S grandes máquinas políticas urbanas, foi a mudança estrutural bási-ca na forma de prover benerícíos, através dos procedimentos racionali-zados do que alguns chamam "o estado do bem-estar social", que em gran-de parte iniciou o declínio da máquina política. Seria metafórico masessencialmente verdadeiro, dizer que foi o sistema da "previdência social"e a criação de bôlsas de estudo distribuídas mais ou menos burocrática-mente, que reduziu profundamente o poder da máquina política, mais queo assalto direto dos reformadores. Tal como Bell concluiu,

I

iCL.

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Com a racionalização e a absorção de algumas atividades üícítas dentro da estruturada economia, o desaparecimento de uma geração mais velha que havia estabelecido urr.ahegemonia sôbre o crime, a ascensão de grupos mmorítáríos a certas posições sociais e crompimento dos sistemas do chefe político urbano, o tipo de delito que vimos estudandoestá igualmente se desfazendo. O crime, evidentemente, permanecerá enquanto perrnane-cerem a paixão e o desejo de lucro; porém, o grande delito organizado das cidades, talcomo o conhecemos nos últimos setenta e cinco anos, baseava-se em motivos acima dêstesmóveis universais. Baseava-se nas característícas da economia dos grupos étnicos e da politica norte-senerícanos. As mudanças nessas áreas sígnificam que também o crime orga-nizado, como temos conhecido, está no fim. (154)

r)~

Não precisamos procurar outro fecho mais adequado, em têrrnos deanálise essencialmente estrutural e funcional, para esta revista das con ..tinuidades da análise da relação entre a estrutura social e a anomia. J:

Primeira edição em inglês .Décima primeira re impress ão em

Primeira edição ampliada em inglêsinglês .

1949

1967

1968

1964

1965

1970

Primeira edição em espanhol .

Segunda edição em espanhol .

Primeira edição em .português .

Título original

"SOCIAL THEORY AND SOCIAL STRUCTURE"

Capa

Wilson Tadei

© 1968 by Robert K. Merton1957 by The Free Press, A. Corporation1949 by The Free Press

Direitos reservados para os países de língua portuguêsa pela

EDITORA MESTRE JOURua Martíns Fontes, 99

São Paulo

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