mercado de trabalho para deficientes estÁ aquecido

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MERCADO DE TRABALHO PARA DEFICIENTES ESTÁ AQUECIDO No 2° Quadrimestre de 2010 foram admitidas 25.432 pessoas com deficiência e demitidas 23.263, com um saldo de 2.169 contratações. O asfalto é irregular e não há rampas de acesso para subir nas calçadas. Algumas são muito altas e Cláudio Ferreira pede ajuda para escalá-las. No restaurante por Quilo, a bancada para servir comida não é adaptada para quem tem deficiência, e a garçonete do local faz o prato dele. Na hora de pagar a conta, Claudio passa á frente de todos. É o único momento em que não enfrenta dificuldades e comenta: “Você só percebe como a cidade de São Paulo não é adaptada quando anda ao lado de um deficiente, não é mesmo?”. Cláudio Ferreira, 37 anos, anda de cadeira de rodas desde criança. Foi diagnosticado com paralisia infantil aos três meses de vida. Hoje é auxiliar da área de planejamento de vendas de uma empresa multinacional de grande porte. A empresa investiu muito dinheiro há dois anos para contratar pessoas com deficiência e Cláudio destaca a capacitação dada aos funcionários. “Além da infraestrutura que aos poucos foi sendo melhorada para receber deficientes, a empresa investiu pesado em aulas de capacitação, algo que não vi nas outras empresas que trabalhei”. A parceria com o SENAI durou dez meses e os candidatos que foram contratados tiverem aulas de diversas áreas como português, contabilidade e matemática financeira. Muitos que entraram com Cláudio, saíram pouco tempo depois. Ele acredita que a pessoa com deficiência não pode se colocar no papel de coitado, e por isso, avisou aos seus colegas na época do treinamento: “Aqui não é clínica de reabilitação, a empresa está investindo em nós e espera retorno”. O mercado de trabalho está aquecido para pessoas com deficiência. É o que mostram os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho. No primeiro quadrimestre de 2010, o estoque de pessoas com deficiência no mercado de trabalho somava 289.235 pessoas. Neste ano foram criados 2.811 novos postos de trabalho, um aumento de 0,97% em relação ao começo do ano. Somente no segundo quadrimestre de 2010, 2.169 vagas foram abertas, um aumento de mais 300% comparado ao primeiro quadrimestre de 2010. No mesmo período em 2009 foram 710 postos criados para pessoas com deficiência, ou seja, três vezes menos que neste ano. Em sua maioria, esses postos são ocupados por deficientes físicos num total de 1.272 trabalhadores. O setor que mais os empregou foi o de serviços, concentrando 1.072 vagas. A região que mais contratou é o sudeste com 1.936 postos, sendo São Paulo o maior absorvedor de mão - de - obra de pessoas com deficiência: 1.265 vagas. Em relação ao gênero, 55,5% são mulheres e a maioria tem entre 18 e 24 anos. O rendimento ficou numa média de um e meio salário mínimo e em relação á educação desses trabalhadores, o ensino médio foi concluído

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á grande demanda no mercado de trabalho por pessoas com deficiência

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MERCADO DE TRABALHO PARA DEFICIENTES ESTÁ AQUECIDO

No 2° Quadrimestre de 2010 foram admitidas 25.432 pessoas com deficiência e demitidas

23.263, com um saldo de 2.169 contratações.

O asfalto é irregular e não há rampas de acesso para subir nas calçadas. Algumas são

muito altas e Cláudio Ferreira pede ajuda para escalá-las. No restaurante por Quilo, a bancada

para servir comida não é adaptada para quem tem deficiência, e a garçonete do local faz o

prato dele. Na hora de pagar a conta, Claudio passa á frente de todos. É o único momento em

que não enfrenta dificuldades e comenta: “Você só percebe como a cidade de São Paulo não é

adaptada quando anda ao lado de um deficiente, não é mesmo?”.

Cláudio Ferreira, 37 anos, anda de cadeira de rodas desde criança. Foi diagnosticado

com paralisia infantil aos três meses de vida. Hoje é auxiliar da área de planejamento de

vendas de uma empresa multinacional de grande porte. A empresa investiu muito dinheiro há

dois anos para contratar pessoas com deficiência e Cláudio destaca a capacitação dada aos

funcionários. “Além da infraestrutura que aos poucos foi sendo melhorada para receber

deficientes, a empresa investiu pesado em aulas de capacitação, algo que não vi nas outras

empresas que trabalhei”. A parceria com o SENAI durou dez meses e os candidatos que foram

contratados tiverem aulas de diversas áreas como português, contabilidade e matemática

financeira. Muitos que entraram com Cláudio, saíram pouco tempo depois. Ele acredita que a

pessoa com deficiência não pode se colocar no papel de coitado, e por isso, avisou aos seus

colegas na época do treinamento: “Aqui não é clínica de reabilitação, a empresa está

investindo em nós e espera retorno”.

O mercado de trabalho está aquecido para pessoas com deficiência. É o que mostram

os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e da Rais (Relação Anual

de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho. No primeiro quadrimestre de 2010, o

estoque de pessoas com deficiência no mercado de trabalho somava 289.235 pessoas. Neste

ano foram criados 2.811 novos postos de trabalho, um aumento de 0,97% em relação ao

começo do ano. Somente no segundo quadrimestre de 2010, 2.169 vagas foram abertas, um

aumento de mais 300% comparado ao primeiro quadrimestre de 2010. No mesmo período em

2009 foram 710 postos criados para pessoas com deficiência, ou seja, três vezes menos que

neste ano.

Em sua maioria, esses postos são ocupados por deficientes físicos num total de 1.272

trabalhadores. O setor que mais os empregou foi o de serviços, concentrando 1.072 vagas. A

região que mais contratou é o sudeste com 1.936 postos, sendo São Paulo o maior absorvedor

de mão - de - obra de pessoas com deficiência: 1.265 vagas. Em relação ao gênero, 55,5% são

mulheres e a maioria tem entre 18 e 24 anos. O rendimento ficou numa média de um e meio

salário mínimo e em relação á educação desses trabalhadores, o ensino médio foi concluído

por 1948 deles, o que representa 70 % da amostra. O número de empresas que estão

contratando pessoas com deficiência aumentou nos últimos anos. Somente no Estado de São

Paulo, havia 8.743 empresas com deficientes em 2009 contra 12 em 2001.

A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho tem despertado

interesse das empresas. A pesquisa anual “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores

Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas”, realizada pelo Instituto Ethos em parceria com o

Ibope, mostra essa intenção. Em torno de 70% das empresas relatam promover políticas de

contratação de pessoas com deficiência frente á 32% admitido em 2003. Por outro lado, a

presença de deficientes representa apenas 1,5% do quadro funcional das empresas que

responderam o questionário, sendo 0,8% deficientes físicos. Ou seja, dos 614.462 funcionários

que trabalham nelas, apenas 9.080 são pessoas com deficiência. A pesquisa demonstra que as

empresas não estão cumprindo a lei de cotas nº 8.213/91, art. 93 que as obriga a empregarem

de 2% a 5% de deficientes de acordo com seu tamanho. Para Alex Vicintin, um dos fundadores

da Plura Consultoria, especializada em auxiliar empresas em todos os aspectos da contratação

de deficientes, a pesquisa não reflete a realidade. “As empresas estão tentando cumprir a

cota. Existe um aspecto de crescimento do negócio. Tenho um cliente que acabou de contratar

3000 funcionários. Empresas com grande número de colaboradores enfrentam dificuldade,

pois á medida que a empresa cresce, cresce a cota”.

Já Marinalva Cruz, coordenadora do Padef (Programa de Apoio ás Pessoas Portadoras

de Deficiência) da Sert (Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São

Paulo), acredita que é necessário esforço por parte das empresas. “Claro que quando a

empresa cresce, aumenta a cota. Mas se a empresa tiver esta consciência de responsabilidade

social, flexibilizar o perfil da vaga, tiver alguém para treinar, essa dificuldade diminui muito.

Quando a empresa conhece o potencial de pessoas com deficiência e possui acessibilidade ou

esta disposta a tê-la, é mais fácil cumprir a cota”.

A pesquisa também mostra que os presidentes estão cientes da realidade do número

de deficientes em suas empresas. A maioria afirmou que a proporção de pessoas com

deficiência em seu quadro de funcionários está abaixo do que deveria ser. A razão principal

seria a falta de qualificação desses profissionais segundo 73% dos presidentes. Este fato torna-

se contraditório com os dados do Caged. O consultor Alex Vicintin destaca esta incoerência:

“Os presidentes que responderam isso estão desinformados ou utilizam esta desculpa para

não contratar. Os deficientes perceberam que tinham que buscar qualificação com o aumento

de demanda por suas contratações. Hoje, no meu banco de dados, quase não encontro

pessoas com deficiência que não tenham ensino médio completo”. Ele ainda destaca a

responsabilidade das empresas com os funcionários. “Um dos papéis da empresa é formar o

colaborador. Se ele pode desenvolver um executivo, por que não pode fazer o mesmo com um

funcionário deficiente?”. A coordenadora do Padef, Marinalva Cruz, enfatiza que o problema

maior é a falta de informação da capacidade das pessoas com deficiência. “Dependendo da

área de atuação na empresa, faltam profissionais com deficiência qualificados. Porém, faltam

pessoas não deficientes capacitadas para os mesmos serviços”.

Paulo André da Cruz, 31 anos, trabalha na mesma empresa que Claudio Ferreira.

Paralítico desde os 18 anos, quando foi atingido acidentalmente por uma bala de fogo

disparada pelo primo, está há dois anos trabalhando no RH da empresa. Para ele, este

aquecimento do mercado de trabalho para os deficientes é artificial. “Esta demanda decorre

de uma pressão do governo. A maioria das empresas não está preparada para receber

deficientes que não têm mobilidade, que usam cadeira de rodas. Elas não possuem

infraestrutura”. Paulo destaca que muitas empresas só contratam para cumprir tabela de

cotas, mas não possuem plano de carreira. “Hoje o deficiente já se prepara mais, faz faculdade,

pós - graduação, para tentar concorrer de igual para igual. Isso é o que todo mundo quer. O

deficiente quer mostrar não somente para ele mesmo que ele pode, mas para outras pessoas

também”.

A principal barreira para absorver deficientes nas empresas continua sendo cultural.

“Muitas vezes é a atitude da pessoa ou do gestor que vai contratar. São idéias que engessam a

pessoa dentro de um modelo de pensamento, que não enxerga que uma pessoa com

deficiência possa desempenhar atividades da mesma forma que uma pessoa sem deficiência”,

constata Alex Vicintin, executivo da Plura Consultoria. No entanto, as empresas, ainda que por

obrigação, estão cada vez mais contratando deficientes para seu quadro de funcionários. Elas

estão num processo de visualizar essas pessoas como capital humano. Com toda esta demanda

para deficientes no mercado de trabalho, eles não estão permanecendo nas empresas.

Marinalva Cruz, coordenadora do Padef, destaca que todas as empresas que buscam o

padef para encontrar trabalhadores com deficiência para contratar, têm questionado sobre a

dificuldade de reter esses profissionais. “Como mercado está muito aquecido, há uma

infinidade de vagas para pessoas com deficiência. E se ela está numa empresa e vem outra e

cobre a oferta da onde ela está trabalhando, ela vai embora”. Outros fatores podem

influenciar também essa rotatividade segundo Marinalva. “Pode ser que na empresa onde a

pessoa se encontra não exista um plano de carreira ou auxílio para estudos como graduação.

Isso acontece também com pessoas sem deficiência. Há a possibilidade de ela não se sentir

integrada naquela empresa. E também tem o profissional que não corresponde ás expectativas

da empresa”.

A falta de experiência em construir uma carreira também pode ser um entrave para

permanecer mais tempo na mesma empresa. Claudio Ferreira relata que muitas empresas

ligaram para ele neste tempo que esteve trabalhando na multinacional na área de vendas. “A

maioria das propostas são para ganhar muito pouco, não vale á pena. Claro que ainda não

estou satisfeito com o que ganho, mas quero permanecer na empresa para conquistar posto

mais alto”. “As pessoas com deficiência não estão acostumadas com toda esta solicitação por

sua mão - de - obra e acabam não sabendo lidar com isto”. Alex Vicintin concorda com esta

situação. “Muitos estão pulando de empresa em empresa porque historicamente sempre

foram negadas pela família, sociedade, escola, mercado de trabalho, etc. De repente, eles se

veem extremamente valorizados. Isso sobe para cabeça. Muitos deles não sabem como lidar

com isso e acabam passando péssima impressão para a empresa e para o mercado. Esta

distorção de mercado somente o tempo irá sanar”.

Ainda que as empresas estejam fazendo sua parte, a presença do governo é muito

importante para incentivá-las a mudar de postura em relação ás pessoas com deficiência e

fiscalizar se a lei de cotas está sendo cumprida. O Espaço Cidadania divulgou em seu site a

fiscalização nesses 19 anos de existência da lei e seu cumprimento por estados. O Ceará sai na

frente com 13.295 pessoas inseridas no mercado de trabalho por ação fiscal, com um índice de

cumprimento da lei de 45%. O estado que menos segue a lei é Santa Catarina com 3% de

cumprimento. As multas aplicadas variam de um mínimo de R$ 1.329,18 ao máximo de R$

132.916,84. A Lei de Cotas é importante porque força a entrada de pessoas com deficiência no

mercado de trabalho. “É claro que o ideal não é contratar o deficiente e deixá-lo em casa como

muita empresa faz apenas para cumprir a lei, mas de qualquer forma ela está contratando”,

constata Paulo André da Cruz.

O governo parece ter delegado para iniciativa privada um dever que é dele segundo

Alex Vicintin. “A Lei de Cotas é um mecanismo de medida compensatória pelo que ele não fez

a vida inteira. Se colocar uma criança com deficiência na escola, não precisa de lei de cotas, é

automático da escola para o mercado de trabalho. O governo está fazendo alguma coisa

quando fiscaliza as empresas, forçando a entrada dessas pessoas no mercado de trabalho”. A

coordenadora do Padef, Marinalva Cruz, concorda com esta opinião. “Á medida que tiver

educação para estas pessoas, haverá mudança. Para isso é preciso começar pela acessibilidade

no transporte, poder circular nas ruas e calçadas. Profissionais de educação capacitados que

entendam as particularidades desses deficientes e mercado de trabalho e sociedade que

enxerguem suas capacidades”.

A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho mostra que houve

motivo para celebrar o dia 3 Dezembro, dia internacional do deficiente. Em São Paulo ocorreu

a 1ª Virada Inclusiva que reuniu, somente no Vale do Anhangabaú, 3.000 pessoas. A mudança

de comportamento por parte das empresas tem evoluído. Para Claudio Ferreira, melhorou

muito a situação do mercado de trabalho para as pessoas com deficiência nos últimos anos.

Ele exemplifica o caso de seu amigo. “Ele foi contratado e ficou um tempo em casa porque a

empresa não tinha banheiro adaptado. Hoje em dia é mais difícil isto acontecer. As empresas

estão se conscientizando da capacidade dos deficientes e estão refletindo sobre suas

necessidades antes de contratá-los”.