maurice duverger - ciência política - teoria e método

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CIÊNCIA POLÍTICA: Teoria e Método Política significa, para nós, elevação para a participação no poder ou para a influência na sua repartição, seja entre os Estados, seja no interior de um Estado, entre os grupos humanos que nele existem.” (Max Weber) É política, o estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e os grupos, da hierarquia de forças que se estabelecem no interior de todas as comunidades numerosas e complexas.” (Raymond Aron) Para uns, a ciência política é a “ciência do poder”; para outros, é a ciência do Estado. Na verdade, todas as definições de ciência política têm um ponto comum: giram em torno da noção de poder. A palavra poder designa, ao mesmo tempo, o grupo de governantes e a função que eles exercem. A ciência política aparece assim como a ciência dos governantes, dos chefes: estuda sua origem suas prerrogativas, extensão e os fundamentos da obediência. O poder é um fenômeno biológico. Por exemplo, os galos alinham-se para dormir em uma ordem constante que corresponde a diferentes graus de autoridade. É também um fenômeno de força, coação e coerção. Primeiro, coação física: em um banco de moleques ou de malfeitores, o mais musculoso torna-se, muitas vezes, o chefe. A polícia, o exército, as prisões, as torturas: toda essa máquina do Estado não é outra coisa senão uma transposição da coação física a uma escala de organização superior. Coação econômica em seguida. Aquele que pode privar um homem de comer obtém facilmente sua obediência. Quantos operários obedecem a seu patrão por esse motivo essencial? Marx fez uma análise em profundidade dessa coação econômica. Para ele, o poder político reflete a situação das classes sociais em luta; o poder está nas mãos da classe dominante sob o ponto de vista econômico. Outros tipos de coação são mais difíceis de descrever como a pressão social difusa (obediência aos pais) e a coação por enquadramento coletivo(partido comunista - organização por bases). A propaganda é um fator essencial do poder. Trata-se de uma coação psicológica, que tende a não ser sentida por aquele que a sofre, uma coação com anestesia. Pressão social difusa, enquadramento coletivo e propaganda estão em realidade nas fronteiras dos elementos materiais do poder e das crenças. Tendem a desenvolver as crenças, logo, a não serem mais sentidos como coação. A noção de legitimidade é uma das chaves do problema do poder. Em um dado grupo social, a maior parte dos homens acredita que o poder deve ter uma certa natureza, repousar sobre certos princípios, revestir uma certa forma, fundar-se sobre uma certa origem: é legítimo o poder que corresponde a essa crença dominante. Page 1 of 3 DUVERGER, Maurice 20/11/2009 http://www.lobbying.com.br/www_cpolitica/artigos/ciencia_politica.htm

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CIÊNCIA POLÍTICA: Teoria e Método

“Política significa, para nós, elevação para a participação no poder ou para a

influência na sua repartição, seja entre os Estados, seja no interior de um

Estado, entre os grupos humanos que nele existem.” (Max Weber)

“É política, o estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e os

grupos, da hierarquia de forças que se estabelecem no interior de todas as

comunidades numerosas e complexas.” (Raymond Aron)

Para uns, a ciência política é a “ciência do poder”; para outros, é a ciência do

Estado. Na verdade, todas as definições de ciência política têm um ponto comum: giram

em torno da noção de poder.

A palavra poder designa, ao mesmo tempo, o grupo de governantes e a função que

eles exercem. A ciência política aparece assim como a ciência dos governantes, dos

chefes: estuda sua origem suas prerrogativas, extensão e os fundamentos da obediência.

O poder é um fenômeno biológico. Por exemplo, os galos alinham-se para dormir

em uma ordem constante que corresponde a diferentes graus de autoridade. É também um

fenômeno de força, coação e coerção. Primeiro, coação física: em um banco de moleques

ou de malfeitores, o mais musculoso torna-se, muitas vezes, o chefe. A polícia, o exército,

as prisões, as torturas: toda essa máquina do Estado não é outra coisa senão uma

transposição da coação física a uma escala de organização superior.

Coação econômica em seguida. Aquele que pode privar um homem de comer

obtém facilmente sua obediência. Quantos operários obedecem a seu patrão por esse

motivo essencial? Marx fez uma análise em profundidade dessa coação econômica. Para

ele, o poder político reflete a situação das classes sociais em luta; o poder está nas mãos

da classe dominante sob o ponto de vista econômico.

Outros tipos de coação são mais difíceis de descrever como a pressão social difusa

(obediência aos pais) e a coação por enquadramento coletivo(partido comunista -

organização por bases).

A propaganda é um fator essencial do poder. Trata-se de uma coação psicológica,

que tende a não ser sentida por aquele que a sofre, uma coação com anestesia.

Pressão social difusa, enquadramento coletivo e propaganda estão em realidade

nas fronteiras dos elementos materiais do poder e das crenças. Tendem a desenvolver as

crenças, logo, a não serem mais sentidos como coação.

A noção de legitimidade é uma das chaves do problema do poder. Em um dado

grupo social, a maior parte dos homens acredita que o poder deve ter uma certa natureza,

repousar sobre certos princípios, revestir uma certa forma, fundar-se sobre uma certa

origem: é legítimo o poder que corresponde a essa crença dominante.

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No século XVII, na Europa, quase todo mundo considerava que o poder no Estado

devia pertencer a um homem saído de uma família real, por hereditariedade: a monarquia

era então legítima. Hoje em dia, a democracia é legítima.

Poder é diferente de consenso: consenso é a conformidade – mais ou menos

completa – que existe em uma dada sociedade sobre suas estruturas, hierarquia,

orientação, etc.: o acordo sobre a autoridade, o governo, o “poder”. Falar em consenso é

reconhecer que o poder repousa sobre as crenças, sobre a aceitação, sobre a

conformidade, falar de “poder” é admitir que o “consenso” não é espontâneo nem

automático e que a coação e a força desempenham também o seu papel.

Poder é diferente de dominação. Em primeiro lugar, a superioridade não é senão

uma fato material, enquanto o poder é também um fenômeno de crença. O poder é

reconhecido como poder; sua autoridade é admitida. Qualquer um pode insurgir-se contra

ele se não tiver a forma adequada, se não for legítimo. A dominação, no entanto, é

somente suportada: luta-se contra ele (é o fenômeno da competição, da concorrência),

espera-se destruí-la e chegar à igualdade, ou ainda reconstituí-la em seu proveito.

Muitas vezes quem possuí o domínio tenta alcançar o poder. Em sentido inverso, o

poder luta contra os indivíduos ou grupos em posição de domínio muito evidente, que o

ameaçam.

Desenvolvimento histórico da Ciência Política

O seu desenvolvimento está profundamente ligado à história das idéias e das

doutrinas: a noção de ciência objetiva só muito lentamente se desligou de conceitos éticos

e das crenças. A entrada da ciência política na Universidade não se fez no mesmo

momento em todos os países. Os Estados Unidos adiantaram-se a esse respeito, o que

explica seu progresso no domínio dos métodos de pesquisa.

Até o fim do século XIX não se tem consciência nítida de que a política seja objeto

de ciência: não se aplicam em seu estudo métodos rigorosamente científicos: ainda não há

uma ciência política no sentido preciso do termo.

Até o século XIX, os problemas políticos são estudados essencialmente sob o

ângulo moral. Procura-se estudar tal ou qual forma do poder, considerada “boa”, e

vilipendiar outro qualquer, julgada má. Não se estuda o poder objetivamente. Por outro

lado, o método de análise essencial é o raciocínio dedutivo, partindo de princípios a priori e

não da observação de fatos e da indução baseada nessa observação.

Pré- história da Ciência Política:

1) Aristóteles e o método de observação (século IV AC.)

2) Maquiavel e o método objetivo (escreve O Príncipe em 1513.)

3) Bodin e o desenvolvimento do método de observação (Da República 1576)

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4) Montesquieu e a observação sistemática.

Os fundadores da Ciência Política:

1) Alexis de Toqueville e a observação em profundidade (A Democracia na América -

1835 -1840)

2) Auguste Comte e o método positivo (Sistema de Política Positiva - 1822) utiliza os

mesmo métodos das ciências naturais (experiência e observação)

3) Karl Marx: uma nova cosmogonia

• A contribuição de Marx à ciência política é ter fornecido uma nova explicação geral dos

fenômenos do poder de Ter elaborado uma nova comogonia. Até ele, tinha-se uma

imagem do Estado e do poder mais ou menos derivada de Aristóteles e de

Montesquieu, no plano teórico, e de receitas de maquiavel, no plano político. Marx a

substituiu por uma imagem inteiro. A cosmogonia marxista faz do Estado e do poder

fenômenos de força, nos quais tenta definir os laços com as outras forças sociais,

econômicas e outras: o estudo do Estado e do poder é então orientado para a análise

dessas forças. Divide a sociedade entre base e superestrutura.

Desenvolvimento da Ciência Política no século XX

A Ciência Política começou a ser oficialmente reconhecida como disciplina

autônoma no fim do século XIX. Foi nos EUA que a Ciência Política foi reconhecida como

disciplina primeiramente.

Desde 1945, o desenvolvimento da Ciência Política se acelera, tomando sobretudo

um caráter internacional.

O fim do século XIX à Segunda Guerra Mundial caracteriza-se pelo

desenvolvimento desigual da ciência política. Em vários países, esforços são feitos para

dar lugar à ciência política nas estruturas universitárias. Fracassam em todos os lugares,

menos nos EUA. Daí o desenvolvimento que a Ciência Política tem nesse país entre as

duas guerras mundiais. Fonte: DUVERGER, Maurice. Ciência Política: Teoria e Método. 3ª edição, Rio de Janeiro: Zahar Editores,

1976.

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