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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências JOSÉ ALVES DE JESUS MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS: Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento) CAMPINAS SP 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Geociências

JOSÉ ALVES DE JESUS

MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:

Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)

CAMPINAS – SP

2019

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JOSÉ ALVES DE JESUS

MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:

Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE

GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE

ESTADUAL DE CAMPINAS, PARA

OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM

GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE

AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADOR: PROF. DR. LINDON FONSECA MATIAS

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO

ALUNO JOSÉ ALVES DE JESUS E

ORIENTADA PELO PROF. DR. LINDON

FONSECA MATIAS

CAMPINAS, SP

2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTOR: José Alves de Jesus

MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:

Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)

ORIENTADOR: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias

Aprovado em: 30 / 07 / 2019

EXAMINADORES:

Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias - Presidente

Prof. Dr. Rafael Straforini

Profª. Drª. Danúbia Caporusso Bargos

Profª. Drª. Sônia Maria Vanzella Castellar

Prof. Dr. Ederson do Nascimento

A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no

SIGA – Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria de Pós-graduação do IG.

Campinas, 30 de julho de 2019.

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Dedico o presente trabalho aos meus familiares:

Pais, sogro(a), irmãos, cunhado(a) e sobrinho(a)s.

Em especial à Jozinete (Jôse), Gabriel, Miguel e Clara.

Sigamos juntos na estrada da vida.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, a luz maior que nos guia e empresta a cada um de nós, as ferramentas

necessárias para que através do trabalho, dedicação e honestidade enfrentemos a vida neste

planeta. Compete a cada um a responsabilidade de fazer bom uso e devolvê-las posteriormente.

Ou, não acreditar em nada disto.

Aos meus pais, Maria Conceição (Dona Lé) e Laurentino Alves (Seu Nino) que me

orientaram com inestimáveis valores. Ao mesmo tempo, me proporcionaram a educação

necessária para que eu pudesse compreender aquilo que não compreendia e o que ainda não

compreendo.

À Jozinete (Jôse), minha esposa e doce alma gêmea preferida. Por onde você for,

quero ser seu par.

Aos meus filhos Gabriel, Miguel e Clara, com a esperança de um mundo melhor

onde impere: “amizade, caráter, respeito, alegria, bondade, amor” e justiça social.

Ao Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias, meu orientador, por lá no início de todo este

processo, acreditar no projeto desta pesquisa. Profissional sério, dedicado, atento a tudo e a

todos. Agradeço imensamente pelos questionamentos preciosos e instigantes.

À UNEB pela concessão da bolsa (PAC) de estudos de doutorado, de extrema

importância para a realização desta pesquisa. Aos colegas do DCH- Campus V em Santo

Antônio de Jesus, pelo projeto empreendido e as vivências da sua realização. Gratidão a todos

os professores(as) e funcionários(as) envolvidos(as).

À UNEB, DCH-Campus IV em Jacobina, pela convivência durante estes anos.

Aos professores do curso de Doutorado em Geografia do Instituto de Geociências

(IG/UNICAMP), pela oportunidade de aprendizagem desprendida no transcorrer do curso. Em

especial aos professores: Antônio Carlos Vitte, Claudete Vitte, Eduardo Marandola, Maria

Tereza Duarte Paes e Vicente Eudes Lemos.

Aos funcionários(as) da UNICAMP pela presteza e atenção em nos atender e

auxiliar-nos em nossas demandas. Em especial ao Maxlei e a turma de assistentes da Secretaria

da Pós-Graduação em Geografia.

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Às professoras Danúbia Caporusso Bargos (EEL/USP) e Tânia Seneme do Canto

(UNICAMP), pelas valiosas contribuições durante a banca examinadora de qualificação e, ao

professor Fabrício Gallo (IGCE/UNESP - Rio Claro), por suas considerações e indicações

durante a apresentação e avaliação do ainda projeto de pesquisa na disciplina Seminários.

À turma de graduandos, pós-graduandos e professores que compõem o GEOGET

(Geotecnologias Aplicadas à Gestão do Território), grupo de pesquisa conduzido

maestralmente pelo Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias.

Finalmente, agradeço todos aqueles que direta ou indiretamente

contribuíram/contribuem para esta árdua, frutífera e proveitosa caminhada de vida como eterno

aprendiz. Inclusive, aos que partiram antes e durante a realização desta etapa. Minha gratidão

eterna.

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“Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido.

Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? ”

(Milton Santos)

“Naquele momento, eu vi além de mim mesmo...

Humanos irão sempre escolher o que entendem,

e não, o que não entendem.”1

(Robert)2

“Só resisti porque nasci num pé-de-serra,

e quem vem da minha terra, resistência é profissão.”3

(Accioly Neto)

1 Do original na língua inglesa: “That was the moment, I saw beyond myself. Humans will always choose what

they understand over what they do not.” 2 Personagem no seriado Westworld. 3 Trecho da música “Avoante” do cantor, compositor e poeta Accioly Neto.

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RESUMO

MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:

Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)

Esta tese, sob a perspectiva da Geografia, realiza um estudo teórico e conceitual dos mapas online (no

contexto das geotecnologias e da informação geográfica instantânea), como elementos que contribuem

para a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica. Assim, apresenta uma construção e

reflexão teórico-epistemológica, em torno da Cartografia no seio da Geografia, a partir de conceitos e

categorias, para analisar e caracterizar o contexto sócio histórico e informacional em que se inserem os

mapas online, as geotecnologias e a informação geográfica instantânea, elementos indissociáveis e

centrais para a conformação de uma Cartografia Geográfica. A tese defendida é que os mapas online,

suportados pelas geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a emergência e

consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento). Demonstra que os mapas online, elementos

desta Cartografia Geográfica, alteram a forma como coletivamente produzimos, apropriamos,

relacionamos, ressignificamos e percebemos parcelas do território e dos territórios digitais em função

da instantaneidade da informação geográfica. Aponta para novas formas de raciocínio geográfico, do

rompimento com a rigidez dos suportes de representação cartográfica, e das relações de saber e poder

sobre quem de fato cartografa ou é cartografado nas mais diversas escalas.

Palavras-chaves: Mapas online. Geotecnologias. Informação geográfica. Cartografia Geográfica. Geografia.

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ABSTRACT

ON-LINE MAPS AND GEOTECHNOLOGIES:

Theorical fundations of/for a Geographic Cartography (in movement)

This thesis, from the perspective of geography, conducts a theoretical and conceptual study of online maps (in the

context of geotechnologies and instantaneous geographic information), as elements that contribute to the

emergence and consolidation of a geographic cartography. Thus, it presents a theoretical and epistemological

construction and reflection around Cartography within Geography, based on concepts and categories, to analyze

and characterize the socio-historical and informational context in which online maps, geotechnologies and

information are inserted. instantaneous geography, inseparable and central elements for the shaping of a

Geographic Cartography. The thesis defended is that online maps, supported by geotechnologies and instant

geographic information, contribute to the emergence and consolidation of a Geographic Cartography (in

movement). It demonstrates that online maps, elements of this Geographic Cartography, alter the way we

collectively produce, appropriate, relate, resignify and perceive portions of the territory and digital territories due

to the instantaneity of geographic information. It points to new forms of geographical reasoning, the breaking with

the rigidity of the cartographic representation supports, and the relations of knowledge and power over who

actually maps or is mapped at the most diverse scales.

Keywords: On-line maps. Geotechnologies. Geographic Information. Geographic Cartography. Geography.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O mapa nos campos geográfico e cartográfico ...................................................... 43

Figura 2 – Modelo de comunicação de Shannon e Weaver .................................................... 54

Figura 3 – Formação do campo comunicacional ..................................................................... 55

Figura 4 – Princípio básico da Comunicação Cartográfica ..................................................... 55

Figura 5 – Dimensões da Representação Gráfica na Semiologia ............................................ 57

Figura 6 – Esquemas de comunicação: Monossêmico x Polissêmico ..................................... 57

Figura 7 – Etapas da representação da visualização cartográfica............................................ 59

Figura 8 – Visualização – Tríade de Taylor ............................................................................ 60

Figura 9 – Modelo Cartografia³ de MacEachren ..................................................................... 61

Figura 10 – Cartografia Topográfica x Cartografia Temática ou Cartografia Geográfica ...... 67

Figura 11 – Campo cartográfico na contemporaneidade ......................................................... 71

Figura 12 – Estrutura do Sistema DNS ................................................................................... 95

Figura 13 – Restrições a redes sociais – Conflito eleitoral - Argélia .................................... 101

Figura 14 – Mapa de ataques cibernéticos entre ISP de países e empresas de tecnologia. ... 102

Figura 15 - Marcadores das cartografias: virtual (relativa) x convencional (absoluta) ......... 103

Figura 16 - Evolução do número de usuários internet no mundo entre os anos 1995 e 2000.

................................................................................................................................................ 106

Figura 17 - Relação usuários de internet x população mundial............................................. 109

Figura 18 - Principais indicadores de TIC por regiões (totais e taxas de penetração). ......... 110

Figura 19 - Eficiência energética (a), Convergência tecnológica (b) e Miniaturização (c). . 112

Figura 20 - Tipos de recepção GPS em redes móveis ........................................................... 116

Figura 21 – Google Maps – Mapa (online) de realidade argumentada ................................. 118

Figura 22 – Atividade de usuários conectados em rede social – Rio de Janeiro 24/02/2012 a

02/03/2012. ............................................................................................................................. 121

Figura 23 – Aplicativos e softwares embarcados. ................................................................. 123

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Figura 24 – Dimensão conceitual para uma tipologia do mapa online ................................. 140

Figura 25 – Tráfego diário de e-mail / Conta em redes sociais ............................................. 148

Figura 26 – Redes sociais em números de usuários .............................................................. 149

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LISTA DE ABREVIATURAS

A-GPS - Assisted Global Position System (Sistema de Posicionamento

Global Assistido)

ACI - International Cartographic Association (ICA) (Associação

Cartográfica Internacional)

API - Application Programming Interface (Interface de Programação

de Aplicativos)

ccTLD - country-code Top-Level Domain (Domínio de topo de código de

país)

CEP - Código de Endereçamento Postal

CI - Integrated Circuit (Circuito Integrado)

DDD - Discagem Direta à Distância

DGPS - Differential Global Positioning Systems (Sistema de

Posicionamento Global Diferencial)

DNS - Domain Name System (Sistema de Nomes de Domínio)

e-Mail - electronic Mail (Correio Eletrônico)

GLONASS - Global’naya Navigatsionnay Sputnikovaya Sistema (Sistema

Global de Navegação por Satélite)

GNSS - Global Navigation Satellite System (Sistemas de Navegação

Global por Satélite)

GPS - Global Position System (Sistema de Posicionamento Global)

gTLD - generic Top Level Domain (Domínio genérico de topo)

IoT - Internet of Things (Internet das Coisas)

IP - Internet Protocol Adress (Protocolo de Endereço Internet)

IPv4 - Internet Protocol Adress version 4 (Protocolo de Endereço

Internet versão 4)

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IPv6 - Internet Protocol Adress version 6 (Protocolo de Endereço

Internet versão 6)

ISP - Internet Service Provider (Provedor de serviço Internet)

MAC - Media Access Control (Controle de acesso de mídia)

MEMS - Microelectronic and Microelectromechanical Systems (Sistemas

Microeletrônicos e Micro eletromecânicos)

NAVSTAR - NAVigation System with Time And Ranging Global Positioning

System (Sistema de Navegação com variação de tempo por

Sistema de Posicionamento Global)

PC - Personal Computer (Computador pessoal)

RFID - Radio-frequency Identification (Identificação por Rádio

Frequência)

SIG - Sistemas de Informação Geográfica

SMS - Short Message Service (Serviço de Mensagens Curtas)

TICs - Tecnologias da Informação e da Comunicação

UAS - Unmanned Aircraft System (Sistema de Aeronave não tripulado)

UAVS - Unmanned Aircraft Vehicle System (Sistema de Veículo de

Aeronave não tripulado)

UCAV - Unmanned Combat Aircraft Vehicle (Veículo de Aeronave de

Combate não tripulado)

USGS - United States Geological Sourvey (Serviço Geológico dos

Estados Unidos)

VANT - Veículo Aéreo não Tripulado

Wi-Fi - Wireless Fidelity (Fidelidade sem fio)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17

1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLOGICOS ............................................... 30

1.1 Espaço geográfico, técnica e multiplicidade ................................................................... 33

1.2 Geografia, Cartografia e desconstrução ...................................................................... 43

1.2.1 Modos cartográficos ................................................................................................. 44

1.2.2. Um modo “dominante?” na contemporaneidade ..................................................... 49

1.2.3 A Cartografia moderna ............................................................................................. 51

1.2.4 A Cartografia contemporânea ................................................................................... 58

1.3 Uma interpretação da Cartografia para a Geografia........................................................ 65

1.4 Cartografia Geográfica: uma interpretação da Cartografia na Geografia ....................... 68

1.5 Multiplicidade, Técnica, Fluidez e Artificialidade .................................................... 72

2. A CARTOGRAFIA: ENTRE O CONVENCIONAL E A VIRTUALIZAÇÃO ..... 86

2.1 Cartografia: entre o convencional e a virtualização .................................................. 86

2.2 Reconfigurações: “Cartografias” do concreto e do abstrato ..................................... 89

3. GEOTECNOLOGIAS E INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA .................................... 107

3.1 Convergência tecnológica, eficiência energética e computação móvel ................. 107

3.2 Geotecnologias, objetos técnicos especializados e acurácia ................................... 113

3.3 Informação geográfica instantânea: uma onipresença cartográfica e posicional .. 117

3.4 Sincronicidade do tempo, informação geográfica e Mapa online .......................... 126

4. GEOGRAFIA, CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA E MAPAS ONLINE .............. 131

4.1 Mapas online: Um conceito/um caminho epistemológico em processo ................ 131

4.2 Mapas online: Fragmentação e fluidez...................................................................... 136

4.3 Mapas online e virtualização ...................................................................................... 141

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4.4 Informação geográfica (in)voluntária e controle social........................................... 145

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 157

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 160

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INTRODUÇÃO

A tese proposta neste trabalho é que os mapas online suportados pelas

geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a emergência e

consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento) que altera o saber e o fazer

cartográfico na contemporaneidade.

Nesta introdução, apresentamos alguns elementos desta reflexão, do caminho

percorrido, dos domínios do debate e seus debatedores. Não é o caminho em si, mas alguns

apontamentos para se compreender a caminhada.

Assim, é necessário apresentarmos alguns elementos desta construção em

torno dos mapas online e da cartografia no seio da Geografia. Ou seja, da Cartografia

Geográfica e dos elementos teóricos-metodológicos que ancoram esta interpretação.

Todavia, não é a caminhada, são referências do caminho realizado. Como afirma Santos

(1996, p.16),

Falar em objeto sem falar em método, pode ser apenas o anúncio de um

problema, sem, todavia, enuncia-lo. É indispensável uma preocupação

ontológica, um esforço interpretativo de dentro... [grifo do autor].

É esta preocupação que se fez presente ao longo deste trabalho, logo, seria

incompatível uma reflexão teórica em torno dos mapas online, elemento central no cerne

de uma teoria (Cartografia Geográfica)4, sem que apresentássemos os postulados e

fundamentos teóricos desta, os quais, lhes dão estabilidade e conformidade em relação a

uma teoria maior na Geografia que explica o seu objeto (o espaço geográfico).

Ao nos referirmos à Cartografia Geográfica, estamos falando da abordagem

teórica adotada para a interpretação da cartografia na Geografia. Não se trata de negação

ou separação de valores, mas de reconfiguração, no qual assinalamos, a mutação de uma

cartografia estática (fixa), em direção à uma cartografia virtualizada, fluida e dinâmica,

uma Cartografia Geográfica em seu movimento de transformação. Abordagem que

engloba, não somente o aspecto geométrico e técnico, mas sobretudo, a dimensão humana,

4 Enquanto estudo abrangente do ser (ontologia), de seus postulados, teorias e práticas e de sua validade teórica,

científica e cognitiva (epistemologia). Bem como, dos elementos empíricos que explicam a realidade ante a teoria.

Neste caso, nos referimos à construção teórica em torno de uma Cartografia Geográfica.

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na qual as geotecnologias, a informação geográfica5 instantânea6, e os mapas online, se

constituem como elementos centrais deste processo na contemporaneidade.

Analisamos que esta Cartografia Geográfica, em seu movimento de

transformação e reconfiguração no seio da Geografia, reconhece e possibilita a inserção

das práticas cartográficas das individualidades e coletividades, e de diferentes modos de

fazer e saber cartográficos não reconhecidos pelo padrão vigente. Aspectos abordados em

meio aos fundamentos teóricos-metodológicos presentes no primeiro capítulo e retomados

ao longo desta tese como partes indissociáveis.

Na contemporaneidade, grande parte da informação geográfica instantânea

vem sendo socialmente produzida de forma (in)voluntária, pelos indivíduos e as

coletividades conectados através das redes da Cibercultura. Como também, decorrente de

uma miríade de dispositivos e sensores eletrônicos interligados às redes telemáticas,

satélites de comunicação, Sensoriamento Remoto e a uma infinidade de Tecnologias da

Informação e da Comunicação, que provem, do mesmo modo, informação geográfica

(instantânea ou não) sobre os eventos naturais, os objetos técnicos e as pessoas, segundo

os interesses de inúmeros atores.

Na sociedade atual, marcada pela virtualização dos espaços, dos espaços de

virtualização, dos espaços artificializados, e pela fluidez das técnicas e dos sistemas

técnicos, a informação geográfica assume papel preponderante como mercadoria de troca,

impondo à Cartografia Geográfica novos desafios frente às antigas e recentes questões do

cotidiano.

Neste sentido, os mapas têm sofrido inúmeras transformações em decorrência

destas mudanças sociais provocadas pela disseminação das geotecnologias, das

Tecnologias da Informação e da Comunicação, e da mobilidade e portabilidade dos

dispositivos eletrônicos.

Os mapas, em todos os momentos da história, refletem de diversas formas, a

compreensão de mundo de cada sociedade que os elaborou/elabora em seus tempos-

5 A informação geográfica é aqui compreendida como toda informação, portadora de um sistema de coordenadas

(espacialização) que permita a sua localização espacial. Inclusive o que aqui denominamos de informação

geográfica instantânea. 6 Nos referimos à informação geográfica que é produzida e disseminada instantaneamente através das redes

eletrônicas e dos sistemas e tecnologias de informação e comunicação.

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espaço. São modos cartográficos (EDNEY, 1993) e discursos geográficos distintos que se

revelam com suas cosmologias ou formas de lidar com a interpretação da realidade.

Com assinala Santos, D. (2002, p. 25),

[...] a construção do discurso geográfico faz-se em torno de duas linguagens

intercomplementares: a cartográfica (que foi o ponto de partida da geometria e

que, hoje, numa reversão espetacular, tem nela sua base técnica) e o texto

discursivo propriamente dito.

Nesta perspectiva, a pesquisa realizada abraça a noção de espaço como

multiplicidade (MASSEY, 2008), e o reconhecimento de diversas trajetórias/discursos

cartográficos no tempo-espaço. Assim, temos a compreensão de um espaço geográfico

composto por uma variedade de espacialidades construídas em sociedade, assinalando a

diferença, a diversidade de modos e linguagens cartográficas e de sua valorização política.

Assim, apresentamos a existência de uma transição entre os mapas ditos

tradicionais e/ou convencionais – cujo suporte de representação estão baseados em

tecnologias físicas a exemplo do papel – e os mapas online, que enquanto mapas, portam

em sua conformação, a ressignificação de algumas características e elementos básicos do

mapa tradicional, ao mesmo tempo, aponta para novos suportes de representação e

relacionamentos cartográficos com outras tecnologias e/ou geotecnologias face a sua

virtualização.

Os suportes onde estes mapas são representados ou fazem-se representar

possibilitam sua fluidez e ubiquidade, seja nos ambientes virtuais (redes da Cibercultura),

nas redes telemáticas, nas telas de dispositivos móveis digitais ou em redes cartográficas

de comunicação e informação. Estes mapas requerem uma outra designação que os

diferenciem dos mapas considerados tradicionais/convencionais.

Neste trabalho eles são denominados de mapas online (em rede). Aqui

conceituados como representação visual ou virtual de mapas geoespaciais que porta uma

linguagem simbolizada, gráfica, textual, numérica, digital, simbólica e mecanismo ubíquo

de comunicação de informações da realidade geográfica para a compreensão, apreensão,

execução e análise das ações inter-humanas, de fenômenos e representações socioculturais

e de objetos técnicos através das redes telemáticas.7

7 Conceituação e discussão apresentada no quinto capítulo. Aqui adiantada como forma de embasar o leitor, dado

que os elementos teórico-epistemológicos e ontológicos necessários ao aprofundamento e entendimento da nossa

construção teórica em torno deste conceito ocorrem ao longo deste trabalho.

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Na atualidade, os mapas online tornam-se mais complexos e dinâmicos quando

comparados às tradicionais formas de representação cartográfica, e necessitam cada vez

mais, utilizar a representação das complexidades e heterogeneidades do mundo atual, que

envolve dizer alguma coisa sobre inúmeras questões relativas aos elementos naturais,

sistemas sociais, aspectos técnicos, urbanos e informações de uma miríade de dispositivos

e sensores eletroeletrônicos.

O desenvolvimento de novas geotecnologias tem possibilitado a criação de

sistemas e ambientes cartográficos dinâmicos e complexos, em função da instantaneidade

da informação geográfica, implicando inclusive, numa rediscussão sobre as formas de

cartografar, representar e de comunicar cartograficamente. Isto envolve questões

políticas, econômicas, sociais e cognitivas, impondo inúmeros desafios em função das

tensões de poder provocadas pelos diversos atores envolvidos neste processo.

Assim, nos referimos a uma instantaneidade e fluidez dos mapas online que

não é tão somente dinâmica nos suportes digitais e nas redes, mas em alguns casos, de

uma instantaneidade e simultaneidade dinâmica na apreensão da informação geográfica e

nos suportes de representação de fenômenos socioespaciais.

Esta complexidade em termos teóricos, práticos e representacionais que se

impõem, nos remete a um pensar e fazer dialético para além do metadiscurso cartográfico

instituído, porém, sem necessariamente abster-se dos instrumentos modernos da

cartografia de precisão e posicional, estes, também fundamentais e indissociáveis a

construção de uma Cartografia Geográfica que abarque a dimensão humana, ampliando

os sentidos e significados do fazer e saber cartográfico através dos mapas online.

Cartografar diz respeito à localização, do eu, do corpo, do sujeito, de sua

relação com o mundo, e principalmente com a sociedade. Se é pelo corpo e pelo pensar

que nós existimos, coletivamente e individualmente é pela cartografia que nos

localizamos, nos posicionamos num mundo cada vez mais conectado, móvel e complexo.

O mapa, a concretude de uma abstração, pensado como linguagem/discurso

geográfico nos traz a noção de técnica como extensão do corpo que se projeta no espaço.

Neste sentido, além da técnica, nos referimos a questões de ordem cognitiva, trazendo

para o debate elementos e noções da Teoria da Comunicação com suas interfaces na

Semiótica, Teoria da Modelização Matemática da Informação e da Teoria Social.

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Os mapas online emergem no contexto desta era da informação fundada nos

bits (NEGROPONTE, 1995), da onipresença do fenômeno técnico na sociedade

contemporânea (SANTOS, M., 1996), da convergência tecnológica e da penetrabilidade

das redes (CASTELLS, 1999), de uma métrica topológica, não-euclidiana, rizomática

(LÉVY, 1996) e da mobilidade que caracteriza uma computação “onipresente” , portanto,

ubíqua (WEISER, 1993) 8.

Com a convergência tecnológica, as mudanças no fazer cartográfico, são

decorrentes da consolidação de um conjunto de objetos técnicos, denominados

geotecnologias.

São aspectos que potencializam o movimento de transformação de uma

Cartografia Geográfica que abarca a dimensão humana. Assim sendo, a apropriação de

dispositivos eletrônicos e sensores pelos mais diversos atores sociais9 e das

geotecnologias embarcadas, possibilitam que a informação geográfica (instantânea)

adentre na dimensão da vida, dos desejos e dos hábitos sociais dos indivíduos e das

coletividades com a captura de informação social e (in)voluntária.

No nível cartográfico provoca mudanças em termos de poder e saber ou às

vezes reforça relações de dominação já solidificadas, em função da mobilidade,

conectividade e do compartilhamento instantâneo da informação geográfica,

estabelecendo relações espaciais das mais diferentes formas, com reflexos em todas as

instâncias da sociedade.

Nesta perspectiva, os mapas online que estão integrados às redes

informacionais, aos inúmeros dispositivos eletrônicos (inteligentes ou não), e às

ferramentas de análise dos ambientes empresariais, a exemplo do Google Maps e Google

Earth, parecem ainda distantes e alheios dos espaços formais de discussão na Geografia.

Se há uma lacuna sobre o uso das redes nos espaços formais da Geografia,

existe também, neste sentido, uma lacuna sobre o uso e apropriação das geotecnologias e

especificamente, dos mapas online pela sociedade (seja individual ou coletivamente),

pois, existem narrativas espaciais, inclusive no ciberespaço que são negligenciadas e

mascaradas sistematicamente pelas representações cartográficas hegemônicas, ou muitas

vezes, subtraídas pela própria Geografia.

8 A denominada Internet das Coisas é a manifestação material e imaterial desta ubiquidade que se manifesta através

da informação geográfica instantânea. 9 Nos referimos aos indivíduos, grupos, comunidades, organizações, etc.

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Entretanto, não há processo cartográfico fora das relações sociais, na medida

em que todo mapa é carregado de sentidos e desprovido de neutralidade, implicando

assim, uma rediscussão das relações de poder sobre este fazer e saber, que permita superar

esta perspectiva hegemônica da produção e das formas de representação do espaço como

assinalou Harley (1989; 1990; 1991; 2002), Harley e Woodward (1998) e Lacoste (2012

[1976]).

Se a cartografia enquanto ciência aplicada necessita desenvolver sua essência

não aplicada como defendeu Taylor (1994 [1991]), a Cartografia Geográfica, suscita à

Geografia uma reflexão teórica e prática, que possibilite uma abertura para o fim da

dicotomia entre o físico e o humano, entre humanistas e estruturalistas, entre objetividade

e subjetividade, dado a complexidade e interdependência dos fenômenos e ações que

atravessam a produção de um espaço geográfico cada vez mais artificializado.

Sobretudo, pede uma elaboração teórico-epistemológica sobre os sentidos e

possibilidades atribuídos ao uso que se faz destas geotecnologias na contemporaneidade. Que

permita enfrentar os desafios e as questões desta sociedade informacional, frente a este

processo de reconfiguração das espacialidades. Contribuição intrínseca que se apresenta

neste trabalho, com os limites que se apresentam, ao estabelecermos os mapas online - no

contexto das geotecnologias, e da informação geográfica -, como objeto de análise e ponto

de partida.

Há um certo desprendimento interpretativo em relação a algumas

compartimentalizações do discurso geográfico realizado por geógrafos, e posteriormente,

uma reinterpretação à luz desta tradição geográfica, contribuindo para ampliar os limites

do fazer cartográfico no campo da Geografia e de sua Cartografia Geográfica.

É uma reflexão eminentemente teórica que tem como ponto de entrada os

mapas online, uma análise que dialoga com a cartografia da Geografia e não de uma

cartografia para a Geografia. Esta, entre outras ciências, ao “obter” algumas respostas

provocadas por um movimento de renovação, é tomada novamente por uma

reinterpretação desta renovação.

Um caminho complexo, onde a elaboração teórica que ilumina o objeto de

estudo está intrinsicamente interligada à própria metodologia utilizada no percurso. É a

teoria quem dá visibilidade ao objeto, revelando-o em meio à obscuridade, significando-

o, explicando-o em meio à realidade, conduzindo-o aos esquemas abstratos com seus

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códigos, normas e procedimentos, condição essencial à cientificidade. Embora o objeto

anteceda a teoria, ela é parte do mesmo, pois, porta um viés metodológico, contudo, sem

heresias.

É nesta perspectiva de desconstrução do mapa (HARLEY, 1989), de uma

abordagem da cartografia com um amálgama de modos cartográficos (EDNEY, 1993) e

de espaço como multiplicidade de trajetórias (MASSEY, 2008) que apontamos a direção

do caminho trilhado nesta pesquisa.

Analisar os mapas online sob este prisma e, por conseguinte, o fazer

cartográfico, nos permite romper com a hierarquização, com a compartimentalização dos

saberes, dá visibilidade a outras formas de poder, de prioridade, de coletividade,

possibilitando a construção, ressignificação e/ou uma nova interpretação sobre o fazer e

o saber cartográfico, desprovido dos tradicionais controles ideológicos e de poder.

Todavia, este rompimento, não exclui os princípios básicos de uma cartografia

matematizada, posicional e de precisão, o quantitativo, pois, se assim fosse, o que se

apresenta tornar-se-ia o contraditório, não considerar-se-ia o movimento como um todo.

Dessa forma, a análise se realiza na perspectiva do modo cartográfico

cartesiano, mas não se atem a ele, embora, a base técnica da sociedade atual se apoie na

geometria. Entretanto, a construção do simbólico e do novo é resultado de um movimento

de transformação contínuo de fusão de trajetórias e ruptura de paradigmas.

O que está em questão não é apenas a forma como se representa, nem tampouco

a validade das heterogeneidades cartográficas, ou de uma disputa entre o quantitativo

versus o qualitativo, nem tampouco sobre o objetivo e o subjetivo, ou da “dissociação”

Cartografia versus Geografia, mas sim, de uma valorização política do espaço geográfico

por seus diversos atores, cujas inter-relações de poder e de saber implicam numa

reconfiguração cartográfica através de novos modos de representação, produção, interação

e comunicação deste processo em ambientes digitais.

Se estas questões por um lado, nos aproxima dos limites entre representação e

realidade, com uma série de implicações de ordem: cognitiva, cibernética, neurológica,

filosófica, epistemológica, matemática, sociológica, etc. Por outro, nos revela uma maior

aproximação entre Cartografia Geográfica (em movimento), o mapa online, informação

geográfica instantânea, geotecnologias embarcadas e “novas” formas de apropriação do

espaço na sociedade informacional.

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Isto se dá, por acreditarmos num posicionamento geográfico fundado numa

dialética voltada para a complexidade dos fenômenos, onde as novas formas e

possibilidades de aplicação dos mapas online, não perpassam exclusivamente, pelos

ambientes formais e referendados pelo Estado ou pelos diversos atores existentes no

mercado da informação geográfica, mas, por todos os espaços onde transitam saberes,

conhecimentos e formas de poder que passiveis de serem retomados pelas coletividades

ou indivíduos, possam ser considerados cartografáveis no espaço geográfico, inclusive o

ciberespaço, com suas redes de agenciamentos e conexões (FOUCAULT, 1979;

DELEUZE e GUATTARI, 1997).

Esta é também, uma característica das novas mídias e das relações que

estabelecem com os mapas online, baseados num modelo econômico de sociedade

consumista, móvel, digital, flexível e interativa, onde a informação geográfica instantânea

assume papel preponderante no processo produtivo na contemporaneidade.

A relação do investigador com a realidade que estuda, faz com que a

construção da teoria se processe, a partir do próprio terreno. Implica, na análise da

realidade através do entendimento, da sistematização de ideias, da interpretação das

diversas linguagens e sistemas de referência diferentes numa relação dialética.

Temos ciência de que independente das proposições teórico-metodológicas

baseadas nas matrizes clássicas do pensamento geográfico (MOREIRA, 2015),

convencionalmente denominadas de positivismo lógico e/ou correntes positivistas, que

influenciaram/influenciam toda uma produção espacial e cartográfica considerada

“desprovida” de uma reflexão política (LACOSTE, 2012 [1976]), muitas vezes, com a

ausência de um discurso que englobe as dimensões humana, social e cultural , numa

relação dialética, conforme nos apresenta (LEFEBVRE, 1973; MATIAS, 1996; 2004).

Ou ainda, de dogmatismos que por vezes compartimentalizam seus lócus

epistemológicos, negando a reinterpretação dos seus postulados clássicos (VESENTINI,

2009), da refutação de autores que ao seu tempo e compreensão de mundo

possibilitaram/possibilitam “de certa maneira” pensar “uma ponte entre clássicos e

modernos” (SILVA, 1986, p. 106), serão na verdade, pesquisadores, professores, as

coletividades e as individualidades em suas práticas espaciais cotidianas, quem irão

construir ou negar os usos e sentidos sociais, econômicos e políticos para a aplicação

destas tecnologias ou, ao contrário, defender a manutenção de certos valores e esmaecer

outros, a partir de modelos definidos antecipadamente por alguém.

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Assim é também a escolha do caminho teórico-metodológico, com os seus

instrumentos, conceitos e posições para que a análise do mundo se realize pela

objetividade científica. Logo, não se pode argumentar a existência de um caminho

verdadeiro ou falso, assim como, visões de mundo certas e equivocadas .

A problemática apresentada em torno dos mapas online e da Cartografia

Geográfica em movimento, não pode ser entendida sem analisar seu contexto como parte

de um processo de criação, negação, superação e reconfiguração da Cartografia na

Geografia.

Este trabalho teve como meta principal realizar um estudo teórico-epistemológico

e conceitual para analisar como os mapas online, suportados por geotecnologias e informação

geográfica contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em

movimento).

Por essa razão, ao longo deste trabalho, cada capítulo colabora para responder a

seguinte questão: Como os mapas online, suportados por geotecnologias e informação

geográfica instantânea, contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia

Geográfica (em movimento)? Nossa tese é que: Os mapas online, suportados pelas

geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a emergência e

consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento).

Consideramos que o objeto de análise não trata de uma negação de valores, nem

do descarte dos princípios básicos da cartografia, mas sim, propõe uma releitura, um

reposicionamento na forma de tratamento do objeto frente a uma realidade complexa, traz uma

contribuição ao alargamento teórico epistemológico da práxis geográfica, dos sentidos e

possibilidades atribuídos ao uso que se faz destas geotecnologias na contemporaneidade.

Por conseguinte, provoca substancialmente possibilidades de transformação na

representação do espaço e de reapropriação histórica do fazer cartográfico pelas coletividades

e individualidades nas mais diversas escalas. Vislumbra a produção de novas formas de

representação da realidade, implicando em multifacetadas relações de poder e de saber

exercidos sobre a produção do espaço geográfico e consequentemente dos territórios, inclusive,

os territórios digitais (redes), possibilitando, um escape aos modelos formais e oficiais de

representação cartográfica e do uso da informação cartográfica.

Dentre os inúmeros pressupostos que justificaram a escolha e importância desta

proposta, elencamos aspectos básicos que lhe deram sustentação ao afirmarmos que:

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a) A representação do espaço através dos mapas online e do uso de geotecnologias

não deve estar condicionada exclusivamente a uma cartografia oficial e plana

que exclui e compartimentaliza saberes e dados de uma coletividade cada vez

mais conectada e móvel nesta sociedade informacional;

b) A inconteste existência de uma Voluntary Geographic Information

(GOODCHILD, 2007), e de uma cartografia virtual, a partir de dispositivos

eletrônicos, micro sensores, wearables computers, geotagging, softwares, e

geotecnologias que representam, interagem e conectam o mundo e suas

espacialidades por meio de plataformas cartográficas e colaboracionais online,

alterando sensivelmente a percepção e relação com a realidade, implicando na

criação de novas formas de interação, aprendizagem e de relacionamentos sócio

espaciais;

c) A necessidade de contribuições para um aporte teórico epistemológico que

permita fomentar métodos e técnicas para descobrir, revelar ou dar novas

visibilidades e significados às potencialidades de interação entre os mapas

online, as geotecnologias, as coletividades conectadas produzindo informação

geográfica (in)voluntária e da práxis geográfica frente à complexidade das redes;

d) A existência de uma lacuna teórica sobre a apropriação destes instrumentos em

meio à uma Cartografia Geográfica em movimento de transformação.

Estes aspectos nos permitem dizer que as informações contidas e representadas

pelos mapas online não existem sozinhos no espaço, fazem parte da produção deste, não podem

estar atreladas a uma concepção que nega, aprisiona e compartimentaliza os saberes: tão

importante quanto localizá-las é construir, participar, descobrir e representar a heterogeneidade

das relações entre os diversos dados e instâncias existentes na produção cartográfica do espaço

geográfico.

Isto permite o necessário distanciamento em relação a uma concepção que

compartimentaliza o conhecimento, da superação de uma postura baseada tão somente em

termos de hierarquizações e relações de poder. Consequentemente provoca uma reflexão sobre:

quem, e como cartografa, e, o que pode e deve ser cartografado.

Cartografar e representar o mundo são também formas de dominação, logo, se

estabelece a contradição, pois, o saber e o fazer cartográfico, retomada pelas individualidades

e coletividades, através do uso de geotecnologias, possibilitam a criação de novos produtos,

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como os mapas online em ambientes colaborativos ou em redes de comunicação e informação,

deslocando estas relações de poder, na medida em que este fazer cartográfico se reconfigura em

torno da informação geográfica instantânea e das inter-relações entre sujeitos, coletividades e

objetos técnicos especializados.

Por conseguinte, aponta-se o ponto de partida para uma cartografia de cunho

geográfico que proporcione um acesso/pensar diferenciado a cada grupo social considerando

suas necessidades em função das condições materiais, técnicas e socioculturais. Ao propormos

este estudo, não estamos apenas vislumbrando uma reconfiguração de uso e aplicação dos

mapas online na geografia e na cartografia, mas também, ainda que incipiente, colocando-os

numa outra dimensão, seja como aproximação entre ambas, seja como abertura. Esta, uma

busca teórica que seja compatível com o mundo tal qual ele se apresenta em meio às

transformações da sociedade e das condições técnico-científicas da contemporaneidade.

Teoricamente se aponta para novas e imprevistas direções com interações entre

inúmeros campos dos saberes, a exemplo das neurociências, da filosofia, da automação, da

cognição, da percepção comportamental, etc. Os mapas online trazem para a Cartografia

Geográfica novos significados em termos representacionais para a comunicação e a cognição

da realidade. Além disto, implica na substituição dos verticalismos da dominação e produção

cartográfica, por horizontalismos, onde a colaboração (in)voluntária implique em

multiplicidade na construção destas representações.

A pesquisa tratou de um estudo conceitual, teórico e epistemológico que analisou

como os mapas online contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia

Geográfica (em movimento) que altera o saber e o fazer cartográfico na contemporaneidade.

Como forma de balizar a construção desta tese, foram delimitados os seguintes

objetivos específicos:

a) Analisar e caracterizar o contexto sócio-histórico e técnico em que se inserem os mapas

online, as geotecnologias e a informação geográfica instantânea, que possibilitam

afirmar a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica;

b) Discutir a emergência de uma espacialidade cartográfica virtual, eletrônica e relacional

que através dos mapas online – suportados por geotecnologias e informação geográfica

instantânea –, trazem para o seio da Cartografia Geográfica, um conjunto de aportes

teóricos que evidenciam seu processo de transformação e reconfiguração na

contemporaneidade;

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c) Demonstrar que os mapas online, suportados pelas geotecnologias e informação

geográfica instantânea, a partir de dispositivos móveis, micro sensores e colaboração

(in)voluntária, alteram a forma como coletivamente produzimos, apropriamos,

relacionamos, ressignificamos e percebemos parcelas do espaço geográfico (territórios)

e dos territórios digitais em função da instantaneidade da informação geográfica e da

cartografia digital.

A estrutura da tese foi dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo,

denominado: “FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS”, apresentamos os

fundamentos da pesquisa realizada, como esforço interpretativo e construção teórica do objeto

de estudo. O ponto de partida é a Geografia. Realiza-se um resgate das concepções de tempo e

espaço na “modernidade” e de sua construção em torno de uma racionalidade técnica de base

geométrica, de suas implicações para o estabelecimento de uma concepção de espaço

geográfico como produto da sociedade.

Aborda a relação entre Cartografia e Geografia através de uma análise e do resgate

de sua história social como um entrelaçamento de trajetórias/modos cartográficos, da

hegemonia da narrativa cartográfica euclidiana que se reverte em base técnica da sociedade, do

corte epistemológico entre Cartografia e Geografia e dos desdobramentos teóricos e práticos

em relação aos limites e atribuições destes campos do saber; da Cartografia Geográfica e das

relações que estabelece com os mapas online.

No segundo capítulo, intitulado: “A CARTOGRAFIA: ENTRE O

CONVENCIONAL E A VIRTUALIZAÇÃO”, analisamos como a Internet ao articular uma

espacialidade eletrônica, virtualizada e relacional através das Tecnologias de Informação

e da Comunicação e das redes de Cibercultura, provocou uma redefinição das

territorialidades, das referências materiais e espaciais do espaço absoluto e da métrica.

Descreve a coexistência de duas métricas: uma baseada nas redes,

espacialidade eletrônica, fluida, virtual, topológica, não-euclidiana, heterogênea e

relacional, a cartografia virtual ou cartografia eletrônica virtual; a outra, a métrica baseada

no território absoluto, que se caracteriza por uma lógica topográfica, centrada nos fixos,

homogênea e euclidiana, a cartografia matematizada ou cartografia topográfica de base

euclidiana.

Ao adentrarmos no terceiro capítulo, denominado: “GEOGRAFIA E

INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA”, analisamos como a convergência tecnológica entre as

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geotecnologias, dispositivos móveis, as tecnologias de informação e da comunicação e

objetos técnicos especializados, articulam uma computação ubíqua, que possibilita através

das redes telemáticas10 e das redes da Cibercultura a disseminação de informação

geográfica instantânea, base para a elaboração de mapas online. Apresenta como os mapas

online suportados pelas geotecnologias e a informação geográfica (instantânea) alteram a

forma com individualmente e coletivamente nos comunicamos, produzimos e nos

apropriamos de parcelas de espaço (territórios).

No quarto capítulo “GEOGRAFIA, CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA E MAPAS

ONLINE”, aprofundamos a análise teórica em torno do mapa online, sua conceituação e

elementos que o diferenciam do mapa convencional. Portanto, discute o processo de

fragmentação do mapa, da sua fluidez em meio a uma virtualização da cartografia nas

redes da Cibercultura. Por último, retoma reflexões em nível teórico sobre as alterações

que os mapas online exercem sobre as práticas espaciais, suas implicações na

disseminação da informação geográfica instantânea advinda das coletividades, das

individualidades e dos objetos técnicos especializados, em meio a uma multiplicidade de

interações e inter-relações nos territórios e nas redes.

Por fim, apresentamos as Considerações finais, acerca dos principais resultados e

conclusões, suas contribuições, bem como, dos limites e das potencialidades desta tese.

Temos ciência das limitações que são peculiares a qualquer investigação científica,

já que as proposições apresentadas nesta tese não constituem um caminho único, mas sim, ponto

de partida para o aprofundamento e geração de novos conhecimentos. Trata-se de uma

interpretação – entre outras que possam vir a existir – a partir da Geografia, mas que não se

limita à esta. Coloca-se como contribuição para um debate em aberto e plural.

10 As redes telemáticas constituem um conjunto de serviços fornecidos pelas redes de telecomunicações.

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1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLOGICOS

Espaço e tempo estruturam o cenário da realidade que observamos. Todas as

ações humanas ocorrem no espaço durante um lapso de tempo. Por isto, filósofos e

cientistas há séculos confirmam, recusam ou reformulam enunciados que alteram nossa

percepção sobre a realidade cotidiana. Para Greene (2005), a percepção e o pensamento

são experiências internas dos seres humanos, mas não sabemos se elas refletem

verdadeiramente o mundo exterior. Portanto, a questão inerente à ciência em geral é: o

que é a realidade? Em que espaço moramos?

Espaço-tempo11 e matéria constituem o nosso mundo (realidade). Cada ciência,

atua num campo específico de interpretação da realidade, conforme seu objeto de

investigação. Embora sejam autônomas, as ciências não são independentes do saber geral,

constituem um conjunto, num movimento de inter-relações, que partilha dos mesmos

elementos (espaço-tempo e matéria) para compreender a realidade em sua totalidade.

Como estes elementos mutuamente se relacionam modificando suas partes, a

totalidade absorve ou modifica a condição anterior do conjunto, assim, a totalidade é

sempre mais do que o conjunto de seus elementos. Totalidade é aqui definida

conceitualmente como, a realidade em movimento.

A Geografia é uma ciência que tem como objeto de estudo o espaço

geográfico12. O ponto de partida desta pesquisa ancora-se na categoria espaço geográfico,

uma dimensão da totalidade social. Assim, procura-se compreender o processo de

redimensionamento da concepção de espaço no discurso geográfico, de sua relação

dialética com uma linguagem cartográfica matematizada (geometria13), e das relações que

estabelece com a Cartografia Geográfica, os mapas online, as geotecnologias e a

informação geográfica instantânea.

Convém destacar que o espaço não é a totalidade, ou uma totalidade, ele é

totalizável. Portanto, espaço é multiplicidade que é totalizável a si mesmo num dado

11 No século XVII Isaac Newton estabelece cientificamente que o espaço é real, tese rejeitada por Ernest Mach no

século XIX. Em 1905 (século XX), Albert Einstein, em sua Teoria da Relatividade Restrita ou Especial, refuta

Mach e reformula a proposição de Newton, estabelecendo uma indissociabilidade entre espaço e tempo (espaço-

tempo). Esta teoria ampliada em 1915, com a adição dos efeitos da gravitação, deu origem à noção de espaço-

tempo curvo, passando a ser denominada de Teoria da Relatividade Geral. Ver: (KUHN, 1994; GREENE, 2001;

2005). 12 Conceitualmente o espaço da física não é o espaço da Geografia. 13 Base de uma racionalidade técnica e científica, e parte de um discurso hegemônico na contemporaneidade.

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momento, objetivando totalizar o campo prático, porém, não é total. Ou no mesmo sentido,

uma totalidade em aberto, transversal, sempre em movimento, o real sempre por se

completar. Como afirma Massey (2008, p.29),

[...] precisamente porque o espaço, nesta interpretação, é um produto de

relações-entre, relações que estão, necessariamente, embutidas em práticas

materiais que devem ser efetivadas, ele está sempre no processo de fazer-se.

Jamais está acabado, nunca fechado.

A construção epistemológica do conceito de espaço a partir do século XVII,

está profundamente relacionada a desconstrução da cosmologia medieval e a gestação de

um método científico. Com isto, há um redimensionamento dos conceitos de tempo e

espaço, e uma divisão entre ciência e filosofia. A geometria analítica de Descartes base

científica desta transição, implicou na elaboração de uma geometria das formas e na

matematização da natureza.

O espaço torna-se um plano homogêneo formado por diferentes pontos, o

movimento através destes pontos é medido pelo tempo. Assim, o espaço é abstraído e

geometrizado, tornando-se controlável por intermédio de um sistema de coordenadas.

Inaugura-se um novo critério de verdade científica através da quantificação da realidade

e da divisão entre sujeito e objeto (LIVINGSTONE, 2010).

Esta racionalidade cartesiana influenciou as ideias de proporção e perspectiva

existentes na pintura renascentista, produzindo todo um ordenamento simbólico do

espaço. A obra Geografia Geral14 de Bernard Varenius, com suas elaborações de globos

e mapas à escala, é um exemplo de aplicação prática desta matematização, que conforma

uma cartografia matemática de base euclidiana. Para Vitte (2011, p. 29), “a geografia de

Varenius é produzida em um momento de crise da civilização e a reconfiguração de um

novo imaginário sobre a Terra e o mundo”.

O conceito de espaço, apresentado por Isaac Newton em Principia, torna-o

rigorosamente absoluto, naturalizado e homogêneo. Emerge um modo dominante de

ordenações simbólicas e de representação, onde o espaço é objeto de mensuração e

quantificação. Na Cartografia, isto se reflete através de: um sistema de coordenadas

geográficas espacialmente definidas, implicando numa objetividade associada a ideia de

14 A obra Geografia Geral de Bernard Varenius é considerada a primeira obra científica da Geografia. A geografia

astronômica (matemática) e a geografia física são os conteúdos principais em sua obra. Os cálculos matemáticos

e o método cartográfico desenvolvido por Varenius foram utilizados por Isaac Newton em Principia, para ajustar

a teoria da gravitação. Ver: Livingstone, (2010)

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“imparcialidade”; na elaboração de mapas considerados neutros; na criação de marcadores

espaciais que norteará as técnicas de mapeamento, no ordenamento das cidades, etc.

No século XVIII, Immanuel Kant, filósofo preocupado com o conhecimento

objetivo do mundo, apresenta sua concepção de espaço. Em Kant o espaço é a maneira

com a qual estabelecemos relações com os fatos exteriores a nós. O espaço não é oriundo

da experiência empírica, ele é um plano de extensão geométrica preexistente ao olhar

humano que se revela através da percepção. Assim, espaço e tempo são duas formas de

sensibilidade (KANT, 1999; MOREIRA, 2015).

O espaço somente existe em relação à sensibilidade do sujeito, somente este

pode tomar consciência dos objetos dispostos no espaço. A maneira como percebemos

aquilo que é exterior a nós, e dispostos em diferentes lugares, pressupõe, em princípio, a

noção de espaço. Desse modo, tudo aquilo que se coloca além de nós/“fora” de nós,

pressupõe uma representação do espaço (KANT, 1999).

Na Geografia em gestação do século XIX, o pensamento de Kant contribuiu

para a percepção do mundo físico através de uma rigorosa taxonomia das paisagens

(recortes paisagísticos), originando uma ampla corografia. Segundo Santos, D (2002), a

Geografia irá se utilizar da ideia de localização e distribuição advindas desta corografia

para aprimorar suas representações cartográficas, combinando o registro rigoroso da

percepção sensível com a precisão matemática do mapas.

A sistematização da ciência geográfica no século XIX15, “no formato de base

como a conhecemos, nasce das mãos de Kant” (MOREIRA, 2015, p. 13), sua influência

insere-se no contexto de estruturação de uma racionalidade científica, e de ascensão da

sociedade burguesa e industrial, que necessitava de uma linguagem geográfica voltada

para seus interesses expansionistas.

Santos, D (2002, p. 188), analisa que até o terceiro quarto do século XX, “[...]

o que se observou de comum entre as diversas correntes de pensamento foi a noção de

espaço como receptáculo e, portanto, condição a priori [grifo do autor] do fenomênico”.

Contudo, entre finais do século XVIII e início do século XIX a prática

científica que organizava o espaço segundo interesses econômicos e políticos e militares,

15Tomando como referência as contribuições de Ratzel, Humboldt, Ritter e Vidal de La Blache. Ver: Moreira

(2015, p. 13-48).

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provoca um esvaziamento da filosofia favorecendo uma problemática do tempo

(FOUCAULT, 1999, p. 18-19).

Em meio ao positivismo vigente e aos interesses expansionistas do Estado, o

tempo submete o espaço através de sua despolitização e desvalorização. Sobre o tempo,

Harvey (1989, p. 190), assinala que “[...] o progresso é seu objeto teórico, e o tempo

histórico, sua dimensão primária. Com efeito, o progresso implica na conquista do espaço,

a [...] aniquilação do espaço através do tempo”.

Neste contexto, a teoria social16 preocupou-se essencialmente com o progresso,

a modernização e as mudanças sociais. Houve um ofuscamento da dimensão espacial

(HARVEY, 1989; SOJA, 1993). No plano cartográfico, isto se revela com o discurso de

uma neutralidade do mapa.

1.1 Espaço geográfico, técnica e multiplicidade

O gradativo endeusamento da tecnociência e as transformações da sociedade

provocadas por uma dependência cada vez maior de um meio técnico científico e

informacional capitaneado pela acumulação capitalista em meados do século XX,

provocou uma intensificação do uso das técnicas e das tecnologias de informação e

comunicação sobre os territórios, acelerando o processo de artificialização e virtualização

da vida em sociedade.

Associado a isto, o surgimento de dinâmicas complexas, não-lineares e

imprevisíveis, induziu uma renovação17 de métodos em inúmeras áreas do conhecimento,

em especial, nas ciências humanas e sociais.

Na Geografia isto não foi diferente, há uma retomada do conceito de espaço

frente à denúncia de diminuição de sua importância em relação ao de tempo, trazendo uma

série de reflexões teóricas e interpretações sobre a relação homem e natureza.

Estas transformações da sociedade e do espaço mundial ocorridas entre as

décadas de 1950 e 1970, e as limitações da Geografia em responder aos questionamentos

realizados naquele momento acerca do seu objeto, significado e fundamentos filosóficos,

suscitaram movimentos de ruptura com o discurso geográfico clássico (MOREIRA, 2015).

16 Aqui, Harvey (1989, p. 190), refere-se às teorias sociais “que emanam das tradições teóricas de Marx, Weber,

Adam Smith e Marshall”. Estas privilegiam tipicamente em suas formulações o tempo”. 17 Inúmeros autores denominam este momento de “virada espacial”, “crise das racionalidades”, “movimento de

renovação”. Ver: Moreira (2015); Castells (1999).

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34

Neste cenário, o espaço deixa de ser receptáculo, e passa a ser concebido como

uma construção social, ou seja, que se efetiva na nossa relação com o mundo. Apresenta-

se uma economia política do espaço (HARVEY, 1984; 1989). O espaço, deixa de ser

entendido como algo fixo, e revela-se dinamizado por uma multiplicidade de produções e

práticas, onde a experiência de cada um no espaço, ao dar-lhe significado, transforma-o

em lugar18, construindo assim a identidade humana (CERTEAU, 1998; TUAN, 2013

[1977]). Em meio a esta diversidade de interpretações teóricas em torno do espaço, há

majoritariamente uma preocupação com o social.

O conceito de espaço geográfico (enquanto produção do espaço), deriva de um

conjunto de contribuições internas e externas à ciência geográfica, que através dos

movimentos de renovação19, buscou sanar lacunas teóricas como respostas aos

questionamentos existentes em meio às transformações e permanências pelas quais

passavam a sociedade.

A renovação interna que se estabelece na Geografia na década de 1970, traz

diversos aportes à esta reconstrução teórico-epistemológica, com reflexões20 que

permitiram ao pensamento geográfico descortinar novos caminhos, inclusive, na

consolidação do seu objeto de análise: o espaço geográfico.

No nível externo, podemos destacar a influência do marxismo sobre a

geografia franco-anglo-americana (SANTOS, M., 1978; SOJA, 1993; MOREIRA, 2015)21

a partir de reinterpretações das ideias de Karl Marx - em especial, da crítica à economia

política do espaço22. Logo, possibilitou acrescentar ao pensamento geográfico as bases de

uma crítica social sem reduzi-lo ao aspecto econômico, no contexto de uma economia

capitalista complexa e urbanizada na contemporaneidade (HARVEY, 1984; MOREIRA,

2015).

18 Tuan adota uma perspectiva fenomenológica de interpretação do espaço através uma experiência sensorial tendo

como referência o lugar. 19 Podemos destacar, por exemplo, a Geografia crítica e a Geografia teorética, Cf, Moreira, 2015, passim. 20 Dentre estas contribuições num contexto geográfico estão: David Harvey com o livro: A justiça social e a cidade,

publicado em 1973; Massimo Quaini em: Marxismo e geografia, de 1974; Yi-Fu Tuan com Topofilia de 1974;

Yves Lacoste com a publicação na França de A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra de

1976. Importante destacar neste cenário as reflexões das revistas Antipode (EUA) e Hérodote (França). 21 Santos (1978), numa revisão crítica da evolução da geografia, aponta a influência de alguns aspectos da obra de

Marx no pensamento de autores das matrizes clássicas do pensamento geográfico. O que denota afirmar que a

influência do marxismo na Geografia não é uma exclusividade deste movimento de renovação, ou que este foi

essencialmente marxista. Todavia, esta influência se acentua na Geografia crítica, mas ela em seu todo não é

marxista. 22 Marx (1996, p. 135-383). Livro primeiro, seções V à VII (O processo de acumulação do capital), vigésimo

segundo capítulo (Transformação de mais-valia em capital).

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35

Inserido em uma discussão mais ampla, envolvendo o existencialismo e o

estruturalismo, Lefebvre (1974), apresenta o conceito de produção do espaço. Suas

reflexões sobre o modo de reprodução da sociedade capitalista, ampliou o entendimento

das relações entre espacialidade e reprodução social.

As contribuições de Lefebvre (LEFEBVRE, 1973; 1974; 1995) permitiram a

superação de uma concepção clássica do espaço (lógica formal) por uma categoria de nível

abstrato: produção do espaço (lógica dialética). Espaço como produto da sociedade, que

intervém na reprodução desta, numa relação dialética.

Na sociedade capitalista, a produção do espaço tem por finalidade a

acumulação, que se perpetua através da reprodução das relações (sociais) de produção

(LEFEBVRE, 1973; 1995; HARVEY, 2005). Estas interpretações pós-marxistas tornam-

se portadoras de potência, enquanto possibilidade à elaboração de uma compreensão de

mundo e de transformação da sociedade, através do engajamento político e social de uma

Geografia que emerge renovada.

Provém deste cenário, a contribuição que a geografia em renovação traz para

o debate, com uma concepção de espaço geográfico centrado na noção de: produção do

espaço, concepção teórica e abstrata que transcende a Geografia e lhe permite pensar as

categorias de uma teoria geográfica do espaço. A noção de produção do espaço geográfico

na qual se fundamenta este trabalho, advém das contribuições de Lefebvre (1973; 1974;

1976; 1995), Harvey (1984; 1989; 2005), Soja (1993), Santos, M. (1978; 1985; 1996) e

Massey (2004; 2008).

Lefebvre (1974) - numa perspectiva fenomenológica -, apresenta um conceito

geral de espaço a partir das relações cotidianas, definindo-o como socialmente produzido

e intrinsecamente relacionado à “reprodução das relações (sociais) de produção”

(LEFEBVRE, 1976, p.34), que se manifestam dialeticamente através da prática espacial

(espaço percebido), das representações do espaço (espaço concebido) e dos espaços de

representação (espaço vivido).

Estas, as três dimensões do espaço social, que ante uma produção do espaço

de tendência homogeneizadora e totalizante, apresentam resistências a estas

determinações que se pretendem universais, gerando rupturas, pois, em cada lugar as

relações sociais tendem a fazer usos diferenciados destas normas, implicando em termos

políticos enquanto possibilidade de negação e ruptura destas relações de poder.

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36

Ao propor uma abordagem tripartite do espaço, compreendendo-o como:

absoluto, relativo e relacional, Harvey (1984) demonstra que podemos considerar de

forma individual ou simultânea o uso de cada uma destas três concepções, em função das

necessidades e das condições em que se dão as práticas humanas. A divisão tríplice da

forma como o espaço pode ser entendido não são excludentes, e permite pensá-lo numa

relação dialética.

O desenvolvimento tecnológico possibilitou a compressão do espaço pelo

tempo em função da velocidade dos deslocamentos, do domínio da representação

cartográfica e da informação. Na sociedade capitalista, a junção entre espaço-tempo e o

domínio sobre o dinheiro constitui uma considerável fonte de poder social (HARVEY,

1989)23.

Soja (1993)24, discute o conceito de espaço a partir da análise das contribuições

de diversos autores sobre o tema, demonstrando a pouca atenção dada ao conceito de

espaço em relação ao de tempo, apresentando sua dialética sócio espacial e, a

espacialidade enquanto espaço socialmente produzido (social, físico e mental) numa

aproximação com a concepção de Lefebvre (1976).

Utilizando-se da técnica para a construção de uma epistemologia do espaço

geográfico, Santos, M. (1996, p. 51) traz contribuições para um debate ontológico ao

defini-lo como um híbrido formado por “[...] um conjunto indissociável, solidário e

também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados

isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”.

Apesar de enfocar a contribuição das técnicas para o processo de dominação,

uso e produção do espaço, Santos, M. (1978; 1985; 1996) se refere a uma teoria geral do

espaço geográfico, onde a técnica – analisada em sua totalidade – enquanto fenômeno

técnico, assume uma centralidade, permitindo alcançar em meio à uma teoria social crítica

a noção de espaço geográfico e de território usado.

O autor não trata de nenhuma técnica específica, mas sim, do fenômeno técnico

enquanto conteúdo do espaço, e de sua manifestação no território, que se dá pela relação

entre o homem e a natureza, ou entre este e o meio geográfico, ao qual a técnica também

23 Contribuições apresentadas na referida obra nos capítulos 14 e 15, respectivamente: “Tempo e espaço como

fonte de poder social” e “O tempo e o espaço do projeto do Iluminismo”. 24 Grande parte de seus argumentos sobre espaço estão fundamentadas nas reflexões produzidas nas obras de Henri

Lefebvre e Michel Foucault.

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se integra enquanto constituinte. Esta ordem que se estabelece através da técnica resultou

da saída de um meio natural, passando a um meio técnico, e posteriormente, um meio

técnico-científico-informacional, caracterizado pelo momento atual onde a produção do

espaço, por intermédio dos territórios e das redes, se dá com uma forte presença das

ciências e das técnicas.

Para Santos, M. (1996), em cada época, se instala um novo conjunto de

instrumentos técnicos e normatizações. A aceitação destes instrumentos técnicos e sua

utilização por determinado grupo social implica numa reelaboração do conjunto de

instrumentos técnicos que atuam no território, consequentemente, na dinâmica de

produção do espaço. Logo, cada objeto técnico adquire um valor em função de um espaço

preexistente e do conjunto de objetos existentes, implicando numa determinação

ideológica do que vale e do que não vale. Nesta perspectiva, se os instrumentos técnicos

são objetivos em suas finalidades, as ações sobre estes implicam num ato político segundo

diversos interesses, estes, geralmente conflituosos.

Massey (2004; 2008), apresenta uma proposta alternativa25 para se pensar o

espaço e a espacialidade, considerando-o como: produto de inter-relações; como

possibilidade da existência da multiplicidade no sentido de pluralidade; e como estando

sempre em construção (Stories-so-far), sempre no processo de fazer-se. Portanto, o espaço

é totalizável num dado instante, porém não é total, é um processo sempre constante,

aberto, um cosmos.

A autora, parte do pressuposto de que há no mundo uma construção de inter-

relações, algumas estabelecidas, outras, porém, ainda na possibilidade de vir a ser e/ou

nunca serem constituídas (MASSEY, 2008). Assim, o espaço geográfico é um encontro

de diferentes trajetórias, duma multiplicidade de inter-relações.

[...] Primeiro, reconhecemos o espaço como produto das dificuldades e

complexidades, dos entrelaçamentos e dos não-entrelaçamentos de relações,

desde a imensidão do global até o intimamente pequeno [...]. Segundo,

compreendemos o espaço como a esfera da possibilidade da existência da

multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual

distintas trajetórias coexistem [...] Terceiro, reconhecemos o espaço como

estando sempre em construção. Precisamente porque o espaço, nesta

interpretação, é um produto de relações-entre, relações que estão,

necessariamente, embutidas em práticas materiais que devem ser efetivadas, ele

está sempre no processo de fazer-se, jamais está acabado, nunca está fechado

(MASSEY, 2008, p. 29).

25 Segundo a autora, um contraponto às construções do pensamento Ocidental - que ao longo de uma modernidade

ou até mesmo em meio à uma pós-modernidade - sempre teceu um quadro conceitual onde o espaço sempre esteve

atrelado a algo inerte, o estático, dotado de uma fixidez.

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Esta proposição implica que não há um fechamento totalizante do espaço, nem

uma integralidade de fenômenos, ao contrário, há uma abertura para o imprevisível, para

o novo, principalmente uma ampliação política das relações de poder e da possibilidade

de se fazer o futuro. O espaço, não é conhecido nem dado, é possibilidade de inter-

relações, a construção do que pode vir a ser do encontro de trajetórias diversas que

coexistem (multiplicidade) simultaneamente no espaço26.

A história do mundo não é uma sequência histórica narrada exclusivamente

por uma dada sociedade. É resultado do entrelaçamento destes diversos encontros (inter-

relações) com perspectivas variadas de entendimento e interpretação da realidade. Assim,

o futuro não está dado, nem condicionado a narrativas que se pretendem únicas

(hegemônicas), quando se considera a existência de uma multiplicidade de histórias

(trajetórias) em aberto (stories-so-far)27.

Pensar a noção de espaço geográfico, implica refletir sobre sua representação, o

mapa – na perspectiva de representação gráfica, meio de comunicação e linguagem cartográfica

portadora de um discurso.

Ao imaginar o espaço geográfico como um conjunto de espacialidades

socialmente construídas em suas múltiplas trajetórias, discursos e práticas materiais e

imateriais, veremos que ele não é uniforme. O espaço é heterogeneidade, diversidade. Na

contemporaneidade, o mesmo raciocínio se aplica ao modo cartográfico dominante, que

ao matematizar o espaço, transmite a concepção de um espaço homogêneo e naturalizado.

Entendemos que estas concepções, indicam o reconhecimento de uma

multiplicidade28 de espacialidades socialmente construídas com suas trajetórias cartográficas

em tempo-espaço distintos ou simultâneos.

Ao introduzir um novo conceito de mapa29 e um certo relativismo sobre a história

da produção cartográfica e, dos códigos de representação adotados por diversas sociedades,

Harley (1989; 1991; 1995), os recoloca numa aproximação com a dimensão “humana”, no

sentido de validar a diferença.

26 Para Massey (2008) Espaço e Multiplicidade são co-constitutivos, ou seja, um não existe sem o outro. 27 Na acepção de Massey (2008). 28 Multiplicidade na acepção de Massey (2004; 2008). 29 Que será apresentado ao longo deste capítulo.

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Até então, toda a teoria cartográfica ocidental estava fundada na busca pela

similitude dos mapas. A diferença constituía-se/constitui-se num vazio que tendia/tende a

apresentar territórios socialmente esvaziados.

A valorização do diferente traz à tona a diversidade, e coaduna-se com a noção de

espaço como multiplicidade se considerarmos que cada trajetória é portadora de um discurso,

uma história, por conseguinte de um modo cartográfico com suas interpretações internas e

interações externas. Assim, politicamente, assume-se a diferença como heterogeneidade.

Em Cartografia sem ‘progresso’30, Edney (1993, p. 54, tradução nossa) propõe

uma “interpretação da natureza da cartografia como prática”31 desprovida de “uma visão

linear e progressiva da história cartográfica”32, entende que a “cartografia deve ser vista

como um complexo amálgama de modos cartográficos, e não como um empreendimento

monolítico”33. O modo cartográfico compreende um conjunto de relações culturais, sociais e

tecnológicas que determinam suas métricas, práticas, interpretações internas e interações

externas.

Portanto, adotamos a noção de espaço advinda de Massey (2004; 2008),

interpretação que se coaduna com uma leitura desconstrucionista do mapa (HARLEY,

1989) e uma abordagem da cartografia como um amálgama de modos cartográficos

(EDNEY, 1993) e de uma sociedade informacional ou da informação com suas métricas

relativas e territórios-rede (LÉVY, 1996; CASTELLS, 1999; LÉVY, 2000).

Compreendemos que a proposição de espaço geográfico constituído por uma

materialidade cada vez mais fluida, conforme defende Massey (2004; 2008), nos permite

pensar uma dimensão política. Potência transformadora de uma compreensão heterogênea

e relacional de trajetória das sociedades e das espacialidades, permitindo uma abertura de

história(s) e de espaço onde nem todas as interconexões e justaposições estão completas.

Como afirma Massey (2008, p. 32): “Um espaço, então, que não é nem um recipiente para

identidades sempre-já constituídas nem um holismo completamente fechado” .

Ao defender uma alternativa política à tentativa de construção empírica e

simbólica de um espaço único de dominação que se vale das ciências, das técnicas e da

informação, associadas ao capital. Apontam-se as contradições de um projeto global e, a

30 Tradução nossa de: Cartography without ‘progress’. 31 Do original em inglês: “[...] interpretation of cartography's nature [...].” 32 Do original em inglês: “[...] a linear and progressive view of cartographic history. ” 33 Do original em inglês: “Cartography should be seen as a complex amalgam of cartographic modes rather than

as a monolithic enterprise.”

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possibilidade de utilização do sistema técnico atual à serviço dos homens, como uma

dentre outras formas de resistência de parcelas crescentes da humanidade, dos mais

distintos “lugares”.

Estas reflexões nos conduzem à compreensão da dinâmica da vida e das

práticas sociais cotidianas aceleradas pelas redes da cibercultura (LÉVY, 1996; 2000;

2001) em seus variados entrelaçamentos, onde as bases técnicas desta sociedade

informacional, marcada pela convergência tecnológica e penetrabilidades das redes

(CASTELLS, 1999), apontam possibilidades de emancipação das individualidades e

coletividades.

Lefebvre (2001), chama atenção para o uso político e ideológico do saber pelo

capitalismo que se vale de uma “ciência do espaço” empregando uma tecnocracia à serviço

da produção capitalista, inclusive, com o “anúncio” de um futuro, como se este estivesse

dado34.

Assim, as representações do espaço acabam sendo engendradas por

tecnociência35, onde as concepções espaciais e signos elaborados são revestidos de saber

e ideologia em função da apropriação realizada pelo mercado, se constituindo em espaço

de poder através de práticas sociais e políticas.

A lógica produtivista e a ideia de ciência que se impõe aos artefatos

tecnocientíficos não necessariamente deve ser considerada a única forma de racionalidade

possível. Granger (1994, p. 18), afirma que “a vulgarização de uma ideia onipresente da

ciência é capaz de induzir a atitudes perversas do próprio ponto de vista da ciência, diante

de fatos mal conhecidos ou inexplicados”.

As narrativas que compõem as histórias dos diversos agrupamentos e sociedades

humanas, evidenciam que o domínio do espaço geográfico ou de parcelas deste (territórios),

requerem a produção de conhecimentos e a representação de ideias que permitam compreendê-

lo. A substituição do espaço real por sua representação cartográfica em um suporte, deu a

concretude a abstração (Harley, 1991, p.3). Dessa forma, não é possível refletirmos sobre o

mapa sem nos remetermos a questão da técnica e do território.

34 Esta ideia de futuro dado, não é apenas uma construção das teorias liberais e do capitalismo moderno. Karl Marx

ao tratar das relações de produção, defendeu uma ideia de futuro com a ascensão do proletariado ao poder.

Proposição já superada por Lefebvre (1974; 1976) nas respectivas obras: La production de L’Espace (A Produção

do Espaço) e Espacio y política (Espaço e Política). 35 Granger, 1994, passim; Latour et al., 1998, passim .

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A elaboração de mapas para representar a realidade, ampliou não apenas a

capacidade intelectual e cognitiva do homem (PETCHENIK, 1977), mas também, um

refinamento do conhecimento, da elaboração de técnicas e controle sobre o território.

Esta concretude da abstração, o mapa, nos traz a noção de técnica como

reelaboração do pensamento e do trabalho humano sobre o território, pois, o mapa comunica

informações sobre o território, e evidentemente, origina-se da informação que dele precede. O

mapa como a concretude da abstração, significa linguagem/discurso (HARLEY, 1989; 1991;

LÉVY, 2000; MASSEY, 2008) e técnica como extensão do nosso corpo (LÉVY, 1996; 2000;

MCLUHAN, 2016 [1964]) que se projeta no território e nas redes (territórios-rede).

O primeiro aspecto, se refere a questões de ordem cognitiva, pois, o mapa

“representa uma manifestação do pensamento criativo” no que se refere “às consequências

sociais e psicológicas de desenhos e padrões acelerando processos ou padrões já existentes”

(MCLUHAN, 2016 [1964], p.22). Adentramos na Teoria da Comunicação, Teoria da

Modelização Matemática da Informação, da Teoria Social, na Semiologia e outras

contribuições para o processo cartográfico apresentadas mais à frente.

Segundo, diz respeito à ampliação da escala das ações humanas36, que se dá com a

introdução ou aceitação de uma técnica ou de um conjunto de técnicas sobre o território. Como

afirma Santos (1996) a técnica somente existe quando utilizada, portanto, cada técnica tem uma

história particular dentro de um território e contexto social que relativiza seu uso.

Na contemporaneidade, as redes da cibercultura expressam técnica e socialmente

esta reelaboração do pensamento e do trabalho humano, na qual se assentam os mapas online.

Para Lévy (2000, p. 130),

A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não

seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem

sobre as relações de poder, mas sobre a reunião de centros de interesses comuns. [...]

O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relação humana

desterritorializada, transversal, livre.

A interconexão é um dos princípios que orientam a Cibercultura e permeia as

Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) desta sociedade informacional, em rede.

Assim, o território perde/reelabora suas referências espaciais concretas com a emergência de

relações imateriais. Acentua-se uma preocupação com a dimensão espacial da sociedade em

meio aos processos de territorialização e desterritorialização.

36 Aspecto discutido no subitem 1.5, páginas 81 a 83.

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Castells (1999) apresenta os “espaço dos fluxos” em contraposição aos “espaço dos

lugares” onde território (Sociedade territorial) e rede (Sociedade em Rede) se opõem.

Haesbaert (2007), compreende que território e rede formam um binômio, a rede

pode ser tanto um elemento interno e fortalecedor do território, quanto um elemento que se

estende para além do território desestruturando-o.

Para Levy (1996), rede e território representam duas métricas distintas. O território

representado por uma lógica homogênea, euclidiana (matematizada) e topográfica, A rede,

representada por uma lógica fluida, não-euclidiana, topológica, de métrica relacional (das

redes).

Compreendemos que a cartografia matematizada (topográfica), base euclidiana,

assentada no território, e a cartografia eletrônica, virtualizada, topológica e não-euclidiana, das

redes de informação e comunicação, assinalam a emergência e consolidação de uma Cartografia

Geográfica (em movimento). Os mapas online, suportados por geotecnologias e informação

geográfica são seus contributos neste processo. Falamos de coexistência, heterogeneidade. O

movimento é de atualização, transformação.

O território é uma zona de controle em sua dimensão física, simbólica, jurídica,

material, cultural, social e eletrônica. Em termos materiais e simbólicos, são fronteiras

estabelecidas por forças econômicas, políticas culturais e subjetivas que demarcam relações de

saber e poder. O território rege a vida social, as relações culturais, as ordenações simbólicas

dos grupos, as espacialidades virtualizadas. (HAESBAERT, 2007). O território nesta

perspectiva é relacional.

A internet, ao estabelecer um espaço de comunicação global e dar voz às

individualidade e coletividades, reconfigura social e culturalmente as espacialidades.

Ainda que as ações humanas sejam dinâmicas e nem sempre palpáveis nas redes da

Cibercultura, elas se materializam em atos nos territórios (absoluto, social, cultural,

simbólico).

Na sociedade informacional, as técnicas são aperfeiçoadas como mecanismos de

expansão e controle da informação no território. As redes de Cibercultura, a linguagem, a

comunicação multidirecional e a reapropriação das técnicas pelas coletividades e

individualidades criam linhas de fugas que se estendem para além do controle do território

(físico ou digital), temos a desterritorialização.

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Apresentamos parte do caminho teórico-metodológico assumido neste trabalho

para, analisar como os mapas online suportados por geotecnologias e informação geográfica

instantânea contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em

movimento).

1.2 Geografia, Cartografia e desconstrução

O espaço assume importância central na configuração do objeto de estudo da

Cartografia e da Geografia. O raciocínio espacial é o objeto de estudo da Cartografia

(MACEACHREN, A.M., 1994), e o espaço, lócus de onde se levantam informações que

conformam seu “produto” final, o mapa. Na Geografia, a elaboração de mapas para representar

e comunicar informações sobre o espaço geográfico (seu objeto de estudo), é uma, entre outras

formas, de proceder sua análise.

Embora as finalidades e os objetos da Cartografia e da Geografia sejam distintos, o

mapa, é elemento de intercessão e de interesse comum à estas duas áreas do conhecimento

(figura 1). Neste aspecto, Cartografia e Geografia formam uma unidade indivisível.

Figura 1 – O mapa nos campos geográfico e cartográfico

Elaboração: o autor.

Compreendemos que se trata de abordagens distintas da natureza da teoria e da

prática cartográfica em torno do mapa. Na Cartografia, o mapa no contexto de uma

normatização técnica que objetiva a manutenção e o aprimoramento de um referencial

geodésico. Na Geografia, o mapa no contexto de metodologias de representação cartográfica

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que assume uma linguagem voltada para a cognição e elemento de discurso sobre o espaço

geográfico.

Esta segunda abordagem, assinala o caminho teórico-epistemológico que se coloca

para uma definição de Mapa, Cartografia e Cartografia Geográfica ao longo deste capítulo.

1.2.1 Modos cartográficos

Numa perspectiva histórica não progressista, a quase totalidade dos povos e

agrupamentos humanos, em seus diferentes tempo-espaço legaram representações

cartográficas. A elaboração de mapas para representar e comunicar informações sobre o espaço

(geográfico), confunde-se com a própria trajetória da humanidade e segundo Raisz (1969), é

mais antiga que a notação matemática e a invenção da escrita.

Em seu estágio mais elementar, a cartografia emerge da descrição de itinerários

rupestres e mapas construídos pelas sociedades primitivas. Estas, utilizando variadas técnicas,

artifícios de linguagem e recursos iconográficos, registraram informações sobre locais de caça,

rotas, guerras, acidentes geográficos, etc. Para tal, utilizaram uma infinidade de suportes, tais

como: argila, papiro, lajedos, pele de animais, rochedos e teto de cavernas. Elaborações que

trazem as noções de cognição e técnica.

Raisz (1969), apresenta elementos importantes sobre estas representações do

espaço elaboradas por diferentes populações: nômades; habitantes da antiga Babilônia; nativos

das Ilhas Marshall; chineses; astecas; entre outros.

Uma análise destas narrativas/modos37 cartográficos em suas respectivas trajetórias

e tempos-espaço apresenta usos distintos do mapa, conforme se organizam os interesses

econômicos, sociais, políticos e culturais de cada grupo/sociedade em sua

espacialidade/território. Para Edney (1993, p. 54), “Cada modo compreende um conjunto de

relações culturais, sociais e tecnológicas que determinam práticas cartográficas.”

Para Harley (1991), os mapas são construções sociais, carregadas de saberes e

juízos de valor, um instrumento de poder e desprovido de neutralidade. Como representação do

espaço, ele porta uma linguagem e um discurso. Analisemos alguns exemplos.

37 Na perspectiva apresentada por Edney (1993), de modos cartográficos entrelaçados e desprovidos de uma visão

linear e progressista da história da Cartografia.

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45

O mapa de Çatal Höyük, encontrado na cidade Anatólia38 de Çatalhöyük e datado

de 6.200 a.C., apresenta uma vista aérea da cidade com o traçado de ruas, casas e os dois picos

do vulcão Hasan Dağ ao fundo - fonte da obsidiana utilizada e comercializada por seus

habitantes (MEECE, 2006). Encontrado em local sagrado, este mapa foi elaborado como parte

de um ritual, “ ‘produto de momento’, sem a intenção de ser preservado após o cumprimento

do rito” (HARLEY, 1991).

Esculpido em placa de barro cozido e confeccionado por volta de 2.500 a.C., o mapa

de Ga-Sur - cidade ao norte da Babilônia39 -, representa o vale do Rio Eufrates, suas montanhas,

postos de observação, além de pontos cardeais. Numa interpretação contemporânea, verifica-se

uma cartografia preocupada com o controle do território.

Na China Pei Hsiu (223-271) d.C., estabelece fundamentos importantes para o

aprimoramento da cartografia, tais como: localização por quadrículas; escala; apontamentos de

altitude; orientação; e, aspectos sociais. Como assinala Harley e Woodward (1992, p.96,

tradução nossa),

Na cartografia chinesa não havia uma tendência de eliminar o valor humano nos

mapas ou minimizar sua presença. Assim, sua cartografia abrange não apenas as

técnicas numéricas, mas também o que agora seriam consideradas preocupações

humanísticas. O mapa aliava-se a número e texto. Os dois não se opunham – ambos

estavam associados a valor e poder [grifo nosso]40.

O Códice Xolotl41 dos astecas, são representações cartográficas híbridas,

manuscritos pictográficos que contam histórias onde os eventos estão interligados por

desenhos, rastros e linhas pontilhadas entre lugares. Os percursos ou itinerários são

interpretados conforme vão se localizando as pegadas e decodificando os signos dos lugares

(HARLEY e WOODWARD, 1998; MASSEY, 2008).

Estas representações cartográficas, apresentam informações minuciosas sobre as

transformações sociais, políticas, materiais e culturais num tempo-espaço de aproximadamente

quatrocentos anos da cultura Asteca.

O cadastro de terras agrícolas e os cálculos utilizados pelos egípcios para medir a

terras, controlar a produção e a cobrança de impostos no delta do Nilo (WOODWARD e

38 Situada na Península da Anatólia, atual Turquia. 39 Cidade ao norte da Babilônia, hoje sul de Bagdá, Iraque. 40 Do original em inglês: “In Chinese cartography there was no general tendency to eliminate human value from

maps or to minimize its presence. As a result, cartography in China encompassed not only numerical techniques,

but also what would now be considered humanistic concerns. The map allied itself with number and text. The two

were not opposed-both were associated with value and power”. 41 As primeiras descrições são do ano 1224.

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46

LEWIS, 1998), eram representações cartográficas híbridas sobre a dinâmica da produção e do

uso do território por seus habitantes, e parte de uma cosmologia associada aos deuses42.

Na Grécia antiga, Erastóstenes de Cirene (276-196 a.C.), a partir de informações

sobre os cálculos utilizados pelos egípcios para medir as terras agricultáveis, elaborou um

método de cálculo de circunferência da Terra (DICKS, 2008 [1960]), base para a elaboração

das projeções de mapas na geometria euclidiana.

Hiparco de Nicéia (169-125 a.C.), aprimora este método através de cálculos

astronômicos, possibilitando determinar com precisão: latitude e longitude; o cômputo da

equivalência entre distância e tempo na superfície terrestre (1 hora é igual a 15º de longitude);

direção dos polos celeste; e duração de rotação da Terra (DICKS, 2008 [1960]).

Na Grécia, século II a.C. Ptolomeu em Geographike Syntaxis (Síntese de

Geografia) elabora um mapa do mundo acompanhado de 26 mapas regionais com detalhes dos

continentes, formando um Atlas Universal. A síntese do conhecimento geográfico e

cartográfico elaborado na Grécia antiga se apresenta neste trabalho. Composto por oito

volumes, a obra apresenta princípios de cartografia, matemática, geografia e técnicas de

projeção de mapas (HARLEY e WOODWARD, 1987).

A Grécia se destaca com uma cartografia baseada na geometria euclidiana, ou seja,

uma cartografia matemática. Em princípios, século V a.C., ela ainda não é uma cartografia, e

sim, uma cosmografia, com deuses, mitos, etc. – que está associada à uma cosmologia (não há

separação). Cosmografia que apresenta uma valorização dos fenômenos da natureza. Não há

uma geografia grega, mais sim, um pensamento geográfico que vai explicar as diferenças

culturais no espaço conhecido, através de uma cartografia grega baseada em espacialidade e

não em espaço.

Durante o império Romano há uma valorização do conhecimento geográfico e dos

mapas43. Sua elaboração está direcionada para o caráter militarista e administrativo que

permeava a sociedade romana (RAISZ, 1969). Neste sentido, a cultura, as técnicas e a

cartografia adotada pelos romanos estavam associados ao imaginário das guerras de conquista.

Importava a objetividade militar e o conhecimento geográfico.

42 Ver: Harley e Woodward (1987). 43 Os mapas romanos eram denominados de Orbis Terrarum (“T” “O”).

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Com o declínio do Império Romano e sua consequente divisão44, observa-se uma

mudança de propósito no uso do mapa com a ascensão da Igreja ao poder na Europa. O

pensamento de Santo Agostinho (350-430) e sua filosofia/metafísica cristã, influenciou o

cristianismo e a filosofia ocidental durante toda “Idade Média”. Face ao domínio do imaginário

produzido pela Igreja, os mapas romanos (Orbis Terrarum, “T” “O”) são adaptados aos seus

interesses, passando a representar o mundo através de conceitos religiosos. Segundo Joly (1990,

p. 10),

Os mapas chamados “T” dentro do “O” mostravam uma Terra circular

simbolicamente dividida em três, como a Trindade, com dois braços de mar em T com

a Europa à esquerda, a África à direita e a Ásia acima, sede do Paraíso terrestre.

Na Europa do século XIII, o intercâmbio comercial com os árabes45 possibilitou a

introdução de fundamentos cartográficos euclidianos e da bússola, favorecendo o

aperfeiçoamento dos Portulanos.

Este aprimoramento da cartografia na Europa, produz gradativamente uma

normatização geométrica das representações cartográficas e o aperfeiçoamento dos cálculos

geodésicos. Contribuíram para isto, a geometria e a trigonometria árabe, possibilitando que

Mercator refundasse as bases de uma cartografia matemática, que tinha/tem como pilar a

geometria euclidiana.

Em 1569, Mercator publica Nova et aucta orbis terrae descriptio, revolucionando

a cartografia europeia ao desenvolver uma projeção cilíndrica do globo terrestre46 sobre uma

carta plana (HARLEY e WOODWARD, 1987; WOOD e FELS, 1992).

Estes exemplos, apresentam uma variedade de modos cartográficos em tempo-

espaço diferentes ou coetâneos, que tiveram ou não, a possibilidade de entrecruzamento de suas

linguagens cartográficas. Ao mesmo tempo, assinalam a importância e a finalidade do mapa e

da cartografia nestas sociedades. Para a China de 200 d.C. os mapas estavam associados a ideia

de valor e poder. Para os Astecas eram representações harmônicas de tempo e espaço que

narram as transformações da sociedade. No antigo Egito eram uma cosmologia associada aos

deuses, e entre outros aspectos, representações da dinâmica da produção, do uso do território e

44 O Império Romano foi dividido em Sacro Império Romano Germânico do Ocidente e Império Romano 45 Os árabes aperfeiçoaram a geometria euclidiana e a cartografia grega. O Califa al-Mamun, conhecido por

Alamune, do Império Romano do Oriente, em 827 resgata e manda traduzir as obras de Ptolomeu: Geographike

Syntaxis e o Almagesto. O matemático al-Khwarizmi entre outros, aperfeiçoam os conhecimentos matemáticos da

cartografia produzida na Grécia antiga, dando um novo impulso à cartografia árabe. Ver: Le Goff (1990), De

Certeau (1998); Harley e Woodward (1987). 46 Conhecida como Projeção de Mercator.

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do poder às margens do Rio Nilo. Na Europa até o século XIII, representações híbridas do

espaço, uma cosmologia divina.

Massey (2008), chama atenção para o fato de que, na contemporaneidade, o

pressuposto geral em torno dos mapas ocidentais, é de que eles são representações do espaço.

Entretanto, tanto os mapas astecas quanto os mapa-múndi europeus eram representações

combinadas de tempo e espaço

Em suas trajetórias, estes modos cartográficos revelam que a Cartografia não deve

ser compreendida no contexto de um projeto hegemônico, mas como um conjunto de interações

e mudanças que assinalam uma heterogeneidade de discursos sobre o espaço geográfico. Cada

um, conforme as condições técnicas, sociais e culturais de seus respectivos tempos-espaço.

Dessa forma, desconstrói-se esta naturalização da cartografia matematizada de base euclidiana.

Aproximar-se deste entendimento, revela que o modo cartográfico europeu entre os

séculos XIV e XVIII, ao disseminar uma cosmografia47 matematizada, buscou uma

naturalização das representações cartográficas euclidianas no contexto de uma concepção de

espaço num plano cartesiano. Consequentemente, destituiu gradativamente todo um conjunto

de concepções e de representações cartográficas do espaço que se valem de outros atributos, de

outras métricas e leituras da realidade.

Revela-se na contemporaneidade um modo cartográfico referendado pelas diversas

sociedades em seus múltiplos interesses e tomado como naturalizado. Ou seja, da Cartografia

e de uma narrativa cartográfica dominante, como parte de um contexto e condições técnicas

específicas desta contemporaneidade. Assim como, foram também as representações

cosmológicas do antigo Egito, Babilônia, Grécia e Roma, ou a cartografia chinesa e árabe.

Entretanto, na atualidade existe um diferencial. Para Santos, D. (2002), a geometria

gradativamente tornou-se a base técnica da sociedade, tornando-se parte de um projeto e de um

conjunto de técnicas que se articulam sobre o planeta, como em nenhum outro momento na

história da humanidade.

Ao considerarmos a história da Cartografia como um conjunto heterogêneo de

modos cartográficos, analisamos que no tempo-espaço de cada sociedade ou agrupamento

humano, as representações do espaço e as técnicas utilizadas para estes propósitos, estão

profundamente associadas aos interesses de quem as produz, das ressignificações que outros

grupos sociais lhes dão - sejam eles econômicos, culturais, sociais, míticos ou políticos.

47 Ainda não é uma cartografia, conforme apresentado anteriormente.

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O mapa e o modo cartográfico portam um discurso social, cultural, tecnológico ou

econômico. Assinalam sua relevância como linguagem social, instrumento de controle e poder

sobre os territórios e as redes48.

1.2.2. Um modo “dominante?” na contemporaneidade

Tendo como referência a história da narrativa cartográfica europeia e

especificamente da cartografia de base euclidiana, a partir do século XIII a elaboração de mapas

busca atender os interesses marítimos e comerciais dos Estados-modernos em formação. As

informações sobre novos territórios, tornaram-se instrumentos fundamentais para a geração de

conhecimentos que permitiram a manutenção do poder, o domínio dos mares, a consolidação

de sistemas econômicos49 e a submissão de vastas áreas do planeta às nações europeias a partir

do século XIV.

Entre os séculos XIV e XVIII começa a ser elaborada toda uma concepção científica

que desconstruirá a cosmologia medieval – em grande parte influenciada pelo pensamento de

Santo Agostinho50 .

A Epistemologia Tomista (de Tomás de Aquino51), que facultava o estudo da

natureza, possibilitou a gestação gradativa do método científico. Este, defendia a razão, o livre

pensamento e a experiência pessoal, em oposição à filosofia de Aquino (KUHN, 1994).

Como consequência, o antropocentrismo, a consolidação de um imaginário

eurocêntrico de dominação sobre enormes parcelas do planeta e, as disputas coloniais dos

estados-nações concernentes à lógica mercantilista/capitalista (LE GOFF, 1990), promoveram

um avanço da Cartografia com o aprimoramento técnico das representações cartográficas.

As técnicas de gravação e impressão de mapas aperfeiçoadas pela cultura

tipográfica (MCLUHAN, 1972) que se desenvolve na Europa naquele instante contribuíram

para a disseminação dos mapas entre navegadores, comerciantes e cientistas. Além disto, se

destacam as cosmografias, compilações de conhecimentos com mapas e gravuras referentes a

48 Aspecto analisado nos capítulos 2,3 e 4. 49 O Exclusivo Comercial Metropolitano no contexto do Mercantilismo, seguido pelo Capitalismo. Ver:

Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII: as estruturas do cotidiano, de Braudel (1997). 50 Agostinho de Hipona (354-430) teólogo da Igreja e filósofo. Cria uma filosofia/metafísica cristã derivada da

fusão do paganismo com a visão cristã no Ocidente. Ver: PESANHA, José de Américo Motta. “Santo Agostinho

(354-430) Vida e Obra” p. VI – XXIV in “Os Pensadores, Santo Agostinho” São Paulo: Abril Cultural 1980. 51 Tomás de Aquino (1225-1274) teólogo e filósofo, o pai da Epistemologia Tomista. Sua filosofia buscou uma

cristianização da ciência e da filosofia aristotélica. Ver.: Strathern, Paul. São Tomás de Aquino. Rio de Janeiro:

Zahar, 1998. ISBN 978-85-378-0579-4.

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aspectos naturais, geográficos, cartográficos, astronômicos, etc. Assim, cada vez mais, buscou-

se reproduzir e associar informações das intrincadas relações sociais com aquelas já existentes

sobre espaço natural.

Segundo Martinelli (2003b), até por volta de 1820 as representações cartográficas

não apresentavam informações quantitativas referentes aos aspectos sociais e econômicos,

grande parte do que se convencionou chamar de ciências humanas eram alheias à cartografia.

Até então, a cartografia era denominada Cosmografia, ou seja, uma astronomia

descritiva do universo e do mundo baseada em elementos da matemática, geografia, cartografia

e da natureza. Segundo Oliveira (1987, p. 84), o termo Cartografia foi criado pelo historiador

Francisco Carvalhosa em 1839, em correspondência dirigida ao historiador brasileiro Adolfo

Varnhagem.

A ampliação das relações capitalistas de produção, a corrida imperialista sobre

territórios da África e Ásia, e, os conflitos internos do continente europeu, demandaram a

elaboração de mapas com informações detalhadas sobre os territórios, posteriormente, sobre as

populações dominadas. Emerge deste contexto, profissionais especializados na produção de

mapas, o cartógrafo.

Livingston (2010), destaca que há uma renovação da Cartografia quando esta se

volta para a elaboração de mapas de Geologia e Oceanografia como resposta às demandas do

capitalismo industrial. A necessidade de compreender e sistematizar padrões e comportamentos

espaciais dos fenômenos naturais e sociais, implicou num aprofundamento do grau de abstração

e cognição das representações cartográficas neste período (HARLEY, 2002). Gradativamente,

a Cartografia começa a incorporar em suas produções informações de temas relacionados à

vegetação, ao solo, às populações, entre outros aspectos.

Como reflexo da expansão do capitalismo industrial e dos interesses da sociedade

burguesa, em finais do século XIX, há um estruturação da “ciência moderna”52, desencadeando

uma tecnificação e especialização de áreas do conhecimento.

Segundo Lacoste (2012 [1976], p.51-54), até meados do século XIX, fazer

geografia significava produzir mapas. Entretanto, com a sistematização do conhecimento

geográfico esta atividade será “dissociada” da Geografia, “sob o nome de Cartografia”.

52 No contexto de expansão do capitalismo industrial e dos interesses da sociedade burguesa no século XIX

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51

1.2.3 A Cartografia moderna

A Cartografia que emerge em meados do século XIX, apoiada numa narrativa

europeia de dominação e expansionismo sobre imensas áreas do planeta, destituiu todo um

conjunto de representações cartográficas que não se enquadravam na concepção de espaço

geométrico euclidiano.

Como reflexo, há uma atenção com: o estabelecimento de redes geodésicas visando

melhorar a precisão e a qualidade dos mapas; a criação de novos sistemas de projeção; o

aprimoramento das técnicas de levantamento planialtimétricos; e a elaboração de mapas

topográficos com maior detalhamento da escala de mapeamento para fins militares.

Este discurso cartográfico, impôs limites de aceitabilidade para que outras

representações pudessem ser denominadas de mapas. Como assinala Harley (1991, p. 4),

Os mapas de culturas não-europeias só recebiam certa atenção da parte de

historiadores ocidentais quando apresentavam alguma semelhança com os mapas

europeus. O interesse era descobrir similitudes cartográficas nessas culturas remotas

e não analisar suas diferenças.

Entre finais do século XIX e início do século XX, a Cartografia é concebida como

um ramo Geodésia, e limitada em seus interesses científicos, à elaboração de projeções

cartográficas e mapas topográficos (SALISHCHEV, 1970).

Esta definição está relacionada aos interesses militares, econômicos e as estratégias

de Estado que demandavam a confecção de mapas topográficos detalhados, tendo em vista, por

exemplo: as rivalidades internas do continente europeu – em risco de guerra iminente; os

conflitos pela independência das colônias europeias na África e Ásia; e, a necessidade de

modernização das infraestruturas de transporte, objetivando o rápido escoamento da produção

industrial para os mercados consumidores.

Na década de 1930, a Cartografia é conceituada como a ciência dos métodos e

processos de compilação e reprodução de mapas (SALISHCHEV, 1970). Para este autor, uma

concepção progressista em relação à definição anterior. Entretanto, o estudo da essência dos

mapas e o desenvolvimento de métodos voltados para sua aplicação ficou à deriva

(SALISHCHEV, 1970).

A ocorrência de duas guerras mundiais na primeira metade do século XX,

promoveu indiretamente, uma série de inovações tecnológicas e transformações de ordem

social, econômica, política e cultural, a exemplo do: avanço da computação digital; da aviação

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comercial; da corrida armamentista e espacial; e, de novas Tecnologias de Informação e

Comunicação.

O mundo bipolarizado que emerge frente as transformações da sociedade pós-

Segunda Guerra Mundial, reconhece a importância da Cartografia como “ferramenta” central

para o planejamento das ações humanas e domínio do espaço geográfico. Neste contexto, a

Organização das Nações Unidas, em 1949, assinala que:

Cartografia - no sentido lato da palavra não é apenas uma das ferramentas básicas do

desenvolvimento econômico, mais é a primeira ferramenta a ser usada antes que

outras ferramentas possam ser postas em trabalho (ONU, 1949, p. 51).

A Cartografia, passa a ser conceituada como: “a ciência de preparação de todos os

tipos de mapas e gráficos, incluindo todas as operações, desde pesquisas originais até a

impressão final de cópias” (ONU, 1949, p. 51, tradução nossa) 53 .

Esta definição, foi influenciada pelas concepções de Eckert e Imhof54. Para Eckert,

a Cartografia (ciência dos mapas) era a disciplina que ensinava como produzir mapas. Eduard

Imhof, considerava que a cartografia teórica era uma ciência aplicada, cujo objeto era a

representação da superfície da Terra. Como artista, Imhof buscou enfatizar os efeitos visuais na

elaboração de mapas, no entanto, sua preocupação era desenvolver métodos de representação

topográfica (MONMONIER, 2015).

As discussões em torno do conceito de Cartografia se alternaram entre: num

primeiro instante, a Cartografia considerada como arte, sendo o mapa elemento central de suas

representações; num segundo instante, a Cartografia como uma técnica preocupada com o

processo de elaboração do mapa.

Este embate, leva Stéphane de Brommer – presidente da Comissão de Educação em

Cartografia da Associação Internacional de Cartografia (ICA) –, a buscar uma demarcação clara

do conceito de Cartografia. Assim, em 1967 a Terceira Conferencia da ICA em Amsterdã

estabelece a seguinte definição:

Conjunto de estudos e operações, científicos, artistas e técnicas, interveniente, a partir

de resultados de observações diretas ou de exploração de documentação, em

53 Do original em inglês: “the science of preparing all types of maps and charts, and includes every operation from

original surveys to final printing of copies” 54 A primeira tese sobre cartografia como ciência com conclusões viáveis sobre os objetivos da disciplina foi escrita

em 1963 por Eduard Imhof. Ver: (MONMONIER, 2015).

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elaboração e instalação de cartões, planos e outros modos de expressão, assim como

sua utilização [grifo nosso]55 (ICA, 1984, p.19)

Segundo a ICA (1984, p. 20),

O termo ‘artistique’ na definição francesa foi introduzido sob a proposta de Imhof,

enquanto a ‘utilização’ ou uso de mapas foi adicionada à sugestão do professor

Salichtchev (URSS). O último continuou a lamentar que a definição estivesse

concentrada demais na produção de mapas e no papel negligenciado da cartografia

como ciência.

Na Conferência da ICA - em Montreal/Ottawa (1973) -, a definição de Cartografia

presente no Dicionário Multilíngue de Termos Técnicos em Cartografia, editado pelo professor

Emil Meyen, é submetido e aprovado pela Assembleia Geral da ICA com seguinte definição:

“A arte, ciência e tecnologia de criação de mapas, juntamente com seu estudo como documentos

científicos e obras de arte” (ICA, 1984, p. 80).

As contribuições de ordem teóricas, conceituais e metodológicas, advindas de

diversas áreas do conhecimento, como por exemplo: das Ciências da Comunicação; da

Computação; da Psicologia; e, da Semiótica, levam a Associação Cartográfica Internacional

(ACI) a centrar seus esforços em torno de duas esferas de interesse: elaboração de mapas e

comunicação cartográfica.

Em nosso entendimento, nesta conceituação aparece subentendida uma dicotomia

entre uma esfera técnica e matematizada (“ciência e tecnologia de criação de mapas”) com um

uma vertente voltada para a cognição (“A arte, ciência [...]” “[...] de criação de mapas” “[...] e

obras de arte”).

Em consonância com estas diretrizes, entre as décadas de 1950 e 1970, destacam-

se uma série de contribuições que mudam a face da Cartografia, a exemplo de: Kolacny (1977)

com o conceito de “informação cartográfica”, no contexto da Comunicação Cartográfica; Bertin

(1971; 1978; 2010 [1967]) através da teoria da Semiologia Gráfica; Petchenik (1977) como

representante da Teoria da Cognição (Percepção); Ratajski (1971); Board (1975) através da

Teoria da Modelização Matemática da Informação; entre outros.

A Comunicação Cartográfica está intimamente associada à Teoria Matemática

da Informação ou Teoria da Informação, que se desenvolve a partir da década de 1950

com as contribuições de Shannon e Weaver (1948). Até aquele momento, o mapa não era

55 Do original em francês: “Ensemble des études et des opérations, scientifiques, artistiques et techniques,

intervenant, à partir des résultats d’observations directes ou de l’exploitation d’une documentation, en vue de

l’élaboration et de l’établissement de cartes, plans et autres modes d’expression, ainsi que dans leur utilization. ”

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54

concebido como um meio de comunicação social, não havia uma preocupação com a

comunicação cartográfica.

Na Teoria da Informação, a comunicação ocorre no momento em que uma fonte

de informação (transmissor) transmite sinais utilizando um canal (onda eletromagnética,

pulso de luz, etc.) para um receptor no destino (humanos, equipamentos e fenômenos da

natureza). O canal transmite mensagens que portam informações baseadas num código. O

ruído corresponde a elementos não previstos que podem produzir alterações no sinal

(figura 2).

Figura 2 – Modelo de comunicação de Shannon e Weaver

Adaptado pelo autor.

Fonte: Shannon e Weaver (1948, p. 7)

Entre os humanos, o processo de comunicação opera em três dimensões

básicas: a sintática, referente às ligações entra as unidades que formam as mensagens

(construção interna da mensagem); a semântica, que trata das relações entre os signos e

aquilo que representam (conteúdo e significado); e a pragmática; que diz respeito as

relações entre signos e usuários (significado, e as normas e determinações a sua

finalidade)(SHANNON e WEAVER, 1948).

A elaboração de mapas pelo cartógrafo é fundamentada pela dimensão

sintática – foco da Teoria da Informação. Cabe ao cartógrafo codificar corretamente os

fenômenos objetivando a transmissão da informação cartográfica. No processo de

comunicação, o mapa é o resultado do conhecimento da realidade observada e processada

na mente do cartógrafo. A formação do campo comunicacional se dá com a interseção do

repertório do cartógrafo com o repertório do usuário (figura 3).

FONTE DA

INFORMAÇÃOTRANSMISSOR RECEPTOR DESTINO

FONTE

DE

RUÍDO

SINAL SINAL RECEBIDO

MENSAGEMMENSAGEM

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55

Figura 3 – Formação do campo comunicacional

Adaptado pelo autor:

Fonte: Koláčcný (1977).

Koláčcný (1977, p. 43), ao apresentar o conceito de informação cartográfica, como

“o conteúdo intrínseco, significado e sentido da descrição cartográfica da realidade”56, provoca

o deslocamento do processo cartográfico – antes centrado exclusivamente na elaboração do

mapa –, para uma preocupação com o seu usuário.

Assim, estabelece o princípio básico da Comunicação Cartográfica, que coloca o

mapa como elemento de ligação entre o cartógrafo e usuário (figura 4).

Figura 4 – Princípio básico da Comunicação Cartográfica

Adaptado pelo autor.

Fonte: Koláčcný (1977).

O cartógrafo com sua influência sobre a representação e o usuário como intérprete

das informações, com base num conjunto de conceitos mentais. Há uma preocupação em tornar

o mapa legível, facilitando seu entendimento para o leitor.

Desse modo, enquanto a Teoria da Informação se preocupa com a construção

interna da mensagem (o código), a Teoria da Comunicação está focada na compreensão

56 Do texto original em inglês: “[…] the intrinsic content, meaning and sense of the cartographic description of

reality” Koláčcný (1977, p. 43).

Repertóriodo Cartógrafo

Repertóriodo Usuáriodo mapa

CampoComunicacional

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56

da relação mensagem-homem. A cognição assume relevância no processo de comunicação

cartográfica.

Na Teoria da Comunicação, destacam-se as contribuições teóricas de: Ratajski

(1971); Koláčcný (1977); e Salichtchev (1978; 1983), com a releitura do esquema de

comunicação cartográfica apresentado por Koláčcný (1977). Posteriormente, Salichtchev

(1983), traz a compreensão de que os mapas refletem os fenômenos sociais, culturais e

naturais no espaço-tempo.

Matias (1996) afirma que a noção de processo cartográfico, o entendimento do

mapa como meio de comunicação e de transmissão do conhecimento geográfico, bem

como da cartografia como situada no domínio da comunicação visual toma forma com o

debate teórico iniciado por estes dois pesquisadores.

Outra importante contribuição para o campo da Comunicação Cartográfica

advém da Teoria da Modelização. Neste sentido, Board (1975, p. 139), considera os mapas

“como modelos icônicos ou representativos, e conceituais, sendo tentativas estruturadas

oriundas do ensejo do ser humano em comunicar aos seus semelhantes algo da natureza

do mundo real”.

Há uma preocupação com a modelagem do mapa, e a generalização da

realidade. Segundo Board (1975, p. 140), “os mapas [...] ajudam os investigadores a verem

o mundo real sob uma nova luz ou até a proporcionar-lhes uma visão inteiramente nova

da realidade”. Por isso, “muitos desvios da realidade são perpetrados na tentativa de

satisfazer às exigências dos usuários” Board, (1975, p. 147), ou o desejo daqueles

interessados na sua elaboração.

Utilizando a Semiologia57, Bertin ( 2010 [1967]), propõe através da Teoria da

Representação Gráfica, um método para a representação da informação espacial através de

variáveis visuais. Segundo Bertin ( 2010 [1967], p. 6), a Representação Gráfica é uma

linguagem voltada para o olhar que utiliza-se da ubiquidade da percepção visual, abrangendo o

domínio dos diagramas, das redes e dos mapas58. É parte de um sistema lógico de símbolos que

57 Para Ferdinand de Saussure, a Semiologia é a ciência geral que tem como objeto todos os sistemas de signos

(incluindo os ritos e costumes) e todos os sistemas de comunicação vigentes na sociedade. Ver: Barthes (2006) e

Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa versão monousuário 3.0. 58 Do original em inglês: “As a ‘language’ for the eye, graphics benefits from the ubiquitous properties of visual

perception. As a monosemic system, it forms the rational part of the world of images. To analyze graphic

representation precisely, it is helpful to distinguish it from musical, verbal, and mathematical notations, all of

which are perceived in a linear or temporal sequence. The graphic image also differs from figurative representation,

essentially polysemic, and from the animated image, governed by the laws of cinematographic time. Within the

boundaries of graphics fall the fields of networks, diagrams, and maps.” Bertin (2010 [1967], p. 6]

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57

o homem elaborou para reter, comunicar e compreender suas observações da realidade. A

figura 5 apresenta a dimensão da Representação Gráfica no contexto da Semiologia.

Figura 5 – Dimensões da Representação Gráfica na Semiologia

Adaptado pelo autor.

Fonte: Bertin (2010 [1967]); Matias (1996).

Pertencente ao campo das representações visuais, a Representação Gráfica

apresenta processo diferenciado de comunicação visual. Na comunicação monossêmica, o

emissor e o receptor são considerados atores, e postos do mesmo lado do processo em

contraposição as relações de: diversidade/similaridade (#), proporcionalidade (Ǫ) e ordem (O)

(MARTINELLI, 2003a). A comunicação polissêmica é formada por: emissor; código; e,

receptor. Estes, possuem espaços distintos no processo comunicativo. A figura 6 apresenta

estes dois esquemas.

Figura 6 – Esquemas de comunicação: Monossêmico x Polissêmico

Elaborado pelo autor.

SEMIOLOGIA

Comunicação Verbal

Figurativo Não-figurativo

Grafismo Representação gráfica

Comunicação Visual

Imagem dinâmica Imagem estática

RedesDiagramas Cartas

Esquema polissêmico Esquema monossêmico

EMISSOR CÓDIGO RECEPTOR

ESQUEMA DE COMUNICAÇÃO POLISSÊMICO

ESQUEMA DE COMUNICAÇÃO MONOSSÊMICO

CONCEITO RELAÇÃO ENTRE OBJETOS TRANSCRIÇÃO GRÁFICA

10.000 de pessoas,

100.000 de pessoas,

1.000.000 de pessoas,

Ferrovia,Rodovia,Aerovia,

Cidade,Distrito,Povoado,

Ǫ Proporcionalidade

O Ordem

Diversidade

REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO ESQUEMA MONOSSÊMICO

ATOR (Emissor/Repector) RELAÇÕES FUNDAMENTAIS (Ǫ,≠, O)

a) b)

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58

O esquema monossêmico elimina qualquer ambiguidade possível quanto ao

significado do signo gráfico (figura 6a). Portanto, corresponde a uma representação com

característica universal. Para Bertin (1971; 1978; 2010 [1967]), sendo a cartografia uma

linguagem universal, suas representações devem ser de caráter monossêmico – o que difere da

proposição de Saussure sobre a linearidade e arbitrariedade dos signos, que a entende como

convencional (BARTHES, 2006).

No esquema polissêmico, o significado da informação depende do conhecimento

prévio do seu código pelo receptor. Na figura 6b, o código “reciclagem” somente pode ser

compreendido, se o receptor conhecer o significado da informação que ele porta.

A linguagem cartográfica é composta de signos gráficos estruturados por dois

elementos: o significado e o significante. No mapa, o significante corresponde ao signo gráfico

que representa uma informação espacial específica (o significado). O significante, é a maneira

como uma informação se apresenta (transcrição gráfica), tornando possível a sua leitura.

A Semiologia Gráfica, abriu uma nova perspectiva como método cartográfico,

possibilitando a transcrição de informações espaciais com simbologia própria. A elaboração e

o uso de mapas temáticos implicam em sua valoração cognitiva, pois, estimula no usuário a

reflexão, percepção visual e raciocínio espacial. Ao adotar este método no tratamento da

informação espacial, a Cartografia adentrou no domínio da comunicação visual e da cognição.

O mapa passou a ser concebido como um meio de comunicação e linguagem.

1.2.4 A Cartografia contemporânea

A partir da década de 1980, a Cartografia passou por um intenso processo de

transformação. O deslocamento das técnicas de análise da informação espacial em direção

à emergente computação digital, possibilitou o desenvolvimento dos Sistemas de

Informação Geográfica (SIG)59. O mapa tornou-se o ponto de articulação entre a

cartografia, o SIG e a análise espacial (FERREIRA, 2006; LONGLEY, GOODCHILD et

al., 2011). Portanto, assinala a transição de uma cartografia convencional/tradicional

(analógica) em direção a uma cartografia contemporânea (digital).

São incorporados a este cenário novas perspectivas teóricas da Semiótica, da

Comunicação e da Teoria Social, a exemplo das contribuições de: Harley (1989; 1990), com a

59 Compreendemos o SIG como um conjunto integrado de técnicas e metodologias para a análise espacial

envolvendo ao menos: hardware, software, pessoas, dados, procedimentos. Ver: LONGLEY, GOODCHILD et al.

(2011) páginas 4 a 34.

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59

desconstrução do mapa; DiBiase (1990); Taylor (1994; 1994 [1991]) e MacEachren (2004),

entre outros, com a visualização cartográfica baseada na semiologia pierceriana.

Diferente da Comunicação Cartográfica, a Visualização Cartográfica ou Científica,

objetivam apresentar ferramentas de análise que facilitem o raciocínio espacial e a resolução de

problemas. Utiliza a computação gráfica para a exibir (“tornar visível”) conceitos e dados

científicos. Esta abordagem foca a construção do conhecimento, buscando estimular a indução

do pensamento visual (visualização mental), para a descoberta de padrões e de dados não

conhecidos (raciocínio) para a tomada de decisões.

A visualização implica na interação homem-mapa, com a comunicação situada na

esfera do domínio público, isto, pressupõe interatividade, interação e complexidade no âmbito

da produção, armazenamento e geração de informação geográfica em diversos níveis. Todavia,

é no domínio privado (elaboração) que o uso de imagens contribui para a gerar novas ideias.

Ao propor a representação da visualização como uma ferramenta de pesquisa

cientifica (figura 7), DiBiase (1990), a compreende como um processo constituído por dois

estágios de pensamento visual: exploração e confirmação (domínio privado), e dois estágios de

comunicação visual: síntese e apresentação (domínio público).

Figura 7 – Etapas da representação da visualização cartográfica

Adaptado pelo autor.

Fonte: DiBiase (1990).

PENSAMENTO VISUAL COMUNICAÇÃO VISUAL

Exploração

Confirmação

Síntese

Apresentação

DOMÍNIO PRIVADO DOMÍNIO PÚBLICO

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60

A curva descreve uma sequência de pesquisa através da qual diferentes tipos de

representações gráficas desempenham um papel. No final da exploração da sequência (domínio

privado), os mapas e o outros gráficos atuam como ferramentas de raciocínio (facilitadores do

pensamento visual). No final da apresentação (domínio público), as representações visuais

servem principalmente para a comunicação a um público mais amplo (MACEACHREN, A.M.

e TAYLOR, 1994).

O domínio privado assinala a presença de usuários/leitores especialistas onde a

exploração e a confirmação da informação requerem processos mais complexos, ou seja, o

mapa pode ser de uso privado/individual. O domínio público refere-se àqueles que desejam

apresentações e sínteses de informação, do mapa construído para comunicar informações à uma

audiência.

Ancorada como núcleo da Cartografia, a perspectiva apresentada inicialmente por

Taylor (1994 [1991]), indica a visualização como um tríade formada pela interseção da:

cognição, que envolve análise e aplicações; comunicação, abrangendo as recentes técnicas de

representação e projeção; e formalismo, relacionado a base tecnológica formal (figura 8a).

Figura 8 – Visualização – Tríade de Taylor

Adaptado pelo autor.

Fonte: DiBiase (1990).

Para Taylor (1994 [1991], p. 8), a visualização estabelece relações com “todo um

conjunto de novos conceitos e técnicas tais como espaço cibernético, virtualidade, realidade

virtual e realidade tridimensional artificial”. Para este autor, a visualização implica em

computação avançada, por envolver multimídia, cognição e comunicação cartográfica.

Formalização(novas técnicas computacionais e multimídia)

VISUALIZAÇÃO

Formalismo

(novas tecnologias de computador)

VISUALIZAÇÃO

b)a)

Interação e Dinâmica

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61

Apresentada incialmente como ancorada no seio da Cartografia, Taylor (1994), muda

este entendimento. Ao aperfeiçoar sua tríade de relações, ele separa a visualização do campo

da Cartografia. Em seu entendimento, aquela passa a ocupar um lugar central na pesquisa sobre

cognição cartográfica, comunicação e o formalismo das novas técnicas computacionais e da

multimídia (figura 8b).

Ao estabelecer relações entre semiótica, visualização, comunicação e cartografia,

MacEachern (1994), apresenta o modelo Cartografia³ (figura 9). Este modelo envolve a

dimensão comunicativa do mapa e seu uso como objeto para a visualização.

Figura 9 – Modelo Cartografia³ de MacEachren

Adaptado pelo autor.

Fonte: MacEachren e Taylor (1994, p. 6).

Este modelo representa: a razão da sua aplicação entre comunicação e visualização;

de como estas são impactadas pela interação espacial entre homem-máquina; da sua relação

com o domínio público e privado; e, de como isto interfere na cognição em termos de

apresentação de conhecimento ou revelação do desconhecido.

Para MacEachren(1994), a visualização possibilita ampliar o uso do mapa com a

junção de três aspectos: o usuário (público ou privado); interatividade (alta ou baixa) e a

capacidade de revelar o desconhecido e/ou apresentar o conhecido.

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62

A elaboração e principalmente o uso do mapa torna-se relativo, em função do que

se deseja comunicar ou do uso que lhe é dado. Ao adentar na função comunicativa dos mapas,

MacEachren (1994; 2004) possibilita a abertura teórica em torno da confecção e da

sistematização dos signos gráficos, utilizando elementos da semiótica pierceriana.

Na semiótica de Pierce, a compreensão de objetos externos ao sujeito de maneira

precisa e que sejam aceitos universalmente por outros sujeitos é impossível. Portanto, o objeto

possui uma qualidade que lhe é própria, e sua relação com o sujeito por meio da linguagem

resulta na representação da realidade (PIERCE, 2000).

Para Pierce (2000), o signo é a unidade semiótica mediando uma tríade de

significados: o ícone, que estabelece uma relação de semelhança com o objeto; o índice, da qual

o signo tem uma relação de casualidade sensorial que permite identificar seu significado; e, o

símbolo, uma relação convencional entre o signo e o seu significado. O signo em si

(representâmen) transmite a informação do objeto representado ao interpretante, que não é o

sujeito (indivíduo), mas o conjunto de percepções e pressupostos que este receptor possui.

Na cartografia, Bertin ( 2010 [1967]) utiliza o signo da semiologia saussariana que

é constituído de dois elementos: O significado e o significante. O signo da semiótica pierceriana

é o representâmen, ou seja, aquilo que se busca representar, denominado por MacEachren

(2004) de: referente. O interpretante é o significado, que na cartografia é um símbolo

cartográfico. A atribuição de significados ao significante é a semiose.

A semiologia de Bertin apresenta uma linguagem cartográfica universal e

monossêmica, em que a unidade linguística é o signo. Assim, nos mapas bidimensionais, as

variações gráficas de áreas, pontos ou linhas são efetuadas pelas variáveis visuais. Na semiótica

de Pierce, isto é irrealizável, dado a impossibilidade de os sujeitos reconhecerem objetos

externos de forma universal e precisa.

A semiótica de Pierce, no contexto da visualização cartográfica apresentado por

MacEachren (1994; 2004), apresenta lacunas referentes a formalização de uma linguagem

cartográfica polissêmica em torno de variáveis visuais. Todavia, descortina um horizonte de

transformações e possibilidades para a cartografia.

Deduz-se que estas duas vertentes trazem contribuições para se pensar o saber e o

fazer cartográfico em outras bases. Contudo, são as particularidades do usuário, ao qual se

procura atingir, e os objetivos do cartógrafo/geógrafo ao elaborar o mapa que determinam os

elementos e as técnicas adotados para que sua comunicação e visualização se realize.

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63

A elaboração e concepção do mapa não pode estar condicionada à um modelo,

metodologia ou esquema específico. Na contemporaneidade, as Tecnologias de Informação e

Comunicação e as redes da Cibercultura impõem a necessidade de repensar o fazer e o saber

cartográfico referente a este cenário de interatividade e colaboração através dos territórios-

redes, por vezes, em tempo-espaço diferenciados em termos culturais, políticos e sociais.

As transformações advindas com a abertura comercial da internet, a disseminação

de Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação, as geotecnologias e a mobilidade

decorrente de uma computação móvel e online, contribuíram para a emergência de redes de

Cibercultura, a circulação de ideias, e de informação geográfica instantânea através de uma

miríade de dispositivos eletrônicos conectados em redes.

Como resultado destes encadeamentos, rupturas e transformações, a Associação

Cartográfica Internacional (ICA), define em 2003 a Cartografia como:

A arte, ciência e tecnologia de elaborar e utilizar mapas. Um recurso exclusivo para a

criação e manipulação de representações visuais ou virtuais de mapas geoespaciais -

para permitir a exploração, análise, compreensão e comunicação de informações sobre

esse espaço (ICA, 2003, p. 17, tradução nossa)60.

Definição abraçada neste trabalho, pois, reconhece a infinidade de perspectivas e

tecnologias que adentram o campo cartográfico na atualidade. Ao acentuar, “as representações

visuais e virtuais de mapas”, este conceito valoriza e contempla os mapas online, construção

teórica desta pesquisa, no contexto de uma Cartografia Geográfica.

Em 2003, a Associação Cartográfica Internacional (ICA), conceitua o mapa como:

Uma representação simbolizada da realidade geográfica, representando feições e

características selecionadas, resultante do esforço criativo da execução de escolhas de

seu autor, projetada para uso quando as relações espaciais são de relevância primária

(ICA, 2003, p.17, tradução nossa)61.

A concepção de mapa, aqui adotada, advém de Harley (1991, p. 5), que o define

como: “representação gráfica que facilita a compreensão espacial de objetos, conceitos,

condições, processos e fatos do mundo humano”. Para este autor, a definição ampla permite

abranger as culturas de todos os tempos e não apenas a contemporaneidade.

60 “Do original em inglês: The art, science and technology of making and using maps. A unique facility for the

creation and manipulation of visual or virtual representations of geospace – maps – to permit the exploration,

analysis, understanding and communication of information about that space”. 61 Do original em inglês: “A symbolised representation of a geographical reality, representing selected features

and characteristics, resulting from the creative effort of its author’s execution of choices, that is designed for use

when spatial relationships are of primary relevance”.

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64

Influenciado pela concepção de desconstrução em Derrida, e de poder em

Michel Foucault, o cartógrafo John Brian Harley demonstra a não neutralidade do mapa e

destas relações implícitas nas representações cartográficas.

Harley, (1989; 1990; 1991) defende que a cartografia deve ser compreendida

sob um viés epistemológico, na medida em que os mapas são construções sociais,

carregados de saberes e juízos de valor, um instrumento de poder e dominação, carecendo

de uma retórica centrada na Teoria Social.

Dessa forma, a Cartografia não deve estar restrita ao aspecto técnico, nem

tampouco, desprovida deste, tornando-se necessário uma junção entre objetividade e

subjetividade. O mapa ocidental perde seu status de representação cartográfica científica

imparcial.

No final dos anos 1970, Lacoste (2012 [1976])62, apresenta uma importante

reflexão sobre a forma como o espaço geográfico havia sido utilizado pelo Estado e as

grandes empresas para estabelecerem suas ações estratégicas nas mais diversas escalas e

intenções.

Demonstrava como as representações cartográficas foram historicamente

manipuladas numa perspectiva de dominação, denunciando a negligência dos geógrafos e

convidando-os a uma postura crítica e politizada como contraponto a este mascaramento

ideológico. Ao mesmo tempo, alertava para o contexto político e social onde as relações

globais tendiam a serem intensificadas (LACOSTE, 2012 [1976]).

Para Harley (1991, p.7), “[...] a cartografia moderna é fruto de uma empresa global,

uma forma de poder/saber mesclada às principais transformações do mundo, criada e recebida

por agentes humanos, exploradas pelas elites para exprimir uma visão ideológica do mundo. ”

Segundo este autor, é importante traduzir as imagens dos mapeamentos

cartográficos como representações culturais carregadas de simbolismos e mensagens

políticas, tanto em termos de conteúdo visto, quanto aqueles subtraídos propositalmente

(HARLEY, 1989; 1990; 1991; 2002).

Sob este entendimento, o campo cartográfico tem avançado através de

sucessivos aportes teórico-epistemológicos (WOOD e FELS, 1992; EDNEY, 1993;

GOODCHILD, 2007; PICKLES, 2012 [2004]), contribuindo para uma compreensão de

62 Publicado na França com o título: La géographie, ça sert, d'abord, à faire la guerre. Ed. Maspero, Paris, 1976.

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65

diversos aspectos relativos a produção cartográfica e ao uso do mapa, como elemento

estratégico de transformação social e da dimensão política associada a este processo.

Nas últimas quatro décadas, a interdependência cada vez maior entre as

ciências, trouxe para o campo cartográfico uma série de contribuições teóricas e

epistemológicas havendo uma aproximação com as artes (KRYGIER, 1995), o design

(COSGROVE, 2005), a filosofia (FOUCAULT, 1979; DELEUZE e GUATTARI, 1997),

as comunicações, as neurociências (OOMS, 2012; OOMS e DE MAEYER, 2015;

KESKIN, DOGRU et al., 2016) e, principalmente, valorizando as dimensões humana e

social (BLAKEMORE, 1981; PICKLES, 1995; 2012 [2004]).

Numa visão humanística, o geógrafo Denis Wood (1978; 2010) tece

aproximações teóricas e práticas entre as cartografias sociais e as representações

cosmológicas baseadas em processos, signos, percepções, identidades e sentimentos. Para

Wood (1978, p. 207, tradução nossa)63 “Uma cartografia, uma geografia da realidade não

pode ser baseada na abstração insuspeita e insuportável do enésimo grau, mas deve estar

enraizada na experiência humana diária palpável.”, uma “cartografia da realidade”

buscando uma maior aproximação com o cotidiano nas dimensões humana, social e

cultural.

Para além das especificidades de abordagem de cada autor, Monmonier (1991),

Crampton (2001; 2009), Cosgroove (1999; 2005), entre outros, buscaram um

aprofundamento das questões levantadas por Harley (1989; 1990; 1991; 2002) em torno

das relações de poder que atravessam as representações cartográficas. Como afirmam

Crampton e Krygier (2006), a teoria social destituiu a visão de neutralidade de todo e

qualquer mapa, aprofundando ainda mais a discussão sobre a dimensão política, e trazendo

consigo um elemento até então desconsiderado pelo quantitativismo reinante: o

entendimento do espaço como uma produção social.

1.3 Uma interpretação da Cartografia para a Geografia

A relação clássica entre Cartografia e Geografia no plano teórico do debate, aponta

para a existência de pelo menos dois grupos de mapas que têm orientado a diferença entre as

produções cartográficas da Cartografia e da Geografia.

63 No original em inglês: “A cartography, a geography, of reality cannot be based on unsuspected and

unsupportable abstraction of the nth degree but must be rooted in palpable daily human experience” (WOOD,

1978, p. 207).

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66

O primeiro grupo engloba os mapas de referência geral, topográficos ou de base.

Construídos com rigor técnico, buscam atingir um público amplo que necessita de informações

precisas sobre o território. São dotados de sistemas de referência e de localização diversos,

(SLOCUM, MCMASTER et al., 2008; DENT, TORGUSON et al., 2009).

Em sua grande maioria apresentam elevada precisão geométrica, obedecendo

limites técnicos definidos segundo a escala adotada para sua produção. Portanto, exigem um

alto conhecimento técnico, por estarem associados à Geodésia, ao levantamento topográfico e

às técnicas aerofotogramétricas (BARBOSA, 1967; SLOCUM, MCMASTER et al., 2008;

ROBINSON, 2010 [1952] ).

São exemplos, os mapas topográficos, os mapas planimétricos e altimétricos dos

acidentes naturais, artificiais e culturais. Normalmente, servem como base cartográfica (mapa

base) para outros tipos de mapas e aplicações.

A segunda categoria trata dos mapas temáticos também denominados de especiais,

estatísticos ou cartas geográficas. São produzidos e direcionados para públicos específicos e

com representações temáticas diversificadas (SLOCUM, MCMASTER et al., 2008).

Demonstram recursos, conceitos ou informações, estas, podem ser qualitativas (mapas

temáticos de cobertura vegetal, tipo de solo, cidades, distritos), quantitativas (mapas temáticos

de vulnerabilidade social, renda média, idade) ou mista.

Geralmente, abrangem temas geográficos que representam a interpretação de

informações espaciais, culturais, sociais e políticas (MARTINELLI, 2003b). A acurácia nestas

representações é importante, mas a exatidão não é fator primordial. Todavia, a qualidade e a

validação dos dados utilizados constituem um aspecto importante, independente da fonte e do

modo de aquisição destes.

Alguns autores, elencam um “terceiro” grupo, a exemplo de Barbosa (1967) que

utiliza o termo mapas especiais para referir-se àqueles que objetivam atender a uma técnica

específica ou ciência.

Muerhrcke, Kimerling et al. (2016), referem-se aos mapas cartométricos ou de

análise cartométrica, mapas especializados e ajustados para realizar operações matemáticas

complexas e precisas, tais como: estimativa, contagem, medição e roteamentos. São exemplos,

os mapas topográficos na escala de 1:24.000 do United States Geological Sourvey (USGS)

utilizados como referências em diversas aplicações, as cartas de navegação aérea ou marítima

e cartas militares.

Em teoria, estas distinções são importantes para a compreensão de conceitos,

sistematização de métodos e metodologias que permeiam a elaboração dos mapas e as práticas

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cartográficas no campo da Cartografia e da Geografia. Dessa forma, inúmeros autores, à

exemplo de Barbosa (1967), Robinson (2010 [1952] ), Slocum (2008), Libault (1975) e Joly

(1990), adotam nomenclaturas diversas para estes grupos de mapas (figura 10).

Figura 10 – Cartografia Topográfica x Cartografia Temática ou Cartografia Geográfica

Elaborado pelo Autor.

Desse modo, o campo cartográfico é subdividido em dois segmentos segundo os

tipos de representações:

a) Cartografia de Referência, Cartografia Topográfica ou Cartografia Sistemática,

são terminologias utilizadas para a Cartografia que se ocupa dos mapas

denominados: topográficos, de referência geral, de base ou cartométricos;

b) Cartografia Geográfica ou Cartografia Temática refere-se à Cartografia que lida

com os mapas temáticos, também denominados de mapas espaciais, estatísticos

ou cartas geográficas.

Barbosa (1967) ao defender o estabelecimento de uma metodologia cartográfica,

divide o campo da cartografia em três tipos de representações: Cartografia Geral, Cartografia

Especial e Cartografia Temática. Para este autor, enquanto as duas primeiras estão

respectivamente centradas no conhecimento da superfície topográfica ou em atender objetivos

específicos que exigem técnica apurada, a Cartografia Temática atua de forma ampla

correlacionando elementos à superfície topográfica.

Martinelli (2003b), refletindo sobre a história social da cartografia, apresenta bases

teórico-epistemológicas sobre a aplicação dos mapas na ciência geográfica adotando a

expressão Cartografia Temática. Archela (2000) ao realizar uma análise histórica da cartografia

brasileira utiliza a divisão: Cartografia Sistemática e Cartografia Temática. Joly (1990) a

subdivide em: Cartografia Topográfica e Cartografia Temática.

Libault (1975), na obra Geocartografia, utiliza os termos Cartografia Geográfica e

Cartografia Topográfica para referir-se à divisão entre cartas geográficas e mapas topográficos,

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respectivamente. Enquanto estes últimos lidam com informações topográficas relativas a áreas

naturais ou modificadas pela ação antrópica, as cartas geográficas estão associadas a análises

que objetivam explicar e discutir os resultados do mapeamento. Para este autor, a Cartografia

Geográfica distingue-se pela construção de representações cartográficas, estas, instrumentos

para uma abordagem geográfica que faculta lidar com uma diversidade de questões temáticas.

A abordagem geográfica da cartografia se assenta em torno deste segundo grupo de

mapas temáticos: a Cartografia Temática ou Cartografia Geográfica (Geocartografia)64.

Entretanto, existe o entendimento na Geografia, de que os mapas do primeiro grupo

(Cartografia Topográfica/Sistemática) são também objetos de interesse da Geografia, não como

finalidade, mas como mapas topográficos/de referência para a elaboração de mapas temáticos.

Este, entre outros aspectos, contribui para a concepção de que a Cartografia está direcionada

para o campo da Geografia.

1.4 Cartografia Geográfica: uma interpretação da Cartografia na Geografia

A “dissociação” entre Cartografia e Geografia, em finais do século XIX65, assinala

em nosso entendimento, a gênese de um corte teórico-epistemológico que na

contemporaneidade, permeia as reflexões teóricas e práticas sobre o papel das representações

cartográficas no seio da Geografia.

O debate tem início no século XIX com uma dupla interpretação: de um lado, os

defensores do mapa como instrumento do conhecimento geográfico, a exemplo de Humboldt e

Vidal de La Blache66; do outro, aqueles que não consideravam o mapa como objeto legítimo do

saber geográfico, é o caso de Carl Ritter. Este, contestava uma “geografia pura” (matematizada)

que negava dar lugar ao homem. Embora fizesse uso de mapas em seus trabalhos, entendia que

estes eram mais adequados ao uso escolar. (LIVINGSTONE, 2010; LACOSTE, 2012 [1976]).

Em nosso entendimento, a nascente Geografia se absteve de uma reflexão teórico-

epistemológica sobre o que de fato era a sua cartografia. Sobressaiu uma Cartografia voltada

para a Geografia com a valorização da carta topográfica (matematizada). Isto ocorre, porque

Geografia e Cartografia recém sistematizadas, concorriam em prol de uma base técnica

(geométrica) que estruturando a sociedade industrial, buscava atender aos interesses

expansionistas do Estado e do capitalismo. Reflexo e produto da normatização geral de uma

64 Libault (1975), utiliza o termo Geocartografia no título da sua obra. Entretanto, internamente utiliza o termo

Cartografia Geográfica para referir-se às representações cartográficas elaboradas pela Geografia. 65 Abordado nos subtítulos 1.2.2 e 1.2.3 66 Com seu legado à cartografia na obra Tableau de la Géographie de la France.

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sociedade que produz em série, não há espaço para a diversidade. Assim, homogeneidade e

universalidade são fundantes para o domínio e manutenção do território, e das relações sociais

de produção.

Na Cartografia, a carta topográfica era a representação ou linguagem matemática

de um discurso sobre o espaço que precisava ser compreendido do ponto de vista militar e

econômico. Era necessário conhecer a topografia, para conquistar ou manter o domínio do

território. Da mesma forma, o capital industrial necessitava de conhecimento, para que seus

engenheiros, por exemplo: pudessem projetar a construção das estradas de ferro; calcular a

potência das locomotivas num plano inclinado; ou, planejar a infraestrutura necessária para o

escoamento da produção - considerando tempo e distância.

A Geografia, procurando se firmar como ciência, preocupou-se com a

sistematização do conhecimento sobre os territórios buscando a incorporação do homem e da

natureza, no contexto positivista que atendia aos propósitos do Capital e do Estado Imperialista.

Era necessário produzir taxonomias, classificações, comparações das paisagens, estudos

populacionais, etc. O foco do debate teórico segundo Moreira (2015), centrou-se na dicotomia:

análise regional versus relação homem-meio.

Nesta perspectiva, os mapas temáticos da Geografia complementavam o discurso

que o mapa topográfico fazia sobre o espaço. Ou seja, o mapa temático, grosso modo, era uma

linguagem “mais cognitiva” que sobreposta a este espaço matematizado discursava sobre: os

povos, a vegetação, o clima, os limites do território, a hidrografia, etc.

As discussões e avanços teóricos no campo cartográfico a partir dos anos 1950,

paralelo ao movimento de renovação da Geografia, ao revelar novas possibilidades teóricas em

torno da concepção de espaço como produção social, acentuou este corte teórico-

epistemológico. Assim, a valorização da dimensão humana na Geografia, reacendeu o debate

em torno de tentativas de excluir as práticas cartográficas do seu interior associando-as aos

métodos positivistas.

A interpretação clássica do debate teórico entre Cartografia Temática e Cartografia

Sistemática ainda permeia com intensidade as práticas cartográficas da Geografia.

O entendimento geral é de que a Geografia se ocupou da elaboração de mapas

temáticos. A Cartografia, se especializou na elaboração de mapas topográficos ou mapas de

referência geral (SLOCUM, MCMASTER et al., 2008).

Portanto, há o entendimento junto a segmentos da renovação geográfica, de que a

Cartografia, através de seus especialistas, abastece a Geografia com suas representações

cartográficas. O que de fato é verdade, se considerarmos somente as representações da

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geometria euclidiana (modo cartográfico). Portanto, a teoria e a prática cartográfica da

Geografia, continuam ancoradas nos fundamentos teóricos desta interpretação clássica entre

Cartografia Sistemática e Cartográfica Temática, que prioriza uma matematização do espaço

apoiada na geodesia.

O campo geográfico negligenciou uma construção teórico-epistemológica que se

preocupe com suas práticas cartográficas, se conformando com uma Cartografia para a

Geografia. Dessa forma, a teoria e prática cartográfica na Geografia se reduz ou continua

ancorada a uma concepção de espaço cartesiano, homogêneo, topográfico, dos fixos, da

geometria euclidiana, do mapa na perspectiva de um plano horizontal. Isto se dá porque:

Primeiro, se o mapa topográfico é base para que a Geografia elabore seus mapas

temáticos, deve-se admitir que a Cartografia está direcionada para o campo da Geografia, ou,

que suas representações cartográficas subordinam as da segunda, o que acreditamos não ser

“verdade”.

A definição mais recente da ICA (2003, p. 17), conceitua que: “mapa é uma

representação simbolizada da realidade geográfica”, evidenciando que cartografia e geografia

formam uma unidade indivisível em sua dimensão histórica e social - ressalte-se, que não

estamos falando da “dissociação” dos seus campos de abordagem. Entretanto, ainda que a

Cartografia esteja direcionada para o campo da Geografia, a prática cartográfica da Geografia

(Ciência) – incluindo sua dimensão humana - constitui-se num campo de saber distinto da

Cartografia.

Segundo, o mapa topográfico é uma base matematicamente precisa que conforma

um modo cartográfico e concepção clássica do espaço matematizado pela geometria euclidiana.

Trata-se da métrica (distância) entre pontos no espaço, e isto é deslocamento, ou seja, a

mensuração do tempo. Tempo que submete o espaço, e denota, no caso do mapa topográfico, a

manutenção e o domínio furtivo de um discurso militar, econômico e de saber estratégico do

Estado.

Assim, é evidente que o mapa topográfico não é neutro, ele tematiza uma visão

militarista e econômica de conquista do território sob o viés topográfico. Em outros termos,

Lacoste (2012 [1976]) e Harley (HARLEY, 1989; 1991) já apontavam para esta questão. Desse

modo, ele é um mapa temático, que foi naturalizado. Uma representação do espaço geográfico,

referente à um modo cartográfico, mas não em sua totalidade objetiva. Conforme Lévy (1996),

ele representa a métrica territorial, topográfica e euclidiana.

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A Geografia com seus mapas temáticos, necessita diferenciar-se desta Cartografia

para a Geografia, adotando uma abordagem e construção teórico-epistemológica da Cartografia

na Geografia em sua totalidade, como um movimento de transformação na contemporaneidade.

Uma Cartografia na Geografia deve abranger as relações território-rede, a

circulação de ideias e de informações através das redes da Cibercultura. Sobretudo, a

coexistência de uma espacialidade eletrônica, virtual que se vale da métricas das redes

(topológica, rizomática, reticular, descontínua e não-euclidiana) mas que não se anulam. Sendo

assim, nos referimos à uma Cartografia Geográfica (em movimento).

Compreendemos que o campo da cartografia na contemporaneidade apresenta, duas

abordagens possíveis, conforme apresenta a figura 11:

Figura 11 – Campo cartográfico na contemporaneidade

Elaborado pelo autor.

A primeira, em que as representações cartográficas foram assumindo

gradativamente uma linguagem voltada para a cognição, comunicação e visualização

cartográfica, tendo por base científica normas metodológicas voltadas para práticas que tratam

de: controle e posse de territórios; dinâmicas sociais; eficácia administrativa e apropriação do

espaço; aspectos econômicos; navegabilidade, mobilidade, interatividade, aspectos sociais e

naturais, fenômenos e processos em geral passiveis de serem cartografados.

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A segunda, firma-se na criação de normas ou procedimentos padronizados

concernentes à elaboração de representações cartográficas, que tem por base científica a

manutenção e aprimoramento de um referencial geodésico que conforma uma Cartografia

matemática. Assim, segue a vertente euclidiana advinda da Grécia antiga, renovada em

Mercator, consolidada com a noção de espaço cartesiano e naturalizada pela tecnociência a

serviço do capital.

Nesta interpretação, o primeiro polo, diz respeito às elaborações da Cartografia

Geográfica no seio da Geografia, e não exclui as elaborações da cartografia matematizada

euclidiana, simplesmente, as compreende com parte da Cartografia Geográfica, pois, em nosso

entendimento, não há a centralidade de uma métrica ou num modo cartográfico especifico. Por

sua vez, estamos falando da incorporação de outras métricas, de outras dinâmicas sociais, e não

de negação, diferença ou exclusão.

Entendemos, que a relevância está no deslocamento teórico epistemológico, que se

apresenta para pensar uma Cartografia Geográfica, em seu movimento de transformação no seio

da Geografia. Trata-se de uma interpretação da Cartografia na Geografia, que continua a receber

pouca atenção na contemporaneidade. Portanto, a manutenção da ordem vigente é continuar

pensando em uma Cartografia que se volta para a Geografia, quando deveria ser: uma

abordagem/interpretação da Cartografia na/da Geografia.

Nesta perspectiva, o ponto de entrada para analisar sua emergência e consolidação

são os mapas online, suportados por geotecnologias e informação geográfica instantânea.

1.5 Multiplicidade, Técnica, Fluidez e Artificialidade

As perspectivas e reflexões apresentadas sinalizam o caminho teórico-

epistemológico desta construção teórica utilizada para analisar, como os mapas online,

suportados por geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a

emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento).

Portanto, nos possibilitou sistematizar, fundamentar e articular um conjunto de

conceitos, categorias e elementos que a estruturam, dando-lhe conformidade do ponto de

vista teórico-epistemológico e ontológico, ao estabelecermos as seguintes considerações

e proposições:

a) O entendimento do espaço como produto de inter-relações, de interações

efetivadas ou na possibilidade de vir a ser, em devir, nunca fechado, um

cosmos. O que pressupõe falar da coexistência de outras histórias, de

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trajetórias diferentes que coexistem no espaço como multiplicidade

(MASSEY, 2004; 2008).

Ao adotarmos a noção de multiplicidade enquanto co-constituinte do espaço

(MASSEY, 2008), implica na valorização política do conceito de espaço geográfico a

partir do reconhecimento do outro, aquele além de nós, ou que conosco se relaciona.

Primeiro, isto significa afirmar de que não há apenas uma narrativa histórica,

ou uma única cronologia, existem outras trajetórias não hegemônicas no espaço

geográfico, por isto, ele é aberto, como também são diversas as trajetórias das

representações cartográficas e as formas de interpretação simbólica do que se constitui

socialmente como mapa. A linguagem cartográfica é um amalgama de modos

cartográficos (EDNEY, 1993).

Segundo, reconhecendo-se a primeira afirmação, é admissível que espaço não

é tempo, mas sim, produto de relações entre diferentes trajetórias coexistindo

concomitantemente nesta espacialidade, onde as noções de tempo-espaço são relacionais.

Assim, retoma-se a importância do espaço em relação ao tempo, embora exista

uma íntima relação entre ambos. Entretanto, um não é o outro. Nesta perspectiva, não é

plausível a negação de outras trajetórias no mesmo tempo-espaço, senão estaríamos

transformando espaço em tempo e geografia em história, como defende Massey (2004).

Do ponto de vista cartográfico, estas trajetórias visíveis ou ocultas que

assinalam as ações humanas em todo o planeta em tempo-espaço relativos e distintos, a

priori, são técnica e politicamente alçados a possibilidades de entrelaçamentos segundo

os mais diversos interesses, seja eles internos ou externos às suas práticas cotidianas, em

função da instantaneidade da informação geográfica, componente essencial nas relações

econômicas, políticas e sociais que assinalam a produção do espaço na

contemporaneidade.

Isto ocorre pelo grau de penetrabilidade com que as tecnologias de informação

e da comunicação (CASTELLS, 1999), as redes de Cibercultura (LÉVY, 2000; 2001) e

uma miríade de dispositivos eletrônicos móveis têm sido articulados em nível planetário.

Há um controle maior do tempo sobre as relações sociais e na escala do indivíduo,

conectado (online) às redes a todo momento. Com isto, tem-se um refinamento e

aprimoramento do que caracterizamos mais à frente como: sincronicidade do tempo.

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Buscamos o entendimento deste espaço em aberto, sempre em construção. Esta

ótica nos permite ampliar as perspectivas políticas (poder) e de futuro dado, de outras

interpretações e possibilidades de abertura ao inusitado, daquilo que por muito tempo foi

externo, por vezes, mascarados intencionalmente ou invisíveis aos sentidos e às

interpretações de outros homens e das ciências.

Ao tratar da crise das ciências e dos desafios das ciências humanas na

contemporaneidade, Latour (1994) aponta que em meio ao processo de hibridização, as

questões do mundo atual já não podem ser abordadas de forma fragmentada, o fim das

utopias demonstra que nenhuma teoria é capaz de explicar o mundo atual, nem apontar

para o futuro. A hegemonia ocidental, por muito tempo não levou em conta nosso

complementar, outras culturas, outras sociedades, frente a uma experiência coletiva.

Os fatos científicos são construídos, mas não podem ser reduzidos ao social

porque ele está povoado por objetos mobilizados para construí -lo. O agente

desta construção provém de um conjunto de práticas que a noção de

desconstrução capta da pior maneira possível... [...] ... será nossa culpa se [grifo

do autor] as redes são ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como

o discurso, coletivas como a sociedade? (LATOUR, 1994, p. 12).

Neste sentido, assumimos o caminho da incerteza, da construção de um futuro

em aberto, e não de um discurso dicotômico67, pois, se assim não fosse, estaríamos

limitando outras interpretações, negando outras existências, outras cartografias.

Compreendemos que independente desta concepção, o(s) território(s) (lugar,

para Massey) é constituído por inter-relações que marcam a intencionalidade das ações

humanas objetivando os mais diversos interesses.

Os territórios e as redes informacionais são relacionais em termos de escala,

estrutura, constituição e finalidade, coexistindo entre si ou não. Simbolicamente, são

conjuntos que se inter-relacionam, ou na possibilidade de vir a ser, segundo os variados

interesses e configurações das práticas sociais. Em termos cartográficos, estamos falando

de “métricas” diferentes e suas interconexões.

A consolidação de uma cartografia no campo da Geografia perpassa não apenas

por englobar as dimensões humana, social e cultural em sua totalidade, mas, pelo

reconhecimento da coexistência de múltiplas trajetórias e narrativas possíveis (modos

67 Não é possível defender um discurso de “desenvolvimento” enquanto caminho hierárquico a ser trilhado por

todos os povos, ou de uma ciência estanque, e como tal, associado a uma visão de globalização aceita como algo

natural, que sob a tutela do mercado postula ser a única via possível. Tampouco no mito do paraíso perfeito com

a revolução das massas e sua ascensão ao poder como algo inexorável em meio às contradições do capital. Ver:

Latour, (1994, p. 12-15).

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cartográficos), e não apenas uma que se pretenda universal, inclusive aquelas que sendo

hegemônicas, são tornadas invisíveis a uma interpretação geográfica.

Isto implica evitar reducionismos e compartimentalizações, ao mesmo tempo,

ampliar as possibilidades de enfrentamento e de escape as superficialidades impostas pelo

mercado frente as profundas transformações (inclusive as espaciais) e demandas

provocadas por esta sociedade da informação.

Desta multiplicidade, enquanto princípio constituinte do espaço geográfico,

definimos a categoria de análise: convergência, que assinala as inter-relações ou

entrelaçamentos entre os homens, as coisas68, e os objetos técnicos nas redes sociotécnicas

atuais. É esta convergência (também tecnológica) e a fluidez, enquanto uma de suas

características, que pontua os fundamentos e princípios para o estabelecimento de uma

espacialidade eletrônica, virtualizada e relacional, lócus de conformação dos mapas online

que emergem no seio da Cartografia Geográfica em seu próprio movimento de

transformação e reconfiguração na contemporaneidade.

b) O reconhecimento da técnica como produtora de transformações em

qualquer sociedade (territórios), que se faz presente em toda ação humana.

Ao mesmo tempo, extensão do corpo humano (LÉVY, 1996; 2000;

MCLUHAN, 2016 [1964]) que se projeta no espaço para imprimir ações

diversas;

A técnica elemento que permeia os territórios das coletividades e

individualidades, é aqui entendida como uma categoria fundamental de análise destas

inter-relações. Todavia, não é tratada como elemento central ou idealizado, mas num

processo de interdependência e sinergia, reconhecendo suas mútuas interações e

implicações com outros conceitos.

Evitamos dessa forma, a simplificação da análise, porém, adentramos no

âmbito da complexidade, esta, não ancorada aos verticalismos das ciências. Aqui, ela diz

respeito à complexidade com a qual a Geografia em renovação deve sedimentar um

caminho que lhe é próprio.

Desta maneira, permite uma interpretação do mundo a partir das inter-relações,

incertezas e probabilidades frente a ação humana em meio ao acelerado processo de

68 No sentido atribuído por Lévy (1996)

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artificialização da vida, das coisas e dos objetos técnicos na produção do espaço

geográfico.

Sobre isto Prigogine nos alerta que “[...] todo problema dinâmico deve poder

ser resolvido em termos de amplitudes de possibilidade, exatamente como todo problema

deveria ser resolvido na mecânica clássica em termos de trajetórias individuais”

(PRIGOGINE, 1996 , p. 49-50).

Assim, estamos tratando de limite de previsibilidade e não de sua ausência.

Estamos falando de possibilidade de atuação no presente e de construção de futuro

(abertura), mas não de sua certeza.

Entendemos que a técnica molda e amplia a concepção de espaço, a medida em

que esta permite um maior domínio e entendimento de processos decorrentes da natureza,

de sua artificialização ou de virtualização da realidade. Portanto, a compreensão e

apropriação da natureza pelo homem se dá pelas técnicas, o que nos permite cada vez

mais, reproduzi-la artificialmente e com notável precisão. Em muitos aspectos

participando da co-criação de novos objetos técnicos - alguns inclusive com relativa

capacidade cognitiva, à exemplo dos softwares baseados em inteligência artificial. Neste

processo de artificialização do espaço geográfico,

[...] hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza,

quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais,

passa, também, a ser objetos. Assim, a natureza se transforma em um verdadeiro

sistema de objetos e não mais de coisas e, ironicamente, é o próprio movimento

ecológico que completa o processo de desnaturalização da natureza, dando a

esta última um valor (SANTOS, M., 1996, p.53).

Acreditamos que isto implica em falar do humano e do não humano, de

instrumentos autônomos, nanotecnologia, engenharia genética, informática e inteligência

artificial enquanto objetos técnicos da ação humana agindo sobre a natureza, da natureza

a serviço do homem, e, da artificialidade e seus objetos agindo sobre a vida do homem em

sociedade.

Como afirma Latour (1998), foi preciso descobrir outros “meios ambientes”

para que pudéssemos construir uma outra noção de totalidade, descobrir o que era exterior

a nós, assim, o que antes estava fora agora está dentro, o que era negado, agora é

valorizado. A dissociação entre homem e natureza ganha uma outra dimensão, e as

técnicas atuais têm papel fundamental nesta construção, pois, esta “inversão

antropológica” tornou ela (a natureza) “muito mais fraca que o homem” (LATOUR,

SCHWARTZ et al., 1998, p. 97).

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Portanto, é a ciência através das técnicas que permite este domínio, este

esquema de manipulação apropriado pela acumulação capitalista, retroalimentando o

circuito que transita da sociedade à ciência, nunca como retorno, nem de forma linear,

mas como reordenamento de processo, enquanto possibilidade segundo um limite de

previsibilidade. Neste cenário a fluidez com que as técnicas e alguns objetos técnicos se

apresentam como característica da categoria convergência (tecnológica) é componente

fundamental para a compreensão deste mecanismo.

Ao refletir sobre uma epistemologia da tecnologia (Techné), Morin (2005)

defende a necessidade de analisá-la em conjunto, pois, enquanto objeto abstrato, e, dado

sua interdependência, já não é possível separar o conceito de tecnologia, do conceito

ciência, do conceito indústria, criando um circuito onde a técnica está profundamente

relacionada com a manipulação do circuito sócio-histórico.

Na contemporaneidade “[...] a manipulação exercida sobre as coisas implica a

subjugação dos homens pelas técnicas de manipulação [...] é a lógica das máquinas

artificiais que se aplica cada vez mais às nossas vidas em sociedade. Justamente aqui

reside a origem da nova manipulação” (MORIN, 2005, p. 109). Há uma dimensão

filosófica na técnica como condição dela vir a se constituir a idealização da perfeição

humana.

Percebemos de um lado o endeusamento de uma tecnociência profundamente

ligada às grandes empresas de tecnologia e ao mercado de capitais, estes, através das suas

redes autônomas de controle da comunicação e da informação, se utilizam de softwares,

sistemas de reconhecimento e inteligência artificial, para colocar em prática uma ordem,

uma racionalidade69 cada vez mais tênue e centralizadora sobre a produção do espaço

geográfico, de suas territorialidades e, consequentemente, sobre a vida dos indivíduos.

No plano dos objetos técnicos e das relações humanas (ações), o controle

exercido por estes poucos atores, implica numa simplificação de processos complexos, na

flexibilidade da produção, na sincronicidade do tempo, na unicidade e na uniformidade de

ações sobre as ações dos homens em sociedade, dado a fluidez com que os objetos técnicos

e suas capacidades técnicas têm de em meio à ações pontuais e disruptivas, influenciar em

69 Racionalidade não é razão, a razão é aberta ao desconhecido, a aquilo que não se pode racionalizar, a razão não

pode ser instrumentalizada. O que as diferencia basicamente é que a racionalidade é um sistema fechado que impõe

uma lógica que sendo negada, coloca-se à força. Ver: (MORIN, 2005) e (ADORNO e HORKHEIMER, 1991).

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termos comportamentais a percepção da realidade sobre os territórios na

contemporaneidade.

Compreendemos que se trata dos sistemas reguladores da cibernética70 e da

Teoria de Informação atuando sutilmente em conjunto com outros processos

administrativos, psicológicos e sociais, segundo a lógica e os interesses do mercado no

controle da informação, do tempo, das ações sobre os objetos, dos homens sobre os

homens, e dos objetos sobre os homens.

Entendemos que do ponto de vista prático desta sociedade informacional, isto

caracteriza todo um movimento de transformação e (re)construção cartográfica

intermediado pela convergência tecnológica71 entre as diversas áreas do conhecimento.

Isto significa, reconhecer a existência e articulação de todo um conjunto de

redes de Cibercultura e uma miríade de objetos técnicos espacializados interconectados

através de redes telemáticas - ou seja, de uma computação ubíqua (WEISER, 1993) – que

através de tecnologias de informação e da comunicação provém informação geográfica

instantânea.

Na perspectiva cartográfica aqui defendida, isto significa cartografar:

fenômenos, processos, objetos técnicos, os indivíduos, as coletividades, as ações

humanas, a natureza e a natureza artificializada.

Implica falar dos territórios e das redes, consequentemente em territorialização

e desterritorialização, em sociedade industrial e sociedade informacional , na combinação

de elementos heterogêneos, das geometrias de poder (FOUCAULT, 1979), de diferentes

“métricas” que coexistem e se inter-relacionam.

Estes sistemas reguladores (alguns objetos técnicos especializados) se

caracterizam pela fluidez, categoria aqui elencada para nos referirmos a ações humanas e

70 A Cibernética do grego “kybernetik” (piloto, pilotagem), termo utilizado por Platão para designar as qualidades

da alma. Na década de 1940 Norbert Wiener a partir de seus estudos em teoria da informação, teoria do controle e

dos sistemas, utiliza esta expressão para nominar esta ciência, cujo propósito é “da comunicação e do controle...(...)

quer seja ele no humano, animal ou mecânica. O objetivo na cibernética é o de desenvolver uma linguagem e

técnicas que nos capacitem, de fato, a haver-nos com o problema do controle e da comunicação em geral. (...) A

informação é termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele e

que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido (...) Destarte, comunicação e controle fazem parte da

essência da vida interior do homem, mesmo que pertençam à sua vida em sociedade” (WIENER, 1968, págs. 16-

18). Existe uma íntima relação entre a Cibernética e as modernas teorias da Administração (ver: CHIAVENATO

(2009), págs. 325-338). Ademais, a cibernética não pode ser confundida com robótica, mas sim, à

autômatos/automação (enquanto linguagem para/de sistemas reguladores) e informática (tratamento automático

da informação e da sua representação por meio de suportes de informação), como mecanismo de manipulação das

coisas através destes meios. 71 Aspecto discutido no capítulo 4, item 4.1.

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a capacidade de alguns objetos técnicos se auto reprogramarem ou de serem

reprogramados, para atingir um determinado objetivo, inclusive da sua autocriação e

aperfeiçoamento - aspectos que se apresentam, por exemplo, em alguns mapas online. A

fluidez também se relaciona as ações invasivas e dominadoras de uma racionalidade

técnica responsável por desintegrar uma “complexa rede de relações sociais” auxiliando

na determinação, como assinala Bauman (2014), de uma ordem econômica implacável que

se reproduz continuamente.

Ao tratar da interação entre sociedade e economia em meio à transformação

tecnológica atual (paradigma tecnológico), e da reversibilidade dos processos nas

instituições e organizações, Castells (1999, p. 78) pondera e alerta que:

Tornou-se possível inverter as regras sem destruir a organização, porque a base

material da organização pode ser reprogramada e reaparelhada. Porém, não

devemos evitar um precipitado julgamento de valores ligados a essa

característica tecnológica. Isto porque a flexibilidade tanto pode ser uma força

libertadora como também uma tendência repressiva, se os redefinidores das

regras sempre forem os poderes constituídos.

Defendemos que esta capacidade de reconfiguração é também característica de

algumas geotecnologias: mapas online, dos sistemas autônomos e inteligentes72 com os

quais interagem e/ou estão integrados, participando ativamente da reprodução das relações

sociais de produção. Logo, a produção dos objetos, e por conseguinte, do espaço

geográfico explicita o seu caráter estratégico e político, além da sua planificação espaço-

temporal conforme aponta Lefebvre (2008 [1976], p. 63).

Ela supõe o estabelecimento de localizações, o conhecimento das redes de troca,

de comunicações, dos fluxos (...) a programação espaço-temporal (...) poderia

submeter as outras dimensões à simultaneidade global do espaço (...) Só o

tecnocrata perfeito a quer. Ela submeteria a sociedade inteira ao jugo da

cibernética (LEFEBVRE, 2008 [1976], p.63).

Wiener (1968), um dos fundadores da cibernética, ao tratar dos propósitos

desta ciência, deixa claro este viés racionalizador ao afirmar que: “[...] em comunicação

e controle, estamos sempre em luta contra a tendência da Natureza de degradar o orgânico

e destruir o significativo” (WIENER, 1968, p. 17).

Compreendemos que esta natureza a que se refere o autor, é considerada como

degradação em relação aos sistemas reguladores, em razão desta constituir-se

possibilidade de resistência, do conflito entre as camadas sociais, de contraponto à uma

racionalidade técnica da cibernética, que busca subjugar tudo aquilo que escapa ao

72 Decorrentes da integração entre hardware e software.

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controle exercido pelos autômatos e pela comunicação da informação – inclusive as

práticas humanas quando destoam dos interesses do mercado.

Assim, embora a lógica dos sistemas administrativos prime pela ordem e

controle utilizando-se das técnicas e da fluidez da comunicação, por outro lado, instala-

se a contradição, pois, a natureza, o homem, as sociedades, os processos sociais e a própria

fluidez de alguns objetos técnicos são tributários da desordem, da horizontalidade, da não-

linearidade, do caos. Não como aniquilação, mas como destruição visando reorganização,

regeneração, de diversidade em meio à multiplicidade, por isto, tendem à incerteza na

forma complexa como se reorganizam e assimetricamente estabelecem relações de força

e poder.

A possibilidade de escape à previsibilidade dos sistemas reguladores, é

justamente esta fluidez proporcionada pela reprogramação. Aqui, não nos referimos a

fluidez no que se refere aos sistemas de produção e administração, mas a capacidade das

ações humanas, dos objetos técnicos e da natureza moldar-se a processos diferentes

daqueles para os quais foram concebidos.

Tomemos estas nossas considerações em torno do posicionamento apresentado

como elemento importante para análise das ações humanas73, sobre a forma como

utilizando-se dos objetos técnicos indivíduos, coletividades e as organizações tornam-se

competidores equivalentes ao construirrem capacidades assimétricas de poder como

resistência às ações de controle hegemônico.

A reflexão que se coloca, é que esta ordem cibernética em meio ao

endeusamento da tecnociência capitaneada pelo mercado, traz entre outros discursos, uma

artificialização da vida implicando em flexibilidade e sutileza nos jogos de poder, no

controle dos processos em geral, e principalmente, no ofuscamento da razão pela

racionalidade instrumental das ações sobre os territórios e as redes eletrônicas. Sobre esta

realocação de poder da qual a técnica é coparticipe, Bauman (2014) nos alerta sobre a

liquefação dos poderes e a reconstrução de uma nova ordem baseada nesta racionalidade

técnica:

Hoje, os padrões e configurações não são mais ‘dados’, e menos ainda

‘autoevidentes’; eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em

seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos

de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir (...) Os

poderes que liquefazem passaram do ‘sistema’ para a ‘sociedade’, da ‘política’

73 Sejam estas de cunho hegemônico ou não.

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para as ‘políticas da vida’ – ou desceram do nível ‘macro’ para o nível ‘micro’

do convívio social (BAUMAN, 2014, p. 15).

Cremos, pois, que a artificialidade não está apenas nos objetos ou nos

esquemas de domínio da natureza, mas sobretudo na vida do homem em sociedade, que

cada vez mais é artificializada e superficial por intermédio das mídias sociais e dos

dispositivos móveis, enquanto redes de comunicação e informação, porque, cada vez mais,

a percepção e a compreensão que as pessoas têm do mundo, se dão através destas redes

de relações artificiais.

A manifestação sutil desta racionalidade se reflete em inúmeros segmentos tais

como: no urbanismo, no design, nos produtos, nas relações socioeconômicas, nos objetos

técnicos etc. Ou seja, globalmente se apresenta da mesma forma em todos os lugares, o

que muda é a paisagem ou algumas particularidades relativas à força do lugar em termos

de reação e aceitação. Assim, técnica e artificialização estão completamente infiltradas na

epistemologia de nossa civilização. Entretanto, como nos alerta Prigogine (1996, p. 197-

198),

O ocaso puro é tanto uma negação da realidade e de nossa exigência de

compreender o mundo quanto do determinismo o é. O que procuramos construir

é um caminho estreito entre essas duas concepções que levam igualmente à

alienação, a de um mundo regido por leis que não deixam nenhum lugar para a

novidade, e a de um mundo absurdo, acausal, onde nada pode ser previsto nem

descrito em termos gerais.

É deste processo e de suas inter-relações que deve emergir os elementos de

uma epistemologia desta Cartografia Geográfica que de fato esteja preocupada

intrinsecamente em englobar as dimensões humana, social e cultural, levando em conta o

reconhecimento dos diversos grupos em suas múltiplas trajetórias e narrativas na produção

e apropriação do espaço geográfico, e não apenas, uma racionalidade técnica que se

pretenda universal subdeterminando a vida do homem em sociedade.

Este caminho é uma possibilidade em meio a renovação que se instala, não

apenas sobre o caminhar da técnica ou da Geografia em sua relação com a sociedade, mas

sobre as ciências em geral, exigindo novos conceitos e novas instrumentalizações.

Acreditamos que os mapas online estão inseridos neste processo como elementos centrais

de uma Cartografia Geográfica em seu movimento de renovação nesta sociedade

informacional.

Compreendemos que a técnica não deve ser tomada como noção de progresso,

desenvolvimento ou história, mas produto da conexão destas inter-relações efetivadas

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pelas ações humanas, como novas possibilidades de vir a se constituir enquanto mudança,

aperfeiçoamento, ou abertura para o futuro, já que este não é dado, e sim, uma construção

social que engloba um conjunto de fatores e redes de relações.

Todavia, como assinala Lévy (2000; 2001) não é possível passarmos

diretamente de uma cultura oral para uma sociedade da informação sem que algumas

condições técnicas se façam presentes. O que queremos dizer é que não podemos falar que

as práticas cartográficas de um determinado grupo não são válidas ou que ainda

necessitam percorrer um determinado caminho para se chegar a um determinado estágio.

Na contemporaneidade, quando analisamos as sociedades humanas, a

mensuração do tempo implica numa flecha uniforme, que assumiu gradativamente uma

dimensão e um controle global em função das necessidades do mercantilismo e

posteriormente pelo capitalismo através de suas trocas globais.

Embora a referência do tempo global influencie as ações destas sociedades

com maior ou menor intensidade, essa pretensa hegemonia da sincronicidade do tempo

sobre inúmeros processos coletivos e individuais sofre resistências ou é rejeitada em

muitos lugares.

Quando analisadas fora deste contexto, cada sociedade assume a flecha de

tempo que lhes é particular, embora mantenham interações com outros grupos, elas t êm

um percurso próprio, em sua maioria, anteriores ao advento do controle do tempo pela

sociedade industrial.

Cada um destes agrupamentos humanos possui um tempo e formas distintas de

mensurá-lo, uma idade das suas técnicas, das suas representações, dos seus signos, dos

seus ritos que pressupõem ancestralidade e temporalidade, uma cronologia que lhes são

peculiares.

Compreendemos, que as técnicas globais que invocam o controle do tempo em

nível planetário é uma característica exclusiva desta sociedade informacional. É

completamente diferente da unicidade do tempo forjado pelo capitalismo entre meados do

século XIX e primeira década do século XXI74.

Embora faça parte do mesmo circuito de retroalimentação dialética esta

racionalidade técnica que impõe a ordem do tempo sobre as coletividades e

individualidades, potencializa outro mecanismo de controle com o domínio da informação

74 Aspectos discutidos no capitulo 2.

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geográfica face sua instantaneidade nas redes e a ubiquidade computacional, que se dá na

escala do indivíduo. Os dispositivos móveis, a exemplo dos smartphones, tornaram-se

objetos de libertação ou controle social individual através das redes.

Observamos na atualidade, que a ciência através das técnicas, e esta utilizando-

se da informação geográfica instantânea, acabam por moldar e ampliar a própria

concepção de espaço geográfico, na medida em que novos elementos/conceitos/ontologias

são sobrepostos à estas expertises técnico-cientificas acumuladas historicamente como

produto de inter-relações.

Através do controle do tempo e da informação geográfica instantânea, agem

diretamente na criação de novas espacialidades artificializadas que invocam reflexos na

materialidade numa relação dialética, dos quais, os mapas online são partícipes em

ascensão.

Estes, dado suas características técnicas, capacidade de comunicação e

informação e da ubiquidade da rede sobre o planeta, chegam aos lugares alterando a

dinâmica das atividades e das ações coletivas e individuais.

Por outro lado, as ações hegemônicas atingem os territórios e as espacialidades

virtualizadas utilizando técnicas de fragmentação e desfragmentação imperceptíveis, com

a mesma força que o controle do tempo global se impõe sobre a vida social.

Compreendemos que resulta deste cenário, as novas relações sociais,

econômicas e políticas que emergem nos territórios e nas redes de Cibercultura, onde a

informação geográfica – tornada mais valia – assume importância vital neste processo.

O volume de informação geográfica instantânea, coletada de dispositivos fixos

e móveis em rede, não mais se restringe à escala do lugar, do bairro, da rua, mas, dos

indivíduos em sua privacidade (dos seus deslocamentos, de seus perfis psicológicos, dos

seus gostos e desejos mais íntimos), evocados à participar de forma (in)voluntária na

produção de uma economia informacional75.

Nos referimos a uma transição cartográfica onde ocorrem simultaneamente,

organização e desintegração, coesão e dispersão, em relação a maneira como até então

cartografamos e representamos o mundo. Para Castells (1999), “[...] tornou-se possível

inverter as regras, sem destruir a organização”. A comunicação multidirecional que

permite interação e interatividade, torna o usuário de mapa também produtor.

75 Sobre a economia informacional ver: Castells (1999, p. 87-110)

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São estas mesmas características que estão mudando o mapa, sem destruí-lo.

Há uma ampliação de funções e fragmentação da rigidez, que o coloca no cerne de um

conjunto de transformações e de reconfigurações espaciais. Os resultados deste processo

estabelecem mútuas implicações e interações entre o território e a rede, por intermédio

dos objetos técnicos, da natureza artificializada e dos homens.

A recente disseminação da ciência intermediada pela técnica, é na atualidade,

submetida aos interesses do mercado, que impõe ao mundo um modelo de “sociedade” e

de “desenvolvimento” pela vulgarização intencional de uma ideia equivocada de

globalização, de futuro e de ciência inquestionáveis.

O desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, as

geotecnologias e dispositivos móveis, nos permitem cada vez mais, avançar na

representação dinâmica dos fluxos nos ambientes computacionais utilizando informação

geográfica instantânea.

Goodchild (2007), apresenta o cidadão como sensor de uma Geografia

Voluntária (Volunteered Geography), resultado do uso e difusão de tecnologias

geoposicionais e móveis. São exemplos, micro sensores, smartphones, óculos imersivos,

wearable computers.

O aperfeiçoamento de uma nova geração de softwares para Sistemas de

Informação Geográfica (SIG) semânticos, ontológicos, interoperáveis76 e baseados em

nuvem (Cloud computing)77, somado ao volume de dados de Sensoriamento Remoto,

concorrem para a produção de informação geográfica instantânea. Assim, o conhecimento

gerado sobre os fenômenos da natureza e as ações humanas na apropriação dos territórios

ocorre em intervalos de tempo cada vez menor.

Os mapas online que se integram a estes sistemas alteram sobremaneira a

forma como nos relacionamos, ressignificamos e percebemos parcelas dos territórios e

dos territórios digitais. Além disto, têm nos conduzido a uma Geografia Voluntária

(Volunteered Geography) na acepção de Goodchild (2007), ou de geocolaboração

(MACEACHREN, Alan M e BREWER, 2004).

76 Sistema que se comunica com outro sistema. 77 Segundo o NIST (2011, p. 2) A computação em nuvem é um modelo para permitir acesso onipresente

(ubiquidade), conveniente e de rede sob demanda a um conjunto compartilhado de recursos de computação

configuráveis (por exemplo, redes, servidores, armazenamento, aplicativos e serviços)

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Há uma virtualização que atinge não apenas a informação, a comunicação, as

coletividades e individualidades conectadas, a economia, mas principalmente, o campo

cartográfico. Elementos de uma espacialidade fundada em referências materiais do espaço

absoluto e seus marcadores espaciais sofrem transformações, com as redes de Cibercultura

e a circulação de ideias.

As geotecnologias, os dispositivos móveis conectados e novas tecnologias de

informação e da comunicação expandem a penetrabilidade da Internet é o intercâmbio da

informação geográfica (instantânea). Os marcadores espaciais normatizados pela

sociedade industrial são redefinidos com a métrica topológica que emerge da Internet.

Estão dadas as condições materiais e imateriais de uma sociedade informacional onde o

mapa é virtualizado e fragmentado nos ambientes online.

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2. A CARTOGRAFIA: ENTRE O CONVENCIONAL E A VIRTUALIZAÇÃO

Neste capítulo, analisamos como a Internet ao articular uma espacialidade

eletrônica, virtualizada e relacional através das tecnologias de informação e da

comunicação e das redes de Cibercultura, provocou uma redefinição das territorialidades,

das referências materiais e espaciais do espaço absoluto e da métrica.

Descreve a coexistência de duas métricas: uma baseada nas redes,

espacialidade eletrônica, fluida, virtual, topológica, não-euclidiana, heterogênea e

relacional, a cartografia virtual ou cartografia eletrônica virtual; a outra, uma métrica

baseada no território absoluto, que se caracteriza por uma lógica topográfica, centrada nos

fixos, homogênea e euclidiana, a cartografia matematizada ou cartografia topográfica de

base euclidiana.

A cartografia virtual acentua a reconfiguração/transição de uma cartografia da

sociedade industrial (dos fixos) para uma cartografia da sociedade informacional (dos

fluxos). Esta virtualização traz para a Cartografia Geográfica (em movimento) uma série

de implicações sobre o fazer cartográfico que se reflete na virtualização do mapa, agora

online.

2.1 Cartografia: entre o convencional e a virtualização

A Revolução da Tecnologia da Informação é um conjunto de inovações que

marca a transição de uma sociedade industrial para um sociedade informacional

(CASTELLS, 1999). O desenvolvimento e a convergência de inúmeras tecnologias e

dispositivos eletroeletrônicos, alteraram profundamente as relações materiais e simbólicas

que regem as ações humanas sobre o planeta. A era da informação proporcionou a

miniaturização dos circuitos e a redução do consumo de energia nos equipamentos

eletrônicos (NEGROPONTE, 1995).

Entre as décadas de 1980 e meados de 1990, embora os interesses econômicos

continuassem centrados no hardware78, novas empresas focaram suas atividades nas

infinitas possibilidades de inovação baseada em softwares79 que gradativamente

78 O termo hardware refere-se à parte física dos dispositivos e circuitos eletrônicos. 79 A parte lógica e operacional, o conjunto de instruções programáveis (código) que permite ao hardware executar

suas funções e reconhecer outros sistemas baseados em outros hardwares e softwares.

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assumiram o protagonismo do desenvolvimento tecnológico, popularizando o uso dos

computadores por intermédio dos sistemas operacionais gráficos80.

As estruturas de distribuição baseadas num modelo de sociedade industrial

(CASTELLS, 1999), e aspectos como: as limitações existentes em termos de redes de

comunicação e informação; do baixo poder aquisitivo das camadas populares em relação

ao alto custo dos equipamentos; e, do tamanho destes, restringiram suas aplicações. A

dimensão de seus impactos na sociedade ainda eram restritas (NEGROPONTE, 1995).

A segunda metade da década de 1990, imprime uma série de transformações

tecnológicas sem precedentes. Dois aspectos foram importantes neste processo:

Primeiro, a confluência de inúmeras tecnologias de informação e da

comunicação (convergência tecnológica) que desenvolvidas entre finais do século XIX e

durante o século XX, são incorporadas à um único dispositivo: o computador pessoal

(NEGROPONTE, 1995; CASTELLS, 1999).

Segundo, o aumento da capacidade de tráfego de dados nas estruturas

telemáticas, com o uso da fibra ótica em alta escala e de enlace por satélite, propiciou a

abertura e o estabelecimento de uma rede global de computadores denominada de Internet

comercial (NEGROPONTE, 1995).

Consideramos que este momento assinala a confluência de um conjunto de

condições técnicas, econômicas e sociais que irão constituir uma espacialidade

eletrônica81, virtual e relacional suportada pelas redes telemáticas.

Elementos desta espacialidade eletrônica são gradativamente incorporados às

práticas do campo cartográfico através das técnicas de visualização e comunicação

cartográfica, e do uso de hiperlinks e hipertextos na Cartografia Multimídia, por exemplo.

Assinala, portanto, uma evolução/ruptura tecnológica em relação aos métodos

adotados, tanto na cartografia analógica quanto na nascente cartografia digital, como

apresentaremos a seguir.

80 O sistema operacional gráfico (software) popularizou e disseminou o uso de computadores através das interfaces

comunicativas de padrão WYSIWYG (What You See Is What You Get), ou "O que você vê é o que você tem” em

sua tela, facilitando as interações entre usuários, softwares e hardware, através de monitores de vídeo. Um sistema

operacional gerencia a parte lógica que atua sobre o hardware, intermediando as ações dos demais softwares

(aplicativos) com o equipamento. 81 Nos referimos à internet e suas interconexões com outras redes, dispositivos eletrônicos, sensores, e os softwares

que dão existência às tecnologias de informação e de comunicação (redes sociais, sítios de armazenamento de

dados, etc.) e as redes de Cibercultura (grupos, comunidades, indivíduos) nos ambientes online, por exemplo.

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Esta espacialidade eletrônica, formada pela interligação de diversas redes de

computadores em topologia, constitui uma rede cartográfica virtual envolvendo o planeta

como um todo. Representa uma cartografia eletrônica fundada numa métrica fluida,

rizomática, topológica, não-euclidiana, heterogênea e relacional. Seu domínio são as redes

interconectadas, online. As ações executadas nesta espacialidade virtual (o Ciberespaço)

se manifestam em seus territórios digitais ou nos territórios (material, simbólico, cultural,

etc.) do espaço absoluto.

Temos, a coexistência de duas métricas: A das redes, se sobrepondo

eletronicamente ao espaço absoluto, que denominamos de cartografia virtual ou

cartografia eletrônica virtual; e, a do espaço absoluto, aqui denominada de cartografia

matematizada ou cartografia euclidiana.

A cartografia virtual é fluida, topológica, não-euclidiana, dinâmica,

heterogênea e relacional, está atrelada às redes e eletronicamente ao espaço circundante

do planeta. A cartografia matematizada é fixa, topográfica, euclidiana, homogênea e

estática, está associada ao espaço absoluto.

A cartografia virtual é fundada na infraestrutura física, lógica e eletrônica

(sinais/ondas) da espacialidade eletrônica e virtual denominada Internet, portanto, são co-

constituintes e indissociáveis.

Sendo a métrica destas cartografias interoperáveis82, a cartografia virtual, se

sobrepõe à cartografia matematizada seletivamente ou em simbiose, com a incorporação

de sistemas de coordenadas e de novos elementos técnicos abstratos ou palpáveis. Assim,

reconfiguram as práticas sociais, moldando novas espacialidades e territorialidades

artificializadas como parte das ações humanas (individualidades e coletividades) sobre os

territórios, as redes de Cibercultura e as Tecnologias de Informação e da Comunicação.

Em outras práticas, ambas em sinergia, atualizando ou compartilhando

reciprocamente princípios cartográficos básicos ou avançados referentes aos seus sistemas

de coordenadas, como exemplo: do sistema de coordenadas cartesianas; do protocolo de

internet (Internet Protocol – IP); dos Sistemas de Navegação Global por Satélite

82 Nos referimos a interoperabilidade técnica referente a troca de informações e de dados que permitem a

comunicação entre dos sistemas ou linguagens.

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(GNSS)83; ou, das estruturas técnicas fundadas no espaço concreto e nos ambientes online

(em rede).

Goodschild (2007) e Pickles (2012 [2004]), demonstram a manutenção,

reconfiguração, ou a superação de alguns métodos cartográficos convencionais, em

substituição ao uso de geotecnologias e dispositivos móveis através da Internet.

Ao articular aplicativos em rede (softwares), objetos técnicos especializados,

sensores, tecnologias móveis e geotecnologias – a exemplo dos experimentos de

informação geográfica voluntária de Goodchild (2007) –, traz à tona os mapas online,

consolidando uma Cartografia Geográfica que emerge renovada como movimento de

reconfiguração e transformação em sua totalidade.

Portanto, estamos falando de métricas diferentes. A cartografia virtual opera

com topologia no espaço tridimensional e para além deste.

A cartografia matematizada opera atrelada a um espaço que foi tornado plano.

Suas construções e representações referem-se a uma percepção de mundo baseada numa

materialidade da sociedade industrial, havendo um clamor pela fixidez e manutenção de

uma ordem cartesiana, como demonstram Lévy (1996) e Santos, D. (2002).

O raciocínio geográfico e as práticas cartográficas da cartografia

tradicional/convencional estão atreladas a referências absolutas de uma cartografia

matematizada da sociedade industrial. Da mesma forma, a concepção teórica que orienta

o fazer cartográfico na ciência geográfica é de uma Cartografia para Geografia.

2.2 Reconfigurações: “Cartografias” do concreto e do abstrato

A cartografia virtual porta em sua essência uma potência rizomática, já que a

ubiquidade da rede, com suas múltiplas entradas, faculta uma infinidade de interações

entre bancos de dados, objetos técnicos e uma miríade de sensores eletrônicos . Há um

dilúvio de informações através das novas mídias, expandindo as capacidades de

83 A expressão “Sistemas” é utilizada no plural para assinalar que atualmente existem em operação dois sistemas

de posicionamento global, o GPS (americano) e o GLONASS (russo), além de estarem em implementação o

GALILEO (Europeu) e o Compass (Chinês). Na atualidade inúmeros dispositivos utilizam simultaneamente

ambos os sistemas como forma de aumentar a precisão e acurácia das coordenadas obtidas por seus receptores

GPS.

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processamento da informação geográfica instantânea e sedimentando nas redes a presença

dos mapas online.

Este entrecruzamento de cartografias que aparentam ser contraditórias, se

complementa, através de duas práticas espaciais – uma concreta e outra abstrata – que

expressam a potência deste processo de transformação, incorporação e reconfiguração da

Cartografia Geográfica que se põe em movimento para pensarmos Geografia e

Cartografia.

A primeira, diz respeito a reificação por uma fixidez estruturalista, que se

manifesta de diferentes maneiras nas práticas cotidianas, no pensamento espacial (NRC,

2006), e nos conceitos da cartografia convencional atrelados a uma sociedade industrial.

De um processo histórico, onde os padrões e as técnicas estão profundamente relacionados

aos sentidos, às práticas cotidianas e ao marcadores espaciais de uma reinvenção do

espaço como demonstra Santos, D. (2002)

A segunda, evidencia a fluidez locacional, métrica e abstrata com que a

cartografia virtualizada a partir das redes telemáticas vem transformando as

espacialidades e as referências absolutas (marcadores espaciais) com os quais as diversas

sociedades historicamente lidaram, acrescentando ao raciocínio geográfico novas relações

abstratas de um espaço artificialmente virtualizado (em mutação), nos moldes

apresentados por Lévy (1996), Bauman (2014), e McLuhan (2016 [1964]).

Os elementos e pressupostos apresentados a seguir – mas não apenas estes –,

imputam à Geografia em termos epistemológicos e ontológicos repensar e embasar

teoricamente o que de fato é a sua cartografia no contexto desta sociedade informacional,

e de como se dá a produção e disseminação da informação geográfica, que moldam os

territórios e atua ativamente na produção do espaço geográfico.

Portanto, é a Geografia quem é evocada a produzir uma reflexão sobre as

práticas cartográficas no mundo atual. Como nos alerta Lacoste (2012 [1976], p. 90), ela

não pode ancorar-se como “a geografia, ciência do concreto”.84 Poderíamos questionar: o

que evidencia esta superação/reconfiguração cartográfica da qual estamos assinalando?

Como apresentar entrecruzamento de perspectivas cartográficas?

84 Expressão utilizada por Lacoste na obra: A Geografia – isto serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, onde

tece críticas às carências epistemológicas da Geografia e ao seu fazer cartográfico na década de 1970 conforme se

apresenta em Lacoste (2012), p. 90.

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O questionamento nos leva a seguinte reflexão inicial referente as práticas

cartográficas baseadas no espaço concreto: as diversas sociedades humanas, em especial

aquelas detentoras da tecnologia escrita85, em tempo-espaços distintos, sempre se valeram

de um sistema de coordenadas locacionais ou métricas baseadas em um conjunto de

informações geográficas e marcadores espaciais, como forma de mensurar e/ou estruturar

a comunicação a distância entre seus membros ou com comunidades externas, a exemplo

dos serviços postais.

A medida que os agrupamentos humanos foram crescendo e se adensando, a

complexidade das atividades econômicas e sociais tornou necessário uma construção

cartográfica que lhes permitissem localizar estruturas e o habitar dos indivíduos num dado

território, uma estratégica forma de controle social.

Na sociedade industrial pré-comunicações eletrônicas, quando dois ou mais

indivíduos distantes entre si precisavam comunicar-se pelos mais diversos motivos,

valiam-se dos sistemas de correios que se utilizavam de coordenadas (informação

geográfica) fundadas em marcadores concretos e baseadas no escopo padrão86: país,

província (estado), cidade (vila), bairro, quadra, rua, casa (número) , código postal.

Denota-se intrinsecamente um sistema cartográfico reestruturado onde as ruas (caminhos)

possuem referências (nomenclaturas) e as construções identificações (geralmente

números)87.

No mesmo sentido, agregam-se outras informações das práticas sociais, pois,

na mensagem/encomenda (carta/produto) é preciso identificar além da sua origem e do

seu destino quem envia e quem a recebe. Há uma relativa “normatização”

antroponímica, toponímica e de nomenclatura (nome, prenome e sobrenome e/ou

empresa/instituição, localidade, etc.) como forma de identificação destes interlocutores

O serviço postal utiliza uma técnica versátil, eficiente e passível de ruídos (tais

como desvios de rota, interrupções, extravios e desencontros). O controle sobre o tempo

da entrega da informação é do plano do realizável, mas com relativa incerteza de quando

85 Mas não exclusivamente estas. 86 Cada país estrutura os endereços e códigos postais segundo premissas que lhe são intrínsecas. Porém há uma

relativa padronização, o que varia em função de cada lugar, são as nomenclaturas. Sobre isto, Longley, P. A.;

Goodchild, M. F. (2011, p.127-129) apresentam exemplos e tecem considerações sobre a importância destes para

os sistemas de informação. 87 Embora em outras sociedades e momentos históricos tenham sido símbolos, à exemplo dos brasões. Estas formas

de localizações, que é também uma cartografia imagética presente nos brasões dispostos nas fachadas das casas

coloniais para assinalar/identificar o “lugar” e a importância dos que a habitam (família) naquela sociedade.

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isto se realiza, por isto, a sincronia de ações depende da chegada da informação no tempo-

espaço de cada realidade geográfica.

O uso desta estrutura nas diversas práticas sociais, políticas e econômicas é

desapercebido por seus usuários ou tomado como decorrente de uma construção natural.

Na sociedade industrial o Estado o utiliza como forma de: controle e poder sobre suas

populações; ordenamento das espacialidades e territorialidades; controle sobre a produção

e o saber cartográfico.

Embora as condições técnicas de cada momento histórico limitem a amplitude

e precisão destas ações, são saberes técnicos especializados com restrições a sua

popularização. O conjunto de informações geográficas (marcadores, referências espaciais,

coordenadas, etc.) sobre o qual o serviço postal se estrutura é parte de uma intrincada

cartografia “convencional” e hegemônica, estabelecida estrategicamente através de um

pensamento espacial referendado por uma lógica cartesiana que prima por referências

espaciais concretas na paisagem.

A segunda prática cartográfica espacial diz respeito ao advento da internet

comercial – que popularizou o uso do correio eletrônico88 e num momento posterior as

redes da Cibercultura com suas Tecnologias da Informação e da Comunicação, cuja base

tecnológica centra-se na fluidez, característica que permeia esta espacialidade abstrata e

relativa89, estabelecendo uma cartografia eletrônica, relativa, relacional e abstrata frente

a construção cartográfica convencional, historicamente utilizada para localizar o

indivíduo, instituição ou empresa no espaço geográfico e lhe entregar a informação90.

Diversos autores , demonstram a emergência de uma lógica fluida, relacional

e abstrata, calcada num espaço abstrato, onde as ações humanas ou dos objetos técnicos

que se manifestam nas redes de Cibercultura são potencializadores de ações efetivas na

88 O correio eletrônico (e-mail) foi criado em 1971 por Ray Tomlinson, engenheiro da BBN (Bolt Beranek &

Newman), empresa contratada pelo Departamento de Defesa dos EUA em 1968 para implantar a ARPANet –

Internet militar. Tomlinson somou as funcionalidades dos softwares (programas) SNDMSG (send message) e do

Readmail, e criou o primeiro endereço - tomlinson@bbn-tenexa -, para enviar e receber mensagens eletrônicas

através da ARPANet para si mesmo e posteriormente para seus usuários iniciais (colegas de trabalho). 89 Porque as suas dimensões não correspondem às dimensões do espaço concreto, ela é da ordem de qualquer lugar

onde seja possível conectar qualquer dispositivo em sua rede. O que implica em dizer que pode estar ausente em

um dado lugar no planeta ou, em termos teóricos para além dos limites deste (numa sonda espacial). 90 Gradativamente o correio eletrônico foi sendo suplantado por inúmeras tecnologias baseadas em aplicativos para

desktop e dispositivos móveis através plataformas de comunicação instantânea e interação online, à exemplo de

aplicativos de navegação GPS e de mídias sociais.

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produção do espaço concreto, estruturando uma nova relação cartográfica e espacial a

partir das redes (CASTELLS, 1999; CRAMPTON, 2009; PICKLES, 2012 [2004]).

Portanto, a Cartografia Geográfica – e por conseguinte a Geografia –, aqui é

elevada em termos epistemológicos e ontológicos a tecer e instigar noções e conceitos que

apontem para uma filosofia da abstração cartográfica como explicação destas no

ciberespaço. Como então estabelecer elementos que denotam este processo dicotômico

em termos teóricos e que nos conduzem nesta direção?

Para desvendar a potência cartográfica e a espacialidade eletrônica entranhada

neste processo, faz necessário esclarecer previamente o seguinte: as redes de

computadores (Internet/Intranet91) são estruturadas a partir da interligação de servidores92

por redes telemáticas e enlaces de satélites.

Cada servidor, computador pessoal ou dispositivo técnico conectado à rede

recebe um número de identificação único que é o Endereço de Protocolo Internet (Internet

Protocol Adress - IP)93, permitindo assim interligá-los através da tecnologia de comutação

de pacotes de dados.

Para que os dispositivos sejam encontrados (acessados) e reconhecidos com

facilidade pelo usuário, existe na rede o Sistema de Nomes de Domínios (DNS - Domain

Name System) que resolve (mapeia) todos os nomes de domínios registrados na rede

através de uma estrutura hierárquica de procura, permitindo por exemplo, localizar um

endereço internet ou encaminhar/receber um correio eletrônico (e-mail).

Os nomes de domínios são categorizados segundo uma nomenclatura que lhe

atribui uma área (zona) de endereços IP sob a autoridade de um servidor e o seu lugar na

hierarquia da rede. Existem domínios genéricos de nível superior (gTLD – generic Top

91 Intranet é uma rede de computadores de uso privado, podendo estar conectada à internet ou não. 92 Um servidor, é um computador (máquina) que possui um endereço fixo (estático) na rede e geralmente hospeda

um domínio (site), à exemplo do endereço fictício: www.minhatese.pro.br. Este domínio pode armazenar páginas

de um site, oferecer serviço de correio eletrônico (e-mail), armazenar ou disponibilizar transferência de arquivos

(File Text Protocol - FTP) ou implementar uma série de funcionalidades e serviços através de softwares. 93 O endereço IP é um datagrama formado por 4 octetos decimais (cada octeto variando de 0 a 255) na versão 4

(IPv4), suportando o equivalente à 4.294.967.296 de dispositivos conectados na internet, com endereços no

formato de exemplo: 220.23.147.213. Devido ao IPv4 já não suportar a quantidade de dispositivos conectadas na

internet atualmente, foi implementado o padrão IPv6 (versão 6) constituído de 8 grupos de números, cada grupo

com quatro dígitos em hexadecimal à exemplo do IP: 2001:0db8:85a3:08d3:1319:8a2e:0370:7344, permitindo

cerca de 340 undecilhões de endereços ou 3,41038 (Ver: http://www.antd.nist.gov/usgv6/usgv6-v1.pdf). Os

servidores de domínios possuem endereço estático (fixo). Os demais dispositivos: computadores pessoais,

celulares, tabletes, câmeras, sensores, etc. normalmente possuem IP dinâmico (variável), que lhes é atribuído cada

vez que se conecta à internet por intermédio de um servidor de domínio de rede, possibilitando identificar a pessoa

física ou jurídica a qual pertence o dispositivo conectado, bem como a origem da conexão.

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Level Domain) e domínios genéricos de topo de código de país (ccTLD – country-code

Top-Level Domain). Assim, um nome de domínio terminado em .mil ou .com são

respectivamente militar e comercial, fazendo parte dos domínios genéricos de nível

superior (gTLD).

A figura 12 apresenta este sistema de mapeamento dinâmico que constitui a espinha

dorsal da internet (e das redes), e intrinsecamente do ponto de vista lógico (fluxo) a cartografia

eletrônica em sua gênese epistemológica (em termos de representação abstrata, numa

espacialidade abstrata e virtualizada do mapa online.

O usuário não precisa decorar as centenas de milhares de números IP que

identificam os dispositivos ou sítios na internet (rede). Ele digita apenas um nome de domínio

(endereço coloquial) semelhante ao exemplo fictício: www.mapasonline.pro.br, ao invés de

utilizar o endereço de rede correspondente ao datagrama IP http://220.23.147.213 (padrão IPv4)

ou http://2012:0dbe:11a3:08f3:c3c9:8a2e:0370:6043 (formato IPv6), e o sistema DNS mapeia

(resolve o nome) associando-o ao número IP correspondente ou vice-versa. Ou seja, pode-se

acessar o dispositivo/sitio através das duas formas.

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95

Figura 12 – Estrutura do Sistema DNS

Adaptado pelo autor.

Fonte: Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN).

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96

Com a rápida expansão da internet, foram criados domínios geográficos ou

domínios de topo de código de país94 (ccTLD). Gerenciados por agências não-

governamentais, regulam o registro de nomes de domínio DNS, a alocação de endereços

IP, e administram a infraestrutura e o domínio de primeiro nível da sua zona internet

(rede).

Há um zoneamento digital (territórios digitais) na internet com faixas de

endereços IP que cada país recebe para administrar. Assim, é possível saber através do IP

a qual país (e local) corresponde a conexão95 de um determinado dispositivo/sitio.

Diante de tais considerações, conclui-se que em termos gerais, mas também

geográficos, temos uma estrutura cartográfica virtual que identifica o

equipamento/usuário por IP (único na rede) associado à uma zona de rede internet

(território digital), correspondente a um determinado território (no espaço concreto)96.

Embora as relações e lógicas espaciais entre as cartografia eletrônica virtual e

a cartográfica matematizada sejam assimétricas, observam-se algumas simetrias

estruturais, pois, como as ações humanas se dão nos territórios, as estruturas físicas e a

cartografia de endereçamentos construídos por ambas, embora não intencionais, indicam

claramente que elas simbióticas, sendo possível a localização física aproximada do local

onde ocorreu um acesso à internet, ou de um evento/ação na sua estrutura lógica e

cartográfica da rede. Com as tecnologias móveis associada às geotecnologias esta

localização tornou-se precisa.

Em síntese, denota-se que estas duas perspectivas cartográficas são simbióticas

e nada mais são do que uma atualização/reestruturação de um processo comunicativo e de

apropriação do espaço geográfico. Uma, da ordem do concreto, a outra do abstrato no

abstrato que implica em virtualização, todavia, ambas partem de um mesmo sistema.

Como exemplo, as zonas de endereços IP assemelham-se aos códigos de área de Discagem

Direta à Distância (DDD) utilizados na telefonia fixa e móvel.

94 Geralmente, cada país tem um domínio de topo (regulamentado e gerido por um organismo não governamental)

com uma nomenclatura que identifica a sua estrutura de internet (servidores), que gerencia a rede em seu território.

Como exemplo, no Brasil é .br, no México é .mx. A única exceção são os Estados Unidos da América que

normalmente desde os princípios da internet comercial utilizam domínios de topo genérico .gov, .mil, .org para

seus órgãos e instituições governamentais, e .com, etc. para domínios comerciais registrados naquele país.

Entretanto, o registro de um domínio em um país não impõe que a máquina (servidor) fisicamente esteja localizada

naquele território. 95 Embora em termos práticos uma conexão IP possa ser mascarada dinamicamente o que dificulta sua localização. 96 Porém, este zoneamento à princípio não garante precisão locacional, em função do tipo de conexão, se por fibra,

enlace de satélite, via rádio, etc., e/ou do operador de internet que fornece o IP.

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97

Nas grandes áreas urbanizadas as faixas de IP são intencionalmente

segmentadas pelas empresas provedoras de acesso à internet, de tal forma, que o nível de

refinamento se assemelha a um Código de Endereçamento Postal (CEP), permitindo

codificar hierarquicamente cidades, bairros, quadras e ruas, garantindo uma relativa

precisão locacional de usuários e dispositivos.

Temos uma geocodificação que converte esta cartografia eletrônica em

coordenadas utilizadas pela cartografia matematizada/digital nos territórios. Este arranjo,

implica no entendimento de que embora na internet tenhamos uma cartografia eletrônica

virtual, sua estrutura fluídica e eletrônica que se dissemina sobre os territórios através de

nós de conexão (rizoma), permitem uma sinergia com as estruturas físicas codificadas pela

cartografia matematizada.

São modos cartográficos assimétricos que procedem de modo simétrico a uma

racionalidade técnica atuando sobre a produção do espaço. Simetria não enquanto

construção matemática perfeita ou quase perfeita, mas sim, do ponto de vista político

enquanto simetria estrutural, não necessariamente formal, porque ela impõe negociações,

agenciamentos e pontos de fuga (DELEUZE, 1988; DELEUZE e GUATTARI, 1997),

relações de saber e poder (FOUCAULT, 1979), territorialização e desterritorialização

(HAESBAERT, 2007).

Um objeto técnico que sinaliza a gênese desta cartografia eletrônica nas redes,

respondendo no plano da ação concreta é a mensagem eletrônica97 que substitui o sistema

de postagens tradicional. Um não elimina o outro, mas melhora a precisão, o controle e a

velocidade sobre o comando das ações no território, ou seja, o e-mail assegurou uma quase

instantaneidade sobre o controle e a sincronicidade do tempo-espaço no mundo das

relações pessoais e econômicas. Além de estabelecer marcadores abstratos numa

cartografia abstrata e sutil.

Assim, temos uma relação cartográfica virtual que se manifesta através de uma

ação humana no espaço concreto. Nesta relação, são incorporados novos elementos e ao

raciocínio geográfico e consequentemente ao pensamento espacial – na perspectiva do

NRC (2006), pois, implica em um processo cognitivo de compreensão de conceitos

97 Aqui refere-se ao e-mail, mas, a mensagem eletrônica diz respeito também à uma série de aplicativos e

tecnologias de comunicação eletrônica a exemplo das redes sociais diversas.

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98

espaciais e de raciocínio espacial referentes à dimensão ubíqua dos lugares nas redes de

Cibercultura.

Compreender, relacionar, explicar e interpretar, por exemplo, onde estão as

informações/informação geográfica na rede (nuvem, sítio, mapa online, rede social, e-

mail, dado de um sensor remoto, etc.), implica em um processo de raciocínio espacial para

a compreensão de marcadores e coordenadas abstratas, estas completamente diferentes

daquelas utilizadas no espaço absoluto, por exemplo, da ação de ir aos correios ou esperar

a correspondência, que chega com a informação.

O sistema de correios tradicional pertence a esta ordem convencional, ao passo

que o correio eletrônico e as formas de comunicação que posteriormente o superam – a

exemplo das redes sociais –, encarnam a gênese deste conjunto de aportes que a

cartografia em rede (online, eletrônica, virtual, etc.) traz para o bojo do fazer cartográfico

(em termos teóricos e práticos) revelada através de uma lógica assimétrica, rizomática e

relativa.

Compreendemos que no correio eletrônico a mensagem não precisa do

intermediário (portador), ela é endereçada pelo remetente a um destinatário em um sistema

de coordenadas de uma cartografia eletrônica virtual abstrata, relativa98 e ubíqua -

(WEISER, 1993), que virtualmente, através de software e rede, estrutura um sistema de

localização preciso com endereçamento absoluto num espaço virtualizado, cujo lugar de

acesso à mensagem é relativo no espaço concreto.

Seu escopo permeia uma outra construção espacial e cartográfica que demanda

a ordem da complexidade: apelido (nickname), @ (em/no = endereçado a), identificador

de domínio de nível mais baixo (servidor), identificador de domínio de segundo nível

(finalidade), domínio de topo (país)99.

Como exemplo, o endereço: [email protected] localiza o domínio

(servidor) deste destinatário, para onde uma dada informação (mensagem) flui numa

espacialidade cartográfica, relacional, relativa, absoluta e “não física”.

98 Para onde todos os tempo-espaço dos homens em suas práticas cotidianas convergem. 99 Quando aplicável. 100 Um usuário tese, do domínio mapasonline, de fins educacionais, com domínio de topo atrelado ao Brasil. Isto

necessariamente não impede que fisicamente este servidor esteja localizado num outro país através de

redirecionamento do protocolo IP.

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99

É relativa e relacional porque estabelece outras métricas e adiciona ao

pensamento espacial, uma percepção das espacialidades e territorialidades completamente

diferente daqueles baseados em marcadores da paisagem geográfica, mas sim, num

modelo mental pessoal, baseado em endereços e zonas IP ou construções abstratas que

lhes são particulares.

O destinatário não mais se dirige a um local para encontrar a informação

fisicamente, ela a acessa remotamente de qualquer lugar passível de haver uma conexão,

um nó, nesta intrincada e complexa rede virtual, ubíqua, que tal qual um rizoma, envolve

eletrônica e cartograficamente o planeta.

Para Levy (2000), passamos da noção de canal e de rede, os veículos da

informação não estão mais no espaço, há uma revolução topológica, todo o espaço torna-

se um canal interativo.

Compreendemos, que nesta perspectiva, o planeta, nada mais é que um mapa

online abrigando outros mapas possíveis, tal qual um rizoma, na possibilidade de vir a se

constituir, permeando outras espacialidades e sistemas de coordenadas (endereço

eletrônico e protocolo internet – IP) que se referem a outras territorialidades digitais em

seu interior e exterior.

Embora em determinada coordenada do espaço geográfico (território) exista

fisicamente uma máquina (servidor) armazenando esta informação, não importa se ela está

ao seu lado ou a milhares de quilômetros de distância, pois, a mensagem estará onipresente

em qualquer ponto de acesso.

Sua identificação IP e seu nome de domínio podem estar associados a zonas

de regulamentação internet de um determinado país, e, o servidor (concreto) localizado

em outro. Nesta ubiquidade cartográfica que aqui se apresenta, o que importa é a ação

humana no espaço concreto, quando o usuário imprime um ato, por isto, ela também é

absoluta e cartografável convencionalmente nos dois sentidos: seja onde está localizado o

servidor com a mensagem ou o local/lugar em que destinatário a visualiza e o tipo de

dispositivo que utiliza.

Isto denota os princípios uma cartografia, relativa e assimétrica que se projeta

eletronicamente no espaço geográfico cuja representação espacial, nada mais é que a

espacialidade de um mapa ubíquo, global e “desprovido” a princípio de um suporte

concreto, fluido, agora virtual, porém, com manifestações que se materializam através dos

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atos e ações humanas no lugar ou no território através do(s) comando(s)101 que a

mensagem/informação (geográfica) porta.

Cartografia eletrônica virtual que envolve o planeta e se coloca como rizoma

numa dimensão imanente para que outros nós (mapas online) se utilizando da informação

geográfica (instantânea) criem suas ramificações e interações em meio a uma computação

ubíqua de objetos técnicos, geotecnologias, interação humana, sistemas autônomos e

fenômenos da natureza. Para Latour (1994), estas relações entre os homens e as máquinas,

tal qual natureza e cultura, provam que os espaços nunca foram puros, vivenciamos o

híbrido.

Adentramos em uma lógica rizomática (DELEUZE e GUATTARI, 1997) e

relativa que remete ao estabelecimento de uma ontologia/epistemologia geográfica para

uma Cartográfica Geográfica (em movimento) que possibilite uma construção capaz de

acompanhar este continuum de inovação e transformação provocado pela técnica atuando

em seu próprio aperfeiçoamento, diante de relações dinâmicas e fluidas (PRIGOGINE,

1996; BAUMAN, 2014) que marcam cada vez mais as ações humanas sobre as redes e as

espacialidades.

Esta cartografia eletrônica virtual que sustenta a infraestrutura lógica das redes

de Cibercultura, territorializa a vida e as ações humanas nas redes, com sérios reflexos

sobre a apropriação e produção do espaço, pois esta, sendo composta por territórios

digitais (a começar pela nomenclatura dos endereços de internet e classificação dos IPs ),

possibilita a criação de filtros que autorizam/negam o acesso à informação em diversos

níveis e determinadas faixas de IP, ou controlam a navegação plena102 dos usuários na

rede, tornando sítios e plataformas invisíveis, inacessíveis, ou inalcançáveis num

determinado país/território através de uma simples linha de comando de programação no

arquivo da tabela de DNS local (ccTLD), por exemplo.

101 Comando no sentido de constituir-se por exemplo: uma notícia familiar, uma ordem empresarial, um ato a ser

executado, uma lei, dados de um estudo, etc. 102 Sem restrições.

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101

Assim, os conflitos locais (figura 13)103, a geopolítica e a guerra cibernética

(figura 14)104, algumas relações de inclusão e exclusão que se apresentam em todas as

suas nuances no cotidiano, adentram nas territorialidades digitais (no contexto de

território usado), podendo serem cartografados através da rede.

Em nível teórico/prático permitem a abertura da Cartografia em direção à

virtualização, ao mesmo tempo estabelece os princípios fundamentais de uma Cartografia

Geográfica (em movimento), todavia, não se restringe ao campo da Geografia, nem

tampouco da Cartografia.

Figura 13 – Restrições a redes sociais – Conflito eleitoral - Argélia

Fonte: Netblocks.org

Adaptado pelo autor.

Com base em tal análise, compreendemos que há uma simetria estrutural entre

“estas cartografias”105 diante de um processo de ruptura ou fragmentação da cartografia

convencional, em meio a uma reconfiguração de espacialidades onde a ciência, a técnica

e a informação geográfica (em especial, a instantânea) assumem posto central.

103 Interrupções na Internet ocorreram em bairros e locais específicos de Argel (Capital da Argélia) em 08/08/2019,

quando uma aliança de grupos políticos de oposição ao governo local, pediu à população através das redes sociais

que manifestações fossem realizadas em algumas ruas e transmitidas via internet após as orações de 08/08/2019,

devido a retirada de vários partidos e candidatos opositores das eleições presidenciais programadas para 18 de

abril de 2019. 104 Mapa online dinâmico e em tempo real que apresenta diversos tipos de ataques cibernéticos entre provedores

(ISP) de países e empresas de tecnologias em 25/12/2015 às 15h:06m:12s (horário de Brasília). 105 No sentido de que estamos tratando de uma única cartografia que emerge renovada no ambiente das redes. Ela

é um movimento, não uma dicotomia. Esta aqui utilizada como metáfora conforme já explicado anteriormente.

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102

Os elementos estruturantes do paradigma cartográfico convencional se fundam

em referências espaciais concretas e absolutas da paisagem geográfica e das

territorialidades. Suas abstrações se remetem a ações no espaço absoluto, rígido e

estruturalista em suas normas cartesianas, nunca relativo.

Figura 14 – Mapa de ataques cibernéticos entre ISP de países e empresas de tecnologia.

Fonte: Mapa online em tempo real da NORSE em: https://norse-corp.com/map/#. Acessado em 25/12/2015

às 15h:06m:12s (horário de Brasília).

Entretanto, estas cartografias não competem entre si, sinergicamente co-constituem

um movimento de ressignificação, reconfiguração e transformação diante as demandas da

sociedade, ancorando a emergência e consolidação desta Cartografia Geográfica. A figura

15 apresenta marcadores e referências utilizadas nas práticas espaciais da cartografia

eletrônica e da cartografia convencional, que em termos subjetivos denotam estas lógicas

espaciais concreta e abstrata.

Se de um lado a cartografia convencional tem seu pilar nos sistemas de

coordenadas geográficas (concepção abstrata para o espaço concreto e absoluto), do outro,

a cartografia virtualizada online está fundada nos endereços IP (coordenadas abstratas

passiveis de conversão a absolutas em um espaço abstrato, virtualizado, dinâmico e

rizomático, com raciocínios abstratos para ações relativas), moldando as redes de

comunicação e informação.

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103

Figura 15 - Marcadores das cartografias: virtual (relativa) x convencional (absoluta)

Organização: o autor.

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Esta cartografia é da ordem dos fluxos, do que está sempre em aberto, uma estrutura

rizomática de múltiplas perspectivas com modos de usos, de entradas ou de saídas que nos

remetem a complexidade e a multiplicidade de um espaço cada vem mais tecnificado e

artificializado.

A cartografia virtual, exemplificada pelo correio eletrônico (e-mail) – e aqui

tomado com um serviço básico da internet que fundamenta nossa reflexão teórica –,

desestabiliza e fragmenta os centros de controle e de poder da sociedade industrial,

impondo à princípio uma horizontalidade sobre a verticalidade de quem domina e porta a

informação geográfica (instantânea) na sociedade informacional.

O correio eletrônico em sua dinamicidade e ubiquidade espacial acelera o comando

das ações à distância comprimindo o tempo que se dobra ao espaço. Entretanto, as

condições técnicas, quando da sua popularização, não permitiam uma sincronicidade do

tempo, ainda era necessário dirigir-se até uma máquina conectada fisicamente à internet.

A sincronicidade é condição necessária para correlacionar o comando sobre as

ações dos homens e dos objetos técnicos no espaço, o que há é uma “convergência dos

momentos” conforme assinalado por Santos (1996, p.157), porém, não se trata do mesmo

aspecto. Como técnica de comunicação o e-mail, revelou-se eficaz, mas não reuniu os

elementos para um controle preciso do tempo (sincronicidade) em meio a instantaneidade

da informação como fazem as redes sociais na contemporaneidade.

Como analisaremos mais à frente, a sincronicidade é condição imprescindível para

uma construção cartográfica dinâmica e síncrona, característica intrínseca das

geotecnologias e da computação móvel enquanto parte deste movimento de

reconfiguração espacial, do qual emerge a cartografia nos moldes aqui defendida.

O caractere que queremos assinalar neste processo, é que sob o ponto de vista

eletrônico e da efetividade das ações humanas sobre a rede (para além do ciberespaço),

esta cartografia envolve o planeta num imenso globo e/ou mapa virtualizado em três

dimensões (3D).

No plano cartográfico inúmeras são as transformações que consol idam esta

Cartografia Geográfica que emerge das redes informacionais, inaugurando novas

espacialidades e territorialidades virtualizadas com profundas implicações no espaço

absoluto a partir da captura da informação geográfica em tempo real, do poder de

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105

processamento e penetração social da computação móvel, e da ubiquidade de objetos

técnicos especializados conectados às redes telemáticas, em especial a internet.

A Internet com suas redes de Cibercultura, ao estabelecer um espaço global

interconectado impactou diretamente as relações humanas, institucionais e comerciais

como nenhuma outra técnica ou conjunto de técnicas anteriores. A figura 16 apresenta o

acelerado número de usuários de internet e da sua aceitação num período de apenas cinco

anos.

As consequência deste processo são apresentadas por diversos autores ao

analisarem as mudanças ocorridas na sociedade frente aos: impactos de uma vida digital

(NEGROPONTE, 1995); das implicações econômicas, sociais, culturais e políticas de uma

sociedade informacional (CASTELLS, 1999); da cibercultura, conduzida pelas

tecnologias da inteligência alterando as relações de saber e poder (LÉVY, 2000; 2001);

ou, das relações econômicas e as mudanças no mundo do trabalho com o desemprego

estrutural provocado pela automação em decorrência de uma revolução técnico-científica

(SCHAFF, 1990).

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Figura 16 - Evolução do número de usuários internet no mundo entre os anos 1995 e 2000.

Fonte: IDC (2000); ITU (2018)

Organização: o autor

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3. GEOTECNOLOGIAS E INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA

Neste capítulo analisamos como a convergência tecnológica entre as

geotecnologias, dispositivos móveis, as tecnologias de informação e da comunicação e

objetos técnicos especializados, articulam uma computação ubíqua, que possibilita através

das redes telemáticas106 e das redes da Cibercultura a disseminação de informação

geográfica instantânea, base para a elaboração de mapas online. Apresenta como os mapas

online suportados pelas geotecnologias e a informação geográfica (instantânea) alteram a

forma como individualmente e coletivamente nos comunicamos, produzimos e nos

apropriamos de parcelas do espaço (territórios).

3.1 Convergência tecnológica, eficiência energética e computação móvel

A primeira década dos anos 2000 consolida uma computação ubíqua com a

disseminação de dispositivos móveis de uso pessoal - em especial os telefones inteligentes

(smartphones)107 -, que expandem o uso das tecnologias de informação e comunicação

para além dos ambientes empresariais e do reduzido número de domicílios conectados,

alçando a computação ao nível individual, ou seja, do indivíduo em rede a todo momento

e em qualquer lugar, desobrigando-o da necessidade de estar preso a um equipamento

numa mesa ou a uma conexão fixa.

A figura 17, demonstra que embora o crescimento de usuários na internet e de sua

penetrabilidade na sociedade tenha sido acelerado, saltando de 16 para 361 milhões de

usuários entre os anos 1995 e 2000, percentualmente esta relação corresponde a apenas

5,87% da população mundial com acesso a rede.

Com a computação móvel – baseada em telefones inteligentes108, tabletes

(tablets)109 e notebooks, num período de dez anos este acesso salta para 28,33% em 2010,

e atinge 54,40% em 2017. Se por um lado isto revela significativa parcela da população

106 As redes telemáticas constituem um conjunto de serviços fornecidos pelas redes de telecomunicações. 107 Telefones inteligentes ou smartphones, são telefones celulares com capacidade de conexão à rede de dados

móveis objetivando acesso à internet, possuem uma gama de sensores e hardwares embarcados (a exemplo de:

giroscópios, receptores GPS, acelerômetros, câmeras, amplificadores e som, etc.). Devido ao seu poder de

processamento (alguns semelhantes à computadores pessoais de mesa), são capazes de executar uma infinidade de

funcionalidades, devido à softwares (aplicativos) instalados sob demanda pelo usuário. 108 Lançados comercialmente a partir de 2007 pela Apple Computer Inc. e em seguida por outras empresas de

tecnologia. Também denominados de smartphones. 109 Na grafia inglesa e mais comumente utilizada.

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108

planetária sem acesso a rede, por outro, demonstra o grau de utilização das tecnologias

móveis numa escala pessoal e universal sem precedente anterior.

Responsáveis por capitanear esta penetrabilidade da rede entre todos os

estratos sociais, os smartphones, alçaram a computação ao nível do indivíduo online, ao

mesmo tempo, assumiram a polarização tecnológica que entre meados das décadas de

1980 e 2000 foi conduzida pelo computador pessoal (desktop). A figura 18 explicita

claramente esta mudança de comportamento e de penetrabilidade da rede, quando no ano

de 2010, o número de assinantes ativos de banda larga via telefonia móvel supera pela

primeira vez o número daqueles que o fazem através de banda larga fixa.

Esta mobilidade advinda do aumento da capacidade de processamento do

hardware, e da eficiência energética dos dispositivos móveis ou fixos conectados em rede,

é resultado da convergência tecnológica e da miniaturização em larga escala de

componentes, hardwares e interfaces de comunicação moderna, sistemas micro

eletromecânicos (MEMS - Microelectronic and Microelectromechanical Systems)110,

além de softwares (aplicativos e sistemas baseados em inteligência artificial) (GABRIEL,

JARVIS et al., 1988; GAD EL HAK, 2006).

110 Os MEMS são máquinas micro-eletro-mecânicas que fazem parte de um conjunto de tecnologias microscópicas

que englobam os sistemas nano-eletromecânicos e nanotecnologias. Seus componentes são construídos numa

escala da ordem entre 1 e 150 µm (micrometros), compostos um microprocessador (responsável por processar

dados e gerenciar informações) e partes mecânicas, eletromecânicas e sensores que interagem com o ambiente.

Construídos com diversos materiais (silício, metais, polímeros e cerâmicas) através de processo eletrônico ou

litografia, o consumo de energia de alguns componentes é “desprezível”, da ordem de 3.0kV, outros funcionam

com o próprio magnetismo e energia estática do ambiente. Ver: (GABRIEL, JARVIS et al., 1988) e (GAD EL

HAK, 2006), em especial partes (tomo) 1-1 a 6-1.

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109

Figura 17 - Relação usuários de internet x população mundial.

Fonte: Estimativas da população mundial referente aos anos 1995 a 2017 – (UNDESA, 2017). Dados de usuários internet entre os anos 1995 a 2017 – (ITU, 2017a; b).

Elaboração: o autor

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110

Figura 18 - Principais indicadores de TIC por regiões (totais e taxas de penetração).

Fonte: (ITU, 2017b). As informações referentes ao ano 2017 foram estimados pela fonte.

Elaboração: o autor

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111

A figura 19, apresenta exemplos desta miniaturização de equipamentos, da

eficiência energética e da convergência de tecnologias que permitem o desenvolvimento

de uma infinidade de dispositivos eletrônicos e aplicações conectados em rede, capazes

de prover informação geográfica instantânea.

A sinergia e interdependência entre diversas áreas do conhecimento,

desenvolveu um conjunto articulado e diverso de objetos técnicos especializados,

eficientes e sutis que são incorporados a diversas plataformas técnicas operacionais e

conectados em rede.

Este continuum de inovação caracterizado pela integração ou incorporação de

diversas tecnologias, ocorre com o computador, o desenvolvimento da internet, da

computação móvel, de objetos técnicos especializados e softwares embarcados. Também

envolve um arcabouço de tecnologias advindas da: Geografia, Cartografia, Sensoriamento

Remoto, Sistemas de Navegação Global por Satélite (GNSS)111, etc., os quais, assumem

lugar “central” neste movimento, pois, atuando sinergicamente através de dispositivos e

sistemas embarcados, são capazes de prover e/ou coletar/monitorar/mapear/analisar

espacialmente informação geográfica associada a um par de coordenadas espaciais.

111 Global Navigation Satellite System (Sistemas de Navegação Global por Satélite). Entrelaçamento dos Sistemas

de Posição Global: GPS, GLONASS, GALILEO e BEIDOU (Compass), que adotado em receptores e sistemas de

posicionamento, melhoram a geometria e a disponibilidade de sinal, aumentando a confiabilidade e a precisão no

levantamento de coordenadas e dados espaciais.

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112

Figura 19 - Eficiência energética (a), Convergência tecnológica (b) e Miniaturização (c).

Elaboração: o autor

As imagens em (a) são creditadas à Universidade Carnegie Mellon em: www.andrew.cmu.edu, em (c) a imagem do giroscópio MEMS são de um smartphone (Iphone) e são

creditadas à chipworks.

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113

3.2 Geotecnologias, objetos técnicos especializados e acurácia

O embarque de inúmeras geotecnologias – em especial sensores de localização

e giroscópios – em inúmeros objetos técnicos especializados conectados em rede (online),

expandiu a capacidade da rede internet de prover informação geográfica instantânea.

São exemplos de objetos técnicos especializados com geotecnologias

embarcadas, aqueles de uso civil ou militar, de uso individual ou coletivo, operados de

forma manual, remota ou automaticamente por humanos ou softwares, quer sejam

dispositivos móveis, câmeras em geral, armamentos, sistemas autônomos ou

semiautônomos de uso terrestre, aéreo, marítimo ou espacial, sensores e micro sensores,

que gerenciados por intermédio de aplicativos instalados nestes equipamentos tem a

capacidade de conexão com as diversas redes, em especial, com a internet, seja de forma

direta ou indireta (telefonia/satélite/rede privada).

Estes dispositivos, são capazes segundo suas especialidades e finalidades, de

prover, processar ou analisar informação geográfica instantânea dotada de coordenadas

espaciais sobre o comportamento (no tempo-espaço) de qualquer processo ou fenômeno

passível de ser capturado pelos mais diversos instrumentos de monitoramento em um dado

território (inclusive os digitais).

Estes objetos técnicos especializados, impelidos pela ação humana em sua

apropriação do espaço geográfico, incorporam ou portam em si mesmo a potência

rizomática, a capacidade técnica de constituir, ampliar ou utilizar a sensibilidade de uma

cartografia online através de redes de informação geográfica instantânea.

Revela-se uma multiplicidade ou possibilidades de análises e entrelaçamentos

– segundo as necessidades e o poder de quem controla (filtros) ou tem acesso à estas redes

de informação geográfica instantânea –, possibilitando tecnicamente a elaboração de

mapas online, dinâmicos, interativos e fluídos através das redes.

As geotecnologias, constituem os elementos estruturantes desta transformação

tecnológica e cartográfica, deste processo centrado na informação geográfica instantânea

que constitui o cerne de uma economia informacional, conforme demonstra Castells

(1999), e simultaneamente de um capitalismo de vigilância (ZUBOFF, 2019).

Em nossa análise, o cerne deste processo se dá com a abertura do Sistema de

Posicionamento Global GPS/NAVSTAR para uso civil, e posteriormente, com a

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114

incorporação entre a primeira e meados da segunda década dos anos 2000 dos sistemas

GLONASS, GALILEO e BEIDOU (COMPASS), originando a constelação GNSS. Isto

proporcionou a sociedade em geral, especialmente as coletividades e individualidades

engajadas na coleta de dados geográficos, a produção e disseminação instantânea de

informação geográfica georreferenciada em função do desenvolvimento de receptores e

navegadores GPS.

A miniaturização e incorporação destes numa miríade de objetos técnicos

especializados, e associados a uma infinidade de sensores e biossensores112: de

temperatura, de pressão atmosférica, giroscópios, acelerômetros, ultrassom,

infravermelho, barômetros, higrômetros, etc. (GABRIEL, JARVIS et al., 1988; KRAAK

e VAN DRIEL, 1997; GAD EL HAK, 2006), permitiu a sinergia e interoperabilidade

técnica necessária para que as geotecnologias adentrassem ativamente numa vasta gama

de processos humanos permitindo assim sua popularização.

A contribuição mais importante para a consolidação e emergência desta

cartografia virtual em rede (online) que se estabelece no nível pessoal, coletivo e

instrumental (objetos técnicos) – atuando da microescala local às dimensões do global –,

decorre no nível básico, da associação entre endereço IP (acesso à internet) e da obtenção

de coordenadas geográficas (receptores GPS) integrados num único dispositivo.

Como todo aparelho conectado em rede possui um número IP associado a um

usuário ou objeto específico, é possível localizá-lo com relativa precisão, devido a

segmentação de faixas de endereço IP, mas não com exatidão (como já descrito

anteriormente). Com a miniaturização e a incorporação de receptores GPS aos dispositivos

eletrônicos, estes passam a receber e processar de modo contínuo as informações

referentes às coordenadas geográficas do seu local com precisão e exatidão.

Nas redes de telefonia celular, a precisão e exatidão é maior com o uso do

sistema A-GPS113 (GPS assistido) em função da triangulação de sinais entre bases fixas

112 Os biossensores eletrônicos diferente dos semicondutores inorgânicos (microchip/circuito integrado) são

construídos a partir de polímeros condutores, estes, base da eletrônica molecular ou orgânica, dando origem aos

transistores orgânicos de escala nanométrica utilizados na criação de uma gama de biossensores, a exemplo de

sensores biométricos, medidores de glicose, batimentos e frequência cardíaca, detectores de vírus por análise de

DNA, medidores de fluxo sanguíneo, etc. 113 A diferença entre o sistema GPS e o A-GPS é que este último utiliza um sinal de correção emitido pelas antenas

de telefonia celular. Nestas antenas existem estações rádio base interligadas a servidores que conhecem as

coordenadas geográficas do local da antena, estas são calculadas previamente com acurácia quando ocorre a

instalação do serviço de telefonia móvel. Receptores GPS e sistemas são instalados nestas bases para receberem

se atrasos os sinais com as informações sobre a localização da constelação de satélites disponíveis no céu

(almanaque) e das coordenadas do local onde se encontra a antena. Porém, este sinal recebido é fragmentado e/ou

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115

(com servidores) instalados nas torres de transmissão numa área de cobertura – que

recebem continuamente as informações sobre órbita e localização dos satélites sem

atrasos.

Os servidores comparam estes sinais com os recebidos pelo receptor GPS,

realizando um pré-processamento em relação àqueles conhecidos por suas bases (que

possuem coordenadas com acurácia e precisão) e os retransmite de volta para a(s)

antena(s).

Com estas informações, o software que gerencia o receptor A-GPS do celular

do usuário realiza apenas alguns cálculos de triangulação em relação a(s) antena(s)

móveis, obtendo suas coordenadas rapidamente. Quando realizada exclusivamente pelo

aparelho celular, torna-se tecnicamente uma operação lenta (milésimos de

segundos/segundo), devido as condições atmosféricas e obstáculos da paisagem

interferirem no tempo de sincronismo de sinais com os satélites em órbita. A figura 20

ilustra o funcionamento dos dois modos de operação.

A junção destes dois elementos – IP e coordenadas (marcadores básicos e

abstratos que integram os raciocínios cartográficos convencional e o eletrônico nas redes,

enquanto pensamento espacial), permitem o envio desta informação geográfica associada

a quaisquer outra gerada ou recebida por este dispositivo. Incorpora-se a este esquema um

terceiro e quarto constituintes da informação geográfica – antes opcionais –, que são as

dimensões tempo e altitude oriundos dos receptores GPS.

degradado (sinal de portadora L1) não possuindo acurácia. A base realiza continuamente um pré-processamento

entre a coordenada conhecida (com acurácia) e aquela obtida pelo receptor GPS (sinal degradado) gerando uma

coordenada (sinal de correção) que é retransmitido para a(s) antena(s) de telefonia móvel de sua área de cobertura,

e estas, as retransmite para os telefones celulares dos usuários que realizam simples cálculos de triangulação de

sinais, obtendo coordenadas com maior rapidez e precisão. Quando se utiliza apenas o GPS do telefone do usuário

para obter as coordenadas geográficas, este processo é mais lento e de menor precisão espacial, pois, este pode

levar de 1 segundo a alguns minutos para obter as coordenadas em função de interferências tais como: edifícios,

árvores, e fenômenos atmosféricos. Esta técnica é semelhante aos princípios básicos de funcionamento do GPS

Diferencial (Differential Global Positioning System - DGPS).

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116

Figura 20 - Tipos de recepção GPS em redes móveis

Elaboração: o autor

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117

3.3 Informação geográfica instantânea: uma onipresença cartográfica e posicional

Com a computação móvel e ubíqua, a identificação, localização e

monitoramento ao nível do indivíduo ou de qualquer objeto tornou-se ação comum, pois,

nestas redes têm-se à disposição: o endereço IP, as coordenadas geográficas, o número da

linha/chip celular (associado à um usuário), o endereço de e-mail – geralmente associado

a um perfil pessoal114 de ingresso nas redes sociais ou em sistemas de distribuição de

aplicativos para celulares.

Compreendemos que a computação móvel e as geotecnologias embarcadas em

objetos técnicos especializados, potencializam o fim da privacidade individual (ZUBOFF,

2019) com a geração de informação geográfica instantânea.

Identificar e cartografar certas ações e atividades dos indivíduos ou de objetos

técnicos no cotidiano tornou-se uma tarefa relativamente simples e corriqueira para

operadoras de telecomunicações, empresas de tecnologia, agentes detentores de

conhecimento técnico especializado, o Estado, e por vezes, alguns indivíduos com o

conhecimento técnico especializado.

Como exemplo, os telefones celulares inteligentes (smartphones) e tablets, ao

incorporarem receptores GPS e/ou A-GPS, e sendo portadores de câmeras, giroscópios,

acelerômetros e conexão em rede (online), alçam as possibilidades de mapeamento e

detalhamento da informação geográfica instantânea a um grau de possibilidades múltiplas.

As fotografias e vídeos oriundos destes dispositivos, passam a serem geocodificados ou

geoidentificados (geotagging)115.

Simultaneamente, torna-se possível com acelerômetros e giroscópios elaborar

um mapa online que possa: identificar o movimento do usuário; a inclinação do

equipamento; a orientação automática de um mapa ou imagem num visor ou tela;

desenvolver softwares para agirem como bússolas digitais e sistemas inerciais de

navegação, indicando direção, inclinação e ângulos; calcular aceleração, ou mapear as

formas de circulação e os espaços pelos quais o usuário transita e interage com os objetos

e as coisas dispostas nos territórios (A figura 21 apresenta este argumento).

114 Ou relacionado à uma empresa ou instituição de pesquisa, etc. 115 Geotagging ou geoidentificação é uma técnica utilizada para adicionar informação geográfica - normalmente

latitude e longitude - em fotografias, vídeos, mensagens SMS, websites, códigos QR, etc. A depender do software

(aplicativo) utilizado e dos sensores embutidos no equipamento gerador pode armazenar também dados de:

altitude, rumo, distância, precisão, data, hora, tipo de sensor, etc.

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118

Figura 21 – Google Maps – Mapa (online) de realidade argumentada

Fonte: Bastone, (2019)

Organizado pelo autor.

a) b) c) d)

e) f) g)

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119

Mais do que isto, a concretude da captura instantânea de uma série de

parâmetros relacionados a velocidade e deslocamento, facultou o aperfeiçoamento de

controle do tempo através de previsibilidade em tempo real da dinâmica de mobilidade,

de interação e das inter-relações estabelecidas no tempo-espaço entre as ações humanas,

os objetos técnicos e as coisas.

Os mapas online, ao proporcionarem uma tutoria de deslocamento espacial

através de sensores e aplicativos embarcados, alteram substancialmente o raciocínio

geográfico e a forma como os indivíduos e as coletividades percebem, compreendem e

produzem o mundo na contemporaneidade, portanto, nos referimos à uma mudança no

pensamento espacial. Inúmeras são as tecnologias cartográficas interativas, assistivas ou

eletrônicas conduzindo ou orientando pessoas entre as múltiplas territorialidades das

cidades e dos lugares.

O pensamento espacial requerer um raciocínio geográfico (NRC, 2006), uma

construção simbólica que orienta nosso deslocar, nossa compreensão de mundo, de

território, de lugar, estabelecendo relações com nossas ações e atividades cotidianas.

O desenvolvimento de um raciocínio geográfico em sua dimensão plena116,

sempre se valeu de: marcadores espaciais (oficiais ou não); formas de orientação; e,

mensuração do espaço. Construídos empiricamente através dos sentidos humanos, da

observação da natureza, e de ordenações simbólicas da vida em sociedade, estes, são

atualizados ou gradativamente substituídos por técnicas e medidas mais precisas conforme

as normas ou propósitos de sociedade.

Este argumento não é novo, Dardel (2015, p. 11)117 afirma que a distância

geográfica não carece de medida objetiva ou de unidades pré-determinadas, assim:

Desde sua infância, nas primeiras civilizações, o homem se municia de marcadores

para se orientar: a casa da família, a torre da vila natal, uma colina, as árvores. À frente,

atrás, à direita, a esquerda, dentro, fora , tem um sentido concreto. Contudo não são

mais suficientes quando as relações inter-humanas exigem marcadores oficiais.

(DARDEL, 2015, p. 11, grifo do autor)

A necessidade de sistematizar direções, distâncias e unidades de medidas

padrão para atender diversos interesses socioeconômicos, empoderou o Estado e alguns

116 Como processo histórico abrangendo os primeiros grupos humanos e/ou a construção científica e escolar partir

do século XIX. 117 Publicado originalmente em 1956 sob o título: L’homme et la Terre: nature de lá reálité géographique, e

traduzida para o português a partir da edição francesa de 1990, da CTHS por Werther Holzer.

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120

especialistas a partir da normatização oficial. No entanto, marginalizou118 outras

cartografias, arregimentando para si o monopólio da representação cartográfica

considerada válida, estabelecendo normas e padrões cartográficos hegemônicos a cada

momento em que as diversas sociedades reestruturaram seu próprio modo de produção.

Na contemporaneidade, estas construções espaciais vêm sendo reconfiguradas

ou “descontinuadas” rapidamente, em função de uma diversidade de ferramentas

tecnológicas aportadas por intermédio desta cartografia eletrônica virtual.

A questão que se coloca é que este “paradigma” cartográfico “tradicional” não

considera ou negligencia na atualidade o movimento, a instantaneidade da informação, a

relatividade espacial, o fluxo do material ou do imaterial – daquilo que não é palpável –,

mas que através das redes são cartografáveis, por vezes, produzindo ações visíveis no

espaço geográfico através de objetos técnicos dado o avanço das condições técnicas atuais.

A figura 22 apresenta uma checagem das atividades dos usuários conectados em rede

social com base no acesso à sua localização.

Esta mentalidade decorre de uma postura profundamente ligada a “rígidas”

estruturas seculares baseadas nas representações dos fixos, bem como, da reinvenção de

uma espacialidade a partir da normatização e controle de um espaço métrico e locacional

(SANTOS, D., 2002) do seu aprimoramento pelos Estados Modernos e das transformações

espaciais conduzidas pela sociedade industrial.

São concepções de mundo onde a eletricidade, a eletrônica e as comunicações

por eletromagnetismo seriam inimagináveis (MCLUHAN, 2016 [1964]). Portanto, estes

princípios fundamentais, resultantes do acúmulo de saberes históricos cujas características

desembocam na contemporaneidade, carecem da autocrítica e da necessidade de

incorporar o aparato tecnológico atual, evitando limitar as possibilidades de representação

e de análise realizadas pela Cartografia.

118 Marginalizar no sentido de exclusão, de serem colocados à margem, tornados opacos, ou privados do

reconhecimento de suas trajetórias históricas e de suas representações cartográficas frente a imperativos territoriais

de atores que estabelecem padrões ou convenções cartográficas em meio a ações políticas e de uma concepção de

espaço enquanto superfície a ser conquistada. Portanto, daquilo que não é dado como essencial ou parte de um

sistema de valores estabelecidos pela trajetória de determinado grupo social. Diferente disto seria relativizar toda

uma estratégia de poder e violência sobre povos e territórios, negar “um aparelho punitivo” conforme assinala

Foucault (1979; 1999) nos capítulos: poder-corpo e sobre a geografia e, no livro As palavras e as coisas

respectivamente.

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121

Figura 22 – Atividade de usuários conectados em rede social – Rio de Janeiro 24/02/2012 a 02/03/2012.

Fonte: Williams (2012).

Adaptado pelo autor (tradução da legenda).

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122

Cartograficamente, são exemplos práticos destas relações no tempo-espaço

onde a localização precisa e a previsibilidade de deslocamento que os navegadores GPS e

softwares embarcados numa variedade de dispositivos e veículos oferecem

instantaneamente, além de: roteirização e otimização de percursos; previsão de tempo de

viagem em função do movimento cinético em tempo real; dinâmica e fluxo de

deslocamentos em vias urbanas, etc. A figura 23, apresenta elementos concretos destas

tecnologias que se fazem presentes nas práticas espaciais cotidianas através do uso da

informação geográfica em mapas online.

Estes são aspectos que associam e se sobrepõem ao pensamento espacial, ou

seja, das tradicionais formas de orientação geográfica, deslocamento espacial e produção

cartográfica, alterando as práticas espaciais das coletividades e individualidades. Ao

mesmo tempo, mudam as relações de poder cartográfico ao capturar através de aplicativos

e dispositivos eletrônicos uma infinidade de informações pessoais, coletivas, de

fenômenos e de objetos técnicos especializados, que acabam por alimentar os bancos de

dados das grandes empresas de tecnologias, e por vezes, do próprio Estado enquanto

coadjuvante neste processo119. Para além desta relação, consolidou a importância da

informação geográfica instantânea como valor de uso, dado a magnitude que assume

frente a reprodução das relações sociais de produção.

A mobilidade informacional deu concretude à realização de uma detalhada

cartografia individual, não apenas em termos de localização por meio destes dispositivos,

mas sobretudo, das ações humanas em termos de atividades, hábitos e deslocamentos

cotidianos, a qualquer momento e lugar nos territórios e nas redes online (territórios

digitais).

São elementos empíricos destas possibilidades cartográficas as câmeras de

vídeo interligadas à sistemas de reconhecimento facial em prédio públicos e particulares,

empresas e sistemas de transportes (aeroportos, metrôs, rodoviárias) , que possuindo

localização geográfica, conhecida por endereço IP através das redes, ou sensores de

localização, contribuem para a elaboração e refinamento de uma onipresença eletrônica

(cartografia virtualizada) auxiliada por sistemas de monitoramento e vigilância, coletando

informações sobre a rotina e os deslocamentos no tempo e no espaço das coletividades e

individualidades, assinalando este caráter (in)voluntário sobre a geração e produção da

informação geográfica.

119 Questões que serão aprofundadas no item 2.3 e posteriormente nos capítulos 3 e 4.

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Figura 23 – Aplicativos e softwares embarcados.

Fonte: Google, Waze

Organizado pelo autor.

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124

Ao adentrarmos nesta seara, estamos falando também da dimensão humana,

social e cultural, da possibilidade de captura de detalhes até então inimagináveis das

práticas sociais, coletivas e individuais, que tecnicamente se manifestam através do que

se denomina conceitualmente de Internet das Coisas120 – proporcionada pela computação

ubíqua (WEISER, 1993) – e da capacidade de processamento de petabytes121 de dados

através da computação em nuvem (NIST, 2011), permitindo a análise e a tomada de

decisões com softwares de inteligência artificial e Sistemas de Informação Geográfica.

Trata-se, da possibilidade de analisar as interações entre humanos e objetos

técnicos, de mapear os usos e rotinas não apenas das ações políticas, sociais e econômicas,

mas do fim da privacidade em termos mais íntimos, a exemplo de saber quando, por quanto

tempo e com que finalidade uma lâmpada, um chuveiro, um eletrodoméstico foi acionado.

Ou ainda, de se saber ou predizer a existência numa localidade específica, de uma

epidemia, do aumento de consumo de um dado produto ou serviço, da realização e da

natureza de um evento, etc. Tudo isto, com base na análise de pesquisas realizadas por

usuários em mecanismos de busca, ou de acessos a sítios de comércio eletrônico. A

geolocalização através de análise e mapeamento do endereçamento IP destes indivíduos

ou quando possível através da captura da sua localização através de sensores, são

princípios básicos e elementares para tal capacidade técnica.

Em termos teóricos e práticos estes são alguns dos desafios que se descortinam

na atualidade para a Geografia e à Cartografia Geográfica que aqui se apresenta, quando

todos estes objetos técnicos “conversam” entre si e com softwares através das redes

eletrônicas, de forma contínua, provendo informações de sua posição, tempo de atividade,

vida útil, de interação remota com usuários, sistemas e máquinas através das redes sem

fio (Wi-Fi)122, por radiofrequência (RFID)123 ou telefonia.

Em meio a todas estas transformações e reconfigurações tecnológicas, a crítica

social consolida-se como questão central desta Cartografia Geográfica (em movimento)

dado a importância que as dimensões humana, social e cultural assumem neste cenário.

120 A Internet das Coisas (Internet of Things – IoT) é uma expansão da internet, constituindo uma rede de

equipamentos e objetos físicos com sensores embarcados, capacidade computacional e de comunicação, capazes

de transmitir e receber dados. São exemplos: lâmpadas, veículos, chuveiros, marcapassos, etc. 121 A menor unidade de informação em computação é o byte. Um petabyte é um múltiplo equivalente à um

quatrilhão de bytes (1015 = 1.000.000.000.000.000) ou 1.000 terabytes. 122 Wireless Fidelity (Fidelidade sem fio). 123 Radio-frequency identification (Identificação por Rádio Frequência).

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125

Neste sentido, nos aproximamos do romance orweliano124 com o “Grande Irmão”

assistindo a tudo e à todos, ou de seu antagonista alduxiliano125 “Bernard Marx”

questionando o desenhar de uma sociedade ultra estruturada por intermédio dos

mecanismos de controle e poder proporcionados pela cibernética, do qual Wiener (1968,

p. 17) em sua Teoria da Cibernética postula que: “quando comando as ações de outra

pessoa comunico-lhe uma mensagem, e embora tal mensagem esteja no modo imperativo,

a técnica de comunicação não difere de uma mensagem de fato”.

Assim, a Cartografia como um todo é alçada a um patamar de possibilidades

cartográficas sobre a natureza, as coisas e todas as ações humanas e processos passíveis

de serem capturados através de sensores e sistemas. Dessa forma, o que antes não era

cartografável, agora tornou-se passível de ser, o que era tornado invisível é alçado ao

estado latente de emergir à visibilidade.

Portanto, a questão que se coloca não se restringe apenas à informação

geográfica relativa a um par de coordenadas cartesianas, mas, da sua captura em tempo

real e diuturnamente através de redes públicas ou privadas, segundo um dado conjunto de

normas, condições e autorizações concedidas de forma voluntária ou involuntária pelos

indivíduos e as coletividades.

Estes, ao utilizarem dos mais simples aos mais complexos dispositivos

eletrônicos – inclusive os de uso doméstico –, softwares e redes, autorizam direta ou

indiretamente a coleta e monitoramento de uma infinidade de informações geográficas.

Desde aquelas relacionadas aos dados de visitação a sítios na internet através de um

navegador, passando pelo deslocamento do usuário no tempo-espaço, das suas relações e

interações com os locais e localidades, dos softwares que utilizam, da posição do eixo

vertical e horizontal de um dado dispositivo móvel em relação a um sistema de

coordenadas coletadas por um giroscópio ou sistema inercial, ou ainda, da captura do

deslocamento, posição e clique realizado em um mouse e/ou do toque numa tela de

computador/smarthphone, sobre um hiperlink126 ou banner127, por exemplo.

124 Romance de conteúdo político e de ficção científica (ORWELL, 2009), onde no futuro, uma sociedade tirânica

e distópica é supervisionada pelo Grande Irmão que vigia a tudo e a todos através de teletelas. 125 Personagem criado pelo escritor Aldus Huxley no romance distópico “Admirável Mundo Novo” (HUXLEY,

2014) que questiona as contradições da sociedade onde vive e a estruturação rígida de suas castas. 126 Texto ou imagem associado à um endereço de internet (hiperlink) que redireciona o usuário para um

determinado sitio. 127 Imagens presentes em sítios e redes sociais utilizadas para veicular anúncios de eventos ou produtos. São

utilizados como hiperlink para as páginas dos anunciantes.

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126

Compreendemos este momento como da concretude da cartografia virtual e

da emergência e consolidação da Cartografia Geográfica (em movimento) de

transformação. Subjacente a este processo encontra-se o elemento central de toda e

qualquer cartografia, os mapas online, em meio à uma abundância de informação

geográfica instantânea. Esta explosão informacional centrada na computação pessoal

móvel, em objetos técnicos especializados (on-line), e em geotecnologias, assinala, no

contexto proposto nesta pesquisa teórica a contribuição que os mapas online trazem para

a emergência e consolidação de uma Cartográfica Geográfica (em movimento) de

transformação que altera o saber e o fazer cartográfico.

Sinergicamente, os mapas online suportados por geotecnologias e informação

geográfica instantânea, tornam concreto não apenas a emergência desta cartografia, mas,

do estabelecimento em termos práticos de uma rede cartográfica eletrônica e rizomática,

que enquanto potência/possibilidade envolve o globo através de: dispositivos móveis e

fixos; de uma infinidade de sensores e biossensores; dos Sistemas de Navegação Global

por Satélite; de Sensoriamento Remoto; e, de comunicação via satélite, com uma série de

implicações sobre a forma como se dá a apropriação e produção do espaço geográfico.

3.4 Sincronicidade do tempo, informação geográfica e Mapa online

Dois aspectos são importantes para se compreender as transformações sociais

desta Cartografia Geográfica que emerge e se consolida na atualidade centrada nos mapas

on-line.

Primeiro, a sincronicidade (quase absoluta)128 do tempo na rede e no espaço

absoluto através de objetos técnicos, que permitem, não apenas conhecer o acontecer do

outro a qualquer momento ou instante, mas sobretudo, do ato remoto de imprimir

instantaneamente uma ação, conectando diferentes tempos-espaço, territorialidades e

contextos socioculturais diversos. E isto nos remete à categoria multiplicidade, como um

conjunto de inter-relações espaciais que se estabelecem a qualquer momento em meio a

esta sincronicidade eletrônica e cartográfica.

As implicações de uma “unicidade do tempo” ou “convergência dos

momentos” foram apontadas por Santos, M. (1996 p. 156-162), ao demonstrar como as

128 Da ordem de milésimos ou milionésimos de segundos

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127

redes de comunicação e informação possibilitam conhecermos instantaneamente os

eventos distantes; de um espaço que torna-se complexo e denso; da seletividade realizada

pelo “comando da distância”, ou ainda de um “espaço da conectividade”129. Em sua

elaboração teórica o autor assinala em termos gerais:

Os progressos técnicos que, por intermédio dos satélites, permitem a fotografia

do planeta, permitem-nos, também, uma visão empírica da totalidade dos

objetos instalados na face da Terra. Como as fotografias se sucedem em

intervalos regulares, obtemos, assim, um retrato da própria evolução do

processo de ocupação da crosta terrestre. A simultaneidade retratada é fato

verdadeiramente novo e revolucionário para o conhecimento do real e, também,

para o correspondente enfoque das ciências do homem, alterando-lhes, assim,

os paradigmas (SANTOS, M., 1996 p. 162).

Ainda sobre a convergência dos momentos,

O que realmente se dá, nestes nossos dias, é a possibilidade de conhecer

instantaneamente eventos longínquos e, assim, a possibilidade de perceber a sua

simultaneidade. [...]. Quando, no mesmo instante, outro ponto é atingido e

podemos conhecer o acontecer que ali se instalou, então estamos presenciando

uma convergência dos momentos e sua unicidade se estabelece através das

técnicas atuais de comunicação [...]. Esses momentos não são iguais, não

obstante se encontrarem no mesmo quadrante de relógio. Mas são momentos

unitários, unidos por uma lógica comum. (SANTOS, M., 1996, p. 157)

Estas elucidações se dão num contexto amplo de construção de uma teoria

sobre o objeto da geografia, e não no sentido cartográfico, além disto, o contexto

tecnológico do atual estágio de desenvolvimento das geotecnologias, que envolve a

acelerada convergência tecnológica associada ao processo de miniaturização é totalmente

diferente das condições técnicas apresentadas naquele instante pelo autor.

Aqui, importa o olhar cartográfico do geógrafo que procuramos imprimir em

meio a esta situação paradigmática, pela qual, a Cartografia Geográfica (nos moldes aqui

propostos), busca refletir em termos de elementos teóricos a respeito da concretude deste

movimento de convergência e transformação da técnica, de redefinição das espacialidades

em meio a uma racionalidade tecnificada, da importância que os mapas online e as

geotecnologias assumiram na contemporaneidade frente ao processo de reestruturação do

capital na sociedade informacional, e do próprio modo de produção da sociedade através

da sincronicidade do tempo.

Os progressos técnicos destas duas primeiras décadas dos anos 2000 nos

permite contribuir para um alargamento ou atualização de aspectos desta simultaneidade

no contexto das geotecnologias. Por isto, nos referimos à uma sincronicidade (no sentido

129 O autor se refere à uma característica que assinala o passado e o presente das redes.

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128

estrito do tempo) com relação a informação geográfica instantânea, que permite não

somente o comando/controle à distância, mas também, uma correlação de eventos e de

ações sobre os territórios objetivos e digitais, que em termos práticos, no espaço absoluto

podem estar em tempo-espaço diferentes.

Compreendemos que esta sincronia do tempo preciso – fornecido pelos

receptores GPS embutidos nas geotecnologias e embarcados numa miríade de dispositivos

eletrônicos, ou de softwares que sincronizam seus relógios com servidores GPS NTP130

disponíveis nas redes –, tornam imediato o comando/controle remoto das múltiplas

interações entre as ações de humanos e objetos técnicos, e destes para com seus

semelhantes e as coisas.

Do ponto de vista teórico desta Cartografia Geográfica – e do campo

cartográfico como um todo –, este é um fator primordial para a sincronia e correlação de

eventos ocorridos nas interações através das redes, da prática cartográfica fundada na

informação geográfica instantânea, da qual se baseiam os serviços de/e mapas online, e

inúmeras atividades econômicas e sociais dependentes das geotecnologias, a exemplo de

veículos autônomos.

As condições técnicas atuais atribuem autonomia para que sincronicamente

certos objetos técnicos, softwares baseados em inteligência artificial e as geotecnologias

(em especial os mapas online) possam empreender ações precisas, interativas e autônomas

sobre as territorialidades.

Estas ações são amplas ou pontuais, e sua execução não depende

necessariamente da presença da rede (física) no território, pois, a conectividade e a

informação geográfica, em especial para alguns atores hegemônicos, se dão em nível

global, logo, não estão condicionados a filtros, pois, como já assinalado anteriormente,

eletronicamente o planeta tornou-se potencialmente um mapa virtual e rizomático, com

múltiplas entradas, onde as ações remotas ou nos territórios (objetivo e digitais), estão

aliadas a uma lógica técnica e política que atua da escala local à global.

Além disto, há um conhecimento prévio de todos os lugares nas redes e no

espaço objetivo proporcionadas pelas tecnologias de Geoprocessamento, possibilitando

130 Servidor NTP é um computador que informa a hora certa para os equipamentos conectados numa rede, cuja

precisão é da ordem dos milissegundos. Estão sincronizados à serviços confiáveis como os servidores NTP dos

sistemas GPS ou de laboratórios de pesquisa que provem a hora mundial. Isto faz com que todos os dispositivos

conectados em rede estejam perfeitamente sincronizados, garantindo que os eventos ocorridos entre os diversos

equipamentos possam ser correlacionados.

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129

em certas ações atribuídas aos objetos técnicos, ou à softwares que assistem indivíduos e

grupos, a portabilidade da informação geográfica, servindo como suporte para tomada de

decisões na ausência de conectividade com a rede.

A sincronia das ações humanas através dos objetos técnicos especializados, e

a percepção e interação destes para com as coisas e o espaço objetivo e relacional, através

do comando remoto ou da autonomia fundamentada na informação geográfica (no caso

dos objetos técnicos), é uma categoria que permite em conjunto com os elementos

apresentados anteriormente, conformar mais à frente nossa construção teórica e conceitual

do que denominamos de mapas online.

O segundo aspecto é a importância crescente que a informação geográfica

instantânea (in)voluntária131 assumiu enquanto mais-valia e elemento estruturante de uma

economia informacional, que foi sendo gestada em meio a este continuum de inovação e

convergência tecnológica. As mudanças sociais decorrentes deste movimento apontam

para a importância que ela assume neste contexto.

Logo, não nos referimos simplesmente a informação, mas sim, à informação

geográfica, seja ela instantânea ou não, relacionada a uma pessoa, objeto ou fenômeno, e

do(s), local(is) específico(s) de suas coordenadas em cada instante dos sucessivos tempos-

espaço (deslocamentos), associados a um conjunto de informações – por vezes estáticas –

, que se somam a esta, tais como dados pessoais, profissionais e relações sociais.

Nos referimos ao tempo-espaço como elementos indissociáveis e de

valorização impar que o espaço132 assume neste processo de sincronização de ações.

Porque, nesta relação dinâmica, as dimensões tempo e altitude que os receptores GPS

trazem para as redes (cartográficas) e objetos técnicos especializados, tornam-se padrão e

não mais uma opção ou condição de constituir-se como informação geográfica.

Por isto, estamos falando de sua importância em termos políticos, econômicos

e sociais, porque implica saber a respeito dos indivíduos e dos objetos técnicos: quem se

comunica, quando, com quem, de que forma, por onde se desloca no espaço (territórios),

o tipo de dispositivo e de conexão. Cartograficamente, isto significa um controle preciso,

dinâmico e instantâneo da informação geográfica que flui dos diferentes lugares e

131 Aqui nos referimos a informação geográfica instantânea referente a dados privados de navegação, mobilidade,

lugares, compras, entre outros, passiveis e serem “cartografados” através das redes. 132 Esta valorização do espaço é discutida por autoes como: (SANTOS, D., 2002), (SANTOS, M., 1996),

(MASSEY, 2004; 2008) e (DARDEL, 2015) este, sob o ponto de vista de uma fenomenologia humanista.

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130

territórios, inclusive os digitais, para os centros de controle das empresas de tecnologia e

dos agentes a serviço do Estado.

Portanto, todas estas referências geográficas que invocam questões

cartográficas, transcendem seu status para além de simples informação geográfica, ela

passa a operar na ordem da complexidade. Em nosso entendimento, sob a perspectiva de

uma Cartografia Geográfica que incorpora as redes, estes dois aspectos são indissociáveis,

pois, sincronicidade e informação geográfica pressupõe instantaneidade e controle

absoluto no tempo-espaço, de forma contínua e precisa, assinalando um novo ritmo, uma

nova percepção dos fenômenos e destas questões paradigmáticas que se apresentam. Por

conseguinte, inscrevem a forma como as relações em sociedade moldam a produção do

espaço geográfico na atualidade.

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131

4. GEOGRAFIA, CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA E MAPAS ONLINE

Neste capítulo, aprofundamos a análise teórica em torno do mapa online, com sua

conceituação e elementos que o diferenciam do mapa convencional e do mapa digital.

Portanto, discute o processo de fragmentação do mapa, da sua fluidez em meio a uma

virtualização da cartografia nas redes da Cibercultura. Por último, retoma reflexões em

nível teórico sobre as alterações que os mapas online exercem sobre as práticas espaciais,

suas implicações na disseminação da informação geográfica instantânea advinda das

coletividades, das individualidades e dos objetos técnicos especializados, em meio a uma

multiplicidade de interações e inter-relações nos territórios e nas redes.

4.1 Mapas online: Um conceito/um caminho epistemológico em processo

Os elementos teóricos e as evidências apresentadas em torno da emergência de uma

cartografia virtual, das suas relações com as métricas topológicas e topográficas, da

penetrabilidade das geotecnologias associadas à uma computação móvel e ubíqua, da

produção e disseminação da informação geográfica instantânea a partir das ações humanas

e dos objetos técnicos, assinalam o movimento de transformação espacial de uma

racionalidade técnica que é consentâneo da restruturação do modo de produção na

sociedade contemporânea, no contexto de uma economia informacional.

Estes elementos teóricos nos permitem afirmar que o movimento de transformação

da técnica e da sua virtualização em meio aos espaços de representação e de representação

do espaço (LEFEBVRE, 1976), fazem com que a Cartografia Geográfica – na perspectiva

desta proposição – traga em seu âmago os princípios de uma alteridade em termos de

práticas e saberes que se entrelaçam com a própria artificialização da vida, da

indissociabilidade entre o que é humano e o não-humano (LATOUR, 1994), do que é

concreto e abstrato, dado à tênue relação de proximidade e interatividade que as ações

humanas, os objetos técnicos e softwares baseados em algoritmos de inteligência artificial

assumem na atualidade.

Teoricamente, o movimento aponta para uma dimensão filosófica da Cartografia

Geográfica em meio a técnica, ao humano, da própria concepção do mapa, e de

revalorização da cartografia, aqui pensada como a Cartografia da/na Geografia, e não de

uma Cartografia (matematizada) para a Geografia. Não se trata de ruptura com a

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132

Cartografia, trata-se de uma mudança na abordagem teórico-epistemológica da

Cartografia Geográfica no seio da Geografia.

Compreendemos que a disseminação da informação geográfica e a sincronicidade

do tempo – que permitem sua instantaneidade e a correlação espacial dos eventos – através

das redes, apontam para um uso além de uma simples informação cartografada. Entre as

inúmeras questões que se impõe ao campo cartográfico na Geografia estão: Uma

concepção de mapa online que apresente um caminho epistemológico em processo; a

fragmentação do mapa e da sua fluidez frente a cartografia eletrônica virtual nas redes; da

informação geográfica instantânea, como elemento de controle e de poder que permeia o

domínio dos mapas online.

Há um processo de virtualização cartográfica, que transcende os limites e suportes

físicos das representações cartográficas tradicionais – especificamente do mapa sob um

viés estruturalista –, desfragmentando seus elementos e solicitando por aportes à sua

conceituação.

O mapa online requer uma definição que permita uma abertura epistemológica para

o saber e o fazer cartográfico nesta contemporaneidade, ao mesmo tempo, faz-se necessário a

manutenção de elementos básicos e fundamentais do conhecimento geográfico. O que estamos

evidenciando é que o mapa na atualidade, nas redes e no espaço objetivo, se manifesta de

diferentes formas e características que não se aplicam a ideia de mapa no sentido

convencional, nem tampouco do mapa digital.

Não se trata de uma negação desta perspectiva clássica e estruturalista, o que

se questiona, por exemplo, são os diversos elementos do mapa convencional (analógico

ou digital), que fragmentados pelas espacialidades eletrônicas, são ressignificados através

dos mapas online. O mapa digital pode ser ou estar online, todavia, ele não é um mapa

online. O mapa online em princípio é digital, mas conceitualmente não é o mapa digital ,

conforme apresentamos no item 4.2

A Associação Cartográfica Internacional (ICA) ao conceituar a Cartografia já

aponta este entendimento ao grafar a Cartografia como: “ [...] um recurso exclusivo para a

criação e manipulação de representações visuais ou virtuais de mapas geoespaciais [...]”.

Portanto, se admite esta virtualização do mapa.

Dessa forma, para avançar é preciso epistemologicamente munir-se de

concepções plurais que estejam dissociadas de uma monovisão técnico-produtivista.

Como nos alertou Taylor (1994 [1991] p. 11-12) “é preciso considerar o processo da

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133

mesma forma que os produtos”, no cerne de uma teoria que englobe as dimensões humana

e política enquanto movimento.

Neste contexto, concordamos com o entendimento de alguns autores, a

exemplo de Keates (1982) e Pickles (1995, p.11-19), de que os mapas acabam por refletir

as transformações ocorridas na sociedade, embora estejamos numa “inércia

epistemológica” em meio a uma “nova geografia imperial” de uma era eletrônica.

Na contemporaneidade, tornam-se evidentes novos conceitos e elementos que

são postos em meio a este processo em curso, remodelando as bases que nos permitem

alargar as concepções teóricas e espaciais utilizadas historicamente pela cartografia.

A análise teórica nos permite compreender que há uma reconfiguração de métodos,

práticas cartográficas, formas de representação do espaço e conceitos espaciais . As

relações humanas e as práticas cartográficas que na sociedade industrial estavam centradas

no espaço objetivo (território), hoje se consolidam ou ao menos se complementam nas

redes da Cibercultura e através das Tecnologias da Informação e da Comunicação, palco

de um espaço virtualizado de métrica topológica, fluída, dinâmica, abstrata e relacional.

Há profundas implicações sobre a materialidade do espaço (e no sentido contrário),

conformando uma relação dialética indissociável.

Esta cartografia fluída se apresenta cada vez mais influente através de mapas online

que estão presentes nas ações humanas – em seu processo de apropriação e produção do

espaço geográfico –, estas, em sua multiplicidade de nuances e inter-relações se adensam

em termos de complexidade.

Sob esta perspectiva, implica dizer que mapas não são apenas representações

cartográficas da realidade no sentido euclidiano, mas também, representações do

pensamento através de processos e fenômenos que exprimem a experiência individual ou

coletiva de um determinado grupo, num dado contexto e sentido de lugar (enquanto

território). Além disto, são portadores de sentido e poder político (HARLEY, 1989;

WOOD e FELS, 1992).

Dessa forma, importa considerar a relevância do conceito de espaço geográfico

enquanto multiplicidade de inter-relações (MASSEY, 2008), da abordagem da

cartográfica como um amálgama de modos cartográficos (EDNEY, 1993), da perspectiva

desconstrucionista do mapa (HARLEY, 1989), no contexto desta sociedade

informacional. De como estas proposições, categorias e conceitos, nos permitem

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134

estabelecer relações com os mapas online, as geotecnologias e a informação geográfica

instantânea, e assim sendo, como se articulam com o conceito de rizoma, metaforicamente

empregado por (DELEUZE e GUATTARI, 1997), aqui retomado, para explicar a

dinâmica do ciberespaço e a complexidade das relações ali presentes em relação à

emergência e consolidação desta Cartografia Geográfica.

Ao provocarmos este deslocamento, extrapolam-se os limites da representação

do espaço e do conceito de mapa na perspectiva cartesiana. O espaço geográfico torna-se

complexo, torna-se pluralidade enquanto multiplicidade, o problema da representação

agora é da ordem da complexidade, pode partir da Geografia, mas não se reduz à

Geografia, e sim, a qualquer área do conhecimento. É este deslocamento que possibilita a

abertura de comunicação com a complexidade, justificando o conceito de rizoma na

perspectiva dialética de uso e de sentido de abertura.

Neste contexto, e ainda que sob um vi´rd educacional, apresentamos em Jesus

(2004) o desenvolvimento de um ambiente interativo virtual para fins educacionais

baseado num SIG de múltiplas entradas, objetivando geração de mapas para análise em

estudos multidisciplinares, e posteriormente, da sua aplicação prática no ensino superior

e ensino médio, como parte de um processo educativo que se entrecruza com outras áreas

do conhecimento e vislumbra o mapa para além da sua “forma” tradicional (JESUS, 2006).

A relação entre espaço (território), mapas online, geotecnologias (enquanto

técnica), multiplicidade e a metáfora do rizoma nos princípios estabelecidos por

(DELEUZE e GUATTARI, 1997) é muito próxima, já que em perspectivas gerais, os

mapas online, não estabelecem um ponto fixo, as conexões podem ser estabelecidas (ou

não) a partir de qualquer lugar ou com qualquer lugar. Assim, “[...] o espaço jamais poderá

ser essa simultaneidade completa [...] é um espaço de resultados imprevisíveis e de

ligações ausentes” (MASSEY, 2008, p. 32). Provavelmente, esta seja uma das

características mais importantes do mapa online e das geotecnologias na atualidade tal

qual o rizoma e sua complexidade, ou seja, a possibilidade de ter múltiplas entradas,

múltiplos acessos, interpretações, usos e interações, que necessariamente não devem

ser/estarem condicionados às representações cartográficas convencionais, por isto sua

desestruturação, sua transformação em algo muito mais fluido.

Portanto, mapas não apenas representam, estão intrinsicamente relacionados à

produção da realidade, principalmente, numa sociedade cada vez mais conectada e móvel

do ponto de vista tecnológico, onde a ubiquidade tecnológica torna latente outras formas

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135

de representação das relações humanas e evidenciam o aprofundamento das desigualdades

sociais.

A cartografia virtual, que se apresenta diante deste processo de transformação

da sociedade e por conseguinte da técnica, da qual o mapa online se consolida133 como

representação e nos conduz a conceituá-lo como: representação visual ou virtual de mapas

geoespaciais que porta uma linguagem simbolizada, gráfica, textual, numérica, digital,

simbólica e mecanismo ubíquo de comunicação de informações da realidade geográfica

para a compreensão, apreensão, execução e análise das ações inter-humanas, de

fenômenos e representações socioculturais e de objetos técnicos através das redes

telemáticas.

Portanto, esta concepção engloba uma visão interdisciplinar, parte da

Geografia (Cartografia Geográfica) e da Cartografia, mais não se restringe à estas

exclusivamente, na medida em que diversas áreas do conhecimento e de estratos das

sociedades, se valem da cartografia para referendar seus modos e práticas cartográficas.

Neste sentido, os mapas online portam em si mesmo, a potência cartográfica

imanente de na atualidade alterar a experiência cartográfica do homem em termos de

cognição, sociabilidade, imersão e representação através das redes e do espaço objetivo.

Consequentemente, da experiência do ser e das suas espacialidades no mundo,

inseridos como parte desta rede complexa da qual a cartografia convencional em sinergia,

reconfigura-se e emerge sob a perspectiva da concepção cartográfica que aqui se apresenta

em torno desta Cartografia Geográfica (em movimento), com inúmeros entrelaçamentos,

lacunas e possibilidades, uma cartografia de cunho rizomático – que se assenta no viés do

rizoma conforme postulado por Deleuze e Guattari (1997) –, com suas múltiplas entradas

e possibilidades, e cujo centro é qualquer lugar desta rede. Portanto, em termos de

representação cartográfica não há como vê-las separadamente. É esta construção

conceitual em termos teórico-epistemológicos que se entrelaça em meio aos fundamentos

da Cartografia Geográfica e que aprofundamos a seguir.

133 No sentido de continuidade, permanência de um estado anterior. Ou seja, o mapa continua sendo uma

representação.

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136

4.2 Mapas online: Fragmentação e fluidez

O mapa enquanto concepção abstrata e simbólica é uma representação, e

independente das transformações da técnica atual, continua sendo uma representação

espacial ou espacializada. Todavia, face ao atual meio técnico-cientifico-informacional,

torna-se evidente que alguns aspectos de uma concepção estruturalista acerca do fazer e

do uso do mapa sofrem mudanças significativas, entre as quais podemos elencar: a

virtualização do mapa; a fragmentação rizomática dos seus elementos; e, a mudança na

sua concepção face sua fluidez, em contraposição ao exercício da fixidez e do

estruturalismo que assinala o mapa convencional/tradicional.

A primeira mudança que se coloca é que, diante deste crescente processo de

virtualização cartográfica, o mapa convencional (baseado no papel enquanto suporte

físico), representa um espaço fixo e limitado, tanto do ponto de vista da sua escala como

em termos representacionais.

Mesmo alguns mapas representados através de meios digitais que se colocam

como produto destas mudanças provocadas pelas geotecnologias, já não conseguem

objetivamente representar ou expressar em termos práticos e conceituais aspectos das

práticas cartográficas executadas na contemporaneidade, a exemplo dos mapas de

visualização online (HAKLAY, SINGLETON et al., 2008), de mapas dinâmicos e

colaborativos em rede (MACEACHREN, Alan M e BREWER, 2004; CRAMPTON e

KRYGIER, 2006; CRAMPTON, 2009), e de alguns que se utilizam da informação

geográfica para a construção de uma “cartografia computacional” colaborativa

(GOODCHILD, 2007).

Ao mesmo tempo, aspectos estruturais e essenciais à constituição do mapa

contemporâneo, a exemplo da precisão e da acurácia, tornam-se fundamentais neste

processo de virtualização cartográfica ante esta sociedade tecnológica. Principalmente ao

incorporar cada vez mais a informação geográfica das ações humanas sobre o espaço,

acentuando sua importância no contexto de uma tecnociência.

Contudo, não se trata de um descarte dos modos, práticas e instrumentos

tradicionais, nem de uma crítica desmedida e esvaziada em relação ao caráter

essencialmente estruturalista e hegemônico que assinala o fazer cartográfico ocidental

moderno, em específico do mapa tradicional, pois, eles têm/terão seu lugar segundo as

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conveniências, objetivos e finalidades desejadas pelos diversos atores sociais em suas

práticas espaciais.

Embora o mapa – enquanto representação –, concebido sob a perspectiva da

cartografia convencional esteja tecnicamente limitado a uma escala fixa e às dimensões

físicas do papel enquanto suporte, sob a ótica da cartografia virtualizada (em rede) – que

conforma nossa concepção de Cartografia Geográfica, o mapa online está para muito além

destas limitações, ampliando as possibilidades para seu fazer e uso.

Como resultado, evidenciamos o segundo aspecto destas mudanças, pois, o

mapa na contemporaneidade adentra num processo que denominamos de fragmentação

rizomática dos seus elementos básicos e essenciais. Isto porque, já não é possível

afirmarmos que o mapa numa perspectiva ocidental moderna se constitua enquanto tal da

mesma forma como era há três ou quatro décadas, a exemplo das proposições de Robinson

(2010 [1952] ) e Robinson, Morrinson et al. (1978), portanto, de um viés centrado em

torno de práticas fundadas num fazer e uso que evidenciam uma abordagem

exclusivamente geométrica e estruturalista em torno da construção deste e de seus

elementos.

Num outro extremo, dado as condições técnicas atuais, não se pode conceber

um fazer geográfico que se configure exclusivamente em torno da dimensão social sem

levarmos em conta a importância do mapa e de alguns elementos simbólicos e

geométricos.

No estágio atual de desenvolvimento técnico-científico, até mesmo alguns

aspectos das inúmeras propostas de estabelecimento de métodos e/ou de um modelo

coerente de comunicação cartográfica – conforme apresentados por inúmeros autores,

dentre os quais: Bertin (1971; 1978; 2010 [1967]), Koláčcný (1977), Ratajski (1971),

Petchenik (1977), Salichtchev (1983), etc. –, que permitiram pensar uma cartografia

diferente em meio aos movimentos de renovação cartográfica, demandam respostas

coerentes relativas às aceleradas transformações que as geotecnologias e as Tecnologias

da Informação e da Comunicação exercem sobre o fazer e o saber cartográfico, por

conseguinte, sobre o uso do mapa enquanto representação cartográfica134. Ainda que a

134 Não adentramos na problemática das representações cartográficas dado que: Primeiro comprometeríamos a da

objetividade cientifica que esta nossa investigação demanda. Segundo, porque embora os mapas online se

constituam enquanto representações cartográficas, adentrar especificamente nesta temática, em nossa concepção,

significa adentar à um conjunto de entrelaçamentos teóricos e interdisciplinares. Compreendemos – não

diminuindo a importância destas contribuições - que do ponto de vista teórico, isto imputa em repensar, trazer

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pertinência destes modelos e de alguns métodos sejam incontestes e se façam

imprescindíveis no campo das representações cartográficas, eles não previram, nem

tampouco poderiam prever o atual estágio de desenvolvimento tecnológico e

principalmente os avanços técnicos no seio da cartografia.

Consequentemente, a forma como se concebe o mapa mudou, conforme

evidenciam diversos autores (HARLEY e WOODWARD, 1998; CRAMPTON, 2002;

WOOD e FELS, 2008; PICKLES, 2012 [2004]), como também o seu fazer e uso,

implicando em sabermos o que é isto (mapa) que estamos fazendo e usando em meio à

uma cartografia cada vez mais virtualizada.

Neste contexto, ainda que na atualidade o mapa135 muitas vezes seja concebido

e produzido sob um viés estruturalista no que diz respeito à representação formal de suas

características e elementos básicos, à exemplo de: escala, projeção, elementos gráficos,

simbologia, texto, etc., – estes enquanto aspectos intrínsecos e imprescindíveis ao que se

constitui formalmente enquanto mapa, sofrem um processo de fragmentação rizomática.

Tal assertiva se conforma porque estes podem ser alterados/configurados de

maneira dinâmica e instantânea, acrescendo ou limitando características, elementos,

textos e simbologias através de filtros/camadas ou, compartilhando136 informações com

outros mapas ou dispositivos eletrônicos em rede.

Portanto, isto não diz respeito tão somente ao processo de virtualização do

mapa em si, mas da sua capacidade dinâmica e rizomática de desfragmentação e

fragmentação imediata que os remete à condição de fluidos, no sentido de fluidez137. Ou

seja, da capacidade de fazer-se e desfazer-se constantemente de modo instantâneo, de

apresentar-se de inúmeras formas e em múltiplas escalas, de prover usos e aplicações

simultâneas a diversos utilizadores – inclusive em lugares distintos e distantes –, de

comunicar-se e ser comunicado através das redes eletrônicas, por conseguinte de replicar-

se ou ser replicado.

aportes à alguns conceitos, categorias e modelos de comunicação da informação cartográfica considerados

centrais, para que, em meio às transformações da técnica e da sociedade, as teorias envolvidas neste processo se

coadunem com a prática e vice-versa. Portanto, isto demanda outra(s) investigação(ões), as quais, enquanto

construção, se interconectam com os fundamentos teóricos da Cartografia Geográfica nos moldes aqui propostos.

Todavia, isto não invalida o que se apresenta. 135 Decorrente de padrões cartográficos validados pelo Estado e suas instituições. 136 Através de associação por hipermídia (link) e protocolos e padrões que permitem interoperabilidade de sistemas

e/ou mapas. 137 Ver pressupostos teóricos discutidos no Capítulo 2, subtítulo 2.3

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139

O fundamental, neste movimento, é que o mapa continua sendo uma

representação nesta sociedade permeada por um meio digital, mas ainda assim, uma

representação espacial ou espacializada, uma informação do espaço, e/ou sobre o espaço.

Independente das inúmeras interpretações atribuídas esta característica isto não sofreu

alterações. O que mudou foi o seu suporte. É a isto que denominamos de virtualização, ou

seja, em termos cartográficos nos referimos à um processo de virtualização crescente do

mapa, implicando no online138, nos remetendo à sincronicidade do tempo ou em termos

gerais, à uma dimensão temporal na qual o mapa assume uma fluidez, colocando-se num

processo de desconstrução e reconstrução permanente (fragmentação rizomática), ou seja,

de uma dimensão temporal autodestrutiva, que se refere à sua capacidade de mutação em

termos de autoconstrução.

Isto implica do ponto de vista cartográfico convencional – por exemplo – que

toda uma operação mental realizada para comparar lado a lado uma carta de 1:100.000

com outra de 1:250.000, ou com uma de 1:50.000 (por vezes, com sistemas de projeções

distintos) constitua um processo lento, manual e meticuloso, requerendo do

usuário/cartógrafo/geógrafo todo um conjunto de conceitos e conhecimentos técnicos que

demandam: aprendizado teórico, tempo e experiência em termos práticos. Neste cenário,

hipoteticamente imaginemos, pois, outras implicações adicionais se considerarmos os

momentos (tempo) distintos e não equidistantes em que estes mapas foram produzidos.

Entretanto, o mapa online frente à este processo de virtualização cartográfica

torna fluída esta operação ao executar tais procedimentos referentes à mudança de escala,

sistema de projeção, coordenadas geográficas, ou inúmeros elementos e operações de

forma automática ou assistida139.

Portanto, guardados os objetivos e finalidades para os quais são produzidos, o

mapa online porta em sim mesmo, como característica desta fragmentação rizomática,

uma flexibilidade escalar, que permite ao seu usuário/produtor acessar em termos de

representação as “n” escalas de uma dada realidade/espacialidade.

Dessa forma estamos nos referindo à uma flexibilidade dinâmica e relacional

com que se pode mudar a escala do mapa online na cartografia virtualizada em termos de

representação do(s) lugar(es), do(s) território(s), etc. Mas também, de elementos tais

como: imagens orbitais, aerofotos, simbologia, rotulagem, feições e a dinâmica dos fluxos

138 Online no sentido de estar em rede, em conexão ou em espera de uma ação/comando para tal. 139 Segundo inferências de um algoritmo baseado num conjunto de técnicas previamente sistematizadas.

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140

e da informação online, por vezes, em tempo real. Estes, elementos essenciais à

conformação do mapa online – conforme apresentamos previamente – no contexto da

Cartografia Geográfica, mas sobretudo da Cartografia como um todo.

Della Dora (2009, p. 240), propõe “uma reconceitualização de mapas como

objetos fluídos que estão sempre em formação”140, entretanto, esta perspectiva ancora-se

em aspectos sociais e performáticos em torno das relações entre atlas141 e seus usuários

“através de diferentes tipos de encontros pessoais que são ao mesmo tempo visuais e

táteis”, o que não invalida tal assertiva. Entretanto, compreendemos que o caráter fluído

caracterizador do mapa – como se ele estivesse sempre por se fazer –, é um traço do

acelerado processo de virtualização cartográfica, e especificamente do mapa online

enquanto caminho conceitual do que aqui se apresenta.

Diante destas considerações, propomos um esquema interpretativo para a dimensão

conceituação do mapa online com vistas à uma tipologia de diferenciação do mapa digital

(figura 24).

Figura 24 – Dimensão conceitual para uma tipologia do mapa online

Elaborado pelo autor.

Neste esquema consideramos que o mapa online se diferencia do convencional e

do mapa digital pela dinâmica de atualização da informação espacial cartografada. A

dinâmica refere-se a fluidez da informação cartografada e representada no mapa através

de seu suporte de representação.

A dimensão conceitual do mapa online, se inicia na instância 0 (zero) que equivale

ao ambiente digital e percorre uma direção para a instância “n” (infinita), dado a

140 Do original em inglês: “[…] a re-conceptualization of maps as fluid objects thet are always in the making”.

141 Conceituados pela autora “como ferramentas mnemônicas” (Della Dora, 2009, p. 240).

Dinâmica de atualização da informação espacial cartografada

Estática Dinâmica

MAPA ONLINEMapa DigitalMapa convencional

0 Dimensão conceitual do Mapa Online “n”

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141

multiplicidade de configurações e tipologias possíveis. Portanto, a tipologia do mapa

online tende ao infinito dado a variedade e possibilidade de aplicações.

No mapa convencional a dinâmica conceitual é menor que 0 (Zero) ele é estático,

como também seu suporte. Restringe-se à ordem dos fixos.

O mapa digital tem uma dinâmica estática e adentra na dimensão dinâmica, pois,

seu suporte e relativamente fluídico. Ou seja, ele pode moldar-se a um suporte, pode ser

replicado na rede, nos dispositivos, mas sua dinâmica será limitada em termos de escala

que será fixa ou com relativa escalabilidade e fluidez dinâmica. Assim, o mapa digital

pode ser/estar online, mas o mapa digital não é um mapa online.

A dimensão conceitual do mapa online é totalmente dinâmica em termos de

atualização da informação espacial cartografada, e sua fluidez dinâmica em termos de

suporte e de atualização que se inicia na instância 0 (Zero) tende a instância “n” (infinita)

considerando a finalidade e o objetivo do cartógrafo ao elaborar sua representação.

4.3 Mapas online e virtualização

O mapa online se assenta na virtualização e na interoperabilidade

proporcionada pelas redes técnicas atuais. Esta primeira afirmativa implica que, na

atualidade, dado a profusão de técnicas e ao continuum de inovação e convergência

tecnológica, se descortinam novos horizontes em termos de modelagem e de representação

em função da dinâmica dos processos envolvendo os fluxos destas ações – ainda que com

algumas limitações –, amplificando as possibilidades de uma releitura da produção do

espaço, consequentemente, da retomada desta Cartografia Geográfica em favor da

coletividade.

A limitação da segunda consideração, implica no reconhecimento do espaço

enquanto multiplicidade e possibilidade de inter-relações na acepção de Massey (2008).

Esta questão para as geotecnologias é muito mais teórica do que prática, pois, aponta

essencialmente para a transformação de uma concepção cartográfica apoiada em uma

concepção de mundo (industrial) centrado nos fixos – ou seja, numa espacialidade

objetiva, esta há muito desfragmentada. Isto, limita em termos epistemológicos uma

(re)construção técnica, por conseguinte humana, social e cultural, que considere as

questões de uma sociedade artificializada e fluida, onde grande parte das relações sociais

e a percepção que se tem do mundo se dá pelas redes e os sistemas computacionais.

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142

Embora Câmara, Vieira et al. (2002) apresentem limites do SIG na

representação dos fluxos (ações), as geotecnologias e a diversidade de sensores

embarcados conectados em rede, tornam factível a captura dos fenômenos e das ações

humanas no espaço geográfico. A interoperabilidade semântica e técnica tem papel

importante na construção destas relações sutis de poder que permeiam a produção do

mundo contemporâneo.

Este entendimento, nos aproxima da discussão sobre uma epistemologia da

tecnologia (techné), conforme aventa Morin (2005), e das implicações da tecnociência

neste movimento, pois, são componentes do processo de alimentação do circuito sócio-

histórico. As inter-relações que emergem das inúmeras manifestações deste processo de

virtualização, das quais, o mapa online constitui elemento central, acabam sendo o lócus

(meio), por onde a sociedade reorganiza suas espacialidades, e parcelas substanciais da

humanidade vivenciam suas experiências e ações cotidianas realizando a produção do

espaço.

Portanto, os mapas online (em rede) – neste processo de virtualização e

fragmentação crescente do mapa convencional –, têm na informação geográfica

(instantânea) e na sincronicidade do tempo duas características essenciais à sua existência.

São unidades fundantes de uma cartografia que transcende o uso da informação para além

de uma simples informação geográfica cartografada.

A informação geográfica como produto para domínio estratégico do espaço e

controle do tempo implica, na conjuntura atual, num conhecimento sobre tudo e sobre

todos em meio a: a instantaneidade da informação; a precisão e sincronicidade do tempo

nas redes e nos territórios; da computação móvel e ubíqua; e fundamentalmente da

capacidade de localizar com acurácia os eventos, fenômenos e as ações dos indivíduos e

das coletividades proporcionada por um arcabouço tecnológico complexo e rizomático.

Em termos cartográficos e do leque de possibilidade de análise da informação

geográfica, ainda que incipiente em alguns aspectos, é uma característica marcante e

totalmente diferente de outros momentos históricos. Porque a instantaneidade indica uma

ruptura com as estratégias tradicionais de controle do território, da sua produção, das

práticas cartográficas, e principalmente, do uso do mapa online, dado que as ações

humanas, são cada vez mais produzidas por interações virtualizadas, artificiais e

instantâneas.

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143

Estas relações entre materialidade, artificialidade e sociedade por intermédio

desta cartográfica eletrônica que em rede envolve o planeta como um grande mapa (e/ou

atlas), torna a informação geográfica mais do que um ativo financeiro, e sim fundamento

desta redefinição das espacialidades e das ações econômicas, políticas e sociais.

Portanto, estes fatores constituem-se tecnicamente no pilar fundamental para

entendermos a produção e disseminação da geoinformação no mundo contemporâneo, e

da concretude de uma transformação cartográfica e tecnológica que em sua totalidade cria

infinitas possibilidades de análises.

Esta Cartografia Geográfica, mais que o domínio do tempo, impõe precisão ao

mapa online, pois, cartograficamente alguns objetos técnicos – autônomos ou

semiautônomos –, tornam-se capazes de tecnicamente tomarem decisões através de

inteligência artificial, e assim, analisar e estabelecer relações para consigo e semelhantes,

para com outros objetos técnicos, as coisas e os seres humanos, onde todos, fazem uso de

um mesmo território/espacialidade. Todavia, estão continuamente online, provendo e

coletando interativamente informação geográfica, estabelecendo rotas e destinos,

objetivando executar suas ações no espaço geográfico. Por isto é perceptível o uso de

objetos técnicos especializados, baseados em mapas online. Neste sentido, as

geotecnologias e mais especificamente os receptores GPS entregam esta precisão através

do sincronismo do tempo por intermédio dos seus relógios, e garantem um controle mais

preciso.

Mais do que isto, em rede o mapa é multiplicidade, pois, para cada

objeto/indivíduo ele se desdobra num outro mapa e se reconfigura em função do deslocar-

se sobre as espacialidades/territórios. Neste sentido, é plausível considerar que nestas

redes eles nada mais do que: mapas online. Por isto adentramos na questão filosófica que

esta conformação rizomática impõe à esta multiplicidade. Em termos cartográficos isto

significa uma revolução na reconstrução e ressignificação das práticas e no pensamento

espacial.

Como exemplo desta concretude, a implementação de veículos automotivos

autônomos e semiautônomos nas vias urbanas e estradas, pressupõe a existência de uma

cartografia eletrônica baseada em mapas online. As rotas estabelecidas por mapas online,

que em sua essência, cada vez mais, são dinâmicos, precisos e interativos dado a

interoperabilidade com softwares de inteligência artificial.

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144

Assim, sincronicidade e informação geográfica são elementos imprescindíveis

à virtualização do mapa (online), e, por conseguinte, de reestruturação do processo

produtivo e do capital. Executar ações com veículos autônomos, VANTS (UAS/UAVS)

drones que fazem entregas comerciais ou operações militares, implica em informação

geográfica instantânea, sincronicidade, controle do tempo-espaço, precisão e identificação

de usuários/clientes/alvos como forma de otimização do processo produtivo das ações

humanas sobre as espacialidades.

Este movimento é o que explica no âmbito cartográfico a funcionalidade e

sutileza dos mapas online e determinadas ações ou comandos executados à distância pelos

humanos ou autonomamente por objetos técnicos especializados, além, da percepção ou

interação instantânea sobre/com outros objetos e ações humanas. Como exemplo:

operações remota de VANTS (UAS/UAVS)142 ou veículos coletando informações,

executando operações comerciais ou militares de forma autônoma ou semiautônoma nas

diversas territorialidades, por vezes à distâncias significativas.

Nesta perspectiva apresentada, as geotecnologias emergem como elementos

importantes e estratégicos em inúmeras instâncias da sociedade, principalmente em

termos econômicos e políticos. Matias (2004, p. 8-9) ao tratar das transformações

tecnológicas no contexto da produção capitalista e da importância que a informação

assume não apenas como base das atividades produtivas, mas como sendo uma das mais

importantes atividades, aponta a necessidade de se discutir uma economia política das

geotecnologias como forma de “revelar as contradições e mecanismos desiguais que o

modo de produção capitalista reproduz”.

Compreendemos, como demonstraremos a seguir, que cada vez mais, essa

cartografia geográfica por intermédio das redes sociotécnicas responde às demandas da

sociedade, entre elas, um domínio mais rápido e eficiente do tempo (HARVEY, 1989;

SANTOS, M., 1996), mas não apenas isto, ela se constitui na atualidade, num dos alicerces

142 Veículos Aéreos não Tripulados (VANT). Na terminologia internacional UAS (Unmanned Aircraft System) ou

UAVS (Unmanned Aircraft Vehicle System). Podendo serem controlados remotamente por humanos através de

sistemas eletrônicos de informação e comunicação ou autônomos (sem a intervenção humana) através de

controladores lógicos programáveis (CLP´s), uma aproximação entre a cibernética, neurociência (através de lógica

baseada em redes neurais), navegação por sistema de posicionamento por satélite e cartografia digital. No nível

militar, estes veículos são denominados de UCAV (Unmanned Combat Aircraft Vehicle). O termo “Drone” é

utilizado popularmente numa referência para veículos recreativos ou semiprofissionais. Ver o Regulamento

Brasileiro de Aviação Civil Especial nº 94/2017 (RBAC-E nº 94/2017) da ANAC e às normas definidas pelo

Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).

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145

deste processo de reconfiguração da economia capitalista e de redefinição das

espacialidades em meio à uma economia da informação.

Os elementos teóricos e práticos que apresentamos anteriormente nesta

construção e os que se colocam em seguida, respondem cartograficamente ao

desdobramento técnico das geotecnologias em termos de produção e disseminação da

informação geográfica, ao mesmo tempo, estes são elementos fundamentais para a

existência do mapa online na atualidade. Consequentemente, portam os fundamentos

teóricos-epistemológicos desta Cartografia Geográfica.

A rigor, nos conduz à uma nova percepção das espacialidades, rompendo com

a rigidez espacial de um sistema de representações cartográficas (mapas) ancorado há

séculos numa cultura imagética fundada em suportes físicos analógicos, ou mais

recentemente, eletrônicos, contudo, outras formas/possibilidades de projeção das

representações cartográficas são evocadas dado a dinamicidade e instantaneidade da

informação geográfica em meio à uma cartografia virtual e eletrônica.

4.4 Informação geográfica (in)voluntária e controle social

O correio eletrônico permitiu entre outros aspectos a unicidade do tempo e a

importância do valor da informação, as redes sociais, são exemplo de parte de uma

economia informacional associadas à uma miríade de dispositivos e geotecnologias

embutidas em sistemas que permitem a existência de uma Cartografia Geográfica

proporcionando através da sincronicidade do tempo, a percepção dos lugares de forma

instantânea. Isto encadeia uma série de elementos e possibilidades de aplicações

objetivando a produção de uma mais-valia que se assenta cada vez mais nesta direção.

Como então pensar o movimento desta Cartografia Geográfica, como mediação da teoria

e da práxis geográfica através dos mapas online? Reflexão que se coloca a seguir para

pensar este caminho.

A oferta “gratuita” de endereços de correio eletrônico – quando este era um

serviço pago e relativamente dispendioso, comparado aos baixos custos do correio

tradicional –, e da aceitação deste modelo “sem custos” pela sociedade, foi também uma

opção a um serviço de mensagens que otimizava o controle do tempo e a tomada de

decisões.

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146

Este modelo que tem continuidade com uma gama de serviços de comunicação

e mensagens instantâneas baseados em interação social online143 que surgiram

posteriormente, tornando o e-mail obsoleto em termos de velocidade de interação (real-

time) - embora este, continue sendo o método de comunicação onipresente na rede para

validar a confiabilidades de atividades profissionais e pessoais (figura 25), dado a

diversidade de plataformas existentes e da adesão à estas (figura 26).

Entretanto, o que buscamos evidenciar é o pensamento altruísta que

predominou entre pesquisadores, desenvolvedores e entusiastas da internet desde seu

início, optou por um modelo centrado na liberdade de acesso irrestrito de todos à

informação e a comunicação na internet. Defendia que as empresas de tecnologia e

instituições sem fins lucrativos deveriam estabelecer os padrões e elementos técnicos

necessários ao seu desenvolvimento distante das interferências governamentais, conforme

apresenta Lanier (2013).

Mas este não foi o objetivo das empresas de capital aberto, que no início da

primeira década dos anos 2000 tinham por objetivo a monetarização destas plataformas

“gratuitas” centradas no uso da informação pessoal dos seus usuários. Logo, instala -se a

contradição deste sistema, pois, passam a direcionar propaganda eletrônica através de

algoritmos baseados em análise comportamental através das mídias sociais.

Os dispositivos móveis permitem que as redes sociais potencializem o domínio

do tempo e a apreensão da informação geográfica sobre o comportamento humano. A

captura das experiências, desejos, deslocamentos, hábitos e comportamentos, possibilitam

uma cartografia multidirecional, com o indivíduo em rede, provendo volumes de

informação geográfica, ao mesmo tempo, consumindo uma ínfima parcela desta por

intermédio de uma cartografia dinâmica e sutil que atua em tempo real e síncrono.

Entretanto, isto é apenas parte de um todo, pois, não se trata apenas dos indivíduos, mas

também, dos objetos técnicos e das inter-relações produzidas entre o humano, o artificial

e o natural.

Há uma vulnerabilidade do indivíduo – que se manifesta por intermédio de

instrumentos de controle e vigilância –, posta em prática pela oferta de uma variedade de

serviços e aplicativos “gratuitos” (bancários, aeroportuários, hoteleiros, governamentais,

navegação, taxis, etc.) ou de tecnologias de informação e comunicação (redes sociais e de

143 Popularmente denominados de redes sociais, as quais possuem diversas nomenclaturas.

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147

entretenimento) que os tornam produtores voluntários ou (in)voluntários de uma gama de

informações de nível individual, coletiva e espacial.

Geralmente, para utilizar estes aplicativos se faz necessário que o usuário

permita o acesso e a coleta de informações pessoais (contatos, identidade, fotografias,

áudios, vídeos, geolocalização, etc.) e técnicas (equipamento, fabricante, autonomia,

endereço MAC144, etc.). Assim, se alguns destes parâmetros são necessários ao

funcionamento destes softwares, outros, servem para subsidiar ferramentas de análise: de

comportamento; de relações sociais; de utilização de serviços; e de deslocamento espacial.

Os objetivos destas práticas são diversos, mas têm por base o monitoramento

coletivo e individual com vistas à formação de banco de dados como fundamento para

veiculação de publicidade online – a partir da análise perfis de consumo ou de psicologia

comportamental do usuário em rede. As informações coletadas dependem dos interesses

do desenvolvedor, empresa ou do próprio Estado com o seu poder de polícia e vigilância.

Portanto, esta é a condição, a moeda de troca como pagamento do usuário pelo

acesso à “gratuidade”, esquema que explica uma das maneiras como a informação

geográfica instantânea (geoinformação)145 é produzida e disseminada na atualidade,

transformando-se em mercadoria com vistas a produção de riquezas (capital). O que

evidencia para a Cartografia Geográfica o caráter central da dimensão humana e social

neste processo.

144 Acrônimo de Media Access Control (Controle de acesso de mídia), o MAC é um endereço único formado por

12 dígitos hexadecimais (como exemplo: 00:19:A0:CF:E4:77), que identifica a placa de rede de qualquer

equipamento eletrônico no mundo capaz de acessar uma rede (consequentemente a internet). Assim, é possível aos

administradores ou gerenciadores de qualquer rede, através de softwares e cruzamento de informações associá-lo

à um local ou usuário (especialmente em redes móveis) dado que a miniaturização incorporou as placas de rede à

uma única placa eletrônica (hardware) na atualidade. Entretanto, tecnicamente, usuários com conhecimento

técnico avançado ou softwares específicos podem emular endereços MAC fictícios para mascarar atividades. 145 Termo utilizado por alguns autores para referir-se também à informação geográfica. Utiliza-se ainda no mesmo

sentido: informação geoespacial. Ver: Longley, Goodchild et al. LONGLEY, GOODCHILD et al. (2011)

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Figura 25 – Tráfego diário de e-mail / Conta em redes sociais

Elaboração: o autor

Fonte: Mail metrics

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Figura 26 – Redes sociais em números de usuários

Elaboração: o autor

Fonte: Mail metrics, Google analytics, Facebook insights, Global web index. Mapa creditado à Alexa/Similar Web.

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Para a geografia e sua Cartografia Geográfica, isto implica na construção de

novos sentidos, novas formas de interpretação deste processo que é voluntária quando o

usuário e a sociedade colabora provendo a sua informação geográfica, mas é também

involuntária, pois, a conexão em rede em tempo total (full-time) ou alternada (half-time)

permitem aos grandes provedores de acesso e às grandes empresas de tecnologias por

intermédio de redes sociais, correio eletrônicos, tradutores, armazenamento em nuvem,

rastreamento, etc. um nível de coleta de informações, de análise, de produção de

conhecimento e de poder sobre a sociedade, que vai da escala global à local, do individual

ao coletivo, do público ao privado, através deste sistema articulado de técnicas e objetos

técnicos cada vez mais precisos em seus objetivos constituindo uma onipresença nas redes

de informação e comunicação.

Se de um lado, o controle destas informações em nível global estão

centralizados nas mãos de poucas empresas de tecnologias e de alguns poucos Estados -

nação (ITU, 2017a), por outro lado, a produção cartográfica lastreada pelas

geotecnologias e baseada na informação geográfica nos moldes da cartografia tradicional

tornou-se um fazer acessível à todos. Esta afirmação implica em reconhecermos que este

fazer se restringe somente à informação geográfica produzida e socializada pela própria

coletividade e individualidades nas redes, já que em suas práticas cotidianas buscam dar

visibilidades às suas demandas ou conflitos territoriais.

Na atualidade, as formas de mapeamentos participativos e/ou de cartografias

sociais146 com vistas a produção de mapas (representação), que se dão através da

colaboração e da participação popular, valem-se dos benefícios da miniaturização – que

provocou a disseminação e redução do custo das geotecnologias –, e por conseguinte, da

penetrabilidade e acessibilidade à equipamentos e softwares.

Todavia, o acesso à informação geográfica instantânea nas redes (sem filtros)

é apropriado de maneira intencional por uma racionalidade técnica estritamente precisa

em suas ações, que através de atores hegemônicos monopolizam o domínio e o comércio

da informação geográfica. Como assinala Zuboff (2019) adentramos na era capitalismo

vigilante.

146 Embora isto, não seja algo recente quanto ao uso de SIG em mapeamentos participativos e/ou de cartografia

sociais.Ver: Mericskay e Stéphane, (2010) e Acselrad (2010).

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151

Ao mesmo tempo, diversas empresas de tecnologia disponibilizam plataformas

técnicas de mapeamento e de suporte online (em rede) que servem de base cartográfica

para que os indivíduos, diversos grupos e segmentos da sociedade instrumentalizem suas

construções cartográficas (através de outros mapas) utilizando Interfaces de Programação

de Aplicativos (API – Aplication Program Interface), ou, sinalizem suas práticas

cotidianas, necessidades e invisibilidades através de mapas “convencionais”.

Observando em detalhes os sistemas de mapas online que oferecem

roteirização cartográfica de percursos, apontamento de endereços, localização de lojas,

bancos, parques, lanchonetes, condições de trânsito e, uma infinidade de outros serviços,

pergunta-se: não estaríamos lidando com um sistema de recompensa comportamental, face

os interesses financeiros e a infinidade de informações cartográficas coletadas através das

redes por estas plataformas?

Nos anos 1950, Wiener (1968), apresentou em termos teóricos, a criação um

sistema de computação focado em comunicação e controle, onde fosse possível coletar

dados dos indivíduos e, por meios de cálculos e análise estatística retornar parte destas

informações em tempo real, num circuito de retroalimentação, como se eles estivessem

dentro de um experimento de base comportamentalista.

Não seria incompatível tal relação, se considerarmos na atualidade, a

existência de uma rede mundial de computadores onde grande parte da humanidade porta

dispositivos móveis e através destes utilizam: redes sociais, sistemas de orientação e

navegação por mapas e uma infinidade de aplicativos que lhes retornam respostas

imediatas e controladas (informação) baseadas nas ações de cada indivíduo – como se

fossem recompensas parciais, por alimentar, de modo contínuo, sistemas de informação

geográfica com seus desejos, ações, fotos, vídeos, arquivos e principalmente sua

mobilidade espacial na rede e nos territórios.

O oposto deste sistema de recompensa é que, as empresas de tecnologias de

informação e comunicação, de posse desta cartografia que sinaliza os lugares e

comportamentos dos grupos humanos, criam distopias funcionais sujeitando-os no

mínimo à uma modificação de comportamento. Além disto, as possibilidades de apreensão

e utilização destas informações que fluem através das redes por intermédio de terceiros –

agências de publicidade, segurança e espionagem de grupos privados ou estatais –

induzem seus usuários uma manipulação e anestesia coletiva. Como exemplo, temos os

anúncios publicitários segmentados e direcionados – de forma objetiva ou subjetiva –, à

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grupos e indivíduos com base em sua geolocalização, cujos interesses latentes, muitas

vezes desconhecidos pelo próprio indivíduo, são sugeridos pelos sistemas de análise de

informação147 com base nas respostas comportamentais destes usuários.

No contexto da Teoria da Comunicação, e ao tratar das mídias de massa,

McLuhan (2016 [1964], p. 84) observa que:

Os novos meios e tecnologias pelos quais nos ampliamos e prolongamos

constituem vastas cirurgias coletivas a efeito do corpo social com o mais

completo desdém pelos anestésicos. Se as intervenções se impõem, a

inevitabilidade de contaminar todo o sistema tem de ser levada em conta. Ao se

operar uma sociedade com uma nova tecnologia, a área que sofre a incisão não

é a mais afetada. A área da incisão e do impacto fica entorpecida. O sistema

inteiro é que muda.

Se nos cânones da cartografia convencional mapear, cartografar e criar

estratégia de poder e dominação constitui/constituiu um monopólio do Estado e dos

agentes referendados por este, na atualidade, esta prática se desloca para as grandes

empresas de tecnologia, que, além de ampliar e aprimorar o controle e o poder cartográfico

à escala global e do indivíduo, transformou a informação geográfica num produto .

Entretanto, a questão central é que, em função da instantaneidade e do nível de

detalhamento e diversidade da informação geográfica, o domínio do fazer cartográfico, e

a própria cartografia, foram alçados a exercer um outro patamar de controle e poder sobre

o espaço e as redes.

Sendo assim, amplificam a sua influência e aprofundam as relações de

dominação sobre atividades econômicas, políticas e sociais através da (re)configuração

das suas práticas e de novos usos, e, em função das possibilidades de comunicação e

percepção dinâmica dos fenômenos e das ações humanas na produção e apropriação do

espaço geográfico. Assim, a Cartografia como um todo muda, porque a sociedade e as

relações capitalistas de produção também estão neste movimento de transformação.

Outrossim, elementos estratégicos considerados importantes para o fazer e

saber cartográfico “convencional” tornam-se acessíveis às coletividades, não apenas como

decorrência do avanço tecnológico, mas porque, em grande parte estes vem sendo

suplantados por tecnologias mais assertivas e precisas como fundamentos de uma

147 Softwares baseados em inteligência artificial (da linha investigativa biológica) fundados em princípios das

neurociências e cibernética, que imitando as redes neurais humanas envolve o desenvolvimento de conceitos e de

softwares capazes de imitar o raciocínio humano utilizando cognição, linguagem e percepção de ambientes através

de sensores, fotografias e vídeos.

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cartografia imperialista148 de Estado e de mercado. Há uma requalificação econômica e

social das velhas estruturas associadas à cartografia convencional e fixa. Como exemplo,

os serviços postais (correios), que em diversos lugares do mundo ocidental, são cada vez

mais, empresas de transportes de mercadorias e prestadoras de serviços do que

propriamente um sistema de comunicação para entrega de mensagens.

Se por um lado, descortina-se um repensar se de fato há um empoderamento,

uma democratização do fazer cartográfico pelas pessoas, grupos e instituições não-

hegemônicas, observa-se que este fazer já não deve se restringir apenas aos mapeamentos

e mapas de uma cartografia convencional, e assim sendo, é necessário juntar estes dois

polos ou dimensões deste fazer cartográfico enquanto movimento concreto para que esta

Cartografia Geográfica possa enfrentar suas limitações e os dilemas em torno destas

relações de poder.

Uma reflexão que emerge deste contexto é: os mapas produzidos por coletivos

e indivíduos ao darem visibilidades às suas demandas utilizando plataformas de terceiros

não estariam produzindo informação geográfica que vulnerabilizam suas estratégias? O

que se busca não é uma resposta, mas o entendimento de que esta produção e fazer

cartográfico encontra-se ancorada aos métodos, produtos e concepções práticas

alicerçadas sob os cânones de uma cartografia convencional.

Ainda que cada grupo, comunidade ou indivíduo queira realçar ou enfatizar

aspectos desconhecidos ou propositalmente ocultados pela cartografia oficial – e isto é

valido –, a estratégia de dominação e de invisibilidade sobre as minorias nos territórios

situa-se numa dimensão para além dos moldes cartográficos convencionais. Eles

perpassam estes novos elementos de uma produção cartográfica cada vez mais virtualizada

e de construção dinâmica. Situam-se, para além das estratégias de poder que permeiam o

fazer e o saber cartográfico convencional.

Há um distanciamento ou uma lacuna na sociedade, na academia e nas

organizações não governamentais em discutir ou compreender o nível de coleta e de

detalhamento da informação geográfica e das escalas de atuação, em que as práticas e

produções cartográficas executadas pelas grandes empresas de tecnologia e alguns

Estados-nação são capazes de realizar com as geotecnologias mais recentes,

148 Termo cunhado por John Pickles. Ver: Pickles (1995).

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consequentemente, de “produzir verdades” cartográficas disruptivas. Logo, coadunamos

com o entendimento de Foucault (1979, p.179) de que,

Em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem

relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo

social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem

funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, um

funcionamento do discurso. Não há possibilidade de exercício do poder sem

certa autonomia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta

dupla exigência.

Assim, é possível dizer que embora as condições técnicas atuais permitam de

fato uma reapropriação histórica do fazer cartográfico pelas individualidades e

coletividades, as condições de acessibilidade à informação geográfica nas redes

cartográficas se dão em condições assimétricas de poder, pois, as empresas de tecnologias

da informação e da comunicação, coletam essa produção informacional numa escala que

atravessa os níveis individual, local e global nas sociedades e espacialidades conectadas.

Tecnicamente se evidencia uma relação de poder desigual em termos de capacidade de

produção e manipulação da informação geográfica, de mapeamentos e do fazer

cartográfico.

Contudo, o problema está centrado do modo como as coletividades/sociedade

se apropriam, produzem ou tratam a informação geográfica. Embora tenham acesso à

mesmas técnicas e tecnologias (não em volume ou equipamentos), os métodos e

metodologias adotados por estes, se resumem à uma mentalidade e metodologia voltada

para modelos e práticas cartográficas convencionais, em decorrência de um pensamento

espacial semelhante. Ao mesmo tempo, as práticas cartográficas das massas frente as

possibilidades que as tecnologias atuais oferecem, continuam acontecendo de forma

passiva, e não ativa no sentido de autonomia individual e coletiva.

Entretanto, o fato das coletividades e individualidades se acharem

empoderadas pelas geotecnologias e, por isto, serem capazes de realizar suas próprias

cartografias, dando visibilidade aos seus problemas, implica em reconhecer que a

atividade cartográfica oficial – seja ela convencional ou não - continua sendo realizada

pelo Estado e seus agentes, fundamentados por um aparato legal, por isto, a importância

desta apropriação do fazer cartográfico pelas coletividades.

Todavia, estes agentes reguladores utilizam-se destas mesmas geotecnologias,

a partir de novos métodos e técnicas para o exercício de poder, de manipulação, e de

domínio sobre a informação cartográfica, deslocando esta atividade e suas práticas para

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um outro nível de análise, agora, sobre os desejos, as percepções e as práticas cotidianas

dos indivíduos nos lugares e nos territórios.

As redes sociais, os navegadores de internet e os objetos técnicos de uso

pessoal ou familiar (internet das coisas) que atuam sinergicamente nas redes eletrônicas,

fazem parte dos elementos que subsidiam a produção da informação geográfica de nível

pessoal, familiar e coletiva, influenciado o comportamento das pessoas, das relações

sociais, econômicas e políticas. Em Vigiar e Punir, Foucault (1999b, p.143) assinala:

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de

retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar

e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las;

procura liga-las para multiplica-las e utiliza-las num todo.

Em torno desta problemática as dimensões política, social e filosófica

assumem um caráter importante, pois, a ética é condição fundamental frente ao caminho

tecnológico que devemos trilhar enquanto sociedade. Os riscos de ruptura da privacidade

conforme assinalamos, da manipulação de comportamento, da produção de perfis

psicológicos, emocionais, etc., sobre o que as pessoas desconhecem delas próprias implica

nos riscos de um cerceamento da liberdade, do controle sobre o ir e vir do indivíduo sobre

os territórios, da ausência de intimidade das ações do indivíduo em seu lar (da

privacidade).

Uma questão é que a informação geográfica instantânea, elemento central desta

Cartografia Geográfica, construída por cada um de nós (sociedade), através de inúmeros

dispositivos eletrônicos (fixos, móveis e inteligentes), softwares e sensores em rede, etc.,

apresenta contradições, pois, ao mesmo tempo em que empodera as multidões conectadas,

remodela o pensamento espacial e as formas de apropriação do espaço, tornam-nas

vulneráveis frente à monetarização de plataformas e sistemas “gratuitos”.

Associado a isto, vigora um domínio informacional que reifica nas redes um

modelo cartográfico hegemônico e eurocêntrico, oficializado pelo Estado como agente

produtor e regulador, e na contemporaneidade, capitaneado pelas grandes empresas de

tecnologias de informação e comunicação que valendo de seus monopólios sobre as redes

e sistemas, coletam os mais diferentes tipos de informação geográfica, do nível local ao

global, e em grandes volumes.

Assim, o Estado através de seus agentes e um seleto grupo de empresas, ao

imporem suas representações espaciais e, por conseguinte suas métricas, desconsideram

ou ocultam não apenas a existência de outras formas de representação cartográfica, mas

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também exercem o controle e a regulação das novas formas de domínio sobre a produção

cartográfica, da vida em sociedade, e principalmente, das possibilidade de ampliação “do

ganho” de capital com o uso privilegiado da informação geográfica instantânea em sua

plenitude, ou seja, sem a seletividade que é imposta aos demais produtores/usuários de

informação geográfica, gerando assim, tensões e disputas, acerca da validade destas e de

outras formas de produção do conhecimento cartográfico, o que lhes permitem a produção

e manutenção de um poder cartográfico detalhado, e a mais-valia da informação

geográfica.

Embora a produção cartográfica hegemônica viabilize em parte a existência de

outras representações (mapas) que comumente se utilizam de suas bases cartográficas ou

referências instrumentais, as condições técnicas atuais, apontam para a emergência de

modos cartográficos para além destas relações. Seja como instrumento coletivo ou

individual, de emancipação na produção de um saber cartográfico autônomo ou de

resistência a partir do uso das geotecnologias; seja pela apropriação, por parte das grandes

empresas de tecnologia, da informação geográfica produzida (in)voluntariamente por

estas coletividades e indivíduos através redes de comunicação e informação.

Esta reconfiguração do fazer que se dá de forma colaborativa e plural, pode

estar vinculada aos padrões estabelecidos hegemonicamente, ou desvinculada destes,

podendo inclusive, partir de referências e métricas diferentes daquelas historicamente

direcionadas à um mercado voltado para a maximização da produção e do consumo. Assim

a Cartografia Geográfica se consolida enquanto instrumento de análise e de

ressignificação de práticas cartográficas no seio da Geografia, mas, não se restringindo

tão somente a este campo do saber.

São reflexões postas à sociedade atual e à Geografia comoo caminho a esta

construção de futuro enquanto devir. Embora o fazer cartográfico e suas representações

não seja uma atribuição exclusiva da Geografia, é esta, como já afirmamos anteriormente,

quem é chamada a promover simultaneamente: uma reflexão ontológica e epistemológica

sobre todo este processo de transformação espacial. Portanto, pensar não somente os

mapas online, mas a Cartografia Geográfica em seu movimento como um todo. Uma

construção, política, em meio à esta racionalidade técnica que se coloca enquanto

contradição, dado uma leitura de mundo desprovida de multiplicidade.

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157

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho traz uma contribuição ao alargamento teórico-epistemológico ao

abordar um tema latente ao campo do conhecimento cartográfico elaborado pelos

geógrafos.

A pergunta que tentamos responder nesta pesquisa é: Como os mapas online,

suportados por geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a

emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento)?

A proposições apresentadas não se colocam como o caminho, mas sim, ponto

de partida. A pretensão foi desvelar lacunas, apresentar reflexões, tecer questões que

instiguem outros geógrafos a se lançarem neste campo da investigação geográfica.

A tarefa mais difícil empreendida neste trabalho foi construir uma análise

teórica dos mapas online como contributo a emergência e consolidação da Cartografia

Geográfica em um movimento de transformação e reconfiguração no campo do

conhecimento cartográfico elaborado pelos geógrafos. A concepção teórico-metodológica

adotada encaminhou-se na direção de um acesso diferenciado em relação às interpretações

que se ancoram no positivismo e suas variações.

Dessa forma, ao abraçar a dimensão humana no seio da Cartografia Geográfica

como movimento dialético de uma totalidade em aberto, esta visão renovada traz para o

campo cartográfico da Geografia possibilidades de ampliar seu domínio sobre a produção,

disseminação e análise da informação geográfica instantânea, de incorporar ao seu

movimento as dimensões humana, social e cultural em sua plenitude.

A análise teórica realizada nos permite compreender que há uma

reconfiguração de métodos, de práticas cartográficas e das formas de representação do

espaço com a transição do mapa convencional/tradicional para suportes mais fluídos , ou

seja, para mapas online, conforme enfocam os capítulos 2, 3 e 4 desta pesquisa.

Portanto, o mapa online suportado por geotecnologias e informação geográfica

instantânea, utilizando-se da ubiquidade da rede, da sua atualização dinâmica e da

capacidade de fragmentação, amplia a variedade de suportes de representação cartográfica

e as possibilidades de fazer e saber cartográfico. A análise aponta que a instantaneidade

da informação geográfica através dos mapas online, traz inúmeras implicações sobre as

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práticas cartográficas das individualidades, das coletividades, do Estado e das empresas

de tecnologias, em suas ações nos territórios e nas redes.

Apresenta desafios e reflexões ao conhecimento cartográfico elaborado pelo

geógrafo, ao indicar que o mapa online e a cartografia virtual potencializada por este

(capítulo 2), aponta para uma ruptura com as estratégias tradicionais do fazer e saber

cartográfico (Capítulos 1 e 2). O mapa continua sendo uma representação, todavia, o que

mudou foi seu suporte, migrou de uma condição estática e fixa, para uma capacidade

dinâmica de fragmentação e desfragmentação, de ser ubíquo e interativo. Assim, a

pesquisa realizada contribui ao alargamento teórico-epistemológico dos sentidos e

possibilidades que os mapas online, as geotecnologias e a informação geográfica instantânea

trazem para a Cartografia Geográfica na contemporaneidade.

A Cartografia Geográfica em transformação que emerge renovada através dos

mapas online, apresenta novas possibilidades de análise da interação entre humanos e objetos

técnicos (capítulo 3 e 4), mas principalmente de uma construção que abrace a dimensão humana

neste cenário em que se apresenta uma multiplicidade de inter-relações, pois, a compreensão

que as pessoas têm do mundo hoje, se dá em grande parte através de redes de relações artificiais.

Acreditamos que a pesquisa traz uma contribuição para a sociedade, principalmente

porque os mapas online cada vez mais se fazem presentes nas ações e atividades cotidianas dos

indivíduos e das coletividades. O deslocamento sobre os territórios, a compreensão e o

conhecimento prévio dos lugares e das espacialidades, a mudança ou a apreensão de novos

conteúdos através do raciocínio geográfico se deve em grande parte ao uso dos mapas online e

da sua ubiquidade em rede e da instantaneidade da informação. Ao mesmo tempo, aponta para

reflexões sobre as relações de poder que permeiam as práticas cartográficas em torno da

privacidade do indivíduo, ou seja, para se pensar os limites entre o público e o privado e, de

uma reapropriação histórica do fazer cartográfico pelas coletividades nas mais diversas escalas.

Os mapas online, suportados pelas geotecnologias e informação geográfica

(instantânea), contribuem para a emergência e consolidação da Cartografia Geográfica, em um

movimento de redimensionamento e reconfiguração de saberes e práticas em função das

transformações ocorridas na sociedade, e da valorização do conhecimento cartográfico

elaborado pelos geógrafos.

Temos ciência das limitações inerentes toda e qualquer investigação científica.

As proposições apresentadas nesta tese, se constituem ponto de partida para o

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aprofundamento e geração de novos conhecimentos. Constitui-se numa interpretação –

entre outras que possam advir – a partir da Geografia, mas que não se limitam a esta, e

sendo assim, coloca-se enquanto contribuição para um debate.

Consideramos que o objetivo geral deste trabalho foi alcançado, confirmando

nossa tese. Entretanto, abrem-se novos horizontes com novas questões.

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