mapas online e geotecnologias: fundamentos teóricos de...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Geociências
JOSÉ ALVES DE JESUS
MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:
Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)
CAMPINAS – SP
2019
JOSÉ ALVES DE JESUS
MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:
Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)
TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE
GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE CAMPINAS, PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM
GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE
AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL
ORIENTADOR: PROF. DR. LINDON FONSECA MATIAS
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À
VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO
ALUNO JOSÉ ALVES DE JESUS E
ORIENTADA PELO PROF. DR. LINDON
FONSECA MATIAS
CAMPINAS, SP
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
AUTOR: José Alves de Jesus
MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:
Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)
ORIENTADOR: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias
Aprovado em: 30 / 07 / 2019
EXAMINADORES:
Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias - Presidente
Prof. Dr. Rafael Straforini
Profª. Drª. Danúbia Caporusso Bargos
Profª. Drª. Sônia Maria Vanzella Castellar
Prof. Dr. Ederson do Nascimento
A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no
SIGA – Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria de Pós-graduação do IG.
Campinas, 30 de julho de 2019.
Dedico o presente trabalho aos meus familiares:
Pais, sogro(a), irmãos, cunhado(a) e sobrinho(a)s.
Em especial à Jozinete (Jôse), Gabriel, Miguel e Clara.
Sigamos juntos na estrada da vida.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, a luz maior que nos guia e empresta a cada um de nós, as ferramentas
necessárias para que através do trabalho, dedicação e honestidade enfrentemos a vida neste
planeta. Compete a cada um a responsabilidade de fazer bom uso e devolvê-las posteriormente.
Ou, não acreditar em nada disto.
Aos meus pais, Maria Conceição (Dona Lé) e Laurentino Alves (Seu Nino) que me
orientaram com inestimáveis valores. Ao mesmo tempo, me proporcionaram a educação
necessária para que eu pudesse compreender aquilo que não compreendia e o que ainda não
compreendo.
À Jozinete (Jôse), minha esposa e doce alma gêmea preferida. Por onde você for,
quero ser seu par.
Aos meus filhos Gabriel, Miguel e Clara, com a esperança de um mundo melhor
onde impere: “amizade, caráter, respeito, alegria, bondade, amor” e justiça social.
Ao Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias, meu orientador, por lá no início de todo este
processo, acreditar no projeto desta pesquisa. Profissional sério, dedicado, atento a tudo e a
todos. Agradeço imensamente pelos questionamentos preciosos e instigantes.
À UNEB pela concessão da bolsa (PAC) de estudos de doutorado, de extrema
importância para a realização desta pesquisa. Aos colegas do DCH- Campus V em Santo
Antônio de Jesus, pelo projeto empreendido e as vivências da sua realização. Gratidão a todos
os professores(as) e funcionários(as) envolvidos(as).
À UNEB, DCH-Campus IV em Jacobina, pela convivência durante estes anos.
Aos professores do curso de Doutorado em Geografia do Instituto de Geociências
(IG/UNICAMP), pela oportunidade de aprendizagem desprendida no transcorrer do curso. Em
especial aos professores: Antônio Carlos Vitte, Claudete Vitte, Eduardo Marandola, Maria
Tereza Duarte Paes e Vicente Eudes Lemos.
Aos funcionários(as) da UNICAMP pela presteza e atenção em nos atender e
auxiliar-nos em nossas demandas. Em especial ao Maxlei e a turma de assistentes da Secretaria
da Pós-Graduação em Geografia.
Às professoras Danúbia Caporusso Bargos (EEL/USP) e Tânia Seneme do Canto
(UNICAMP), pelas valiosas contribuições durante a banca examinadora de qualificação e, ao
professor Fabrício Gallo (IGCE/UNESP - Rio Claro), por suas considerações e indicações
durante a apresentação e avaliação do ainda projeto de pesquisa na disciplina Seminários.
À turma de graduandos, pós-graduandos e professores que compõem o GEOGET
(Geotecnologias Aplicadas à Gestão do Território), grupo de pesquisa conduzido
maestralmente pelo Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias.
Finalmente, agradeço todos aqueles que direta ou indiretamente
contribuíram/contribuem para esta árdua, frutífera e proveitosa caminhada de vida como eterno
aprendiz. Inclusive, aos que partiram antes e durante a realização desta etapa. Minha gratidão
eterna.
“Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido.
Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? ”
(Milton Santos)
“Naquele momento, eu vi além de mim mesmo...
Humanos irão sempre escolher o que entendem,
e não, o que não entendem.”1
(Robert)2
“Só resisti porque nasci num pé-de-serra,
e quem vem da minha terra, resistência é profissão.”3
(Accioly Neto)
1 Do original na língua inglesa: “That was the moment, I saw beyond myself. Humans will always choose what
they understand over what they do not.” 2 Personagem no seriado Westworld. 3 Trecho da música “Avoante” do cantor, compositor e poeta Accioly Neto.
RESUMO
MAPAS ONLINE E GEOTECNOLOGIAS:
Fundamentos teóricos de/para uma Cartografia Geográfica (em movimento)
Esta tese, sob a perspectiva da Geografia, realiza um estudo teórico e conceitual dos mapas online (no
contexto das geotecnologias e da informação geográfica instantânea), como elementos que contribuem
para a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica. Assim, apresenta uma construção e
reflexão teórico-epistemológica, em torno da Cartografia no seio da Geografia, a partir de conceitos e
categorias, para analisar e caracterizar o contexto sócio histórico e informacional em que se inserem os
mapas online, as geotecnologias e a informação geográfica instantânea, elementos indissociáveis e
centrais para a conformação de uma Cartografia Geográfica. A tese defendida é que os mapas online,
suportados pelas geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a emergência e
consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento). Demonstra que os mapas online, elementos
desta Cartografia Geográfica, alteram a forma como coletivamente produzimos, apropriamos,
relacionamos, ressignificamos e percebemos parcelas do território e dos territórios digitais em função
da instantaneidade da informação geográfica. Aponta para novas formas de raciocínio geográfico, do
rompimento com a rigidez dos suportes de representação cartográfica, e das relações de saber e poder
sobre quem de fato cartografa ou é cartografado nas mais diversas escalas.
Palavras-chaves: Mapas online. Geotecnologias. Informação geográfica. Cartografia Geográfica. Geografia.
ABSTRACT
ON-LINE MAPS AND GEOTECHNOLOGIES:
Theorical fundations of/for a Geographic Cartography (in movement)
This thesis, from the perspective of geography, conducts a theoretical and conceptual study of online maps (in the
context of geotechnologies and instantaneous geographic information), as elements that contribute to the
emergence and consolidation of a geographic cartography. Thus, it presents a theoretical and epistemological
construction and reflection around Cartography within Geography, based on concepts and categories, to analyze
and characterize the socio-historical and informational context in which online maps, geotechnologies and
information are inserted. instantaneous geography, inseparable and central elements for the shaping of a
Geographic Cartography. The thesis defended is that online maps, supported by geotechnologies and instant
geographic information, contribute to the emergence and consolidation of a Geographic Cartography (in
movement). It demonstrates that online maps, elements of this Geographic Cartography, alter the way we
collectively produce, appropriate, relate, resignify and perceive portions of the territory and digital territories due
to the instantaneity of geographic information. It points to new forms of geographical reasoning, the breaking with
the rigidity of the cartographic representation supports, and the relations of knowledge and power over who
actually maps or is mapped at the most diverse scales.
Keywords: On-line maps. Geotechnologies. Geographic Information. Geographic Cartography. Geography.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – O mapa nos campos geográfico e cartográfico ...................................................... 43
Figura 2 – Modelo de comunicação de Shannon e Weaver .................................................... 54
Figura 3 – Formação do campo comunicacional ..................................................................... 55
Figura 4 – Princípio básico da Comunicação Cartográfica ..................................................... 55
Figura 5 – Dimensões da Representação Gráfica na Semiologia ............................................ 57
Figura 6 – Esquemas de comunicação: Monossêmico x Polissêmico ..................................... 57
Figura 7 – Etapas da representação da visualização cartográfica............................................ 59
Figura 8 – Visualização – Tríade de Taylor ............................................................................ 60
Figura 9 – Modelo Cartografia³ de MacEachren ..................................................................... 61
Figura 10 – Cartografia Topográfica x Cartografia Temática ou Cartografia Geográfica ...... 67
Figura 11 – Campo cartográfico na contemporaneidade ......................................................... 71
Figura 12 – Estrutura do Sistema DNS ................................................................................... 95
Figura 13 – Restrições a redes sociais – Conflito eleitoral - Argélia .................................... 101
Figura 14 – Mapa de ataques cibernéticos entre ISP de países e empresas de tecnologia. ... 102
Figura 15 - Marcadores das cartografias: virtual (relativa) x convencional (absoluta) ......... 103
Figura 16 - Evolução do número de usuários internet no mundo entre os anos 1995 e 2000.
................................................................................................................................................ 106
Figura 17 - Relação usuários de internet x população mundial............................................. 109
Figura 18 - Principais indicadores de TIC por regiões (totais e taxas de penetração). ......... 110
Figura 19 - Eficiência energética (a), Convergência tecnológica (b) e Miniaturização (c). . 112
Figura 20 - Tipos de recepção GPS em redes móveis ........................................................... 116
Figura 21 – Google Maps – Mapa (online) de realidade argumentada ................................. 118
Figura 22 – Atividade de usuários conectados em rede social – Rio de Janeiro 24/02/2012 a
02/03/2012. ............................................................................................................................. 121
Figura 23 – Aplicativos e softwares embarcados. ................................................................. 123
Figura 24 – Dimensão conceitual para uma tipologia do mapa online ................................. 140
Figura 25 – Tráfego diário de e-mail / Conta em redes sociais ............................................. 148
Figura 26 – Redes sociais em números de usuários .............................................................. 149
LISTA DE ABREVIATURAS
A-GPS - Assisted Global Position System (Sistema de Posicionamento
Global Assistido)
ACI - International Cartographic Association (ICA) (Associação
Cartográfica Internacional)
API - Application Programming Interface (Interface de Programação
de Aplicativos)
ccTLD - country-code Top-Level Domain (Domínio de topo de código de
país)
CEP - Código de Endereçamento Postal
CI - Integrated Circuit (Circuito Integrado)
DDD - Discagem Direta à Distância
DGPS - Differential Global Positioning Systems (Sistema de
Posicionamento Global Diferencial)
DNS - Domain Name System (Sistema de Nomes de Domínio)
e-Mail - electronic Mail (Correio Eletrônico)
GLONASS - Global’naya Navigatsionnay Sputnikovaya Sistema (Sistema
Global de Navegação por Satélite)
GNSS - Global Navigation Satellite System (Sistemas de Navegação
Global por Satélite)
GPS - Global Position System (Sistema de Posicionamento Global)
gTLD - generic Top Level Domain (Domínio genérico de topo)
IoT - Internet of Things (Internet das Coisas)
IP - Internet Protocol Adress (Protocolo de Endereço Internet)
IPv4 - Internet Protocol Adress version 4 (Protocolo de Endereço
Internet versão 4)
IPv6 - Internet Protocol Adress version 6 (Protocolo de Endereço
Internet versão 6)
ISP - Internet Service Provider (Provedor de serviço Internet)
MAC - Media Access Control (Controle de acesso de mídia)
MEMS - Microelectronic and Microelectromechanical Systems (Sistemas
Microeletrônicos e Micro eletromecânicos)
NAVSTAR - NAVigation System with Time And Ranging Global Positioning
System (Sistema de Navegação com variação de tempo por
Sistema de Posicionamento Global)
PC - Personal Computer (Computador pessoal)
RFID - Radio-frequency Identification (Identificação por Rádio
Frequência)
SIG - Sistemas de Informação Geográfica
SMS - Short Message Service (Serviço de Mensagens Curtas)
TICs - Tecnologias da Informação e da Comunicação
UAS - Unmanned Aircraft System (Sistema de Aeronave não tripulado)
UAVS - Unmanned Aircraft Vehicle System (Sistema de Veículo de
Aeronave não tripulado)
UCAV - Unmanned Combat Aircraft Vehicle (Veículo de Aeronave de
Combate não tripulado)
USGS - United States Geological Sourvey (Serviço Geológico dos
Estados Unidos)
VANT - Veículo Aéreo não Tripulado
Wi-Fi - Wireless Fidelity (Fidelidade sem fio)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17
1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLOGICOS ............................................... 30
1.1 Espaço geográfico, técnica e multiplicidade ................................................................... 33
1.2 Geografia, Cartografia e desconstrução ...................................................................... 43
1.2.1 Modos cartográficos ................................................................................................. 44
1.2.2. Um modo “dominante?” na contemporaneidade ..................................................... 49
1.2.3 A Cartografia moderna ............................................................................................. 51
1.2.4 A Cartografia contemporânea ................................................................................... 58
1.3 Uma interpretação da Cartografia para a Geografia........................................................ 65
1.4 Cartografia Geográfica: uma interpretação da Cartografia na Geografia ....................... 68
1.5 Multiplicidade, Técnica, Fluidez e Artificialidade .................................................... 72
2. A CARTOGRAFIA: ENTRE O CONVENCIONAL E A VIRTUALIZAÇÃO ..... 86
2.1 Cartografia: entre o convencional e a virtualização .................................................. 86
2.2 Reconfigurações: “Cartografias” do concreto e do abstrato ..................................... 89
3. GEOTECNOLOGIAS E INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA .................................... 107
3.1 Convergência tecnológica, eficiência energética e computação móvel ................. 107
3.2 Geotecnologias, objetos técnicos especializados e acurácia ................................... 113
3.3 Informação geográfica instantânea: uma onipresença cartográfica e posicional .. 117
3.4 Sincronicidade do tempo, informação geográfica e Mapa online .......................... 126
4. GEOGRAFIA, CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA E MAPAS ONLINE .............. 131
4.1 Mapas online: Um conceito/um caminho epistemológico em processo ................ 131
4.2 Mapas online: Fragmentação e fluidez...................................................................... 136
4.3 Mapas online e virtualização ...................................................................................... 141
4.4 Informação geográfica (in)voluntária e controle social........................................... 145
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 157
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 160
17
INTRODUÇÃO
A tese proposta neste trabalho é que os mapas online suportados pelas
geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a emergência e
consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento) que altera o saber e o fazer
cartográfico na contemporaneidade.
Nesta introdução, apresentamos alguns elementos desta reflexão, do caminho
percorrido, dos domínios do debate e seus debatedores. Não é o caminho em si, mas alguns
apontamentos para se compreender a caminhada.
Assim, é necessário apresentarmos alguns elementos desta construção em
torno dos mapas online e da cartografia no seio da Geografia. Ou seja, da Cartografia
Geográfica e dos elementos teóricos-metodológicos que ancoram esta interpretação.
Todavia, não é a caminhada, são referências do caminho realizado. Como afirma Santos
(1996, p.16),
Falar em objeto sem falar em método, pode ser apenas o anúncio de um
problema, sem, todavia, enuncia-lo. É indispensável uma preocupação
ontológica, um esforço interpretativo de dentro... [grifo do autor].
É esta preocupação que se fez presente ao longo deste trabalho, logo, seria
incompatível uma reflexão teórica em torno dos mapas online, elemento central no cerne
de uma teoria (Cartografia Geográfica)4, sem que apresentássemos os postulados e
fundamentos teóricos desta, os quais, lhes dão estabilidade e conformidade em relação a
uma teoria maior na Geografia que explica o seu objeto (o espaço geográfico).
Ao nos referirmos à Cartografia Geográfica, estamos falando da abordagem
teórica adotada para a interpretação da cartografia na Geografia. Não se trata de negação
ou separação de valores, mas de reconfiguração, no qual assinalamos, a mutação de uma
cartografia estática (fixa), em direção à uma cartografia virtualizada, fluida e dinâmica,
uma Cartografia Geográfica em seu movimento de transformação. Abordagem que
engloba, não somente o aspecto geométrico e técnico, mas sobretudo, a dimensão humana,
4 Enquanto estudo abrangente do ser (ontologia), de seus postulados, teorias e práticas e de sua validade teórica,
científica e cognitiva (epistemologia). Bem como, dos elementos empíricos que explicam a realidade ante a teoria.
Neste caso, nos referimos à construção teórica em torno de uma Cartografia Geográfica.
18
na qual as geotecnologias, a informação geográfica5 instantânea6, e os mapas online, se
constituem como elementos centrais deste processo na contemporaneidade.
Analisamos que esta Cartografia Geográfica, em seu movimento de
transformação e reconfiguração no seio da Geografia, reconhece e possibilita a inserção
das práticas cartográficas das individualidades e coletividades, e de diferentes modos de
fazer e saber cartográficos não reconhecidos pelo padrão vigente. Aspectos abordados em
meio aos fundamentos teóricos-metodológicos presentes no primeiro capítulo e retomados
ao longo desta tese como partes indissociáveis.
Na contemporaneidade, grande parte da informação geográfica instantânea
vem sendo socialmente produzida de forma (in)voluntária, pelos indivíduos e as
coletividades conectados através das redes da Cibercultura. Como também, decorrente de
uma miríade de dispositivos e sensores eletrônicos interligados às redes telemáticas,
satélites de comunicação, Sensoriamento Remoto e a uma infinidade de Tecnologias da
Informação e da Comunicação, que provem, do mesmo modo, informação geográfica
(instantânea ou não) sobre os eventos naturais, os objetos técnicos e as pessoas, segundo
os interesses de inúmeros atores.
Na sociedade atual, marcada pela virtualização dos espaços, dos espaços de
virtualização, dos espaços artificializados, e pela fluidez das técnicas e dos sistemas
técnicos, a informação geográfica assume papel preponderante como mercadoria de troca,
impondo à Cartografia Geográfica novos desafios frente às antigas e recentes questões do
cotidiano.
Neste sentido, os mapas têm sofrido inúmeras transformações em decorrência
destas mudanças sociais provocadas pela disseminação das geotecnologias, das
Tecnologias da Informação e da Comunicação, e da mobilidade e portabilidade dos
dispositivos eletrônicos.
Os mapas, em todos os momentos da história, refletem de diversas formas, a
compreensão de mundo de cada sociedade que os elaborou/elabora em seus tempos-
5 A informação geográfica é aqui compreendida como toda informação, portadora de um sistema de coordenadas
(espacialização) que permita a sua localização espacial. Inclusive o que aqui denominamos de informação
geográfica instantânea. 6 Nos referimos à informação geográfica que é produzida e disseminada instantaneamente através das redes
eletrônicas e dos sistemas e tecnologias de informação e comunicação.
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espaço. São modos cartográficos (EDNEY, 1993) e discursos geográficos distintos que se
revelam com suas cosmologias ou formas de lidar com a interpretação da realidade.
Com assinala Santos, D. (2002, p. 25),
[...] a construção do discurso geográfico faz-se em torno de duas linguagens
intercomplementares: a cartográfica (que foi o ponto de partida da geometria e
que, hoje, numa reversão espetacular, tem nela sua base técnica) e o texto
discursivo propriamente dito.
Nesta perspectiva, a pesquisa realizada abraça a noção de espaço como
multiplicidade (MASSEY, 2008), e o reconhecimento de diversas trajetórias/discursos
cartográficos no tempo-espaço. Assim, temos a compreensão de um espaço geográfico
composto por uma variedade de espacialidades construídas em sociedade, assinalando a
diferença, a diversidade de modos e linguagens cartográficas e de sua valorização política.
Assim, apresentamos a existência de uma transição entre os mapas ditos
tradicionais e/ou convencionais – cujo suporte de representação estão baseados em
tecnologias físicas a exemplo do papel – e os mapas online, que enquanto mapas, portam
em sua conformação, a ressignificação de algumas características e elementos básicos do
mapa tradicional, ao mesmo tempo, aponta para novos suportes de representação e
relacionamentos cartográficos com outras tecnologias e/ou geotecnologias face a sua
virtualização.
Os suportes onde estes mapas são representados ou fazem-se representar
possibilitam sua fluidez e ubiquidade, seja nos ambientes virtuais (redes da Cibercultura),
nas redes telemáticas, nas telas de dispositivos móveis digitais ou em redes cartográficas
de comunicação e informação. Estes mapas requerem uma outra designação que os
diferenciem dos mapas considerados tradicionais/convencionais.
Neste trabalho eles são denominados de mapas online (em rede). Aqui
conceituados como representação visual ou virtual de mapas geoespaciais que porta uma
linguagem simbolizada, gráfica, textual, numérica, digital, simbólica e mecanismo ubíquo
de comunicação de informações da realidade geográfica para a compreensão, apreensão,
execução e análise das ações inter-humanas, de fenômenos e representações socioculturais
e de objetos técnicos através das redes telemáticas.7
7 Conceituação e discussão apresentada no quinto capítulo. Aqui adiantada como forma de embasar o leitor, dado
que os elementos teórico-epistemológicos e ontológicos necessários ao aprofundamento e entendimento da nossa
construção teórica em torno deste conceito ocorrem ao longo deste trabalho.
20
Na atualidade, os mapas online tornam-se mais complexos e dinâmicos quando
comparados às tradicionais formas de representação cartográfica, e necessitam cada vez
mais, utilizar a representação das complexidades e heterogeneidades do mundo atual, que
envolve dizer alguma coisa sobre inúmeras questões relativas aos elementos naturais,
sistemas sociais, aspectos técnicos, urbanos e informações de uma miríade de dispositivos
e sensores eletroeletrônicos.
O desenvolvimento de novas geotecnologias tem possibilitado a criação de
sistemas e ambientes cartográficos dinâmicos e complexos, em função da instantaneidade
da informação geográfica, implicando inclusive, numa rediscussão sobre as formas de
cartografar, representar e de comunicar cartograficamente. Isto envolve questões
políticas, econômicas, sociais e cognitivas, impondo inúmeros desafios em função das
tensões de poder provocadas pelos diversos atores envolvidos neste processo.
Assim, nos referimos a uma instantaneidade e fluidez dos mapas online que
não é tão somente dinâmica nos suportes digitais e nas redes, mas em alguns casos, de
uma instantaneidade e simultaneidade dinâmica na apreensão da informação geográfica e
nos suportes de representação de fenômenos socioespaciais.
Esta complexidade em termos teóricos, práticos e representacionais que se
impõem, nos remete a um pensar e fazer dialético para além do metadiscurso cartográfico
instituído, porém, sem necessariamente abster-se dos instrumentos modernos da
cartografia de precisão e posicional, estes, também fundamentais e indissociáveis a
construção de uma Cartografia Geográfica que abarque a dimensão humana, ampliando
os sentidos e significados do fazer e saber cartográfico através dos mapas online.
Cartografar diz respeito à localização, do eu, do corpo, do sujeito, de sua
relação com o mundo, e principalmente com a sociedade. Se é pelo corpo e pelo pensar
que nós existimos, coletivamente e individualmente é pela cartografia que nos
localizamos, nos posicionamos num mundo cada vez mais conectado, móvel e complexo.
O mapa, a concretude de uma abstração, pensado como linguagem/discurso
geográfico nos traz a noção de técnica como extensão do corpo que se projeta no espaço.
Neste sentido, além da técnica, nos referimos a questões de ordem cognitiva, trazendo
para o debate elementos e noções da Teoria da Comunicação com suas interfaces na
Semiótica, Teoria da Modelização Matemática da Informação e da Teoria Social.
21
Os mapas online emergem no contexto desta era da informação fundada nos
bits (NEGROPONTE, 1995), da onipresença do fenômeno técnico na sociedade
contemporânea (SANTOS, M., 1996), da convergência tecnológica e da penetrabilidade
das redes (CASTELLS, 1999), de uma métrica topológica, não-euclidiana, rizomática
(LÉVY, 1996) e da mobilidade que caracteriza uma computação “onipresente” , portanto,
ubíqua (WEISER, 1993) 8.
Com a convergência tecnológica, as mudanças no fazer cartográfico, são
decorrentes da consolidação de um conjunto de objetos técnicos, denominados
geotecnologias.
São aspectos que potencializam o movimento de transformação de uma
Cartografia Geográfica que abarca a dimensão humana. Assim sendo, a apropriação de
dispositivos eletrônicos e sensores pelos mais diversos atores sociais9 e das
geotecnologias embarcadas, possibilitam que a informação geográfica (instantânea)
adentre na dimensão da vida, dos desejos e dos hábitos sociais dos indivíduos e das
coletividades com a captura de informação social e (in)voluntária.
No nível cartográfico provoca mudanças em termos de poder e saber ou às
vezes reforça relações de dominação já solidificadas, em função da mobilidade,
conectividade e do compartilhamento instantâneo da informação geográfica,
estabelecendo relações espaciais das mais diferentes formas, com reflexos em todas as
instâncias da sociedade.
Nesta perspectiva, os mapas online que estão integrados às redes
informacionais, aos inúmeros dispositivos eletrônicos (inteligentes ou não), e às
ferramentas de análise dos ambientes empresariais, a exemplo do Google Maps e Google
Earth, parecem ainda distantes e alheios dos espaços formais de discussão na Geografia.
Se há uma lacuna sobre o uso das redes nos espaços formais da Geografia,
existe também, neste sentido, uma lacuna sobre o uso e apropriação das geotecnologias e
especificamente, dos mapas online pela sociedade (seja individual ou coletivamente),
pois, existem narrativas espaciais, inclusive no ciberespaço que são negligenciadas e
mascaradas sistematicamente pelas representações cartográficas hegemônicas, ou muitas
vezes, subtraídas pela própria Geografia.
8 A denominada Internet das Coisas é a manifestação material e imaterial desta ubiquidade que se manifesta através
da informação geográfica instantânea. 9 Nos referimos aos indivíduos, grupos, comunidades, organizações, etc.
22
Entretanto, não há processo cartográfico fora das relações sociais, na medida
em que todo mapa é carregado de sentidos e desprovido de neutralidade, implicando
assim, uma rediscussão das relações de poder sobre este fazer e saber, que permita superar
esta perspectiva hegemônica da produção e das formas de representação do espaço como
assinalou Harley (1989; 1990; 1991; 2002), Harley e Woodward (1998) e Lacoste (2012
[1976]).
Se a cartografia enquanto ciência aplicada necessita desenvolver sua essência
não aplicada como defendeu Taylor (1994 [1991]), a Cartografia Geográfica, suscita à
Geografia uma reflexão teórica e prática, que possibilite uma abertura para o fim da
dicotomia entre o físico e o humano, entre humanistas e estruturalistas, entre objetividade
e subjetividade, dado a complexidade e interdependência dos fenômenos e ações que
atravessam a produção de um espaço geográfico cada vez mais artificializado.
Sobretudo, pede uma elaboração teórico-epistemológica sobre os sentidos e
possibilidades atribuídos ao uso que se faz destas geotecnologias na contemporaneidade. Que
permita enfrentar os desafios e as questões desta sociedade informacional, frente a este
processo de reconfiguração das espacialidades. Contribuição intrínseca que se apresenta
neste trabalho, com os limites que se apresentam, ao estabelecermos os mapas online - no
contexto das geotecnologias, e da informação geográfica -, como objeto de análise e ponto
de partida.
Há um certo desprendimento interpretativo em relação a algumas
compartimentalizações do discurso geográfico realizado por geógrafos, e posteriormente,
uma reinterpretação à luz desta tradição geográfica, contribuindo para ampliar os limites
do fazer cartográfico no campo da Geografia e de sua Cartografia Geográfica.
É uma reflexão eminentemente teórica que tem como ponto de entrada os
mapas online, uma análise que dialoga com a cartografia da Geografia e não de uma
cartografia para a Geografia. Esta, entre outras ciências, ao “obter” algumas respostas
provocadas por um movimento de renovação, é tomada novamente por uma
reinterpretação desta renovação.
Um caminho complexo, onde a elaboração teórica que ilumina o objeto de
estudo está intrinsicamente interligada à própria metodologia utilizada no percurso. É a
teoria quem dá visibilidade ao objeto, revelando-o em meio à obscuridade, significando-
o, explicando-o em meio à realidade, conduzindo-o aos esquemas abstratos com seus
23
códigos, normas e procedimentos, condição essencial à cientificidade. Embora o objeto
anteceda a teoria, ela é parte do mesmo, pois, porta um viés metodológico, contudo, sem
heresias.
É nesta perspectiva de desconstrução do mapa (HARLEY, 1989), de uma
abordagem da cartografia com um amálgama de modos cartográficos (EDNEY, 1993) e
de espaço como multiplicidade de trajetórias (MASSEY, 2008) que apontamos a direção
do caminho trilhado nesta pesquisa.
Analisar os mapas online sob este prisma e, por conseguinte, o fazer
cartográfico, nos permite romper com a hierarquização, com a compartimentalização dos
saberes, dá visibilidade a outras formas de poder, de prioridade, de coletividade,
possibilitando a construção, ressignificação e/ou uma nova interpretação sobre o fazer e
o saber cartográfico, desprovido dos tradicionais controles ideológicos e de poder.
Todavia, este rompimento, não exclui os princípios básicos de uma cartografia
matematizada, posicional e de precisão, o quantitativo, pois, se assim fosse, o que se
apresenta tornar-se-ia o contraditório, não considerar-se-ia o movimento como um todo.
Dessa forma, a análise se realiza na perspectiva do modo cartográfico
cartesiano, mas não se atem a ele, embora, a base técnica da sociedade atual se apoie na
geometria. Entretanto, a construção do simbólico e do novo é resultado de um movimento
de transformação contínuo de fusão de trajetórias e ruptura de paradigmas.
O que está em questão não é apenas a forma como se representa, nem tampouco
a validade das heterogeneidades cartográficas, ou de uma disputa entre o quantitativo
versus o qualitativo, nem tampouco sobre o objetivo e o subjetivo, ou da “dissociação”
Cartografia versus Geografia, mas sim, de uma valorização política do espaço geográfico
por seus diversos atores, cujas inter-relações de poder e de saber implicam numa
reconfiguração cartográfica através de novos modos de representação, produção, interação
e comunicação deste processo em ambientes digitais.
Se estas questões por um lado, nos aproxima dos limites entre representação e
realidade, com uma série de implicações de ordem: cognitiva, cibernética, neurológica,
filosófica, epistemológica, matemática, sociológica, etc. Por outro, nos revela uma maior
aproximação entre Cartografia Geográfica (em movimento), o mapa online, informação
geográfica instantânea, geotecnologias embarcadas e “novas” formas de apropriação do
espaço na sociedade informacional.
24
Isto se dá, por acreditarmos num posicionamento geográfico fundado numa
dialética voltada para a complexidade dos fenômenos, onde as novas formas e
possibilidades de aplicação dos mapas online, não perpassam exclusivamente, pelos
ambientes formais e referendados pelo Estado ou pelos diversos atores existentes no
mercado da informação geográfica, mas, por todos os espaços onde transitam saberes,
conhecimentos e formas de poder que passiveis de serem retomados pelas coletividades
ou indivíduos, possam ser considerados cartografáveis no espaço geográfico, inclusive o
ciberespaço, com suas redes de agenciamentos e conexões (FOUCAULT, 1979;
DELEUZE e GUATTARI, 1997).
Esta é também, uma característica das novas mídias e das relações que
estabelecem com os mapas online, baseados num modelo econômico de sociedade
consumista, móvel, digital, flexível e interativa, onde a informação geográfica instantânea
assume papel preponderante no processo produtivo na contemporaneidade.
A relação do investigador com a realidade que estuda, faz com que a
construção da teoria se processe, a partir do próprio terreno. Implica, na análise da
realidade através do entendimento, da sistematização de ideias, da interpretação das
diversas linguagens e sistemas de referência diferentes numa relação dialética.
Temos ciência de que independente das proposições teórico-metodológicas
baseadas nas matrizes clássicas do pensamento geográfico (MOREIRA, 2015),
convencionalmente denominadas de positivismo lógico e/ou correntes positivistas, que
influenciaram/influenciam toda uma produção espacial e cartográfica considerada
“desprovida” de uma reflexão política (LACOSTE, 2012 [1976]), muitas vezes, com a
ausência de um discurso que englobe as dimensões humana, social e cultural , numa
relação dialética, conforme nos apresenta (LEFEBVRE, 1973; MATIAS, 1996; 2004).
Ou ainda, de dogmatismos que por vezes compartimentalizam seus lócus
epistemológicos, negando a reinterpretação dos seus postulados clássicos (VESENTINI,
2009), da refutação de autores que ao seu tempo e compreensão de mundo
possibilitaram/possibilitam “de certa maneira” pensar “uma ponte entre clássicos e
modernos” (SILVA, 1986, p. 106), serão na verdade, pesquisadores, professores, as
coletividades e as individualidades em suas práticas espaciais cotidianas, quem irão
construir ou negar os usos e sentidos sociais, econômicos e políticos para a aplicação
destas tecnologias ou, ao contrário, defender a manutenção de certos valores e esmaecer
outros, a partir de modelos definidos antecipadamente por alguém.
25
Assim é também a escolha do caminho teórico-metodológico, com os seus
instrumentos, conceitos e posições para que a análise do mundo se realize pela
objetividade científica. Logo, não se pode argumentar a existência de um caminho
verdadeiro ou falso, assim como, visões de mundo certas e equivocadas .
A problemática apresentada em torno dos mapas online e da Cartografia
Geográfica em movimento, não pode ser entendida sem analisar seu contexto como parte
de um processo de criação, negação, superação e reconfiguração da Cartografia na
Geografia.
Este trabalho teve como meta principal realizar um estudo teórico-epistemológico
e conceitual para analisar como os mapas online, suportados por geotecnologias e informação
geográfica contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em
movimento).
Por essa razão, ao longo deste trabalho, cada capítulo colabora para responder a
seguinte questão: Como os mapas online, suportados por geotecnologias e informação
geográfica instantânea, contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia
Geográfica (em movimento)? Nossa tese é que: Os mapas online, suportados pelas
geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a emergência e
consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento).
Consideramos que o objeto de análise não trata de uma negação de valores, nem
do descarte dos princípios básicos da cartografia, mas sim, propõe uma releitura, um
reposicionamento na forma de tratamento do objeto frente a uma realidade complexa, traz uma
contribuição ao alargamento teórico epistemológico da práxis geográfica, dos sentidos e
possibilidades atribuídos ao uso que se faz destas geotecnologias na contemporaneidade.
Por conseguinte, provoca substancialmente possibilidades de transformação na
representação do espaço e de reapropriação histórica do fazer cartográfico pelas coletividades
e individualidades nas mais diversas escalas. Vislumbra a produção de novas formas de
representação da realidade, implicando em multifacetadas relações de poder e de saber
exercidos sobre a produção do espaço geográfico e consequentemente dos territórios, inclusive,
os territórios digitais (redes), possibilitando, um escape aos modelos formais e oficiais de
representação cartográfica e do uso da informação cartográfica.
Dentre os inúmeros pressupostos que justificaram a escolha e importância desta
proposta, elencamos aspectos básicos que lhe deram sustentação ao afirmarmos que:
26
a) A representação do espaço através dos mapas online e do uso de geotecnologias
não deve estar condicionada exclusivamente a uma cartografia oficial e plana
que exclui e compartimentaliza saberes e dados de uma coletividade cada vez
mais conectada e móvel nesta sociedade informacional;
b) A inconteste existência de uma Voluntary Geographic Information
(GOODCHILD, 2007), e de uma cartografia virtual, a partir de dispositivos
eletrônicos, micro sensores, wearables computers, geotagging, softwares, e
geotecnologias que representam, interagem e conectam o mundo e suas
espacialidades por meio de plataformas cartográficas e colaboracionais online,
alterando sensivelmente a percepção e relação com a realidade, implicando na
criação de novas formas de interação, aprendizagem e de relacionamentos sócio
espaciais;
c) A necessidade de contribuições para um aporte teórico epistemológico que
permita fomentar métodos e técnicas para descobrir, revelar ou dar novas
visibilidades e significados às potencialidades de interação entre os mapas
online, as geotecnologias, as coletividades conectadas produzindo informação
geográfica (in)voluntária e da práxis geográfica frente à complexidade das redes;
d) A existência de uma lacuna teórica sobre a apropriação destes instrumentos em
meio à uma Cartografia Geográfica em movimento de transformação.
Estes aspectos nos permitem dizer que as informações contidas e representadas
pelos mapas online não existem sozinhos no espaço, fazem parte da produção deste, não podem
estar atreladas a uma concepção que nega, aprisiona e compartimentaliza os saberes: tão
importante quanto localizá-las é construir, participar, descobrir e representar a heterogeneidade
das relações entre os diversos dados e instâncias existentes na produção cartográfica do espaço
geográfico.
Isto permite o necessário distanciamento em relação a uma concepção que
compartimentaliza o conhecimento, da superação de uma postura baseada tão somente em
termos de hierarquizações e relações de poder. Consequentemente provoca uma reflexão sobre:
quem, e como cartografa, e, o que pode e deve ser cartografado.
Cartografar e representar o mundo são também formas de dominação, logo, se
estabelece a contradição, pois, o saber e o fazer cartográfico, retomada pelas individualidades
e coletividades, através do uso de geotecnologias, possibilitam a criação de novos produtos,
27
como os mapas online em ambientes colaborativos ou em redes de comunicação e informação,
deslocando estas relações de poder, na medida em que este fazer cartográfico se reconfigura em
torno da informação geográfica instantânea e das inter-relações entre sujeitos, coletividades e
objetos técnicos especializados.
Por conseguinte, aponta-se o ponto de partida para uma cartografia de cunho
geográfico que proporcione um acesso/pensar diferenciado a cada grupo social considerando
suas necessidades em função das condições materiais, técnicas e socioculturais. Ao propormos
este estudo, não estamos apenas vislumbrando uma reconfiguração de uso e aplicação dos
mapas online na geografia e na cartografia, mas também, ainda que incipiente, colocando-os
numa outra dimensão, seja como aproximação entre ambas, seja como abertura. Esta, uma
busca teórica que seja compatível com o mundo tal qual ele se apresenta em meio às
transformações da sociedade e das condições técnico-científicas da contemporaneidade.
Teoricamente se aponta para novas e imprevistas direções com interações entre
inúmeros campos dos saberes, a exemplo das neurociências, da filosofia, da automação, da
cognição, da percepção comportamental, etc. Os mapas online trazem para a Cartografia
Geográfica novos significados em termos representacionais para a comunicação e a cognição
da realidade. Além disto, implica na substituição dos verticalismos da dominação e produção
cartográfica, por horizontalismos, onde a colaboração (in)voluntária implique em
multiplicidade na construção destas representações.
A pesquisa tratou de um estudo conceitual, teórico e epistemológico que analisou
como os mapas online contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia
Geográfica (em movimento) que altera o saber e o fazer cartográfico na contemporaneidade.
Como forma de balizar a construção desta tese, foram delimitados os seguintes
objetivos específicos:
a) Analisar e caracterizar o contexto sócio-histórico e técnico em que se inserem os mapas
online, as geotecnologias e a informação geográfica instantânea, que possibilitam
afirmar a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica;
b) Discutir a emergência de uma espacialidade cartográfica virtual, eletrônica e relacional
que através dos mapas online – suportados por geotecnologias e informação geográfica
instantânea –, trazem para o seio da Cartografia Geográfica, um conjunto de aportes
teóricos que evidenciam seu processo de transformação e reconfiguração na
contemporaneidade;
28
c) Demonstrar que os mapas online, suportados pelas geotecnologias e informação
geográfica instantânea, a partir de dispositivos móveis, micro sensores e colaboração
(in)voluntária, alteram a forma como coletivamente produzimos, apropriamos,
relacionamos, ressignificamos e percebemos parcelas do espaço geográfico (territórios)
e dos territórios digitais em função da instantaneidade da informação geográfica e da
cartografia digital.
A estrutura da tese foi dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo,
denominado: “FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS”, apresentamos os
fundamentos da pesquisa realizada, como esforço interpretativo e construção teórica do objeto
de estudo. O ponto de partida é a Geografia. Realiza-se um resgate das concepções de tempo e
espaço na “modernidade” e de sua construção em torno de uma racionalidade técnica de base
geométrica, de suas implicações para o estabelecimento de uma concepção de espaço
geográfico como produto da sociedade.
Aborda a relação entre Cartografia e Geografia através de uma análise e do resgate
de sua história social como um entrelaçamento de trajetórias/modos cartográficos, da
hegemonia da narrativa cartográfica euclidiana que se reverte em base técnica da sociedade, do
corte epistemológico entre Cartografia e Geografia e dos desdobramentos teóricos e práticos
em relação aos limites e atribuições destes campos do saber; da Cartografia Geográfica e das
relações que estabelece com os mapas online.
No segundo capítulo, intitulado: “A CARTOGRAFIA: ENTRE O
CONVENCIONAL E A VIRTUALIZAÇÃO”, analisamos como a Internet ao articular uma
espacialidade eletrônica, virtualizada e relacional através das Tecnologias de Informação
e da Comunicação e das redes de Cibercultura, provocou uma redefinição das
territorialidades, das referências materiais e espaciais do espaço absoluto e da métrica.
Descreve a coexistência de duas métricas: uma baseada nas redes,
espacialidade eletrônica, fluida, virtual, topológica, não-euclidiana, heterogênea e
relacional, a cartografia virtual ou cartografia eletrônica virtual; a outra, a métrica baseada
no território absoluto, que se caracteriza por uma lógica topográfica, centrada nos fixos,
homogênea e euclidiana, a cartografia matematizada ou cartografia topográfica de base
euclidiana.
Ao adentrarmos no terceiro capítulo, denominado: “GEOGRAFIA E
INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA”, analisamos como a convergência tecnológica entre as
29
geotecnologias, dispositivos móveis, as tecnologias de informação e da comunicação e
objetos técnicos especializados, articulam uma computação ubíqua, que possibilita através
das redes telemáticas10 e das redes da Cibercultura a disseminação de informação
geográfica instantânea, base para a elaboração de mapas online. Apresenta como os mapas
online suportados pelas geotecnologias e a informação geográfica (instantânea) alteram a
forma com individualmente e coletivamente nos comunicamos, produzimos e nos
apropriamos de parcelas de espaço (territórios).
No quarto capítulo “GEOGRAFIA, CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA E MAPAS
ONLINE”, aprofundamos a análise teórica em torno do mapa online, sua conceituação e
elementos que o diferenciam do mapa convencional. Portanto, discute o processo de
fragmentação do mapa, da sua fluidez em meio a uma virtualização da cartografia nas
redes da Cibercultura. Por último, retoma reflexões em nível teórico sobre as alterações
que os mapas online exercem sobre as práticas espaciais, suas implicações na
disseminação da informação geográfica instantânea advinda das coletividades, das
individualidades e dos objetos técnicos especializados, em meio a uma multiplicidade de
interações e inter-relações nos territórios e nas redes.
Por fim, apresentamos as Considerações finais, acerca dos principais resultados e
conclusões, suas contribuições, bem como, dos limites e das potencialidades desta tese.
Temos ciência das limitações que são peculiares a qualquer investigação científica,
já que as proposições apresentadas nesta tese não constituem um caminho único, mas sim, ponto
de partida para o aprofundamento e geração de novos conhecimentos. Trata-se de uma
interpretação – entre outras que possam vir a existir – a partir da Geografia, mas que não se
limita à esta. Coloca-se como contribuição para um debate em aberto e plural.
10 As redes telemáticas constituem um conjunto de serviços fornecidos pelas redes de telecomunicações.
30
1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS-METODOLOGICOS
Espaço e tempo estruturam o cenário da realidade que observamos. Todas as
ações humanas ocorrem no espaço durante um lapso de tempo. Por isto, filósofos e
cientistas há séculos confirmam, recusam ou reformulam enunciados que alteram nossa
percepção sobre a realidade cotidiana. Para Greene (2005), a percepção e o pensamento
são experiências internas dos seres humanos, mas não sabemos se elas refletem
verdadeiramente o mundo exterior. Portanto, a questão inerente à ciência em geral é: o
que é a realidade? Em que espaço moramos?
Espaço-tempo11 e matéria constituem o nosso mundo (realidade). Cada ciência,
atua num campo específico de interpretação da realidade, conforme seu objeto de
investigação. Embora sejam autônomas, as ciências não são independentes do saber geral,
constituem um conjunto, num movimento de inter-relações, que partilha dos mesmos
elementos (espaço-tempo e matéria) para compreender a realidade em sua totalidade.
Como estes elementos mutuamente se relacionam modificando suas partes, a
totalidade absorve ou modifica a condição anterior do conjunto, assim, a totalidade é
sempre mais do que o conjunto de seus elementos. Totalidade é aqui definida
conceitualmente como, a realidade em movimento.
A Geografia é uma ciência que tem como objeto de estudo o espaço
geográfico12. O ponto de partida desta pesquisa ancora-se na categoria espaço geográfico,
uma dimensão da totalidade social. Assim, procura-se compreender o processo de
redimensionamento da concepção de espaço no discurso geográfico, de sua relação
dialética com uma linguagem cartográfica matematizada (geometria13), e das relações que
estabelece com a Cartografia Geográfica, os mapas online, as geotecnologias e a
informação geográfica instantânea.
Convém destacar que o espaço não é a totalidade, ou uma totalidade, ele é
totalizável. Portanto, espaço é multiplicidade que é totalizável a si mesmo num dado
11 No século XVII Isaac Newton estabelece cientificamente que o espaço é real, tese rejeitada por Ernest Mach no
século XIX. Em 1905 (século XX), Albert Einstein, em sua Teoria da Relatividade Restrita ou Especial, refuta
Mach e reformula a proposição de Newton, estabelecendo uma indissociabilidade entre espaço e tempo (espaço-
tempo). Esta teoria ampliada em 1915, com a adição dos efeitos da gravitação, deu origem à noção de espaço-
tempo curvo, passando a ser denominada de Teoria da Relatividade Geral. Ver: (KUHN, 1994; GREENE, 2001;
2005). 12 Conceitualmente o espaço da física não é o espaço da Geografia. 13 Base de uma racionalidade técnica e científica, e parte de um discurso hegemônico na contemporaneidade.
31
momento, objetivando totalizar o campo prático, porém, não é total. Ou no mesmo sentido,
uma totalidade em aberto, transversal, sempre em movimento, o real sempre por se
completar. Como afirma Massey (2008, p.29),
[...] precisamente porque o espaço, nesta interpretação, é um produto de
relações-entre, relações que estão, necessariamente, embutidas em práticas
materiais que devem ser efetivadas, ele está sempre no processo de fazer-se.
Jamais está acabado, nunca fechado.
A construção epistemológica do conceito de espaço a partir do século XVII,
está profundamente relacionada a desconstrução da cosmologia medieval e a gestação de
um método científico. Com isto, há um redimensionamento dos conceitos de tempo e
espaço, e uma divisão entre ciência e filosofia. A geometria analítica de Descartes base
científica desta transição, implicou na elaboração de uma geometria das formas e na
matematização da natureza.
O espaço torna-se um plano homogêneo formado por diferentes pontos, o
movimento através destes pontos é medido pelo tempo. Assim, o espaço é abstraído e
geometrizado, tornando-se controlável por intermédio de um sistema de coordenadas.
Inaugura-se um novo critério de verdade científica através da quantificação da realidade
e da divisão entre sujeito e objeto (LIVINGSTONE, 2010).
Esta racionalidade cartesiana influenciou as ideias de proporção e perspectiva
existentes na pintura renascentista, produzindo todo um ordenamento simbólico do
espaço. A obra Geografia Geral14 de Bernard Varenius, com suas elaborações de globos
e mapas à escala, é um exemplo de aplicação prática desta matematização, que conforma
uma cartografia matemática de base euclidiana. Para Vitte (2011, p. 29), “a geografia de
Varenius é produzida em um momento de crise da civilização e a reconfiguração de um
novo imaginário sobre a Terra e o mundo”.
O conceito de espaço, apresentado por Isaac Newton em Principia, torna-o
rigorosamente absoluto, naturalizado e homogêneo. Emerge um modo dominante de
ordenações simbólicas e de representação, onde o espaço é objeto de mensuração e
quantificação. Na Cartografia, isto se reflete através de: um sistema de coordenadas
geográficas espacialmente definidas, implicando numa objetividade associada a ideia de
14 A obra Geografia Geral de Bernard Varenius é considerada a primeira obra científica da Geografia. A geografia
astronômica (matemática) e a geografia física são os conteúdos principais em sua obra. Os cálculos matemáticos
e o método cartográfico desenvolvido por Varenius foram utilizados por Isaac Newton em Principia, para ajustar
a teoria da gravitação. Ver: Livingstone, (2010)
32
“imparcialidade”; na elaboração de mapas considerados neutros; na criação de marcadores
espaciais que norteará as técnicas de mapeamento, no ordenamento das cidades, etc.
No século XVIII, Immanuel Kant, filósofo preocupado com o conhecimento
objetivo do mundo, apresenta sua concepção de espaço. Em Kant o espaço é a maneira
com a qual estabelecemos relações com os fatos exteriores a nós. O espaço não é oriundo
da experiência empírica, ele é um plano de extensão geométrica preexistente ao olhar
humano que se revela através da percepção. Assim, espaço e tempo são duas formas de
sensibilidade (KANT, 1999; MOREIRA, 2015).
O espaço somente existe em relação à sensibilidade do sujeito, somente este
pode tomar consciência dos objetos dispostos no espaço. A maneira como percebemos
aquilo que é exterior a nós, e dispostos em diferentes lugares, pressupõe, em princípio, a
noção de espaço. Desse modo, tudo aquilo que se coloca além de nós/“fora” de nós,
pressupõe uma representação do espaço (KANT, 1999).
Na Geografia em gestação do século XIX, o pensamento de Kant contribuiu
para a percepção do mundo físico através de uma rigorosa taxonomia das paisagens
(recortes paisagísticos), originando uma ampla corografia. Segundo Santos, D (2002), a
Geografia irá se utilizar da ideia de localização e distribuição advindas desta corografia
para aprimorar suas representações cartográficas, combinando o registro rigoroso da
percepção sensível com a precisão matemática do mapas.
A sistematização da ciência geográfica no século XIX15, “no formato de base
como a conhecemos, nasce das mãos de Kant” (MOREIRA, 2015, p. 13), sua influência
insere-se no contexto de estruturação de uma racionalidade científica, e de ascensão da
sociedade burguesa e industrial, que necessitava de uma linguagem geográfica voltada
para seus interesses expansionistas.
Santos, D (2002, p. 188), analisa que até o terceiro quarto do século XX, “[...]
o que se observou de comum entre as diversas correntes de pensamento foi a noção de
espaço como receptáculo e, portanto, condição a priori [grifo do autor] do fenomênico”.
Contudo, entre finais do século XVIII e início do século XIX a prática
científica que organizava o espaço segundo interesses econômicos e políticos e militares,
15Tomando como referência as contribuições de Ratzel, Humboldt, Ritter e Vidal de La Blache. Ver: Moreira
(2015, p. 13-48).
33
provoca um esvaziamento da filosofia favorecendo uma problemática do tempo
(FOUCAULT, 1999, p. 18-19).
Em meio ao positivismo vigente e aos interesses expansionistas do Estado, o
tempo submete o espaço através de sua despolitização e desvalorização. Sobre o tempo,
Harvey (1989, p. 190), assinala que “[...] o progresso é seu objeto teórico, e o tempo
histórico, sua dimensão primária. Com efeito, o progresso implica na conquista do espaço,
a [...] aniquilação do espaço através do tempo”.
Neste contexto, a teoria social16 preocupou-se essencialmente com o progresso,
a modernização e as mudanças sociais. Houve um ofuscamento da dimensão espacial
(HARVEY, 1989; SOJA, 1993). No plano cartográfico, isto se revela com o discurso de
uma neutralidade do mapa.
1.1 Espaço geográfico, técnica e multiplicidade
O gradativo endeusamento da tecnociência e as transformações da sociedade
provocadas por uma dependência cada vez maior de um meio técnico científico e
informacional capitaneado pela acumulação capitalista em meados do século XX,
provocou uma intensificação do uso das técnicas e das tecnologias de informação e
comunicação sobre os territórios, acelerando o processo de artificialização e virtualização
da vida em sociedade.
Associado a isto, o surgimento de dinâmicas complexas, não-lineares e
imprevisíveis, induziu uma renovação17 de métodos em inúmeras áreas do conhecimento,
em especial, nas ciências humanas e sociais.
Na Geografia isto não foi diferente, há uma retomada do conceito de espaço
frente à denúncia de diminuição de sua importância em relação ao de tempo, trazendo uma
série de reflexões teóricas e interpretações sobre a relação homem e natureza.
Estas transformações da sociedade e do espaço mundial ocorridas entre as
décadas de 1950 e 1970, e as limitações da Geografia em responder aos questionamentos
realizados naquele momento acerca do seu objeto, significado e fundamentos filosóficos,
suscitaram movimentos de ruptura com o discurso geográfico clássico (MOREIRA, 2015).
16 Aqui, Harvey (1989, p. 190), refere-se às teorias sociais “que emanam das tradições teóricas de Marx, Weber,
Adam Smith e Marshall”. Estas privilegiam tipicamente em suas formulações o tempo”. 17 Inúmeros autores denominam este momento de “virada espacial”, “crise das racionalidades”, “movimento de
renovação”. Ver: Moreira (2015); Castells (1999).
34
Neste cenário, o espaço deixa de ser receptáculo, e passa a ser concebido como
uma construção social, ou seja, que se efetiva na nossa relação com o mundo. Apresenta-
se uma economia política do espaço (HARVEY, 1984; 1989). O espaço, deixa de ser
entendido como algo fixo, e revela-se dinamizado por uma multiplicidade de produções e
práticas, onde a experiência de cada um no espaço, ao dar-lhe significado, transforma-o
em lugar18, construindo assim a identidade humana (CERTEAU, 1998; TUAN, 2013
[1977]). Em meio a esta diversidade de interpretações teóricas em torno do espaço, há
majoritariamente uma preocupação com o social.
O conceito de espaço geográfico (enquanto produção do espaço), deriva de um
conjunto de contribuições internas e externas à ciência geográfica, que através dos
movimentos de renovação19, buscou sanar lacunas teóricas como respostas aos
questionamentos existentes em meio às transformações e permanências pelas quais
passavam a sociedade.
A renovação interna que se estabelece na Geografia na década de 1970, traz
diversos aportes à esta reconstrução teórico-epistemológica, com reflexões20 que
permitiram ao pensamento geográfico descortinar novos caminhos, inclusive, na
consolidação do seu objeto de análise: o espaço geográfico.
No nível externo, podemos destacar a influência do marxismo sobre a
geografia franco-anglo-americana (SANTOS, M., 1978; SOJA, 1993; MOREIRA, 2015)21
a partir de reinterpretações das ideias de Karl Marx - em especial, da crítica à economia
política do espaço22. Logo, possibilitou acrescentar ao pensamento geográfico as bases de
uma crítica social sem reduzi-lo ao aspecto econômico, no contexto de uma economia
capitalista complexa e urbanizada na contemporaneidade (HARVEY, 1984; MOREIRA,
2015).
18 Tuan adota uma perspectiva fenomenológica de interpretação do espaço através uma experiência sensorial tendo
como referência o lugar. 19 Podemos destacar, por exemplo, a Geografia crítica e a Geografia teorética, Cf, Moreira, 2015, passim. 20 Dentre estas contribuições num contexto geográfico estão: David Harvey com o livro: A justiça social e a cidade,
publicado em 1973; Massimo Quaini em: Marxismo e geografia, de 1974; Yi-Fu Tuan com Topofilia de 1974;
Yves Lacoste com a publicação na França de A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra de
1976. Importante destacar neste cenário as reflexões das revistas Antipode (EUA) e Hérodote (França). 21 Santos (1978), numa revisão crítica da evolução da geografia, aponta a influência de alguns aspectos da obra de
Marx no pensamento de autores das matrizes clássicas do pensamento geográfico. O que denota afirmar que a
influência do marxismo na Geografia não é uma exclusividade deste movimento de renovação, ou que este foi
essencialmente marxista. Todavia, esta influência se acentua na Geografia crítica, mas ela em seu todo não é
marxista. 22 Marx (1996, p. 135-383). Livro primeiro, seções V à VII (O processo de acumulação do capital), vigésimo
segundo capítulo (Transformação de mais-valia em capital).
35
Inserido em uma discussão mais ampla, envolvendo o existencialismo e o
estruturalismo, Lefebvre (1974), apresenta o conceito de produção do espaço. Suas
reflexões sobre o modo de reprodução da sociedade capitalista, ampliou o entendimento
das relações entre espacialidade e reprodução social.
As contribuições de Lefebvre (LEFEBVRE, 1973; 1974; 1995) permitiram a
superação de uma concepção clássica do espaço (lógica formal) por uma categoria de nível
abstrato: produção do espaço (lógica dialética). Espaço como produto da sociedade, que
intervém na reprodução desta, numa relação dialética.
Na sociedade capitalista, a produção do espaço tem por finalidade a
acumulação, que se perpetua através da reprodução das relações (sociais) de produção
(LEFEBVRE, 1973; 1995; HARVEY, 2005). Estas interpretações pós-marxistas tornam-
se portadoras de potência, enquanto possibilidade à elaboração de uma compreensão de
mundo e de transformação da sociedade, através do engajamento político e social de uma
Geografia que emerge renovada.
Provém deste cenário, a contribuição que a geografia em renovação traz para
o debate, com uma concepção de espaço geográfico centrado na noção de: produção do
espaço, concepção teórica e abstrata que transcende a Geografia e lhe permite pensar as
categorias de uma teoria geográfica do espaço. A noção de produção do espaço geográfico
na qual se fundamenta este trabalho, advém das contribuições de Lefebvre (1973; 1974;
1976; 1995), Harvey (1984; 1989; 2005), Soja (1993), Santos, M. (1978; 1985; 1996) e
Massey (2004; 2008).
Lefebvre (1974) - numa perspectiva fenomenológica -, apresenta um conceito
geral de espaço a partir das relações cotidianas, definindo-o como socialmente produzido
e intrinsecamente relacionado à “reprodução das relações (sociais) de produção”
(LEFEBVRE, 1976, p.34), que se manifestam dialeticamente através da prática espacial
(espaço percebido), das representações do espaço (espaço concebido) e dos espaços de
representação (espaço vivido).
Estas, as três dimensões do espaço social, que ante uma produção do espaço
de tendência homogeneizadora e totalizante, apresentam resistências a estas
determinações que se pretendem universais, gerando rupturas, pois, em cada lugar as
relações sociais tendem a fazer usos diferenciados destas normas, implicando em termos
políticos enquanto possibilidade de negação e ruptura destas relações de poder.
36
Ao propor uma abordagem tripartite do espaço, compreendendo-o como:
absoluto, relativo e relacional, Harvey (1984) demonstra que podemos considerar de
forma individual ou simultânea o uso de cada uma destas três concepções, em função das
necessidades e das condições em que se dão as práticas humanas. A divisão tríplice da
forma como o espaço pode ser entendido não são excludentes, e permite pensá-lo numa
relação dialética.
O desenvolvimento tecnológico possibilitou a compressão do espaço pelo
tempo em função da velocidade dos deslocamentos, do domínio da representação
cartográfica e da informação. Na sociedade capitalista, a junção entre espaço-tempo e o
domínio sobre o dinheiro constitui uma considerável fonte de poder social (HARVEY,
1989)23.
Soja (1993)24, discute o conceito de espaço a partir da análise das contribuições
de diversos autores sobre o tema, demonstrando a pouca atenção dada ao conceito de
espaço em relação ao de tempo, apresentando sua dialética sócio espacial e, a
espacialidade enquanto espaço socialmente produzido (social, físico e mental) numa
aproximação com a concepção de Lefebvre (1976).
Utilizando-se da técnica para a construção de uma epistemologia do espaço
geográfico, Santos, M. (1996, p. 51) traz contribuições para um debate ontológico ao
defini-lo como um híbrido formado por “[...] um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”.
Apesar de enfocar a contribuição das técnicas para o processo de dominação,
uso e produção do espaço, Santos, M. (1978; 1985; 1996) se refere a uma teoria geral do
espaço geográfico, onde a técnica – analisada em sua totalidade – enquanto fenômeno
técnico, assume uma centralidade, permitindo alcançar em meio à uma teoria social crítica
a noção de espaço geográfico e de território usado.
O autor não trata de nenhuma técnica específica, mas sim, do fenômeno técnico
enquanto conteúdo do espaço, e de sua manifestação no território, que se dá pela relação
entre o homem e a natureza, ou entre este e o meio geográfico, ao qual a técnica também
23 Contribuições apresentadas na referida obra nos capítulos 14 e 15, respectivamente: “Tempo e espaço como
fonte de poder social” e “O tempo e o espaço do projeto do Iluminismo”. 24 Grande parte de seus argumentos sobre espaço estão fundamentadas nas reflexões produzidas nas obras de Henri
Lefebvre e Michel Foucault.
37
se integra enquanto constituinte. Esta ordem que se estabelece através da técnica resultou
da saída de um meio natural, passando a um meio técnico, e posteriormente, um meio
técnico-científico-informacional, caracterizado pelo momento atual onde a produção do
espaço, por intermédio dos territórios e das redes, se dá com uma forte presença das
ciências e das técnicas.
Para Santos, M. (1996), em cada época, se instala um novo conjunto de
instrumentos técnicos e normatizações. A aceitação destes instrumentos técnicos e sua
utilização por determinado grupo social implica numa reelaboração do conjunto de
instrumentos técnicos que atuam no território, consequentemente, na dinâmica de
produção do espaço. Logo, cada objeto técnico adquire um valor em função de um espaço
preexistente e do conjunto de objetos existentes, implicando numa determinação
ideológica do que vale e do que não vale. Nesta perspectiva, se os instrumentos técnicos
são objetivos em suas finalidades, as ações sobre estes implicam num ato político segundo
diversos interesses, estes, geralmente conflituosos.
Massey (2004; 2008), apresenta uma proposta alternativa25 para se pensar o
espaço e a espacialidade, considerando-o como: produto de inter-relações; como
possibilidade da existência da multiplicidade no sentido de pluralidade; e como estando
sempre em construção (Stories-so-far), sempre no processo de fazer-se. Portanto, o espaço
é totalizável num dado instante, porém não é total, é um processo sempre constante,
aberto, um cosmos.
A autora, parte do pressuposto de que há no mundo uma construção de inter-
relações, algumas estabelecidas, outras, porém, ainda na possibilidade de vir a ser e/ou
nunca serem constituídas (MASSEY, 2008). Assim, o espaço geográfico é um encontro
de diferentes trajetórias, duma multiplicidade de inter-relações.
[...] Primeiro, reconhecemos o espaço como produto das dificuldades e
complexidades, dos entrelaçamentos e dos não-entrelaçamentos de relações,
desde a imensidão do global até o intimamente pequeno [...]. Segundo,
compreendemos o espaço como a esfera da possibilidade da existência da
multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual
distintas trajetórias coexistem [...] Terceiro, reconhecemos o espaço como
estando sempre em construção. Precisamente porque o espaço, nesta
interpretação, é um produto de relações-entre, relações que estão,
necessariamente, embutidas em práticas materiais que devem ser efetivadas, ele
está sempre no processo de fazer-se, jamais está acabado, nunca está fechado
(MASSEY, 2008, p. 29).
25 Segundo a autora, um contraponto às construções do pensamento Ocidental - que ao longo de uma modernidade
ou até mesmo em meio à uma pós-modernidade - sempre teceu um quadro conceitual onde o espaço sempre esteve
atrelado a algo inerte, o estático, dotado de uma fixidez.
38
Esta proposição implica que não há um fechamento totalizante do espaço, nem
uma integralidade de fenômenos, ao contrário, há uma abertura para o imprevisível, para
o novo, principalmente uma ampliação política das relações de poder e da possibilidade
de se fazer o futuro. O espaço, não é conhecido nem dado, é possibilidade de inter-
relações, a construção do que pode vir a ser do encontro de trajetórias diversas que
coexistem (multiplicidade) simultaneamente no espaço26.
A história do mundo não é uma sequência histórica narrada exclusivamente
por uma dada sociedade. É resultado do entrelaçamento destes diversos encontros (inter-
relações) com perspectivas variadas de entendimento e interpretação da realidade. Assim,
o futuro não está dado, nem condicionado a narrativas que se pretendem únicas
(hegemônicas), quando se considera a existência de uma multiplicidade de histórias
(trajetórias) em aberto (stories-so-far)27.
Pensar a noção de espaço geográfico, implica refletir sobre sua representação, o
mapa – na perspectiva de representação gráfica, meio de comunicação e linguagem cartográfica
portadora de um discurso.
Ao imaginar o espaço geográfico como um conjunto de espacialidades
socialmente construídas em suas múltiplas trajetórias, discursos e práticas materiais e
imateriais, veremos que ele não é uniforme. O espaço é heterogeneidade, diversidade. Na
contemporaneidade, o mesmo raciocínio se aplica ao modo cartográfico dominante, que
ao matematizar o espaço, transmite a concepção de um espaço homogêneo e naturalizado.
Entendemos que estas concepções, indicam o reconhecimento de uma
multiplicidade28 de espacialidades socialmente construídas com suas trajetórias cartográficas
em tempo-espaço distintos ou simultâneos.
Ao introduzir um novo conceito de mapa29 e um certo relativismo sobre a história
da produção cartográfica e, dos códigos de representação adotados por diversas sociedades,
Harley (1989; 1991; 1995), os recoloca numa aproximação com a dimensão “humana”, no
sentido de validar a diferença.
26 Para Massey (2008) Espaço e Multiplicidade são co-constitutivos, ou seja, um não existe sem o outro. 27 Na acepção de Massey (2008). 28 Multiplicidade na acepção de Massey (2004; 2008). 29 Que será apresentado ao longo deste capítulo.
39
Até então, toda a teoria cartográfica ocidental estava fundada na busca pela
similitude dos mapas. A diferença constituía-se/constitui-se num vazio que tendia/tende a
apresentar territórios socialmente esvaziados.
A valorização do diferente traz à tona a diversidade, e coaduna-se com a noção de
espaço como multiplicidade se considerarmos que cada trajetória é portadora de um discurso,
uma história, por conseguinte de um modo cartográfico com suas interpretações internas e
interações externas. Assim, politicamente, assume-se a diferença como heterogeneidade.
Em Cartografia sem ‘progresso’30, Edney (1993, p. 54, tradução nossa) propõe
uma “interpretação da natureza da cartografia como prática”31 desprovida de “uma visão
linear e progressiva da história cartográfica”32, entende que a “cartografia deve ser vista
como um complexo amálgama de modos cartográficos, e não como um empreendimento
monolítico”33. O modo cartográfico compreende um conjunto de relações culturais, sociais e
tecnológicas que determinam suas métricas, práticas, interpretações internas e interações
externas.
Portanto, adotamos a noção de espaço advinda de Massey (2004; 2008),
interpretação que se coaduna com uma leitura desconstrucionista do mapa (HARLEY,
1989) e uma abordagem da cartografia como um amálgama de modos cartográficos
(EDNEY, 1993) e de uma sociedade informacional ou da informação com suas métricas
relativas e territórios-rede (LÉVY, 1996; CASTELLS, 1999; LÉVY, 2000).
Compreendemos que a proposição de espaço geográfico constituído por uma
materialidade cada vez mais fluida, conforme defende Massey (2004; 2008), nos permite
pensar uma dimensão política. Potência transformadora de uma compreensão heterogênea
e relacional de trajetória das sociedades e das espacialidades, permitindo uma abertura de
história(s) e de espaço onde nem todas as interconexões e justaposições estão completas.
Como afirma Massey (2008, p. 32): “Um espaço, então, que não é nem um recipiente para
identidades sempre-já constituídas nem um holismo completamente fechado” .
Ao defender uma alternativa política à tentativa de construção empírica e
simbólica de um espaço único de dominação que se vale das ciências, das técnicas e da
informação, associadas ao capital. Apontam-se as contradições de um projeto global e, a
30 Tradução nossa de: Cartography without ‘progress’. 31 Do original em inglês: “[...] interpretation of cartography's nature [...].” 32 Do original em inglês: “[...] a linear and progressive view of cartographic history. ” 33 Do original em inglês: “Cartography should be seen as a complex amalgam of cartographic modes rather than
as a monolithic enterprise.”
40
possibilidade de utilização do sistema técnico atual à serviço dos homens, como uma
dentre outras formas de resistência de parcelas crescentes da humanidade, dos mais
distintos “lugares”.
Estas reflexões nos conduzem à compreensão da dinâmica da vida e das
práticas sociais cotidianas aceleradas pelas redes da cibercultura (LÉVY, 1996; 2000;
2001) em seus variados entrelaçamentos, onde as bases técnicas desta sociedade
informacional, marcada pela convergência tecnológica e penetrabilidades das redes
(CASTELLS, 1999), apontam possibilidades de emancipação das individualidades e
coletividades.
Lefebvre (2001), chama atenção para o uso político e ideológico do saber pelo
capitalismo que se vale de uma “ciência do espaço” empregando uma tecnocracia à serviço
da produção capitalista, inclusive, com o “anúncio” de um futuro, como se este estivesse
dado34.
Assim, as representações do espaço acabam sendo engendradas por
tecnociência35, onde as concepções espaciais e signos elaborados são revestidos de saber
e ideologia em função da apropriação realizada pelo mercado, se constituindo em espaço
de poder através de práticas sociais e políticas.
A lógica produtivista e a ideia de ciência que se impõe aos artefatos
tecnocientíficos não necessariamente deve ser considerada a única forma de racionalidade
possível. Granger (1994, p. 18), afirma que “a vulgarização de uma ideia onipresente da
ciência é capaz de induzir a atitudes perversas do próprio ponto de vista da ciência, diante
de fatos mal conhecidos ou inexplicados”.
As narrativas que compõem as histórias dos diversos agrupamentos e sociedades
humanas, evidenciam que o domínio do espaço geográfico ou de parcelas deste (territórios),
requerem a produção de conhecimentos e a representação de ideias que permitam compreendê-
lo. A substituição do espaço real por sua representação cartográfica em um suporte, deu a
concretude a abstração (Harley, 1991, p.3). Dessa forma, não é possível refletirmos sobre o
mapa sem nos remetermos a questão da técnica e do território.
34 Esta ideia de futuro dado, não é apenas uma construção das teorias liberais e do capitalismo moderno. Karl Marx
ao tratar das relações de produção, defendeu uma ideia de futuro com a ascensão do proletariado ao poder.
Proposição já superada por Lefebvre (1974; 1976) nas respectivas obras: La production de L’Espace (A Produção
do Espaço) e Espacio y política (Espaço e Política). 35 Granger, 1994, passim; Latour et al., 1998, passim .
41
A elaboração de mapas para representar a realidade, ampliou não apenas a
capacidade intelectual e cognitiva do homem (PETCHENIK, 1977), mas também, um
refinamento do conhecimento, da elaboração de técnicas e controle sobre o território.
Esta concretude da abstração, o mapa, nos traz a noção de técnica como
reelaboração do pensamento e do trabalho humano sobre o território, pois, o mapa comunica
informações sobre o território, e evidentemente, origina-se da informação que dele precede. O
mapa como a concretude da abstração, significa linguagem/discurso (HARLEY, 1989; 1991;
LÉVY, 2000; MASSEY, 2008) e técnica como extensão do nosso corpo (LÉVY, 1996; 2000;
MCLUHAN, 2016 [1964]) que se projeta no território e nas redes (territórios-rede).
O primeiro aspecto, se refere a questões de ordem cognitiva, pois, o mapa
“representa uma manifestação do pensamento criativo” no que se refere “às consequências
sociais e psicológicas de desenhos e padrões acelerando processos ou padrões já existentes”
(MCLUHAN, 2016 [1964], p.22). Adentramos na Teoria da Comunicação, Teoria da
Modelização Matemática da Informação, da Teoria Social, na Semiologia e outras
contribuições para o processo cartográfico apresentadas mais à frente.
Segundo, diz respeito à ampliação da escala das ações humanas36, que se dá com a
introdução ou aceitação de uma técnica ou de um conjunto de técnicas sobre o território. Como
afirma Santos (1996) a técnica somente existe quando utilizada, portanto, cada técnica tem uma
história particular dentro de um território e contexto social que relativiza seu uso.
Na contemporaneidade, as redes da cibercultura expressam técnica e socialmente
esta reelaboração do pensamento e do trabalho humano, na qual se assentam os mapas online.
Para Lévy (2000, p. 130),
A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não
seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem
sobre as relações de poder, mas sobre a reunião de centros de interesses comuns. [...]
O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relação humana
desterritorializada, transversal, livre.
A interconexão é um dos princípios que orientam a Cibercultura e permeia as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) desta sociedade informacional, em rede.
Assim, o território perde/reelabora suas referências espaciais concretas com a emergência de
relações imateriais. Acentua-se uma preocupação com a dimensão espacial da sociedade em
meio aos processos de territorialização e desterritorialização.
36 Aspecto discutido no subitem 1.5, páginas 81 a 83.
42
Castells (1999) apresenta os “espaço dos fluxos” em contraposição aos “espaço dos
lugares” onde território (Sociedade territorial) e rede (Sociedade em Rede) se opõem.
Haesbaert (2007), compreende que território e rede formam um binômio, a rede
pode ser tanto um elemento interno e fortalecedor do território, quanto um elemento que se
estende para além do território desestruturando-o.
Para Levy (1996), rede e território representam duas métricas distintas. O território
representado por uma lógica homogênea, euclidiana (matematizada) e topográfica, A rede,
representada por uma lógica fluida, não-euclidiana, topológica, de métrica relacional (das
redes).
Compreendemos que a cartografia matematizada (topográfica), base euclidiana,
assentada no território, e a cartografia eletrônica, virtualizada, topológica e não-euclidiana, das
redes de informação e comunicação, assinalam a emergência e consolidação de uma Cartografia
Geográfica (em movimento). Os mapas online, suportados por geotecnologias e informação
geográfica são seus contributos neste processo. Falamos de coexistência, heterogeneidade. O
movimento é de atualização, transformação.
O território é uma zona de controle em sua dimensão física, simbólica, jurídica,
material, cultural, social e eletrônica. Em termos materiais e simbólicos, são fronteiras
estabelecidas por forças econômicas, políticas culturais e subjetivas que demarcam relações de
saber e poder. O território rege a vida social, as relações culturais, as ordenações simbólicas
dos grupos, as espacialidades virtualizadas. (HAESBAERT, 2007). O território nesta
perspectiva é relacional.
A internet, ao estabelecer um espaço de comunicação global e dar voz às
individualidade e coletividades, reconfigura social e culturalmente as espacialidades.
Ainda que as ações humanas sejam dinâmicas e nem sempre palpáveis nas redes da
Cibercultura, elas se materializam em atos nos territórios (absoluto, social, cultural,
simbólico).
Na sociedade informacional, as técnicas são aperfeiçoadas como mecanismos de
expansão e controle da informação no território. As redes de Cibercultura, a linguagem, a
comunicação multidirecional e a reapropriação das técnicas pelas coletividades e
individualidades criam linhas de fugas que se estendem para além do controle do território
(físico ou digital), temos a desterritorialização.
43
Apresentamos parte do caminho teórico-metodológico assumido neste trabalho
para, analisar como os mapas online suportados por geotecnologias e informação geográfica
instantânea contribuem para a emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em
movimento).
1.2 Geografia, Cartografia e desconstrução
O espaço assume importância central na configuração do objeto de estudo da
Cartografia e da Geografia. O raciocínio espacial é o objeto de estudo da Cartografia
(MACEACHREN, A.M., 1994), e o espaço, lócus de onde se levantam informações que
conformam seu “produto” final, o mapa. Na Geografia, a elaboração de mapas para representar
e comunicar informações sobre o espaço geográfico (seu objeto de estudo), é uma, entre outras
formas, de proceder sua análise.
Embora as finalidades e os objetos da Cartografia e da Geografia sejam distintos, o
mapa, é elemento de intercessão e de interesse comum à estas duas áreas do conhecimento
(figura 1). Neste aspecto, Cartografia e Geografia formam uma unidade indivisível.
Figura 1 – O mapa nos campos geográfico e cartográfico
Elaboração: o autor.
Compreendemos que se trata de abordagens distintas da natureza da teoria e da
prática cartográfica em torno do mapa. Na Cartografia, o mapa no contexto de uma
normatização técnica que objetiva a manutenção e o aprimoramento de um referencial
geodésico. Na Geografia, o mapa no contexto de metodologias de representação cartográfica
44
que assume uma linguagem voltada para a cognição e elemento de discurso sobre o espaço
geográfico.
Esta segunda abordagem, assinala o caminho teórico-epistemológico que se coloca
para uma definição de Mapa, Cartografia e Cartografia Geográfica ao longo deste capítulo.
1.2.1 Modos cartográficos
Numa perspectiva histórica não progressista, a quase totalidade dos povos e
agrupamentos humanos, em seus diferentes tempo-espaço legaram representações
cartográficas. A elaboração de mapas para representar e comunicar informações sobre o espaço
(geográfico), confunde-se com a própria trajetória da humanidade e segundo Raisz (1969), é
mais antiga que a notação matemática e a invenção da escrita.
Em seu estágio mais elementar, a cartografia emerge da descrição de itinerários
rupestres e mapas construídos pelas sociedades primitivas. Estas, utilizando variadas técnicas,
artifícios de linguagem e recursos iconográficos, registraram informações sobre locais de caça,
rotas, guerras, acidentes geográficos, etc. Para tal, utilizaram uma infinidade de suportes, tais
como: argila, papiro, lajedos, pele de animais, rochedos e teto de cavernas. Elaborações que
trazem as noções de cognição e técnica.
Raisz (1969), apresenta elementos importantes sobre estas representações do
espaço elaboradas por diferentes populações: nômades; habitantes da antiga Babilônia; nativos
das Ilhas Marshall; chineses; astecas; entre outros.
Uma análise destas narrativas/modos37 cartográficos em suas respectivas trajetórias
e tempos-espaço apresenta usos distintos do mapa, conforme se organizam os interesses
econômicos, sociais, políticos e culturais de cada grupo/sociedade em sua
espacialidade/território. Para Edney (1993, p. 54), “Cada modo compreende um conjunto de
relações culturais, sociais e tecnológicas que determinam práticas cartográficas.”
Para Harley (1991), os mapas são construções sociais, carregadas de saberes e
juízos de valor, um instrumento de poder e desprovido de neutralidade. Como representação do
espaço, ele porta uma linguagem e um discurso. Analisemos alguns exemplos.
37 Na perspectiva apresentada por Edney (1993), de modos cartográficos entrelaçados e desprovidos de uma visão
linear e progressista da história da Cartografia.
45
O mapa de Çatal Höyük, encontrado na cidade Anatólia38 de Çatalhöyük e datado
de 6.200 a.C., apresenta uma vista aérea da cidade com o traçado de ruas, casas e os dois picos
do vulcão Hasan Dağ ao fundo - fonte da obsidiana utilizada e comercializada por seus
habitantes (MEECE, 2006). Encontrado em local sagrado, este mapa foi elaborado como parte
de um ritual, “ ‘produto de momento’, sem a intenção de ser preservado após o cumprimento
do rito” (HARLEY, 1991).
Esculpido em placa de barro cozido e confeccionado por volta de 2.500 a.C., o mapa
de Ga-Sur - cidade ao norte da Babilônia39 -, representa o vale do Rio Eufrates, suas montanhas,
postos de observação, além de pontos cardeais. Numa interpretação contemporânea, verifica-se
uma cartografia preocupada com o controle do território.
Na China Pei Hsiu (223-271) d.C., estabelece fundamentos importantes para o
aprimoramento da cartografia, tais como: localização por quadrículas; escala; apontamentos de
altitude; orientação; e, aspectos sociais. Como assinala Harley e Woodward (1992, p.96,
tradução nossa),
Na cartografia chinesa não havia uma tendência de eliminar o valor humano nos
mapas ou minimizar sua presença. Assim, sua cartografia abrange não apenas as
técnicas numéricas, mas também o que agora seriam consideradas preocupações
humanísticas. O mapa aliava-se a número e texto. Os dois não se opunham – ambos
estavam associados a valor e poder [grifo nosso]40.
O Códice Xolotl41 dos astecas, são representações cartográficas híbridas,
manuscritos pictográficos que contam histórias onde os eventos estão interligados por
desenhos, rastros e linhas pontilhadas entre lugares. Os percursos ou itinerários são
interpretados conforme vão se localizando as pegadas e decodificando os signos dos lugares
(HARLEY e WOODWARD, 1998; MASSEY, 2008).
Estas representações cartográficas, apresentam informações minuciosas sobre as
transformações sociais, políticas, materiais e culturais num tempo-espaço de aproximadamente
quatrocentos anos da cultura Asteca.
O cadastro de terras agrícolas e os cálculos utilizados pelos egípcios para medir a
terras, controlar a produção e a cobrança de impostos no delta do Nilo (WOODWARD e
38 Situada na Península da Anatólia, atual Turquia. 39 Cidade ao norte da Babilônia, hoje sul de Bagdá, Iraque. 40 Do original em inglês: “In Chinese cartography there was no general tendency to eliminate human value from
maps or to minimize its presence. As a result, cartography in China encompassed not only numerical techniques,
but also what would now be considered humanistic concerns. The map allied itself with number and text. The two
were not opposed-both were associated with value and power”. 41 As primeiras descrições são do ano 1224.
46
LEWIS, 1998), eram representações cartográficas híbridas sobre a dinâmica da produção e do
uso do território por seus habitantes, e parte de uma cosmologia associada aos deuses42.
Na Grécia antiga, Erastóstenes de Cirene (276-196 a.C.), a partir de informações
sobre os cálculos utilizados pelos egípcios para medir as terras agricultáveis, elaborou um
método de cálculo de circunferência da Terra (DICKS, 2008 [1960]), base para a elaboração
das projeções de mapas na geometria euclidiana.
Hiparco de Nicéia (169-125 a.C.), aprimora este método através de cálculos
astronômicos, possibilitando determinar com precisão: latitude e longitude; o cômputo da
equivalência entre distância e tempo na superfície terrestre (1 hora é igual a 15º de longitude);
direção dos polos celeste; e duração de rotação da Terra (DICKS, 2008 [1960]).
Na Grécia, século II a.C. Ptolomeu em Geographike Syntaxis (Síntese de
Geografia) elabora um mapa do mundo acompanhado de 26 mapas regionais com detalhes dos
continentes, formando um Atlas Universal. A síntese do conhecimento geográfico e
cartográfico elaborado na Grécia antiga se apresenta neste trabalho. Composto por oito
volumes, a obra apresenta princípios de cartografia, matemática, geografia e técnicas de
projeção de mapas (HARLEY e WOODWARD, 1987).
A Grécia se destaca com uma cartografia baseada na geometria euclidiana, ou seja,
uma cartografia matemática. Em princípios, século V a.C., ela ainda não é uma cartografia, e
sim, uma cosmografia, com deuses, mitos, etc. – que está associada à uma cosmologia (não há
separação). Cosmografia que apresenta uma valorização dos fenômenos da natureza. Não há
uma geografia grega, mais sim, um pensamento geográfico que vai explicar as diferenças
culturais no espaço conhecido, através de uma cartografia grega baseada em espacialidade e
não em espaço.
Durante o império Romano há uma valorização do conhecimento geográfico e dos
mapas43. Sua elaboração está direcionada para o caráter militarista e administrativo que
permeava a sociedade romana (RAISZ, 1969). Neste sentido, a cultura, as técnicas e a
cartografia adotada pelos romanos estavam associados ao imaginário das guerras de conquista.
Importava a objetividade militar e o conhecimento geográfico.
42 Ver: Harley e Woodward (1987). 43 Os mapas romanos eram denominados de Orbis Terrarum (“T” “O”).
47
Com o declínio do Império Romano e sua consequente divisão44, observa-se uma
mudança de propósito no uso do mapa com a ascensão da Igreja ao poder na Europa. O
pensamento de Santo Agostinho (350-430) e sua filosofia/metafísica cristã, influenciou o
cristianismo e a filosofia ocidental durante toda “Idade Média”. Face ao domínio do imaginário
produzido pela Igreja, os mapas romanos (Orbis Terrarum, “T” “O”) são adaptados aos seus
interesses, passando a representar o mundo através de conceitos religiosos. Segundo Joly (1990,
p. 10),
Os mapas chamados “T” dentro do “O” mostravam uma Terra circular
simbolicamente dividida em três, como a Trindade, com dois braços de mar em T com
a Europa à esquerda, a África à direita e a Ásia acima, sede do Paraíso terrestre.
Na Europa do século XIII, o intercâmbio comercial com os árabes45 possibilitou a
introdução de fundamentos cartográficos euclidianos e da bússola, favorecendo o
aperfeiçoamento dos Portulanos.
Este aprimoramento da cartografia na Europa, produz gradativamente uma
normatização geométrica das representações cartográficas e o aperfeiçoamento dos cálculos
geodésicos. Contribuíram para isto, a geometria e a trigonometria árabe, possibilitando que
Mercator refundasse as bases de uma cartografia matemática, que tinha/tem como pilar a
geometria euclidiana.
Em 1569, Mercator publica Nova et aucta orbis terrae descriptio, revolucionando
a cartografia europeia ao desenvolver uma projeção cilíndrica do globo terrestre46 sobre uma
carta plana (HARLEY e WOODWARD, 1987; WOOD e FELS, 1992).
Estes exemplos, apresentam uma variedade de modos cartográficos em tempo-
espaço diferentes ou coetâneos, que tiveram ou não, a possibilidade de entrecruzamento de suas
linguagens cartográficas. Ao mesmo tempo, assinalam a importância e a finalidade do mapa e
da cartografia nestas sociedades. Para a China de 200 d.C. os mapas estavam associados a ideia
de valor e poder. Para os Astecas eram representações harmônicas de tempo e espaço que
narram as transformações da sociedade. No antigo Egito eram uma cosmologia associada aos
deuses, e entre outros aspectos, representações da dinâmica da produção, do uso do território e
44 O Império Romano foi dividido em Sacro Império Romano Germânico do Ocidente e Império Romano 45 Os árabes aperfeiçoaram a geometria euclidiana e a cartografia grega. O Califa al-Mamun, conhecido por
Alamune, do Império Romano do Oriente, em 827 resgata e manda traduzir as obras de Ptolomeu: Geographike
Syntaxis e o Almagesto. O matemático al-Khwarizmi entre outros, aperfeiçoam os conhecimentos matemáticos da
cartografia produzida na Grécia antiga, dando um novo impulso à cartografia árabe. Ver: Le Goff (1990), De
Certeau (1998); Harley e Woodward (1987). 46 Conhecida como Projeção de Mercator.
48
do poder às margens do Rio Nilo. Na Europa até o século XIII, representações híbridas do
espaço, uma cosmologia divina.
Massey (2008), chama atenção para o fato de que, na contemporaneidade, o
pressuposto geral em torno dos mapas ocidentais, é de que eles são representações do espaço.
Entretanto, tanto os mapas astecas quanto os mapa-múndi europeus eram representações
combinadas de tempo e espaço
Em suas trajetórias, estes modos cartográficos revelam que a Cartografia não deve
ser compreendida no contexto de um projeto hegemônico, mas como um conjunto de interações
e mudanças que assinalam uma heterogeneidade de discursos sobre o espaço geográfico. Cada
um, conforme as condições técnicas, sociais e culturais de seus respectivos tempos-espaço.
Dessa forma, desconstrói-se esta naturalização da cartografia matematizada de base euclidiana.
Aproximar-se deste entendimento, revela que o modo cartográfico europeu entre os
séculos XIV e XVIII, ao disseminar uma cosmografia47 matematizada, buscou uma
naturalização das representações cartográficas euclidianas no contexto de uma concepção de
espaço num plano cartesiano. Consequentemente, destituiu gradativamente todo um conjunto
de concepções e de representações cartográficas do espaço que se valem de outros atributos, de
outras métricas e leituras da realidade.
Revela-se na contemporaneidade um modo cartográfico referendado pelas diversas
sociedades em seus múltiplos interesses e tomado como naturalizado. Ou seja, da Cartografia
e de uma narrativa cartográfica dominante, como parte de um contexto e condições técnicas
específicas desta contemporaneidade. Assim como, foram também as representações
cosmológicas do antigo Egito, Babilônia, Grécia e Roma, ou a cartografia chinesa e árabe.
Entretanto, na atualidade existe um diferencial. Para Santos, D. (2002), a geometria
gradativamente tornou-se a base técnica da sociedade, tornando-se parte de um projeto e de um
conjunto de técnicas que se articulam sobre o planeta, como em nenhum outro momento na
história da humanidade.
Ao considerarmos a história da Cartografia como um conjunto heterogêneo de
modos cartográficos, analisamos que no tempo-espaço de cada sociedade ou agrupamento
humano, as representações do espaço e as técnicas utilizadas para estes propósitos, estão
profundamente associadas aos interesses de quem as produz, das ressignificações que outros
grupos sociais lhes dão - sejam eles econômicos, culturais, sociais, míticos ou políticos.
47 Ainda não é uma cartografia, conforme apresentado anteriormente.
49
O mapa e o modo cartográfico portam um discurso social, cultural, tecnológico ou
econômico. Assinalam sua relevância como linguagem social, instrumento de controle e poder
sobre os territórios e as redes48.
1.2.2. Um modo “dominante?” na contemporaneidade
Tendo como referência a história da narrativa cartográfica europeia e
especificamente da cartografia de base euclidiana, a partir do século XIII a elaboração de mapas
busca atender os interesses marítimos e comerciais dos Estados-modernos em formação. As
informações sobre novos territórios, tornaram-se instrumentos fundamentais para a geração de
conhecimentos que permitiram a manutenção do poder, o domínio dos mares, a consolidação
de sistemas econômicos49 e a submissão de vastas áreas do planeta às nações europeias a partir
do século XIV.
Entre os séculos XIV e XVIII começa a ser elaborada toda uma concepção científica
que desconstruirá a cosmologia medieval – em grande parte influenciada pelo pensamento de
Santo Agostinho50 .
A Epistemologia Tomista (de Tomás de Aquino51), que facultava o estudo da
natureza, possibilitou a gestação gradativa do método científico. Este, defendia a razão, o livre
pensamento e a experiência pessoal, em oposição à filosofia de Aquino (KUHN, 1994).
Como consequência, o antropocentrismo, a consolidação de um imaginário
eurocêntrico de dominação sobre enormes parcelas do planeta e, as disputas coloniais dos
estados-nações concernentes à lógica mercantilista/capitalista (LE GOFF, 1990), promoveram
um avanço da Cartografia com o aprimoramento técnico das representações cartográficas.
As técnicas de gravação e impressão de mapas aperfeiçoadas pela cultura
tipográfica (MCLUHAN, 1972) que se desenvolve na Europa naquele instante contribuíram
para a disseminação dos mapas entre navegadores, comerciantes e cientistas. Além disto, se
destacam as cosmografias, compilações de conhecimentos com mapas e gravuras referentes a
48 Aspecto analisado nos capítulos 2,3 e 4. 49 O Exclusivo Comercial Metropolitano no contexto do Mercantilismo, seguido pelo Capitalismo. Ver:
Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII: as estruturas do cotidiano, de Braudel (1997). 50 Agostinho de Hipona (354-430) teólogo da Igreja e filósofo. Cria uma filosofia/metafísica cristã derivada da
fusão do paganismo com a visão cristã no Ocidente. Ver: PESANHA, José de Américo Motta. “Santo Agostinho
(354-430) Vida e Obra” p. VI – XXIV in “Os Pensadores, Santo Agostinho” São Paulo: Abril Cultural 1980. 51 Tomás de Aquino (1225-1274) teólogo e filósofo, o pai da Epistemologia Tomista. Sua filosofia buscou uma
cristianização da ciência e da filosofia aristotélica. Ver.: Strathern, Paul. São Tomás de Aquino. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998. ISBN 978-85-378-0579-4.
50
aspectos naturais, geográficos, cartográficos, astronômicos, etc. Assim, cada vez mais, buscou-
se reproduzir e associar informações das intrincadas relações sociais com aquelas já existentes
sobre espaço natural.
Segundo Martinelli (2003b), até por volta de 1820 as representações cartográficas
não apresentavam informações quantitativas referentes aos aspectos sociais e econômicos,
grande parte do que se convencionou chamar de ciências humanas eram alheias à cartografia.
Até então, a cartografia era denominada Cosmografia, ou seja, uma astronomia
descritiva do universo e do mundo baseada em elementos da matemática, geografia, cartografia
e da natureza. Segundo Oliveira (1987, p. 84), o termo Cartografia foi criado pelo historiador
Francisco Carvalhosa em 1839, em correspondência dirigida ao historiador brasileiro Adolfo
Varnhagem.
A ampliação das relações capitalistas de produção, a corrida imperialista sobre
territórios da África e Ásia, e, os conflitos internos do continente europeu, demandaram a
elaboração de mapas com informações detalhadas sobre os territórios, posteriormente, sobre as
populações dominadas. Emerge deste contexto, profissionais especializados na produção de
mapas, o cartógrafo.
Livingston (2010), destaca que há uma renovação da Cartografia quando esta se
volta para a elaboração de mapas de Geologia e Oceanografia como resposta às demandas do
capitalismo industrial. A necessidade de compreender e sistematizar padrões e comportamentos
espaciais dos fenômenos naturais e sociais, implicou num aprofundamento do grau de abstração
e cognição das representações cartográficas neste período (HARLEY, 2002). Gradativamente,
a Cartografia começa a incorporar em suas produções informações de temas relacionados à
vegetação, ao solo, às populações, entre outros aspectos.
Como reflexo da expansão do capitalismo industrial e dos interesses da sociedade
burguesa, em finais do século XIX, há um estruturação da “ciência moderna”52, desencadeando
uma tecnificação e especialização de áreas do conhecimento.
Segundo Lacoste (2012 [1976], p.51-54), até meados do século XIX, fazer
geografia significava produzir mapas. Entretanto, com a sistematização do conhecimento
geográfico esta atividade será “dissociada” da Geografia, “sob o nome de Cartografia”.
52 No contexto de expansão do capitalismo industrial e dos interesses da sociedade burguesa no século XIX
51
1.2.3 A Cartografia moderna
A Cartografia que emerge em meados do século XIX, apoiada numa narrativa
europeia de dominação e expansionismo sobre imensas áreas do planeta, destituiu todo um
conjunto de representações cartográficas que não se enquadravam na concepção de espaço
geométrico euclidiano.
Como reflexo, há uma atenção com: o estabelecimento de redes geodésicas visando
melhorar a precisão e a qualidade dos mapas; a criação de novos sistemas de projeção; o
aprimoramento das técnicas de levantamento planialtimétricos; e a elaboração de mapas
topográficos com maior detalhamento da escala de mapeamento para fins militares.
Este discurso cartográfico, impôs limites de aceitabilidade para que outras
representações pudessem ser denominadas de mapas. Como assinala Harley (1991, p. 4),
Os mapas de culturas não-europeias só recebiam certa atenção da parte de
historiadores ocidentais quando apresentavam alguma semelhança com os mapas
europeus. O interesse era descobrir similitudes cartográficas nessas culturas remotas
e não analisar suas diferenças.
Entre finais do século XIX e início do século XX, a Cartografia é concebida como
um ramo Geodésia, e limitada em seus interesses científicos, à elaboração de projeções
cartográficas e mapas topográficos (SALISHCHEV, 1970).
Esta definição está relacionada aos interesses militares, econômicos e as estratégias
de Estado que demandavam a confecção de mapas topográficos detalhados, tendo em vista, por
exemplo: as rivalidades internas do continente europeu – em risco de guerra iminente; os
conflitos pela independência das colônias europeias na África e Ásia; e, a necessidade de
modernização das infraestruturas de transporte, objetivando o rápido escoamento da produção
industrial para os mercados consumidores.
Na década de 1930, a Cartografia é conceituada como a ciência dos métodos e
processos de compilação e reprodução de mapas (SALISHCHEV, 1970). Para este autor, uma
concepção progressista em relação à definição anterior. Entretanto, o estudo da essência dos
mapas e o desenvolvimento de métodos voltados para sua aplicação ficou à deriva
(SALISHCHEV, 1970).
A ocorrência de duas guerras mundiais na primeira metade do século XX,
promoveu indiretamente, uma série de inovações tecnológicas e transformações de ordem
social, econômica, política e cultural, a exemplo do: avanço da computação digital; da aviação
52
comercial; da corrida armamentista e espacial; e, de novas Tecnologias de Informação e
Comunicação.
O mundo bipolarizado que emerge frente as transformações da sociedade pós-
Segunda Guerra Mundial, reconhece a importância da Cartografia como “ferramenta” central
para o planejamento das ações humanas e domínio do espaço geográfico. Neste contexto, a
Organização das Nações Unidas, em 1949, assinala que:
Cartografia - no sentido lato da palavra não é apenas uma das ferramentas básicas do
desenvolvimento econômico, mais é a primeira ferramenta a ser usada antes que
outras ferramentas possam ser postas em trabalho (ONU, 1949, p. 51).
A Cartografia, passa a ser conceituada como: “a ciência de preparação de todos os
tipos de mapas e gráficos, incluindo todas as operações, desde pesquisas originais até a
impressão final de cópias” (ONU, 1949, p. 51, tradução nossa) 53 .
Esta definição, foi influenciada pelas concepções de Eckert e Imhof54. Para Eckert,
a Cartografia (ciência dos mapas) era a disciplina que ensinava como produzir mapas. Eduard
Imhof, considerava que a cartografia teórica era uma ciência aplicada, cujo objeto era a
representação da superfície da Terra. Como artista, Imhof buscou enfatizar os efeitos visuais na
elaboração de mapas, no entanto, sua preocupação era desenvolver métodos de representação
topográfica (MONMONIER, 2015).
As discussões em torno do conceito de Cartografia se alternaram entre: num
primeiro instante, a Cartografia considerada como arte, sendo o mapa elemento central de suas
representações; num segundo instante, a Cartografia como uma técnica preocupada com o
processo de elaboração do mapa.
Este embate, leva Stéphane de Brommer – presidente da Comissão de Educação em
Cartografia da Associação Internacional de Cartografia (ICA) –, a buscar uma demarcação clara
do conceito de Cartografia. Assim, em 1967 a Terceira Conferencia da ICA em Amsterdã
estabelece a seguinte definição:
Conjunto de estudos e operações, científicos, artistas e técnicas, interveniente, a partir
de resultados de observações diretas ou de exploração de documentação, em
53 Do original em inglês: “the science of preparing all types of maps and charts, and includes every operation from
original surveys to final printing of copies” 54 A primeira tese sobre cartografia como ciência com conclusões viáveis sobre os objetivos da disciplina foi escrita
em 1963 por Eduard Imhof. Ver: (MONMONIER, 2015).
53
elaboração e instalação de cartões, planos e outros modos de expressão, assim como
sua utilização [grifo nosso]55 (ICA, 1984, p.19)
Segundo a ICA (1984, p. 20),
O termo ‘artistique’ na definição francesa foi introduzido sob a proposta de Imhof,
enquanto a ‘utilização’ ou uso de mapas foi adicionada à sugestão do professor
Salichtchev (URSS). O último continuou a lamentar que a definição estivesse
concentrada demais na produção de mapas e no papel negligenciado da cartografia
como ciência.
Na Conferência da ICA - em Montreal/Ottawa (1973) -, a definição de Cartografia
presente no Dicionário Multilíngue de Termos Técnicos em Cartografia, editado pelo professor
Emil Meyen, é submetido e aprovado pela Assembleia Geral da ICA com seguinte definição:
“A arte, ciência e tecnologia de criação de mapas, juntamente com seu estudo como documentos
científicos e obras de arte” (ICA, 1984, p. 80).
As contribuições de ordem teóricas, conceituais e metodológicas, advindas de
diversas áreas do conhecimento, como por exemplo: das Ciências da Comunicação; da
Computação; da Psicologia; e, da Semiótica, levam a Associação Cartográfica Internacional
(ACI) a centrar seus esforços em torno de duas esferas de interesse: elaboração de mapas e
comunicação cartográfica.
Em nosso entendimento, nesta conceituação aparece subentendida uma dicotomia
entre uma esfera técnica e matematizada (“ciência e tecnologia de criação de mapas”) com um
uma vertente voltada para a cognição (“A arte, ciência [...]” “[...] de criação de mapas” “[...] e
obras de arte”).
Em consonância com estas diretrizes, entre as décadas de 1950 e 1970, destacam-
se uma série de contribuições que mudam a face da Cartografia, a exemplo de: Kolacny (1977)
com o conceito de “informação cartográfica”, no contexto da Comunicação Cartográfica; Bertin
(1971; 1978; 2010 [1967]) através da teoria da Semiologia Gráfica; Petchenik (1977) como
representante da Teoria da Cognição (Percepção); Ratajski (1971); Board (1975) através da
Teoria da Modelização Matemática da Informação; entre outros.
A Comunicação Cartográfica está intimamente associada à Teoria Matemática
da Informação ou Teoria da Informação, que se desenvolve a partir da década de 1950
com as contribuições de Shannon e Weaver (1948). Até aquele momento, o mapa não era
55 Do original em francês: “Ensemble des études et des opérations, scientifiques, artistiques et techniques,
intervenant, à partir des résultats d’observations directes ou de l’exploitation d’une documentation, en vue de
l’élaboration et de l’établissement de cartes, plans et autres modes d’expression, ainsi que dans leur utilization. ”
54
concebido como um meio de comunicação social, não havia uma preocupação com a
comunicação cartográfica.
Na Teoria da Informação, a comunicação ocorre no momento em que uma fonte
de informação (transmissor) transmite sinais utilizando um canal (onda eletromagnética,
pulso de luz, etc.) para um receptor no destino (humanos, equipamentos e fenômenos da
natureza). O canal transmite mensagens que portam informações baseadas num código. O
ruído corresponde a elementos não previstos que podem produzir alterações no sinal
(figura 2).
Figura 2 – Modelo de comunicação de Shannon e Weaver
Adaptado pelo autor.
Fonte: Shannon e Weaver (1948, p. 7)
Entre os humanos, o processo de comunicação opera em três dimensões
básicas: a sintática, referente às ligações entra as unidades que formam as mensagens
(construção interna da mensagem); a semântica, que trata das relações entre os signos e
aquilo que representam (conteúdo e significado); e a pragmática; que diz respeito as
relações entre signos e usuários (significado, e as normas e determinações a sua
finalidade)(SHANNON e WEAVER, 1948).
A elaboração de mapas pelo cartógrafo é fundamentada pela dimensão
sintática – foco da Teoria da Informação. Cabe ao cartógrafo codificar corretamente os
fenômenos objetivando a transmissão da informação cartográfica. No processo de
comunicação, o mapa é o resultado do conhecimento da realidade observada e processada
na mente do cartógrafo. A formação do campo comunicacional se dá com a interseção do
repertório do cartógrafo com o repertório do usuário (figura 3).
FONTE DA
INFORMAÇÃOTRANSMISSOR RECEPTOR DESTINO
FONTE
DE
RUÍDO
SINAL SINAL RECEBIDO
MENSAGEMMENSAGEM
55
Figura 3 – Formação do campo comunicacional
Adaptado pelo autor:
Fonte: Koláčcný (1977).
Koláčcný (1977, p. 43), ao apresentar o conceito de informação cartográfica, como
“o conteúdo intrínseco, significado e sentido da descrição cartográfica da realidade”56, provoca
o deslocamento do processo cartográfico – antes centrado exclusivamente na elaboração do
mapa –, para uma preocupação com o seu usuário.
Assim, estabelece o princípio básico da Comunicação Cartográfica, que coloca o
mapa como elemento de ligação entre o cartógrafo e usuário (figura 4).
Figura 4 – Princípio básico da Comunicação Cartográfica
Adaptado pelo autor.
Fonte: Koláčcný (1977).
O cartógrafo com sua influência sobre a representação e o usuário como intérprete
das informações, com base num conjunto de conceitos mentais. Há uma preocupação em tornar
o mapa legível, facilitando seu entendimento para o leitor.
Desse modo, enquanto a Teoria da Informação se preocupa com a construção
interna da mensagem (o código), a Teoria da Comunicação está focada na compreensão
56 Do texto original em inglês: “[…] the intrinsic content, meaning and sense of the cartographic description of
reality” Koláčcný (1977, p. 43).
Repertóriodo Cartógrafo
Repertóriodo Usuáriodo mapa
CampoComunicacional
56
da relação mensagem-homem. A cognição assume relevância no processo de comunicação
cartográfica.
Na Teoria da Comunicação, destacam-se as contribuições teóricas de: Ratajski
(1971); Koláčcný (1977); e Salichtchev (1978; 1983), com a releitura do esquema de
comunicação cartográfica apresentado por Koláčcný (1977). Posteriormente, Salichtchev
(1983), traz a compreensão de que os mapas refletem os fenômenos sociais, culturais e
naturais no espaço-tempo.
Matias (1996) afirma que a noção de processo cartográfico, o entendimento do
mapa como meio de comunicação e de transmissão do conhecimento geográfico, bem
como da cartografia como situada no domínio da comunicação visual toma forma com o
debate teórico iniciado por estes dois pesquisadores.
Outra importante contribuição para o campo da Comunicação Cartográfica
advém da Teoria da Modelização. Neste sentido, Board (1975, p. 139), considera os mapas
“como modelos icônicos ou representativos, e conceituais, sendo tentativas estruturadas
oriundas do ensejo do ser humano em comunicar aos seus semelhantes algo da natureza
do mundo real”.
Há uma preocupação com a modelagem do mapa, e a generalização da
realidade. Segundo Board (1975, p. 140), “os mapas [...] ajudam os investigadores a verem
o mundo real sob uma nova luz ou até a proporcionar-lhes uma visão inteiramente nova
da realidade”. Por isso, “muitos desvios da realidade são perpetrados na tentativa de
satisfazer às exigências dos usuários” Board, (1975, p. 147), ou o desejo daqueles
interessados na sua elaboração.
Utilizando a Semiologia57, Bertin ( 2010 [1967]), propõe através da Teoria da
Representação Gráfica, um método para a representação da informação espacial através de
variáveis visuais. Segundo Bertin ( 2010 [1967], p. 6), a Representação Gráfica é uma
linguagem voltada para o olhar que utiliza-se da ubiquidade da percepção visual, abrangendo o
domínio dos diagramas, das redes e dos mapas58. É parte de um sistema lógico de símbolos que
57 Para Ferdinand de Saussure, a Semiologia é a ciência geral que tem como objeto todos os sistemas de signos
(incluindo os ritos e costumes) e todos os sistemas de comunicação vigentes na sociedade. Ver: Barthes (2006) e
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa versão monousuário 3.0. 58 Do original em inglês: “As a ‘language’ for the eye, graphics benefits from the ubiquitous properties of visual
perception. As a monosemic system, it forms the rational part of the world of images. To analyze graphic
representation precisely, it is helpful to distinguish it from musical, verbal, and mathematical notations, all of
which are perceived in a linear or temporal sequence. The graphic image also differs from figurative representation,
essentially polysemic, and from the animated image, governed by the laws of cinematographic time. Within the
boundaries of graphics fall the fields of networks, diagrams, and maps.” Bertin (2010 [1967], p. 6]
57
o homem elaborou para reter, comunicar e compreender suas observações da realidade. A
figura 5 apresenta a dimensão da Representação Gráfica no contexto da Semiologia.
Figura 5 – Dimensões da Representação Gráfica na Semiologia
Adaptado pelo autor.
Fonte: Bertin (2010 [1967]); Matias (1996).
Pertencente ao campo das representações visuais, a Representação Gráfica
apresenta processo diferenciado de comunicação visual. Na comunicação monossêmica, o
emissor e o receptor são considerados atores, e postos do mesmo lado do processo em
contraposição as relações de: diversidade/similaridade (#), proporcionalidade (Ǫ) e ordem (O)
(MARTINELLI, 2003a). A comunicação polissêmica é formada por: emissor; código; e,
receptor. Estes, possuem espaços distintos no processo comunicativo. A figura 6 apresenta
estes dois esquemas.
Figura 6 – Esquemas de comunicação: Monossêmico x Polissêmico
Elaborado pelo autor.
SEMIOLOGIA
Comunicação Verbal
Figurativo Não-figurativo
Grafismo Representação gráfica
Comunicação Visual
Imagem dinâmica Imagem estática
RedesDiagramas Cartas
Esquema polissêmico Esquema monossêmico
EMISSOR CÓDIGO RECEPTOR
ESQUEMA DE COMUNICAÇÃO POLISSÊMICO
ESQUEMA DE COMUNICAÇÃO MONOSSÊMICO
CONCEITO RELAÇÃO ENTRE OBJETOS TRANSCRIÇÃO GRÁFICA
10.000 de pessoas,
100.000 de pessoas,
1.000.000 de pessoas,
Ferrovia,Rodovia,Aerovia,
Cidade,Distrito,Povoado,
Ǫ Proporcionalidade
O Ordem
Diversidade
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO ESQUEMA MONOSSÊMICO
ATOR (Emissor/Repector) RELAÇÕES FUNDAMENTAIS (Ǫ,≠, O)
a) b)
58
O esquema monossêmico elimina qualquer ambiguidade possível quanto ao
significado do signo gráfico (figura 6a). Portanto, corresponde a uma representação com
característica universal. Para Bertin (1971; 1978; 2010 [1967]), sendo a cartografia uma
linguagem universal, suas representações devem ser de caráter monossêmico – o que difere da
proposição de Saussure sobre a linearidade e arbitrariedade dos signos, que a entende como
convencional (BARTHES, 2006).
No esquema polissêmico, o significado da informação depende do conhecimento
prévio do seu código pelo receptor. Na figura 6b, o código “reciclagem” somente pode ser
compreendido, se o receptor conhecer o significado da informação que ele porta.
A linguagem cartográfica é composta de signos gráficos estruturados por dois
elementos: o significado e o significante. No mapa, o significante corresponde ao signo gráfico
que representa uma informação espacial específica (o significado). O significante, é a maneira
como uma informação se apresenta (transcrição gráfica), tornando possível a sua leitura.
A Semiologia Gráfica, abriu uma nova perspectiva como método cartográfico,
possibilitando a transcrição de informações espaciais com simbologia própria. A elaboração e
o uso de mapas temáticos implicam em sua valoração cognitiva, pois, estimula no usuário a
reflexão, percepção visual e raciocínio espacial. Ao adotar este método no tratamento da
informação espacial, a Cartografia adentrou no domínio da comunicação visual e da cognição.
O mapa passou a ser concebido como um meio de comunicação e linguagem.
1.2.4 A Cartografia contemporânea
A partir da década de 1980, a Cartografia passou por um intenso processo de
transformação. O deslocamento das técnicas de análise da informação espacial em direção
à emergente computação digital, possibilitou o desenvolvimento dos Sistemas de
Informação Geográfica (SIG)59. O mapa tornou-se o ponto de articulação entre a
cartografia, o SIG e a análise espacial (FERREIRA, 2006; LONGLEY, GOODCHILD et
al., 2011). Portanto, assinala a transição de uma cartografia convencional/tradicional
(analógica) em direção a uma cartografia contemporânea (digital).
São incorporados a este cenário novas perspectivas teóricas da Semiótica, da
Comunicação e da Teoria Social, a exemplo das contribuições de: Harley (1989; 1990), com a
59 Compreendemos o SIG como um conjunto integrado de técnicas e metodologias para a análise espacial
envolvendo ao menos: hardware, software, pessoas, dados, procedimentos. Ver: LONGLEY, GOODCHILD et al.
(2011) páginas 4 a 34.
59
desconstrução do mapa; DiBiase (1990); Taylor (1994; 1994 [1991]) e MacEachren (2004),
entre outros, com a visualização cartográfica baseada na semiologia pierceriana.
Diferente da Comunicação Cartográfica, a Visualização Cartográfica ou Científica,
objetivam apresentar ferramentas de análise que facilitem o raciocínio espacial e a resolução de
problemas. Utiliza a computação gráfica para a exibir (“tornar visível”) conceitos e dados
científicos. Esta abordagem foca a construção do conhecimento, buscando estimular a indução
do pensamento visual (visualização mental), para a descoberta de padrões e de dados não
conhecidos (raciocínio) para a tomada de decisões.
A visualização implica na interação homem-mapa, com a comunicação situada na
esfera do domínio público, isto, pressupõe interatividade, interação e complexidade no âmbito
da produção, armazenamento e geração de informação geográfica em diversos níveis. Todavia,
é no domínio privado (elaboração) que o uso de imagens contribui para a gerar novas ideias.
Ao propor a representação da visualização como uma ferramenta de pesquisa
cientifica (figura 7), DiBiase (1990), a compreende como um processo constituído por dois
estágios de pensamento visual: exploração e confirmação (domínio privado), e dois estágios de
comunicação visual: síntese e apresentação (domínio público).
Figura 7 – Etapas da representação da visualização cartográfica
Adaptado pelo autor.
Fonte: DiBiase (1990).
PENSAMENTO VISUAL COMUNICAÇÃO VISUAL
Exploração
Confirmação
Síntese
Apresentação
DOMÍNIO PRIVADO DOMÍNIO PÚBLICO
60
A curva descreve uma sequência de pesquisa através da qual diferentes tipos de
representações gráficas desempenham um papel. No final da exploração da sequência (domínio
privado), os mapas e o outros gráficos atuam como ferramentas de raciocínio (facilitadores do
pensamento visual). No final da apresentação (domínio público), as representações visuais
servem principalmente para a comunicação a um público mais amplo (MACEACHREN, A.M.
e TAYLOR, 1994).
O domínio privado assinala a presença de usuários/leitores especialistas onde a
exploração e a confirmação da informação requerem processos mais complexos, ou seja, o
mapa pode ser de uso privado/individual. O domínio público refere-se àqueles que desejam
apresentações e sínteses de informação, do mapa construído para comunicar informações à uma
audiência.
Ancorada como núcleo da Cartografia, a perspectiva apresentada inicialmente por
Taylor (1994 [1991]), indica a visualização como um tríade formada pela interseção da:
cognição, que envolve análise e aplicações; comunicação, abrangendo as recentes técnicas de
representação e projeção; e formalismo, relacionado a base tecnológica formal (figura 8a).
Figura 8 – Visualização – Tríade de Taylor
Adaptado pelo autor.
Fonte: DiBiase (1990).
Para Taylor (1994 [1991], p. 8), a visualização estabelece relações com “todo um
conjunto de novos conceitos e técnicas tais como espaço cibernético, virtualidade, realidade
virtual e realidade tridimensional artificial”. Para este autor, a visualização implica em
computação avançada, por envolver multimídia, cognição e comunicação cartográfica.
Formalização(novas técnicas computacionais e multimídia)
VISUALIZAÇÃO
Formalismo
(novas tecnologias de computador)
VISUALIZAÇÃO
b)a)
Interação e Dinâmica
61
Apresentada incialmente como ancorada no seio da Cartografia, Taylor (1994), muda
este entendimento. Ao aperfeiçoar sua tríade de relações, ele separa a visualização do campo
da Cartografia. Em seu entendimento, aquela passa a ocupar um lugar central na pesquisa sobre
cognição cartográfica, comunicação e o formalismo das novas técnicas computacionais e da
multimídia (figura 8b).
Ao estabelecer relações entre semiótica, visualização, comunicação e cartografia,
MacEachern (1994), apresenta o modelo Cartografia³ (figura 9). Este modelo envolve a
dimensão comunicativa do mapa e seu uso como objeto para a visualização.
Figura 9 – Modelo Cartografia³ de MacEachren
Adaptado pelo autor.
Fonte: MacEachren e Taylor (1994, p. 6).
Este modelo representa: a razão da sua aplicação entre comunicação e visualização;
de como estas são impactadas pela interação espacial entre homem-máquina; da sua relação
com o domínio público e privado; e, de como isto interfere na cognição em termos de
apresentação de conhecimento ou revelação do desconhecido.
Para MacEachren(1994), a visualização possibilita ampliar o uso do mapa com a
junção de três aspectos: o usuário (público ou privado); interatividade (alta ou baixa) e a
capacidade de revelar o desconhecido e/ou apresentar o conhecido.
62
A elaboração e principalmente o uso do mapa torna-se relativo, em função do que
se deseja comunicar ou do uso que lhe é dado. Ao adentar na função comunicativa dos mapas,
MacEachren (1994; 2004) possibilita a abertura teórica em torno da confecção e da
sistematização dos signos gráficos, utilizando elementos da semiótica pierceriana.
Na semiótica de Pierce, a compreensão de objetos externos ao sujeito de maneira
precisa e que sejam aceitos universalmente por outros sujeitos é impossível. Portanto, o objeto
possui uma qualidade que lhe é própria, e sua relação com o sujeito por meio da linguagem
resulta na representação da realidade (PIERCE, 2000).
Para Pierce (2000), o signo é a unidade semiótica mediando uma tríade de
significados: o ícone, que estabelece uma relação de semelhança com o objeto; o índice, da qual
o signo tem uma relação de casualidade sensorial que permite identificar seu significado; e, o
símbolo, uma relação convencional entre o signo e o seu significado. O signo em si
(representâmen) transmite a informação do objeto representado ao interpretante, que não é o
sujeito (indivíduo), mas o conjunto de percepções e pressupostos que este receptor possui.
Na cartografia, Bertin ( 2010 [1967]) utiliza o signo da semiologia saussariana que
é constituído de dois elementos: O significado e o significante. O signo da semiótica pierceriana
é o representâmen, ou seja, aquilo que se busca representar, denominado por MacEachren
(2004) de: referente. O interpretante é o significado, que na cartografia é um símbolo
cartográfico. A atribuição de significados ao significante é a semiose.
A semiologia de Bertin apresenta uma linguagem cartográfica universal e
monossêmica, em que a unidade linguística é o signo. Assim, nos mapas bidimensionais, as
variações gráficas de áreas, pontos ou linhas são efetuadas pelas variáveis visuais. Na semiótica
de Pierce, isto é irrealizável, dado a impossibilidade de os sujeitos reconhecerem objetos
externos de forma universal e precisa.
A semiótica de Pierce, no contexto da visualização cartográfica apresentado por
MacEachren (1994; 2004), apresenta lacunas referentes a formalização de uma linguagem
cartográfica polissêmica em torno de variáveis visuais. Todavia, descortina um horizonte de
transformações e possibilidades para a cartografia.
Deduz-se que estas duas vertentes trazem contribuições para se pensar o saber e o
fazer cartográfico em outras bases. Contudo, são as particularidades do usuário, ao qual se
procura atingir, e os objetivos do cartógrafo/geógrafo ao elaborar o mapa que determinam os
elementos e as técnicas adotados para que sua comunicação e visualização se realize.
63
A elaboração e concepção do mapa não pode estar condicionada à um modelo,
metodologia ou esquema específico. Na contemporaneidade, as Tecnologias de Informação e
Comunicação e as redes da Cibercultura impõem a necessidade de repensar o fazer e o saber
cartográfico referente a este cenário de interatividade e colaboração através dos territórios-
redes, por vezes, em tempo-espaço diferenciados em termos culturais, políticos e sociais.
As transformações advindas com a abertura comercial da internet, a disseminação
de Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação, as geotecnologias e a mobilidade
decorrente de uma computação móvel e online, contribuíram para a emergência de redes de
Cibercultura, a circulação de ideias, e de informação geográfica instantânea através de uma
miríade de dispositivos eletrônicos conectados em redes.
Como resultado destes encadeamentos, rupturas e transformações, a Associação
Cartográfica Internacional (ICA), define em 2003 a Cartografia como:
A arte, ciência e tecnologia de elaborar e utilizar mapas. Um recurso exclusivo para a
criação e manipulação de representações visuais ou virtuais de mapas geoespaciais -
para permitir a exploração, análise, compreensão e comunicação de informações sobre
esse espaço (ICA, 2003, p. 17, tradução nossa)60.
Definição abraçada neste trabalho, pois, reconhece a infinidade de perspectivas e
tecnologias que adentram o campo cartográfico na atualidade. Ao acentuar, “as representações
visuais e virtuais de mapas”, este conceito valoriza e contempla os mapas online, construção
teórica desta pesquisa, no contexto de uma Cartografia Geográfica.
Em 2003, a Associação Cartográfica Internacional (ICA), conceitua o mapa como:
Uma representação simbolizada da realidade geográfica, representando feições e
características selecionadas, resultante do esforço criativo da execução de escolhas de
seu autor, projetada para uso quando as relações espaciais são de relevância primária
(ICA, 2003, p.17, tradução nossa)61.
A concepção de mapa, aqui adotada, advém de Harley (1991, p. 5), que o define
como: “representação gráfica que facilita a compreensão espacial de objetos, conceitos,
condições, processos e fatos do mundo humano”. Para este autor, a definição ampla permite
abranger as culturas de todos os tempos e não apenas a contemporaneidade.
60 “Do original em inglês: The art, science and technology of making and using maps. A unique facility for the
creation and manipulation of visual or virtual representations of geospace – maps – to permit the exploration,
analysis, understanding and communication of information about that space”. 61 Do original em inglês: “A symbolised representation of a geographical reality, representing selected features
and characteristics, resulting from the creative effort of its author’s execution of choices, that is designed for use
when spatial relationships are of primary relevance”.
64
Influenciado pela concepção de desconstrução em Derrida, e de poder em
Michel Foucault, o cartógrafo John Brian Harley demonstra a não neutralidade do mapa e
destas relações implícitas nas representações cartográficas.
Harley, (1989; 1990; 1991) defende que a cartografia deve ser compreendida
sob um viés epistemológico, na medida em que os mapas são construções sociais,
carregados de saberes e juízos de valor, um instrumento de poder e dominação, carecendo
de uma retórica centrada na Teoria Social.
Dessa forma, a Cartografia não deve estar restrita ao aspecto técnico, nem
tampouco, desprovida deste, tornando-se necessário uma junção entre objetividade e
subjetividade. O mapa ocidental perde seu status de representação cartográfica científica
imparcial.
No final dos anos 1970, Lacoste (2012 [1976])62, apresenta uma importante
reflexão sobre a forma como o espaço geográfico havia sido utilizado pelo Estado e as
grandes empresas para estabelecerem suas ações estratégicas nas mais diversas escalas e
intenções.
Demonstrava como as representações cartográficas foram historicamente
manipuladas numa perspectiva de dominação, denunciando a negligência dos geógrafos e
convidando-os a uma postura crítica e politizada como contraponto a este mascaramento
ideológico. Ao mesmo tempo, alertava para o contexto político e social onde as relações
globais tendiam a serem intensificadas (LACOSTE, 2012 [1976]).
Para Harley (1991, p.7), “[...] a cartografia moderna é fruto de uma empresa global,
uma forma de poder/saber mesclada às principais transformações do mundo, criada e recebida
por agentes humanos, exploradas pelas elites para exprimir uma visão ideológica do mundo. ”
Segundo este autor, é importante traduzir as imagens dos mapeamentos
cartográficos como representações culturais carregadas de simbolismos e mensagens
políticas, tanto em termos de conteúdo visto, quanto aqueles subtraídos propositalmente
(HARLEY, 1989; 1990; 1991; 2002).
Sob este entendimento, o campo cartográfico tem avançado através de
sucessivos aportes teórico-epistemológicos (WOOD e FELS, 1992; EDNEY, 1993;
GOODCHILD, 2007; PICKLES, 2012 [2004]), contribuindo para uma compreensão de
62 Publicado na França com o título: La géographie, ça sert, d'abord, à faire la guerre. Ed. Maspero, Paris, 1976.
65
diversos aspectos relativos a produção cartográfica e ao uso do mapa, como elemento
estratégico de transformação social e da dimensão política associada a este processo.
Nas últimas quatro décadas, a interdependência cada vez maior entre as
ciências, trouxe para o campo cartográfico uma série de contribuições teóricas e
epistemológicas havendo uma aproximação com as artes (KRYGIER, 1995), o design
(COSGROVE, 2005), a filosofia (FOUCAULT, 1979; DELEUZE e GUATTARI, 1997),
as comunicações, as neurociências (OOMS, 2012; OOMS e DE MAEYER, 2015;
KESKIN, DOGRU et al., 2016) e, principalmente, valorizando as dimensões humana e
social (BLAKEMORE, 1981; PICKLES, 1995; 2012 [2004]).
Numa visão humanística, o geógrafo Denis Wood (1978; 2010) tece
aproximações teóricas e práticas entre as cartografias sociais e as representações
cosmológicas baseadas em processos, signos, percepções, identidades e sentimentos. Para
Wood (1978, p. 207, tradução nossa)63 “Uma cartografia, uma geografia da realidade não
pode ser baseada na abstração insuspeita e insuportável do enésimo grau, mas deve estar
enraizada na experiência humana diária palpável.”, uma “cartografia da realidade”
buscando uma maior aproximação com o cotidiano nas dimensões humana, social e
cultural.
Para além das especificidades de abordagem de cada autor, Monmonier (1991),
Crampton (2001; 2009), Cosgroove (1999; 2005), entre outros, buscaram um
aprofundamento das questões levantadas por Harley (1989; 1990; 1991; 2002) em torno
das relações de poder que atravessam as representações cartográficas. Como afirmam
Crampton e Krygier (2006), a teoria social destituiu a visão de neutralidade de todo e
qualquer mapa, aprofundando ainda mais a discussão sobre a dimensão política, e trazendo
consigo um elemento até então desconsiderado pelo quantitativismo reinante: o
entendimento do espaço como uma produção social.
1.3 Uma interpretação da Cartografia para a Geografia
A relação clássica entre Cartografia e Geografia no plano teórico do debate, aponta
para a existência de pelo menos dois grupos de mapas que têm orientado a diferença entre as
produções cartográficas da Cartografia e da Geografia.
63 No original em inglês: “A cartography, a geography, of reality cannot be based on unsuspected and
unsupportable abstraction of the nth degree but must be rooted in palpable daily human experience” (WOOD,
1978, p. 207).
66
O primeiro grupo engloba os mapas de referência geral, topográficos ou de base.
Construídos com rigor técnico, buscam atingir um público amplo que necessita de informações
precisas sobre o território. São dotados de sistemas de referência e de localização diversos,
(SLOCUM, MCMASTER et al., 2008; DENT, TORGUSON et al., 2009).
Em sua grande maioria apresentam elevada precisão geométrica, obedecendo
limites técnicos definidos segundo a escala adotada para sua produção. Portanto, exigem um
alto conhecimento técnico, por estarem associados à Geodésia, ao levantamento topográfico e
às técnicas aerofotogramétricas (BARBOSA, 1967; SLOCUM, MCMASTER et al., 2008;
ROBINSON, 2010 [1952] ).
São exemplos, os mapas topográficos, os mapas planimétricos e altimétricos dos
acidentes naturais, artificiais e culturais. Normalmente, servem como base cartográfica (mapa
base) para outros tipos de mapas e aplicações.
A segunda categoria trata dos mapas temáticos também denominados de especiais,
estatísticos ou cartas geográficas. São produzidos e direcionados para públicos específicos e
com representações temáticas diversificadas (SLOCUM, MCMASTER et al., 2008).
Demonstram recursos, conceitos ou informações, estas, podem ser qualitativas (mapas
temáticos de cobertura vegetal, tipo de solo, cidades, distritos), quantitativas (mapas temáticos
de vulnerabilidade social, renda média, idade) ou mista.
Geralmente, abrangem temas geográficos que representam a interpretação de
informações espaciais, culturais, sociais e políticas (MARTINELLI, 2003b). A acurácia nestas
representações é importante, mas a exatidão não é fator primordial. Todavia, a qualidade e a
validação dos dados utilizados constituem um aspecto importante, independente da fonte e do
modo de aquisição destes.
Alguns autores, elencam um “terceiro” grupo, a exemplo de Barbosa (1967) que
utiliza o termo mapas especiais para referir-se àqueles que objetivam atender a uma técnica
específica ou ciência.
Muerhrcke, Kimerling et al. (2016), referem-se aos mapas cartométricos ou de
análise cartométrica, mapas especializados e ajustados para realizar operações matemáticas
complexas e precisas, tais como: estimativa, contagem, medição e roteamentos. São exemplos,
os mapas topográficos na escala de 1:24.000 do United States Geological Sourvey (USGS)
utilizados como referências em diversas aplicações, as cartas de navegação aérea ou marítima
e cartas militares.
Em teoria, estas distinções são importantes para a compreensão de conceitos,
sistematização de métodos e metodologias que permeiam a elaboração dos mapas e as práticas
67
cartográficas no campo da Cartografia e da Geografia. Dessa forma, inúmeros autores, à
exemplo de Barbosa (1967), Robinson (2010 [1952] ), Slocum (2008), Libault (1975) e Joly
(1990), adotam nomenclaturas diversas para estes grupos de mapas (figura 10).
Figura 10 – Cartografia Topográfica x Cartografia Temática ou Cartografia Geográfica
Elaborado pelo Autor.
Desse modo, o campo cartográfico é subdividido em dois segmentos segundo os
tipos de representações:
a) Cartografia de Referência, Cartografia Topográfica ou Cartografia Sistemática,
são terminologias utilizadas para a Cartografia que se ocupa dos mapas
denominados: topográficos, de referência geral, de base ou cartométricos;
b) Cartografia Geográfica ou Cartografia Temática refere-se à Cartografia que lida
com os mapas temáticos, também denominados de mapas espaciais, estatísticos
ou cartas geográficas.
Barbosa (1967) ao defender o estabelecimento de uma metodologia cartográfica,
divide o campo da cartografia em três tipos de representações: Cartografia Geral, Cartografia
Especial e Cartografia Temática. Para este autor, enquanto as duas primeiras estão
respectivamente centradas no conhecimento da superfície topográfica ou em atender objetivos
específicos que exigem técnica apurada, a Cartografia Temática atua de forma ampla
correlacionando elementos à superfície topográfica.
Martinelli (2003b), refletindo sobre a história social da cartografia, apresenta bases
teórico-epistemológicas sobre a aplicação dos mapas na ciência geográfica adotando a
expressão Cartografia Temática. Archela (2000) ao realizar uma análise histórica da cartografia
brasileira utiliza a divisão: Cartografia Sistemática e Cartografia Temática. Joly (1990) a
subdivide em: Cartografia Topográfica e Cartografia Temática.
Libault (1975), na obra Geocartografia, utiliza os termos Cartografia Geográfica e
Cartografia Topográfica para referir-se à divisão entre cartas geográficas e mapas topográficos,
68
respectivamente. Enquanto estes últimos lidam com informações topográficas relativas a áreas
naturais ou modificadas pela ação antrópica, as cartas geográficas estão associadas a análises
que objetivam explicar e discutir os resultados do mapeamento. Para este autor, a Cartografia
Geográfica distingue-se pela construção de representações cartográficas, estas, instrumentos
para uma abordagem geográfica que faculta lidar com uma diversidade de questões temáticas.
A abordagem geográfica da cartografia se assenta em torno deste segundo grupo de
mapas temáticos: a Cartografia Temática ou Cartografia Geográfica (Geocartografia)64.
Entretanto, existe o entendimento na Geografia, de que os mapas do primeiro grupo
(Cartografia Topográfica/Sistemática) são também objetos de interesse da Geografia, não como
finalidade, mas como mapas topográficos/de referência para a elaboração de mapas temáticos.
Este, entre outros aspectos, contribui para a concepção de que a Cartografia está direcionada
para o campo da Geografia.
1.4 Cartografia Geográfica: uma interpretação da Cartografia na Geografia
A “dissociação” entre Cartografia e Geografia, em finais do século XIX65, assinala
em nosso entendimento, a gênese de um corte teórico-epistemológico que na
contemporaneidade, permeia as reflexões teóricas e práticas sobre o papel das representações
cartográficas no seio da Geografia.
O debate tem início no século XIX com uma dupla interpretação: de um lado, os
defensores do mapa como instrumento do conhecimento geográfico, a exemplo de Humboldt e
Vidal de La Blache66; do outro, aqueles que não consideravam o mapa como objeto legítimo do
saber geográfico, é o caso de Carl Ritter. Este, contestava uma “geografia pura” (matematizada)
que negava dar lugar ao homem. Embora fizesse uso de mapas em seus trabalhos, entendia que
estes eram mais adequados ao uso escolar. (LIVINGSTONE, 2010; LACOSTE, 2012 [1976]).
Em nosso entendimento, a nascente Geografia se absteve de uma reflexão teórico-
epistemológica sobre o que de fato era a sua cartografia. Sobressaiu uma Cartografia voltada
para a Geografia com a valorização da carta topográfica (matematizada). Isto ocorre, porque
Geografia e Cartografia recém sistematizadas, concorriam em prol de uma base técnica
(geométrica) que estruturando a sociedade industrial, buscava atender aos interesses
expansionistas do Estado e do capitalismo. Reflexo e produto da normatização geral de uma
64 Libault (1975), utiliza o termo Geocartografia no título da sua obra. Entretanto, internamente utiliza o termo
Cartografia Geográfica para referir-se às representações cartográficas elaboradas pela Geografia. 65 Abordado nos subtítulos 1.2.2 e 1.2.3 66 Com seu legado à cartografia na obra Tableau de la Géographie de la France.
69
sociedade que produz em série, não há espaço para a diversidade. Assim, homogeneidade e
universalidade são fundantes para o domínio e manutenção do território, e das relações sociais
de produção.
Na Cartografia, a carta topográfica era a representação ou linguagem matemática
de um discurso sobre o espaço que precisava ser compreendido do ponto de vista militar e
econômico. Era necessário conhecer a topografia, para conquistar ou manter o domínio do
território. Da mesma forma, o capital industrial necessitava de conhecimento, para que seus
engenheiros, por exemplo: pudessem projetar a construção das estradas de ferro; calcular a
potência das locomotivas num plano inclinado; ou, planejar a infraestrutura necessária para o
escoamento da produção - considerando tempo e distância.
A Geografia, procurando se firmar como ciência, preocupou-se com a
sistematização do conhecimento sobre os territórios buscando a incorporação do homem e da
natureza, no contexto positivista que atendia aos propósitos do Capital e do Estado Imperialista.
Era necessário produzir taxonomias, classificações, comparações das paisagens, estudos
populacionais, etc. O foco do debate teórico segundo Moreira (2015), centrou-se na dicotomia:
análise regional versus relação homem-meio.
Nesta perspectiva, os mapas temáticos da Geografia complementavam o discurso
que o mapa topográfico fazia sobre o espaço. Ou seja, o mapa temático, grosso modo, era uma
linguagem “mais cognitiva” que sobreposta a este espaço matematizado discursava sobre: os
povos, a vegetação, o clima, os limites do território, a hidrografia, etc.
As discussões e avanços teóricos no campo cartográfico a partir dos anos 1950,
paralelo ao movimento de renovação da Geografia, ao revelar novas possibilidades teóricas em
torno da concepção de espaço como produção social, acentuou este corte teórico-
epistemológico. Assim, a valorização da dimensão humana na Geografia, reacendeu o debate
em torno de tentativas de excluir as práticas cartográficas do seu interior associando-as aos
métodos positivistas.
A interpretação clássica do debate teórico entre Cartografia Temática e Cartografia
Sistemática ainda permeia com intensidade as práticas cartográficas da Geografia.
O entendimento geral é de que a Geografia se ocupou da elaboração de mapas
temáticos. A Cartografia, se especializou na elaboração de mapas topográficos ou mapas de
referência geral (SLOCUM, MCMASTER et al., 2008).
Portanto, há o entendimento junto a segmentos da renovação geográfica, de que a
Cartografia, através de seus especialistas, abastece a Geografia com suas representações
cartográficas. O que de fato é verdade, se considerarmos somente as representações da
70
geometria euclidiana (modo cartográfico). Portanto, a teoria e a prática cartográfica da
Geografia, continuam ancoradas nos fundamentos teóricos desta interpretação clássica entre
Cartografia Sistemática e Cartográfica Temática, que prioriza uma matematização do espaço
apoiada na geodesia.
O campo geográfico negligenciou uma construção teórico-epistemológica que se
preocupe com suas práticas cartográficas, se conformando com uma Cartografia para a
Geografia. Dessa forma, a teoria e prática cartográfica na Geografia se reduz ou continua
ancorada a uma concepção de espaço cartesiano, homogêneo, topográfico, dos fixos, da
geometria euclidiana, do mapa na perspectiva de um plano horizontal. Isto se dá porque:
Primeiro, se o mapa topográfico é base para que a Geografia elabore seus mapas
temáticos, deve-se admitir que a Cartografia está direcionada para o campo da Geografia, ou,
que suas representações cartográficas subordinam as da segunda, o que acreditamos não ser
“verdade”.
A definição mais recente da ICA (2003, p. 17), conceitua que: “mapa é uma
representação simbolizada da realidade geográfica”, evidenciando que cartografia e geografia
formam uma unidade indivisível em sua dimensão histórica e social - ressalte-se, que não
estamos falando da “dissociação” dos seus campos de abordagem. Entretanto, ainda que a
Cartografia esteja direcionada para o campo da Geografia, a prática cartográfica da Geografia
(Ciência) – incluindo sua dimensão humana - constitui-se num campo de saber distinto da
Cartografia.
Segundo, o mapa topográfico é uma base matematicamente precisa que conforma
um modo cartográfico e concepção clássica do espaço matematizado pela geometria euclidiana.
Trata-se da métrica (distância) entre pontos no espaço, e isto é deslocamento, ou seja, a
mensuração do tempo. Tempo que submete o espaço, e denota, no caso do mapa topográfico, a
manutenção e o domínio furtivo de um discurso militar, econômico e de saber estratégico do
Estado.
Assim, é evidente que o mapa topográfico não é neutro, ele tematiza uma visão
militarista e econômica de conquista do território sob o viés topográfico. Em outros termos,
Lacoste (2012 [1976]) e Harley (HARLEY, 1989; 1991) já apontavam para esta questão. Desse
modo, ele é um mapa temático, que foi naturalizado. Uma representação do espaço geográfico,
referente à um modo cartográfico, mas não em sua totalidade objetiva. Conforme Lévy (1996),
ele representa a métrica territorial, topográfica e euclidiana.
71
A Geografia com seus mapas temáticos, necessita diferenciar-se desta Cartografia
para a Geografia, adotando uma abordagem e construção teórico-epistemológica da Cartografia
na Geografia em sua totalidade, como um movimento de transformação na contemporaneidade.
Uma Cartografia na Geografia deve abranger as relações território-rede, a
circulação de ideias e de informações através das redes da Cibercultura. Sobretudo, a
coexistência de uma espacialidade eletrônica, virtual que se vale da métricas das redes
(topológica, rizomática, reticular, descontínua e não-euclidiana) mas que não se anulam. Sendo
assim, nos referimos à uma Cartografia Geográfica (em movimento).
Compreendemos que o campo da cartografia na contemporaneidade apresenta, duas
abordagens possíveis, conforme apresenta a figura 11:
Figura 11 – Campo cartográfico na contemporaneidade
Elaborado pelo autor.
A primeira, em que as representações cartográficas foram assumindo
gradativamente uma linguagem voltada para a cognição, comunicação e visualização
cartográfica, tendo por base científica normas metodológicas voltadas para práticas que tratam
de: controle e posse de territórios; dinâmicas sociais; eficácia administrativa e apropriação do
espaço; aspectos econômicos; navegabilidade, mobilidade, interatividade, aspectos sociais e
naturais, fenômenos e processos em geral passiveis de serem cartografados.
72
A segunda, firma-se na criação de normas ou procedimentos padronizados
concernentes à elaboração de representações cartográficas, que tem por base científica a
manutenção e aprimoramento de um referencial geodésico que conforma uma Cartografia
matemática. Assim, segue a vertente euclidiana advinda da Grécia antiga, renovada em
Mercator, consolidada com a noção de espaço cartesiano e naturalizada pela tecnociência a
serviço do capital.
Nesta interpretação, o primeiro polo, diz respeito às elaborações da Cartografia
Geográfica no seio da Geografia, e não exclui as elaborações da cartografia matematizada
euclidiana, simplesmente, as compreende com parte da Cartografia Geográfica, pois, em nosso
entendimento, não há a centralidade de uma métrica ou num modo cartográfico especifico. Por
sua vez, estamos falando da incorporação de outras métricas, de outras dinâmicas sociais, e não
de negação, diferença ou exclusão.
Entendemos, que a relevância está no deslocamento teórico epistemológico, que se
apresenta para pensar uma Cartografia Geográfica, em seu movimento de transformação no seio
da Geografia. Trata-se de uma interpretação da Cartografia na Geografia, que continua a receber
pouca atenção na contemporaneidade. Portanto, a manutenção da ordem vigente é continuar
pensando em uma Cartografia que se volta para a Geografia, quando deveria ser: uma
abordagem/interpretação da Cartografia na/da Geografia.
Nesta perspectiva, o ponto de entrada para analisar sua emergência e consolidação
são os mapas online, suportados por geotecnologias e informação geográfica instantânea.
1.5 Multiplicidade, Técnica, Fluidez e Artificialidade
As perspectivas e reflexões apresentadas sinalizam o caminho teórico-
epistemológico desta construção teórica utilizada para analisar, como os mapas online,
suportados por geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a
emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento).
Portanto, nos possibilitou sistematizar, fundamentar e articular um conjunto de
conceitos, categorias e elementos que a estruturam, dando-lhe conformidade do ponto de
vista teórico-epistemológico e ontológico, ao estabelecermos as seguintes considerações
e proposições:
a) O entendimento do espaço como produto de inter-relações, de interações
efetivadas ou na possibilidade de vir a ser, em devir, nunca fechado, um
cosmos. O que pressupõe falar da coexistência de outras histórias, de
73
trajetórias diferentes que coexistem no espaço como multiplicidade
(MASSEY, 2004; 2008).
Ao adotarmos a noção de multiplicidade enquanto co-constituinte do espaço
(MASSEY, 2008), implica na valorização política do conceito de espaço geográfico a
partir do reconhecimento do outro, aquele além de nós, ou que conosco se relaciona.
Primeiro, isto significa afirmar de que não há apenas uma narrativa histórica,
ou uma única cronologia, existem outras trajetórias não hegemônicas no espaço
geográfico, por isto, ele é aberto, como também são diversas as trajetórias das
representações cartográficas e as formas de interpretação simbólica do que se constitui
socialmente como mapa. A linguagem cartográfica é um amalgama de modos
cartográficos (EDNEY, 1993).
Segundo, reconhecendo-se a primeira afirmação, é admissível que espaço não
é tempo, mas sim, produto de relações entre diferentes trajetórias coexistindo
concomitantemente nesta espacialidade, onde as noções de tempo-espaço são relacionais.
Assim, retoma-se a importância do espaço em relação ao tempo, embora exista
uma íntima relação entre ambos. Entretanto, um não é o outro. Nesta perspectiva, não é
plausível a negação de outras trajetórias no mesmo tempo-espaço, senão estaríamos
transformando espaço em tempo e geografia em história, como defende Massey (2004).
Do ponto de vista cartográfico, estas trajetórias visíveis ou ocultas que
assinalam as ações humanas em todo o planeta em tempo-espaço relativos e distintos, a
priori, são técnica e politicamente alçados a possibilidades de entrelaçamentos segundo
os mais diversos interesses, seja eles internos ou externos às suas práticas cotidianas, em
função da instantaneidade da informação geográfica, componente essencial nas relações
econômicas, políticas e sociais que assinalam a produção do espaço na
contemporaneidade.
Isto ocorre pelo grau de penetrabilidade com que as tecnologias de informação
e da comunicação (CASTELLS, 1999), as redes de Cibercultura (LÉVY, 2000; 2001) e
uma miríade de dispositivos eletrônicos móveis têm sido articulados em nível planetário.
Há um controle maior do tempo sobre as relações sociais e na escala do indivíduo,
conectado (online) às redes a todo momento. Com isto, tem-se um refinamento e
aprimoramento do que caracterizamos mais à frente como: sincronicidade do tempo.
74
Buscamos o entendimento deste espaço em aberto, sempre em construção. Esta
ótica nos permite ampliar as perspectivas políticas (poder) e de futuro dado, de outras
interpretações e possibilidades de abertura ao inusitado, daquilo que por muito tempo foi
externo, por vezes, mascarados intencionalmente ou invisíveis aos sentidos e às
interpretações de outros homens e das ciências.
Ao tratar da crise das ciências e dos desafios das ciências humanas na
contemporaneidade, Latour (1994) aponta que em meio ao processo de hibridização, as
questões do mundo atual já não podem ser abordadas de forma fragmentada, o fim das
utopias demonstra que nenhuma teoria é capaz de explicar o mundo atual, nem apontar
para o futuro. A hegemonia ocidental, por muito tempo não levou em conta nosso
complementar, outras culturas, outras sociedades, frente a uma experiência coletiva.
Os fatos científicos são construídos, mas não podem ser reduzidos ao social
porque ele está povoado por objetos mobilizados para construí -lo. O agente
desta construção provém de um conjunto de práticas que a noção de
desconstrução capta da pior maneira possível... [...] ... será nossa culpa se [grifo
do autor] as redes são ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como
o discurso, coletivas como a sociedade? (LATOUR, 1994, p. 12).
Neste sentido, assumimos o caminho da incerteza, da construção de um futuro
em aberto, e não de um discurso dicotômico67, pois, se assim não fosse, estaríamos
limitando outras interpretações, negando outras existências, outras cartografias.
Compreendemos que independente desta concepção, o(s) território(s) (lugar,
para Massey) é constituído por inter-relações que marcam a intencionalidade das ações
humanas objetivando os mais diversos interesses.
Os territórios e as redes informacionais são relacionais em termos de escala,
estrutura, constituição e finalidade, coexistindo entre si ou não. Simbolicamente, são
conjuntos que se inter-relacionam, ou na possibilidade de vir a ser, segundo os variados
interesses e configurações das práticas sociais. Em termos cartográficos, estamos falando
de “métricas” diferentes e suas interconexões.
A consolidação de uma cartografia no campo da Geografia perpassa não apenas
por englobar as dimensões humana, social e cultural em sua totalidade, mas, pelo
reconhecimento da coexistência de múltiplas trajetórias e narrativas possíveis (modos
67 Não é possível defender um discurso de “desenvolvimento” enquanto caminho hierárquico a ser trilhado por
todos os povos, ou de uma ciência estanque, e como tal, associado a uma visão de globalização aceita como algo
natural, que sob a tutela do mercado postula ser a única via possível. Tampouco no mito do paraíso perfeito com
a revolução das massas e sua ascensão ao poder como algo inexorável em meio às contradições do capital. Ver:
Latour, (1994, p. 12-15).
75
cartográficos), e não apenas uma que se pretenda universal, inclusive aquelas que sendo
hegemônicas, são tornadas invisíveis a uma interpretação geográfica.
Isto implica evitar reducionismos e compartimentalizações, ao mesmo tempo,
ampliar as possibilidades de enfrentamento e de escape as superficialidades impostas pelo
mercado frente as profundas transformações (inclusive as espaciais) e demandas
provocadas por esta sociedade da informação.
Desta multiplicidade, enquanto princípio constituinte do espaço geográfico,
definimos a categoria de análise: convergência, que assinala as inter-relações ou
entrelaçamentos entre os homens, as coisas68, e os objetos técnicos nas redes sociotécnicas
atuais. É esta convergência (também tecnológica) e a fluidez, enquanto uma de suas
características, que pontua os fundamentos e princípios para o estabelecimento de uma
espacialidade eletrônica, virtualizada e relacional, lócus de conformação dos mapas online
que emergem no seio da Cartografia Geográfica em seu próprio movimento de
transformação e reconfiguração na contemporaneidade.
b) O reconhecimento da técnica como produtora de transformações em
qualquer sociedade (territórios), que se faz presente em toda ação humana.
Ao mesmo tempo, extensão do corpo humano (LÉVY, 1996; 2000;
MCLUHAN, 2016 [1964]) que se projeta no espaço para imprimir ações
diversas;
A técnica elemento que permeia os territórios das coletividades e
individualidades, é aqui entendida como uma categoria fundamental de análise destas
inter-relações. Todavia, não é tratada como elemento central ou idealizado, mas num
processo de interdependência e sinergia, reconhecendo suas mútuas interações e
implicações com outros conceitos.
Evitamos dessa forma, a simplificação da análise, porém, adentramos no
âmbito da complexidade, esta, não ancorada aos verticalismos das ciências. Aqui, ela diz
respeito à complexidade com a qual a Geografia em renovação deve sedimentar um
caminho que lhe é próprio.
Desta maneira, permite uma interpretação do mundo a partir das inter-relações,
incertezas e probabilidades frente a ação humana em meio ao acelerado processo de
68 No sentido atribuído por Lévy (1996)
76
artificialização da vida, das coisas e dos objetos técnicos na produção do espaço
geográfico.
Sobre isto Prigogine nos alerta que “[...] todo problema dinâmico deve poder
ser resolvido em termos de amplitudes de possibilidade, exatamente como todo problema
deveria ser resolvido na mecânica clássica em termos de trajetórias individuais”
(PRIGOGINE, 1996 , p. 49-50).
Assim, estamos tratando de limite de previsibilidade e não de sua ausência.
Estamos falando de possibilidade de atuação no presente e de construção de futuro
(abertura), mas não de sua certeza.
Entendemos que a técnica molda e amplia a concepção de espaço, a medida em
que esta permite um maior domínio e entendimento de processos decorrentes da natureza,
de sua artificialização ou de virtualização da realidade. Portanto, a compreensão e
apropriação da natureza pelo homem se dá pelas técnicas, o que nos permite cada vez
mais, reproduzi-la artificialmente e com notável precisão. Em muitos aspectos
participando da co-criação de novos objetos técnicos - alguns inclusive com relativa
capacidade cognitiva, à exemplo dos softwares baseados em inteligência artificial. Neste
processo de artificialização do espaço geográfico,
[...] hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza,
quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais,
passa, também, a ser objetos. Assim, a natureza se transforma em um verdadeiro
sistema de objetos e não mais de coisas e, ironicamente, é o próprio movimento
ecológico que completa o processo de desnaturalização da natureza, dando a
esta última um valor (SANTOS, M., 1996, p.53).
Acreditamos que isto implica em falar do humano e do não humano, de
instrumentos autônomos, nanotecnologia, engenharia genética, informática e inteligência
artificial enquanto objetos técnicos da ação humana agindo sobre a natureza, da natureza
a serviço do homem, e, da artificialidade e seus objetos agindo sobre a vida do homem em
sociedade.
Como afirma Latour (1998), foi preciso descobrir outros “meios ambientes”
para que pudéssemos construir uma outra noção de totalidade, descobrir o que era exterior
a nós, assim, o que antes estava fora agora está dentro, o que era negado, agora é
valorizado. A dissociação entre homem e natureza ganha uma outra dimensão, e as
técnicas atuais têm papel fundamental nesta construção, pois, esta “inversão
antropológica” tornou ela (a natureza) “muito mais fraca que o homem” (LATOUR,
SCHWARTZ et al., 1998, p. 97).
77
Portanto, é a ciência através das técnicas que permite este domínio, este
esquema de manipulação apropriado pela acumulação capitalista, retroalimentando o
circuito que transita da sociedade à ciência, nunca como retorno, nem de forma linear,
mas como reordenamento de processo, enquanto possibilidade segundo um limite de
previsibilidade. Neste cenário a fluidez com que as técnicas e alguns objetos técnicos se
apresentam como característica da categoria convergência (tecnológica) é componente
fundamental para a compreensão deste mecanismo.
Ao refletir sobre uma epistemologia da tecnologia (Techné), Morin (2005)
defende a necessidade de analisá-la em conjunto, pois, enquanto objeto abstrato, e, dado
sua interdependência, já não é possível separar o conceito de tecnologia, do conceito
ciência, do conceito indústria, criando um circuito onde a técnica está profundamente
relacionada com a manipulação do circuito sócio-histórico.
Na contemporaneidade “[...] a manipulação exercida sobre as coisas implica a
subjugação dos homens pelas técnicas de manipulação [...] é a lógica das máquinas
artificiais que se aplica cada vez mais às nossas vidas em sociedade. Justamente aqui
reside a origem da nova manipulação” (MORIN, 2005, p. 109). Há uma dimensão
filosófica na técnica como condição dela vir a se constituir a idealização da perfeição
humana.
Percebemos de um lado o endeusamento de uma tecnociência profundamente
ligada às grandes empresas de tecnologia e ao mercado de capitais, estes, através das suas
redes autônomas de controle da comunicação e da informação, se utilizam de softwares,
sistemas de reconhecimento e inteligência artificial, para colocar em prática uma ordem,
uma racionalidade69 cada vez mais tênue e centralizadora sobre a produção do espaço
geográfico, de suas territorialidades e, consequentemente, sobre a vida dos indivíduos.
No plano dos objetos técnicos e das relações humanas (ações), o controle
exercido por estes poucos atores, implica numa simplificação de processos complexos, na
flexibilidade da produção, na sincronicidade do tempo, na unicidade e na uniformidade de
ações sobre as ações dos homens em sociedade, dado a fluidez com que os objetos técnicos
e suas capacidades técnicas têm de em meio à ações pontuais e disruptivas, influenciar em
69 Racionalidade não é razão, a razão é aberta ao desconhecido, a aquilo que não se pode racionalizar, a razão não
pode ser instrumentalizada. O que as diferencia basicamente é que a racionalidade é um sistema fechado que impõe
uma lógica que sendo negada, coloca-se à força. Ver: (MORIN, 2005) e (ADORNO e HORKHEIMER, 1991).
78
termos comportamentais a percepção da realidade sobre os territórios na
contemporaneidade.
Compreendemos que se trata dos sistemas reguladores da cibernética70 e da
Teoria de Informação atuando sutilmente em conjunto com outros processos
administrativos, psicológicos e sociais, segundo a lógica e os interesses do mercado no
controle da informação, do tempo, das ações sobre os objetos, dos homens sobre os
homens, e dos objetos sobre os homens.
Entendemos que do ponto de vista prático desta sociedade informacional, isto
caracteriza todo um movimento de transformação e (re)construção cartográfica
intermediado pela convergência tecnológica71 entre as diversas áreas do conhecimento.
Isto significa, reconhecer a existência e articulação de todo um conjunto de
redes de Cibercultura e uma miríade de objetos técnicos espacializados interconectados
através de redes telemáticas - ou seja, de uma computação ubíqua (WEISER, 1993) – que
através de tecnologias de informação e da comunicação provém informação geográfica
instantânea.
Na perspectiva cartográfica aqui defendida, isto significa cartografar:
fenômenos, processos, objetos técnicos, os indivíduos, as coletividades, as ações
humanas, a natureza e a natureza artificializada.
Implica falar dos territórios e das redes, consequentemente em territorialização
e desterritorialização, em sociedade industrial e sociedade informacional , na combinação
de elementos heterogêneos, das geometrias de poder (FOUCAULT, 1979), de diferentes
“métricas” que coexistem e se inter-relacionam.
Estes sistemas reguladores (alguns objetos técnicos especializados) se
caracterizam pela fluidez, categoria aqui elencada para nos referirmos a ações humanas e
70 A Cibernética do grego “kybernetik” (piloto, pilotagem), termo utilizado por Platão para designar as qualidades
da alma. Na década de 1940 Norbert Wiener a partir de seus estudos em teoria da informação, teoria do controle e
dos sistemas, utiliza esta expressão para nominar esta ciência, cujo propósito é “da comunicação e do controle...(...)
quer seja ele no humano, animal ou mecânica. O objetivo na cibernética é o de desenvolver uma linguagem e
técnicas que nos capacitem, de fato, a haver-nos com o problema do controle e da comunicação em geral. (...) A
informação é termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele e
que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido (...) Destarte, comunicação e controle fazem parte da
essência da vida interior do homem, mesmo que pertençam à sua vida em sociedade” (WIENER, 1968, págs. 16-
18). Existe uma íntima relação entre a Cibernética e as modernas teorias da Administração (ver: CHIAVENATO
(2009), págs. 325-338). Ademais, a cibernética não pode ser confundida com robótica, mas sim, à
autômatos/automação (enquanto linguagem para/de sistemas reguladores) e informática (tratamento automático
da informação e da sua representação por meio de suportes de informação), como mecanismo de manipulação das
coisas através destes meios. 71 Aspecto discutido no capítulo 4, item 4.1.
79
a capacidade de alguns objetos técnicos se auto reprogramarem ou de serem
reprogramados, para atingir um determinado objetivo, inclusive da sua autocriação e
aperfeiçoamento - aspectos que se apresentam, por exemplo, em alguns mapas online. A
fluidez também se relaciona as ações invasivas e dominadoras de uma racionalidade
técnica responsável por desintegrar uma “complexa rede de relações sociais” auxiliando
na determinação, como assinala Bauman (2014), de uma ordem econômica implacável que
se reproduz continuamente.
Ao tratar da interação entre sociedade e economia em meio à transformação
tecnológica atual (paradigma tecnológico), e da reversibilidade dos processos nas
instituições e organizações, Castells (1999, p. 78) pondera e alerta que:
Tornou-se possível inverter as regras sem destruir a organização, porque a base
material da organização pode ser reprogramada e reaparelhada. Porém, não
devemos evitar um precipitado julgamento de valores ligados a essa
característica tecnológica. Isto porque a flexibilidade tanto pode ser uma força
libertadora como também uma tendência repressiva, se os redefinidores das
regras sempre forem os poderes constituídos.
Defendemos que esta capacidade de reconfiguração é também característica de
algumas geotecnologias: mapas online, dos sistemas autônomos e inteligentes72 com os
quais interagem e/ou estão integrados, participando ativamente da reprodução das relações
sociais de produção. Logo, a produção dos objetos, e por conseguinte, do espaço
geográfico explicita o seu caráter estratégico e político, além da sua planificação espaço-
temporal conforme aponta Lefebvre (2008 [1976], p. 63).
Ela supõe o estabelecimento de localizações, o conhecimento das redes de troca,
de comunicações, dos fluxos (...) a programação espaço-temporal (...) poderia
submeter as outras dimensões à simultaneidade global do espaço (...) Só o
tecnocrata perfeito a quer. Ela submeteria a sociedade inteira ao jugo da
cibernética (LEFEBVRE, 2008 [1976], p.63).
Wiener (1968), um dos fundadores da cibernética, ao tratar dos propósitos
desta ciência, deixa claro este viés racionalizador ao afirmar que: “[...] em comunicação
e controle, estamos sempre em luta contra a tendência da Natureza de degradar o orgânico
e destruir o significativo” (WIENER, 1968, p. 17).
Compreendemos que esta natureza a que se refere o autor, é considerada como
degradação em relação aos sistemas reguladores, em razão desta constituir-se
possibilidade de resistência, do conflito entre as camadas sociais, de contraponto à uma
racionalidade técnica da cibernética, que busca subjugar tudo aquilo que escapa ao
72 Decorrentes da integração entre hardware e software.
80
controle exercido pelos autômatos e pela comunicação da informação – inclusive as
práticas humanas quando destoam dos interesses do mercado.
Assim, embora a lógica dos sistemas administrativos prime pela ordem e
controle utilizando-se das técnicas e da fluidez da comunicação, por outro lado, instala-
se a contradição, pois, a natureza, o homem, as sociedades, os processos sociais e a própria
fluidez de alguns objetos técnicos são tributários da desordem, da horizontalidade, da não-
linearidade, do caos. Não como aniquilação, mas como destruição visando reorganização,
regeneração, de diversidade em meio à multiplicidade, por isto, tendem à incerteza na
forma complexa como se reorganizam e assimetricamente estabelecem relações de força
e poder.
A possibilidade de escape à previsibilidade dos sistemas reguladores, é
justamente esta fluidez proporcionada pela reprogramação. Aqui, não nos referimos a
fluidez no que se refere aos sistemas de produção e administração, mas a capacidade das
ações humanas, dos objetos técnicos e da natureza moldar-se a processos diferentes
daqueles para os quais foram concebidos.
Tomemos estas nossas considerações em torno do posicionamento apresentado
como elemento importante para análise das ações humanas73, sobre a forma como
utilizando-se dos objetos técnicos indivíduos, coletividades e as organizações tornam-se
competidores equivalentes ao construirrem capacidades assimétricas de poder como
resistência às ações de controle hegemônico.
A reflexão que se coloca, é que esta ordem cibernética em meio ao
endeusamento da tecnociência capitaneada pelo mercado, traz entre outros discursos, uma
artificialização da vida implicando em flexibilidade e sutileza nos jogos de poder, no
controle dos processos em geral, e principalmente, no ofuscamento da razão pela
racionalidade instrumental das ações sobre os territórios e as redes eletrônicas. Sobre esta
realocação de poder da qual a técnica é coparticipe, Bauman (2014) nos alerta sobre a
liquefação dos poderes e a reconstrução de uma nova ordem baseada nesta racionalidade
técnica:
Hoje, os padrões e configurações não são mais ‘dados’, e menos ainda
‘autoevidentes’; eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em
seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos
de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir (...) Os
poderes que liquefazem passaram do ‘sistema’ para a ‘sociedade’, da ‘política’
73 Sejam estas de cunho hegemônico ou não.
81
para as ‘políticas da vida’ – ou desceram do nível ‘macro’ para o nível ‘micro’
do convívio social (BAUMAN, 2014, p. 15).
Cremos, pois, que a artificialidade não está apenas nos objetos ou nos
esquemas de domínio da natureza, mas sobretudo na vida do homem em sociedade, que
cada vez mais é artificializada e superficial por intermédio das mídias sociais e dos
dispositivos móveis, enquanto redes de comunicação e informação, porque, cada vez mais,
a percepção e a compreensão que as pessoas têm do mundo, se dão através destas redes
de relações artificiais.
A manifestação sutil desta racionalidade se reflete em inúmeros segmentos tais
como: no urbanismo, no design, nos produtos, nas relações socioeconômicas, nos objetos
técnicos etc. Ou seja, globalmente se apresenta da mesma forma em todos os lugares, o
que muda é a paisagem ou algumas particularidades relativas à força do lugar em termos
de reação e aceitação. Assim, técnica e artificialização estão completamente infiltradas na
epistemologia de nossa civilização. Entretanto, como nos alerta Prigogine (1996, p. 197-
198),
O ocaso puro é tanto uma negação da realidade e de nossa exigência de
compreender o mundo quanto do determinismo o é. O que procuramos construir
é um caminho estreito entre essas duas concepções que levam igualmente à
alienação, a de um mundo regido por leis que não deixam nenhum lugar para a
novidade, e a de um mundo absurdo, acausal, onde nada pode ser previsto nem
descrito em termos gerais.
É deste processo e de suas inter-relações que deve emergir os elementos de
uma epistemologia desta Cartografia Geográfica que de fato esteja preocupada
intrinsecamente em englobar as dimensões humana, social e cultural, levando em conta o
reconhecimento dos diversos grupos em suas múltiplas trajetórias e narrativas na produção
e apropriação do espaço geográfico, e não apenas, uma racionalidade técnica que se
pretenda universal subdeterminando a vida do homem em sociedade.
Este caminho é uma possibilidade em meio a renovação que se instala, não
apenas sobre o caminhar da técnica ou da Geografia em sua relação com a sociedade, mas
sobre as ciências em geral, exigindo novos conceitos e novas instrumentalizações.
Acreditamos que os mapas online estão inseridos neste processo como elementos centrais
de uma Cartografia Geográfica em seu movimento de renovação nesta sociedade
informacional.
Compreendemos que a técnica não deve ser tomada como noção de progresso,
desenvolvimento ou história, mas produto da conexão destas inter-relações efetivadas
82
pelas ações humanas, como novas possibilidades de vir a se constituir enquanto mudança,
aperfeiçoamento, ou abertura para o futuro, já que este não é dado, e sim, uma construção
social que engloba um conjunto de fatores e redes de relações.
Todavia, como assinala Lévy (2000; 2001) não é possível passarmos
diretamente de uma cultura oral para uma sociedade da informação sem que algumas
condições técnicas se façam presentes. O que queremos dizer é que não podemos falar que
as práticas cartográficas de um determinado grupo não são válidas ou que ainda
necessitam percorrer um determinado caminho para se chegar a um determinado estágio.
Na contemporaneidade, quando analisamos as sociedades humanas, a
mensuração do tempo implica numa flecha uniforme, que assumiu gradativamente uma
dimensão e um controle global em função das necessidades do mercantilismo e
posteriormente pelo capitalismo através de suas trocas globais.
Embora a referência do tempo global influencie as ações destas sociedades
com maior ou menor intensidade, essa pretensa hegemonia da sincronicidade do tempo
sobre inúmeros processos coletivos e individuais sofre resistências ou é rejeitada em
muitos lugares.
Quando analisadas fora deste contexto, cada sociedade assume a flecha de
tempo que lhes é particular, embora mantenham interações com outros grupos, elas t êm
um percurso próprio, em sua maioria, anteriores ao advento do controle do tempo pela
sociedade industrial.
Cada um destes agrupamentos humanos possui um tempo e formas distintas de
mensurá-lo, uma idade das suas técnicas, das suas representações, dos seus signos, dos
seus ritos que pressupõem ancestralidade e temporalidade, uma cronologia que lhes são
peculiares.
Compreendemos, que as técnicas globais que invocam o controle do tempo em
nível planetário é uma característica exclusiva desta sociedade informacional. É
completamente diferente da unicidade do tempo forjado pelo capitalismo entre meados do
século XIX e primeira década do século XXI74.
Embora faça parte do mesmo circuito de retroalimentação dialética esta
racionalidade técnica que impõe a ordem do tempo sobre as coletividades e
individualidades, potencializa outro mecanismo de controle com o domínio da informação
74 Aspectos discutidos no capitulo 2.
83
geográfica face sua instantaneidade nas redes e a ubiquidade computacional, que se dá na
escala do indivíduo. Os dispositivos móveis, a exemplo dos smartphones, tornaram-se
objetos de libertação ou controle social individual através das redes.
Observamos na atualidade, que a ciência através das técnicas, e esta utilizando-
se da informação geográfica instantânea, acabam por moldar e ampliar a própria
concepção de espaço geográfico, na medida em que novos elementos/conceitos/ontologias
são sobrepostos à estas expertises técnico-cientificas acumuladas historicamente como
produto de inter-relações.
Através do controle do tempo e da informação geográfica instantânea, agem
diretamente na criação de novas espacialidades artificializadas que invocam reflexos na
materialidade numa relação dialética, dos quais, os mapas online são partícipes em
ascensão.
Estes, dado suas características técnicas, capacidade de comunicação e
informação e da ubiquidade da rede sobre o planeta, chegam aos lugares alterando a
dinâmica das atividades e das ações coletivas e individuais.
Por outro lado, as ações hegemônicas atingem os territórios e as espacialidades
virtualizadas utilizando técnicas de fragmentação e desfragmentação imperceptíveis, com
a mesma força que o controle do tempo global se impõe sobre a vida social.
Compreendemos que resulta deste cenário, as novas relações sociais,
econômicas e políticas que emergem nos territórios e nas redes de Cibercultura, onde a
informação geográfica – tornada mais valia – assume importância vital neste processo.
O volume de informação geográfica instantânea, coletada de dispositivos fixos
e móveis em rede, não mais se restringe à escala do lugar, do bairro, da rua, mas, dos
indivíduos em sua privacidade (dos seus deslocamentos, de seus perfis psicológicos, dos
seus gostos e desejos mais íntimos), evocados à participar de forma (in)voluntária na
produção de uma economia informacional75.
Nos referimos a uma transição cartográfica onde ocorrem simultaneamente,
organização e desintegração, coesão e dispersão, em relação a maneira como até então
cartografamos e representamos o mundo. Para Castells (1999), “[...] tornou-se possível
inverter as regras, sem destruir a organização”. A comunicação multidirecional que
permite interação e interatividade, torna o usuário de mapa também produtor.
75 Sobre a economia informacional ver: Castells (1999, p. 87-110)
84
São estas mesmas características que estão mudando o mapa, sem destruí-lo.
Há uma ampliação de funções e fragmentação da rigidez, que o coloca no cerne de um
conjunto de transformações e de reconfigurações espaciais. Os resultados deste processo
estabelecem mútuas implicações e interações entre o território e a rede, por intermédio
dos objetos técnicos, da natureza artificializada e dos homens.
A recente disseminação da ciência intermediada pela técnica, é na atualidade,
submetida aos interesses do mercado, que impõe ao mundo um modelo de “sociedade” e
de “desenvolvimento” pela vulgarização intencional de uma ideia equivocada de
globalização, de futuro e de ciência inquestionáveis.
O desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, as
geotecnologias e dispositivos móveis, nos permitem cada vez mais, avançar na
representação dinâmica dos fluxos nos ambientes computacionais utilizando informação
geográfica instantânea.
Goodchild (2007), apresenta o cidadão como sensor de uma Geografia
Voluntária (Volunteered Geography), resultado do uso e difusão de tecnologias
geoposicionais e móveis. São exemplos, micro sensores, smartphones, óculos imersivos,
wearable computers.
O aperfeiçoamento de uma nova geração de softwares para Sistemas de
Informação Geográfica (SIG) semânticos, ontológicos, interoperáveis76 e baseados em
nuvem (Cloud computing)77, somado ao volume de dados de Sensoriamento Remoto,
concorrem para a produção de informação geográfica instantânea. Assim, o conhecimento
gerado sobre os fenômenos da natureza e as ações humanas na apropriação dos territórios
ocorre em intervalos de tempo cada vez menor.
Os mapas online que se integram a estes sistemas alteram sobremaneira a
forma como nos relacionamos, ressignificamos e percebemos parcelas dos territórios e
dos territórios digitais. Além disto, têm nos conduzido a uma Geografia Voluntária
(Volunteered Geography) na acepção de Goodchild (2007), ou de geocolaboração
(MACEACHREN, Alan M e BREWER, 2004).
76 Sistema que se comunica com outro sistema. 77 Segundo o NIST (2011, p. 2) A computação em nuvem é um modelo para permitir acesso onipresente
(ubiquidade), conveniente e de rede sob demanda a um conjunto compartilhado de recursos de computação
configuráveis (por exemplo, redes, servidores, armazenamento, aplicativos e serviços)
85
Há uma virtualização que atinge não apenas a informação, a comunicação, as
coletividades e individualidades conectadas, a economia, mas principalmente, o campo
cartográfico. Elementos de uma espacialidade fundada em referências materiais do espaço
absoluto e seus marcadores espaciais sofrem transformações, com as redes de Cibercultura
e a circulação de ideias.
As geotecnologias, os dispositivos móveis conectados e novas tecnologias de
informação e da comunicação expandem a penetrabilidade da Internet é o intercâmbio da
informação geográfica (instantânea). Os marcadores espaciais normatizados pela
sociedade industrial são redefinidos com a métrica topológica que emerge da Internet.
Estão dadas as condições materiais e imateriais de uma sociedade informacional onde o
mapa é virtualizado e fragmentado nos ambientes online.
86
2. A CARTOGRAFIA: ENTRE O CONVENCIONAL E A VIRTUALIZAÇÃO
Neste capítulo, analisamos como a Internet ao articular uma espacialidade
eletrônica, virtualizada e relacional através das tecnologias de informação e da
comunicação e das redes de Cibercultura, provocou uma redefinição das territorialidades,
das referências materiais e espaciais do espaço absoluto e da métrica.
Descreve a coexistência de duas métricas: uma baseada nas redes,
espacialidade eletrônica, fluida, virtual, topológica, não-euclidiana, heterogênea e
relacional, a cartografia virtual ou cartografia eletrônica virtual; a outra, uma métrica
baseada no território absoluto, que se caracteriza por uma lógica topográfica, centrada nos
fixos, homogênea e euclidiana, a cartografia matematizada ou cartografia topográfica de
base euclidiana.
A cartografia virtual acentua a reconfiguração/transição de uma cartografia da
sociedade industrial (dos fixos) para uma cartografia da sociedade informacional (dos
fluxos). Esta virtualização traz para a Cartografia Geográfica (em movimento) uma série
de implicações sobre o fazer cartográfico que se reflete na virtualização do mapa, agora
online.
2.1 Cartografia: entre o convencional e a virtualização
A Revolução da Tecnologia da Informação é um conjunto de inovações que
marca a transição de uma sociedade industrial para um sociedade informacional
(CASTELLS, 1999). O desenvolvimento e a convergência de inúmeras tecnologias e
dispositivos eletroeletrônicos, alteraram profundamente as relações materiais e simbólicas
que regem as ações humanas sobre o planeta. A era da informação proporcionou a
miniaturização dos circuitos e a redução do consumo de energia nos equipamentos
eletrônicos (NEGROPONTE, 1995).
Entre as décadas de 1980 e meados de 1990, embora os interesses econômicos
continuassem centrados no hardware78, novas empresas focaram suas atividades nas
infinitas possibilidades de inovação baseada em softwares79 que gradativamente
78 O termo hardware refere-se à parte física dos dispositivos e circuitos eletrônicos. 79 A parte lógica e operacional, o conjunto de instruções programáveis (código) que permite ao hardware executar
suas funções e reconhecer outros sistemas baseados em outros hardwares e softwares.
87
assumiram o protagonismo do desenvolvimento tecnológico, popularizando o uso dos
computadores por intermédio dos sistemas operacionais gráficos80.
As estruturas de distribuição baseadas num modelo de sociedade industrial
(CASTELLS, 1999), e aspectos como: as limitações existentes em termos de redes de
comunicação e informação; do baixo poder aquisitivo das camadas populares em relação
ao alto custo dos equipamentos; e, do tamanho destes, restringiram suas aplicações. A
dimensão de seus impactos na sociedade ainda eram restritas (NEGROPONTE, 1995).
A segunda metade da década de 1990, imprime uma série de transformações
tecnológicas sem precedentes. Dois aspectos foram importantes neste processo:
Primeiro, a confluência de inúmeras tecnologias de informação e da
comunicação (convergência tecnológica) que desenvolvidas entre finais do século XIX e
durante o século XX, são incorporadas à um único dispositivo: o computador pessoal
(NEGROPONTE, 1995; CASTELLS, 1999).
Segundo, o aumento da capacidade de tráfego de dados nas estruturas
telemáticas, com o uso da fibra ótica em alta escala e de enlace por satélite, propiciou a
abertura e o estabelecimento de uma rede global de computadores denominada de Internet
comercial (NEGROPONTE, 1995).
Consideramos que este momento assinala a confluência de um conjunto de
condições técnicas, econômicas e sociais que irão constituir uma espacialidade
eletrônica81, virtual e relacional suportada pelas redes telemáticas.
Elementos desta espacialidade eletrônica são gradativamente incorporados às
práticas do campo cartográfico através das técnicas de visualização e comunicação
cartográfica, e do uso de hiperlinks e hipertextos na Cartografia Multimídia, por exemplo.
Assinala, portanto, uma evolução/ruptura tecnológica em relação aos métodos
adotados, tanto na cartografia analógica quanto na nascente cartografia digital, como
apresentaremos a seguir.
80 O sistema operacional gráfico (software) popularizou e disseminou o uso de computadores através das interfaces
comunicativas de padrão WYSIWYG (What You See Is What You Get), ou "O que você vê é o que você tem” em
sua tela, facilitando as interações entre usuários, softwares e hardware, através de monitores de vídeo. Um sistema
operacional gerencia a parte lógica que atua sobre o hardware, intermediando as ações dos demais softwares
(aplicativos) com o equipamento. 81 Nos referimos à internet e suas interconexões com outras redes, dispositivos eletrônicos, sensores, e os softwares
que dão existência às tecnologias de informação e de comunicação (redes sociais, sítios de armazenamento de
dados, etc.) e as redes de Cibercultura (grupos, comunidades, indivíduos) nos ambientes online, por exemplo.
88
Esta espacialidade eletrônica, formada pela interligação de diversas redes de
computadores em topologia, constitui uma rede cartográfica virtual envolvendo o planeta
como um todo. Representa uma cartografia eletrônica fundada numa métrica fluida,
rizomática, topológica, não-euclidiana, heterogênea e relacional. Seu domínio são as redes
interconectadas, online. As ações executadas nesta espacialidade virtual (o Ciberespaço)
se manifestam em seus territórios digitais ou nos territórios (material, simbólico, cultural,
etc.) do espaço absoluto.
Temos, a coexistência de duas métricas: A das redes, se sobrepondo
eletronicamente ao espaço absoluto, que denominamos de cartografia virtual ou
cartografia eletrônica virtual; e, a do espaço absoluto, aqui denominada de cartografia
matematizada ou cartografia euclidiana.
A cartografia virtual é fluida, topológica, não-euclidiana, dinâmica,
heterogênea e relacional, está atrelada às redes e eletronicamente ao espaço circundante
do planeta. A cartografia matematizada é fixa, topográfica, euclidiana, homogênea e
estática, está associada ao espaço absoluto.
A cartografia virtual é fundada na infraestrutura física, lógica e eletrônica
(sinais/ondas) da espacialidade eletrônica e virtual denominada Internet, portanto, são co-
constituintes e indissociáveis.
Sendo a métrica destas cartografias interoperáveis82, a cartografia virtual, se
sobrepõe à cartografia matematizada seletivamente ou em simbiose, com a incorporação
de sistemas de coordenadas e de novos elementos técnicos abstratos ou palpáveis. Assim,
reconfiguram as práticas sociais, moldando novas espacialidades e territorialidades
artificializadas como parte das ações humanas (individualidades e coletividades) sobre os
territórios, as redes de Cibercultura e as Tecnologias de Informação e da Comunicação.
Em outras práticas, ambas em sinergia, atualizando ou compartilhando
reciprocamente princípios cartográficos básicos ou avançados referentes aos seus sistemas
de coordenadas, como exemplo: do sistema de coordenadas cartesianas; do protocolo de
internet (Internet Protocol – IP); dos Sistemas de Navegação Global por Satélite
82 Nos referimos a interoperabilidade técnica referente a troca de informações e de dados que permitem a
comunicação entre dos sistemas ou linguagens.
89
(GNSS)83; ou, das estruturas técnicas fundadas no espaço concreto e nos ambientes online
(em rede).
Goodschild (2007) e Pickles (2012 [2004]), demonstram a manutenção,
reconfiguração, ou a superação de alguns métodos cartográficos convencionais, em
substituição ao uso de geotecnologias e dispositivos móveis através da Internet.
Ao articular aplicativos em rede (softwares), objetos técnicos especializados,
sensores, tecnologias móveis e geotecnologias – a exemplo dos experimentos de
informação geográfica voluntária de Goodchild (2007) –, traz à tona os mapas online,
consolidando uma Cartografia Geográfica que emerge renovada como movimento de
reconfiguração e transformação em sua totalidade.
Portanto, estamos falando de métricas diferentes. A cartografia virtual opera
com topologia no espaço tridimensional e para além deste.
A cartografia matematizada opera atrelada a um espaço que foi tornado plano.
Suas construções e representações referem-se a uma percepção de mundo baseada numa
materialidade da sociedade industrial, havendo um clamor pela fixidez e manutenção de
uma ordem cartesiana, como demonstram Lévy (1996) e Santos, D. (2002).
O raciocínio geográfico e as práticas cartográficas da cartografia
tradicional/convencional estão atreladas a referências absolutas de uma cartografia
matematizada da sociedade industrial. Da mesma forma, a concepção teórica que orienta
o fazer cartográfico na ciência geográfica é de uma Cartografia para Geografia.
2.2 Reconfigurações: “Cartografias” do concreto e do abstrato
A cartografia virtual porta em sua essência uma potência rizomática, já que a
ubiquidade da rede, com suas múltiplas entradas, faculta uma infinidade de interações
entre bancos de dados, objetos técnicos e uma miríade de sensores eletrônicos . Há um
dilúvio de informações através das novas mídias, expandindo as capacidades de
83 A expressão “Sistemas” é utilizada no plural para assinalar que atualmente existem em operação dois sistemas
de posicionamento global, o GPS (americano) e o GLONASS (russo), além de estarem em implementação o
GALILEO (Europeu) e o Compass (Chinês). Na atualidade inúmeros dispositivos utilizam simultaneamente
ambos os sistemas como forma de aumentar a precisão e acurácia das coordenadas obtidas por seus receptores
GPS.
90
processamento da informação geográfica instantânea e sedimentando nas redes a presença
dos mapas online.
Este entrecruzamento de cartografias que aparentam ser contraditórias, se
complementa, através de duas práticas espaciais – uma concreta e outra abstrata – que
expressam a potência deste processo de transformação, incorporação e reconfiguração da
Cartografia Geográfica que se põe em movimento para pensarmos Geografia e
Cartografia.
A primeira, diz respeito a reificação por uma fixidez estruturalista, que se
manifesta de diferentes maneiras nas práticas cotidianas, no pensamento espacial (NRC,
2006), e nos conceitos da cartografia convencional atrelados a uma sociedade industrial.
De um processo histórico, onde os padrões e as técnicas estão profundamente relacionados
aos sentidos, às práticas cotidianas e ao marcadores espaciais de uma reinvenção do
espaço como demonstra Santos, D. (2002)
A segunda, evidencia a fluidez locacional, métrica e abstrata com que a
cartografia virtualizada a partir das redes telemáticas vem transformando as
espacialidades e as referências absolutas (marcadores espaciais) com os quais as diversas
sociedades historicamente lidaram, acrescentando ao raciocínio geográfico novas relações
abstratas de um espaço artificialmente virtualizado (em mutação), nos moldes
apresentados por Lévy (1996), Bauman (2014), e McLuhan (2016 [1964]).
Os elementos e pressupostos apresentados a seguir – mas não apenas estes –,
imputam à Geografia em termos epistemológicos e ontológicos repensar e embasar
teoricamente o que de fato é a sua cartografia no contexto desta sociedade informacional,
e de como se dá a produção e disseminação da informação geográfica, que moldam os
territórios e atua ativamente na produção do espaço geográfico.
Portanto, é a Geografia quem é evocada a produzir uma reflexão sobre as
práticas cartográficas no mundo atual. Como nos alerta Lacoste (2012 [1976], p. 90), ela
não pode ancorar-se como “a geografia, ciência do concreto”.84 Poderíamos questionar: o
que evidencia esta superação/reconfiguração cartográfica da qual estamos assinalando?
Como apresentar entrecruzamento de perspectivas cartográficas?
84 Expressão utilizada por Lacoste na obra: A Geografia – isto serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, onde
tece críticas às carências epistemológicas da Geografia e ao seu fazer cartográfico na década de 1970 conforme se
apresenta em Lacoste (2012), p. 90.
91
O questionamento nos leva a seguinte reflexão inicial referente as práticas
cartográficas baseadas no espaço concreto: as diversas sociedades humanas, em especial
aquelas detentoras da tecnologia escrita85, em tempo-espaços distintos, sempre se valeram
de um sistema de coordenadas locacionais ou métricas baseadas em um conjunto de
informações geográficas e marcadores espaciais, como forma de mensurar e/ou estruturar
a comunicação a distância entre seus membros ou com comunidades externas, a exemplo
dos serviços postais.
A medida que os agrupamentos humanos foram crescendo e se adensando, a
complexidade das atividades econômicas e sociais tornou necessário uma construção
cartográfica que lhes permitissem localizar estruturas e o habitar dos indivíduos num dado
território, uma estratégica forma de controle social.
Na sociedade industrial pré-comunicações eletrônicas, quando dois ou mais
indivíduos distantes entre si precisavam comunicar-se pelos mais diversos motivos,
valiam-se dos sistemas de correios que se utilizavam de coordenadas (informação
geográfica) fundadas em marcadores concretos e baseadas no escopo padrão86: país,
província (estado), cidade (vila), bairro, quadra, rua, casa (número) , código postal.
Denota-se intrinsecamente um sistema cartográfico reestruturado onde as ruas (caminhos)
possuem referências (nomenclaturas) e as construções identificações (geralmente
números)87.
No mesmo sentido, agregam-se outras informações das práticas sociais, pois,
na mensagem/encomenda (carta/produto) é preciso identificar além da sua origem e do
seu destino quem envia e quem a recebe. Há uma relativa “normatização”
antroponímica, toponímica e de nomenclatura (nome, prenome e sobrenome e/ou
empresa/instituição, localidade, etc.) como forma de identificação destes interlocutores
O serviço postal utiliza uma técnica versátil, eficiente e passível de ruídos (tais
como desvios de rota, interrupções, extravios e desencontros). O controle sobre o tempo
da entrega da informação é do plano do realizável, mas com relativa incerteza de quando
85 Mas não exclusivamente estas. 86 Cada país estrutura os endereços e códigos postais segundo premissas que lhe são intrínsecas. Porém há uma
relativa padronização, o que varia em função de cada lugar, são as nomenclaturas. Sobre isto, Longley, P. A.;
Goodchild, M. F. (2011, p.127-129) apresentam exemplos e tecem considerações sobre a importância destes para
os sistemas de informação. 87 Embora em outras sociedades e momentos históricos tenham sido símbolos, à exemplo dos brasões. Estas formas
de localizações, que é também uma cartografia imagética presente nos brasões dispostos nas fachadas das casas
coloniais para assinalar/identificar o “lugar” e a importância dos que a habitam (família) naquela sociedade.
92
isto se realiza, por isto, a sincronia de ações depende da chegada da informação no tempo-
espaço de cada realidade geográfica.
O uso desta estrutura nas diversas práticas sociais, políticas e econômicas é
desapercebido por seus usuários ou tomado como decorrente de uma construção natural.
Na sociedade industrial o Estado o utiliza como forma de: controle e poder sobre suas
populações; ordenamento das espacialidades e territorialidades; controle sobre a produção
e o saber cartográfico.
Embora as condições técnicas de cada momento histórico limitem a amplitude
e precisão destas ações, são saberes técnicos especializados com restrições a sua
popularização. O conjunto de informações geográficas (marcadores, referências espaciais,
coordenadas, etc.) sobre o qual o serviço postal se estrutura é parte de uma intrincada
cartografia “convencional” e hegemônica, estabelecida estrategicamente através de um
pensamento espacial referendado por uma lógica cartesiana que prima por referências
espaciais concretas na paisagem.
A segunda prática cartográfica espacial diz respeito ao advento da internet
comercial – que popularizou o uso do correio eletrônico88 e num momento posterior as
redes da Cibercultura com suas Tecnologias da Informação e da Comunicação, cuja base
tecnológica centra-se na fluidez, característica que permeia esta espacialidade abstrata e
relativa89, estabelecendo uma cartografia eletrônica, relativa, relacional e abstrata frente
a construção cartográfica convencional, historicamente utilizada para localizar o
indivíduo, instituição ou empresa no espaço geográfico e lhe entregar a informação90.
Diversos autores , demonstram a emergência de uma lógica fluida, relacional
e abstrata, calcada num espaço abstrato, onde as ações humanas ou dos objetos técnicos
que se manifestam nas redes de Cibercultura são potencializadores de ações efetivas na
88 O correio eletrônico (e-mail) foi criado em 1971 por Ray Tomlinson, engenheiro da BBN (Bolt Beranek &
Newman), empresa contratada pelo Departamento de Defesa dos EUA em 1968 para implantar a ARPANet –
Internet militar. Tomlinson somou as funcionalidades dos softwares (programas) SNDMSG (send message) e do
Readmail, e criou o primeiro endereço - tomlinson@bbn-tenexa -, para enviar e receber mensagens eletrônicas
através da ARPANet para si mesmo e posteriormente para seus usuários iniciais (colegas de trabalho). 89 Porque as suas dimensões não correspondem às dimensões do espaço concreto, ela é da ordem de qualquer lugar
onde seja possível conectar qualquer dispositivo em sua rede. O que implica em dizer que pode estar ausente em
um dado lugar no planeta ou, em termos teóricos para além dos limites deste (numa sonda espacial). 90 Gradativamente o correio eletrônico foi sendo suplantado por inúmeras tecnologias baseadas em aplicativos para
desktop e dispositivos móveis através plataformas de comunicação instantânea e interação online, à exemplo de
aplicativos de navegação GPS e de mídias sociais.
93
produção do espaço concreto, estruturando uma nova relação cartográfica e espacial a
partir das redes (CASTELLS, 1999; CRAMPTON, 2009; PICKLES, 2012 [2004]).
Portanto, a Cartografia Geográfica – e por conseguinte a Geografia –, aqui é
elevada em termos epistemológicos e ontológicos a tecer e instigar noções e conceitos que
apontem para uma filosofia da abstração cartográfica como explicação destas no
ciberespaço. Como então estabelecer elementos que denotam este processo dicotômico
em termos teóricos e que nos conduzem nesta direção?
Para desvendar a potência cartográfica e a espacialidade eletrônica entranhada
neste processo, faz necessário esclarecer previamente o seguinte: as redes de
computadores (Internet/Intranet91) são estruturadas a partir da interligação de servidores92
por redes telemáticas e enlaces de satélites.
Cada servidor, computador pessoal ou dispositivo técnico conectado à rede
recebe um número de identificação único que é o Endereço de Protocolo Internet (Internet
Protocol Adress - IP)93, permitindo assim interligá-los através da tecnologia de comutação
de pacotes de dados.
Para que os dispositivos sejam encontrados (acessados) e reconhecidos com
facilidade pelo usuário, existe na rede o Sistema de Nomes de Domínios (DNS - Domain
Name System) que resolve (mapeia) todos os nomes de domínios registrados na rede
através de uma estrutura hierárquica de procura, permitindo por exemplo, localizar um
endereço internet ou encaminhar/receber um correio eletrônico (e-mail).
Os nomes de domínios são categorizados segundo uma nomenclatura que lhe
atribui uma área (zona) de endereços IP sob a autoridade de um servidor e o seu lugar na
hierarquia da rede. Existem domínios genéricos de nível superior (gTLD – generic Top
91 Intranet é uma rede de computadores de uso privado, podendo estar conectada à internet ou não. 92 Um servidor, é um computador (máquina) que possui um endereço fixo (estático) na rede e geralmente hospeda
um domínio (site), à exemplo do endereço fictício: www.minhatese.pro.br. Este domínio pode armazenar páginas
de um site, oferecer serviço de correio eletrônico (e-mail), armazenar ou disponibilizar transferência de arquivos
(File Text Protocol - FTP) ou implementar uma série de funcionalidades e serviços através de softwares. 93 O endereço IP é um datagrama formado por 4 octetos decimais (cada octeto variando de 0 a 255) na versão 4
(IPv4), suportando o equivalente à 4.294.967.296 de dispositivos conectados na internet, com endereços no
formato de exemplo: 220.23.147.213. Devido ao IPv4 já não suportar a quantidade de dispositivos conectadas na
internet atualmente, foi implementado o padrão IPv6 (versão 6) constituído de 8 grupos de números, cada grupo
com quatro dígitos em hexadecimal à exemplo do IP: 2001:0db8:85a3:08d3:1319:8a2e:0370:7344, permitindo
cerca de 340 undecilhões de endereços ou 3,41038 (Ver: http://www.antd.nist.gov/usgv6/usgv6-v1.pdf). Os
servidores de domínios possuem endereço estático (fixo). Os demais dispositivos: computadores pessoais,
celulares, tabletes, câmeras, sensores, etc. normalmente possuem IP dinâmico (variável), que lhes é atribuído cada
vez que se conecta à internet por intermédio de um servidor de domínio de rede, possibilitando identificar a pessoa
física ou jurídica a qual pertence o dispositivo conectado, bem como a origem da conexão.
94
Level Domain) e domínios genéricos de topo de código de país (ccTLD – country-code
Top-Level Domain). Assim, um nome de domínio terminado em .mil ou .com são
respectivamente militar e comercial, fazendo parte dos domínios genéricos de nível
superior (gTLD).
A figura 12 apresenta este sistema de mapeamento dinâmico que constitui a espinha
dorsal da internet (e das redes), e intrinsecamente do ponto de vista lógico (fluxo) a cartografia
eletrônica em sua gênese epistemológica (em termos de representação abstrata, numa
espacialidade abstrata e virtualizada do mapa online.
O usuário não precisa decorar as centenas de milhares de números IP que
identificam os dispositivos ou sítios na internet (rede). Ele digita apenas um nome de domínio
(endereço coloquial) semelhante ao exemplo fictício: www.mapasonline.pro.br, ao invés de
utilizar o endereço de rede correspondente ao datagrama IP http://220.23.147.213 (padrão IPv4)
ou http://2012:0dbe:11a3:08f3:c3c9:8a2e:0370:6043 (formato IPv6), e o sistema DNS mapeia
(resolve o nome) associando-o ao número IP correspondente ou vice-versa. Ou seja, pode-se
acessar o dispositivo/sitio através das duas formas.
95
Figura 12 – Estrutura do Sistema DNS
Adaptado pelo autor.
Fonte: Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN).
96
Com a rápida expansão da internet, foram criados domínios geográficos ou
domínios de topo de código de país94 (ccTLD). Gerenciados por agências não-
governamentais, regulam o registro de nomes de domínio DNS, a alocação de endereços
IP, e administram a infraestrutura e o domínio de primeiro nível da sua zona internet
(rede).
Há um zoneamento digital (territórios digitais) na internet com faixas de
endereços IP que cada país recebe para administrar. Assim, é possível saber através do IP
a qual país (e local) corresponde a conexão95 de um determinado dispositivo/sitio.
Diante de tais considerações, conclui-se que em termos gerais, mas também
geográficos, temos uma estrutura cartográfica virtual que identifica o
equipamento/usuário por IP (único na rede) associado à uma zona de rede internet
(território digital), correspondente a um determinado território (no espaço concreto)96.
Embora as relações e lógicas espaciais entre as cartografia eletrônica virtual e
a cartográfica matematizada sejam assimétricas, observam-se algumas simetrias
estruturais, pois, como as ações humanas se dão nos territórios, as estruturas físicas e a
cartografia de endereçamentos construídos por ambas, embora não intencionais, indicam
claramente que elas simbióticas, sendo possível a localização física aproximada do local
onde ocorreu um acesso à internet, ou de um evento/ação na sua estrutura lógica e
cartográfica da rede. Com as tecnologias móveis associada às geotecnologias esta
localização tornou-se precisa.
Em síntese, denota-se que estas duas perspectivas cartográficas são simbióticas
e nada mais são do que uma atualização/reestruturação de um processo comunicativo e de
apropriação do espaço geográfico. Uma, da ordem do concreto, a outra do abstrato no
abstrato que implica em virtualização, todavia, ambas partem de um mesmo sistema.
Como exemplo, as zonas de endereços IP assemelham-se aos códigos de área de Discagem
Direta à Distância (DDD) utilizados na telefonia fixa e móvel.
94 Geralmente, cada país tem um domínio de topo (regulamentado e gerido por um organismo não governamental)
com uma nomenclatura que identifica a sua estrutura de internet (servidores), que gerencia a rede em seu território.
Como exemplo, no Brasil é .br, no México é .mx. A única exceção são os Estados Unidos da América que
normalmente desde os princípios da internet comercial utilizam domínios de topo genérico .gov, .mil, .org para
seus órgãos e instituições governamentais, e .com, etc. para domínios comerciais registrados naquele país.
Entretanto, o registro de um domínio em um país não impõe que a máquina (servidor) fisicamente esteja localizada
naquele território. 95 Embora em termos práticos uma conexão IP possa ser mascarada dinamicamente o que dificulta sua localização. 96 Porém, este zoneamento à princípio não garante precisão locacional, em função do tipo de conexão, se por fibra,
enlace de satélite, via rádio, etc., e/ou do operador de internet que fornece o IP.
97
Nas grandes áreas urbanizadas as faixas de IP são intencionalmente
segmentadas pelas empresas provedoras de acesso à internet, de tal forma, que o nível de
refinamento se assemelha a um Código de Endereçamento Postal (CEP), permitindo
codificar hierarquicamente cidades, bairros, quadras e ruas, garantindo uma relativa
precisão locacional de usuários e dispositivos.
Temos uma geocodificação que converte esta cartografia eletrônica em
coordenadas utilizadas pela cartografia matematizada/digital nos territórios. Este arranjo,
implica no entendimento de que embora na internet tenhamos uma cartografia eletrônica
virtual, sua estrutura fluídica e eletrônica que se dissemina sobre os territórios através de
nós de conexão (rizoma), permitem uma sinergia com as estruturas físicas codificadas pela
cartografia matematizada.
São modos cartográficos assimétricos que procedem de modo simétrico a uma
racionalidade técnica atuando sobre a produção do espaço. Simetria não enquanto
construção matemática perfeita ou quase perfeita, mas sim, do ponto de vista político
enquanto simetria estrutural, não necessariamente formal, porque ela impõe negociações,
agenciamentos e pontos de fuga (DELEUZE, 1988; DELEUZE e GUATTARI, 1997),
relações de saber e poder (FOUCAULT, 1979), territorialização e desterritorialização
(HAESBAERT, 2007).
Um objeto técnico que sinaliza a gênese desta cartografia eletrônica nas redes,
respondendo no plano da ação concreta é a mensagem eletrônica97 que substitui o sistema
de postagens tradicional. Um não elimina o outro, mas melhora a precisão, o controle e a
velocidade sobre o comando das ações no território, ou seja, o e-mail assegurou uma quase
instantaneidade sobre o controle e a sincronicidade do tempo-espaço no mundo das
relações pessoais e econômicas. Além de estabelecer marcadores abstratos numa
cartografia abstrata e sutil.
Assim, temos uma relação cartográfica virtual que se manifesta através de uma
ação humana no espaço concreto. Nesta relação, são incorporados novos elementos e ao
raciocínio geográfico e consequentemente ao pensamento espacial – na perspectiva do
NRC (2006), pois, implica em um processo cognitivo de compreensão de conceitos
97 Aqui refere-se ao e-mail, mas, a mensagem eletrônica diz respeito também à uma série de aplicativos e
tecnologias de comunicação eletrônica a exemplo das redes sociais diversas.
98
espaciais e de raciocínio espacial referentes à dimensão ubíqua dos lugares nas redes de
Cibercultura.
Compreender, relacionar, explicar e interpretar, por exemplo, onde estão as
informações/informação geográfica na rede (nuvem, sítio, mapa online, rede social, e-
mail, dado de um sensor remoto, etc.), implica em um processo de raciocínio espacial para
a compreensão de marcadores e coordenadas abstratas, estas completamente diferentes
daquelas utilizadas no espaço absoluto, por exemplo, da ação de ir aos correios ou esperar
a correspondência, que chega com a informação.
O sistema de correios tradicional pertence a esta ordem convencional, ao passo
que o correio eletrônico e as formas de comunicação que posteriormente o superam – a
exemplo das redes sociais –, encarnam a gênese deste conjunto de aportes que a
cartografia em rede (online, eletrônica, virtual, etc.) traz para o bojo do fazer cartográfico
(em termos teóricos e práticos) revelada através de uma lógica assimétrica, rizomática e
relativa.
Compreendemos que no correio eletrônico a mensagem não precisa do
intermediário (portador), ela é endereçada pelo remetente a um destinatário em um sistema
de coordenadas de uma cartografia eletrônica virtual abstrata, relativa98 e ubíqua -
(WEISER, 1993), que virtualmente, através de software e rede, estrutura um sistema de
localização preciso com endereçamento absoluto num espaço virtualizado, cujo lugar de
acesso à mensagem é relativo no espaço concreto.
Seu escopo permeia uma outra construção espacial e cartográfica que demanda
a ordem da complexidade: apelido (nickname), @ (em/no = endereçado a), identificador
de domínio de nível mais baixo (servidor), identificador de domínio de segundo nível
(finalidade), domínio de topo (país)99.
Como exemplo, o endereço: [email protected] localiza o domínio
(servidor) deste destinatário, para onde uma dada informação (mensagem) flui numa
espacialidade cartográfica, relacional, relativa, absoluta e “não física”.
98 Para onde todos os tempo-espaço dos homens em suas práticas cotidianas convergem. 99 Quando aplicável. 100 Um usuário tese, do domínio mapasonline, de fins educacionais, com domínio de topo atrelado ao Brasil. Isto
necessariamente não impede que fisicamente este servidor esteja localizado num outro país através de
redirecionamento do protocolo IP.
99
É relativa e relacional porque estabelece outras métricas e adiciona ao
pensamento espacial, uma percepção das espacialidades e territorialidades completamente
diferente daqueles baseados em marcadores da paisagem geográfica, mas sim, num
modelo mental pessoal, baseado em endereços e zonas IP ou construções abstratas que
lhes são particulares.
O destinatário não mais se dirige a um local para encontrar a informação
fisicamente, ela a acessa remotamente de qualquer lugar passível de haver uma conexão,
um nó, nesta intrincada e complexa rede virtual, ubíqua, que tal qual um rizoma, envolve
eletrônica e cartograficamente o planeta.
Para Levy (2000), passamos da noção de canal e de rede, os veículos da
informação não estão mais no espaço, há uma revolução topológica, todo o espaço torna-
se um canal interativo.
Compreendemos, que nesta perspectiva, o planeta, nada mais é que um mapa
online abrigando outros mapas possíveis, tal qual um rizoma, na possibilidade de vir a se
constituir, permeando outras espacialidades e sistemas de coordenadas (endereço
eletrônico e protocolo internet – IP) que se referem a outras territorialidades digitais em
seu interior e exterior.
Embora em determinada coordenada do espaço geográfico (território) exista
fisicamente uma máquina (servidor) armazenando esta informação, não importa se ela está
ao seu lado ou a milhares de quilômetros de distância, pois, a mensagem estará onipresente
em qualquer ponto de acesso.
Sua identificação IP e seu nome de domínio podem estar associados a zonas
de regulamentação internet de um determinado país, e, o servidor (concreto) localizado
em outro. Nesta ubiquidade cartográfica que aqui se apresenta, o que importa é a ação
humana no espaço concreto, quando o usuário imprime um ato, por isto, ela também é
absoluta e cartografável convencionalmente nos dois sentidos: seja onde está localizado o
servidor com a mensagem ou o local/lugar em que destinatário a visualiza e o tipo de
dispositivo que utiliza.
Isto denota os princípios uma cartografia, relativa e assimétrica que se projeta
eletronicamente no espaço geográfico cuja representação espacial, nada mais é que a
espacialidade de um mapa ubíquo, global e “desprovido” a princípio de um suporte
concreto, fluido, agora virtual, porém, com manifestações que se materializam através dos
100
atos e ações humanas no lugar ou no território através do(s) comando(s)101 que a
mensagem/informação (geográfica) porta.
Cartografia eletrônica virtual que envolve o planeta e se coloca como rizoma
numa dimensão imanente para que outros nós (mapas online) se utilizando da informação
geográfica (instantânea) criem suas ramificações e interações em meio a uma computação
ubíqua de objetos técnicos, geotecnologias, interação humana, sistemas autônomos e
fenômenos da natureza. Para Latour (1994), estas relações entre os homens e as máquinas,
tal qual natureza e cultura, provam que os espaços nunca foram puros, vivenciamos o
híbrido.
Adentramos em uma lógica rizomática (DELEUZE e GUATTARI, 1997) e
relativa que remete ao estabelecimento de uma ontologia/epistemologia geográfica para
uma Cartográfica Geográfica (em movimento) que possibilite uma construção capaz de
acompanhar este continuum de inovação e transformação provocado pela técnica atuando
em seu próprio aperfeiçoamento, diante de relações dinâmicas e fluidas (PRIGOGINE,
1996; BAUMAN, 2014) que marcam cada vez mais as ações humanas sobre as redes e as
espacialidades.
Esta cartografia eletrônica virtual que sustenta a infraestrutura lógica das redes
de Cibercultura, territorializa a vida e as ações humanas nas redes, com sérios reflexos
sobre a apropriação e produção do espaço, pois esta, sendo composta por territórios
digitais (a começar pela nomenclatura dos endereços de internet e classificação dos IPs ),
possibilita a criação de filtros que autorizam/negam o acesso à informação em diversos
níveis e determinadas faixas de IP, ou controlam a navegação plena102 dos usuários na
rede, tornando sítios e plataformas invisíveis, inacessíveis, ou inalcançáveis num
determinado país/território através de uma simples linha de comando de programação no
arquivo da tabela de DNS local (ccTLD), por exemplo.
101 Comando no sentido de constituir-se por exemplo: uma notícia familiar, uma ordem empresarial, um ato a ser
executado, uma lei, dados de um estudo, etc. 102 Sem restrições.
101
Assim, os conflitos locais (figura 13)103, a geopolítica e a guerra cibernética
(figura 14)104, algumas relações de inclusão e exclusão que se apresentam em todas as
suas nuances no cotidiano, adentram nas territorialidades digitais (no contexto de
território usado), podendo serem cartografados através da rede.
Em nível teórico/prático permitem a abertura da Cartografia em direção à
virtualização, ao mesmo tempo estabelece os princípios fundamentais de uma Cartografia
Geográfica (em movimento), todavia, não se restringe ao campo da Geografia, nem
tampouco da Cartografia.
Figura 13 – Restrições a redes sociais – Conflito eleitoral - Argélia
Fonte: Netblocks.org
Adaptado pelo autor.
Com base em tal análise, compreendemos que há uma simetria estrutural entre
“estas cartografias”105 diante de um processo de ruptura ou fragmentação da cartografia
convencional, em meio a uma reconfiguração de espacialidades onde a ciência, a técnica
e a informação geográfica (em especial, a instantânea) assumem posto central.
103 Interrupções na Internet ocorreram em bairros e locais específicos de Argel (Capital da Argélia) em 08/08/2019,
quando uma aliança de grupos políticos de oposição ao governo local, pediu à população através das redes sociais
que manifestações fossem realizadas em algumas ruas e transmitidas via internet após as orações de 08/08/2019,
devido a retirada de vários partidos e candidatos opositores das eleições presidenciais programadas para 18 de
abril de 2019. 104 Mapa online dinâmico e em tempo real que apresenta diversos tipos de ataques cibernéticos entre provedores
(ISP) de países e empresas de tecnologias em 25/12/2015 às 15h:06m:12s (horário de Brasília). 105 No sentido de que estamos tratando de uma única cartografia que emerge renovada no ambiente das redes. Ela
é um movimento, não uma dicotomia. Esta aqui utilizada como metáfora conforme já explicado anteriormente.
102
Os elementos estruturantes do paradigma cartográfico convencional se fundam
em referências espaciais concretas e absolutas da paisagem geográfica e das
territorialidades. Suas abstrações se remetem a ações no espaço absoluto, rígido e
estruturalista em suas normas cartesianas, nunca relativo.
Figura 14 – Mapa de ataques cibernéticos entre ISP de países e empresas de tecnologia.
Fonte: Mapa online em tempo real da NORSE em: https://norse-corp.com/map/#. Acessado em 25/12/2015
às 15h:06m:12s (horário de Brasília).
Entretanto, estas cartografias não competem entre si, sinergicamente co-constituem
um movimento de ressignificação, reconfiguração e transformação diante as demandas da
sociedade, ancorando a emergência e consolidação desta Cartografia Geográfica. A figura
15 apresenta marcadores e referências utilizadas nas práticas espaciais da cartografia
eletrônica e da cartografia convencional, que em termos subjetivos denotam estas lógicas
espaciais concreta e abstrata.
Se de um lado a cartografia convencional tem seu pilar nos sistemas de
coordenadas geográficas (concepção abstrata para o espaço concreto e absoluto), do outro,
a cartografia virtualizada online está fundada nos endereços IP (coordenadas abstratas
passiveis de conversão a absolutas em um espaço abstrato, virtualizado, dinâmico e
rizomático, com raciocínios abstratos para ações relativas), moldando as redes de
comunicação e informação.
103
Figura 15 - Marcadores das cartografias: virtual (relativa) x convencional (absoluta)
Organização: o autor.
104
Esta cartografia é da ordem dos fluxos, do que está sempre em aberto, uma estrutura
rizomática de múltiplas perspectivas com modos de usos, de entradas ou de saídas que nos
remetem a complexidade e a multiplicidade de um espaço cada vem mais tecnificado e
artificializado.
A cartografia virtual, exemplificada pelo correio eletrônico (e-mail) – e aqui
tomado com um serviço básico da internet que fundamenta nossa reflexão teórica –,
desestabiliza e fragmenta os centros de controle e de poder da sociedade industrial,
impondo à princípio uma horizontalidade sobre a verticalidade de quem domina e porta a
informação geográfica (instantânea) na sociedade informacional.
O correio eletrônico em sua dinamicidade e ubiquidade espacial acelera o comando
das ações à distância comprimindo o tempo que se dobra ao espaço. Entretanto, as
condições técnicas, quando da sua popularização, não permitiam uma sincronicidade do
tempo, ainda era necessário dirigir-se até uma máquina conectada fisicamente à internet.
A sincronicidade é condição necessária para correlacionar o comando sobre as
ações dos homens e dos objetos técnicos no espaço, o que há é uma “convergência dos
momentos” conforme assinalado por Santos (1996, p.157), porém, não se trata do mesmo
aspecto. Como técnica de comunicação o e-mail, revelou-se eficaz, mas não reuniu os
elementos para um controle preciso do tempo (sincronicidade) em meio a instantaneidade
da informação como fazem as redes sociais na contemporaneidade.
Como analisaremos mais à frente, a sincronicidade é condição imprescindível para
uma construção cartográfica dinâmica e síncrona, característica intrínseca das
geotecnologias e da computação móvel enquanto parte deste movimento de
reconfiguração espacial, do qual emerge a cartografia nos moldes aqui defendida.
O caractere que queremos assinalar neste processo, é que sob o ponto de vista
eletrônico e da efetividade das ações humanas sobre a rede (para além do ciberespaço),
esta cartografia envolve o planeta num imenso globo e/ou mapa virtualizado em três
dimensões (3D).
No plano cartográfico inúmeras são as transformações que consol idam esta
Cartografia Geográfica que emerge das redes informacionais, inaugurando novas
espacialidades e territorialidades virtualizadas com profundas implicações no espaço
absoluto a partir da captura da informação geográfica em tempo real, do poder de
105
processamento e penetração social da computação móvel, e da ubiquidade de objetos
técnicos especializados conectados às redes telemáticas, em especial a internet.
A Internet com suas redes de Cibercultura, ao estabelecer um espaço global
interconectado impactou diretamente as relações humanas, institucionais e comerciais
como nenhuma outra técnica ou conjunto de técnicas anteriores. A figura 16 apresenta o
acelerado número de usuários de internet e da sua aceitação num período de apenas cinco
anos.
As consequência deste processo são apresentadas por diversos autores ao
analisarem as mudanças ocorridas na sociedade frente aos: impactos de uma vida digital
(NEGROPONTE, 1995); das implicações econômicas, sociais, culturais e políticas de uma
sociedade informacional (CASTELLS, 1999); da cibercultura, conduzida pelas
tecnologias da inteligência alterando as relações de saber e poder (LÉVY, 2000; 2001);
ou, das relações econômicas e as mudanças no mundo do trabalho com o desemprego
estrutural provocado pela automação em decorrência de uma revolução técnico-científica
(SCHAFF, 1990).
106
Figura 16 - Evolução do número de usuários internet no mundo entre os anos 1995 e 2000.
Fonte: IDC (2000); ITU (2018)
Organização: o autor
107
3. GEOTECNOLOGIAS E INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA
Neste capítulo analisamos como a convergência tecnológica entre as
geotecnologias, dispositivos móveis, as tecnologias de informação e da comunicação e
objetos técnicos especializados, articulam uma computação ubíqua, que possibilita através
das redes telemáticas106 e das redes da Cibercultura a disseminação de informação
geográfica instantânea, base para a elaboração de mapas online. Apresenta como os mapas
online suportados pelas geotecnologias e a informação geográfica (instantânea) alteram a
forma como individualmente e coletivamente nos comunicamos, produzimos e nos
apropriamos de parcelas do espaço (territórios).
3.1 Convergência tecnológica, eficiência energética e computação móvel
A primeira década dos anos 2000 consolida uma computação ubíqua com a
disseminação de dispositivos móveis de uso pessoal - em especial os telefones inteligentes
(smartphones)107 -, que expandem o uso das tecnologias de informação e comunicação
para além dos ambientes empresariais e do reduzido número de domicílios conectados,
alçando a computação ao nível individual, ou seja, do indivíduo em rede a todo momento
e em qualquer lugar, desobrigando-o da necessidade de estar preso a um equipamento
numa mesa ou a uma conexão fixa.
A figura 17, demonstra que embora o crescimento de usuários na internet e de sua
penetrabilidade na sociedade tenha sido acelerado, saltando de 16 para 361 milhões de
usuários entre os anos 1995 e 2000, percentualmente esta relação corresponde a apenas
5,87% da população mundial com acesso a rede.
Com a computação móvel – baseada em telefones inteligentes108, tabletes
(tablets)109 e notebooks, num período de dez anos este acesso salta para 28,33% em 2010,
e atinge 54,40% em 2017. Se por um lado isto revela significativa parcela da população
106 As redes telemáticas constituem um conjunto de serviços fornecidos pelas redes de telecomunicações. 107 Telefones inteligentes ou smartphones, são telefones celulares com capacidade de conexão à rede de dados
móveis objetivando acesso à internet, possuem uma gama de sensores e hardwares embarcados (a exemplo de:
giroscópios, receptores GPS, acelerômetros, câmeras, amplificadores e som, etc.). Devido ao seu poder de
processamento (alguns semelhantes à computadores pessoais de mesa), são capazes de executar uma infinidade de
funcionalidades, devido à softwares (aplicativos) instalados sob demanda pelo usuário. 108 Lançados comercialmente a partir de 2007 pela Apple Computer Inc. e em seguida por outras empresas de
tecnologia. Também denominados de smartphones. 109 Na grafia inglesa e mais comumente utilizada.
108
planetária sem acesso a rede, por outro, demonstra o grau de utilização das tecnologias
móveis numa escala pessoal e universal sem precedente anterior.
Responsáveis por capitanear esta penetrabilidade da rede entre todos os
estratos sociais, os smartphones, alçaram a computação ao nível do indivíduo online, ao
mesmo tempo, assumiram a polarização tecnológica que entre meados das décadas de
1980 e 2000 foi conduzida pelo computador pessoal (desktop). A figura 18 explicita
claramente esta mudança de comportamento e de penetrabilidade da rede, quando no ano
de 2010, o número de assinantes ativos de banda larga via telefonia móvel supera pela
primeira vez o número daqueles que o fazem através de banda larga fixa.
Esta mobilidade advinda do aumento da capacidade de processamento do
hardware, e da eficiência energética dos dispositivos móveis ou fixos conectados em rede,
é resultado da convergência tecnológica e da miniaturização em larga escala de
componentes, hardwares e interfaces de comunicação moderna, sistemas micro
eletromecânicos (MEMS - Microelectronic and Microelectromechanical Systems)110,
além de softwares (aplicativos e sistemas baseados em inteligência artificial) (GABRIEL,
JARVIS et al., 1988; GAD EL HAK, 2006).
110 Os MEMS são máquinas micro-eletro-mecânicas que fazem parte de um conjunto de tecnologias microscópicas
que englobam os sistemas nano-eletromecânicos e nanotecnologias. Seus componentes são construídos numa
escala da ordem entre 1 e 150 µm (micrometros), compostos um microprocessador (responsável por processar
dados e gerenciar informações) e partes mecânicas, eletromecânicas e sensores que interagem com o ambiente.
Construídos com diversos materiais (silício, metais, polímeros e cerâmicas) através de processo eletrônico ou
litografia, o consumo de energia de alguns componentes é “desprezível”, da ordem de 3.0kV, outros funcionam
com o próprio magnetismo e energia estática do ambiente. Ver: (GABRIEL, JARVIS et al., 1988) e (GAD EL
HAK, 2006), em especial partes (tomo) 1-1 a 6-1.
109
Figura 17 - Relação usuários de internet x população mundial.
Fonte: Estimativas da população mundial referente aos anos 1995 a 2017 – (UNDESA, 2017). Dados de usuários internet entre os anos 1995 a 2017 – (ITU, 2017a; b).
Elaboração: o autor
110
Figura 18 - Principais indicadores de TIC por regiões (totais e taxas de penetração).
Fonte: (ITU, 2017b). As informações referentes ao ano 2017 foram estimados pela fonte.
Elaboração: o autor
111
A figura 19, apresenta exemplos desta miniaturização de equipamentos, da
eficiência energética e da convergência de tecnologias que permitem o desenvolvimento
de uma infinidade de dispositivos eletrônicos e aplicações conectados em rede, capazes
de prover informação geográfica instantânea.
A sinergia e interdependência entre diversas áreas do conhecimento,
desenvolveu um conjunto articulado e diverso de objetos técnicos especializados,
eficientes e sutis que são incorporados a diversas plataformas técnicas operacionais e
conectados em rede.
Este continuum de inovação caracterizado pela integração ou incorporação de
diversas tecnologias, ocorre com o computador, o desenvolvimento da internet, da
computação móvel, de objetos técnicos especializados e softwares embarcados. Também
envolve um arcabouço de tecnologias advindas da: Geografia, Cartografia, Sensoriamento
Remoto, Sistemas de Navegação Global por Satélite (GNSS)111, etc., os quais, assumem
lugar “central” neste movimento, pois, atuando sinergicamente através de dispositivos e
sistemas embarcados, são capazes de prover e/ou coletar/monitorar/mapear/analisar
espacialmente informação geográfica associada a um par de coordenadas espaciais.
111 Global Navigation Satellite System (Sistemas de Navegação Global por Satélite). Entrelaçamento dos Sistemas
de Posição Global: GPS, GLONASS, GALILEO e BEIDOU (Compass), que adotado em receptores e sistemas de
posicionamento, melhoram a geometria e a disponibilidade de sinal, aumentando a confiabilidade e a precisão no
levantamento de coordenadas e dados espaciais.
112
Figura 19 - Eficiência energética (a), Convergência tecnológica (b) e Miniaturização (c).
Elaboração: o autor
As imagens em (a) são creditadas à Universidade Carnegie Mellon em: www.andrew.cmu.edu, em (c) a imagem do giroscópio MEMS são de um smartphone (Iphone) e são
creditadas à chipworks.
113
3.2 Geotecnologias, objetos técnicos especializados e acurácia
O embarque de inúmeras geotecnologias – em especial sensores de localização
e giroscópios – em inúmeros objetos técnicos especializados conectados em rede (online),
expandiu a capacidade da rede internet de prover informação geográfica instantânea.
São exemplos de objetos técnicos especializados com geotecnologias
embarcadas, aqueles de uso civil ou militar, de uso individual ou coletivo, operados de
forma manual, remota ou automaticamente por humanos ou softwares, quer sejam
dispositivos móveis, câmeras em geral, armamentos, sistemas autônomos ou
semiautônomos de uso terrestre, aéreo, marítimo ou espacial, sensores e micro sensores,
que gerenciados por intermédio de aplicativos instalados nestes equipamentos tem a
capacidade de conexão com as diversas redes, em especial, com a internet, seja de forma
direta ou indireta (telefonia/satélite/rede privada).
Estes dispositivos, são capazes segundo suas especialidades e finalidades, de
prover, processar ou analisar informação geográfica instantânea dotada de coordenadas
espaciais sobre o comportamento (no tempo-espaço) de qualquer processo ou fenômeno
passível de ser capturado pelos mais diversos instrumentos de monitoramento em um dado
território (inclusive os digitais).
Estes objetos técnicos especializados, impelidos pela ação humana em sua
apropriação do espaço geográfico, incorporam ou portam em si mesmo a potência
rizomática, a capacidade técnica de constituir, ampliar ou utilizar a sensibilidade de uma
cartografia online através de redes de informação geográfica instantânea.
Revela-se uma multiplicidade ou possibilidades de análises e entrelaçamentos
– segundo as necessidades e o poder de quem controla (filtros) ou tem acesso à estas redes
de informação geográfica instantânea –, possibilitando tecnicamente a elaboração de
mapas online, dinâmicos, interativos e fluídos através das redes.
As geotecnologias, constituem os elementos estruturantes desta transformação
tecnológica e cartográfica, deste processo centrado na informação geográfica instantânea
que constitui o cerne de uma economia informacional, conforme demonstra Castells
(1999), e simultaneamente de um capitalismo de vigilância (ZUBOFF, 2019).
Em nossa análise, o cerne deste processo se dá com a abertura do Sistema de
Posicionamento Global GPS/NAVSTAR para uso civil, e posteriormente, com a
114
incorporação entre a primeira e meados da segunda década dos anos 2000 dos sistemas
GLONASS, GALILEO e BEIDOU (COMPASS), originando a constelação GNSS. Isto
proporcionou a sociedade em geral, especialmente as coletividades e individualidades
engajadas na coleta de dados geográficos, a produção e disseminação instantânea de
informação geográfica georreferenciada em função do desenvolvimento de receptores e
navegadores GPS.
A miniaturização e incorporação destes numa miríade de objetos técnicos
especializados, e associados a uma infinidade de sensores e biossensores112: de
temperatura, de pressão atmosférica, giroscópios, acelerômetros, ultrassom,
infravermelho, barômetros, higrômetros, etc. (GABRIEL, JARVIS et al., 1988; KRAAK
e VAN DRIEL, 1997; GAD EL HAK, 2006), permitiu a sinergia e interoperabilidade
técnica necessária para que as geotecnologias adentrassem ativamente numa vasta gama
de processos humanos permitindo assim sua popularização.
A contribuição mais importante para a consolidação e emergência desta
cartografia virtual em rede (online) que se estabelece no nível pessoal, coletivo e
instrumental (objetos técnicos) – atuando da microescala local às dimensões do global –,
decorre no nível básico, da associação entre endereço IP (acesso à internet) e da obtenção
de coordenadas geográficas (receptores GPS) integrados num único dispositivo.
Como todo aparelho conectado em rede possui um número IP associado a um
usuário ou objeto específico, é possível localizá-lo com relativa precisão, devido a
segmentação de faixas de endereço IP, mas não com exatidão (como já descrito
anteriormente). Com a miniaturização e a incorporação de receptores GPS aos dispositivos
eletrônicos, estes passam a receber e processar de modo contínuo as informações
referentes às coordenadas geográficas do seu local com precisão e exatidão.
Nas redes de telefonia celular, a precisão e exatidão é maior com o uso do
sistema A-GPS113 (GPS assistido) em função da triangulação de sinais entre bases fixas
112 Os biossensores eletrônicos diferente dos semicondutores inorgânicos (microchip/circuito integrado) são
construídos a partir de polímeros condutores, estes, base da eletrônica molecular ou orgânica, dando origem aos
transistores orgânicos de escala nanométrica utilizados na criação de uma gama de biossensores, a exemplo de
sensores biométricos, medidores de glicose, batimentos e frequência cardíaca, detectores de vírus por análise de
DNA, medidores de fluxo sanguíneo, etc. 113 A diferença entre o sistema GPS e o A-GPS é que este último utiliza um sinal de correção emitido pelas antenas
de telefonia celular. Nestas antenas existem estações rádio base interligadas a servidores que conhecem as
coordenadas geográficas do local da antena, estas são calculadas previamente com acurácia quando ocorre a
instalação do serviço de telefonia móvel. Receptores GPS e sistemas são instalados nestas bases para receberem
se atrasos os sinais com as informações sobre a localização da constelação de satélites disponíveis no céu
(almanaque) e das coordenadas do local onde se encontra a antena. Porém, este sinal recebido é fragmentado e/ou
115
(com servidores) instalados nas torres de transmissão numa área de cobertura – que
recebem continuamente as informações sobre órbita e localização dos satélites sem
atrasos.
Os servidores comparam estes sinais com os recebidos pelo receptor GPS,
realizando um pré-processamento em relação àqueles conhecidos por suas bases (que
possuem coordenadas com acurácia e precisão) e os retransmite de volta para a(s)
antena(s).
Com estas informações, o software que gerencia o receptor A-GPS do celular
do usuário realiza apenas alguns cálculos de triangulação em relação a(s) antena(s)
móveis, obtendo suas coordenadas rapidamente. Quando realizada exclusivamente pelo
aparelho celular, torna-se tecnicamente uma operação lenta (milésimos de
segundos/segundo), devido as condições atmosféricas e obstáculos da paisagem
interferirem no tempo de sincronismo de sinais com os satélites em órbita. A figura 20
ilustra o funcionamento dos dois modos de operação.
A junção destes dois elementos – IP e coordenadas (marcadores básicos e
abstratos que integram os raciocínios cartográficos convencional e o eletrônico nas redes,
enquanto pensamento espacial), permitem o envio desta informação geográfica associada
a quaisquer outra gerada ou recebida por este dispositivo. Incorpora-se a este esquema um
terceiro e quarto constituintes da informação geográfica – antes opcionais –, que são as
dimensões tempo e altitude oriundos dos receptores GPS.
degradado (sinal de portadora L1) não possuindo acurácia. A base realiza continuamente um pré-processamento
entre a coordenada conhecida (com acurácia) e aquela obtida pelo receptor GPS (sinal degradado) gerando uma
coordenada (sinal de correção) que é retransmitido para a(s) antena(s) de telefonia móvel de sua área de cobertura,
e estas, as retransmite para os telefones celulares dos usuários que realizam simples cálculos de triangulação de
sinais, obtendo coordenadas com maior rapidez e precisão. Quando se utiliza apenas o GPS do telefone do usuário
para obter as coordenadas geográficas, este processo é mais lento e de menor precisão espacial, pois, este pode
levar de 1 segundo a alguns minutos para obter as coordenadas em função de interferências tais como: edifícios,
árvores, e fenômenos atmosféricos. Esta técnica é semelhante aos princípios básicos de funcionamento do GPS
Diferencial (Differential Global Positioning System - DGPS).
116
Figura 20 - Tipos de recepção GPS em redes móveis
Elaboração: o autor
117
3.3 Informação geográfica instantânea: uma onipresença cartográfica e posicional
Com a computação móvel e ubíqua, a identificação, localização e
monitoramento ao nível do indivíduo ou de qualquer objeto tornou-se ação comum, pois,
nestas redes têm-se à disposição: o endereço IP, as coordenadas geográficas, o número da
linha/chip celular (associado à um usuário), o endereço de e-mail – geralmente associado
a um perfil pessoal114 de ingresso nas redes sociais ou em sistemas de distribuição de
aplicativos para celulares.
Compreendemos que a computação móvel e as geotecnologias embarcadas em
objetos técnicos especializados, potencializam o fim da privacidade individual (ZUBOFF,
2019) com a geração de informação geográfica instantânea.
Identificar e cartografar certas ações e atividades dos indivíduos ou de objetos
técnicos no cotidiano tornou-se uma tarefa relativamente simples e corriqueira para
operadoras de telecomunicações, empresas de tecnologia, agentes detentores de
conhecimento técnico especializado, o Estado, e por vezes, alguns indivíduos com o
conhecimento técnico especializado.
Como exemplo, os telefones celulares inteligentes (smartphones) e tablets, ao
incorporarem receptores GPS e/ou A-GPS, e sendo portadores de câmeras, giroscópios,
acelerômetros e conexão em rede (online), alçam as possibilidades de mapeamento e
detalhamento da informação geográfica instantânea a um grau de possibilidades múltiplas.
As fotografias e vídeos oriundos destes dispositivos, passam a serem geocodificados ou
geoidentificados (geotagging)115.
Simultaneamente, torna-se possível com acelerômetros e giroscópios elaborar
um mapa online que possa: identificar o movimento do usuário; a inclinação do
equipamento; a orientação automática de um mapa ou imagem num visor ou tela;
desenvolver softwares para agirem como bússolas digitais e sistemas inerciais de
navegação, indicando direção, inclinação e ângulos; calcular aceleração, ou mapear as
formas de circulação e os espaços pelos quais o usuário transita e interage com os objetos
e as coisas dispostas nos territórios (A figura 21 apresenta este argumento).
114 Ou relacionado à uma empresa ou instituição de pesquisa, etc. 115 Geotagging ou geoidentificação é uma técnica utilizada para adicionar informação geográfica - normalmente
latitude e longitude - em fotografias, vídeos, mensagens SMS, websites, códigos QR, etc. A depender do software
(aplicativo) utilizado e dos sensores embutidos no equipamento gerador pode armazenar também dados de:
altitude, rumo, distância, precisão, data, hora, tipo de sensor, etc.
118
Figura 21 – Google Maps – Mapa (online) de realidade argumentada
Fonte: Bastone, (2019)
Organizado pelo autor.
a) b) c) d)
e) f) g)
119
Mais do que isto, a concretude da captura instantânea de uma série de
parâmetros relacionados a velocidade e deslocamento, facultou o aperfeiçoamento de
controle do tempo através de previsibilidade em tempo real da dinâmica de mobilidade,
de interação e das inter-relações estabelecidas no tempo-espaço entre as ações humanas,
os objetos técnicos e as coisas.
Os mapas online, ao proporcionarem uma tutoria de deslocamento espacial
através de sensores e aplicativos embarcados, alteram substancialmente o raciocínio
geográfico e a forma como os indivíduos e as coletividades percebem, compreendem e
produzem o mundo na contemporaneidade, portanto, nos referimos à uma mudança no
pensamento espacial. Inúmeras são as tecnologias cartográficas interativas, assistivas ou
eletrônicas conduzindo ou orientando pessoas entre as múltiplas territorialidades das
cidades e dos lugares.
O pensamento espacial requerer um raciocínio geográfico (NRC, 2006), uma
construção simbólica que orienta nosso deslocar, nossa compreensão de mundo, de
território, de lugar, estabelecendo relações com nossas ações e atividades cotidianas.
O desenvolvimento de um raciocínio geográfico em sua dimensão plena116,
sempre se valeu de: marcadores espaciais (oficiais ou não); formas de orientação; e,
mensuração do espaço. Construídos empiricamente através dos sentidos humanos, da
observação da natureza, e de ordenações simbólicas da vida em sociedade, estes, são
atualizados ou gradativamente substituídos por técnicas e medidas mais precisas conforme
as normas ou propósitos de sociedade.
Este argumento não é novo, Dardel (2015, p. 11)117 afirma que a distância
geográfica não carece de medida objetiva ou de unidades pré-determinadas, assim:
Desde sua infância, nas primeiras civilizações, o homem se municia de marcadores
para se orientar: a casa da família, a torre da vila natal, uma colina, as árvores. À frente,
atrás, à direita, a esquerda, dentro, fora , tem um sentido concreto. Contudo não são
mais suficientes quando as relações inter-humanas exigem marcadores oficiais.
(DARDEL, 2015, p. 11, grifo do autor)
A necessidade de sistematizar direções, distâncias e unidades de medidas
padrão para atender diversos interesses socioeconômicos, empoderou o Estado e alguns
116 Como processo histórico abrangendo os primeiros grupos humanos e/ou a construção científica e escolar partir
do século XIX. 117 Publicado originalmente em 1956 sob o título: L’homme et la Terre: nature de lá reálité géographique, e
traduzida para o português a partir da edição francesa de 1990, da CTHS por Werther Holzer.
120
especialistas a partir da normatização oficial. No entanto, marginalizou118 outras
cartografias, arregimentando para si o monopólio da representação cartográfica
considerada válida, estabelecendo normas e padrões cartográficos hegemônicos a cada
momento em que as diversas sociedades reestruturaram seu próprio modo de produção.
Na contemporaneidade, estas construções espaciais vêm sendo reconfiguradas
ou “descontinuadas” rapidamente, em função de uma diversidade de ferramentas
tecnológicas aportadas por intermédio desta cartografia eletrônica virtual.
A questão que se coloca é que este “paradigma” cartográfico “tradicional” não
considera ou negligencia na atualidade o movimento, a instantaneidade da informação, a
relatividade espacial, o fluxo do material ou do imaterial – daquilo que não é palpável –,
mas que através das redes são cartografáveis, por vezes, produzindo ações visíveis no
espaço geográfico através de objetos técnicos dado o avanço das condições técnicas atuais.
A figura 22 apresenta uma checagem das atividades dos usuários conectados em rede
social com base no acesso à sua localização.
Esta mentalidade decorre de uma postura profundamente ligada a “rígidas”
estruturas seculares baseadas nas representações dos fixos, bem como, da reinvenção de
uma espacialidade a partir da normatização e controle de um espaço métrico e locacional
(SANTOS, D., 2002) do seu aprimoramento pelos Estados Modernos e das transformações
espaciais conduzidas pela sociedade industrial.
São concepções de mundo onde a eletricidade, a eletrônica e as comunicações
por eletromagnetismo seriam inimagináveis (MCLUHAN, 2016 [1964]). Portanto, estes
princípios fundamentais, resultantes do acúmulo de saberes históricos cujas características
desembocam na contemporaneidade, carecem da autocrítica e da necessidade de
incorporar o aparato tecnológico atual, evitando limitar as possibilidades de representação
e de análise realizadas pela Cartografia.
118 Marginalizar no sentido de exclusão, de serem colocados à margem, tornados opacos, ou privados do
reconhecimento de suas trajetórias históricas e de suas representações cartográficas frente a imperativos territoriais
de atores que estabelecem padrões ou convenções cartográficas em meio a ações políticas e de uma concepção de
espaço enquanto superfície a ser conquistada. Portanto, daquilo que não é dado como essencial ou parte de um
sistema de valores estabelecidos pela trajetória de determinado grupo social. Diferente disto seria relativizar toda
uma estratégia de poder e violência sobre povos e territórios, negar “um aparelho punitivo” conforme assinala
Foucault (1979; 1999) nos capítulos: poder-corpo e sobre a geografia e, no livro As palavras e as coisas
respectivamente.
121
Figura 22 – Atividade de usuários conectados em rede social – Rio de Janeiro 24/02/2012 a 02/03/2012.
Fonte: Williams (2012).
Adaptado pelo autor (tradução da legenda).
122
Cartograficamente, são exemplos práticos destas relações no tempo-espaço
onde a localização precisa e a previsibilidade de deslocamento que os navegadores GPS e
softwares embarcados numa variedade de dispositivos e veículos oferecem
instantaneamente, além de: roteirização e otimização de percursos; previsão de tempo de
viagem em função do movimento cinético em tempo real; dinâmica e fluxo de
deslocamentos em vias urbanas, etc. A figura 23, apresenta elementos concretos destas
tecnologias que se fazem presentes nas práticas espaciais cotidianas através do uso da
informação geográfica em mapas online.
Estes são aspectos que associam e se sobrepõem ao pensamento espacial, ou
seja, das tradicionais formas de orientação geográfica, deslocamento espacial e produção
cartográfica, alterando as práticas espaciais das coletividades e individualidades. Ao
mesmo tempo, mudam as relações de poder cartográfico ao capturar através de aplicativos
e dispositivos eletrônicos uma infinidade de informações pessoais, coletivas, de
fenômenos e de objetos técnicos especializados, que acabam por alimentar os bancos de
dados das grandes empresas de tecnologias, e por vezes, do próprio Estado enquanto
coadjuvante neste processo119. Para além desta relação, consolidou a importância da
informação geográfica instantânea como valor de uso, dado a magnitude que assume
frente a reprodução das relações sociais de produção.
A mobilidade informacional deu concretude à realização de uma detalhada
cartografia individual, não apenas em termos de localização por meio destes dispositivos,
mas sobretudo, das ações humanas em termos de atividades, hábitos e deslocamentos
cotidianos, a qualquer momento e lugar nos territórios e nas redes online (territórios
digitais).
São elementos empíricos destas possibilidades cartográficas as câmeras de
vídeo interligadas à sistemas de reconhecimento facial em prédio públicos e particulares,
empresas e sistemas de transportes (aeroportos, metrôs, rodoviárias) , que possuindo
localização geográfica, conhecida por endereço IP através das redes, ou sensores de
localização, contribuem para a elaboração e refinamento de uma onipresença eletrônica
(cartografia virtualizada) auxiliada por sistemas de monitoramento e vigilância, coletando
informações sobre a rotina e os deslocamentos no tempo e no espaço das coletividades e
individualidades, assinalando este caráter (in)voluntário sobre a geração e produção da
informação geográfica.
119 Questões que serão aprofundadas no item 2.3 e posteriormente nos capítulos 3 e 4.
123
Figura 23 – Aplicativos e softwares embarcados.
Fonte: Google, Waze
Organizado pelo autor.
124
Ao adentrarmos nesta seara, estamos falando também da dimensão humana,
social e cultural, da possibilidade de captura de detalhes até então inimagináveis das
práticas sociais, coletivas e individuais, que tecnicamente se manifestam através do que
se denomina conceitualmente de Internet das Coisas120 – proporcionada pela computação
ubíqua (WEISER, 1993) – e da capacidade de processamento de petabytes121 de dados
através da computação em nuvem (NIST, 2011), permitindo a análise e a tomada de
decisões com softwares de inteligência artificial e Sistemas de Informação Geográfica.
Trata-se, da possibilidade de analisar as interações entre humanos e objetos
técnicos, de mapear os usos e rotinas não apenas das ações políticas, sociais e econômicas,
mas do fim da privacidade em termos mais íntimos, a exemplo de saber quando, por quanto
tempo e com que finalidade uma lâmpada, um chuveiro, um eletrodoméstico foi acionado.
Ou ainda, de se saber ou predizer a existência numa localidade específica, de uma
epidemia, do aumento de consumo de um dado produto ou serviço, da realização e da
natureza de um evento, etc. Tudo isto, com base na análise de pesquisas realizadas por
usuários em mecanismos de busca, ou de acessos a sítios de comércio eletrônico. A
geolocalização através de análise e mapeamento do endereçamento IP destes indivíduos
ou quando possível através da captura da sua localização através de sensores, são
princípios básicos e elementares para tal capacidade técnica.
Em termos teóricos e práticos estes são alguns dos desafios que se descortinam
na atualidade para a Geografia e à Cartografia Geográfica que aqui se apresenta, quando
todos estes objetos técnicos “conversam” entre si e com softwares através das redes
eletrônicas, de forma contínua, provendo informações de sua posição, tempo de atividade,
vida útil, de interação remota com usuários, sistemas e máquinas através das redes sem
fio (Wi-Fi)122, por radiofrequência (RFID)123 ou telefonia.
Em meio a todas estas transformações e reconfigurações tecnológicas, a crítica
social consolida-se como questão central desta Cartografia Geográfica (em movimento)
dado a importância que as dimensões humana, social e cultural assumem neste cenário.
120 A Internet das Coisas (Internet of Things – IoT) é uma expansão da internet, constituindo uma rede de
equipamentos e objetos físicos com sensores embarcados, capacidade computacional e de comunicação, capazes
de transmitir e receber dados. São exemplos: lâmpadas, veículos, chuveiros, marcapassos, etc. 121 A menor unidade de informação em computação é o byte. Um petabyte é um múltiplo equivalente à um
quatrilhão de bytes (1015 = 1.000.000.000.000.000) ou 1.000 terabytes. 122 Wireless Fidelity (Fidelidade sem fio). 123 Radio-frequency identification (Identificação por Rádio Frequência).
125
Neste sentido, nos aproximamos do romance orweliano124 com o “Grande Irmão”
assistindo a tudo e à todos, ou de seu antagonista alduxiliano125 “Bernard Marx”
questionando o desenhar de uma sociedade ultra estruturada por intermédio dos
mecanismos de controle e poder proporcionados pela cibernética, do qual Wiener (1968,
p. 17) em sua Teoria da Cibernética postula que: “quando comando as ações de outra
pessoa comunico-lhe uma mensagem, e embora tal mensagem esteja no modo imperativo,
a técnica de comunicação não difere de uma mensagem de fato”.
Assim, a Cartografia como um todo é alçada a um patamar de possibilidades
cartográficas sobre a natureza, as coisas e todas as ações humanas e processos passíveis
de serem capturados através de sensores e sistemas. Dessa forma, o que antes não era
cartografável, agora tornou-se passível de ser, o que era tornado invisível é alçado ao
estado latente de emergir à visibilidade.
Portanto, a questão que se coloca não se restringe apenas à informação
geográfica relativa a um par de coordenadas cartesianas, mas, da sua captura em tempo
real e diuturnamente através de redes públicas ou privadas, segundo um dado conjunto de
normas, condições e autorizações concedidas de forma voluntária ou involuntária pelos
indivíduos e as coletividades.
Estes, ao utilizarem dos mais simples aos mais complexos dispositivos
eletrônicos – inclusive os de uso doméstico –, softwares e redes, autorizam direta ou
indiretamente a coleta e monitoramento de uma infinidade de informações geográficas.
Desde aquelas relacionadas aos dados de visitação a sítios na internet através de um
navegador, passando pelo deslocamento do usuário no tempo-espaço, das suas relações e
interações com os locais e localidades, dos softwares que utilizam, da posição do eixo
vertical e horizontal de um dado dispositivo móvel em relação a um sistema de
coordenadas coletadas por um giroscópio ou sistema inercial, ou ainda, da captura do
deslocamento, posição e clique realizado em um mouse e/ou do toque numa tela de
computador/smarthphone, sobre um hiperlink126 ou banner127, por exemplo.
124 Romance de conteúdo político e de ficção científica (ORWELL, 2009), onde no futuro, uma sociedade tirânica
e distópica é supervisionada pelo Grande Irmão que vigia a tudo e a todos através de teletelas. 125 Personagem criado pelo escritor Aldus Huxley no romance distópico “Admirável Mundo Novo” (HUXLEY,
2014) que questiona as contradições da sociedade onde vive e a estruturação rígida de suas castas. 126 Texto ou imagem associado à um endereço de internet (hiperlink) que redireciona o usuário para um
determinado sitio. 127 Imagens presentes em sítios e redes sociais utilizadas para veicular anúncios de eventos ou produtos. São
utilizados como hiperlink para as páginas dos anunciantes.
126
Compreendemos este momento como da concretude da cartografia virtual e
da emergência e consolidação da Cartografia Geográfica (em movimento) de
transformação. Subjacente a este processo encontra-se o elemento central de toda e
qualquer cartografia, os mapas online, em meio à uma abundância de informação
geográfica instantânea. Esta explosão informacional centrada na computação pessoal
móvel, em objetos técnicos especializados (on-line), e em geotecnologias, assinala, no
contexto proposto nesta pesquisa teórica a contribuição que os mapas online trazem para
a emergência e consolidação de uma Cartográfica Geográfica (em movimento) de
transformação que altera o saber e o fazer cartográfico.
Sinergicamente, os mapas online suportados por geotecnologias e informação
geográfica instantânea, tornam concreto não apenas a emergência desta cartografia, mas,
do estabelecimento em termos práticos de uma rede cartográfica eletrônica e rizomática,
que enquanto potência/possibilidade envolve o globo através de: dispositivos móveis e
fixos; de uma infinidade de sensores e biossensores; dos Sistemas de Navegação Global
por Satélite; de Sensoriamento Remoto; e, de comunicação via satélite, com uma série de
implicações sobre a forma como se dá a apropriação e produção do espaço geográfico.
3.4 Sincronicidade do tempo, informação geográfica e Mapa online
Dois aspectos são importantes para se compreender as transformações sociais
desta Cartografia Geográfica que emerge e se consolida na atualidade centrada nos mapas
on-line.
Primeiro, a sincronicidade (quase absoluta)128 do tempo na rede e no espaço
absoluto através de objetos técnicos, que permitem, não apenas conhecer o acontecer do
outro a qualquer momento ou instante, mas sobretudo, do ato remoto de imprimir
instantaneamente uma ação, conectando diferentes tempos-espaço, territorialidades e
contextos socioculturais diversos. E isto nos remete à categoria multiplicidade, como um
conjunto de inter-relações espaciais que se estabelecem a qualquer momento em meio a
esta sincronicidade eletrônica e cartográfica.
As implicações de uma “unicidade do tempo” ou “convergência dos
momentos” foram apontadas por Santos, M. (1996 p. 156-162), ao demonstrar como as
128 Da ordem de milésimos ou milionésimos de segundos
127
redes de comunicação e informação possibilitam conhecermos instantaneamente os
eventos distantes; de um espaço que torna-se complexo e denso; da seletividade realizada
pelo “comando da distância”, ou ainda de um “espaço da conectividade”129. Em sua
elaboração teórica o autor assinala em termos gerais:
Os progressos técnicos que, por intermédio dos satélites, permitem a fotografia
do planeta, permitem-nos, também, uma visão empírica da totalidade dos
objetos instalados na face da Terra. Como as fotografias se sucedem em
intervalos regulares, obtemos, assim, um retrato da própria evolução do
processo de ocupação da crosta terrestre. A simultaneidade retratada é fato
verdadeiramente novo e revolucionário para o conhecimento do real e, também,
para o correspondente enfoque das ciências do homem, alterando-lhes, assim,
os paradigmas (SANTOS, M., 1996 p. 162).
Ainda sobre a convergência dos momentos,
O que realmente se dá, nestes nossos dias, é a possibilidade de conhecer
instantaneamente eventos longínquos e, assim, a possibilidade de perceber a sua
simultaneidade. [...]. Quando, no mesmo instante, outro ponto é atingido e
podemos conhecer o acontecer que ali se instalou, então estamos presenciando
uma convergência dos momentos e sua unicidade se estabelece através das
técnicas atuais de comunicação [...]. Esses momentos não são iguais, não
obstante se encontrarem no mesmo quadrante de relógio. Mas são momentos
unitários, unidos por uma lógica comum. (SANTOS, M., 1996, p. 157)
Estas elucidações se dão num contexto amplo de construção de uma teoria
sobre o objeto da geografia, e não no sentido cartográfico, além disto, o contexto
tecnológico do atual estágio de desenvolvimento das geotecnologias, que envolve a
acelerada convergência tecnológica associada ao processo de miniaturização é totalmente
diferente das condições técnicas apresentadas naquele instante pelo autor.
Aqui, importa o olhar cartográfico do geógrafo que procuramos imprimir em
meio a esta situação paradigmática, pela qual, a Cartografia Geográfica (nos moldes aqui
propostos), busca refletir em termos de elementos teóricos a respeito da concretude deste
movimento de convergência e transformação da técnica, de redefinição das espacialidades
em meio a uma racionalidade tecnificada, da importância que os mapas online e as
geotecnologias assumiram na contemporaneidade frente ao processo de reestruturação do
capital na sociedade informacional, e do próprio modo de produção da sociedade através
da sincronicidade do tempo.
Os progressos técnicos destas duas primeiras décadas dos anos 2000 nos
permite contribuir para um alargamento ou atualização de aspectos desta simultaneidade
no contexto das geotecnologias. Por isto, nos referimos à uma sincronicidade (no sentido
129 O autor se refere à uma característica que assinala o passado e o presente das redes.
128
estrito do tempo) com relação a informação geográfica instantânea, que permite não
somente o comando/controle à distância, mas também, uma correlação de eventos e de
ações sobre os territórios objetivos e digitais, que em termos práticos, no espaço absoluto
podem estar em tempo-espaço diferentes.
Compreendemos que esta sincronia do tempo preciso – fornecido pelos
receptores GPS embutidos nas geotecnologias e embarcados numa miríade de dispositivos
eletrônicos, ou de softwares que sincronizam seus relógios com servidores GPS NTP130
disponíveis nas redes –, tornam imediato o comando/controle remoto das múltiplas
interações entre as ações de humanos e objetos técnicos, e destes para com seus
semelhantes e as coisas.
Do ponto de vista teórico desta Cartografia Geográfica – e do campo
cartográfico como um todo –, este é um fator primordial para a sincronia e correlação de
eventos ocorridos nas interações através das redes, da prática cartográfica fundada na
informação geográfica instantânea, da qual se baseiam os serviços de/e mapas online, e
inúmeras atividades econômicas e sociais dependentes das geotecnologias, a exemplo de
veículos autônomos.
As condições técnicas atuais atribuem autonomia para que sincronicamente
certos objetos técnicos, softwares baseados em inteligência artificial e as geotecnologias
(em especial os mapas online) possam empreender ações precisas, interativas e autônomas
sobre as territorialidades.
Estas ações são amplas ou pontuais, e sua execução não depende
necessariamente da presença da rede (física) no território, pois, a conectividade e a
informação geográfica, em especial para alguns atores hegemônicos, se dão em nível
global, logo, não estão condicionados a filtros, pois, como já assinalado anteriormente,
eletronicamente o planeta tornou-se potencialmente um mapa virtual e rizomático, com
múltiplas entradas, onde as ações remotas ou nos territórios (objetivo e digitais), estão
aliadas a uma lógica técnica e política que atua da escala local à global.
Além disto, há um conhecimento prévio de todos os lugares nas redes e no
espaço objetivo proporcionadas pelas tecnologias de Geoprocessamento, possibilitando
130 Servidor NTP é um computador que informa a hora certa para os equipamentos conectados numa rede, cuja
precisão é da ordem dos milissegundos. Estão sincronizados à serviços confiáveis como os servidores NTP dos
sistemas GPS ou de laboratórios de pesquisa que provem a hora mundial. Isto faz com que todos os dispositivos
conectados em rede estejam perfeitamente sincronizados, garantindo que os eventos ocorridos entre os diversos
equipamentos possam ser correlacionados.
129
em certas ações atribuídas aos objetos técnicos, ou à softwares que assistem indivíduos e
grupos, a portabilidade da informação geográfica, servindo como suporte para tomada de
decisões na ausência de conectividade com a rede.
A sincronia das ações humanas através dos objetos técnicos especializados, e
a percepção e interação destes para com as coisas e o espaço objetivo e relacional, através
do comando remoto ou da autonomia fundamentada na informação geográfica (no caso
dos objetos técnicos), é uma categoria que permite em conjunto com os elementos
apresentados anteriormente, conformar mais à frente nossa construção teórica e conceitual
do que denominamos de mapas online.
O segundo aspecto é a importância crescente que a informação geográfica
instantânea (in)voluntária131 assumiu enquanto mais-valia e elemento estruturante de uma
economia informacional, que foi sendo gestada em meio a este continuum de inovação e
convergência tecnológica. As mudanças sociais decorrentes deste movimento apontam
para a importância que ela assume neste contexto.
Logo, não nos referimos simplesmente a informação, mas sim, à informação
geográfica, seja ela instantânea ou não, relacionada a uma pessoa, objeto ou fenômeno, e
do(s), local(is) específico(s) de suas coordenadas em cada instante dos sucessivos tempos-
espaço (deslocamentos), associados a um conjunto de informações – por vezes estáticas –
, que se somam a esta, tais como dados pessoais, profissionais e relações sociais.
Nos referimos ao tempo-espaço como elementos indissociáveis e de
valorização impar que o espaço132 assume neste processo de sincronização de ações.
Porque, nesta relação dinâmica, as dimensões tempo e altitude que os receptores GPS
trazem para as redes (cartográficas) e objetos técnicos especializados, tornam-se padrão e
não mais uma opção ou condição de constituir-se como informação geográfica.
Por isto, estamos falando de sua importância em termos políticos, econômicos
e sociais, porque implica saber a respeito dos indivíduos e dos objetos técnicos: quem se
comunica, quando, com quem, de que forma, por onde se desloca no espaço (territórios),
o tipo de dispositivo e de conexão. Cartograficamente, isto significa um controle preciso,
dinâmico e instantâneo da informação geográfica que flui dos diferentes lugares e
131 Aqui nos referimos a informação geográfica instantânea referente a dados privados de navegação, mobilidade,
lugares, compras, entre outros, passiveis e serem “cartografados” através das redes. 132 Esta valorização do espaço é discutida por autoes como: (SANTOS, D., 2002), (SANTOS, M., 1996),
(MASSEY, 2004; 2008) e (DARDEL, 2015) este, sob o ponto de vista de uma fenomenologia humanista.
130
territórios, inclusive os digitais, para os centros de controle das empresas de tecnologia e
dos agentes a serviço do Estado.
Portanto, todas estas referências geográficas que invocam questões
cartográficas, transcendem seu status para além de simples informação geográfica, ela
passa a operar na ordem da complexidade. Em nosso entendimento, sob a perspectiva de
uma Cartografia Geográfica que incorpora as redes, estes dois aspectos são indissociáveis,
pois, sincronicidade e informação geográfica pressupõe instantaneidade e controle
absoluto no tempo-espaço, de forma contínua e precisa, assinalando um novo ritmo, uma
nova percepção dos fenômenos e destas questões paradigmáticas que se apresentam. Por
conseguinte, inscrevem a forma como as relações em sociedade moldam a produção do
espaço geográfico na atualidade.
131
4. GEOGRAFIA, CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA E MAPAS ONLINE
Neste capítulo, aprofundamos a análise teórica em torno do mapa online, com sua
conceituação e elementos que o diferenciam do mapa convencional e do mapa digital.
Portanto, discute o processo de fragmentação do mapa, da sua fluidez em meio a uma
virtualização da cartografia nas redes da Cibercultura. Por último, retoma reflexões em
nível teórico sobre as alterações que os mapas online exercem sobre as práticas espaciais,
suas implicações na disseminação da informação geográfica instantânea advinda das
coletividades, das individualidades e dos objetos técnicos especializados, em meio a uma
multiplicidade de interações e inter-relações nos territórios e nas redes.
4.1 Mapas online: Um conceito/um caminho epistemológico em processo
Os elementos teóricos e as evidências apresentadas em torno da emergência de uma
cartografia virtual, das suas relações com as métricas topológicas e topográficas, da
penetrabilidade das geotecnologias associadas à uma computação móvel e ubíqua, da
produção e disseminação da informação geográfica instantânea a partir das ações humanas
e dos objetos técnicos, assinalam o movimento de transformação espacial de uma
racionalidade técnica que é consentâneo da restruturação do modo de produção na
sociedade contemporânea, no contexto de uma economia informacional.
Estes elementos teóricos nos permitem afirmar que o movimento de transformação
da técnica e da sua virtualização em meio aos espaços de representação e de representação
do espaço (LEFEBVRE, 1976), fazem com que a Cartografia Geográfica – na perspectiva
desta proposição – traga em seu âmago os princípios de uma alteridade em termos de
práticas e saberes que se entrelaçam com a própria artificialização da vida, da
indissociabilidade entre o que é humano e o não-humano (LATOUR, 1994), do que é
concreto e abstrato, dado à tênue relação de proximidade e interatividade que as ações
humanas, os objetos técnicos e softwares baseados em algoritmos de inteligência artificial
assumem na atualidade.
Teoricamente, o movimento aponta para uma dimensão filosófica da Cartografia
Geográfica em meio a técnica, ao humano, da própria concepção do mapa, e de
revalorização da cartografia, aqui pensada como a Cartografia da/na Geografia, e não de
uma Cartografia (matematizada) para a Geografia. Não se trata de ruptura com a
132
Cartografia, trata-se de uma mudança na abordagem teórico-epistemológica da
Cartografia Geográfica no seio da Geografia.
Compreendemos que a disseminação da informação geográfica e a sincronicidade
do tempo – que permitem sua instantaneidade e a correlação espacial dos eventos – através
das redes, apontam para um uso além de uma simples informação cartografada. Entre as
inúmeras questões que se impõe ao campo cartográfico na Geografia estão: Uma
concepção de mapa online que apresente um caminho epistemológico em processo; a
fragmentação do mapa e da sua fluidez frente a cartografia eletrônica virtual nas redes; da
informação geográfica instantânea, como elemento de controle e de poder que permeia o
domínio dos mapas online.
Há um processo de virtualização cartográfica, que transcende os limites e suportes
físicos das representações cartográficas tradicionais – especificamente do mapa sob um
viés estruturalista –, desfragmentando seus elementos e solicitando por aportes à sua
conceituação.
O mapa online requer uma definição que permita uma abertura epistemológica para
o saber e o fazer cartográfico nesta contemporaneidade, ao mesmo tempo, faz-se necessário a
manutenção de elementos básicos e fundamentais do conhecimento geográfico. O que estamos
evidenciando é que o mapa na atualidade, nas redes e no espaço objetivo, se manifesta de
diferentes formas e características que não se aplicam a ideia de mapa no sentido
convencional, nem tampouco do mapa digital.
Não se trata de uma negação desta perspectiva clássica e estruturalista, o que
se questiona, por exemplo, são os diversos elementos do mapa convencional (analógico
ou digital), que fragmentados pelas espacialidades eletrônicas, são ressignificados através
dos mapas online. O mapa digital pode ser ou estar online, todavia, ele não é um mapa
online. O mapa online em princípio é digital, mas conceitualmente não é o mapa digital ,
conforme apresentamos no item 4.2
A Associação Cartográfica Internacional (ICA) ao conceituar a Cartografia já
aponta este entendimento ao grafar a Cartografia como: “ [...] um recurso exclusivo para a
criação e manipulação de representações visuais ou virtuais de mapas geoespaciais [...]”.
Portanto, se admite esta virtualização do mapa.
Dessa forma, para avançar é preciso epistemologicamente munir-se de
concepções plurais que estejam dissociadas de uma monovisão técnico-produtivista.
Como nos alertou Taylor (1994 [1991] p. 11-12) “é preciso considerar o processo da
133
mesma forma que os produtos”, no cerne de uma teoria que englobe as dimensões humana
e política enquanto movimento.
Neste contexto, concordamos com o entendimento de alguns autores, a
exemplo de Keates (1982) e Pickles (1995, p.11-19), de que os mapas acabam por refletir
as transformações ocorridas na sociedade, embora estejamos numa “inércia
epistemológica” em meio a uma “nova geografia imperial” de uma era eletrônica.
Na contemporaneidade, tornam-se evidentes novos conceitos e elementos que
são postos em meio a este processo em curso, remodelando as bases que nos permitem
alargar as concepções teóricas e espaciais utilizadas historicamente pela cartografia.
A análise teórica nos permite compreender que há uma reconfiguração de métodos,
práticas cartográficas, formas de representação do espaço e conceitos espaciais . As
relações humanas e as práticas cartográficas que na sociedade industrial estavam centradas
no espaço objetivo (território), hoje se consolidam ou ao menos se complementam nas
redes da Cibercultura e através das Tecnologias da Informação e da Comunicação, palco
de um espaço virtualizado de métrica topológica, fluída, dinâmica, abstrata e relacional.
Há profundas implicações sobre a materialidade do espaço (e no sentido contrário),
conformando uma relação dialética indissociável.
Esta cartografia fluída se apresenta cada vez mais influente através de mapas online
que estão presentes nas ações humanas – em seu processo de apropriação e produção do
espaço geográfico –, estas, em sua multiplicidade de nuances e inter-relações se adensam
em termos de complexidade.
Sob esta perspectiva, implica dizer que mapas não são apenas representações
cartográficas da realidade no sentido euclidiano, mas também, representações do
pensamento através de processos e fenômenos que exprimem a experiência individual ou
coletiva de um determinado grupo, num dado contexto e sentido de lugar (enquanto
território). Além disto, são portadores de sentido e poder político (HARLEY, 1989;
WOOD e FELS, 1992).
Dessa forma, importa considerar a relevância do conceito de espaço geográfico
enquanto multiplicidade de inter-relações (MASSEY, 2008), da abordagem da
cartográfica como um amálgama de modos cartográficos (EDNEY, 1993), da perspectiva
desconstrucionista do mapa (HARLEY, 1989), no contexto desta sociedade
informacional. De como estas proposições, categorias e conceitos, nos permitem
134
estabelecer relações com os mapas online, as geotecnologias e a informação geográfica
instantânea, e assim sendo, como se articulam com o conceito de rizoma, metaforicamente
empregado por (DELEUZE e GUATTARI, 1997), aqui retomado, para explicar a
dinâmica do ciberespaço e a complexidade das relações ali presentes em relação à
emergência e consolidação desta Cartografia Geográfica.
Ao provocarmos este deslocamento, extrapolam-se os limites da representação
do espaço e do conceito de mapa na perspectiva cartesiana. O espaço geográfico torna-se
complexo, torna-se pluralidade enquanto multiplicidade, o problema da representação
agora é da ordem da complexidade, pode partir da Geografia, mas não se reduz à
Geografia, e sim, a qualquer área do conhecimento. É este deslocamento que possibilita a
abertura de comunicação com a complexidade, justificando o conceito de rizoma na
perspectiva dialética de uso e de sentido de abertura.
Neste contexto, e ainda que sob um vi´rd educacional, apresentamos em Jesus
(2004) o desenvolvimento de um ambiente interativo virtual para fins educacionais
baseado num SIG de múltiplas entradas, objetivando geração de mapas para análise em
estudos multidisciplinares, e posteriormente, da sua aplicação prática no ensino superior
e ensino médio, como parte de um processo educativo que se entrecruza com outras áreas
do conhecimento e vislumbra o mapa para além da sua “forma” tradicional (JESUS, 2006).
A relação entre espaço (território), mapas online, geotecnologias (enquanto
técnica), multiplicidade e a metáfora do rizoma nos princípios estabelecidos por
(DELEUZE e GUATTARI, 1997) é muito próxima, já que em perspectivas gerais, os
mapas online, não estabelecem um ponto fixo, as conexões podem ser estabelecidas (ou
não) a partir de qualquer lugar ou com qualquer lugar. Assim, “[...] o espaço jamais poderá
ser essa simultaneidade completa [...] é um espaço de resultados imprevisíveis e de
ligações ausentes” (MASSEY, 2008, p. 32). Provavelmente, esta seja uma das
características mais importantes do mapa online e das geotecnologias na atualidade tal
qual o rizoma e sua complexidade, ou seja, a possibilidade de ter múltiplas entradas,
múltiplos acessos, interpretações, usos e interações, que necessariamente não devem
ser/estarem condicionados às representações cartográficas convencionais, por isto sua
desestruturação, sua transformação em algo muito mais fluido.
Portanto, mapas não apenas representam, estão intrinsicamente relacionados à
produção da realidade, principalmente, numa sociedade cada vez mais conectada e móvel
do ponto de vista tecnológico, onde a ubiquidade tecnológica torna latente outras formas
135
de representação das relações humanas e evidenciam o aprofundamento das desigualdades
sociais.
A cartografia virtual, que se apresenta diante deste processo de transformação
da sociedade e por conseguinte da técnica, da qual o mapa online se consolida133 como
representação e nos conduz a conceituá-lo como: representação visual ou virtual de mapas
geoespaciais que porta uma linguagem simbolizada, gráfica, textual, numérica, digital,
simbólica e mecanismo ubíquo de comunicação de informações da realidade geográfica
para a compreensão, apreensão, execução e análise das ações inter-humanas, de
fenômenos e representações socioculturais e de objetos técnicos através das redes
telemáticas.
Portanto, esta concepção engloba uma visão interdisciplinar, parte da
Geografia (Cartografia Geográfica) e da Cartografia, mais não se restringe à estas
exclusivamente, na medida em que diversas áreas do conhecimento e de estratos das
sociedades, se valem da cartografia para referendar seus modos e práticas cartográficas.
Neste sentido, os mapas online portam em si mesmo, a potência cartográfica
imanente de na atualidade alterar a experiência cartográfica do homem em termos de
cognição, sociabilidade, imersão e representação através das redes e do espaço objetivo.
Consequentemente, da experiência do ser e das suas espacialidades no mundo,
inseridos como parte desta rede complexa da qual a cartografia convencional em sinergia,
reconfigura-se e emerge sob a perspectiva da concepção cartográfica que aqui se apresenta
em torno desta Cartografia Geográfica (em movimento), com inúmeros entrelaçamentos,
lacunas e possibilidades, uma cartografia de cunho rizomático – que se assenta no viés do
rizoma conforme postulado por Deleuze e Guattari (1997) –, com suas múltiplas entradas
e possibilidades, e cujo centro é qualquer lugar desta rede. Portanto, em termos de
representação cartográfica não há como vê-las separadamente. É esta construção
conceitual em termos teórico-epistemológicos que se entrelaça em meio aos fundamentos
da Cartografia Geográfica e que aprofundamos a seguir.
133 No sentido de continuidade, permanência de um estado anterior. Ou seja, o mapa continua sendo uma
representação.
136
4.2 Mapas online: Fragmentação e fluidez
O mapa enquanto concepção abstrata e simbólica é uma representação, e
independente das transformações da técnica atual, continua sendo uma representação
espacial ou espacializada. Todavia, face ao atual meio técnico-cientifico-informacional,
torna-se evidente que alguns aspectos de uma concepção estruturalista acerca do fazer e
do uso do mapa sofrem mudanças significativas, entre as quais podemos elencar: a
virtualização do mapa; a fragmentação rizomática dos seus elementos; e, a mudança na
sua concepção face sua fluidez, em contraposição ao exercício da fixidez e do
estruturalismo que assinala o mapa convencional/tradicional.
A primeira mudança que se coloca é que, diante deste crescente processo de
virtualização cartográfica, o mapa convencional (baseado no papel enquanto suporte
físico), representa um espaço fixo e limitado, tanto do ponto de vista da sua escala como
em termos representacionais.
Mesmo alguns mapas representados através de meios digitais que se colocam
como produto destas mudanças provocadas pelas geotecnologias, já não conseguem
objetivamente representar ou expressar em termos práticos e conceituais aspectos das
práticas cartográficas executadas na contemporaneidade, a exemplo dos mapas de
visualização online (HAKLAY, SINGLETON et al., 2008), de mapas dinâmicos e
colaborativos em rede (MACEACHREN, Alan M e BREWER, 2004; CRAMPTON e
KRYGIER, 2006; CRAMPTON, 2009), e de alguns que se utilizam da informação
geográfica para a construção de uma “cartografia computacional” colaborativa
(GOODCHILD, 2007).
Ao mesmo tempo, aspectos estruturais e essenciais à constituição do mapa
contemporâneo, a exemplo da precisão e da acurácia, tornam-se fundamentais neste
processo de virtualização cartográfica ante esta sociedade tecnológica. Principalmente ao
incorporar cada vez mais a informação geográfica das ações humanas sobre o espaço,
acentuando sua importância no contexto de uma tecnociência.
Contudo, não se trata de um descarte dos modos, práticas e instrumentos
tradicionais, nem de uma crítica desmedida e esvaziada em relação ao caráter
essencialmente estruturalista e hegemônico que assinala o fazer cartográfico ocidental
moderno, em específico do mapa tradicional, pois, eles têm/terão seu lugar segundo as
137
conveniências, objetivos e finalidades desejadas pelos diversos atores sociais em suas
práticas espaciais.
Embora o mapa – enquanto representação –, concebido sob a perspectiva da
cartografia convencional esteja tecnicamente limitado a uma escala fixa e às dimensões
físicas do papel enquanto suporte, sob a ótica da cartografia virtualizada (em rede) – que
conforma nossa concepção de Cartografia Geográfica, o mapa online está para muito além
destas limitações, ampliando as possibilidades para seu fazer e uso.
Como resultado, evidenciamos o segundo aspecto destas mudanças, pois, o
mapa na contemporaneidade adentra num processo que denominamos de fragmentação
rizomática dos seus elementos básicos e essenciais. Isto porque, já não é possível
afirmarmos que o mapa numa perspectiva ocidental moderna se constitua enquanto tal da
mesma forma como era há três ou quatro décadas, a exemplo das proposições de Robinson
(2010 [1952] ) e Robinson, Morrinson et al. (1978), portanto, de um viés centrado em
torno de práticas fundadas num fazer e uso que evidenciam uma abordagem
exclusivamente geométrica e estruturalista em torno da construção deste e de seus
elementos.
Num outro extremo, dado as condições técnicas atuais, não se pode conceber
um fazer geográfico que se configure exclusivamente em torno da dimensão social sem
levarmos em conta a importância do mapa e de alguns elementos simbólicos e
geométricos.
No estágio atual de desenvolvimento técnico-científico, até mesmo alguns
aspectos das inúmeras propostas de estabelecimento de métodos e/ou de um modelo
coerente de comunicação cartográfica – conforme apresentados por inúmeros autores,
dentre os quais: Bertin (1971; 1978; 2010 [1967]), Koláčcný (1977), Ratajski (1971),
Petchenik (1977), Salichtchev (1983), etc. –, que permitiram pensar uma cartografia
diferente em meio aos movimentos de renovação cartográfica, demandam respostas
coerentes relativas às aceleradas transformações que as geotecnologias e as Tecnologias
da Informação e da Comunicação exercem sobre o fazer e o saber cartográfico, por
conseguinte, sobre o uso do mapa enquanto representação cartográfica134. Ainda que a
134 Não adentramos na problemática das representações cartográficas dado que: Primeiro comprometeríamos a da
objetividade cientifica que esta nossa investigação demanda. Segundo, porque embora os mapas online se
constituam enquanto representações cartográficas, adentrar especificamente nesta temática, em nossa concepção,
significa adentar à um conjunto de entrelaçamentos teóricos e interdisciplinares. Compreendemos – não
diminuindo a importância destas contribuições - que do ponto de vista teórico, isto imputa em repensar, trazer
138
pertinência destes modelos e de alguns métodos sejam incontestes e se façam
imprescindíveis no campo das representações cartográficas, eles não previram, nem
tampouco poderiam prever o atual estágio de desenvolvimento tecnológico e
principalmente os avanços técnicos no seio da cartografia.
Consequentemente, a forma como se concebe o mapa mudou, conforme
evidenciam diversos autores (HARLEY e WOODWARD, 1998; CRAMPTON, 2002;
WOOD e FELS, 2008; PICKLES, 2012 [2004]), como também o seu fazer e uso,
implicando em sabermos o que é isto (mapa) que estamos fazendo e usando em meio à
uma cartografia cada vez mais virtualizada.
Neste contexto, ainda que na atualidade o mapa135 muitas vezes seja concebido
e produzido sob um viés estruturalista no que diz respeito à representação formal de suas
características e elementos básicos, à exemplo de: escala, projeção, elementos gráficos,
simbologia, texto, etc., – estes enquanto aspectos intrínsecos e imprescindíveis ao que se
constitui formalmente enquanto mapa, sofrem um processo de fragmentação rizomática.
Tal assertiva se conforma porque estes podem ser alterados/configurados de
maneira dinâmica e instantânea, acrescendo ou limitando características, elementos,
textos e simbologias através de filtros/camadas ou, compartilhando136 informações com
outros mapas ou dispositivos eletrônicos em rede.
Portanto, isto não diz respeito tão somente ao processo de virtualização do
mapa em si, mas da sua capacidade dinâmica e rizomática de desfragmentação e
fragmentação imediata que os remete à condição de fluidos, no sentido de fluidez137. Ou
seja, da capacidade de fazer-se e desfazer-se constantemente de modo instantâneo, de
apresentar-se de inúmeras formas e em múltiplas escalas, de prover usos e aplicações
simultâneas a diversos utilizadores – inclusive em lugares distintos e distantes –, de
comunicar-se e ser comunicado através das redes eletrônicas, por conseguinte de replicar-
se ou ser replicado.
aportes à alguns conceitos, categorias e modelos de comunicação da informação cartográfica considerados
centrais, para que, em meio às transformações da técnica e da sociedade, as teorias envolvidas neste processo se
coadunem com a prática e vice-versa. Portanto, isto demanda outra(s) investigação(ões), as quais, enquanto
construção, se interconectam com os fundamentos teóricos da Cartografia Geográfica nos moldes aqui propostos.
Todavia, isto não invalida o que se apresenta. 135 Decorrente de padrões cartográficos validados pelo Estado e suas instituições. 136 Através de associação por hipermídia (link) e protocolos e padrões que permitem interoperabilidade de sistemas
e/ou mapas. 137 Ver pressupostos teóricos discutidos no Capítulo 2, subtítulo 2.3
139
O fundamental, neste movimento, é que o mapa continua sendo uma
representação nesta sociedade permeada por um meio digital, mas ainda assim, uma
representação espacial ou espacializada, uma informação do espaço, e/ou sobre o espaço.
Independente das inúmeras interpretações atribuídas esta característica isto não sofreu
alterações. O que mudou foi o seu suporte. É a isto que denominamos de virtualização, ou
seja, em termos cartográficos nos referimos à um processo de virtualização crescente do
mapa, implicando no online138, nos remetendo à sincronicidade do tempo ou em termos
gerais, à uma dimensão temporal na qual o mapa assume uma fluidez, colocando-se num
processo de desconstrução e reconstrução permanente (fragmentação rizomática), ou seja,
de uma dimensão temporal autodestrutiva, que se refere à sua capacidade de mutação em
termos de autoconstrução.
Isto implica do ponto de vista cartográfico convencional – por exemplo – que
toda uma operação mental realizada para comparar lado a lado uma carta de 1:100.000
com outra de 1:250.000, ou com uma de 1:50.000 (por vezes, com sistemas de projeções
distintos) constitua um processo lento, manual e meticuloso, requerendo do
usuário/cartógrafo/geógrafo todo um conjunto de conceitos e conhecimentos técnicos que
demandam: aprendizado teórico, tempo e experiência em termos práticos. Neste cenário,
hipoteticamente imaginemos, pois, outras implicações adicionais se considerarmos os
momentos (tempo) distintos e não equidistantes em que estes mapas foram produzidos.
Entretanto, o mapa online frente à este processo de virtualização cartográfica
torna fluída esta operação ao executar tais procedimentos referentes à mudança de escala,
sistema de projeção, coordenadas geográficas, ou inúmeros elementos e operações de
forma automática ou assistida139.
Portanto, guardados os objetivos e finalidades para os quais são produzidos, o
mapa online porta em sim mesmo, como característica desta fragmentação rizomática,
uma flexibilidade escalar, que permite ao seu usuário/produtor acessar em termos de
representação as “n” escalas de uma dada realidade/espacialidade.
Dessa forma estamos nos referindo à uma flexibilidade dinâmica e relacional
com que se pode mudar a escala do mapa online na cartografia virtualizada em termos de
representação do(s) lugar(es), do(s) território(s), etc. Mas também, de elementos tais
como: imagens orbitais, aerofotos, simbologia, rotulagem, feições e a dinâmica dos fluxos
138 Online no sentido de estar em rede, em conexão ou em espera de uma ação/comando para tal. 139 Segundo inferências de um algoritmo baseado num conjunto de técnicas previamente sistematizadas.
140
e da informação online, por vezes, em tempo real. Estes, elementos essenciais à
conformação do mapa online – conforme apresentamos previamente – no contexto da
Cartografia Geográfica, mas sobretudo da Cartografia como um todo.
Della Dora (2009, p. 240), propõe “uma reconceitualização de mapas como
objetos fluídos que estão sempre em formação”140, entretanto, esta perspectiva ancora-se
em aspectos sociais e performáticos em torno das relações entre atlas141 e seus usuários
“através de diferentes tipos de encontros pessoais que são ao mesmo tempo visuais e
táteis”, o que não invalida tal assertiva. Entretanto, compreendemos que o caráter fluído
caracterizador do mapa – como se ele estivesse sempre por se fazer –, é um traço do
acelerado processo de virtualização cartográfica, e especificamente do mapa online
enquanto caminho conceitual do que aqui se apresenta.
Diante destas considerações, propomos um esquema interpretativo para a dimensão
conceituação do mapa online com vistas à uma tipologia de diferenciação do mapa digital
(figura 24).
Figura 24 – Dimensão conceitual para uma tipologia do mapa online
Elaborado pelo autor.
Neste esquema consideramos que o mapa online se diferencia do convencional e
do mapa digital pela dinâmica de atualização da informação espacial cartografada. A
dinâmica refere-se a fluidez da informação cartografada e representada no mapa através
de seu suporte de representação.
A dimensão conceitual do mapa online, se inicia na instância 0 (zero) que equivale
ao ambiente digital e percorre uma direção para a instância “n” (infinita), dado a
140 Do original em inglês: “[…] a re-conceptualization of maps as fluid objects thet are always in the making”.
141 Conceituados pela autora “como ferramentas mnemônicas” (Della Dora, 2009, p. 240).
Dinâmica de atualização da informação espacial cartografada
Estática Dinâmica
MAPA ONLINEMapa DigitalMapa convencional
0 Dimensão conceitual do Mapa Online “n”
141
multiplicidade de configurações e tipologias possíveis. Portanto, a tipologia do mapa
online tende ao infinito dado a variedade e possibilidade de aplicações.
No mapa convencional a dinâmica conceitual é menor que 0 (Zero) ele é estático,
como também seu suporte. Restringe-se à ordem dos fixos.
O mapa digital tem uma dinâmica estática e adentra na dimensão dinâmica, pois,
seu suporte e relativamente fluídico. Ou seja, ele pode moldar-se a um suporte, pode ser
replicado na rede, nos dispositivos, mas sua dinâmica será limitada em termos de escala
que será fixa ou com relativa escalabilidade e fluidez dinâmica. Assim, o mapa digital
pode ser/estar online, mas o mapa digital não é um mapa online.
A dimensão conceitual do mapa online é totalmente dinâmica em termos de
atualização da informação espacial cartografada, e sua fluidez dinâmica em termos de
suporte e de atualização que se inicia na instância 0 (Zero) tende a instância “n” (infinita)
considerando a finalidade e o objetivo do cartógrafo ao elaborar sua representação.
4.3 Mapas online e virtualização
O mapa online se assenta na virtualização e na interoperabilidade
proporcionada pelas redes técnicas atuais. Esta primeira afirmativa implica que, na
atualidade, dado a profusão de técnicas e ao continuum de inovação e convergência
tecnológica, se descortinam novos horizontes em termos de modelagem e de representação
em função da dinâmica dos processos envolvendo os fluxos destas ações – ainda que com
algumas limitações –, amplificando as possibilidades de uma releitura da produção do
espaço, consequentemente, da retomada desta Cartografia Geográfica em favor da
coletividade.
A limitação da segunda consideração, implica no reconhecimento do espaço
enquanto multiplicidade e possibilidade de inter-relações na acepção de Massey (2008).
Esta questão para as geotecnologias é muito mais teórica do que prática, pois, aponta
essencialmente para a transformação de uma concepção cartográfica apoiada em uma
concepção de mundo (industrial) centrado nos fixos – ou seja, numa espacialidade
objetiva, esta há muito desfragmentada. Isto, limita em termos epistemológicos uma
(re)construção técnica, por conseguinte humana, social e cultural, que considere as
questões de uma sociedade artificializada e fluida, onde grande parte das relações sociais
e a percepção que se tem do mundo se dá pelas redes e os sistemas computacionais.
142
Embora Câmara, Vieira et al. (2002) apresentem limites do SIG na
representação dos fluxos (ações), as geotecnologias e a diversidade de sensores
embarcados conectados em rede, tornam factível a captura dos fenômenos e das ações
humanas no espaço geográfico. A interoperabilidade semântica e técnica tem papel
importante na construção destas relações sutis de poder que permeiam a produção do
mundo contemporâneo.
Este entendimento, nos aproxima da discussão sobre uma epistemologia da
tecnologia (techné), conforme aventa Morin (2005), e das implicações da tecnociência
neste movimento, pois, são componentes do processo de alimentação do circuito sócio-
histórico. As inter-relações que emergem das inúmeras manifestações deste processo de
virtualização, das quais, o mapa online constitui elemento central, acabam sendo o lócus
(meio), por onde a sociedade reorganiza suas espacialidades, e parcelas substanciais da
humanidade vivenciam suas experiências e ações cotidianas realizando a produção do
espaço.
Portanto, os mapas online (em rede) – neste processo de virtualização e
fragmentação crescente do mapa convencional –, têm na informação geográfica
(instantânea) e na sincronicidade do tempo duas características essenciais à sua existência.
São unidades fundantes de uma cartografia que transcende o uso da informação para além
de uma simples informação geográfica cartografada.
A informação geográfica como produto para domínio estratégico do espaço e
controle do tempo implica, na conjuntura atual, num conhecimento sobre tudo e sobre
todos em meio a: a instantaneidade da informação; a precisão e sincronicidade do tempo
nas redes e nos territórios; da computação móvel e ubíqua; e fundamentalmente da
capacidade de localizar com acurácia os eventos, fenômenos e as ações dos indivíduos e
das coletividades proporcionada por um arcabouço tecnológico complexo e rizomático.
Em termos cartográficos e do leque de possibilidade de análise da informação
geográfica, ainda que incipiente em alguns aspectos, é uma característica marcante e
totalmente diferente de outros momentos históricos. Porque a instantaneidade indica uma
ruptura com as estratégias tradicionais de controle do território, da sua produção, das
práticas cartográficas, e principalmente, do uso do mapa online, dado que as ações
humanas, são cada vez mais produzidas por interações virtualizadas, artificiais e
instantâneas.
143
Estas relações entre materialidade, artificialidade e sociedade por intermédio
desta cartográfica eletrônica que em rede envolve o planeta como um grande mapa (e/ou
atlas), torna a informação geográfica mais do que um ativo financeiro, e sim fundamento
desta redefinição das espacialidades e das ações econômicas, políticas e sociais.
Portanto, estes fatores constituem-se tecnicamente no pilar fundamental para
entendermos a produção e disseminação da geoinformação no mundo contemporâneo, e
da concretude de uma transformação cartográfica e tecnológica que em sua totalidade cria
infinitas possibilidades de análises.
Esta Cartografia Geográfica, mais que o domínio do tempo, impõe precisão ao
mapa online, pois, cartograficamente alguns objetos técnicos – autônomos ou
semiautônomos –, tornam-se capazes de tecnicamente tomarem decisões através de
inteligência artificial, e assim, analisar e estabelecer relações para consigo e semelhantes,
para com outros objetos técnicos, as coisas e os seres humanos, onde todos, fazem uso de
um mesmo território/espacialidade. Todavia, estão continuamente online, provendo e
coletando interativamente informação geográfica, estabelecendo rotas e destinos,
objetivando executar suas ações no espaço geográfico. Por isto é perceptível o uso de
objetos técnicos especializados, baseados em mapas online. Neste sentido, as
geotecnologias e mais especificamente os receptores GPS entregam esta precisão através
do sincronismo do tempo por intermédio dos seus relógios, e garantem um controle mais
preciso.
Mais do que isto, em rede o mapa é multiplicidade, pois, para cada
objeto/indivíduo ele se desdobra num outro mapa e se reconfigura em função do deslocar-
se sobre as espacialidades/territórios. Neste sentido, é plausível considerar que nestas
redes eles nada mais do que: mapas online. Por isto adentramos na questão filosófica que
esta conformação rizomática impõe à esta multiplicidade. Em termos cartográficos isto
significa uma revolução na reconstrução e ressignificação das práticas e no pensamento
espacial.
Como exemplo desta concretude, a implementação de veículos automotivos
autônomos e semiautônomos nas vias urbanas e estradas, pressupõe a existência de uma
cartografia eletrônica baseada em mapas online. As rotas estabelecidas por mapas online,
que em sua essência, cada vez mais, são dinâmicos, precisos e interativos dado a
interoperabilidade com softwares de inteligência artificial.
144
Assim, sincronicidade e informação geográfica são elementos imprescindíveis
à virtualização do mapa (online), e, por conseguinte, de reestruturação do processo
produtivo e do capital. Executar ações com veículos autônomos, VANTS (UAS/UAVS)
drones que fazem entregas comerciais ou operações militares, implica em informação
geográfica instantânea, sincronicidade, controle do tempo-espaço, precisão e identificação
de usuários/clientes/alvos como forma de otimização do processo produtivo das ações
humanas sobre as espacialidades.
Este movimento é o que explica no âmbito cartográfico a funcionalidade e
sutileza dos mapas online e determinadas ações ou comandos executados à distância pelos
humanos ou autonomamente por objetos técnicos especializados, além, da percepção ou
interação instantânea sobre/com outros objetos e ações humanas. Como exemplo:
operações remota de VANTS (UAS/UAVS)142 ou veículos coletando informações,
executando operações comerciais ou militares de forma autônoma ou semiautônoma nas
diversas territorialidades, por vezes à distâncias significativas.
Nesta perspectiva apresentada, as geotecnologias emergem como elementos
importantes e estratégicos em inúmeras instâncias da sociedade, principalmente em
termos econômicos e políticos. Matias (2004, p. 8-9) ao tratar das transformações
tecnológicas no contexto da produção capitalista e da importância que a informação
assume não apenas como base das atividades produtivas, mas como sendo uma das mais
importantes atividades, aponta a necessidade de se discutir uma economia política das
geotecnologias como forma de “revelar as contradições e mecanismos desiguais que o
modo de produção capitalista reproduz”.
Compreendemos, como demonstraremos a seguir, que cada vez mais, essa
cartografia geográfica por intermédio das redes sociotécnicas responde às demandas da
sociedade, entre elas, um domínio mais rápido e eficiente do tempo (HARVEY, 1989;
SANTOS, M., 1996), mas não apenas isto, ela se constitui na atualidade, num dos alicerces
142 Veículos Aéreos não Tripulados (VANT). Na terminologia internacional UAS (Unmanned Aircraft System) ou
UAVS (Unmanned Aircraft Vehicle System). Podendo serem controlados remotamente por humanos através de
sistemas eletrônicos de informação e comunicação ou autônomos (sem a intervenção humana) através de
controladores lógicos programáveis (CLP´s), uma aproximação entre a cibernética, neurociência (através de lógica
baseada em redes neurais), navegação por sistema de posicionamento por satélite e cartografia digital. No nível
militar, estes veículos são denominados de UCAV (Unmanned Combat Aircraft Vehicle). O termo “Drone” é
utilizado popularmente numa referência para veículos recreativos ou semiprofissionais. Ver o Regulamento
Brasileiro de Aviação Civil Especial nº 94/2017 (RBAC-E nº 94/2017) da ANAC e às normas definidas pelo
Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
145
deste processo de reconfiguração da economia capitalista e de redefinição das
espacialidades em meio à uma economia da informação.
Os elementos teóricos e práticos que apresentamos anteriormente nesta
construção e os que se colocam em seguida, respondem cartograficamente ao
desdobramento técnico das geotecnologias em termos de produção e disseminação da
informação geográfica, ao mesmo tempo, estes são elementos fundamentais para a
existência do mapa online na atualidade. Consequentemente, portam os fundamentos
teóricos-epistemológicos desta Cartografia Geográfica.
A rigor, nos conduz à uma nova percepção das espacialidades, rompendo com
a rigidez espacial de um sistema de representações cartográficas (mapas) ancorado há
séculos numa cultura imagética fundada em suportes físicos analógicos, ou mais
recentemente, eletrônicos, contudo, outras formas/possibilidades de projeção das
representações cartográficas são evocadas dado a dinamicidade e instantaneidade da
informação geográfica em meio à uma cartografia virtual e eletrônica.
4.4 Informação geográfica (in)voluntária e controle social
O correio eletrônico permitiu entre outros aspectos a unicidade do tempo e a
importância do valor da informação, as redes sociais, são exemplo de parte de uma
economia informacional associadas à uma miríade de dispositivos e geotecnologias
embutidas em sistemas que permitem a existência de uma Cartografia Geográfica
proporcionando através da sincronicidade do tempo, a percepção dos lugares de forma
instantânea. Isto encadeia uma série de elementos e possibilidades de aplicações
objetivando a produção de uma mais-valia que se assenta cada vez mais nesta direção.
Como então pensar o movimento desta Cartografia Geográfica, como mediação da teoria
e da práxis geográfica através dos mapas online? Reflexão que se coloca a seguir para
pensar este caminho.
A oferta “gratuita” de endereços de correio eletrônico – quando este era um
serviço pago e relativamente dispendioso, comparado aos baixos custos do correio
tradicional –, e da aceitação deste modelo “sem custos” pela sociedade, foi também uma
opção a um serviço de mensagens que otimizava o controle do tempo e a tomada de
decisões.
146
Este modelo que tem continuidade com uma gama de serviços de comunicação
e mensagens instantâneas baseados em interação social online143 que surgiram
posteriormente, tornando o e-mail obsoleto em termos de velocidade de interação (real-
time) - embora este, continue sendo o método de comunicação onipresente na rede para
validar a confiabilidades de atividades profissionais e pessoais (figura 25), dado a
diversidade de plataformas existentes e da adesão à estas (figura 26).
Entretanto, o que buscamos evidenciar é o pensamento altruísta que
predominou entre pesquisadores, desenvolvedores e entusiastas da internet desde seu
início, optou por um modelo centrado na liberdade de acesso irrestrito de todos à
informação e a comunicação na internet. Defendia que as empresas de tecnologia e
instituições sem fins lucrativos deveriam estabelecer os padrões e elementos técnicos
necessários ao seu desenvolvimento distante das interferências governamentais, conforme
apresenta Lanier (2013).
Mas este não foi o objetivo das empresas de capital aberto, que no início da
primeira década dos anos 2000 tinham por objetivo a monetarização destas plataformas
“gratuitas” centradas no uso da informação pessoal dos seus usuários. Logo, instala -se a
contradição deste sistema, pois, passam a direcionar propaganda eletrônica através de
algoritmos baseados em análise comportamental através das mídias sociais.
Os dispositivos móveis permitem que as redes sociais potencializem o domínio
do tempo e a apreensão da informação geográfica sobre o comportamento humano. A
captura das experiências, desejos, deslocamentos, hábitos e comportamentos, possibilitam
uma cartografia multidirecional, com o indivíduo em rede, provendo volumes de
informação geográfica, ao mesmo tempo, consumindo uma ínfima parcela desta por
intermédio de uma cartografia dinâmica e sutil que atua em tempo real e síncrono.
Entretanto, isto é apenas parte de um todo, pois, não se trata apenas dos indivíduos, mas
também, dos objetos técnicos e das inter-relações produzidas entre o humano, o artificial
e o natural.
Há uma vulnerabilidade do indivíduo – que se manifesta por intermédio de
instrumentos de controle e vigilância –, posta em prática pela oferta de uma variedade de
serviços e aplicativos “gratuitos” (bancários, aeroportuários, hoteleiros, governamentais,
navegação, taxis, etc.) ou de tecnologias de informação e comunicação (redes sociais e de
143 Popularmente denominados de redes sociais, as quais possuem diversas nomenclaturas.
147
entretenimento) que os tornam produtores voluntários ou (in)voluntários de uma gama de
informações de nível individual, coletiva e espacial.
Geralmente, para utilizar estes aplicativos se faz necessário que o usuário
permita o acesso e a coleta de informações pessoais (contatos, identidade, fotografias,
áudios, vídeos, geolocalização, etc.) e técnicas (equipamento, fabricante, autonomia,
endereço MAC144, etc.). Assim, se alguns destes parâmetros são necessários ao
funcionamento destes softwares, outros, servem para subsidiar ferramentas de análise: de
comportamento; de relações sociais; de utilização de serviços; e de deslocamento espacial.
Os objetivos destas práticas são diversos, mas têm por base o monitoramento
coletivo e individual com vistas à formação de banco de dados como fundamento para
veiculação de publicidade online – a partir da análise perfis de consumo ou de psicologia
comportamental do usuário em rede. As informações coletadas dependem dos interesses
do desenvolvedor, empresa ou do próprio Estado com o seu poder de polícia e vigilância.
Portanto, esta é a condição, a moeda de troca como pagamento do usuário pelo
acesso à “gratuidade”, esquema que explica uma das maneiras como a informação
geográfica instantânea (geoinformação)145 é produzida e disseminada na atualidade,
transformando-se em mercadoria com vistas a produção de riquezas (capital). O que
evidencia para a Cartografia Geográfica o caráter central da dimensão humana e social
neste processo.
144 Acrônimo de Media Access Control (Controle de acesso de mídia), o MAC é um endereço único formado por
12 dígitos hexadecimais (como exemplo: 00:19:A0:CF:E4:77), que identifica a placa de rede de qualquer
equipamento eletrônico no mundo capaz de acessar uma rede (consequentemente a internet). Assim, é possível aos
administradores ou gerenciadores de qualquer rede, através de softwares e cruzamento de informações associá-lo
à um local ou usuário (especialmente em redes móveis) dado que a miniaturização incorporou as placas de rede à
uma única placa eletrônica (hardware) na atualidade. Entretanto, tecnicamente, usuários com conhecimento
técnico avançado ou softwares específicos podem emular endereços MAC fictícios para mascarar atividades. 145 Termo utilizado por alguns autores para referir-se também à informação geográfica. Utiliza-se ainda no mesmo
sentido: informação geoespacial. Ver: Longley, Goodchild et al. LONGLEY, GOODCHILD et al. (2011)
148
Figura 25 – Tráfego diário de e-mail / Conta em redes sociais
Elaboração: o autor
Fonte: Mail metrics
149
Figura 26 – Redes sociais em números de usuários
Elaboração: o autor
Fonte: Mail metrics, Google analytics, Facebook insights, Global web index. Mapa creditado à Alexa/Similar Web.
150
Para a geografia e sua Cartografia Geográfica, isto implica na construção de
novos sentidos, novas formas de interpretação deste processo que é voluntária quando o
usuário e a sociedade colabora provendo a sua informação geográfica, mas é também
involuntária, pois, a conexão em rede em tempo total (full-time) ou alternada (half-time)
permitem aos grandes provedores de acesso e às grandes empresas de tecnologias por
intermédio de redes sociais, correio eletrônicos, tradutores, armazenamento em nuvem,
rastreamento, etc. um nível de coleta de informações, de análise, de produção de
conhecimento e de poder sobre a sociedade, que vai da escala global à local, do individual
ao coletivo, do público ao privado, através deste sistema articulado de técnicas e objetos
técnicos cada vez mais precisos em seus objetivos constituindo uma onipresença nas redes
de informação e comunicação.
Se de um lado, o controle destas informações em nível global estão
centralizados nas mãos de poucas empresas de tecnologias e de alguns poucos Estados -
nação (ITU, 2017a), por outro lado, a produção cartográfica lastreada pelas
geotecnologias e baseada na informação geográfica nos moldes da cartografia tradicional
tornou-se um fazer acessível à todos. Esta afirmação implica em reconhecermos que este
fazer se restringe somente à informação geográfica produzida e socializada pela própria
coletividade e individualidades nas redes, já que em suas práticas cotidianas buscam dar
visibilidades às suas demandas ou conflitos territoriais.
Na atualidade, as formas de mapeamentos participativos e/ou de cartografias
sociais146 com vistas a produção de mapas (representação), que se dão através da
colaboração e da participação popular, valem-se dos benefícios da miniaturização – que
provocou a disseminação e redução do custo das geotecnologias –, e por conseguinte, da
penetrabilidade e acessibilidade à equipamentos e softwares.
Todavia, o acesso à informação geográfica instantânea nas redes (sem filtros)
é apropriado de maneira intencional por uma racionalidade técnica estritamente precisa
em suas ações, que através de atores hegemônicos monopolizam o domínio e o comércio
da informação geográfica. Como assinala Zuboff (2019) adentramos na era capitalismo
vigilante.
146 Embora isto, não seja algo recente quanto ao uso de SIG em mapeamentos participativos e/ou de cartografia
sociais.Ver: Mericskay e Stéphane, (2010) e Acselrad (2010).
151
Ao mesmo tempo, diversas empresas de tecnologia disponibilizam plataformas
técnicas de mapeamento e de suporte online (em rede) que servem de base cartográfica
para que os indivíduos, diversos grupos e segmentos da sociedade instrumentalizem suas
construções cartográficas (através de outros mapas) utilizando Interfaces de Programação
de Aplicativos (API – Aplication Program Interface), ou, sinalizem suas práticas
cotidianas, necessidades e invisibilidades através de mapas “convencionais”.
Observando em detalhes os sistemas de mapas online que oferecem
roteirização cartográfica de percursos, apontamento de endereços, localização de lojas,
bancos, parques, lanchonetes, condições de trânsito e, uma infinidade de outros serviços,
pergunta-se: não estaríamos lidando com um sistema de recompensa comportamental, face
os interesses financeiros e a infinidade de informações cartográficas coletadas através das
redes por estas plataformas?
Nos anos 1950, Wiener (1968), apresentou em termos teóricos, a criação um
sistema de computação focado em comunicação e controle, onde fosse possível coletar
dados dos indivíduos e, por meios de cálculos e análise estatística retornar parte destas
informações em tempo real, num circuito de retroalimentação, como se eles estivessem
dentro de um experimento de base comportamentalista.
Não seria incompatível tal relação, se considerarmos na atualidade, a
existência de uma rede mundial de computadores onde grande parte da humanidade porta
dispositivos móveis e através destes utilizam: redes sociais, sistemas de orientação e
navegação por mapas e uma infinidade de aplicativos que lhes retornam respostas
imediatas e controladas (informação) baseadas nas ações de cada indivíduo – como se
fossem recompensas parciais, por alimentar, de modo contínuo, sistemas de informação
geográfica com seus desejos, ações, fotos, vídeos, arquivos e principalmente sua
mobilidade espacial na rede e nos territórios.
O oposto deste sistema de recompensa é que, as empresas de tecnologias de
informação e comunicação, de posse desta cartografia que sinaliza os lugares e
comportamentos dos grupos humanos, criam distopias funcionais sujeitando-os no
mínimo à uma modificação de comportamento. Além disto, as possibilidades de apreensão
e utilização destas informações que fluem através das redes por intermédio de terceiros –
agências de publicidade, segurança e espionagem de grupos privados ou estatais –
induzem seus usuários uma manipulação e anestesia coletiva. Como exemplo, temos os
anúncios publicitários segmentados e direcionados – de forma objetiva ou subjetiva –, à
152
grupos e indivíduos com base em sua geolocalização, cujos interesses latentes, muitas
vezes desconhecidos pelo próprio indivíduo, são sugeridos pelos sistemas de análise de
informação147 com base nas respostas comportamentais destes usuários.
No contexto da Teoria da Comunicação, e ao tratar das mídias de massa,
McLuhan (2016 [1964], p. 84) observa que:
Os novos meios e tecnologias pelos quais nos ampliamos e prolongamos
constituem vastas cirurgias coletivas a efeito do corpo social com o mais
completo desdém pelos anestésicos. Se as intervenções se impõem, a
inevitabilidade de contaminar todo o sistema tem de ser levada em conta. Ao se
operar uma sociedade com uma nova tecnologia, a área que sofre a incisão não
é a mais afetada. A área da incisão e do impacto fica entorpecida. O sistema
inteiro é que muda.
Se nos cânones da cartografia convencional mapear, cartografar e criar
estratégia de poder e dominação constitui/constituiu um monopólio do Estado e dos
agentes referendados por este, na atualidade, esta prática se desloca para as grandes
empresas de tecnologia, que, além de ampliar e aprimorar o controle e o poder cartográfico
à escala global e do indivíduo, transformou a informação geográfica num produto .
Entretanto, a questão central é que, em função da instantaneidade e do nível de
detalhamento e diversidade da informação geográfica, o domínio do fazer cartográfico, e
a própria cartografia, foram alçados a exercer um outro patamar de controle e poder sobre
o espaço e as redes.
Sendo assim, amplificam a sua influência e aprofundam as relações de
dominação sobre atividades econômicas, políticas e sociais através da (re)configuração
das suas práticas e de novos usos, e, em função das possibilidades de comunicação e
percepção dinâmica dos fenômenos e das ações humanas na produção e apropriação do
espaço geográfico. Assim, a Cartografia como um todo muda, porque a sociedade e as
relações capitalistas de produção também estão neste movimento de transformação.
Outrossim, elementos estratégicos considerados importantes para o fazer e
saber cartográfico “convencional” tornam-se acessíveis às coletividades, não apenas como
decorrência do avanço tecnológico, mas porque, em grande parte estes vem sendo
suplantados por tecnologias mais assertivas e precisas como fundamentos de uma
147 Softwares baseados em inteligência artificial (da linha investigativa biológica) fundados em princípios das
neurociências e cibernética, que imitando as redes neurais humanas envolve o desenvolvimento de conceitos e de
softwares capazes de imitar o raciocínio humano utilizando cognição, linguagem e percepção de ambientes através
de sensores, fotografias e vídeos.
153
cartografia imperialista148 de Estado e de mercado. Há uma requalificação econômica e
social das velhas estruturas associadas à cartografia convencional e fixa. Como exemplo,
os serviços postais (correios), que em diversos lugares do mundo ocidental, são cada vez
mais, empresas de transportes de mercadorias e prestadoras de serviços do que
propriamente um sistema de comunicação para entrega de mensagens.
Se por um lado, descortina-se um repensar se de fato há um empoderamento,
uma democratização do fazer cartográfico pelas pessoas, grupos e instituições não-
hegemônicas, observa-se que este fazer já não deve se restringir apenas aos mapeamentos
e mapas de uma cartografia convencional, e assim sendo, é necessário juntar estes dois
polos ou dimensões deste fazer cartográfico enquanto movimento concreto para que esta
Cartografia Geográfica possa enfrentar suas limitações e os dilemas em torno destas
relações de poder.
Uma reflexão que emerge deste contexto é: os mapas produzidos por coletivos
e indivíduos ao darem visibilidades às suas demandas utilizando plataformas de terceiros
não estariam produzindo informação geográfica que vulnerabilizam suas estratégias? O
que se busca não é uma resposta, mas o entendimento de que esta produção e fazer
cartográfico encontra-se ancorada aos métodos, produtos e concepções práticas
alicerçadas sob os cânones de uma cartografia convencional.
Ainda que cada grupo, comunidade ou indivíduo queira realçar ou enfatizar
aspectos desconhecidos ou propositalmente ocultados pela cartografia oficial – e isto é
valido –, a estratégia de dominação e de invisibilidade sobre as minorias nos territórios
situa-se numa dimensão para além dos moldes cartográficos convencionais. Eles
perpassam estes novos elementos de uma produção cartográfica cada vez mais virtualizada
e de construção dinâmica. Situam-se, para além das estratégias de poder que permeiam o
fazer e o saber cartográfico convencional.
Há um distanciamento ou uma lacuna na sociedade, na academia e nas
organizações não governamentais em discutir ou compreender o nível de coleta e de
detalhamento da informação geográfica e das escalas de atuação, em que as práticas e
produções cartográficas executadas pelas grandes empresas de tecnologia e alguns
Estados-nação são capazes de realizar com as geotecnologias mais recentes,
148 Termo cunhado por John Pickles. Ver: Pickles (1995).
154
consequentemente, de “produzir verdades” cartográficas disruptivas. Logo, coadunamos
com o entendimento de Foucault (1979, p.179) de que,
Em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem
relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo
social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem
funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, um
funcionamento do discurso. Não há possibilidade de exercício do poder sem
certa autonomia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta
dupla exigência.
Assim, é possível dizer que embora as condições técnicas atuais permitam de
fato uma reapropriação histórica do fazer cartográfico pelas individualidades e
coletividades, as condições de acessibilidade à informação geográfica nas redes
cartográficas se dão em condições assimétricas de poder, pois, as empresas de tecnologias
da informação e da comunicação, coletam essa produção informacional numa escala que
atravessa os níveis individual, local e global nas sociedades e espacialidades conectadas.
Tecnicamente se evidencia uma relação de poder desigual em termos de capacidade de
produção e manipulação da informação geográfica, de mapeamentos e do fazer
cartográfico.
Contudo, o problema está centrado do modo como as coletividades/sociedade
se apropriam, produzem ou tratam a informação geográfica. Embora tenham acesso à
mesmas técnicas e tecnologias (não em volume ou equipamentos), os métodos e
metodologias adotados por estes, se resumem à uma mentalidade e metodologia voltada
para modelos e práticas cartográficas convencionais, em decorrência de um pensamento
espacial semelhante. Ao mesmo tempo, as práticas cartográficas das massas frente as
possibilidades que as tecnologias atuais oferecem, continuam acontecendo de forma
passiva, e não ativa no sentido de autonomia individual e coletiva.
Entretanto, o fato das coletividades e individualidades se acharem
empoderadas pelas geotecnologias e, por isto, serem capazes de realizar suas próprias
cartografias, dando visibilidade aos seus problemas, implica em reconhecer que a
atividade cartográfica oficial – seja ela convencional ou não - continua sendo realizada
pelo Estado e seus agentes, fundamentados por um aparato legal, por isto, a importância
desta apropriação do fazer cartográfico pelas coletividades.
Todavia, estes agentes reguladores utilizam-se destas mesmas geotecnologias,
a partir de novos métodos e técnicas para o exercício de poder, de manipulação, e de
domínio sobre a informação cartográfica, deslocando esta atividade e suas práticas para
155
um outro nível de análise, agora, sobre os desejos, as percepções e as práticas cotidianas
dos indivíduos nos lugares e nos territórios.
As redes sociais, os navegadores de internet e os objetos técnicos de uso
pessoal ou familiar (internet das coisas) que atuam sinergicamente nas redes eletrônicas,
fazem parte dos elementos que subsidiam a produção da informação geográfica de nível
pessoal, familiar e coletiva, influenciado o comportamento das pessoas, das relações
sociais, econômicas e políticas. Em Vigiar e Punir, Foucault (1999b, p.143) assinala:
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de
retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar
e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las;
procura liga-las para multiplica-las e utiliza-las num todo.
Em torno desta problemática as dimensões política, social e filosófica
assumem um caráter importante, pois, a ética é condição fundamental frente ao caminho
tecnológico que devemos trilhar enquanto sociedade. Os riscos de ruptura da privacidade
conforme assinalamos, da manipulação de comportamento, da produção de perfis
psicológicos, emocionais, etc., sobre o que as pessoas desconhecem delas próprias implica
nos riscos de um cerceamento da liberdade, do controle sobre o ir e vir do indivíduo sobre
os territórios, da ausência de intimidade das ações do indivíduo em seu lar (da
privacidade).
Uma questão é que a informação geográfica instantânea, elemento central desta
Cartografia Geográfica, construída por cada um de nós (sociedade), através de inúmeros
dispositivos eletrônicos (fixos, móveis e inteligentes), softwares e sensores em rede, etc.,
apresenta contradições, pois, ao mesmo tempo em que empodera as multidões conectadas,
remodela o pensamento espacial e as formas de apropriação do espaço, tornam-nas
vulneráveis frente à monetarização de plataformas e sistemas “gratuitos”.
Associado a isto, vigora um domínio informacional que reifica nas redes um
modelo cartográfico hegemônico e eurocêntrico, oficializado pelo Estado como agente
produtor e regulador, e na contemporaneidade, capitaneado pelas grandes empresas de
tecnologias de informação e comunicação que valendo de seus monopólios sobre as redes
e sistemas, coletam os mais diferentes tipos de informação geográfica, do nível local ao
global, e em grandes volumes.
Assim, o Estado através de seus agentes e um seleto grupo de empresas, ao
imporem suas representações espaciais e, por conseguinte suas métricas, desconsideram
ou ocultam não apenas a existência de outras formas de representação cartográfica, mas
156
também exercem o controle e a regulação das novas formas de domínio sobre a produção
cartográfica, da vida em sociedade, e principalmente, das possibilidade de ampliação “do
ganho” de capital com o uso privilegiado da informação geográfica instantânea em sua
plenitude, ou seja, sem a seletividade que é imposta aos demais produtores/usuários de
informação geográfica, gerando assim, tensões e disputas, acerca da validade destas e de
outras formas de produção do conhecimento cartográfico, o que lhes permitem a produção
e manutenção de um poder cartográfico detalhado, e a mais-valia da informação
geográfica.
Embora a produção cartográfica hegemônica viabilize em parte a existência de
outras representações (mapas) que comumente se utilizam de suas bases cartográficas ou
referências instrumentais, as condições técnicas atuais, apontam para a emergência de
modos cartográficos para além destas relações. Seja como instrumento coletivo ou
individual, de emancipação na produção de um saber cartográfico autônomo ou de
resistência a partir do uso das geotecnologias; seja pela apropriação, por parte das grandes
empresas de tecnologia, da informação geográfica produzida (in)voluntariamente por
estas coletividades e indivíduos através redes de comunicação e informação.
Esta reconfiguração do fazer que se dá de forma colaborativa e plural, pode
estar vinculada aos padrões estabelecidos hegemonicamente, ou desvinculada destes,
podendo inclusive, partir de referências e métricas diferentes daquelas historicamente
direcionadas à um mercado voltado para a maximização da produção e do consumo. Assim
a Cartografia Geográfica se consolida enquanto instrumento de análise e de
ressignificação de práticas cartográficas no seio da Geografia, mas, não se restringindo
tão somente a este campo do saber.
São reflexões postas à sociedade atual e à Geografia comoo caminho a esta
construção de futuro enquanto devir. Embora o fazer cartográfico e suas representações
não seja uma atribuição exclusiva da Geografia, é esta, como já afirmamos anteriormente,
quem é chamada a promover simultaneamente: uma reflexão ontológica e epistemológica
sobre todo este processo de transformação espacial. Portanto, pensar não somente os
mapas online, mas a Cartografia Geográfica em seu movimento como um todo. Uma
construção, política, em meio à esta racionalidade técnica que se coloca enquanto
contradição, dado uma leitura de mundo desprovida de multiplicidade.
157
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho traz uma contribuição ao alargamento teórico-epistemológico ao
abordar um tema latente ao campo do conhecimento cartográfico elaborado pelos
geógrafos.
A pergunta que tentamos responder nesta pesquisa é: Como os mapas online,
suportados por geotecnologias e informação geográfica instantânea, contribuem para a
emergência e consolidação de uma Cartografia Geográfica (em movimento)?
A proposições apresentadas não se colocam como o caminho, mas sim, ponto
de partida. A pretensão foi desvelar lacunas, apresentar reflexões, tecer questões que
instiguem outros geógrafos a se lançarem neste campo da investigação geográfica.
A tarefa mais difícil empreendida neste trabalho foi construir uma análise
teórica dos mapas online como contributo a emergência e consolidação da Cartografia
Geográfica em um movimento de transformação e reconfiguração no campo do
conhecimento cartográfico elaborado pelos geógrafos. A concepção teórico-metodológica
adotada encaminhou-se na direção de um acesso diferenciado em relação às interpretações
que se ancoram no positivismo e suas variações.
Dessa forma, ao abraçar a dimensão humana no seio da Cartografia Geográfica
como movimento dialético de uma totalidade em aberto, esta visão renovada traz para o
campo cartográfico da Geografia possibilidades de ampliar seu domínio sobre a produção,
disseminação e análise da informação geográfica instantânea, de incorporar ao seu
movimento as dimensões humana, social e cultural em sua plenitude.
A análise teórica realizada nos permite compreender que há uma
reconfiguração de métodos, de práticas cartográficas e das formas de representação do
espaço com a transição do mapa convencional/tradicional para suportes mais fluídos , ou
seja, para mapas online, conforme enfocam os capítulos 2, 3 e 4 desta pesquisa.
Portanto, o mapa online suportado por geotecnologias e informação geográfica
instantânea, utilizando-se da ubiquidade da rede, da sua atualização dinâmica e da
capacidade de fragmentação, amplia a variedade de suportes de representação cartográfica
e as possibilidades de fazer e saber cartográfico. A análise aponta que a instantaneidade
da informação geográfica através dos mapas online, traz inúmeras implicações sobre as
158
práticas cartográficas das individualidades, das coletividades, do Estado e das empresas
de tecnologias, em suas ações nos territórios e nas redes.
Apresenta desafios e reflexões ao conhecimento cartográfico elaborado pelo
geógrafo, ao indicar que o mapa online e a cartografia virtual potencializada por este
(capítulo 2), aponta para uma ruptura com as estratégias tradicionais do fazer e saber
cartográfico (Capítulos 1 e 2). O mapa continua sendo uma representação, todavia, o que
mudou foi seu suporte, migrou de uma condição estática e fixa, para uma capacidade
dinâmica de fragmentação e desfragmentação, de ser ubíquo e interativo. Assim, a
pesquisa realizada contribui ao alargamento teórico-epistemológico dos sentidos e
possibilidades que os mapas online, as geotecnologias e a informação geográfica instantânea
trazem para a Cartografia Geográfica na contemporaneidade.
A Cartografia Geográfica em transformação que emerge renovada através dos
mapas online, apresenta novas possibilidades de análise da interação entre humanos e objetos
técnicos (capítulo 3 e 4), mas principalmente de uma construção que abrace a dimensão humana
neste cenário em que se apresenta uma multiplicidade de inter-relações, pois, a compreensão
que as pessoas têm do mundo hoje, se dá em grande parte através de redes de relações artificiais.
Acreditamos que a pesquisa traz uma contribuição para a sociedade, principalmente
porque os mapas online cada vez mais se fazem presentes nas ações e atividades cotidianas dos
indivíduos e das coletividades. O deslocamento sobre os territórios, a compreensão e o
conhecimento prévio dos lugares e das espacialidades, a mudança ou a apreensão de novos
conteúdos através do raciocínio geográfico se deve em grande parte ao uso dos mapas online e
da sua ubiquidade em rede e da instantaneidade da informação. Ao mesmo tempo, aponta para
reflexões sobre as relações de poder que permeiam as práticas cartográficas em torno da
privacidade do indivíduo, ou seja, para se pensar os limites entre o público e o privado e, de
uma reapropriação histórica do fazer cartográfico pelas coletividades nas mais diversas escalas.
Os mapas online, suportados pelas geotecnologias e informação geográfica
(instantânea), contribuem para a emergência e consolidação da Cartografia Geográfica, em um
movimento de redimensionamento e reconfiguração de saberes e práticas em função das
transformações ocorridas na sociedade, e da valorização do conhecimento cartográfico
elaborado pelos geógrafos.
Temos ciência das limitações inerentes toda e qualquer investigação científica.
As proposições apresentadas nesta tese, se constituem ponto de partida para o
159
aprofundamento e geração de novos conhecimentos. Constitui-se numa interpretação –
entre outras que possam advir – a partir da Geografia, mas que não se limitam a esta, e
sendo assim, coloca-se enquanto contribuição para um debate.
Consideramos que o objetivo geral deste trabalho foi alcançado, confirmando
nossa tese. Entretanto, abrem-se novos horizontes com novas questões.
160
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