manual de roteiro - manuel o primo pobre dos manuais de cinema e tv - leandro saraiva e newton...

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Manual de Roteiro

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Este manual não pretende oferecer

IllIgamentos e regras sobre a escrita do

. 1'lIldro, um elenco de receitas que garantam a

L IIl1strução correta, a obediência ao que seria

iI "vcrdade" no plano da curva dramática e do

10m a ser adotado numa história. Ao contrário,

prctende compor um diálogo mais aberto que,

IItl"avés de perguntas bem escolhidas, faça o

Idtor pensar junto com o texto, explorar por

si próprio as sugestões encontradas, buscar

suas alternativas diante do leque que se abre ao

roteirista em sua criação.

Não se prometem aqui milagres, soluções

mágicas; deixa-se claro que o bom roteiro resulta

de muito exercício e disciplina, de renovados

rccomeços em que caminhos variados são

tcstados na vontade de dar forma a uma intuição

"pessoal e intransferível ". Os autores seguem com

rigor o princípio de que criar e criticar são dois

momentos essenciais que se sucedem exatamente

nessa ordem quando trabalhamos num texto.

Daí a forma dada a este livro, que dispõe suas

matérias de modo a incentivar o movimento

pendular entre o escrever e o refletir sobre o

escrito, entre a prática do roteiro e a avaliação

de seus resultados a cada etapa do processo.

Torna-se, assim, viva a relação com as técnicas

l' com as noções básicas referentes à narrativa e

ao drama, apresentadas sempre como resposta

a i ndagações bem precisas, acentuando o seu

I iame existencial, por assim dizer. O épico,

li lírico, o dramático, a tragédia, a comédia, o

lill:o narrativo, o suspense, o clímax, são todos

mnceitos e questões às quais se oferece aqui um

mntcxto em que ganham validade e limites. Ou

Wiil, contornos mais bem definidos.

Se ênfase é dada à forma dramática,

como é comum nos manuais, há neste caso

a consideração lúcida de que o "o diálogo

não é tudo", e os autores fazem a devida

discussão sobre o papel da câmera como

instrumento mediador, sobre o que nela está

implicado como afirmação do que há de épico

e poético no cinema. Entrando mais fundo

na composição das seqüências e das cenas

como instâncias do olhar, este livro revigora o

tradicional recurso aos exemplos extraídos dos

filmes que conhecemos. Tais exemplos valem

melhor aqui, porque neles se observa o que há

de original, de inspirador, não apenas o que

vale aí como cumprimento de uma regra.

o tom é informal, mas o movimento é

rigoroso na composição de uma pedagogia que

busca o equilíbrio entre o que expressa um

saber - técnico, conceitual - e o que faz justiça

à natureza da matéria em questão, porque esta

exige sempre a abertura de horizontes, sem

dogmatismo.

- ISMAIL XAVIER Professor da ECA-USP, autor de

Alegorias do Subdesenvolvimento, entre outros

CONRAD EDITORA DO BRASIL LTDA.

CONSELHO EDITORIAL

André Forastieri Cristiane Monti Rogério de Campos

GERENTE DE PRODUTO

Kate Souza

CONRAD LIVROS

DIRETOR EDITORIAL

Rogério de Campos

COORDENADOR EDITORIAL

Alexandre Linares

CHEFE DE REDAÇÃO HQ I MANGÁS

Arthur Dantas

ASSITENTE EDITORIAL

Alexandre Boide

COORDENADOR DE PRODUÇÃO

Ricardo Liberal

ASSISTENTES DE ARTE

Jonathan Yamakami Heda Maria Lopes

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iN' "::Yr--Y1,<VJ..t '::fO::; _/V 4l , ''''I V ) Jera mbuCO Universidade F EeNr~~:~e~~ADE UNIVERSITÁRIA BIBLIOTECA C rasil CEP 50.670-901 - Recife - Pernambuco -~ Reg nO 3847 • 16104J2007 o~, ~ CA TítLJI~ MANUAL DE ROTEIRO, OU MANUEL, O PRIMO o

.- ·1. :i Co·.,o .... ). t ,~ "': ,}

/ -~ J

'"

• roteiro ou manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e Iv

Apresenla~ão de Fernando Meireles

CONRAD LIVROS

(.opyH I (c) :.!()()4. É livre a n'produ~'ão jl<lrél fins estritamente n:.lo ('om!'/('I;li", desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota, incluída.

CAPA: Denis C. Y. Takata

FOTO ~E CAPA: Adriano Goldman (atores: Oarlan Cunha e Douglas Silva) REVISAO: Rita Narciso e Otacilio Nunes DIAGRAMAÇÁO: Osmane Garcia Filho

PRODUÇÃO GRÁFICA: Priscila Ursula dos Santos (gerente), Leonardo Borgiani, Alberto Veiga e Alessandra Vieira GRÁFICA: Palas Athena

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Saraiva, Leandro

Manual de Roteiro, ou Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV / Leandro Saraiva e Newton Cannito ; -- São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004.

ISBN 85-7616-054-4

1. Cinema - Roteiros 2. Televisão - Roteiros I. Saraiva, Leandro. 11. Cannito, Newton. 111. Título. IV. Título: Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV.

04-6577

índice para catálogo sistemático: 1. Roteiros cinematográficos 791.437 2. Roteiros para televisão 791.457

CONRAD LIVROS Rua Simão Dias da Fonseca, 93 - Cambuci São Paulo - SP 01539-020 Tel : 11 3346.6088 Fax: 11 3346.6078 [email protected] .. br www.conradeditora.com.br

COO-791.437 -791.457

Agradecimentos

l !ill livro como este se aperfeiçoa no contato direto com os leitores.

"OI i.\so agradecemos aos mais de quatrocentos alunos e dezoito professa­

I n dI' roteiro que, por quatro meses, utilizaram uma versão anterior des­

lI" livro durante as aulas Workshop de Roteiro Cidade dos Homens. Essa

"KI,nil'l1cia foi fundamental no aperfeiçoamento do método de ensino

dt' IOleiro que propomos no Manual Fies de Roteiro, agora publicado.

( kvemos ainda agradecimentos especiais à equipe de realização do

W, ,,1shop. Pelo lado da 02 Filmes, destaque a Fernando Meirelles, que

.H olht:u a idéia, e a Bel Berlink. Pela Educine, a toda a vasta equipe, em

('spt'cial a Dolores Papa, Mauricio Cardoso e Maria Gercina Bastos.

Por fim agradecemos a Eduardo Benaim, Fabio Dias Camarneiro e

I .(';jlldro Maciel, que colaboraram na pesquisa necessária para a redação

deste livro.

Os AUTORES

1

Dedicamos este livro a

Carl Sagan e Jacques Cousteau,

ao Cosmos e ao Fundo do Mar.

AfH'osentação

N.I capa está escrito que este livro é um manual, mas deve ter sido um

11111 ,h gdfica. Este é o Manuel, o primo pobre dos manuais. Pobre mas

111111111 mais esperto, porque o Manuel não faz listas de regras nem dá re­

I ,'11.1 de como fazer um roteiro. É mais inteligente que isso. Ele bate um

11.11 li) com o roteirista, ajudando-o a entender sua própria história por di­

\!("I.~IIS ângulos.

( ) Manuel foi escrito para servir de apoio a um curso de roteiros que

11~.lva a série "Cidade dos Homens", na qual estou envolvido, como

I"Xl"Illplo. Sorte minha. Através dessa leitura, pude compreender melhor

111('11 próprio trabalho. Na terceira temporada da série convidamos os au­

IlIn:s do Manuel para integrar a nossa equipe.

É interessante ler o Manuel numa sentada, conforme proposto na in­

I rodução, mas faz mais sentido ainda ir lendo durante o processo de cria­

\;lO de algum projeto. É aí que as questões levantadas adquirem relevân­

cia e a leitura passa a ser realmente útil.

Para encerrar: O Manuel gosta de filmes inteligentes, mas filmes de

que o público também gosta. O que mais diferencia e torna este trabalho

interessante é o fato de não estar apoiado no modelo da indústria norte­

americana, mas também não olhar essa indústria com preconceito. Dziga

Vertov, Truffaut, Antonioni, David Mammet, Sydney Lumet, Mike Leigh,

Guel Arraes, Jorge Furtado, Godard, Billy Wilder. O que há de melhor

como referência está aqui.

Este camarada pode vir a se tornar seu grande amigo. O Manuel.

FERNANDO M ElRELLES

9

Apresentação dos autores

Fabricando formas de produção

Este livro foi escrito originalmente para o Workshop de Roteiro Cida­

de dos Homens, curso realizado pela FICs (Fábrica de Idéias Cinemáticas),

com apoio da 02 Filmes, entre abril e julho de 2003, reunindo quase qui­

nhentos alunos de vários estados brasileiros para quatro meses de prática de

roteirização. As aulas foram ministradas num ambiente virtual e tinham

tomo base uma versão anterior do texto que agora é publicado. O Work­

shop possibilitou que o método de criação de roteiro desenvolvido neste

Manual fosse testado e aperfeiçoado com a imensa contribuição de todos

os alunos e professores envolvidos, a quem os autores deste manual agra­

decem.

O Workshop e o Manual FICs de Roteiro são exemplos do método

de criação praticado pela FICs. Essa entidade atua como agência de iden­

tificação, coordenação e potencialização de talentos dispersos, reunidos

em função de uma produção audiovisual ao mesmo tempo seriada e ex­

perimental.

A FICs acredita num modelo de criação que combina o melhor do po­

tencial individual com o melhor da organização coletiva industrial, supe­

rando tanto as limitações criativas impostas pelo oligopólio das corporações

de produção de conteúdo como a atomização da produção artesanal.

Como Vertov, acreditamos que o homem se multiplica na relação or­

ganizada com os outros homens. Como Godard, não acreditamos na dis­

I i nção entre realização e reflexão. Filmar, editar, escrever, exibir, debater

são meios difcrcnt"cs c simultâneos de buscar a representação do mundo

t:(lllll'lllpor:'II11·O. 1'01' i.\so a Fies pretende ser uma fábrica que não se dis­

lillglll' d(' IIIILI ('\1 "!.I: .1 ';1\1,,;1\,';\0 l' a prodll<;ão são processos lJue se ali -

II

mcnl::tlll CC llllinu:l IllClltC. Para isso a Fi es atua na pub l i ca~~:lo d i.: liv ros, na

produção e distribuição de filmes e na constante catalisação de processos criativos através de eventos e workshops.

Nossa missão é a construção de pontes entre grupos cultu rais e sociais

criativos, algo como fios que ligam pontos com diferenças de potencial,

gerando a corrente elétri ca da inovação. Acreditamos na produção cultu­

ral como atividade iconoclasta de quebra de fronteiras para criar encon­

tros, processos e produtos surpreendentes e diversos, à altura do imenso potencial cultural brasileiro.

Nosso principal objerivo é contribuir para a ampliação dos setores so­ciais que real izam audiovisual no país, criando novos canais de distribui ção

dessas obras, incentivando o enraizamento regional e a descentralização

econômica dos empreendimentos de produção. São esforços coordenados

nesse sentido que propiciarão a multiplicação de obras inovadoras.

Consideramos o Manua l FICs de Roteiro um tijolo a mais nesse pro­

cesso de construção e esperamos que ele sirva para motivar realizadores

dispostos a contribui r COm a renovação do audiovisual b rasi leiro.

Mais informação sobre a FICs no site www.cinematico.com .br.

EQUll'E FICs

I '}

I/lh dução

O Manual que quer ser 11 Manuel ll

tI fornecemos receitas de bolo. Por favor, não insista

"'le é um manual de roteiro com crise de identidade, já que nao acei­

l' 11 1' 11' :r .'SLllne sua cond ição de manual. Na verdade, desconfiamos bas-

11111 • de manuais de roteiro. Estamos co nvencidos de que a escrita de um

'''''' 11 0 depende, basicamente, de processos subjetivos e intransferíveis

'I",. n.'o podem ser traduzidos em regras simples e abso lu tas.

De modo ~gum prometemos algo como um "guia para o roteiro sem

,]", n. do fipo "é fácil; basta seguir esses sim ples pass inhos sugeridos" . Os

" '.IIII, .,is de roteiro americanos (Syd Field e outros da mesma pipa) costu­

"'.1111 confundir roteiro com culi nária ou hobbies do tipo "do it yourself"

("( :onslrua a casa de seu cachorro em sete passos sim ples"). Fugimos disso.

O quc lhe oferecemos é um conjunto de ferramentas para ap rimorar,

1.'1)idar, sua criação, a partir da matéria-prima que só o seu trabal ho pode

11I 1I)Cec r. Batizamos nosso livro de "Manuel" porque procuramos fugir

do c ldrcr norn13tivo ca racterístico dos nlanua is. Nosso Manual qu er ser

,.., 1.,,",c1 porque é "um primo pobre" dos manuais, mais humilde em sua

\ \Hlvcrs;]. Manuel é daq ueles sujeitos que, em vez de julgalnentOS e fe-

1'.1." , prefercm a conversa sugestiva, que parte do que o interlocuto r diz

1'. 11 . , co locar-lhe perguntas, estimulá-lo a ver as coisas sob vários ângulos.

( ·.,da capílulo trata, mais do que de "uma parte" ou de "um passo", de

11111.1 d illl t: ll s5 o do rotc iro. A tenta ti va é de, através de indagações, "pôr

(.' 111 ( )Co" co njuntos de proble mas quc surgem no trabalho de constru-

I I {' "I " 'fi \. 10 do rO( i.: iro . com o se C ll:l cap(rt l o IOrncccssc entes es pcCl Icas que

p(' lllIi lj \~(: 1ll ve r dCI l'nllill ,ldo c:-. pc ·t ro de qu c~ l ócs (como se passásse-

I 'l

Iv\AfllJAI (Il lo' 11! 11<'(J

mos, de um capítulo a outro , d a imagem prod uzida por um lclescópio

para a de um radiotelescópio).

Por isso, o melhor que o leitor pode fazer é tratar o Manuel com aque­

la sem-cerimônia que possibilita os bons papos. Pode bem ser que, às ve­

zes, o Manuel lhe diga coisas que você ache descab idas, ou que você não

entenda, não aproveite, Paciência, a vida é assitn mesmo. O itnportante­

a úni ca co isa que importa - é o seu trabalho criativo. O Manuel está aí

para lhe servir, e servir para qu e você encontre os melho res cam inhos em

seu trabalho. Mas, repetimos, quem caminha, quem ESCREVE, é você.

o processo criativo ou Como e por que não fazemos auto­a juda

/I v,· " I. ,,1<- é bom que você, caro leito r, sa iba desde já - é que somos

tlH 'in ~ h,!l o" N, I( ) ,I h,lfllO:-' que você é supcrlcgal, nem que você ten1 uma

11111'11 \, 1 I HIIH'/, I i rll t l iO "1 r '~ t CS: 1 S' cx prcssar. T:1Il1pOUCO achamos que você

II ,HI ,I 1(' lIh , l , Si 11 (. l' l .1 I H (,.'1 11 <.:. n ~I O ,:1 g<.: nte nem te con hece e não temos a mí-

111111 ,1 idéi,J dl' ~ tl.l ' PO! 'nci:ll id :-Klcs ~lníslicas .

() qll <'" ~. d1l' n10S é que é poss fvcl potcll ciali zar sua perfomance na rea­

I i '1:1\ ' :1 " de 11m ro leiro. Aposta mos num processo de trabalho bem orien­

lado e planejado, baseado em es forço, estudo, reflexão e em reescrever,

reescrever, reescrever. Inspiração existe, sim. É o nome do estado de qua­

se transe que por vezes alcançamos, durante o qual tudo dá certo. Como

os estados de iluminação espiritllal, a inspiração só rola como resul tado

de mui ro esfo rço disciplinado. E também se desmancha muito facil­

mente, devolvendo- nos ao trabalho duro,

Não compramos a hoje tão proclamada inuti lidade da teoria. Não acre­

ditamos que "na prática a teoria é outra", que "só se aprende fazendo" e ou­

tras teo ri as empiristas-obscurantistas da mesma linha, Nenhum arquiteto

ap rende sua arte "na prática", construindo Brasíli a. Aprende fazendo ma­

quetes (exercícios de simulação da prática, como estaremos propondo no

Ma ll uel), ; lI1ali s~lI1do em deta lhe ~I ohra dos grandes rea lizadores c - par:1

I I

Itl1,n[1I

.dl 'tll do dOlllfll io l é<... lIi<...o do IIII'1;f'1' l" lud.II H.lo um:1 ga l11:1 variada e ind c­

!{' l l lIill ,1 1. 1 de :1S:'UIl IOS, apaz d a :lpo i:lr:l fo r l11 ~l ç50 de u ma visão pessoal do

IlIundo. Além disso, nossa experiência na "prárica", no dia-a-dia da criação,

'li" ll1o, rrou que a "teoria" (que preferimos chamar de "refl exão") é muito

li' il 11 0 processo criativo, Se, por um lado, a criação precede a refl exão, por

il\ I!IO, ~I refl exão a corrige e a reorienta, nUIn movimento pendular.

No entan to, isso tudo só será útil se houver maté ria-prima sobre a

'111 .01 renetir. Se você ouviu falar que um suj eito vendeu um roteiro por

1i1l1:1 ro rtuna e, no lneio dessa nossa crise nacional sem fim , pensou: "taí uma

huq li in ha", até nos solidari zaInos com seu desespero, lnas não recomen­

rI ,II" OS a leitura desre livro . Ou um roteiro é expressão de uma tentativa

ri" ve r a vida sob novos ângulos - e aí podemos sugerir perguntas pa ra

10111,11' essa expressão mais eficiente - a LI não vale a pena - e aí nossas per­

gt llH ~I S vão cai r no vazio, Tentar força r o su rgimento de idéias a partir do

li,"'" faz com que seja necessário im por regras preestabelecidas que resul­

!.11ll apenas em roteiros medíocres, cheios de caretices, clichês e obvie­

d, l lks. ~l j'ocando em miúdos: se você não tem nada de novo a dizer, vá vi­

ve r um pouco, lutar, se apaixonar por idéias e pessoas certas e erradas, se

iludir e desiludir, ler coi-sas mais im portantes que este Manuel. Como

,l\lI o-aj uda, .ttó O que temos a dizer,

o que este livro é ou "por que o Manuel é melhor que os outros"

/lc rcd itamos, enrretanro, que nosso Manuel traz algo de novo mesmo

'''I"e les mais acostu mados à leitura de manua is de roteiro.

A g r~lllde maio ria dos livros de roteiro baseia-se nun1 modelo narrati­

vo qu e o ~lhsolutiza , apresenta ll do-o co mo se fosse o único. Para o "pen­

',IIIl ent o étni co" de Syd Ficld e sua tu rm a, a forma do drattta, barateado

!l1 1111 lll odelo J/fwr!flrrl, é lUci a o qu e ex iste em termos narrativos. Nessa

f 0 1'111 ,1 0:-' pl' rs ol1 ~l gc.: Jl ~ 1l: 111 prügr : tJll:I ~ dc :J,'[io. co nnitos e psicologia "pre­

lo 1111 hl.lll u". o mo UIlI di ,\l IlI M l de 1\" , 11 , l' IH(.'do~ dl' dl:sc nh o ~I e rod in :l -

MAIIlIAII II !I' ) ll l~'"

mico como um caça de Top Gun, paradas tão bem planejadas como as do

metrô de NY.

Em geral, essa concepção dramática é apresentada como "aristotélica",

o que já mostra que há algo de podre nesse reino de gramados bem apara­

dos. Onde es tá o "terror" da tragédia? E onde está O coro, que impunha

aos heróis gregos o confronto com as regras da coletividade?

Mas deixando Aristóteles em paz, no alto de seu merecido olimpo,

esse "drama" de manual, com pretenso e naturalizado D maiúsculo, faz vis­

ta grossa mesmo aos grandes dramaturgos americanos deste século! Quan­

toS "erros" enCOntramos nos monólogos interiores de Eugene O 'Neil ou na

debilidade das mulheres de Tennessee Williams!

Alguns republicanos dirão que "isso é teatto" , que cinema é questão

de indústria e, como tal, requer aplicação de fórmulas testadas e aprova­

das. Digamos, por um instante (esquecendo que até o sucesso industrial

se faz com invenções ousadas), que sim. Cinema, então, é Cidadão Kàne, não é? Mas que roteiro é aquele? Como alguém deu dinheiro para se fazer

um filme que termina sem que compreendamos direi to o protagonista? E

que confusão, que falta de unidade!

Ou seja, todas essas regras de ouro (tais e tais divisões, o modo corre­

ro de construir o personagem etc. etc) são receitas para fazer um bolo

bem específico, que até pode ser gostoso, como clássicas tortas de maçã,

mas que certamente não esgota as imensas possibilidades de invenção

culinária.

Análise fílmica é o nosso instrumental

Nosso Manuel, em vez de romar algum modelo narrativo como defi­

nitivo, analisa, do ponto de vista da escrita do roteiro, vários filmes já rea­

lizados, buscando compreender seus mecanismos (muito diversos e com­

plexos). É como desmontar vários relógios para entender seu mecanismo

c, assim, orientar as questões que surgem quando se quer fow'J' 1I1ll.

" ,,~ , ~ " " , . ,. ,

Nos apoialllos h;lslallll' lla ;lldliSl' rfIl11i l'a, IIIll mc.:l'odo de observação

100Illlal"estrllllll'al dn ci 'll'ma. ()II seja , em Vl'1. de perguntar "o que o fil­

IIH' quer dizer", investigamos "como ele está construído", levando em

l 1I11.,ider;u;ão toJos os e!clnentos expressivos empregados na sua realiza-

11,10: fl)oIHagcm , trabalho de câmera, fotografia, mise-en-scene, cenários,

"hjelOs, músicas, ruídos, diálogos, interpretação.

1\ all:ílisc fílmica é um campo de pesquisa que se desenvolveu princi-

1',llollente dentro das universidades (no Brasil temos, em especial, a obra

d .. 1."'1ail Xavier), em especial a partir dos anos 1970. Mas, antes disso, al­

f',III1.' textos de cineastas (com destaque para as obras te6ricas de Eisenstein

" d"s f()I'malistas russos, escola crítica sua contemporânea), já indicavam a

1''''l'llcialidade desse caminho de análise formal. Trata-se do resu ltado de

IItll ,·., fc>!·ço para criar uma forma de estudo específica ao cinema.

Nosso método se apó ia nas conquistas desse campo de pesquisa.

( :"111 isso , somos capazes de orientar a redação de um roteiro trabalhan­

d" :I partir de suas próprias características internas, e de fuzê-Io rendo em

vi.":I Ilio apenas a história contada e a encenação, mas todo o amplo le­

'1111' de recursos que só a narrativa audiovisual tem.

• Para além do modelo dramático

Roteiro, como o nome diz, é um guia para um percurso a ser realiza­

I II t . Fscrever um roteiro nao é o mesmo que escrever uma peça ou um ro-

1I>.1I1 CC . Um roteiro não é ainda uma obra, mas um plano para uma obra.

1-,." t Il:io é detalhe, é fundamental. Escrever para cinema ou vídeo envolve

.. 11·lIlelltos que vão além dos que compõem o drama; vão muitO além do

lcXlo l"scrito.

( ) imeressame é que as "regras do sucesso" dos manuais não se apli-

1:1111 ;) gralldc maioria dos filmes realizados hoje, mesmo os chamados

"'ltllll'rciais" O ll de "ind',stria". Rasta assistir Cidade de Deus e Cidade dos //011/1'11.'·, a." ill1 COll10 lI111ilOS espcciais para TV de Jorge Furtado, João 1:; ll c-lo ou (;Ild Anal's (entrl' cks alglll11as das melhores ohras audio-

li

'" IIIIAI I R""rt

visuais nacionais dos últimos anos, que privilegiamos nas :w :i li.'cs dcs lc

livro) para ver que os roteiros dessas obras não cabem nos modc1 itos de

origem dramática que circulam por aí.

Basicamenre, esses autores costumam trabalhar criativamente com a

mediação de um narrador entre a cena e o especrador. Quer di zer, a câmera,

a montagem e a trilha sonora co ntam (moswlIn) p:lra nós o que acontece,

co rno quem diz: "veja isto, agOl~1 veja este detalhe, agora veja o que acolHe­

ccu d C"l. dias antes, agora ouça o cornent,írio dcst'e personagem sobreposto a

esta cena de ação, mostrada sem som ... ".

Em termos co nceiruais, a presença dessa med iaçiio da câmera (Orna a

narrati va alldiovisllaluma combinação das fo rmas dram<irica, lírica c épica.

Em rermos pdricos, nosso livro incorpora essas especificidades da lingua­

gem audiovisual, não como "fcrramentas a m:lis", co rno um tópico enrre

OUtroS (algo do tipo: "o uso da iluminaç:io"), mas corno U Ill jeito visual de

pensar e escrever, que deve estar prese nte para o roteirista O tempo todo.

Propomos que se deixe de lado a idéia de que o roreiro é basi cam ente

d iá logo. Essa visão, derivad a da absolurização da forma dram:itica, pode e

deve ser superada por uma vis:io mais es pec ifi camem e c inemalOgr:ífica

do rol eiro, que o encare como um estímulo 11 visualização da na rr;lliva,

cnvolvendo o.~ diálogos - e as vozes off - no conju nto do nuxo audi o­

visual COIll el ipses, lllomagens paralelas, manipul ações temporais, Im-"~ i ­

ca, iluminação erc.

Essa defesa de ullla escrita audiovisual, vale a pena subl inha r, é al go

bem mais profundo que a mera fo rmatação do roteiro. Em nossa experiên­

cia did:írica, percebemos certa ansiedade dos inreressados em escrever rotei­

ros com alguma fo rmataç:io da página preesrabclccida. Isso é ourra fet'i­

chização, tão ilusória e si mplificadora como a obsessão com as "récnic ls de

roteiros" que definem uma canilha clássico-dram:ltica para as hi stórias .

Esse espantalho da formatação é uma hllsa questão. Para que n:io se r.11e

mais nisso: basea que as indicações definam cla ramente o espaço a ser fil­mado, o que é importante para a análise técnica que a produção brá, pre­

parando a fi lmagem, Ou seja, basta que o famoso cabeçalho " interio r/no i­

te/saIa do fulano" seja fe ito com clareza, indicando cada nova mudança de

espaço. O resto é detalhe. Um roteiro é Ulll insl'tumento de comunicação e

deve ~er escrilO de lJ']odo;1 f:lci lil ar ;lO selJ !c iror a vi .~ lIali 'l.:I~·:in da hi .~ ((íria.

orno ler o Monu I

1'11 " ('j lll . . Ip "c!>ell lam \)s rH) S,~r ) pla no dc vôo:

1'.'le In .uH lal esd di vid ido em d uas partes. Na pr imeira, em cinco ca­

p(lulo!>, \,10 d i!>culidas idéias e procedimentos que ol'icmam o rorei rista

11<) 1I·.rçado do "p larro geral" de criação do tex to, isto é, no trabalho de de­

rilli~. I{) de "g rarrdes blocos", rústicos, se m la pidaç:io. Nessa fase in icial O

"l rciriSI;! ex plorad seu próp rio material, to mando consciência dos limi­

In c das ICIlSÔCS da obra em gestação. Em termos pdticos , na primeira

p.lrl e do liv ro o rotcir isra dominad conceit'Os qu e o ajudar:io a construir

Il ln primei ro esboço do roteiro. Num segundo momento , a parrir do sex-

10 r..:. rpíru lo , o roteirisra receberá o rienração so bre como analisar, desen­

vo lve r e retrabalhar conrÍ nuame nre seu texto, seguindo lima palita de

qIIC\ I[)CS mais "técnicas" .

A .~cgunda pan e visa a o riema r o traba lho de dese nvolvimento e rees­

l i il.1 do roteiro. Em vez de d iscutir as lécnicas de roteiro de fo rm a gelléri ­

~, I c imposiriv:l, opramos por orga nizar o rexto em um;l sé rie de pergull ~

L., q ue o rorerisra deve El'l.er ii. sua própri:1 ob ra.

C Icia capírulo é ded icado a um nível de consideração do rol eiro : cur­

V. I !;c ral e e~l eta (cal" 6) , seq üência (cap . 7), ce lla (cap. 8 e 9) e repeti­

., OC.\ (cap, 10). Não se t rata - insist imos - de "passos para esc rever um ro­

le i.o ". mas de níveis de reflexão e ajuste do rra bal ho cri:lIivo , qu e NÃO ' l O dc!>c nvolve Como a demonstração de um teorema, do princípio absrra­

" I : II ~ t IS detal hes de mise-eu-scel/e. Um rotc irist;\ pode começar o d ia tra­

lul h.mdo num diálogo o u nas rubricas de lima ce na , passa r pa ra experi-

1I1CII I:IÇÕCS com in versões tem pora is na escal eta c terminal' ponderando

1I. 1I11 :II;:C Il S C desva ntagens de uma aprese ntação mais rnelan có lic l ou di-

11.1I 1Iica. Qucr d ize r qu e, na práti ca, o rotei rista se defronl:l silll ul tanea­

II ICI " e Ct)1l1 as qu eslões aqu i anali ticamente separadas em capírulos.

Nw.s:1 cxpr.:ril:Jlc ia com es re rex to - que serviu de apostila para um

lI'orld}{J/' li/I/i/li' dc eSCri t:l de rote iro.~ - ~ lI gere qu e um bom método é lê­

In 11 11 1.1 )11 il llr.: ir.l VCI po r irur.:i ro, de um só fô lego, para depois rero mar

l . • d .1 l.IpllLrlo l O ll1O killll'.l de CO Il\lrll :t n: nl.'x iv:I, de aco rdo com inrcrcs­

\ l '\ n lll'l íliu " .

I 'i

Mas, como rud o mais no livro, isso é apenas uma suges tão, Fize mos

nossa pane "construindo o personagem" Manuel, mas agora de já não

nos pertence e será recriado conforme sua rdação com ele,

, ,

Manual de Roteiro

Ou Manuel, a primo pabre dos manuais de cinema e N

Sumá rio

Po,te I - ARQUITETURA E ALICERCES: DEFININDO AS BASES DO ROTEIRO, 29

Capitulo 1 - QUAIS SÃO SUAS INTENÇÕES? EM BUSCA DO ROTEIRO, 31

Começando a escrever, 33

Por que faze r esse fllme? ou: quais S30 as minhas inrenções?, 34

" Preparado você nilo cst:í", 35

As irucnçôes veladas dos narradores ou Di:tlogando com

adolescemes c machões, 38

Exemplo de análi se: "A Coroa do Imperador" , 41

Capitulo 2 - CRIAÇÃO: AS TÉCNICAS DA ARTE, 45

o miro romântico (h! originalidade, 47

Multiplicando idéias, 50

Repcrr6rio cu ltural e curio .~ id adc ico noclast:l, 5 /

A experiência da escrita: profi ss ionalismo c arte zen, 53

Capitulo 3 - SER OU NÃO SER DRAMÁTICO, 57

I )ifcn.: IIÇIS hásicas entre as formas dramática, lírica e épica, 59

23

1

[)r,ll11a: um o u tro mundo possível , 60

a} SillJação dramá tica, 62

b) Diálogo, 63

c) Progressão, 65

d) Suspe nse, 66

Os limil'es do drama, 68

Além do drama, 69

Formas não d ra m:iricas, 72

a) Lír ico, 73

b) Épico, 71

O,~ limites do drarn<l e o cinema moderno, 77

Capítulo 4 - OS QUATRO REINOS DO DRAMA: TRAGÉDIA, COMÉDIA, MELODRAMA E FARSA, 79

Introdução desconfiada, 81

A nossa c1assific;lÇão, 83

a) Melodrama, 85

b) Farsa, 87

c) "r,agéd ia, 91

d) Coméd ia, 93

Capítulo 5 - PROJETO E ESTRUTURA GERAL, 97

Os gmnd es vetores de urna histó ria (ou : "mudanç<ls na situação

d ram,hica c nos personagens"), /01

Trf:s panes?, 104

A dime nsão épicl (ou: "solte a frang.t"; ou aind a: "TV Pir:1ta e

Jean~LlIc Godard"), 106

Exe.:rnplo de.: :lII:ílisc: pro jeto e esrrLlfura de Cidade de Drus, 108

1" "'0 11 DA ONSTRUÇAO AO A ABAMENTO: TÉCNICAS II I fRATAMENTO DO ROTEIRO, //3

c'pitulo 6 - CURVA DRAMÁTICA: ESCALETA E TOM, //5

C urV,1 d ram:it ica c escalela , 117

1'/01,119

I'O I1l 0S Cfuci:lis, /20

:I) Pomo de panida, / 2 1

h) POIHO de clímax, /2/

c) Pomo se m rerortlo (descnbcc ou crise), 122

d) POIHOS de idenrifl cação c de col1'lent;Írio, /24

Va riações tOnais, /26

a) Pausas e prcp;lraçóes, 128

b) Foco narrativo, 129

c) Va riações tem porais (Jlf1Shbacks, sumários e

desloca menros), 132

Exem plo de an ~ l ise: escllel:l de "Uólace e J030 Vi ror" , um

programa da série Cid"dr dos I-Iofllms, f 35

Capitulo 7 - RELAÇÕES INTERNAS A UMA SEQÜÊNCIA: RITMO, /4/

" [)adinho o caralho!", 143

:1) Movimento ge ral da seqü ência, /46

h) Elipses e manipulação do te mpo, 147

c) Hr{shb(/('ks e sumários, /50

l ~x~1l1pli) de.: :ll dl ise.:: sL'q iiêllcia de aberulra de Gdnde de Deus, 157

Capitula 8 - CENA UNHAS DRAMÁTICAS, /6/

o nüclco da cena, 164

A curva da cena, 165

Pequena digressão metodológica, 165

Análise: a estrUUl ra do clímax de SabriJltl, 167

a) Ponto de partida, 167

b) Desenvolvimento, 167

c) Clímax, 168

d) "Fecho", 168

COrt::H ou não cortar?, 169

Mos! rar ou narrar? , 170

Cenas com mais de uma linh,l de ,lÇ:'iO , 171

An:ílise: a despedida de Bcné (Cc/mie c/e Deus), 173

a) Ponto de partida, 173

b) Desdobramento, 173

c) PontO de virada, novo clím:lx, mais fone que o primeiro, 173

d) "Respiro", 174

e) Clímax, 174

f) "Fecho", 175

In rervenções não dram:íticas na cena, 176

Exemplo de "esboço de cena": "O carteiro" de Cidade dus

Homens, 178

Capitula 9 - CENA: CARPINTARIA DA MISE-EN-SCENE 179 ,

Marcação dos atores ou "quem manda na cena?", 181

O cl ímax de Sabrilla: mise-en~sâ:ne, 182

a) Ponto de partida, 183

b) Desenvolvimento, 183

d 0(11 1.1 )( , I H)

d) " h,;clIO" , I Hr,

I ) d l( )!)O S C COIl Q)Qrl:llll Clll'OS , 186

a) Diversidade das falas , 188

b) Um "problema" especial: o "bife", 191

c) f;:dando sem drama, 192

b paço, 193

a) Espaço público e privado, 195

b) Definit mais ou menos o espaço, 196

c} Digressão modernista sob re o espaço, 197

d) A escrita cinematográFica: um conto de Aldntara

Machado, 199

e) Dramaturgia pl:ística: os elementos vi.~uais da cena, 204

Capitulo 10 - REPETiÇÕES: SINAIS AO LONGO DO

CAMINHO, 205

Antecipações, 210

Caracterização de personage ns, 212

C aracterização de relações , 213

O bjel'Os de desejo , 215

Digressoes por "rima visual" , 216

Exemplo de anál ise: o vai~e- vem da dl1lera, 217

N (l!:l ~ , 22 /

(~ ll l' rn ,\ ()lllOS, 229

( J IILlll l!I ILTCI1H)S ser, 23 /

Parte I

ARQUITETURA E ALICERCES: DEFININDO AS BASES DO ROTEIRO

Este manual está dividido em duas partes. Na primeira, em cinco capítulos, são discutidos idéias e procedimen­tos que orientam o roteirista no traçado do "plano geral" de criação do texto, isto é, no trabalho de definição de

"grandes blocos", rústicos, sem lapidação. Nessa fase

inicial o roteirista explorará seu próprio material, toman­do consciência dos limites e das tensôes da obra em gestação. Em termos práticos, na primeira parte do livro

o roteirista dominará conceitos que o ajudarão a cons­

truir um primeiro esboço do roteiro. Num segundo mo­

mento, a parti r do sexto capítulo, o roteirista receberá

orientação sobre como analisar, desenvolver e retraba­

lha r continuamente seu texto, seguindo uma pauta de questões mais fltécnicas~.

Capítulo 1

QUAIS SÃO SUAS INTENÇÕES? EM BUSCA DO ROTEIRO

• Princípios de roleiro para cinema: a importância e o

especificidade da imagem; o antecipação do filmo­

gemo

• A escr ito como exercício· contra o paral isia da "idéia

genial" , muitos idéias

• Em busco do ~i n'ençaOH: escrever pOfa ver melhor o

que se onteviu.

• Por onde começor2 A ausência de regras lóg icas no

CflOÇÕO

• Criação e comunicação: o projeto de roteiro e o in­

terpretação do demando social.

li

Começando a escrever

Uma das perguntas mais cOllluns na l1or3 de começa r a esc rever Ulll

lote iro é: por o nde devo começ:lr?

Tecn ica mente F.tb ndo , h:i il lllllH.:ras formas de começu seu filme. H:i pes~

\0,15 que começam com um tem:1 que lhes inrercssa ou que conhecem bem

("vou tratar da violéncia brasileira"); h,i quem comece por um con flito pon­

lual: outras, por um espaço ou imagem, por lima tlll:ISiGI, ou ainda pelo vis­

lu mbre de lllll personagem. Q llcr dize r, conlCCC po r anel.: você ben\ clll ende r.

Es te m:mu:11 não lhe forn ecerá uma rcceit:l de holo, do ripo "se;:! um

rorcirisra em do, lições simples", Cada capírulo NÃO I: um P;1SS0 dado

sem esforço c gu iado de modo seguro em lima "vi;lgcm sem dor", Acrcdi ­

lama s ajudar ofe recendo, a cada elap:l, um conjunto orga nizado de ques­

tões que põem em foco Lllll ;ISpeCI'O determi nado do roreiro. No cl pírulo

7, por exemplo, são as reb ções que compõem o padrão rítmico de uma

seqüência; j:í no Clpítu lo 10, nossas "lentes" - nosso campo foca l - IllU­

da m para pô r em des taq ue as rimas visuais e repetições que atravcssam o

fil me todo, como li ma linha melódica secund:ír ia .

Mas rl.ldo o que pod emos fazer é aj udar na ordenação, no es fo rço de

melhor consrruir a forma daquilo que voei:' led de produzir. Acredita­

mos que o esforço coo rde nado c colet ivo melhora a qua lidade do acaba­

mento final , mas sabemos que na ra iz da criação está o impulso indi vi­

du ai e, em larga med ida, inconsciente. De modo pessoal e intransferível,

cada escritor deve cnfrenrar a dura tarefa de ex rrOlir de si a ma ré ria-pri-

1l1;l . Só o que podemos fúer é Olj ud:í-Io a Iapid:í- Ia.

33

Por que fa zer esse filme2 O u: quai s são as min ha s In ­

tenções?

Um filme é um objel'O improvável. É resultado de um co njunto de es~

forças tão complexo - e tão caro - que deveríamos IlOS pergunta r "por

que tudo isso, Illeu Deus?". Ser cineasta no Brasil é, enr:i.o, como resumiu

O cineasta gaúcho Jorge Funado, mais 0\1 menos como ser astronauta no

Chipre ' . Sinceramente, pelas recompensas materiais, não vale a pena. Por

isso, se fo r apenas por grana c sucesso, podemos lhe g:.l ranrir: há muitas

ma nei ras menos penosas de obter "o t ilintar das moedas, o ala rido das

pa lmas e os gemidos das mul heres" (ou dos rapazes. moças) - que, segun­

do o ci neasta José Roberto Tarera, são os sons que movem o homcm2•

Para piorar um pouquinho mais, faze r cinema é como ser trapezista­

por mais experiência que você adquira, seu negócio ex ige que, a cada vez,

você arrisque o pescoço (se não, não vale a pena). E as pessoas estão lá um

laIHO para ver você quebrar a ca ra , al i:ís.

r13.1 como d i'i. Eugene Vale (provavelmeIHc o auror do melhor m:ullI:l1

de rorei ro já escrito - aré agora, d izem estes "modestos" trape7.isl:ls .. . ), é ne­

cessá rio uma "convicção audaz" '>. Ou, como diria Si lvio Santos: "você esd

certo di sso?"

Mas disso o quê? Afinai, do que se traIa? Se você pensou "esrou certo

disso, sim ." vou entrar nessa, po is amo o cinema", foi gongado. Quem

"ama as mulheres" não ama nen huma. Não ex iste ci nema , existem fil ­

mes. Você quet f3'l.er um fi lme, Por quê? Qual filme você rea lmenle quer

fazer? Sidney Lumer d iz que a pergunta fundamental é sobre a "intenção"

fundamental:

"De que trata es ra hi st'ó ri a? O que foi que você viu? Qual foi a sua in~

tenção? o que você es pera que o públ ico sinta , pense, viva? Com qu e

d isposição você deseja que as pessoas saiam do cinema?"4

Fab.ndo das inrençóes de seu Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon,

r ')7'» . Sidncy Lumet diz o seguin te : "uma históri a que, na t rama, tra tava

d(' IIHI II O ll1t' ll1 qUt' , 1 ~~. IIt . 1 11111 h.lIl l I) p.11.I lpl t' n 11.1 li I!H ,Ido pud l."~l' U )l1

"pUI lhuh eilo 1',1 1,1 11111 .1 0l'l' l.I <" IO d l' IHIHJ.II1 ~.1 dl' :>ocxo . ( .. ,) 'Um dia de

I.H) · c r.1 11111 filll1c :>o"hrc II que U::nl":>o t:1l1 COlllum co m o componamenro

1.1.11 \ ChOL.lll tC"\

A " i:.t i IllO,s :1 Mllc!N't/" pa r;1 ;tprel1dcr, viver ~ experiência de ga n h:l r li m

I (' III!) e perder:l ;t!m:l. G lIl'I'!'!{ I/flj'},strdm (S(({/' \\í'rm', George LUC:1S, 1977)

I' 11111 Inra to, cheio de f({sers, naves, baralhas , ETs c planetas eXplodindo,

111.1\ 1.í 110 fundo ,se I rala da luta de um rapaz. para to rn:ar-se homem. Yoda

1.11.1 corn rodos nÓS: "Preparado você nao esd",

"Preparado você não está"

Nao pense, no cnranro, que você só pode começar a escrever quando

tiver a,s intenções ro talmcn te claras em sua ca beça.

Como disse Yoda para Luke, "preparado você nao está". Iv la,s você

\t' IHe que "a lgo" em você exige que escrl'va um roteiro. ' Ellvez vocc: ai nda

11 .10 seja ca paz de responder com cla reza e concisão à pergunta de LUlll ct.

Atillal, essa é Iltn;l pt.:rgu 11 t":I que ele, corno dircwl', f;IZ ao rote iriSl:l depois

dI) roreiro p1"01110.

No in ício, um rotciro é uma intuição. lima "convicçao audaz" de quc

h.í algo para ser ex presso. O germe do ro teiro pode ser a imagem de so­

nho que nos perturba , como o navio e ncalhado de Ti-nrt E:itrttllgl'im

( \Va lter Sa lles c Danieh Thomas, 1995). Pode se r uma frase ('"quando

(;regor Samsa aco rdou, viu-se tra nsfo rmado num imenso inscro"(o) , um

pl'rsonagem do qual vi.slumbrarnm o vulro ("meu nome é Morr, Ed

l'v1ort"-), Li ma si tuaçilo (um grupo de rdln;ldos b Llrguese~, por ;l lgllma ra­

/.1 0 inexpl idvel, não co nsegue sa ir de um s:ll;1o de fesras S) e sabe-se I:í

mais quantas possibilidades. É preci.~o mergulhar nesse germe, alimcnd­

lo. Ex plore pos,sibi lidades co mo quis"r: escreva linhas do diálogo. rente

fúcr a escalem Oll faça co mo Borge,s9 e escreva:t crítica do filme que :t in­

,.h não existe. Faça como quiser, mas faça! -rodo rotei ro (ali:ís, tudo) pre­

... is:1 corneç<1 r de algum lugar, Escrever é t:xt:rcício.

Cada f.:a p { ILLI~ ) dl::-Ole manua l :lp reselll ad uma :-oérie de ~ 11 L l· I L(.L~on. unl

conj ulllo de pergumas de ca ráter estrutural (coisas do tipo: "a pL'ep.L L':lç:lo

para o clímax esd feira nu m ritmo adequado?"). Não considere essas li­

nhas gerais C0ll1 0 "planos arquirer6nicos" para uma reda'fão "poste­

rio r". S:'io l'enexões sobre possibilidades de lapidação, como dissemos. Se

não houver o ;írduo trabalho paralelo de trazer à luz o ma rerial a ser lapi­

dado, n:ld:l acontecerá. Para criar, não espere o riemações. Crie, de modo

imed iato c intui tivo. Depois, pare para pensar.

Os exercícios d:l esc ri ta podem ser vistos como lLm:l série de cxpe riên­

Ci:IS em busc:l d:l "ilHenção" de Lumer, da motivação profunda que ex ige

que o film e seja esc riw. N50 há ordem lógicl na criaç:1o. Você n:10 tem ,

necess:1 ria!1) cnre, prime iro a idéia, a "inrençáo", e depoi~ ded uz a hisró ria .

Você 11 :10 vê c depo is escreve pa ra con tar o qu e viu. Você escreve para

ver o {llIC antcv iu ("Co nfi e na forçJ , Luke!"). O rot eiri sta bUSCl :l lgo quc

el e (1 :10 sabe de ant em:1O o que é; como um:l lembrJ nça be m remota , :t1 -gum episód io da nossa vida que "sabemos" (senrimos tU memória) comu

"milit o dr:unárico", fo rre, mas, de imediato , 11 :10 conseguimos descrever

em detalhes. I::"~cre\'e r o rotei ro é "desenvolver essa inru iç:1o", e:-ose ~(! l1l i ­

mento sobre o "pom o" na memól'iaj desdobr:í-Io em seus del:tlhes e dra­

maricid:lde, O próprio conjunto do roteiro é como li ma expl.!ri~nci:l de

'luímic:l artísrica, busca ndo que a "i m enç:lo" se precip ite.

Talvez, depois do roreiro pronto, você nunca fiq ue .~a [i sr(;iro co m SLl:t

própri:l ma neir:l de expressa r a sua " imençáo" . 'fa lvez um cdt ico seja capaz

de fazê-lo mel hor do que \'ocê, Mas, como rore ir i.~ ra , \'oc& semir:Í se o 1'0-

reiro tem ou não essa "imcnção" . Enquanto você 11:10 ''semir'' que:1 inten­

ç;'ío se rea lizou, o rore iro não estará prolHo. Se, uma vez prol\ tO o rotc iro c

rea lizado o filme, ele for ass istido e continuar sendo assi.~lido, e as pcswa~

co nversarem c pensa rem sobre ele, e d iscut irem sobre a "inrenç:1o", você

rerá cumprido sua missão.

Se um dia você for trabalhar com Sidney Lumet, ele lhe perguntad:

"Sobre o que é se u filme?". Ele pode até discorelar de sua própri:l imcr­

preração e, mesmo assim, achar seu roteiro ótimo. Mas ele vai 'lucreI' ou­

vir a SU:l inrerp rcraçáo. H á quem di ga que ficar pemiando sobre o que ~c

q uer dizer "mat:! :1 criarividade". que "os fi lmes S:10". I: pmJuo. Fil me ":;0 -

bl ('" \{' Ii ,j t IL.llo . i..l·l t'hl.d , 11.10 hlOl.lll.t tI,l\ proflllldez:" do :-ocr. 11 :lu m

I'IIUUI de vl'l"d.lde ni\\o : .Iiml.l qu e InUilll du que "brota das profilndezas

dll \l' l" Il.IO i..he ire hem e l.tl Ve? ]ln:lc rí .... etl1us náo ex por nossas tripas

I' m PI.I\.1 p~íhliL.1 . é di~:-oo . em gra nde medida, que se trata. Se você se

plll\ ege de :-oell \ medo:-o atr.b de :tlgulll "bom tom" preconcebido, jamais

n lll..'vcr,Í .llgo de valo r. Escrever não é um alO bem educado: est,í mais

11.11.1 11111 ch.lri vari do q ue par:! um chá das cinco, Agora, se você fi car na

n; pre\~ão vi:.ceral". na "Ill!cessidade de pôr pra fora", pode ser difícil dis-

11l1~lIir sua :I rt e de ourms arivid'ldes visce ralmente h tlmal1a.~ , m as menos

11 t 1 (' n:':Wl ll \"es.

N;lO acn.::dire no p:lpO de que reAetir sobre :1 obra mar:l a criação.

I\ell\!cl n. Paso lini , Glallbcr, Ale.l , Visco mi , Godard, Truffaur, Rohrn er,

Hl eV'.o l1 , Fassb inder, Wendel's - ou seja, o pessoal do pr imeiro rim e - não

.Il rnlilar:un . Desde que não se cai:1 na distorção racionalista (também

IlIu. t.d) de achar qu e a obra deve seguir c ilustrar a refl exão. você só t-ed a

g.lllh,lr mistura ndo seu cérebro a suas vísceras. Confo rm e enfatizaremos

~h' Ir.mscorrer de rodo esre livro, C ri ar c criticar sáo dois movimentos

lo rnplcmenta rcs. O bom roreirisra é UIll excelen te crítico do seu próprio

I .. th.l lho. Ponha as mãos à obr.l ilté os cOlovelos, lambuze-se nas próprias

profundezas e depo is reflira sobre o que fez, 1':'11 como um pimor que recua

Il cllte ao quadro em an<lamcnro. Mistura m-se aí os csforços de narraçáo

do bto com os es forços de "im erpreraç:\o", de com prcensáo do que estava

(' lU jogo no fno. Esse é um movi mento co nd nuo. É a í que o uso das téc­

nlLas de roteiro se torna criat ivo. Provavelme nte você passará po r v;írios

q~!.ld fO.~" composms, bOlsica menre, por UIll con fli to principal (3 busca da

I \' \01(1(,':10 detona o movimento (b história), personagens que o vivem (co­

IlhcLlT a pe rsonagem e êlcompanhar :t história são, nos bons roreiros, duas

I.llC~ da mesma moeda), o tom em que a h istó ria será ca mada (cômico,

d l.tl ll ;i t ico) e UIl'l;l h ipólcse sob re:l imenção d isso tudo. Como exercício, a

,. ltI,1 Illme qll e você consider:l r b0111, re nre ul tra passar os recursos não es­

"· I\li.l i\ (v i .\ lI a i ~ e n;lfr:tl ivos) mobili zados e se pergunte sobre a intenção

f umblllenl :11 e .\(,hre O)lll() h iSlúri :t e pcrson:lgens a revelam. Experimente

1I11.tbil l.u· tnlld.~II(,.t\. na h i~tt', ria e no l]ll:tdro de personagens, q ue altera-

11 .1!1l .1 illletl\.uI dI! fihlll,:, p.ILI rndhOl ou pior. Você cstará se ap roximan ­

II~ 1 Ill l·111 .ll llH·tl r(' d." . ~ 1.~ I 'l\t i.l\ dll I' 'l l' ll 1\1.1.

As intenções veladas das narradores ou Dia logando com adolescentes e machões

No ofício do roreirista - assim como na vida - quase nunca a mel hor

fo rma de di zer o que se quer é a fo rma d ireta e explícita. Insin ua r uma vi­são tOrna-a ma is poderosa, faz com que ela peneire pejos poros, em vez

de p aSS:H pela porra da freme, submetendo-se ao cri vo de nossa crírica .

Não se t'r:U <l, de modo algum, de "enganar" o pübl ico, mas de tctl t:lr ofe­

rece r algo que nem mesmo o público sabe que quer. Um dos argumenros

mais irritantes na dcrcsa da mesmice é: "Eu dou o que o püblico quer" .

Ora, rodo mundo sa be qtl e o que realmenre queremos não pode ser P05-

ro em palavra~ cla ras. Queremos o proibido, o que nm é IH.:gadll ;( ré no

nível da forrnubção do desejo. Um dos papé is de 'lucm se prerende anis­

ra é burlar essas fromeiras . Isso co meç:l na lura co nsigo mesmo para ten ~

rar marerializa r:l ta l da "intenção" fundamenra l, muiras vezes pouco cla­

ra para o próprio a rti sta . Prolon gJ-se no modo de composi~'ão da obra.

que deve abso rver os níveis de repressão e desejo que f(m naram nossas al­

mas segundo padrões vigentes.

Um equívoco pa ml elo ao do "eu dou o que o públ ico quer" é o "não

esrOll nem aí para o püblico". Isso é virrualmenre imposs ível. É claro tllle

quem cria algo não vai , ant es, Eaer pesquisJ para conhecer o püb lico

(não se mu a de publicidade). Mas é quase um pressuposro lógico que,

quando se escreve algo, haja como pano de fundo a imagem de um p ú ~

blico ideal. G llim:u:ícs Rosa - ou melhor, o livro Cm"de Se/"liío; Vt'/"I!dm ­"pro jeta" um "leito r idea l" que domine umas vime língu:ts e ["r;l diçüe.~ cul­

turais. Tl lvez apenas () celebrado trad utor alemão de Rosa, ou nem ele, rea­

lize esse "projero" de Iciro 1" ideal. N:io import<l: ele esei implíciro no livro. É

bom que você, co rno roreirisra, pense nisso, esforce-se p<lr<l ra rnar cons­

cienre seu es pecrador ideal. Isso é ma is crucial no caso do cinema, lima ane

de massas . Lllmet coma que quando esr;1 va fú.endo Um Dia de CriO pcns:t­

va nos machões que freqüentavam o boteco do b;1irro opedrio onde cres­

ceu . Como f.1zc r para que aqueles caras "dessem um a chance" a Sonny, Ultl

sujeira que assalta um ba nco pJr;1 conseguir:l gra na da opcr:lção de troca

de sexo do namorado?

A filll dc l l.uCI ,I q ll l" I.I \) p.II.1 hCIII PCIII), I . I ~, IIII\ ) ~ 11111 exercício de;j­

ptil lulld,lIll elHO de reflex .lo ~llhrc ,I " iIlICn~, I() fi llldamem:1 1" e o modo de

, lpl(.' \t· l n:í ~ I. •. (.O lll )"I \C cm 11 111 fi lme fecelll e de UI11 dos melhores roreirisras

I" ,I\ ikiro:.. /-lO/fi /r 1/IIlfl Vrz Dois Vr/"õrs Uorgc Furtado, 2002). Imaginemos

IIII I d i:í logo com "jeitão" soer:íl ico:

- Por que Dois Verões era um Filme necessório?

Porquc não ex istem comédias românticas adoksce lHes nacionais. O

li lllll: ce nrrou-se nu m p úbli co es pecífico e numa realidade específica, e

l l!11 1 ribui com a representação de questões auselHes na maioria dos fi lmes

hl,l\ ikiros. Só pela escolha do reCO rte, o filmc j:i Fo i altamente inovador.

- Mas esse Filme precisava rea lmente ser fe ito, em te rmos cu l­lura is, e não apenas de mercado? O que ele tem de igual e o que lem de diferente?

- Por ser um bom roceiro de co méd ia român tica, o film e oferece aos

,tdokscentes algo de subsmncial sobre suas cxperiências, parrindo não de

lur,l, mas de dentro dessas ex periên ci;1s.

O filme parte do modelo da jo rnada do heró i lO• C hico tcm de passar

por pe ripécias para se to rnar um adulro real izado. Em ve7. de um caça dos

Ichcldes, Chico pilota m áqui nas de fl iperama e SIU Força é o velho Amor.

(: uiado por ela, ele acerta no âmago de Roza, destrói sua Estrela da Mor­

(t.. lI.:. fel1lme fottl/e, e a re sgata do L1do Negro.

- Mas isso é o padrão Guerra nas Estrelas. O filme não oferece nada de novo?

~ O ferece. E.~se p<ld rão é apenas um esqlleleto muito geral. O fi lme

l l)tl~trói perso nagens a pa rrir da experi ência do adolescenle COI1 tempor<Í­

Ill·O. US:I :I eSHutllra~pacl rão, mas inov;111os personagens.

Além di ~so , o fi lme tem o cuidado de assu mir o ponto de vista ado-

1c't.CJlI C C ev il .• I) l11or:lli." IIl ) adu lh) l.Oll1 UIn na representação do tema.

UUI.I u ·{t il.,l helll il )(ClI l. ioll.ld.1 di\!>e, 1) ,1 t pnCI do I.lI1ç:lrneI1l 0, qu c Dois

,( 11 •

\r'I'ró('S era um fil me "saud:ívd", Os guris tom am suco de I.H·.II1; .I, 11.10 u:r­

veja . Baseado, então, nem pensa r. El e seria uma comédia romúllIi ca leve e

sa udável como um suco tomado na praia .

Mas, para um o lhar aremo, o filme é bem mais do que i.~.50 . Fi lme

s,ll Jd ;ível é o vídeo de gin,ística da Jane Fonda. Dentro da garraF., de su­

qu inho de Furtado tem dinamite, O filme é UJlla ode ao Ilmour flu de

UIll filhinho da mamãe por uma !>minha de praia! Fada-se o bom senso ,

o cin ismo crítico e inrel ige nre do a migo egoísta: ame loucamente, des­

preze as convenções. Todo mundo m erece amor, pelo menos se, apesar

das bandidagens, aind:l for capaz de guardar UIlU fi cha de fliperarna por

"nlZÕCS senrirnentais" . Seguindo:l Força, Chico/Luke rira a m;iSClr;l de

Roza/Darrh Vader: da não é lima pUl inha: é uma moça qu e cri:l sozinha,

C0 l11ra rudo e contra rodos, o irrnãozinho menor (corno diria Billy \X'il ­

der - que bem poderia ser o parrono secreto desse (lime - , "n inguém é

perfeiro") . O filme oferece aos ado lescentes de hoje, em geral indivi­

du al istas e moralistas, algo para mexer com suas emoções. E sem agredir

ningué m. Em vez de ;lgred ir, o fllm c quer conve rsar. Como que m que r

conversa r, o filme aceit a os padrões convenc ion;l is do roman rismo :uual:

C hi co acaba casado, como sempre qllis . As COi.~:lS mais illlpo rt ;tntes não

são óbv ias .

C omo se não basrasse, o filme ainda embu re na narr:u iva um "gancho"

par:.. espectadores mais vel hos (através de lima t ril ha de vel ho.~ sucessos do

rock) , possibilirando-Ihes uma apreeiaç:l0 nosdlgica do primeiro amor - e,

t:ll vei'., lima reflexão sobre o quanto d e generosidade perdemos jUlHo co m

os cabelos e o fôlego. De quebra, ainda reAete (através de lima séri e de co­

mentários e sinais, como jogu inhos eletrônicos, moedas, combinatórias de

nt'tmeros de relerone el'c.) um:l rdlexão sobre o p:lpel do ;lcaso na determi­

nação do "deS1"ino".

Um bom roteiro é isso, então? Ele não precisa ser bem escriro?

I~ claro que precisa, Mas urna boa e clara proposfa dramatt'trgica é ° resulrado final do uso criat ivo de rodos os recursos lécnicos, Na verdade

as duas co isas estão inrerl igadas: nós só percebemos a boa proposta

dr:ullalt'Lrg ica porqU l: da (;)1 constru ída com um:l s~ri e de 1~I.:I . i clS.

.H)

... , ........... •

lU 1111\,1 POH.,.HJ dl' u lIdhtO\ ,e<" lIl1d.ll lo" pl,ld,l' c lIledflll'a,.., f..lZendo

nl(' C'lludcttl fiL.o· Vi!;.Olo" ullelll e de pé, IH.I ' i,~o é a ca rpimaria, o que

lU l OI po J "i nlll i~' .lo rUlld .lI11e IH :ll ", j " inlenção" que Furtado persegue.

Ti 1'.1 11(10 d:lí um:l liç:ín para nosso lIW: um manual de roteiro pode

,lJlld.l 10 :1 IlldltClr:lI' .'lIa carpintari;l, mas se você não for movido peh fo1'­

\, ' d.1 inu .. ;nçã () li.H"':;l s<:mel hante aum alJlDuJ'fou co mo o de Chico, que

1111,(.,1 ~<: rc.di zar sc m respeirar regras - não h:lVCd ro tei ro (pelo menos

0,10 digno desse nom e) . Estudar harmon ia não gara nre a co mposição de

1111,1' n ll'l ~icas. Se você não dominar a técnica, a ausência de técnica o do-

111111 .. 1 d. D<: boas i menções o i n rerno est:l chl:io.

Exemplo de análise: "A Coroa do Imperador"

"!\ Coroa do Imper<ldor", primeiro episódio da sé rie Cidadt' dos H"a­li/NU (Rede Globo) , bllsca apresenlar ranto os pro tagonistas da sér ie ­

!\ll'fn!:t C Lar:111jinha - como o COlH eXI'O soci al em que des vivem (ou,

tl1.li, es pecifi camente, a lógica de guerra i mpoSl':] pelo (df-lco),

I':lra isso , O filme entrelaça dois níveis de desc nvolvimenro:

,I) ( ) primeiro é () das di gressões explicariv:1s, did:íticas. sobre o funcio na­

mcnto do tdfico e suas conseqüências. Esse é o "núcleo du ro" do cp i­

\( ')d io , llllC ;lposta num;l "demanda docllmenral" por parte do Pll b lico:

.1\ pc.,.,oa.~ querem conhece r C0l110 funciona a co isa.

I,) t\ \cgu lida vC I'1l:ntl.: ~ dramática, as avenruras de Acerola c Ltranjinha.

,\ 1111,,11, , lpO:-'[, l ~:-'C na c uriosidade do püblico sobre a situação real, lllas

tI .H' 'lO i !l i.I).:' lU q 11(' .I.(' ja possível ElIel' 11111 "a ll<l iovis lIal ", com f/ides, SO~

hrc 11 H,aIU '. f: IH ni\' 1 1.: 11 \'01 ve r .1 inl;HIlJ"I\";1O no entrctenirncnto. E é

pfl't.i", ,1 pl nl' 1I1 ,11 , I llllpl.lllin:lflIil.1.

\I

Cu mo b zê-Iu?

a) Dando uma moldura didática a todo o episódio: em [Orno da "Co­

roa", o filme começa e termina na sala de aula, com a professora expli­

cando as guerras napolcônicas.

b) Crian do situaçõeli dramáticas que envo lvem a dupla , q ue permitam

digressões explicativas sobre o conrexto da situação, assi m como refle­

xões sobre a sua lógica.

c) Usando a narração (voz oj]") de Acerola como veículo das di gn:ssões.

Abusa-se da inrcligência de Acerola . Litcralmenre, palavras s;1o pOStas

na boca dcle, explic:1ndo e comen tando tudo com muit:l argt'tci:l. Ap.:­

liaf de a elaboração desses co mentários ser meio inverossími l, ela ajuda

a apr.:s.: nr:t r o pe rsonage m como "cérebro" d,1 dupla.

d ) Enxe nam-se, no meio do filme, "cenas cl.: documentário ex plícilO",

com os próprios atores dandu depoimentos sobre casos de violênc ia

em suas v ida .~ . Fazendo isso no m eio do filme, quando o espcclado r

"já esd ganho", sacia-se a vontade documental "sem dor" c reveSte-se rodo o film e de autent icidade.

Exercício

Esboce seu projeto Talvez você não consiga, de início , formular um projeto tõo acabado

como o apresentado no exemplo ac ima Isobre "A Coroa do Imperado()

Mas tente apresentar os linhas gerai:; do seu projeto, nos termo:; em que

você o antevê no momento. Você pretende trator de algum tema (religiosi­

dade dos traficantes, por exemplo) ou você nào sobe Hsobre o queH Ó seu

projeto, mas sobe qual o núcleo da história (um IXlstor oeso fio um trn!i

( CJlltp 1)()lO III () ( lu! ,lo VI 'I 11<11 nn r(H lI! I Ii olF! ( )u VO( Ó quer eXfJloror urn

11/ ~Ison(.lgem {um tICl! ICOIlI(! 4Ul~ k' l l1 lJlll wf\cmtd? Agorre o que você tem e

Il'nl<, d izer como {de modo bem gelo l} você pretende estruturar o role ira.

Nào se jushfique, nào se explique: apenas apresente as suas idéias,

<1(' rnooo MsecoH e sucinto.

"

Capítu lo 2

CRIAÇÃO: AS TÉCNICAS DA ARTE

• A experiência do escrita.

• A busco de um cominho próprio.

• Importâncio do repertório estético e cinematográ fico

• O mito romântico da originalidade conlra o recom­

binaçõo criativo do tipo ulovoisie(.

• C ri ação e crítico da próprio obro.

• liberdade e repertório cultural: a curio5idode icono­

closta como caractelÍstico do roleiristo

.,'

o mito romântico da origina lidade

A originalidade plena é uma invenção romântica datada do infeio do

século XIX. O "gênio", demiurgo que bz das rrevas luz, é uma express:lo

transfigurada do individualismo burguês então em ascensão. Esse super­

herói respondia às angüstias dos ;l.f(istas que viviam as contndiçôes de um

Illundo que exaltava o indivíduo, ao mesmo tempo em que submetia to­

dos ao ritlllO da produç50 capitalista . N;ío por acaso, foi na AJernanha,

economicamente atrasada e culruralmente desenvolvida, que a "geni;l l i­

dade romàntica" floresceu, dando sentido à experiência de :Hrisras e pensa­

dores alramenre clpacicados, mas que se viam impotentes diante da trans­

fo rmaç50 acelerada do mundo.

A crença no valor absolurD da origin;llidade não é mais do que urna

idéia reguladora. Ela n<Ío deixa de ser importante, pois apoJlta para um va­

lor ainda significativo em nossa cultura . M as IlUIll mundo recoberto por

camadas e camadas de linguagem, no qua l as práricas cotidianas são em

gra nde medida operações com materiais culrurais acumuladm, apostar na

criação de obras absolutarnent:e novas é, no mínimo, duv idoso. Aids, em

épocas anteriores ao romanrismo, não havia esse tipo de cobrança . f. mais

do que sabido que Shake.~peare - para ficarmos num terreno acima de

qualquer sllspeita - tinha por prática pareir dos enredos de outros. De quaJ­

(1ller nl:lneira, independcntl::n lcnte dessas discu.~sóes históricas, o que se rn;I11-

t ~ 1l1 cornn ccnnal ~ :t husc l de lima visão nova sobre as co isas .

I'ode lllos cOll cili :lr C~S:l husca pela novidade tI:1 visão (C:l relarivização

~ , )hn.: ,I II'lVid,ll k· d' l ~ 111 .ll l' ri:li .\) L" 111 :1 1l1 :lis l lll e cPllhcó cb ndxim:1 do

I~ .. 'I ,"

qu íllliC\> Lavoisier: " No IllUlldo nad a se cria, nada se penk, 1111..1,> SI..' Ir:l Il S­

Forma" . Não se trata de incem ivar o pLígio ou cóp ias barat:ls, nus de

apostar qu e é com a combinação q ue se produz a novidade . As idéias de­

vem ser lapidadas, Fundidas e por fLm construídas.

O sociólogo italiano VilFrcdo Pareto aproxima-se dessa concepçao,

afirmando que a cria rividade ~ a capacidade de es!'abelecer novas rdações

en tre os elementos de um repe rtório comum a todos l I . A tarehl do roteiris­

l.a é desse tipo : dar forma nova a relações entre Fatos supostamente desco­

nexos da vida .

1ómemos o exemplo de um fenômeno cu ltural contemporâneo alta­

mente significativo: o mp. Esse ritl11o, que surgill na Jamaica na déClda

de 1960, chegou aos guetos nova- iorquinos em meados dos anos 70. Na

origem, era um texto falado sobre o cotidiano das pessoas de classes so­

ciais excluídas e acompanhado por músicas que j:í tocavam nas dd ios. O s

mppen utilizam urna linguagem altamem e cinem:ltogrMica, explorando as

imagens e o desenvolvimenro de narrativas, histórias d e grande identifica­

ção com o p üblico-alvo . No Brasil, o ritmo ganhou novas nuan ças, her­

dadas principalmente do samba. A inspiração funciona dentro d e trilhos

culturais que são expressões coletivas de momentos históri cos .

Mergul he nas influências, busque afInidades (e ide nrifiquc diferen ­

ças) na massa de cr iações humanas. E n:1:o tenha pudores de apropriar-se

das criações alheias, como os D]s que criar,un, em sua prátjca, o termo

" I " I' 'b samp ear , urn (OS maIs contemporaneos ver os que correm pelas i 11-

tensas redes de comun icação mund iais.

Vale aqui a citação de um rrecho de Verdade Tropicid, no qua l Caeta­

no Veloso comenta a composiçáo de "AJegria, alegria" (com a elucidação

das relações criarivas de um artista com seu reperrór io , aprendemos com

o líder tropicalista a im pon't\l1cia da lucidez sobre as demandas às quais

urna obra de arte responde num momemo determinado) .

"Há um critério de composição de 'Alegria , alegria' que, embora tenha

sido adotado por rnirn sem cuidado e se m seriedade, diz m uito sobre as

intenções e as possibilidades do momento tropicalista . Em Aagrante e in­

tencional contrasn:: com o procedim e nto da bossa nova, que co nsiS1"i;! em

cri ar peças redon ebs e lll qu e as voze,~ int l: l'l us dos aco r(k~ ;llrerados se 1ll0-

.IH

\'1'\\(' 111 ( \1 111 11.lI u r, d 1I\1(: II L1,1, ,1I.pl i 01' 1.1 se pela jll ~ Llpos i ção de acordes

111 11 " II()\ 1l1.1iorc,\ enl Id .u;:ocs il\s6 Iil :lS, /s.')o tem muito a ver co m o modo

I n lll(l O ll Vf.1I110.') o.') IkaLles - de que n50 éra mos grandes conhecedores .

N,I vt' ld. ld e, fl)i lima composiçiio de Gil , ' llom dia' , segundo de influen­

I Io1d,1 pdo.\ lk ll ks, que sugeriu a Fórmula. A lição que, desde o início, Gil

1I 11 I\t' I,1 ,t pn,: luJcr dos 13eatles era a d e tra nsFormar alquimicamenre o lixo

111l11l' ILi,d l: 1l\ c ri açiio insp iradora, reForçando assim a auronom ia dos cria­

l111 1t'\ e do.') cOl1 sulll idores. (.. ,)

" No ;IIIU ant erior :10 lançamento de 'Alegria, alegria', ele [Chico Buar-

1111('1 ti llll:! vencido o rt:s t ival [da TV Record] com uma marchinha singela e

, 11I!1~ 1lJ,ld.l chamada 'A banda', uma crônica da passagem de uma bandinha

dI' Il H'l\iC:I de sabor oitocentista por uma rua triste ( ... ) 'Al egri;l , alegria',

IIlIll Sll :1 exib ida aceitação da vida do século XX, mencionando a Coca­

( 1)1,1 pela primeira vez numa letra de música b ras ileira, e vindo acom pa-

1I11.ld,1 por Ulll g rupo de rock [O s Muranresl, apresentava Ulll co ntraste gri-

1.11 II C U lrll a canção de C hico.

"( ... ) A banda, se pod ia servi r corno port<l de entrada Ilum mercado mais

Illllplo Vi:l 'TV, ou corno massificação da atrnosfera líri ca da pcrsona pública

,Ir (' hico, n50 representava o alto nível de sofiSTicação colllPosi cional de sua

11111dll\·50. Pois bem, o que eu im:lgin:\ra para 'AJegria, alegria' era um papel

\t' rllcl h:llHe, guardadas (ou melhor, superexpostas) as diFerenças de projeto e

1'\1 do enlre mim e Chico. Na verdade, o hlro de ser uma marchinha Fazia de

'A lc.:hri:l, al egria', no contexto do Festival, uma espécie de anti- 'Banda' que

11.1i) d eixava de ser outr;l 'Banda' . Os três primeiros versos das duas can ­

~ Ol'\ \. IU perl11udve is .~obre as respectivas rnelodias, e não apenas por se-

1\'111 Itepussilabos, o metro mais Freqüente na poesia brasileira (e na poesia

Ih{'l il .l em geral) . A !etra de "A banda" na melodia de "AJegria, alegria" soa

f ', 11 1 iu d:lrmclHe nat'LIral. Is.~o revela qu e ambas as canções se dirigiram a ex-

1'1\ 1.1 1 iV.l.\ 1\)I'l11ais hem sedirnentldas no gosto do püblico - ambas são, por-

1.111(1 ', igll .lll llcllt e ':I n I iqu :lC\as' - e ressalta o parenresco entre o personagem

'111(' \ I il ' I :,I.IV.I :'1 I U:l lI :l vi<.b' ('A b;1I1lb') e o que se d iI. 'caminhando contra o

\'(' 1111>, \e lll Ic l h., D, SCII\ ll, u •. 1l11lCIlIO' ('AIe!:;r;;l, ;t! egria'). "12

() "'1\1' é l: lllh lern Jl iLu por .... 1.: 11':ILl I' d e CIIIÇtll:S t.10 vivas lU memória d e

1, ,d i> 111 ,j\ i ki 1'11 t 1.11 I .l p.1 n,:11 (l' l Il l' ll ll: 111.1 I'L. II Jl e\ t:1l I \11.1\ di {c rt:nça ..... M ~ I S

,P}

poderíamos ci l :U' mu ito:>. out ros trechos do li vro, que é 11tH ri qlll\~i ml) en ~

saio testemunhal sobre a amplirudc de referências mobilizaebs 110 processo

criativo de um artista inovador contemporâneo.

Mu ltiplicanda idéias

Um dos mitos que alimentam manuais e botecos artísticos, e precisa ser

desmiriflcado, é o da "grande idéia". Bons filmes não são resuhado de uma

única boa idéia. São fe itos de mui tas idéias. Se a pessoa diz "tenho uma bO:l

idéia para um f'ilme", a resposta dire ta é "Como assim? Só uma ? Isso é só o

começo e aind:t não gar:m re nada. Arrume outras, muitas olllms. Só aí,

quem sabe, poded f.r..:er um bom filme" . O f.1l0 é que num bom filme há

idéias de v:írios níveis: desde idéias rnais gerais (relacio nadas a histórias, pcl'~

sonagens e ao 10m de tratalllento do fil me) :Hé id éi:l.~ que resolvem deter~

minada cena ou problema dr:Hn;Ítico. Toda.'i siío ilnporralll'e.'i e :1.<; segundas

estão sempre em função das primeiras, ism é, em fun ção da COIlSfl'U Ç:io da

unidade: são idéias a serviço do projcro do fi[me.

No emamo, ao conrdrio de inibi ~lo, a necessidade de haver uma infi ~

nidade de boas idéias deve func iona r como incenti vo para você começar

a escrever um roreiro . Afiqal. uma idéia inicial é apenas um a entre CUltas

outras c, portanto, não garanrirá mu ita coisa no resultado fin al. Ela não

precisa ser genial, pois aos poucos outras idéias surgirilo. Por isso, o pro~

b[ema não é ter urna idéia para começar o filme. Desde que se busque

formula r algo qu e realmente precise ser dito, as idéias virão 110 exercício

de sua busca .

Começar - superar a cal "crise do papel em branco" - é só isso mesmo:

começar, apenas um primeiro passo. Se você fica r esperando por uma ilumi~

nação, uma revel;lção que O [eve além de Eisenstein e Billy \'V'ilder, talvez de­

more um pouco ... Para esse primeiro passo, remos uma sugestão ma is sim ~

pIes : roube uma idéia . Como se diz num rruque de mágica, "esco[ha lima

idéia, qualquer uma".

1\ 1',11(" p')! l'xl' ln p l ~ I . I 'r/OI ,,/1111/, A!t;Silllll (,\/1/'1'(/. 1.111 de BOIII. 11)1)4) :

11tH Ol llhlL \ l' 111 .rll.! ve l(t(.i d.ld l.:. Se diminuir, ex pludc J)oi~ caras preci ~

1111 \t' ('III Clldcr p.lr.1 roolvc r o p l.: pilw. E aí comecc :1 ;Idap tar, a variar.

\ 1i ".11 II UlhlJ\ . e lur,1 bondinho do Piío dt: Açúcar. Se parar, explode.

'-.. m PII)l.l b'lIli ~ l.l :>' lá d t: n lnl. C um t:ks . um grupo de gen te qu e, ao esri~

lI! di' No Irlll/'() rim /)i/~('/lIdlls (Sltlgt'co,tcb, Joh n Ford, 1939), forma

11111,111111. 10 \ocinlade: nussos heró is favelados, uma emergente metida

I !ln LI , IIII!.I ca rob do int erio rde Minas, um técnico do bondinho, um

Ij ' 11 .1\1" .. pl' l i~la etc.

J\.1.II \ ,HJi :mt ..:, você pode substituir o mote inicial do bondinho por

'I1I . .I<llIel wi~;! (um cult o pcnrecoslal invadido por ladrões, algo assim).

I III \t' J.I , Lom o deco rrer de seu trabalho, aquele pontapé inicial "roubado"

~ 11 \ (' 101 li;! I' irrecon hecível, justamente porque ele n50 era a essência do

'1111 ' v,),-~ queria dizer, não era a Slla " intcnç50" . Como d issemos no capí­

IIrI,) 1, ,I " ilul.:nç50" vai sendo descobena conforme o trabalho avança .

R pertório cultural e curiosidade iconoclasta

l 'l( i \t~ rn vá rios livros que sugerem cécn iC:ls de cri atividade (coisas do

IIJ!O: " i'\creva uma página por dia de modo aUlOlIl:ítico. sem parar para

1" 11\," '''). Eks podem ou n:io ser úteis. Lsso é uma questão individ ua l.

J,I II 1~(, llt l.: que precisa se vestir como quem vai sair para conseguir trab:t~

1Il.U ,li \L ipllnadamc nte . Outros acordam no me io da no ite co m idéias,

' 1'1" .IIIlIL IIlI 11 1111'1 caderninho prev iamente deixado na cabeceim. Enfim,

11 1.111111 qu I.: deso lhra ou invenre aS suas mandingas criativas. O que njo

, I" '11 1 l : Jçt id lil.lr téClli cas, como se houvesse alguma receita mágica para

'o, I ' I I.III VI'.

í) qu e pOdl' IIIO~ indiC:lr ~ n ~I.:ntidu gera l do processo de niação. A ,1111 .11111t.1 gl' I,11 d ~ . lpn)pri .I~·: I\) d I.: ekl lll' lItlJS c rn:ombinações tem uma

. llIll l· II \. II' IlIlIill) 11\.li \ prnfLIlld :l, llll l.: I.:\LÍ UH HO 1]11 1.: por n :ís dos e xcrd~

, 1" \ d I,UII" d" li i.ld, li' I • ri, I pn.h II ltltl lI.1 hll \CI. que U 11 11. 1. II 10<./0 o pro-

',I

o.;i>~n. lU Illuiw dc iIKOIli>ciCIltC rr l..:~~c 1l10ViIllCIll(l, mai> 11l l' \lllO .I\\illl po~

demos dizer algumas cois;rs sobre ele.

No limi te, todo filme dialoga, em maior ou menor grau, com [Odos

os fi lmes a que o rorei risra assisriu ao longo de Sll:1 vida. Possuir um am ~

pio e diversificado repertório cinematográfico é de grande urilidade no

ofício de roteirista .

Em primeiro lug:'l1', e de modo mais fundamental, traGHC da vel ha h i s~

tória: ver mais longe por se apoiar sobre ombros de gigantes. Se você se nte

que "a sua" é explorar a abolição subjetiva da ordern temporal, dos labirin~

[Os da alma onde convivcm nOSS;lS lembranças de do is anos de idade co m

nossas idéia.,> de pessoas ad ultas, não ler Proust é, simplesmente, bobagem.

Por outro lado, se seu interesse é por tudo quc fica não dito, a cada frase

simples que dizemos, Hem ingway e Raymond C uver serão lacônicos

companheiros de viagem. Nesse nível profundo, trata-se de encontrar a sua

turma. Será denrro dos camin hos :Iberros por aq ueles que O antecedera m

que você vai criar. Simplesmcnte niio há outro modo. Quem acha que sua

cr iari viebde é pura e inaugura l, sem influências, e~d apenas ignol':mdo suas

fontcs, não só literárias, mas vira i ~ (uma vez que essas rradiçÕ<..'S podem não

ser lirerárias). Já que o diálogo com rudo que nos :ult('cede é conslitutivo,

por que não procurá~ lo ariv<tmenrc, esti rnuU~lo , ir em busC:I de 110SS0S pares?

Ampliando nosso repertório só remos a g:lI1 har, não :lpen:ls como quem rc~

colhe ferramentas ou produtos nu m supermercado , mas como quem f.1z

am igos, deixa~se influenciar e influencia. Fazer amigos e influenci;lr pessoas

é uma legenda do (I':lbalho de escrever, I1lc~mo IXlra o mai s solidrio e ens i ~

Illcsmado escritor.

É provável que você já seja lima pessoa com "fome de cultura", já que

U Ill rorei rista é, de certo modo, um aglurinador dos d iscursos do mu ndo.

Mas h;í alguns ri scos a respeito dos (]uais é bom fa lar. Um deles é limi tar·

se à "cultura culta" c perder de vi~ra a riqueza ebs formas de expressão po­

pu b re$, muito mais corporais do que livrc~cas. O uno problema é a afo~

bação. Mastigue bem ames de engo lir. Por vezes, o "ambicme cultural"

contemporâneo rende a nos entupir de produtos. A isso , deve mos con~

trapor uma relação de com ato humano - e não de consumo - com as ex~

pressões criadas por outros seres humanos (é d isso que se tr;lIa). Absorva

. , II 4111 t' \) .lnl]1111 L. lld.lpi\1 do 1IIIIndo tt nl.1 lhe ol t l't'c(' I' 110 1'1111111 de i> 11.1i>

l"njlll.l\ tlc\l..obe ILl\. () oh jctivo dc\\c " jobO" nao é empanturrar-se de

' IUI·ll' I1 \.I) <' lIl1uLI , m.l \ ,l primorar sua vii>:io sob re a vida. Ou seja , a sua

1\ LI ~,IO l O1l1 o repertório cultura l é!>ó sua, dependc da sua hisrória C de

\ 11 ' d t'\e jos. SII :1 at ividade cri;lrlva cOllleç;r pela criação de .'>e u cam inho

Jl II II'I IO .lI r.lvés e!:t 110reSt:l cultural.

( It emo\ dois exemplos signifi cativos, de arristas que soube ram en­

I 'UI! I .11 e ~e I'cb cionar cri ariv:l mente com "sua tu I'ma".

() rtlt ciri st:1 Uráulio Mantovani [em profunda admiraçáo por Eisens~

4111 \ No Iraba lho de escrit a do ron:iro de Cidade de Dms (Ferna ndo Mci-

1. lIn, 2(02). d e estava diante do desafio de transpor, do livro pa ra o cine-

111.1, Ulll churrasco narmdo sob o ponto de vista de um ga lo. Bdulio, em

\'11 de 1..00"];lr :I cena, encarou~a mobilizando o repcnório da montagem

IIW II\ICilliana. O resultado é a brilhanrc ceua de abertura do fi lme.

Inl ge Furrado diz que !-lO/me 1(m(l \ft>z Dois Verfió' surgi u da vonrade

di LI/t' r lima comédia românrica para adolescentes brasileiros, como seu

111110. \ornada ~IO desejo de reunir Romeu e Falsta/r num f time de praia

... utdlO. O resto foi t rabalho e trabal ho: lima unidad e dram:itica rígida

(11'1,1.1: "Chico não pode ficar nem cinco min utos sem estar perseguindo

I{O/. I") rccheada de piadas.

/I experiência da escri ta: profissionalismo e arte zen

1\ 1uil ,l\ d as grandes obras de arte do mundo foram fei tas sob enco-

111I ·lld .•. c n:'in só 110 ci nema dos est'üelios. Reza a lenela que Mozar\' co m­

I"'~ .1 .Illcrl 11 ra de "0011 G iovanni" algumas horas antes da csn éia da 6pe­

I • (' ']lI~' 11 \ 1l1l'ISicos recebe ram suas parrituras com a tima ainda freKa

(h \" l' lJll e é opressão dos produtores!). M ichelangclo, que não pode ser

'1111'\ ( illll.l~l, I ~' III 111:11 ~ l'i:r d c l:lklllO, !t:-I, :I Capela Sisl ina sob encomenda.

1.1(,.1. l·II!.II) . <. OIHII 0 \ profli>\ ion ,lii>: mesmo qu e simuladamente {a

d lLI de 11111 n lrLrI <. 0 111 11111 t('Ill.1 ddillido 011 que vnl..~ defina par;1 i> i mes~

, I

mo), cstabdcçl Lima clcm;l nda, c ,I absorva, no dcco rrer di I t I ,I h,111 li., dell­

no de seus próprios pa r;l mcrros. Impo nha-se uma tarefa c :qm )pr ie-se

clela. Uma das g randes vantagens q ue a obrigação profissiona l impõe é a

necess idade de trabalho di ligenre. O amador pode se dar ao luxo das visi­

tas esporád icas da musa inspi radora. O pro fi ss ional trabalha rodo d ia e

faz da musa sua parceira de rrabalho. Será que isso implica sufocar a es­

pontaneidade? Bom, se você so ube r conduzir suas arividades, ta lvez a dis­

ciplina de trabalho seja, justamen te, o cam inho da es pontaneidade.

O ze n se mpre afirmou que o csvaziamt: lllO da menl'e, ali mel ho r, a

ind issociação entre me nte ind ividu al e mundo, t o c lIn inho da libena­

ção. Sem maiores aprofundamenros mísricos, para nossos fins basta que

lembremos aqueles momem os de entrega se m reservas a a lguma :Ilivida­

de, quand o o tempo parece não ex is t ir c, de re pente, você esd fazendo

tudo de modo "tranqüilo c inf.'llíve l como Bruce Lt.'e" . Isso pode acomece r

quando se está jogando futebol, tricotando Ulll blusáo ou até t.:s[udanclo

matemática . Por que náo escrevendo um rotei ro? Chamar esse t ra nse cria­

rivo d t.: inspiraçáo é apenas da r o nome cerro its co isas .

Mas os 11lcstres ze n I'a 111 bélll cnsi 11 :1 111 que SOlllcnl'e co m li nu con t i Ilua­

da e rigorosa prática específica você poderá "liberar a menre". As artes zen

do arco c a cerimônia do chá são cam inh os como esse. Roben Pirsig, em

Zen e 11 Arle da Mfl1I1(/enriío de M%cíe/ettlS, ten tOu traduzi r esse princípio

para o mundo moderno, dizendo que "o Buda mor:l no circuito el ét ri co"lI .

A manun.:nção cle motocicl etas, ensin:l Pi rsig, também pode ser uma '';m c

zen" : você deve rá praticá-Ia duran re anos, rcl igiosamcme. Precisad criar

uma rotina, que inclui hor..írios fixos, ambiente propício, reunião de rodas

as ferramentas necessárias e, sobretudo, um exercício permanente de con­

trole de suas ansiedades c frustrações, durante a longa jornada de superação

de sua ignoráncia e inépc ia (no caso, no campo das morocicleras) . Len ta­

mente, você ir:í adquirir confiança, e a manurenção começará a "rolar".

Ainda mais lenralllenre, essa sensação de tranqü ilidade (que Pirsig chama

de "brio") vai se espalhar para Outros momentos de sua vida (o u seja , você

passará a viver melhor, com menos sofrimento).

Essa expe ri ência é sempre repet ida pelos músi cos: h,í um longo perío­

do de exercícios e técni cas, a partir do qual o músico não apenas se (nrnu

,.IN... .. ,

li \ III l, ltll l ' nt e , 111 .1\ '>l' 1,) fI] .ll.,I P .II de I lI dll.l r~ ~l' d.1 t éL u ica pa l~1 (ki x:u' fl u ir :1

I \ I'H' \\,U I , ,I in "' pira~,lo.

\ t l' ph c l1 N. ldllll:lIWvit c h, 11lI'I.\ ico (' art ista g r:Hlco, aU(o r de Ser Cria-111'fI (q lIC tCll l II título Ilrig inal - mt lito mais interessante - de Free P/II}­

I IIr p flllll'l' ofilllf'/'tJ/lis(/lioll in Ih" /iJ;' ((11(/ the I1rts), d iz. o seguinte:

" /\ pI":Í 1 iGl não é só necessá ri a :1 :lne, ela é arte.

" N,lo pn.:c is:un os praticar exe rcícios maça ntes, mas te mos de f.1'/.er al-

1',t1Il , l·xe rdc io. Se achar um exercício chaw, não fuja dde, mas rambém l!-in prc .. i..,a suportá-lo. Transfo rme-o em algo que lhe agrade. Se: você se

, h,lt l' i.1 em repeti r LIma escala, toque as mesmas oito notas em outra 0 1'­

.I. 111 . I':utão, mude o ritmo. Depois, mude a tonal idade. Você es rad im­

jlIIIVI'>,IIKlu. ( .. . ) Em qualqu er arte é possível toma r a técnica mai s b:ísic l

I \l lHpks, modificá-Ia e personal izá~1a até transfo rmá-Ia em algo que nos

motI Vl'.

"() eXl'I'cício náo é chato ou interessante em si mesmOj somos nós

1111(' o (orna mos chato aLi intel'essanre (. .. ) P;tra criar, é preciso ter técni ca

.. Ilhl' II : l r ~se cb téc nica . Para isso prec isamos prati car até que a récniCl se

li 1 11 1~' in":Ollscienre. ( ... ) Parte da alquimia gerada pela pdtica é lltn;'l espé-

• Ir d l· li vre trâ nsito entre co nsciente e inco nscienre. Um conhecimento

11' Ill Ul deli berado e racion al surge da longa repetição, a ponto de podcr-

111" ... CXCClltar nosso trabalh o até dorm indo . C .. ) Embora pos~a parece r

IItl. Jl. I .... doxo, descobri que ao me preparar pa ra ctiO' já estou cr i;lIldoj a C · - f d ·ó "," !'I ,III L.I e a pCl'l elçao se tln em numa cOIsa s .

x c rClC lO

Um saco de idéias

I r 1(, ( 1 III IH 1 ll',h J dn ic!é im, Ic liludos dos mais diversas fontes, das quais

", 1":."',( 11( 11 1(,(1 1 11 100 dUI(Jnl\ ' (I ('~; lijo de, S0IJ rnt0iro. SoJte-se, nõo lenle

111" I, I ( (",h UI 11 { I', j{ 1('l tI ', ( (ltl\() IU llfl ( I i( 111(, ( ! jlJnll' ( oi,,( I', de> que voei> qos-

"

to IX II O brincar com cios mais tordo. CoisO!> do tipo: a WI!H'ltI lotcxJlóf icCl

de Cidade de Deus (você p.:>de tlansformá-la num gravador usado por um

personagem com ~vocação de repórter"); o corte do som numa cena de

violência como em Ran (Abro Kurosowo, 1985); um longuíssimo fravefling apresentando personagens, como no início de Os Bons Companheiro.s (The Goodfeflas, Martin Scorsese, 1990) pode ser usado poro apresentar

os moradores de um beco do favela; ou uma montagem JXIrolelo rítmico,

sem conexao dramático, entre ações desses morodores - "chupadou

de

De/icotessen IMore Coro e Jeon-P ierre Jeunet, 199 1); va le também o ieito

silencioserbobão de um primo seu que os mulheres tomam por charme de

caro durão, mas é só bobeiro mesmo; músicas para trilha ou quem sobe

um conceito poro seleçao de músicos: a tri lho sonoro brega dos anos

1970 em Domésticos, o fi lme (Fernando M eirel les e N ando Ol ival , 200 1)

ou regravações brasileiro:; de clóssicos do rock. como em Houve uma Vez

Dois Verões; imagens religiosos do colidiono (santinhos, crucifixos, São

Jorges, Pombas-Giro, velas etc.). Divirto-se!

( (Ipílulo 3

SER OU NÃO SER DRAMÁTICO

• As diferenças entre forma dramótica, lírica e épico.

• Os fundamentos do drama: situação dramática, ação,

conf lito e decisão, unidade e prog ressão dramática ,

presente imediato, o construção do "comichão do

suspenseu

• Além do drama· épico e lírico.

• Os limites do dra ma e o cinema moderno.

I l,lamnças básicas entre as formas dramática, lírica e épica

I'vIt" I1)O IlUlln primeira aprox imação, é úril que LlÇa lllos :\ distinção

I !lUt' .1\ I(lrnl:l.~ hás icas das obras fl cc ioluis,Tr;u:l -se de perceber em que

I. t 11\11\ .1 t.:X periéncia humana é apresen tada. Como introdução , recorra-

11111\ ,lO res ulllo cristalino de Anarol Roscllfdd:

.. Pe rl t: ll cc r;Í à Lírica todo poema de extensão mcnm, na med ida em

'jllC' lide Ido se cristalizarem per.~oruge ns nÍl'idos e em que, ao co nldri o .

11111,1 \'0 1 ct:nrral - quase se mpre um "Eu" - nele exp rimir ,~ell próprio es­

I,u l,) de ;111ll3. Fad parte da Épica toda obra - poema ou não - de eXlen­

itllll,lio r, em qu e um narrador apresentar personagens en volvidos em si­

IIhl~lIt" e eve rHOS . Penenced J D r;un:itica toda ob ra dialogada em que

!!1I ,ll r lll os própr ios personagens sem serem, e m geral, :lpresenrados por

!!lIl 1\ . II T ,ldor." I ~

I' il ll [1onanrc notar que nenhuma dessas categori:ls é "absoluta". Em :11 -

1',1111\ l.I\OS. () épi co pode estar contaminado por lirismo c, em outros, o clra-

111,1 p' Illc qlu~c "escorreg,lr" em direção ao ép ico (quando a prese nça cio

1111 1. 1. 1,11 .\l' illsinua nas cenas) , Além disso, um roreiro pode perfeicamenre

I" '\\ 111 1 IIH IlllCntos líri cos, épicos c dramáticos, mas é desejável que ele tam­

I., 111 I" 1\ '11;1 c~n a un idade para nfto criarmos uma mistura confúsa. t impor-

111111' \. ll ll·r, , lI.: !naneira geral, em qual caregoria sell filme seenclix'l . Daí para

1111 1111 ', 11.ld :l" impede de hu rla r essa defin iç:1o e constru ir, denrro de wn fil -

1111 ' I ' I~" , ~e ll:l s ,lU ~C~l iiêl)ci:1S Ckl111;íl icas. "A coroa do imperador", por

1 \! III[lI",lllIh. i(lIl.! ,1.\~ iITl: cnllll;lr! e.\ lr:II.:m ép icos (Ace rola lIarra :IS difcren­

". 1\ 1'llIl l' .1 I.l vl'LI l' I1 ", I\I:d I ()". :1 [1n,:~Lll! ,I Ih U)\ In i 111.\ ell (re 0 .\ l r:lfl C:HlI e~ ~ a i 11 -

d,1 expl i ..... 1 d id.l! il.1I1 u:llle II jog,ti de Pllder CIII re de . .,), o li lll lt· 1.lI1llx lll pc 1 \~ lI i

1ll0l1lcntos dl':l1ldli cos (a neces:-.idade de ir:lO p:tS!>t.:io CIl1 Ibnípoli".1 l1 e~

cessidadc de l cv~tr O remédio para a avó de Lar:llljinha).

É muitO comum ouvirmos dizer que a "natureza" do cinem:l é dr:.lnd~

t ica, mas essa "na turalização" é um si mples efeitO do g rau de domínio des~

sa forma, eleita pelo cinema americano co mo carro·chefc desde os tem pos

de GriffidL

Neste capítulo vamos tcIH;1r rel:l1'ivizar e~~a 1l ;1 1'uf:1 lizaçáo, aposta ndo

no potencial de enriquecimento da narrativa cinematogdhc l através da

consciência de alrernarivas e possi bilidadei de combinação e nrrc as rrês

formas da ficção.

Drama: um outro mundo passível

o drama apresenta um Illundo hccional q ue existe em ~i. C omo se

houvesse mes mo esse "outro mundo poss ível" c, por 'l lguns in sta nt es ,

fôsse mos ca pazes de comem piá. lo. A ex istc: ncia do narrador é apagada e

os person agen.~ existem a parrir de seus desejos e suas inrenções. A:.si m,

um dos mai s importantes compone nres do drama é a primazia das rda~

çõcs imersubjcrivas, isto é, da açflo dram;Íricl.

Na rragéd ia g rega, os personagens tinham scus dest inos traçados pe~

los deuses e, ge ra lmente, fala va·se do embate entre O homem e a vo m ade

dos deuses (ou do destino). Já no drama modallo , falamos do embate

encre o hom em e a vo ntade de OUtros homens. Aqui , temos indivíduos li ~

vres, que podcm (Omar decisões e q ue, por essa razia, aobam c ntr ~Hldo

em conflito. A liberdade do indivíduo, o livre ;lrbfrrio, é quesrrto cClllfal

para o drama moderno. N o drama, as ques tões sflo individuais, com as

relações cnrrc os homens se dando através de lima forma privilegiada: o

dd logo.

A ação e o dese nro Lu da história rornam ~sc fruto das decisões roll1a~

das pelos personagens e da resolução dos conAiros que se int<.:rpóern ao

60

111 IIH. I 111 qll,I III ,I' hl \IÚII .1\ dl,lnl,lll l.l\ o PCI\O II.lgC II I p .. inlipal H.IO prc~

! I .1 1'\\olhl'l l'II!I C.1 p,li ;\. IO e li dcve r? I·.HII<: ~c ~ .• Iv.lr ~1I1 .q lv:tr outre m?

Alt( lll dc (l~ pl' I~Otl : the ll ~ ~e :q)l'e~cnta rern corno indivíduos qu e têm

plnl \l lldIJ ,td l' p\ictl lógica c 111C)\ i vas~:ío, remos :tÍnda duas ex igênc ias for~

Ii 1.11\ 1),11,\ () d 1',1111:1: tlnidadl:~ d ram :í ticas dehn idas c claras (necess;írias ao

IlIttlldlll1ellltl du conl cúdo: as "rdações inrcrsubjctivas") c, fina lmenre, a

"q',.IIII/,I\.tIJ tenlpo r:llu nfvoca, do presente para O futu ro.

l }III,I "1111 idade d r:l m:í li el ela ra" pode ser cn tend id:l como COllSCq Liên ~

! 1.1 d ,1 lIlIilbde de ~ l ç501(' proposra po r A ristótel es: rodas as ações de Ull1

11111'110 dcvem prere rencialmenre convergir pa ra um mesmo obje tivo. As~

1111, .1\ rd,I\,tJcs l: ll tre os person:tge ll s se dão de m:mcira causal , tudo sen ~

dI! Ulll\cq iic': ncia de ;llgo anterior (uma coisa ge ra outra, que ge ra ourra,

quI' l-\C I',lllUll'a) e converg indo para um mes mo fim (o que causa a neces~

"l.lde de ll!n:I "progressão dramática").

A orf.,mizaçiio te mporal univoca, do present e para o futuro, c ria a

11 1\,1\,10 de "presente imediato" . D iferentement e do épico, que narra f:1~

11'\ p,t\\.ldn~, o drama mostra um mundo l1ue es(,í ":lConrece ndo" no exa·

t" II1tH IIl:I llo el11 que o flagramos. Nas palavras de [n;Í C ;Hll;ngu: "O dd·

I!lHII \. ri:t por si mesmo o tempo do drama, o prescn te-qlle-e ngc ndra· o­

Itllllro: cada instante da ação d ramática deve conler em si o germe do fll ~

11110, C li t' ll cadca mcnro d esses insra nres obedece à impbcáve! lógica d:t ! .111 " .1 id,tde ." P

No limit e, no drama não h:í lugar para a dimcnsão épica, pois:1 suprc~

III . I ~ 1,1 do ddlogo rdo aceita in terferênci:ls do narrador, do coro ou de

'11 I.I lqIIlT outra instância qu e se sobreponha à hisló ri;\ que esd sendo mos~

tI.ld ... O drama, pois, não represenra, ele se IIprl'Sl'n fll. O d ra ma é presenre.

1{~'\lll' it : lda s as regras do drama, co njugando forma e conteúdo, se~

)'. IH ·II! ,~c algul1las conscqüências "naru rais" : o res peito rel igioso ~I qU;lrt"a

1'"I·lk. que ,Isscgll ra a passivid,lde do espectador; a idenrifi caç50 des te

'''111 .1 I r.1 ;Clc')}"i:1 e o pomo de visra do herói; o abandono completo de re~

111.1\ 11i\!clriul.s l: co lerivos (rUC envolva m processos sociais complexos, a/l1 ~

III1 :tIIl\ '111 U 1111 r.1l1 i t órios - o qw.: 1150 sign i fi ca a exclus;Ío dos personagens

111 \ II,( i li l ~, d L~d L' lillC cln m;lllt ellham :1 prill"l:t'l.i~t da açflo drarn ;irica (a

,In 1\.1(1 p\.'_\ \o, d l' illlr;ln~fl:rívd ~nhr\.' 0 \ l"l 1ll1O\ de \11,1 vida).

a) Situação dramática

Uma situaç:ío é a apresemaç:ío d e uma relaç:ío rensa, a qll ~1 1 prenu ncia

e impõe um campo de ação possível que terminará em um a resol ução ou

um relaxamento, É o reino das possibi lidades do dra ma, Pegue um fi lme

COITlO Apo//u 13 (Ron Howard , 1995) , por exemplo, Três astrOtlaucas en­

fremam problemas em sua nave na órbi ta da Terra, A panir das situações

geradas por esse problema inicial (os problemas técnicos a serem reso lvi­

dos, as difi culd ades de rdacion ~lIncnto entre os astronau ta.~, as dispLHas

pessoais~: o embate ClHrc suas PCl'so ll:llidadcs), remos sinJações dram;íti ­

C:1S que são li mi tadas pela vont:ldc dos personagens e pela ve rossimilha n­

ça ilHerna da his tóri a,

"lodo drama possui um pOIHO ini cial de relaxa memo (qu e não necessa­

riamenre precisa es tar na primeira CI.:na do rot eiro, podendo simplcsmenre

ser "deduzido" pelo público) e, após lima série de lensões e relax:unelHos,

aringe o utro estágio de relaxamemo, q ue determ ina o fi nal do fitme, A re­

lação entre os person:lgens, a tens:ío enrre suas motivações, obriga uns ou

outros a :lgir, a romper a "perfe i ("~l a rquitetura" desse primeiro Ill 011lemO,

Então , dos con /l ilOs surgidos a pan ir dessas mOllv;lçóes pe.:ssoais, chega-se.:

a um novo relaxamcnro,

Portamo, para faze.:r jus à dc nominaç:ío de situaç:io dram,hiea, o

princípio de transformação da his tória deye.: se r ide ntifl cado com a aç;\o

dos pe rsonagens, Ou sej:l, a situação de tens:ío deve lev:lr al gum perso na­

gem a :lgir, pondo assilll em Illov imenro um processo de ações e reações ­

um conflito, No modelo dram<Íti co, emáo, ~ação" é uma decisão, Llm :l

ação humana com intenção. O s ho mens age m e implicam-se nessa ação,

assum em as res po ns:lb ilidades e conseqüên ci:ls de seus atos, Sendo :lssim,

as si ru :lçóes são Iabo r:ltórios da experiência hUIll :l Il:l,

A c ri ação não tem regras. Ela pode começar po r qua lquer cle menm:

uma im;lgem, um ges to, uma frasei qualquer coiS:l pode detonar sua bus­

ca de cx pressão, Mas você só vislumbrará lima história quan do river uma

situação fundam enra l. Falamos de "s ituação", no singular, referindo-nos

ao núdeo de fo rças que age sobre a relação entre os pe rsonagens, mas isso

é uma fórmula esrétlc:l . P:l ra que :l hisl·ória su rja, esse Illícleo deve se r de.:s­

dobr:ldo 110 tempo , nunu série.: de :<. illlaçtH.'s. I~ala lldo IlU lIla li nf, u:lgcl1l

11111 1.11 1h' 111.11 1.'1 I I.Í (i L. I, 1"><: lIull lle l 11111 !lI i II d p i, I dI.: (r,l l l\ l~ lI"Ill:tçã () COIllUIIl

I 1 \\.1 ,é ril: (.1 "ullid .lde dc . I ~ ; . IU · · arl :<. lot éliLL), a hi:<.tó rla Ir.: d uma unidade.

( .lIId llfu IO:<. lju r.: 1111 1.1 hÜ:I situ:l \':ío dr:un:hica n;i.o é simplesmente um

r 111 p<I dtO pCI :<.OII:lg<': IIS colocados jUlllos. ~ ó bvio q ue o personagem é pcça­

I 11,, "(, II c'~e qll r.: hra-ca lx:çl: ele é o que h:í de mais villo numa na rr:ltlva, c

I 1\!t' 11I IIH.'.\1Il0 personagens que parecem viver para além da h istória. Mas

I ,o deil ü, ju:<. t:llne llte, da ellcácia da n:lrrat iva, Você pode at é conceber

li. I \1I 11 ,lgl.:n:<. "soltos", escrever "fichas", inventar b iografias que recuem dez

1',1111\,\1(,'\ (q ll :dqlll:l" método criativo vale :l pe na) , mas só ter,í um germe de

11l~ld l i,1 llU.lllllo os personage ns começare m a se reb cioll:lT. E eles só se (Or-

11.11 .11 1 vivl)s até o limitc de p:lrecerem rea is e independenres, na medida em

11111 1'''.1\ rd :lções os revelarem, Ou seja, tão imporranre quando a qualidade

dll\ pl"l".\OII :lgc ns é a c:lpac idade que as situações criadas pelo autor têm de

I I"'C U lo"

1,1 Diálogo

() LOll flito dramático exige açáo . E n:ío que remos dizer co rreria ou

1" 1I1 .ld.1. S:io decisões - poderíamos d i-ter "de-cisões", cisões na vida - ,

11 .. \ de vUluad c q uc rerão de en frentar a tina s vontades. O d ram :l surgiu

110 t{l' II,I'Lillle ll("Q porque é:l fo rma que põe a liberdade IUlm:lIl<l no ce n-

1101 Ik IlIdo . Mas, como disse Kant (c repe lem as mães respons:íveis na

, .IU \ .1\010 de seus filhos), a liberdade de um vai aré onde comcça a do ou­

ItIl IK ( 'nmo ninguém se acerta mui ro com essas fronteiras, libe rd:lde c

111 1111110 .h"::lh:Hl! sendo duas f:lces da mes ma moeda.

N UIII hom d ra ma, os confrontos adquirem fo rm as lIerbais, Ao co m d-

11'" li' ' Ill t· di /.t.'m por aí, as palavra .. machucam, e mui to. O diálogo é a are-

11 1 , I .. .11. 1111,1. Como diz Szon di (Teoria do Drama Moderno), é o diálogo

1I11 1 . 11,1') 11.' 1111111 e o e~ IXlç(l da ce na dramárica 19 . Nada existe fora do duelo

,I" .. II \ Ir\ 1,ll.ld,)rt's,

t ) .I d lll J.:o nasce !l O momenro em qu e é pronunciado, O esforço do

11 11"1 (; 1.l/n UIIlI qllt' :<.11:1S palavras sai ~lm da boca dos personagens não

I " " I" ~(" livl'\\t·l l\ sid o :lll ll'1"iorm r.:nl r.: l' .~l..: riI:lS por :ll guém, mas como se

1I1~, (·'''· 111 110 l·)U h ) 111I)l lIl' I\(O e m qll r.: ~. IO d it;I .. , frll los un ica menl e da \""lld ,> d" I'l'I\II!I.If,l· llI . A\\ ill l, " .IUlol dl.llll .1 11l.11 (,,, !lido par:1 "de,.I-

1>1

parccer" ~oh ~cm pl'r~()n .lgc ll .~ . S:IO d c), que "csU"t:vt:m" .1 11I ~I ()ri.1. I ~~c

"O Ulrú mundo possível" é conseqüência das suas vonladc~. inll:nçõcs c

morivaçõcs. O ideal do drama é qu e os perso nagens se torncm de certa

forma tão independentes de seu criador que o pübJico "acreditc" na cxis­

rênc ia deles . No drama, o "mundo" surge espontaneam ent e, co nseqüê n­

cia natural da situação dram:í.t"ica apresentada.

O di,ílogo apresenra a evo lução da ação do d r'1Ina . Foi assi m desde

que o d ramaturgo grego I:'squ ilo imroduzi u a figura do antagonista e

conrinua até hoje . No teatro, a voz do ator é um clemenLO dos ma is im­

porranres e ind ispensáveis. Mas, no c inema, o ddlogo poch: ser refo rça­

do e até substituído pela dec llpagelll da m;se-flJ-scel/e. Em Aurom (SUI/­

rise, F. W. Murnau, 1927), film e mudo cm qu e não Id nenhuma canela

de ddlogo , através (LI l/IiSe-eIHcCfIl' o d ireror deixa cla ras as inte nções

dos personagens, desco bre Sllas mo ti vações, apresenta se us co nfliros e,

fina lmente, chega a Ullla resol ução. O detalhe de um:'! cena rra.zido ao pri­

meiro plano, mãos se apenando, um d ose em um rosro, lllll moviment o

m inúst:ulo de pés OUlllãos. Deralhes revelados pela cimcr;l podem subsri~

ruir di:i logos. A capacidade do cinl' lna de narrar por image ns. muitas ve­

zes supera a necess idade do di;ílogo - e isso deve se r ind icado já no rorei­

ro. Por outTO bdo, um diálogo bem realizado confere hri lho a determinadas

cenas.

O diálogo é a ex press:io privilegiada, mas não a t'!ni ca (mesmo na 1-01'­ma drarn:í rica) , da relação inrcrpessoa l entre os personagens. É o fato de

q ue são indivíd uos que cstão ali, liv res para escolher seu destino; co m

uma si ruação I h e.~ aprese nta nd o possi bilidades de aç:io; com conflitos

qu e os obrigam a tomar dec isões, escolher caminh os, assumir responsabi­

lidades . Seja por meio do diálogo ou d ;1 lIlise-en-sán(f, o impo rtante é

1l10Str:Jr a motivação dos personage ns.

Quem quiser se aprofundar na arte do ddlogo pode se servir de vasta

li rcr:l.tura. Lui 'L Vilel a, Lui s Fernando Verissi rno e Ernesr Hemingw;1y, por

exemplo , são grandes dialoguislas. Claro, tam bém os aurores teatrais: à

guisa de exemplo , ciremos dois nane-americanos (l enncsscc \Vi ll iams e

Eugene O 'Neil) e dois bras ileiros (Nelson Rod rigues c Gian francesco

G U;lTIlier i). No cine ma, Billy \'\filder ~ n:rw m: nt c um do~ rncl hon.:s di a-

l ilr,III \ I .I~ d .• "1 \1611.1. ( (ln vélll t.Hnhénr Iclllhl.ll I' rmt l . tlbi ~Kh, ;I~ ti r~I(.I a.\

ilr' ( :nlll l llo M.lrx, de \'(ft)ody Allell e. ell1 1"1: ()~ hr.l ~ilciros, de Jo rge Furta­

do (' llgo (;in rgcni .

c) Progressão

Fln lllll roteiro com unidade dram~iri ca clara ("unidade de aç~o"),

lod." .I~ .lções tt:ndclll 3 convergi r para um mesmo fim. Dessa fo rma, as

Id.l~()e~ t:nrre os perso nagens ga nham forre ca racterística ca usal: roda

,IVO ~ co nseqüên cia de algo anterior e, por sua vez, c ria uma OUI ra con­

~t" qll i:ncia . A necess idade de que essa série d e conseqüências atinja um

fi ul . II Ill novo patamar de rt:laxamento, c ri a ;\ necess idade de uma pro-

1\1(·\~ .1ll dramirica.

() "Olltl"O mundo possível" do drama poss ui rclações Glmais mai s evi~

d("llll'~ do qu e a vida real. o que levou o I"Orei ri sla e d irero r norre-a m crica­

IUI 1),lvid Ma mmer a escrever q ue precisamos do drama para "to rna r nosso

IUill,rio mundo rnanllsc:ível"!o. Em outras palavras, começamos a pensar

11 ,1 vilb real também como um drama, um "mundo possível" que, no caso,

i .11l"(Jece a esrri t:1s relações d e causa e efeito. O d rama, para Mammcr, seria

1l1.1.IC~péc i e de tco ria que vê o mundo como um:! imensa trama de ClIlS:l$

j·I (lllseq i.i ências.

A~~i m, !la dra ma, cada passo deve fazer a aç:io (as relaç.ões te !ua.~ en~

11( ' pe rsonagens) progredi r, degrau após degra u, em lima escada que pos­

'· 111 Ulll destino certo e defi nido (mesmo que d<.'sconhecido pelo públi co).

" I . I ~ .1 progressão dramática também pode componar elementos épicos

"11 lír i c().~ (dig ressões, merg ulh os subjetivos). Nesse C:lSO, o roteiro apre­

',I"I H.I llS limites en tre o drama l~ o "além do dr:tJll;l" . Atravessado esse li ~

1(111\", rompemos com o dr ama e com o cinema cUssico e vamos par:'! os

111 111("\ " Illodel"lll)s". quas<! se m progress:io dramática, em que as quesrõc.~

100.l lIl. l d.!~ S~lO outras. Um exemplo de film e sem progressão é O Rio (He

1111, 1 ..... li ·Millg 1.i .l llg. 1997). Escolhido por acaso para f.1Zer figuração em

11111. 1 lill11.I~i,.·01, um jovc/Ill.."tll ra em um rio c, ~I partir daí, começa a semir

ti Illn'l~ dOl l'~ IlU pl"~Uk.,II. ·le l1t.l v:í rio~ Ir.II.Ill H': rH OS, lll as nada adianta. Ao

Im.d .. 1 dOI II .HI dl'\. IP,lI l"ll'.

Ao modo do:>. fi llm::>. dI.: Anlonioni , llua:>. 1.: n:lo Id I' IOP,I(''', IO. A <.I .)r

su rge e permanece ali d urante rodo o film e. As rd açóc:>. cl lt le m persona­

gens também avan çam muiro pouco: ninguém parece ter mOlivaçao sufi­

cie nte para telHar alcera r o estado de coisas inicialmente mostrado. Uma

es péc ie de letargia rollla. COlHa da narrativa. A càmcra, normalmente está­

ri ca, parece buscar urna espéc ie de objecividade - O qu e aproxima o filme

do épico. O tema principal (a incomunicabilidade entre os membros da

famí lia do rapaz) é mostrado ao mesmo tempo em qu e se abrc n1;\O de re­

lações interpessoais mais inrensas. As motivações subjetivas dos perso na­

gens parecem aprisionadas denrro deles, não ha vendo mais "a rena" para

os confliros entre eles . ArraVCSS:1.I110S o território do d ra ma e estamos em

outro lugar, para al ém dcle.

d i Suspense

O cinema d:-íssico, qua~e sempre, baseia-se no suspense, no atraso da re­

solução de uma qucstão. O mocinho vai fi car com ;1 moci nha? O que acon­

tecer:.. com o b:rndido? Q uc conscq üências tal cen:r ted par:.l a h istória?

Nas entrevistas qu e Al fred H itchcock concedeu a Fr:l nçois ·l'ruff.,Ul , o

dircror inglês aprese ntou outra definiçao para "suspense", opondo-o à

idéia de "surp resa":

''A diferença emre o Sllspense c a surp rcsa é muito simp[es e falo dela

freqüenremenre. Nó.~ estamos Gl a ndo, ralvez haja lima bom ba sob esta

mesa e nossa conversa é muito banal, náo aconrece n;lcla de especial e, de

repente: bum, explosão. O público fica surpreso, mas antes que ficas.~e, nós

lhe mostramos uma cena absolu(;ullemc comum, desprovida de interesse.

Agora, examinemos o slIspeme. A bom ba est,i sob a mesa e o público s:.rbe

disso, provavelmenre porque viu :r lguém colocá-la. O público sabe que a

bomba explodirá :l uma hora e sabe que faltam qu illZc para uma - h;Í um

relógio no cell,irio; a mesma conversa anódina torna-se de repente muito

interessa nte, porque o püblico parricipa da cena.lem vontade de dizer aos

personagens que estão na tela: 'Vocês não deveriam dizer aí co isas tão ba­

nais, há uma bom ba sob a mesa e ela vai explod ir logo' . No primeiro caso,

o fc receram-se ao público quinze segundos de surpresa no momenro da ex­

plos;lo. No segu nelo caso . ()fcrcce rn ~ 1 he qui llZC !1l i nu to.~ dc slIspcnsc."! I

j\ l ' \\(' I IP i) 11 1. '" • ,hVHJ d l ' ' 11 ' p{.· ml', 11 II l ' \t' lI HI 11 .1 po(' ., \1 11 PI{''-l, ( h.1

111,11 (' lH t l ' de '\ 'I\PC" \l' l Lh, iLO". J 'U I é lll , o '\ II \ pe .. \C" é 1I tlt I.. OI I<..l'1 lO 111 11 1

11' 1I 1.li \ .11111'10. O dr.lm.l :>.c hasci.1 CIH rcl.I ~·nt:~ í...1II , .li \, llllllC lev.1 o pl'lhli

I 4 ) .1 c\ pl.:ra r qu c os (;11 o.~ :1 pre:>'l.: lIt :ldos I Cll h:11 t1 :, lgu 111 :1 I.: ()f L:.cqüê nci.l. J ~\~. I

"npcl'.l" é o ( 111(: pOdC lllOS ch:ll1L:rr bcnt.: ri c Illl c lIl C dc suspcnse. Dc ((lI'lIla

1',1' 1. .1 , II :>. LLspensc é IOd:1 situaç;lo de rcn .~ii u tjut: agua rda um :1 rcs()IIL ~'iio . 11111 I'C!:tX:IJlt ClltO. Ass im , a si rnpk.~ dil;ua\';lo dc ullla cspt:ra pode c:t u~a r

~ 1I\pemc. Nas coméd i:rs ro nünl iC:ls. po r exe mplo, normalment c Icmos,

I I . L ~ pri mci ras cenas do fi lrnc, a oposição enrre os int egra nres do casal

p l ll .... ip:11 que, j:i sabcmos, vai [enn inar jun ro. O pr:tzcr aq ui (o "suspcnse")

I' 1 1 1 ~ L.Ill1cnrc acompanhar a resolução das te nsões que impedem a uniiio do

I ,I,. IJ. O U I ras vezes , o sllspellse é unicam ente a cx pectativa pela resoluçiio.

pdo pomo final que dad sentido a tudo aquilo, o qut.: aconrece mes mo

1'111 CISOS radi ca lment e não~dram;Íticos . No curta Ilha rias Flores (Jo rge

I meldo, J 989), po r exemplo, Furtado poderi a levar ael il1fil1itum a as~ () 11,1\:10 de idéias apresentada na primeira parre do filmc. O suspense, no

I ."n. é cri ado por um a questão provocada no públ ico: "Aonde é que tudo

1\\11 v.li kvar?". Po r Outro lado, apesa r das inú meras variáveis possíveis, I)

1, II LLe precisava fel' um fin al. Essa concJ uS;lO fo i dada pelo poema decJa-

111.ldn pelo narrad or, anunciando a cspera nça dt: um mundo de homens

v{' ltbdcir:1mentc livres, subvertendo a lógica C:lpil:l [isr;! qUl' conduzia as

''''.'l'i ações.

Jl:. ra a boa resolução de um ro reiro, o suspense deve ser bem rrabalha.

dei . Apesar de às vezes sabcrmos logo de in ício que o casal princi pal vai

In Itr inar jll ll fQ, é desejável saber "jogar" co m essa expectativa . O público

P' l'l j ~: 1 ora acredit ar, o ra duvidar. No começo de Sabr;1U( (Bi ll)' Wilder,

1 "<)'i) , podc rnos imagina r que a personagem princ ipal está destinada a

I(' III L;IL :II' nos braços de David , o filho p/ayboy e namorado r da casa dos

I .111.lhcc, onde o pa i da garota rrabalh:1 como motorista. Porém, em de­

I! 1111;1l :ld() pOli ra do IlIrne, essa ex penali va muda e ach:lmos q ue ela ler­

Il !tll .ll.í IH 1.~ hr:lços de Linus. C orno o roreirist:1 tcm consciência d essas cx-

1'(-\ 1.11 i V ;I,~ du Plíbl ico . e m outro moltle n to sornos lev;rdos a cOlui dcr~lr

'1 11\' I.I lve'l d .r 11 :10 liql u.: Lorn Ilell hllllt do., doi:. irr ll;los c q ue o fl lI:.1 :>'l' ja .

• ,d i ll l. illl·\pel.ldo.

Os limites do drama

Em O Homelll que Mtlfo/! u rfldllO/'il ( TlleMall W/ho 5hot Libl!rt)'

VttlflllCl', John Ford. 1962), o personagem de John \'(Ia)'ne representa o

homem simples e rude do Oeste, enquanto o jovem :ldvogado interpreta­

do por Jamcs 5rewarr representa o progresso, Lima nO\' :I le i que vem do

Leste. Ambos possuem um inimigo comum, Libcrt)' Vabncc (Lee

Marvin) , band ido cruel, o "bcíno r~t" do título ern português.

O fi lme. gmsso modo, obedeo'::1 estruturas dr:101:íricas, mas O interes­

sante aqui é nOlar como csr:unos no limite enrre o dr:unâtico c o 1130-dra­m:ítico. Grande pane de O HOJ}/(!II/ que Mal011 o /Ylcíllortl é a narraçiío

fcita por um perso nagem Oames Srcwan) para um g rupo dI.: ;ol"l1:1lis(<ls.

O que vemos na tcla, port:1ll to, é a rcprescl1wS'áo dessa narrativ;t, ~ o reLt­

ro de algo passado, ji aconlecido (caracrerfsricas da fOrll1:1 épica). Porém,

durante esse longo jlashb({ck, f.·ual mcnre nos esquecemos de qu e aquilo é urna narração. Não h:í voz ojj; não hâ nenhulll elememo que nos lembre

de que eHa mos em um regisrro épico. Aliás, qu ando John \X1a)'nc conta a

verdade sobre a morte de Liberr)' Vabnce, lemos uma aUlra Ilarraç:io

dentro da narração.

No final, quando o f/as!Jbilck termi na, h :i um pequeno "choque": o

que vimos nao roi "um Ollrro mu ndo possível" , mas uma narr:niva

construída por um personagem. Assim como no drama , aqu i somos leva­

cios a "esquecer" a presença dessa figur;l que, por rr;Í,\ dos pall()S, co nlrola

a história narrada. Ao revela r o narrador da hiscóri a, Jo hn Ford levo u o

drama ao seu limite, rransfo rrnando-o em épico.

OUITO elemcnro interessante de O HOIII(!}I/ 1"e lviii/OI/li Fac/110m é o

modo como o amo r consegue transformar conteúdos intelectuais em ce­

nas, situações purame nte "dr:1Il1.-íricas", conduzindo a histó ri:lllllicamen­

te a partir dos conflitos en tre os perso nagens. A idéia ce mral do film e é mostrar como a "ordem" vinda do Lesre precisa da bravura do Oesre para

estabel ece r uma nova lei. Cada perso nagem possu i uma carga simbóli ca

rOrtc: Ulll é a fo rça bruta do Oeste, OlUro é ti lei do Lesre, a personagem

de Vera Mi les é a "alma da nação americana" (que se eq uilibra no amor

entre o Leste e o Oeste, tentando o rganiza r lIlll:l sín{'cse deles).

1'0 1' t l.h llc tlldo I ~~ t) , 11\..1111 <. I.I!',I" ,1\ il l l l' II ~,Oe!l do ,nllor do fi lme.

11 . III ~ p , llel. C, p.II,1 o C\pcl. l,alor att' IIIO, o pl'oj elO de () I-IOl1lelll qUI' AlfI­IMf () Frfl'ÍI/(Jnf.

Além do drama

Muita água - e muica cnch ente - já ro lou debaixo da [Jo nte <1.1 Illnder nidadc, e a forma dr:lmática pllra já n;ÍO inspira t:lnt';\ confi an ça .

()u melhor, pouca gente se sente lão confianl c como um herói dram;Íli­

\ o. Po r um lado, nossa impotência nos E1Z cu lti var (C0l11 0 UI11 "prazer so­

III,iria") os "mundos de Marlboro" ou cunir as c l1H.luras de um "e vive­

um felizes para sempre" . Por Outro, nossa ironia nos f:1Z adm irar "o verso

do hordado" da força dram:itica, mostrado pelas doideiras de Gro uch o

1\ 1.lrx, pelos comenr;Írios <:lc Brechr , pclas mi l e urna piructas de O Bltlldi­

dll da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968), pelas co médias da vid:1

jll ivada de Ve riss imo e d~ (Urma de G ud Arraes, Jorgc Furtado & cia.,

pel.l TV an ti-T V da TV Pirara, pelo monólogo csperto de Accrol:l em "A

ttl l"O:\ do imperador" .

No drama, eSlamos mergul hados na cena, nas luras dos heró is. C om os

\ \lment.trios épicos, damos um passo atri~; eSla mos ma is distanciados: o

tUlipa da ação n;1o é mais o presenre imediato, m;lS () passado; o cnvol­

r imcllto não é mais o de "Iescemunha" de "OlUro mundo possível", mas

dl.llóico : aquele "ourro" mundo dialoga com o "nosso" 111undo. Esr<.lmos ao

11 1\.'\ 1110 tempo dentro e rora da cena, somos c~pcctadore,~ e críticos, n:io nos

1'l'I'mitimos embarcar cotai mente Ilas emoções proposras. Tornamo-nos es­

I I\'\. I adores divididos ,

A briga que o drama turgo Tenncssee \'V'il liams rcvc co m seus críticos

\·' .... mplifica bem O dilema de "ser ou não ser dram,itico" l~ . Em linhas gc­

I.li" :1 crít ica americana, que valori zava apenas o drama tradicional, la-111l't1l:J\I:1 () dem:l ~ i :1{11I intercsse de \Villiams pelas lem branças c pelo recur­

~~ I:I llleIlH'lT'Í.l . <jll\.' i l (r/i.1 rechear SII :1S peçlS de digressões ejlm·/;brlcks. , . ~~l'~ " l'I' H I ~" LlIlIhl;111 l' l ,1111 li 1I1 11 1 1 1~ .10 (<.". 11 1'0 de J h\CIl t' 'J'chn ;ov: :m:Ui"l"

il1h: rion.:~, ''!: d ~o:- d i:ílogo!>" t:1C. N.I vcnl.lde, e!>.~, I~ téulicl\ \.1)11\11111\.'111 i lll ~

ponantcs recursos de desd r :un;l riza~~i'iu e silo utilizadas para CllrnpO I' uma

imagem da ex per iência da vida comum americana, cindida el ltTC a med io­

cridade das ilu ,<;ões consoladoras c a violência dos desejos rep rimidos.

Assim, a fi cção teanal (c, mais [arde, a cinematOgráfica) começou,

principalmenrc a pa rt ir do final do século XIX c co meço do século XX, a

ganhar contornos ll1ai.~ épicos, qu e eclodiriam na obra de um drall1 aru r­

go como o alemão Bertolt Brcclll - que propunha um teatro épico, co m

o espectador di stanciado da cena,

No cine ma, chegamos a formas difcrcmcs de narração, muiro além

do d rama. Em vez da clássica un idade orgânica da evo lução d ra m:ítica,

exis tem fi lmes que têm ullla esrru tura paratárica, espécie de variação so~

brc um "rema geral", em que os preceiros dramáricos (unid<lde de açã o,

primazia do di:Hogo, "ausência" do narrador, prese nte imedialo) desapa~

rcce m. São filmes o rganizados a partir de um raciocínio inrelecrual, de

uma idéi3 que liga lIm3 seqüência a O U Ira (n50 é mais a determinação in~

dividual que faz a ação caminhar). Algulls exemplos de filmes assim -

que podem ser enco nrrados em locadoras - s50 32 CllrlrlS sobre C/mil

G'ultld (7"lJÍ/'ty '(wo Sllo/'! Fi/ms "bolt/ G/enn GOIfId, François G irard,

1993), MatOlll1 Fl1!lIílitl e Foi '10 Cim:/}/a (Júl io Brcssane, 1969) e Glbllret

mineiro (Carlos Albeno Prares Correi;'!, 1980).

Existelll outros casos nos quais a ruptura com o drama não é f~O radi~

ca l, mas que também lançam mão, de modo mais potllual, de recursos ép i ~

coso Podemos cnconl rar filmes em que há uma unidade dramática míninl;l

(em geral secundária, tempora l ou espacial) que serve para alinha v:lr os

fragmentos de história apresenrados. Em Sborr Curs - Cmlls c/li Vic/'l (ShO/'l Clt/s, Robcn Alnnan , 1993), por exemplo, há uma unidade muito tênue

entre as histórias apresentadas. ~lod;\s das acontecem lU mesma cidade (Los

Angeles) , du rante os dias que :lnrecedem um terremoto. Temos a uni,bde

espacial e, mais importante, a temporal. Como esramos, ainda q ue Illini~

mamenre, no território do dra ma, o público cria suas expectativas: Essas

histórias se encomrarâo? Caso se encontrem, quando acontecerá? O sim­

ples fato de o terremoto ser um:. experiência comum a todos os pe l'SO lla~

gens sa risf:u., de cerra ~ornl:\, eS.~a 1'('nS:lO cri:ld:l pelo drama.

Il

I 111 11 111 li1111\.' ... 411 11 0 ("(' l'Il11tilllll di' ( (/1fI1I/"1I10 ( I hr \\'It'drt;lJg, R. )h\: rt

Alllll .• II , I '>7X) , , I 1I1 Iid,ldt: ... ll'.llll.\li l...1 é d .ld.1 pd ll evenlo t:1l1 si (a ceri1llô~

111 ,1 do d u dll). Ao redo r dcs!>e p :IIHI de /"lIlldo. cn!llum :1 lodos os perso n;l ~

1',1 11\, orhit.1II1 v.íri :IS hi!> l.l ri :ls. Ne,\!>e film \:, h~í certa "economia" dJ'amáti~

• I 1I1n.1 :.C:ric de rdações c s uas histó rias são apenas esboçadas, apontando

11.11.1 dl.1 m.l :<. p()!>~ íve i s (Iue acaba m não se realizando.

Nbrno C"II/dllo Kmlc (Cilizen Kflne, Orson Welles, 1941) possu i uma

IlIlId.ldc dr:lndri ca "rr:ígil" (o repó rrcr descobrid quem cra Ka nc?), que

',t i V( ' de desculpa para a narrativa. O filme de Wclk·s, quando de seu térm i ~

lIn. ll'vd:HC um acúmulo de cenas dramáriC'ds que leva a "lugar nenhum".

11"1 110'., dr:llnaticamcntc fab ndo, v:í rias "forças" agi ndo c.: tll Ka ne: a briga

\ '1111 Ii tlHor c.: o dc.:scjo de d irigir um jOrll<lI;;l campanha para a Presidência;

tI \ pl.II10S de rransfo rmar sua esposa em cantora lír ica. Cada uma dessas

· p . l ll e~" do fi lme possui sua unidad e dramática próp ria; somadas, elas nfío

111 1\ p\.·nllilCn l concluir quem foi Charles Foster Kane. As relações de causa

I I DII\l:ll iiéncia, lÍpicas do drama, funcionam dentro de cada uma dessas

\l'ql il: ll ci as, mas nilo funcionam no filme como um lodo.

tvln mo fi lmes claramente dr;llll:i.ricos vão apresentar 1l1Orne nLos Ille ~

11m dr:ll1'dticos ou nfío-drarn:íti cos. São mamemos em que a hisrória

II ,HI .Iv:mça, cm que, em termos do conOiro principal ou mcsmo quanlo

,I IlI ll nilOS secundári os, nada acontece. Isso é p:m e do próprio esforço

di' l tllll posiç:io do drama. Afinai, se Hldo for d ramático, nada o ser:í. Na

t', I , III~k curva geral do fil m e n:lO haved progress:lo . Em cada estág io , e

I tlll~' 11111 e,~dgio e outro, não haved lens50 e d isrcnsilo . O d rama dc.:ve

1\ ~ 1'11.lr.

AIl- Ill d C"~;1 função estrutural, os mo memos de d istensão dramárica

,11\'(' 111 :<.e r aprove itados para passar informações, carac teriza r perso na~

J',! 11\. 1I111H.: ntar o drama, envolver c preparar emociona lmente o cs pecra~

,I" . ,· I t. I ·~:<.st:s usos podem ser realizados nas formas lfri ca e épica.

, , .

1I

Formas nõo dramáticas

A ruptura da cena dramát ica, ou seja, do confronto imediato emrc

indivíduos, pode acomccer em dois sentidos d iferentes e, de cerro modo ,

conrdrios: a subjetividade líri ca c objeri vidade épica.

No lírico, a express;Ío é subjet jvada. No teatro ex prcSSIOlllSt ;l, por

exemplo. a f.í.bub é normalmente a alegoria de :l lgum scmimcnro interno

do promgo nista. Apesar de termos diálogos c pcrSO I1 :lgcns em confliro, :I

trama é centrada na ex peri ênci a de um único indivíd uo, cuja subjet ividade

a tudo "contamina",

De modo menos radical. mais pomual , é muito comum a presença de

momentos líricos em narr;lIivas prcdominantemenrc dramâti c.t'i. No ci ne~

ma, a dmcra subjetiva é um Illomenro corriqueiro de exprcss;Ío lírica.

VCj:HC como Hitchcock simub a sensação de vert igem em Um COlIJO qlle

Cfl;( Vertigo, 1958).

N o épico caracreriz;He por IIllla relação em qlle, entre o recepror e a

história contada, está presenre a fi gura do narr;ldor, que coloca o público

ora mais próximo ora mais distanrc d:l história. O ci nema é, por defilli ~

ção, ulll a ane ép ica: através do olho da dmera, a hisrória chega aré nós.

Por essa razão, C0l110 dissemos al1l eriOrmelllc, o ci nema pode :lbrir mão

dos diálogos (a forma privi legiada no d rama cUss ico) . Em Stgmlo5 1' Mm~

tims (Secrm ér Líf'S, Mikc Leigh, 1996), mãe e filh a que havia m sido scpa~

mdas após o pano en contram~se pela primcir:l vez. Aq ui a cena é roda

"dral11:lric t", baseada no conflito que se realiza ;1través do ddlogo. A

câmera permanecc imóvel e a cena transcorre sem cones. Ess:l opção do

d ireto r reforça o d rama, j:í qu e a dmera (o narrador do film e) abdica de

f.,zer comentários. Por ou t ro lado, quando, po r exem plo, a p resença da

dmera é evidenci;lCla - "se f.,z senr ir" , como diz P:lsol ini2J, ca raaeriz:lIldo

o cinema moderno - , retornamos à fonna épica.

O épico, ao conrr:í rio da unidade d e ação cl áss ica, pode apresentar

uma gmnde sucessão d e acontecimentos. Um momento épi co bastante

comum é o slun,írio narrat ivo, relaro generalizado ou exposição d c uma

série d e evcmos abrangendo um cc rro período de t'empo e um a va ri edade

d e locais. Inversamem e: a cena imedi :lla (d ral1l:í l ica) c risra li 'l;l ~sc à mcdi ~

7?

di qU l' 0 \ (kt.tlI H:~ e~ped ll ( t) \, su (. e~\ l vn~ e (.Ollt(UUOS d e tcmpo, IlIg'lr,

.1\. 111 c di.íl ugu L OI1l(;\.U1I .1 .lp.lIl:cer. 1\,:.i l11 , d entro dt: uma narra Li va épi~

1.1, podelllo\ tcr mamemos 111 .l is "drarn;iticos", em que eferivamente r e~

1110' 11111.1 <.e l1. t. P.lr:1 () I'Oll.:irisl:l, é imponanrc saber que os rnomenlOs

III ,U \ dl.un.1ticos CSlillllllam a idemiflcação enrre pl'tblico e personage m,

I 1HI II .1I110 :1 prcsenç'l do narrador, geralmcnce, causa efe iro contrário. Da

1111'\1 11 .1 lo nna , um d rama (u ma peça ou roceiro predominanreme nre dra~

tll.~ II L OS) pode Icr momentos líricos.

o ) lírico

Um filme integralmente lírico não reria propriamente históri a. Seu

IlIPvi mcnlo se ria o da sucessão de represe ntações do esrado de ullla alma

(que Il cm p recisaria ser ex pli ci tada, tal co mo acontece com o "eu" press u~

1'0\10 d e urn poema). Na corriqueira dmera subjeti va, apenas a compa~

1111 ,lIll11S aqu ilo que o personagem esd vcndo. Mas h :í casos nos quais \'e~

1 I 111 \ \C U flu xo de pensa rnentos, podemos aco m P;l n ha r suas "aluei n:tçóes".

I 111 Ill t: in a um filme rea li sta como AII/'oli'l (Sullríse, 1927), de Murnau ,

lu um.1 ce na em que o casa l apaixo nado es tá caminh:1lldo pda c idade e,

di' Icpcnrc, parece estar andando em um bosque. Q uando o casa l cai em

~ L , ('\LI no meio de uma rt,t:a, atrapa lhando o rd(ego d e automÓvcis. Aq ui ,

.1 1I1l.Lge rn revelou um se mimellto interno deles, tOtalmente subjt:tivo:

. 11" I.. .t minh ava m jUntOS co mo se estivessem num bosque. Os curt as

( dlfllllujo-jlor Ooe! Pizzi ni , 1988) e A janela Aberw (Phi 11 ippe Ba rci nski,

'(lO'!) s:1o eminentemente líricos. Nesse último, um homem dcira em

IL III .I L ima e começa a se le mbrar de que d eixou a janela abe rta. lvb s logo

tllUd.1 de id éi;1 e percebe q ue está se lembrando d e algo que aconteceu 0 11 -

I ItI .li.1. O fi lme entra em lima espécie d e loopíng etn que o homem fica

," II \ t.lIltcmCnt"c se co rri gindo até que, no final, t:orna~se impossível dis­

"!l r,u ir qual !t.:m b rança esd co rreta.

1\ Il- lH d:l c:'nnera subjet iva e do recurso à mem ó ria, OUfra possibil idade

d, . CLI.I lírica (qu e aparece normalment e den tro de formas dramári cas) é o

1'1' "u ',I"F,'" () Cl~l) m;lis CUTlli1111 é herdado dt) teatro e ocorre quando o per­

'o, 'I 1.1).:(' 111 di , 11111 .1 1:11.1 l]1I t: n :IO It:n 1 qU:llqut: r rd:l \~:io com a cena dramática,

,II " glll .. lo .I 1'.11 .1 \i 1IH.' \ 1l1l). NOI'IIl.dlllCIIl C, n lHOIHílogo ~t: rt:rcrc a algo njo

li

djre(a lll~ ll( e rcl:H;j(I!l;\c!11 :111 dram:l. 1'l1dullOS Cn COIl(I',1 1 v,i ril '\ ~ X~ lllp l l's

desse salto para o li rismo nos filmes de GodJrd. Em O Delllônio rim Ol/ze

Hol"tls (Pierrot, /e FOII, Jean-Luc Godard, 1965), por exemplo, o persona­

gem Ferd in:md Ue:m-I'aul Bdmondo) Illuitas vezes interrompe a cena para

decbm:l!" uma poesia ou n\lar algo diretamente para a câmera. Um "truque"

para abrir um espaço líri co na cena sem romper com as convenções do dra­

ma é fazer o personagem, por exemplo, ler um poema. Em Separações (Do­

mingos de Ol iveira, 2002), o personagem Cabral (Domingos de Oliveira)

emp rega várias vczes esse procedimento.

Omra forma lírica comum é o uso de nuxos de imagens que revelam

o que se passa no íntimo do personagem. Esses momentos líricos são

compostos por pura expressão visu<ll, como no início de Apaca/I/)$(' NU/v

(Francis Ford Coppola, 1979): sozi nho num quarto em Saigon, Willard

(Marrin Sheen) está enrre :\ lembrança, o sonho e o delírio - e as ima­

gens, um tanto desconexas e sem continuidade temporal clara, mostram

isso . Em Tmillspotrillg - Se/JIli/flites (Traillspotúng, Danny Boylc, 1996),

as sensações provocadas pela heroína rarnbém sao mostradas assim .

b) Épico

O ép ico se caracteriza pela presença de um na rrador, pela referência

ao passado e pela ruptura com a irnpress:lo de fluxo natural do tem po.

Vejamos quando o narrador surge em meio a um;l cena dramárica.

Às vezes, esse narrador é, ele próprio, um dos perso nagens, que conta

para outro um Luo já acontecido. Em Cidade de DWl (Fernando Mei ­

relles, 2002), Busca-Pé, em v;irios momentos, assume a voz ol)"p;\r;1 expli ­

cu o funcionamento d,l Gwela te do tráfico de drogas. Em HOllve 1i111i1 vt'Z

Dais Verõe5, Chico, o protagonista, conta para seu amigo, enquanto cxpc­

rimem:l v;tri;\s camisas, como foi o d i:ílogo com Roza ao telefone ("da í eu

disse, daí ela disse"). O mesmo recu rso é usado na abertura de Amores

(Domingos de Olive ira, [998) . Um exemplo genial e explícito ocorre em

O Sol Enganadur (Utomlyollllye So/ntmn, Nikira Mikhalkov, 1994), quan­

do Micha (Oleg Menshikov) conta sua h i stóri~l servindo-se do expedien­re de encenar um teatrinho de bo necos para a fi lha de seu oponenre. No

fitul de 05 Vi/JOJ (' us Mortos (The Dead, John Huston, 1987) , a protago-

; "

111\( ,1, .(,1 ( 0111.11 .1 hi "' I \~ li . 1 de (11l) .1 111 I)!" perdido 11,1 jllvenllll.k, muda a

1111\1)('l. li v.1 d ~ (lldt, qu e vimos IlI) fi lme. Muilo comumente, esse tipo

d l" 11 . 1I · 1 . 1 ~ . Il' ~ l) "g:lll cho·' para lImplls/JbflCk (ali seja, para o retorno ao

Illtldo do "p r~s~ 1I1 e drandrico", eb mesma forma que em O Homem que

\/,111111 (j / ·i,l'Íl/om) .

( )hvi:ll11 eIH e, fúer co m que o personagem "conte" sua história para Ol/-

111 ) (1 .1 form:1 ma is CO I\lUIll de narração entre personagens - e amai::; arrisca­

d.1 p.lf:lll rO(cirisra, já que é uma e.m·arégia óbvia de "passar informações",

'!I [ud.1 que hrl.emos todo d ia, usando discurso indirero. Usa r esse procedi-

1111' 1110 .lpen;lS como muleta, ulTla solução Hci! para rransmitir infimnações,

11I IPllhrecc o roreiro. Claro que um personagem pode conr:lr a outro algll-

111.Il lli":I, desde que isso tenha alguma função dentro da economia da Ilarra­

II V, I, ' li ·:Ha-~c de m:mipuhr o pOnto de vis(";1. Ou, quem sabe, de exacerbar

~ 1"pl'nSe, [·ctardando o prosseguimento da ação (o a~sa~sino, antes de matar

\11 ,1 V(I im:l se detém para contar como conseguiu Clpruní-la).

Outras vezes, o "narrador" que rompe o presenre para mostrar algo

,dll l'ill ;'l cena não é um personagem . t. o narr;ldor invisível, "a n::llnção"

!llI (I "n:lr]";ldor implfcito" (de um jeito mais emp írico, mas meno.~ preci­

' ti , p'lderíamos dizer "a monragem"). Um caso mu ito cOlllum é a conhe-

11i. 1.1 "montagem paralela", que ocorre quando duas siruações diferentes

((' IH ge ral separadas pelo espaço, mas com tempo co ncomi tante) são

111Ol\ (]';I(!:JS alternadamente.

Na verdade, apesar de romper-se aí a unidade de espaço, esse recurso

I" pl'c ifi camente cinematográfico pode ser usado de fonna dramática. É o

qllc cO ll"lumente oco rre quando as duas linhas de ação se cruzam no final,

\ .I 1.Il.!eriza ndo uma espéc ie de "cena ampliada" que se desenvo lve e rn es­

['.1\"'" diferentes; as duas linhas, po r fim, nao precis;IITl n ece~sariamente

1\ I' ,mar ao mesmo espaço. A montagem paralela cr ia sllspense porque,

1\' "[limados ;t~ relações de causa e efeito, esperamos que aquilo termine

I\ ,dglllll lugJr, que ambas as histórias enconrrem um só fecho (tenham

IlIlId. ldc de açao).

1vb~ essa "dramariz:lção" da montagem paralela pode não :1Collt('<.:(:r,

I1I , li Ido :1 rdaçío entre as duas linhas de ação inderenninada. Dito de ou-

11 " 111(,dl': nesse CI ~ (l , ;1 CClllexfio (em dese r fe ita em termos :lbsrr:ltos. Há

;'.

UIll chíssico exemplo do próprio Cri/fi lh, o pai do d ram,1 U lll'U1.llllgd fi ­

co: no curra A Comer in Wlhctlt ( 1909) há lima monrage rn p,l fal da que

alrern a cenas da vida dos cam poneses com <:enas de um especulador da

bolsa de cereais, que toma dec isões que provocam a pelll'lria dos trabalha­

dores (neste caso, não lemos sequer pe rsonagens individualizados), Na abcrtura de Um Dia de C/io - a inda no.~ créditos, antCS de e lHrarmo.~ na

históri a do assalto ao banco -, há uma montagem com ce nas de lrabalho

e b zer na cidade (um ve rd adeiro painel de conlraSles de classe) que for­

nece um pano de fu ndo.

Out ra Forma de intervenção do n arrador é a dig ressão , que Funciona

denrro do dr:una q uando pode ser entendida pelo es pectador como um

"come ntário" . Ass im como o narrador de um roman ce pode abandonar

sua hislória - sobre, por exemplo, uma família que planra uvas ru Serra

GalÍcha - para teccr co mendrios a respeito do modo como o cultivo da

uva foi levado de co ntinenl e a co nrineme, um narrad or cinema rográfico

pode fner uma di gress30 aud iovisual. Esse recurso foi muiro urilizado

po r Jorge Furtado e m episódios das Comédias da Vidtl Pri/llldtl (os perso­

nagens estão bebendo e "sa lm ll1 os" para um "audiovisua l did :íti co" sobre

as fun ções ricualísricas da bebida arr:l vés dos rem pos, por exemplo).

Pode haver tarnbérn - e isso é fundamelHa l - umn digressão im­plícita. Corno o cint:ma rraba lha com viÍrios cana is de cOnlun icação ~ i ­multfi.neos (trillu, cenários, inre rpn:tação etc.), pode haver pequen as di­

g ressões, co mentá rios visua is ou sonoros, incrusrados na própria cena.

Esse recurso pode associar a história q ue se com a a lemas ma is gerais. Ao

longo de Houve UlIIt[ \fez Dois Verões, em dr ias ocasiões. a histó ria de

C hico é co memad a co mo resultado de ação conscielHc e acaso: "Se eu

não tivesse errado os paras na máquina de flíper, eu não feria conhecido a

Roza, então ... " ; no mamemo em que "cai a fi cha" de qu e Roza o enga­

nou , O amigo está jogando 'Tc lris e acaba de hner a jogada qu e "fecha" o

conjunwi quando Chico ree nco nrl":l Roza e passa a noire co m ela, há

uma ce na não d ramári ca de caracrerização do senti ment o de felicidade de

C hico, na qual ele chura lIm:llampinha e acerra lima jogada "imposs ível"

num campo de min igolfe Na üh ima imagem. remos um a vista aérea de

Chico no campo de golfe, e ele. que naquele momenro se acha capaz de jo­

g:I(!aS imposs íveis, p:m::Ct: um:1 holinh:1 dr.: rH ro de um jogo d I.: f1 ípr.: r.

Os limites do drama e o cinema moderno

() Linern.1 d.h .... iLo L· .... d. rnuilO ligado ao d rama: lima histó ria contada

.I, 1I1 ,III('il":1 a envolver cump1cramenre o es pectador, qu e "acred ira" no que

Il ll' ~ Lorll,ldu r.:o rI11) se aquilo fo .... sc um outro mllndo e se identifica de ma­

tll· tr .1 itTt:~ 1 rila com os personagens (ao menos assim querem os realizado­

In). Se \l cinenu cHssi co for a "fórmula" , o cinema moderno é a "exceção

.1 rq!,f.I '" . EnllU :lllIO os !l Imes clássicos apostam no d rama, os mode rnos co­

lnl.l lll o espectador dentro e fora do filme, realizando um processo mais

d r . tl ~ lico de co mpreensão - não apenas do mundo !lecionaI, mas do nosso

I,rüprio mund o.

I',rn Cidf/dão KIllIé, um filme semina l par:l o cine ma moderno, \'V'cl les

rllultip lica a figura do narrador, dando a impressfl u de que cada ep isód io

.1 rl"\]leilo da vida de Charles Foster Kan e é o ri g iná rio de um aLi outro

pn\ollagcm. Alé m disso, ao misrurar uma estrullIr.l cmincnremenrc épi­

I 1 (o cinejornal) a outras seqüências mais dramáricas. de cria o d islan­

l 1.11l1l'1110 do especrado r em rdação ao que se mOStra na tda. Jea n-Luc

('Od.l rt.l , ma is radical qu e \'\Iell es, usa vári os artifíc ios para "dinamita r" o

d r.lIll. r: t;1ll seus filmes, os atores podem simples ml.:nte parar de atua r 011

t1 1ll.llluin:írio da produção pode ficar à mostT<l. Em li"" po de Gllerm (Les

( ,mll';lIit'J"S, Jean- Lu c Goeb rd, 1963) , lod:l um a viage m é narrada a par­

IH de (mos e objetos rerirados de uma mala : os perso nagens ro rn am -se

1 \ plíl il o .... narradores.

A p.tródi a r;tmbém serve para d istanciar O públ ico do drama. E ta m-

1'1· '1' "t;XlX .... :-;O de estil ização, que faz co m que aquela "aparente re<l lidad e"

'I' 11 . lrl\t~ l!"rn l' I.: rn "expl íci[3 irrealidade". Um exemplo é o mar de celofa-

111" , Il- ", It/ Ntl!I(' Vn (Peder ico Fel lin i, 198.3). Outros di rerores, ma is sutis,

11 lifoI n rll Crll l' ~ \la vizal11 os esquemas dramári cos de suas histórias. Os fil -

1Ill"\ dll f i " trl c~s I ~ ri e Rohmer são exemplos: o dr;mu dos personage ns pa-

1<, I' \CIIl]lre dt: \ irlt l.: reS\:l IlI l', como se o foco de arenção do d iretor fosse

• 'I t l t i ' . 11.11 .1 ,t l ~ ll1 dn .... l'~ prohle mas. 1\. .. rclaçi'lcs de ca llsa e efeito ro rnam­

I rn.lr \ 1l-IlUn e é l]u .l\e LOIHO .... l' e\1 ivé\\L' IHO\ vendo um "documentári o

J" ,\.II I.I". 11111,1 hi \ I{.ri . l l· 111 qlll' pOlr l. l l Oi\.I.ILOUlú .. l' .

I

A simpks pt:rm:1nência dt: um plal Hl em qU:ldm P01' (1111 it:ll lflO :11<:111

do nccess:Írio para sua devida compn:cnsao j:í nos " h-tsta da CCll:l , rompe

com o drama , O cinema clássico é dram :Í tico C Funcional: o corre interrom­

pe o plano no tempo exaro pa ra que ele seja compn.>cndido, suscitando

uma quesrrto que sed respond ida pelo plano seguinre, e assim por diante.

Já o cinema moderno tem a possibilidade da conremplação, que pode gerar

mOll1et1to.~ líricos ou épicos . Ass im acontece no neo- realismo italiano c

também, para cir;l!' exemplos contempo râneos, no ci nema de Abbas Kia­

rostami e de Tsai Ming- Liang.

No cinema, difcrenrcmelHe do cad ler imediato da prcscnçl rcatnl, a

mediação de uma instância l1a rr;lI'iva (objetivada na câmera e na monta­

ge m) é co nsritmiv:l, O ci nema c1:issico rcm de se esforçar para apagar as

marcas de sua Fatura, para obter a rransparên cia do drama, Mas o cad rer

épico permanece como sua natureza reprimida .

Te lHando rt:sumir :1 discll ss~ o deste cap ft ulo, podemos ens:lia r UIll

princípio de rdlex:lo: mes mo diante de um fi lme dram:iti co, devemos

pergun rar, a cada cena, se II ~O vak :l pClla rompê-Ia , f:lze ndo o e.~pc<.:tador

dar um passo para rds c, por um momento, ve r o d rama de fora, Ou, no

!Sentido cOlll'd.rio, Fazê-lo mergulhar 11:1 ~ l1bj el ivjd:ldc de Ulll personage m,

Exercício

I . Defina, esquematicamente, a situação dramótlco báSICO de sua

história (dez li nhas).

2. Esboce (descreva em li nhos gerais, sem desenvolver deta lhes de

falo e ação} duas versões paro uma cena de seu roteiro, uma delas dra­

mática e outra lírica (um parágrafo de dez linhas poro cada versõo)

CClpítu lo 4

OS QUATRO REINOS DO DRAMA: TRAGÉDIA, COMÉDIA, MELODRAMA E FARSA

• Os quatro grandes gêneros dramáticos (comédia,

tragédia, farsa e melodrama) dão o tom gera l e esta­

belecem os parâmetros da narrativa.

• Cado um dos "quatro reinos" é defin ido por uma

combinaçôo específica das seguintes uvariáveisu bá­sicos: estilização, personagens, enredo, ponto de vis­

to geral e curvo dramática.

• A diferença entre tom geral e variação tonal (toques

melodra máticos numa comédia, por exemplo)

"i

Introdução desconfioda

"' Ii';'goo ias cariocas", classifica Nelson Rodrigues. "A morre da tragédia",

V,I I IL i l l a George Steincr24 . "lragédia na rodovi;l Ri'gis Binencou n ", an t lnál.

. 111~IJll l plantão de notícias em um feriado. " Isso não é uma comédia . Tem até

111 1',1\ panes engraçadas, mas não é lima comédia" - avisa o proragonism de

"Al lchictanos" , último episódio (cscrim e dirigido por Jorge FUIT;"ldú) das CU­

máf;"s d/I Vidll Pri/Jtulll. "A história só se repete como ~m;a" , disse Marx~~ .

", 'nlllédia amarga" , "tragédi:t burguesa" , "tragicoméd ia", "realismo rndoclra­

'11.\1 ico", e por aí vai.

C itações ao léu, só Ixtra levamar a poei ra da desconfiança. QU:11CJuer

11111 que j:i tenha se pergunrado sobre a perrinência das eriquetas que orga­

!II /,Im as prateleiras das locado r.l.s, ou q ue rellha ido dar urna olhada no que

h.II'\c.: rito sobre gêneros, sabe do imenso ó poal de def1nições e polêmicas.

( .lll.l ~poca parece ler necessidade de revisar rudo e f..zer a sua própri a teo~

11.1 do:-; gêneros. Só esse gesto j:í é revelado r, pois se as qucstões sáo reco-

10\ .Ilbs, é po rque as respostas herdad :ls soam dissonanrcs aos ouvidos con-

1I' III!l0ri'i neo s. Por que ser,,?

hl lldamcnralmcme , dois ti pos de resposta surge m, A p ri m eira :lposra

""I " .ll.'volllçiío d :l percepção da história da cultura. Em perspecriva, o pre­

\\' llI\.' ~\.'r i a ca pa? de urna nova s ínrese, supe rior às d em ais. A outra respos­

LI I: rl· I.I. iv isl:l: cad :1 épocn lIS:l os cuncciws de gênero a seu modo, "reem ­

I.Illdn" .1 \.'x pc.:riC:·n<..i.1 \.'tll l o n:l:-; d e .~c nsi bilid :ldc própri as . Sem rod eios,

.I]IO\I.I IlIU\ l i.! \l').!,lI lId.1 lill h.l .

81

' l .dvo.1 n.:.H~ .IO 1II .li .\ Ul lllll1ll .\I.:j.l 1 . 1I11h~ 11I ,111 1.11 \ h.l \ Ii .1 " I' O l i 111.: I.: LI

le nho com isso? 1\ confus:'o de da:-.:-. ifl ca'Yõcs ~ lal qLle i,~o ' li pode \LI" um

desses exercícios esco lásricos de defl1li ção, coisa de qu em acrnlil a que o

mundo pode ser organizado numa tabela periódica" .

Desconfiar de classifi cações é sempre uma boa polrrica, q ue fica

ainda melhor se pergunrarmos: Quais são as intenções do classificador?

Para o bem ou para o mal. não h;í nenhum "Grande livro da verdade"

que os classificadores possam consulrar pa ra vcrifi car seu traba lho, Mas

i .~so não quer dizer qu e "cl ass ifi ca r é bobagem". Ao conrdrio, os "c1ass i ~

ficadores" somos rodos nós, O tempo rodo. para quase IUdo que faze­

mos, reco rrem os a class ificações. Dizer quI.: sempre há uma imenção

pOl' rds de lima classificação não é, de modo algum, "denu nciar" algo

errado, mas chamar a atenção para Ullla quase obviedade.

Há um pouco de ironia no lítu lo deste Glpítulo, quando nos referimos a

"qu:trro rei nos", como se os gêneros fossem "reinos" no sentido da biologia,

o que o bviamente não são. Quer dizer, no.<;"u classificação csr;í formulada

p:1I'a ser usada com mui to mais tluidez. Nossa iTll enç~() é forneccr um ins­

frumemal a mais para a escrita de UTll rOleiro. N~o prerell(kmos f.lzer um;1

"síntese" dos muitos grandes a\l(Qrcs que escrcveram sobre o tema, ncm E,­zer uma "teoria dos gêncros", Criamos aqui , um pOllCO por nossa conta , sem

pretensões intelectua is mais madu ras, balizas que possam 110S ajudar;l ter

mais consciência dos rumos do rrabalho de construção narrariva.

C omo introdução, fl'lcmos nossas as palavras de Marrin Essli n , profes­

sor e diretor tearal, amor do ,~ inrérico c inspirado r !l1Ir110milf do Dmmlf:

"Como crítico, eu me sin ra natur:tlmenle f.lscinado pelos difíceis

problemas da definição dos gêneros e suas implicações est'ér icas e filosófi ­

cas; porém, como hom em ligado ao tearro por seu lado pdrico, como di­

retor militante, enca ro-os de modo co mpletamente diferente. Isso não

significa que, mesmo de UIll ponto de vista prárico, cu os encare com in­

diferença. ( ... ) Como diretor, é necess;írio que eu me decida sobre o gêne­

ro ao qtl:ll pertence a peça que eu pre tendo enfrentar; não segundo algum

princípio abstrato , mas pur:t c simplesmente para sabe r o po mo de "ism

,~egundo o qual ela deverá ser rep rese ntada.

!li'

1\ \1 1\,1' ) qLIt' Il' l.lo ti 11 l'IOI d.ll p ll . .' k le>. ll ). l' lll..I I.IILdn n \:n1110 tr,lfid i.l,

111111 dl .1 0 11 .ué mc\mo ll)ll h ) L II \.1. Il.:d LHII I.:ki lO illl l.:dialO e cx trema-

11111 11 1' IIh)t'II VO no mndo pelo qu ,d <'Oll dLlZiní ,I produção: eb inAuencia­

I I L I '~ 'l l h.1 do d CIl<'o . .. de .... e nho do CI.:n:írio C figurinos, o tom, o riemo e

11 Illd .lll ll' IIW do c.~ pedc u l \l. E, acim:1 de tudo, O estilo 110 qual da ~cd re-

1111 \l 1I 1,ld .I. "'('

I " lin r. d.1 'It]ui como diretor e conta a famosa di scussão de Tchecov e

ILllll\l.lv\ki em lorno do gênero de O C('r('jn/ (o dram al u rgo a considera­

L II IIL.I <,o I1 H~dia , o dirl.:wr :l rotn:tva como l ragéd ia). Para nós, como ro­

I1 1i 1 ~ 1.t \, o :'mgul o é d ifi: renre, mas o problema é o mes mo: tratíl -se de

IltI~ ( ILl ir lima determinada visao sobre o que se vai COlHar (meslllo que o

d!11 (I H' pO ....... :1 vir :1 ler uma ouera visão).

( 'P ino ü!tilllo exemplo, cita mos um caso br;lsik:iro c contempor{meo:

1I11 () CiJ/(,}}!t/ dtl RetoJ!/tlc!t/r , livro de Lúcia Nagib, Beto Brant' 1ll0Slr:l

' 1Ih ' I 1.lh.llhar dil igenre e inrd igememente p rod uz resultados . Ele conta que,

111 IH cpa ração de seu prem iado curta Dovi) Mt'1I('ghet/i? (Beto Brant,

I')K'J), a determin ada altura, ele decidiu n anspor roda a h isrórb par:l

tll ll, l '" h.IVC [lfS('Sca. A partir daí, redefiniu o rraramento do roteiro, que apre­

I IILI.I " Icnda" Menegherti em traços caricarurais, re"eladores do :ullbien­

" quc.1 gerou.

1\ nosso classificação

I '. Irt amos de uma idéia simpks: nosso senrimi'::nto da vida varia, às vc­

'1"'0 . 11 ": de um momemo para o outro. Noss:! condição de ~eres humanos

111" IIOS parece sempre a mesma. Se penS:lnllOS na mais b:isica e popul:!r

,1.1\ l i i fl: rmça.'õ, pod eríamos dizer que há ori mismo e pessimismo e que comé­

, 11 .1 .... I r:'g":dia (alegria e rriste7.a, filmes al egres e film es rristes, q ue acabam

, 11 1 " ll.\ppy enel " aLI nos fazem chorar) corrcspondem a essa d icaramia.

\ \ .• hnloria popular re m lá sua verd:tde, mas essa é uma dessas ve rd ades

'1lll', lk tãn ge né ricas, não servem para muira co isa.

8.1

' 1 ~IItl'mm, nU:lnçar um potKO \.!S~,l visãu sohre 110\\.1 lomll\,lo. l U

mOlH enLOS em que nos sentimos mise r;welmeme sozinhos num universo

que conspira contra nós: "Logo cu, que sou uma pessoa boa (fraca às ve­

zes , mas boa), sincera, hon cHa, que se guia pela verdad e do coração.

Tudo inütil, o mundo é injusto e cruel, l' eu sou sua vitima, apesar de es­

tar co nvicto de minha correção" , Ati re a primeira ped ra qu em nunca se

entrego u a essa autocomiseração :lo esrilo "eu quero a minh:1 mãe!" . Essa

é um a arilude melodramática.

Noutro momentos, sentimo-nos sozinhos, mas fones: "Que se danem

essas limitações babacas e medíocres do mundo, AgOr.l cu vou até o fim,

ClLSlC O qu e custar. Há al go a ser fei ro, é fundam ental quc ;llguém o faça, e

cu VOll f.1'l.ê- lo. É preciso, mes mo que eu saiba que não h;í soluç:io possível

para o problema". São !105m5 momenros de heróis trágicos.

H ~ ainda a possibi lidade de cantarmos com o ministTo Gilberto Gil :

">!lalo, wdo, tudo vai dar pé"~H : "Somos capazes de lidar com isso, Vai ser

preciso inteligência, coragem e aç:io coordenada, São problemas comple­

xos, mas viver é isso, né? Encara r os problemas e n.:sol v~-los , Só assim se

vive melhor e a vida vale a pena", A eSS;l visão sobr dam os aq ui o nome

uc cô m ica: se tudo pode ser aj eirado , podemos rir disso rudo, ;-jinda que

haja mamemos duros, se m a menor graça . Trata -se de lima idéia bem

ampla de comédia, que inclui tanto atluda esca ncaradalllenrc engraçada

como a comédia romàntica (c nt re outras variantes se m g;lrgalhadas).

E há ainda dias, ali momen tos, em que nos sentimos como Pernalonga,

Pica-Pau , Chapeleiro LOllco ou Groucho Marx: "Nada disso me dó. respei­

LO, nada disso Elzsentido, O mundo é uma casa de loucos, e tudo que po­

demos Elzer é aumentar a confusão e dar risadas . Neste mundo transforma­

do em picadeiro ou desc nho animado, vale tudo, ele !/()IISfllSl' a dedo no

olho". É quando achamos que a vida é urna farsa.

É claro que você poderá imaginar IllUir;I .~ Iluanças e combinações,

Tudo bem, mas essas nos parecem as a titudes básicas. I"U dias cm que le­

valHamos trágicos, almoçamos cô micos, voltamos ao rraba lho farsescos e

enfremamos o [rânsito de volra para casa melodramaticamenre,

Em rermos de rotei ro, trata-se, no senrido em qu e :lpOIlI OU I'\slin, de

~lIgc rlr um;l atitud e gc ral. I:: 11m desdobram cl1to c 11111.1 npn dl l. lI, .IO d:l

UM •

'1un t.1O 1Il1l1.d tolnl.ld,l pOI lumet (VIde o clpilllln I): Qual é a "inren­

\.10" do filme? Com qw.: di'po.'o iç~o v()(.ê dese j:1 que as pessoas saiam do

I !11{· tIl ,l?

1\ 1.1\. LO IIIO 11 :1 vi(b, :I-'i comhinaçóes s5.o possíve is.

"iq.;lIilldu Ullla ~ (lgc.~t;1o de Northrop Fryc2'J, divid iremos nossas co n­

~h kl . I\OC.\ ~ohrc os ~ê ll CroS em dois sen tidos: um atento iI estrutura do

1III l·tlll : (1IItl'O, :IS v;lriaçóes de tom. 55.0, de fato, dois modos diferentes de

11\,1 1 p.lbvras como "trágico" ou "cômico". É nas estnuuras de en redo, no

dr\t'tl ho mai s geral da narrariya, que esrá b:lseacla l1os.~a classificação das ItI \ túri.IS (nossos "reinos") em mdodramáti ca.~, f.1 rscscas , tdgjca.~ ou cô-

1111(.1\ . ,I h:li xo comentada em detalhes, POI' vezes f.1laremos desse ripa ge-

1.11 Il"~ define a es rnllu ra básica de UIll enredo de "tolll geral" da hlS(6ria:

11111.1 história que :l.p rese nra um confliro sem poss ibilidades de solução

1I'ln um 10111 geral tr:ígico, por exemplo,

M.I\. ao mesmo tempo, durante uma narrativa com um enredo de

tlC'll' l mill ado tipo, podem (c devem) se r fe itas muiras variações pontuais

de' [<1111 (a nalisaremos recursos de variaç;ío lonal no ca pítulo 6 - aqui se

11.11.1 dc esboçar as linhas gera is da qu esl5.o), Num enredo de eSlrurura

I !\ llliCI - qu e permite a solução dos conflitos - pode haver, por exem·

pio. 11111 momento no qual tudo parcc~ perdido) se m solução. Ou seja,

1111 1 1l1OIIlcnto de tom tr:igico.

a i Melodrama ( 'IHll l'ccmOS pela fó rmula básica: o personagem é isolado do congra­

\_1111 ('11111 \oeia l. e nós, espectadores, compartil hamos o seu ponto de visra,

"\1' 11 "ofrllll e lHo. Esse iso lamento é si mbólico, pode ocorrer de inúlll ct'aS

I, >C e 11.1\ (11 :10 se tr:l[a de o cara ser exilado na P;11·agõnia) . O fundamencll é

, 11.11 11111;1 ~i tlla\~ão ;t n;lvés da qual o espectador possa compartilhar a sen­

",.10 til' .\Illidao e desamparo do protagonisra. O "mundo" se conrra põe

" , 111'11');" du Illt: lodrama como um bloco opaco, incompreensível e cruel

'I ' H \t' .d l.I[l' ~( Ih rl·l'k CO lll a força çega e lotal de lima tempestade. Sendo

11111 \·. de de I.í).:rilll.l\. ti Il1dndra ma não sc irn po n a muito com a unidade

,11.11 11 .1 t ;t .1. (·h .llll llll'{ i 111 ('11 [0" "SI: .I h.ltcm" .'oohre CI ~()rrcd or, que se debate

1111111.1 l "ll\piI.H\. IO IIlIi vl· I\.1I t' \\'11111111 {Ollll. l dt', I)jlo dc 01111'0 modo. a

li

'iA l,1I1 ~,

situaç:l0 dramática do melodrama é simples, O que ocorre são "complica­

ções" no desenrolar da hi stó ria: fulano quer ver o irmão doenre, que mo ra

do outro lado do país, Ele sai em sua jornada (' "rudo" lhe aCOntece: assal ­

tOS, furacões, mlpaças; mil peripécias. Ma.~ a si ru aç:l0 é simples: ele quer chegar até o seu irmão . Assim, o desenlace também será simples, já que

não há muito a "desenlaçar", Na verdade, não há diferença entre desenlace

e clímax: como todas as peripécias repetem o desenho da si w:lção, há ape­

nas "uma última". A lura derradeira de Rocky, sua uma ülrima prova, Se

passar por ela, encontrará seu irmão, A emoção rransborda nessa cena : ele

sofre até os li mites humanos, os eleme n tos plásricos e a trilha gri tam com

o personagem.

SirHoma ricam enre, um dos fi lmes fundadores do rm:lodram:l ci llema­

rogrMico é Ó'I/is da ]hllprsrnde (OrpblllJS oflhe Slorm, D. \VI. Griffith,

1921), A "tempestade" do tírulo é a revolução fra ncesa, e as órt:ls são ó r­

fãs mesmo: du as irmãs jog:ldas no torvelinho de Paris em 1789. E uma é

cega . A línica arma que elas rêm para lutar contra a impressionanre suces­

são de desgraças e desen contros é o co ração puro, O mal aparece sob a

form a dos dissimul adorcs: el es são o oposto dos puros de co ração. T êm

intenções ocu ltas, não tra nsparentes. A estét ica de exagero do melodrama

(de vítimas de o lhos cándidos e desamparados e vilões de ca pa e m;Ísca~

ras) é um esforço para imprimir no Illundo represcnrado - Oll seja , nos

olhos do especrado r - lima espécie de "código moral em co res", dicUrico,

assinalando onde o Mal se ocul ta .

Urna história cheia de peripécias e urna /JIiSe-(!II-Schle de forre apelo

visual confluem para impactar o espectador. O sofrimento infin iw do

hetói (o jJfuhos) é a base para que o mclodr:una dê o seu recado moral.

Porque é d isso qu e se trata: uma peça moralista. O melodr:una tenra tor~

nar visívcl uma ordem moral num mu ndo apa rcnrcmenrc sem sentido.

Por isso o filme de G riffi th é tão exemplar: o mundo moderno, de d ispu­

ta de interesses e sem ordem mataI transcendetll:1l , é visw conin c lúri co,

E a sede da nova moral está na ingen uidade e na pure .. " do l O I .h".IO. Tudo

deve se mo ldar a isso : o em bate cspctactll :lr el lln.: () (, 11)\ t l.I IIhl.. 1llIldl' l"Il:l

C:I pohn: vítima i ,~ohd:1. (: prl.'l: i ~ f) ( O Itln Vl' l, III" VI'I ti n p l'. 1.11 101 P ,II.I

jUIII'ld ,1 vlli li l,l ,

." ., . , •

N:io Id iogo de POlltoS lI<.- Vi:-.t.I, já que tudo l' todos são "clu vados"

pel.l idcllI ifi c;lÇão vi ri miz;l( lora co m o herói. A lIIiSt'~t'lH("hJeé exagerada

porque o es pedculo bu~ca as emoções do espectador, remando criar um

du imediato, sem recuos, Por isso não há espaços no melodrama pa ra

pH,Ln lirnenros d istanciadores , 'ruclo é d ram:l, e drama red uzido a sua es­

\l' IIÔ:I : um homem contra o mundo.

o cru cial no melodrama é a afirmação da Superio ridade moral do so~

II l'dor em relaçáo à maldade e às ilusões do mundo. Isso pode ocorre r

1.II 11u num final feliz co mo na Illorte do personagem . Como as siruações

d l.llnáticas não são complexas e não há apreço pela un idade dramática,

0\ pcrsonagens são apenas veículos da expressão moral , antenas de coo­

H· lllração da emoção do espectador. Pode t:unbém acontecer q ue um pt' l\onagcm "do Mal " saia do "bdo negro", como Dora, de Co/tml do /I' r/si! (\Xlalrer Salles, 1998). São variações da redenç:io oferecida ao es­

pl'<.. lador, que deve sair do melodrama crente de que h:í um sentid o, uma 11011111;1 moral subjacente às formas ilusórias desse mundo caóLico, c 'l ue a

, I •. I\'C dessa compreensão reden rora esd na fidelidade ao próprio coração.

bl Farsa Scgundo Lumet, "a farsa é o equivalente cô mico do melodrama"30. Faz

\(' 111 ido , se rocarmos nossa aten ç:l0 na siruação dramática e no seu de.~en~

~lI l v im emo. A fàrsa, tal qual o melodrama, não se interessa pela unidade

d .. tlt l,íliCl, O dese nvolvimento de um a farsa não é um co ntínuo desdo­

I'I, II IICIII() de um mesmo sistema de forças, Ill as lima sempre surprecndcn ~

h' \ 11 <.. C!':!'::lO de situações nov:lS e arranjos. A Eusa. é episódica. Não se leva a

,1 11"11 ~ llfi l: i (; ntc para mante r um arco dram:írico suspenso. Ou mel hor,

11 ,1. I kva (l ll111lldo sllfi cicnremenre a sério para acreditar que ex is t:am de­

I 1t\,oIvinle ll1os unitários, movimentos com se ntido· na ação hurnana. O

!', ll lj" I 1\ 1(1111 )' Pyth o ll , que fú um:l hilariante farsa, na trad ição inglesa do

11"" ,,'11 " ' , 1.111 ~· 'HI urna li ta dc víd eo com esqllcres cômicos reunidos sob o

1111 ')1\ " I', ,lglH". I, algo l:otn P!c[:lIlH':1ll c diferente " :11 . Esse é um princíp io da

t il .,1 .1 \l lIl'rl'\,1 110\:-' d C:-'l.olH.:cna l' 1:11 rir.

) 111 I I ~' I t 1")\ 11111.1 1I 't'lI1.1 C\PCL ítl L,1 d .1 1:1 r~; 1 o.:t 11 11 1 I exe lll pll) de .~C ])'lel 11 :1 n­

\, 1111 111 11 1I 1(·I,ldl.l lll .I: " q di p,uqlll", qll l' 110\ \t' lI 'C lllidll nli !!o il l,I I'I"Cf di -

'l.t.: r " UI11 IH) lu gar d0 oLllro". Ul11a IruC I de i(klllid:ide, L. llI \,1 111 11.1 ~~ ri c dc

con fusiks . A troca de idenrid,l(les é rambém comUlll nu IllC lodT.IIll:! .

A f()("Jna de tratamento da troca de identidades é reveladora das seme­

lhanças e diferenças entre os dois gêneros . Em ambos os ca'iOS, trata-se daque­

le cipo de "complicação" que não advém dos movimentos de uma situação

dram;üica em desenvolvimento, mas são acontecimentos casuais, na cont;.1

do caos do mundo.

Mas no melodrama esse caos provoca um sofrimento que se prolon­

gará arê que ;1 "voz do coração" - o olhat superior da emoção, que vê

além das aparências - revele as verdadeiras identidades dos envolvidos .

Na farsa, se houver "revelação", ela sed apenas mais um nümero,

mais uma "jogada" com as aparências. Como diria o Agenre 86, o esperto

Maxwdl Sman, "o velho truque de revelar qual é o truque". Para a farsa,

as aparências são tudo. O que não quer dizer que os perso nagens não so­

fram : quem dança com o ci nismo é a própria fa rsa , o modo farsesco de

narrar, não seus personagens (pelo menos lüío necessariamente). Mas um

personagem de farsa pode comer o p50 que o diabo amas,mu, que nós só

riremos dele. Esse é o objetivo da hU'sa, praticamente o inverso do melo­

drama: nos ahlStar de ta l forma dos personagens que toda dor que lhes

seja infligida nos faça rir. O protótipo da (;11"sa é o mais que cI,issico escor­

regão na casca de hanana.

O efeito geral é o esvaziamento emocional do mundo. O riso franco

abole o "coração". "Sem dó nem piedade" é a cruel e farsesca divis;l dos

membros d'Q lI/crivei D::éràtu de BrallCitleune (LaWWftl Bmllcitleolle,

Mario Monicelli, 1966) - que s50 sempre inferiores a nós , como j:i dizia

Aris(ó(eb.

O dramaturgo e roteirista LLÚS Albeno de Abreu põe as seguinres pala­

vras na boca do professor de sua peça Ma5teclé - Tratadu gemi dfl comédia:

"Como regra geral rimos do que consideramos defeito, do que comi­

dcramos menor que nós. Às vezes, rimos de nós mesmos porque percebe­

mos que somos menores do que Imaginávamos. É como se o ser humano

devesse ter um padrão: jovem, fone, bonito, inteligente, potente . Tudo o

que esriver ab~lixo desse padrão, fora dessa proporção, é ohjclo do riso

humano::1 imp()t l: llC i:l, :1 hurri u.: ,:1 fciür:l, a fr:lqllc'Dl ou \ ,)v. trdi,l, .ll1le-

>IH

1llll lll' (til .1 ycl lli c.e. M:I\ ~ô V,I!lt(l " ril .. e (' ddi.: il tlll.lO 1 i \'(; I c0l1scqü 2nci:l

dCl loH".llIlIC possa no ... e lll oLio n:u·. I~ 1ll :lis vamos rir qu:tnto m:lis exage­

I ,Id,) f ~ lr \1 dcfcilll.

" 1 ~ illIO~ dn.~ d cfeilo.~ do cadter - covardia, avareza, E1Isidade e outros - ,

I lt) ~ dcl i.: itos do pcnsamen (O - tolice, falha, ausência ou exagero da lógi­

', I , dos defeitos físicos - mancos, tortos, pensos, impotentes - , dos defei-

1'1' de co mportamCllto - caipiras, dmidos, doidos, gente que hlla sozinha,

I '("'O, I ~ que n:ío sabem se porrar, se vestir, etc.

" I ~ illlos também daquilo que nos mete medo: rimos da morte, da au-

1111 idade, dos tiranos. É claro que rimos de forma que a autorid3de n50

pnu.:ha nossas intenções, o que:l transforma num tolo, ou quando est:a ­

IIIU\ di.~ l a llres para q ue nO$SO riso não tenha conseqüências.

" Rimos também, e muito, de qualquer referência às panes baixas do

'( ti pu. ! Ilugens do corpo, da bebida, da comida, da s:!risf:lç50 das necessi ­

d ,llk~ 1l;lrur:lis e da vida sexual , principalmente se essas imagens forem

rx. lbc radas. Ou seja, ri.mos de inlüneras COiS;IS e comédia se faz de inu me­

I,\ye is lo rmas. " .l!

hscs personagens infe riores da hlt'sa - que, como diz Abreu, pode­

IIIU' ... cr nós mesmos - .'05:0 POStoS:1 lima d isrância "risível" por uma sér ie

Ik rec ursos de rebaixamen to : meclIlizaçáo dos gestos, como Carl it os em

11'If1/J()S Mudemos (Modan Times, Charles Chaplin, 1935); exagero (co­

IIl1 luc .... ) c repetiç50 (maníacos) de comportamentos; comaminaçao pelas

'· p.II I l".~ !J:l ixas" (o humor popular grotesco , de R:lbelais a "A praça é 110S­

\, 1" \ ') l" por aí vai".

!-:ill lodos esses procedimentos, h:i lim a caricalUri7.:lção do mundo.

I ) ' g. lIllll .\ quc a farsa tende ao desenho animado. E n:ío só pelos traços

', lIll.1 IUrais, mas também pelo princípio de irreal idade, em dois aspectos

' 1'll U'-\.

() jll"llllciro é a inconseqüência. N50 há heroína de novela da Televisa

' 111(' "'lrr:1 Ill ;\is quc o Co io re do Papa- Léguas . Mas, dois segundos depois

,k dl" Pl' ll c:lr ti o cll":s imo precipício, l:í csd de armando o próximo gol-

1'(". N. lo Id IC llqm Il CIH Ch:UlCC p:II":1 n prolong:lmenro do sofrimento: cle

I 1.1I1\hélll 11111 111'111ICfo, In.li , 11111.\ v. lI·icd,lt!c dll .\!.(1W d :! vilb ...

)\',1

o ~cgu lldl), apa rCIII :Hto, ~:1 :l htJ t ic,~~o das rcgr,l!> dC\lc 11 11 1IIdl'. Nu l i ~

mite, rudo é possível. Na F.usa, como d iria Tom Zé, "gdadcir,1 j.i Icve r{!~

bre e penici lina teve bro nqui te"34.

Ju nrando as pontas, o absurdo farsesco faz vitimas i nd iscr i m il1 a~

damellle, sem virim ização, Ilum espetáculo em que todos "combarem O

bom comhare, difícil saher O qu e é sanglle, o que é suco de tom.1fe" (ver­

so de tom f.lfsesco de Luiz Fernando Ve rissimo)-'s.

Suspendendo o princípio de realidade, a fa rsa libe ra gera l o princípio

do prazer: sexo exagerado, vio lência exagerada, gozação exagerada. Os

desejos reprimidos corrcm so[cos. E rimos 110 meio do s:l l~o , fantasiados

de picrrôs e colombinas.

Como todos os ca rnava is, a Lusa se apóia em seus limites, na qllarr;l - fei ~

ra de cinzas. O riso fi'ollxo desat<l os nós das co rdas que, sabemos, susrentam

o nosso mundo. Há um a dialética emrc ordem e desordem no cern e da fiu'­

s:!, 11.10 apenas filosonc<llllcnrc (us estudos antropológico ... de ca rn:lv:lliza­çõesJ{, :lfirm:llll a função rellOvadora da ordem dessas inversões fest i v:1.~), Ill:t<;

na própria economia narrariva. Apesar de Groucho Marx chegar pen o, é

impossível compor lima "ftrs3 100%". Morreríamos de ri r. Os episód ios

que se alin h,wam em succss~o s~o entremeados de "momentos de norlll:lli­

dade", de rei orno à norma - SÓ para puxa r o tapete mais lima VC"l.

A real idade esd sempre ali, debaixo do tapete. Isso pode ser man ipu­

lado de d ivers3s formas. O bservamos a tal d ialél ica na introdução "no r~

l11al" de lima piada, qu e d;í o chão pa ra a surpresa da descarga liberadora

do riso, que sabotará a no rmalidade. Mas está também, de modo muito

mais complexo e instigalHe, no genial arranjo entre rea l e farsesco de

M "'A 'S" H (Roben Alrman, 1970) . Realizando o filme duranre a GlICrr;\

do Viern .1 , All'man usou a Gue rra da Coréia para armar um "circo f:\I'~

sesco" no nücl eo mais exposto do horror da guerra : um hospital de cam~

panha. O "verso e reverso" da dialética farsa- real não pára de "dar vo[tas"

que, fazendo-nos rir o tempo todo, também nos deixam esquece r a refe~

rência real. O caos é projetado sobre u m real mostrado como absurd o e,

por isso, d iante do qual o espectador é "liberado", ou seja, é capaz de se

distancia r (passa r A1'A 'S '!-Inas escolas ameriGlIl<ls hoj!,; ul vez Cosst: vilal

par:. a s;n'u,k Illllndi :.I).

'Xl

A di.l lé,i L,1 Llr~t:~L I Cl h,' elll t[1I .dqIICI' \ illl.lI".IO , j,\ IJIIl: tr.lh:llha suhr!,;

ti' dde i1O~ 11II1l1 . 111t) ~!,;, í..IHII O deve lll k 'llh ral' O~ IJII C sabc m que lia vida

''1 11 .111 11' nlai~ qUCIII!,; md hu l' '' , " li i 1I~l l é l1l é parei to" p .

cl Tragédia 1\ n:.géd ia é com post:l pelo desenrolar implacável de uma s iruação

d l,lII d. tica que não pe rmi te solução. -rã I como no melod rama, um ho-

1I1 l" 1I 1 ~t: ved sozi nh o, isolado do co ngraçamento socia l. Mas, difereme­

IIH'IIIC de l:i, o universo não será uma conspi raç~o perversa que ° vi rima­

..I , l' luh não estaremos iden tifi cados, e encla usurados, na perspectiva da vii 1111.1. Tanto personagem como püb[ico cOlll preenderao o que est,i etn

111)\0 . I ~ :,cd :l partir de uma decisão , de lima ação drandcica do pt:rsona­

W' III, qll C o destino se abarerá sobre de, Na tragédia, o personagem náo

~o ll e ,I~ ;lções do mundo, ele age sobre o Illundo. Pa.~sall1OS da voz passiva

,i vo / .Itiva.

I~ preciso que Elçamos, seguindo os passos do imprescindível Tr(/gé­dlfl Alrulernrt\8. considerações sobre a configuração conremporánea da

t , , 1 1~~dia.

' l ~mlOlI~se comum afi nnar a impossibilidade da t ragédia hoj e (veja~se

I Altl/"1r da 7Jugédia, de George Sreiner) devida, basicamente, :1 inexis­

lj·mi.1 de uma ordem cósmica rranscendenre comra a qual atuaria a <lção

.In ll lt:d ida do heró i trágico, Para lelo a essa impossib ilidade. o \.ISO corri­

,,'l l' lro do qua lificarivo "tl";.igico" pam "acidelHes" comuns (COUlO os de

t I. III ~jln , po r exemplo) seri a m:1is lima Illan ifestação dessa perda da dimen-

10 ... ,'''111ic:l da vida, o que levaria ;\ essa espécie de "i nflação vocabular" .

\'\Ii lli;Hl1s n~o só in vesre con tra eSS;IS idéias, mas o faz de um modo que

1',1 I.It"CCC Il1l1iro sobre a tareh\ conrcmporánea de escrever fi cção. Em pri-

11 1\ IH. I lI !.!,a r, d e diz que a argum entação acima referida é um acade~ 1111\ 1\ 111 0, j;\ q\l e se baseia numa pretensa "ordem" qut: haveria n;l Grfcia e

' pll" III,je j:í I\:in hâ. Segundo Willi:\1n s, essa "o rdem" é LIma abstração dos

" ""/"1"1 Li 11lI L'll1pl lr:i nt:us, cOllsrru ída, justam ente. a partir da leitll ra de tra­

I'.' ,[1 ." .. 1.í " iL. ls. Q ucr dizl:!', cada all lur trágico clássico, no próprio ato da

, ,' 111.1. 1'"lIh.1 CnI f;l eo, de modo dr:mdl ico, algum aspecto da ordenação

,11 \'I d .1 l'.rq~. 1 (pCI LCh.l :>,,'. 1 ~e l1ldh.IIH,;:I d CS~:1 idéi:l com o que dizíamos no

, Ipllld'l 1, \OhH' "n u l'vl'1 p.II',1 1011 1,11 v i ~f\'d o qUCM: .lllleviu").

11

A IIUS.~a época, UIIl IO toel:l:' as OUlras, 1t:111 :' lla ~ pr6pll .l~ ' q .p.I\, v.l ri.ld:l.\ t:

espalluJas pelas nllliras dim cnsões (LI vid:l. Dizer qllc "mo h ~ UIH:I OI"c!t:m"

é tomar como medida o tipo de ordenação de outra sociedade. I>do mesmo

motivo, nega-se a percepç.1o popuLu do caráter "trágico" dos "acidentes",

que só são "acidentes" por falta de mediaçáo, de visão capaz de conectar es­

ses acontecimentos às ações que os provocam. A coexistência de :lllwmó­

veis (e mortes no tr:insito) e civilização contelllporánea não é co incidência.

Tradicionalmente, d iz-se que para termos uma tragédia é preciso um

herói capaz de uma ação irrepadvel, que desafia, de modo frontal c irre­

concild.vd, a ordem do universo, acarretando a desrruiçáo do desafianre .

Mesmo essas características, sempre segundo Wil liams, devem .~e r vistas

em perspcctiva histórica. Sobre ;\ ordem, já vimos que da é particular a

cada sociedade c deve ser descoberta (ou posta em foco problcm:ítico) atra­

vés da p rópria escrit,l. A "ação irreparável" - aquela ação "deslllcdida" quc.

impossibilira a reconciliação do herói com o mundo e o conduz :\ morre­

também n:1o pode ser vista como algo universal, j:í que mesmo a morre

tem um sentido variáve!, de acordo com a sociedade e o momento históri­

co. Apenas para sublinhar a pertinência dess:\ 'luestão, lembremos o mo­

mento ct"uó;ll de Term em Tmw;e (Glauber Rocha, 19G7), em que Sara per­

gunta a Pau lo M:Hl ins: "O 'lue prova a sua morte, Pau lo?". Ou seja, é

posto em quesrão o sentido dessa mOl"tl:: tdgica. Por fim, a "destruição do

herói" rambém precisa ser reco\ocada numa perspecriva hi srórica, j.i que

sua trad icional consideração como característica esse ncial se deve a lima

leitura individ ualista, centrada apenas no personagem. 'l ematizando 'lues­

tões cruciais ainda em aberto, d ilenus não encerrados da sociedade, a tra­

gédia promove a de~trui ç:1o cio heró i, s im, mas dentro do movimento de

forças desencadeado por ele, o que é mais imporrante e, inclusive, costuma

ser objero de represenração e balanço depois da morte do proragonista.

Ou seja (e resum indo), a tragédia é uma dramatização de alguma con­

rradiç:1o social , representada numa situação dramática insolúvel , que pro­

vocará a destruição dos personagens e, no mesmo movimento, revelará

quais forças 5:10 essas que causaram sua de~truiç:1o. Escrever tr:lgédi;\s é bus­

car e~sas situações insolúveis e explorar-lhes as conseqüênc ias ~cm rer1lis~ão

I' vlllmi/.Ir..IU (nlclodl .IIl I.I). :-cm il\llll .1 ( I.II ·~. I ) (' :. .... nl d .... wiar-sl.: do "m:: rvo

0 llm tl )' por .dgllma c(lllc ili :\Ç: IO 11:Ibil (colll édi a) .

I ()ug/l jO/"}/flrlll Noi/e IIdenlro, pt:Ç;l de lu gene O'Ncil adaptada para o

\ Ill l' Ill,1 por Sidn cy I.llmer (Long D/I)'~' jOl/me)' into Night, 1962), é cha-

111 ,ld,1 por \Xlillianls de "tragéd ia privada" , na qual os personagens se COI1 -

' "lIIClll t: m seu irremediavelme nte fracassado esforço de se comunicar

\ uni o:. familiares.

1\ lé lll do modo de tratamento, já comentado, que separa melodl"<lI1l:1

I" 11.lgédia. é bom reforçar a sep:lraç:1o entre a "necessidade" que preside o

.l1',envolvimento tdgico - um modo de exploraç:io de algum aspecto da

Plde llação social que produz:l morte - e:l gratuidade das peripécias do

1\1c!odr:Hna, criadas para potencializar o espcdcu lo mOl"alisr;l . Quer dizer,

1111" 111 0 que o melodrama leve o "seu solidrio sofredor";' morte, isso n~o

Lld dde algo próximo da tragédia. Pode haver momentos de tom melo­

,1I.1I1I:iti co numa lr:lgéd ia - um momenro no qual o herói se sinra uma

"(11111.1 _ Illas a esrrutura do enredo é diferente . E isso niio é alguma "re-

1',1.1" ' llI"gieb sabe-se hi de onde, mas resu ltado do conHito ItlconcilÍ;Ívd

qlll· lkvc.: estar no centro de uma narrativa par;\ que ela seja uma tragédia.

(lI'll,l Ill:lneira de di/.er 'luase o mesmo é afirmar que "querer" Etzer (Ulla

1),lgrd i:\ não é co nseguir fazê-Ia. Abri! Despedllçrll/o (\Valter Sa l1cs, 2002)

te'III,1 c não consegue . Não h,í um contlieo insolúvel que obrigue :l morte

di' 1'.101 (d ife rentemente do caso do livro de Kadaré, onde o cód igo de

1111 111 .1, o "kanum", espraia-se por todos os domínios da vie];" levando o

11I"l.lgI Hlista a uma situação irrecollcildve!) .

di Comédia 1.1i U lIllO;\ enrendemos aqui, a comédia é o desellvolvimenro de uma

IIII.I~. I! I dr:llll:írica , com unidade, que chega a um reequilíb rio conci liado

11 1111 lill. 1i fi:li"l, lima fest:\ de reconcil iaç:1o) . Mas mesmo sepa ran do, par;\

1111', .lIl.dílicos, a coméd ia do ri so (o desenvolvimento e :l "Festa" final po­

,1'11\ IJl IlVIlGlr :lpCII :IS sorrisos de participação), is~o não quer d izer que

",,1.1 Ili\Ic'lri:\ 0 ))1 1 fina l rel i'l_sl.: ja Lima cnmédia. Se não houver uma si tua­

\ 1".lI.I III .Íliu c prot. rt:s~:"i ~1 1IIlit:íri:l, t t: rt.:1ll0~ 01111111 melodrama ou uma

II! \.I (n lllllllr.l \ dc e ll l"nlo II1.Ii\ Cpi \('ldi co). N .... sle nívd esnutural (sem

levar <..: 111 o J1\ :. id era\';I!) C) (llm),;1 CU11) éd i:1 di fc:rc llli ,1 \t' d,1 11 .1j . .:,ú li a ]lllr

n:io "b:lrer de frem e", "huscar as conrr:ldi çór.:s ir rr.:c()ll cili:ív r.: i:." d :l época.

mas, ao contrário, por tentar "driblar" essas contradições, estabelecendo

pactos que permitem à vida prossegu ir.

O canônico "e viveram felizes para sempre" é revelado!". Primeiro, porque sente a necessidade de afirma r a eternidade do arranjo, jusramen­

te para tentar afastar o fantasma de sua pn:cariedade. Os pactos, ainda

que necessár ios, s:io sempre provisórios, fIni tos. Uma comédi:l rem de

acabar lU festa da conciliação, porque, se da durar até o d ia seguinte, a

impressão de "solução" se desfiz.

Quanto mais o narrador adia o encerramento, maior o risco que

ameaça a fragi lidade do equilíbrio feliz - e essa variação tOllal executada à

beira do abismo q ue cerca a felicidade pode render visões p rofundas da

experiência, capazes de reunir alegria e amargura. Fdl ini é mestre em

aproveirar-se dessa franja entre a bra e o depois da festa. Em 0.1 Buas Vi­das (J Vitelolli, 1953), por exemplo, o personagem de Alberro Sordi volra

para ca.\a, onde mora com a mãe, depois da festa de carnaval. O impacto

da "luz fria" do dia n10 nega a felicidade da festa , mas se cOlJtrapõe a da,

completa -a com a "impossibilidade de solução" da vida que continua .

Em A Doce Vida (LI Dolce Vita, Federico Fd!ini, 1960), há um momen­

to muito semelhante, quando Marcello (Marcello Mastroiann i) vai com

o pai, de visita a Roma, a um amigo cabaré, que o velho freqüentara

quando jovem. A fesra já acabou e um pa lhaço sai de cena roca ndo num;1

flauta , melancolicamente, a famosa frase Illusical de Nino Rota,

É para esse risco som brio que habira a promessa cômica de felicidade

que Eric Benrley (A Experiência Viva do Teatro) aponta com a expressão

"não leve as coisas para esse lado" " ~, ou o que Northrop Frye40 também

destaca, dizendo que na comédia costuma haver um ponto (em geral o

desenlace) no q ual tudo está por um fio, sendo o fim tdgico afastado, em

geral, po r uma reviravolta da hisrória.

Uma mesma situaçao dramática pode receber um tratamento cômico

ou trágico. Afinal, o mareri:ll - os confli ros hum:lI1os - é o m eS lllO.

Como d iz Eri enn e Souri:ul, "n:10 cxi sl"c ,~ i(ILl Ç:i O CÚllli c I cm s i" ~ '.

'I.

A "Ull llédi :1 ~é r ;. I " d .1 qu "I :1 u)lll éd i.1 101 11:1111 1,-,1 ~: I vcr!c n( {; m :lis ra-111\)'.1 é :HJlI cl:1 C III que Il ao rimos, 0 11 rill1o.'SÔ :1., vezcs . Acompanhamos

li , pl.: lMII1 :Igc ns rcsolvc ndo seuS prob lc l11 :I.~ . () qu e, neste caso, deve ser fei­

I" ~ ,\l 1I 10 .. -':IS as preocllp;\ções de prcparação e lógica - e n10 com "rnági­

\ .1''' I. lrsc:.cas.

l\, (\ (em uma comeqüê ncia Fundamental: nesse tipo de comédia re-

111m Il m;1 1l:llTatiV:1 baseada na compreensão de todos os pontoS de vista

" lI v() lvi d .. )s. Não .~e mlta nem de ridicularizar (farsa), nem de confrontar

I III h lllcu (ILlgédia), nem de entregar-se;1 comiseração (melodrama). Tra-

1,1 'c do..: tomar os pontos de visra em questão e agir para harmonizá-los.

h Cltnos no extremo oposto da visao esse ncialis ta-moralista do melod ra-

111.1. q ll c divide o mundo entre Pureza e Engano. Na comédia, todo.~ são

1,'1\10' Ullll O "p~Htes interessadas", e as ações devem ser eficientes (d rama­

Ih .III1 CllI e eficientes , superando m conflitos) . As aparências sâo o mun­

dn , IL I\! no sentido de suspensfto do peso das relações, compromissos e

1f 1i\ 1 ~ l l l,. i:l~, como na farsa, mas, ao contrário, par:l. serem postas em acor­

dOi, \~'hlllldo o interesse de q uem age. Forçando um POUCO;1 sistemariza­

\.1 11 , 110dcrí:lll1os talvez dize r que a f;lfsa tcm voclçâo anarquista;:l tragé­

Ih,l. voclção revolucionária; o mc\odrama é assistencial, e a comédia é o

1111111\) lk democracia formal.

I )cix:llldo de bdo a filosofia política, em ('ermos narrativos isso quer

dllC' l ~ lll e li a comédia a progressão dramática ter:[ de se fàzer através do

11 1I1\·l lll /.:II11e nto de focos narrativos Oll, pelo menos, pelo deciframcnl"O

li 1\ P~' ! \pcC( ivas alheias, a partir de um roco .~itllado, nUllca absolutizado.

1 h PCI\"II :lgens da comédia serão apresent;ldos sempre "e m situação" ,

!I',I II\ I" C III (Ull\:ftO da aç;ío e do olhar alheios, A comédia - no sentido am-

1,1 " .1' Illi l " l1s ider:1do - é a forma do que costumamos duma r de realismo,

, , ,

\ 1'. 111 ir de tlld:IS CS,\:lS cOllsider;tções, o mais importante para q uem

I 1'1"1'''1 ' ,I CSL r~' vc r \1111 ru( ciro é pcrco..:ber essas formas como possibilida-

11, ~ 1.] .h l ll ,I\, 1\1C,ld :íw is. Q llL'1 di zer, 11 :í ll ,~e rr:ua de escolher um molde

I11 1II,II Cki l ,( d.l \ \; '1"1)) :1, l' T"CU lrt .lr 11111 :1 t r:lhédi :1 ou unLI EHXI. ' l'raGI -se de

'1\

I

I I I

invcst igar prtlhkmas, vivili, )s por todm 110 d i ,j ,I di ,l , ,ltl ,IVl1\ lk :l llbl1l()s

de rcflexão (' exploração. -Ir a ta-se de ex pcrimelll ar t r:U:Hncll to!> p,tra essas

questões . Que tratamento me possibilita torna r mais coisas visívcis:l. par­

rir do material envolvido na hisrória que eu estou comando?

Uma das mais ricas estratégias dessa exploração é a va riaçáo de tons

ao longo da "estrutura do enredo", Urna comédia - no senrido acima

aprescnrado - poderá lallç:lr mão dos recursos hut11orísri cos exp losivos da

fa rsa e mesci<í-los a mamemos de melodrama, ou criar um momento no

qua l paire a sombra da tragédia, a ven igem de se confro mar rad icalmen­

re, CLLsre o 'luc custar, com algum li mite mortal. em vez de negociar ou

conrcmporiza r. Veremos essas variações tonais com mais detalhes no ca­

pítulo 6 ,

Exercício

Variações tona is

C rie três pequenos argumentos (cinco linhas cada um) a partir de no­

tícias de jornal. dando a cada um tra tamentos diversas, como tragédia,

comédia, melodrama e fa rsa

,

Capítu lo 5

PROJETO E ESTRUTURA GERAL

• Qual o projeto geral do filme~

• Qual o situação dramático inicial? Qual o desequi­

líbr io que exige solução e movimento o história? Q ual

o situação dramática fi nal, de novo equi líbrio (come·

ço e fi m do curva dramática)?

• Q ue trajetória cumprem os personagens princ ipais'?

Modificam-se? Mudam de posição? Rei teram suas

coroclerísticos, sem modjficações?

• Qua is são os grandes blocos ("a tos" ou "movimen'

tos") do lilme?

• Que intervenções não·dramáticos (voz oH, digres'

sões visuais, montagens líricas) cruzam·se com o dra·

ma? Qual suo função no estrutura geral do filme2

'I

Até aqui , fizemos considerações gerais sobre a formatação do roreiro: a

l'scrim como exerdcio de busca de uma " ime nção" (capftulo t), o pape! da

cria tividade (capítulo 2), o d rama e as dimensões não-dral1l :'Íl icas (capítu lo

J) e os gra ndes gêneros dramáricos (capítulo 4). A partir de agora, co meça­

mos a discutir as ro rmas de esrnnuraçlo da narrativa , visa ndo o rie ntar o

(J~tbalho de lapidação (e realiz:lção) das idéias b ruras (capítul os t e 2).

Os próximos ca pítulos (5 , 6 c 7) formam um bloco . C ada Ulll é d edi ­

L.tdo a um nível de cStrllw r:lção. Podc parecer mcio ahstrafO, Jllas basra

IIIll po uco de refl exão p;'lra ent end er a proposta: um gu ia para compreen­

dt:r a com plexidade da articulação de um roteiro. Quando ass i .~ t i mos a

11m fi lme, precisamos estar imed iat"a mem e mob ilizados pelo mo memo

)11"t:seme (cena), ao mesmo te mpo em que deve mos co mp reender o p:lSSO

Il,t narrati va que :lVança (seq üência), sem jamais perder a perspectiva gc­

I.tI (q ue na realização é ITatad a na escaleta).

Por outro lado - e talvez você este ja pensando nisso - , "estruturas n:io

('.\ i\ lcrn" . Afi nal , escrever um ro tci ro é cscrever diálogos e rub ricas, Falar

\' 111 "Ilíveis de es truwraçiío" - e logo estaremos falando de funções, curvas

\' llIHIIOS em cada um desses n íveis- pode parecer mu ila "geomelria", Illas

, l.I l' tk f:tro úril. M ui ro pouca gente escreve, como MO'l..art, uma si nfoni a

,L. primt:ira à u lrima nOla, sem correçóes, como que seguindo um d itad o

"Iv il •••. s~ V\lt:": é UIll !l1(lrtal, lo: não lima reencarnação de Moz.art, é prová­

, 1'1 ']tI l.: l.:SU"l·V:l .\t: tI rnt t: irn aos pt:d:l\,OS c depoi s junte:ls peças - o que vai

1.1/1'1 1'1 H..t· 1" 111 :1 r .1 11111.1 C • 11 11 1'.1 p.l n~, II 1Ild ifi c í-bs, vnll:l r a rcn rar encaixá-

1.1 \. c .I\\ illl \1 11..<:\\ iv, 1I1 1L· III C, .11l- Ipl l' o IHO\. li Lu l.:~ I ~ j : I I.:Ol1q )] )sro . Acredite,

11111 I'''I H..II de 1~\..·"I Il L' l ri . 1 11.10 v.li l.1 /\..'1 111.11 . V lIlln\ f:ll.lrd L· ".110\", '\:IíIll:IX",

J

"PO IlI ().~ tIL vir:J~b", " rrlltlO" Ll C. Tudu i ,~,\o ll :h\ v. li ,c t \" .Idll ,qWII ,\\ p . \ r.\

Illon tar o quebra-cabeça de suas idéi:IS . Afi nal, você nai 1 ,lu)rd.1 111111\ :\ 11 \:1 -

ohã, depois de sonhar com um monte de idéias desorcknadas, Sl:nta-sc.: e

começa a "montar as peças" . As idéias vêm aos poucos; uma vai puxando:t

outTa, e, ao mesmo re mpo em que das vão surgindo, vamos tentando

mond.-Ias. Assim, as novas idéias que te mos (pelo menos parte delas) já "nascem" com "vocação" para se cnc;üxar nos lugares vazios do quebra-ca­

beça que está sendo criado.

Por fim, se sabemos que o quebra -cabeça vai ter um clímax, que a

sensação de unidade surge de problemas que progressivamente são susci­

tados e resolvidos pelo espectador, e outras co isas desse tipo, isso nos aju­

da ramo a orientar a criação c <l explo ração de idéias corno o esforço de

articulá-las.

Agimos aqui como os poetas que analisam os pocm:\s de outrOS, como

exercício. Isso não g:lrante o surgimento de novos poemas. Poesi:l - ou ro~ei­ro _ se ril'l. no árduo esforço da escri ta das cenas (e não com idéias es trutu­

rais). Mas, como j:í dissemos ,1IHeS, criar e criticar com põem um movimen­

to pendubr.

Resumindo tudo muiro praticamente: escreva cenas (ddlogos e ru­

bricas) desde o início. O exercício constante da escrita espontâ nea torna­

se mais rico se for entremeado por momentos de retlcx.:io, de an:ílise de

sua própri<l obra, além dI.: texros e filnles de outros.

Algumas exp li caçôes mais detalhadas sobre os próximos Clp ítulos:

neste cap írulo 5, o objetivo é redigir um argumellto ampliado; no capí­

tulo 6, a proposta é formular uma csca leta ; já o capítulo 7 orienta um

exercício de rratal11enw de uma seqüência, como tmi!ers. Leia os exem­

plos, no final de cada cap írulo .

Por uma última vez, correndo o r isco da redundáncia : não se trata de

fazer o roteiro passo a passo. Não há lógica nem cronologia na criação ­

apenas na ordenação do que criamos. Deixar p<lra escrever as cenas ape­

nas depois de wdo estruturado seria um erro. V<i escrevendo. Pape! é ba­

rato, usar o computador mais ainda . Encare esses Clpítulos de eS l:ru­

ruração como exercícios para que suas idéias "enrrem em forma". Para

isso, é preciso alimellL\-b s rodn dia, escrevendo e reescrevcnd o.

Os grandes vetores de uma história (ou: "mudanças no situação dramótica e nos personagens")

"Q II :1 1 é;\ histó ri a?" é uma perguma aparentemente prosaica, mas que

I'lllk se r respondicLl de llluiras e complexas maneiras. Tememos seguir o

\ .llllill ho mais simples .

Q uando nos lembramos de um filme, é muito comum fazê-lo a partir

dm personage ns . Afinal, a ficção é algo como Ulll laboratório ex iste ncial,

41 llde observamos e vivenciamos experiências humanas , e os perso nagens

'. 10 llS pólos aglurinadores dessas experiências.

Qual é a h istória de Cidili/e de Deus?

O fi lme conta a história de como Dadinho, um pequeno malandro

lO II\ uma incrível "sede de Inatar", virou Zé Pequeno, o bandido Illaisco­

Il ho.:ido da favela Cidade de Deus, poderoso e temido, que terminou

1\l 01"\0 por um bando de cr ianças . Com sua ambição sem limites , Zé Pe­

'111 <.: 110 é d,l turma de Ricardo [11 (\Xlilliam Shakespeare) e Scarfacc, per­

\o ll ,\gem filmado por Hawks em Scarfoce - Vergonha de II mil Naçãu

(.\'uoj;'cc - S!Jf/lJle ~rf{ NfllÍOfl, Howard Hawks, 1932) e por De Palma

(' 11 1 ,)'crnfoct' (Grian De Palma, t 983) .

I ~ssa é uma boa resposta - indica o principal vetor de a~~ão do film e - ,

II!.I\ Ulll vetor ,~Ó não f:lz ver:io. H;i também a história do narrador, 13us­

\.1 I'é, que começa como moleque tranqüilo, que sonha em Il ão ser pei ­

,(· ilo (profissão do pai), nem I:ldrão ("profissão" do irm:'ío), nem políci<l

(II I. I( S ou menos a mesma coisa), e term ina transformado em "Wilson

l{iH lrigues, fOl'ógrafo".

iv1:tis importante que sua ação é a observação de Busca-Pé. Zé Peque-

110 ' Ige, movimenta a história. Busca-Pé (poderíamos charn,í-lo de MC

1\ll\l: I - P~) observa, narra e comenra .

I'",\se ~ () desenho princ ipal da história: Zé Pequeno age, com extrema

\ Ilngi;\, :Irrasralldo rudo e rodos no seu rnovimenro; Busca-Pé observa o

ftll. ll .li, \." ri :\d(1 pelo handido, dentro do qua l el e tem de viver. Zé Peque­

Iloll: (\ i"11r.l d (\; Hu,\ca - P~ é (\ olho do rurad o.

10 1

Apenas como sugestão. plJCkría llll 's dize r (pie .1 illl .lg{·111 ~ lllt l- t ÍL.I di ,

fi lme. radicalmen te esquem:íti ca. pod eria ser a dc um VChl l (I.é I'cquc~

no) paralelo a uma linha ( Bu sca~ Pé) que o segue, espelha nd o-o sem se r

um veto r (não exerce força). Ou ainda: um veto r em fo rm a de espi ral

(i magem do "Fu racão Zé Pequeno") no CClltTO do qual há uma linha

( Busca~ Pé. o "ol ho do fura cão").

•••

Mas personagens só existem em relação aos outros . São, antes de

rudo, panes do todo q ue forma si tuações d ra máticas. Podemos contar,

em traços rápidos, a história de um filme como a hisró ria de seus pcrso~

nagcns , mas eles só se revelam para nós, como es pectadores, al'ravés de

suas ações, ou seja, em situação. Como rotcirislas, devemos pensar ':ao

contrá rio" do especrador, da gênese ao efeiro, visual ii',ando as siwações

que dão vida aos personagens.

Falamos antes de "situação dramática" , no singu br, referindo-nos ao nú­

cleo de forças que tenciona a rdação enrre os pcrsonagens, mas isso é só um

germe. Para que a história surja , esse mkleo deve ser desdobrado no tempo

nUlIla série de situações, numa sucessão de deseq ui líb rios al'é O equi­

líbrio fina l.

Cidade de Dms rem panes bem definidas em suas d isti ntas siruações

dram;í.ticas.

Parte 1

A si tuação dramática fundamelll al dessa primeira pane é o confro nco

enrre o Trio Te rnura e a polfcia, com concentração na luta de C abeleira .

Zé Pequeno - que ainda é D adinho - não está envolvido nessa situação.

Parte 2

Dadinho torna-se Zé Pequeno e invesre contra tudo e comra rodos. A

siru:lção dram;í.tica rcm duas r;lce.~ complemcllt:lres: Zé Pequeno. associ;l ~

do ao seu :lInigo Bené. "dominam o Illllllt!n" lb Cid;ldl' de Dcus .. ~ lI bju~

i I)')

);, lILd .. li U. I'C lll dll~ 0 )0, ou I n.)o, (r.dIL.1Il1 C~ InL I i, kXO:ÇlO !l: i t :\ a CCllOU ra).

' \ 0 Illc,mo tcmpo. Zé Pequcno tte lH um cOl1 fi'OIllO fundamental , d ra má­

II UI. com Ik ué, se ll sócio t.: ;\migo, m :1S t;lmhém adve rs:í rio no 1110do de

\l lIldmir u podcr.

Ik' né I.'s d envo lvido numa situação dramárica própria : luta pelo po­

der iunto co m Zé Peq ueno, mas quer c;ti r fora da gue rra. Sua morre tem

.1 .111Ih igLiidade da C idade d e Deus ("se correr o bicho pega, se ficar o bi­

\ h" 1,) )I11C"): morre no lugar do tTu cuJenro Zé Peque no , de quem

Nq.;uinh o qu eria .~e vingar ; mas também morre porque im ped iu Zé Pe­

q UCllil de leva r a truculênc ia con tra Ncgu inho até o fim.

A si tuação dramática, esrruturada em torno do co nfronto cmre Zé

Ih ll lcno e Bené, ê complexa . O fil me arran ja ess;} complexidade pela ma~

11Ipl!laS';JO do ponro de vista: ;lcompan hamos primeiro ,1 ascensão de Zé

l'n ll ll.'1l0, para depois verm os como Bené lida com o poder, e com seu ex~

pl" ,ivo sócio. A festa leva esse conjunro de tcnsões à c0\1ccntraç30 e ao

, llnl .lx (há uma análise da cena da fes(';l no capítulo 8)

Ilá ai nda , na segunda pa rre, um sllbconfro nro. Busca-Pé tenra en~

'I elll a r tudo e rodos , como os bandidos. Mas só consegue fazer c()tn~dia

dl' .. · \TO S. Essa siruação dramática secund:iria é de gênero cô m ico , e não

lt.lhiLo. como a do núcleo principal.

Pa rte 3 Na ülrima parte, Zé Pequeno, sem Benê, perde o co nrro le. e os con ~

I. " 111 IIS ;lV<l nçam para lima guerra total. A própria si tuação d ramática so~

1, lIh l.l: \I co nfl ico de honra, incendiado pelas armas rra ficadas pela polícia,

,111:I'IICr:1 em ba rbárie.

( :II.':o.CC a si tuação dram ática secundária , em que Busca-Pé tenta lidar

' '' 111 11,\ hal1dido.~, e de acaba o filmc na posição de foróg rafo. Há aqui

1111 1 , In locamem o da co méd ia de erros pa ra uma "coméd ia séria", no sen ~

!,. I" (di., clllido no capítulo 4) de um co nflito passlvel de so lução .

, , ,

i01

Três partes?

~rornou-sc lugar-comum f.."llar da necessidade das três panes da narr.u-iva

(c.. .. culpiclas em bronze por Syd Field41). Doe Compararo resume bem esse

aXioma:

"Primeiro ato: exposiçao do problema

sifllação deses tabil izadora

urna promessa, lima expeC(a[jY3

:lIHccipação de problemas

APARECE O CONFLITO

Segu ndo aro : compli cação do problema

piora a situação

rcnrarivil de normalização, levando a ação ao limire

CRI SE

'Te rceiro aro: cl ímax

RESOLUÇÃO

(Dll Crill(/10 /1/) Rouiro. p. 188)

As três pinteS de Citlntlede Deus, à primeira vista, parecem confirmar a

regra de o uro. Enrrcr:Hlw, não é bem assim . Se an:nta rmos para ;IS relações

ent re os contexros dramáticos de cada pane, veremo.~ que as coisas são

mais complexas. O roleiro de Br:iulio Malltovani é resultado da adapcação

de um romance cxl'remamenrc elaborado , com dezenas de situaçóes dra­

máticas, que, se reltne as "três panes", é apenas como resultado de sa lros

no rempo e não como desenvolvimento de um mesmo nüeleo ,

Bráulio esforçou-sc, com muiro sucesso, para concentrar dramariGI­

mente o material do filme. Reduziu em mu ito o nümero dI..! personagens

e amarrou-os em torno de siruações dramáticas comu ns e relações secun ­

dárias, mas co nectadas a essas situações. Mas hasta UIll exercício imagina­

ti vo simp les para tornar cvid cl1\f: qU f.: 11 .111 h:í lu.:cc:.:. id:llk J :!:. "tré:. p:\r­

tes". N UIlI IIlIlH' 1...0111 tHai ~ IlIl'i ,! ho r. ! . \l"l"i. 1 1' ~ 1 \~í\'r.:llllll "qll.1rtO t l' lllpO",

lw,nll· lAI

l ll 'll Ihl ~1....l I'é .~e IIllld.lIldu p.I I".I , di~.tlll0"', (j h,tino dc BO!:d~)go, traba-

11! ,llldo como I(Jt (Jgrali , (dc publi cidade, poJerí:lmos pensar), e voltando

,\ C idade de Deus pa ra f.1 í'Ár um "cnsaio" para urna revista est rangeira.

(~lIe 1:l1? Afina l, po r que não? Nova situação, novo aro. Ou, se qu iséssc-

111(1\ Illanter Pequeno co mo vetOr da unidade dramática, ele poderia, em

Vl? d e.:: morrer, ser preso. O quarto aro seria na cadeia , onde ele conhece-

1 1.1 os caras do CV e ...

I~ claro que se pode dizer que Cidllde de Del/S é um caso atípico, por sua

u 'l1lplexidade, que "força a barra" da unidade d ram,üica. Bom, mas "casos

.Il (pi cos" são também casos, não? Onde esd. a "necessidade" dm três atos?

Snia possível a inda outra objeção a essa co ncestação dos três acos:

pode.::-se dizer que po uco importam essas reviravoltas na história de Zé

Pt:queno. Poderíamos cri ar mais "sete vidas" para ele - até clt: se tornar

11111 rraficante de armas em I-Iong Kong, sei lá -, e sempre existi riam, se­

gundo os defensores de 5yd Ficld, os "três atOs de ferro": um in ício, um

de~envolvimenco (em qU:1ntas subparres forem necess.írias) e li ma con­

I IlIsão; começo, meio e fim.

Nossa resposta fina l: ok, começo, meio e fim existem em qualquer coi­

\,1 (um so rvere, ° pl:lllcra ' ferra, o amor). Só não valem para coisas im pcn­

\.lvc.: is: Deus, o conju nto dos números natura is, o universo, o lvloon-Rí e,

t.ll vez, o Dr. Paulo Malur. Mas, neste caso, ° que resra dos "três aros" é sim­

plc.., rneme urna tautologia, urna obviedade inútil: se temos cinco revi­r. lvoltas rad icais numa história, qual a m il idade de as agru parmos em rrt:s

p.ln es?

Franci.~ Vanoye, autor do órimo Scélltll"ÍOS Modeles, ModNes de Scéllllrios (11.tduzido para o espanho l como Guiol/e;- Moddos y Modelos de Cllión~.l ),

1.1 1.1 em eS l"rllturas de dois atos, como Nmcido plml Matdl" (FuI! Alelal /,11 /"'('1, Stanley Kubrick, 1987), de quatro al"OS, como Marrocos (Morocco ,

Im d ' von Sternberg, 1930), c clt.: cinco atOs, corno Ben-Hul" (William

W" kr. 1959). Isso nos pa rece muito mais ütil: o número de atos (ou par-

1\,\) de um filme é definido pdo nürn ero de transformações radi cais em

\ 11 .1\ ~ i l ll a~'óes d r:unát icas.

( ~n lld 11 i ndl': IH I t1 fvd d e.:: e"t fll t li ra~'ã (J q Ile es!:! mos comi dera nela ncs­

U' l.I p íllrlo (Vl'1 n p;nll l'llI .1I1e:<o , qU!: '(li p.ln .. i'lllIl c llt l' eOl11ent :l<!o aei-

10'

ma), o qu e importa é definir quais St.: r5o t.:ss:'!> cullf i)..;HI,I .... \C\, \ lI l. li !> ,\..:rau

as "esrações" da viagem, a série de situações dr;lI n;\ ti c IS, i\IÓ ll disso,

como vimos acima, imporra defi nir os focos narrarivos hHl cbmeIH;lis,

através dos quais serão observados os desenvol vimenms de cada situação,

Essas são as rareEIs fundamentais pa ra desenhar o que chamamos de "es­

[f utura geral " do projeto,

A dimensão épica (ou: "solte a frango"; ou ainda: "TV Pirata e Jean-Luc Gadard")

Como também podemos observ;u' no exemplo de G dade de Dem, há

ainda uma OU lra d imensão para completar o desenho do projeto: ';l di­

mensão épica, a defi nição das estratégias fundamen ta is que serão empre­

gadas para "dar um passo atd s" em relação ao dese nrola r do drama , pos­

sibilitando obse rv;í- Io "de fora" c co merHá-lo ,

t. claro qu e essa dimensão pode estar ausentc, e então te remos um

d ram a " I 000/0 puro", c'm q ue cada momento é um passo na progressão

d ramári ca, uma ação que altera, em a lguma medida, uma situação d ra­

mática , No li mire, uma narrativa ass im seria, lireral mente, "de ti rar o fô­lego", não permitindo nem momentos de pausa, de "res piro", ao es pec­

tador. Isso é raro, Mas é comulll que esses momentos de pallsa sejam

ape nas isso: descansos, não se configurando como momentos de co men­

tá rio do drama, Nesses casos, nos qua is nenh um narrado r "mosrra a cara"

- [Udo co nvergi ndo para que tenhamos, itlces,~antemente, a impressão de

um presente imedia to e contínuo (c ri ação da impressão de uma cena ao

vivo) - , essas cenas de respiro são por vezes chamadas de "cenas de transi­

ção", nas quais, no máximo, aproveita-se para "passar alguma informação"

ou caracteri'l.,ar melhor um personagem,

Entretanto, como mostra Cidade de Deus - e a j:í sólida lin ha de tra­

balho dos grupos mais modernos da TV brasilei r;l (CoIIIMill dtl Vidll Pri­

/ltldfl , especiais e ll1 inissé ri es de Gtrd Arr;H':s, Flrn adll , Adriana t.: )11511 1,';11 -

cão, emre outros, todos hc.: rd t: irn ,~ d ,l lr i\h 'lri c I ArlllIf(ã() I/i/llilllr/II, de

I D(.

, 1Jl liA _AI

I\ tl h lllio C;drl1 11n) , n ll ~n de 1l:1IT,l\:Óc.:S t: c.:oll1end rios pode ebr, rcal-

11I Cll( e, Ulll ;1 "OlHCl dimc nsão" ~s ll arrativ;ls ;lUdiovisuai s, De certa forma,

C\\C\ grupos de va nguarda do aud iovis ll al brasileiro são os "pop-h ereges",

lrl'Hkiros co m cmporâneos da rcvoluçáo do cinema moderno (tal vez não

\l' J, l coincidência o fato de Ca lmon ter sido assistente de di reção de

(:I,luber Roc ha em Term em 7i'fl1lSe (1967),

Frn Cidtlde de Deus, a narração é de Busca- Pé, Ele é o Me do film e,

quc cos tura a narrativa visual, po nruando o começo e o fim de blocos;

ll llllCJ lt:l nd o as cenas com julgamentos e informações; fazendo digressões

l'x plicativas do fUl1cionam enw do tráfico, Isso confere ao filme uma vis5.o

hem mais complex;1 e abrangente (perm ite, por exemplo, resum ir vasw s

~ ()r llcúdos info rmativos e sum;lrizar amplos períodos temporais) . Em rer­

IIIO!> estilíst icos, essa medi aç:io de Busca-Pé permi te, na montagem, mo­

nll' llras que enriquecem o padrão rít mico da narração do film e - basta

k' lllhrar o rcsum o da história (b boca dos Apês, passando po r Grande,

clloura, Ncgu inh o, e chegando, em segu ndos, a Zé Pequeno,

't:unbém em "A co roa do imperador", um narrador serve de "gancho"

p, lra urna séri e de d igressões !Il;lis importantes que o "draminha" de

Al Cl'OIa e Laranji nha tentando descolar lima gra na pa ra ir ao passeio,

Mas outros recursos de comentário podem ser planejados: uma tril ha

~ (H IOLI pode servi r para isso - como a t ri lha de amigas bandas de rock de

1(111 ,\6 ~lIceSSO" e rn Ho/we IIl11t/ \kz Dois Vc~l'ões, jogando sobre a nan~H'iva um

" Ili.u' levcmenre nostálgico, que é refo rçado pelo títu lo, c itação d e !-Io/we

111/111 Vez 11m Verão (trad ução de Summer ()142, Roberr MuIliga t1, 197 1),

, 1 , 1 \~ ico sobre in ici ação sexual. O exemplo do fi lme de Funado se rve para

11 .. \ lembrar de algo fundamental: ° ci nema é um meio narrativo "Illu lli­

', lIl.rI " , Frn Dois Verões o foco narrarivo é o jovem Chico , que vive sua ini­

, 1,1\ ,10, Mas n;1 tri lha há li ma outra voz, mais velha e experiente, como qu e

I\\< ,lliando u ma música que C hico não conhece,

[' .. demo.\ com:lr urna hisró ri:l no ci nema "orquestrando" vários "nar-

1,10 I, ln:~" : Irrn ;1 "\'()'l." pode pin t;lr as cores do cen;i rio, outra coloca as müsi­

' ,.\, ClIljrr ;I1I(!\ (11 11 1';1 Olll1CnCl :1 ;IÇ:iO ~ c pode haver até mais de um;l voz

111'\\,1 (IIIH" H) , COIll! l cm C(I5Ji llO (('({siNO, M:lI' lin Scor.~l!,~C, 199'5), VOCl: é

" l"r \' il' i\ l. 1. l'l'npulll'. \ 1111) cxc rLÍLio m CIH,r! : PCll\l' 1ll111l dr, II 11 ;1 c l:i\,\ il l. ,

"

I )l' plli \. illl.l hilll' qU l' ele c_,r:i p.I.\!'i:IIlt!u I I ~ I !ch C i..1 ir IlIH 1'. "'p(l'I'I.I!_~ itl:íri u

.1\\i\1 i l idei C (.t 1l11 Cll t:! ndo. 1~ 1l 1 n.: dc!'i . pode h avcr pCI ~ ()ll.I g(' I ' ''' do p ró I' ri o

lill11 c. COIll a Jl1(:5 111 :1 idade que eles tê m lU re Lt, m;tis velhos. ou :ué ma is

II OVOS (P<lI ' que II :iO?); pode l1:lver outros, como essa "voz" mais velha de

/)ois Vt'/"Óf'S. Se voei: radicalizar mais um pouco e imaginar que, em vez

d e :tssis!ir :1O filln e e o comenra r, essa plaréia de narradores está vendo o

II IIII C num "supercom putador" com capacidade para alterar a história,

I.tlve'/. voei: chegue a um episódio bem enlouquecido de Comédia da Vidtl

/'1';/1(1(1/10 11 :lré mes mo a um filme um ranto godardiano. Aliás, antes de

1 f,lba lhar na Globo, Guel Arraes teve um a breve experiência como assis­

lenl e de G odard e um longo período como assistenre de Jean Rouch, o

documenrarista que Godard tem como mestre. Um último coment;írio

IH.:ssa digress:io sobre digressões : ROll Ch , em Moi, 1/11 Noir (Jea n ROllCh,

1')58) . fez, na realidade, exatamente o que estamos sugerindo como ~xer­

dcio de imaginação: passou um filme documendrio para os três caras

"docum entados" qu e, rremendos gOl.adores, n~o pararam um segundo de

zo mbar um do outro, enquanto narravam a história. Rouch gravou tudo

c pôs a brincadeira C01110 rrilh:l sonora desse I'ilme, que Godard aponra

como precursor da Nouve ll e Vague .

Exemplo de anál ise: Projeto e estrutura de Cidade de Deus

(retomada da análi se feita no capítu lo)

CIdade de Deus quer contar a história do tráfico na Favela Cidade de

Deus .

Para isso, define um personagem (Zé Pequeno) como pivô e outro

como 1'()Co narrativo privi legiado (Busca-Pé).

São dois garotos da mesma idade, conhecidos desde pequenos, com

v;irios cruzamentos em suas histórias e relaçóes em comum.

108

/ .é I'equ c ll u .lgC, 1I1l'VllllC llI :1 .1 hi .\ ((l,ria . 1 ~II~ca- I Jé oh::.erv:! . ILUTa a

!l 1\ (ô ri :1.

I l:í tnoll1 cntos em que não é Zé Pcqucno que está em aç~ o - por ve­

It'\ é n próprio Busca-Pé que "se vira" . I-lá momentos em que a narração

de HIlSCI- Pé é eclips:.da pela narraçao cinematogdflca direta. Mas o dese­

Itll(, IHincipal da história é esse: Zé Pequeno age, com extrema e nergia,

.IIT:IS(;Hldo tudo e todos em seu movimento. Busca-Pé observa o furacao

l i i:rdo pelo bandido, dentro do qua l de tem de viver. Zé Pequeno é o fu-

1.ld o: Busca-Pé é o olho do furado .

O filme é a história de como Oadinho, Ulll pequeno malandro com

IIIlU incrível "sede de matar", virou Zé Pequeno, o bandido mais conhe­

l ido da C idade de Deus, podero.~o e temido por toda a favela, e que ter­

mi nou mono por um bando de crianças. Com sua ambiçao sem limites,

/,(: Peq ueno é d;l turma de Ricardo 111 e Scarf:lCe.

Mas, ainda neste grande desenho, h,í também a história do narrador,

Ihlsca-Pé, q ue corne~~a como moleque rranqLiilo , que sonha em Ililo ser

peixei ro (profiss~o do pai), nem ladrão ("profissão" do irmilo), nem polí­

~ i;1 (mais ou menos a mes ma coisa), e termina rransformado em "Wilson

I{odrigues, fotógrafo" .

(-H um espelhamento d e trajetórias . Dadinho vira Zé Pequeno ("1):1 -

dinho o caralho! Meu nome agora é Zé Pequeno, porra!"), que vira pre­

\ lIlnO por sua ambiçao desmedid:1. Busca-Pé vi ra Wilson Rodrigll e~, fo ­

lóg raFo - e não. pres unto - porque soube (c teve sorte para) d ribl ar o

t dfico .

Os dois são os eixos, mas as si ruações drallútica.~ inicial e fin;) 1 não se

resumem, de modo algum, à relação el1t"re eles. Como Busca- Pé age pOLICO

só no fina l, e de modo paralelo ao desenvolvimento do núcleo dra.márico

n.: ntral-, as situações dram:íticas estao compostas por ourros personagens

.I.\sociados a Zé Pequeno. Vejamos como as situações se rransFormam ao

IlIngo do filme, compondo seu movimento.

Na primeira pane, Dadinho é um bandid inho-rnirim (ou assim pare­

..e), dominado no bando chefiado por Cabeleira. A siruação d ra mMica

fundamental desta primeira parte é o confronto entre o Trio Ternura e a

po lícia, com concentração na luta de Cabeleira .

109

N,. \eg.unda pane, t ).HJ inho, a:.:.ociado ao .lmlb'l Hl' II(.\ 11I111.I-SI.: Z'::'

l'CQlH.: ll0. Juntos, eles .~ ubjllgam quase todos os 1f",dl c..lt1ICl> d ,l C ilbde de

Deus - com exceçao de Cenoura. C om o im pério estabelecido, :1 lura de Zé Peq ueno é, num n ível, para manter a pnx, bancando todos os que o per­

turbam (lad rões "ch inelos", como os mo leques da Caixa Baix.a, assassinos

C0l110 Negu inho ou o potencial inim igo, Cenoura). Mas o co nfronto fun­

damental, d ramático, é com Bcné, am igo e advers<Írio no modo de con­

duzi r O poder.

Na segunda metade deste bloco, Bené tem sua própria "ascens:lo e que­

d:t. Seu conFrolllo é com Peq ueno, pelo estabelecimenro de métodos me­

nos vio lemos de dom inação da Favela e, por Fim, pela sua fuga individual

do 1 r:íftco . Sua morte tem a ambigüidade da Cidade de Deus ("se correr o

bicho pega , se ficar o bicho come"): morre no lugar do rr ll clIlemo Zé Pe­

queno, de quem Negui nho queria se vingar; mas também morrI.'! porque

im pediu Zé Peq ueno de leva r a t ruculência contra Neguinho afé o fim .

Num su bconfromo, fu ndamclHal melHe de alívio cômico (mas de

im ponância para a caracrerizaçiio do personagem), BlIsca ~ Pé, além do

emprego fulei ro, perde a namorada para Bené. c decide vira r bandido.

Até tenta, mas "é um comédia", c só consegue Etzer co média de erros .

Morro Benê, Zé Peq ueno perde com pletamenre os li mi tes. Seus CO I1-

fronros crescem, ampliam ~se em es piral: estupro ; co nfronto pcsso:l l co m

M ané Galinha; gue rra com Cenoura/Gali nha; guerra generalizada, condu­

zi ndo à sua inevidvel morte. Mané Galinha é, em prind pio. O principal

o pos iror de Zé Peq ueno nesta fase final, mas ele é mais um CU:'1 para um

conAi[Q que extrapola até mesmo os li m ites do drama. Ou seja : nesra ülri­ma volta da espiral, não remos exatamente uma nova configu ração de per~

sonagens em luta, mas li ma dissolução da própria siruação dramática - o

co nfl ito de honra, incendi ado pelas armas lrafi cadas pa ra os band idos, de­

genera em barbárie to tal.

No meio dessa guerra, Busca- Pé se vira e vira "Wilson Rodrigues". De

câmera em pun ho, ele baJança na corda bamba entre O desejo dos "de den~

t ro" de ser recon hecido e o desejo dos "d e Fora" de conhecer o que rola .

Esse final t"l:l iz de Bmca~ Pé é co n'>1rll ído pel .• \11.1 prl' \enç:l, :10 longo

di. fill1l1.:, CC nllO ilhl>CI"V, ldi .1'. ( :illlH . f; li ()g l.lli I , d t· f,ll dn\l' \C ll nlh() ,. pas~

I I ()

\ .lpO lle d I.: \ .Iítl.1 do Im.IL,I ••. HlI l>L , I ~ I'é é o Me de Cirlilrl"rll' OI'IIS: cO:'llIra

,I 11.11 r,Hiv,. vi~ lI .d pOIH u:m do os começos e fi nais (11.: b locos, comentando

,1\ u: n.1S 1:1111 0 CO I11 ju lga mentos como com informações, fazendo di gres­

\ (l C ' cx p liGH iv:l.~ do func io nam ento do rráfico.

O cu tllrap01HO de Busca- Pé a Zé Pequeno não é mora li sra - e isso é I\ltldamcnra l. O tdfico é, para Busca-Pé, um f~HO da vida. Não cabem

jult;;JIlIl.:mos morais - no máximo, ele d iz que Zé Peque no é um "cara

~ 11 , llt)". Com isso, logra-se um ponto de v ista in l'e rno à C idade de Deus,

1lI . 1 ~ que não é O do tráfico. O olho do furacão faz e não faz parte del e.

Voltando ao fundamenral e resu mindo: Cid(ult' de Deus so brepõe uma

1I.IIT,lIiva d ramática e de ação violenta, cenlrada nos conflitos que têm Zé P<':l[uello como pivô, a uma exposiçao não~dr;lIn :lt i c a, épica, que mantém

H:n :l disrá ncia do fluxo das ações.

Como lluma gra nde rn olHagern para lela (de níveis, não de açõe~ pa­

..Ilcbs), o film e se conclui co m o cruza mento (ai nda que não seja um

1OI1 fromo de vomadcs) de Zé Peq ueno e de BUSC:'I-Pé, entre a ação do che­

I<- dc exército e a observação do fotógrafo.

Exercício

Um argumento bem argumentado [ screva um Nargumento allJpl iado~ de sua história , ao estilo do exem­

I li, 1 anexo. Alenle paro o diferença entre o exemplo deste capítulo (que

IJ. Jt( I mais do desenvo!vimento da hislório no tempo, marcando seus pan'

I· ,', pl i nci pai ~ ) e o exemplo do co pílula 1, que é um esboço estrutural,

"1 11 ( IS idéias o inda sem uma proposta de desenvolvimenlo. Po r oulro

I. I' I,), a inda não se lra to da escaleta, em que (como veremos no ca pítulo

I ',' .( jl Ji l) o desenvolvimento é detalhado mente descrito

111

Parte 11

DA CONSTRUÇÃO AO ACABAMENTO: TÉCNICAS DE TRATAMENTO DO ROTEIRO

Esta segundo parte visa orientor o trabalho de desen­

volvimento e reescrito do roleiro. Em vez de d iscu tir as

técnicos de roleiro de formo genérico e impositivo,

oplamos por organiza r o texto em uma série de per­

guntas que o roleirislo deve fazer o suo próprio obro.

Cada capítulo é dedicado a um nível de considera­

ção do roteiro: curva geral e escalelO (cap. 6), se­

qüência ~cop. 7), cena (cop. 8 e 9 ) e repetições

(cop. 10). N60 se traIo - insistimos - de Npassos paro escrever um roleiro", mos de níveis de re flexão e

aiuste d o trabalho criativo, que NÃO se desenvolve

como a demonstração de um teorema, do princípio

abstrato oté os detalhes de mise-en-ScEme, Um fo lei­

risto pode começar o dia trabalhando num diálogo

ou nas rubricas de uma cena, passar poro experimen­

tações com inversões temporais no escaleta e termi­

nor ponderando vontagens e desvantagens de uma

apresentaçõo mais melancólico ou dinâmico. Quer

dizer, na prático, o roteirista se def!onta simultanea­

mente com as questões aqui analiticamente separa­

das em capítulos.

lU

Capítulo 6

CURVA DRAMÁTICA: ESCALETA E TOM

• Ouo l o gancho de cur ios idade que, a cada passo,

'''puxo'' o espectodor8

• Como estão dese nvolvidos os preporaçoes paro os

momentos fo rtes do filme2

• Os focos narra ti vos mobili zados ao longo do filme

podem ser melhorados2

• Há pousos depo is de momentos de intensidade emo­

tivo ou cômica?

• O fi lme "respira '2 Há a lternânc ia en tre ocele raçoo e

ro refaçoo2

• Alteroçoes no o rgan ização tempora l ad ic ionariam

elemen tos (suspense , in tensidade emotivo, ritmo l e

enriquec;eriam a nar rativa ?

11',

Curva dramática e escaleta

Q uando ftlamos na "cUlva dr<lmMicl" de um filme, temos em Foco, em

primeiro lugar, as perguntas mais gerais. O cmiter "dramático" dessJ curva

pode ter intensidades mu ito diferentes. Pode ser imensa mente.: dJ'amático,

uma luta bem defin ida c inces.'õ:lnte, como, por exemplo, em Lúcio Flavio, o l'tlsstlgeim dll Agonia (J-Iccror Babcnco, 1977) - filme policial no qual o pro-

1.1gonisra está acossado, da primeira :1 ultima cen:!, sem descanso nem quan­

dI> donne, li teralmente.

Acossado (À bom til' SOlljjle, je:l1l-Luc Godard , 19(0) é lambém a tra­

llução b rasileira do título do hlme de esrréia de Godard. Apesar de todas

.\\ paródias ao gê nero po licial c das subversões de rccurso.~ de linguagem;

.l pesar da presença, no meio do fi lme, de uma longuíssima cena num

'I 1I :lITO (espécie de ma ni festo irônico de des lllomc do ritmo trepida llrc

d.l~ persegu ições); apesar de todas as "piscadelas" para a dmcra, rcvela n~ , 1110 jogo cênico - apesar de tudo isso, m:lnrém-sc ao longo de lodo o fil­IlIe;\ pergunta: Michel Po iccard consegui rá escapa r~

Mes mo Michelangelo An ron ioni, () mes tre da dcsdranurização, fl erta

, I '111 curvas dramáticas . Em O Eclips,' (L'eclúse, 1962), acompa nh amos

\' inuria (Mo nica Viui) em suas aventuras e desvent uras amorosas. É da­." q ue Anron ion i não é mltor de novela, e o inrercsse do film e não está

, 111 :-': lher m o !'> "co m quem Virroria vai ficar", mas no estudo cinema rográ­

ri, D . pLh lil:o, de lima co ndição ex istencial.

F~ .\t:s LXc lllplm do c ill t: lI1a IllIl(k nlO não s~ u c it ;ldos aqU I pa r;l a rgu­

Illl·III .II' .. 111 l'\lil(1 d,,, 1I1.11 111 .li \ .I IIICric. lllo.\. ql IC.1 l C Il ~:iO d r.un .ilic:I t o

"

"destino il1l:vidvd" d I.: toda., a.' n;u'f:uiv:I!). Llí(/o ' ,U/Il/) l.' l /w"'II!O ,.ltI/ ;I­

mes mui tÍssi mo di fe rent es. Se Anton ioni fl ert a co m lr'h.l i l- ioll.li .~ l[ lJ esl6l:s

na rrativas, é, just<llnenle, para lhes dar respostas novas. O qu e quercmos

sugerir é a grande variedade de relações entre a pergunta geral que um fll ­me suscita no espectador t:: a con.~ l'ru çao, passo a passo, desse filme. Jâ

d issemos ames que um filme não é a realização de "uma boa idéia", mas a

o rquestração de m uitas idéias que vão se reu ni ndo numa fo rma que per­

mite expressar lima visão sob!'1.: algum aspecro impon:lm e e problemático

da vida.

Vimos no capítulo 3 que :l cena é a unidade b,isi ca do drama: aquele

"momento" do mundo ficcional , com unidade espacial e temporal, no qua1

os personagens se encontram cara a ca ra. J:í uma escaleta é uma li sta

completa das cenas de um roreiro.

Vale a pena ainda d isril!guir um a un idade narrativa mais :un pla, a seqüência, que reúne um gr upo de cenas que perfa'l uma aç50 com­

pleta (por exe mplo , a seqüênci a de um assalto a banco, co mposta pelas

cenas de pbnejarn ellto da a~'ão , de id a ao ba nco, do ass:l lro propri ;une.m e

diro e (b fuga). As seqüên cias são como capíl'lllos de um livro ou atos de

lima peça. lndid-la. .. e da r-lhes um título faci lita a visua lização dos movi­

menros mais :lmplos da narrativa (veja um exe mplo de discriminação de

cenas e scqUências numa escalera, no h nal do capítulo , sobre o episódio

" Uó lace c João Viror", da série Cidade dos Homens.

A escaleta é um instrumento de vi sualização do ro te iro em seu con­

jU lHO, u ma espécie de plano de vôo deralh :'ldo, cena :'I cena. A palavra

lembra "esquelero", e é mai s ou menos disso qu e se trata: as ce nas darão

carn e e sangue a esse esq ueleto, que :lS manterá art icubd:ls. Talvez lima

metáfora ainda ma is adequada seja u m molde ex terno, espécie de "exoes­

queleto" provisório , a ser pree nchido com "a carne e o sangue" das cen:lS ,

para depois desap:lrecer.

Esse "esqueletO", entl'et:UHO, é temporal, e isso é crucial. Trata-se de

pbnejar o "anda mento" da na rrativa , e o se ntido musical do tcrmo é

inspi rado r para o ro rei risra: Mais do que uma sucessáo de inforrn:lçõcs, a

na rrativ:l é o desenvolvimenro com variaçõcs de urna si(ua~~ão lü~ i Cl . SI:­

guimos um a narrativa efl c ,'l. CO I1l 1I1ll:! cll rinsitbdc COIl :-. lalllcIl H':1I1c rC ll o

II H

V. I.! .l. A U i,ll iv ld .I'1c e " ;11(en:),se ~ I" I: un i 1' ,lrr.ldor é (,;, IP.u d e d C~ pl.: ll . 1 1

t'~d menos IIU inet! i(i .... mo de sua sror)'liJll' do que naquil o li 11 0.: c lt: é (", lp.IJ

de l:rJ.e r com ela, nas v:l r iações ex plorató rias alrav6 das '111 :li:-. d e:1 d l'\e n

Vlll vc. Se e.~se desenvolvimento for pro fundo, cada 11 0va va riaç:io p rovo

~, Ir.í des locamentos no modo de encararmos os problemas l:nl qU I:St:Hl e

' 11.1~ Il uan ças .

Emretanro , subjacenre à perscgui çiio dessa pro fundidad e, Id um:1 di

Il lcnsáo , digamos, récnic:l. O ro rciris ta deve ser capaz de ar ranj:lr c,ld .l

I' . I \~O da narrat iva de modo a manter nosso inreresse. Isso pode, in cl ([ ~ j

Vl' , sn realizado de modo superfi cial, aind a que eficaz. Todo mundo jâ

P ,I':-'O ll pel a experiênc i:l do "filme ch iclete", aquele tipo de fi lme {lIl e

11I .lllfém nosso inreresse, mas do qual saímos sem nada. A vi são que c.ld ,1

fi lme lança sobre a vida, mais ou menos profunda, é um desa fio pani tll

I.I!' a cada obra. Cabe ao roteirista en frentá-lo , so lira riamem e.

Passemos agora a co nsiderar uma séri e de funções narr,ll'ivas qu e .1

nedcra deve ajudar a v isual izar.

Plol

Inj c i ~llmtnre, definamos o que os roteiristas americanos cha mam d I:

1./01; lias termos com os quais estamos trabalhando :lqui, tra ta-se d :l linha

de desenvolvimento de uma siruação dram árica (já analisamo$ esse CO(1 -

• ci lo cl:n (ral no capí ru lo 3) .

I Lí ;Ilgumas vantagens nessa visão da progressão d ramática como uma

1I IIh :l. A primeira é isolar um p/ot como movimento a partir de uma sirua­

\. In d ra m:ít ica. Quer dizer, pode have r mais de um p/ot num fil me. Doe

( '1>11Ip<l r:1l0 (Da Criação tIO Roteiro, p. 181 ) f.1Z uma ági l e t'ttil sis tcmatiza­

\ .11 ' d'ls li pos d I: plot em: :'I) princi pal; b) $1(1)1'/01; c) IIIII/Iiplol; e d ) p/OI pa­

I.tld o (q uI.: se d iferencia do lIIultiplol pela rdaç:ío c ntre as histó rias).

11 :\ lilmes ql lC ((1 111 :lpe(I :IS 11m p lol prill o.: ip:ll : SI' JI /m 1I/,lIrldJHt'1II1J J.il -

1,1,,(, ( /lu' !IpI/H 1111'/11, Hi 11 Y \'\Ii Idcr, I ' ) (10 ), por l'Xt:1II plll , u lIIü'n l 1'.1 :-'l' 1/1

1 I 'J

l:1111l1.: 1l1 1.: I.: lll Haxll.: l' (J ack 1 .1.: 1ll 1l 10 1l) (! I.: Ill ), (1 .1\ rd . l\.j l{·~ U \l 11 lI \ l.. o1 q,~.I.\ lk

trabalho, que se aprovt.: itam dek , I.: com;l moça por l lll elll \ 1.: .lp.li xOII:l. Por

vezes um iubplotpode ser fundamental para a visáo gl.: r:ll qll l.: SI.: I I.: n ta pro­

duzir. Em Eles Não USdmBldcl<-tie (Leon Hirszman, 1981), o p/OI princi­

p:l l é, evidenremente, o desenvolvimento do conn iro el1('re O távio, pai mi ­

litante, e Tiáo, o Fi lho pelego. M as o conflito secundúio, entre 8rául io, o

militante equilibrado, ligado à Igrej a e ao PC, e Sanrili, o militante radical

e inconseqi.it:nte, é fundamental para compor o retrato político da histó­

ria. Os plots paralelos abrem possibil idades não só de um leque maior de

variações, mas de contrapontos reflexivos entre os plnIS. Um célebre exem­

plo é o espelhamento entre patrões e empregados em A Regm do Jogo (L(/ Reg/e d" Jeu, Jean Renoir, 1939), que tem certa semelhança de desenho

com Sábado (Ugo C iorgetti, 1994) . Quanto aos Inultiplots, Robert Altman

é uma referência inesclpável: S/Jort Cuts orquesrra o desen volvimento de

vários plots, cada um com sua própria curva dram:Ítica; já em Cerimônia de CtlSdlllmto, de chega a dissolver a unidade dram:itica, com uma composi­

ção de cenas em mosaico que nem pode ser chamada de 1flu/tip/ot, tio tê­

nues são sua.~ linhas de desenvolvimemo.

Cada plol tem uma curva dramática , e orquestrá-las é rarer., do ro!ei­

rist,l. Lida r COlll vários plots, ao mesmo tempo em que amplia a base para

variações, aumenta os riscos de con fu são. É tarefa pa ra rote iristas expe­

rientes.

Pontos crucia is

De qualquer rorma, mesmo nesses casos mais complexos, a cu rva dra­

m:í.tica de cada um dos p/O!:;" onjetiva-se pela defi nição de uma sé rie de

"vari;iveis", de "pontO~" que - quando cons iderados e ponderados em

função dos esfo rços e dos objerivos mais profundos de um roteiro - ~er­

vem de ba liza par,l a construção de um a curva dramárica d i ciente.

,. ,. ,.

120

o ) Ponto do pOftidcl () ]lOI \I () dI.: P :U I id :1 11 :14 I dl.: vl.: .~c r con fUI lei ido com :I ), i t Ll ;I ~' :lÜ d r,un1 t i­

. 1 l' 11l .~I.: ll I.:s I;ldo ini ci;11. C on fo rm c di scutimos no capítul o 3, a silu :l\:áo

d l.llll:l lic l é lima idéia mais abstrata: é o conjunto de reb ções cnrrc os

pl"l"),o n;l gens, espécie de imagem ment;d que se forma no especLldor !'t

II ledilla que cle vai compree nd endo, duranre a apresenuçáo, o film e. De

ll llldl) bem prárico, é aquele resumo rápido que contamos a um arl1lgo

I[ ll e c hega atrasado ao c inema.

O pOnto de partida é mais empír ico: é o úngulo de abordagem csco­

IIlido para apresenta r ao espectador a situação dramática. Melhor t fm ­

jJossilJd (As Good as II Ce!s, James L. Brook.s , 1997) tem como situaç:10

llr. lm;íti ca inicial o isolamento entre um homem agressivo e solit:irio , seu

vizinho bonzinho e fr:ígil e um,1 garçonere completamente absorvida na

1IIIa pda saüde de seu filho - mulher pela qu,11 o excêntrico grosseiráo pa­

rece estar apaixo nado .

O ponto de partida é LIma série de caricatas agressões do proragon is-

1.1 . contra tudo e contra rodos. Um dtulo para esse pomo de partida po­

deria se r: "Um cna de ma l com o mundo" .

b) Ponto de clímax Podcríamwi chamá- lo, por simetria, de ponto de chegada. É o ponto

(Inde o conflito aringe seu grau m:íximo, e se resolve. A situa~'ão dramática

.lI inge Ulll estado de repouso (que pode ser até a morte de todos, como no

(11\1 de H(//}l/et).

É o momento ma is intenso de Ulll drama, em que todas as canas estão

11;[ mesa. É de gr<lllde \[til id,lde que,:\ certa altura do desenvolvimento do tra­

ha lho de escrita, esse ponto fique claro para o autor. Sendo o ;ípice do plot,

I() do.~ os demais elementos deverão té-lo como pa r,imerro. E não apenas

quanto ao que vai acontecer (como vai acabar rudo isso?), mas em rdação

~'I S emoç6es mobi lizadas pela narrativa. Quer dizer, nesse ponto concen­

Iram-se não apenas as resposta~ para o suspense da pergunra geral que sus­

lenta o p/ot - a "soluçáo do enigma"! em sentido amp lo: eles saem da caver­

na, João se casa com Maria etc. - , mas também estão nele adensadas as

intenções do autor.

121

11m nem pio, 110 IlH:lod ra 1l1;1 FOIn'sl (,'IIIII/' () ( tll/fdtl(//' til" lislórills

(Forresl CIf1ll/" Roben Zemeckis, 1994), () cl íma x :1(.t)I1H.:t.:e t]ll :lndo

Jenny, às porras da morre, diz que ama Forres t, coroando o sentido mo­

rai da vida, que ele celebra num m onólogo de imagens espetaculares de

sua vida (e de seu pais), declarando que "ela sempre esteve lá", Numa

tragédia como Apocalipse NOlV (Francis Ford Coppola, 1979), o clímax

está na morre ricualizida do Coronel Kurz, Numa coméd ia romântica

como Me/hor É Impossível, o clímax es tá na briga/declaração de amor

de M el vin (Jack Nicholson) e Carol (Hekn Hu m): da se desespera per­

gumando aos céus po rque não pode ter um namo rado normal, só pa ra

ouvir de sua mãe (deslocando comicamente a seriedade) que ISSO não

ex iste,

Em função desse momento de pico, a eco nom ia emociona] da na rra­

l'iva deve ser regulada, As v:u:iações da trajetória, a "resp iração" do fil me,

segundo o modelo dramáti co canônico, devem se suceder numa progres­

são co ntinua até o cl ímax .

Relacionados em termos de inte nsidade, é preciso acrescentar os pon­

tos de transformação, os famosos p/ot poiulS, nos quais a silllação d ramá­

lica se Iransforma de j lgum modo Fundamental, inaugurando um;l nova

bse da lurr:ltiva (poderíamos f··tla r de aros , em analogia com o tca lro),

Ideal ment e, esses p/OI points seriam pequenos d ímaccs que concentram as

tensóes de uma fase que se enCerra, A morte de Cabeleira, em Cidade de

Deus, é um exemplo, Um dos cuidados de "regulagem" do modelo é não

f1Ze r os pIor poinlS mais fortes do que o clímax.

c) Ponto sem retorno (desenlace ou cri se)

Para comple tar o modelo, é prec iso acrescentar ainda O "pOIHO sem

""·""dl "C -é I retorno, a crise ou esen ace . omo sugerem as expressoes, aque e

momemo no qual as questões em jogo ficam claras e objetivadas em ter­

mos de posicionamentos e ;lções a serem tom adas. Canoni camelHe, o clí­

max sucede imediatamente a crise ou o dese nlace,

Mas é preciso relativizar rodas essas afirmações normativas - e ain da

assim poderemos nos utilizar desses conce iros. cons iderando-os, como

fo i anunciado, n:io valores fixos, mas va rdvcis,

117

·lilll1eI110, ,I Il'g l.1 '1Ihn..: .1 ),11(.C), '.IO dc,c lll.H..c-l.. líl11.l X. i\ ld.III Vld .ld t'

.11'''.1 pn.: lcn:-' .I "1H:(.c),., idade" pode :-.cr E\cilrnell lc reflil.llb pel.1 knlhI.I IH •. 1

lI!- //fl lI//"I, peça 11:1 qual o protagonista, mu ito cedo, cheg.l :1 compl eclI

',lo do impasse e da necessidade trágica de m:llar o 1io usurpador. M.I\ ,I

I" kti v, I ~· ,lU, o clímax, só ocorred lia cella fi nal. Por q uê?

Um dos gl~llld es méri tos de Shakespeare qU:lI1 lO ao desellvo lvilll elll o

tll ,1I 11.Ít ico reside não Il:l agilidade, mas no rerardamemo d j ação, /·/flm"'1 é 11111 Ill :trcú de ra l imporrilncia que o crírico lirerário I-Iarold Bloom r:tI :t de

' 1 I I vell ~' 5.o do humano"44, referindo-se à força de uma visão do que seja a

Ill lH liçflo humana, plasmada na Forma da obra . Não há exemplo In:t is

,1\ .Ih:tdo para a idéia ccnrral - a que temos rerornado periodicamellte ­

d,1 torma narrativa como um modo de enca rar a vida, Essa grande arte de

' h.d-:espe<lre apóia-se numa curva dramática que não está obcecada por al­

I;UIlla pretensa "lei de progressão", O dramaturgo cria a form;1 de progrc. .. -

\,1" ln:lis adequada h visão que busca criar. Hamlet não "age", ou melhor.

<ldi,1 .1 :Ição através de ci rcunvoluções verbais em torno de sua necessidade.

t' lt' Il;lO é, de mod o algu m, um personagem fraco, Apenas adia o desfecho

dtO LHmax para contemplar, com carne, sangue e palavras, o abismo entre o

pr ll\.II11cnto e O ato. Hamlet encena a modernidade, a suspeita da exist"ên-

11,1 di.: algu ma "necessidade".

Ohviamente, isso tudo não vem apenas da di srância entre desenlace e

I 111 11.1x. Para scr Shakespeare é preciso escreve r como Shakespeare. A ca r-

1It' l· o .~:tngue das cenas têm de brilhar, Mas como condição necessária,

IIlld.1 qu e n30 su ficiente , h:í lima curva dramát.ica tremendamente ade­

!I".HI,I :IOS propósitos da obra.

N:hl l'xisrem regras de ouro. Quer dizer, você terá de "descobrir" O de­

.1 111." da curva d ramá li ca de sua história, o que talve". seja O oposro de

, 11 .lr .dj-;o ünico" (corno visto no capíru lo 2) . Pode parecer co ntradição

I II .U' l·x i ~ rclll regras, mas podemos, e talvez devamos, copiar as obras dos

" 11 1 H I ~··) . mas 1130 é, Isso, se entendermos as regras - no caso em questão ,

I< I ·, I. I ~ dL" ül111 posição da curva dramáricl - como maneiras parriculares de,

I 111 1(' \' .íri : I .~ possibilid:ldes, ronl;lr 11m:. estrurura e transformá-la, so::gundo

I I " ~\ . I ~ II L"Lessidades. Se Sh;tkespc:!n: f:1".ia isso, nós l":ulI bém podemos, No

1\\'1111'111 Lil:. do IH' illkio de' te capílldn (Amssl/do, de Cod:HtI), :Icolllcce

(.')( .11. 1111(.'111 1.: t \~ I) . J':)( i\ICllI p'h\i hil id.tde\ de .l ptl lllJl ,I\. it. (' ~ ltl lVtI ,. hl Ill t'II1)\

p,ll"I)diLa:.. Um hlltll C)(CJlI pio ~ a i IIld igcme (,OIlI IX)\ IVI) d,1 l UI V.I d r,III LÍ I i

ca no recenle GllIIgues di' Nmla }'Ól'k (Gilllgs o/Ne/lJ }'Ôr,(', M.t rl i Il Scor:.csc.

2002), que Marcos Soa res (num excelente artigo da rev ista Rep0l'/agem. de

março de 2003) assim analisa :

"Quando vilão c mocinho, dois fanáticos obcecados por aquilo que

têm de diferente, se confronram pela última vez - ambos laClbamJ aniqui ­

lados por forças que eSI:lO além de seu controle [o duelo fiual é ''nh'ope/ado'' pOI' um bombardeio ft cid/Ide, em I'epressão a retlOltas de NlIlSSll, alheill n/ma pfll'ficu/aJ' dos pl'oltlgonisttlS] -, a resolução da vinganç;l parece banal e rem

sabor de esvaziamen ro. A Cllrv:! dramárica que até enliÍo se delineara parece pend er no vazio. "4~

d) Pontos de identificação e de coment?rio

Ames de encerr;lr e~ rc passeio pelos "pOl1tos" da curva dram:írica . deve­

mos ainda f.lzer referência - com o mesmo es píril'O de rebrivização das re­

gras - aos "pontos de idcnl ifl.clç~o" . São aquelcs momemos em que o es·

peceador deve assum ir a posição de um personagem. No caso do cinema

cI:issico, a idcnrific:lção é um objetivo geral de roda :l obra, lllas ex istem

pontos especi ficamente planejados para induzi r mais forremenre essa moti- .

vação. Em O Resg/I/t' do Soldlldo RY(1Jl (Stwing PriM/e R)'all, SH.:ven Spiel­

berg, 1998), por exemplo, h:i uma cena, logo depois d;l mon e do primeiro

soldado da missão de resgate, na qual o ca pirjo Mi ller (Tom Hanks), à luz

das velas de uma igreja scm idesrruída, manifesta pela primeira vez suas (h'l­

vidas sobre o senl ido d:lq uel:l missão. A essa al tura do fil me, o capitiío fá foi

caraclerizado co mo um herói , ma.~ nesse instante de düvida e desam paro

ele se rorn:l "o nosso herói". Em Cidllde de Deus, a curva dr:ll11:triCl da pri ­

meira pane do filme está organ il.:t(b em to rno da trajetória de CaLdeira,

mas somos "seduzidos" pelo nubndro C]Lundo el e se apaixona, à primeira

vista, pO I' l3eren ice, em plena correria de fuga da polícia.

Pelo faro de a identificação não ser o objetivo üniw, nem:l ün ica manei­

ra de malHeI' a :ltenção do püblico, podemos modificaI' (e am pl iar) essa idéia

d " d 'd .(' ~" I " d 1 . " " e ponto e I en nnClç:10 para a go como pomo e cometl t .. no , OU POII-

to de afirmaçiío de um pomo de vista". Em vez de identificaç.10, pode ser o

124

(,1\ (\ de Ul II 1111 )1. lt' lllll 1011e , h.l\e.l do III l1n nlh.1I in'\lliu\ ~(lh te I) pe l ~ I)fI .1

1~(' l l \. b\ 1 SI' j\ 11'1/ JI/,llr/ilIJII'JI/() /';""$11', 11.1 11 II1 11 li 11 111.:1 tio dc ident i IiCII" IU na

..lx· rlu!'.l. qu.mdo .. IU Vt:1' 1\.1':< ICI' :11'1'11111,1 1' a !\ujcir.1 do ült imo ocupante de

\Cll apa n amcnto. compan ilh :lIl1us :l sua dor. Mas mais ad ianle, quando

Itlxln é promovido. h:í Ulll momcmo em que ele quer impressionar a

tlloça por quem l"Sd interessado, c tenra fazê-lo f.1. lando de seu "chapéu­

l OCO" como prova de SllCesso. É patético. Olhamos para ele com um sorriso

trônico. Um olhar distanciado como esse pode ser mais radical numa cena

11.l ncameme digre~siva, que comenta a hisrória: o genial O Bandido dll Ltlz

11'mudhll é tão cheio de comentários ("um gênio ou uma besta?") que aca­

h,1I11 sendo eles, mais do que as ações do bandido, que co nstiruem o fio

pri nci pal do filme. Mas O comendrio digressivo pode ser mais discrero,

Il1:1 is "encaixado" na narrariva. Em Smllll/} (' Rosil' (SIIIIIW) tl!ul Rosie CC!

!-fúd, SteRhen Frears, 1987), h:í UIlI mamemo brilhalHe, em que o pai de

Sammy - um político paq uista nês, respons:ível pela repressão em seu país,

que está em Londres visi tan do o fi lho - tem uma co nversa com um rapaz

pU1/k que ele co nhcce no metrô. A conversa comenta toda a represenração

da vid:l lond rina que aparece no filme. "Elis momemos "marcados" são im­

portantes para orienta r a perspectiva do especlador.

Essa recriação do co nceito de "ponto de idemif'icação" como "ponto

de afi rmação de um ponto de visl:l" permite-nos revisar também a idéia de

"cenas de rransiçiío" - aq uelas q ue não colabor.ull par.I a progr<.'ssão d ralll ~í­

t ica, o desenho da curva. J ~ co mentamos, no ca pítulo 3. como os recursos

tl ão-dram~ít icos podem as~ocia r-sc, rornando o d ra ma mais complexo.

Continuando a usar a mcdfora m:u em~ti ca. as poss ibilidades não-dra11l:íti­

GIS permitem ir da curva dr:un:ílic:l, bidi mens iona!, para lIllla função tridi­

Illensional. As cenas n:ío-d ralll~ricas niío servem apenas como "n'ansição",

mas rLlzem uma Olll'ra o rdem, Outra dilllcmão - épica ou lírica - da narra­

liva. Cham;lr, por exemplo, as muitas digressões do episódio "A coroa do

im perador" de "cenas de transição" é niío compreender o projero do filme

(sobre a idéia de "projew", ver capíl'ulo 1).

Por fim, como exemplo radic;ll de relativização do~ imperativos da cur­

va dramárica, podemos c itar os fi lmes scm clímax. C ineastas min imalistas

- como o japonês Yasuji ro Ozu c o francês Roben Bresson, além do j~ cira-

125

j

d, • j\ 111 i.1I i,," i 1., 11.: 11, 1 i I'II C!'! dC\!'!t: I iPi ' . ( l~ 1'111/1 "\1111 \.1\' p, .• II I .1111 1..· 111 C dt:!'!

o dp.,:., :l pOi,):. p;)ra ,Illl r:l~ COII :' ld e ["~ l çOe:.. N c:. ~o IIIIII C\. '1' li..' I (; Ll , :. .(tll :1 V:I­

riaç:ío e:l 1ll0dll 1aÇ:í U d:! emoção, a cu rva d[":lm ~ li '- .1 IClld<.: ~ lill <.::II·idaek .

Em nossos l erlllO~ "chupados" da ma tcll1:ítica, o valor eb s v:lI"i:íveis dramá­

ticas é cunstante .

Variações tona is

Até aqui ainda estamos pensando em termos um tanto estruturais, fa­lando de pontos e de linhas - mais curvas, Oll menos curvas - que passam

por esses pontos. Ainda niío estamos no movimenro "passo a passo" da nar­

rativa, no encadeamenro de cenas num fluxo qmt"Ínuo, q ue vai conduzin ­

do as reações intelectuais e emotivas do espectador como se fosse um rio.

Par:l rratar desse movimento, a idé ia de tom e variação mnal é ins­

piradora. De início, a metáfora music:l1 aguça o ouvido: é preciso "ouvir" o

arranjo que vai formando a escaleta, sentindo qua ndo lima cena está "uma

oi rava" acima, ou quando:l passagem de um tom:l o tlno est:t abrupt:l de­

mais. Corno na müsica, podemos dizer que uma narrativa rem U Ill tom

predom inan te - e o ponto de p:lrtida, do qual faLív:lmos acim<l, "d:í o

tom", a escala denrro da qual o filme vai se desenvolver (ou sej:l, uma linha

mestra de acordo com a qual as variações serão feiras).

As "escalas" tonais de uma narrativa têm base emocional, sáo uma Sll­

cessa0 de estados emocionais sugeridos ao espectador. Urna cena podc ser

boa em si, mas estar fora de com, "desafinando" com o resto, destoando

do todo. Imagine se, de repente, hOllvesse urna cena farsesca em O Resga­

te do Soldado R)'illl .. . Teríarnos a sensação de "fora do tom". O hviame nte,

não nos referimos aqu i <lOS filmes francamenre pa ródicos, haseados em

colagens, eomo tantos de Godard, que escancaram a descontinuidade de

suas justaposições.

Nos fi lmes de narrativa mais contínua, a var iação se ma ntém, entáo,

dencro de certos lim ites, e uma das artes da escr ita do roteiro é produzir

essa va riação de modo surpreendente e ao mesmo tempo concatenado.

126

( h ·' pOI UO'" qU i..' dn t.l(;. lIntlS .l i... i 11 1.1 ~ .IO " 11 0 1:1.<; ii.n es" ... I:'! tl arr: l1i v:t.

LJ ,ll.1 primei r.1 i... .1I1:- ider. lç;io sob re o fluxo das CC II;)S pode sc r ft: ira ;1 p:lnir

lkk s, pClls:mdo cm CCII :1S de prep:lraç:'í o e nas p:IlL~as .

Vejamos como a ;tberrl.lra de Melhor é~ Impossível é composta de uma va­

r;:I(;ão tonal crucial. O ponto de partida é a agressivi dade caricara de Melvin .

M:l is der;llhadamenre, a cena de abertura é a de Me!vin jogando Verde! (o

c:ichorro) na lixeira. Um homem discu tindo co m um cachorro : já está dado

11 tom ca ricaru r<ll. A pa rtir daí há LIma série de cenas curtas que desenvolve­

rão o tema de apresentação de Melvin: ele ofende seu vizinhogay; ofende o

. I!/(//"chand do vizinho, um negro; ofende fregueses judeus de lima lancho ne­

IC. Mostra-se não só um illdi vidualisra radical politicamente incorreto, mas

lambém um maníaco que só usa luvas l' sabonetes llIna vez; verifica a rr:1I1Cl

cinco ve:t.es; e, lima vez 11:1 rua, não permite que ninguém encoste nele, ca­

minhando sem pisar em linhas, traços, irnperfeições. Há , ainda, amalgama­

do a es,~e vetor do maníaco exilado demro do cotidiano, dS inrorm:lções de

caracterização: Melvin é um escriror de rom:H1ces de amor (tipo Satrina ou

jlÍ!ifl); Simon é artista plástico, gente boa, mas um rallt"O ridículo em sua

exagerad:l e delicada fragilidade. Essas informações são passadas dentro do

"clima" de humor irônico criado em torno do grotesco.

Toda esse abertura, feita de grosseri;ls e impropérios divertidos (já que

ca ri cHos), est;Í "regulada", calculada em função de um "ponto de jdent ifi ­

cação" que marca seu final com a apresenr:lç:ío de Carol (Hclen Hum).

Quando a metralhadora gi ratória de agressões de Melvill atinge o fil ho de

Carol, o tom do fi lme m ll<.b rad icalmente. Ela nao permite que o filho se

torne mais uma vítima caricatural (a "bich inha", o "negáo" arrivista) do

carrasco caricato: reage em to m sér io e direto. Não apenas se destaca como

um ser humano entre figu.ras de urna charge , mas também Mel vin, humi ­

II1:1do, revela-se um pobre coitado maluco. Reconhecemos, em ambos, nós

mesmos. Esse ponto de identificação se estenderá du rante a próxima cena,

quando Carol recebe em casa um potencial namorado, que, em to m menor,

tem um comporta mento de amante também algo caricatural - de despen­

ca diante do choque de realidade que é o filho doente de sua dtlte.

Em termos de cu rva dram,írica, no sentido fo rte da palavra, o que te­

mos aqui é até tênue. Quanto aos passos da evolução da histór ia, o que

127

·IUIIII { 'U ' II fll! pOll tO: Ih pe l ~ nll.l ~e ll ~ ! () I .11l1 oIPI \\l tll ,l d 'I \. f'vldv ln hli goll

í. \\l11 Indu IHI III ,JO . c M) C,unl fu i L. lp.I'I. de IC.lg 11 .) . .11111 .1 .Ikh. d .... IIH)(.Il l

' lIp<:1 iol. "'·1.1 \.1 rn .lllipuI.IÇ"lo do 10111 em torno d .l~ , I ~()<:' é Ill.ll-!,i\l ral, 11'1.'­

Ilu:nd ,ItHClll C podem~a . Nossas emoções em rdaç;lo :IO~ penon;lgcns cs·

1.10 /i x.ld,.,: SilllOIl é f"dgi l c imporenre; Melvin é di gno de riso e pcna ;

C. lrol é lima grande mu lher, que enfrenta seus problemas de freme.

N:IO sahclllos como foi o processo de criaçáo dessa abenu ra de AII'­lI)(Ir h~ ImpossílJt'l, mas é muiw provável que tal movimento - que sa i de

11111 POIHO de p:lrt'ida (homem discute com cachorro), desenvolve-sc

(hnmem repele agress iva e caricaruralmeme a tlIdo e a (Ddos), choc:1·sc

Lom a reaç:io de lima mulher alt-iva, que se revela também so lirária - , en­

(Im, é prov<Ível que tudo i .~so , em seus sutis ajmtes, tenha chegado a sua

forma acabada depois de muitos tratamentos, à medida que a redação de

0111 t'as pan es do roreiro ia se aprofundando. Um rOl'e iro Ido é uma pare­

ti l: tllJ e se consrrói colocando, de urna vez pOl: todas, lijolos, da base ao

le IO. Ele se p:1rece mais com um quadro, que vai sendo pilHado, repin.

udo e rcpinrado.

a) Pausas e preparações

Há algumas "dic:1s" sobre mudanças de 10m, mas é pouco o que se

pode idenri ficar como regula ridade, já que cada desenvol" illletHo illlpli­

t.:ad um conjunto próp rio de relações ctHre rons. Podemos dizer que.

o.:omo na aHe de cO lH a!" piadas, é preciso rer um mOlllenfO de p:lUsa, de

respiro , depois de um momenlO ilHens:u llcntc cômico, para C]lJC o pllbli -

0..:0 ... e recupe re e rerorne da imensidade com UIlU boa d isposição, leve­

lll elH e so rridente, para o que vid. O mesmo pode ser diro de qualquer

momento de emoção ilncllsa, de tri~tcza ou alegria: é preciso "dar um

tempo" (um rem pinho, um;\ paradinha para respirar) logo a seguir.

De modo ge ral, o que se pode dizer sobre preparações é menos pe·

n: mptório. 'là da :1 apresentação de Melvin, que anrecede a reação de

Carol. <.:m Melhor É ImpossÍI,el, é uma preparação. É claro LJlI(;, num bom

roteiro, quase rudo que antecede uma cena é, de cerro modo , sua prepara­

,,·:io. Mas lalvez se pOSS;\ dizer, como "dica", que é boa politica orientar os

" traramenros", ou revisões do rOl eiro, que visem afinar preparações, pro·

128

(('(kl ldo de 1111 1([ 11 lello\ I'euivo. ()u \(·j.l, P,lll illdo di, pOI'I~1 qlH': qIJl:fe-

1110\ "prep:u'.l r", p(}d c lllo~ ir volt.l lldo e aillM,l lldo e1<:lI1cmos q ue ajudelll

,I 1I1I rod u1.i· lo e de~ I . ld- lo . NI) c.lpítlll o 1 U, sobre repdições, discutiremos

l l)11 1Ü pode ~er lí l il dispo r ao lungo do rotei ro elemenros (objetos , frases,

~l'\lOs) que se repetem, e podem, incl usive, ser mobi lizados em momen-

1o, fones. O cachorro de AI/elhor t Impossível é um bom exemplo, Mas cs­

\ .1\ preparações não precisam ser tão gerais, não precisam atraves.. .. ar o fi l­

me.: como um eixo constantemetHC rcromado, I-I;í também preparações

IHI nível mais imediato, de tom emocio na l, que é o que estamos po ndo

. l' lll foco no momemo. Em Os Melbores Anos de NossllJ Vidm (The SesI

Y,'tlr.i o[Our [;ves, William Wyler, 1946), h<Í urna seqüência na qual, ler­

Ininada a guerra, os I rés so ldados chega m it cidade de origem e cada um

vol ra para sua c;\sa. Um del es, o mais jovem, perdeu, na guerra, as máos,

que foram subsriruídas por ganchos Ill ecln icos. O rap3'l já roi apresenta­

do corno altivo; os colegas, de modo reservado, já apareceram manifes­

la ndo sua preocupação com ° choq ue do rCl'Orno - espec ialmente reme­

rosos quanto à reação de sua n:lInoracb. Mas aproxima-se o momento, c o

filme organiza arai preparaçrio imediata: a condução emocional aré a forte

cena em que o rapaz chega em casa, Ainda no avi:io, de - que se mostrara

.~empre corajoso e desassombrado com sua condi ção - acorda e, so litário e

preocupado. conrcmpb as nuvens. Vem, enrão, a chegada: primeiro o

trio, exci rado, vê e comema a cidade de cima: identifi cam os lugares, f,1 -

zem refe rências a suas vicias (o rapaz comenra, de passagem, sua aTUação

como jogado r no esdd io local). A cena seguinre, já num ráx i, é ani­

madíssima, com inugens da cid:lde passando dpidas como seus ddlogos.

Até que o rapaz propóe que. em vez de irem direto para casa, eles passem

no bar de um conhecido, para uma ülrirna bebedeira. É o código para a

mudança de rorn. O m:1 is velho diz que não. É hora de ir para casa. Há

uma passagem de tempo, e eles Clll'r:lm na rua do jovem soldado, já com o

si lêncio pesando. Por fim, o "\1"1"0 estaciona. A prep:lraç:io esl<Í. concluída:

o rapaz sai do carro c enrra em sua "cen:l da chegada".

b) Foco narrativo

As defi nições mais fll ndamenrais quanlO ao foco narrativo são ante­

rio res à fo rmatação da escal em, Quando se monta a situação d ramáti ca

129

(nu ), illl : I ~ ,OC), . CI11 \... I)," d e: 111 :11), de wt) pIOI) .1 't' l d l'\l' 11 Vol v ld ,l , e' l. lht:l cl...c­

se Il :'1I11hi10 gc ral. o lequc dc pcrso!l:lgc ns Crtll't.: 0 :- '-111 .li, 41 lu(.o II:n'l":t tivo

vai se mover. Quando se estabelece uma abol'ebgclll, 11111 to m gn al 0 11

grande categoria narra tiva (comédia, melodrama etc.), define-se a linh:t

geral em torno da qual ocorrerão as inflex6es no modo de apresentar as

ações. A apresentaçio inicial da situação e do seu modo de tratamento é, ao mesmo tempo, a demonstração do, digamos , dispositivo narrativo que

vai operar no fi lme. Quer dizer, junto com "o que" é apresentado, o apre­

sent<ldor (o narrador, seus poderes, limites e eS1'ilo) também se mostra.

Mas, no nível da escaleta, o que está em jogo são os ajustes finos de

foco narrativo, o jogo de salros entre u m personagem e Outro.

Quando CO!H:JnlOS uma história, natur:llmente adotamos algum po n­

ro de vista, e, inclusive, var iamos os pOntos de vista ao longo da narrativa.

Apesar d isso, é comulll nos roteiristas in icianres a adoçáo irrefler ida do

ponto de vista do protagonista . Essa pode ·:tté ser a melhor opçáo num

caso determinado, mas é p reciso manter sempre em mente que náo h,í

qualquer necessidade del<l. E nfl o precis<lmos la nçar mflo de exemplos­

manifesto, como Cidadão /(ane Oll Rashomoll (Ak ira Kurosawa, 1950) ­

que têm seu centro na relatividade da histó ria em funçáo do pOnto de

vi sta adorado - para tomarmos consciência <.1<1 importância do foco nar­

rativo. A Ism (L'rlpptit, Benrand TlVernier, 1995) é um exemplo comum e

d icUtico. Durante quase todo o (lIme, seguimos as aç6es de um bando de

delinqüentes juvenis que usam a beleza de uma d,lS moças do grupo p;l ra

atrair incautos, roubá-los e eventualmente até mat:í-los . Vivemos o dra­

ma desses jovens meio perdid os e inconseqüentes , mas delerrninados. Fi­

nalmente, bem no final do filme, eles são pegos, e o foco narrativo muda

para os po liciais . Assistimos a uma cena em que eles conversam sobre a

idiotice dos bandidinhos, que comeleram erros sobre etros, e foram facil ­

mente pegos. Toda a rebeldia que acompanhamos ao longo do fi lme se torna ridícula .

O jogo das variações de foco na rrativo deve estar organiz<ldo de modo a

construir a visão geral das questões tratadas em um filme. Num melodrama

no qual o protagonista é uma vítima, predominará o foco narrativo cen­

trado nele, para observarmos seu sofrimento. A5 eventuais mudanças de

130

I( 'U I p. II'.1 1)1> .llgj I/l', 'l' '' ln U III:I.' , j ~ qll e 11.10 é (,hj L: 1 ivu lI:1 11 :11'1":11 iV:1 p :1I"I icu­

I.ll'i ' ,: 11" as fll l\. 1' <-t1 1e produzclll o s(,li·illl cnlO da Vílilll :l, Illlliro menos da i

.1 1L: II Çiio :1 t.:SSL:S :l1llagulli s l'as :1 ponto de compreender sllas razões. Já numa

<.. nll1t:d ia, em que os conOitos sáo passíveis de so lução, o foco narrativo ten­

dc a variar, uma vez que é preciso cornpreender os vários lados para que

Ill11a conciliação seja possível .

É comum discuti rmos um roteiro em termos de controle de informa­

ções. De fa to , um roleiro é sempre urna ,ldministração do que se d iz e de

qll,mdo se di"/.. Mas não é só isso. Se fosse, uma narrativa seria similar à de­

monstração de um teo rema ou a um relatório científico . Uma narrativa é a

cons1'rução de uma visão em torno de alguma questão vital (se não for isso,

não tem interesse). É claro que sempre há aquele "suspense" getal em rela­

ção ao fim da his tór ia . Mas o mais importante é o modo como a história

chega a esse fim . A variação de foco narrativo deve compor um conjunto

de ângu lo.~ daquilo que está em questão. Isso deve ser fei ro de modo varia­

do, não apenas pa ra man ter aceso o interesse do espectador (c nflo enredi<í~

lo), nus de maneira a progredir na relação com a situação e com as ques­

tões nela envolvidas .

·Tomemos como exemplo a já discutida abertura de Melhor É Impossí­

vel, agora considerando a composição do jogo, da d inâmic<l de "s<lll"os"

do foco narrativo. Imaginemos uma apresentação paralela sobre o início do

dia de cada perso n<lgem, indo e vindo entre três linhas de ação: Simoo cor­

re no pa rque com Verdel, que pára para fizer xixi, enquanto ele <lproveira

para observar detalhes de coisas e pessoas; Carol "segura a onda" em casa ,

fazendo o café do filho hoa gente, que lhe pergunra sobre o encontro que

ela reI"<Í. à noire, enquanto tosse sem parar; em tom de paródia soturna,

Melvin veste-se com sua armadura de proteção contra o mundo, sa i de C<lsa

verificando tudo cinco vezes e vai pela rua com os seus "não me toques" .

Por fim, todos se encontram na lanchonete , pata o café da manhã. Melvin

exp ulsa Simon de "sua mesa", e então vem o momento de agressão e a

"espinafrada" de Carol .

É claro que não é a mesma história, mas é bem próxima, em suas in­

formações. O que está na base da diferença - com grande vantagem para

o roteiro de Mark Andrus e James L. Brooks - é a manipulação dos focos

13 1

11.11 I . III VO~, d l' 11 11 1.1 111 .11 H.' II.I li 11 <: V. I i .ll t lll d .1 1.1111' 1',,1 ' P,I\\.I ,:~' I I I d l' i 11101

IU . I ~. IO", N tllln~~ 1 1 exempl o h iptll ét ic..u. 0 ' lI ê, Pl· I\, )II .I!-1(· II \ W.d ICIII .IIII .

I. lIl·IIt!I) .1\ re. l t,-oc~ <.: nlo(; iOI1 .ll:, di) Plíblico t.llllhérn "p"I.U·" . No fi lmc, :.

I ll.llIi plll.l ~. I U do fiJCO 1I .lrr:l1i vo contribui para :1 compu.~ i çau de um fluxo

l' llhll ivo (j:í :11I :l lis:ldu c elogiado) muito mais efi caz. Pu r qu ê?

Em primeiro lug:lr, po rque preserva e concentra a força da apresenta·

~.IO de C a rol pa ra um grande momento. Este é o mamemo que rcgub

It ld .1 .1 a p rcse nt açflo. É pro v.ivd que gosdssemos de Caro/, se eb fosse

.1 p re:.c nlada como suge rimos ac ima. Mas ela não nos arrebataria como 110

li lme. Essa cOllrulldência da apresenração de Caro/, através do choque

violentu eom Melvin , é valor izada pelo domínio anterior at rib uído a d e.

I )c:.dc o in íc io do fi lme, o foco narr;lrivo está sobre d e, que :lrrasra a tudo

c .1 lod o~ que arravessam o seu caminho (a única exceçflo é o mamemo de

S illlün com O cachorro , mamemo secu ndário, ral qual o personage m). t. (,.01110 se Melvin tivesse rempo de adq uir ir velocidade, o que to rna a "por.

1.lda" de C arol mais illlpacrame.

J 1:\ um choque não apenas de personagens, mas de "mun dos", ou de

.H illldes perante o Inundo, que contamina toda a visiio da hisrória, P:lssa­

I1 lnS do mund o caricaro, onde vive Mclvi n, para o mund o realisra da casa

po br(', onde Ca rol cria o fi lho doente.

E,ssa conrra posição é fundamenta l no (j]me, que irá se desen volver aré

q Ile:1 ponte enrre as pessoas e seus "mundos" (o bIfPP! n ul na padaria) seja

possível. Se Melbor E Impossívelfosse um mdod r:lIna, estaríamos desde o

in ício co m C arol , lutando e sofrendo, e a agressâo de Mdvin se ria apenas

IIIll deralhe esquisiro em seu cotidia nn. As va riaçóes de foco estão , como

I;)i diro, organizadas em fun ção do projero , do imeresse que o roteirisra

te m 11;1 história. Variando o foco narrativo, o roreirista explora a hisróri a,

huscando ver - de modo a fazer o es pectador ver - o que ele anteviu.

c} Variações temporais {Flashbacks, sumá rios e des locamentos} As alreraçóes na ordem cronológica da hi stória são um recu rso pode­

roso da narrativa. Isso se tO rna eviden te nos casos de suspense mais

c tnõnicos, quando a cena do assassinato é contada em JIIfSbhIfCk, pelo de·

le tive a li pelo próprio assassino, no fina l do fi lme.

132

I ~.\ ,c \ 1I ' lll' ll\l' pode 1.111I h~ 1lI \C I LJ t ili ,. ldo 1111n l.I (:\ ..... ll. l me no r, ctn

peq ue l),t ' ~ Il \ pe l l ")(,' d .1 itlfo' · 't1 . I ~.tO , (,.0 1110 em Illf/p Fiuiol/ - 'fi.'wpo de

1IIIJléllritl (I 'u/p "'('tiol/, Q Ul: lllill ' Elr;ln t ino . 1994) . O exempl o de Ta­

I.lln ino , quc se cel eb rizo u po r suas manipulações narrativas, no s ajuda

,I percebcr como o "embara lhamenro" [e mporal das cenas pode ir além

do suspe nse si mples, criand o - pela hábi l suspensflo das marcas de indi ­

L.IÇ:'iO da passagem te mporal de cena a ce na - um interesse redobrado

11.1 narr:uiva, Ta lvez o exe mplo mais rad ica l de que se tenha notícia nes­

'I.: sentido sej a o bbirinro te mporal de O A no Passado l'1II IWllrienblfd

(L'AI/ I/ée De1'1liere /1 Mnrimbad, Abin Resna is, 1961), em que o despis­

t C rus passagens de rempo é t:lI que se !'Orna impossível qualquer orde­

nação do que é visto . T:1I'anrino não é tão radica l. Sua ordenação - :lS­

., im como acontece noutros filmes de qu ebra-cabeça temporal, como

AlIlnésia (Memento, C hisl0pher Nol:m, 2000), O EX!t'n"illfulor tio FIf­

IlIro (Th(' Ti'mú!I(uor, Ja m es C :lIllCrOn, 1984) e AI/tes rllf C/J/wa (!3efore

lhe RIf;'I, M ilcho Manch evski , 1996) - pode se r recomposta. É :lquele

tipo de filme do qua l saímos f:J zc ndo hipóteses sobre a ordenação "cor­

reta" dos tempos e só vamos do rmir dcpt)is de conve ncidos de ter mon­

tado satisfawriam enre o qu cb ra-ca beça, No fundo , esses film es que­

bram ca beças, mas não :l narra riva clássica: é po.~s ível recompô-los, c

eles s:'io calculados pa ra isso.

Esse c:ílculo do "cmbaral h:unenro temporal" - uma das dimensões do

Irabalho de estrlllllf:IÇ:'io d a escal ei :! - não preci.~;1 ser do ,ipn "p ::l.~Sal em ­

po" . Em mu itos casos, a manipulação é evidente, e imediatamente com­

preens ível , se ndo motivad a por alguma detcrminaçâo dram;Ítica: uma re­

ve lação, em geral. Um exe mplo m ui LQ eficienre é a decisão, em Cidade de Dem, de "guardar" a infonnação de que O adinho é o assassino d o motel

para o mamemo em que ele invade a boca dos Apês, tornando-se Zé Pe­

queno (veja lima an:ílise d et:alhada dess;t seq üência no próximo c3píru lo).

Esse ocslocamclHo temporal da cena não apenas reforça o impacto emo­

cional do "surgimento de Z é Pequeno" co mo preserva o eq uilíbrio do de­

senvolvimento da p ri me ira parte do filme. Se soubéssemos do que

Dadinho era capaz já na primeira parte, teríamos nossa atenção des­

locada de Cabeleira e do Trio Te rnura pa ra o terrível moleque. Oll seja,

mesmo q ue não estejamos tentando faze r jogos de espelhos temporais,

133

~ .. IIIO ' 1.11'.lIl li llll & (. i,l " 1>(.' 111 1'1<; v.d l.:.1 pen .• P~' l t\ UlII I" ~I' II ,HI <:x i ~ ( <: 1ll .Ir

I .111 j\l \ I ~ nlJKlI .dl> "p 11'; pnl C I1 C i ~11 i'l.alll no~~n (,111 V. I ti I .111 LI 11 1..1.

11 :1 .l illd ~ 1 CHilroS dois l ipus b:ísicos de 111 :lIlipllh~. lo (' lllpor;11 que po­

...1 <.' 111 ~çr prc v i ~ t os c aj l l.~l;1do.~ no conjunro (1:1 esc;.kla: os Sllrn;Í rios e os

flt'Jhblld..'S di gress ivos. Os Sllm:irios são aqueles "clips" de passagem de tem­

po. rCilllS cnm mnn!":lgern e música, Nos estudos literários, essa é uma

dicntmn i:1 b:hica: CC1US x slIm;Írios - ou seja, ,I representação do tempo

hu ~...:alldo a mimcse de nosso "tempo real " (u nidade espacial e temporal,

di:'ílogos din.:tos) c a representação do tempo de modo concentrado (em li­

Ic r;1 ll1 ra. passagens usando flexão verbal: em cinema , uso de montagem

M': 1ll co ntinuidade). Num dos tópicos do capítulo 7, comenta remos a es­

pc.:ci ll cidade ci nematográfica desse recurso - que é revebdora da especi­

/ic ida(k da escrita para o cinema. N este jllOmento, concentrados que

el> [ ~lInos lia escaleta, apenas sugerimos que já se pode (e deve) prever nela

(jl.l:llldo um momento de sumário será interpo lado na narrat iva.

Q uanto ao j1tlShback digressivo, é aquele momento que não serve para a

progressão dram,itica, mas como comentário, contraponto, à história . Em

I:;cr:11 ;Issume a ro rrna de um;llembrança de um personagem ("isso me lem­

li r: l. .. "), ajudando, então, na sua caracte ri zação. Isso é comum na narrativa

nral. baseada em "causos" . Citemos um exemplo. Numa entrevista rCCC llte,

I.I IlU Duarte narrava cenas do início de sua carrei ra no r,idio . Num dado

I!lUmento , imerrompeu a narrativa e abriu parênteses para contar uma

ce n:l bem anterior, de sua infâ ncia na roça, onde seu pai , único propriedrio

de um rádio na região, criara um ritua l em fOrno do apa rel ho: vestia-se de

casaca , empertigado, e sentava-se junto ao rád io, próximo ,) janela, para

escllcí-lo bem baixinho. Os vizinhos vinham assistir ao homem escutando

() roidio, mesmo sem poder ouvir. "Meu pai sabia q ue quem detém a infor-

111:lção detém o poder", arrematou Lima D uarte. A cena , alé m de ó tima, dá

Ilnidade à história da vida do narrador e ;li nda comenta, de /-orma subja­

u:me, a instalação dos meios de comunicação de massa no Bras il.

• • •

Nllv.!11 l e i I 1 e Il' pCI i IIIH.\: ;1\ U )Il l> id e l.l ~ \ )C~ .1"11 1 i lei (.IS ~. I(l .1 h:-.[ ra çoes ti ue

POdClI1 orie lll,1I" .1 :1I1.Íli.\e de uma n'llTali v. 1. r:lcilitando :1 pu"Ct::pção de

se uS pUI 11 US furt e., c fracos e aju(bndo nu trahalho de aprimoramenro .

0 11 se ja, n:io .~e t rata de U1I1 manual de instruções (do tipo "corno montar

,\ t:II própr io c1íll\ôlX") .

C urva dramática, dímax, pontos de ident ificação e comendrios são

elemenros que as narrativas (como a história contada por Lima Duarte)

têm na tu ralmente - ainda que de forma muito variada . O que remamos

:lCllli é torn,í-Ias conscientes, para que o roteirista possa mani puLí-las mais

r:lcil rnente. Voltamos ao nosso "mantra"· antes de tudo, escreva sem

peias, confie na Força. Depois analise e reescreva,

Exemplo de aná lise: Escaleta de "Uólace e João Vitor" , um progra ma da série Cidade dos Homens

UÓLACE E JOÃO VITOR (ESCALETA)

SEQÜÊNCIA I: O Rio de Janei ro continua.

CENA 01- VISTA DO RIO - EXT - DIA

As vozes de U6LACE (Laranj inha) e JOÃO VITO R aprese ntam,

paralelamente, o Rio de Janei ro a parrir de cada uma de Sll;lS perspectivas,

SEQÜÊNCIA 11: Alvorada no morro e no asfalto

CENA 02 - BARRACO DE UÓLACE - INT - DIA

Sonho de Uólace. Paran6ia de que está se ndo persegu ido por trafi­

cante.

135

CI'NII UJ IIlI lutllCO DE LJÚ I.ACI· IN I I )lA

UÚ1. ILl' ,1I. ord,. (: v,1i d C!'>l.. rcvt: l1do . \'01 tif), ~l' 1I l .IIIiI. ,I!HI . l' llIl l ue lhe

I..h .• ludo, I lIdlL \iVl.' ,\ mãe, que Vi:ljOll. "&CUI,t.1 VOI (JU~l.l mal! proibin­

do) que ele pCÇ:l d in hei ro n:l rua.

CENA (lI, - APARTAMENTO DEJOÃO VITOR - INT - DIA

E. /C IHJU o para ldo com a cena anterior, JV narra em ()ff'O seu acordar.

A pre:,c lI' a o local onde mora (a panarm:nto próximo à fIVela) c sua reb­

\,1(1 t; tJm :l mãe, que espe ra dele um futu ro brilhante. Reclama do pão

l011l Imlllciga.

CENA 05 - BOTECO - INT - DIA .

Uô Lt cc reclama do pão com mante iga que um homem lhe pagou.

QlLer hambürguer (como JV na seqüência anter io r) . Ace ita o pão e

,I!!-r.ldccc.

SEQÜÊNCIA 11 1: O, fi éis escudeiro, ,ão apresentados

CENA 06 - ESCOLA DE JOÃO VITOR - INT - DIA

Em of],' JV apresenta seu melhor am igo, Zé Luis. Apn:scnra r:lmbérn

UIIII"O colega, Lucas. Dc~crcvc valores a partir dos amigos. "O Lucas não

prt:cisa torcer por um futuro glorioso, po is é pod re de rico."

CENA 07 - RUA - EXT - DIA

Uólacc, em ojJ, apresenta seu melho r amigo, Acerola, c um colega,

I )uplex. Esre o ensina a exrorquir din heiro dos transeuntes. Ouve 110va-

111t:l1te a voz ofIde sua mãe reprimindo-o. Po r rim, não tem sucesso na ex ­

I()t'~ão. Os dois grupos (os dois g:lroros de d;]s~e médiil e os três da favela)

l·IH.:o ntra m-se e encaram-se. Em oJj; Acerola e Zé Luís trocam insul tos.

(inrervalo)

SEQÜ NClA IV: M li , vale um tênis 110 p

CENA OB - APARTAMENTO DE JV - INT - DIA

JV c Sll :l n;laç5.t) com a mãe. O cl rinho que tem por da e os ruídos de

Icb ciol1;llllelHo, paurados pela ex pectativa dda sobre o futuro do Fi lh o.

" 1 '~s per;llIlll furu ro glorioso."

CENA 09 - RUA - EXT - DIA

Acerola faz malabares para ganha r um ['rocado. Em oJf Uólace co­

menta . Os dois comem pina. O link enrre as cenas de JV e Uólace é o

;1I1I'lI1cio de têni s.

CENA 10 - LOJA DE TÊNIS - INT - DIA

Acerola e Uó b ce experimentam tênis em uma loja. JV também entra

para ver se compr;'! um. Vê-se a diferença de tratamento dado pela ven­

dedora ao consumidor em pOl'enc ial UV) c aos Il'ombadinhas em poren­

cial (Acerola e Lar;l1l jinha) . Po r flm , nenhum dos garotos comp ra.

SEQÜÊNCIA V: Pois, só tem uns

CENA I I - CLU BE - EXT - D IA

JV em off'cxplic;l a relação com o pai c o hiMó ri co de ;lllsência. Com­

p;lra com o amigo Zé Luís, que tem os mesmos problemas bm ili;lfes.

Joga tên is com o pai, am es ausent<.~. e se neg:\ a receber presente dele.

CENA 12 - RUA - EXT - DIA

Uólace vê seu provável pai num boteco. Apresema a situação de düvi ­

da sobre a pale rn idade. Relaciona-se, consn angedoramel1te. Também

seJ1[e fa lta da figura paterna.

. . . 137

[QÜ~NClA VI: Monoy!

CENA I j RUA EXT - DIA

l Já I.1 U.: cx pli L.l em oj/ a co nta bilidade J c 1>CII (.O!idiallo. Qual llo

111,11.lh,ll"l.:\ d e pn.:ci.\;t f.TI.C r pa ra comprar um hambúrguer.

CENA 14 - CLUBE - EXT - DIA

J V cx pli~a em ojr .. ua cOlltabil idade, de acordo com as horas de traba­

lho da m fle.

SEQÜÊNCIA VII : O rap do tênis

CENA 15 - LOJA DE TtNIS - EXT - DiA

O I> , .. eis (Uólacc , seu amigo Acerola e seu colega Duplex; ) V, seu ,un i·

~() /..: Luís c seu colega Lucas) encontram-se em freme à vi trina do lal rê­

Ili , i" IP( )rlado. Situação côm ica: Uólace e Acerola (voz offdc Uólacc) fi cam

(.1'111 medo dos garotos ricos, pois pensam que eles estão co m guarda-cos-

1.1 \. Enq uamo João Vitor e Zé Luís, também urili7.ando a voz ojJ, rêm Jlll'(lo

dm g,trotoS pobres, pensa ndo que os rapazes mais velhos que estão próxi­

mo::. (os mesmos de quem Uólaçe e Acerola têm medo) são bandidos dan­

do coht:r1ura aos menores. O s qU:ltro (Uó bce & Acem b e João VilO l" &

Z{: I ,ufs) saem correndo no mesmo momento.

CENA 16 - CLIPE

( :Iipe em monragem paralela entre Uólace e João Vitor, qu e camam

\l 1.1 ~ l li~(6rias enquanro imagens c1ipadas fazem referênc ias.

(illl erva lo)

• • •

UH

SEQÜ~N IA VIII : Os "outros" em d bole

CEN A 17 - RUA - EXTERIO R - D IA

JV e Zé Lu ís p:l ram de corrcr c comclHam a ação da ce na an terio r.

V.IO para a casa dc J V.

CENA t 8 - RUA - EXTERIOR - DIA

Uóbce e Acerola param de co rrer c comentam a ação da seqüência

.1I11e rior. Ace rola va i traba lhar na barraca de CDs e Uólace sai em busca

de um trocado .

SEQÜÊNCIA IX: Adeus aos escudeiros

CENA 19 - QUARTO DEJV - EXT - NOITE

Zé Lufs conta a JV q ue vai se Ill ud:ll" de cidade. JV fica deprimido ao

pensar no futuro sem o amigo. Voz off.

CENA 20 - RUA - EXT - NOITE

Uó b ce obscrv:l Acel"Ola rr;lba lhandu na ba rraca de CDs. Sente que

vai pe rder o amigo. Fica deprim ido. Lig:l pa ra a mãe, que n;io lhe dá mui­

ta :ltcnção. Sai pela rua:1 ped ir dinheiro. Voz oJf

SEQÜÊNCIA X: Cara e coroa

CENA 2 1 - RUA/AI' DE JV - EXT - NOITE

Uólace vaga pela rua divaga ndo - voz ojf- sobre seu futuro. Debruça­

do à janela de seu qua rro, JV também divaga (voz offi sobre seu futuro.

Uólacc passa emba ixo da janda de JY. OS doi s se olham e suas na rrações se

sob repõem. Uólace segue seu cam inho, co m a voz offde JV canta ndo Le­

gião Urbana .

. .. ~

139

EXERCI 10

I ~c I{)V(J .sU(J ~'!sco lc rCl (vide exemplo), rno lccmdü m «;! 110S e seqüên

( 11 I', ( ' 1r1dlcondo .seus objetivos em cada uma dela s.

'.jn

Capítulo 7

RELAÇÕES INTERNAS A UMA SEQÜÊNCIA: RITMO

• Quol o princípio que dó unidade à seqüência?

• Há uma curvo dromático? Suo progressóo está bem aiustada?

• A seqüênc ia consegue defin ir um ritmo próprio?

• Ou o princípio que dó unidade à seqüência é nõo'

dramático (momento de paródia, rluxo subjetivo, suo mário explica tivo)'?

• Há cenos que podem ser fund idos numa só?

• Em caso de uso de sumários, eles võo além da "pas­

sagem de informação ropid inha~?

• É possível concentrar o narrativo, fazer mais el ipses?

• Há conexões interessantes nos cortes de entrada e

saído de cena? O olho (e o emoção) é conduzido,

no cmle, poro além da mera justaposição?

141

"Dodinho o caralho!"

!-l á, pelo menos, uma seqüência verdadeiramente anto lógica em Cid/I­dI' de Deus. Não h:í quem sa ia do Fi lme sem tcr soando na cabeça a frase:

"Oadinho o caralh o! M eu nome agora é Zé Pequeno, porra!" . C hego u a vi­

rar bordão e brincadeira entre o públ ico - sin:ll de grande inteligência c fe­

li cidade na admin isrraç50 dos recursos narrativos, j:í que a frase conccnt'r:l ,

em seu conteúdo c na violência de sua en unciação, o veror principal da

ação dr:un:\tica. ~Iodo esse sucesso narrativo ve m da organ ização da cal se·

qüênál antológica.

O ro rciriSl3 Bd ulio Ma ntov;l n i c o d ireror Fernando Meirelles Fize­

ram Lima proez;1 narra riva digna da csqu:ldri lha da fumaça: um rriplo loopillgem rorno de um mesmo mamemo, recheado de malaba rismos de

jlmhbdcks. A entl':lda fulminante de Zé Pequeno na boca dos Apês - ou

seja, no rdfico - é repet ida três vezes, e essa repetição costura uma série

de jlf/shbacks que comam a his tóri :l da boca (a pré- hisrória do rráfico na

C idade de Deus) e da rr:msfo rmação de Dadi nho em Zé Pequeno. A sín ~

tese de tempo e de informações é enorme: alé m do predom ínio dos SlI­

m:í.rios, 11:1 fragmentos de ce nas dcn rro de cada um (como ;1 morte de

Aristóteles); há acelerações de velocidade; há a cena ca rrada c retomad;l

três vezcs ... Um vcrdadeiro "chu te no pau da barraca" do classic ismo dra~

mári co, mui to - mas muito mesmo! - di stante dos pequenos clipes de

passagem de tempo do ci nema. m:tis bana.! (coisas do ripo "uma casa sen­

do consrruída" com musiqui nha e fusões cosf urando as elipses) .

143

~I , I ' IlId.) 1\'0 ' CI I.\ ,1Pl'1I,1' '\.tl ' 111 6iLt" ( p ,II ,III '., 11 1I 1I1 I(l llh) h C' I,tlllCn

11.' l OlrClll c) e 11 ,10 "c\létil.., '" ~ 111,,-1.1.1 PII)C'I.,1 II,LO jlll ll l\lI\ . I\\l', ILI\LlIlleIll C.

1'.11.1 lI.I V.1I 1l.1 ('o ll .':>c i ~nc i ;'l do.':> c.':>pceladorc.':>, (.0 111 1111),\ el\er~i" digna do

IlIOLI~Olli'l,t, :1 .':>e I1H,:nça bp i(b r: "Dadinho o car:ll ho! Mcu nome agora é

Zé l'eqllClto, porra!".

ÂII :disernos, e n[:1O, a seq üência.

Âllle$ ..11:: [udo, é prec iso cxpli car a es pec ifi cidadc da análise, já que no

l .lp íllllo alll erior, dedicado à escalem, já falávamos de seq üências. De

f , I I O, ,"cnda a seqüência um co njunto de cenas que se arti culam numa

.t~,1tI maior (um passo completO, digamos, na progressão na rrativa), ela já

, urge quando, na esca lela, p lanejamos os seg rnenros da narrativa, enllmc­

t.lIldo :IS cenas.

I':mrci';mro, ainda que o esforço de composição da cscnlera deva perse­

guir n maior precisão possível, lima consideração - digamos, "em dose" ­

de llma seqüência pode, e normalmente [raz, rea rranjos e deta lhamentos

que não estavam presemes na formatação básica &1 escaleta.

Em Da Cri({çiío a() ROleiro (I'. 214), Doe Comparam o ferece um

exemp lo simples do qu e eS fa mos Falando, quando ap rese n ta IIm:l esca­

](C la consrruída por seus a lunos a partir do argumclHo fornecido por

FULL ca ulr t'm EII, Piare Ri/Jiere, fI/U' degolei millha lIInl' , nÚlllJiI innr/ e

/!Im irlllno. Ele co melHa que a esca lera apresentada é fraca, apoma v:írios

problemas e diz que isso é nOl'lnaI 46• 'li·aLa-se de um insrr umelHo a ser

I r;lbalhado e retrabalhado. É d isso que se t rara aqu i: a escalera é 11m pia­

no ge ral em que as cenas estão agrupadas em atos, por sua vez com pos­

lO S d e seqüências. O que vamos filze r ncs[e ca pítulo é deral ha.r a aho r­

dage m da seqüênci a.

Em relação à nossa. "seqüência antológica", façamos 11 111 exercício de

illlagi nação e digamos qu e a idéia inic ial era a seguime:

1. Busca- Pé chega na boca de Neglli nho. pa ra comprar um baseado.

2 . Ncgu inho (ex-colega de Busca- Pé) convida-o a trabalhar para ele e,

IOdo prosa, coma como su biu na vida (conta a h istória da boca).

I~~

f. HIIJ·h1J/llk NC~IIII.ItO e, i,l Il.Ih.llh ,lIldn 11 ,/ hULI p.lr,1 Ce tlml l.l : ell

<lu ,UtlU ( t)Ilt.l1ll dinhe iro, Cellour,1 Ih..: di, "-llI e v,ti pa~s:l r a boca p,tr.1

d e c rcbt.1 I../lIltt) d e mesmo a reábeu de Crande. um cafetão q ue a ti ­

nha 1OIllado tk urna velha.

'Í . Bllsca-Pé fica olhando dinheiro, drogas e armas em cima da mesa, ell­

qU:UHO Ncguinho termina sua hisrória, mas é interrompido por bat'idas

na pona. ·Tensão. Neguinho abre e relaxa: "PÔ, Oadinho, como é que tu

chega assim na minha boca, rapá?"; "E quem re filiou que:l boca é \lia,

mané?". Pequeno afira no pé de Neguinho, que grita c xinga. "A próx ima é na boca do cx-Neguinho da boca". Risada.~. "Chispa, vai!" Neguinho e

Busca-Pé saem correndo. "0, Ô. E l U, aí? Quem é tu aí, testemllnha?"

Bené: "Ele é ir/não do Marreco. Falecido Marreco, Zé. Tâ lembr:ldo?" .

5. f1JlSbback : reto mada da cena em que M:l1'rcco d:í. um tapa em Dadi ­

nho, que o Illata. Busca-Pé entra narrando , comando que Dadinho

mawu seu irm ão c foi wm bém o respol1s:ívcl pdas mortes no mOle! ,

"como se soube tempos depois do crime" .

6 . Volta il eel1;1. lk né: "Deixa o pa rinh o ir, Zé" . " Vai aí, 1':110. E anuncia

que a boca agora é do Zé Peque no."

Fim do "contra-exercício". Vê-se aí uma proposta de escalei a que cum­

pre, basicamente, as mesma.~ funçõcs cxplicativas da seqüência efe[ iva, mas

de modo mui to menos convincente. Por que Basica menre, porque o uso

do narradur é muiw menos criativo, não servi ndo para co ncentrar roda ;\

carga da tnjerória no momento. Osjlashbllcks são rímidos. com cenas (c

não sll ll1.írios) mais explicativas que drall1âl'i cas, O qlle ti ra a to rça da ce na

de invasão pro priamente dita. Ainda que haja um ponto forre nesta se­

qüência inventada, o ri ro em Neguinho, a violência da surpresa. do SUSIO,

está a anos-luz da mobilização de toda a h istória de violência de Pequeno,

que Bráulio cons(."gue concent ra r na invasão. Bráulio lisa não um tiro , mas

uma "metralhadora narraI iva" para impactar o especrador.

145

1'\\1.' Irnp,IUtl t 11\ 1í..'1, <. l" i,l(lo pdo r 111 110 ,rI 'l i 1I , •• d., do\ /1'lJhIJlul..'J, '1" (' 111 11111..' 0 /,1111 ,I d .. id e i r ,1 de 1):.d i l1l1o ViLllId .. I. I h jl l l' IIU , No IH):-M) (1..011

l i,.) cxc rnpl() irll:lt; iJ I:ltivu, 16cI Irá nada p:ll'ecidn '-011/ t:\\t: ritmo, já <i'I C ,r

I d t' l id.1 I illlidc'l du UM) do n:II"I":1(lol" é acompanhada pur uma fidelid ade

(pohre) :10 t:.\pa~:o e ao tempo cênicos (o espaço e tempo contínuos niio

'.tll rompidus po r slltll:írios) . A tremenda superioridade da seqüência de

Ikl ll lio Ma ll lUvani vem, basicamente, de uma escrita es pecífi ca para o ci.

Il t' III :I, q ue pensa cm ter mos de câmcra e moncagem (visual e sonora) , C 11,10 :Ipcnas em It:rmos de cena teatral.

Ma .... essa "l iberraçáo cinematográfica" do roteirista é só o começo do

Ir.rh.ll ho. Estabdecido esse "paradigma", é preciso aprender a fazer elipses

d e modo rítmico e cosru rar essa "pu lsação" com elementos que ajudem

11.1 m:lIlutenção da coesão da seqii êu~ia. É preciso aprender a "compor",

I' t: n:eht:r c conrrolar o fluxo de emoções provocado.

Passemos, finalmcnre, à análise da seqüênci:1 do filme, que será feita

em dois momentos: num primeiro, vamos nos concentrar no movi mentO

~(: r. rI da seqüência, sem detalha r p roced i mentos; depois, retorna remo,~ ao

illício e focaremos os detalhes (mais ou menos como quem atenla pri.

IlIc iru para:1 mdodia e o ritmo ger:ll , e d epois cuida do :1tTanjo) .

o ) Movimento geral da seqüência

Busca-Pé co rre pelas vielas da Cidade de Deus em busca de um basea.

dI ) par:1 sua amad :l Angt': lica. Em oj]," c1e, como bom Jlla conheiro, se mo:;­

I r:l conhecedor do pedaço e da.~ manlws do [nífico.

Nem bem ele chega à boca de Neguinho, seu "ex·colega", como ele

110.'0 info rma, alguém bate na pon a. ' ,em.lo. Anna na mão, Neguinho

.Ihrc, e relaxa: "Pô, Dadillho; como é que tu chega ass im na minha boca,

lIl 'ê rm ão?"; "E quem cc hllou que a boca t': tua, rapá?".

Mergulho no jltlShbl/ck: Busca~ Pé nos resume a históri a da boca dos

.I\ pês, com seus f.1lHasmas surgi ndo e sumindo, conforme a narração.

Zé Pequeno repete a enrrada: "E quem te fu lou que a boca é tua,

r.l p:i?" : "Pó, Dadinho, qualé?"; "Dadinho o cl ralho! Meu nome agor:l é ,/,":' Pequeno, porra! ".

I t1ó

l i ll ~(.. 1 I ' ~ "" \ \.. 'lIld ll l em 111 .' ; \ IlIlI flIIShl/(uÁ', l.."IH .llldo "CIl1 li [IIIO de

,IVt· lIlur.l" .1 lri " ,')I'i.1 do b.Uldid.lo: /oi d e q Ul:rtl, nu mutd , " m atnll sua

\l'de de rn:II :H". [)l:pois dc.~sc rlll[ :d 1I~' : I c;lbro de in l c ia~~ii o, Oadin ho passa

\ 0 111 d esc llvolrUI':1 aus assalros com Bené e ao assassi nato do ex~pa rceiro

td .• lTcco. Dad inho cresce numa sucess:1o vertiginosa de assassinatos. Por

Ii"" du ranle sua festa de 18 anos, co nvoca Bené p:lra o grfllld fina/e de

\CII amadurecimento; um preto velho batiza~o como "Zé Pequeno" e ele

p.lrtl' para o massac re dos trafican tes da Cidade de Deus, com a to m:lda

de assalto das bocas . A de Negu inho é a última da série.

Tercei ra reperi ção da entrada dc Pequeno. Dcsra vez a cena se pro­

longa. Busca· Pé comen ta consigo mesmo sua cova rd ia em não rC lHar

villgar a monc do irmão. Pequeno quer "passa r" Negu inho, Illas Bené

intercede, e o ba ndidão d eixa bara l'O: dá só um riro na perna do ex·do·

110 da boca. Busca· Pé va i sa indo de fin inho , mas Zé Pequeno o ilHcrpe.

L .. Novamente Bcné salva a pátria: "Deixa ele, Zé, I~ irmão do Marre·

co ... Fi nado Marreco". Alegres risadas dos novos donos d o pedaço

l: llcerram a seqüênc ia.

bl Elipses e man ipulação do tempo

Como vi mos, a seqüência está constru ída em fjlllção da ação dramá·

tica (resumida na frase "meu nome agora é Zé Peq uell o") . Vej amos agor.1

como o pad r50 rítmico d :l seqüência fo i estabelec ido.

Em primei ro lugar, há :l "base" da narr:ll' iV:l de Busca· Pé. A narrariva

oral tem uma c lpacidade de síntese poderosa. Podemos dizer, tranqü ila·

mellle: "De tiro em tiro, Zé Peq ueno cresceu". O s ('('mpos verbais lll :lIl i·

pu lam o tempo com extrema hlcil idade. Assi m , a presença de li ma voz 01]' já acelera a.~ coisas. Mas, evidentemente, é preciso muito mais par:l que as

tais co isas se tOl'l1e m cincmal'Ograficameme inreressanres.

Uma seqüência, por defini ção, é uma unidade coswrada por elipses.

I? disso que se {rata: comrair o tempo - e de fo rma rínni ca, fuzendo~o va·

riar, flex ionando·o, fazendo o fi lme (e o espectador) respirar.

A narraç;lo de Busca·Pé é um álibi para detona r esse rrabalho fílmico

de d ipscs. Vejamos: Busca-Pé cone pelas vicias, es tá exci tado por sua

"moral" com Angélica, mas COllt'l'Ola seu comportamento. Qua ndo va i

147

chegando n :l h() U l. dimillll i () p : I .~!> () . Elll re. 1 U ' II,I d .1 (Oll l t !.( pc.:l (l !> bCl.(l ~

e a da che!;;ada à boca. ld um a elipse de I C l llp, l . U \\ III I.I(.l.1 p d.1 COlllinui

dad e da "corr id inha" e da narrativa. L i dClllm, c:I (;~ CS I .H) calmos. A bat i

da na porta os faz parar, l'ensos . A cnrrad:1 de Peq ucno os f:1Z relaxa r, só para preparar a nova tensão, várias "oitavas" acima: a passagem p:lra a

próxima cena (o sumário da boca), ao contrário da passagem alHerior.

não é suavizada, mas radical izada. A imagem de Pequeno é congelada c

sublinhada por uma nota aguda , marcando o início do fl/lsbb{(ck. O

tempo - a respiração - esd suspenso. Como na hora do pênalti, tudo

pira . A história da boca é contada nesse diapasão: uma série de fusões

faz os personagens da boca desFilarem como fanrasmas - fora do tempo.

portanfO - num ritmo comum e arrast:1do, desdramatizado . Entreramo,

uma das riquezas da narrativa do "fi lme é que, mesmo dentro deste pa­

drão fantasmagórico do sumário, Id variação: por mOlHentos, a voz de

I3usca-Pé se cala, e ouvimos, como que emergidas do nuxo do passado,

as vozes dos f·lIlrasmas. Incrustados no sumário esrão pequenos frag­

mentos de cena: Grande (Li ultimato a Cenou ra, Cenoura mata seu ami­

go Aris rótdes (nesses momentos, o '\ismógrato dramático" do especta­

dor - que mede o grau de envolvimento - registra uma pequena oscilação;

um suspiro).

Nova batida na porta. Revivemos o momenm, mas agora sem sus­

pense. A cena desenvolve-se aré o ponto anter ior e vai um pouco além:

"Meu nome agora é Zé Pequeno, porra!". Aqui está a manipulação tem­

poral mai.~ importante da seqüência: é uma frase tã o importante que o

tempo não apenas ~1<ira, mas dá voltas em torno dela (e vai haver ainda

mais uma repetiçao para sublinhar a frase) . Um letreiro ("A história de Zé

Pequeno") marca o in ício de uma nov;1 era.

O j!rISlJb{(ck recupera rapidamente a sicuação do motel (elipses dpi­

das enrre fragmcntos de cenas da fuga), pa ra então frear o tempo e nos

coloclr no ritmo da curtição, por Oadinho, do momento dos assassina­

tos. Os movimenros lentos, a tranq üilidade teliz e a risada marcante do

diabólico moleque aumentam o terror.

A voz de I3usca-Pé interfere para cosrurar a história: "O p roblema era

eles encontrarem um bicho solto ma ior que eles" . Retornamos ao mo-

14 8

III l' fl lll de M.III CLlI c. I \ 1.1 i:. 1I1H .1 VC/, 11.1 ho l l.1 d,) . ,, ~ . I ~ \i ll.l( U o !> llI1 d l';o tO I'

11.1 ~e o:.:c na. C cc na Ic nu, 11 0 rit mo d? o:.: lIr1 i, :lo do :lssa~s iIl O.

Cabe aqu i um :\ ohsc rv:lção: Id urna macroll1 anipubção do tempo,

IIt· \ ( C momento es pecfhco, com o retorn o ao Illotd c a Marreco, e a reve-

1,1\. lol.h viol êl1 ci:l de Oadinho. Se isso tivesse sido revelado na ordem cro­

lI o l(~g i cl. 110 ato 1, teríamos nossa atenção deslocada de Cabele ira para

I ).Idmho, o que não seria inte ressanfe. "Guardar" a violência do moleq ue

p.ILl o momento de sua "rormatura" como bandidão é muito funcional.

M:ls. d iga-se de passagem, essa é uma decisao típica de escale ta, e nio de

,tjuscc ilHcrno da seq üência. t, possível que lima decisão dessas surja

qmndo o roteirista esteja trabalhando numa seqüência específica . Mas,

ncs te caso, a decisão o remeted ao nível mais estrutu ral da escaleta. Terão

dI.; ser feitos ajustes gerais no conjunto da história . O importante é ter

!>cmpre em mente o conj unto das articulações. Um roteiro esd mais para

11111 ser vivo do que para uma parede.

Repetido duas vezes o momento de curt:iç50 do assassinato, essa sub­

jetividade j;í. n:lO precisa mais ser marcada: as mortes de Pequeno apare­

cem, enr:lo, como "hltos exrernos"; uma suce.~s:lo de fusões de rlros mor­

ta is, dados ils gargalhadas .

Segue-se uma cena d pida, 110 meio do sum:irio, com a festa de 18 anos

de Oadi nho. O momento serve de rcs piro, no qual se aproveita para dar

voz a Zé Pequeno, que se revela 11m "empres,irio de visão": é preciso passar

ao tráfico. A passagem dessa cena para o novo sum:irio, agora de m ortcs em

sucessão nas bocas, é marcada por um novo momento de "respiração

suspensa", com I3enê olhando meio perplexo para a am bição do amigo. As

mortes nas bocas recebem tratamento de aceleração, não por cones elí­pticos, mas pela aceleração literal da ação, entrccortada por mapas da t:lVe­

la, operação que exacerb<l o caníte r ép ico de um olha r que vê e narra de

fora, com controle das informações. Junto COI11. a voz de Busca-Pé, esse é um recurso p;Ha, ao mesmo tempo, mameI' o rirmo t:repida nte da ascensão

do facínora e dar um passo atrás. Nos di stanciamos da ação de Zé Pequeno

atT;lvés da identificação com o "olhar de fora" de Busca-Pé (mais precisa­

mente, esses mapas são um pomo de apo io para o espectador de classe mé­

dia, de fora, que se apóia na distância relativa de Busca-Pé ao crime) .

149

",)1 finl , pd.1 I efl.cil , I Vt:'/ IHI VillIO' ,I h,II Id ,1 11 ,1 Ihlll ,l, n pl'<. u: de ,i ll. ll ,HI

di livo p.lr.I.1 repeli .... lu da ce ll ;'! (:Igo r:l . d epll j, d.1 ," (.('11'.10. <.;Ilrtl o (oco 11.11

I.llivo em Zé l \xIl ICI1U): entramos n:l hoc:1 co m Zé c 1I :IU mais o cs per:uno:>

( Olll Nq;lIinJlO. Nessa "balida", acompanhamos o d esf~cho "em n:mpv

1(.:.11" (por assim dizer): o riro em Negu inho os peg:1 desprevenidos, dando

mil último "choque" no especrado r, antes de relaxá-lo com a imerpel:-tção fin :tI a Busca-Pé.

c) Flashbacks e sumá rios

A riq ueza dos fllIsbbllcks e sumários de Cidade d~ Dew nos possibil ir:t

lima reflcx:'io sobre :t especificidade c a im portância dcss:t forma da narra­

~;"iu ci nemarogr.i fi ca. O sumário, por-definição, opõe-se;\ cena. É a narração

t llH,; concentra, num CUrto mamemo narra tivo , um grande período de

Icmpo narrado. A oposição cena x suma rio exisre na lirerarura, e o que h~ 110S sumá rios lirerários é jus ramenre o que não pode ser lireralmenre es­

çr ilo num roteiro. Você não pode, em sã consciência. escrcver num rorei-

1'0: "Duranre mu ico tempo, cosrumava dcirar-me cedo" (frase inicial de

!;in Busca c/n Tempo Perdido, de Marcel Proust47), a não ser como uma fra~ :-.c dira por alguém. P:ll'a man ipula r o rempo em cinema, o roteiri.Ha rem

,Jc criar fo rmas que v;10 além da cscrira da cena. Ele precisa escrever cine­Ina tograficamenre.

O flmhbnck não implica, necessa riamente, esse tipo de manipulação

lcm poral. Claro que pode haver o c!;íssico "eu me lembro mu iro bem

da minha infân c ia na fazenda .. . ", nllísica, menina correndo por urna

l.;tl1lpina, E tudo continua denrro da cena" Mas há lima "afin idade" cn­

t rc o flnslJbnck e a escri ta para além da ce na. Num ep isód io da TV Pil'll-111 que fez história, sobre a morte de Barbosa, toda ho ra a imagem co­

I Il c\"aVa a oscilar, e o detetive pergunrava : "O que é isso, o que é isso?";

. I () que os personagens respond iam em coro: "f ojlfulJbllCk, porra!". A

pi :llb melaJingüística, inreligellte e eng raçada, como tantas da TV Pim~ '1/ c de outros programas do Ill'icleo Guel Arraes, tem um fundo, que

11 .1 0 é f.1 Iso, mas é sob re a construção (c desconsrrução) da falsidad e: o

//tulJbnck "denuncia" a presença de lima insdncia, de uma mediação

l' llIl'e o espectador e o q ue ele vê. O LISO do detetive na TV Pimtn tam ~

1 'lO

hém l· ".l e'IH' IIO , J.l l IIlC loi no ' jjlmc, II(J/I' d e dCIl:l ive jW.I.lIl1CIII C

.'q ucl e, l lllC "h.lg llll í,..U·.II11" :1\ regLI' do t incm:1 d.hsico , Ila pa.':>s:lgcm

lI,) .':> ;1Il0S ~ O p :II':1 os 5U - qlll': os/ltlS1J/H/cks lIlan.:aralll presença, em his~

i( 'u-ias confusas, obscuras, nas quais o espectador era n:rirado daquda

I)ll:-. içiio de o nisei'::ncia rr:ldicional.

Ou seja, qu ando h:í uma narração que se permite o f/tlSbbnck, ;1 :Ilre ra ~

....10 da convenção do presente contínuo, estamos a um passo de outras li­

herdades. Pense bem: se a marcação da passagem de rel11 po entre uma ce na

l" Ilurra se alrera em relação à sucessão remporal (Taranrino üra Oluiws e(ei ~

'loS da suspensão temporária dessas marcas de passagem de tempo), por que

não se poderia "brincar" também com as ma rcas da diferenciaçao entre so­

Ilho e vigília, ou vigília e delírio? Basta ver o receme Cidnde dos Sonhos (MIf/hollalld Dri{)c, David Lynch, 2001) para se reI' LIma idéia de quão lon­

t;C se pode ir nessa direção) .

Enfim. mesmo que nao sc queira explorar as fromeiras kafki<1llas en­

tre registros do rea l e do irreal, a escrita n:'io-dramática é tremend amente

estimulante e li ber:tdora da criação do ro teirista.

Bdulio Mantovan i é um rorcir isla que escreve pemalldo cinemato­

graficamente, manip ula ndo o tempo ritmicamenrc, conduzindo energias

emocion:lis, como vimos nestc ca pítulo, Tra.nscrevemos, a scguir, alguns

rret hos do ro reiro de Cidade dr Deus, para quc se observe CO IllO a escrita

pode sugerir essas manipulações, scm que o roreirisra se lance a f.1zer a de­

cupagelll téc ni ca (aquelas indi cações do tipo "plano geral" etc., hoje a

cargo do direto r).

ZÉ PEQUENO (ojJ)

Quem fni que fidou que essn bOúl é Itln?

Neguinho faz ca ra de apavorado.

I magem em stilt,

FUSÃO PARA:

Sucessão de ações com a dime ra registtando sempre no mesmo ângu lo a

boca dos Apês.

151

(h p t· I \ OIl .lg<.: U ' quc \1,11) 'l·IH.I" " jlll'\l' III .H.!t" 11.1 1I , III , ,~ . ltl l,.k HU '<.. I I ' ~ .lp.1 I <.:(,.<.: 1 n e M)IIl \.:11l u ,mo ' ,I IH ,., Il1a ...

O ,1I11bi enr e pOIl CO mueb: um;! In e~a aparece 01',1 "lIln lugar ora e m Ou

1 ro ; Id lTlais ou Illenos móveis e objet:os em lIm nWIlIt: III Q ou outro; 111 :li , 1111 Illenos armas etc

No começo, vemos apenas um colchão,

BUSCA-PÉ ('1.0.)

A bocn-de-fimlO dos Apés é uma Iúslória ri parte ..

EFEITO D E TRANSi ÇÃO. .

VELHA BÁ (uma lTlulher de aproxi rll3damen te 40 anos ) fazendo sexo or;d w m o jovem mulato GRANDE,

BUSCA-PÉ (V.O. CONT.)

Quem começou a usar flquele aplrrtlWll!IJto dos Apês pm vender drogn foi a

11-"ha Há. Às vezes e/n dava ,/rogn pra molecada, 1"111 fI'oell de r"gll'" fil/lor ('specúd .. . O fillJo /'ito em ° lIloleque chlllllfldo G'mndd

EFEITO DETRJlNSIÇÃO.

Crande, agora adulro, Illui ro aho e com cara de poucos amigos, ex pulsa a Velha Bá com um chute na bunda.

BUSCA-PÉ (V.O. CONT)

OIIÍ, ° Grande cresceu .. , O esquema da Bá em tíio ll1undo,; q!/(: foi jiíâl pm

ele tomnr C01ll11 do negócio.,.

EFEITO DE TRANSiÇÃO.

Sandro C<::noll!"a (um menino branco , Sua muito, está apenas de ca!ç~o, );CI,ll cam isa e desca lço). E!e tem em volta do pescoço um rrapo branco

' 1110 e rasgado, que d e usa para enxuga r o suor do rosro e do peiro.

( :t: noura recebe frouxi nhas de maconha de Grande. Na Boca também es­L III presentes outros moleques,

• • •

BUSCA I' ~ (V.O . CON r.)

() (;'~llId(' IIJ((I'II fi mO/i'rlldfl dm Jlph pm m'/"i//IfII" di' IfI'pm: UCj" ti '1//('

1r/1/lllf//111I rI/'OP/1 pdo f'OlljuIlfO. () IJlfp0,. IJ/IIIJ "~j){'/'fO drl {H)('1I tio Gmllrle em

1/111 1II0/N/W' ÚI,lnto t' sl,lIoso rhll/}/lIdo SllIIdro CenouJ'tl,

11'1'1'1'0 DETRANSIÇÃO.

\, lIIdro Cenoura (agora com uns dezesseis anos e tmús bem vest jdo) recebe

ik C rande ullla TOALHA DE ROSTO branca: Grande fira o rr;lpo que

t', i.\ em volra do pescoço d e Cenoura c, ritualisricamellte, o subsri tui pela

lo.llh :1 nova.

. ()h:.crvando a cena , está o jovem Negui nho, futuro dono da Boca.

BUSCA-PÉ ('1.0 CONT)

o Cenoul'll gtlldJOu n ('lj}ifilll'(1I do Grrlllde. Foi SIIúi"do de posto, seguiu direitinho o p/llllO de cn.l'l'eim do tráfico,., IIté "i1'll1' germte da Hoca ...

F.FEITO DETRANSIÇÃO.

<..) ambiente est;í repleto de vapores (tzc ndo trouxinh:ls de maconha. Emre

eles, destaca-se Neguinho.

(~e llo\Jra, j.í com uns 18 anos - sempre enxugando o Sllor COI11 a roal ha bran­

ca -, está recebendo a visi ta do amigo ARlST6TELES, também branco e

mais ou menos da mesma idade de Cenoura.

Cenoura oferece um baseado já aceso para Arisróreks, que fuma com prazer.

Cenoura é sem dl'lvida o rnanda-clluva do pl:d;II~:o ,

BUSCA-PÉ ('1.0. CONT.)

Um din Cenoum recebeu 111/ 110m 11111 /IIltigo de/e de iu}filll'Ía: o Arú,ótelt.'s,

NUJ/la époCfl em que Cenoflrtl til//M údo expulso til' msa pelo pni, 1I;rI/II/titl

do Aristóteles de/l gl/llrida pm ele: CIISII, comitlll e roupa /(!Vlu!a , Agom, t'm o

Aristóteles que /tllll' precúal/do dr ajudll ...

• • •

153

AIUST 'J'JoJ I,,'

/14('// ;nw{Q, I'OU 1/' rim' 11m papo rrsjJIJIISII. lIIolYlld () f'I/W ri (I SI'p,lIill/r: tO

r!CS('1IJjJl'(X(u/o, mill/;{{ m/uflttÍ (('lido flÍ qUi! jilZ{'" 11/}1({ O/H'nI('flO dllm a/ro(o

que tljJfl/'ecell aí IIfllj{{l'r igll de/li, ItÍ SI/bel/do?

CENOURA

Quer dinheiro?

ARIST6T~LEs Não! Quero que lU me arruma fim pno pm ell passar flÍ 110 snpflI inho, sabe

qualé? ni me dá o peso que eu vendo rapidinho.

Cenoura entrega um pacore grande de maconha para Ari sróteles.

BUSCA-PÉ (y'O ,)

Cenoura deu UI1II1 forçll pro Aristóteles ... Só que II I1I1Ct1Wnú viu o dinlJtiro da1l/flCOnIH1 que ele til/ba passado pro mlligo.

I',FEITO DE TRANS iÇÃO,

Cenoura e Grande ~ozi nhos na boca. Cenoura está cab isbaixo c suando

ma is do q ue d e.: costu me: não p:i ra de se enxuga r com a roalha.

BUSCA-PÉ (V,O , CON'n

E teve que se expliCflrpro Grande ...

( :ra nde fa la com frieza e solenidad e:

GRANDE

ali lU passa o cam, 011 eu te j"/sso NOCê.

F1 'EITO DE TRANSiÇÃO,

~ :clloura apom a um a arma con tra a cabeça de Aristóreles que, de joelhos.

IUl plora po r clcmê ncia.

AIUS'J' TEI ES

I~"·'~f. If/rrlll(f {).' A ,f!./'IIft' é fll llip,o! lil (/'11/ fJfll' 11//' fU IlfiI(f d)(lI/a. porm!

C('I/O fllll, I/U' I'Sr/ lt ..

{ 'CI10ur:1 di spar;\, e.; chora sobre.; o cad~ve.;r de Aristótc!es.

BUSCA-PÉ (V,O,)

() Cenollm uno te/Je escolha .. Também, lima história t"O/1/ /Im cam c"amff~ do Aristóteles só podia acabar em tmgédid. O Ct:llolfm sentiu vontade de

malar o Grande, 111m nem predsol/ ..

lél'EITO DE TRANSIÇÃO,

(::Ibcçãa e a unas policiais levam Grande preso.

BUSCA-PÉ (V,O, CONT,)

o Gmnde foi preso pelos 5If1llfWgOS e morreu llf/ mdeia.

U' ElTO DETRANSIÇÃO,

Sandro Cenoura está conversando com Neguinho.

BUSCA-PÉ (VO, CONT.)

o Cen01l/"(( tomou conta de tudo O que em do Grrtllde. Mas nno quis fimr

com a boca dos Apês. Pm ele, aquele lugar em maMilO. O Ct'lIoum deixou fi

boca pro Impo/" qlfe ele mais amjifwff.

CENOURA

Aí, Neguillho. 7h é meti homem de conJiall(ff. fi, 110U montar outra hocald I/a Quinze, Til me passa umfl parte do que til fotlll"tlr aqui. t só fi/. respeitftr

meu território que }lum wti ter ilrengaç!i(). Com binado.

N egllin!J() sorri mtlirwlt'.

FUSÃO PARA,

Voltamos à mesma ação que dcu início ao Jlnshbtlck. vista ago ra de um

outro POll tO de vista.

Vemos a cara de pânico de N egll inho.

155

BUSCA 1'1 ', (V,O ,)

Foi /m im fll/(' I/ bom rll'jillJ/o dos AjJh jlmll 1111 IIl1lfl ri/! Nf',I!,IIIIIIJO. A/(/s ;,so

{IIIIIÚf m "no Jài por IIII1IÚ 11'1IIj1o

Uma vez mais, ouvimos a voz aguda c ameaçadora :

ZÉ PEQUENO (OFF)

Quem foi que fidoll que essa bom é r/ln?

NEGUINHO

Q//flll, Dfldiilbo? 71, ...

Por fim, é bom que se diga que :15 qtlcHões de ritmo e de ligação entre

H' nas também são perrinentes a cenas dramáticas. C laro: num caso mais

d.í'isico o ritmo será dado pela sugestão de velocidade da awação _ por

n:t.:mp!o. o rO[ciro amal uc;ldo de QUIIIIIO Jl11tÍs Q/lfIIIC A1d/JO!' (Some Like II I10f, Bi ll )' \XIilder, 1959) pede uma jmcrpreração "rapid inha"; as f;das e

.1\"oe5 suge rem isso. E as ligações, mes m o numa cena q ue rermine como

te,lIral, podem aj udar. A cena de um casa l que esd indo mor:11' junto

pode termin :tl", po r exem plo , com as rnandadas p:t ra pôr um quadro na

p.ln.:de; e a cena seguinre, começar co m um brinde do cas~d num jantar

\ 0111 amigos, em que:l mu lher e um CCrto amigo troca m alguns o lhares

1Il.lis forres (imagericamente se sugere a fragil idade da rdação, e o con-

11.I\ le do co rre d ,í interesse à passagem). Ou seja, mesmo em narrativas

1II.Iis cLiss icas existem vil'l'ua lidades irnagéricas da est rita do roreiro que flodem ser ex ploradas.

• • •

Aq ui acompa nhamos urna seq üência de modo bem deta lhado. No

\'\ l'Illplo e m anexo, há lima anál ise um pouco mais genér ica de ullla se­

' 1I Il'llcia, mas que capta o principal: o fluxo de emoções suscirado no es­

I '\'l l;ldor. Como remos repetido, as anál ises de cada capítulo deste li vro se

dl l<'·ll·IKI.IIIl 1'<.' 1. 1\ d lllll· II\()<.', ellfoL.ld.I\.1 Ll d.1 el.lp. l, 111 .1\ que lU pl.t.ic l

d.1 el>(, l'i l ,1 d e I"/)( e iro M': m i !> l1l l' :llll . Nu II nal. q ll ando o l'()[cil"u esti ve]

1'1 011 10. a:. (,OIl(;XOC!> c llt i'C as ce nas degerão ('I>(a r indi cadas do modo mais

".nn:lrrado" e ex pressivo poss ível. Ou seja, as rubricas devem ind ica r o

III.lior nllm cro de der:l lhes sugesrivos, para subsid iar o traba lho do d ire-

11)1". Por isso co n ~ ideramos importante a atenção aos deralhes anali sados

IH: .... tc capítulo. a pa rti r do exempl o da seq üência da boca dos Apês.

ElHrcranro, esse deta lh amento d eve ser expressão de um fl uxo cma­

Lio l1 :1l que o roteirista deve imaginar e, co mo e.~pccf<ldo r, percebe r nas

nhras j<í re:l lizadas, como fazemos no exem plo a segu ir, so bre a abenu ra

de CidtUle de Deus.

Exemplo de análi se: Seqüência de abertu ra de Cidade de Deus

I , Tem gal inha no samba

Cidndt'de Dmscollleça com uma batucada cincmalOgr:ífica . A levada

do sa mba, qu e anima a "!:;,\!inluda", lhe ,li rirmo C charme, ao mes mo

tempo em q ue a batida dos cortes va i sugerindo uma lensão. A poesia co­

rid iana do samba deixa entreve r a violência implícita nesse cotidi ano: os

movimentos r:ípidos d:l faca, o gogó do galo pul s;mdo :1 beira da morre,

as !"r ipas de g.t1inha sendo esga rçadas, o san gue pingando na bac i ~L Sam­

ba, sangue, suo r e cerveja.

2. Persegu ição

Da crônica ri tmada, passamos , com sobressaho, a uma tensão, ainda

que brincal hona. Um gri lO quebra o silêncio; "Segura a gal inha!". Corre­

ria a('[ás do bicho, e da roda de samba passamos à batida de surdo.

... 157

3. Ilusca P6

1),1, ,1 IU<.I\\ . ( :.tll li l lh.lI,dll c <' I IIIVCf)",l mlu 1111 111 ,1 h". I, V(: II' doi, "" !l.I / C'" ,

l\U \ l .1 Pé c 1\.lrh:lIlIinhn. Bllsca-Pé COlH a q lle, 1>C d ~· 'l.ol.lt' 11111 :1 f 010, pode

l IHI \c)!, lIir cmprcl:í0 no jo rn al. O amigo pondera ql lC d e pode dançar po r

Lo IIl \. t de 11 IHa foto.

4 . Montagem paralela

1\ pcrscgui çiio fica acirrada: "Senta o dedo na galinha! ". A energia que

plll ',IV:1 sem atr:lvessar o fitmo corre agora desordenad a pelos becos d:l f...­vela . A alegria se mistura ao perigo da energia inconcida dessa molecada qll e s:lca :IS a rmas .

/\. b:tli nha co rre para salvar as penas.

HIJ.\CI-Pé diz que de je ito nenhum clucr ficar cara-a-GI.I':I com aquele " hand ido filha da puta" (só pode ser o que ordenou a perseguição à gali­

nh a).

As duas linhas pa ralelas se cruzam: " Pega a galinha aí, Tap:í!". O medo

do guleiro diante do pênalti: o "fo tógraFo", cara-a-cara co m o Fran go e

C llrll o "bandido filho-ela-puta" e seu bando armado aré os dentes, faz

puse de goleiro.

5. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Busca- Pé percebe que está bem no meio de iminente Fogo cruz:1e1o,

poi l> a polícia perfilou-se às suas costas.

Na vertigem de Busca-Pé, a história que anrecede aquele momento

LllllH.:ça a passa r sob nossos olhos: mergu lhamos no flmhbllrk,

Resumindo: o fluxo da emoção

C omeçamos na tensão esco ndida so b a batucada colc6va. Z é reque-

110 :11 r:1vessa o sam ba com uma ordem, um vetor dramárico: a energia ex-

plode, Cnlll ~ 1I1 ~l' 11 \ 1\' .lIlI l ' III C 11 .1 \. .. I I V l' r ~ . 1 ~k HII ~L, I I \~ , rvl ,l ~ .1 t CII .\. I.'1

dr,llld t il..l c\Li 1.1 , I.l lell lc. n o m edo d \: f..J'U/ :lf U IIII 1\ :ljLH.:no. 1\ e lH,; rgp

p:l ~~a , ti \: nnvo , de pot encial :1 cinériclI: :1 pcrscguiç50 d :1 g:llinha prosse­

gue c se acirra com as armas. A montagem paralela sc acel era, tudo pul~a e ent ão,., impasse de duelo: Pequeno e Busca- Pé ca ra-a-cara (no Brasil,

duelo é pêrdli). O duelo vira fogo cruzado c a tensão imóvel allmcnta

ainda ma is. No olho do furad o, Busca- Pé vê tudo rodando à sua volta.

Exercício

Escolho uma seqüência de seu roteiro e apresente um esboço de pro­

posto de tra tamento. Inspire-se na análise do exemplo anexo , sobre o

abertura de Cidade de Deus. Pense visual e ritmicamente, atentando

po ra o "respi ração", poro os variações do filme, responsóveis pelo fllJx~ de energ ia emotivo . Tente, como no exemplo, sugerir esse fluxo no exercl­

cio da escrita (máximo de quaren ta linhas ou 2 ,500 caracteres).

159

Capítulo 8

CENA: LINHAS DRAMÁTICAS

• Como está construído o lugar do espectador? Ele

pode ser enriquecido pora aumentar o impacto emo·

cional ou cômico? Como se desenvolve nosso identi­

ficação com os personagens em cena? Existem va­

riantes q ue nóo fora m tentadas?

• Qual é o curva dramática? Qual é o situação iniciol

e a final?

• So ímm do cena com algum gancho ou elo se com­

pleto totalmente?

• O que estó em questão na cena? Como isso nos é

ind icado, em termos de contro le de infor mação Irelo­

çõo de conhecimen to entre espectador e oçool2 E

em lermos de envolvimento emociono I?

• Há um clímax? A progressão oté ele pode ser me­

lhorado?

• Os momentos de alívio estão bem ajustados?

• Valeria o pena acrescentar personagens secundórios

como base poro a lternar pontos de visto e inse ri r

con trapontos e "respiros"?

• Como funcionam na cena os recursos de distancia­

mento?

16 1

Se um roreiro fosse lima construção, as cenas seriam os rijolos. A

t:~ca lera é aquda estrutura maior (as fundações, as vigas de sustentação)

que, para ser preenchida, precisa de cenas. O direwr none-americano

Howard Hawb costumava d izer que um nlme é feito de "uma ou duas ce­

nas boas e nenhuma cena ru im"4H. Em outras palavras: se seu roteiro possui

alguma cena marcanre, ;uHológica ou inesquecível, ótimo. Mas é muito

mais inreressan re que seu filme tenha apena~ cenas dlcazes e, mais do que

isso, que não tenha nenhuma cena ruim: elas podem ser ainda mais "ines­

quecíveis" do que as boas.

Uma cen:l é a unidade dr:lI1drica ide:!! , baseada na continuidade espa­

cia l e rempo ral. Essa lInidade n:1o é uma regra esotéri ca, que se 11:10 for

cum prida vai acarretar perda de pomos na carteira de roteirista. t. uma

decorrência da própria natureza do drama. Se drama é embaTe de indivi ­

dualidades, sua arena é o diálogo - ou o confronro físico (com ou sem vio­

lência : pode ser dança ou porrada). Ou seja, ar;ões individuais. Palavra~­

lluIlGl é dema is repetir - são ações. Segundo o filósofo )ohl1 Austin, lú

palavras que s:1o "atos de fala"49: quando você diz "s im", em determinado

contex to, pode .~er um ato bastante concrero, que <llfera seu es tado civil.

Sem grande (aids, nenhum) rigor filosófico, absorvamos a idéi3 centra l

de que blar pode mudar nosso "estado" no mundo ou, traduzindo para

os nossos termos, mudar a "situação dram;Í.tica" em que nos encontra­

mos. Resumindo, falar pode ser uma ação dramática das mais fones .

Desde que emendamos as coisas sob esse ponro de vista, um (-lIme de rri ­

bunal - como li':stemllll!Jfl de ACUSflÇão (Witlless for the ProseClltlOn , Billy

Wilder, 1957) - pode ser um tremendo filme de ação.

163

l lt 11.1 111 ov. ' d.1 11.10 . 11 hi( 1. 11 ied. ldl· d .1 " I II lId,ldl' d!' 11I1111( I l ' l ·\ p .I\( .": UJI I I n

\ III I~I II 1l'1 111\ d •• (ddlll l I.: l' I 1 •. li ~ .Iilld:. U)llI ti ("l·11 .1 .1. . I' 1i 111 1\1 ~l' pll~~ ívd (l'

l \ )1 III 11 11) (,11.l'1' "Ll'II .!."" (rH' pk lltl ~e Jl I idn du (l'm 11)) ~l' 11I IIllid: Kk de espaço. A

.1\. 10 l' .1 I l'. l ~~a l) hUIll :IIl;lS lilx.: tULH11-Sl' da necess id :lde do esp:lço co mum .

( '011111 .Iillda 11:IOI i..: IIIUS Ulll "rempofone", CCtUS com descontinuidade li..: rnpO­

.. li ~. I(I mais t~ l r:lS .

1·:Jl fi m. a Cl' Il:1 é U momento privilegiado do emb:tte imediato dos per­

'OII.I I;e ll s. C laro que pode haver cenas não-dramáticas . Um cara passei:l

(.0 11 1 ~t: 11 cachorrillho no parque, ou duas crianças brincam: un idade de

1(: lIIpO t: de espaço, mas nada de confli to . Cenas sem rensão dramática têm

fl lll Ç:lo de disremão (pausa, respiro) den tro de uma curva dramática, e é in­

tl' ll'SSalH e (como dizíamos no capíwlo 6) que não sejam puras "cenas de

t i .IIISiç:io", nus agreguem algo, sirvam como digressão qu e comenta algo e

cn riquece a lurrativa.

Mas :Iqui vamos nos concenLrar li as í.:enas dramáticas, renrando dei­

x:lr !lu is claro o que as faz tensas e imeress<llltes,

o núcleo do cena

Na e.~ca l et:a - Oll na cabeça do roreirisra, se de ainda não estabeleceu a

p()~ i ç :1u da cena no filme-Id uma indicação suci nta so bre o cvemo prin­

ó p:11 da cena, "o que :1COl1l'eCe" nela . "Fulano enCOlltra a cabeça de seu

cavalo preferido entre seus lençóis", como em O Podam-o CIJt'flio (TlJe

( ,'od/ilf!Ja, Francis Ford Coppob, 1973) ; "Bcné é as.~;t~s i nado por Ncgui ­

IJlm no [ugar de Zé Pequeno", de Cidnde de Dms; "Linus co nFessa a 53-

In'in :\ sua armação para mandá-Ia de volta a Paris", em SabriJ/fl.

De modo mais estri tamente dramático, esse núcl eo altera, em alguma

Illcdida (maior ou menor), a situação dramática - é uma ação dramát ica,

111) sentido que falávamos j:i no capítulo 3 e retomamos acima. Falar,

ljll:\l1do se tem por objet'Ívo alrerar o est:1do das co isas, é agir. Colocar a

Glheça de urn cavalo entre os lençóis de a lguém é também agi r, utilizan­

do-se de uma linguagem "um pouco" mais concreta.

I ()4

t'V1.1 \ 1I 1tl lII kkll 10 11 (.' ILIO LI I II m,1 hll, l Lt: Il .1. 1\ (.t: II .1 ql1c 11.10 t: hC11I

tl':lb.llh .ld .l (CIItI..:.1 fiL. II · C~ lJll e l1 d liGI , c h ~ lt a . d <.:~i ll( e l'l..:~~ a nl e. Se ,I sI.:11iit:n­

li~. d:\ dcs ped id:, dc Benê , em Cid/lc!r rir /)('/15, SI.: res llrni s.~c apenas:'i mor­

te do p:lrcciro de Zé Pequeno, ("eríamos algo .50 enfadonho quanto: "Zé

I\:que llo e Gené brigam ; Neguinho aparece armado; quer acerta r Zé Pe­

qu eno; erra; por engano, term ina matando Benê; fim" .

Em rermos bem gerais, es( ruturais, a cen;l precisa eSla r desenvolv ida .

i\ ação "nuclear" tem de acontecer no tempo. Novamente nos deparamos

co m a insuficiência do roteiro corno um sistema de controle e passagem

de informação - idéia que, aliás, não resiste a uma piada mal contada, em

que rodas as informações estão dadas, mas a graça não dá o ar da graça .

Encontramos, então, novamente, a "curva dramática".

A curva da cena

Para o desenvolvimento de uma cena, valem parttmetros parecidos

com os que discutimos para a curva dramática geral. No cap ítulo scguin­

rc (ca p. 9), vamos discutir os recursos que o roteiris ta pode utiJizar para

compor es,~a cena de modo bastante prático (di:i1ogos, sugestões de mar­

cação , cenário etc.). Aqui, estamos preocupados com a estrutur3 da cena,

seus ponros de art iculaçao fundament,l is - para tanto, recorremos, basi ­

came tHc, aos mesmos conceitos de "pomos" determ ina ntes da curva dra­

mática geral (ponto de partida, c1ím:LX etc., como visto no Clpítulo G). É

como se,;l cada nível de cons ideração (conjll tlro do fl lme, atos, seqüênci,l

e cena), se reperisse a "fo rma (u lldamenr:ll" da curva .

Pequena digressão metodológica

'fa lvez seja aqu i, entre este capítulo 8 e o próximo, que fique ma is cla­

ra a não-linearidade do m étodo de abordagem do roteiro q ue orienta este

165 J

IIV I II , I ' \1.111\ qlll' ,I ,Jl\ l ll \~,IO 1.:'11 111 11 1,.1 qll l 1', I , II'!lI ~ n t.d ld l'll.: l ldl l l' U\

~l llll l' lIdtl \ d l.: l l vo ,> (...11,\ 111,",,11\, /11/1(' f' lI Jf 'fl/f' l ' ll , ) d I) I11 \1 :>; 111111 L,I p(lulll l" I,IO

11111 11l,1111t: lllt: i Illhril., ld, ,, 11.1 hOI ~ 1 de escrevel 1111 1.1 lol' I I ,!. I '--~ l e dc:-d ob ra Ill ell

111 ( ' til du i \ (,;, lp (1 li los é ex p rc!>s:í () de UIIl pri nd pio qUI: t: llllllci:ívamos 11 0 i 11 (­

l i ' I (v ide Clpíl lllll l ): cria I' é invelll :l r e cri t icar, nun l mo\' il lll:n ro pend ul:lr

l\ 11I \ (, lIl le, O L:lpí!Uln S busca fo rn ecer par[unetros de an:i1ise de lima cena:

" ( ) I I\ HIIO dI: panid:t fo i bem escol h ido ?", "O clímax está bem encaixado?"

(' Ilo. N .h) ~ m ilito C01J'l lt l1l que alguém "arquitete" toda a cena, em todos os

\c m !'1l 11(()S de :JI'Ii culaç:ío, para depois escrevê-la . Mes mo que o faça (o que

n , lU é ilnpo!>sívd - qualquer maneira de criat vale :l pen:l). na hora de dC\CllvlJlvl:-b I.: lll detalhe, o roteirista, muito provavel mente, vai criar novas

Il' ll \ot::- ljUe ido obrigá~ lo a rcpensar a estrutura, o que v<1 i ree nvi;í-Io ao seu

,J i,íloIg,o erc. etc.

Um :lspeclO fundame ntal dt:ssa nossa dicotomi :l didári ca é a di fe rença

dc 1 ·~.sCRITA que marC:l os exercícios reflex ivos estnllurais, abstratos, e a

l'K ri!.1 do roteiro prop riamente di to, q ue scd objeto do próxi mo clpíndo,

N,) ro lc iro acabado, não há indicações so bre "clímax", "res piração" e t'c"

Ile m illd icaç:1o sobre as intenções de lima seqüência. Tudo O que há são diálogos e rubricas descritivas de ações. Um roreiro

d o.: vo.: !>cr urna descr ição de açõcs, Todas as considerações cons­trutivas (como essas deste capítulo 8) podem ser vistas como andaimes que devem desaparecer para que se veia apenas a obra (o roteiro) em sua obietividade, Se você

\cll lir que pr(."'Cisa deixa r algum "andai me", alguma indicação sobre suas

"ill tcnções" ("só para quc o direto r em end a bem ... "), é sill:ll de que sua

,Ih., .• c!>tá capenga, precisa ndo de.: muletas. 'rrabalhe ma is, até que todas as

illl t:nçiÍ('s tenh am sido ;lbsofv idas pelas ações visíveis.

Vt)c~ fará sem pre esse ir e vir, enrre o roreiro e as reflexões sobre o 1'0 -

Iciro. mas, no final, ou suas reAcxi)es se "i nco rpo ra ra m" completam cnte

:1\ :11.;(){:S (rorna ram-se co rpo, algo visível) , o u elas a inda não 6:)1';111'1 dcsen­

vo lvidas até o fim. Somos fei ros da mesma matéria de nossos sonhos, mas

\,', podemos ver nossos co rpos.

' I ;l lvl'Z e,,<;a digressão escla reça algo sobre o "modo de lisa r" deste ma-

1111.11. que quer ser usado sem modos .

Vull emos , enrão, à nossa "curva dramática" .

Anóli se: a c Irulura do clímax de Sobrino

l'ar;I l;O llle ll!.l l' l;UIllU i ~ .~o fun ciona no n ívd lb CC II:1 , t'O lll el11 OS como

cxt.: lllplu u cl íma x de SlIbril//j, de Billy W ildcr. Qua ndo chegamos 1\ ce na,

i;\ !>:l bemos todas aS peças e lances do jogo: Sabrina, a fi lha do motorista,

vive u a hiSló ria du Patinho Feio: de menin :l sem graça, secretamenre

.I pa ixonada pelo patrão ;/ayboy (D avid), vo ltou de uma viagem a Par is

tra nsfo rmada nU Il1:l 1inda mulher. David se engraça po r el a, mas, então,

intervém Li nus, o irm ão ma is velho, o fr io ad minisw1.do r das !1l ilionárias

empresas da fa míli a. Linus arranjara li ma maneira de rumar o i rmão um

p/flyhoy útil, arra nj ando-lhe um cas;llnento com a herdeira de lima ou t ~a gran de co rporação, Ele t ira David do cam inho e empenha-se en~ sedUZir

a jovem Sabrina, pla nej:lndo des iludi -la, mand;í-la de vol ta a ParIS e con­

sumar o casamenro/fusão clllpresari al.

a} Ponto de partido: Linus é o "chai rman", o "boss"; enfim , o

cara que manda Sabri na, depois de moment'Os de hesi tação , entra na sede da empresa

c, do saguão, liga para Linus, dizendo que não vai sa ir com ele. Ela esd tensa, emocionada, Linus a aC:l lma, pede que ela explique tudo rra nqii i la ~ mente. Ela começa, então , a tema r se expli car, mas Linus dei xa ° telefone

sobre a mesa _ Sabrina fi ca falando s07,inha -, va i até o saguão c, superan­

do a fníg il resistência dela , :1 cond uz até sua sala.

(O espectador, de in íc io identifi cado co m Sabrina, termina identifi ­

cado com Linus,)

b) Desenvolvimento: o esconde-esconde do amor ou "quem vai

entregar os pontos?" I. Já na sala, o jogo é retomado de modo um pouco mais concentrado.

Sabrina ainda resiste, quer ir embora. O telefone toca, com a secretári:l

anunciando que estão fcitas reservas para o teatro. Linus sugere o progra~

ma, mas Sabrina mostra suas roupas, que julga inadequadas (ou seja, sua

determ inação de partir já enfraqu(.'Ccu), , ..

167

2 I 11111 \ d.i.1\ l· I III . ld." p . I I.I.1 'l'tll'dll .1 t; \ 1I .~r l \ '11 11' t In (i 111l.1I11 .ll i 111 (,' \

1110 . Olllk ek· lel ll IIm .1 pL·lllle ll .1 ( \1 /1 1111 .1 d (· 11 (' 111 l Oll vid.1 :-, .• h .. il1.l.

· IJ W II , I \ .1!!.e, S . lhrill.1 SI: jllln :l a d e, ced end o.

\ . Am e\ de Ctllm'ç:U' :1 prepa raç50 do jantar, Sabrina Se descomrola, cho.

LI . r.,1.1 de !\\! U!o :.cnrim cnws, quase confessa abertam ente cstar apaixo.

l lol d a por Lill us, que se mantém imp:l,ss ível.

Ií . 1'01' fim, S;lbrill;J se controla. enx uga as !;Ígrimas, diz que não comeu

11M b o d ia inreiro - o que Linus :1 colhe como "explicação" para ° d e!\co ntro le momencâneo - e, alegando que vai fazer o jantar, "expu I· :',1" Linus da coz in ha.

1. Lillus, sozi nho, fr:1Cpleja. Percebemos que ele também está abalado

por Sabrina. (Esse é um pomo forre de identific:lção: o espectador deve se idcnrit1car co m Lin us.)

cl Clímax Sabrina descobre, sobre a mesa de Lin us, d uas passage ns para Paris.

R,ld i:lnre (pO nto de idenrificação), ela Se joga nos braços dde, achando

l lue v50 viajar jUlHos. Linus se Illanrém rrio e acaba confessando que fo i IIldn uma "jogada" empresar ial.

d ) "Fecho"

Sabrina se recupera do choque c, alri va, afi rma sua d ign idade, sa indo

d.l .\,lla a passos firmes, deixando Linus sozinho c arras;ldo.

Temos nessa ce na uma curva completa. Perceba qu e nos concentramos

tI ,1 illd icação dos ponros que orientam a progressão dram:írica, sem :l remar

p.l r ,1 os (aliás, excelenres) recursos de lIIise~eJl-sceJll' (corno marcação dos

.IIUf L'S, cámera e 1l1lísica), Cjue sel'30 objeros de discussão no capíndo 9,

, , ,

I (,fi

Corlor Ou no ortor?

MeSlllll :IS cel1 :t<; pl'Opriam<":lHe dramáticas nHli( ~IS vez<..:s parecem "col'ta­

d.l ~ : I{) meio", de forma a agiliza r a narrativa. Às vezes, um gancho de di:Ho~

go 0 11 uma imagem podem servir para fazer a ligação enrre lim a cena e a

próxi ma.

É comum que roteiriscas menos expcrienres escrevam cenas (principal­

mente no primeiro rratamcnto) que transcorrem de forma dram:\t' ic:l c in~

tegral. Isso não é "pecado", r:unpollco :lC:lrreta problemas na carreira de

rotei risra. Há mames de grandes cenas que se desenvolvem passando por

todos os pOIHOS canôn icos (como a analisada ;Ici ma). AJi;ís, picota r as cenas

para dar mais "agi lidade" à narrativa - qua ndo feiro sem crirério - é tão

ruim quanro esp ichá-Ia. Sonolência c irritação nJo co nstam entre os objcti.

vos mais comuns dos rO(eir i s ta ,~ e diretores. Enfim , cortar ou não a cena,

entrar nela no "meio" ou sair dela ames do clímax são decisões de risco, que

devem ser roma,bs em função de sua "intenção".

Ve jamos a ce na do fcijiio , em E/cs Nrío UstOlI B/m·k-tie. Bdu lio, o

am igo de Roman a e Olivio (cas;ll de opcdrios prot:lgollisra), aca ba ele

se r assassin:ldo. A greve acabou e o tilho deles, T ijo, rnostroLHe um

"pelego" . Os dois esrão senlados n;1 mesa da .~a1a modesra, arrasados, ca·

bisbaixos. O silêncio pesa. Lenrament e, Romana seca as Lígrimas, de

olho.~ .~empre baixos, coloca os fe ijões sobre a mesa e co rneça a escolhê·

los . Eles "pingam" de ntro de urn a bacia. Otávio kV:UHôl o olhar, de leve, e

vê sua mulher. As mãos dda conrinuam seu trabalho miúdo . Por fim , de

pousa sua m ão sobre a dela. A mão pára, o ruído dos fe ijões também. Ela

levama os olhos c enCO!Hnl os del e. Um sorrisinho, muito tím ido, esbo­

ça-se nos dois. Ele, então, puxa pa ra si um mOlll'inho de feijões e passa

também a separá-los . Ela volra à tarefa, e o rufdo do "pinga. pi nga"

retoma, agora num ritmo mais acelerado.

Esrruturalmente, temos todos os pomos "cI;íssicos" ; h,í Ulll ponto de

início, com cada um isolado em sua trisreza; h:í o descnvolvimento de uma

. ação, com Roma na inic jando Lima rareEI cotid iana e Odvio reagindo, sain·

do de sua prostração pa ra olhar a mul her, que age, enfrenta a morre e a tris·

reza que os paral isa; h,í o clímax, quando Odvio interrompe ROl1una e eles

169

\(' I(·{ I'UIIIt I.tlH 1111111 olh ... ; (· 1..1 " H: I.I X. lltl{·1I1 11 111111 • .11 1\' lOt H.ld.1 do e n/n: 1I

1.11 11( ' 11111 \..1.1 vid.l . jWH u \ 11 .1 I.m': /.I .

A U .' I1.1 llue (ül1 ~ I ,1 I:n l q" akpu.:r ,I JlIOlogi.1 du (il1l: lll.l br.l:.il eiro _ é hl ilh .l!lI l: llI l: lIl1: :-impk .... A cur'v:! servI: par;1 :lpui :lI'. dl.'.\!.:ll vulvcr. dralllali

l. lI o 11t'1<.. !t:O da ce na: o rl.'I:JlCOlllro c a reaflrmação da lUla do casal diant e

d.l\ .Idvcr ... i(bdl.'s . 1\ emos~ão do IllOlll cnro é exrrem:lll'le!He valorizada pd ~1 H' II .I qllC t cxun plar na dClllons l'/':lção de que o impOl'C:.lIHC não é o vo­

IIIIII C de rc..:ursos cmprcgado~, ma~ o ajuste emre eles.

IX lll lc d t.: urna cena como essa fica até ridículo pensar em prerenS;lS "rc­

h l •• ,", tomo '·:Igil idade". "Depende" - palavra que, d izem, é a resposta mais

\,lhi,1 1 ~.lr:1 todas as questões. E, como depende, o conrrJrio também pode

V. t1 CI'. bll Mm Nume é Juc(My Name is Joe, Ken Lo:lch, 1998), h~ uma cena,

di);.l! lIo:-, "prima" da cena do feijão. Joe e sua n:lrnorada (rambém um C:ls:ll

pohl'l: , SC Ill g/ml/ol/1', na casa dos quarenra allos) estão em ca.\:I, preparando o

j,IIl!.l r, c ~ I coloc:lção dos pratos na Il H.:sa v;li virando lima brinca(kirinha ca­

rinhosa e erórica. AbruptamelUc, digamos, no meio da elevaÇio aferiva, a

U~II , 1 t: wnada. Por quê? Porque essa t: a estm tégia - aliás, rccorrC/lIe no /lime

p.lr;1 m:llucr o espectador "no limite" enrre idenrificação e observação.

N.IO " ivcncia mos completamen te o drama de Joe, um ex-alcoólatra dcsem­

jll'l.'g,Klo que luta para ajudar a si próprio e aos amigo.~, mas não pode viver

\Cl; Ulldo os padrões de "correção" jurídico-morais que rllncio nam para sua

11:11 Ilorada, uma assistenre social de classe média baixa, Fica mos semp re com

" 11111 pé dentro e OUITO fOl~(. Em H/II('k-fie, mergulhamos nossas mãos no

k ij.ICI, olhamos nos olhos de Romana. Aq ui , esramos na so lei ra da porta de

Illl' l' ... omos conduzidos a oU I 1'0 Iu{p r, an tes do clímax.

Mostrar ou narrar?

l 1ma regra repetida até a exausrão em rodos os manuais de roteiro é a

. k quc cinema é ação. O personagem se define em ação, por isso devemos

\t' lIIprc Ill osrr.í-lo agindo, em vez de na rrar o que acomeceu por meio de

II !.I II 'gos Oll de vozoff No en tantO , essa é outra regr:l cheia de exceções.

() q u C,' ,J{'Vl' III1l \ (O , p .II .1 (,1 ...1 ,1 \lW . I ~.1l 1 d,) "\ll ciIO . LIIC I ,I M.': );lIiIIIC pCI

gUIlI.I: é 1I 11.:11.uI 1II,,'ll.í 1.1 ou n:lrr.i - I.l (<-0111.1 U :-C Ill Iuo:-Ira r)? Mo ... tr:lr a

.1".10 ne m :-cm prc é ,I llIe1hor .\olução,

Em Do//(!sticllS. () fi/J1I(, (I~ernando Mcirdles e N;llldo Olival , 2001),

Id UIll bom exem plo d isso. Rox:llle decidiu ser modelo forogdfic:l e é challl a(];) para seu primeiro rrabalho. O que da não sabe é que esr:i sendo

:Ig,c nciada como prostituta, e não como modelo. Roxane vai aTé a casa do

cliente pensando que ele é for6grafo. Quando a situação fi nalm ente se re­

vela, eb fica rensa , sem saber o que fazer. O client e chega por tr;Ís e pede

para que ela, ao menos, tome um gole de uísque. Con e. Roxa ne est:i ago­

ra na pizzaria, co m ando o que :lCOlHeccu: ela se prostituiu. Isso, no e1\­

tanro, não foi mostrado, não foi construído pelas ações da personagem. A

cell:l foi corrada no me io, houve uma elipse desse trecho, e romalllos co­

nhecimento do que ocorreu pela llarras":io de Roxall e.

Erro de rorei ro? Ao co ntrário. Most r;lr a ação da pcrSOlugem decidin­

do se prostillli r (c, no limite, mostd-b rra ns:llldo com o cliente, po r

exemplo), abri ria espaço para julgamentos moralistas do pú bl ico que não

i nteres.~av:l1l1 ao projcro do filme. A situação na rrada pela própria pc rso~ llagem, ao cOlltdrio, minimÍ'l.;l esses julgamenros mora is. abrindo espaço

par:l suas justificativas e para um debate raci onal sob re o fato, Um proce­

dimento dc d ist:ll1Ci,llllCIHO como CS.~e é um,) boa prova de que nem se m­

pre é bom cunsrruir ° p ersonagem em ação. Melhor é fazer, para c:leb si ­

tuação, a mes ma pergunta: é melhor mosrrar Oll narrar?

Cenas com mais de uma linha de ação

Assirn como os fi lmes, e m seu conjunto, podem te r !luis de Ulll plut (JIIlfltiplot, mvp/ol, p/uts p'H:lldos - vide capítulo 6), também as cenas po­

dem ter mais de uma linha de ação. Cada uma dessas linhas deverá ter ­

till como cada um dos ploH no filme - o seu desenvolvimento, e estaI'

também orquestrada com o desenvolvimento das outras linh~<ls da cena.

Pensando nova mente no "núcleo" da cena , va le perguntar: a cena tem,

17 1

rn t·, rllo . um ' ó r!lH.kn? I ~ h.r ' LUlI l· UH) qll t tlIII .I \ 1 11.1 \1 11 Ir ... d e 1.1111. 1l1,d ,

dc UIlI 1\." l.. k l l . rll .l i, d e UI Il .ILolIII Cl.iIllC IW ) dl.un ,hr ul jund .llll e IH .t! . Um

"ll'\ IC" \l ll1pk:1o é n :..:gui rlh': : qm: !lOI I1\.': vot.ê d.lli.I.' \..l' na ? O 110m.: "<In l O!1l ,t"? O UICfIl alguma outra coisa impon:llll c q!lc tl L.1 d(,,; fo r:.? Às \'C7.e~ ,

I..l'l.ll l do M.': dt:ci dc fund ir duas ct: l1as cm uma, pode oco rrer Ullla Cc rt ,l

dl..:lo.lrmoll i·,.açáo. fi c mdo um "fio solro", ou seja, uma linha d(,,; ação que

11 . 111 t.oll vcrge para o núcleo. É cla ro que isso pode ser um "ga ncho", um:1

CX p Ct.l :1I iva cri ad;t ("Xi, nus e o careca? E la esqueceu o ca rcca no pon a~

li l..b! CO lHO é quc ° ca ra vai sair de !á?"), que é logo k:vada de roldão,

Ill.h fi ca brente no espectador, que passa a aguarda r ullla "amarração"

IH llo ter ior.

1'01' UllIro bdo, as sobreposições de linhas de ação, se fo r uma estratégia

l l.ma,llltc, pode ter outros fins. Se o roteirisra busca o contrário da unidade

dr,lrrl:Ít ica, se for sua intenção "desdramatizar", ~Izer com que a "correlUe

c1 éll'ic:t de sua narrativa "dissipe calor", em vez de fluir ordenadamente,

dt: ixar "fios soltos" pode ser Ullla boa idéia. Cenas de IIIlI CaSlUI/enlO (Roben

Altrn:IIl), po r exemplo, é fc ito de um monte de pequcll:\s (;(:na~ n:ls quais

v.\ ri:l\ coisas acontecem ao mesmo tempo. As linhas de açáo (dezenas) vão

\cndo rC1'Omadas ao logo do filmc, mas sempre com essa dispersa0. O filme

é ..... 0111 0 um s i.~lema vetorial caórico, apontando para rodos os lados. I~ ma­

gi~ tral. Tão "dissociado" que mOllstroS sagrados como Viltorio Gassman e

( ;L: raldi rle C haplin aGlbam submersos na balbúrdia d ram;í tica. Nem sem­

pn.: .\c.; quer "unidadc" - para um conl'rapO/110 radica lmenre "u nificado",

vt:r O E-ércilo Inútil (StWIJllers, Roben AJrlllan , 1983), filme, em um só

.110, que se passa rodo dentro de um alojamento, eJl(re três soldados pron­

,.1\ para ir ao Vierná .

() mais comum, entretanto, é que C]uando uma cena tenha mais de

11111;1 li Illla de ação, todas acabem convergindo para o mes mo Illkleo, tor-

11.lndo~se uma só, resolvendo-se no mesmo tem po e espaço. l~ o quc

01\1 )1'1'1.: , por exemplo, na cena da despedida de Bené em Cidade de Del/S.

. . .

Anóli c: a dosp dida de Bené ( ic/ac/e c/e Deus)

Estrutura de cena {pontos pr'incipais}

Pró logo: Zé Pequeno se pemeia na frente do espelho.

(A cena curta, não dramática, dá a dica da cena que segue: Zé Peque~ no rambém quer ser amado.)

ai PonJo de partida

A- - J r'" do C ',d-" Ie de Deus (crentes, sambistas, bfllCks, cocoras) s varias ga e ,w" '

comparecem à festa de desped ida de Bcné, C]ue dança com todo mlln~~. Enquanto isso, Zé Pequeno leva um "fora" de urna moça que ele cotlvICLI

pra da nçar. . . (Bené é querido , Peq ueno é odiado. E.m d u:ts linhas de ação dlS[Ln~

(' . " '~OS"Ç'o' ela é o JJOllto de pa1'l'ida da ccna da morte r.\s, alll'lna~se ess,1 0e ", <

de Bené.)

bl Desdobramento Zé Pequeno, depois do "fora", "caça briga" com Bené: Pe_quello não

. or,',da do parceiro' Bené re:lf"ifllu sua fuga (ti obsess:lo pelo 1'0-acena a 1'" < < , •

der que o amigo tetn e deixa Pequeno xingando soz lI1 ho.

(As duas lin has de ação confluem na discussão entre os dOls, que cx~

plode e acaba.)

Nova lin ha de ação, secundária (interpolada à principal) :

Neguinho circula pela fes l'a, com cara de poucos arn igos, procurando

'11guém. (Criação de suspense: Neguinho fo i escor raçado da favela por Peque-

no. Va i rnatá~lo?)

c) Ponto de virada, novo clímax, mais forte que o primeiro .

Pequeno, depois de mais um fora (o "deixa disso" de Bené), caça ma is

173

l ')ldll\.I(I , p.lll illdn p.ll,llilll.1 d t· M.III" ( ,.lIlIlIhl , !J 11111111.10 qll t'l'~d d.11I

,. llIdo LOlll.1 ~. II"Ol.lll"e lh e.: dCII o " /<) 1 •• ".

Âtl'li ICIIIO:' n ponto de.: vir:ltb, CO I1l o c~ Llhcl('(. illl e.: l lh) dI.: UI I! llúVI'l

ttlllf lih) (Pcqul.:no x Mané Galinha) c t:lI11hém um novo c1ínux , IIIn;, ex

plll:', lo de.:!.é Peq llcllo, que libera sua fLiria. Pequcno observ;l ü ambien tl.:,

Icumhe.:cc a mulher que se negou a dançar com c1e. Percebe que ela está

d .. 'lI\:lIldo C01,1l o ll.rra pess~a (Mané Gal inha) . Zé Pequeno pane para UI II ,I de.: Mane Galmha, obngando-o a fazer um strip.

(!.é Peq ueno deslocou novamente a. ação, criando U lll tumu lto em t, H!HI da agressão a Mané Gal inha.)

di "Respiro"

I\ ngéli c l, seu novo amor (Bené) e scus an tigos prctendentes (Busca­

Pé e Thiago), todos juntOS "numa boa". Indicação de resoluçáo de conAi ­

IO .~ :ltltcriorcs a esta cena. Enquamo Mané Galinha é humilhado, Bené e

Angéliea se beijam na pisra e acenam pa ra Busca-Pé, que es tá na cabine

dI.: .~om . T hiago chega oferecendo uma câmera em rroca de pó . Incitado

por Angélica, Bené aceita, só para dar a câmera para o fel iz Busca-Pé.

(Aqui lemos um respiro dram:írico , deixando em suspenso a briga

llUe.: cs ~ava rolando. Ao mesmo tempo, a "cena seb a paz" cnrre Bené, o

wnqulslador do coração de Angél ica, e seus ex-amores.)

el Clímax

Bené vê o tumulto e vai relHar "scgur:lr a onda" de Zé Pequeno. A bri­

b. 1 cntre eles retoma, Mané é esquecido . Parald amcnre, Neguinho esprei ­

I.~. Bené e Pequeno se engalhnham num empura-empll lTa que tem a

l .. ullcra como "desculpa" (isso servirá de ga ncho para desenvo lvimentos

1111111"0S) . Neguinho mira e ari ra. Correria geral, Bené cai. A música pára,

l" nquanto o saláo esvazia.

(Todas as linhas de ação confluem e os confl itos se inrensificam até a

I.."X plosão final, com o ti ro e a morre de Bené.)

, ,. ~

I / d

II "F cho" Zé Pe.:l l'ICIHI L!lnl".l, de.:~e.:S pcl".ldn, ahr.I~·.ldn .10 t.:oqlO do :ulligo morto,

Angél ica esd pn'lxi ma churando. Pequeno a escorraça. Sozinho , abraç<ldo

.111 cad:ívcr no meio do salão v(l'I.io, gri ta e atir:l para cima.

(O final marca a mudança de siruação de Zé Pequeno - nata-se de

um plof poinf na estrutura geral do fllm e: de agora está só.)

Em tratamentos an (eriores do rotei ro, os comeúdos d esta cena esra­

vam d istribuídos em outras: havia a cena de uma fest"a em que Bené era

:lss:lssinado (n50 era sua despedida), OUIT3 cena pan o enterro de Bené. A

concentração dramát ica dessas ações resulta num :lUl11cnro da "tempera­

tura emocional" do espectador e, no nível mais geral da narrativa, produz

uma sensação de "fecho", Temos, ao mes mo tl!mpo, o último confronto

ent.re Bcné e Pequeno, e ntre Pequeno e Neguinho, e a resolução dos con­

/litos românticos em [Orn o de Angélica (que desaparece do fi lme, mar­

cando o fim das relações rom:mricas na narrat iva), Todas essas cO IlAuén­

cias são bastanre funcionais para a marcação da morre de René como plot

POillf do fi lme: a parti r de agor;\, nada se r<Í como ant es . Ao 111l:smo tem­

po, como que sob esse movimento pri ncipal, há preparações para novos

desenvolvimenros: o co nA iw entre Zé Pequeno e Mané Gali nha é bem

marcado, e fica pcnden te, sem solução; Busc:l-Pé, por seu lado, perde sua

son!uda d.mcra para Zé Pequeno.

Orquestral" esses vár ios níveis de desenvolvimento não é 8ciL ·II-:.u a-sc

não apenas de passa r as info rmações de cada uma das linhas em qucsrão,

mas de fazê- lo com alternâ ncia de wm e ritmo, condm.indo cmocional­

menre o especrado r arravés do emaranhado de relações . H á muiro de ma­

nipulação de dctal hes nesta composição. No próximo capítu lo vamos nos

dedic:ll" à microanálise d as fi ligra nas d:l construção cên ica, trarando de as­

penos como marcação de atores, relação entre diálogos e comporramento,

e moduhções do espaço. Como exemplo complemelllar à :ln:ilise estrutu­

rai d:l cena da des pedida de Bené, vale a pena ler o como "A sociedade"

(transcrito no fi nal do tópico sobre e.~paço deste capítu lo 9), no qual

Alcànrara Machado mostra como, apenas pelo modo de escrever, é possível

sugeri r muito do trat:ltncnto cên ico do espaço.

175

I nt rvenções não dram6ticas na 0 11 I

C:lda nível de 11m rot eiro (cscdeta, :.t:ll(j ~ n L i,l . 1..(: 11.1 ) le lll um:! cu rv,]

drall1 :'Í li c l - 011, em casos n;io-drandl'icos, :llgur1l princípio de tcns.10 c

1..1 i,<, tt: m ão (respi ração). No caso de uma cena dramática, é preciso pcrgun.

I :11': que m pcrsí.:gue qual objetivo? Qual vOIHade move a cena? O excekn­

te rol e iris!:1 e d iretor David M ammeríO discute esse princípio até o lirnin.:

e m seus livros 7í'iJs Usos dfl rtlC{( c Sobre d Direção Cinemtltogrríjt'ca, em que

profCss;l um fanatismo cláss ico-dramático. Cabem, então, as pergunras

.... ubn.: o ponto em que a cena "se concentra", onde a pcrsol1<lgcm se deci­

d e por uma ação, quais as reações desencadeadas erc.

M;ts o dram,ítico Mammet é um J"ei somente em sua il h:l. Aqui, como

I IO S outros níveis, cabe também a pergunta: manter tudo no canal dra-

1I1 :\li co é mesmo o melhor? Não vale a pena, nalgum momento, dar um

I) : l s~o atrás?

Assim como uma cena não-dranütica interrompe o Auxo da progres­

sJo, acrescentando uma outra dimensão à narra tiva, também dentro da

L:Ul:l pode haver esst: deslocHnt:nto, essa intervenção do narrador, Enen­

do o espectador d:1r o tal passo atr:lS e ver além (por baixo, por rds, atra­

vés etc.) da quarta parede. Na cella isso pode acontecer tanto por inter­

pobção (como ocorre entre cenas), como de modo simu!t:lneo, no corpo

d :l própria cena.

A inrerpolação ocorre quando, numa ce na, coloca-se algo qlle rompe

~eu Auxo, como uma cunha; ocorre ent30 uma pt:quena "outra" cena ­

li 111 jlashback, por exemplo - , como na lembrança da inf?incia de Peqlle­

no e Oad inho, no meio da briga do baile (Cidade de Deus); ou nas imagi­

nações dos personagens de O Dia em que Dorivnl fiwl/'Olf a Guarda (Jor­

ge Furtado e José Pedro Goulart, 1986); ou ainda nos "d i!)es" dioress ivos o da.~ celus de Coméditl dfl Vida Prillfldfl (os amigos estão bebendo e el1("ra

11m mini-falso-documentário, so bre os usos ritualísricos da bebida).

Já as formas de distanciamento implícitas à própria cena, que náo rom­

pe m com a continuidade espacial e temporal, podem ser de vários tipos .

Um pe rsonagem secundário pode nos oferecer um outro ángulo de visáo,

l"n:qüentemente cômico. Ou urna voz oiFpodc comentar a cena revelando

1/6

.d )..:.1I11l . l \pl·~ I \ ) H II Ilp1e1.1I 11C111 C i 1111 , i I.ld, I. M I'\l 1I1l UI 11 ~ i In p ie , ]11.1 I I< I , I iJlll . l

dll dc 11111 .i llgllltl im:\pl: r;ldo pur UIIl narr.ldur ill vislvd l: irôni cu, pmk 110~

IllOSlrar IlId'l de IIlll modo dcscOn Ce rl :llll c e fund:HlH:III:11. Um excelente

exemplo ~ o plano cm plollgé (de c.:irna IXlr;l b:lixo) do GllllpO de minigolfe,

Clll HOII/J(! IIlIltI Vez Dois Verões: Chico acaba de, finalmente, encontrar e pas­

~: 1I ' ; 1 no ire com sua ;mlada Roza ("com z") . Vê uma tampinha no ch~o e,

~c lltindo-se um mestrejedi, senhor do seu desti no e do universo, tenta um

lance mágico, ch utando a tampinha através de uma sucessao impossível de

obsdculos. Obediente;l sua vo nrade, a tampin ha cai, submissa, 110 buraco

exato . Como Di Caprio, em versao de veraneio gaúcho, ele é o rei do mun­

do . Mas no último plano da cena clt: aparece andando entre os obsdculo.~

do minigol fe, tal qual ulna bolinha da l11;ÍC]uina de fliperallla - justamente

onde ele conheceu, por acaso, a Roz:l. Como todo.~ nós, Chico é scnhor do

seu desrino, mas é também um joguete dele . Que diferença F:1Z um pbno!

Um:l forma, digamos, "oculra", discreta, de inrervençao do narrador

são planos náo orientados para as ações dos personagens, pequenas indi­

cações para desviar o olhar em alguma direção que n.1o a (1:1 inrenciona­

lidade. Por exemp lo, em A Doce Vida, na última festa do filme, Marcdlo

esd, grol esclmenre, divenindo sua platéia burguesa, numa espécie de ri­

tual de auto-aviltamento e agressáo aos anfitriões: grit;l, cscLlCha, xinga­

os, xinga a si próprio, rasga um travesse iro e espalha penas pela sala. Faz

tudo isso "na ga rupa" de um;l llllllher- no limite entre a j uventude e a ida­

de madura - vinda, como ele, do interior para viver o arriviSlllO de Ronl;1.

Ela esd bêbada e se pre,~ta a ser a cavalgadura de Marcelo, re ll !";l rir - :dinal,

a festa não pode parar. No auge da cena grote~ca, h:í 11m dose em ,~eLl rosto,

desamparado , quase ingênuo, nllm lerr ível contraponto. É quase como

unu vers.1o em miniatura da pane do "julg:ll11ento no C~Ll", em O Auto da

Comptldecidfl (Gud Armes, 2000): se Illudamos de :lllgulo, todas as saca­

nagens do mundo são dignas de compaix~o.

, , ,

No nível que estamos focando neste Clpítulo, de pbnejamento da

cena, (rara-se de definir quais serão as linhas gerais e que t ipo de recurso

177

t'Xp' l '\\ i vtl \('1,1 l' llI Pl q.;" du \l' II H O c ., , ) p ,U ,L plllpPI L LO" ,II , li) n p c u ,1

dtll IUH I ll!llllClll o d c d i' l.lIl {. i ,II IIClll0 CI1I Id , . ~,1(1 ,\ ll' ll .1.

Exemplo de "esboço de cena": "O carte iro" de Cidade dos Homens

Acerob c l":lralljinha, voilando de sua missão de devol ução postal no

.I\t.l hn, chega m com uma idéia para os "gcrentes": c se eles fizessem um

11I .l p a du~ becos d;\ favela? O negócio del es é se livrar do se rviço de canei·

U h • • tposl.l1ldo na \'onradc dos caras de im pressionar O patrão ausente.

Q u.llldo p:l rece que os moleques vão se dar bem, chega o do no da cana

\.:X I r.l\' iada. dando o maior esculacho. M ad rugadão, que t e m de l1unter a

IlIma l na :lusência do chefe, se invoca: põe os moleq ues no ch:ío c, três·

!l il. to na m:1o, diz que vac ilão lem de pagar, Mas na hora "agâ", Lord, ou·

11'0 p.: rr.:llt c, illlerfere, lembrand o da idéia de Ace rola: "Pensa bem, Ma·

drll g,a dão. T'udo certinho ... V;ir i;IS placas .. Ave nida do Mad rugadão!

Nome n;t placa ... " Acerola e Laranjinha se sa fam: v:ío pagar a v;lCilada (.1·

I.c ll do o mapa da r;lVda. Mas. ames, Acerola , que não vai perder uma opor·

Itlltidade só porque quase morn:u, t ira a sua c<I:iquinha: "Ô, Mad ru ga·

lL h'! [ o dinheiro do marcrial das pIaC:l.~?" .

Exercício

Cscreva um "proieto" para uma cena de seu roteiro: narre-o como se

·1 .,~t ivesse contando poro alguém. Verifique como se comporta suo narro­

IlVIl diante das perguntas listados no início do capítu lo (escreva a lgo sin°

t. ·ti( o, em torno de trinta linhas).

l/H

Capítulo 9

CENA: CARPINTARIA DA MISE-EN-SCÊNE

• As rubricas sugerem uma marcação, um jogo de ce­

na? As ações sugerem tenta tivas de "direção" de um

personagem em relação 00 outro?

• Há momentos de silênc io? Os d iálogos podem ser

subsfituidos ou complementados por ações dos perso­

nagens2

• O diálogo pode ser mais suti l e sugestivo, menas di'

dático2

• Há divelsidade de /alas , por característicos e con'

textos de cada personagem?

• MudO! o cenário não contribuiria poro a riqueza do

ceno2 O modo de escrita sugere a decupogem do

espaço e de objetos? Essa sugestão apóio o ação?

• O espaço é publico ou privado? Há interação com

personagens secundários?

• Os pontos de corte contribuem poro o cond ução do

olho e do emoção?

• Há a lgum momento ou elemento que, por condensar

sentidos no cena, é sublinhado por músico ou suges'

tôo de decupogem?

• Há sugestões de enquadramentos no esti lo de es·

el ita'?

• O roleiro sugere o ritmo do cena?

179

Marcação dos atores ou "quem manda na cena?"

Essa pergum;\, um tanto bnlt':tl, Gl[VL"'Z st:ja a principal, a mais b~ís ica a ser

formulada a um:! cena dram;\ti ca em construção. Ela nos remete aos poncos

cruciais da curva dramâtica, d iscutidos no capítulo anrerior. Mas aqui se tra­

I'a da realização d o detalhe: a pcrgunt':1 se coloca a cada passo , de forma con­

creta. Podemos rcformulá-la: como, neste instante preciso, Clda pcl'Sonagem tenta mandar na cena? A brutalidade da indagação tem o méri to - e o risco ­

de reduzir a complexa gam a de scnrill1 emos, idéias c ações dos personagens a

urna "briga de racape" envernilada e requintada - c t'alve'"L no fundo o drama

sCJa ISSO mesmo.

Enfim , aqui int'eress..1. o jogo de cena, o balé do confl ito entre os con­tendores. Antes de passarmos diretamente ao cOI11cndrio cinematográ fico,

vale a pena sugerir uma bibliografia específica sobre o tópico, inusllal, mas

muiro ütil para aguçar nossos exe rcícios cotidianos de observação (o "1'50

nosso de cada dia" do roteirisra). T rara-se dos manuais de comportamenro

em siruaçõ<.'S específicas: man uais de etiqueta s50 legais, mas melhor ainda

s50 coisas do lipo O Jogo de Podcr 11ft Einpresrl ou Odeio reulIiiiesSI• Você vai

encontrar neles sistematizações de comportamentos que você, cenamcn­

rc, já percebeu; comportamentos que, na vida cotid iana, têm uma lógica

de disputa. Tomemos, como rápido exemplo inrrod ufório, uma reu ni 50 de

proposta de emp reendim ento.

Cada contendor tem seu código de ação: o mais poderoso, que ouvirá

e julgará a proposta, "comprando-a" ou não, de modo mais Oll menos

vantajoso confo rm e soubcr jogar co m seu poder, busca rebaixar o "pre-

181

t t' lhkrUl''', I k i x, l lI t'\ P CI ,lIldll ,lO lnhlll ,1 ( 01 1) ,I \n l\'l ,I'I,1, V(" por 111111 ,1,

q rl (' Ill tcn i\l"I'.I .r .I\. r" d" vj, il .IIlI i.:: e Xpll{' .1 \ lIpl' 1 11 11 Id .ld l' d .1 ~ 11.1 po~ i ~ .I('

d{' IHOI .llldll .I l' IIII.lr "no p()rHo",e~ t e.: ll(kndn ~l' 11 .1 LHll ve r";:1 sobre.: a~~ llll

10' 'C flI irllpon .í Il Li:l, d e.:~ v i :!Il d( , ° a ,.; .~unlu. f:lze lll!u pergulltas em prorll

'.Ii' (' 11 .10 d.llldu 1l1llit:1 :uençilu ir,.; resposta,.;. O próprio es paço do i.:scri tó

II U pod e.: e~ ta r "a rquit etado" em função das táti cas de guerra: UIll so~l

\" ol do n.lvd c gr:wdc, colocado como que "perdido" em mcio a uma :írt::l

l.; r.lI1d e, pode "diminuir" qucm espera . Uma sala grande, co m mesa lia

pO II!.1 opos ta :\ da porta, obriga o visit.tntc a atravessar o espaço, ellquall ~

10 n "poderoso" espera. (Se o exemplo parece forçado, basta reparar no

t'\u it ó rio de Linus, na cena de Stlbrinft anal isada no capírulo ameriôr - e

l lll i.: ~ed retornada a seguir.)

l'or outro I:Ido, o visitante precisa manobrar par:l neutralizar essas tá ­

I iC:1S do advers:írio. N~o se importa com o chá de cadeira: fica trabalhan­

do em relatórios ou fa la ndo no celular. Uma vez na rcuni50, é ainda me­

l hor que o "dono d a bola" no papo furado e, quando é a sua vez de

nCluar, tn aquela "cara de Roberto O 'Ávila" {o entrevistado r-so rriso}

Ila ra o papo sem fim de seu interlocutor-comprador, tco tando obrig:í-Io a

pergllnt'ar: "Então, Ill C U Giro, o qu e lhe traz aqui?".

O exemplo é exp lícito, uma situação ma rcadamente dram:íri ca, mas

m princípios valem par;} am plas esferas da vida, dos bancos escola res aos

fun erais. E se no co ridia no estamos sempre às vo ltas com improyisaçóes

meio canhestras de jogos de cena, remando "manda r na cena" da nossa

\, jd:l, como rorejristas "remos o poder absoluro"! Somos dem iurgos, f:IZC ­

f1I() S cada personagcm, cr iamos o espaço c a müsi ca, sempre com a possi ­

hil i(bde de "ver de rora", da r um passo atrás c comentar tudo ironic:l ~

I!lCm e, como aquela dupla de velhotes no camarore dos Muppers.

o clímax de Sabrina: mise-en-sdme

Analisemos, agora, uma cena em que essa coreografia do poder é pic­

n.Ullenre acabada. Rewmemos a cena do clímax de Snbl'i llfl {a segu ir, re­

tomamos a análise sobre curva e pOntos cruciais da cena, apresentada no

\" ;rpítulo 8, e acrescentamos - em negrito - os comendrios relativos à

(lI"rcação dos gestos e posições recíp rocas dos atores).

I H?

o) POrll ti partida: Linus é o "choirmon", o "OOss"; enfim, o cara que mcmdo

S:lbrim, depois de mQm cmos ele hesil'aç:ío, enl ra na sede da emprcs:\

c, do saguilo, li ga para Linus, dizendo que não va i sair com ele. Ela esd

lensa, emocionada. Linus a acalma, pede que ela explique tudo {ranqüila~

mente. Ela começa, então, ::l. relHar se expl icar, mas Linus deixa o rel efone

sobre a mesa - Sabri n<l fica t,lando sozinha - , vai :né o saguão e, supera n­

do a frágil J'esisrênci:\ dela, a cond uz até sua sala.

(O especrador, de início identificado com Sabrina, te rmi na identifi­

cado com Li nus,)

Comentário: Sabrina ini cia :I cena, na porra do prédio, em fren te às

placa.~ qllt ex ibem o poderio do im pério comandado por Lin us. SeI! cami­

nhar é hesitanrc, para um lado e para outro. Sabemos que ela decide Edar

com Linus q uando se volla e caminha, firme, re(O, para dentro do prédio.

O passo a seguir já é a demonstração do total controle de Lin us. No

d i:Hogo, Sabrina , agitada , acaba co nfessando ao ca lmo Linus qu e está no

prédio. EIe;l deixa r.llando sozi nh a c, a segu ir, a surpreende chegando por

rr:is, pelas costas. Ela tenra passar por Lima do "golpe" e conduir sua

mensagem de fuga, mas Li nus 11 50 perm ite: pega-a pelo braço e a conduz

ao scu espaço, :l sua sala (da se deixa conduzi r).

b) Desenvolvimento: o esconde-esconde do amor ou "quem va i entregar os pontos?" I. J:í na sala , o jogo é retomado de modo um pouco mais co nce ntrado.

Sabrina ai nda resiste, qu er ir embora. O telefo ne roca, com a secretá­

ri a anuncia ndo que estão feiras reservas para o tearro. Lin us sugere o

programa, mas Sabrina mostra suas roupas, que ju lga inadeq LLad:ls (o u

seja, sua dctenllinação de pani r j,í en fraqueceu).

Comentário: Li nus deixa (põe) Sabri na no meio da sala - enorme - e

vai até a .sua mesa (a mesa do chefe) . Sabrina fi ca perdida naq ueb i m en ~

sidão. Já Linus controla tudo, como um diretor: ao toque de um botão

de comando, a porta se fecha, atds de Sabrina. A seguir, ele diminui a luz.

183

1' 1.1 ,IIIIi.l.1 I'IUf t·\ I.I , petlltldu P ,II',I lIm,' d<' ,1\ \1 (' 111<" , 1 ~n, I ', 1,1t, u,:dc 111 11

jll)lI l 0 , \e l1l (.O ll ll' lll.ll 11 ,ld.1. l.illll ~ II (' IH ,I l llll .... ld .1 P,II ,I () 1,111 1.11': ouv id ,1 ,I

nle ll\. I1;(.'m d ,1 \cueLÍri.l, ek .l p !.: llaS eq;uc O~ olho\ p.lr.1 d :L Fia IIi'iO piO

le\l.l , n.lo re.ttlrnl,l ~ 1I :t convicção de ir e mbor:t: :I\)CII :\S mostra, dcs:unp.1

1.l d .1 no Illeio daquda sala enorme, suas !"Dupas inadequadas.

2. Li llUS dá as ent radas pa ra a sec retária e sugere que eles comam ali me~­

mo, o nde de rem uma pequena cozinha - ele nem convida Sabrina,

:lptJlaS age. Sabrina se junta;1 ele, cedendo.

Comentá rio: Linus não d:( trégu a. Nem bem Sabrina recusa o convi­

te, clt.: desloca o eixo das ações para a pequena coz inha , dizendo que vai

(;Izc r algo par:l comere m ou beberem . Sabrina não só não protes ta, como

c lIninkl :llé ele. Caminha ;t passos pesados, como quem não tem mais

forças para resistir, como qu em caminha para o cadaf.1Iso. U chega ndo,

11111 ges to n:S llme o Illovimenro da cena até aqui: se m di zer nada, Linus,

imóvel , apenas es tende sua mão. Sabrina , resignada, rira sua ca pa, reve­

lalldo-se vestida apenas com uma malha (é como se da se despisse).

3. Ames de co meçar a preparação do jantar, Sabrina se descont rola , cho­

ra, f.11a de seus sentimenros, quase confessa abcrramclHe estar apaixo­

nada por Lin us, que se malHém impassível.

Comentá ri o: UITla vez ju1Il'0 a ele, Sabrina não o enca ra. Mexe nas

coisas do armâr io, enqu;IlHo começa a falar de seus sl'nrimenros . Linus,

:to contrário, tem os olhos cravados nela, não perde nenh um deralhe. Ela

não consegue mais fúer nada, p:ira, mas ainda não consegue enca d -lo.

Com raiva de sua própria "fraqueza" sentimental, bate de leve com a ca­

heça na parede. Pede a de que a ma nde embora, mas nesse momento seu

desejo é mais fone: volta-se para ele, olhos nos olhos, e retira o pedid o,

dizendo qu e não supon aria partir. Insin ua -se o momenro de um be ijo.

CO" • *

IB4

4. I'\ll li lll , \,lh l 'II .1 \l' Ufll l ll )l.l. CII Xllg.1 .1\ l.I~lill\'I \, di , qllC 11. 11) I,.tml t' lI

n.H..I.1 t) d i.1 illl t· lft) tl qlle Linll \ .1(;0111l' UlInt) "ex pl icaçiio" p:tra o t!c~­

co ntrole mOll1 cnt :inc:o - c, alcg:lndo ~I LU,: vai Elzn o janrar, "expulsa"

Linus da cozinha.

Comentário: ela se reco mpõe, retoma o controle da voz; Linus, ina­

balável , oferece-l he um It:nço. Reforçando sua rcromada da siruação,

Sabrina brinca co m cle e o "expulsa" da cozinha.

5. Linus , sozinho, fr:lqucj:l . Percebemos que ele também cst,Í abalado por Sabrina. (Esse é um ponto forte de identificação: o espectador

deve se identificar com Linus.)

C omentário : Momento c ru cial. qU:1I1do tudo se inverte. Pela primei­

ra vez Linus está co m olhar perdido, n;'ío est:í agindo "para algo" . Com

expressão abarida c preocupada, esd pe rdido em se ntimentos. Aqui há

um bnce ViSU:II genial: ilS costas de Li nus ve mos, através de uma conina

transpa rente, Sabrina. Eb n:ío é, pela primeira vez, objeto de seu ol har. É o objeto de seu desejo - desejo inrerdi ro, negado, separado dele pela co r­

tina (qu e, enrreta1l\O, t! tra nSparelH c ... ).

cl Clímax Sabr ina descobre, sobre a mesa d t: Linus, duas passagens para Paris.

Rad iante (pOIHO de idenr iri cação), ela se joga nos braços dele, achando

que vão viajar juntos. Linus se mantém frio, e acaba confessando que foi

rudo uma "jogada" empresaria l.

Comentário: Linus perdeu a condução das ações. É Sabrina que desco­

bre os bilhetes. É ela que vai até ele. Neste pomo, a dança de sedução &

controle acaba. O espaço deix:l de ser importante. Eles ficam frente a fren­

te, olho no olho: a hora da verdade. Diante do entusiasmo dela, ele se man­

tém inerte, rendo como única reação a de confessar-lhe a "jogada", sem

verve ou orgulho (aliás, seu ,Ibarimellto denota vergonha). Ela "murcha".

IB5

dJ "Fecho" S,lbr in,l:'c n .. \ .upt:fa do ChOl lUC c Ihi v I' I" 1 I ' I .' .1, .111 111,1 'l I .• ~ Ih llt( ,l~ C 1>. l ltll o

da sala;1 p:lSSO,~ firrncs , dcix :w do l.illllS :,o Li nho c .H'f.I. ... ldo.

Comen tário: Por fim, quem dá a cena por encermda é ela. Ele vai :ué a

Illc.:sa e CX I~ ai,nda os ."instrumcnros do crime", as ações e o dinheiro que

cb recebcna. Fna, eb diZ que vai fica r ape nas com a passagem. Ela sai, firme. Ames de ChCg;\ f )1 porr'l 'd· , ' . ' . {' _ " ,,3In ,\ se Vir,! para um;1 lronra nnal, desculpando-se

por Il<lO Fica r para bvar os pral'Os. A l'drima imagem é lima invers5.o visual do mumemo da enrrada na sa la: vemos Linus, ainda em sua cadeira de chefe

mas enquadrado num longo c escuro corredor S b " ' d ' . . a 1m3 passa esvoaçan o Sua capa, samdo de cena.

Corno podemos ver, cada detalhe é um "movirncnt'o de xadrez". So~ bf~ esses detalhes rodos . há uma área de inccrre>:a enrrc o rrabalho das rll~ brlcas do rotcirista e as decisões do d ireror no set (a inda mais num caso

desses: em que o.roteirista e o di rero r são a mesm:1 pessoa). Mas o impor~ ra ~He e saber dn IInportáncia dess;l s marcações, c reru ar sllgcr i ~ las no 1'0-

! e~ro . Caberá ao direror segui ~1as. desenvolvê-la s ou mesmo recusá-bs,

crl<ln~o. outr~ m!~e-('n-sâ:ne. Em lermos bem práticos, o importante é que

o rotclflsra vml:lhze a ccna que c.~crcve. aré mesmo j>:l r.1 que seus d iálogos " I ' I " ten l<lm VI( a • não sejam etereamcnte descolados de ações. Passemos, então, a eles, aos ddlogos.

Diá logos e comportamentos

o cha~ão "uma imagem vale mais que mil pa1:tvras" é um exagero.

Il~as, no ~mem~, assi m como na vida, as ações dos personagens podem

lbz~r muno maiS a respeito deles do que suas fa las. Um sujeito fr io e ca l ~ <.:u hsta pode repetir mil vezes "eu te amo" para a moçoila que deseja arras­

tar para a cama, mas seu olhar distante deixa claro para o espectador que

Ifló

" l. II .I pO\k .11 1('1 IlllIlt\) t C\.U) P C I.I f,. Inll .I , 111.1\ 11 .11' , IIIH 'I'. I ~ evide l l te c

Illquiel,lll1 c \I \, ')l II I ,I\le c ntre 11111 '\;11 I C :l1llu " h; i' nUHII sú plica~ v i ~ l l ai ~

c dtci:- c 1111\ :1 répli "- ;I do lipo ":dl , Il \cll ;lIllO r, cu (; ll1\ hém te amo". A rcs­

]lOS!;1 pllramcnt..: verbal soa fa lsa c sem mot ivação. No cinema, como na

vida real, :IS vezes é mel hor fi ca r calado, apesar de pouco eficient<.:: é mui ­

to mais fácil mentir com palavras do que com gestos e ações, pois o movi­

mento sempre esd carregado de intenção.

O que é mais cinematogdfico~ Falar que um suj eito é manco ou

mostrá-lo caminhando com difi culdade? Em Melhor b jmpossÍlJel, o per­

sonagem de Jack Nicholso n demonstra, através dc seus atos, q ue é um

obsessivo compulsivo. Se ele ou ourro personagem fa lassem de suas ma~

nias, isso teria o mesmo efeito? Cla ro que nao! Assim como as pessoas, os

personagens devem agir. poi .~ é nos ;l[{)S que revelam seu cará ter.

O roreirisra rem a obrig:lção de r:lzer com que seus personagens ajam. Só

assim o público se idenrificad com elcs, poi.~ serão pessoas de carnc c osso,

como todos nós. Um erro baslante comum de roteirisras in iciantes é colocar

IOda..,> as informações no d i;í1ogo. Como você j:í sabe, o ddlogo é apenas um

dos elementos da construç;'io audiovisual, entre ll1 uims outros, Novela faz

isso: coloca rudo que é necess;írio 110 ddlogo. É wmprcensível, pois sua ori~

gem é a rad ionovda, na qua lll ldo rinha de ser fJ lado. A conseqüência de fi l­

mes que mostram de meno.~ e têm diálogos em demasia é a ausência de

subrexro. Os d i:ilogos acabam fic lIldo d ireto.~ dcm;lis. Por isso, é fundamen­

(ai que você construa suas rubricas com cuidado. As ~IÇóeS de UTll perso na­

gem podem reforçar suas c lr:lcrcrísricas ou oferecer Ulll contraponro.

Uma cena pode ser basra ntc rica se a ação de um personagem vai no

sentido oposto do que ele fala . Isso contribui para explicitar o conAito i n ~

tcrno de um personagem . Um exemplo ex tremo, quasc caricato, é a leitu~

ra da B/b/ia que anrecede a chac ina, em Pu/p Fictioll . A cena é irônica e

amen iza;l brutalidade do assassinato a sanglle~ frio. Marca registrada de

'Iaranrino, é um recurso que, por contraposição, a um só tempo suaviza a

violência sem sentido de seus personagens e escancara a crueldade de ma­

tadores sem escrúpulos.

Outro óti mo exemplo de contraponto é a cena do sexo por telefone,

em Silort CnlS. Enquanto di z mil saca nagens;lO sujeiro do outro lado da

187

lill l! :l (St: d hO ll1 el11 Ille\1ll0? N.I!) li VClllO\!) .. I l hd t· d ,' 1.1IH(lI.1 rc.:\poll d

vd t:mba b se u filho no cnlo. Apcl>:lI' d ,] difcICII\.1 dc ltlll \. ID 11o, doi, (,.1

sos {em Plllp rlclioll, a ilíblút ame.~ (la vio lên(, j,l .llIlnCnl.l a leJl\.lO; em

Shol't CUIS, as s:tc:tnagens misturadas ao tr:tb:tlho doméstico d issolvt: 11l

tudo num mesmo cO[ id iano modo rrenro), fala e açâo têm em COlllum o

movimento de d ist'J.nciamcn ro , um estranhamento que nos oferece uma

perspectiva incomum sobre o que nos é apresentado. Nem sempre o me·

Ihor é usar tudo no sent ido do reforço e da confl uência (a redundância

pode resultar em perda de força) . Como ens ina }oâo Gil be rto, uma d is·

c reta d issonflllcia ab re o ouvido, os corações e as memes.

a ) Divers idade das falas Em primeiro luga r, é bo m no.~ livrarmos da o ni porênci:l do

rOl'e irista . Se é fato que, num bom roteiro, cada personagem "(:1I:l" de

um jeito d ife rente, tam bém é verd ade qu e seria pretensão demais do

roteirista quen.:r ensinar trejeitos de li nguage m aos atores, sem mesmo

conhecê· los! No sei de Fil magem, é comum haver improvisação de ato·

res. Palavras são tTocadas , às vezes frases inteiras são suprimidas ou !iub!i·

ri ruída!i . Se o roteiro for bom, e estive r total mente amarrado, ou seja, se

você co nh ecer a fu ndo O film e Cjue escreveu, saberá de imedi :l.lo se a im·

provis3ção fun cio nou o u não. Em Cidrlllede Deus, que [em um dos me·

lhores rotei ros do ci nema brasileiro dos últ imos anos, as f.11aS dos perso·

nagens têm M uno illl p rov i .~o. Isso não signi fica que os di~logos esc rilos

por Bd ulio Manrova ni sejam ruins. Ao co nrrá rio: a imp rovisação (Ul lCio~

oou porque o mapa e l~l bom. C inema é uma arte coletiva. O roteiro é um

guia, uma obra rramicória, espécie de mapa que,;' medida que a cami ·

n hada avança, va i ~e desfazendo - ou melhor, se tra nsfi gurando n<1 pr6.

pria c;lm inhada .

Di to i ~so , concenrremo·nos no desafio do roreÍrism, o de da r um ;l

voz parricuJ.ll· a cada perso nagem (fugindo da'luda ho mogeneidade insu·

portável, na q ual q ualquer fala pode estar na boca de qualquer um). Pen~

se na vida rea l. Cada pessoa fala de u m jei1'O. Não s6 o m ineiro f:da d ife·

rem e do pau lista no, que fa la dife rente do carioca. Você e seu pai usam

vocabulá rios diferenres. Sua namorada talvez faça um liSO de diminurivos

188

q lle 11.1(1 pq~,III . llwI II li. ) ,e ll fUl ehol d.1\ \1,,' I ~ lIlld.l \.) Iltllt C. ~(,' I I 1)11 11 1(1 V('

I cr ill ~ r ;.I , . q~e\ .• 1 de d,,·IC\l.ll ll\ü,iL.1 de I"de i\), f,0\1.1 de Il led fol .l\ d!) 1(.'1

no :lIl im.ll.

E não se I r:U:1 :Ipenas de!isa,\ d ifcl'c nç:11> car:lctcr1:-.ti cas, C u id.ldo ( 0111

as falas ce n inhas, corretas, com ell l'On ação perFeita e raciodll ia complcl().

Pense na fala co mum, cotid iana: você, no seu d ia· a-dia , usa fl':I\e\ (,(\111

plcras, com raciocín io irreroc:ível ? D iz tudo d iretamente, sem nOIl: i() ~

verba is ou gestuais? Só se for na delegacia ou no tribunal, :10 ser ill lelll)

gado - e ol he lá ., . Queremos d ize r qu e você "deve" copia r o co tidi:u lO. 1.11

e qual? Náo. De novo, não se tra ta de uma "regra esperra" . Pense UIll im

ta nte: po r que fa la mos de modo tão emrecortado, Iacunar, m as princi p,d

me nre tão variad o (nu m instante , co rrero ; no outro , cheio de gíri :ls; 11 1)

ourro , "meloso")? POl'q ue a vi da, co mo 11m fi lme, é feita de si ruações d r. \

m:it icas, e a língua , le mbre·se, é li ma arma afiada que esgrim imos cOl1fol'

me as circunsttlll cias . Qua ndo a fala é diá logo, não esd paUlada por coe

rência e acabamenro internos, mas pela capacidade de rel açâo - ação e

reação - co m os outroS,

Um bom di:í!ogo deve ser co nstruído em inter-relação com a ação d I)

personagem. Não se pode construi .. um sem pensar no outro, O diá logo.

como wdo mais - e talvel. ainda mais que rudo - , deve variar conformc :1

situação.

É prec iso recorda r o que os personage ns em cena desejam : fala r dra­

maticamenre é travar d uelos verbais, Talvez você pense: sim, mas I11U il:1\

vezes os personagens não sabem O que querem . É verdade. E, mesmo q ue

~a ib:lIn, muitas vezes não o sabe m cOlllp]et;lI11cnte, c não <.:omrobm 10·

das as suas ações (ne m rodos são como Chapol in Colmado q ue rem "10.

dos os mov imentos fr iamente c llcubdos") . M as o roreirista tem de s:1I)cI'

o qu e o per.~onagcm não sabe, e m().~t rar também isso. Aliás , llIna das ri·

qu ezas da exp ressão dr;l m:írica são os sinai s não conscientes de relaçõcs l'

conHitos. É m ui l'O comu m que a um a ação determinada de um perso ll;l

gem co rresponda UIl1.a reação, uma descarga de energia não co nt'robda .

Exemplo óbvio: o sujeito vai fazer seu primeiro assalto; arma em risl e.

mas as mãos tre mem. Exe mplo mais sofisticado: em O Poderoso Chefoo.

Don Co rleone - assim co mo O Rei, numa socied:J.de de corte, co mo Cl1\ i

189

li •• Nn. h".1 1'1. ,., '1 l·,LI tll1t>hdt /, tdO "d •• W.llh1 . p!ldt'l \ 111l' ' CII ' ~l" t il ' III0h.III ,IIII , J\ ~t,. v id , ldc. Ii pC'O (Ilpml.) (\ ,1 It V ' ~' n jlOtll ., tu.: id,Ltk ) d ,1 1.,1.1

l' do., IlIuvi' lll' tlIO!> du "pod em!>o Ch CCHl" (Oll d l' IlI l, XIV) ~ decúrr~ n c i : l . , uhpmdulo de ~ II : I pusio.,:ão. Essa é um:1 l1l :Ul ifc~ L I \.I() físi ca da co ndi ç:io {'xll'p",ilIl UI (c ~() Iidri:l ) do poder cxcepcion31.

J )d log.os não são :lpcllas va riados, mas smis. Sim, agimos com as pala­

VI .• '. nu.' não de modo d ireto. Quando os personagens são t.1bdorcs aslU­

l ; '1'<'0 " , cheios de sllt ilezas, nosso prazer aumenta. É ót imo ouvir as f.1bs

l OI t.lIll eS do personagem de Hurnphrey Bogarr em O Fa/cão Mil/tês UJ)(,

IIliI!tm' PrI!cOIl, John Huston, 1941), as de Charles 1..aughtOIl cm Téstl'lll/(-

111111 ri" Amsllçiío ou as de ta mos personagens das Comérlias da Vida Pri/llldll.

A/in,11. seria bom que pudéssemos escrever os diálogos de nossa vida, não?

N.lo lll eJ10spreze O espectador. Ti-aba lhe com sutil t"/~IS! COIllO espectadores,

é irritaJlte quando percebemos o didatismo de um di :íJogo. E é prazeroso

ql 1.lndo elltendemos as meias palavras c apreciamos a arte de ocultar a ou­

Ir.1 .Ilet:lde, Compare: "Você sempre teve tudo de graça n3 vida. Eu rive de

rr. lhal lur por cada CetH:1VO. Te odeio"; e "Vestido novo? Mas é só um chur-

1'.1 \ 1.:0 da {inna ... ". Na ~egu llda frase, a audiêl1cia não é ;lgredida pelo ~e n ri~ dD do di:ílogo, mas levada a raciocinar para chegar ao sen tido.

E. o utro fator muitO imponattre, aprenda a usa r o silêncio {o qu e {am­

hé lll é bastam e útil na vida}. O contraste ell t"!'e opostos va lo riza rudo. O rit -

1110 do filme só tem a ganh ar com o uso critnioso do silêncio, seja nos diá­

/\Igus . sej:! na banda sonora . Dependendo da Siru:1Ção, não Ellar revela mais

dI I que;! tagarelice. Sil êncio pode conora r rristeza, alcgri:!, surpresa, decep­

\. 111, ' li ldo depende ela sua rdaç.io com os demais elementos da cena, bem

Lomo da cstrurura dram,írica do fil me. Numa cena, o silêncio nada mais é

do que uma frase muda de diálogo. É sempre um silêncio "para alguém", d irig ido ao OUtro.

Uma das marcas dos grandes narradores é a riqueza das suas flexões

du di scurso (ao contdrio da monoroni,t de falas todas iguais, indepen ­

dl' lltemente de personagens e siruações) - o que se obtém ap ura ndo o

'"1 vido, incluindo cxercícios de aud ição emre os tais exercícios de obser­

y, tl.Jio dos jogos do mundo, de que fal:ívarnos no início. E, também, Ien ­

d" os grandes mes tres da polifonia, que conseguem pôr a Babel do mun ~

I',I(}

dil c m fi' I IIL .• n\ 1 11 ,' { llll ' ~ 1Ié I11 <.,.111 11 jll e lell\i.c,.1 fOl l· i li\1 .1 d cvc. i., d.11' 'c

" di rc i l~1 d e: n.lo 11: , .1 111:11;;1\11'.11 1I' •• du\';\o d e I'.mlo 1\0.e IT .1 p.I!'.1 ('rillll' ('

(,(ISI ito - a ~al ed ... 11 d, 1~1 U i ev .~kia 11:1 fi.:i [ :1 de i 11 fi n i ta :> f()rmas ae 1':11 .. r) .

b) Um "problema" especia l: o "bife" Mesmo um "bife" não é um mal em si . Um d iscurso enor me pode

mes mo ser uma ação fundamental, um "ato dt! fa la", como d izíamos no

capítulo anterior. Afinai , é a isso que nos referimos quando d ize mos que

Lenin, po r exemplo, fez um "di scurso histórico" na Estação Finlúndia.

Nossas pequenas e d ra m áticas hisrórias wmbém comportam "discursos

históricos". O discurso fi nal de Segredos r Mentims é altamenre dramáti~

co. Em Um Dia de Cíio, o "bife" de Sonny, emocionado, ex pli cando as

inus itadas motivações de seu assalw , é guardado para o meio do filme:

quando já estamos "com" Sonny, ,I seu lado dentro do banco e na vida,

nos é "admini srrada", de uma vez só, rápid o e St:! 1II anestcs ia , a morivação

do personagem - estranha à maioria dos espectadores c, por isso, exigindo

esse cuidadoso dlculo em sua exp ressão.

O í]1It! é péssimo é o bife ex plicarivo. Ou mel hor: qualquer diálogo

exp licativo , mesmo peq ueno , é um "bife", ou se; ;'!, g rande dema is, j:i que

não dev ia existi r. Ele aco ntece no mau roteiro para e:x plic tr as motivações

de um personagem, seja lia boca dele mesmo, seja na de ourm. Todo

mundo já viu essa histima: o cara sai de cena e alguém se põe a inrcrprelá­

lo : "lá vai ele .. . I~ um homcm co rajoso, mas pouco pdtico. -remos que

admid-Io, ainda que nao pO~S;l mos concordar com ele". Sim , "remos",

roteirista-cara-pálida , e esse é justamcnrc o seu scrv iço.

O d iá logo, como as ondas eletromagnéticas, tem de criar seu próprio

meio , não pode se apoiar em muletas desse tipo. Melhor do que pensa r

em " informaçóes a passar" para O público é pensar: O que se apreende da

incer-relaçáo em cena? Uma pergunta interessa m e a se fazer é; A "inten­

ção", o sen tido da inter~rclação , pode ser expressada substiru indo-se par­

te do diálogo por meias p alavras?

191

c) fa lando sem d/amo

, ,~I~r 111111"0 I.,dl' e rn , li ~ Illll .1 \'C7: nem tlldo é dl .IIII,' . I )dl"go II,Ill "pre

LI \.1 1.1/A:r a hi !> tária :lvanç:lr, 11:10 "pn..:ci.\a" -"e r :1\.11) , l'lllk 1l :ln sc r n fLJl1d:t ~ ItH.: rlt :11 tl:l e\'o ltts:;io do co nnito. Em :llgull s C:lSOS, O!> di:illlgos são :tparcJl~ H:lll crne banais. Como já cilamos acima, um cineasta que renovou

h.l\l.,~J[ e o di:íJogo fo i Queminlàrant ino. É antológico O diálogo enrrc

o!> dor!> ca pang:rs sobre as diferenças "culrurais" entre os Esrados Unidos c

.dgtl ns p:líses da Europa, a pan ir do que cada um coloca nas baratas frj ~ I :l~, ou da cerveja servida nas lanchonetes do McDonald's na Holanda.

Além de oferecer um ótimo subl exro sobre a visão de mundo do america~ 110 l1l éd~,o e caracrerizar 05 personagens, Taramino lisa o diálogo "des~o~ tleuado C0l110 contraponto à ação que se arma . Assi m, é possível desvia r

.1 .Ilcnção do Plíb lico e depois surpreendé~lo com uma aç;io CJu e estava

\c lldu pr~p:trada sem o seu conhecimento. O desfecho do diâ.Jogo sobre:l

llJ lturajast-fôod termina com os dois capangas pegando suas armas no

porta-malas do carro - armas que ser:io usadas na matança, regada a trc~ l lrO!> da Bíblia. A sacada de làrantino promove UIl13 subversfio da Ila rrati~ V, I.I r;H.licional. Comumenl e, no cinema, LIma cena de prcpar;lção é longa c

UtltbJosamellle :1rqllit'crada, nos mínimos deralhes, par:! levar suspense;lO

c~ pec l ador, Aqui de não d,l bola c, por isso, surprecnde o püblico, que

pn:sra ;,ten\--;1o no ddlogo e não imagina que está próximo de um momen~

In de tcnsão. De quebra, o diálogo evidenc ia como esse é 11111 rrabalho cori ~ di.IIlU para eles.

Não ape!13S pode haver t;llas não dram,itica~, que scrvem como paUS;1

11.1 progressão, nus no próprio cern e de uma cena d ram:í tica pode existi r

11111;1 "voz" não d r:unática, um comentador servi ndo de contraponto à

.'<.,,10. um deslocamento do ponto de vista em relaç<io a ela. Se isso for rei ~ (O em r~lação ~os outros personagens, tr:Ha~se ainda de drama, ou seja, de

111 , 1:1 :IÇIO - dOIS homens es tão discutindo na garagem de uma casa; a co i ~ \. 1 começa a esquenrar e ... entra a mulher de um delc.~ com lIllla jarra de

\ 111,.0 , comelHado, ironicameme, qu e o ca lor está pedindo um "refresco".

" 1.1\ isso pode ser feiro fora da ação, O que provoca mais disranciamento

I:nf !l,arte.do especrador. Todos os nan';ldores em voz offs<io desse tipo.

I \ .... 1 l" a dlll1cnsão épica da cena. Jorge Fu rtado, qu e é um nH~s tre no uso

I'),

d ,1 VO I li/I. tll \\(' .1 \cgultll C tlllm deh,lIe ICi..C tllI: ... "hre () lr ,l h.dlto do

IUl eiri \ I,': "Vl·J.I 't'. 1 l..e ll .l :-.e 1ll.lll1ém hctn ~cm ,I V\ll oiI ~t.: da:,e Illanl étll,

l1Ianlcl1h:, I.lnlhé lll.l voz." Ou scj;l, <:kslc modo as p:davras Il:ío .~;l O ml!le~

(;1-": a ce na tlao e~d se ndo ex plicada, /llas enriquecida por uma nov:l di ·

Illcnsão. Um exemplo sofisticado é o uso de V07. ofIno episódio "A co roa

do imperador".

Como j;i. dissemos (vide capítulo 1), o objetivo do primeiro episód io

de CiJflde dos !-ION/eIIS é "dar li ma a uL-t" sobre as tensões sociais que ell vol ~

vem o tráfi co. Para isso, a "aula" é drama tizada . O püblico de TV mais

comum rem suas expectativas pauradas pelo modelo dramático. É até

possível subverter essa ex pecta tiva - co mo é o caso aqui - , mas partindo

dela (outra sil'llação, bem diferent e, é a do roteirista que tem como "pli~

blico ideal" - vide capítu lo 1 - intelectuais que apreciam ensaios). Num

filme dram:1r ico, o imeresse do expcctado r está "imantado" pelo confliro.

O que não tiver a ver, nio teri sua atenção . Se vai haver uma ex.posição

abstrata, "teórica" (como a ureoria das fron teiras faveh/asf.llw", de

Acerola), é preciso incorpod~ L-t !'ts tensões da (fama . É preciso dramarizá~ la, torná~b pane do confliTO.

Espaço

A esco lha do cenário é fundamental, i,i que ela dctermina grande par~ te dos arranjos entre os d emais elemenros da cena (se você transfe re uma

discussão de um escritór jo de contabilidade para uma feira de prod utos

eróticos e nada muda, vale a pem pensar um pouco melhor). Gerallllen~

te, no primeiro rrat;1tl1ento do roteiro, pensamos em espaços óbvios. Nas

tele novelas c seriados, os perso nagens aluam sempre nos mesmos l:spaços

(até por limilações de produção), M:ls lima boa pcrgunta que você pode

fIzer é: O espaço de sua cena é realmente o mais adequado~

Em seu livro Como COn(tlrunJ COl/to -, que rclara sua experiência co~

mo professor na Escola Internacional de Cinema c Televisio de San Anro~

l1io de los Banos, em Cuba -, o prêmio Nobel de lirer:Hura Gabriel García

193

I'vl.llq'I t'/ II ,ItI ,j 1IlIIl ,I'O {!lll' (lo,.()ll l' lI IIUII! dI' \I' II ~ 11'1111..',11111'1 dc 1 •• jCiIO.I\

,111111.1 h.IVI.1 LOIl , nll ldo 11111 .1 í...C II.1 11 .1 qu ,11 li P'·""",I).!,l' llI 1,1 ~c l.(llIfi:I\~ .1I

l ()11I o p,ldl c. C.lldl I'vUrq ll el perb llll1ulI ~Hldc. 1 ~ l' ll ,1 ~c p.,,~. l va, A alu n:1

l·\ II .lnILo lI .1 peq;w ll.l c t'c.'>pundclI o óbvio: num.1 i ~ l!:j.l. é damo Na verda­

dc , .I pCI); " 11 1.1 dc Garcia MárqutCZ 0 ótima. O 1\)lei riS(';1 não prec isa ficar

p' l·,,1 .IU 111I~\(1 p;ldr.lu Inéllio de re:1 lidadc. No uni verso que de está cons­

ItlllIllh llldo é po~sívc l, desde qu e faç,] senrido no projem do filme. Em \cplid,l, Gl rr.: i:1 M;írq ucz fó. uma sugestão: por que nao Ener a confissão

1111 111 clrrm~d de parquinho? A comunicação enfre eles /1caria difícil e se­

I i.1 \C I1Ipl'l': illtcrrompida pela circulação d os dois. À primeira vista a idéia

]',!l l'U' boa. Illas a coisa não é tão simples ass im . N ão basta "dar uma de IUllqllillllu" c inventar qualquer coiS:1 que pareça diferente, Tudo é possível

1',11 ,1 II I'Ut cirista, desde que f.1Çl sentido 11 0 projelO do filme. Ou seja: o

nltc ili ~t:1 não precisa se prender 2t "rea lidade" . mas deve estar preso à sua

tl icgc\c (o u seja, ao mundo ficc ional, à "realidade" que ele mesmo está

\..I i.lndo). SI.: a proposta do filme é real ista, essa idéi:1 de García M:írq ucz é 11111 ,1 péssima opção, pois quebra a verossimilhança, escapa das regras do

I111 ivcr~() interno ao ftIme, podendo desperrar estranhamcllto c n:plllsa no

1'1'lhlico (a ids, pClls:lndo dessa forma, pode ser jllstame llte uS<'ldo como

d e ilo de esnanhamenro - P ;l r.l quebrar o encade;1Il1c!1to lógico-raciona l

d .1 II :lIT:ltiv:l; por exemplo, para mostrar lima característica de um perso-

11.lbem, ou mesmo seu unive rso onírico, urna viagem lisérgica erc, - , Ill as

(;\' .1 deve ser uma opçao clara do rorcirisra). Se , por outro lado, o projeto

do fi lme flerr:1 com o surrea lismo, como em O Anjo EWl'/'/}/illlu!or (El

II n,f!,d 1~:1:lerlll;ll(lt!or. Luis Bunuel, 1962), por exem plo, a idéia pock ser

,)1 il1J:l c se enca ixar perfeir:unenre no est ilo do filme.

No enral1(O é imporrante destacar que, mesmo num fi lme palitado

pol' pad rões realistas, é possível ser cr iativo na escol ha do espaço. Em O

1;'J'aim Hom('m (7"'/)(' 7'lJil'd Mal/, Carol Reed, 1949). um imporrante en­

' 11111 ro cntre dois personagens se (1.1 numa roda giga nte. Em DOllléJt/(flJ,

h.i lima cena ond e G ilvan e Raí vão namOF.lr pela primeira vez. O d iálogo

(: ("1 illl0, inreirinho sobre os nomes de ambos (Raí, por exemplo, na vel'­

d.ld c é Raimunda). O espaço escolhido t;lmbé m é cria ti vo: lIlll a xícara

III .dIl G I denrro de UIIl parque de diversões. EnqualHo eles conversa m, as

,( 1L.lr ~ 1 1\ giram, e dessa forma é co nstruído O famoso jogo de olhares ell[re

I'hl

,-, I ', II~ l lUl' Il· lIl.ltlI 'l' ,11'1'0:< 1111 ,11'. 1\ l.C ll,\ tiL.1 110 lilllit l.: dn real ismo, m~ls n,IO l.he!!,.1 .1 quehl.l\ ,\ "cro~~i lllilh:lIl ça da narrativa - em rcmpo: é óbVIO

que e~ paços cri :uivus não precis;ull se r parques de diversões! Culpa de

I lit chcock, que eternizou os cavalinhos numa memorável cena de Re­

IH'rfil, (( Mulhu bmquecÍ/Je! (Reheccn, 1940) .

ai Espaça público e privado O esp:lço priv:ldo é o espaço por excelência do drama. A "quarta pare­

de" , o "te:u 1'0 da sala de j;mmr" são fónllubs que expressam a essência dra­

mática, sobre a qu:tl já f.ll:uTIOS v:irias vezes (vontades individuais em confli~ to , di:ilogos <:01110 centro nevdlgico, concentração na cena c ;lbolição de

condiciollantes externas elc.).

O e~paço pllblico "sirua" a cena. põe el1l perspeoiva a ação entre os

protagonistas _ 011, pelo menos, fu incidir sobre ela a perspectiv:1 de um

distanciamento. Essa "per~peCl'iv:1Ção" pode permanecer virtual ou torna['­

se cferiva, dependendo d:1S ill1'ençocs do narrador (você!) , do modo comO se

quer fazer o espect:tdor p<lnicipar da cena (ou observâ-b, de fora).

O CmllllleJIlO de Mm Melhor Amigo (M)' B('J{ Fril'lld 's \'(/{'{ldillg, P.J. Hog:l1l, 1997), uma das grandes comédi"s ronünricas dos "nos 90, é il1 -

rei ra mclHc construída pelo conOiro cnrre esp:lço pllb lico e privado, O

d ram:\ da protagonista é sua grande dificuldade de demonstrar amo r em

pllb!ico , Por eSS:l simples limitação, ela perdcu o horn em que :ll11 av~\. O filme é cent rado na sua tcn tativa de ficar sozinha com elc. Mas a m oça esrâ

sempre cercada de várias pessoas, como em esddios de furebo l (;I profiss:1o

dele é comcnfarisra esportivo, um trabalho feito em espaço Pllbli co; não é

médico ali pintor; ev icl encja~se aqui como a profissão foi escolhida a fim

de usar o espaço público como elemento do conflito). Nesse filme, o esp~­ço público /1ca "latenn.:", ameaçando a segu ranç:l da personagem de Julta

Roberts (m ulhe r moderna. que confunde independência COIll auto~sllfi­ciência). Ela só se permite a "fraqut':I.a" de exibir seus sentimentos demro

da fortaleza doméstica. Em contraposição, a personagem de Camel'on

Diaz, sem medo de ser feliz, "paga o mico" de calHar par.l o amado. horrí~ vcl e lindamente, num karaokê. Isso sem falar no apot eót ico show do "sá­

bio amigo gal (figura recorrente nas co médias romànricas recentes) que,

195

I I.I Vl '\lIdo dt, 1I ,IIl IU I ,Ido d.l p I! IL I~(HlI \ l. l , ('0 \1 111\11 41 1l'\ l.lI l l. lIll l' l ' ll]

l,III \ .I11 d e d eLl. II ,I\. IO d t' .111101' .1 d.l, e ll \ ill ,m do ,I d ,1 t' .I0 plíh liLo

\.10 ",Imc c dê vl'x. lmc"q.

" 1,1

.l li

" ",ll1l e,I\':I" do C~p:I ~'() pt'i b li co é a illl tTVenç'lO (ou nH:.mlO O olhar)

do\ 'CLll ll d.l rio~ - dos "ou t ros", ha bitan tes do mu ndo ex terio r ii si t IIaÇ~O

di ,lIlI ,h iu. A rccusa (do drama) às imponderabilidades ex ternas ii un idaw

tk dl ,lIn,ít ica f::t:I. com que ex istam cellle nas, m ilhares de cell :ts rigoros:l-

111I.'llle dram:ít icas em superm ercados, es tacionamentos, lanchonetes, mc­

III)~ ele. Nesses (maus) usos, o espaço apenas " incremenra" a cena , sem

l Olllpúwb (o u decompôw la) de raro . Em PrOCUrtHe Amy (CbasiJ/g Ali/li

KC\l in Srnith , 1997), h:í lima ce na que brinca com esse cacoete, adiciow

' l.Uldo cllrni ciebde ao dra ma: o casal prolagonista começa a briga r no es­

Líd il) do.: hóqu ei; todo o di :í1ogo transcorre enrre os dois, e a decupagem

1l1O~ tra apen:lS eles . Até aí a ce na tem um tom dramático. Em derermin(lw

d o momento, o pl a no abre e mostra o que ;lté então era o espaço oiIda (;~Il :1 - v;Í rias pessorts ouvem atentamente a br iga do casal. Eles int ervêm e

l OIl H: l1fam a situ ação, a lrc ralldo radicalmente o tom da ce na , que então

'l: to ma intensame nte cômica .

bJ Definir mais ou menos o espaço

Faça um exercício meutal sim ples . Imagine uma história num:1 pri w

,:in. ~Iodos pensa m numa cadeia lo rada e suja. in fl uência das imagens de

p n:sídios que infestam a televisão c que ;:í roram incorporad as ao nosso

d i L i o n ~ r i o visual instinrivo. D iga-se, de prtssagclll, que essa im:lge lll n:io

U "Tesponde à rea lidade, ;:í qu e as cadeias, em regra, são mantidas muito

li lllpas pelos presos, como pa rte do ríg ido código dt, conduta da prisão,

M as isso lIão imporm. Num primeiro momento, o roreirisra tem a ohri w

h·! ~·ão de romper co 111 O limite im pusto pela "realidade" imed iata e li ber­

L U ' sua c ria rividade, sem nenhuma barreira. Cabe a você. rorei risra , ter a

IIl1.\ad ia de pensar (lirerem e, de inventar rdaçõe.~. Por que não . por exelll w

pio, lII11a cadeia asséptica como um hospital? A criatividade, as infinitas

p{)s.~ ibilidades, devem , a segui r, ser submetidas ao projeto geral do film e.

1: ll vez se possa absrrai r o espaço, reduzir a cadeia a uma po rtinhol a, arraw

Vl:~ da qual se vê um pedaço do rOSTO de um preso, que pede pa ra tomar

h .1I1I 1O. I'\',I".! l"t ll lh, t <.lu Lllrt :1 O /)/fI ( ' 1fI 'I /fi' LJo rilllll Encarou í l G"lIflrr/t/

:lh~ l r.t ~ ,IO ;IHen ',IIlH.'lIl e funcional aos objetivos do filme, uma fábula

sobre o contlito enlre in<livíduo e Durocracia, e não sobre as particulariw

dades realistas de uma cadeia.

O exemplo de Furtado dá lima "pisra" para lima questão geral, semw

pre pertinente: aré q ue pontO val e a pena descrever o espaço onde a cena

transcorre? É poss ível :lfi rmar q ue q U:lIHO mais deta lhadarnem e descrito

o espaço, mais realista é o fi lme, Roland B:lnhes explica que "o ereiro do

real"H - :l impressão de que uma n:UfalÊ va é verdadeira - ve m do :lcll­

mulo de detalh es (o que , aliás, sabe qu alquer bom meluiroso). N:lda 1I0 S

obriga a desejar es~t' e reiro do real. A fábula de Fmmdo ri ca no limi te, ,I

um passo da abstração mais radi cal. Esse passo pode ser dado, c t. l1 q,\, 1 re

1l10S a um Rime rearral, :tlegór ico, com grande porencial de geneJ.tI; I, t ~,lo .

As personagens e suas rel ações vão se (Ornar absrratas, encarn aS'óes de (\11

ças despersona lizadas. De1/5 e o Diflbo 1/(/ Te/"m do Sol (Gbube r Ro<. h,!,

1964) mudoll o cinema brasile iro , :10 faze r do sertão um palco: d:l\ 1'1.' 1

so nagens, figuras míricas (o Cangaceiro, o Beato, o Matador, o C ant :ldm );

e dos aconrcci rnenros, sínrcscs de vasras ex periências históricas (o C lIl g. I\O.

Canudos).

ç) Digressão modernista sobre o espaço

Uma dimensão fundamental do cinema moderno do pós-gue rra é a di !>w

sol ução do encadeamento d r;.un :h ico através da exploração pli~tica do espa­

ço. O s americanos chamam seu cinema lIIf1 iwl11:mn de "C"flmctrr0l1ented" ­concentrado nos perso n::lge ns (modo prático de apont:tr para o caráter dr:lw

m;irico). No pós-guerra , os nco-rcalisr;Js itali:t nos - P{lislt (Roberto Ro.~w

sellini, 1946) e All'lI/ffl/!JtI, AliO Zero (CerlllllJ/ia Aw/O Zero, Roberto

Rossellini, 1947) são exemplares - rerrataram o mu ndo dev:tsrado :ttravés de

personagens que per:tlllbulavall1, perdidos entre ruínas, sem rumo (sem

ação dramática dara), e fi zeram rambém suas câmeras perambularem, torw

nando o cineasra mais um personagem "cm busca". Essa pesquisa cinemato­

gráfica do espaço floresceu no estilo absrrato , in Auenciado pela pintura de

Mondrian, de Antonio ni (O I:.clipse, sobretudo). nas caminhadas da

Nouvelle Vague - Acossado, de Godard , Os Incompreendidos (Les 400 COl/ps.

197

P I , III ~o) I \ 111111,1111 , I " c, 'J) , 1111( ' 1111.' 111,1 N tI \l UC" IHI( I l ll' lI \'1 tvl.lf~ ill, ll hr.1

\ Ikllll\. 1111 l 11lC111,1 ,.lem,1I1 \VJC lld Cf\, \C,h'l"Illd,. {' III " 1,1 I'r il1l1.: ir.1 1:I\c. ,1111 1.'\ d l ' firll'lS. /i'xlIJ ( I ')wi) , Fnl tnd , /\ C\\C, fil me, 11:1 tI qlll.: 1 ~ l nail

X. lvil'l . 1,11.lIIdo ~()hrc O III/jo N/IS('I' fI (Jíllio l ~rc~~,lIIc , 11)69), chamou de

"l.I III l' I.1 ti i~i III1I iv ,I " ~' : 11111 ci nema oposto ao ch/mll'/{'r o/'icl/lcd. que ;Ibsor~

V{' l· tI! \ 11 .' Lomposiç'io uma cxp lo ração documenral do espaço, dissoci:lda

d,1 IIII Ctl Li 'JII :llil.bde dos perSOIl:lgens.

1\ 1.1' \loce n:"io precisa cst:lr fazendo um cnsaio de viés documental para

II1 i li /. lr :1 de.\criç"ío espac ial como recurso de desdralllatizaç:"io - ab ri ndo es~

p .I<., O p,lra as perambulaçóes n:lo só dos perso nagens, mas da mente do

e\peu .• dor. O próprio \Vim \Venders, cirado ;lcima, variou bastante o;

~I,III\ de "disserraç50" espacial. Depois de sua fase alemã - Alice IMS Cidades

(lI/ia' i" den Stiidtell, 1974), No Decorrer do Tempo (Im Lau[ dcr ait. 197 ú). O /v/cclo do Goleiro Diante do Ph/illri (Die AlJgst d"J '/onl/flfJlIl'S beim

Njill('f{'/', 197 1) - , de passou, ainda que sem abandonar suas i[lves(ig:l s~~ões

I'U:.l i(;lS .:1 El:ler Filmes com maior [cor drarn,í t ico, e talvez Asm' do DCJejo

(I)f'r I-limmcl iiber 8er/in, 1987) seja o que melhor represent a essa nova so-

11I~ ; I() de compromisso.

• • •

Saindo dos mestres modernos, podemos ver as rnani pu laçóes do es~

!l,I..,O mesmo em filmes baswlHe canônicos, Veja-se - um exempl o elHre

IlIil ll.l res - Me/{ Oficio É Mfltrlr (SlIdd(.'l"Y, Lcwis AJ1cn, 1954); o film e con­

LI .1 história de um bando liderado por John Baron (Frank Sin:ltra), que pb~

II <.: j,1 Inatar o presidente dos Escados Unidos, cujo comboio Elr.:í uma parada

11.1 l·.\ lação ferrovi:iria da pequenina cidade de Suddenly. Até rornar a casa no

101''' do morro, de onde armam o golpe fàcaJ, a ação se passa no exterior; :I

P,I I'( ir do momento em que assumem a casa, fàzendo a F:.ullf li a como refém,

.1\ ,-,-, li as transcorrem dentro do espaço doméstico . ad icio nando tensão à 11.III,lliv:l.

Um recurso comum - e illleressa nte - é alternar cenas com grande

' 111,1111 iebde de descriçóes do espaço com cenas em que o espaço 1150 é im-

1' \1 1 1.lllre, aparecendo muito pOllCO. Assim, ° fi lme. mesmo parando para

'IH

Llll' l ,.I t.1I 1I1 ,I\ dt'\\ II \Ol" c\p .Ki, l i\. II ,HI pCldl.: \ 11 .1, 11~li\bdl •• d r ,IIII.:liL.1 l'

1ll :lIlt é m Ii pl'lhlt Ll I p n:~n .10 dram.l pri nci p.d," lll :Hun:1 dos "lllle~ C,COIl~­{ruída dl:\~. 1 lorma, daí a impon5.nci:l llc o roreil'isl':t sc perguntar: H a mUI-

. " d " d : ão do espaço' Não sel'ia ho ra tas cenas sucessivas que se per em na eSCl lç . < '

de EI"Ler uma cena que vá di reto ao palito , que esqueça o espaço e privil e~ gie o conAiro dramático?

d) A escrita cinematográfica: um conto de Alcântara Machado Para enrcnder melhor o que estamos falando, lei a (Oll releia) o COlHO

"A sociedade", dt.: Antônio de Alcântara Machado (vide co nto a seguir).

Nele, a cena da res ta é pre ponderante mente descritiva. H:í. detalhes de

todo o ambiente, d esde os m üsicos até as rod inhas de conversa entre se­

cund:irios (cateddticos de direito, mocinhas etc.). O casal protagonista

apa rece apenas ao limdo em dois pequenos trechos de d iálogo. A cena

imediatamente seguinte é o oposto dessa. É literalmente curra e grossa,

co mposta apenas pelas ra!:ls dos dois persollagens. nem sequer ,o espa;o

onde eles estão é definido 110 conto; afinal. não importa. No roteiro, tefla~

mos de definir o cspaço no cabeça lho (algo como " INTERIOR/NOITE

_ CASA"). Mas podemos evitar a descrição dos detalhes do e~p:lço que se­

ria feiel nas rubri cas da ce na. Com essa altl' rn(\l1 cia en tre d ram a c espaço

_ que, como mostra a escrita "ci nematográ fi ca" de Aldl.nara Machado ,

pode e deve ser induzida pela esc rita do roteiro (e não deixada co m pleta­

mente a cargo do diretor) -, o filme gan ha ri tmo c mantém o pÍlb lico p re­

so ao conflito principal. Vejamos O COlHO, aproveitando para, 1I 0S comen­

tá rios e nr re co lchetes, sublinhar a inteligência e eficácia dos rec ursos

narrativos empregados po r seu autor.

A Sociedade" A:-:TÓ="tO DF. ALG\l\ IARA M ,\CI IAIX)

_ Filha minha nâo casa com filho de carcamano!

, 'fi I "",/IS(} com II!flcstria do [UlI/tI brigtl illteil"i1l'esumiaallo sellli1llCC '/IU/. u,

corte de eella.}

199

A ('\ P'I ~, I d\! ( 'ol! \clhc!ll) J o~é B Ol l lhh li) ,I" t>. 1 , 1[j )~ (')\ll ud ,1 di"e 1\\11

(' jOII)lI~, 1I l\111l U 1I ,lh.III') d .l \ h.II.I I.I\. J( ' l t·\. 1 l { II ,II III \ IIIIOil Ut!ol'il ll. l \(.OI Il

1~(' lllId \l \ C 1.'111 1'0 (1 11 0 ~C lI qlt:lI"!o h .lt c ndn .1 IlO l l.l. () C'JII~d ht:il'u Jo:.é 130· nd ,h. lo limpoll .1\ tlllha:. com o palito. ~U :. pi I'O'1 c \.Iill d c casa abotoand o

\ 1 11. l l l u C

/I 'f'l'(l'bll -SI' IlmOflltlg{,1II pamleltl de 1II0nlmlos rdpidos, que desere/lem o

fl l lld o dll ÚIUllfÍ/O drtll}/tÍlicll depois do cOIifnmto,J

O c~pe rado grito do cl áxon fechou o li\·ro de Henri AJ-del e trou xe

' 1 i:rc\.1 Ri\ :1 do e.~crirÓr i o p:ua o terr:lço.

IA illdimj'iio do SOIll e de S/{fI cOllSl'qiiêndfl - () movimellfO de Teresa Rita rimdiZlI ({ pllsstlgml de tempo e cOllcentm Ii Ilçiio.}

O Lancia passou como quem não quer. Quase pa rando. A m:io el1ll1·

V. lll.l cu mprimenrou com o chapéu Borsa lino. Uiii iia - uiiiiia! Adriano

Mel li calco u o acelerador. Na prime ira esqu ina fez a curva . Ve io voltan·

do. I'a.':>so u de novo. Conrin uou. Mais duzentos menos. Ourra curva.

:-;c lllpn.: na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Po uco all ·

I n do nlÍmero 259·C já sabe; uii iii:H lii iiia!

111 eseri!tl pmril"flJJ/el/tl' miN/eliZll a decllpflgelll de rlualbnj

O que você está fúcndo aí no terra ço, m enina?

Ent ão nem to mar um pouco de ar cu posso mais?

1.:lI1cia Lambda, vetmel hinho, res plen den te, pOlllpealldo na rua. Vcs·

lido do C,milo , verde, grudado il pele, se rpejando no terraço.

l Uso pltístico dtlS cores.}

Entre já para delHro ou cu falo com seu pa i qua ndo ele chegar!

Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Dells!

Adriano Melli passou outras vezes a inda. Esrr:Hlhou. Desapontou.

' 111~ (lLJ para a Avell ida Paulista.

Na orquesrra o negro de caS:lCO ver melho afas tava o saxofo ne da

hl' i.;orra para grilar:

I )IZEM QUE CRISTO NASCEU EM BELÉM ...

/()()

1'0)1 q Ul' 1\ \ 1'.1" 11 .10 .1 li .I Vi .l nI .IU lm!'.II ! h.ldll (. lhc lIÇI lado /'u 1'I'1lI L1 .11 I in

n.1I11 011 li Pl"~LO, U llu C Oll M.:1 hei ro José Hon iE-icio) da estava achando um

.':> uco : 1 ~1'1 d. 1 \'c ~pe r.1 1 do Paulistano. O namorado ainda mais .

O s pares (bnç:uinos maxixavam colados. No meio do sal ão e ram um

bolo tremel icanre. Dencro do cí rculo palerma de marn1s, moças feias e

moços enjoados. A orquestra preta ronirro:lva. Alegria de vozes e sons. PaI·

mas comentes prolongaram o maxixe. O banjo é que ritmava os passes.

_ Sua nüe me fez amem lima desfeita na cidade.

- Nâo!

_ Como não ? Sim senhora. Virou a car:l quando me vi u.

... M AS A H ISTORIA SE ENGANOU!

As meninas de ancas s;dienres riam porque os T<\pazes contavam episódios

de farra muito engraçados. O professor da faculdade de Direito cltava Rui

Barbosa par..l um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: rurururu·

w rurunIm!

_ Meu pai quer fazer um negócio com o seu .

- Ah si m?

CRI STO NASCEU NA BAHIA, MEU BEM . .

O sujei t'inho de óculos começou a rcci lar G ustavc Le Bom, mas a

destra espal mada do caredrático o engasgo u. Alegria de vozes e sons.

. .. E O ilAIANO CRI OU!

rCrultl fmse S/Igere 11m pltl!f() - 11m //Iodo shlléúco e visl/aL que seJ"(}e de

impimçflo fiO roreiristll. 11 lIIodlllllfttO do esptlço foi comel/Mdtl aÚJllfl.}

_ Olhe aqui , BoniHc io: se esse carcamano vem ped ir a m:io de Teresa

para o filho, você apo m e o olho da ru a para ele, compree ndeu?

_ J:í se i, mu lher, já se i.

[Outra "mic/,ouJltI'; corttldíssimtl, prepara o desenlace.}

Mas efa cousa mui ro diversa.

O Cavo Ui)'" Salvato re Mel li al inhou algarismos torcendo a bigodeira.

Falou como homem de negóc ios que cnxerga longe. Demonsrrou cabal­

mente as vanragel1s econômicas de SlIól proposta.

201

o doul u r ...

I ~ II 1).10 :<., )11 dOI I I " " , SCIIIIlH' r\'ld li.

J'rI1'i(l a~sim p:lf:! Fac il itar. No" é para ofender. Primo o doul'O r pense

ht.:m. E lo; me d e: a sua re.~posta. DOJl!rllli, dopo domani, na olltra semana

qU:llldo q ui.~cr. lo resto à sua d isposi ção. Ma pense bem!

Rt.:novou a proposta e repetiu os argumentos p ró. O consel heiro pos­

:<' IJÍ;1 uns terrenos em São Cae la no. Cousas de herança . Não lhe davam

rClIda algu ma. O CtIV. Uif tinha a sua fo /Jrica ao l:ldo: 1.200 teares,

36.000 Fusos. Constitu íam Ll m<l. sociedade. O conselheiro entrava co m os

1 t.: IT(' I IO.~ . O CIIJ. U/I com o capi tal. Armavam os t rinta alq ueires e vend iam

logo grande pane para os oper:írios da Fábrica. Lucro cerro, mais que ceno, g.1 ra Ilr i dí.~si mo.

- I~ . [ LI já pensei n isso. M as sem cap iml o senhor comprt.:e nde é im pos­.!>ívd ...

- Per Bacco, douror! Mas io lenho o ca pi tal. O c lpiml SOl/O io. O dou­

lOr cnl ra com o terreno, mais nada. E o lucro se divide no meio.

. O capiral acendcu UITl charuto. O consel heiro COÇOll os joel hos dis­f ;U'ç:Uldo a emoção. A negra de b roche servi u o caFé .

- Dopo o douror me dá a resposta . lo .~ó digo isto: pense bem .

a capi tal levantou-se. Deu do is passos. Parou. Meio embaraçado. Apo ntou para um quadro.

- Bonita pi ntura .

Penso u que fosse obra de ital iano. M as era de francês.

- Fmncese? 1\lão é feio nOIl. Serve.

Embatucou. l'i nha qualquer CO usa . Ti rou o charuto da boca, ficou

olhando pa ra a rama acesa. D eu um babnço no corpo. Decidi u-se.

- Ia dimemiCtllldo de dizer. a meu Filho hlrá o gerenre da sociedade S, II);I minha di reção, si Ctlpisce.

Sei, sei ... O seu filho?

Si. O Adria no. O domor ... mi pare ... mi pare que co nh ece ele?

() .\ ilêncio do Conselheiro desviou os olhos do CtlV. UIf lia di reção ,LI port :!.

f{C plhlllll ;tll /f l l/l:/: n dlHlwr pl' ll\t: ht' I".

O ISC1 Ll Fr.l\d l ill i C\ pc r. l v. l ,) lodn il u ln ill.l d<l.

/Úllim {'f'1/{/ IIIlIis 1011/1,(/ rio tI)/lIO, dÚII'llrlirlrl 110 (,ol/}i'ollro rllr!lo,({,fullJ.

Nela se j(tltt ri" IIcgóc;us e é j/fSlfll/}(' /)/I' )}fl d/i/JI/III IU /í'frO drsSl/ i /I}i., /'J/I"III/m/

da l'e/aí"fl0 filtre tiS fomí/iflS que SI' deJilll' ° drstillo du paI" /"Omftl/firo./

- E mtlio? O que devo /'ôlJolldt'l" no home1ll?

- Faça como entender, Bonif:ício .

- Eu acho que devo accira r.

- Pois aceite ...

E puxou o lençol.

A OLHnl proposra Fo i Feita de fraque e veio seis meses depois.

o Come/bell"O O Cavo Uff.

José BOllifiício de Matos e Arruda e Snltlfltore Melli e

sellho/"rl sellbortt

tê m a honra de participa r a têm a honra de partic ipar a

V. Ex! e Ex. m. família o V. Ex" c Ex. no> família O

corllrato de casamento conrra ro de casame nto

de sua filha de seu filho

Teresa Rita com o Adriano com a

Sr. Ad riano Mell i. S rta. Teresa Rita de Matos Arruda.

Rua da Liberdade , n" 259-C. Rua da Barra Funda, n " 427.

No chá do noivad o o Ctm. Uf! Adriano Melli na frente de toda a gen ­

te recordou à mãe de sua furura no ra os bons rempinhos em que lhe Vl~ll ­

d ia cebolas e bata tas, a lio di L UCC3 e bacalhau português, q uase sem pre

fiado e até sem cadcrncta.

203

o) DlClIll Ilurgi 1 116sti CI; os I montos .., lsueli d I na () tlu i , i llllli l ll.lIllI': é Il x .l r lj I 11': () C:..p.h., O 11 .10\ li 111 11 "d ,ldn" , c :..i lll Ilui :..

1111 1.1 dill l i,: m ,lo ,I :"cr Ú H1:.. l l'u leb CilH.: I11 :11Uj.)I.dll.llll elll i,:, " l)ecup~lr" é I'l': -

1. (lII.U· ( I e~ p:l ç () , du IihHJO 1ll :l is cx prcss ivo c rWl ci lltl:L l :. iIll c nç~ ú qu e se

1'('· I:'Cl:)lI C. b~ú podc cheg:lr a envo lver o conju nto dI.: recursos pbsl'icos tI!.:

Ull llp,)s i ~' ; 111 Li :1 Cl.:tU (luz. enq uadramen ro, ritmo de cada plano etc.).

N'/I·!lI .dm etl le. nos dias de hoj e, essa é uma área considerada "para além"

1111 tr.rh:dho do rorc irisl:l, de responsab ilidade do diretor. Porém, como j:í :' ll bc rinlos v:írias vezes, mesmo que o ro te iri sta não faça as indicações r:éc­

Ili l.. :t~ de dCcup:lge rn , co nsideramos fundamental que cle pense cincmaro­

!~ I' .t~Clln eJl1 e . Como vimos na seqüê ncia de Bráulio Manrovani aqui

11.11I:.cril:1 (Cl pítulo 7), isso pode ser trans m itido por um traba lho de es­

l ri ta \l i ~ ual por parte do roteirista,

Aos interessados nessa ampliação do roteiro para a modulação da

i"C l r ;1 ai rav6 dos recursos plásticos, suger imos a leitura da transcrição (pu­

hliCltb na Revisttt USP n ' 2, jun-agol 1989) de uma aula de Se rgei Ei sens-

1<:Í ll sobre as possibilidades cinematográficas da adaptação de "O Capo­

l e", de Gogo P7.

)( }ti

Capftu lo 10

REPETlÇOES:

SINAIS AO LONGO DO CAMINHO

• Há a lguma forma de circularidade, de retorno a um

pon to , no roteiro'? Os sentidos desse retorno estào re­

forçados por retomadas de gestos. frases ou mises­

en-scene?

• Há an tecipaçoes que revelam retrospectivamente

pistas ou piadas?

• Há gestos ca racterísticos de pe rsonagens ou de de­

terminados situações2

• Há obletos que condensam em si dese jos dos per­

sonogens2

• Como esses objetos "circu lam" pelo filme2 Que no­

vos sentidos o fi lme va i adquirind 02 Essas mudanças

conseguem expressar o movimen to da história?

• Há rimas visua is que a judam a compor uma sensa­

çào de un idade temático para o filme2

205

As repenções são poderos:ls al iadas do roteirista. Como já dissemos

várias vezes, o objetivo do tra b:llho de escrita do rOlei ro é dar fo rma v i sí~

vcl a uma percepção sobre algum aspecro da vida (ro rnar visível o que

você "anreviu") . Dizemos que lima coi s.\ rem "forma" quando fica níti dfl

alguma relação entre seus elementos constitutivos. Pegamos lima pedra

na beira de um rio e d i1.emos que ela é d isfo rme (ou não dizemos nada, c

a largamos, sem ma ior in teresse) se não pcrccbemos nenhuma rcbção en~

Ire seus conto rnos o u suas vari,tções de cor. Mas, se a pedra for urna per­

feita el ipse, ou fo rma r um dégmdé de tons de vermelho, ali sei lá q ue ou­

rras possi bilidades, ela nos inreressad. Nossa sensibilidade e itlle! igência

se rão eSTimuladas pdas relações entre os elementos que a compõem. Fun~

cio na mos, :lssim, buscando padrões de repetição e variação. Por isso

existe a matemática, a cerâmica marajoara ou a coreografia. Um artista é lIm sujeira capaz de crlar rormas, padrões que provocam o interesse de

seus semelhantes.

As narr;\tivas são formas temporais, como a música. O que quer d izer

que seus padrões fOfm.l is sáo percepríveis no te mpo, e isso, por si só, pro~

voca~ t1os pnner. Lévi~Slra lls s, talvez o maior estudioso de miras que o

mundo j.í viu, compara as estruturas (padrões de repelição c va riação)

dos mi tos com os pad rões musicais, e diz que miras c música sio "máqu i ~

na.~ de suprimir o rempo"$8, justamente porque recol hemos os elementos

dispostos ao longo do caminho, e uma espéc ie de crislal vai se fo rma ndo

em nossa mente.

As estruturas narrativas até aqui discutidas, desde:ls grandes categorias

de gênero até as considerações sobre o ritmo de uma seqüência ou de uma

201

H ·O.I. '.1' ) I. lIlIht( llI . {~ d . II H . p.ld IOl" (k H'P<'II\, IO I' .... 111 .• '.10. Um.1 , iIILl\ .IO

,1 •. 1111 .• 1 i .... I I t· II ' .1 P' 'L'.I hi' Io '1I i .1 L' III 'IHlVill lt· ttIO . l ' d .1 H" ' 1Iit l.1 l lll. lll t!O l.tI , i

IlI .I, .I\I l:IIII .1 L' 11l l"I': pOI I\O. Ne~ t í.: I'dtimn C.lpí1!d" V.IIIHI:' lIu:. dedic lr ~ repc~

I i,.H I de del.11 lie, (.oll creto.\: objclOs, p.lb vra:.. cllquad r:l mCIl[ 0.\. Corno

1111 111 .' , ill /im i, t. lemo:. os p:ld rõL's estrlllu rais, nus há também as pL'qucll as

1". I\l· \ IIl1l\i C li .~ qu e SL' rcpercm. 'Jais repeti ções servem como sinais ao 1011-

~" dn <"llllinho na rra ti vo, co nrribuindo fo rremenre para a imp ressão de

IIlIid .ldl: (de pcrfeito "cristal ") da narrariva.

1\ ~ i mpl L'S presenç l de elementos dest:lcados já :uiça nossa curiosidade,

11 0 :' prcp:lr:1 L' nos faz ansiar pelos "cristais" da repetição. Como no célebre

CXL' lllplo ele T checov: se um rifle aparece com algum desraque no primeiro

• 110 • • tllI es do hm da peça ele terá de disparar.

'Edvez o mais óbvio tipo de repet ição seja a do objeto desejado.

Il itchcock in ventou a palavra "MacGu ffin"59 (que não qu er di zer nada)

p.lr:! nomear as "desculpas 1l:1 rral ivas", aqueles elementos (segredos de b­lado, lima malera cheia de diamantes e rc. ) que n:1o sao, de faro, impor­

t.UHCS. Ill:1S aj udam a pôr a história em movimen to , nos tri lhos. Q uando

lltll objeto específico e concreto é o p rêmio em dispur:l, remos um

" MacGuffin" bem definido : lima eslal'l lCra (como em O Ftdciio M fI!tés),

o u li G raal , perseguido por Indiana Jo nes em I"dúmn JOlles e n Vltimll

O'/lu trlr! (l"difllln )011('5 ((lU! rI)(, LIIS! Cm si/de, Srcvcn Spielberg, 1989) e

pelos "cavalei ros" do Malltr Pyrhon em MOJ/ty P)'lboll e o Cília S(lgrndo.

Da mesma forma, um objero pode licrvir pa ra caracrcriz:lção de UI1l

pc r~onagem: o arco de Robin Hood , a dmera forogr,ífi C:1 dI.: Busca~ Pé ou :11 05 o punhal de Macbcth.

Pode haver rambém a reperi ção de rrases . Em QUi/lI/O Mnis QlIl'llte

A/r!hor, Jack Lemmon repete várias vezes: ''I'm a gir! , 1'111 a girl!", pa ra, no

fi m, inverter (" I'm aba)', I'm a bay ... ") . N outro jogo, ROZ:l pOIHU:t a ll:Jr­

ra t iv:t de HO/l/le umll Vez Dois \.&rões com a brídica (será ?) "cu tô gdvida".

D it o assi m, o LISO de reperições pode parecer um "u uque sujo", f:íc il,

cotll() aqueles que o Dick Vigarista usava para ganhar a co rrida maluca.

IVI.I' (Odos sabemos a moral da "Corrida maluca": o crim e n:1O com pe nsa,

Vig.lr i\ I:1 nunca ven ce . Quero dizer com isso que a repe tição, sozinha,

Il.ln g. lr.l lt te tl :1 da , é uma forma vazia.

Sc 11111 ' !t jl' lI o! .lp.lI l·ll' t tiO li ltll l' (.0111 11111.1 L.l lI ll ·L I .1 ! l j , I~I\ I \ , (' J1 l.11

lanl,mdu (.0111 d .1 pt .• U L' pr:l Lt ,. l bc l l· !HO~ quc d e é li /o h"l!. t.do . o lI " l' é muito pouco. M: •. , CIl1 Cid/ldl' /'" Onu, :t (, .i I U Cl".' é .1 (,o ll i.. fetil.I, .tO do "olh.1I

sobre". ex terno ao rdnco: é o emblcnu do olh o do /"u rac lO. Q llalqll cr."

.~assi no vulgar pode te r pesadelos com punh:lis. mas L'1ll ivl:!cb":l ll o pttll l1.11

condellsa roda a violência c o 1101'['01' da Il lla pelo pod o..: r. QUL' I' dize r, Ulll (Ih

jero, um gesro ou uma frase repelidos devem ser co nstru ídos ..:m SIl ,1 (., lI b.,

de sign ificaçõt'S, pela relação com o conjllll to da narrativa. Uln a cois,l é (.O

locar uma cereja sobre um bolo qualquer. Outra co isa é f:t ze r o rccheiu de

um bolo de chocolate com <:crej:lS, c então pôr a ccreja.

Na antípoda desse trabal ho construtivo esd o perigo do "s imbolismo" .

Um dos riscos maio res de se cair em (falsas) facilidades, com gra ndes r i ,co~

de pOllca efi cácia e de mal! gosto, é apelar para elementos (prcsurnie!:tmcll.

le) codificados da cultura, para exprimir lima idéia ou emoção (cuilbdo

com os "símbolos f.i1i cos"!). A "si mbologia" deve ser construída deml'O do

filme. Essa construção ocorre peLi repe tiç:1o do objeto em v:irias cenas, ge­

ralrnente com va riaçócs de sua fUll ç:1o. O roteirista deve avaliar como oco r­

re :! cvolução do objcro denrro (1:1 história c pode até mesmo buscar algo

como uma "curva dram<Í tica" cio objeto. Dessa forma, estad construindo

um símbolo i!Hemo à narrati va e que será compreend ido (ou sentido, num

nív<.'1 inconscicnrc) por rodos os es pectadores.

Em Virirliflllt1 (Lu is Builuel, 196 1), h;í ,uma brilhante repetição de

lima corda de pular. Ela aparece pela primeira vez na cena em que um:1

menina , filha de um empregado da mansão, brinca sob lima árvore, co m

as pernas ;1 mostra . Posteriormente, será nessa .irvore que o patriarca , de·

sesperado de desejo por sua sobrinha Viridiana, vai se enforcar, usando a

[ai co rd a. Por fi m , no bloco fin al do filme, q uando um dos mendi gos rL'­

colhidos peLt ca ridosa Vitidi ana avança sobre ela , com inrenção de estu·

pd.-Ia, a corda reaparece, servindo de cinto para os trapos e de arma P:lI':l

a violação. A co rda, e\e modo sutil e o rgâ nico, serve de ve ícu lo para a tell ­

são enrre desej o sexual e regras morais, que é rrabal ha da de várias form ;ls

ao longo do filme. O exem plo serve de "antído to" cont ra .~imbol ismos f:l.-ceis, comumente associados a contclldos prelens:unenre

como o desej o sexual.

" . . " ulH ve rs:u:. .

J\ Il· P I..' .I" .IO pod l' " l lll I CI I. lI lIhl( rn . d (' lld ,1 ,UI \ I lIq llll l o d l ' 11 111 .1 ~ ;I II . I

\. 10 ) dl.ll l d ll l..,l. .... c l ldn Lorri { IILCirll ll 1'/.: 1\)1 11 " I "~ I " ' . I N . • \ 1111) 1111 \.1. 1 . l'\ Il' 1... . . .... 0 ,

111 .11\ .~ I; I.C Ulll ,' (. j rl.l ~I _~,rilbdt: , t l':lI.I- .''': de um n .' IO l tlll I: Ili l'~ pir :ll , j:1 qu I..:

• IlIl lll C Igu:d, mas d dl.: rCllI l' '' , O in ício c o fi m til.: 1101/11/' 11111(/ V't-z D()is \1(,­

"'J/:~ ..... HI l'xt.: lI1 pbn:s: lu da mudou em Cid rei ra ("a maior praia dn mun­

d o ), m:ls tlldo mudou - Chico [Ornou- se adulto cago d', ,I ", . . ' ra, 11: c e, ,ICO Il -

Il'u::m cOIsas o tempo todo",

" Feito ~sse ~assc io rápido por formas variad;ls de repetição , passemos .~ ~ I S I l'man í'.a çao de funções que esse recurso os, . N . c uma cump n r. unca é

d t:m:w, Iclllbr:lr qu e esse ti po de ,lIl álise busca pôr em foco uma "dimen­

\, 10" d~) ~,o, c i.ro, não ,~e nacando, e!Hão, d e usos excl uden tes. Aliás, quan­

H I 111 ; 1I ,~ polivalenre for um elemento, melhor para a impressão de un i­

lb dc q ue um conjunto deve rransmil ir.

Antecipações

. Al1ltt!~açõcs são pistas do que vai :lCOI1H.'Cer; piadas ali impacros dralll;Í­

IICUS l~C efelro retardado. Espécie de bomba-relógio narrativa, que pmvoc l ou

IIm:1 nsad.a retrospectiva a li a(]l.I e1e "ah, cm 50 foi por isso que I:í aer::ís aeon/e­

u:u tal cOisa ou fubno disse aquilo!".

O ~onj llnro do ~ot~iro d ~ O Sex!a SeJ/rido (T'lJf Si:>:!" Sei/se, M . N ight

~ h y.lIll.llan , 1999) c fei to asslln: um hábil contro le do ponto de vi sta nos

IIn.p~dc de "sacar" os indícios de qu e o psicólogo interpretado por Bruce

\VllIl s é um f.'1ntasma. Quando, no !l nal, tudo se revela, provoca-se um a

poderosa impressão de unidade. Tudo "se encai xa" , entra em foco.

rvlas ~sse é um caso-limite. no qual o conjunto do roteiro baseia-se

n l1. :IIHeClpações. Elas podem ser mais pon tua is, é cla ro. Mesmo uma :ln ­

Il'C l p ~I Ção meio óbvia , como O tl'll /Jelling .ué a mochila de um soldado

IIlono, onde se [ê "Ryan", no fi llal da abertura de O Resg/lte c/o So /d{/{/o

N)'(//~. (q ua ndo o pro~agonista ainda Ilão sabe Ilatla de sua missão), ajuda a

~ ~llh ... ll<,; rLlr a narrativa. Nesse exem plo '1 'U1tect'l,aç~to ' d , ' , , , m a l ~ o que um

) 1 ()

jO!;O de n..:vel.l \. ln de illl olll l . I \ ,1e~ (pi ~ " I ). I CI II 11111 IIlI p .I" IO CllloII VII .

:lpro\'cita ndl1o IlltlnJ C1l 1O ti ll'le p.tra "lc I1l11l'.lr" ti e~peu. ld! l r (C.III.1Ii/.llldü

sua clnoç:io ll cSS<,; .\Cll1 idll) eb hi'sl/,r;:1 p:lI'/ iclI la r qu<,; :.cd (.o nl :ld ,1.

No melodrama, é CO lll UIll que "o cO I~ ' ~'50" in lll;1 idelll idad\C\ C",COII<.I;

das _ ao estilo "amor de mãe não se engana". N:I tragédia de clI uh o Il I . ti \

clássico, a ,ltl tecipação pode vir em fonn;1 de explícit a pro rcc ia , como 11 .1\

palavras do or.í.culo em tdipo Rei, ou no destino ele Macbclh , v:u ici n .• dll pelas bruxas. Enrrcranro, a antecipação pode ser feira em rom m:lis n.::.li:.I.I ,

como no exem plo do fuzil de 'T'checov (se um fuzil aparecer no pri mcirn

;1(0 , an tes de <I con ina se fechar, alguém o disparará) : o narrador ch:lIn :l .1

atenção do espccmdor para algum detalhe, cxcirando sua curiosidade. pre­

parando-o para o que virá.

Pode ocorrer também uma revelação retros pectiva do sentido de :1[ 1:,11

anl eriormenre mostrado. Em Teíll'mIlU" (( de A CIISll ft10, o que parecia ser

uma cínica encenação egoísta da t~ 1 testemun ha, mulher do acusado (M:I1"­

Iene D ietrich), revela-se um:l calculada encenação, sim, mas movida pela

mais devorada paixão . TestellllllllJII de Iit:usação tem , aliás, o grallde mérito

de desmamar o caráter de interpretaçl0 (no duplo sentido da palavra) de

wdas as versões. Para nossa foco de interesse, a liçflo é valiosa: a colocação

de anteci pações deve se r estratégica, submetida ao jogo geral do esped clllo

que armamOS.

Por rim _ numa variação da "bo mba de efei lo retardado" da revelação

retTospectiva _, " an recipação pode ser cômica: em O FiIl)O tia Noiva ( f I Hijo til' ItI NO/lilf, Jua n José Campanell a, 200 1), na briga de Rafael (Ilica r­

do Darln) com sua namo rada (N atalia Vcrbeke), ela diz que o amav;l.

ainda que ele não fosse nem um Einstein, nem ulll O ick \'(farson. Daí ell l

diante, po r várias Ve-LCS. sempre de modo lateral ao desenvolvi menlo do dra­

ma, como convém a uma pontuação cômica, ele tentará descobrir quem

é O ick \Vatson. figu ra que as mulheres conhecem e adm iram , mas que u!>

ho mens ignoram. J<l no meio dos créditos finais, Rafael e seu amigo f<,;!> ­

surgem, embasbacados, assisti ndo algo na TV. Finalmente, a câmer:1 re­

vel a a chave do m istério: a capa do vídeo de s;lc:t nagem anunci:t "Dick

W:ttson, em sexo sentido" ("Mas isso é a perna de uma criança! É 11 m:'

garrafa térmica", d iz. o amigo, que. pela surpres;l, também n ão é ncnh unl

711

I )I l l\ \'(/. I I ~ OII ) /\I6 tt !t' \(." t" I· , 0'0 " l 1 1 j.; 1 . 1 ~, l l li , ('\\(' ,111 (' ItI , tf ( ' l OIl ~ l: !; (le . • llItl:! .1

I HtH.'" .1 d,!.: 111l1 :! I lI:RI:t d Cll t r o d.1 piad.!, {,( H}I .1 p.llt \ dt.1 d.1 I'cv l:b ~' ; lo n :lru!>­

pl'UIV.1 Implícita OI! l íHllo do fi lme do di!'"" ,. "" I . . " I)' k ' o ' I .> , , . ),50111 ) 10:10 te' \ '(1;11.'>0 11 .

Caracterização de personagens

Já /lzemos referência às possibilidades impHci tas em objetos associados .1 perso nagens, como no caso da câmera d e Busca-Pé. De acordo com esse

c ll: ~lllplo , quando o objeto é um instrumento de ação do personage m, :lm­

ph:un-se as chances de enriquecimento dos signifi cados mobilizados por

d:,. Busca~ Pé faz da observação sua anTI :l. A "guitarr.t (violão) de jolmny

(:IfI~tlr (NI~hol~s Ray, 1954) já dá o fOrn do pisto lei ro que enfrenta a via­

lt: 1.~ c l a ~~m Iro~ma Im~sica1. A dissonfmcia do insrrulll cnro de Johnny sugere

.1 .llqu e:t~ 1 da nao-obvl ed~de, como o antigo quepe de marinheiro usado por

r 11l~ IS ( ~ogart) em Sabr/J/(I, ou o hmoso rrenó de Cir!(u!íio K{(JlI' (na verda­

t~C , I~'omas sobre a possibilidade de caracterizar UIll personagem de modo

lall s' mples - ou alguém ;lCredira que "tudo que o m:lgnara desej:lva era scu vd ho trenó da infânc ia"?).

~o caso dos personagens-tipo, tão comuns na co média, esses traços

n:pcfldo.5, como numa charge, o defi ncm c esrabelecem sua relação com

o.~ dema iS: não há exemplo mais canônico do qu e C U'liras, com Slla ben­

h· 11a giratória e. seu chapéu , seu andar ca ricato, a balançadinha do bigode,

0 \ 1;e5105 repetidos (bater, saudar com o chapéu e co rrer). Sendo a ca riea-

1111':1 a essência do tipo, são CSSes traços exagerados e ma rcados pela l'eperi­

, .. 11: que o d~fil.lem . Essas reperições caricacurais podem ser em pregadas em

.l1: l' r~mes.l1I~els, de acordo com o grau de "tipifi cação" que o roteirista de­

\l· , .1 IIll prU11Ir no personagem. Sem C hance, o enfermeiro baixinho de

( :I/í(lu/im (HCClOl' Babeneo, 2003), não é lima ca ricatura, mas tem esse

"1111 110..' '' 1'11graçado de dizer que tudo é "sem chance" . De certa maneira, so-

11 .. 1\ I' ,di I.'" meio caricaturai s, como nos "ensinam" aqueles colegas de co-

r q~ l(l quI.' 11 .10 perdoam ninguém do "C DF" à "p r ' , h " d N ' a ncm a a turma. o

" '

ll ~O de 11· . 1 ~ ()~ d t: rt: p t: (i~.lo p .II .1 L.l 1.1i..1Cli ,. 11' pC I ~nll . l gl· l1 \ d I.: lI ln 1(I I CltO ,

tra la ~ :-.e de equilihr.l r rc!:.cinn:dlll elll c e!o:-.:lS 1ll ~1"(. , I \ OC:-'. N IIIH .I 1.11':-' ... () \

personage ns serão basl ant e ca ri ~al lI .. a i,<, (fa ...... :I e ca .. ic.llu ra '<',llI " 111111.1 C 1. ,11

l1e"). Já numa co méd ia ronüllIic:l, essas c lric lIuras tel1(k r5o ,( ,<,C I' m.li ...

leves , para que as personagens se (Ornem ma i .~ rea listas . Lembre I1l0~ l lll\

do "efeira do real": quanto mais deta lhes (ou seja, qU:lIlto m enos repeli

ções), maior a impressão de realidade.

Mas é rudo , como dissemos, lima questão d e combinação "qu íllli

ca" (o u culinúia) entre os traços . Pane importante da genialidade de Mi'

1/;01' t: fllIpossÍlJel esr~i em es tabelecer como pa r romànti co personagem

q ue, a princípio, hab ita m "mundos diferentes": Mdvin é q uase um vilao

de desenho :mimado; Carol é uma "mulher de verdade". A represent:lç,1(1

da vida afet iva ~l.~sim obtida é engraçada e tremendamente eficaz, co mo

idenrificação, porque nos f.'lZ 0111;1r para nÓ.~ mesmos como Melvins: so mos

todos "monsuinhos" esquisitos, presos em nossas "fortalezas da solidão",

nos d iz o filme. Eventualmente, somos C'ltol: pessoas dignas que seguralH

a barra e têm de lidar com o namorado monsrrinho.

Em In fomo 17 (Stttlllg 17, Billy Wilder, 1953), o diretor fuz uma "m;Ígi­

ca" parecida, reunindo sob o teto de um cam po de prisioneiros uma clás­

sica dupla de palhaços (com todos os trejeilOs; um gordo, outro magro etc.)

e personagens realistas. Esses usos Il ~O pontuais de ca ri caturas escrachadas

(fei ras de traços repet idos) em col1tex[Qs real ist:l.s são arriscados, exigi ndo

grande capacidade do roteirista e do diretor, que devem harmonizm "mun­

dos" (e~ tilizaçóes do mundo) diferentes.

Caracterização de relações

Um gesto ou um objeto pode, por sua repetição, torna r-se uma espé~

cie de "marca" das relações entre personagens. No episód io da Comà{úl

da Vida Pri/!{lda intitulado "Anchiemnos" (que, al iás, "não é uma comé~

dia" , como avisa a abertura) , há um ótimo exemplo. Trata-se da hisróri :t

de um jovem talenroso que .~e deixa comprar; em do is momentos cru

lI. II '. III I ~ qll . lI ~ I) pt· I\\lIl. lj.:,t·11I é ~t'dlllldlJ 11 '" 1111 1.' 1'1011'0\ 1.1 V. lI l1.l io ~. 1

111 ." .Illlié li LI. (l 'CdIlWI OI!.:I CU': IIHI.I h.IJ.1 de 11111 .1 c lixillh.lll"L: M ):I U Jltl O

"1,lil ll.1I de 1I10C& I\.

J:lnlhélll IJlll:l rl";I~C pode ser llsad:1 pa r:1 car:lClcrizar lima reb ção. Isso

I hl~lc ~l' l" rt:il') 1111 1" l"eitL:ração \ )u po r variaçiio de se ntid o. Nova mente Jorgc

hll I.ldl) nns fi)l"IlL:ce exemplos inreressanres. No curta O Dia 1"111 que Dori­

/"i! / '"//("(II"IJII fi Clt/lldtl, Dori v;11 iguala todos os militares que compõem a

g ll.lIda na mes ma força burocrári ca que ele enfrema: "Soldado, cabo, sar­

j.:,('1110, lellenre e merda pra mim é a mesm::t coisa", diz Do rival, em série.

j :! C/H HOIl IIi! IImn Vez Dois Verões, a mes ma frase - "ClI ró grávida" _ é rt' pclilb por Roza em d irerenres situações , m as a cada vez com um senri­

dI) dl".tm:lti co d iferenre, marcando assi m a evolução da história de sua re­

l.t ~ .10 co m C h ico c sua transformação: na pr imeira vez ela é um a gol pista;

11 .1 :o.cgunda, alguém que quer fugir de uma relação amorosa; na terceira,

11111 :1 nllllhcr apaixonada que aceira o amor do rapaz .

O Ul ro exemplo magisn aJ são as variações em IOrno da frase "foge ao

Ill l' lI cum ro lc", em LigtlfiJCJ Pcrigo91J (Dtl1igerous LiaisollS, Srephe n Frca rs,

1 ')XX). N um primeiro momento, Vallllont a d iz espontanea menre, mani­

fc.:\I :ludo sua alegria por se deixar levar pelo :111101' de Madame de "Iourvel

(M ichd le Pfeiffe r). Depois, querendo prova r que sua razão cín ica CO rt esã

é ClpilZ de vencer seus próprios senrimentos, ele repele obsess ivamente a

I ... "c, suhvertendo seu sentido ro m:1mico quando a lisa como mote da u ' lI a do araque violemo à mulher que ama.

A repetição de situações quase idênticas cosrurna ser um recurso eh­

u/ par:1 ca racteriza r m udanças nas rdaçóes. Esse tipo de rerorno rem a

V.IIH.Igl'm de marcar co m clareza - corno numa es pécie de experiênc ia

(" 1/ 11 co nn ole de variáveis - o que exatamente se mod ificou no descnvol­

Vi ll \l' IHU e a nova configuração da situaçã o dramática. Como em Houve

IIII/I( 11'z Dois Iftorões; no início do filmc, temos Chico e seu amigo senta­

d, I.' 11.1 pr:lia, esperando alguém cair numa armadilha de areia meio bocó

' 1\1 \' dl'\ fi zeram . Em off, C hico d iz que "nada aconrece na maior praia do

IIll!\ld,," . No fim do filme, estamos de volta à mesma praia imensa, sem

g l "~. 1 ~. dl'\l'rt:l. A armad ilha está lá de novo, mas agora quem F.IZ compa-

11111 .1 .10 .1 11 Il go é o irmãozi nho de Roza. C h ico e Roza estão às voltas com

'1 , \

\I fi lho hl'h~. O I UW \1 o// de Clt l(. ,~ cx plil. il.l.1 tIH ld ,'II\,. I : " !tllpI C" ioll .lll1 e

cumo i ~~o :lljui Illlldou. AglH"1 :H.Oltl l'Lt .. : tIl {'l1i " ., \l lelllpo II>lll ," . () .1I!l ign

de ( :hico, o F:l lslafr :tdok ... celll e em vcr.ul(..; io, COIII ill\l:l em ' 11:1 pl)., i~ .. ,o d

nica ; C hi co ro rnDl1 -Se homem. comprUll1 l.:tCII -SC, alcançou a Ichde da

Ra"liio, como ralve'/. dissesse Sanre, se fosse passar ° verão 1.:111 C idreira.

Ob jetos de desejo

Como d issemos na introdução, esses objetos são, em geral, "Mac­

G uffins", ou seja, em si mesmos desimporcantes . N inguém dá aten ç;'ío

real aum objero "MacGufTin", mas de "encarna" o desejo , conccnlTa as

rnorivações. Ajuda a sustentar o suspense e relíne em corno de si as rela·

ções dos personage ns, fornecendo, assi m , li ma base pa ra q ue as relações

dram;\ricas (o amor entre o mocinho c a moci nha, ou ou tras bem maIs

com plexas que você pode criar) possam se desenvolver..

Mas lima repetição pode ir :llém dessa fun ção b:ís ica de unifi cação. A complexidade que vimos noutros casos (como o da corda em Viridirlllfl, ou

das n ansfonnaçõcs revdaebs pc!:! situ;\ção repelida cm Dois Verões) pode

va.kr também para objetos de desejo. Eles podem ser "veículos", conden­

sações de sent ido mais imponantes e complexas ao longo do desenvolvi ·

metHo do filme.

Veja-se, por exemplo, 1ih Reis (TlJ /'a Killgs, Dav id O . Russell ,

1999) . De início, o filme é, literal menre, uma caça ao tesouro, ao "ouro

de Sadd am" . Mas, en quanto a caça :lvança, o senrido daquele ouro vai

mudando, adquirindo novas co no tações e funções à med ida qu e ° gru ­

po d e so ldados vai se enredan do l1a conj u mu ra do h'aque ocupado. O

ouro vai passa r d e but im de pifaras modernos a carga d ifícil de ser car·

regada; a segu ir será a possi bilidade de fuga e sobrevivência pa ra um

gru po que busca fug ir do país; passará por moeda d e compra de apoio

pa ra essa fuga e, por fim , vai se tornar prova - ao mesmo tempo, proV.1

do crime de deserção e roubo comet ido pelos pro tagon islas comra o

l''(~h. Í 10, t' pr !I\', r d e: ,r 11 fi I f\ r I ro) fi lI,rl (ljl r.1 ndn d e: .. t c\'d,r r Ir • 11 llk : I' e:\(.1 ,r Id e:

r,1 I rI , e:1 n I ft)\,..1 d ,1 li hen .I~,I, ) do.\ rerll t;Í,rdo,}. M,I \ de M:d , .I i 1I(1a, 11. ri ícia,

,di rne lll o p:tfa Ir:; 1l1 eio:; dc culll unic rç:io, qll e m:tllipul:trão a "histó ri a on~ cial" do "ouro de S:tddam". Bem mel hor do qu e a simples corrida atrás da "ro:;a azul ", não?

Digressões por "rima" visual

H,i um tipo de repetição baseado não na idenridade de um elelllelHo,

Illas na semelhança elltre lima .~é ri c, disposta ao longo do filme e compon~ do uma espécie de texto subrerrâneo, C0l110 um a melodia secund:íria sob a

mel odia (linha narrativa) principal. Mcraforicamcnre, podemos di zer que

esses elemen lOS, semelhantes sem serem idênticos, "rimam". Esse recurso

pode ser de grande valia para mer coment:irios?ts cenas, criando assim uma

d imensão de "generaliz;lçao", lima quase tl.'Orização, ou materialização do rema subjacente à história contada.

O plano fin al d:l cena de mini go lFc, em HO//lIe 1I1111{ \Í('z D oú Vl'r6t's

faz pane de UIl1:l série desse tipo: máqu ina:; de fli per:una , os colll end rio~ de C hico .~obre as cadeias causais a parri r dos ri ros aos p:l ['05, o J'oauinho de T . D

ctns, as poss íveis combinações numéricas no nümcro dc cel ular incom~

piem, ~ qll ;L~e "ca ra ou coroa" do mOlm:n lO em que C hico :lllleaça dar a f-i eh:!

para o Irmão de R07..a, o jogo de aza r "engravida/ não engravi e!:t" (até o "aci­

dente" fi nal com a pílu!:t fi1Isa) . Há uma grande série de " i'l1agens do acaso"

- entre as quais O m inigolfe é a ma is brilhante - pontuando a história d l'Sse

j~vel1l herói român tico que, sem dar a III ínima para os preconceiros sociais,

vIve seu dJ}/()urfo ll por urna jovem de vida nem tão Scil a:;si 111 , de uma ma­neira absolurarnenre ckterrninada.

• • •

216

Exemplo de onólise: O vaj -e-vern da câmera

Q ua nd o surge na tela o tí lulo do fi lme ((ú/(Ir/r 1ft. Onu), Hu\t.J I'é

está co m Ullla m,í quina fotográ fi ca em pu nho. i\ p rinH..: ira f.ll.t em oU't!o mesmo Busca-Pé é "aq uel a fotogra fi a pod ia mudar a m in ha \'itf:t. P.u·cl.e

óhvio o qua lHo a câmera fO logd fica é illl ponanle em Cidfldl' di' Drlls.

A m,íquina fo tográfi ca surge em cena par;t rcgisr rar a morte do O the

lcira. Ela :l uromati camence se transforma em objeto do deseju de Busc, r

Pé. Ao mesmo rempo em que se encerra o período "românti co" do film e,

surge um ind ício do cam inho que acabará ti rando Busca-Pé d a flVd :r.

Durante:1 b se "anos 70", a máq uin a fo tográfica (u ma bem v;tgabull ­

da) faz co m q ue Busca-Pé seja ace ito pelos cocotas como um a e:;pécie de

"fotógrafo ofi cial da turm a" . Já fica d aro que a accitaç50 social t50 so nh a­

da por B Llsca~ Pé va i depender da quantidade de "diques" que d e der em

uma câmera.

Na cena da festa, essa impo rt:i ncia se lo rna esca nca rada.

T hi:lg0 ap:lrece com a câmera querendo trod~b por pó. Pa ra O t rMlco,

a dmera é nada !l1J is do que moeda de froca . Angéli ca convcnce Bcné de

que a d mer.1 plXlc i l1 Ieres.~ar a 13uscl-Pé. Ela deixa de :;er mero objeto de tro­

ca e gan ha ca rg:l dram~íriC:l : \Orn a~se morivo cio desejo do personagem.

Quando Zé Pequeno \'ê Bené dando a câmera para Busca-ré, isso mexe

com se us bri os . Zé Pequeno q uer se r o "rei da f.IVela'·, decidir quem cn!T;t e

quem sai, (! uem vive e quem morre. Ele não pode aceitar que Bené deixe o

tráfico, nelll sequer que conced:l desejos para aqueles que Zé Peq ueno su­

postamente tem sob seu co mando. A câmera IOrna-se instru mento que

simboliza poder.

H á UlTl momento bem m;lrcado, em que Zé Pequ eno e Busca-Pé ~e

enca ram. Na trOca de olhares (pelo f.1to de Busca-Pé estar caído no chão c

Zé Pequeno tcr um olhar arroga nt e), é quase co mo se Zé Pequeno d isses­

se: "Quem manda aq u i sou eu, porra!" .

Será quc m:l nda m es mo? Bené quer ir com ra a vontade de Zé Peq u e~

no. E loda a tensão da cena do bail e exp lode qu ando ambos luram pela

2 17

d Ul (' l. l IOIUgl.l n t, l , \ (II. holl \l ~II\ pode I. P.II ,I H .. \~. I 1\', 1('PI ('\<: llt.l .1 I c •• li

1.1\. 1< ) d I..' UII! d c\ l'J ' ) C •. 10 Il1 l'\m\l lCl llp" , .1 plh\l hdld ,ld c d I..' ~ .Iil d .1 I.I V<: 1.1

( 11,1 vl..'l'lbd<: . 0,\ dlli~ d<:,ejo~ 1<:1' :1 Ildqllin.1 fOI(J).:,I.Hl l.. .1 lo: ~. Iir da 1":1\'1..'1.1

\(' (. ~lldi lll dern e pndt.: 1l1 seI' I r:It:Hlos co nlo um S/I).

A m:iq uin:1 fOlogdfica reaparece no jornal. Agora é mu iro eviden te

~llIe dn suü.:s!>o prufiss ional de Bll.~ca~ Pé depende seu fururo longe (b fi.­Vd .l, du I d fi co c, princip:l lrnent(·, de Zé Pequeno.

l'or imni;1 do dl:srino, é ° mesmo Zé Pequeno que acaba presentea n­

do Husca- Pé com a máqui na fotográfi ca . A núquina fo i guardada como

Icl11 hr:lI1 ça de Bcné (e é importante frisa r que este é o t'tnico mamemo em

Illdn o filme em que Zé Pequeno tem uma atitude benevolente, gemil,

me~mo que não desprovida de sua habirual va idade; aqui, é como se Pe­

"-plenu dissesM:: "Como posso rudo, posso também t.e dar essa mâquina

1 ~ ltobdtlca") .

I\usca-Pé ganha a ciimera por ser o ü nico a saber man usel- Ia . E acaba

n:cchmdo do jornal a missao de tirar mais foros de Zé Pequeno, De

Li fllC I~ t em punho, ele balança na co rda bamba enrre o desejo dos "de den­

Iru" de serem reconhecidos e o desejo dos "de fora" de conhecer o que

ruLI. Jugando co m es~as demand as, Busca-Pé Faz da m:iq ulll;l fotogdfl c:t a

.Irm a de sua "yi tória" sob re Zé Pequeno: "Sim, você foi o n:i da favela, mas

(.' It sobrevivi". E, pa m completa r, ainda demonsrra que n;'ío possui a vaida~

de, a demledida , de Z~ Pequeno. Enrn: as luzes da riba lm e a so breyivên­

Lia, Busca-Pé esco lhe a úl tim a. Ele prefere publ icar a Foro do cad;íver de

/..:: Peq ueno a se arrisca r a morrer - desra vez, pela nüo dos policiai .~ .

Fosse tudo isso pouco, a úl tima fala de Busca- Pé deixa bem cla ro que

tU! através da m:iquina forográ flca q ue de conqu istou, maiS que uma

j1mfissão, um a idenridade:

"N inguém ll1:lis me chama de Busca-Pé. Agora cu so u Wilson Rodri ­

!~ lI es . fotógrafo".

. , , 1 ,

Exercício

C rie - se a inda nõo hó a lgo deste tipo ('rn seu rolei ro U1 11(1 tl(Ij('1<'>r rrr

para um objelo (ou paro umo frose que se repct(', rnlJdondo de S('nlrc!o) In

d ique, na esca lela, onde e cama o objeto (ou O fJ'OseJ vai es.lar prcsentl'

Se quiser, crie outros elementos de repetição, como tipo de comentário, ((

nário etc.!.

119

Notas

Capítulo 1 1 "Ser cineasta no Brasil .. " - FURTADO, Jorge. AstrO/UlUlflllO C/Jlim>. Pano

Alegre: Artc.~ e Ofícios, 1992.

, "O til intar das moed;ls .. " - TORERO, José Roberto . O ClNdrl(/l . Rio de Ja·

nciro : Objetiva, 1999.

) "Convicçáo Judaz" - VA LE, Eugenc. TéCllicl/S dei (;lIioll ptlrrl Cinc)' TeIc/IÍsioll.

Barcelona: Gedisa Editorial, 1985.

1 "De que trata .. " - LUMET, Sidncy. F{{zendo Filmes. Rio de Janciro : Roeco .

1998. p. 35

\ "Urna história que .. LUMET, Sidney. Ftlzendo Filmes. Rio de Jan eiro:

Rocco, 1998. p. 37.

(; "Quando Gregor Samsa acordou ... " - KAFKA, Franz. A MC/f(1nOrfosc. São

Paulo: Co mpanhi:J. das Lerras, 2000.

7 "Meu nom e é Mon, Ed Mon" - Trata-se do refrão do personagem Ed Mon ,

plTM~ntc l:!ll inúmerm conros de Luis Fernando Vcrissimo. Eles podem ser

encontrados na seguinte colednea: VERISSIMO, Luis Fernando. Ed Mor! ­

todm rIs hist6rirts. São Paulo: L&PM, 1997.

S "Um grupo de refinados ... " - Este é o argumento do fi lme de Luis Buiiuc! O

Allju ú1erminrtdor (B Auge! Exterminador, MEX, 1962) .

22 1

" " I '\~ I\'V, ' 1" ,1 ,.1 \ t i,'"," () "'1 '11", ,lI gl' l lIltlO )''' 1',(' 11m 1 \'oIl~I'\ , '\ lIt'\'(.'Il, L \" I I

i\dllll' I IIII) ' ( ' .1\,11",,\, V,ÍlI" , "prd,ki,, \" c U f 'IL, ' \ .,1, \ 10\ III cxi\ ICIlH.:\.I\I l-!,UII \

dd l"\ C\ I. IO .'gnlp"dm 110 lil' r,,: 1I0 1{GE~, Jorgc I "i\: Ci\~i\ IU :....\ . i\dnllc)

Ilh'Y. (i/'}/II(({J" til' IIJ1S/{}J I)O/lI lH,. Tr:ldu O;::lIl: Jaller Cri\l aldo. S[i " P,ll do: 1\ lf.1

O"'t·I~.I, 1')7(1 ,

10"() ti l" ,e p,lrt e." O IlH)ddo de narr:l li v:1 cham ado Jo rnada do Heró i tlli !l'I-

p"I."';'.l(lo cm ! lollywood:l partir do fi lme Gllerl"f1/lIlS EstrelilS. q ue foi f~ iro

L .1I11 LOIISllltoria do especialista em mitologia Joscph Campbcl1. E~~a n a rr:l l i ~

1'.1 é e\rrut urada :l partir de modelos de na rrativas m iwlógicas presentes na

mi l" logi:1 de v:írios povos. Cam pbcf l d iscorre sobre isso em d rios livros, com

d t'\t. 111Ilc para O Herói til' Mil NICl'J (São Paulo: Pensamenro, 1995),

() I'orla rio Mito (São Paulo: Palas Arhen:l, 2004).

O Illodelo da jornada do herói acabou virando li ma espécie de ma nual para

cri:u;:ío de hisrórias ci nematográfi cas. Um livro volrado à :tpl i ça~'ãu da análise

de <:am pbell no ci 'lema é VOGLE R, Chrisropher. Ajo/"l/flda do !JJcriTOI: Rio

de }:lnciro: Am persa nd , 1997 ,

Capítu lo 2 11 '·0 sociólogo italiano ... ·· - PA RETO , Vi l ffl~do, Mim! 6- Soá",y. Publ. Dover,

1935. Um bom resumo da tco ria de criarivid3dc de P:HCto está no livro

YOU NG , Jamcs Webb. Tt'c /lims rIc /JI"(HIIIÇilo de idlim, S:io Paulo : Nobel ,

1994.

VE LOSO, Caetano. Vi/rltule tropiffd. $;io Paulo : Co mpanhi ,l d:1S Lt' rras,

1997. pp, 16ge 1 74~ 1 75 .

1\ 1'1 RS!G, Robe rt. Zt'II r A Arte dll MtlllllTí'IIftlO de Motociclellls . S[io Paulo: Paz c

'Ierra, 2000.

I, N AC I-I MANOV ITCH , Stephen, Ser Crifltivo. São Paulo: SUm tll IlS, 1993.

Capítu lo 3 I', lU l.'i I·: N I:I ~: I.D , Anatol. 7('(/ (1'0 t pico, São Paulo: Pers pect iva, 2002. p. 17.

I" U III,I n,: lcrê Il L i,1 h.h h. ,1 c It l ll d ,I I II t.' I II , 1I p.II .1 t' llI l' lI tln d loll ll ,'I III I'.11 f to Ih 111 1./ "(I/1im, de i\ri\16I..:1c\ (S.U) 1',1111,,: IVl.lrI 111 ('1.IIt"I , ,wo \) .

1- COS' I"A , In;i Ca ll1a rgu. Sillfll o l)mJ/lfl. ~.IO 1',lu l/): b lirur.1 V'I/.C\, I 'NH, I' " (,

13 KAN"I: Immall lleL Crítim dfl Rflzão Pr,ítim. S[io 1';111 10: M ,ln im FOlll (.'\,

2002 .

19 Uma boa análise sobre o modelo do dr:tlll:t e como d e se base ia em dd lol)m

esd em: SZO N D I, Pc[cr. 7-;'orú/ do Dmlnn M(ldt'rlIo. São PaLllo: CO~. It.: &

N,í fy, 200 1.

.'11 É li ma das idéias ccnr ra i.~ do livro: Mi\MMET, D avid. Trh USOJ /,flnl (/ {i/cf/.

Rio de Janeiro: C ivilizaç';\o Bras ileira, 200 I,

11 H ITC l lCOCK, Alfred & TRU r: r:AU1~ Frallçois. Hitc"cock~ 7;'lfl!ftllt. São

Paulo : Co mpan h i:\ da}; Letr as, 1987. p, 47 .

l! Para L1 tlla excelente análisc da obra de lcll llcs.~e W' illi:II11S e das polêmicas co m

:t c rí tica arncrica n:l , rccorr:t ;t csre cxedemt" li vro sohre o tea tro americano

qu e te m um cap ítu lo dedic tdo ;t \Vill iam s: C OSTA, Jn;; C amargo. /blOrtI}//{/

do Rio IIrrl1ll'/ho. S50 Paulo: Nankin Ed itorial. 2001.

2.' PASO UN I, Pia Pao lo. Elllpirismo H m'ge. Lisboa: Assírio Alvim, 19HI. pp.

137 a 153.

Capítulo 4 li STEINER, George. !.fl Muem de IfI 1/1Igf'difl. Caracas: Mome Ávilas, 1991.

!j MA RX, Karl. O Dezoito BI"IIJIlfÍrio de Luis BOUI/pilrte, Trad. Leandro Konder.

In: MfII/usrritos l:.Collômico-filoJÓfiCOS e Olllros 7i:xtos Escolhidos. Seleção de t CX~

[Os de José Arrhur C ianoni . S:io Paulo: Abril C ulrural, 1978 (05 Pemado­

res). i\ citaç;io literal é a seguinte: "H egel observa em uma de su as obras qut'

rodos os (;u os c personagens de grande imporrância na história do mundo

ocorre m, por assim d izer, duas vezes . E esqueceu-se de acrescentar: a prilllei

223

1.1 VCf L() 1I11l1 1'.1 !;étli .I •. l 'C).; II!\ ~I. I l. IIlllq 1.11 '.1", (Pf!.. Il') dllll VIO l M ,II X ~1.1 , ériL'

(); I'I' /Nu/u/"(';). 1'.11'.1 11111 .1 .lId li ,c m.l l, .II'IO l f11 ll d .ld .1 d .1 I 1.:1Iri ,1 d.' Il i, I {lIi ,l de

iv1.lrx 1'Cl.orr:1 :I: \'\1 111'1'1::. 11.1)'dc lI . ;\//'/(//;/s I6"/II: 1i 1IIIIIg/I/IIC(/1! Ilú I6,./('(/ 1/0

S/l'II lo XIX. S:ío I'alllo: ED US P. 1995,

}I. I:"-SS I.I N. i\~;lrrjll" UlI/tI 1111(11011111/ do Drrmltl. Rio de Jalleiro: Z:lhar, 1978. p. 75 .

" NAC II3, Lucia. O Cúmlltl dtl Reto"lfIda. S:ío bnlo: Ed itora 34 , 2002.

:~ Verso da 1l1úsica "N::ío chore mais" ("No wOl11an. no cr)''' , de B. Vincent) , ver~

~:ío de C ilberto Cil, 1977 (M:lcapá \\IEA, Singlc, 1979).

• "1 FRYE. Nonhrop. A1illtomia dtl CriÚCII. São Paulo : Cultrix, 1973 . p. 162.

I •• LUME' I; Sidner Fazendo Filmes. Rio de Janeiro: Roem. 1998. p. 35. A dassif1-

chlão LL~:lda por Lumer é muiro semelhallte á do livro de Eric Bendey: BEN­

TLEY, Erie. A E\periêllcÍfl VÍ/M do JútlV. Rio de Janeiro: Lahar Edirores. 1981 .

1i Frase recorrente nos programa.~ de relevisão do grupo de humor ingl~s Monly

Python's e que cosru mava ligar UIll quadro a outro. No Bra~illd uma colcd­

Ilea em vídeo com episódios desse prognlllla chamada MOI//)' P)'tIJO/ú Ny'lIg

Clrms (1%') , ING).

I' bsc é um tredlO d:l peça de Luis Albnto Abreu, MilStec!é - 7;lI/NtlO gemi r!tI ("()_

IIIMifl , ainda in éd ita em livro. Eb foi escrita por Luis Alherto. COIll din.·ç:í:o de

Ednaldo Freire, e encenada pela Fratern al Cia. de Ane e Mala~-arres. ESlTeou

em 200 1 no Centro Cultural São P,lUlo com o seguinte elenco : Aiman

I hl1lllloud, Mirres Nogueira, Ale SJlch e Edgard Campos. A peça, cujo tÍtulo

é um aportuguesdmenro da cxpress:ío inglesa "masrcr elass", foi c,~crira com

h. , ~c no trabalho de pesquisa sobre a comédia popular (I ue" Cia . Fraternal de­

\<.·Tll'l llve desde 1993.

" "1\ 1'1'.'\:;1 é nossa" rcrere-se ao (Líss ico p rograma humorístico exibido até

11I'1l" 11 " SBT. J;í François Rabebis é o autor de G"tlrgfwlUft (' Pffllttlgmel.

, I

! \c lo Il li r i ZI IIII <':: 11.lli :li .1 Edillll .l, 200 ~. Unl .1 CXtc!CIl I C .11l .I II \c d.1 (..1111 .1

val.i J.aç:ío c ,b "hra d e lb hch i ~ p' Kle ~cr CII U11I11':ld ,1 11 . 1 oh r.1 <.1\, ufl l.:.o 111 \

so M ikh:lillhklltill 11 CII/llllil ;'o/,u/(/ /" 1It{ UI/dI' M h/itl /' 1111 /(('1111$('111/('1111)

° w/llexto de FrtlJ/çoú RI/bd(//s. S:í o Paul o : Ilu cit cc. Ed il Or:1 da UJl i vc r~ i d . 1

de de BI':l sília, 19f17.

J4 Verso da n1lbiea "J ei t inho dela" , de Tom Z{:. 1970 .

J5 Ci laç::ío rerirada de um diálogo do episódio "Apenas Bons Ami gos" da ~é rie

televisiva Coméditl dtl Vida Prit'lu!a. Direção: Jorge Ftln:ldo. A(bpr:lç:ío : Jor ge Furtado , Gtlcl AtTaes e Pedro Cardoso, a partir da obra de Luis Fe rn:l lldQ

Veri.'isimo .

1(, Como exemplo de um esrudo :l lllTopológico sobre o significado do c:ll"ll:lval ci­

Llmm: DA1vlATTA, Roberto A. C'tm/{/l!tlú, /v/tllalldros e Heróis. São Paulo:

Rocco, 1997; VAN GENNEg Arnold. !(itos de PrW(lgem. Petr6polis : Ed iwra

Vozes, ! 978 .

j- Referência ao /lIme de Bill)' Wilder chamado Qllflllto M(ti, Quente Melhor

(So/li e Ukc 11 HOI, 1959, LUA), uma das Illclhore.~ f:trsas j;í realizadas no ci­

ne m:1. A frase "Ni nguém é pertc iro" (: a úlrima do fi lm e.

jN \Villi ams , Raymond . TllIgMúI Moden/(f. S:ío Paulo: Cosac & Nair)', 2002.

1'1 BENTLEY, Erie. A E'>:jJcrihl(:itl Vivtl do TMtro. Rio de Jan eiro: Jorge Z:llw"

Editor, 1981. p. 269 .

·\0 FRYE, Nonhrop. AI/(t!omút da CríÚm. S:í:o Paulo: Cultrix, 1973.

'+1 Ciw,:ão do livro: SOUR1AU, Etienne, As Dl/zenttlS Mil Sitl/{/çJes DllImdti("(/s.

S:ío P:mlo: Ed irora Atica, 1993. p. 36.

Capítulo 5 ·,2 Syd Ficld é :lutor de livros C01110 : Mflllwt! de Roteiro (Rio de Jal1eiro: Ed ito!";!

( )h/(· II II.I , t I)H ! ). U f h rrdllll) r/U NII/rI//l/oI {I{.(I dI' j.lIl( 11 li; hJ. I' fI .1 ( )hjel ;V.I.

.!OO n C (.(//{I/I'O NIlIi -iroo {J{i" dc I.mc; I li ; I, d i I ""'1 ( )1 '1t'1 i 11.1. 20(4).

11 B.HI ... clolI.1. Ed iciollc\ 1':lidch. J ')96.

Capítulo 6

t t ]{..Jcrê lleia :lO Cl pílUlo .~obrc H amlet no li vro de I--brold Bloom A bwt!lIfiío r/o

111111////10 (Rio de Jan ei ro, Objetiva, 2000).

I~ SOA RES , r-,'larcos. "A Tomlização Difícil " . In: Revista Reportagem, março

2003, p. 53.

Capítulo 7 lI, C:OMPAP ""!'O, Doc. D C

V"\ ..." ritlf{to fiO Ro/l'iro. Rio de Janciro: Roero, 1995. p. 2 14.

PRO UST Marcel. Em BI/Sm do Tempo PeJ'dido /. Rio de Jane iro: EdilOra Eu ...

ropa-Am érica, 1981.

Capítulo 8

,~ I loward Hawks em entrevista a Perer Bognadovich. (AJimt/ Quem FtlZ os I;illlles.

S:10 Paulo: Companhia das Lerr:ls, 2000. p. 340), A citação literal é a ~egu ill l'e :

" Em Rid river, eu d isse a \'«.1)'l1e: 'O lhe, nfio se esfo rce mmo em [Oda.~ as cenas.

Se é um,\ cena ft"al menle boa. v;í c trabalhe bastante, mas se não t, acabe t om ela

depress.1 e não perturbe:: O público; se nesse filme você conseguir dllas cenas hoas

c pelo res[O do tempo não perturbar o público, terá fei to um bom trabalho"'.

,., AUS"J'I N, John. Qual/{Io Dizer é F{/zer. Porr(} Alegre: Artes Médica.~, ! 990,

" Rd i:rcl1ci:1 ao dramaru rgo e diretor, autor de livros CO I11 O: 7Th Usos da Fam

( Ri" de j.lIlóro: ( ·iVIIII.I, .1 11 111.I\ llc ll ... ! OO I). ' flhrr " I }/II'í ,/tI ( 'IImlll"I.~ I,lli

U I (I{ il ' ll t; Ja nd n. : ( :i I' ili 1 . . 1\.11' 1\1 .I .. il d t .1, 2 ~ )02).

Capítulo 9 ~ I H á lima infi n idade de livros sobre () assltlu o, mas t;Sh:S duis S;ill U\ 11I.li , dill:

tos e co ncrcros que e nCo ntramos par<l <l an:ílisc da llIarclç:i1J c dll ~ jU t;O~ eJc

poder em cenas cotid ian as: KORDA, Michad . O Jogo lk POr/I'" 1/11 bllpl'l'ftI .

Rio de Janei ro: Fr.mcisco Alves, 1979; BAKER, S\ephen. ar/rio Nrll ll iun

São Paulo: Ediro r:l Melho ramentos, 1983.

<;~ Referência ao h istoriador aUlor de livros como: O ProCtfJO CilliliZlfdorv. I. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 1995; A S(){'iet/"de de Com. Rio de Janeiro: Jorge Za

!tar. 2001 . Eo;.<;t:s livros 530 muifO l'!reis ao rotcirism. Anal isam detal ha&unclH c.1

mudança c a codificação de IdJ..,itos e co~rullles, essencial para apri mO!':lr () 0111:11'

sobre a clpacidade cxpressiva dos der:rlhcs cmidianos.

~5 A frase é rambém o tftulo de Ulll livro de Roberto Freire: FREIRE, RoJx:rto.

Ame t' Dê VÍ',);/I IllI'. São Paulo: Novo Paradigrna , 2003.

~~ Refer~llcia ao artigo "O efei ro do rc:al" , de Robml l3anhes. em que o auto r (r.1 Il '"

cês I11 nSlra como a na rrativa de hislO ri :lt!ores como i'v!iehdet passa o efeito dc

rcal atravó do LISO de detalhes, Esse :lrtigo esd no livro O RUl/1or rltI Llngllfl

(São Paulo: Martins FOII lCS, 2004). Nesse li vro h:í pelo menos mais dois artigos

que v:lle :1 pena o rOlci rism ler. S:ío eles "O discurso da hisrória" e "A escrita do

acolll ecime[j ro"

,~ Es.~c cOl1ceito está na análise de Ismail Xavier do filme a Anjo Nasceu (BRA.

1969). In: Alegoritls do SubdefeJ//JoItJimmfo (SflO Pa ulo: Edi tora Brasiliense,

1993).

'" "A sociedade" é u m COlHO de Antônio de Alcântara Machado lJ ue esd no livro

NO/It'las PllulisfaJlm (Belo Horizon te: Edi lora Itati aia e EDUS I~ 1988) .

~- EISENSTEIN . "Sobre 'o Capote' de Gogol" . Revista USP, n 2., Seção Tcxm~.

pp. 71 ... 84, jun .... ago.l89.

22/

'pflu lo I o N I,évi .' 'II'''I U\\ . () ( ; '/1 r /) Coú do . .\,.,. P.IlI lu: ( \ )\. Il & N,u'r, 2004 .

,,' o I<,T IlI(l é ll~ :ldn por Ilitchcnck 110 li vro II1TCIICOCK . Alfn.:d &

T RUFFA U' I: Fr:lllçois. Ilitcheol'k·'/hifjll/f. Sáo Pall lo: Compa nh ia da,~ Le­I r:IS. 1987.

Q uem somos

Leandro Saro iva N:lsci em Porto Alegre, no fim dos anos 60. o que fez d e mim colo­

r:l(!o e pClista (hoje, eu diria qu e sou m:lis colorado do que pClisra). So­

nhei em ser físico e jogador de furebol , comecei ;\ estudar engenhari a elé­tri ca, concluí () cursu de C iênc ias Sociais. mas 3cl.h ei, mes mo j:í C[U:1 SC

careca, vindo para São P.ndo esrudar ci nema. Na US P, jUntO com um

grupo de am igos, criamos a rev is ta Sinopse e descobri mos a dureza de te l,l ­

[ar ser "asnonaur:l no C hipre", como d iz Jorge Fun ado . Tenho escrit o ro­

teiros (Cidflde dos f-Iomem, G lobo/02 Fi! rn es), trabalhado em documt.:n­

drios (Peões, de Edua rd o C ominho; c E/II Tii'inÚf(), de Heuri Gerva iscau),

evenrualmen te montado algu m CU rf:1 (Shp/I/[r, de César Cabral) ou

docu mcm ári o (li Pfl/fl /lrtl MtúS Ji-tmljui/fl, de Cl:íudia Mesqui ta, Renara

O no e Ruben C1ixera), Escrevo críticas ( rcviSI':l Reporfl1gew) e conlinuo cs­

tudando cinema (agora no doutorado, sob a prazerosa e inest imável orit:n­

ração de Isma il Xavier) . Tenho planos de construi r um foguctc no qu in lal

e mc lançar diretor de cinelll,L Hoje a calvície já é completa, mas, inspira­

do em Zidane, min ha maior esperança ainda é que alguém , fi nalmente,

descubra meu imenso ralem o futebolístico. Emluanto isso não acontece,

viajo no sonho circense da FICs.

Newton Cannito Eu sou ma is um daqueles que já fizeram de lUda um pouco. J:í rui

técnico cm elet rônica, dono de botequim, promotor de shows, vcndcdor

219

d e hll !~ig.l l l t~ ,I\. e\ llI d .IIH e de e ll!~e llh.lI i.l. plok\~1>1 de hi ~ 1 6ri,j, .1I1ill lado r

d e jl:\ I,1 in1:lII l il, /.. r1 l iw d e ci ll elll :l c flu j\.: MIlL .. IUI \.: iri,\I.I\.: p\.:~qll i ~ador. Fi'!_

nll elros pal';l Cid"dl' dos / -IOlllf'llS, para () novo lon~;:t do Sergio 13 ianchi c

para Inais uma série de coisas que está para sair. C riei ainda dois insritutos

de pesqu isa e ensino: a Educinc (www.cducine.org.br) e o Instituro de Es­Illdos de 'l elcvis3o (www. ietv.org.br).

E sigo em freme. Tenho uma man ia louca de ter sempre um plano.

Ten ho um por dia, mas rodos convergem para o mesmo: ler uma peque­

na rede de TV independente, Nosso peq ueno circo. Par:1. isso CI'I :1I1105 a

Fies.

Às vezes penso que meu sonho é diFícil, coisa c ta l. . M as gOSto de

pensar que não posso mais fazer nad a, que ago ra é tarde, que já estou to­

rnado por meu daimol/ . Ou como di z Do mingos Oliveira: "Sonhou, t:í

son hado" .

) lO

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SIBL. SEr O\c COMUN!O\CAo SOe

Q uem queremos ser

Tomamos emp reslado o sonho de D omingos de Oliveira:

COl/foSSO minha ambição om/ttt: q1lfl1ldo l'I/ crescer quero ser dOllo dI' ri':. co. 7êr 1111/ grupo de pesswls que se gostem !!IlIito e que se exij'mn pOIlCO, e ljue Stll­

bllln firzer /lI/S nlÍmeros. E que possam aprl'Sellfltl" esses nlÍmeros parti que ou·

tms p/'ssorls que se quiserem, e forem queridas, possam passar jJnlYl o lado dI'

cAi lsso é qlli' e/l gostilria de Se!; quandu (resct'1:

Se a consq~llirmos levantar nosso órco:rV, os leito re~ já estio convi·

dados IXl.ra pula r para o picadeiro c mosrras os números que, tomara , cSl'e

Manuel tenha ajudado a c riar. Então até, ..