manifestacao da agu

26
· ií!' ADVOCACIA-GERAL DA UNIAo AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4822 Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Requeridos: Conselho Nacional de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco Relator: Ministro Marco Aurélio Magistratura. Resolução n° 133/11, do Conselho Nacional de Justiça, e Resolução 311/11, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que asseguram aos magistrados o recebimento de auxílio-alimentação, verba indenizatória não prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Preliminar. Parcial inobservância do ônus da impugnação especificada. Mérito. Inconstitucionalidade formal. Violação ao artigo 93, caput, da Constituição da República. Matéria própria ao Estatuto da Magistratura, cuja disciplina está reservada à edição de lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Inconstitucionalidade material. Ofensa aos princípios da legalidade (artigo 5°, inciso 11, da Carta Republicana) e da separação dos Poderes (artigo 2° da Lei Maior). Ausência de simetria entre a magistratura e o Ministério Público no que diz respeito às vantagens funcionais concedidas a seus membros. Incompatibilidade dos atos hostilizados com o disposto no artigo 129, § 4°, da Constituição Federal. Manifestação pelo não conhecimento parcial da ação direta e, no mérito, pela procedência do pedido. Egrégio Supremo Tribunal Federal, O Advogado-Geral da União, tendo em vista o disposto no artigo 103, § 3°, da Constituição da República, bem como na Lei nO 9.868/99, vem, respeitosamente, manifestar-se quanto à presente ação direta de inconstitucionalidade.

Upload: bbumzito

Post on 14-Dec-2015

235 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 4822

TRANSCRIPT

Page 1: Manifestacao Da Agu

· ií!'

ADVOCACIA-GERAL DA UNIAo

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 4822

Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Requeridos: Conselho Nacional de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado

de Pernambuco

Relator: Ministro Marco Aurélio

Magistratura. Resolução n° 133/11, do Conselho Nacional de Justiça, e Resolução n° 311/11, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que asseguram aos magistrados o recebimento de auxílio-alimentação, verba indenizatória não prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Preliminar. Parcial inobservância do ônus da impugnação especificada. Mérito. Inconstitucionalidade formal. Violação ao artigo 93, caput, da Constituição da República. Matéria própria ao Estatuto da Magistratura, cuja disciplina está reservada à edição de lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Inconstitucionalidade material. Ofensa aos princípios da legalidade (artigo 5°, inciso 11, da Carta Republicana) e da separação dos Poderes (artigo 2° da Lei Maior). Ausência de simetria entre a magistratura e o Ministério Público no que diz respeito às vantagens funcionais concedidas a seus membros. Incompatibilidade dos atos hostilizados com o disposto no artigo 129, § 4°, da Constituição Federal. Manifestação pelo não conhecimento parcial da ação direta e, no mérito, pela procedência do pedido.

Egrégio Supremo Tribunal Federal,

O Advogado-Geral da União, tendo em vista o disposto no

artigo 103, § 3°, da Constituição da República, bem como na Lei nO

9.868/99, vem, respeitosamente, manifestar-se quanto à presente ação

direta de inconstitucionalidade.

Page 2: Manifestacao Da Agu

I-DA AÇÃO DIRETA

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido

de liminar, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do

Brasil - CFOAB, tendo por objeto a Resolução n° 133, de 21 de junho de

2011, do Conselho Nacional de Justiça, bem como a Resolução n° 311, de

1° de agosto de 2011, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que

asseguram aos magistrados o recebimento de auxílio-alimentação, verba

indenizatória não prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. O

teor dos referidos atos normativos encontra-se transcrito a seguir:

Resolução n° 133, de 21 de junho de 2011, DO CN.I:

"O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais;

CONSIDERANDO a decisão do Pedido de Providências n° 0002043-22.2009.2.00.0000, que reconheceu a necessidade de comunicação das vantagens funcionais 4.0 Ministério Público Federal à Magistratura Nacional,

CONSIDERANDO a simetria constitucional existente entre a Magistratura e o Ministério Público, nos termos do art. 129, § 4°, da Constituição da República, e a auto-aplicabilidade do preceito,

CONSIDERANDO as vantagens previstas na Lei Complementar n° 75/1993 e na Lei nO 8.625/1993, e sua não previsão na LOMAN - Lei Orgânica da Magistratura Nacional,

CONSIDERANDO a inadequação da LOMAN frente à Constituição Federal,

CONSIDERANDO a revogação do art. 62 da LOMAN face ao regime remuneratório instituído pela Emenda Constitucional n° 19,

CONSIDERANDO que a concessão de vantagens às carreiras assemelhadas induz a patente discriminação, contrária ao preceito constitucional, e ocasiona desequilíbrio entre as carreiras de Estado,

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 2

Page 3: Manifestacao Da Agu

CONSIDERANDO a necessidade de preservar a magistratura como carreira atrativaface à paridade de vencimentos,

CONSIDERANDO a previsão das verbas constantes da Resolução n° 14 deste Conselho (art. 4°, I, 'b', 'h' e 'j'),

CONSIDERANDO a missão cometida ao Conselho Nacional de Justiça de zelar pela independência do Poder Judiciário,

CONSIDERANDO a decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança no 28. 286/DF,

RESOLVE:

Art. ]O São devidas aos magistrados, cumulativamente com os subsídios, as seguintes verbas e vantagens previstas na Lei Complementar n° 75/1993 e na Lei n° 8.625/1993: a) Auxílio-alimentação; b) Licença não remunerada para o tratamento de assuntos particulares; c) Licença para representação de classe, para membros da diretoria, até três por entidade; d) Ajuda de custo para serviço fora da sede de exercício; e) Licença remunerada para curso no exterior; f) indenização de férias não gozadas, por absoluta necessidade de serviço, após o acúmulo de dois períodos.

Art. 2° As verbas para o pagamento das prestações pecuniárias arroladas no artigo primeiro correrão por conta do orçamento do Conselho da Justiça Federal, do Tribunal Superior do Trabalho, do Superior Tribunal Militar e da dotação própria de cada Tribunal de Justiça, em relação aos juízes federais, do trabalho, militares e de direito, respectivamente.

Art. 3° Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação." (grifou-se).

Resolução n° 311, de 1° de agosto de 2011, do TJ-PE:

"A CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que compete ao e. Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância do art. 37 da Constituição da República (art. 103-B, § 4°, caput e inciso lI);

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 3

Page 4: Manifestacao Da Agu

CONSIDERANDO que o e. Conselho Nacional de Justiça, nos autos do Pedido de Providências n° 0002043­22.2009.2.00.0000, ao concluir pela comunicação das vantagens do Ministério Público à Magistratura Nacional como decorrência da auto-aplicabilidade do art. 129, § 4°, da Constituição da República, que garante a simetria às duas carreiras de Estado, reconheceu expressamente a possibilidade de os magistrados perceberem auxilio-alimentação, vantagem que não está compreendida no regime remuneratório dos subsídios, do que adveio a edição da Resolução CNJ 133, de 21 dejunho de 2011;

CONSIDERANDO que o e. Conselho da Justiça Federal, através da Portaria nO 88, de 30 de novembro de 2009, na conformidade do disposto na Resolução n° 4, de 14 de março de 2008, que regulamenta, no âmbito do Conselho e da Justiça Federal de Primeiro e Segundo Graus, a concessão do auxílio­transporte, do auxílio-alimentação, dos adicionais pelo exercício de atividades insalubres ou perigosas, da prestação de serviço extraordinário e do adicional noturno, da indenização de transporte, da gratificação natalina, do auxílio-moradia, do auxílio pré-escolar, da ajuda de custo, das diárias e consignações em folha de pagamento, fixou em R$ 630,00 (seiscentos e trinta reais) o valor do auxílio-alimentação;

CONSIDERANDO que o c. STF, ao apreciar o tópico da suposta violação do pacto federativo pelo artigo 103-B, da Constituição da República, em sessão de 13 de abril de 2005, concluiu pela declaração de constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça, sublinhando, com particular relevância, a tese do caráter nacional do Poder Judiciário (princípio da unidade do Poder Judiciário) (ADI-3367/DF);

CONSIDERANDO que, a partir dessa idéia-síntese, expressa no art. 92, da Constituição da República, o c. STF, com efeito, no julgamento da ADI nO 3854-MG, assinalou que, 'contendo o Poder Judiciário um caráter nacional, não poderia a magistratura estadual ser submetida a tratamento diverso e pior do que àquele conferido à magistratura federal'; daí por que, não por acaso, a Constituição do Brasil outorga a todos os juizes, estaduais e federais, as mesmas garantias (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos), os mesmos direitos, as mesmas vedações e as mesmas vantagens, o que, ademais, se impõe em benefício da sua autonomia e independência;

CONSIDERANDO que o princlpLO maior, revelado naqueles acórdãos paradigmáticos do c. STF, foi o de que 'não se admitem distinções arbitrárias entre a magistratura federal e a

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 4

Page 5: Manifestacao Da Agu

estadual', tendo em vista que o 'caráter nacional do Poder Judiciário impõe que ambas sejam vistas em uma perspectiva de igualdade e isonomia';

CONSIDERANDO que o denominado auxilio-alimentação não é verba de natureza salarial, daí por que se encontra previsto nas verbas orçamentárias de todos os Tribunais pátrios como verba de custeio;

RESOLVE:

Art. 1° Ao magistrado ativo, efetivamente em exerClClO, é assegurado o recebimento de auxilio-alimentação, a ser pago em pecúnia, com a finalidade de subsidiar as despesas com refeição.

§ ]O O magistrado tem direito ao auxilio-alimentação a partir da data em que entrar em efetivo exercício, recebendo a indenização no mês subseqüente ao mês trabalhado.

§ 2° O magistrado receberá um valor unitário do auxilio­alimentação para cada dia útil em que estiver efetivamente trabalhado no mês, não fazendo jus aos dias em que faltar, estiver de licença ou em gozo de férias.

§ 3° As diárias sofrerão desconto correspondente ao auxílio­alimentação a que fizer jus o magistrado no dia da viagem, exceto aquelas eventualmente pagas em finais de semana e feriados.

§ 4° O auxílio-alimentação é inacumulável com outros de igual espécie ou semelhante finalidade.

§ 5° O valor mensal da indenização prevista no caput deste artigo será de R$ 630,00 (seiscentos e trinta reais) e será atualizado anualmente por ato próprio do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, tendo por base estudos sobre variação acumulada de índices oficiais, valores adotados nos Tribunais Superiores, preços de refeição no mercado e disponibilidade orçamentária.

§ 6° O auxílio-alimentação será creditado na conta-salário do membro da magistratura no mesmo dia de pagamento do subsidio.

Art. 2° O auxilio-alimentação de que trata esta Resolução tem natureza indenizatória e, portanto: I - não se incorpora ao subsídio, provento, pensão ou vantagens para quaisquer efeitos, inclusive para definição da base de cálculo do décimo terceiro salário;

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 5

Page 6: Manifestacao Da Agu

11 - não integra a base de cálculo para incidência de contribuição previdenciária; 111 - não é considerado rendimento tributável; IV - não será objeto de descontos não previstos em lei.

Art. 3° Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos financeiros a partir de 21 de junho de 2011.

Art. 4° Revogam-se as disposições em contrário."

o requerente sustenta que os atos sob invectiva violariam o

artigo 93, caput, da Constituição Federal I , cujo teor exige a edição de lei

complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal para dispor sobre

o Estatuto da Magistratura.

Afirma, também, que as normas questionadas, ao tratarem de

matéria que deve ser disciplinada através de lei complementar, vulnerariam

os princípios da separação dos Poderes (artigo 2° da Lei Maior2) e da

legalidade (artigo 5°, inciso II, da Carta da República3).

Alega, ainda, que o disposto no artigo 129, § 4°, da

Constituição de 19884 estabeleceu uma simetria entre a magistratura e o

Ministério Público apenas no que diz respeito às garantias e vedações do

Poder Judiciário, de forma a viabilizar ao Parquet o desempenho de suas

funções constitucionais com autonomia e independência, mas não instituiu

I "Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:"

2 "Art. ]O São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. "

J "Art. 5°( ... ) 11 - ninguém será obrigado afazer ou deixar defazer alguma coisa senão em virtude de lei;"

4 "Art. 129 (...) § 4° Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93."

6 ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio

Page 7: Manifestacao Da Agu

a simetria dos respectivos regimes jurídicos. Nesse sentido, sustenta que a

extensão do auxílio-alimentação aos magistrados, com esteio na suposta

equivalência com o regime jurídico dos membros do Ministério Público,

ofenderia o mencionado artigo 129, § 4°, bem como o artigo 37, inciso

XIII, ambos da Carta Magnas.

o processo foi despachado pelo Ministro Relator Marco

Aurélio, que, nos termos do artigo 12 da Lei n° 9.868/99, solicitou

informações às autoridades requeridas, bem como determinou a oitiva do

Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República.

Em atendimento à solicitação, o Conselho Nacional de Justiça

afirmou que "a edição da Resolução foi determinada nos autos do Pedido

de Providências n° 0002043-22.2009.2.00.0000, julgado em 17 de agosto

de 2010, na 110a Sessão Ordinária" (fi. 2 das informações do CNJ).

Por sua vez, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de

Pernambuco suscitou, preliminarmente, a existência de conexão do

presente feito com a Ação Originária nO 1725 e a Ação Cível Originária nO

1924, ambas em tramitação nessa Corte Suprema sob a relatoria do

Ministro Luiz Fux. Ainda em sede preliminar, alegou a inadequação da via

eleita, afirmando a "impossibilidade de apreciação de atos normativos

secundários em controle concentrado e abstrato de constitucionalidade"

(fi. 4 das informações prestadas pelo Tribunal de Justiça Pernambucano).

5 "Art. 37 ( ...) XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;"

7 ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio

Page 8: Manifestacao Da Agu

No mérito, registrou que a Resolução n° 133/11 do Conselho

Nacional de Justiça decorrera de decisão proferida no âmbito de processo

administrativo em trâmite no referido órgão. Afirmou, nessa linha, que o

mencionado ato normativo não criara o direito ao recebimento de auxílio­

alimentação, mas apenas reconhecera a existência desse direito, enquanto

que a Resolução n° 311111 do Tribunal de Justiça do Estado de

Pernambuco simplesmente procedera à regulamentação da matéria no

âmbito de referido ente.

Na sequência, VIeram os autos para· manifestação do

Advogado-Geral da União.

11 - PRELIMINAR: DA PARCIAL INOBSERVÂNCIA DO ÔNUS

DA IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA

Cumpre registrar, de início, que o requerente não se

desincumbiu do ônus da impugnação especificada em relação a todas as

normas atacadas, conforme prescreve o artigo 3°, inciso I, da Lei n°

9.868/99.

Com efeito, o autor pretende seja declarada inconstitucional a

integralidade das Resoluções nO 133/11 e nO 311/11, oriundas do Conselho

Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco,

respectivamente, sob o fundamento de que tais diplomas normativos

estenderam aos integrantes da magistratura o auxílio-alimentação devido

aos membros do Ministério Público, com esteio na suposta simetria entre

tais carreiras.

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 8

Page 9: Manifestacao Da Agu

Todavia, a leitura do inteiro teor da resolução do Conselho

Nacional de Justiça revela que apenas o seu artigo 1°, alínea "a", veicula

matéria atinente ao benefício do auxílio-alimentação. As alíneas "b" a "f'

do mesmo artigo tratam de outras verbas e vantagens devidas aos

magistrados, enquanto os artigos 2° e 3° do citado ato dispõem,

respectivamente, sobre a dotação orçamentária para o pagamento das

verbas previstas em seu artigo 1° e sobre a sua vigência.

Nesse sentido, as razões de mérito apresentadas pelo

requerente não fazem qualquer referência à suposta inconstitucionalidade

das alíneas "b" a "f' do artigo 1°, tampouco dos artigos 2° e 3°, todos da

Resolução n° 133/11 do Conselho Nacional de Justiça, restringindo-se a

impugnar a instituição do auxílio-alimentação para os magistrados.

Dessa forma, observa-se que a impugnação do requerente,

nesse ponto, caracteriza-se como genérica, a ensejar, nos termos da

jurisprudência dessa Suprema Corte, o não conhecimento da ação direta

acerca das expressões ou dispositivos não impugnados motivadamente.

Nesse sentido, confira-se:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO ABSTRATA E GENÉRICA DE LEI COMPLEMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO EXATA DO PEDIDO. NÃO CONHECIMENTO, 1. Argüição de inconstitucionalidade de lei complementar estadual. Impugnação genérica e abstrata de suas normas. Conhecimento. Impossibilidade. 2. Au~ência de indicação dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido com suas especificações. Não observância à norma processual. Conseqüência: inépcia da inicial. Ação direta não conhecida. Prejudicado o pedido de concessão de liminar." (ADI n° 1775/RJ, Relator: Ministro Maurício Corrêa, Julgamento: 06/0511998, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: 18/0512001; grifou-se).

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 9

Page 10: Manifestacao Da Agu

Dessa maneira, a ação direta não deve ser conhecida em

relação às alíneas "b" a "f' do artigo 1° e aos artigos 2° e 3°, todos da

Resolução nO 133, de 21 de junho de 2011, do Conselho Nacional de

Justiça.

IH - DO MÉRITO

111.1 - Da ofensa ao artigo 93, caput, da Constituição Federal, e aos

princípios da legalidade e da separação dos Poderes

Como visto, o Conselho Nacional de Justiça, com fundamento

na alegada simetria existente entre o Poder Judiciário e o Ministério

Público, autorizou a extensão de vantagens funcionais concedidas no

Estatuto do Ministério Público aos membros da magistratura nacional. O

Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por seu turno, assegurou o

pagamento de auxílio-alimentação aos magistrados no âmbito de referido

ente da Federação.

No entanto, as vantagens funcionais concedidas aos

magistrados devem estar contempladas no Estatuto da Magistratura,

estabelecido por lei complementar de iniciativa exclusiva do Supremo

Tribunal Federal, conforme dispõe o artigo 93, caput, da Constituição

Federal. Observe-se:

"Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:"

A lei complementar a que o dispositivo transcrito se refere ­

cujo objeto é o Estatuto da Magistratura - tem sua edição reservada ao

10 ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio

Page 11: Manifestacao Da Agu

Poder Legislativo da União. É que, segundo afirma José Afonso da Silva6,

o Estatuto da Magistratura contém as regras sobre a carreira da

magistratura nacional, por isso se confere ao Supremo Tribunal Federal a

iniciativa do processo legislativo respectivo, tudo com vistas ao

estabelecimento de normatização uniforme em relação aos magistrados de

todos os entes federados do País.

Sabe-se, ademais, que esse Supremo Tribunal Federal

consagrou o entendimento de que, "até o advento da lei complementar

prevista no artigo 93, caput, da Constituição de 1988, o Estatuto da

Magistratura será disciplinado pelo texto da Lei Complementar n. 35/79,

quefoi recebido pela Constituição,,7.

Ocorre que a matéria versada nos atos hostilizados - qual seja,

a concessão de vantagens funcionais aos magistrados - insere-se no rol de

matérias que são próprias ao Estatuto da Magistratura, sendo que a

instituição concreta de cada vantagem, bem como a fixação de seu valor,

submetem-se à aprovação de lei do respectivo ente federado responsável

pelo seu pagamento.

Nesse sentido, o artigo 65 da Lei Complementar n° 35179 (Lei

Orgânica da Magistratura Nacional- LOMAN) enumera, taxativamente, as

vantagens que podem ser conferidas, por meio de lei ordinária federal ou

estadual, aos membros da magistratura. A propósito, confira-se:

6 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros: 2009, p. 508. O autor esclarece, ainda, que "A Lei Complementar n. 35, de 1979, que 'Dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura (LOM), foi recepcionada pela Constituição e vigorará, naquilo que não a contrarie, até que se elabore outra, por iniciativa do STF'.

7 ADI n° 1985, Relator Ministro Eros Grau, DJ de 13/0512005.

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 11

Page 12: Manifestacao Da Agu

"Art. 65 - Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: I - ajuda de custo, para despesas de transporte e mudança; II - ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado. (Redação dada pela Lei n° 54, de 22.12.1986) III - salário-família; IV - diárias; V - representação; VI - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral; VII - gratificação pela prestação de serviço à Justiça do Trabalho, nas Comarcas onde não forem instituídas Juntas de Conciliação e Julgamento; VIII - gratificação adicional de cinco por cento por qüinqüênio de serviço, até o máximo de sete; IX - gratificação de magistério, por aula proferida em curso oficial de preparação para a Magistratura ou em Escola Oficial de Aperfeiçoamento de Magistrados (arts. 78, § JO, e 87, § JO), exceto quando receba remuneração especifica para esta atividade; X - gratificação pelo efetivo exercício em Comarca de difícil provimento, assim definida e indicada em lei.

§ 1° - A verba de representação, salvo quando concedida em razão do exercício de cargo em função temporária, integra os vencimentos para todos os efeitos legais.

§ 2° - É vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na presente Lei, bem como em bases e limites superiores aos nelafixados." (grifou-se).

Note-se que o dispositivo acima transcrito elenca as vantagens

funcionais atribuíveis aos magistrados e dispõe, em seu § 2°, que "é vedada

a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na

presente Lei, bem como em bases e limites superiores aos nela fixados".

Com fundamento no referido dispositivo legal, essa Corte

Suprema entende ser "de caráter exaustivo a enumeração das vantagens

conferidas aos magistrados pela Lei Complementar n° 35/79", razão pela

qual define como inconstitucional a concessão de qualquer vantagem não

prevista no artigo 65 da LOMAN. A propósito, confira-se:

ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio 12

Page 13: Manifestacao Da Agu

"Mandado de segurança. Juiz. Exclusão da contagem em dobro, para a aposentadoria, de licença-prêmio. - O Pleno desta Corte, ao julgar a ação originária 155, de que foi relator o eminente Ministro Octávio Gallotti, concluiu que 'A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar n. 35/79), que, no ponto, foi recebida pela Constituição de 1988 e que é insusceptível de modificação por meio de legislação estadual de qualquer hierarquia e de lei ordinária federal, estabeleceu um regime taxativo de direitos e vantagens dos magistrados, no qual não se inclui o direito a licença prêmio ou especial, razão por que não se aplicam aos magistrados as normas que confiram esse mesmo direito aos servidores públicos em geral'. Nesse mesmo julgamento, foram trazidos à colação precedentes deste Tribunal (o RMS 21.410 e oRE 100.584, dos quais foi relator o ilustre Ministro Néri da Silveira), no último dos quais se salientou que não há quebra de isonomia por não se aplicarem aos juízes os mesmos direitos concedidos aos servidores públicos, uma vez que, por força da Constituição, têm um estatuto próprio onde se disciplinam seus direitos e vantagens. Mandado de segurança indeferido." (MS n° 23557, Relator: Ministro Moreira Alves, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 01/03/2001, Publicação em 04/05/2001; grifou-se);

"AÇÃO ORIGINÁRIA (CF, ART. 102, I, 'N') - COMPETÊNCIA DA TURMA - MAGISTRATURA DA UNIÃO - JUIZ DO TRABALHO REMUNERAÇÃO VERBA DE REPRESENTAÇÃO CÁLCULO· QUE INCIDE, EXCLUSIVAMENTE, SOBRE O VENCIMENTO BÁSICO ­TAXATIVIDADE DO ROL INSCRITO NO ART. 65 DA LEI COMPLEMENTAR N° 35/79 (LOMAN) - RECURSO IMPROVIDO. COMPETÊNCIA DAS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O JULGAMENTO DAS CAUSAS FUNDADAS NO ART. 102, I, 'N' DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. (...) TAXATIVIDADE DO ROL INSCRITO NO ART. 65 DA LOMAN IMPOSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO, POR QUALQUER MAGISTRADO, DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS NÃO RELACIONADAS NESSE PRECEITO LEGAL. (...) O Supremo Tribunal Federal, presente esse contexto normativo, tem proclamado que o rol inscrito no art. 65 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, no que se refere às vantagens pecuniárias titularizáveis por quaisquer magistrados, verdadeiro 'numerus clausus', a significar, desse modo, que não se legitima a percepção, pelos juízes, de qualquer outra vantagem pecuniária que não se ache expressamente relacionada na norma legal em questão. Precedentes." (AO n° 820-AgR, Relator: Ministro Celso de

ADI n° 4822, ReZ. Min. Marco Aurélio 13

Page 14: Manifestacao Da Agu

Mello, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento em 07/10/2003, Publicação em 05/12/2003; grifou-se).

Aliás, além de concluir pela taxatividade do rol de vantagens

previsto no artigo 65 da Lei Complementar nO 35/79, esse Supremo

Tribunal Federal reconhece, também, que a Lei Orgânica da Magistratura

Nacional foi recepcionada pela Constituição de 1988. Desse modo,

enquanto não editada a l~i complementar prevista pelo artigo 93, caput, da

Carta da República, os temas atinentes ao Estatuto da Magistratura

permanecem sob a disciplina instituída pela LOMAN, sendo inválidas

espécies normativas diversas que disponham sobre a matéria. Nesse

sentido, confira-se:

"CONSTITUCIONAL. MAGISTRADO: RESIDÊNCIA NA COMARCA. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA: REGIMENTO INTERNO: RESTRIÇÃO IMPOSTA À LOCOMOÇÃO DO MAGISTRADO: RI/Conselho Superior da Magistratura do Ceará, art. 13, XIL e. CF, art. 93, VII. LOMAN, Lei Complementar 35/79, art. 35, V 1. - Recepção, pela CF/88, da LOMAN, Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar 35/79. CF, art. 93. 11. - Residência do magistrado na respectiva comarca: matéria própria do Estatuto da Magistratura: CF, art. 93, VII; LOMAN, Lei Complementar 35/79, art. 35, V 111. - Regimento Interno do Conselho Superior da Magistratura do Ceará, art. 13, XIL e: restrição quanto à liberdade de locomoção dos magistrados: necessidade de autorização para que os juízes residentes nas comarcas e circunscrições judiciárias do Estado possam delas se ausentar: inconstitucionalidade. IV - ADljulgada procedente." (ADI nO 2753, Relator: Ministro Carlos Velloso, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 26/02/2003, Publicação em 11/04/2003; grifou-se);

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 212, DO ESTADO DE SANTA CATARINA, QUE CONFERIU NOVA REDAÇÃO AO ART. 192 DA LEI N. 5.624/79. PRECEITO QUE DETERMINA A PRECEDÊNCIA DA REMOÇÃO DE JUÍZES ÀS PROMOÇÕES POR ANTIGUIDADE OU MERECIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 93 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Até o advento da lei

14 ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio

Page 15: Manifestacao Da Agu

complementar prevista no art. 93, caput, da Constituição do Brasil, a matéria própria ao Estatuto da Magistratura será disciplinada pelo texto da Lei Complementar n. 35/79, recebida pela Constituição. Precedentes. 2. A lei atacada dispôs sobre matéria constitucionalmente reservada a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, violando o disposto no art. 93 da Constituição. 3. Ressalvada a validade dos atos de ofício praticados por magistrados promovidos ou removidos na conformidade da lei impugnada. Pedido julgado procedente, para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 212, que conferiu nova redação ao art. 192 da Lei n. 5.624/79, do Estado de Santa Catarina." (ADI n° 2494, Relator: Ministro Eros Grau, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 26/0412004, Publicação em 26/04/2006; grifou-se).

Especificamente acerca do artigo 65 da LüMAN, essa

Suprema Corte já declarou sua recepção pela ordem constitucional

inaugurada com a Carta de 1988. Veja-se:

"I. Magistratura: remuneração: recepção do art. 65, VIII, da LDMAN, da qual decorre a inadmissibilidade da percepção de gratificação por tempo de serviço mediante 'anuênios'. 11. Vencimentos: garantia de irredutibilidade que - atinente à soma global anteriormente percebida - não impede que a parcela correspondente a determinada vantagem funcional seja absorvida por força de lei que, antes de diminuí-la, ao contrário, aumenta a remuneração do servidor ou do magistrado." (AO n° 395, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 13/0612002, Publicação em 02/0812002; grifou-se).

De fato, a jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal

encontra-se pacificada no sentido de que o artigo 65 da Lei Complementar

n° 35/79 permanece em vigor. Registre-se que tal entendimento não sofreu

alteração em face da superveniência da Emenda Constitucional n° 19, de

1998, conforme afirmam os precedentes acima transcritos, posteriores à

edição de referida emenda.

IS ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio

Page 16: Manifestacao Da Agu

No mesmo sentido, confira-se excerto do voto proferido pelo

Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento do Agravo Regimental

no AI nO 410.9468, in verbis:

"Eu também, na Turma - o Ministro Eros Grau já citou -, tenho me manifestado no mesmo sentido, fazendo anotações sobre a jurisprudência do Tribunal em torno da Loman, dizendo que o regime taxativo de direitos e vantagens dos magistrados recebido pela Constituição de 1988 deve ser observado. Citei vários casos. (...) É realmente muito clara a jurisprudência ao dizer que de fato o rol de vantagens é taxativo para todos os magistrados. Essa é a jurisprudência pacífica." (grifou-se).

Por fim, saliente-se que a vedação ao pagamento de vantagens

não enumeradas pelo artigo 65 da LOMAN não se restringe às verbas de

natureza remuneratória, mas abrange, igualmente, as parcelas

indenizatórias, conforme se depreende da jurisprudência desse Supremo

Tribunal Federal:

"AÇÃO ORIGINÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. INEXISTÊNCIA DE DIREITO A AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. COMPETÊNCIA DO STF. DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE A CONCEDE A JUÍZES AUDITORES DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Competência do Supremo Tribunal Federal. Inteligência do artigo 102, inciso I, alínea n, parte final, da Constituição Federal. 2. Não-aplicação do artigo 22 da Lei 8460/92, com a redação dada pela Medida Provisória 1522/96, aos membros do Poder Judiciário, que são regidos pela LOMAN. 3. A expressão 'adicionais ou vantagens pecuniárias', objeto da vedação do artigo 65, § 2°, da LC

8 Julgamento proferido em 17 de março de 2010, assim sumariado: "CONSTITUCIONAL. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. QUINTOS. INCORPORAÇÃO. NOMEAÇÃO NA MAGISTRATURA. VANTAGEM NÃO PREVISTA NO NOVO REGIME JURÍDICO (LOMAN). INOVAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. O Supremo Tribunal Federaljá pacificou entendimento de que descabe alegar direito adquirido a regime jurídico. Precedentes. 2. Preservação dos valores já recebidos em respeito ao princípio da boa-fé. Precedentes. 3. Agravo regimental parcialmente provido." (AI n° 410946-AgR, Relatora: Ministra Ellen Gracie, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 17/03/2010, Publicação em 07/0512010).

ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio 16

Page 17: Manifestacao Da Agu

35/79, deve entender-se como todo e qualquer acréscimo pago ao magistrado, seja de que natureza for, inclusive indenizatória. Precedentes. 4. Declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do Ato 274, de 16 de abril de 1997, do Conselho de Administração do Superior Tribunal Militar, que concedeu o auxilio-alimentação aos Juízes Auditores da Justiça Militar da União." (AO n° 499, Relator: Ministro Maurício Corrêa, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 21/0812002, Publicação em 01/08/2003; grifou-se).

Resta evidenciado, portanto, que os atos impugnados tratam de

matéria própria ao Estatuto da Magistratura, razão pela qual sua disciplina

está reservada à edição de lei complementar de iniciativa desse Supremo

Tribunal Federal. Sendo assim, conclui-se pela inconstitucionalidade

formal das resoluções atacadas, por afronta ao caput do artigo 93 da

Constituição de 1988.

Registre-se que a concessão de vantagens sem a

correspondente edição da lei complementar exigida pela Carta da

República igualmente configura ofensa ao princípio da legalidade,

consagrado no inciso II do artigo 5° da Constituição, bem como ao

princípio da separação dos Poderes, constante do art~go 2° da Lei Maior,

preceitos que informam todo o ordenamento jurídico pátrio.

Merecem, portanto, ser declaradas inconstitucionais as

resoluções impugnadas.

lII.lI - Da ausência de simetria entre magistratura e Ministério Público no

que diz respeito às vantagens funcionais concedidas a seus membros

Cumpre, de início, tecer algumas considerações sobre o regime

constitucional da magistratura, notadamente sobre as garantias conferidas

ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio 17

Page 18: Manifestacao Da Agu

pela Carta Maior aos membros do Poder Judiciário, bem como sobre os

princípios estatutários estabelecidos para referida carreira.

Conforme aduz Gilmar Ferreira Mendes9, ao Poder Judiciário

incumbe desempenhar o último controle da atividade estatal, razão pela

qual a Carta de 1988 confere-lhe garantias destinadas a assegurar que a

atividade judicial seja exercida com independência. Nessa mesma linha,

José Afonso da SilvalO afirma o seguinte:

"Aos órgãos jurisdicionais, consoante vimos, incumbe a solução dos conflitos e interesses, aplicando a lei aos casos concretos, inclusive contra o governo e a administração. Essa elevada missão, que interfere com a liberdade humana e se destina a tutelar os direitos subjetivos, só poderia ser corifiada a um Poder do Estado, distinto do Legislativo e do Executivo, que fosse cercado de garantias constitucionais de independência."

Nesse contexto, as garantias constitucionalmente deferidas ao

Judiciário distinguem-se em duas espécies: as institucionais, que protegem

o Poder Judiciário como um todo, conferindo-lhe autonomia orgânico­

administrativa e financeira; e as funcionais, destinadas a assegurar

independência e imparcialidade aos seus membros, as quais são previstas

não só em razão dos magistrados, mas também em favor da própria

instituiçãoII .

Ainda de acordo com José Afonso da Silva, o conjunto das

garantias funcionais é constituído pelas garantias de imparcialidade dos

9 MENDES, Gilmar. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 934.

la SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 576.

I I SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Sâo Paulo: Malheiros, 2003, p. 576.

ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio 18

Page 19: Manifestacao Da Agu

órgãos judiciários - que se revelam sob a forma de vedações, bem como

pelas garantias de independência, que correspondem à vitaliciedade,

inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. A respeito do tema,

confira-se o teor do artigo 95 da Constituição Federal:

"Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; 11 - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; 111 - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4°, 150, lI, 153, 11I, e 153, § r, I.

Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; 11 - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; 111 - dedicar-se à atividade político-partidária; IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração."

Tem-se, portanto, que as garantias de independência e

imparcialidade atribuídas aos membros do Poder Judiciário encontram-se

expressamente elencadas na Constituição Federal, nos termos do

dispositivo transcrito. Com efeito, trata-se de matéria de nítido cunho

constitucional.

ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio 19

Page 20: Manifestacao Da Agu

Dentre as garantias de independência, a única que se relaciona

diretamente com a remuneração dos magistrados é a irredutibilidade de

vencimentos. A esse respeito, Gilmar Ferreira Mendes 12 assevera que:

"A irredutibilidade de vencimentos, antes garantia exclusiva dos magistrados e hoje integrante da proteção dos servidores públicos em geral, completa esse elenco de garantias pessoais voltadas para assegurar a independência dos magistrados. Afasta-se aqui a possibilidade de qualquer decisão legislativa com o intuito de afetar os subsídios pagos aos juízes."

Entretanto, ao tratar do Poder Judiciário, a Constituição da

República não se limita a assegurar garantias institucionais e funcionais a

esse Poder, pOIS também estabelece os princípios estatutários da

magistratura, enunciados pelo artigo 93 da Lei Maior. A propósito, confira­

se o teor da íntegra do dispositivo ora referido:

"Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento; b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago; c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da

12 MENDES, Gilmar. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 937.

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 20

Page 21: Manifestacao Da Agu

jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê­los ao cartório sem o devido despacho ou decisão;

11I - o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;

N - previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados;

v - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4°;

VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40;

VIl - o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal;

VIlI - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004)

VIlI - a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b , c e e do inciso li;

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 21

Page 22: Manifestacao Da Agu

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;

XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente;

XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população;

XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;

XV - a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição."

É esse, pois, o delineamento do regime constitucional do Poder

Judiciário, cabendo ao legislador complementar federal desenvolver os

preceitos básicos contidos na Carta Magna acerca do Estatuto da

Magistratura, em conformidade com o disposto no caput do artigo 93 da

Carta.

ADI nO 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 22

Page 23: Manifestacao Da Agu

Diante dessas considerações, nota-se que o Texto

Constitucional não dispõe sobre as vantagens funcionais que

eventualmente possam ser deferidas aos membros da magistratura.

Com efeito, a Constituição não proíbe, bem como não prevê,

de modo expresso, o pagamento de vantagens específicas aos juízes, como

o auxílio-alimentação. Nos termos do artigo 93, caput, da Lei Maior, cabe

ao legislador complementar federal enunciar, com certa margem de

discricionariedade, as vantagens que poderão ser outorgadas aos

magistrados.

Sendo aSSIm, constata-se que as vantagens funcionais

especificamente consideradas, por não serem asseguradas diretamente pela

Lei Maior, não constituem garantias constitucionais do Judiciário. Em

outros termos, as vantagens legalmente previstas não se destinam a

assegurar o exercício da atividade judicial com independência e

imparcialidade, por essa razão não estão dispostas pela Carta Republicana.

De fato, a imparcialidade e a independência que devem nortear

o exercício da atividade jurisdicional não dependem da concessão de

vantagens funcionais aos magistrados, tais como o auxílio-alimentação, a

venda de férias ou a licença não remunerada para tratar de assuntos

particulares, entre outros exemplos de vantagens estendidas à magistratura,

independentemente de lei, através da Resolução n° 13312011 do Conselho

Nacional de Justiça.

Ademais, se a previsão das vantagens funcionais que podem

ser deferidas aos magistrados constitui matéria reservada à lei

complementar federal, conclui-se que a norma contida no artigo 129, § 4°,

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 23

Page 24: Manifestacao Da Agu

da Constituição da República não tem o condão de estender aos membros

da magistratura as disposições constantes da Lei Complementar nO 75/93

(Estatuto do Ministério Público da União) e da Lei nO 8.625/93 (Lei

Orgânica do Ministério Público).

De fato, o artigo 129, § 4°, da Constituição Federal cinge-se a

fixar a possibilidade de aplicação do disposto no artigo 93 da Lei Maior ao

Ministério Público, de modo que a extensão ali prevista não abrange a

legislação infraconstitucional existente sobre a matéria. Confira-se:

"Art. 129. (...)

§ 4° Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93."

Em outras palavras, a disposição do artigo 129, § 4°, da Lei

Maior refere-se, exclusivamente, aos princípios estatutários da magistratura

previstos no artigo 93 da Carta, não autorizando, portanto, a extensão aos

membros do Ministério Público das vantagens previstas na Lei Orgânica da

Magistratura Nacional (Lei Complementar nO 35/79). Pelas mesmas razões,

esse dispositivo constitucional não serve de fundamento para a extensão

aos magistrados das vantagens legalmente conferidas aos componentes do

Parquet.

Com fundamento nessas considerações, conclui-se que, no que

diz respeito à percepção de vantagens funcionais, não há a suposta simetria

entre a magistratura nacional e o Ministério Público, sendo descabida a

aplicação recíproca dos estatutos de referidas carreiras.

De feito, embora a Constituição confira garantias institucionais

e funcionais similares ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, não se

ADI n° 4822, ReI. Min. Marco Aurélio 24

Page 25: Manifestacao Da Agu

extrai do Texto Constitucional a obrigatoriedade de tratamento funcional

idêntico a seus membros, o que implicaria imediata extensão a uma das

carreiras de vantagem funcional conferida à outra.

Diante do exposto, conclui-se que as resoluções sob invectiva

são incompatíveis com o disposto no artigo 129, § 4°, da Lei Maior,

devendo ser declarada a sua inconstitucionalidade.

Cumpre destacar, por derradeiro, que o posicionamento

externado na presente manifestação encontra-se em consonância com o

entendimento consolidado dessa Suprema Corte - e reafirmado no

julgamento da questão de ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade

n° 3916/DF, Relator Ministro Eros Grau, DJ de 19.10.2009 - no que diz

respeito à autonomia do Advogado-Geral da União contrapor-se à

constitucionalidade das nonnas submetidas ao seu exame, na jurisdição

concentrada de constitucionalidade, notadamente quando houver

precedente no mesmo sentido.

IV - DA CONCLUSÃO

Ante o exposto, manifesta-se o Advogado-Geral da União,

preliminannente, pelo não conhecimento parcial da ação direta e, quanto ao

mérito, pela procedência do pedido veiculado pelo requerente, declarando­

se a inconstitucionalidade da Resolução n° 133, de 21 de junho de 2011, do

Conselho Nacional de Justiça, bem como da Resolução n° 311, de 1° de

agosto de 2011, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

São essas, Excelentíssimo Senhor Relator, as considerações

que se tem a fazer em face do artigo 103, § 3°, da Constituição Federal,

ADI n° 4822, ReZ. Min. Marco Aurélio 25

Page 26: Manifestacao Da Agu

cuja juntada aos autos ora se requer, e tendo em vista a orientação fixada na

interpretação do referido dispositivo nas ADI(s) n° 1.616/PE e n°

2.101/MS, ReI. Min. Maurício Corrêa, DI de 24.08.2001 e 15.10.2001,

respectivamente, e na ADI/QO n° 3.916/DF, Relator Ministro Eros Grau,

DI de 19.10.2009.

Brasília, ft> de setembro de 2012.

GRACE MARIA FE ES MENDONÇA Secretária-Gera de Contencioso

P(CAROLINA SA .yJL:õ"ry.rI~~ T BR NO DE VASCONCELOS I Advogada da União

f

ADI n° 4822, Rei. Min. Marco Aurélio 26