malinowski. os argonautas do pacífico ocidental [kula]

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  • 5/16/2018 malinowski. os argonautas do pac fico ocidental [kula]

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    (nulc orl~j,.i. -Argonallts nft/rt IVt$lern Pacific - An Account of Native Enterprise and

    Adven tu re in the Archipe lagoes of Melan es ia n New Gu ine a

    , (""r"i~"t Ahril S \. Cultural c lnduvtr ial. S a , . Pau l. ' . 1 '1110..... nli:,-;i. PI-:'S

    Il'1111pof,II:'::III" 'Ilh Ih,_"t.:!I~";1 d,,"" hn~ktrjl, dc H ~f:lII!I41"'" "~"r \1c\.i(1IIhrL'rf,'","c,\lu'"!\tl, " " . , h r r a r r L " ' - 4 , _ " l I l t ' tr:.JdW",":II'" ",\hi!" "\ ( ultur al L Illdu'lrJ:d, Sap Pau l"

    ARGONAUTAS DOPACIFICO' OCIDENTAl

    ;5/{~

    UM RELATO DO EM PREEND IM ENTO 1t'(.A)UE DA AVENTURA DOS NAT IVO S NOSARQU IPELAGOS DA NOVA GU IN E

    MELANES IA

    BRONISLAW MA l iNOWSK i

    Corn Prcfki " de Sir James George Frazer

    Traduc;io de Anton P. Ca rr (Capitulos I - X VI e Ligia Aparecida Cardier1Mendonc;a (Capitulos XVI XXIJ), revisia por Eunice Ribeiro Durham.

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    70 MALINOWSKInao possuem chefe, e a autoridade e exercida de forma idenl~ca ados massim. dosul, Seus feiticeiros e bruxas sao semelhantes aos dos rnassim do suI e nativesde Dobu. Especia lizam-se na construcao de canoas e na pequena ilha de Panayaticonstroem 0 mesmo tipo de ernbarcacoes que os nativos de Gawa e da ilha deWoodlark, ligeiramente diferentes das canoas fabricadas pelos na tivos de Tro-briand. Na ilha de Misima ha enormes suprimentos de nozes de areca ou betelque, por tradicao e costume, sao plantadas em grandes quantidades por ocasiaoda morte dos membros da tribo.As pequenas i lhas de Tubetube e Wari , que const ituem 0 ultimo elo do Ku_la ,estao localizadas ja no ambito territorial do distrito massim do suI. Com efeito,a ilha de Tubetube e uma das localidades minuciosamente estudadas pe lo Pro-fessor Seligman. Seus estudos sobre essa ilha formam uma das tres monografiasetnograficas que, na sua obra ja tao freqiientemente citada, abrangem a zonamassim do suI.Desejo, por fim, sa lien tar mais uma vez 0 fato de que as descricoes quefizemos no presente capitulo e no capitulo anter!or, embora exatas em ~O?os.os seus deta lhes, nao sao de forma alguma exaustivas como esboco etnografico.Eu as apresentei aqui de modo a fornecer ao leitor uma impressao vivida e, perassim dizer, pessoal, a respe ito dos varies tipos nativos, sua ter~a e suas c~ltura~.Se fui bern sucedido em dotar cad a uma das tribos - a das ilhas Trobriand, adas ilhas Amphlett, de Dobu e o~ massim do sU.l- co~ uma fisionomia pr~p~ia,e se com isso pude despertar 0 interesse do lel t?~, esta alcancado me~ ?bJet lvoIprincipal nestes dois capitulos e lancado 0 necessano background etnograftco paras nossos estudos sobre 0 Kula .

    CAPlTULO III Caracteristicas essenciais .do Kula

    I

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    IIPara poder dar uma definicao concisa e abstrata do Kula. como a que acabei

    de fornecer, tive de inverter a ordem da pesquisa, tal como acontece durante 0trabalho de campo, onde as referencias rnais gerais so podem ser obtidas comoresultado de longos inqucritos e laboriosos metodos indutivos. Essa definicaogeral do Kula servira como uma especie de plano ou esquema para a descricaoconereta e detalhada de que nos ocuparemos proximamente. ]S50 se torna aindarnais necessario pelo Iato de que 0 Kula esta relacionado it troea de riquezas ede objetos de utilidade e constitui, portanto, uma inslitui~a"CLe 'c . nao h aecto tla vida primit iva no qual nossos eonhee_' le. iam mais limitados e"OSSO ententlimcnto mals super ICI3Ique 0 economico. H a urn excesso de Ialsasc nee) 'oes (u' 11economia pnmitiva c e urtanto nccessario lim ar os 0lerreno antes de abordar ~ualguer assunto a cIa rc ativo.Na Introduc;ao, de',' os 0 KlIla como "uma espccie de comercio" e 0colocamos entre esse e outros sistemas ae permuta ue merca orias. ao averaerro nisso enquanto dermos a palavra "cornercio" uma interpretacao suficiente-mente ampla, significando com ela qualquer tipo de troca de mercadorias, Tanto

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    u Us,o 0 termo "nocao atual" tal como ele aparece nos livros de texto e observacoes oca-sionais ~ue, se encontram disseminadas na Iiteratura econornica e etnol6gica. Com efeito, aeconorma e urn assunto mui.to pouco abordado tanto nos estudos te6ricos sobre etnologia,quunto nos relatos da pesquisa de campo, Faeo extensns considerncoes sobre esta defiden-(Ja no a rtigo "Primitive Economics", publlcado no Economic Journal, em marco de 1921.~ma das melhores anallses sobre a questao da economia selvagern. apesar de deficiente em~hversos pontes, e II que se encontra na obra Industrial Evolution, de K. BUcher, versaoingl esa, 190 I. A per~pectiva de BUcher na questao do comercio primitive e , no entanto ,l~lIdeqund.a. Segundo sua oplnldo geral de que os natives nao possuem uma economia na-c lonal, Bucher defcnde 0 ponto de vista de que qunlquer dislribuir;:ao de bens entre os nati-vos se processa at raves de meios Ilao economicos, tais como 0 roubo, tributacoes e presentes. ,Os dados que Iorneco no presente volume sao Incompatlveis eom a teoria de Bucher.Biicher nao teria mantido sua opinifio se estivesse . familiarizado com 0 estudo feito porBarton (e inclufdo na obra Melanesians, de Seligman) sobre os hiri.No artigo "Die Ethnologische Wirtsehaftsforschung", de autoria de Pater W. Kopper, publi-cado em A 1I{"rOpOS, X-XI, 1915- I 6, pp. 611-65 J e 971-1079, encontra-se um resumo daspc~quisa~ feitas sobre a economia primitiva; esse resumo mostra, a proposito, quao poueo sele~l. realizado, em materia de trabalho verdadeiro e profundo, no campo da economia pri-mruva, 0 artigo e realmente de muito proveito. nele 0 autor sintetiza os pontos de vistade outros esfudiosos. . ,

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    III

    conchas' 0 oltro oss; s conchas ou sementes pretas de banana (ve' gTanto os mwali quanta os longos colares soulava, os dois principais art igosdo Kula, sao antes de mais nada enfeites e, como tal, usados exc lusivamente comos trajes de danca mais elaborados nas gran.d~s ocasi6es. festivas, ,n.as dan~ascerimoniais e nas grandes reunioes de que participam os natives de vanas a ldeias(veja f ig. 6). Jamais podem ser usados como enfeites. diaries ou.~m ocasi~es menosimportantes , tais como as pequenas dancas na aldeia, as reumoes._orga~lzadas naepoca das colheitas, ou as expedicoes do narnoro; nessas ocasroes sao ~~a?osadornos de flores, pintura facial e enfeites menores (mas nao de uso diario),como os que aparecem nas fig. 12 e 13. Embora usaveis e, com efeito, usadosem algumas ocasioes, 0 soulava e mwali nao tern, entretanto, esta funcao basica .tUm chefe, por exemplo, pode ter em seu poder varies colares e alguns brace letes;se houver, em sua pr6pria aldeia ou nalguma aldeia vizinha, alguma grandefesta a que pretenda comparecer, 0 chefe usara esses enfeites se for ornamentar-separa par ticipar pessoalmente das dancas; caso contrar io, qu~lquer de seus paren-tes, filhos e amigos, ou a te mesmo seus vassa los, pode usa-los para enfeita r-se .Se formos a uma festa ou danca onde os homens estao usando esses ornamentose Ihes perguntarmos a quem pertencem os enfe ites, provavelrnente mais da me-tade deles respondera que nao sao deles mas que os empr_estara~. ~e . outros n~-tivos. Esse . - - p__QSUidoa sere usados - Ii> nVlleglo de enfe~-t -se 0 W e sou ;-Q ' 0 verdadeiTO 0 jetiv da posse.Outro fato, alias bern mais signif icat ivo, e que a maior ia dos bracelet~s (cercade noventa por cento deles) sao pequenos demais para serem usados, a te mesmol

    por criancas. Por o~tro lado, alguns de]es sao tao grandes e tao valiosos qU~\'nao sao usados praticamente nunca, a nao ser uma vez cada dez anos, se tanto,mesmo nesse caso, apenas por uma pessoa muito importante; num dia de wan-des festividades. Embora os colares possam ser usados, a lguns deles sao de igual]forma considerados va liosos e incornodos demais para se usarem .com muita fre-qiiencia; ficarn, desse modo, reservados para ocasioes muitoespeciais.Isso nos forca a indagar.' por que, entao, se -da tanta importancia a esse~objeto.s? Qual e a sua fin~li?ade? A, resposta completa .a " essas pe!guntas valemergir aos poucos nos proxirnos capitulos - mas uma ideia aproximada deveser fornecida imediatarnente. Como e sempre melhor abordar urn tema des co-nhecido atraves de outro ja conhecido, vamos refletir urn pouco e ten tar desco-brir se, em nosso pr6prio meio, nao existem tarnbern certos objetos que desem-penham papel semelhante ao desses colares e brace letes e sao poss~ido~ e usadosde maneira tarnbern analoga a deles. Ao voltar para a Europa. apos sets anos de

    perrnanencia no Pacifico Sui e na Australia, visitei, ~~!,"a excursao turistica, 0castelo de Edimburgo, onde me foram mostradas as joras da Coroa. 0 guardacoutou-me diversas historius, de como as j6ins hnvinm sldo I ISI I

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    76 MALINOWSKI ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 77me mostrava cola r es iongos e finos, de cor verrnelha, alern de outros objetosgran des, brancos, desgastados pelo usc, feios e engordurados. Esse native ia-mefornecendo, de maneira reverente, os nomes de todos esses objetos, contando-mea historia de cada urn deles, quando e par quem foram usados, como tin hampassado de dono para dono e como a posse temporaria desses objetos consti-tuia urn grande sinal de importancia e gloria para sua aldeia. A analogia entreos vaygu'a (objetos de valor) europeus e os de Trobriand precis a ser definida dernaneira mais clara: as joias da Coroa britanica como quaisquer objetos tradi-cionais demasiado val iosos e incornodos para serem realmente usados, represen-tam 0 mesmo que os vaygu'a: pois sao possuidos pela posse em si ..F a posse,aliada it ,. e ao renome ue ela proJ)icia que constitui a rinci al fonte deva or esses obietos. Tanto os objetos tra ICJOnalSou reliquias historicas doseuropeus quanto os vaygu'a sao apreciados pelo valor historico que encer-ram. Podem ser feios, inuteis e, segundo os padroes correntes possuir muitopouco va lor intrinseco; porem, so pe 0 fato de terem figurado em acontecimento_shistoricos e p'assado pel as maos de ~gens anti os. constltuem urn veiculoinfaliv . t te associacao sentime t passam a ser consiJ:krad.o.s-.gra sRreciosidades. 0 sentimentalismo historico . .qu desem enh ape] de 'fiR -tancia no nosso interess estudar..os contecimentos {lll.S.sadQ,existe dei,gual modo no Pacifico SuI. Cada urn dos._ar.tig.s ealmente bons d la ternurn nome ro rio e encerra uma es ecie de histori rom as tradi ~e-dos nativos. As )013S da Coroa britanica e os obietos trad icionais sao insigni.asde status socjal e simbolos de rigueza, respectivamente; no nosso Rass do c _gna propria Nova Guine ate ha oucos anos, status soc ial e ri ueza existia rn J,Wl~~,;;!~~~~""""'I.I..-.~O:.....p. J to a's' p_ Q te a aiferen a e que os artigos doemporaria, ac pas.so~~ pata.re total alor, 0 tesouro euro-re . isa er-d osse. .permauenteNuma visao mais larga, feita agora sob 0 ponto de vista etnologico, pode-mos classificar ossartigos preciosos do Kula entre os diversos objetos "cerimoniais"que representam riqueza: enormes armas esculpidas e decoradas; implementosde pedra; art igos para usa dornest ico e industrial , r icamente ornamentados e inco-modos demais para serem usados normal mente . Esses objetos todos sao chama-dos "cerimonia is", mas a pa lavra parece cobrir u rn grande mimero de significa-dos e incluir muita coisa que nao tern significado nenhum. Na verdade, urn obje toe freqiientemente designado como "cerirnonial", especialmente em exibicoes demuseus, simplesmente porque seu usa e natureza sao desconhecidos. Quante a sexposicoes nos museus de objetos da Nova Guine, posso dizer que muitos doschamados "objetos cerimonais" nao passam de obje tos de uso comum, mas exces-sivamente elaborados: a preciosidade do material com que ,foram fe itos e a quan-tidade de trabalho despend ida em Iabrica -los sao os fatores que os transforma-ram em rcscrvarorios de valor ccouomlco condcnsado. Outros objetos h a que saousados em ocasiocs fcstivas, mas nao tern qualquer lunciio nos ritos e ccrimo-nias, servindo tiio-solllcnte como cnfeitcs ou dccoraciio; a csscs podemos dar onome de "objetos tie parada" (d. cap. VI, secao I). Ha, finalmente, certos ani-gos que realmente sao usados como instrumentos de rituais magicos ou reli-giosos e pertencem ao conjunto de apctrechos intrinsecos a essas cerirnonias.Esses sao os unicos objctos a que podcriamos chamar corrcta rnente tie "cerirno-niais", Durante os festejos So'i, que sc realizam entre os massirn do sui, as mu-lheres, carregando machados de laminas polidas e cabos finamente esculp idos,acornpanharn. com passos rltrnicos, ao som dos tarnborcs, a entrada des por-cos e das mudas de mangueira na aldcia (veja fig. 5 e 6). Como isso faz parkda cerimonia e os mach a dos S30 acessor ios indispensaveis , sel l usn nessa oca-siao pode ser legitimamente chamado "cerirnonial". Nalguns rituais de rnagia

    das . . i l b . a s - Trobrjand, 0 towosi ( feit iceiro agr icola) tern de carregar sobre 0 om-bro urn machado, com 0 qual ele golpeia "r itualmente" as estruturas chamadaskamkokola (veja f ig. 59; ct . tambern cap. II, secao IV). .Sob determinado ponto de vista, os vaygu'a - objetos de valor do Kula -sao objetos de uso excessivamente e laborados. Constituem tambem, no entanto,objetos "cerimonais", no sentido estrito e correto da palavra. Essa questao vaise tornar mais clara ao leitor nas paginas que se seguem. A ela voltaremos tam-bern no ult imo capitulo.o lei tor precisa ter em mente que estamos tent ando fornecer uma ideia vi-vida e clara daquilo que os objetos de valor proprios do Kula representam paraos nativos. Nao e nossa intencao descreve-los de maneira detalhada e c ircuns-tancial, nem defini-Ios com maxima exatidao. Estabelecemos urn parale lo entreesses artigos e as joias da Coroa britanica e os objetos historicos europeus a fimde demonstra r que este tipo de posse nao constitui urn Iantastico costume propriodos habitantes do Pacifico Sui e pode muito bern encontra r equivalen tes em nossaoropria cultura. A cornparacao que fiz - quero agora enfatizar bern este ponto- nao se baseia em semelhancas puramente externas e superficiais. As Iorcaspsicologicas de uma e de outra cultura sao as mesmas; e a mesma a atitude men-tal' que nos leva a valorizar nossos objetos historicos ou tradicionais e faz comque os nativos da Nova Guine tenham seus vaygu'a em grande apreco,IV

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    IVJr\LII~VVV:>l\.1 ARGONAUTAS DO PACtFICO OCJDENTAL 79ele tern de prestar assistencia e varies servicos aos chefes erimeira escolha toda vez ue reeebe urn nov rtimento dev u'a. do, 0 nativo esp-era Rue os ehefes sejam esp-ecialmente li-erais para com eleo parce i. ro de alem-rnar e, por outro lado, urn hospedeiro, patrono e aliado

    e~ terra~ pengosas e pouco seguras. Hoje em dia, embora a sensacao de per igoainda exista e os natrvos nunea se sin t am perfeitamente seguros e a vontadeum distrito que nao seja 0 seu, os perigos que temem sao os de natureza rna-

    giea - mais do que qualquer outra eoisa, portanto, e 0 temor a fei ti ca ri a dasterras es.tranhas .que os, a~sedia quando nelas se encontram. Em epocas passa-das , p.engos m a rs t an gi ve is os arneacavarn e 0 parceiro constituia a principalgarantia de seguranca pessoal. 0 pareeiro tarnbem fomeee a limento, da presen-tes e s~a casa e 0 local on d e 0 partiei pant e do Kula permaneee enquanto estaa aldela.' .embora nunea para d?rmir. ~_{(ula, portanto ... ..I1wve a cada.um.deseus artIclpantes com alguns amI os roxlmos e al uns aliados em distritos I ,-

    ~guos, eseon eCI os e perig - essas as unicas essoas com gue eRode realIzar 0 Kula - mas, e claro. dentre todos os seus pareei os 0 nati ve t ernliberdade de decidir a qua e forneeer uais obietos.

    Ten temos agora passar a uma visao ampla dos efeitos cumulativos das re-gras de pareeria. Ha no circuito inteiro do Kula urn encadeamento de relacoesque naturalmente fazem dele rim todo entrelacado. Pessoas que vivem a centenasde mil h as umas das outras relacibnarn-se at raves da parceria direta ou indiretarealizam trocas, pass am a conhecer-se e, a s vezes, se encontram em grandesreurnoes i nt ert ribai s (vej a fi g. 20)'. Os objetos dados por urn nativo - nao so)S artigos do Kula, mas tam bern varies outros objetos de usa domestico e pe-quenos presentes - ehegam, com 0 tempo, a pareeiros indiretos muito distan-:es. E Iacil observar que, no fim de contas, nao s6 os objetos da eultura mate-.ial, mas tambern costumes, cancoes, tenias artisticos e influencias cul turai s ge-. ai s t ar nb e rn viajam ao lange da s rotas do Kula. p que se verifiea, en t ao, e urnv t encadeamento de rel a

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    J9 A fim de niio me scntir culpado de incocrencia pelo uso impreciso do termo "cerirno-nial'', apresento aqui uma def i nicao surnaria: chamaremos de "cerimonial" a todo ato (I)publico; (2) realiza do sob estreita observfmcia de formalidades especificas ; (3) de valor socio-logico, religiose ou rnagico, e vinculado a obriga coes.

    AKUVNAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL 8 1 1

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    '1Ml Esta nao e a interpretacao fantasiosa daquilo que poderia ser uma opiniao erronea, poisposse fornecer exemplos concretos que comprovam que tais opini6es foram realmente apre-sentadas; visto, porern, que minha intencao neste ca pitulo nao e a de apresentar uma criticadas teorias sobre a economia primitiva atualmente existentes, nao quero abarrotar este capi-t ulo com c it acoe s,

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    c '

    ARGONAUTAS 00 PACIFICO OCIDENTALlernbrar-nos de que cada urn dos brace le tes e colares de primeira categoria tenUl:1 nome especial e uma hist6ria toda sua, e a medida que circula no, grandecircuito do Kula, torna-se bern conhecido e seu aparecimento num deterrninadcdistrito sernpre constitui uma sensacao. Todos os meus parceiros, entao - sejarre1es do ultramar, sejam do men pr6prio distrito - competem entre si pela honrade receber esse meu artigo, e os que estao especialmente ansiosos tentam obte-1 0 oferecendo-rne pokala (oferendas) e kaributu (presentes de solicitacao). asprimeiros (os pokala) em geral consistem de porcos, bananas de especial quali-dade, inhame ou taro; os ultimos (os kaributu) sao de maior valor: as grandese val iosas laminas de machado (chamadas beku), ou as colheres para cal, Ieitasde osso de baleia.' (Loc. cit ., p. 100.) As complicacoes adicionais relativas aretribuicao desses presentes de solic itacao, bern come mais algumas sutileza~ eexpress6es tecnicas referentes a este assunto, serao fornecidas mais .adiante, no..capitule IV.

    VIEnumerei as regras I1r incipais de Kula de maneira suficiente a uma defini-

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    ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTALcom detalhes mais tarde, mas nao podemos deixar sa parecer. P~a os nativos, ele representa u interesses majs vita is da exis-tencia, e comoml=rn SSul urn carater cerimonial e esta cingido peJa magia. Po-dem~s imaginar que lS.J)hj.e.tos_q.ue_constit.uem_a....riqJle~ativa possam passaide uma pessoa para outra sem quaisquer cerimonias ou rituais, mas isso jamaisacorn ce 110 u a. e o..quan 0, por veze ~p-e_quenas-ex-peeJ.i~0e de-apenasuma Ouduas canoas ~p.auLo_al6m:maLe trazem os vaygu'a, observam-se~eteTIffma os tabus e dticas tradicionais na partida, durante a viagem e a che-ga a; a e mesmo a menor as expedic;oe ,de-uma-so-canoa, n 'tui aconteci-men 0 n a e relativa importancia,conh-ecido -diseutide-ae-dlstrito.Inteiro. Ae;q5e I(raOtIplca, porem, e aque a a qua partlctrm-um grande mimero de canoas,o~TcITlasae maneIra es ecffIca, fCffiffiiiidourn so rupcr-Realizam-se festas,

    dis tr ibuicoes de alimentos e outras cerimori ias u51icas, M um lider e mestre da'expecliC;aoev-masregras a serem observadas a par dos a use-regillamentos~meiramente assocIatlo"ral,Ifuh . ,. '. ;-~ 'na ureza cenmorna 0 Kula est a ngorosamente vinculada a urn outroaspecto que 0 caracteriza - a magia. "A crenc;a na eficacia da rna ia domina 0Kula, _~omo_domina_a.,.tantas lltr_as_atiy.1~ trjD~ais~Rituais _llulgicQ______precser executados sobr~ as canoas .maritimas, quando sao construidas ara ue ~-j~-XeIQz.e:;,-est~ e .egura; rituais -magicos sao tam em executados sobreas _canoas ara Ihes dar sorte n ula. Urn outro sistema de ntualS magIcos eexecutado ara afastar os eri os d eg!lC;ful.- terceIro slstema- e n u ismagi_cosrelativos as expediC;oes maritimas e 0 mwasila, ou a magia do Kula pro--prIamente dita. Esse sistema se cOIDPoe de numeros_ps itua is e encantamen nslodos e indo d' mente sobre a mente nanola do arceiro, fazendoq~e-tome-afID.ce e te insUivel e ansioso por dar resen e . la,"(Loc. cit., p. 100.)~ _na tural que uma instituicao tao intima mente ligada a elementos magicose cerimoniais, como 0 e 0 Kula, nao s6 esteja assentada sobre um alicerce tra-dicional muitofirme, mas tarnbem possua urn grande estoque de lendas. "Haurna rica mitologia do Kula, na qual se contam est6rias sobre epocas remotas,quando ances trais mit icos se empenhavam em expedicoes longfnquas e audacio-sas. Gracas a seus conhecimentos de magia eles conseguiam escapar aos perigos,veneer os inimigos, transpor obstaculos e, atraves de suas Iacanhas, estabelece-ram muitos precedentes que agora sao rigorosamente observados nos costumestribais. Mas sua importancia para seus descendentes reside principalmente nofa to de que eles Ihes legaram seus conhecimentos de magia, e isto fez com queo Kula se tornasse possivel nas geracoes subseqiientes". (Loc. cit., p. 100.)

    Em determinados distritos, aos quais nao pertencem as ilhas Trobriand, 0Kula esta associado a fes tas mortuarias chamadas so'i. Esta associacao, sobre aqual- faremos urn re la to no capitulo XX, e de grande interesse e importancia.As grandes expedicoes do Kula sao reaJizadas por urn 'grande rnimero denativos - urn distrito inteiro. Mas os !imites geograficos dentro dos quais saorecrutados os membros de uma cxpedicao encontrarn-se perfei tarnente def inidos .Observando 0 mapa V, "podernos ver diversos circulos, cada um deles represen-tando determinada unidade sOciol6?ica a que chamaremos de 'comunidade kula',Cada cornunidade kula se cornpoe ' de uma ou varias aldeias, cujos nativos par-tern juntos nas grandes expedicoes marftirnas e atuam como urn s6 grupo nastransacoes do Kula, executam seus r ituais magicos em comum, possuem. Q !i mes-rnos Iideres e se movem na mesma esfera social interna e externa, em cujo am-bito trocam seus objetos de va lor, 0Kula entao, consis te primeiro das pequenastransacoes internas dentro da comunidade kula ou comunidades adjacentes e,segundo, das grandes expedicoes maritimas nas quais a troca de artigos se veri-fica entre duas comunidades separadas pelo mar. Nas primeiras, existe urn fluno

    Certamente, existem muitas tribos vizinhas que nada conhecem a respe itodo Kula e, apesar disso, fabricam canoas e navegam para longe em ousadas ex-pedicoes -comerciais; ha tarnbern diversas aldeias - nas ilhas Trobriand, porexemplo - que, embora dentro do circuito do Kula, nao 0 praticam e, contudo,possuem canoas com as quais real izam urn vigoroso cornercio marit ime. Mas, noslocals em que c praticado, 0 Kula controla todas as demais atividades afins, etanto. a construcao de canoas quanta 0 comercio se tornam subsidia ries de le .E isto se expressa, de urn lado, pela natureza das instituicoes e -pelo modo comose processarn todos os prepara tivos e, de outro, pelo eomportamento e pelas afir-macoesexplicitas dos nativos.o Kula - como, espero, esta-se tornando cada vez mais evidente - e umainst ituicao enorrne e complieada, por mais insignifieante que seu nucleo nos pos--~' T ,:l vez nao haj a nec cssi dade de sal ienl armos 0 Iato de que, no presente cstudo, nfio cstiio~ncl~lua: quaisquer consideracoes referentes as origens e ao desenvolvimento ou hist6ria da smstrtuicoes nativas. A mistura de pontos de vista especulativos ou hipoteticos com 0 relatoue, o~o.rrencias concretas constitui, na minha opiniao, urn pecado irnperdoavel coni ra osprmcrpros- metodol6gicos cia etnografia. .

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    .8 6 MALINOWSKIpequeno mas continuo e permanente de artigos entre uma aldeia e outra e atemesmo- dentro de uma mesma aldeia. Nas segundas, 'uma enorme quantidade deobjetos de valor, chegando a mais de mil por vez, e trocada atraves de umaenorme transacao ou, mais acertadamente, atraves de uma infinidade de t ran-sacoes que se realizam simultanearnente". (Lac. cit., p. 101.) "0 Kula consistena serie dessas expedicoes marit imas peri6dicas que vinculam os diversos gruposde ilhas e anualmente trazem, de urn distrito para 0 outro, grande quantidade devaygu'a e objetos de cornercio subsidiario. Os objetos do comercio subsidiariosao utilizados e consumidos, mas os vaygu'a - braceletes e colares - movem-se constantemente no circuito." (Lac. cit., p. 105..)

    Apresentei neste capitulo, uma definicao s_urta,e sumaria do Kula -.Enume-rei, urn ap6s outro, seus aspectos mais caracteristicos, as regras mais notaveisestabelecidas nos costumes, nas crencas e no comportamento dos nativos. Istose fez necessario para podermos fornecer uma nocao geral da instituicao antesde descrever-lhe minuciosamente 0 funcionamento. Uma definicao abreviada, po-rem, jamais pede proporcionar ao leitor 0 entendirnento total de uma instituicaosocial humana. Para isso e necessario explicar sell. funcionamento de maneiracon creta, colocar 0 lei tor em contato com as pessoas, mostrar-lhe de que manei-ra elas se portam em cada urn dos estagios consecutivos, e descrever todas asmanifestacoes reais das regras gerais estabelecidas hi abstracto.Como dissemos acima, as transacoes do Kulaseo efetuadas atraves de......dQistipos -de empTeer'iCltrrrerrtos-;-e-x1-st-em,m primei ro li'igar, as grandes eXQed' ; . f u :manhmas, nas ua' _e__tr_ans_portama guantidade.mais all menos consideravelae .QQJetos de valor. Ha, a ar disso, a troca interna, em ue os arti os assamde pessoa para pessoa, freqtientemente mu ando de dono inumeras vezes numpercurso de algumas milhas.'. As grandes expedicoes mariti mas constituem, de longe, a parte mais espe-tacular do Kula. Contern, tarnbern, urn mimero maior de cerimonias piiblicas,rituais rnagicos e praxes tradicionais. Tambern requerern, e claro, maiores pre-parativos e atividades preliminares. Terei, portanto,. muito mais coisas a dizersobre as expedicoes ultramarinas do Kula do que sobre as trocas internas.Visto que os costumes e crencas relativos ao Kula foram, na maior parte,estudados em Boyowa, ou seja, nas ilhas Trobriand, e analisados sob 0 pontode vista desse distrito, irei relatar, em primeiro lugar, 0 modo tipico como .seprocessa uma expedicao maritima, seguindo seus- preparativos, organizacao epartida das ilhas Trobriand. Cornecando pela construcao das canoas, procedendoem seguida a cerirnonia de seu lancarnento e as visitas de apresentacao formaldas canoas, selecionaremos entao a comunidade d .e Sinaketa e acompanharemosos natives numa de suas viagens maritimas, a qual descreveremos em todos osseus detalhes, Isto nos mostrara uma modalidadezde expedicao kula em dernan-da a terras disrantcs. Mostrarcmos cntiio em que '~s:pectos cssas cxpcdiciies difc-rem entre si noutras rarnificacoes do Kula, e para, isso irei descrevcr uma expe-dicao proveniente de Dobu e outra entre Kiriwiria e Kitava. Esse relato seracomplementado com uma dcscricao do Kula interne, de algumas modalidadesde cornercio associado e das dernais ramificacoes do Kula.No capitulo que se segue eu passo, portanto, aos estagios preliminares doKula nas ilhas Trobriand, cornecando pcla construcao das canoas .

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  • 5/16/2018 malinowski. os argonautas do pac fico ocidental [kula]

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