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Hibridismo e Tradução Cultural em Bhabha Lynn Mario T. Menezes de Souza “Atribuo uma importância básica ao fenômeno da linguagem. Pois falar é existir absolutamente para o outro” (F. Fanon) “A hibridização não é algo que apenas existe por aí, não é algo a ser encontrado num objeto ou em alguma identidade mítica ‘híbrida’ – trata-se de um modo de conhecimento, um processo para entender ou perceber o movimento de trânsito ou de transição ambíguo e tenso que necessariamente acompanha qualquer tipo de transformação social sem a promessa de clausura celebratória, sem a transcendência das condições complexas, conflitantes, que acompanham o ato de tradução cultural” (Bhabha, H.K. 2002(b)) Um dos aspectos mais polêmicos no trabalho teórico do crítico pós- colonial indiano contemporâneo, Homi K. Bhabha é seu conceito de hibridismo; esse mesmo conceito tem sido largamente utilizado em trabalhos e análises recentes nas áreas mais variadas das ciências sociais; neste trabalho propomos uma leitura desse conceito a partir dos textos teóricos de Bhabha. A preocupação de Bhabha com o hibridismo surge a partir de sua experiência própria como membro da elite local de uma sociedade colonizada pelos ingleses durante dois séculos; surge também a partir do objeto de análise de seus trabalhos iniciais, o qual seja o discurso colonial britânico na Índia no século 19. Uma sociedade que sofreu a experiência de ter sido colonizada é geralmente uma sociedade que viveu plenamente sob o signo da ironia. Isso porque os seus membros – especialmente, mas não apenas, as suas elites - viveram num contexto onde pelo menos dois conjuntos desiguais de valores e verdades coexistiam simultaneamente: o conjunto de valores da cultura colonizadora e o conjunto de valores da cultura colonizada. A experiência da ironia nesse contexto, para um membro da elite local colonizada, por exemplo, consistia na percepção constante de que, em relação aos outros colonizados ele/ela estava numa posição superior e hegemônica de dominação, enquanto que simultaneamente, em relação

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Hibridismo e Tradução Cultural em Bhabha

Lynn Mario T. Menezes de Souza

“Atribuo uma importância básica ao fenômeno da linguagem. Pois falar é existir absolutamente para o outro” (F. Fanon) “A hibridização não é algo que apenas existe por aí, não é algo a ser encontrado num objeto ou em alguma identidade mítica ‘híbrida’ – trata-se de um modo de conhecimento, um processo para entender ou perceber o movimento de trânsito ou de transição ambíguo e tenso que necessariamente acompanha qualquer tipo de transformação social sem a promessa de clausura celebratória, sem a transcendência das condições complexas, conflitantes, que acompanham o ato de tradução cultural” (Bhabha, H.K. 2002(b)) Um dos aspectos mais polêmicos no trabalho teórico do crítico pós-colonial indiano contemporâneo, Homi K. Bhabha é seu conceito de hibridismo; esse mesmo conceito tem sido largamente utilizado em trabalhos e análises recentes nas áreas mais variadas das ciências sociais; neste trabalho propomos uma leitura desse conceito a partir dos textos teóricos de Bhabha. A preocupação de Bhabha com o hibridismo surge a partir de sua experiência própria como membro da elite local de uma sociedade colonizada pelos ingleses durante dois séculos; surge também a partir do objeto de análise de seus trabalhos iniciais, o qual seja o discurso colonial britânico na Índia no século 19. Uma sociedade que sofreu a experiência de ter sido colonizada é geralmente uma sociedade que viveu plenamente sob o signo da ironia. Isso porque os seus membros – especialmente, mas não apenas, as suas elites - viveram num contexto onde pelo menos dois conjuntos desiguais de valores e verdades coexistiam simultaneamente: o conjunto de valores da cultura colonizadora e o conjunto de valores da cultura colonizada. A experiência da ironia nesse contexto, para um membro da elite local colonizada, por exemplo, consistia na percepção constante de que, em relação aos outros colonizados ele/ela estava numa posição superior e hegemônica de dominação, enquanto que simultaneamente, em relação

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aos colonizadores ele/ela estava numa posição inferior. Nessa justaposição de pelo menos dois conjuntos de valores contraditórios e conflitantes, cada conjunto questionava e relativizava o outro, instaurando assim, entre os ‘nativos’ uma consciência aguda da ironia. É justamente a partir dessa experiência da ironia (pós)colonial, marcada pela duplicidade e pela sobreposição de valores, que leva muitos críticos pós coloniais como Bhabha à necessidade de pensar o hibridismo. Hibridismo e Representação Em seus trabalhos de crítica literária iniciais, quando ele analisava textos escritos por autores coloniais ingleses que escreviam sobre a colonização e as colônias, como Forster, Conrad e Kipling, o foco do interesse de Bhabha recaía sobre a representação do sujeito nessas literaturas coloniais. Nessas análises, Bhabha, como veremos, confrontava maneiras diferentes de representar o sujeito colonial, tanto na literatura escrita pelos colonizadores ingleses quanto na literatura e crítica escritas por escritores ‘nativos’ das colônias. Nesse confronto de representações, o que aparentava estar em jogo, para esses escritores, era a forma mais fiel, verdadeira ou autêntica de descrever o sujeito colonial, seja ele colonizado ou colonizador. O enfoque de Bhabha, no entanto, era de entender o que estava realmente em jogo nesse confronto: se eram as linguagens usadas para representar os sujeitos, ou se era o que se entendia por sujeito – isto é , a questão da construção da identidade. Acreditamos que seja a necessidade de pensar essas duas questões, e a percepção de que as duas estão intimamente imbricadas é que surgiu o crescente interesse de Bhabha, a partir daí, de pensar o hibridismo, uma vez que sua discussão de hibridismo aborda a questão sempre a partir da perspectiva da linguagem e da identidade. Lançando mão de uma estratégia desconstrutivista, valorizando o hibridismo como elemento constituinte da linguagem, e portanto da representação, Bhabha rejeita o binarismo maniqueísta que seduziu muitos escritores pós-coloniais a tentar retratar o sujeito colonizado de uma forma ‘mais autêntica’ do que foi antes retratado na literatura da cultura colonizadora. Bhabha recusa a tendência de simplesmente substituir imagens distorcidas do colonizado por imagens ‘corrigidas’ ou ‘mais autênticas’; ele mostra que tal tendência é fruto de uma posição não crítica arraigada naquilo que ele chama de “conluio entre o

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historicismo e o realismo”. A partir desse conluio, onde o tempo é visto como um processo linear, evolutivo e progressivo, conectando eventos numa lógica de causa e conseqüência, a realidade por sua vez passa a ser vista como uma totalidade coerente e ordenada; ainda nesse “conluio” acredita-se que tanto esse tempo linear quanto essa totalidade real são representáveis de forma direta e não mediada por textos literários e históricos. Em termos de linguagem, na representação historicista e realista o signo é visto como unitário e dado (isto é, não construído), e a descontinuidade e a diferença implícitas na lacuna entre o significante e o significado passam desapercebidas, resultando na aparente estabilidade e previsibilidade do significado. (Como veremos adiante, Bhabha recupera precisamente esse espaço intersticial esquecido da significação, o espaço entre para pensar e explicar o hibridismo). Paradoxalmente, na crença de uma realidade pré-existente, fora da linguagem e do texto, o significado enquanto referente extratextual é visto como sendo independente dos meios da produção da linguagem, isto é, independente do contexto social e histórico (que produziu tanto a linguagem quanto o referente) e, por isso, é visto como sendo independente do significante que, na linguagem, lhe é necessário para se fazer signo. Para Bhabha, a maneira preferida pelas literaturas coloniais e pós-coloniais para representar a relação entre o colonizado e o colonizador é a análise de imagens. Nessa análise de imagens, a relação entre um texto e a realidade é vista como direta e a realidade é vista como dada e pré-constituída. Dessa forma, o texto – a representação – é visto como a imagem do referente existente no plano de uma pressuposta realidade extratextual e extralingüística. A realidade é tida como a essência ou origem que determina a forma pela qual é representada. Pressupõe-se que seja em relação a essa origem/essência do referente que a imagem possa ser avaliada, para que seu grau de fidelidade ou autenticidade possa ser estabelecido. É nesse sentido que Bhabha aponta a análise de imagens como reconhecimento, uma vez que a representação ou imagem é vista como reflexo ou expressão de um conteúdo (o referente) previamente conhecido e fixo. Esse modo de representação se considera transparente, direto e não mediado e implícita nele está a dialética sujeito/objeto, essencial/inessencial (ou em termos mais usuais na crítica

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literária, ilusão/realidade). Em termos da dialética sujeito/objeto a análise de imagens postula a percepção como sendo a apreensão, por um sujeito, da essência de um objeto sendo que o conhecimento do objeto é visto como algo inseparável do objeto em si (Bhabha, 1984, p. 100). Esse conceito da apreensão direta, não mediada, da realidade, acaba suspendendo a dimensão histórica e social da percepção da linguagem. No caso da crítica literária colonial e pós-colonial, a análise de imagens é utilizada por aqueles que defendem a especificidade do literário (sua ‘inocência’ ideológica) e a sua autonomia de outros discursos, tidos como ideologicamente carregados (desnecessário seria dizer que tal posição em si é ideologicamente inscrita). A defesa da especificidade e autonomia do discurso literário é geralmente acompanhada pela noção de sujeito como algo unitário, centrado, fixo e estável, e também autônomo em termos históricos e ideológicos. Ao suspender a dimensão histórica e sócio-cultural, essa noção de sujeito unitário é invariavelmente defendida pro um grupo hegemônico para o qual seus próprios valores são vistos como ‘naturais’ , ‘transparentes’, e ‘neutros’. No caso da representação do colonizado na literatura colonial e pós-colonial, é o (ex)colonizador que geralmente lança mão da análise de imagens para reafirmar uma transcendência etnocêntrica, resultando em imagens do colonizado racistas e discriminatórias, porém vistas como sendo verdadeiras a autênticas. Além da análise de imagens, um outro modo de representação comum na literatura colonial, é a análise ideológica. O conceito chave da análise ideológica é a clausura ideológica, que é o processo pelo qual um dado texto reprime ou desloca uma ‘contradição’ ideológica. Essa contradição é vista como existente no plano da História e, portanto, estaria localizada fora do texto, nas relações de produção nas quais o texto estria inserido. Assim, ao mesmo tempo em que um texto pode funcionar como a repressão de contradições – escondendo-as – ele também pode funcionar como uma resolução delas: ao procurar ‘eliminar’ as contradições, ele as ‘resolve’. Essas repressões ou silêncios articulados (porque apesar de mudos, chamam atenção a seu emudecimento (Bhabha, 1984:107)), marcam determinadas ausências vistas como ‘distorções’ dos vários significados do texto, tornando-o suscetível a uma posterior análise ideológica. A

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noção de ‘distorção’, por sua vez, se baseia num conceito da existência de um referente normativo extratextual e real, ou seja, fora da ideologia. Enquanto que numa análise de imagens esse referente era tido como a-histórico, natural e dado, numa análise ideológica ele é visto como sendo inserido dentro da História, onde a História é vista como uma totalidade teleológica, marcada por contradições e lutas de classe. Dessa forma, o valor da representação textual, para os defensores da análise ideológica, é visto como uma mediação ideológica dessas contradições e lutas, sendo possível ‘ler’ os silêncios e distorções do texto literário de forma sintomática contra o pano de fundo da totalidade da História. O problema de uma análise ideológica, porém, segundo Bhabha, é o fato de que, ao propor uma forma de leitura ‘científica’- fora da ideologia – do texto como sintoma, ela omite situar historicamente o sujeito de seu próprio discurso; ou seja, ela mesma não se situa histórica e ideologicamente. Portanto, o sujeito que realiza uma análise ideológica se apaga e, como conseqüência, a relação entre a representação textual e seus determinantes históricos acaba sendo vista, como na análise de imagens, de forma necessariamente alegórica (ou seja, é lida contra um pano de fundo tido como ‘real’, onde essa ‘realidade’, de forma transcendental, não se vê, ela mesma, como produto de um determinado contexto histórico ou ideológico). Para Bhabha, embora a análise ideológica aparentemente rejeite a existência de uma realidade transcendental não mediada, ao defender uma leitura sintomática, de distorções e silêncios, ela acaba postulando a possibilidade de que essas distorções possam ser lidas e entendidas contra seus determinantes históricos extratextuais. Tanto a análise de imagens quanto a análise ideológica demonstram, para Bhabha uma vontade ao saber metadiscursivo, almejando fixar e estabilizar o processo sígnico – seja no plano de uma Realidade, uma História ou uma Ideologia – o que representa uma volta à hierarquia violenta de sujeito e objeto apontado por Derrida (1972:54), fixando o sujeito numa posição de inteligibilidade hierarquicamente privilegiada. Desconstruindo a análise de imagens e a análise ideológica, e assim praticando a desconstrução como modo crítico de abordar o ‘real’ e o

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‘autêntico’, Bhabha parte do conceito de discurso como prática significatória, ou seja: “Um processo que postula a significação como uma produção sistêmica situada

dentro de determinados sistemas e instituições de representação – ideológicos,

históricos, estéticos, políticos” (1984:98). Para Bhabha, o significado, portanto, não é algo que pode ser recuperado através de uma referencia direta a uma origem ‘real’ postulada. Essa postura desconstrutivista, que elimina o conceito de uma realidade transcendental e não mediada, abre uma fenda entre o significante e o significado, postulando o texto não como uma representação de algo exterior – um logos - mas sim como um processo produtivo de significados, através do qual várias posições de sujeito ideológicas e historicamente situadas podem ser estabelecidas; posições essas a partir das quais o significado é construído e o leitor e o autor são posicionados. Nesse processo, o significado é construído numa dinâmica de referências e diferenças em relação a outros discursos ideológica e historicamente construídos (isto é, os discursos dos colonizados se constroem no contexto dos discursos dos colonizadores e vice-versa) que, por sua vez, constituem as condições de existência do texto – de sua escritura tanto na sua produção quanto na sua recepção. Para Bhabha, em termos da representação do colonizado, qualquer imagem – seja ela feita pelo colonizado ou pelo colonizador – é híbrida, isto é, conterá traços de outros discursos à sua volta num jogo de diferenças e referências que impossibilita a avaliação pura e simples de uma representação como sendo mais autêntica ou mais complexa do que outra. Conceitos como o sujeito unitário transcendental e uma estética neutra caem por terra no contexto híbrido dessa intertextualidade e tessitura sígnica. Nesse sentido, as diferenças e os conflitos não se resolvem. Bhabha acrescenta que não é que o sujeito transcendental putativo (postulado na análise de imagens e na análise ideológica) não seja capaz de perceber conflitos ou diferenças; o que esse sujeito transcendental não pode conceber é como ele mesmo é construído ideológica e discursivamente. Portanto, para Bhabha, a questão da representação do colonizado nas literaturas coloniais e pós-coloniais precisa ser vista no contexto de um conceito de literatura como prática ou processo discursivo e não

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meramente mimético. Assim, poder-se-ia evitar a mera substituição de uma imagem por outra, chamado a atenção aos conflitos inerentes ao próprio processo de significação e o acirramento desses conflitos em contextos coloniais. Essa tentativa de alguns autores de retratar uma realidade ‘autêntica’, transcendental, anterior à sua eventual narração é vista por Bhabha como uma busca infrutífera pelo começo. Pelas origens, pela anterioridade. Assim, o realismo literário, que pressupõe a existência de uma realidade extratextual se confunde com o historicismo e a sua crença na

possibilidade de identificar um começo, um ponto de origem a partir

do qual todo o passado de uma cultura pode ser visto como se fosse

um processo linear e coerente. É no contexto dessa sua crítica do realismo e do historicismo, na análise de textos literários, e lançando mão de uma estratégia desconstrutivista, que Bhabha busca apontar e revelar o espaço intersticial entre o significante e o significado como um espaço produtivo; para Bhabha, é nesse espaço intersticial, onde o usuário da linguagem por sua vez está situado no contexto sócio-ideológico da historicidade e da enunciação, que surge a visibilidade do hibridismo. Assim, para Bhabha, pensar o hibridismo é inseparável de pensar o deslocamento existente entre o enunciado e a enunciação. Enquanto a enunciação se refere ao contexto socio-histórico e ideológico dentro

do qual um determinado locutor ou usuário da linguagem está sempre localizado, o enunciado se refere à fala ou ao texto produzidos por esse locutor nesse contexto. Nesse sentido Bhabha compartilha de uma visão socio-discursiva da linguagem, onde, em vez de sistemas e falantes abstratos e idealizados, existem usuários e interlocutores

sempre socio-historicamente situados e contextualizados. Portanto, contrário a uma visão abstrata e idealizada do signo

saussuriano que pressupõe uma ligação direta e imediata entre o

significante e o significado, ou seja, entre a palavra e o

conceito/significado [ver Figura 1], Bhabha postula algo semelhante

ao signo opaco e material bakhtiniano; no conceito de signo abstrato

saussuriano, o signo já vem pronto, normatizado e pré-interpretado,

não havendo espaço para a variação e para outras interpretações;

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enquanto conceito de signo onde a ligação entre o significante e o

significado já vem normatizado, ele dispensa portanto o lugar do

intérprete e a necessidade do trabalho de interpretação. Trata-se de

um conceito de signo que não atende à problemática pós colonial

uma vez que tal conceito não dá conta das justaposições conflitantes

lingüísticas e culturais comuns em tais contextos. Por outro lado, o

conceito sócio-histórico do signo bakhtiniano (Bakhtin 1973), prevê

que a conexão entre o significante e o significado seja feita

indiretamente, mediada por intérpretes ou usuários da linguagem

situados socialmente sempre em determinados contextos ideológicos,

históricos e sociais, marcados por todas as variáveis existentes nesse

contextos (classe social, sexo, faixa etária, origem geográfica etc.)

[ver Figura 2]. Como tal, o signo bakhtiniano é sempre material,

produto de condições determinadas de produção e fruto do trabalho

necessário da interpretação. Tal conceito de contexto e de condições

sócio-históricas de produção e de interpretação é chamado por

Bhabha de lócus de enunciação. [INSERIR AQUI FIG. 1 E FIG. 2] Para Bhabha, para entender a representação, é primordial entender o lócus de enunciação do narrador, do escritor, ou enfim, o lócus de enunciação de quem fala; isso porque, contrário ao conceito de enunciados prontos, homogêneos e fechados, o conceito de lócus de enunciação revela esse lócus atravessado por toda a gama heterogênea das ideologias e valores sócio-culturais que constituem qualquer sujeito; é nisso que Bhabha chama de ‘terceiro espaço’ que toda a gama contraditória e conflitante de elementos lingüísticos, e culturais interagem e constituem o hibridismo. Hibridismo e Identidade: cisão, mímica e fetiche Como dissemos, além do enfoque sobre a representação e linguagem, o projeto crítico de Bhabha postula a passagem do psíquico ao político, girando em torno do processo da construção da identidade como algo conflitante e ambíguo. Para Bhabha, é esse processo que fornece, na situação colonial, as posições discursivas, ou seja, o lócus de enunciação, dos sujeitos coloniais. Leitor da teoria psico-política de Fanon (1986), Bhabha (1986) define o discurso colonial como a forma mais

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subdesenvolvida de discurso, uma vez que é articulada em torno de formas estereotipadas de alteridade inscritas numa dinâmica do desejo. Seguindo Fanon, Bhabha aponta três aspectos fundamentais do processo da construção da identidade em contextos coloniais: em primeiro lugar, existir significa ser interpelado com relação a uma alteridade, ou seja, é preciso existir para um Outro. Como tal, a construção da identidade do sujeito implica num desejo lançado para fora, em direção a um Outro externo; desse modo, a base para a construção da identidade é constituída pela relação desse desejo para com o lugar do Outro. Isso resulta naquilo que Fanon (1986) chama de “sonho de inversão”; sonho esse no qual o colonizado sonha em um dia ocupar o lugar do colonizador. Por sua vez, o colonizador sonha, atemorizado e de forma paranóica, com a ameaça de perder seu lugar de privilégio para o colonizado. Assim, o desejo colonial enquanto construção da identidade do sujeito é sempre articulado em relação ao lugar do Outro. Em segundo lugar, nesse espaço relacional marcado pela alteridade e duplicidade, surge o desejo ambíguo da vingança que provoca um processo de cisão (splitting): ao mesmo tempo em que o colonizado sonha em ocupar o lugar do colonizador, ele não quer abrir mão de ocupar simultaneamente seu lugar de colonizado; isso porque o sabor da vingança do colonizado surge a partir do desejo de se ver como um colonizado ocupando agora o lugar de seu antigo carrasco, o colonizador; essa cisão e a ambigüidade que a constitui é ilustrada por Fanon na metáfora pele escura, máscara branca e é resumida por Bhabha assim: “Não é o Eu colonizador nem o Outro colonizado, mas o espaço perturbador entre os dois que constitui a figura da alteridade colonial – o artifício do branco inscrito no corpo do negro” (1986:45). Nesse sentido, nesse processo relacional da constituição de identidades, a alteridade do branco constitui o negro tanto quanto a alteridade do negro constitui o branco: instaura-se, assim o hibridismo no seio da identidade. Em terceiro lugar, o processo de identificação nunca se limita à afirmação de uma identidade preexistente e pressuposta; pelo contrário, trata-se sempre da produção de uma imagem de identidade acompanhada simultaneamente pela tentativa agonística de transformar o sujeito,

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fazendo com que ele assuma essa imagem. A cisão e a angústia no processo de identificação surgem justamente na percepção do espaço intersticial e relacional entre a imagem (a máscara) e a pele; e a percepção desse espaço faz com que o sujeito se esforce mais ainda a tentar eliminar a distância inapagável entre a máscara e a pele, na busca por uma imagem ‘autêntica’. O conceito de imagem para Bhabha, como a ‘economia do suplemento’ para Derrida (1972), é “perigoso”; isso porque a imagem em si, como ponto de identificação, está inscrita numa ambivalência que consiste no fato de que enquanto representação ou signo, ela é sempre fendida, tanto espacialmente (ela torna presente algo que está ausente) quanto temporalmente (ela representa algo que supostamente veio antes e, portanto, ela é sempre uma repetição). Bhabha descreve o acesso à imagem da identidade, nesses termos: “só é possível através da negação de um sentido de originalidade ou plenitude, através do princípio de deslocamento e diferenciação (ausência/presença; representação/repetição) que sempre a torna uma realidade ambígua. No processo relacional da identidade, a imagem é, ao mesmo tempo, uma substituição metafórica, uma ilusão de presença e, por isso mesmo, uma “fronteira movediça da alteridade na identidade” (1994). Ou seja, o sofrimento e angústia da busca pela imagem advêm do fato de que por mais autêntica que possa parecer à imagem, ela nunca deixará de ser justamente aquilo: uma imagem; e uma imagem enquanto imagem, nunca é substantiva, a coisa em si. As teorias de Bhabha muitas vezes são citadas como se referissem apenas ao hibridismo e à ambivalência na identidade dos colonizados coloniais, ou seja, dos sujeitos que sofreram o processo da colonização nas mãos de um poder colonizador estrangeiro. Como vimos, porém, ao apontar o processo relacional na construção da identidade, Bhabha não separa a construção da identidade do colonizado da construção da identidade do colonizador; entendendo esse processo relacional como algo ‘agonístico’ e ‘antagonístico’, e destacando o papel da alteridade e da relação (existir é existir para o Outro) como elementos constituintes da identidade, Bhabha enfoca a questão da identidade híbrida nos dois tipos de sujeito dessa relação: o colonizado e o colonizador. O hibridismo implícito no aspecto relacional e dialógico que marca a sua teorização aparece claramente em seu conceito de mímica (Bhabha

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1994). Trata-se de uma estratégia que procura se apropriar e se apoderar do Outro, e é visível tanto no colonizado quanto no colonizador. No caso do colonizador, sua identidade, como vimos acima, é articulada com relação ao lugar do outro e é marcada pelo sonho paranóico e atemorizante de perder seu lugar para o Outro; também como vimos acima, tal processo leva à construção de uma imagem ou máscara, e, portanto leva a uma cisão interna na identidade desse sujeito. Bhabha (1994) ilustra esse processo com exemplos da Índia do século 19. Dominada pelos ingleses, esses últimos, perante a constante ameaça da revolta dos nativos, sentiram a necessidade premente de construir uma imagem de si mesmos como possuidores de uma cultura superior; a imagem-máscara produzida pelos ingleses para si mesmos nesse processo é lembrada na história na forma da parafernália de pompa e circunstância do Raj imperial e culminou na decretação da rainha Vitória da Inglaterra como Imperatriz da Índia; considerando que ao mesmo tempo em que isso acontecia na Índia, na Europa a Inglaterra se vangloriava de ser uma nação e uma cultura moderna, berço do liberalismo democrático europeu e seguidora dos ideais das filosofias iluministas e humanistas do século 18. Portanto, essa mesma nação moderna, democrática, liberal e humanista se travestia na Índia sob uma imagem despótica, antidemocrática e tradicional exemplificando a cisão (splitting) típica da identificação colonial: a Inglaterra produzindo uma mímica de si mesma numa tentativa desenfreada de convencer a si mesmo e aos indianos de sua suposta superioridade cultural e política. O hibridismo do processo de mímica está no fato de que, ao mesmo tempo em que a mímica procura apresentar uma imagem convincente do sujeito, essa mesma imagem denuncia o fato de ser apenas aquilo, uma mera imagem. No senso comum, essa cisão ou mímica normalmente é atribuída aos colonizados que produzem imagens de si mesmos (“macaqueiam”) baseadas nos valores da cultura colonizadora; porém, no processo relacional e dialógico da experiência colonial, o caso da mímica inglesa nada mais é do que um exemplo do hibridismo marcando a identidade do colonizador inglês. Para Bhabha, nesse processo relacional da construção da identidade, o retorno de uma imagem marcada pelo traço de duplicidade, do lugar do

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Outro1, surge o ar de uma “certa incerteza” que envolve o corpo do sujeito, ao mesmo tempo atestando sua existência (alocando-lhe uma identidade) e ameaçando desmembrá-lo (construindo essa identidade parcial e dialógica em função de um Outro). Assim, em termos psíquicos, o hibridismo no bojo da identidade leva ao fato de que a identidade “nunca existe a priori, nunca é um produto acabado; sempre é apenas o processo problemático de acesso de uma imagem de totalidade” (1994). As estratégias discriminatórias do discurso colonial baseiam-se na instauração de um mito de origem (a supremacia absoluta da raça colonizadora) inscrito numa recusa radical de alteridade e de hibridismo. Essa recusa procura transpor a duplicidade e o hibridismo no processo da construção da identidade instaurando um sujeito ‘puro’ e monológico; contraditoriamente, porém, essa estratégia tenta eliminar as brechas ou diferenças essenciais para a construção da identidade do sujeito – qualquer que seja – e leva Bhabha (1994) a analisar o discurso colonial do ponto de vista psicanalítico, partindo do conceito de fetiche.

O fetiche, para Bhabha, funciona simultaneamente por um lado como uma reativação da fantasia original em torno da ansiedade da castração e da percepção da diferença sexual, e por outro lado como uma “normalização” (superação) dessa diferença e da ansiedade que ela gera. Essa ansiedade, gerada pela percepção de uma falta de plenitude (que Freud representa como a falta do falo materno), quando a criança se percebe como ente separado e diferente da mãe leva ao surgimento de uma fixação sobre um objeto – o fetiche – a fim de substituir e compensar pela falta percebida da plenitude. Desse modo, o fetiche representa o jogo simultâneo e híbrido entre uma afirmação da plenitude e a ansiedade gerada pela sua falta, pela ausência, pela diferença; com relação ao discurso colonial, Bhabha substitui os exemplos de Freud (“todos os homens têm pênis” e “Alguns não o têm”) por exemplos correspondentes do discurso colonial: “Todos os homens têm raça/cultura/humanidade” e “Alguns homens não têm raça/cultura/humanidade”2). Assim, o fetiche representa, em termos discursivos, o jogo simultâneo e conflitante entre a metáfora enquanto

1 Mesmo quando esse ‘outro’ em alguns casos é uma ‘outra’ imagem de si mesmo, como no

caso da mímica inglesa. 2 Essa contradição está à base do discurso discriminatório colonial, como exemplificado no caso da mímica inglesa.

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substituição3 – facilitando a ausência e a diferença – e a metonímia4

enquanto percepção ou acusação de uma lacuna ou falta. No discurso colonial discriminatório e racista, Bhabha aponta a relevância do conceito do fetiche para entender o funcionamento do estereótipo. O estereótipo discriminatório rejeita a diferença do Outro, reduzindo o Outro a um conjunto limitado de características: ‘todos os indianos não são confiáveis’ ou ‘todos os árabes são violentos e irracionais’. Como o fetiche, o estereótipo, além de ser uma simplificação e uma representação falsa da realidade, é também uma forma de representação que rejeita a alteridade; ele nega o jogo da diferença presente no processo relacional da construção da identidade e com isso, nega a necessidade da alteridade e do hibridismo na construção da identidade, pressupondo que haja identidades puras, não híbridas. Assim, o estereótipo acaba sendo não apenas uma fixação (repetindo incontáveis vezes as mesmas histórias discriminatórias do Outro) – um fetiche – mas uma “fixação fixa” e inerte; isso porque ele rejeita o hibridismo e o dinamismo relacional da alteridade que está à base de qualquer identidade. O hibridismo no fetiche (que explica a angústia que ele gera tanto para os seus propagadores quanto para as suas vítimas) advém do fato de que a recusa da diferença do Outro, como qualquer recusa, pressupõe o reconhecimento anterior da existência daquilo que é recusado; e assim, o estereótipo fetichizado vive em constante estado de sítio – é sempre ameaçado pelo hibridismo, pela heterogeneidade, pela proliferação de alteridades; para enfrentar esse hibridismo e essa heterogeneidade, o estereótipo reage como a mímica, reforçando-se, criando “uma cadeia contínua e repetitiva de outros estereótipos” (1994). Como mostra Bhabha, é assim que as mesmas estórias da bestialidade do negro, da inconfiabilidade do asiático, etc. precisam compulsivamente ser contadas e recontadas repetidas vezes, sendo que, cada vez mais, são percebidas como sendo simultaneamente gratificantes (convencem o narrador de sua própria supremacia) e aterrorizantes (lembram o narrador

3 A metáfora se remete a algo que está no lugar de outra coisa, e por tanto, substitui e mascara uma falta. 4 A metonímia, por sua parcialidade, e por sua contigüidade de uma parte estar representando um todo, funciona como a lembrança de uma falta. A parte, em vez de mascarar a falta, acusa a falta e a traz á tona.

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da ficcionalidade e tenuidade de sua própria supremacia). A compulsão desse desencadeamento e a necessidade de criar outros estereótipos podem ser melhor entendidas, como vimos, em termos da fixação do estereótipo como mascaramento de uma falta (a não supremacia do colonizador) que precisa ser mascarada a qualquer custo. Para Bhabha, portanto, a identidade é construída nas fissuras, nas travessias e nas negociações que ligam o interno e o externo, o público e o privado, o psíquico e o político; veremos que essa mesma visão se aplica à formações culturais também. Hibridismo e cultura É em seu enfoque sobre a cultura que as considerações teóricas de Bhabha sobre a representação e a identidade se juntam para sua abordagem à cultura enquanto construção híbrida, abordagem essa condensada em seu termo ‘tradução cultural’. É importante lembrar que Bhabha pensa a cultura no contexto da experiência pós-colonial; enquanto tal, ele tem como objeto de análise as culturas híbridas5 pós-coloniais, marcadas por histórias do deslocamento de espaços e origens, tanto no sentido da experiência da escravidão quanto da experiência das diásporas migratórias das metrópoles para as colônias e das colônias para as metrópoles. Essas experiências de deslocamento trouxeram em sua esteira a aproximação e a justaposição de diferenças culturais forçando a visibilidade do hibridismo cultural em culturas antes acostumadas a se verem e a serem vistas como monolíticas, estáveis e homogêneas. Para Bhabha (1995) o projeto pós-colonial, na busca por uma reconstituição do discurso da diferença cultural, procura mais do que simplesmente trocar os conteúdos e símbolos culturais numa tentativa paliativa de acomodar as diferenças; o projeto prevê a releitura da diferença cultural numa ressignificação do conceito de cultura. O conceito tradicional, ocidental, de cultura enquanto totalidade de conteúdos canônicos não serve a esse projeto; a cultura precisa ser vista como a “produção desigual e incompleta de significação e valores, muitas vezes compostas por demandas e práticas incomensuráveis, produzidas no ato de sobrevivência cultural” (1995:48). Dessa forma, 5 Muito embora Bhabha mostra que qualquer cultura é híbrida e fruto de um processo de tradução cultural.

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para Bhabha, no projeto pós-colonial, em oposição ao conceito dominante de cultura enquanto algo estático, substantivo e essencialista, a cultura passa a ser vista como algo híbrido, produtivo, dinâmico, aberto, em constante transformação; não mais um substantivo mas um verbo, “uma estratégia de sobrevivência”. E essa estratégia de sobrevivência é tanto transnacional quanto tradutória. É transnacional porque carrega as marcas das diversas experiências e memórias de deslocamentos de origens. É tradutória porque exige uma ressignificação dos símbolos culturais tradicionais - como literatura, arte, música, ritual etc. - que antes se remetiam a conjuntos específicos de referências socioculturais dentro de uma visão homogênea e holística de cultura enquanto substantivo. Nas culturas atuais pós-coloniais, tanto das antigas metrópoles quanto das ex-colônias, esses antigos símbolos

precisam ser desnudados para revelar seu hibridismo; precisam, portanto ser ressignificados ou traduzidos como signos que são interpretados de formas diferentes na multiplicidade de contextos e sistemas de valores culturais que se acotovelam e se justapõem na constituição híbrida das culturas pós-coloniais. Bhabha (1990(b):210-211) define assim seu conceito de tradução cultural: “Essa teoria da cultura está próxima a uma teoria da linguagem, como parte de um processo de traduções – usando essa palavra, como antes, não no sentido estritamente lingüístico de tradução como, por exemplo, um “livro traduzido do francês para o inglês”, mas como um motivo ou tropo como sugere Benjamin para a atividade de deslocamento dentro do signo lingüístico. Perseguindo esse conceito, a tradução é também uma maneira de imitar, porém de uma forma deslocadora, brincalhona imitar um original de tal forma que a prioridade do original não seja reforçada, porém pelo próprio fato de que o original se presta a ser simulado, copiado, transferido, transformado etc: o ‘original’ nunca é acabado ou completo em si. O ‘originário’ está sempre aberto à tradução [...] nunca tem um momento anterior totalizado de ser ou de significação – uma essência. O que isso de fato quer dizer é que as culturas são apenas constituídas em relação a aquela alteridade interna a sua atividade de formação de símbolos que as torna estruturas descentradas – é através desse deslocamento ou limiaridade que surge a possibilidade de articular práticas e prioridades culturais diferentes e até mesmo incomensuráveis”. Não se trata, porém, de um multiculturalismo liberal6, nem de um relativismo cultural que apenas constata diferenças; Bhabha (1994, 1995,

6 Bhabha 1990(b) enfatiza a diferença entre ‘diversidade cultural’ e ‘diferença cultural’ç enquanto a primeira se remete à tradição liberal ocidental, especialmente dentro dos campos de relativismo filosófico e da antropologia de valorizar a pluralidade de culturas no

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1996) lembra sempre que tal tradução ou ressignificação dos símbolos em signos será complexa e tanto “agonística” quanto “antagonística”, mas servirá para mostrar que os mitos dos particularismos e especificidades culturais - que geraram os conceitos tradicionais e unificantes de “povo” e “nação” - não se sustentam com facilidade. Para Bhabha, a vantagem desse movimento tradutório de símbolos culturais em signos é que traz à tona o fato de que as culturas são construções e as tradições são invenções. Essa tradução e ressignificação revelam a natureza híbrida dos valores culturais, e, portanto revela o hibridismo no próprio conceito de cultura enquanto ‘verbo’, aberta, dinâmica, constituída pela diferença e por alteridades, e heterogênea em suas origens. Como dissemos acima, essa percepção e valorização do hibridismo cultural requer o reconhecimento do antagonismo que subjaz seu dinamismo e heterogeneidade; antagonismo esse que resulta das diferentes experiências e conjuntos de valores que constituem a heterogeneidade e que contribuem para a constante não sedimentação (unsettling) do conceito de cultura. É esse aspecto que torna o hibridismo cultural - com sua justaposição de valores incomensuráveis - em algo produtivo, distante do conceito estéril de hibridismo nas ciências biológicas; porém, ao romper com o discurso homogeneizante, modernista da cultura, a cultura enquanto híbrido se torna uma arena antagonística de diversas formas de conflitos e agências culturais: “O signo da diferença cultural não celebra as grandes continuidades de uma tradição passada, nem as narrativas continuistas (seamless) de progresso, nem a vaidade dos desejos humanistas. A cultura-enquanto-signo articula aquele momento intersticial (inbetween moment) quando a regra da linguagem enquanto sistema semiótica – diferença lingüística, a arbitrariedade do signo – torna-se uma luta pelo direito histórico e ético de significar”.(1995:51) O hibridismo na tradução cultural oferece novas possibilidades para ações políticas libertárias: “Agora se o conceito de hibridismo [...] no ato da tradução cultural (tanto como representação quanto reprodução) nega o essencialismo de uma cultura anterior original ou originária, então vemos que todas as formas de cultura estão constantemente num processo de hibridismo. Porém, para mim, a importância de hibridismo não é poder traçar dois momentos originários a partir dos quais surge um terceiro; ao invés disso, o hibridismo para mim é o ‘terceiro espaço’ que possibilita o

sentido de constar que há uma diversidade nas culturas, e que essa diversidade seria positiva, na prática, essa mesma diversidade era contida:” É isso que eu chamo de criação da diversidade cultural e a contenção da diferença cultural” (1990:208)

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surgimento de outras posições. Esse terceiro espaço desloca as histórias que o constituem, e estabelece novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas, que são mal compreendidas atrevas da sabedoria normativa [received wisdom]” (1990b:211) Como exemplo disso, Bhabha (2000(a):139) aponta o caso das minorias asiáticas, descendentes de imigrantes, na Inglaterra que ele chama de ‘cosmopolitanos vernáculos’; estes ocupam um espaço intersticial na cultura britânica tendo que traduzir e negociar constantemente entre culturas e tradições, entre um conceito de ‘local’ e outro de ‘nacional’. De forma diferente a um outro tipo de cosmopolitanismo tradicional de elite inspirado por ‘padrões universalistas de pensamento humanista’, esses cosmopolitanos asiáticos ingleses são obrigados a praticar a tradução cultural como ato de sobrevivência. Nesse ato tradutório, suas histórias específicas e locais, muitas vezes ameaçadas e reprimidas, são inseridas nas ‘entrelinhas’ das práticas culturais dominantes, forçando a visibilidade do hibridismo tanto da cultura britânica quanto de suas culturas locais de origem. Para esses anglo-asiáticos, em seu drama cotidiano pela sobrevivência, não lhes resta outra opção a não ser participar desse ato tradutório. Segundo Bhabha, a vantagem de tal experiência está em tomar consciência do hibridismo não apenas que os constitui, mas que constitui a todos; os participantes de tal ato tradutório passam a ressignificar os valores dominantes que clamam por supremacia, soberania, autonomia e hierarquia. Essa ressignificação a partir das fronteiras entre línguas, territórios e comunidades, os leva ainda à construção de valores éticos e estéticos que não pertencem a nenhuma cultura específica; são valores que surgem a partir da experiência dessa ‘travessia’ por entre os espaços culturais intersticiais – experiência essa, exemplo da produtividade do hibridismo cultural e seus atos tradutórios. Definindo esse processo ressignificatório da tradução cultural, Bhabha diz: “A tradução cultural não é simplesmente uma apropriação ou adaptação; trata-se de um processo pelo qual as culturas devem revisar seus próprios sistemas de referência, suas normas e seus valores, a partir de e abandonando suas regras habituais e naturalizadas de transformação. A ambivalência e o antagonismo acompanham qualquer ato de tradução cultural porque negociar com a ‘diferença do outro’ revela a insuficiência radical de sistemas sedimentados e cristalizados de significação e sentidos; demonstra também a inadequação das ‘estruturas de sentimento’ (como diria Raymond Williams) pelas quais experimentamos as nossas autenticidades e

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autoridades culturais como se fossem de certa forma ‘naturais’ para nós, parte de uma paisagem nacional” (2000(a):141) Bhabha (1996) esclarece que tal negociação não é nem assimilação nem colaboração, mas possibilita o surgimento de uma agência intersticial que recusa o binarismo da representação costumeira do antagonismo social. Nesse processo, os agentes híbridos encontram suas vozes numa dialética que rejeita os valores de supremacia ou soberania culturais: “Eles usam a cultura parcial da qual emergiram para construir visões de comunidade e versões de memória histórica que atribuem uma forma narrativa ás posições minoritárias que ocupam; o externo do interno: a parte no todo.” (1996:58) Hibridismo e a semiologia pós-colonial Uma das críticas e acusações mais freqüentes ao trabalho de Bhabha é que sua linguagem seria ‘hermética’ e é vista de certa forma como um mero formalismo e até mesmo como uma falsa erudição. A nosso ver, essas críticas se baseiam em dois equívocos: primeiro, parecem pressupor que a linguagem por natureza é transparente, objetiva e clara; em segundo lugar, esse tipo de acusação não percebe nenhuma motivação ou conexão entre a opacidade da linguagem de Bhabha, seus propósitos teóricos e seu contexto de enunciação. Quanto ao primeiro equívoco, já há algum tempo pensadores como Bakhtin e os analistas do discurso tem procurado combater a noção da falsa transparência da linguagem. Nesse sentido Bakhtin (1973), por exemplo, denunciou a ilusão da auto-referencialidade da linguagem que provoca a ilusão de que os significados estão nas palavras, e que o processo de significação é algo abstrato e desligado de qualquer contexto sócio-ideológico. Bakhtin criticou a ilusão de que a língua é um sistema abstrato, neutro e homogêneo sem variações socioculturais, temporais, e, portanto ideológicas, e mostrou como a significação se dá sempre de forma contextualizada, dialógica e ideológica. Nesse processo dialógico, a diferença e a alteridade são elementos constitutivos tanto da linguagem quanto do processo da significação. E é nesse processo dialógico, onde não há garantias de significação fora dos contextos da produção e da recepção dos enunciados, que os interlocutores da língua travam uma luta constante pelo significado.

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Por sua vez, em sua discussão sobre a Análise do Discurso, Orlandi (1999) explica como tal análise procura desfazer a ilusão da transparência da linguagem para expor a materialidade do processo de significação e da constituição do sujeito. Orlandi enfatiza o fato de que não há sentido sem interpretação, e que tanto a linguagem quanto seus usuários estão sempre inseridos em e sujeitos a influências socioculturais, históricas e ideológicas: “(...) nesse movimento da interpretação o sentido aparece-nos como evidência, como se ele estivesse já sempre lá. Interpreta-se e ao mesmo tempo nega-se a interpretação, colocando-a no grau zero. Naturaliza-se o que é produzido na relação do histórico e do simbólico. Por esse mecanismo – ideológico – de apagamento de interpretação, há transposição de formas materiais em outras, construindo-se transparências – como se a linguagem e a história não tivessem sua espessura, sua opacidade – para serem interpretadas por determinações históricas que se apresentam como imutáveis, naturalizadas. Este é o trabalho da ideologia: produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência. (...) Assim considerada, a ideologia não é ocultação mas função da relação necessária entre linguagem e mundo” (Orlandi 1999:45-47). Isso nos traz ao segundo equívoco, de que não haja nenhuma motivação ou conexão entre a opacidade da linguagem de Bhabha, seus propósitos teóricos e seu contexto de enunciação. Como apontamos no início deste texto, o objeto de análise de Bhabha é o discurso colonial e pós-colonial, e tanto Bhabha quanto seu objeto de análise são produtos do contexto colonial marcado pela ironia. Como vimos, essa ironia indica a coexistência pouca pacífica de mais de um conjunto de valores, de culturas, de signos, de línguas; porém nesse mesmo contexto, alheio ao hibridismo e heterogeneidade, a cultura colonial dominante procurava incansavelmente impor seus próprios símbolos, sua própria língua, sua própria cultura, na busca de totalidades estáveis e homogêneas; ou seja, buscando verdades únicas e objetivas, buscando uma língua única e transparente. É contra tudo isso que Bhabha, como outros teóricos pós-coloniais escrevem, procurando justamente desnaturalizar a ilusão de transparência e de homogeneidade, deixando de negar a interpretação para revelar a ideologia (justamente o que muitos de seus críticos não fazem) por traz da constituição dos sentidos aparentemente sempre-já constituídos. E é nessa tentativa de quebrar a ilusão da unicidade, da homogeneidade e da transparência, que a linguagem supostamente hermética de Bhabha pode ser ressignificada, tanto como uma instigação

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constante à interpretação quanto um desafio à ilusão da literalidade. Mais ainda, a opacidade da linguagem que Bhabha traz à tona nos obriga a recuperar a materialidade da linguagem em seu contexto histórico e nas ideologias que a constituem. Bhabha (1995) coloca a questão de sua busca por uma ‘semiologia pós-colonial’ nos seguintes termos: “Como transformar o valor formal da diferença lingüística numa analítica de diferença cultural? Como transformar a “arbitrariedade” do signo nas práticas críticas da autoridade social? (...) Isso não é apenas uma busca por uma semiologia pós-colonial”. Bhabha rejeita a crítica apontada a Derrida (e indiretamente a ele mesmo) de um suposto a-historicismo indicado, supostamente, por sua valorização da indeterminação e da ambivalência, sendo que tal ambigüidade e ambivalência seriam apenas excessos estéticos supérfluos, excessos esses advindos de um significante lúdica e irresponsavelmente desancorado de seu referente histórico. Pelo contrário, ao enfatizar o hibridismo que permeia toda a linguagem, Bhabha procura mostrar como a indeterminação está à base de e caracteriza a linguagem, mostrando que toda vez que se procura atribuir valores objetivos e factuais a algo – ou seja, toda vez que se atribui uma validade intrínseca a algo, transcendendo limites de tempo e espaço, é necessário incansavelmente contextualizar e historicizar tal atribuição, “desuniversalizando-a”, e mostrando-a produto de suas condições históricas, culturais e ideológicas de produção. A necessidade da contextualização (e, portanto a limitação da validade) dos valores dominantes se transforma simultaneamente na exigência do “direito de significar” (1995:52) pós-colonial; mais do que a reivindicação do direito adâmico de nomear, esse direito diz respeito ao processo híbrido de ressignificação, de transformar o conceito substantivo de linguagem, de cultura e de mundo em verbo dinâmico, resgatando assim a agência no enunciado. O hibridismo, a ambivalência e a indeterminação na linguagem precisam ser apontados e valorizados para fazer frente à visão mimética da relação linguagem-mundo que o conceito substantivo colonial engendra; Bhabha sentencia: “ De acordo com esse modo [substantivo] de representação, nomear (ou substantivar) o mundo é um ato mimético. Fundamenta-se num idealismo do signo icônico (...) numa narrativa eurocêntrica de substantivos (...) num fetiche de nomear” (1995:55-56).

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Uma semiologia pós-colonial busca ressignificar esses substantivos, negando-lhes a sua aparente substância essencialista, desnudando as camadas de significados que subjazem à aparência substantiva de tais nomes, revelando, portanto, seu hibridismo constitutivo, ou seja, o hibridismo que constitui toda linguagem. Contra uma visão monolítica e homogênea da linguagem, Bakhtin, inspirador de Bhabha, vê o hibridismo natural como sendo uma característica necessária de todas as línguas, e a condição de sua sobrevivência histórica: “Podemos até dizer que a linguagem e as línguas mudam historicamente, principalmente por causa da hibridização, pela qual ocorre uma mescla de várias “línguas” que co-existem dentro das fronteiras de um único dialeto, de uma única língua nacional (...), porém, o cadinho para essa mescla nunca deixa de ser sempre o enunciado” (Bakhtin1981:358). Bakhtin distingue entre esse hibridismo natural e aquilo que ele chama de hibridismo intencional ou consciente, que aparece em narrativas literárias: “Um híbrido intencional é precisamente a percepção de uma língua por outra, ou seja, sua iluminação por outra consciência lingüística. Uma imagem de uma língua pode ser formulada apenas a partir do ponto de vista de uma outra língua, tomada como a norma” (1981:359). A partir dessa estratégia de hibridismo intencional, pode-se ler o esforço de Bhabha de apontar o hibridismo nos discursos coloniais e pós-coloniais como parte de sua ‘semiologia pós colonial’; a estratégia dessa semiologia, como vimos, é de ressignificar a linguagem, ou seja, de des-sedimentar e de deslocar a perspectiva única da língua dominante e seus conceitos substantivos do mundo; também como vimos, essa ressignificação se dará através da justaposição e da ironia, de ver uma língua a partir de outra. O hibridismo ou a cisão que Bhabha ilustra na linguagem, porém, só é visível a partir de seu lócus de enunciação: ou seja, a perspectiva do subalterno e não a do dominante. O desejo substantivo do dominante por homogeneidades e estabilidades continuistas faz com que ele não perceba e nem valoriza o hibridismo. Seguindo a estratégia híbrida apontada por Bakhtin de ler a língua de um a partir de uma outra língua tomada como norma, Bhabha inverte as posições históricas e lê a língua e as linguagens dominantes – (antes consideradas como norma) a partir da língua e das linguagens do subalterno colonizado, usurpando agora o lugar da ‘norma’. Essa

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estratégia, porém não é uma mera inversão de papéis e perspectivas; além de ser uma estratégia em si híbrida, como aponta Bakhtin, ela revela de forma performática (ao mostrar, tornar visível e encenar) o hibridismo que constitui tanto as linguagens do dominante quanto as do subalterno. Para Bhabha, o cadinho para o hibridismo é o ‘terceiro espaço’, ou seja, o espaço intersticial (inbetween) “fora da frase”, entre o enunciado e a enunciação: “ Não se esqueça do espaço fora da frase.” (1992:455). Lembrar o espaço ‘fora da frase’ é recusar a ditadura do enunciado normatizado, pronto e fechado; é lembrar do contexto, da história da ideologia e das demais condições de produção da significação que constituem o momento da enunciação e, portanto que contribuem para a constituição do sentido do enunciado. É nesse espaço intersticial e particularizante que se desfazem os desejos substantivos pela universalização, pela homogeneidade e pela estabilidade; portanto, é nesse mesmo espaço que a diferença e a alteridade do hibridismo se fazem visíveis e audíveis. A teoria crítica de Bhabha não apenas busca, mas encena um novo modo de conhecimento para a era pós-colonial, uma revisão das aparentes certezas inscritas numa valorização da heterogeneidade; essa heterogeneidade, que aponta a inevitável imbricação Eu/Outro e a inexistência de identidades, línguas e linguagens ‘puras’, não implica, porém, em pluralismo nem em sincretismo, mas sim, num processo agonístico e antagonístico. O pluralismo postula, muitas vezes, a existência simultânea e pacífica de vários grupos, culturas, línguas, etc. na qual cada um se insere num conceito de homogeneidade; cada um se vê como autêntico, presença plena, independente dos outros, existindo num espaço vazio e homogêneo – situação essa que geralmente acaba beneficiando apenas o mais forte entre eles. O sincretismo, por sua vez, postula a superação da diferença pela qual os contrários se unem num terceiro termo, transformando, paradoxalmente, a heterogeneidade em homogeneidade. A alternativa proposta por Bhabha é colocada sucintamente nos seguintes termos: “A própria possibilidade de contestação cultural, a capacidade de se mexer nos fundamentos dos conhecimentos [...] depende, não apenas da recusa ou substituição de conceitos. A análise da diferença cultural procura confrontar o espaço ‘anterior’ do signo que estrutura a linguagem simbólica de práticas culturas alternativas e antagonísticas” (1990: 310).

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A teoria crítica de Bhabha, portanto, não procura substituir meramente a força de um discurso hegemônico por outro marginalizado, mas sim, instaurar um processo “agonístico e antagonístico” onde a autoridade e as certezas aparentes do discurso hegemônico são subvertidas, questionadas e desestabilizadas para produzir um novo discurso híbrido e libertário. Para concluir, vimos que é a partir de sua busca por uma semiologia pós-colonial, entendido como um modo de conhecimento onde a questão da linguagem é fundamental, que os vários enfoques da produção teórica de Bhabha se juntam: a representação, a identidade, a tradução cultural – todos reunidos pelo mesmo elemento que os permeia e os constitui, justamente porque se trata de uma característica não apenas da língua, mas de todas as linguagens: o hibridismo. Bibliografia Bhabha, HK 1984 Representation and the Colonial Text: a critical exploration of some forms of mimeticism em Gloversmith 1984 Bhabha, HK 1986 Introduction Remembering Fanon: self, psyche and

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