lugar dafne fasciculo 01

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    dafne editora

    O Lugar dos Ricos

    e dos Pobres no Cinemae na Arquitecturaem Portugal

    Verdes AnosdePaulo Rocha

    1963comPaulo RochaEduardo Souto de Moura

    moderado porManuela de FreitasJos Neves

    1

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    paulo rocha Eu sou do Porto e, desde mido, vivi sombra do futuro daarquitectura. Nos anos formativos, eu e os meus colegas cineastas vivamosobcecados pela ideia da arquitectura. O Manoel de Oliveira, por exemplo,chegou a ter uma sala de desenho de arquitectura, semiprofissional,porque gostava tanto de arquitectura que se sentiu na obrigao de ter osinstrumentos, de maneira a desenhar os seus dcorse a pr as suas ideiasde cinema c para fora. Ao longo desses primeiros dez anos, no Porto,a arquitectura estava no ar. O Antnio Reis foi um dos promotores dapublicaoArquitectura Popular em Portugal1, andou a cobrir o pas todo

    para a fazer. Quase todos os meus amigos e colegas iam nessa direco.Fui aluno de jesutas com o Carlos Portas. O irmo dele, o Nuno Portas,passava muitos filmes na escola, e inventou uma espcie de cineclube.Uma vez fui visitar a famlia deles a Vila Viosa, e o Nuno Portas, queestava por ali, de vez em quando mostrava-nos coisas de que gostavano Alentejo, e todo o seu discurso era direccionado para a arquitecturapopular. Como na altura eu j estava com o bichinho do cinema, de vezem quando falvamos de cinema, mas falvamos principalmente sobreo povo a viver e a expresso disso na arquitectura.

    H alguns meses, uma das minhas grandes surpresas foi o balanofinal da aco da Gulbenkian no cinema, e no ltimo dia mostrou-seum filme do Antnio Campos, que era uma das minhas paixes desde

    1Arquitectura

    Popular em Portugal,

    Lisboa, Sindicato

    Nacional dos

    Arquitectos, 1961.

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    o incio, o Vilarinho das Furnas2. O filme andou desaparecido e s hrelativamente pouco tempo passou a ser exibido numa cpia mais oumenos profissional. Eu fiquei pasmado. Um dos desgostos da minha

    vida que o Antnio Campos no tenha tido possibilidade de fazermuitos projectos assim to elaborados. Lembrei-me de que lhe tinhadado uns livros sobre Vilarinho das Furnas, do professor Jorge Dias,se no me engano. Vi depois que o filme fala de uma aldeia que hojeest submersa pela gua. O trabalho do Antnio Campos prodigiosona medida em que filma as casas e filma, por cima das casas, espantosasformaes feitas em palha que so uma segunda arquitectura sobrea arquitectura popular isso eu nunca tinha visto.

    Agora, passados alguns anos, a televiso passou um filme submarinofeito debaixo das guas, nas runas, e h tempos pude ir ver, muitoperto de Vilarinho das Furnas, um novo restaurante espantoso queganhou prmios internacionais de arquitectura. Estava a pensar queali no fundo, debaixo da gua, estava aquilo, e comecei a lembrar-medo tal filme que a Gulbenkian fez. Aquilo era tudo fantasmal; fiqueiespantado porque l no cume da serra Amarela, no Gers, h umapequena aldeia ao lado do restaurante que ainda um exemplo pasmosode arquitectura popular.

    Naquela poca as pessoas gostavam muito de ver, havia uns tiques detentar estudar a linguagem das pessoas. O Antnio Reis era especialistanisso; alm da arquitectura, fazia muito trabalho de campo para estudarcomo falavam os pescadores, as vrias classes sociais. Quando voltei deParis, depois de l ter feito o meu pequeno curso de cinema, no IDHEC3,tinha qualquer coisa parecida: passava a vida a estudar aqueles camposque estavam para alm, no fundo da Avenida dos Estados Unidos.Andava horas e horas. Aquilo fascinava-me porque era uma arquitecturapopular transformada pelos restos de fbricas, de todas as idades.

    Comeava a haver uma espcie de proletarizao do dcor, mas aquiloera absolutamente fascinante, e como estava a entrar para o cinemaqueria saber o que sentiam, o que eram os sonhos, como seriam osamores e os desesperos daquelas pessoas. Eu queria saber!

    Via as raparigas, ouvia os velhotes porta de casa, e queria tentarsaber como que eles eram. Isso tambm j vinha muito do Porto; j nosarredores e em Gaia eu comeava a fazer mil e um projectos de filmesa tentar saber quem eram aquelas pessoas. Eu tinha vergonha, mastinha vontade de falar, de abrir portas e perguntar: Conte-me l, e a

    senhora o que est a pensar agora? Era uma espcie de vcio que tivedurante muitos anos e ainda tenho um bocadinho. A minha me, quemorreu h pouco tempo, entrava muito no meu jogo. Uma das coisas de

    2Antnio Campos,

    Vilarinho das

    Furnas, Portugal,

    Antnio Campos,

    1971, 77 min.

    3Institut des

    Hautes tudes

    Cinmatographiques,

    Paris.

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    que ela mais gostava era de dizer: Olha, encontrei uma negra no metrocom uma cara espantosa e uns cabelos desta maneira e, olha, arranjeio nmero de telefone dela. Havia uma espcie de vontade de conhecer.

    As cidades do Porto e Lisboa estavam menos desumanizadas do queagora. Nunca vi os meus alunos eu fui durante muitos anos professorna escola de cinema com essa curiosidade, com essa vontade de sabercomo , porque que algum est triste, porque que est contente,os seus sonhos erticos, ou de desespero, ou de vingana.

    Acho que um dia ainda se deveria tentar; esse seria um dos meusprojectos, fazer uma minicoisa de quinze ou vinte minutos sobre osprimeiros passinhos do cinema portugus, que vivia, coitadinho aindano sabia que o era, ou se se conseguiria firmar. Em parte isto tinhaque ver com a arquitectura. Sentir os espaos, como as pessoas viviaml dentro tinha que ver com a vida interior deles. Ainda agora, nestemomento em que j no posso andar bem, quando ando, sobretudo detxi, conforme as horas do dia, descubro cada dia uma Lisboa nova. estranhssimo. Conforme a luz ou como o sol est, se princpio dodia, se o sol est a reflectir nas superfcies ou nas publicidades e, derepente, aparece-me gente que nunca tinha sonhado que pudesse serassim; ou um tipo arrogante ou chateado de todas as idades. Estamanh vi um grupo que devia ser de religiosos negros, de uma religioque no conheo, tinham um capuchinho branco na cabea, com capasde vrias cores e, de repente, o sol bateu-lhes e, por trs deles, estavampublicidades a aparecer. De repente uma senhora com ar muito snob,de mais ou menos trinta anos, apareceu com uns colares espantosos e,sob o projector prodigioso do sol, ela era, de repente, um ser fantstico.Se pudesse filmava aquilo, ou reimaginava aquilo.

    De certo modo, muitos dos meus alunos no tiveram, durante tantosanos como eu, vontade de conhecer as pessoas. claro que o Renoir era

    magistral o Renoir que provavelmente o meu professor de cinema na relao com as pessoas e a pr a arquitectura a falar. O Renoir filmaa Revoluo Francesa, Versalhes, e de repente os espaos dos jardinse das escadas ganham vida; aquilo foi criado para aquilo e, de certomodo, foi preciso o Renoir reinventar as pessoas e os seus sonhos, quecriaram aqueles espaos. A arquitectura pode servir para isso, e se nsno tivermos os filmes no sabemos. Os filmes so provas concretas deencenao do inconsciente das pessoas, dos problemas que so tabus.Temos de aprender, pensar a vida, repensar a realidade que todos os

    dias nos parece diferente. Mesmo a cena que vi esta manh com ossenhores e a tal senhora com os colares, se a tivesse visto a outra horateria um sentido completamente diferente. A tentativa de manter isso,

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    com o objecto sempre vivo, a mudar e a dizer: Hoje de manh era ocontrrio; agora se calhar mais verdade.

    souto de mouraTambm sou do Porto. Somos os dois do Porto,mas eu sou de outra gerao, e apanhei tudo ao contrrio do PauloRocha. Quando os meus professores, da sua gerao, perguntavamse queramos ir para a serra Amarela, ns dizamos que no vinha apropsito, porque as solues para a arquitectura e para a cidade, queeram o que nos interessava, no estavam na serra Amarela. Na altura,o Antnio Reis, o Campos, o Tvora, que foi meu professor, baseavam-seno Inqurito para tentar encontrar uma via alternativa ao movimentomoderno, e cidade moderna, que era muito criticada. Esse movimentocomeou pelo Tainha mas foi depois encabeado pelo Nuno Portas,tentando encontrar influncias por via de Itlia. Eu apanhei o rescaldodo Inqurito e disse para mim prprio: Isto no me interessa, no me til; isto uma via das cincias sociais e a arquitectura no sociologia ouantropologia. A soluo do territrio passa pelaArquitectura da Cidade.4

    Eram os anos 70, o cinema era muito urbano foi voc um dospioneiros , a literatura era urbana, e o Inqurito era como comprar umbarro da Rosa Ramalho, era um objecto interessante O Tvora era meuprofessor, eu trabalhava com o Siza; eles ficavam escandalizados, aindahoje ficam, quando eu, provocatoriamente, dizia que o Inqurito serviupara fazer os aldeamentos tursticos no Algarve e pouco mais, porque oInqurito no consegue, ou no tem escala para ultrapassar o campo.Aquilo para que o movimento moderno serviu (que tanto criticaram,e que foi to maltratado) foi para fazer a cidade com muitos defeitos,particularmente na reconstruo apressada depois da guerra , masna hora da verdade, quando se teve de fazer bairros novos, o Bairro dasEstacas5, os bairros no Porto, como o Bairro de Ramalde6, do Tvora,

    os bairros que mostrou aqui no filme, a entrava o movimento moderno.E pergunto: o que que se andava a fazer em Rio de Onor? A descobrirarados e coberturas de telhado O Lvi-Strauss era antroplogo, noera arquitecto. E na verdade depois fazem-se prdios, como a Torre7do Tvora em Aveiro, com base no movimento moderno, que afinalno era to mau como isso! Os prdios devem terpilotis, e o PauloRocha fez aquelas cenas lindssimas no meio dospilotis. Os prdiosdevem ter janela horizontal, e a viso da cidade feita por aquela

    janela de sapateiro. Os prdios devem ter terraos Eu sou da gerao

    que pe em causa esse movimento quase etnogrfico criado em voltado Inqurito Arquitectura Popular, que foi muito herico e no eraum estudo sobre a casa portuguesa (porque isso era conotado com o

    4Aldo Rossi,

    A Arquitectura

    da Cidade, Lisboa,

    Cosmos, 1977.

    [1. ed. 1966]

    5Ruy Jervis

    dAthouguia,

    Sebastio

    Formosinho

    Sanches, Bairro

    das Estacas, Lisboa,

    1949-1955.

    6Fernando Tvora,

    Unidade Residencial

    Ramalde, Porto,

    1952-1960.

    7Fernando Tvora,

    Edifcio Torre e

    Centro Comercial,

    Aveiro, 1966.

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    Salazar), mas sim um inqurito antropolgico e etnogrfico sobreas razes da arquitectura popular em Portugal. Para a minha gerao,e para trabalhar a cidade, foi a palavra muito dura um impasse. que no convm fazer beirais de telha em prdios com sete pisos!

    O que acho notvel neste filme agora vamos ao filme, para nofalar de arquitectura que ele mostra exactamente essa dicotomiaentre a cidade e o campo, os elementos que definem a cidade naszonas de fronteira o filme escrito nas margens. H uma vocaomaniquesta para dizer o campo que bom, a cidade m, oua cidade o futuro, no gosto do campo como diz Julio Cortzarel campo, ese lugar donde los pollos se pasean crudos. O filme passa--se nessa tenso de mostrar as duas faces da mesma moeda, no sno territrio e na geografia, mas tambm nos prprios elementos daarquitectura. Isto em vrios pormenores: uma vez aparece uma carroa

    com um cavalo, outra vez aparece o dois cavalos, uma vez aparecemzonas quase de arquitectura vernacular, que existiam ali s portas dacidade, e depois aparece oJaguarcomo smbolo da modernidade.E isso que acho muito interessante, porque penso que no tem aquelaviso fundamentalista de que a cidade a fonte dos defeitos, que o malestava todo na arquitectura moderna ideia moralista que apareceuna crtica do ps-guerra e que foi o grande impulso para o Inqurito. filmado de uma maneira lindssima, h quase um elogio dosmateriais modernos. Por exemplo, um material, a pastilha, que

    considerado aquilo que os patos-bravos pem nas fachadas(porexemplo, os meus pais e a gerao deles diziam: No ponham azulejos,no ponham pastilha, seno parece uma casa de emigrantes) e muitos

    Verdes Anos,

    Quinta da Bela Vista

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    dos planos so feitos com essas texturas. O jogo do vidro, as portas esto sempre a abrir portas, a descobrir como que se abre a porta , um problema fundamental da modernidade: a transparncia.

    Os elevadores, a televiso, os carros Tambm no filme, mais uma vezse confirma que o movimento moderno tinha razo, e no sei o que elesestavam a fazer na serra Amarela. risos na assistncia

    Fui um pouco provocador, no completamente assim Tinha vistoo filme h muitos anos, no me lembrava bem e pedi para o rever.Ontem estive em casa a v-lo e pensei: Mas isto maravilhoso.Como que dizem mal do movimento moderno? Que mal tem a janelahorizontal se fazem o filme quase todo com um olhar baixo, rasteiro,a olhar pela janela horizontal? Vertical muito bonita, mas precisamosde ps-direitos com quatro metros, seno a padieira bate no tecto, como uma cara sem testa. Quando apareceu a habitao social,a preocupao era, em dois andares antigos, fazer trs modernos,portanto com um p-direito mais baixo os arquitectos naturalmenterodaram a janela. um problema de pragmatismo e poltica, quasede justia social, de dois fazemos trs.

    Assisti a muitas conversas do Tvora e trabalhei muitos anos como Siza, realmente lembro-me desse inqurito e dessa paixo pelostrabalhos de recolha. Mas creio que era mais um projecto de vida doque propriamente uma recolha. Era andar pelos montes, falar comas pessoas, ouvir a msica, o Giacometti que gravava, era fotografaras casas, era fazer levantamentos, era comer bem, penso eu. Mas,exactamente, aquele telhado servia para qu? Tiravam-se as medidasao telhado e depois fazia-se um telhado? No sei se me estou a dispersarmuito Lembro-me de trabalhar na Malagueira, que um bairro doSiza, lindssimo, em vora. Foi feito depois do 25 de Abril e tem umaimagem muito forte do Alentejo, as ruas marcadas com umas chamins

    enormes. Mas perguntei a mim prprio para que seriam as chamins,se ainda existiam fumeiros ou se eram para meter o microondas? Porqueas chamins tm uma justificao funcional, que o fumeiro, mas nos anos80 j no havia fumeiros e, portanto, tudo me parecia mais romntico doque operacional. uma arquitectura tambm justa, evocativa, e porqueno diz-lo:postmodern. Penso que existe esta contradio, porque,quando chegam cidade, esses mesmos arquitectos fazem torres, fazemvarandas, fazem os cinco pontos da arquitectura do Le Corbusier,ngulos a 45 graus, espaos livres no meio como no Bairro das Estacas.

    jos neves Apesar de tudo, no sei se o filme faz exactamente o jogodo movimento moderno. De facto, passa-se numa zona de transio

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    entre o que , ou quer ainda ser, cidade tradicional os quarteires,as ruas-corredor, as praas, a Avenida de Roma, a Praa de Londres,o Areeiro e uma outra, que j a do movimento moderno, os edifcios

    soltos, o Bairro das Estacas, os edifcios do V-V. E com as prpriaspersonagens do filme, o Jlio e a Ilda, h sempre um desacerto coma cidade, aquilo est sempre a correr mal. Os vidros, por exemplo, sosempre um problema, o Jlio est sempre a esbarrar contra os vidros.A cidade o stio onde eles se encontram, onde fazem os recados,a janela do sapateiro , de facto, en longueur, mas a janela de umespao onde ele no pode sequer endireitar a cabea. Aqui os doisandares no so divididos em trs, so divididos em quatro

    souto de moura Mas acho que a Ilda est encantada.

    jos neves Est, est ela tem um cantinho como ele, ela tem acozinha, ele tem a cave do sapateiro, mas quando tm de encontrar umlugar para namorar no a cidade

    souto de moura Alis, a Ilda uma mulher moderna. At na maneirade vestir

    jos neves Na maneira de vestir, a partir de certo momentoO JooMrio Grilo diz que este filme uma espcie de tomada da Bastilha nocinema portugus, ou seja, o momento em que os pobres entram peloquarto dos senhores adentro e, a partir da, tudo corre mal

    Temos portanto esta cidade extremamente organizada e planeada,com os 45 graus, com as torres, os espaos livres; por outro lado, umaparte importante do trabalho do arquitecto Souto de Moura tem-secentrado em casas, em habitaes unifamiliares. A habitao colectiva

    que tem projectado, alguma, sempre numa cidade mais difusa, maissuburbana, e as casas so quase sempre no campo no sei se alguma na serra Amarela

    souto de mouraH uma. a primeira, no Gers uma runa. risos

    jos neves A primeira questo que queria colocar : qual o lugardos ricos e dos pobres na arquitectura do Eduardo Souto de Moura?E ao Paulo Rocha gostava de perguntar qual o lugar do Jlio e da Ilda?

    Porque me parece que o lugar deles no aquela cidade da qual eugosto tambm imenso, alis.

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    souto de moura No contava com esta Primeiro, mais interessantefazer casas para os pobres do que para os ricos. No nenhum moralismopoltico, porque a disciplina de haver menos dinheiro obriga-nos a maior

    rigor. Depois, existe o gosto pequeno-burgus dos pobres que queremimitar os ricos; alis, v-se no filme e podemos falar de poltica, ou no?

    jos neves Estamos sempre a falar de poltica

    souto de mourari-seTemos de falar de poltica. Neste momentoestou a fazer trs casas Comecei a fazer casas e agora tenho maishabitao colectiva. A habitao colectiva est ligada ao grandecapital, aos construtores, e durante muitos anos no tive esse acesso,agora comea a aparecer. Durante anos, por exemplo, recupereium mosteiro, que a pousada de Santa Maria do Bouro: tinha umptimo encarregado da empresa Soares da Costa, tinha um ptimomarmorista, tinha um ptimo serralheiro, que fez umas janelase isto uma preocupao para o marxismo. Em vez de haver arevoluo, o proletariado transformou-se com gostos e dinheiropequeno-burgueses, como se costuma dizer. Neste momento estoua fazer casas para o proletariado, isto , estou a fazer uma casa parao marmorista, estou a fazer uma casa para o encarregado, estou afazer uma casa para o pedreiro. engraadssimo que, como elestm trabalhado imenso comigo, conhecem os meus gostos e dizemsempre: Est bem, j conheo. O problema so as senhoras queficam escandalizadas antes de ver, ficam logo arrepiadas comodiz o Cesariny: No vi e no gostei.

    8Joo Dias,

    As Operaes SAAL,

    Portugal, Abel

    Ribeiro Chaves,

    2007, 90 min.

    Eduardo Souto deMoura,Reconverso

    de uma runa

    no Gers, Vieira

    do Minho, 1980.

    Fotografia de

    Manuel Magalhes

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    Eu no fao distino, porque, no fundo fao as casas para mim.Sempre. uma regra. Assim como o Paulo Rocha deve fazer osfilmes para ele. Aquela casa sempre para eu viver. Se fao no Gers,

    imagino que vou viver para o Gers, que tenho de fazer uma tese dedoutoramento (nem pensar!, mas), comeo a imaginar-me ali. Se faouma casa no Algarve, digo que tenho uma doena de reumatismoe tenho de ter um clima pouco hmido, porque o Porto muito maue vou viver para o Algarve. Aquela casa sempre para mim. Fao umatransmutao para o cliente e, quer ele seja pobre ou rico, semprea minha casa, e esse o entusiasmo que ponho em cada uma. No seise respondi. Ah, uma vez disse a um cliente que fazia a casa para mim,e ele disse: Ento escuso de lhe pagar, se para si risos na assistncia

    jos neves A propsito, h uma pequena histria que contada no filmeAs Operaes SAAL8: o Manuel Vicente conta que a dada altura, durante adiscusso dos projectos, um futuro utente das casas um pobre, portanto estava muito farto das conversas de mais corredor, menos corredor, maisassim ou mais assado, virou-se para o Manuel Vicente e disse: Olhe, faaa casa como se fosse para si, que a gente vai gostar de certeza absoluta.

    pblico 1 Tenho duas perguntas, uma para o cineasta e outra para oarquitecto. O ciclo, no trgico tema, j encerra uma contradio, bastanteclassista: fala de ricos e de pobres. Nesse sentido, este filme o melhorpara ilustrar essa ideia, porque tem ricos, tem pobres, tem cinemae tem arquitectura. Hoje, vendo o filme, parece-me que o que sobrevivee permite que o filme continue a ser to actual , provavelmente, maiso lado que tem de cinema e menos aquilo que tem de crtica social.

    A minha pergunta para o cineasta Paulo Rocha se lhe parece queo cinema pode ter contedo social, ou se, como o arquitecto Souto deMoura diz que a arquitectura no sociologia, o cinema tambm no sociologia e qualquer coisa de muito mais especfica, e se a crticasocial feita atravs do cinema tem sempre os dias contados.

    A pergunta para o arquitecto Souto de Moura : parece-me que faz umaespcie de oposio entre aquilo a que chama romantismo e aquilo queo movimento moderno nos trouxe de eficcia. Parece-lhe que hoje, ou desdesempre, a arquitectura, pelo enorme investimento econmico que implica e

    pelo tempo que exige, pode alguma vez ser lugar de dissidncia ou de crticasocial no fundo a pergunta parecida , ou tem de depender sempre,por razes bvias, de qualquer poder institudo, econmico ou poltico?

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    paulo rocha Tenho uma grande dificuldade em responder a essascoisas, porque sou filho de um campons portugus que emigroupara o Brasil e teve xito na sua ida, portanto sou um filho de famlia,

    algum que ficou muito ligado aldeia do meu pai. Visito ainda ascasas de h cento e tal anos e tento ouvir os ecos das pessoas quemorreram, do que disseram e fizeram. Portanto, recordo, olho paraos mveis, para as coisas, aqui morreu o meu av, aqui a minha avfez isto ou aquilo, tento ouvir os barulhos O meu av morreu comseis filhos, a pneumnica levou-o em 1918, deixou seis filhos, e o meupai foi obrigado a ir para o Brasil, porque a situao da casa era difcil.O meu pai foi apanhado no turbilho da vida moderna, das aventurasdo dinheiro e da poltica brasileira, e das artes, e voltou para Portugalcomo um poeta meio-brasileiro, que era o que ele sabia da literatura queaprendeu no Brasil quando tinha para a 19 anos. Eu nunca tive a menorconscincia social, nunca achei que tivesse capacidade de intervenonesse aspecto, e agora vejo que o Museu do Neo-Realismo tambm vaiexibir Os Verdes Anose fico atrapalhadssimo, porque no li nenhumromance neo-realista, tenho milhares de livros em casa e no tenhonenhum dos livros cannicos que criaram as formas do neo-realismo.No entanto, acho que as coisas tm de ser plantadas de uma maneirainesperada, tm de ser vividas pelas pessoas nos seus problemaspessoais, e privados, ao tentar reagir s dificuldades que a vida lhes pe.Essas solues, fabricadas pelos partidos ou por ideias j fabricadasestar a repetir os mots dordrenunca sai bem. Portanto, como era ummenino um bocadinho privilegiado, e sempre fui um pouco doente,acabei por me identificar com as pessoas que estavam atrapalhadas.

    Vivia por cima do V-V, nos prdios do Segurado, e soube que osapateiro da zona tinha matado uma namorada que no se queria casarcom ele. Senti absolutamente o ponto de vista do rapaz, eu tinha problemas

    parecidos. De certo modo, a faca do rapaz era a minha.risos na assistncia

    Em geral, tenho vergonha de confessar estas coisas que no se podemconfessar. Agora j sou velho e posso dizer a verdade. Nasci numa casana Rua lvares Cabral, no Porto; na realidade, nasci na Rua de Cedofeita

    souto de moura Tambm eu.

    paulo rocha que era uma espantosa rua, muito popular. Ao lado daminha casa havia uma casa de uma das famlias mais importantes: a do

    Pinto da Costa, que na altura era um mido como eu. No me lembro deo ter visto, mas sei que o meu pai acabou por comprar uma casa do Pinto daCosta, eu ainda tenho na minha casa em Lisboa alguns restos de decoraes

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    que a minha me fabricou juntando essas decoraes uma confusoMas temos de tentar viver no meio destas confuses e, dia a dia, sentimosque a vida no nos d o que queremos e a imaginao pede muitas outras

    coisas. Tm de se criar, em parte atravs da literatura, que pode ajudar aformar imensas frmulas para analisarmos pequenos problemas concretos.Nisso, as vrias modernidades, que muitas vezes so atacadas, acabampor ser utilssimas para abrir portas. Durante muitos anos, tive problemascom os meus alunos da escola de cinema que j vinham com ideiaspreconcebidas sobre o que tinha de ser o cinema, porque na Amricaou porque na Alemanha estava a fazer-se assim. As modas esto semprea mudar. As pessoas tm problemas pessoais intimamente e tentamresolver a confuso, a doena que o mundo , tentam repor alguma coisamais certa, mais legvel, mais habitvel no h nenhuma regra.

    Felizmente, na altura dOs Verdes Anos estava numa total virgindadedo olhar, a tentar resolver os meus pobres problemas. Foi uma espciede higiene mental encontrar uma espcie de fantasma meu, que era osapateiro que matava a rapariga que no queria casar com ele, e estafoi a minha maneira de resolver o caso. Julgo que seria a melhor receitapara qualquer processo de cinema: ser suficientemente subjectivoe egosta como eu fui tentar resolver um problema prtico.

    souto de moura Acho que a resposta est dada quando digo que

    fao casas para mim e o Paulo Rocha diz que faz filmes para ele. Parasublimar Foi isso que gostei imenso de ver no filme, calmamente: no panfletrio. Quero dizer, toca em vrios acontecimentos, fala de amor

    verdes anos

    Ilda e Jlio, Avenidados Estados Unidos

    da Amrica

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    e tem cenas de erotismo, mas ningum est nu. A outra classe est semprepresente, e as diferenas tambm, mas no forado. O movimentomoderno tem os cinco elementos de que eu gosto; se calhar foi por

    acaso, mas esto sempre a ser focados o elogio da mquina, objectoquase de culto do modernismo, mas tambm no forado. OJaguar Eque aparece, h uma boca. Tudo aparece com uma certa naturalidade,essas componentes sociais, estticas, ticas Estou a lembrar-me dequando eles vo almoar ao lado de l. H uma cena numa cozinhagrosseira, com um tipo a pegar nos pratos cheios de gordura e, derepente, muda-se para a cozinha moderna que tem os armrios emcima. H sempre esta questo. Filma a carroa e de repente vira paraos prdios. Portanto, o que acho que interessante no haver aquelestipos que do respostas e explicam tudo: Sobre isto tal, tal sobre issoO que h uma abordagem, fornece-se informao para as pessoaspoderem decidir, so elas que tm de decidir.

    Em arquitectura penso que em tudo no h arquitecturarevolucionria, h homens revolucionrios. Se calhar para mim um mistrio, e at um dia gostava de estudar, mas no tenho tempo os arquitectos mais revolucionrios eram de direita, entre aspas;especialmente aqui em Portugal e em Espanha, pelo menos aquelesde que eu gosto, esteticamente os de ruptura. Naquilo que estconvencionado eticamente ser de esquerda h uma grande dicotomia.Se calhar os mais de esquerda so os menos inovadores na linguagem,ou tm menos tempo porque andam a militar, leram o Capital9masno leram a Complexidade e Contradio10, do Venturi risos na assistnciaPortanto, essa naturalidade no fazer cinema e resolver os prpriosproblemas Na arte preciso ser fundamentalmente egosta, semdesprezo nenhum, porque uma obstinao. Temos de tratar de ns,ou ningum trata. Quando sublimamos, como diz o Paulo Rocha, ento

    a, sim, se ficamos bem connosco estamos disponveis para ajudar ajudar no num sentido missionrio. Somos radicalmente egostas.Construmos, e depois o objecto fica disponvel neste casoa arquitectura, ou o filme, ou o livro

    Se a priori na arquitectura assim decido que quero fazer isto,essa a primeira condio para ser um desastre. Quero dizer, se digoque vou fazer uma casa muito bem integrada como um tipo que sesenta num caf, um escritor, no diz Vou fazer poesia. Portanto, essavocao de querer fazer um trabalho potico deve ser sine qua non

    para nunca ser potico. Assim como dizer que se vai fazer arquitecturarevolucionria: geralmente d num desastre completo, porque noexistem esses cdigos. Se ele pensa que , porque no .

    9Karl Marx,

    O Capital: Crtica

    da Economia

    Poltica, Lisboa,

    Editorial Avante,

    1997-2012 [Livros I

    a III, tomos I a VI]

    [1. ed. Livro I: 1867;

    ed. definitiva: 1890]

    10 Robert Venturi,

    Complexity and

    Contradiction in

    Architecture, Nova

    Iorque, Museum of

    Modern Art, 1966.

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    pblico 2 A arquitectura est cheia de remakes, no ? Talvez at

    mais do que o cinema. E acho que este filme levanta uma questo. Euconheci suavemente esta realidade e esto aqui pessoas muito novasque no tiveram conhecimento desta cidade. Parece-me que a cidadedos ricos est pior, indiscutivelmente, e a cidade dos pobres tambm,por razes diferentes. Hoje em dia, o ex-lbris de Lisboa, a chamadaExpo ou Parque das Naes (no sei como que aquilo se possachamar), uma prova evidente de que a cidade dos ricos a cidade emgeral, enfim est bastante pior. Parte do egosmo dos criadores quistentar projectar o futuro, digamos assim, e tentar construir outro tipode responsabilidades. Estas questes so importantes na sua naturezaprospectiva, e quer o cinema quer a arquitectura so actos muitocolectivos, o cinema muito mais de representao que a arquitectura,o cinema mais arte do que a arquitectura, penso eu.

    Quanto ao Inqurito, acho que o arquitecto Souto de Moura temrazo em quase tudo, mas penso que se esqueceu de uma coisa. queaquele conjunto de arquitectos quis mostrar empiricamente uma coisaque eles sabiam a priori: que naquela altura se propagava uma grandementira, que havia uma putativa arquitectura portuguesa erudita,da qual diria que quase se tentou fazer uma tratadstica. O Inquritodemonstrava empiricamente, de uma forma quase cientfica, que defacto no havia uma arquitectura portuguesa, porque no h umaarquitectura de nada, qualquer que ela seja, o que h um paradigmade universalidade. O Inqurito no um inqurito, como o Eduardosabe bem, so vrios, porque as equipas tiveram abordagens diferentes,colocaram-se em territrios diferentes, e logo desde a surgiramabordagens muito diferentes. O Eduardo, em certo momento, diz que

    o Inqurito serviu para fazer aldeamentos, mas j no serve apenaspara fazer aldeamentos, serve para fazer cidades urbanas e suburbanasem barda, em grande extenso, quer dizer risos na assistnciaSubimose descemos o Eixo Norte-Sul, entre Sete-Rios e a chamada TelheirasNorte, olhamos principalmente para a esquerda, e quem manda,quem gere a classe mdia alta vive naquela cidade Porque gosta.Provavelmente, se tivesse alternativas, vivia neste espao to estranhoporque ambivalente, porque de ruptura, porque de margem,como o que o Paulo Rocha retratou. Conto uma histria, onde estudei,

    no liceu por detrs da Padre Manuel da Nbrega, onde tinha Religioe Moral como todos os midos, e aos sbados amos fazer aces dereligio e moral justamente para os clandestinos ao p das Olaias, onde

    verdes anos

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    o lugar dos ricos e dos pobres

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    a cidade dos pobres deste filme. A questo que talvez deixasse o queessa forma de pensar mais alargada nos pode trazer. Perante a posiopartilhada pelos dois, o aspecto confessional do criador o filme que

    para mim, a casa que para mim, etc. , pergunto-me se podemos ir poresse caminho. Se calhar o cinema j no o que era h quarenta anos, eprovavelmente a arquitectura tambm no. O Miguel ngelo esteve dezanos a desenhar aquela pequena escada da Biblioteca Laurenziana. Dezanos! De facto, aquilo era muito mais do que a escada de uma biblioteca.Hoje ainda assim? A arquitectura e o cinema ainda tm este papel narepresentao do mundo, ou no?

    jos neves Gostava de acrescentar uma coisa. O Carlos Lameiroacabou de dizer que hoje em dia no seria possvel um remakedOsVerdes Anos, porque se percebi o que queria dizer no h uma cidadenova to boa como aquela. Um estudante dizia-me ontem que gostariade perguntar ao Paulo Rocha, se fizesse Os Verdes Anoshoje, em quelugar filmaria e quem seriam as personagens?

    paulo rocha Recentemente as senhoras no me dizem que no,portanto eu fico com menos vontade. risos na assistncia e aplausosTeria de fazer outra coisa. Os meus problemas mudaram, j no consigoandar. Gostava de poder danar e andar por cima das pedras, portantoos filmes que eu faria seriam muito diferentes.

    souto de moura Em relao aos remakes, no tenho essa visosaudosista de que antigamente que era bom. No, diferente.

    Ilda e Jlio, na

    Quinta da Bela Vista,

    com a Avenida dos

    Estados Unidos da

    Amrica ao fundo

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    preciso uns anos, uma coisa que se chama distncia histrica, parapoder avaliar como estamos hoje a ver este filme a importncia histricadestes acontecimentos. O Paulo Rocha estava a fazer um filme sobre ele

    prprio, porque tinha esse problema e porque no fazia a mnima ideia e por isso que bom que isto seria parte da histria do cinema portuguse europeu, e se calhar passam-se coisas hoje e ns no temos distncia parasaber. A Expo no propriamente um fragmento de cidade. Tem prdioshorrveis, inimaginveis, com cornos e tudo tem cornos tem, uma coisaque h no Dubai, uns prdios em estilo rinoceronte , mas tambm temcoisas maravilhosas. No outro dia estive a jantar no Pavilho de Portugal,numa homenagem a um arquitecto italiano; estava uma noite maravilhosa,e o jantar era na varanda do Pavilho de Portugal, que tem quatro metrosde largura. um edifcio lindssimo, um dos mais bonitos de Portugal.Ali na Expo no tudo carne do lombo, mas acho que tem coisas boas.

    Em relao aos pobres viverem pior, acho que no. Lembro-me de sermido e vir a Lisboa no Porto havia as ilhas, mas no havia bairros--de-lata , e lembro-me de entrar pelo aeroporto e ver quilmetros equilmetros de barracas e barracas. No se vive bem em Lisboa, pensoeu, no se vive bem em Portugal, h cada vez mais diferenas sociais,mas acho que antigamente no era melhor, era pior.

    Em relao ao Inqurito, no tenho nada contra ele. Tenho contra aspessoas do Inqurito que disseram to mal do movimento moderno.O Paulo Rocha tinha problemas e ento fez um filme, no disse mal deningum. Os que queriam resolver os seus problemas de arquitecturaforam para Ribeira de Pena e no sei para onde fazer levantamentos aosfornos, e outras coisas interessantssimas, mas depois fizeram uma espciede revanchecontra o movimento moderno que era o culpado de tudo!H textos insultuosos que no percebo No outro dia estava a ler um textodo Keil do Amaral, que foi um modernista ptimo, e, de repente, desfaz

    o movimento moderno como sendo uma coisa ridcula, pataqueiraEssas grandes contundncias no tm sentido, no meu entender.Ospilotistm piada de vez em quando para fazer uns filmes

    interessantssimos, mas muito mais agradvel ter lojas, podercomprar o jornal, tomar caf, do que ter cidades vazias assentes emcima depilotis. Pode ter muitos defeitos, mas o projecto do movimentomoderno no acabou, porque no um problema ideolgico, nem umproblema de gosto. Hoje, quer se queira quer no, quer se goste querno, e por isso que o ps-modernismo falhou, toda a arquitectura

    moderna! Se formos ver o que se faz so estruturas dom-ino, pilares evigas, fachadas independentes, janelas horizontais. Se fizer um prdiocom umas janelas assim indicando com os dedos a forma rectangular ao alto, a dizer

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    que ps-moderno, levo dois tiros, porque ningum aceita aquilo:Rasgadas, arquitecto, janelas rasgadas! Tal como se puser umtelhado numa torre, caricato. O bairro da Misericrdia foi projectado

    por um grande arquitecto do Porto que, depois, fez umas torres e lhescolou telhas, fez um capachinho de telhas. risos na assistnciaE um grandearquitecto, nas primeiras obras, esta no correu bem. Mas porqu?Porque o Inqurito dizia que tinha de ter telhas! Pediram-lhe umprdio, ele cobriu-o de azulejos e granito, depois chegou ao fim e ps-lhetelhas No tem sentido. Eu uso imenso o Inqurito, ainda hoje estivea consult-lo por causa de uns pavimentos para os Aores. Mas faz-meimpresso aquela alienao de encontrar a verdade, um bocado comonos anos 60, quando ou se ia para o PC ou para a JUC, ou no sei o qu,e ali que estava a verdade, e para trs era tudo mau No assimEu apanhei essa gerao.

    Lembro-me de que, quando entrei para o escritrio do Siza, ele meperguntou: No quer ir Gulbenkian fazer uma conferncia sobreo Alvar Aalto? E eu disse: No, no me interessa nada o Alvar Aalto.Ele ficou escandalizado: Mas porqu? Ento de quem que vocgosta? Do Mies van der Rohe, respondi, e ele ficou aterrado: Haqui um mal-entendido neste escritrio! Esse tipo que faz casas todasde vidro onde ningum pode viver? Mas eu gosto. E depois houveconversa, mas agora no vou falar disso. Ainda em relao ao Inqurito,houve um ajuste de contas a mal com o movimento moderno, paradepois regressarem todos at parece o 25 de Abril, tudo de esquerdapara depois ficar tudo outra vez H ali qualquer coisa mal resolvida.

    pblico 3 Lembro-me de uma coisa que foi dita esta noite pela

    personagem Afonso: Eles pagam mais para dormir do que para comer.A propsito dos ricos que vivem na Avenida dos Estados Unidos daAmrica e por causa do nome deste ciclo, pergunto se os problemasda habitao que existiam na poca era eles pagarem mais para dormirdo que para comer. Que transformao que houve? Que lugar paraos ricos e para os pobres na arquitectura e no cinema em Portugal hoje?

    souto de mouraIf you dont mind risos

    paulo rocha Eu agora saio pouco de casa: fico sempre na cadeirade rodas, e no sei o que se faz em cinema. Portanto prefiro passar apalavra ao arquitecto. risos na assistncia

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    souto de moura Eu no punha esta questo assim, porque aarquitectura no depende dos ricos e dos pobres. A arquitectura,para existir, precisa de dinheiro. Esta questo est um pouco ligada

    anterior, sobre se h uma arquitectura revolucionria ou contestatria.No h. Precisa de muita guita, como se costuma dizer. Depois,a prpria linguagem que se emprega com esse dinheiro que podecontribuir para resolver problemas dentro da histria da arquitectura.Portanto, cada um tem o seu papel, os ricos e os pobres. Quanto aospobres, tem de ser o Estado a construir por eles. O problema quea arquitectura uma arte social, e temos de resolver problemas.A arquitectura um servio, no um divertimento. Realmente, os ps--modernistas, que se pem a fazer frontes e outras coisas, esquecem-sede que a arquitectura um servio pblico que, depois de existir, depoisde meter os tijolos, os telhados para no entrar chuva l dentro, para sepoder comer, guardar os carros, etc., pode provocar emoes. Mas depois. Os bons provocam e os maus no provocam. O papel dos ricose dos pobres o mesmo, s que os pobres no podem construir.

    Como eu dizia, os meus clientes so todos novos-ricos, porque ospobres no tm casa, e os ricos j tm, portanto tm de ser novos-ricos.Eu prprio sou novo-rico, porque constru um prdio e depois compreil um andar.

    manuela de freitas Mas pode haver na concepo arquitectnicade um edifcio a noo de que h uma parte para as pessoas ricas e umaparte para as pessoas pobres?

    souto de moura A nica noo que h, quanto a mim, o problemado oramento. Mais nada. No h concepes para pobres e concepespara ricos.

    manuela de freitas Por exemplo, num servio pblico, no podehaver na concepo do arquitecto que este espao para os empregadosc de baixo e, portanto, tem condies diferentes? No pode haver partida a noo de que os pobres no so muito exigentes, no precisamde grandes coisas? Os senhores directores e os senhores engenheirosprecisam de coisas mais No pode haver isso?

    souto de moura Pode, porque a arquitectura retrata as culturas,

    a cultura actual.

    jos neves Retrata ou critica

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    souto de moura No, no critica, seno no existe. Como quecritica? Se o Salazar te encomendasse o Palcio da Justia e tu fizessesum cubo de vidro, ele dizia: N n, ou recusa ou aceita.

    jos neves A crtica teria de ser subtil, claro.

    souto de moura Claro, subtil.

    jos neves Os modernistas, em Portugal, fizeram um pouco isso.

    souto de moura Claro, seno faz um gesto de corte na gargantaOu iam para Angola. O movimento moderno foi feito em Moambique;o mais radical de todos, sob o ponto de visto pblico e urbano, foi feito emAngola, Luanda, e por elites. As duas casas mais radicais que eu conheo emPortugal foram feitas por dois aristocratas que no tinham nada a ver compoltica e para clientes da alta burguesia. So radicalssimas, a Casa Sande eCastro do Athouguia, uma casa de purismo minimalista em Cascais, e a Casade Caxias do Joo Andresen. So casas sem nada! Dois muros e dois vidros!Dizia-se: Ai, isto um caixote. Se o meu pai visse aquilo dizia: Isto umcaixote. E de gente com muito dinheiro. A questo no se pe a. evidenteque a arquitectura retrata a sociedade em que vivemos.

    jos neves Quando digo que possvel fazer crtica atravs daarquitectura, falo, por exemplo, do Hotel Ritz. Sabe-se que o Salazarno gostou nada do Ritz, e evidente que h uma crtica, at ideolgica,quando se vai buscar exactamente o movimento moderno para se fazer

    Ilda e Jlio,

    Quinta da Bela Vista

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    uma espcie de monumento num pas que no tem nada de internacional,de internacionalista. nesse aspecto que estou a falar de crtica.

    Outro aspecto que eu gostava de lembrar que h uma espcie de

    gnero tambm na arquitectura h gneros como no cinema , que a chamada habitao social, e que tem regras muito prprias, temoramentos, tem reas, etc. claro que h arquitectos que trabalhame trabalharam, quando se fazia mais do que hoje, obedecendo quiloque penso ser o que se estava a chamar cultura actual, neste casoa estigmatizao, fazendo coisas muito pouco interessantes, e houveoutros que trabalharam em habitao social tentando criar exactamenteas mesmas emoes que com outro tipo de arquitectura qualquer

    souto de moura Desculpe, acho que eles fizeram com a convico dequerer fazer bem e no de contestar. Quando o Athouguia fez o Bairro dasEstacas, a ltima coisa que queria era irritar o Salazar, seno depois a medo Athouguia tinha de ir ao Salazar dizer: Ai o meu filho verdade,tomava um ch e tal. Ele queria fazer a Carta de Atenas porque era umaespcie de vertigem, era como ir a Ftima. Acreditava piamente que tinhade ser feito, era uma f! E no era para contestar, acho eu.

    jos neves Talvez a palavra contestar no seja a mais indicada.A crtica e a contestao so coisas diferentes.

    souto de moura Era para criticar a outra habitao social que eramal feita: existem alternativas que o movimento moderno d; eu escusode fazer um quarteiro cheio de galinheiros em que se atira papis, econsigo fazer um espao pblico, fluido, em que as pessoas participamatravs dos terraos. Mas isso era para aumentar a qualidade, no tinhaessa ideia de manifesto, acho eu.

    pblico 4 Volto um pouco atrs para abordar esta questo de maneiraum pouco diferente. Acho que o filme comea de uma maneira muitoalegre, na medida em que o pobre vai para a cidade dos ricos e h umaespcie de alegria que se gera. Depois, a rapariga vai para o campo evai para o mundo dos pobres. E o filme acaba de maneira muito triste,evidenciando que os ricos e os pobres no se podem misturar. Estavam

    a falar da situao actual da arquitectura, e acho que tem tudo a ver com estaquesto do filme, porque cada vez mais se v segregao entre os espaospara ricos e os espaos para pobres, independentemente de a arquitectura

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    ser para ricos ou para pobres. O que eu quero dizer que a arquitecturapara ricos est separada da arquitectura para pobres. De que modo se que possvel os ricos podem viver juntamente com os pobres? Podero

    partilhar os mesmos espaos pblicos, podero viver juntos na cidade?

    souto de moura H lugares onde isso acontece: so os centroshistricos, e por isso que as pessoas gostam deles e so coisasmaravilhosas. O problema das cidades a periferia. Quer estejam maisdegradados, quer estejam menos degradados o que depende de havermais ou menos dinheiro , ningum contra um centro histrico,ningum, desde da UDP ao PP.

    jos neves Alguns arquitectos modernistas eram, queriam arras-los

    souto de moura No, isso eram alguns que estavam distradosHoje em dia ningum contra os centros histricos. Deve ser daspoucas coisas unnimes. E porqu? Porque tm uma quantidade desobreposies e alternativas, coisa que a cidade moderna, por vezes, notem, com as auto-estradas e os cul-de-sac. Realmente, h bairros aquiem Lisboa no Porto nem tanto, porque o Porto mais elitista ondeexistem e coabitam pobres e ricos Por exemplo, o Bairro Alto, a LapaPortanto, o que preciso usar os centros histricos, porque a hessa mestiagem. O problema que desapareceu aquilo que se chamaa habitao social, j no se faz Deixou de se fazer, as pessoas no seinteressam. Perdeu-se sensibilidade, as pessoas no ficam chocadaspor haver pobreza a nvel institucional. Antigamente, havia planosdisto, planos de habitao, planos daquilo, discusses nos congressos dearquitectura. Quando se faziam casinhas individuais dizia-se: No, isso pequeno-burgus, e ento fazamos prdios colectivos

    jos neves Quando diz as pessoas, diz ns os arquitectos tambm?

    souto de moura Ns tambm, os arquitectos. Essas coisas no nascemdo sol. Hoje em dia, esse aspecto da habitao social desapareceu, j nofaz parte das revistas de arquitectura, por exemplo s a casa deste,a casa daquele, aquele prdio de escritrios, habitao colectiva rarssima

    jos neves Alis, o Athouguia fez o Bairro das Estacas e fez, tambm,

    a Gulbenkian.

    souto de moura Muito depois, vinte anos depois

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    jos neves Muito depois, mas eram duas coisas que se faziam, osarquitectos faziam habitao, s vezes social, outras vezes mdio no seiqu, e ao mesmo tempo os grandes equipamentos E hoje no.

    souto de moura No h essa poltica nem essa prtica. Lisboa, porexemplo, tem meio milho de habitantes, j teve um milho e agoratem meio, Lisboa centro, cidade, est tudo desabitado. O Porto tinhaquatrocentos e tantos mil, quando andava na escola estvamos sempre espera do meio milho, e neste momento tem duzentos e sessenta mil,o que deve ser como Almada que deve ter trezentos ou mais

    jos neves Almada capaz de j ter mais

    souto de moura Ai, se no Porto sabem disso risos na assistncia

    Por isso que o Porto est vazio, porque no tem sentido construircoisas novas quando j existe uma qualidade enorme nessas casasabandonadas. Penso que a tentativa essa, obrigar as pessoas a voltaraos centros histricos, mas no h meios suficientes; s conversa,porque depois no h dinheiro. essa a questo. O Porto est vazio,a partir das seis ou sete horas no h ningum na rua Compram--se palcios agora nem tanto, porque os espanhis comeam a fazerespeculao e casas por vinte mil contos, em lvares Cabral, com

    jardins que batem na Rua dos Bragas, portanto, com duzentos, trezentosmetros. Conheo vrios arquitectos que compraram l casa pelo preode um T1 ou de um T2.

    pblico 5 Havia uma pessoa que seria muito interessante entrar

    neste debate, para termos outra viso da cidade: era o Carlos Paredes.Eu gostava de perguntar ao cineasta como que ocorreu esse dilogoentre o compositor, a pessoa que fez a msica, e a pessoa que fez o filme?Se houve essa preocupao em encontrar a dicotomia entre os ricose os pobres?

    paulo rocha A histria do Paredes um dos acontecimentos daminha vida. Eu no tinha a menor afinidade com o Paredes em termosde aco poltica, eu tinha muito medo da polcia. De repente, o Cunha

    Telles apareceu-me com o Paredes de mo dada, e o Paredes leu o textoque o Bragana tinha, que eram para a vinte pginas, dOs Verdes Anos.Houve ento uma coisa qualquer que lhe deu na cabea e comps, de

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    uma vez s, uma grande quantidade de msica. Ora, eu oio a msicado Paredes e, como de costume, estava nos montes que dominavam ascoisas l em baixo, da Avenida dos Estados Unidos, de repente comeo

    a olhar para aquelas rvores, para aquele abismo, e vejo um reflexoque a luz tinha deixado numa poa de gua, vejo os prdios reflectidos.De repente, achei que naquele lugar tinha havido um grande conflitoemocional. Peguei no Bragana e levei-o ao stio, e fi-lo ouvir a msicado Paredes. Expliquei-lhe que havia stios onde existia uma espciede memria de um crime, de um facto violento, portanto, com umamancha. De certo modo, foi o momento em que o filme passou a serexemplar. Foi uma mistura inesperada, e, para mim, de repente, fez-seluz. Quando comecei a imaginar as vistas panormicas sobre a cidade,com o casal de namorados a passear, era como se de repente j estivessea fazer o filme, emplayback.

    H um lado um pouco genial do Paredes, que foi histria, aoprincipal, fazer uma sntese fortssima. Um dos temas que eu queria,e a maneira como ele o fez, acabou por me mudar a mim, e minhamaneira de olhar. Acontece que eu estava a experimentar com a IsabelRuth que era uma actriz prodigiosa e continua a ser prodigiosa, capazde coisas absolutamente inesperadas , e ela tirou-me o tapete debaixodos ps; ela tinha uma capacidade de resposta estranhssima, quasenunca obedecia ao que eu queria, fazia coisas diferentes, s que tinhasempre razo. As tripas dela estavam sempre no lugar certo.

    Eu, no fundo, tive muita sorte, pouco merecida, na vida. Muitasvezes movo-me por uma espcie de constelaes de coisas que nopreparei, mas que, quando acontecem, estou ali com alguma atenoe aceito. Aceito, aceito os cruzamentos em frente minha cmara ou minha vida, ou minha imaginao, e coisas que eu pensava mal emgeral penso mal nas coisas de repente passo a v-las de uma maneira

    um bocadinho mais certa. De certo modo, no mereo ter tido estesencontros na vida. No caso deste filme, fizeram-me. So momentos daminha vida que ainda hoje estou a viver, estou ainda a viver Os VerdesAnos. Internacionalmente, Os Verdes Anosest sempre a aparecere sempre rediscutido. As televises estrangeiras, quando o Estadoportugus no d um tosto, l por ser para o Paulo Rocha, porque dOs Verdes Anos, do mais uns tostezinhos. risosNo foi bem o meumrito. Tive a sorte de ter estes encontros estranhos, de esta espciede constelaes ou astros se juntarem, de estas luzes se cruzarem

    minha frente. Eu disse: A minha ideia estava errada e agora est umbocadinho mais certa. Tive sorte. Julgo que, muitas vezes, muitoscineastas tm ideias demasiado quadradas e, quando a vida no lhes d

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    de presente nada de verdade, dizem: Isso no est de acordo com omeu projecto. Tm de ser mais abertos a estes acasos que vm discutirmuitas das coisas que pressentimos.

    Nunca percebi quase at ao fim que o Carlos Paredes era umelemento to forte do Partido Comunista, que ia tocar para os canaviaisda outra banda cercado pela Guarda Republicana. risosOs Verdes Anosforam tocados pela primeira vez, julgo eu, em minicomcios, em barcosescondidos entre os canaviais na outra banda. S agora que percebi,depois de membros do Partido terem dito estar cheios de medo porestarem cercados pela Guarda Republicana. risosNa altura, foi umasorte para o Paredes ter encontrado as pessoas certas para o ouvir, paraouvirem aquela msica. Agora vejo aquele baile no filme, que correumuito bem, aquilo como que se chama aquele grande escndaloda pedofilia? aquilo a Casa Pia. risosEu sabia, mais ou menos, que

    aquele edifcio era um dos primeiros da Renascena em Portugal, agorah os restos, aquelas escadinhas quando eles so expulsos Aceiteifacilmente, no s por o edifcio ser to bonito, mas porque acertavacom aquilo de que eu precisava para filmar aquele bairro popular, e fuiaceitando todas as contradies. Na poca ainda no havia agncias paraescolher figurantes. Era uma poca muito antiga, era quase impossvelarranjar figurantes. De repente, apareceram-me uns grupos, quepassaram a acompanhar as minhas filmagens em frente ao V-V, de diae de noite, e depois a certa altura disseram-me que queriam entrar nos

    meus filmes porque andavam a fazer foto-romances, eram concorrentesmeus. ri-seS que no faziam filmes, tinham figurantes e acabei pormeter grande parte deles no baile e em muitas outras cenas do filme

    verdes anos

    Paulo Rocha em

    rodagem na Avenida

    de Roma com a

    Avenida dos Estados

    Unidos da Amrica

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    o lugar dos ricos e dos pobres

    So acontecimentos Aquilo deu uma verdade, porque, no fundo,teria imaginado um baile e outras cenas muito menos concretas comvontade de espirrar c para fora. Eles eram insuportveis e queriam

    exibir-se durante o baile risosHavia um problema: na altura a IsabelRuth era considerada a melhor bailarina moderna de Portugal, e o RuiGomes era timidssimo, mas nas noites de Lisboa abafava os lugaresonde ia cantar. Eles danavam prodigiosamente, eram especialistasem todas as danas modernas. Ento, eu tinha ali aqueles fulanos dafotonovela que se queriam exibir e me iam estragando o filme, e aIsabel Ruth e o Rui Gomes tiveram de inventar que no sabiam danar ora, era o que eles sabiam melhor, para eles era a coisa mais fcil domundo! risosInterpretar qualquer tipo de dana na moda. Entretanto,das danas da moda, as canes acabaram por ser escolhidas peloParedes, que foi l aojukeboxdizer: Ponha l isto e aquilo Os meiosque nos chegam s mos ou as coisas que nos pem mesa para almoarso completamente contraditrias e nunca esperadas, ou seja, julgo quemuitos dos meus colegas que fazem filmes, s vezes no muito bons, svezes falhados, tm demasiadas ideias fixas, no querem aceitar o quelhes do. A vida de tal modo confusa e rica que, muitas vezes, estosempre a dizer-me que estou errado, que h coisas mais interessantes.Algumas das vantagens dos meus filmes residem nessa capacidade.E, ento, aceito. Muito obrigado.

    12 de Outubro de 2007

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    Os Verdes Anos1963

    Realizao e ArgumentoPaulo Rocha

    Assistente de RealizaoFernando Matos Silva

    (Antnio Vilela, Olavo Rasquinho)

    Adaptao e DilogoNuno de Bragana

    FotografiaLuc Mirot, Elso Roque

    Assistente de FotografiaEduardo Ferros

    CaracterizaoManuel Fernandes

    CabeleireirosCasimiro

    SomHeliodoro Pires

    MsicaCarlos Paredes ( guitarra, Carlos Paredes;

    viola, Fernando Alvim)

    Canes por Teresa Paula (Verdes Anos)

    PoemaPedro Tamen

    ConjuntoJorge Machado

    AnotaoMaria Teresa de Vasconcelos

    InterpretaoIsabel Ruth (Ilda), Rui Gomes (Jlio),

    Paulo Renato (Afonso), Cndida Lacerda (patroa),

    Carlos Jos Teixeira (patro), Irene Dyne (prima),

    Harry Weeland (o americana bbedo),

    Ruy Furtado (Ral), Alberto Ghira

    ProduoAntnio da Cunha Teles

    Assistente de ProduoAntnio Carvalho da Costa

    Laboratrio de FotografiaUlyssea Filme

    CpiaCinemateca Portuguesa-Museu do Cinema,

    35mm, preto e branco, 85 minutos

    EstreiaSo Luiz, Alvalade (Lisboa),

    29 de Novembro de 1963

    dafne editora

    Porto, Janeiro 2014

    CoordenaoJos Neves

    EdioAndr Tavares

    DesignJoo Guedes/Dobra

    Reviso Conceio Candeias

    Dafne Editora

    www.dafne.pt

    Este fascculo integra o livro homnimo

    que publica as conversas de um ciclo

    promovido pelo Ncleo de Cinema

    da Faculdade de Arquitectura daUniversidade Tcnica de Lisboa que

    teve lugar na Cinemateca Portuguesa,

    entre Outubro de 2007 e Maro de 2008.

    Juventude em Marchapedro costa

    manuel graa dias

    Belarminofernando lopes

    alexandre alves costa

    Brandos Costumesseixas santos

    nuno teotnio pereira

    Trs-os-Montes

    pedro costavtor gonalves

    antnio belm lima

    Peixe-Lualuis miguel cintra

    beatriz batarda

    ricardo aibo

    joo lus carrilho da graa

    Tempos Difceisjoo botelhoral hestnes ferreira

    Longe da Vistajoo mrio grilo

    nuno portas

    Agostojorge silva melo

    pedro maurcio borges

    Uma Rapariga no Verovtor gonalves

    duarte cabral de mello

    Recordaes da Casa Amarelamargarida gil

    manuela de freitas

    joo pedro bnard da costa

    joaquim pinto

    O Passado e o Presentemanoel de oliveira

    projecto financiado pela direco-geraldas artes secretaria de estado da cultura apoio edio