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POR UMA POLTICA DE CLASSE UMA INTERPRETAO MARXISTA DO MUNDO GLOBALIZADO

LUCIANO VASAPOLLO1

POR UMA POLTICA DE CLASSE UMA INTERPRETAO MARXISTA DO MUNDO GLOBALIZADO

1 Edio EDITORA E X P R ES S O P O P U LA R So Paulo - 2007

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Professor da Universidade La Sapienza de Roma e da Universidade Hermano Saz Montes de Oca, de Pinar del Rio (Cuba). membro distinto da Anec (Associacin Nacional de Economistas y Contadores de Cuba). Foi vencedor, em 2006, do Concurso Internacional de Ensaio Pensar a Contracorriente. diretor do Cestes (Centro de Estudos das Transformaes Econmico-Sociais) e da revista Proteo. autor e co-autor de mais de 30 livros (diversas publicaes com a Editoriale Jaca Book), alguns dos quais traduzidos tambm na Europa e na Amrica Latina.

Copyright 2007, by Editora Expresso Popular Reviso: Miguel Cavalcanti Yoshida e Geraldo Martins de Azevedo Filho Projeto grfico, capa e diagramao: ZAP Design - Mariana Vieira de Andrade Traduo: Juliana Coli Impresso e acabamento: Cromosete

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorizao da editora. 1a edio:maro de 2007 EDITORA EXPRESSO POPULAR Rua Abolio, 266 - Bela Vista CEP 01319-010 So Paulo-SP Fone/Fax: (11) 3112-0941 [email protected] www.expressaopopular.com.br

SUM RIO

1. INTRODUO .................................................................. 7

INTRODUO: PARADOXOS DO PRESENTE E LIES DE MARX

1. Marx e a atualidade da explorao capitalista Em primeiro lugar, vejamos alguns conceitos-chave da anlise de Marx. Peo desculpas aos especialistas do trabalho e leitores e leitoras que, por profisso, querem se demonstrar sofisticados, porque toda a minha exposio prima pela sntese e, de certa forma, pela aproximao. Nestas pginas, procuramos demonstrar, de maneira simples, a atualidade, a coerncia lgica nas anlises de Marx e a sua grande capacidade de continuar sendo, nos dias de hoje, um pensamento-guia para a superao do capitalismo. Ainda que a economia poltica clssica, a partir de Smith e Ricardo, por um lado, considerasse, de modo revolucionrio, o trabalho como base do progresso humano, identificou contudo o sistema capitalista, fundado sobre a propriedade privada dos meios de produo e sobre o trabalho assalariado, como o nico sistema econmico racional e, por isso, natural.

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A partir desses pressupostos tericos e ideolgicos, colocam-se o estudo e o desenvolvimento do pensamento de Marx. A primeira e fundamental mistificao da economia poltica est, segundo Marx, em tomar um certo tipo de economia, uma formao social particular da reproduo humana, isto , a produo capitalista, como expresso da economia e da sociedade. Desse modo, a economia poltica anterior a Marx no entende o capitalismo como uma relao histrica, como um acontecimento que teve um princpio e que tender certamente a um fim. Para evidenciar essa contradio, Marx, nos seus Manuscritos Econmico-Filosficos, usa os resultados da dura anlise a que a prpria economia poltica aplica sociedade industrial moderna. Marx prova, com bases rigorosamente cientficas, partindo das conseqncias da sua anlise sobre a teoria do valor, que, diferentemente de todas as outras mercadorias, o valor da fora de trabalho composto por dois elementos, incorporando em si a mais-valia. Depois de ter desenvolvido, assim, a teoria da mais-valia, Marx revela, pela primeira vez na histria da cincia econmica, o mecanismo da explorao capitalista de maneira rigorosamente cientfica, partindo da anlise do capital como trabalho apropriado, no pago classe operria. Mas Marx vai alm, mostrando que a apropriao do trabalho no pago aos operrios, pelos proprietrios capitalistas, estava de acordo com as leis internas do capitalismo.

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Isso se torna ainda mais verdadeiro hoje, no momento em que o chamado modelo ps-fordista, tpico da rea central dos pases capitalistas avanados, convive com um tpico modelo ainda fordista da periferia e com modelos de trabalho escravo nos pases de extrema periferia (por extrema periferia entendem-se tambm algumas reas marginais do centro). Tudo isso porque hoje coexistem as diversas faces de um mesmo modo de produo capitalista, baseadas sempre na extrao de mais-valia, que d fundamento explorao capitalista. Nesse sentido, ainda hoje se deve falar em proletariado, classe e movimento operrio. O conceito clssico de trabalho entrou em crise com a chamada economia do capital informao,2 que representa o fundamento do capitalismo ps-fordista. De fato, a criao de valor no se fundamenta mais exclusivamente sobre a explorao do operrio da fbrica fordista, mas ocorre atravs de cada atividade na fbrica social generalizada, sempre atravs da apropriao de mais-valia, de mais-trabalho. A economia da informao controla e desenvolve as possibilidades da acumulao flexvel, submetendo a subjetividade social s regras das tecnologias de informao e de comunicao que hoje em dia dominam no s o tempo de trabalho direto, mas tambm o tempo de vida social em sua totalidade. Por essa mesma razo, assim, na atual fase da competio global, se refora,2

Capital informao aqui entendido como a introduo da comunicao e da informao no mundo da produo, que as converte em mercadoria e valor (nota da edio).

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com todo seu potencial de transformao, a contradio capital-trabalho. Se tudo isso verdade, ento a sociedade capitalista no absolutamente um mundo de relaes harmnicas, mas, sim, o lugar de uma guerra geral, econmica, social, comercial, financeira, militar; e nos dias de hoje tudo ainda mais evidente no mbito de uma desenfreada competio global entre plos imperialistas. Mesmo que os tericos da economia poltica tenham reconhecido algumas vezes esses conflitos, todavia, segundo Marx, no compreenderam que o elemento conflitante a essncia mesma do sistema capitalista; e que todas as fortes divergncias que opem os grupos sociais componentes da sociedade civil encontram sua motivao real e central no conflito fundamental entre capital e trabalho assalariado. De fato, mesmo na fase atual, o modelo de acumulao flexvel tem necessidade da reestruturao e da motivao capitalista, centrado ainda sobre a explorao do trabalho assalariado, com formas diversificadas em escala internacional, que explicam a competio global como conflito aberto entre plos geoeconmicos. justamente na articulao de tais dinmicas econmico-sociais, na possibilidade de superar a sociedade da explorao, que se fazem dominantes as contradies de classe. Isso acontece a partir de algumas caracterizaes que as modalidades da dinmica do desenvolvimento tm assumido, relacionadas ao mbito de uma relao capital-trabalho cujo objetivo final sempre o controle social interno, em cada pas capitalista, e o combate

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externo pela determinao do domnio global atravs do alargamento das reas de influncia geoeconmicas dos trs grandes blocos: Estados Unidos da Amrica (EUA), Unio Europia (UE) e Japo componente asitico. Est, pois, em marcha, um pleno processo de internacionalizao da economia, explicvel no somente pelos fenmenos de reestruturao e reconverso que afetam a indstria, mas tambm pelo modo mesmo de como se apresenta o modelo de desenvolvimento capitalista. Est se consolidando uma lgica econmico-produtiva diferente, baseada em uma nova acumulao generalizada, que inclui mais e diversos modelos de produo e organizao do trabalho que os processos produtivos precedentes, mas que convive com os modelos de tipo industrial, tendo em seu centro o trabalho dependente, assalariado, com lgicas cada vez mais desenfreadas de explorao, com extrao macia da mais-valia absoluta e relativa. Segundo a dialtica hegeliana, essa a nica contradio que leva sua prpria superao. Dado que o capital aumenta e se acumula com a condio de criar um novo trabalho assalariado, pois na subjetividade poltico-social do movimento dos trabalhadores, empregados e desempregados subjetividade que se origina e cresce no conflito capital-trabalho que se conquista a conscientizao de superao do capitalismo.2. A anlise de Marx para a centralidade do conflito capital-trabalho Neste ponto, pode parecer que exista uma ampla convergncia e homogeneidade de vises por parte dos marxis-

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tas, por se tratar de conceitos e elementos conhecidos por qualquer um que j tenha enfrentado o estudo desses temas. Mas no assim! grande a confuso sob o cu da anlise do ps-fordismo e a situao est longe de ser ideal. Os prprios marxistas duvidam no somente da possibilidade mas tambm da necessidade de uma leitura que conceba a maturidade das condies nas quais o capital tem grandes dificuldades de mediar e gerir o desenvolvimento, omitindo, como conseqncia disso, a tarefa irrenuncivel dos trabalhadores que mobilizar-se a favor da transformao das relaes sociais como as de propriedade, para construir outras relaes que tenham como referncia a extino do prprio capitalismo. Desde a apario do livro III de O Capital, surgiu uma srie de contradies e de crticas evidenciando o problema sobre o que seria o valor e de como este se mede, passando pela discusso sobre o valor cientfico da anlise de Marx acerca da explorao, at a crtica da chamada circularidade. Tais argumentos foram por mim acompanhados na jornada internacional de estudos do Laboratrio de Crtica Social, junto Universidade La Sapienza de Roma, por ocasio da apresentao do livro Um vecchio falso problema: la transformazione dei valori in prezzi nel Capitale di Marx (organizado por mim e com ensaios de Carchedi, Freeman, Klimax, Giussani e Ramos. Roma, Editora Mediaprint, 2002). Sem dvida, a partida terica em torno da possibilidade de transformao poltica, econmica e social e da supera-

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o do capitalismo ocorre no terreno da teoria do valor, no suposto problema da transformao dos valores em preos e na anlise atual da forma de trabalho assalariado e de sua consistncia e rigor; em suma, no terreno da anlise cientfica da teoria da explorao. 2.1. Ps-fordismo e modelos de flexibilizao do trabalho e da vida social Para compreender a atual fase da competio global, determinante, como sempre, relacion-la anlise da organizao do ciclo produtivo, das caractersticas do tecido produtivo e social, do papel do Estado, das relaes entre as reas internacionais e da sua estrutura econmica, dos respectivos interesses de domnio e expanso que determinam o conflito interimperialista. Todas elas so problemticas relacionadas entre si e comumente dependentes pela passagem da era fordista chamada ps-fordista. A teoria econmica de Marx, bem como o resto da doutrina marxista no seu conjunto, se caracteriza por uma clara natureza social, por uma tendncia ao, prtica, por uma ntima ligao entre a teoria e a prtica. Conhecer o mundo significa para os marxistas transform-lo. As leis econmicas objetivas da sociedade capitalista se manifestam no curso da luta de classes para a extino do capitalismo. Coube a Engels e a Marx a descoberta de uma teoria econmica e poltica que colocasse por terra os velhos esquemas; uma teoria capaz de se adaptar de forma dialtica em cada momento com a realidade de classe. E isso nos reporta para a

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atualidade de Marx na anlise do atual conflito capital-trabalho, a partir da presente constituio das classes. Percorrendo de modo esquemtico as ltimas fases poltico-econmicas, ocorre, a partir do incio dos anos de 1970, um enfraquecimento entre o sistema produtivo fordista e os modelos keynesianos, pelos quais o Estado realizava uma complexa mediao, regulao, cooptao e compresso dos conflitos sociais. O intenso processo de industrializao fordista se deslocou, assim, para novos mercados, especialmente os do Sudeste asitico e da Europa centro-oriental, aumentando a competio internacional e colocando em questo a liderana estadunidense. Nos ltimos 25 anos, o modelo consolidado de democracia capitalista, nascido nos EUA com o fordismo, em todos os seus diversos modos de se apresentar, dissolveu-se, anulando o conceito de sociedade civil e de civilidade que havia inaugurado o incio da modernidade capitalista, causando o desmembramento de toda a estrutura produtiva pr-existente e destruindo as mesmas formas de convivncia civil determinadas pelo modo de regulao e mediao social keynesiana. Formas de convivncia civil, social e sobretudo econmica que eram internas lgica constitutiva do modo de produo capitalista, de relaes de classe que, no essencial, condicionavam a existncia dos trabalhadores, do mesmo modo como ocorrera algumas dcadas antes da fase atual que denominamos, com ressalvas, de ps-fordista. O esgotamento do modelo fordista originou novos modelos de acumulao flexvel. O princpio que guia esses

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modelos est baseado no fato de que a demanda que determina a produo em relao aos modelos de conflitos globais e de desenfreada concorrncia, mesmo que geralmente imperfeita. Ocorre que, hoje, a competio est baseada mais sobre a qualidade do produto e sobre a qualidade do trabalho. Essa estruturao do capital acompanhada pelo trabalho manual mal pago, descentralizado e cada vez mais no regulamentado, e por servios externalizados com um escasso contedo de garantias, permitindo-lhe um uso no mais baseado nas conexes entre quantidade produzida e preo (elementos tpicos do fordismo). A crise do sistema, devido ao processo de transformao do trabalho na sociedade ps-fordista, pode tambm ser explicada por esse contexto de desenvolvimento do trabalho de prevalente contedo imaterial. De fato, esse tipo de trabalho caracteriza-se, por um lado, de modo extensivo, pela forma de cooptao social que vai alm da fbrica e do trabalho produtivo; por outro lado, de modo intensivo, atravs da comunicao e da informao, recursos do capital abstrato ou intangvel. O trabalho imaterial aqui entendido como um trabalho que produz o contedo informativo e cultural da mercadoria, o qual modifica o trabalho operrio na indstria e no tercirio, subordinando suas tarefas capacidade de tratamento da informao, da comunicao, horizontal e vertical. Mas se trata sempre de trabalho assalariado! Est se configurando um novo ciclo produtivo ligado produo imaterial, que mostra como a empresa e a economia ps-industrial e ps-fordista esto fundamentadas pelo

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capital informacional. Isso provoca uma profunda modificao nas empresas, antes estruturadas nas estratgias de venda e na relao com o consumidor, o que leva a considerar primeiro as questes da venda do produto, deixando para depois as da produo. Tais estratgias se baseiam na produo e no consumo de capital informacional, utilizando a comunicao confusa e o marketing social para recolher e fazer circular informaes para um complexo condicionamento social. No se trata de um simples processo de desindustrializao, de uma das tantas crises do capitalismo, mas de uma radical transformao que envolve a sociedade inteira, que cria novas necessidades, de uma concepo da qualidade do desenvolvimento, da qualidade de vida que induz a coletividade a diversos comportamentos socioeconmicos impostos pela flexibilidade da empresa difusa no tecido social. Esses novos comportamentos diferem daqueles da sociedade industrializada, baseados na centralidade da fbrica e com uma interveno do Estado na economia que, longe de possibilitar outras formas de relaes no capitalismo, tem substancialmente defendido o capitalismo facilitando-lhe a sada das crises. Em particular, pelos resultados das diversas anlises que temos realizado na revista Proteo, organizada pelo Cestes, junto Federao Nacional dos Representantes Sindicais de Base (RdB),3 emerge um setor tercirio que se mescla e3

A Federao Nacional dos Representantes Sindicais de Base (RdB) uma central sindical de base que recusa a ao sindical institucionalizada, burocratizada e negocial, presente nas centrais sindicais tradicionais da Itlia (nota da edio).

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se integra com as demais atividades produtivas, especialmente as industriais. Por isso, vai se definindo um novo modelo espacial de desenvolvimento, o qual definimos, em outros estudos, como tecido de nveis mltiplos de irradiao terciria, e que se associa flexibilizao da vida social imposta por uma empresa difusa socialmente no sistema territorial. Trata-se de um tercirio que acompanhado por externalizaes do ciclo produtivo e pela flexibilizao generalizada, com grande capacidade de arrastar consigo o conjunto do desenvolvimento econmico, no sendo explicvel somente por simples processos de desindustrializao ou de reestruturao e reconverso industrial, mas por exigncias de reestruturaes e diversificaes geradas pelo prprio modelo contemporneo de capitalismo. Dessa anlise resulta que nos encontramos em uma fase de transio ainda em vias de definio, mas que apresenta contornos bem claros. Se existe um aumento da produo dos servios em relao produo de bens materiais, isso ocorre por meio de processos de externalizao de servios e fases do processo produtivo de baixo valor agregado, baseado em um contexto de superexplorao do trabalho. Um trabalho comumente relacionado aos processos de desterritorializao internacional que busca formas de trabalho desprovidas de direitos e de baixos salrios; isso acompanhado por uma grande presena de trabalhos intelectuais e tcnico-profissionais, na maioria das vezes to precarizados quanto os manuais e repetitivos. Tudo isto ocorre sempre em relao aos processos de valorizao do capital, a partir de sua relao de classe opos-

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ta ao trabalho vivo, reproduzindo trabalho assalariado com o objetivo de se multiplicar. No se trata, porm, de ignorar as mudanas intervindas nos processos produtivos e nas configuraes da subjetividade do trabalho, do no-trabalho, do trabalho negado, mas de confirmar que a crise do capitalismo crise de superproduo, de acumulao, de expanso tem sempre como possibilidade ltima de sada, a potencialidade crtica do trabalho assalariado, a partir de um grande movimento sindical atravs e pelos processos de recomposio de classe, isto , de todo o segmento social que, de diversas formas, est submetido s condies de explorao do capitalismo, nos locais de trabalho e na vida social como um todo. Nesse sentido, um papel importante e de ruptura se desenvolveu h muito pelos sindicatos de base, em particular pela Federao Nacional dos Representantes Sindicais de Base (RdB), que fazem da independncia, da autonomia e da relao de classe o centro da iniciativa poltico-sindical. 2.2. Do Estado de bem-estar social de mediao e cooptao do conflito ao Profit State4 da cultura de empresa Em meio s transformaes at aqui descritas, vem sendo contestado o papel do Estado intervencionista, regulador do conflito social atravs das polticas keynesianas, o

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Profit State, compreendido como Estado-empresa, que assume cada vez mais a lgica do mercado, conforme ser explicado neste item (nota da edio).

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papel de um Estado de bem-estar social que, na era fordista, teve a tarefa de redistribuir as rendas, graas fora do movimento operrio, que imps polticas de redistribuio e aumento dos montantes salariais gerais (salrios diretos, indiretos e deferidos). Tudo isso sempre no interior do capitalismo e das mesmas relaes de produo capitalistas, configurando assim o desenvolvimento de relaes sociais mediadas pelo Estado e utilizadas como elemento de controle de antagonismos, de compresso e de cooptao do conflito social, para evitar (e o capital, na realidade, nisso obteve xito) a afirmao de relaes que pudessem prefigurar novas formaes sociais. Ou melhor, a interveno do Estado na economia no pde nunca prefigurar outras relaes paralelas ao capitalismo, nem ao menos uma forma de relaes que se colocasse fora ou alm do capitalismo, porque o Estado de bem-estar social no outra coisa seno uma conseqncia, uma forma ou modo de apresentar as relaes e as formas de ser do capitalismo, em um momento em que as relaes de fora entre capital e trabalho eram majoritariamente, em relao a hoje, favorveis ao movimento dos trabalhadores. Isso ainda mais verdadeiro nos dias de hoje, numa fase em que a interveno do Estado na economia, ou mesmo o Estado de bem-estar social, no so mais compatveis com os paradigmas do desenvolvimento neoliberal. O empreendedor tem como objetivo principal o de maximizar seus benefcios, o que na produo fordista se realizava, sobretudo, atravs do crescimento do Estado de

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bem-estar social, que consentiu s classes menos favorecidas o acesso ao consumo e compra (o salrio representava um custo, mas tambm um ganho), sempre no mbito de uma sustentao da demanda e do consumo centrados na venda dos produtos do trabalho como mercadoria. No momento em que isso significou o usufruto de servios sociais aparentemente gratuitos (escola, sade etc.), s foram proporcionados tais direitos por meio de uma reapropriao dos salrios indiretos, de parte da mais-valia extrada em uma fase em que as relaes de fora permitiram uma redistribuio mais favorvel aos trabalhadores. Na nova situao, mais favorvel ao capital, a margem de tratativa e de impacto do movimento operrio foi diminuda, e o salrio tornou-se somente um custo a ser reduzido tanto quanto possvel.Por essa razo, o Estado de bem-estar social, seja como distribuidor de renda por meios de fiscalizao, seja como criador de rendas, representa para o capitalista ps-fordista um fator de incmodo a ser eliminado. De um lado visto como a causa do custo excessivo do trabalho (encargos sociais e retenes fiscais) e, por outro lado, como a causa do custo excessivo do dinheiro (aumento das taxas de lucro para atrair investimentos para o dbito pblico) (...). O sistema de produo just-in-time vive da autonomizao do mercado, os gostos e o poder aquisitivo de cada pessoa so decisivos, so identificados, investigados e, to logo se manifestem, so satisfeitos rapidamente.5

So provocados, dessa maneira, notveis incrementos de desemprego visvel e invisvel, precarizao do trabalho,5

MARAZZI, C. Il posto dei calzini. Bollati Boringhieri, Torino, 1999, pp.106-107.

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negao das garantias sociais e das regras elementares do direito ao trabalho, em um territrio que se transforma em fbrica social, como lugar de experimentao e afirmao das compatibilidades da empresa. Nesse contexto de transformao global e de reestruturao capitalista, o Estado de bem-estar social transforma-se em Estado-empresa, em Profit State, e, assumindo como central a lgica de mercado, transforma os direitos sociais em doaes de beneficncia, divulgando comunicaes sociais que impulsionam os conceitos de benefcio, flexibilidade e produtividade como uma nova forma de divindade social, como filosofia inspiradora do nico modelo de desenvolvimento possvel. Tudo est centrado na precarizao das relaes de trabalho, na negao das garantias, na alta mobilidade e flexibilidade do trabalho, impostas atravs da poltica econmica e cultural do Profit State, da adaptao ativa de novos sujeitos do trabalho e do trabalho negado aos horizontes organizativos e econmico-culturais da atual fase do desenvolvimento capitalista. 2.3. Ps-fordismo, centralidade do trabalho assalariado, recomposio de classe e novo movimento operrio Atravs de um procedimento objetivo e cientfico, possvel analisar em um mesmo mbito de estudo a anlise econmica internacional e nacional, para verificar a modalidade de estabelecimento do sistema econmico espacialmente concentrado, especializado em um certo setor ou em certas modalidades produtivas, relacionando-o a uma

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populao social e territorialmente caracterizada de maneira coerente. A ameaa iminente do aumento do desemprego, em particular com a coexistncia da desocupao conjuntural e estrutural, a financeirizao da economia, o paradigma da acumulao flexvel da assim chamada era fordista devido automatizao da produo e intensificao do trabalho tudo isso exerce uma influncia substancial para gerar uma situao mundial pior s classes trabalhadoras. A incerteza da existncia, acenada por Engels, acentua-se. Esses fatos objetivos so uma confirmao convincente da validade da teoria marxista do empobrecimento absoluto e relativo. Por isso, o desenvolvimento do capitalismo contemporneo corrobora inteiramente uma tese fundamental de Marx, aquela da intensificao do processo de proletarizao no seio da sociedade capitalista, de incremento, ou mesmo de formas diversas e articuladas, do trabalho subordinado, do trabalho assalariado, do segmento social submetido explorao do capitalismo. Nesse sentido, o proletariado o movimento operrio que se faz classe como subjetividade poltico-social, no momento em que assume a conscincia do prprio papel de antagonista e de sujeito da transformao. A atual questo econmico-social do trabalho no est somente relacionada ao desemprego, cada vez mais de carter estrutural, mas diz respeito a uma srie de problemas de carter quantitativo e qualitativo e, assim, das novas formas de trabalho, do trabalho negado e do no-trabalho, figuras internas ao modo de produo capitalista. O problema do

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trabalho existe tambm para aqueles que esto empregados, dado que se trabalha sempre mais e em condies mais precrias, sem proteo, com menores salrios sociais absolutos e relativos para o trabalho individual e com altos nveis de mobilidade e intermitncia. Hoje, a grande maioria da populao dos pases capitalistas se compe de trabalhadores assalariados; o trabalho assalariado constitui uma das bases do capitalismo, em escala muito maior do que nos tempos de Marx, no interior dos processos e das dinmicas de funcionamento do modo de produo capitalista de sempre. As mudanas mais recentes na estrutura da classe trabalhadora indicam a extrema importncia da categoria de trabalhador coletivo, introduzida e analisada em O Capital. Tal categoria compreende os trabalhadores do trabalho manual e intelectual que participam diretamente na fabricao de um produto (bens ou servios) e so, em relao ao capital, trabalhadores assalariados, trabalhadores subordinados, o segmento social subordinado aos ditames do comando do modo de produo capitalista, centrado na explorao sobre a valorizao do capital a partir da sua relao antagnica com o trabalho vivo. As tendncias atuais, com o aumento do nmero de trabalhadores assalariados empregados margem da produo material propriamente dita, o aumento do nmero dos trabalhadores informais, dos flexveis, dos trabalhadores precarizados, dos temporrios, dos atpicos em geral, o aumento da taxa de trabalho intelectual, ou do suposto traba-

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lhador autnomo, na composio do trabalhador coletivo, esto longe de testemunhar a desproletarizao da classe operria, ou da classe trabalhadora em geral. Por isso, apesar da paisagem da era fordista, na assim chamada era ps-fordista (do trabalhador de massa ao trabalhador social, da centralidade da fbrica fbrica social generalizada, dos macaces azuis aos colarinhos brancos, do trabalho manual aos trabalhadores da conscincia e da inteligncia), inclusive nos pases de capitalismo avanado, permanece cada vez mais vivo o trabalho assalariado, como forma sofisticada e incisiva de explorao. Assim, somam-se a essa fase a presena de novas identidades sociais na cena econmico-social, novas figuras que devem se reagrupar em um projeto de recomposio e organizao do conflito capital-trabalho a partir de uma ofensiva por parte dos trabalhadores, numa nova configurao das lutas em massa, de um novo sujeito que outra coisa no seno o atual modo de ser e de se apresentar do movimento operrio. Trata-se de ampliar o horizonte a partir da superao dos conflitos sociais entre a classe operria propriamente dita, os intelectuais, as novas figuras do trabalho negado, do notrabalho, e aproximar esses grupos sociais na sua luta para a emancipao social; reencontrando nos fatos e no conflito social capital-trabalho, a superao pela luta dos esquemas de fim do trabalho, decretados tambm por alguns estudiosos de origem marxista. Mas de qual fim do trabalho falam? Hoje, cada vez mais viva a anlise cientfica de Marx sobre o trabalho assa-

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lariado, a proletarizao e o empobrecimento, absoluto e relativo, de estratos cada vez maiores na sociedade capitalista avanada; para no falarmos de nveis de escravido, de feudalismo e de misria absoluta no terceiro e no quarto mundos. |Novos embates entre as classes sociais ??? sem nesses processos trazendo tona novos valores e comportamentos, orientados e derivados da presena de um modelo de desenvolvimento que, atravs da reestruturao da empresa e do capital, incide profundamente sobre o territrio recriando as contradies e o confronto entre capital e trabalho, que, longe de perder o seu potencial, apresentase com toda a sua fora nessa nova dinmica de recomposio das classes. Tais processos necessitam de uma leitura poltica mais distinta e articulada, necessitando de novas lgicas interpretativas, de novos instrumentos analticos, at ento ignorados no contexto industrial da era fordista, para resgatar uma nova fase do conflito de classes, de forma consciente e correta na anlise de Marx, nesta fase do desenvolvimento capitalista. Nesse sentido, frente s divagaes dos arautos do fim do trabalho assalariado ou do fim da centralidade do movimento operrio e da superao dos conflitos de classes, consideramos a vigncia das categorias marxianas, a partir da centralidade de um movimento operrio que ainda o sujeito no interior das relaes de classes, e que se expressa pela subjetividade poltico-social dos segmentos sociais submetidos explorao capitalista (Antunes, 2006).

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3. Velhos e falsos problemas no obscurecem a clareza e a atualidade de Marx E foi o prprio Marx que revelou a tendncia objetiva da produo capitalista para a explorao mxima da classe trabalhadora e a centralidade da contradio de classes. Tudo isto foi verificado e se verifica no curso de toda a histria do capitalismo e, por conta do que vimos expondo at aqui, ainda mais na atual fase em que convivem formas de produo de tipo fordista com aquelas denominadas ps-fordistas, recuperando modalidades de intensa explorao do trabalho, quase escravistas, tanto na periferia quanto nos pases centrais, lderes do capitalismo. O que caracterstico do modo capitalista de produo no o fato de que exista explorao de uma parte da populao por parte de outra, mas a forma que assume essa explorao, isto , a produo de(...) mais-valia atravs da qual o capitalista no paga nenhum equivalente. nessa forma de troca entre capital e trabalho, na qual se baseia a produo capitalista, ou o sistema de trabalho assalariado, que deve reproduzir continuamente operrio como operrio e capitalista como capitalista.6

Um dos grandes resultados das anlises econmicas de Marx o denominado paradoxo do lucro: o lucro no tem origem na troca, mas provm do fato de que as prprias mercadorias se vendem ao seu valor.7 Por outro lado, no li6

7

Cf. Prefcio do livro: VASAPOLLO, L. (org.) Un vecchio falso problema: la trasformazione dei valori in prezzi nel capitale di Marx. Roma: Edit. Mediaprint, 2002. Sobre essas e outras consideraes, ver Prefcio de Un vecchio falso problema..., op. cit..

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vro III de O Capital, Marx evidencia que no custo do produto esto todos os elementos constitutivos do seu valor, pagos pelo capitalista ou por aqueles que colocaram na produo um equivalente; assim, esses custos do produto devem ser reintegrados para permitir ao capital conservar e recuperar a sua entidade original. A partir do exposto, possvel intuir que o lucro no outra coisa seno a mais-valia. Mais exatamente, o lucro a forma fenomnica da mais-valia, isto , o resultado geral do capital antecipado. Mas no captulo 9 do livro III de O Capital, que tradicionalmente se tem buscado a explicao de Marx na formao de uma taxa geral de lucro (taxa mdia de lucro) e transformao dos valores das mercadorias em preos de produo, partindo do presuposto de que os preos de produo no so outra coisa que os preos realizados, fazendo-se a mdia das vrias taxas de lucro dos diversos mbitos produtivos e somando-se tais mdias aos preos de custo sustentados pelos mesmos mbitos produtivos que temos a definio clssica de preo de produo. esse um problema fundamental para a anlise atual do modo de produo capitalista e da centralidade da categoria de explorao na relao capital-trabalho, problema do qual estudiosos como G. Garchedi, A. Freeman, A. Ramos e A. Kliman vm se ocupando h anos, nos oferecendo algumas respostas no livro Un vecchio falso problema..., j citado, no qual desmontam completamente as crticas que consideram esse problema como inexistente, esclarecendo que a trans-

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formao dos valores em preos j foi resolvida por Marx no Livro III de O Capital. Nesse sentido, foi muito til a publicao do manuscrito original de Marx em 1992 na Mega (obra aqui indicada nas referncias bibliogrficas). Os autores de Un vecchio falso problema... enfrentaram mais uma vez os crticos com pacincia, seriedade e rigor cientfico, tambm pela escolha de uma linguagem sensvel e acessvel, confirmando a coerncia formal e substancial do conjunto das sistematizaes de Marx. Os preos de produo, assim, se baseiam no fato de que existe uma taxa tendencial geral de lucro, a qual, por sua vez, se baseia no fato de que as taxas de lucro de cada mbito produtivo j foram transformadas em outras taxas mdias de lucro. possvel assim reconstruir uma formulao coerente da teoria marxista do valor que no seja corrompida pelo suposta transio traumtica (como vem os crticos de Marx) do capital em geral aos capitais particulares. A mais-valia pode tambm assumir a forma modificada de lucro, ou a taxa de lucro assume a forma modificada de taxa de mais-valia, mas essa evoluo, explica Marx nos Grundrisse, se realiza somente na anlise de numerosos capitais (reais) e no tem ainda lugar aqui, seno no momento em que entra em cena uma taxa mdia de lucro e a transformao do valor em preo, determinada pelo regime de concorrncia, que no tomado em considerao pela anlise no capital geral. Por outro lado, nos explica Marx, para fazer uma anlise cientfica do verdadeiro desenvolvimento do capital, para analisar a relao capital-trabalho e o desenvolvi-

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mento da mais-valia como eixo fundamental do modo de produo capitalista, no se pode e no se deve partir de numerosos capitais reais, mas do capital, isto , aquele de toda a sociedade, como bem explicam os Grundrisse: a introduo de numerosos capitais reais no afeta a nossa anlise. Ao contrrio, a relao entre numerosos capitais tornar-se- clara somente quando colocarmos em evidncia aquilo que todos tm em comum, ou seja, que so capital. Nesse desenvolvimento de momentos sucessivos, mas estruturados, parece ser possvel encontrar uma explicao adequada da presumida contradio entre o I e o III Livro de O Capital. Marx demonstrou claramente que o lucro tem origem na mais-valia e que o sistema dos preos explicado como expresso fenomnica da lei do valor. E se as mercadorias no so trocadas pelo seu valor porque realizada uma troca de produtos em contrapartida de capitais-ttulos utilizados para distribuir a massa de mais-valia entre os capitalistas. Se efetuarmos uma reconstruo filolgica coerente dos textos marxianos, algo possvel graas aos textos da Mega, possvel sustentar que muitas das interpretaes tradicionais da transformao dos valores em preos estejam ligadas a uma incompreenso de alguns pontos tericos fundamentais (quando no, em certos casos, a leituras que colocam em discusso a validade do sistema marxiano para a construo da possibilidade da superao do capitalismo). As respostas de Kliman, Freeman, Carchedi, Ramos, alm de Callari e de De Angelis, tm sido muito pontuais, e

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algumas delas podem ser encontradas de maneira mais abrangente no livro citado. E, quanto s crticas, os nossos autores respondem com a sua Interpretao temporal de sistema nico (TSSI, de Temporal Single-System Interpretation, no original em ingls). Para concluir, se os vrios crticos, incluindo aqueles presentes na jornada de estudos do Laboratrio de Crtica Social, da Universidade La Sapienza de Roma, tivessem apresentado a sua modelstica empregando um formalismo diferente, em que os preos dos insumos no se determinam simultaneamente com o preo dos produtos, mas se tivessem levado em conta as variveis do tempo, ento no somente teriam provado os resultados das transformaes dos valores em preos de modo formalmente rigoroso e cientfico, mas teriam tambm entendido que o problema da transformao um problema inexistente, confirmando a coerncia lgica, a cientificidade e a atualidade da anlise de Marx. Os valores do enfoque temporal so introduzidos pela primeira vez e sistematicamente no debate italiano, preenchendo uma lacuna que ajuda os marxistas. No existem mais desculpas para continuar a ignorar as contribuies do enfoque temporal e quem o fizer no poder mais apelar para a prpria ignorncia, mas dever admitir a prpria interpretao interessada em demolir as interpretaes marxistas. E partindo dessa questo, da coerncia lgica, completa e cientfica de Marx, que possvel sustentar as idias dos pargrafos precedentes.

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A anlise que efetuamos no Cestes sobre a atual crise do capitalismo crise tambm de superestrutura, de acumulao, de expanso e de demanda serve tambm para evidenciar, como dito antes, que o chamado ciclo ps-fordista da fbrica social generalizada cria, entre outras conseqncias, um desemprego estrutural e inumerveis formas de trabalho atpico e flexvel, catalogveis entre o trabalho assalariado, desde o emprego fixo at as piores formas de contrato, todas submetidas s leis do comando capitalista enquanto sujeitas explorao no modo de produo capitalista. Mas tudo isto serve para identificar, na relao de classes, a condio de sujeito e a subjetividade antagnica capaz de construir a possibilidade de superao do capitalismo a partir do papel do novo sujeito proletrio. E, a esse respeito, no se sustentam, nem por lgica e nem por fatos, a negao do sujeito proletrio na era do ps-fordismo e do capitalismo maduro, porque isso serve somente para negar a centralidade do conflito capital-trabalho e a centralidade do movimento operrio, para colocar em questo o conjunto do sistema de Marx para descrever o processo de acumulao. E que fique claro no se tratar aqui de copiar a-criticamente os ditames do socialismo real do sculo 20. No, a questo bem outra! Trata-se de afirmar como vlido ainda hoje o movimento operrio como classe de assalariados, dos submissos ao comando do capitalista, nas diversas formas que hoje o trabalho assalariado possa assumir, e afirmar o processo de recomposio de classe atravs do reconhecimento da subjetividade proletria, do pro-

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letariado como sujeito poltico revolucionrio, como populao submetida explorao capitalista.4. A possibilidade de superao do capitalismo se constri dentro da relao de classe luz do exposto, entendemos que a tarefa de quaisquer estudiosos escrupulosos, honestos e coerentes, seja a de afirmar com fora a vitalidade cientfica e atual de Marx e, se marxistas, de reivindicar a sua aplicao prtica concreta. As transformaes estruturais que esto caracterizando o sistema socioeconmico so sobretudo transformaes que nascem da contnua interao do novo tercirio ps-fordista com o resto do sistema produtivo em todo o territrio, porque se trata de transformaes nascidas da exigncia de redefinio produtiva e social do capital. Por isso, necessrio analisar de forma bem minuciosa a distribuio espacial da atividade, confrontando a perspectiva de numerosos capitais com a anlise territorial particularmente em seus aspectos sociais, polticos e econmicos. As novas formas do trabalho assalariado, que exprimem a subjetividade poltico-social na relao de classe do novo movimento operrio, se entrelaam com as novas modalidades empresariais, que, cada vez mais, se configuram em formas ocultas de trabalho precarizado, sem garantias, de trabalho autnomo de ltima gerao, formas que mascaram a cruel realidade de sua expulso do ciclo produtivo. O territrio torna-se o centro para o qual converge uma parte relevante dos interesses da coletividade, da classe, das

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novas formas de submisso que operam em uma empresa difusa socialmente no sistema territorial. Uma modalidade do desenvolvimento capitalista onde so gerados novos sujeitos que devem se recompor em uma unidade como corpo organizado, uma totalidade das partes que interagem com os novos sujeitos de classe, que do uma certa caracterizao social porque derivam de uma certa caracterizao produtiva de reconverso neoliberal, do modo de produzir socialmente a centralidade da empresa, do lucro, do mercado; em um modo caracterizado to-somente pelo valor universal do mercado e do lucro, ao qual o indivduo deve aspirar e tornar-se objeto ativo em tal construo social. Tal projeto s possvel de ser derrotado a partir de uma nova fase do conflito capital-trabalho, construindo a conscincia e a conscientizao de um processo antagonista para a transformao social; uma nova fase do conflito no qual a classe dos subordinados ao comando capitalista, como sujeitos do trabalho e do trabalho negado, como sujeitos explorados em cada fase da vida social, assumem a conscincia do seu papel. Isto , uma subjetividade interna relao de classe como veculo de comunicao social deve levar a conscincia aos diversos mbitos sociais da subsuno das foras produtivas, da sua socializao com o objetivo de construir processos de transformaes reais que se orientem para a superao do capitalismo. De tudo isso, possvel deduzir que a libertao de todos os sujeitos submetidos ao comando e explorao capitalista, atravs da construo de um forte movimento operrio no

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interior de grandes movimentos sociais antagonistas de massa, s possvel mediante a superao do modo de produo capitalista. Essa deduo tinha e ainda tem uma importncia muito grande porque coloca decididamente em discusso cada espcie de iluso sobre a superao da contradio capitaltrabalho no interior do modo de produo capitalista. bom recordar que o empresariado, como instituio econmica capitalista, age no interior de instituies econmicosociais, desenvolvendo uma atividade intencional direcionada prtica dos prprios processos decisrios, com a finalidade de realizar determinados objetivos preestabelecidos de eficincia empresarial adaptados ao conjunto das condies sociais e ambientais, buscando sempre a compatibilidade com o mercado e o lucro. Nessa chave de leitura, a funo de classe dos empreendedores pode subsistir para alm da maior ou menor presena da estrutura de empresa, entendida em seu sentido clssico. O empresariado, a precarizao do trabalho, a flexibilidade do salrio, a ocupao eventual, em suma, a nova liderana, o teletrabalho, o trabalho intermitente, a multifuncionalidade do trabalho, a fbrica difusa e integrada, representam a verdadeira participao dos trabalhadores para o aumento da produtividade. flexibilidade empresarial generalizada no social soma-se a determinao de novas modalidades de acumulao flexvel do capital, alimentadas com maior quantidade de trabalho social geral, e captadas mediante distintas modalidades tecnolgicas e de retribuies, atravs da funo desempenhada pelo Profit State.

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As vrias formas de trabalho cooperativo e associativo tm levado a uma diminuio dos direitos sindicais conquistados atravs de longas lutas dos trabalhadores, tornando agudas as situaes de desvantagens sociais do desenvolvimento e realizando um bloqueio social por meio de um verdadeiro modelo associativo centralizado nas relaes industriais com objetivos exclusivos para melhorar o desempenho da empresa, gerando a ruptura da solidariedade e da unidade de classe dos trabalhadores. Mas, por detrs dos incentivos extraordinrios e dos prmios de produo, do trabalhador acionista, do trabalhador autnomo de ltima gerao, do to exaltado desenvolvimento do empreendimento local, da exploso da populao de empreendedores sem nimo de lucro, da cooperao social, dos apelos ao keynesianismo transformador e capaz de criar outras relaes que no capitalistas, no h outra coisa a no ser o modo atual de ser das relaes e do sistema produtivo no modo de produo capitalista, que cria falsos mitos com a finalidade de esconder as suas prprias contradies. O reconhecimento, por parte dos trabalhadores, da possibilidade de participar do jogo de redefinio dos mecanismos de controle, de governo, da economia (pensando nas grandes vantagens adquiridas pelo capitalismo atravs do keynesianismo e do Estado de bem-estar social), tambm realizado atravs de momentos de cooperao e de coparticipao fictcia da propriedade, envolvendo os trabalhadores nas escolhas da administrao econmica, por meio de falsos processos de democratizao do sistema em-

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presarial e do sistema econmico em seu conjunto. So colocadas em prtica, assim, interpretaes da democracia econmica, baseadas em modelos associativos e coercitivos das relaes sociais e econmicas centralizadas na eficincia de empresa; modelos e relaes que no colocam nunca em discusso as problemticas de redistribuio dos poderes e dos processos de deciso, mas, ao contrrio, reforam a formao coletiva do capital e os processos de acumulao. Isso no significa uma no-aceitao no plano de reivindicaes e de conquistas graduais, mas sua prtica leva a um reformismo estrutural, mantendo-se ao mesmo tempo a finalidade da estratgia de transformao econmico-social ciente, por exemplo, de que os modelos de co-participao propostos no quadro do desenvolvimento capitalista servem exclusivamente para sustentar o capital e permitir a sua valorizao e multiplicao. fundamental, para isso, a retomada da iniciativa do novo movimento operrio, que deve compreender todas as lutas de massa dos sujeitos do trabalho negado, por movimentos antiglobalizao e contra o neoliberalismo e por outros movimentos sociais de antagonismo, como aqueles contra a guerra, ou atravs de um forte e determinado movimento sindical que, a partir do estmulo e do papel avanado do sindicalismo de base, saiba ampliar a rea de no-negociao de conflitos com o objetivo de identificar velhas e novas necessidades e reivindicar para si espaos sempre maiores de cidadania social. Com isso retoma-se a iniciativa para uma nova fase do conflito social, a partir da recuperao da luta de massas no terre-

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no da defesa dos direitos e do direito ao trabalho, das lutas por aumentos salariais, para uma melhor qualidade de vida, por uma reduo do tempo de trabalho sem reduo do salrio, contra a flexibilidade e a precarizao do trabalho, do salrio e da vida social, por uma renda social mnima a todos os desempregados, aos trabalhadores precarizados e aos aposentados com penses nfimas. Tambm pela defesa dos espaos de democracia, pelo retorno do papel de um Estado intervencionista na economia e criador de empregos, que, mediante a ampliao do gasto social e reforo do Estado de bem-estar, proceda a uma profunda redistribuio de renda em benefcio de todos os trabalhadores, que tenham seus empregos e direitos sociais garantidos em uma nova cidadania. Mas preciso estar ciente de que a recuperao de tais iniciativas de lutas sociais e do trabalho deve levar a um novo protagonismo poltico de massa, que parte vital para reforar todos os novos movimentos antagonistas, tendo como centro o confronto capital e trabalho, desencadeado tanto pelos sujeitos do trabalho quanto pelos desempregados. assim que, enquanto se reivindicam maiores direitos, melhores salrios diretos, indiretos e deferidos, maior democracia, se constri ao mesmo tempo a subjetividade poltico-social que capaz de conquistar conscincia no terreno da superao do capitalismo, para a construo de uma nova formao social, que desenvolva relaes no interior do horizonte do socialismo. Para que tudo isso seja feito, necessrio desenvolver anlises que refaam completamente os trs fulcros basilares

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da obra de Marx: a anlise da economia nos termos do valor, como expresso socialmente determinada do trabalho humano; a anlise das dinmicas da sociedade e da possibilidade das transformaes, nos termos de classes sociais economicamente determinadas no conflito capital-trabalho; e, por ltimo, a dialtica como mtodo de pesquisa e de anlise.

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PRIM EIRA PARTE

A NOVA FASE DA M UNDIALIZAO C APITALISTA

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1. A ATUAL FASE DO I M PERIALIS MO: REDEFINIES E CONTRADIES NAS HIERARQUIAS INTERNACIONAIS

1.1. Mundializao neoliberal e novas ordens econmico-produtivas Hoje a chamada globalizao neoliberal que se manifesta em um nico e especfico mbito de representao do mundo de produo capitalista, por meio da diviso internacional do trabalho, ou seja: da distribuio das cadeias de produo em diversos pases nas fileiras produtivas internacionais, dos fluxos de troca, da financeirizao da economia e da denominada interdependncia entre os diferentes pases, que no seno um novo modelo e processo de concorrncia entre eles. Mas, a chamada globalizao neoliberal uma tentativa do capital de resolver as crises de acumulao que se apresentam com toda a sua fora desde os anos de 1970, determinando assim a estrutura e a dinmica tambm do atual modo de apresentao do imperialismo. Os pases imperia-

listas devem responder ainda mais aos processos do capital financeiro internacional, o que, mais do que antes, um meio de se manifestar o carter mundial do capitalismo mediante a sua busca por lucros extraordinrios. Por isso a anlise de Marx sobre o modo de produo capitalista, com a explicao cientfica da explorao e da crise, e o sistema terico de Lenin sobre os elementos caractersticos do imperialismo so plenamente vlidos e coerentes para explicar a atual fase do desenvolvimento capitalista e dos conflitos interimperialistas. As novas tecnologias de comunicao permitem transcender as especificidades das organizaes produtivas locais e as relaes no mais se definem apenas entre Estados nacionais individuais, mas entre grandes reas geoeconmicas. Isso vai determinando uma forte caracterizao do nomadismo internacional das empresas, que tambm, atravs das fileiras produtivas internacionais, desenvolvem formas de empregos com salrios baixos e com garantias mnimas, geradoras da precariedade e da diferena cada vez maior de salrio e de renda entre os prprios trabalhadores (intelectuais e especializados, manuais e repetitivos), alm do desemprego estrutural. A revoluo informtica e a difuso de novas formas de organizao do trabalho no derivam de um bom funcionamento do capitalismo, mas de sua crise: como um modo para recuperar a taxa de lucro com o aumento da produtividade do trabalho e a criao de novos mercados. Enquanto, no final dos anos de 1970, Keynes e a planificao econmica influenciaram a economia, a partir dos

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anos de 1980 e 1990, o monetarismo tem sido dominante e, com ele, o mercado sem vnculos. A acumulao flexvel (assim chamada por David Harvey) confronta-se diretamente com a rigidez do fordismo; trata-se da flexibilizao dos processos produtivos, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos modelos de consumo que determinam mudanas no processo desigual de desenvolvimento entre setores e regies geogrficas, com um aumento vertiginoso no setor de servios e o nascimento de indstrias em regies subdesenvolvidas. O aumento da competitividade, da automao, o crescimento do capital constante e a reduo do capital varivel fazem com que a contradio que alimenta a queda da taxa de lucro tenda a se recompor em escala cada vez maior, impulsionando e potencializando o processo de mundializao. Mesmo assim, sempre maior a massa de capital que no encontra suficiente remunerao nos processos produtivos normais e que se dirige para a especulao financeira. Assim, no parece que estejam superadas as condies que definem o imperialismo, segundo Lenin. Portanto, as condies tpicas do imperialismo se fazem presentes no novo regime de acumulao, que tem como centro o paradigma da flexibilidade. O ps-fordismo est presente nas reas e setores mais avanados, centrado nas fases de produo de alto valor agregado, com grande presena de diferentes tipos de servios em ambientes econmico-produtivos fortemente terceirizados, pelo uso macio de capital intangvel e aplicao direta

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na produo de recursos relacionados aos processos de comunicao. Existe uma particular realizao de dinmicas de acumulao caracterizadas fortemente pelo capital imaterial, que Lenin define como uma fuso do capital bancrio com o capital industrial, e a formao, na base desse capital financeiro, de uma oligarquia financeira. De fato, as repetidas crises financeiras que tm caracterizado estes ltimos 20 anos (crise asitica, crise dos pases sul-americanos etc.), revelaram o quanto vulnervel o mercado dos capitais, o que ainda mais acentuado pela unificao internacional. Entre 1980 e 1990, verificou-se um intenso aumento das transaes internacionais, um estancamento econmico devido superproduo e a um baixo consumo, que provocou a reduo da explorao da capacidade produtiva e uma diminuio dos lucros das empresas que comearam a destinar seus fundos para o exterior em particular para a especulao financeira internacional. Isso o que Lenin definia como a grande importncia adquirida pela exportao de capitais em relao s exportaes de mercadorias. No mercado produtivo, por exemplo, as empresas passam de uma estrutura horizontal a uma estrutura de tipo vertical, com a conseqente segmentao e concentrao da produo e do capital. O lugar onde a produo se realiza determinado pelo custo de trabalho, pela especializao dos trabalhadores, pelas infra-estruturas. O deslocamento geogrfico no est mais relacionado explorao de recursos minerais para influen-

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ciar o nascimento e o desenvolvimento das instalaes produtivas, mas aos fatores econmicos e sociais ligados s dinmicas do custo do trabalho e aos processos de criao de monoplios. A isso Lenin descrevia como concentrao da produo e do capital, que alcana um tal nvel de desenvolvimento capaz de criar os monoplios que exeram um poder decisivo na vida econmica. No mercado financeiro, por sua vez, a globalizao tem sido mais impressionante e, todavia, seguramente a melhor evidncia da realizao das condies explicitadas por Lenin em sua definio do imperialismo. A diferena entre o aumento das exportaes de mercadorias, o crescimento e a movimentao dos capitais foi surpreendente: basta pensar que entre 1964 e 1992, a produo nos pases de capitalismo avanado cresceu em 9%, as exportaes em 12% e os emprstimos internacionais cresceram em 23%. A cada dia, quase um bilho de dlares (um, seguido de doze zeros) se deslocam de um ponto a outro do planeta atravs das especulaes financeiras. As grandes empresas industriais, que at h poucos anos estavam colocadas entre as dez primeiras do mundo em volume de negcios, foram substitudas hoje pelas grandes instituies financeiras (como, por exemplo, os grandes fundos de penses dos EUA e do Japo). E os capitais deslocam-se predominantemente entre Europa, EUA e Japo, enquanto somente 15% das transferncias so realizadas nos mercados emergentes. As variaes de valor das moedas nacionais so hoje objeto de especulaes financeiras e no somente, como acontecia nas

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dcadas anteriores, as oscilaes dos preos de determinadas mercadorias: somente em 1999, o valor total de todas as atividades financeiras dos principais pases capitalistas foi estimado como igual a 360% do Produto Interno Bruto (PIB) da mesma rea. O controle das divisas e do capital financeiro permite determinar os tipos de cmbio, suas oscilaes, facilitando assim a obteno de lucros sempre mais altos; isso provoca nada mais que um fictcio movimento de mais-valia entre capitais reais, a diferena dos correspondentes e as transaes reais de mercadorias. 1.2. A configurao atual da competio global o imperialismo Nesse contexto, os instrumentos da poltica keynesiana e ps-keynesiana tornam-se ineficazes, a partir do momento em que falta um espao econmico fechado, que tenha a possibilidade de controlar os movimentos de mercadorias e de moeda nas fronteiras. Nesse momento constata-se a transferncia de uma parte da soberania nacional aos organismos mundiais tais como Nafta, Mercosul, Asean, Alca, OMC e FMI. tambm por esse motivo que a Unio Europia nasceu e impulsionou o rpido reforo no s de sua faceta econmico-social, mas tambm de sua verdadeira zona monetria. A lgica de um mercado mundializado, alm de no levar em conta os direitos humanos, o meio ambiente e a qualidade de vida, flexibiliza e precariza a vida social, aumentando as massas de extrema pobreza e de novos mi-

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serveis, ao mesmo tempo acentua a competio global entre plos geopolticos e geoeconmicos, bem como entre as reas financeiras, exasperando o conflito interimperialista. As potncias imperialistas, como a Frana, a Inglaterra e os EUA, tm substitudo o domnio poltico-econmico baseado nas novas relaes comerciais e financeiras de dependncia. O capitalismo tem necessidade desse neocolonialismo; as potncias ocidentais tm, de fato, aceitado a descolonizao poltica do Terceiro Mundo nos anos de 1950-1970 somente porque estavam seguras de poder manter a prpria hegemonia econmica sobre os mercados internacionais. A globalizao neoliberal, ou seja, a internacionalizao da economia, condiciona o mercado financeiro, produtivo e monetrio, assumindo as caractersticas de competio global. A crise de superproduo de capitais e mercadorias, a financeirizao da economia, a abolio de tudo aquilo que se ope livre circulao de capitais, antes e aps os investimentos, em geral explorao dos mercados atravs do reforo dos monoplios e da concentrao de capital, constituem o retrato da atual fase do imperialismo. Portanto, a competio global representa o novo sistema de explorao tecnolgica, cientfica, econmica e social em escala mundial, que evidencia o modo atual de se apresentar a diviso internacional do trabalho e as desigualdades entre as classes, em um mbito dos conflitos antiimperialistas econmicos, financeiros, comerciais e blicos. O processo de mundializao neoliberal transfere o poder do Estado nacional s instituies supranacionais, em

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direo s comunidades locais e para a auto-regulamentao do mercado transnacional. Mas isso no comporta o desmantelamento dos Estados nacionais mesmos, com seus poderes e suas contradies internas e, sobretudo, externas, no que diz respeito aos organismos supranacionais e s entidades polares de natureza geoeconmica e geopoltica. Em sua busca de estabilidade poltico-econmica e de novas reas de interveno, o capital internacional, em suas diferentes configuraes, tem necessidade de regenerar os investimentos produtivos que sejam funcionais, com o objetivo de seu fortalecimento em um imperialismo de fortes conotaes militares. De fato, para manter um papel hegemnico, os EUA, depois da II Guerra Mundial, impuseram a sua hegemonia perseguindo trs objetivos poltico-militares principais: o primeiro foi o de controlar a potncia da Unio Sovitica; o segundo foi o de obstaculizar as transformaes polticas e sociais nos pases mais pobres e naqueles de nvel de desenvolvimento mdio, como na Amrica Latina; e o terceiro, de manter um estreito controle nos pases ocidentais aliados. O primeiro objetivo foi alcanado com a queda do muro de Berlim. Com relao ao segundo objetivo, ou seja, obstaculizar o desenvolvimento dos pases do Terceiro Mundo, pode-se dizer que, em primeira instncia, esse objetivo foi alcanado: esses pases, de fato, so controlados, atravs dos seus grandes dbitos, por organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, os quais so dominados pelos EUA.

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Os pases do Terceiro Mundo no esto de modo algum integrados ao novo sistema produtivo globalizado, salvo algumas excees. E o mito dos novos mercados emergentes deve ser desfeito j que os fatos os desmentem. Um estudo realizado pelo Financial Times demonstra que entre as primeiras grandes empresas do mundo, somente 26, ou seja, 5% do total, se encontram nos pases emergentes, isto , na Amrica Latina, na sia, na frica e no Oriente Mdio. Muitas dessas empresas foram vendidas devido crise econmica, tornando-se associadas a grupos econmicos europeus e estadunidenses. Mas se ficou claro qual foi o papel do imperialismo estadunidense nessas reas, verdade tambm que algumas contradies, em particular na Amrica Latina, ainda venham a amadurecer. Alguns pases, alm de Cuba, esto se caracterizando por governos e movimentos de oposio fortemente antiimperialistas (como, por exemplo, a Venezuela, a Colmbia e o Brasil) e em toda a Amrica Latina cresce o dissenso organizado contra a poltica e os ditames da economia estadunidense veja-se, por exemplo, a ampla disposio contra a Alca. A Amrica do Sul no mais o quintal tranqilo da casa dos EUA e dificilmente nessa rea o imperialismo estadunidense poder resolver pacificamente as suas prprias contradies, mesmo porque nessas reas o interesse imperialista europeu se faz sempre mais insistente. O terceiro objetivo, ou seja, aquele de manter sob controle os pases ocidentais aliados, tem batido de frente com

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a constituio do novo plo europeu que, atravs da UE e da constituio da moeda nica, se ope ao imperialismo dos EUA. Assim, surgem verdadeiros conflitos de interesses econmicos entre os dois plos, enquanto a hiptese imperialista europia tem necessidade dos seus espaos de sobrevivncias a partir das ambies expansionistas do brao franco-alemo. A construo de uma Europa econmica tem apresentado srios problemas para os EUA, que devem fazer frente a um novo plo, bem definido, com fortes conotaes antiimperialistas. 1.3. A competio entre EUA e UE A contradio gerada pela busca dos trs objetivos acima mencionados faz que os EUA temam cada vez mais o desenvolvimento da Europa porque sentem que poderiam arruinar a supremacia militar, econmica, monetria e ideolgica estadunidense em todo o Ocidente. Hoje, de fato, a Europa no mais uma rea dependente; a nova situao econmica do Leste europeu, por um lado, e a crise asitica por outro, tm reforado o plo econmico europeu. Desde a construo da Europa com o Tratado de Maastricht,8 colocou-se em marcha uma iniciativa concreta para a criao de uma nova hegemonia europia em setores estratgicos, como as novas tecnologias e as telecomunicaes, entre outros.

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Tratado que marcou o incio do processo de unificao europia, assinado na Holanda, em 1991 (nota da edio).

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E a nova posio europia na iniciativa blica (basta analisar a posio da Frana e da Alemanha na guerra ao Iraque) considerada como uma tentativa da arte do povo europeu de compensar a ascenso econmica e o superpoderio militar estadunidense e de limitar o seu predomnio em todas as diversas configuraes expansionistas e de hegemonia unilateral. Nesse contexto insere-se o imperialismo britnico, que se coloca no centro dos dois plos, usufruindo suas contradies. Mas o plo imperialista europeu possui ainda muitas limitaes, sobretudo pelo fato de que, at agora, obteve uma centralizao econmica mais lentamente do que a poltica e, sobretudo, a militar. margem dos conflitos de interesses, a Europa do euro , de qualquer modo, uma escolha no mbito da lgica da parte imperialista impulsionada pelos princpios de superao da globalizao e da etapa correspondente de imperialismo unipolar, isto , daquela fase de superimperialismo dos EUA que caracterizou os anos de 1980 e incio dos anos de 1990. Em todo o caso, a hiptese de uma Europa unida tem se confrontado desde o seu nascimento com o plo dos EUA, perseguindo projetos diferentes, seno opostos. De fato, ocorre perguntar se a guerra ao Iraque se realizou para combater o terrorismo internacional, a fim de encontrar as armas qumicas ou se para manter o controle sobre o petrleo; ou, ainda, seria lcito procurar os verdadeiros motivos em um outro mbito? possvel pensar que por detrs da invaso do Iraque exista na realidade um temor por parte dos EUA que seu domnio sobre o mundo possa

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ser ofuscado pela UE e por sua moeda, o euro? As dinmicas geoeconmicas e geopolticas do atual modo de se apresentar da competio global indicam com clareza que nos encontramos diante de um quadro diferente daqueles que at agora havamos destacado; ou seja, o temor de que os pases produtores de petrleo utilizem, para as suas trocas, o euro em vez do dlar. Recordemos que, em 1973 e 1979, as crises petrolferas prejudicaram enormemente a serpente monetria europia, e agora a guerra do Afeganisto e a do Iraque. As tenses entre Europa e EUA na relao de troca entre dlar e euro, e na fase atual sobre a estratgia perseguida na guerra ao Iraque e no chamado ps-guerra, mostram como a competio cada vez mais aguada entre os dois plos. Se com a guerra ao Iraque se manifesta em toda a sua complexidade o conflito interimperialista EUA-UE, isso j havia explodido com o advento do euro, retirando o monoplio do dlar nas relaes internacionais, com grande capacidade atrativa entre capitais internacionais e com a incluso dos mercados do Leste europeu e tendencialmente com a grande ambio expansionista na Eursia ampliada. O euro continua a tomar consistncia e se coloca como instrumento de guerra comercial; portanto, os EUA procuram fazer o possvel para sufoc-lo, para impedir a afirmao da UE enquanto superpotncia concorrente. Os EUA, assim, temem uma moeda destinada a favorecer as exportaes europias e, ao mesmo tempo, ameaar a categoria do dlar como moeda referente de reserva internacional.

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O grande mercado europeu pode oferecer perspectivas de desenvolvimento neoliberal como alternativa a um plo imperialista anglo-estadunidense. Tambm na Amrica Latina podemos ver novas mudanas: na Venezuela (quarto produtor mundial de petrleo) instaurou-se a possibilidade de adotar o euro como moeda para a cobrana do petrleo; existem pelo menos dez pases latino-americanos, alm de Cuba, que iniciaram acordos de compensao que debilitam ainda mais a moeda estadunidense. A esse contexto soma-se o papel de alguns pases europeus (Frana e Alemanha) que pela primeira vez tm manifestado uma enrgica resistncia e oposio poltica dos EUA; tambm a Rssia tem declarado a vontade de substituir pelo euro uma grande parte dos dlares de suas prprias reservas monetrias e, enfim, a China, que tende sempre a atuar em mais sintonia com a UE. Um dos pilares da economia estadunidense consistia no controle das exportaes de duas grandes potncias: Alemanha e Japo. Com essa definio da Alemanha, surge um srio problema para os EUA. Entre os dois maiores plos imperialistas se desencadeou a guerra para controlar os Blcs, a Europa do Leste e a Eursia, incluindo o Oriente a sia central, territrios fundamentais para os novos equilbrios internacionais e para contrastar uma crise de acumulao e superproduo, cada vez mais estruturais. Assim se realiza a condio fundamental colocada por Lenin, mencionada anteriormente: o imperialismo hoje se

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explicita completamente atravs do domnio do mundo por parte de dois plos, de diversas reas monetrias, delimitadas entre eles. Podemos imaginar um cenrio do sculo 19 em que, por um lado, existem os EUA e o Japo (que foi obrigado a seguir os EUA por causa de sua prpria debilidade econmica que dura anos), e por outro lado, a Europa seguida pelos pases do Leste, incluindo a Rssia e grande parte da Eursia. essa a Europa que vai se inserindo no quadro do novo imperialismo, que fortalece cada vez mais setores estratgicos da economia, e que vai se definindo autonomamente atravs das dinmicas do capital financeiro e dos grandes monoplios. 1.4. Imperialismo, crise econmica e a varivel estrutural da guerra A funo central da Europa pode se confirmar muito rapidamente no tempo, entre outras coisas, pelo grande desequilbrio na economia estadunidense, entre emprego militar e despesa econmica. Enquanto os outros plos geoeconmicos, representados pelo Japo, o melhor da varivel asitica, e a UE, tm privilegiado seu avano no campo econmico, os EUA, ao contrrio, esto cada vez mais submetidos a presses devido a escolhas de investimentos militares que levam a aumentar sempre mais a relao entre as despesas militares e o PIB; isso porque somente atravs da economia de guerra os EUA esperam conseguir superar uma crise de acumulao sem precedentes.

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com tais premissas que os EUA passaram, nos seus confrontos com a UE, da guerra econmica guerra militar, como na Iugoslvia e depois no Afeganisto e Iraque, explorando o fato de que na Europa avana a centralizao econmica, mas no a poltica militar, contando para isso com a inestimvel ajuda da Gr-Bretanha, o socorro europeu. A existncia de uma globalizao como uma lgica unipolar do imprio foi superada em suas funes entre o final dos anos de 1980 e o incio da metade dos anos de 1990. O esfacelamento do imprio unipolar guiado pelos EUA, a recesso e a decadncia do superimperialismo estadunidense precede em muito ao dramtico atentado de 11 de setembro de 2001. H algum tempo a economia estadunidense apresenta claros sinais de fragilidade; a instabilidade do mercado financeiro apresenta uma crescente estagnao dos setores tradicionais e a distribuio de renda piorou nesses ltimos anos. A atual guerra com o Iraque vem custando muito aos EUA e, no entanto, no se verificou nenhum sinal de recuperao da economia estadunidense; para reduzir o deficit poderia ser necessria uma desvalorizao progressiva do dlar ainda que isso no fosse fcil, a partir do momento em que os EUA so dependentes de uma alta taxa de importao. Soma-se a isso o fato de que muitos investidores do Oriente Mdio no acreditam mais na segurana dos negcios com os EUA, haja vista sua precria situao internacional; os EUA tm um deficit altssimo e necessitam de um volume enorme de dlares por dia para manter o prprio nvel de vida. essa a realidade da economia estadunidense.

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Tambm no plano poltico-militar, a sua hegemonia se confronta com as estratgias de expanso do plo da UE, tal como se pode observar na situao da zona compreendida entre os Blcs e a sia Central, a expanso econmica da UE na Europa centro-oriental, a gesto da invaso ao Iraque, a criao de um exrcito totalmente autnomo da UE, as contradies operativas e estratgicas entre os pases da UE e os Estados Unidos sobre a redefinio dos objetivos e a organizao da Otan e de outras organizaes internacionais econmicas e poltico-militares. A importncia das relaes da UE com os pases do Terceiro Mundo, e, em particular, a crise do modelo unipolar de liderana estadunidense, certamente esto por trs das reas de influncia e da reativao das chamadas polticas de estabilidade geoeconmica, em um marco internacional de competncia poltica econmica e militar. Tal ampliao entendida como controle mundial submetido hegemonia poltico-militar dos EUA em relao UE, hegemonia que j no exclusiva dos primeiros, nem sequer no plano econmico. Assim chega-se a uma guerra pelo domnio interimperialista em uma nova etapa da competio global entre plos imperialistas. 1.5. As perspectivas imperialistas O fim do domnio unipolar deu lugar a um confronto aberto, particularmente entre os dois maiores plos imperialistas, que procuram estender seu domnio ao resto do mundo inteiro, desestabilizando em particular aquelas reas de

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interesse estratgico, a Europa centro-oriental, a rea asitica da ex-Unio Sovitica, alargando o mbito de interveno at a sia central, com o objetivo de reduzir as ambies da superpotncia Russa e de obstaculizar a criao de um temvel plo russo-indiano-chins. O objetivo primrio da competio global entre plos o de impor, a qualquer custo, a doutrina do domnio, baseada na instabilidade permanente, imposta mediante a sua prpria estabilidade poltico-econmica internacional, a estabilidade imperialista; para, depois disso, determinar a supremacia de um ou outro plo, EUA ou UE. A via de sada para a gesto da crise marchar segundo os parmetros da sustentao da demanda e do domnio capitalista atravs de uma espcie de macarthismo globalizado e de uma nova fase keynesiana. Isto , desenvolver novamente um keynesianismo militar como tentativa de resolver, ou pelo menos gerenciar, a crise. Por isso, a economia de guerra e a militar devem ser estruturais, ou seja, combinando trguas prolongadas e passos atrs espordicos em prejuzo do movimento dos trabalhadores e da populao em geral nos pases de capitalismo avanado, com as redues nas intervenes pblicas de natureza social e de redistribuio de renda, e ataques concentrados s liberdades e direitos de todos os tipos. E o conflito antiimperialista, a luta ideolgica daqueles que lutam pelo socialismo como a nica alternativa contra a barbrie capitalista, assume um valor central. Cuba uma referncia fundamental para os povos da Amrica Latina, para todos os anticapitalistas e para todos os antiimperialistas do

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mundo. Hoje, Cuba defende a sua prpria independncia e soberania, e enfrenta o claro intento dos terroristas interiores de abrir uma nova frente de guerra militar fomentada pelo imperialismo estadunidense. Fica claro ento que, para evitar os riscos de uma recesso ou para superar as crises capitalistas, o instrumento capaz de revolver tais problemas a ampliao das frentes blicas, a fim de justificar a expanso da produo, o gasto com a produo militar em massa e o crescimento da interveno pblica na produo de bens de consumo de massa, reativando assim os processos de acumulao capitalista. Os gastos militares dos EUA alcanam na atualidade cerca de 400 bilhes de dlares, ou seja, mais do que todos os outros principais pases e triplamente superior aos gastos militares de toda a UE (115 bilhes de dlares). Il Sole 24 ore, em um artigo de 24 de janeiro de 2001, mostrava um grfico onde a curva da evoluo do preo do ouro em dlares e do cmbio euro-dlar quase coincidem nos ltimos quatro meses (nos anos de 1970 eram os preos do ouro e do petrleo os que subiam induzindo depreciao do dlar em relao ao ouro); considerando que o euro uma moeda ainda muito jovem para se ancorar ao ouro, evidente que o dlar est em dbito com o exterior e o euro, ao contrrio, tem suas contas em ordem. Uma diminuio das despesas militares nos EUA comportaria hoje uma profunda crise do sistema econmico estadunidense inteiro e agravaria ainda mais a crise econmica, chegando em nveis talvez piores do que a crise de

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1929 (crise que foi resolvida ento com o crescimento dos armamentos durante e depois da II Guerra Mundial). Hoje j no existe espao para o superimperialismo unipolar estadunidense, no existe o contexto adequado, existe a forte concorrncia de outros plos, e a potncia militar estadunidense, ainda que predomine, no suficiente nem capaz de se impor; ao contrrio, evidencia cada vez mais as contradies interimperialistas. A UE no pode ver reprimidas as suas estratgias expansionistas, nem a China, a Rssia, mas tambm a ndia e o Ir no podem aceitar a presena, de longo prazo, na sia, dos assentamentos militares estadunidenses, objetivando a conquista econmica dos EUA. O principal modo para manter a hegemonia , para os EUA, o instrumento militar. importante notar que as mais de 300 inspees realizadas no Iraque no tm demonstrado nenhuma prova da presena das denominadas armas de extermnio em massa e nenhuma relao com a Al Quaeda. Ento, por que a invaso? No se trata talvez de medo de que a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (Opep) prefira o euro ao dlar como moeda de referncia internacional para suas transaes externas? Na realidade, o governo de Sadan confirmou a sua prpria condenao ao final de 2000, quando decidiu converter em euros suas reservas de dlares depositadas na conta Petrleo por alimento Oil for food, custodiada pela ONU. ento lcito perguntar se os outros pases da Opep (Ir e Venezuela) que decidiram optar pelo euro frente ao dlar se vem ameaados pela invaso estadunidense.

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O Ir, em 2000, conseguiu grande parte de suas prprias reservas em euros e parece provvel que decretar o pagamento em euros nas suas exportaes de petrleo, o que facilitaria o estabelecimento de novas relaes com a UE. Poderia ser o Ir o prximo objetivo da justa guerra ao terrorismo? Mas a guerra e a hiptese reforada do keynesianismo militar esto hoje em grau de resolver a profunda crise econmica dos EUA, que se associa a uma crise de hegemonia poltica, cultural e de civilizao? E a crise s estadunidense ou estamos presenciando uma crise de carter estrutural do capitalismo, prprio dos processos de acumulao internacional e nas modalidades quantitativas e qualitativas de crescimento do modo de produo capitalista, assim como hoje se apresenta em suas diversas modalidades de expresses? Num futuro imediato, deveremos levar em conta, com a ajuda de tais hipteses, tais cenrios de mudanas de fase, de conflitos entre as reas do euro e a do dlar, sem perder de vista a varivel asitica (China, Rssia, ndia e Ir), com grandes ambies expansionistas na sia central, na Eursia e na Amrica Latina, um contexto onde o conflito interimperialista sempre mais forte.

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2. FI M DO RETORNO S ESTRATGIAS DE G LOBALIZAO: CO MPETIO G LOBAL ENTRE PLOS I MPERIALISTAS E KEYNESIANIS MO M ILITAR

2.1. Fordismo e keynesianismo Desde a metade dos anos de 1960, comearam a se manifestar grandes problemas de acumulao no interior dos processos do chamado fordismo; com o final do boom econmico ps-blico e da reconstruo, na Europa e no Japo, e com processos de reestruturao e racionalizao fordista, surgiram linhas de desindustrializao. Em que pese a poltica de sustentao da demanda atravs das polticas keynesianas, tambm militares, e a guerra no Vietn, os Estados Unidos tm experimentado, j a partir de 1966-1967, uma queda da produtividade e da rentabilidade, acompanhada de uma crise monetria e de crdito que, por causa do crescimento da inflao, afeta o papel do dlar como moeda internacional de referncia. O intenso processo de industrializao fordista se dirigiu para novos mercados, especialmente para aqueles do Sudeste asitico, aumentando a competio internacional e colo-

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cando em questo a liderana estadunidense. Nesse contexto, ocorre o abandono das taxas de cmbio fixas e inicia-se uma etapa de grande instabilidade com a abolio dos acordos de Bretton Woods e a conseqente desvalorizao do dlar. Essa reconhecida como aquela da rigidez dos processos de acumulao pela qual a fase fordista identificada pela rigidez dos investimentos e de inovao tecnolgica, por uma rigidez dos mercados de bens e consumo. A isso soma-se a rigidez do mercado de trabalho, graas tambm fora do movimento dos trabalhadores entre o final da dcada de 1960 e incio de 1970. A partir do incio dos anos de 1970, comea a enfraquecer a aliana entre o sistema produtivo fordista e os modelos keynesianos, atravs dos quais o Estado se responsabilizava pela existncia e gesto de um sistema de mediao, regulao e represso do conflito social. 2.2. O paradigma da acumulao flexvel e a competio global Interpretar a atual fase do desenvolvimento capitalista implica em analisar a modalidade de gesto da crise do modelo fordista tradicional, orientada para evitar uma intensa desvalorizao do capital. Falar de era ps-fordista na atualidade no significa que no subsistam ainda elementos tpicos dos processos fordistas; ao contrrio, o assim chamado modelo ps-fordista tpico da rea central dos pases de capitalismo avanado

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convive com um tpico modelo ainda fordista da periferia, incluindo modelos escravistas dos pases e zonas da periferia extrema (entendendo por isso tambm algumas reas marginalizadas do centro dos pases de capitalismo avanado). Tudo isso porque hoje convivem as diversas faces de um mesmo modo de produo capitalista. Identificamos assim o verdadeiro sentido daquela que, com razo, se chama de New Economy, do crescimento destrutivo sem nenhuma forma de desenvolvimento social e de civilizao. A distribuio espacial do domnio no determinada pela simples descentralizao do capital, ou gerada exclusivamente pela valorizao dos recursos locais, mas devese sobretudo aos intensos processos de reestruturao do capitalismo que, procura de competitividade no plano internacional, determina a eficincia a partir da imposio de forte mobilidade espacial e territorial da fora de trabalho e da diversificao dos projetos de flexibilizao do trabalho e do salrio. Esses so os aspectos realmente inovadores da atual fase de acumulao flexvel, que significa competio global, conflito aberto entre plos geoeconmicos e o fim da estratgia de globalizao de um nico grande imprio. 2.3. Fim da globalizao e conflito interimperialista Dadas as modalidades adotadas pelas dinmicas de desenvolvimento baseadas em uma relao capital-trabalho orientada sempre para o controle social interno de alguns pases capitalistas, e para o confronto externo pela determi-

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nao do domnio global atravs da expanso das reas de influncia geoeconmicas dos trs grandes blocos, EUA, UE e Japo, possvel afirmar que a globalizao acabou. Se a globalizao, entendida como lgica unipolar do imprio existiu, suas funes exauriram-se entre o final dos anos de 1980 e incio dos de 1990 com a fase de aberta competio global entre os plos imperialistas. Para compreender a competio global fundamental a anlise da organizao do ciclo produtivo e social, do papel do Estado, das relaes entre as reas internacionais e da sua estrutura econmica. S assim ser possvel identificar as novas determinaes dos processos de acumulao do capital, em uma nova fase do desenvolvimento capitalista identificado em relao centralidade do domnio internacional. Um domnio determinado atravs dos papis exercidos por novos sujeitos econmicos do capital, sujeitos econmicos multinacionais e sujeitos-pases, ou melhor, sujeitos-plos, com reas de influncia bem delineadas, isto , blocos geoeconmicos em conflito (rea do dlar para o plo EUA, rea do euro para o plo UE, rea do iene, asitica etc.). Parece que o chamado capitalismo anglo-saxo predomina (Estados Unidos e Reino Unido) com o modelo de capitalismo estadunidense, seu bloco econmico oferece aos detentores das riquezas financeiras maiores perspectivas de enriquecimento em relao ao europeu, alm de expandir as possibilidades de uma veloz globalizao dos mercados mantendo no entanto, ou melhor, reforando, o aparato poltico-militar. Mas para poder manter tal situao, os Estados

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Unidos devem conseguir reativar sua delicada situao econmica e financeira interna e sua funo de locomotiva no plano internacional, adequando sua dimenso geopoltica e militar com sua dimenso geoeconmica. 2.4. Gesto da crise e keynesianismo militar Como j havamos declarado anteriormente no editorial da revista Proteo de 20 de setembro de 2001, delineando o contexto dos meses imediatamente precedentes ao atentado de 11 de setembro, evidencia-se a dificuldade dos EUA no plano poltico-militar com o enfraquecimento de sua hegemonia, dado o avano no plano de expanso do plo da UE (vide a situao nos Blcs, expanso econmica da UE na Europa centro-oriental, constituio de um exrcito totalmente autnomo no interior da UE e as contradies operacionais e estratgicas entre os pases da UE e EUA na Otan). Tambm no plano poltico-econmico, os EUA entravam em uma verdadeira recesso depois de cerca de 10 anos de crescimento econmico forado e recuperado, sustentada por um grande endividamento interno e externo e por uma grande inatividade na balana de pagamentos (somente a ttulo de exemplo, recordamos os mais de 1,2 milhes de desempregados dos ltimos meses e a grande queda da demanda interna e dos investimentos). Hoje, assiste-se ao que sempre aconteceu na histria do capitalismo e do imperialismo, isto , a escolha da guerra e da economia de guerra para sair da recesso, para sair da crise de liderana dos pases imperialistas.

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A soluo da economia de guerra tambm a provvel opo da UE, da Itlia e Espanha tambm, j que a estratgia estadunidense tem tido e ter conseqncias recessivas para o resto do mundo. A via de sada para a gesto da crise ser aquela de marchar segundo os parmetros da sustentao da demanda e do domnio capitalista atravs de uma espcie de macarthismo globalizado e de keynesianismo militar que dever ter carter estrutural, com amplo incremento e longa durao (corte ao sistema de penses, sade e ao Estado de bem-estar social). Se a retomada da demanda atravs do keynesianismo de guerra levar a uma escalada dos preos e a uma situao inflacionria, a nica soluo para conter os preos ser desenvolver a capacidade produtiva inutilizada, portanto aumentos da produtividade do trabalho, aumentando a flexibilidade e a precarizao dos postos de trabalho e dos salrios, reduzindo os seus custos, em primeiro lugar, o custo do trabalho. A guerra tambm um instrumento fundamental na luta entre os plos para o domnio geopoltico e geoeconmico, a guerra para o controle dos recursos energticos e das foras produtivas, para o domnio sobre os corpos sociais e sobre a vida social. Uma economia de guerra que tratar de manter o gasto atravs do pressuposto militar, aumento da atividade armamentista e de toda a indstria auxiliar ligada defesa, inteligncia militar, segurana dos cidados etc. Um keynesianismo para a guerra global que obviamente levar ao aumento das despesas pblicas militares em detrimento das redues dos gastos pblicos de car-

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ter social, tais como penses, sade, salrios diretos e indiretos. 2.5. Competio global e guerra global permanente Imediatamente aps os atentados de 11 de setembro, os EUA assumiram novamente um papel prioritrio no plano poltico-militar, seja no sentido autnomo seja no interior da Otan (ver o recurso ao artigo 5 do regulamento da Otan, ou a luz verde aos bombardeios ou guerra global permanente). Isso implica, ao menos momentaneamente, numa tentativa de reduo das ambies econmicas e expansionistas por parte da UE visando a reativao das estratgias de globalizao de um imprio guiado pelos EUA. Mas o processo em curso no pode levar globalizao. Trata-se do acirramento de uma dura e cruel competio entre os principais blocos econmicos; uma competio global entre plos imperialistas e de carter poltico-estratgico. Sobre isso, so esclarecedoras as notrias dificuldades de carter mili