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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO LUANA PINHO DE MESQUITA A educação permanente em saúde para a institucionalização de uma rede-rizoma RIBEIRÃO PRETO 2016

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Page 1: LUANA PINHO DE MESQUITA - Biblioteca Digital de … · e Otelo pelo aconchego familiar, pelas palavras sempre sinceras e pelo incentivo em seguir em frente. À minha avó Francisca,

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO

LUANA PINHO DE MESQUITA

A educação permanente em saúde para a institucionalização de uma rede-rizoma

RIBEIRÃO PRETO

2016

Page 2: LUANA PINHO DE MESQUITA - Biblioteca Digital de … · e Otelo pelo aconchego familiar, pelas palavras sempre sinceras e pelo incentivo em seguir em frente. À minha avó Francisca,

LUANA PINHO DE MESQUITA

A educação permanente em saúde para a institucionalização de uma rede-rizoma

Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Ciências, Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública.

Linha de pesquisa: Práticas, políticas e saberes em saúde

Orientador: Silvia Matumoto

RIBEIRÃO PRETO

2016

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Mesquita, Luana Pinho de pppA educação permanente em saúde para a institucionalização de uma rede-rizoma. Ribeirão Preto, 2016. ppp154 p. : il. ; 30 cm pppDissertação de Mestrado, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Enfermagem Saúde Pública. pppOrientador: Silvia Matumoto p 1. Educação Permanente em Saúde. 2. Análise Institucional. 3.Pesquisa-intervenção. 4.Cartografia. 5.Rede de atenção materno infantil.

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MESQUITA, Luana Pinho de

A educação permanente em saúde para a institucionalização de uma rede-rizoma

Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Ciências, Programa de Pós-Graduação Enfermagem Saúde Pública.

Aprovado em ........../........../...............

Comissão Julgadora

Prof. Dr. ___________________________________________________________________

Instituição: _________________________________________________________________

Prof. Dr. ___________________________________________________________________

Instituição: _________________________________________________________________

Prof. Dr. ___________________________________________________________________

Instituição: _________________________________________________________________

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Dirce e Wilson (in memoriam). Ao Rodrigo, que me acompanha todos os dias, aquele que escolhi e que me escolheu para trilhar caminhos e sonhar.

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AGRADECIMENTOS

À Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo por abrir as portas para a realização deste trabalho.

À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – pelo financiamento deste trabalho através da bolsa de demanda social.

À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo financiamento do Projeto PPSUS.

Aos integrantes do Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha do DRS III de Araraquara, pela construção conjunta dos dados desta pesquisa-intervenção, pelo aprendizado significativo e pelo empenho com a Rede Cegonha.

À querida Silvia, por aceitar me orientar e pelas horas dedicadas a esta pesquisa e à minha orientação. Agradeço por compartilhar comigo e por me incentivar em cada passo dado durante esses anos, por cada sugestão e por me fazer hoje uma pessoa diferente; levo comigo o que aprendi, seu sorriso e seu abraço fraterno.

À Cinira, pelo incentivo em me aventurar pela língua francesa e por este universo que é a Análise Institucional, por abrir as portas da sua casa, por dividir seu saber, pelas palavras de incentivo, pelo carinho.

Ao Professor Gilles Monceau, Universidade de Cergy-Pontoise, França, pela supervisão e dedicação ao grupo de pesquisa do PPSUS, pelas sugestões dadas no Exame de qualificação e pelo exemplo de analista institucional.

À Professora Patrícia Alonso, Universidade de Limoges, pelas contribuições ao projeto de pesquisa no exame de qualificação, pelas conversas em francês.

Aos meus queridos amigos de pós-graduação e da vida, que me acompanharam e me deram apoio durante esses anos, Flávio, Karemme, Lucila, Karen, Fabiana, Fabrine, Michele, Juliana, pela companhia, pelos momentos de aprendizado, pelas trocas, pelas caronas, pelo apoio e incentivo.

Ao Wilson e à Soraya, pela amizade, pela confiança, por me ensinarem que o trabalho construído junto é que dá sentido às nossas ações, obrigada por estarem presentes em tantos momentos e neste, em especial.

Aos amigos que fiz durante a pesquisa, trabalhadores e pesquisadores do DRS III de Araraquara: Mônica, Cris, Vera, Maria Teresa, Mary, obrigada por estarem presentes.

À Márcia, Adriana, Cássia, Maria Lúcia, professoras da UFSCar e à Larissa, companheira de pesquisa no GCR, agradeço o apoio e a parceria.

À Maria do Carmo, professora da Faculdade de Medicina, pelos momentos marcantes de aprendizado no GCR.

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À Zezé Clapis, pela oportunidade de formação no Programa PAE, e aos alunos da graduação pelos momentos vividos juntos.

À Zezé Bistafa e à Silvana Mishima, pelo exemplo de profissionais que lutam pela saúde coletiva, pelas reflexões e aprendizado nas disciplinas.

À Prof.ª Ângela Capozzolo, por aceitar fazer parte deste momento compondo a banca avaliadora desta dissertação.

Aos funcionários da Secretaria de Pós-graduação, em especial à Shirley e à Flávia, pela paciência e disposição em nos auxiliar.

Ao Rodrigo, meu companheiro, que me ensina e com quem aprendo diariamente, obrigada por brindar a vida comigo.

À tia Ana e ao tio Alcione, pelo incentivo em conquistar os sonhos, pelos ensinamentos e pelas palavras que tornam tudo cada vez mais possível. Aos meus queridos primos Pedrinho, Laurinha, e à pequena Helena, e ao Paulinho e à Isabela, que sempre me acolhem onde quer que estejam.

Aos meus primos e companheiros em Ribeirão Preto durante o mestrado, Luisinho e Jaque, que sempre estiveram ali para me dar aquele abraço e dividir as angústias do dia a dia.

Aos meus tios Zozó e Paulo, pelos sorrisos e pela inspiração, seja pelo equilíbrio da vida, seja pelo amor pelo mar, seja pela poesia. E com vocês agradeço aos meus primos Pablo, Diogo e Débora, pela amizade, e às crianças João Henrique e Manuela, que ainda está na barriga, pela inspiração.

À minha prima Nina, companheira irmã que sempre me recebe de braços abertos, obrigada pela força de sempre, pela alegria e pelo amor.

À minha tia Emilce e ao meu tio Dechichi, por estarem sempre por perto e por fazerem nossos fins de semana se encherem de carinho e afeto, o que importa é estarmos juntos.

Aos meus primos Ranyery, Priscilla e à pequena Giovanna, Daniela e Aluísio, Marcela e Otelo pelo aconchego familiar, pelas palavras sempre sinceras e pelo incentivo em seguir em frente.

À minha avó Francisca, pelo amor e pelo colo, obrigada por suas orações, e à minha tia Jô, pela alegria de viver, pelo sorriso solto que me inspira, pelo carinho de tia.

À Marlene, minha sogra, que nos ensina a lutar pelo que desejamos, à Larissa, minha cunhada e ao Roberto, pela paciência e amizade, ao Leandro, meu cunhado, e à Camila, pela ajuda e pela compreensão.

Aos amigos Marcella, Marina e Gustavo, Rafael e Kathleen, Fábio e Camila, Lucas e Mara, Rafael e Cátia, Pedro, Olívia e Pedrinho pela amizade, por festejarem sempre a vida conosco, pelo apoio e pelo carinho.

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RESUMO

MESQUITA, L. P. A educação permanente em saúde para a institucionalização de uma rede-rizoma. 2016. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2016. Esta dissertação é resultado de uma pesquisa-intervenção cuja produção de dados ocorreu com o Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha (GCR) no DRS III de Araraquara – SP, parte do Projeto de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS): O processo de implantação da rede de atenção à saúde materno infantil no DRS III de Araraquara: a atenção básica como ordenadora da atenção em rede. Nosso objetivo foi compreender este coletivo como espaço de Educação Permanente em Saúde (EPS) para a institucionalização dessa Rede, e também caracterizar a EPS no território de abrangência deste DRS, compreender suas fragilidades-potencialidades e também os processos de EPS produzidos no interior do GCR para a implementação da Rede Cegonha (RC), diante de desafios como a redução da morbimortalidade materno infantil e o atendimento integral e humanizado a mulheres e crianças. Esta pesquisa qualitativa compreendeu a análise de documentos e a pesquisa-intervenção, utilizando método cartográfico, e a produção dos dados ocorreu no ano de 2014 com os integrantes do GCR e outros pesquisadores PPSUS. As análises tiveram como referenciais o Processo de Trabalho em Saúde e conceitos do movimento institucionalista, das correntes da Análise Institucional e da Esquizoanálise. Esta pesquisa de cunho cartográfico explorou o contexto sócio-histórico da EPS e da RC no DRS III e paisagens que compõem o mapa do aprendizado no que chamamos Rede-rizoma, entremeadas por análises de implicações e aprendizados na experiência, tanto de construção da pesquisa como da RC. Nos planos do rizoma houve momentos de aprendizado significativo, ecos nos municípios, interferências da pesquisa-intervenção, dentre outros componentes de tessitura da rede que envolveram seus atores, seus pontos de conexão, de tensão, de apoio. Nesse emaranhado quente e frio, interessou-nos explorar as singularidades do encontro e os movimentos de forças instituintes e do instituído com o compromisso de entender a EPS como ferramenta de trabalho para a institucionalização da RC. Percebemos a existência de microprocessos de institucionalização disparados no cotidiano do GCR, caracteristicamente paralisantes e mobilizadores, como a importância da participação social, ainda tímida, as tensões com a imobilidade municipal, as fragilidades-potencialidades dos recursos humanos e financeiros, e também resultados que refletem em alargamento e participação de novos atores, cooperação intermunicipal, fortalecimento dos Grupos Condutores Municipais da rede cegonha e uma gestão estadual disposta a deflagrar processos de formação participativos. Trata-se de movimentos que se revelaram em implicações de múltiplas bifurcações e em processos de EPS que se fazem de forma mutante, conformando a rede-rizoma. Palavras-chave: Educação Permanente em Saúde. Análise Institucional. Pesquisa-intervenção. Cartografia. Rede de atenção materno infantil.

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ABSTRACT

MESQUITA, L. P. Permanent Education in Health for the institutionalization of a net-rizhome. 2016. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2016. This dissertation resulted from a intervention-research which data production took place with the Regional Conductor Group of the Stork Network (GCR) in the DRS III of Araraquara - SP, part of the research project for the National Health System (PPSUS): The maternal and child health care network deployment process in the DRS III Araraquara: primary health care ordering the network care. Our purpose was to understand this collective as a Permanent Education in Health (EPS) space for the institutionalization of this Network, and also characterize the EPS in the DRS territory, understand their fragilities-potentialities and also the EPS processes produced inside the GCR for the implementation of RC, in face of challenges such as reducing child and maternal mortality and the comprehensive and humanized assistance to women and children. This qualitative research included the analysis of documents and the intervention-research using cartographic method which data production occurred in 2014, with members of the GCR and other PPSUS researchers. The analysis had as referential, the Work Process in Health and concepts of the Institutionalist Movement, from Institutional Analysis and Schizoanalysis currents. This cartographic research explored the EPS and RC socio-historical contexts in the DRS III and some landscapes that make up the learning map in what we call Net-rhizome, permeated by implication analysis and learning experience, both from research and RC construction. In the rhizome plans there were moments of meaningful learning, echoes in the municipalities, research-intervention interferences, among other weaving network components involving its actors, its connection, tension and support points. In this hot and cold tangle, we were interested in explore the uniqueness of the meeting and the movement of instituting forces and the instituted with the commitment to understanding the EPS as a tool for the RC institutionalization. We realized the existence of institutionalization microprocesses triggered in the GCR characteristically paralyzing and mobilizers, as the importance of social participation, even timid, tensions with municipal immobility, the fragilities-potentialities, human and financial resources, as well as results that reflect in enlargement and new actors participation, inter-municipal cooperation, strengthening of Municipal Conductor Groups and a state management willing to trigger participatory educational processes. Movements that have proven in multiple bifurcation implications and EPS processes in mutant forms conforming the net-rhizome. Keywords: Permanent Education in Health. Institutional Analysis. Research-intervention. Cartography. Maternal and child care network.

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RESÚMEN

MESQUITA, L. P. La educación permanente en salud para la institucionalización de un Red-rizoma. 2016. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2016. Esta disertación es el resultado de una investigación de intervención, cuya producción de datos ocorrió con el Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha (GCR) no DRS III de Araraquara – SP, parte del Projeto de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS): El proceso de implantación de la red de atención de salud materno infantil en el DRS III de Araraquara: la atención básica como coordinadora de la atención de la red. Nuestro objetivo fue comprender este colectivo como espacio de Educação Permanente em Saúde (EPS) para la institucionalización de esta red, y también caracterizar la EPS en el territorio de cobertura de esta DRS, comprender sus fragilidades-potenciales y también los procesos de EPS producidos en el interior de el GCR para la implementación de la Rede Cegonha (RC), frente estos desafíos como la reducción de la morbimortalidad materno infantil y la atención integral y humanizada a las mujeres y niños. Esta investigación cualitativa conto con el análisis de documentos y la investigación-intervención, utilización del método cartográfico y a producción de datos ocurrió en el año de 2014 con los integrantes de el GCR y otros investigadores PPSUS. Los tuvieron como referencia el proceso de trabajo en salud y conceptos de movimiento institucionalista, de las corrientes del análisis institucional y del esquizoanálisis. Esta investigación cuyo cartográfico exploro el contexto socio-histórico de la EPS y de RC en DRS II y paisajes que compone el mapa de aprendizaje el cual llamamos Rede-rizoma, intercaladas por análisis de implicaciones y aprendizajes en la experiencia, tanto de la construcción de la investigación como de la RC. En los planes do rizoma hubo momentos de aprendizaje significativo, eco en los municipios, interferencias de la investigación-intervención, entre otros componentes de la tesitura de la red que envuelven sus actores, sus puntos de conexión, de la tensión, de apoyo. En ese enmarañado caliente y frío, no intereso explorar las singularidades del encuentro y los movimientos de las fuerzas instituintes y de lo instituido con el compromiso de entender la EPS como herramienta de trabajo la institucionalización de la RC. Percibimos la existencia de micro procesos de institucionalización disparado en el cotidiano del GCR, característicamente paralizantes y movilizadores, como la importancia de la participación social, aunque tímida, las tensiones con la inmovilidad municipal, la fragilidad de los potenciales de los recursos humanos y financieros, y también resultados que reflejan el alargamiento y participación de nuevos actores, cooperación intermunicipal, fortalecimiento de los Grupos Conductores Municipales de la Red Cegonha y una gestión estadual dispuesta a generar procesos de formación participativos. Movimientos que se revelan en implicaciones de múltiples bifurcaciones e en procesos de EPS que hacen de la forma mutante, conformando la rede-rizoma. Palabras-clave: Educación Permanente en Salud. Análisis Institucional. Investigación-intervención. Cartografía. Red de atención materno infantil.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB - Atenção Básica

AGAR - Ambulatório de Gestação de Alto Risco

AI - Análise Institucional

CDQ-SUS - Centro de Desenvolvimento e Qualificação para o Sistema Único de Saúde

CEP - Comitê de Ética em Pesquisa

CES - Conselho Estadual de Saúde

CGR - Colegiados de Gestão Regional

CIES - Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço

CIR - Comissões Intergestores Regionais

CMI - Coeficiente de Mortalidade Infantil

CMMI - Comitês Municipais de Mortalidade Materna e Infantil

CONASEMS - Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde

CONASS - Conselho Nacional dos Secretários de Saúde

COSEMS – SP - Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo

CsO - Corpo sem Órgãos

DEGES - Departamento de Gestão da Educação do Ministério da Saúde

DNCR - Departamento Nacional da Criança

DRS III - Departamento Regional de Saúde III de Araraquara

EERP-USP - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

EPS - Educação Permanente em Saúde

ETSUS - Escolas Técnicas do SUS

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FORP-USP - Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

GCM - Grupos Condutores Municipais da Rede Cegonha

GCR - Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha

GM - Gabinete do Ministro

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

InovaSUS - Concurso Prêmio InovaSUS Gestão da Educação na Saúde

MS - Ministério da Saúde

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NIES - Núcleo de Integração Ensino Serviço de Araraquara

NV - Nascidos Vivos

OECD - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico dos Países Europeus

OMS - Organização Mundial de Saúde

OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde

PAISC - Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança

PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

PAREPS - Plano de Ação Regional de Educação Permanente em Saúde

PHPN - Programa de Humanização do Pré-Natal e do Nascimento

PMAQ - Programa Nacional de Melhoria de Acesso e da Qualidade na Atenção Básica

PNEPS - Polítca Nacional de Educação Permanente em Saúde

PPSUS – Pesquisa para o SUS

PSE - Programa Saúde na Escola

PTS - Processo de Trabalho em Saúde

RAS - Redes de Atenção à Saúde

RC - Rede de atenção materno infantil ou Rede Cegonha

RS - Regiões de Saúde

SES-SP - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

SGTES - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde

SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação

SISPRENATAL WEB – Sistema de Monitoramento e Avaliação do Pré-Natal, Parto, Puerpério e Criança

SUS - Sistema Único de Saúde

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFSCar - Universidade Federal de São Carlos

UNESP-Araraquara - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Flho” câmpus de Araraquara

USP - Universidade de São Paulo

VER-SUS - Vivência-Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ..............................................................................................................15

2 PAISAGENS QUE COMPÕEM A REDE-RIZOMA......................................................22 2.1 A institucionalização da saúde materno infantil no Brasil .................................................23

2.2 Educação Permanente em Saúde ........................................................................................29

2.3 O Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha .................................................................37

3. OBJETIVOS .......................................................................................................................41 3.1 Geral ...................................................................................................................................41

3.2 Específicos..........................................................................................................................41

4 MARCO TEÓRICO............................................................................................................43 4.1 O Processo de Trabalho em Saúde, a Análise Institucional e a Educação Permanente em Saúde no Processo de institucionalização da Rede Cegonha. ............................................43

5 PERCURSO METODOLÓGICO .....................................................................................50 5.1 Hódos-méta.........................................................................................................................50

5.2 Quem é o Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha?...................................................51

5.3 A Análise de Documentos ..................................................................................................53

5.4 Pesquisar-intervir................................................................................................................55

5.5 O Desafio de Cartografar....................................................................................................56

5.6 Procedimentos éticos ..........................................................................................................58 5.7 Conhecendo o contexto: O DRS III, a Rede Cegonha e o GCR ........................................58

5.8 A Rede Cegonha e o DRS III .............................................................................................59

5.8.1 O Pré-natal .......................................................................................................................60

5.8.2 A Mortalidade Materno Infantil ......................................................................................61

5.8.3 A Sífilis Congênita ..........................................................................................................63

5.8.4 O Dar à luz – O momento do Parto .................................................................................64

5.8.5 O GCR – um espaço de gestão e de EPS.........................................................................65

6 CONSTRUINDO O CENÁRIO DA EPS NO DRS III ....................................................68 6.1 A EPS na Rede-rizoma.......................................................................................................69

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6.2 Parceria ensino-serviço.......................................................................................................71

6.3 No caminho das práticas.....................................................................................................71

6.4 Potencialidades-Fragilidades: Nós críticos, Atravessamentos e Disputas na RC ..............73

7 PAISAGENS QUE COMPÕEM O MAPA DO APRENDIZADO.................................80 7.1 Os Planos do rizoma...........................................................................................................81

7.2 Cenas de minha aproximação à pesquisa-intervenção .......................................................82

7.3 Cenas de minha aproximação com o campo e cenário da pesquisa, um momento de aprendizagem no trabalho.........................................................................................................84

7.4 Aprendizagens em ato - O caso SISPRENATAL WEB.....................................................85

7.5 E por falar em Educação Permanente em Saúde ................................................................87

7.6 Ecos nos municípios ...........................................................................................................96

7.7 A pesquisa e suas interferências .......................................................................................100

7.8 Tecendo a rede..................................................................................................................106

7.8.1 E quem tece essa rede? ..................................................................................................111

7.9 Pontos de tensão na rede...................................................................................................115

7.10 Repetir para ver o que é singular ....................................................................................123

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................129

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................133

APÊNDICE ...........................................................................................................................150

ANEXOS ...............................................................................................................................153

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14

_________________________________ Apresentação

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Apresentação ____________________________________________________________________ 15

1 APRESENTAÇÃO

Apresentarei aqui alguns caminhos trilhados como pesquisadora e como pós-

graduanda, que correspondem à minha inserção na Saúde Coletiva, na Escola de Enfermagem

de Ribeirão Preto (EERP-USP) e na pesquisa, composição que culminou na produção do

projeto de pesquisa intitulado: “O grupo condutor regional como espaço de educação

permanente em saúde para institucionalização da rede de atenção materno infantil”.

Para isso, sinto a necessidade de falar de minha implicação com esta construção. A

noção de implicação na Análise Institucional, um dos referenciais teóricos de escolha nesta

pesquisa, relaciona-se com as contradições com que ela trabalha, ou seja, em uma lógica

dialética oposta a de outros movimentos científicos que pregam neutralidade, que se desvela

em não implicação ou desimplicação (LOURAU, 1993). Dessa forma, a implicação é

expressa no campo de coerência desse referencial teórico como a preocupação em

compreender o lugar que nós ocupamos neste mundo, analisando-o. Muitas vezes, os atores

implicados, em duplo ou triplo papel, neste caso trabalhadores de saúde, pesquisadores em

saúde e analistas, têm que se colocar em análise, uma tarefa que exige coragem e uma postura

crítica e aproximação a nós mesmos, o que pode ser doloroso e árduo. Assim, podemos dizer

que as pessoas estão, a todo o momento, implicadas nas instituições e com as instituições, e,

mesmo que seja difícil analisar essa implicação, ela é importante para compreender a

interseção entre analistas institucionais e analisados, por exemplo. A análise de nossas

implicações pode ter distintas dimensões e permite deixar ver o porquê de nossa interação

com o objeto de pesquisa mesmo antes de nosso primeiro contato (BAREMBLITT, 2002).

Portanto, considerarei adiante alguns pontos analíticos de minha implicação com o objeto de

estudo, a educação permanente em saúde em coletivos que zelam pela qualidade da saúde

prestada a mulheres e crianças.

Primeiramente é preciso explorar minha múltipla inscrição neste processo de formação

cartográfico, como aluna de pós-graduação e pesquisadora em formação, como profissional de

saúde, como cidadã e como mulher, filha, sobrinha, neta. Essa múltipla inscrição deve ser

analisada em pesquisas do gênero cartográfico indagando o modo pelo qual eu tomo o objeto

de pesquisa e, ao mesmo tempo, indaga o modo como a minha atividade fez-se no processo,

nas trilhas de um caminho docente-pesquisador (BARROS; SILVA, 2013). Essa indagação é

também intrínseca aos conceitos da Educação Permanente em Saúde, cujo foco é a

problematização do nosso cotidiano, do nosso fazer em saúde.

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Apresentação ____________________________________________________________________ 16

Neste caso, as atividades de pesquisa nas quais estive envolvida durante o Mestrado,

primeiro o Projeto de Pesquisa para o SUS (PPSUS), que teve por objetivo “acompanhar e

analisar o processo de implantação da rede de atenção à saúde materno infantil no

Departamento Regional de Saúde III de Araraquara (DRS III), tendo a atenção básica como

ordenadora da atenção em rede”, e este outro, em que pretendi analisar o Grupo Condutor

Regional como espaço de Educação Permanente em Saúde para Institucionalização da Rede

Cegonha, mesclam as bases de referenciais teóricos que exigem do aprendiz cartógrafo uma

postura de alteridade, autoconceito e autocrítica que ampliam a visão sobre as finalidades e os

sentidos das ações, falas e, mais ainda, do não-dito e do não-declarado verbalmente nesse

coletivo gestor, e também nos pesquisadores e em mim.

Minha implicação carrega muito de minhas origens e personalidade, traz um pouco da

vontade de ser educadora, da vontade de ter liberdade, de ser Roraimense, um pouco do sabor

e da calmaria do Norte, e um pouco de outros lugares do mundo, da minha família, de pessoas

com quem vivi e convivi. E muito do sonho de transformação de uma realidade onde se

incluam as diferenças de cor, de etnia, de desejos de viver. Minha implicação também passa

por uma miscigenação de raças, branca, negra e índia, e de vontades e crenças que me dão

fôlego para enfrentar os desafios que trazem as mudanças, e nelas encontrar novos

significados. Implico-me com uma Educação que pode trazer transformação e pode trazer

sentidos que agucem a nossa criatividade e nosso querer estar no mundo, que seja capaz de

mudá-lo para melhor, fazê-lo sorrir.

Outras origens a explorar estão na minha formação como profissional de saúde e a

atuação como dentista em diferentes espaços onde existiam coletivos de gestão da saúde.

Primeiramente, a vivência no Subsistema de atenção à Saúde Indígena no Parque Indígena do

Xingu, por meio do projeto de formação acadêmica nominado Projeto Huka Katu, a FORP-

USP (Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) no Xingu,

durante a graduação. O Xingu aproximou-me da grande roda, onde as lideranças indígenas

reuniam-se para ali decidirem coletivamente as ações a serem realizadas com a comunidade,

onde senti a força da mulher indígena e a beleza nos olhos das crianças, lugar onde vivi a

Saúde Coletiva. Em um segundo momento, na atenção básica, no Programa Saúde da Família

em São Carlos-SP, durante a Residência em Saúde da Família e Comunidade pela

Universidade Federal de São Carlos, tive a oportunidade de “com-viver” dois anos com a

Equipe da USF Antenor Garcia, zona periférica da cidade de São Carlos, num aprendizado

incessante sobre Território, Família, Necessidades de Saúde, Vínculo, Feira da Saúde,

Levantamento Epidemiológico de Saúde Bucal, Acolhimento. A expressão “com-viver” tem

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Apresentação ____________________________________________________________________ 17

um sentido a mais do que apenas viver com ou junto, tem uma ligação importante entre

subjetividades, que se emaranham e entrelaçam guiadas por um objetivo comum, um desejo

comum, de viver a vida de forma saudável. Aqui mora o desejo, no estímulo à autonomia e na

busca pela garantia de direitos ao acesso humanizado e o cuidado integral à saúde. E, nesse

movimento de “com-viver”, também havia gestantes, grupo de gestantes, trabalhadoras

gestantes, usuárias gestantes, adolescentes gestantes, gestoras gestantes. E não poderia

esquecer-me do “com-viver” com as crianças, grupo de crianças, grupo de puericultura,

ciranda, gincana, sorrisos. E aprender a “com-viver” também tem um pouco de “é preciso

aprender a ser só”, como na música de Gilberto Gil, aprender a ser, a viver, a encarar a si

mesmo e a respeitar a história e encarar os desafios da vida, ao mesmo tempo junto, mas, ao

mesmo tempo, só vivendo consigo mesmo.

Pélbart (2006), em uma Conferência denominada “Como viver só”, na 27ª Bienal de

São Paulo, fez um contraponto com o título da Bienal “Como viver junto”, retratando o

quanto nossa vontade de estar junto é, na verdade, uma vontade de estar só, uma busca pela

solidão. Este autor citou, nessa ocasião, uma fala de Deleuze que marca um pouco esse

sentimento e essa busca: ”O problema não é que nos deixam sós, é que não nos deixam

suficientemente sós”, fala que representa muito dessa necessidade de querer estar só e lidar

com este estar só.

Nessa minha caminhada entre coletivos, outra experiência moveu-me, aquela com a

comunidade Guarani Mbyá do Pico do Jaraguá, São Paulo, onde trabalhei por um ano e o

grupo de mulheres representava um importante coletivo gestor na comunidade, de mulheres

guerreiras de um povo esquecido no pé da montanha capaz de promover mudanças, de

fortalecer, mesmo que de forma sutil, uma comunidade que precisa ser olhada, percebida. O

com-viver foi triste, mas esperançoso de não ver mais mortes e ver mais sorrisos. Todo esse

processo de formação colocou-me diante de inquietações em relação às dificuldades

enfrentadas no contexto do Sistema Único de Saúde, de um lado pelas mães e crianças e a

família no anseio de uma atenção de qualidade, e, de outro, pelos profissionais de saúde em

atender às famílias, diante da responsabilidade de operar o processo de trabalho em saúde na

perspectiva da integralidade.

Dessa forma, coloquei-me na posição de aprendiz cartógrafa para habitar este novo

território de encontros de subjetividades no Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha

(GCR) para implementação desta Rede. Considero o GCR e seus processos formativos como

um mapa móvel e que o processo de trabalho em pesquisa cartográfica deve, portanto,

englobar a análise da atividade do cartógrafo no processo de pesquisa, já que a atividade da

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Apresentação ____________________________________________________________________ 18

pesquisa transforma o pesquisador e o campo (BARROS; SILVA, 2013), e, ao mesmo tempo,

este é transformado. Essa interação é o cerne da pesquisa-intervenção, e esse movimento é

reflexo de um processo de educação em que “embora diferentes entre si, quem forma se forma

e re-forma ao for-mar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996,

p. 12) num processo permanente de ir e vir, autoconstrução e construção do outro.

E como pesquisar um objeto em seu processo? Para construir o caminho a ser

percorrido na pesquisa, o aprendiz cartógrafo deve, então, escolher as pistas para a criação e

invenção do hodos-metá, sentido diverso do habitual “méta-hodos”. O método anuncia a

existência de um caminho (hódos) predeterminado para alcançarem-se algumas metas, com

rigor metodológico exigido de forma sistematicamente rígida (PASSOS; BARROS, 2009a),

com riscos de anular a criatividade e a inventividade do pesquisador em seu processo de

formação. No entanto tive de lidar com esse efeito e dispus-me a explorar novos horizontes,

um novo jeito de fazer pesquisa, e, assim, desfazer-me de muitos instituídos em mim.

Ainda em minha trajetória, como aprendiz cartógrafa, inseri-me no grupo de

pesquisadores responsável pelo Projeto de Pesquisa para o SUS (PPSUS): O processo de

implantação da rede de atenção à saúde materno infantil no DRS III de Araraquara: a

atenção básica como ordenadora da atenção em rede em setembro de 2013. Minha pesquisa é

parte integrante desse projeto aprovado no edital FAPESP/PPSUS 2012/51827-0

(MATUMOTO et al., 2013). A aproximação a esse novo ambiente de trabalho exigiu intensas

leituras sobre o referencial teórico-metodológico proposto, interação com o grupo e

apropriação do objeto de pesquisa, além da preparação para entrada no cenário de pesquisa.

Outros movimentos que compõem a minha formação dizem respeito à programação das

reuniões mensais do GCR ao longo do ano de 2014 e o planejamento de estratégias de

engajamento com os participantes.

Nesse percurso acadêmico, fez parte o delineamento do projeto de pesquisa para

ingresso no Programa de Pós-graduação Enfermagem em Saúde Pública, cuja proposta inicial

teve como intenção explorar a Educação Permanente em Saúde (EPS) em nível municipal,

suas práticas de gestão e formação. No entanto o processo de formação docente-pesquisador

auxiliou-me a repensar minha prática (de pesquisa e de profissional de saúde) a partir da

habitação no território, na vivência com o GCR, da reflexão sobre a atividade de pesquisa

junto com a orientadora, com o grupo de pesquisadores e com o assessor Gilles Monceau

durante as oficinas de análise, num processo de assimilação, significação e ressignificação de

conceitos, preconceitos e instituições que me guiam. Minha participação em disciplinas com

os colegas e os professores também contribuiu para o entendimento daquele espaço, o GCR,

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Apresentação ____________________________________________________________________ 19

como um espaço inovador e com potencial para gerar processos formativos de Educação

Permanente em Saúde. O projeto de pesquisa modificou-se, e parti para outro caminho, outro

hódos: como ocorrem os processos formativos no GCR? Quais suas potencialidades e

fragilidades e como contribuem para o processo da institucionalização da Rede de Atenção

Materno Infantil? O hódos indicou-me a direção para outras metas, e o foco dessa imersão no

campo de intervenção teve seus reflexos disparados no processo. Aprendi com os

enfrentamentos dos nós críticos, o manejo da situação grupal na perspectiva participativa a

fim de garantir maior vínculo com os participantes da pesquisa, e como acessar o comum

heterogêneo, praticando a transversalidade, para atuação mais engajada naquele coletivo. O

envolvimento com os trabalhadores no campo de pesquisa e com os demais pesquisadores do

grupo PPSUS também colaborarou de forma significativa nessa trajetória de estudos,

investigação e ação.

É preciso esclarecer, ainda, que os escritos nesta dissertação são elaborados com base

em uma experiência, a experiência em uma pesquisa-intervenção na qual vivi a experiência de

cartografar. A cartografia apresentou-me suas pistas, e, ao longo do texto, essa perspectiva vai

desvelando-se em sua narrativa. A narratividade expressa-se em uma escrita mais livre

daquela apresentada no modo hegemônico das pesquisas qualitativas em que é preciso

desfazer-se de muitos preconceitos, muitos dos quais instituídos em nós. A escrita

desenvolve-se de forma mais flexível, ela exige uma postura ético-estético-política que

envolve a desmontagem do texto (PASSOS; BARROS, 2009b), sua análise em diferentes

ramificações, abrindo cada vez mais saídas, como uma rede, como um rizoma, cujo conceito

abordaremos mais adiante.

Leva em consideração, também, a minha implicação, minha abertura para conhecer e

deixar-me conhecer, por isso esclareço ao leitor que farei uso da primeira pessoa do singular

ao referir-me a processos vividos com a Educação Permanente, como aprendi pelo saber da

experiência, como muitas vezes fugi de meu território, ou não. E, também, a primeira pessoa

do plural para referir-me a processos vividos com os integrantes do GCR, com os demais

pesquisadores do PPSUS, seja em campo, seja nas oficinas de análise e com a orientadora

durante esse percurso.

A cartografia é apresentada por meio de planos: na introdução do tema, conheceremos

as paisagens que compõem a Rede-Rizoma, como a institucionalização da saúde materno

infantil no Brasil; a EPS como perspectiva e como política; aspectos gerais e particulares da

EPS no campo de estudo, o DRS III. Também iniciaremos nossa viagem pelo cenário de

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Apresentação ____________________________________________________________________ 20

estudo, o GCR e pela EPS em outros coletivos de gestão, demarcando, então, os caminhos

que percorremos para delinear os objetivos desta investigação.

Em seguida, abordarei os referenciais teóricos e metodológicos utilizados que

representam as diferentes lentes que utilizei para observar as paisagens no GCR: o referencial

teórico do Processo de Trabalho em Saúde, conceitos da Análise Institucional, e a Educação

Permanente em Saúde e seus princípios, lentes que me auxiliaram na compreensão dos

Processos de institucionalização na Rede Cegonha (RC).

Ainda, fará parte desta dissertação a descrição do percurso metodológico nesta

pesquisa qualitativa em saúde o hódos-metá que se delineou, a análise de documentos, que

teve papel importante no reconhecimento do território que habitei durante a produção da

pesquisa-intervenção, a pesquisa-intervenção e suas prerrogativas, e o método utilizado: a

cartografia, e seus desafios. A partir de então, seguem-se planos de análise que compõem o

acompanhamento de processos de institucionalização na Rede-rizoma. Dentre eles, há uma

aproximação ao contexto do DRS III, da RC e da EPS em seu território, apontando

fragilidades e potencialidades e, por fim, planos que compõem a vivência no GCR com o

desenho de paisagens que compõem o mapa do aprendizado, entremeados por análises de

implicações e aprendizados na experiência de construção da RC. Esperamos que esses mapas

desenhados aqui possam abrir possibilidades de aprendizado também em vocês, leitores.

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___________Paisagens que Compõem a Rede-Rizoma

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Paisagens que Compõem a Rede-Rizoma ______________________________________________ 22

2 PAISAGENS QUE COMPÕEM A REDE-RIZOMA

Para adentrar o universo cartográfico, convidamos o leitor a conhecer alguns planos e

paisagens que compõem o desenho do que estamos chamando de Rede-rizoma, planos que

retratam os processos de institucionalização presentes na Rede de Atenção Materno Infantil

em diferentes momentos do contexto histórico brasileiro. Também visitaremos cenas dos

processos formativos de Educação Permanente em Saúde no Brasil, e no Estado de São Paulo,

outro componente e objeto desta investigação que também apresenta sua história,

peculiaridades e perspectivas. Para entender melhor os conceitos de processo de

institucionalização e de uma Rede-rizoma, tomaremos alguns conceitos do Movimento

Institucionalista. Esse movimento esteve presente no Brasil a partir da segunda metade da

década de 1970 e é caracterizado por nuances francesas, argentinas e brasileiras em um

“grupalismo-institucionalismo” (CUNHA; DORNA; RODRIGUES, 2006, p. 3) que se

ramificam em diferentes correntes com o objetivo comum de “deflagrar, apoiar e aperfeiçoar

os processos autoanalíticos e autogestivos dos coletivos sociais” (BAREMBLITT, 2002, p.

11). Nesse conjunto heterogêneo, situar-nos-emos principalmente nas correntes teóricas da

Análise Institucional e da Esquizoanálise, com o objetivo de lançar luz à dinâmica das

instituições e do processo de institucionalização na Rede Materno Infantil e entender seu

aspecto rizomático. Optamos pelo uso da denominação Análise Institucional (AI) na

referência teórica, pois esse campo foi explorado em estudos no Brasil desde a década de

1970 e por sua aplicação no campo da Saúde Coletiva (L’ABBATE, 2003, 2012;

L’ABBATE; MOURÃO; PEZZATO, 2013), notadamente a socioanálise de René Lourau

(LOURAU, 1968, 1993, 2014) e Georges Lapassade, e, atualmente, também a socioclínica na

área da Educação e da Saúde (MONCEAU, 2013).

Para os institucionalistas, as instituições são lógicas para regulação da atividade

humana resultantes do movimento dialético entre forças, que são dinâmicas e participam de

movimentos, de fluxos e de disputas entre si. Assim, temos as forças caracteristicamente de

imobilidade e manutenção, chamadas de instituído, ou aquilo que está posto como regra a ser

seguida. E há, também, as forças instituintes, aquelas que portam o desejo de transformação,

mobilidade e criação (BAREMBLITT, 2002). Essas forças instituintes, em disputa com o que

já está ou é instituído, conformam um terceiro momento mutante, o processo de

institucionalização. Ele corresponde ao momento em que as forças instituintes são

incorporadas à Instituição e tornam-se o instituído, num movimento explicitamente dinâmico

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característico das instituições (MONCEAU, 2012). Portanto, “o instuído é o efeito da

atividade instituinte” (BAREMBLITT, 2002, p. 30). Já o termo rizoma é um conceito

complexo para entender o mundo moderno, com origem na botânica, e foi criado pelos

esquizoanalistas Deleuze e Guattari (1995). Nesta pesquisa, abordarei apenas algumas

nuances que esses autores trazem, o rizoma como linhas abertas, que, como um caule

subterrâneo de crescimento horizontal, não tem estrutura pré-definida, podendo tomar

distintas formas, dimensões e extensões, porta multiplicidades e tem um caráter heterogêneo.

É a partir desta visão que trataremos da rede cegonha rizomática, entendendo-a como potente

para bifurcar-se, espalhar-se, conectar-se e romper-se, sem direções pré-definidas ou estrutura

rígida e organizada. Entendendo-a, também, como uma rede de fluxos, de pessoas, materiais e

informações, de conexões instavéis que podem, muitas vezes, romper-se, tornar-se frouxas ou

duras. E, quando há rupturas, suas linhas encontram novos caminhos e conexões que, por sua

vez, afrouxam-se e endurecem-se.

2.1 A institucionalização da saúde materno infantil no Brasil

Baremblitt (2002) já afrimava que é quase impossível escrever sobre a história das

instituições, porém elas podem dizer muito sobre seu modo de funcionamento e seus

instituídos. A história das políticas de saúde materno infantil desenvolveu-se, no Brasil, em

época e contexto distintos daquele do mundo ocidental e, em especial, da Europa, por isso

cabe ressaltar algumas diferenças, origens e semelhanças.

No Século XVIII, as políticas de saúde foram caracterizadas nos países da Europa

como Medicina de Estado (FOUCAULT, 2013) com base no mercantilismo e no controle da

produção, estabelecendo estatísticas de nascimento e mortalidade a fim de aumentar o número

da força de trabalho. No fim desse período, a medicina urbana higienista fez-se presente na

França com o objetivo de controlar a circulação de doentes e doenças. Já na Inglaterra, que

vivia a Revolução Industrial, esse controle visava à manutenção da força de trabalho.

Posteriormente se constituíram os ambientes de cuidados institucionalizados, como hospitais

e santas casas, entre outros. E nesse cenário também se construíram diferentes relações

sociais, na família e entre mãe e filho, novos movimentos de forças e processos de

institucionalização.

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Na História do Brasil, da Colônia à República, as características das condições sociais

das famílias ao longo da história eram determinantes nos cuidados maternos. Percebemos que

no fim do século XVIII a família moderna sofreu intensas modificações decorrentes da

ascensão da burguesia, porém ainda com vestígios de um país colônia (MOURA; ARAÚJO,

2004). Essas autoras explicam que, durante o século XIX, com a vinda da Família Real para o

Brasil, como uma força de transformação da realidade da colônia, tivemos os primeiros

indícios de uma Medicina Social com vistas ao desenvolvimento econômico e político, na

figura de higienistas que auxiliaram a família brasileira a assimilar novos valores, típicos do

novo mundo urbanizado, especialmente nas classes mais abastadas da sociedade (MOURA;

ARAÚJO, 2004).

No fim do século XIX e início do XX, os elevados índices de mortalidade infantil

tornam-se preocupantes frente à constituição de nação, segundo descreve Barreto (2011):

Nesse contexto nacionalista e higienista, os médicos e os puericultores, com o apoio das elites e de setores femininos da sociedade, organizaram entidades de assistência materno infantil, movimento que visava, entre outros objetivos, à conformação de rede de assistência focada na construção de instituições hospitalares especializadas em obstetrícia e pediatria, e de espaços de educação feminina voltados para o cuidado da infância (BARRETO, 2011, p. 296).

Em consonância às ações protecionistas, no transcorrer do século XX, nas grandes

cidades brasileiras foram organizados programas de assistência médica e proteção social

materno infantil, como o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, criado em 1899 no Rio

de Janeiro e que previa a inspeção higienista infantil (ZANIANI, 2008) e também a garantia

da força de trabalho. Notamos a normatização das práticas sociais instituída por documentos e

leis, por exemplo, por movimentos para a institucionalização do parto (SANTOS NETO et al.,

2008). Cabe diferenciar institucionalização, neste último caso, como instituições hospitalares

entre outros institutos, com finalidade de controle e monitoramento do desenvolvimento da

população. Esses processos de institucionalização da saúde materno infantil permitiam

avanços e melhoria nas condições de vida e, ao mesmo tempo, reproduziam um caráter

opressor e controlador sobre ela. Tomando o poder como algo intrínseco às práticas sociais

(FOUCAULT, 2013), as relações de poder no campo da saúde são perpassadas por ações

contraditórias, de um lado institui-se algo novo em direção à mudança e à melhoria das

condições de vida, de outro se criam dispositivos de tutela e de controle (MERHY, 1998).

De acordo com Nagahama e Santiago (2005), o domínio e o controle do Estado sobre

a atenção à saúde materno infantil no Brasil são evidentes na história dos programas de saúde

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das décadas de 1920 a 1980. Em 1940, foi criado o Departamento Nacional da Criança

(DNCR), órgão voltado para o cuidado materno infantil com ações essencialmente

preventivas para a proteção da maternidade e infância, práticas educativas e puericultura

(NAGAHAMA; SANTIAGO, 2005). Durante 20 anos, o progressismo e a necessidade de

desenvolvimento econômico em que o Brasil vivia fizeram dessa instância, por vezes, um

órgão regulador da sexualidade apenas como veículo da reprodução e, por outras, em prol do

combate à mortalidade infantil para garantia de uma nação forte e progressista. Durante a

Ditadura Militar, momento de opressão e crescimento econômico com forte intervenção do

Estado, instituiu-se um modelo de atenção à saúde médico assistencial privatista,

individualizado, de base hospitalar e ambulatorial em detrimento das medidas de saúde

pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo (NAGAHAMA; SANTIAGO, 2005).

Impulsionadas pelas forças instituintes do movimento feminista, entre outros

movimentos sociais da década de 1980, as políticas públicas para a atenção à saúde da mulher

e da criança intensificaram-se, acompanhando o movimento do fim do regime militar,

abertura política e da reforma sanitária, em uma mescla de movimentos e forças em disputa.

Em 1984, a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) trouxe

novas perspectivas em relação ao atendimento mais integral, e durante toda a vida da mulher,

da adolescência à senilidade, uma Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL,

2004b) que propôs diretrizes para a humanização do cuidado à mulher. Nessa sucessão de

novos documentos sendo instituídos, a implementação do PAISM reunia ações organizadas

para a redução da morte materna, a atenção obstétrica humanizada e qualificada, e a atenção

às mulheres em situação ou risco de violência doméstica e sexual (BRASIL, 1984). Dentre as

novas políticas, houve a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança

(PAISC). Ainda que de forma desarticulada à saúde da mulher, esse programa apresentava

ações para promoção da saúde da população menor de 05 anos. É importante lembrar que a

institucionalização de novos documentos não significava modificações na natureza das

práticas. Há, em toda mudança, uma adaptação a novos fazeres e, por vezes, as ações

continuam as mesmas, desarticuladas das novas propostas e presas aos modos hegemônicos

instituídos.

Além da fragmentação das políticas públicas em relação ao cuidado prestado à mulher

e à criança, fazem parte da história as altas taxas de mortalidade infantil no país: de 48 óbitos

infantis por mil nascidos vivos (NV), em 1990 (INSTITUTO BRASILEIRO DE

GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE), 2002). Apesar da tendência de queda para 29,6 em

2000 e, 13,82 óbitos infantis por mil NV em 2015 (IBGE, 2002), essas mortes, muitas vezes

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evitáveis, ainda são fatores alarmantes, principalmente entre as populações mais vulneráveis,

levando em conta as desigualdades sociais e regionais no nosso país.

A constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) veio como uma onda de forças

instituintes por meio das Leis n° 8.080 e n° 8.142, (BRASIL, 1990) que impulsionaram a

reflexão sobre a saúde como direito, a importância da opinião e participação social e com

diretrizes que contemplavam ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. Um

exemplo dos seus reflexos foi a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em que

se instituiu, pelo menos documentalmente, a atenção à gestante adolescente (BRASIL, 2001).

Ampliando o acesso e os direitos da mulher adolescente mediante os instrumentos duros é que

a rede foi encontrando bifurcações possíveis e foi conformando-se como rede-rizoma, foi

encontrando novas conexões.

É no caminho dessas conexões que, nos anos 2000, foi implantado o Programa de

Humanização do Pré-Natal e do Nascimento (PHPN), com o principal intuito de reduzir as

altas taxas de morbimortalidade materna, perinatal e neonatal no País (BRASIL, 2002). Esse

programa foi instituído pela Portaria GM/MS nº 569, de 1º de junho de 2000 (BRASIL,

2000), que direciona o cuidado para o acesso ao atendimento digno e de qualidade no decorrer

da gestação, parto e puerpério. Esta legislação amplia o direito materno infantil com as leis

complementares 11634/2007, que dispõem sobre o direito da gestante ao conhecimento e

vínculo com a maternidade onde será assistida, e a 11108/2005, que garante às parturientes o

direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato,

no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2011d), fatos importantes frente ao quadro

de desigualdades de acesso à assistência à saúde no Brasil, pois propõem assegurar à família

um atendimento humanizado e seguro.

Ainda como suporte dessa rede-rizoma e como processos de institucionalização,

podemos considerar alguns programas que visam à ampliação e ao fortalecimento da Atenção

Básica como ordenadora da atenção em rede, um dos pontos-chave para um atendimento de

qualidade no pré-natal e puerpério. Como exemplos de movimentos de forças instituintes,

temos o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que buscou aproximar serviço

de saúde e comunidade, e o Programa Saúde da Família (PSF), atualmente Estratégia Saúde

da Família (ESF), que contribuem de forma significativa com a melhoria das condições de

saúde das famílias, pois contam com ações de acompanhamento longitudinal da família de

forma integral e multidisciplinar, principalmente o cuidado às mulheres e às crianças, que são

um grupo prioritário de ação, a fim de alcançar a equidade no SUS (BRASIL, 1990).

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Paisagens que Compõem a Rede-Rizoma ______________________________________________ 27

A partir dessa lógica de trabalho em equipe, entre outros princípios que regem a ESF,

e de acordo com a organização do SUS em Redes de Atenção à Saúde (RAS) (BRASIL,

2010a), o Governo Federal lançou, em 2011, a Rede de atenção materno infantil ou Rede

Cegonha (RC) no âmbito do SUS (BRASIL, 2011a), um novo documento com potencial

instituinte de transformação da realidade por meio da garantia de novos direitos.

Essa assim chamada “rede” tem um caráter de bifurcação e conexão mais forte que os

documentos lançados anteriormente, porque procura operacionalizar as políticas já criadas,

porém de forma a articular os pontos de atenção visando ao atendimento humanizado com

base na Integralidade (MATTOS, 2009), um dos princípios do SUS.

É importante explorar o conceito de Integralidade e seus diferentes sentidos na atenção

à saúde pensada com a instituição das RAS. Mattos (2009) destaca três deles para pensarmos

a complexidade do SUS e do trabalho em saúde. Primeiro, a Integralidade como cuidado que

advém da medicina integral, medicina que atualmente inclui todas as especialidades de saúde,

como aquela atitude esperada pelos profissionais de não reduzir ou fragmentar o corpo, o

paciente, ou a sua queixa, e, sim, ver o paciente de forma integral. O segundo diz respeito à

Integralidade na organização das práticas e dos serviços de saúde de modo que se tenha a

articulação entre os pontos de atenção, sejam eles primários, secundários ou terciários. É

importante que eles se comuniquem, e que o cuidado prestado seja horizontal, capaz de

apreender as necessidades de saúde daquela população. O terceiro relaciona-se às políticas

direcionadas a sanar as necessidades de saúde identificadas, ao dar respostas abrangentes a

essas necessidades e a toda a população, por exemplo, ampliando o seu acesso sem distinção

de raça, idade ou gênero, a todos os níveis de atenção, superando novamente outros

reducionismos.

Para alcançar a Integralidade no cuidado, a identificação das necessidades de saúde é

outro ponto a ser explorado. De acordo com a taxonomia proposta por Cecílio (2009), para

compreender as necessidades de saúde, devemos considerar as condições sócio-econômico-

políticas da população, como moradia, emprego, renda, alimentação, terra e lazer como

intrínsecos a boas condições de vida, fatores externos que influenciam nosso processo saúde-

doença. Em um segundo grupo de necessidades, temos o acesso a toda tecnologia necessária

para manter e recuperar a vida, de acordo com a singularidade de cada indivíduo. Um terceiro

conjunto de necessidades está relacionado aos vínculos afetivos e efetivos com profissionais e

equipes de saúde, vínculos que se aproximem de relações de confiança; mais do que adscrição

a um território de saúde, laços que garantam a continuidade e a longitudinalidade do cuidado.

E, por fim, ter aumento nos graus de autonomia para gerir a própria vida, pois as necessidades

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Paisagens que Compõem a Rede-Rizoma ______________________________________________ 28

são mutáveis, e sua autonomia pode, e deve, aumentar a partir de ressignificações dos

próprios sujeitos sobre suas possibilidades, limites e reais necessidades de saúde.

Para isso, são propostas novas estruturas e manutenção de outras já existentes nos

diversos serviços de atenção à saúde, incluindo a atenção básica, os centros de parto normal e

as maternidades (FERNANDES; VILELA, 2014), além das casas da gestante, bebê e

puérpera, e ambulatórios de gestação de alto risco. Segundo nota técnica do Conselho

Nacional dos Secretários de Sáude (CONASS, 2011), estabelecimentos como esses garantem

a inclusão das mães e bebês em gestação de alto risco, além de garantir o acesso a testes

rápidos, diagnóstico e tratamento apropriado a fim de evitar mortes indesejáveis. Dessa forma,

a RC tenta garantir atendimento ambulatorial e hospitalar, se necessários, para gestantes e

crianças até os 02 anos de idade, incluindo os sistemas de apoio e logística a partir da

construção de planos de ação regionais (BRASIL, 2011b).

Há um desejo implícito no documento da RC em atender mulheres e crianças de forma

integral com uma proposta de viabilizar o acesso de todas as gestantes ao pré-natal, parto e

puerpério, uma importante medida para redução da morbimortalidade materno infantil.

Reconhecendo que há obstáculos à ampliação da atenção a toda a população sem exceções, o

reducionismo presente nas políticas públicas ainda sofre críticas, por exemplo, do movimento

feminista, que argumenta que a RC não presta atenção integral à saúde da mulher como

propunha o PAISM, pois prioriza o cuidado à mulher em sua função reprodutora (MATTOS,

2009), ampliando o acesso apenas para as gestantes e mães, exclusivamente nesse período da

vida, desconsiderando as opções da mulher moderna de não ter filhos, aspectos que uma

política integral deveria levar em conta.

Nesse plano de constituição da Rede-rizoma, encontramos potências e resistências que

vão passando pela Instituição Saúde, seus instituídos e processos de institucionalização de

acordo com o entendimento de uma necessidade, por vezes de transformação da realidade, e,

por outras, de sua manutenção. No contexto atual, vivemos o desafio de preservação da vida e

de processos formativos nos serviços que envolvem também a Instituição Educação. Essa

formação dos trabalhadores do SUS deve acompanhar uma perspectiva emancipatória e

reflexiva, seja no meu desejo de profissional de saúde e docente em formação, seja no que as

políticas têm apontado como caminho potente para a transformação da realidade, como

veremos em outras bifurcações dessa Rede-rizoma.

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2.2 Educação Permanente em Saúde

Nesta exploração de cenas e planos, nosso caminho passou por alguns momentos da

formação na saúde, em especial da Educação Permanente em Saúde no Brasil, seus projetos

precursores, arranjos e movimentos da Polítca Nacional de Educação Permanente em Saúde

(PNEPS).

A 4ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1967, período em que o Brasil

viveu sob a Ditadura Militar, trouxe à tona, ainda que timidamente, a discussão sobre os

recursos humanos na saúde, o que, segundo Smaha e Paulilo (2009), indicava certa aposta

para a qualificação do serviço de saúde no país mediante a oportunidade “de os educadores se

tornarem mais sanitaristas e de os sanitaristas se tornarem mais educadores”

(CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1967, p. 13). Com o passar dos anos, houve

indícios de um imbricamento cada vez maior entre as Instituições Saúde e Educação, de um

lado em defesa do crescimento econômico do país em um período de austeridade e controle

forte do Estado, controle da liberdade de expressão e, sobretudo, controle do uso de

metodologias libertadoras. De outro, houve a incorporação nos serviços de saúde de uma

postura mais horizontal e dialogada com os usuários, a partir do envolvimento cada vez maior

dos trabalhadores de saúde com a Educação Popular de Paulo Freire a partir da década de

1970 (VASCONCELOS, 2004), possibilitando reflexões sobre a normatização reguladora e

autoritária da Educação em saúde, abrindo-se caminho para a reorientação participativa das

práticas e políticas de saúde.

A qualificação dos serviços por meio da Educação fortaleceu-se principalmente depois

da 8ª Conferência, em 1986, quando as políticas de Saúde conquistaram a promulgação da

Constituição Federal Brasileira e do SUS (BRASIL, 1990), e a democratização do país, da

Saúde e da Educação, o que, nos anos seguintes, embasou as discussões sobre a formação de

trabalhadores no SUS e para o SUS.

O SUS, desde a Constituição de 1988 (BRASIL, 1990), busca reorientar o modelo de

atenção à saúde de modo que a atenção prestada a seus cidadãos reflita a universalidade, a

integralidade e a equidade. Esses conceitos são alicerce para transformações importantes que

o movimento da reforma sanitária brasileira suscitou para a consolidação da democracia, a

garantia da saúde como direito, de forma integral e que revelasse uma nova concepção sobre o

processo saúde-doença e, para tanto, uma divisão do trabalho em equipe e incorporação de

políticas de saúde emancipatórias.

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Nesse percurso, na América Latina, a Fundação W. K. Kellogg destacou-se na

promoção do ensino das profissões da área da saúde e apoio à Saúde coletiva no Brasil (LINS;

CECÍLIO, 1998). Com apoio dessa Fundação, nasceu a Rede Unida, em 1985, em decorrência

da mobilização para a qualificação da educação profissional em saúde (REDE UNIDA, 2015).

A Rede, como era conhecida, participou ativamente no movimento da reforma sanitária

durante a 8ª Conferência e continua atuante até hoje, promovendo debates em seus congressos

e encontros que envolvem atores de diferentes frentes para a discussão da formação na saúde.

Outro exemplo do investimento dessa Fundação no Brasil é o Programa UNI, lançado na

década de 1990 como: Uma Nova Iniciativa na Educação dos Profissionais do Setor de Saúde,

em conjunto com a comunidade, com vistas ao desenvolvimento da educação, da assistência à

saúde e de ações comunitárias, valorizando a tríplice gestão por parte das universidades,

sistema local de saúde e sociedade civil organizada (FUNDAÇÃO UNI, 2015).

Conforme Lins e Cecílio (1998), nesse programa, universidade, serviços de saúde e

movimentos organizados da comunidade deveriam atuar em conjunto na formação dos

profissionais de saúde, levando-os para ambientes de ensino/aprendizagem mais próximos da

comunidade (LINS; CECÍLIO, 1998), contrariando a forma tradicional de ensino flexneriano,

de origem fragmentária e reducionista, e propondo uma parceria entre as diferentes esferas

que compõem a complexa rede entre ensino-serviço-comunidade.

A necessidade de transformação das práticas hegemônicas, insuficientes para o

atendimento de qualidade, disparou movimentos de mudança em alguns grupos, dentre eles a

Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES). A estratégia proposta

pelo Departamento de Gestão do Trabalho e da Educação, nos anos de 2003 a 2005, momento

de mudanças na gestão no país, era discutir a construção do SUS a partir de projetos políticos

e de processos de subjetivação com o intuito de apoiar e fomentar a participação de diferentes

atores de forma articulada com experimentação de práticas inovadoras (FEUERWERKER,

2014).

Dentre essas práticas, no âmbito da formação para o SUS, o VER-SUS (Vivência-

Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde), iniciado em 2003, deu a oportunidade aos

estudantes de graduação de experienciar um novo espaço de aprendizagem, que é o cotidiano

de trabalho das organizações de saúde, possibilitando a formação de profissionais

comprometidos ética e politicamente com as necessidades de saúde da população (FERLA et

al., 2013). E também puderam viver na prática os desafios da incorporação do aprendizado no

trabalho, já que, apesar dos avanços, o SUS apresenta fragilidades e o modelo hegemônico,

biologicista, centrado na doença, ainda prevalece.

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O termo “Educação Permanente em Saúde” tem suas origens na Pedagogia, na

Educação de Jovens e Adultos, com metas de aprendizado que foram modeladas no Brasil

para criar-se um modo de pensar o trabalho, reflexivo, ativo, e para promover a mudança na

realidade, que seja revolucionário do ponto de vista de práticas em saúde, que levem à defesa

da vida e à melhora das relações dentro das equipes e no atendimento ao usuário.

Nessa perspectiva, alguns desafios para os trabalhadores da saúde são apontados na

literatura: o comprometimento com a reflexão crítica sobre o trabalho, a corresponsabilidade e

a experimentação da alteridade (CECCIM; FEUERWERKER, 2004), ações que possam

refletir em transformações mais profundas e significativas das práticas e o compromisso com

a defesa da vida, com base nas necessidades da população brasileira.

Com o intuito de desencadear processos de formação capazes de mobilizar os

trabalhadores na direção dos desafios acima referidos, foi lançada pela SGTES do Ministério

da Saúde a Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS: a Política Nacional de

Educação Permanente em Saúde (PNEPS) (BRASIL, 2004c).

Essa política tem como eixo principal a implementação da Educação Permanente em

Saúde (EPS): “aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao

cotidiano das organizações e ao trabalho” (BRASIL, 2009b, p. 20), de forma que os processos

de educação dos trabalhadores da saúde façam-se a partir da problematização do processo de

trabalho e sejam pautados na reflexão e na aprendizagem significativa, um dos conceitos-

chave da EPS, que se caracteriza pela interação cognitiva entre o novo conhecimento e o

conhecimento prévio (AUSUBEL, 1963; FREIRE, 1987; MOREIRA, 2010). Esta aposta na

produção de sentidos tem base na reflexão crítica sobre as práticas reais de profissionais na

rede de serviços (BRASIL, 2004c), de forma que o binômio aprendizado-trabalho seja

incorporado em qualquer ambiente em que se faça saúde, seja ele um espaço de atenção, de

gestão ou de controle social, numa gestão participativa e compartilhada.

A Política de EPS preocupa-se com que haja uma aprendizagem que faça sentido para

os trabalhadores, de modo a desenvolver uma postura crítica; nas palavras de Moreira (2010,

p. 4), que seja uma “estratégia de sobrevivência na sociedade contemporânea” que vive em

permanente e rápida transformação, definida como uma aprendizagem significativa crítica,

alimentada por nossos desejos e motivações. Um fator importante para a manutenção da

motivação no ambiente de trabalho é criar coletivamente um ambiente de confiança para que

o trabalhador possa exercitar a capacidade criativa e disseminar a capacidade pedagógica para

a efetivação da EPS no SUS (ROSCHKE, 1997; CECCIM, 2005).

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Segundo Brandão e Oliveira (2013), o poder de transformação dessa estratégia está no

empoderamento dos sujeitos envolvidos em relação ao seu processo de trabalho, que,

consequentemente, reflete em ações transformadoras no cuidado em saúde em uma relação de

cidadania individual e coletiva. Dessa forma, destacamos o quadrilátero da formação para a

área da saúde: Atenção, Educação, Gestão e Controle social, como importante integrador

entre todos os envolvidos no processo de cuidado em saúde, ao possibilitar o encontro entre

usuários, gestores, trabalhadores e estudantes, de forma que cada interseção resulte em

trajetos formativos em ato, evidenciando o compromisso social da Educação Permanente em

Saúde de forma indissociada do processo de trabalho e seus elementos-chave (CECCIM;

FEUERWERKER, 2004; SILVA et al., 2011).

Ainda, como preceito importante, a EPS busca exercitar nos espaços de trabalho a

pedagogia da problematização, na qual “a capacidade que se deseja desenvolver é a de fazer

perguntas relevantes em qualquer situação, para entendê-las e ser capaz de resolvê-las

adequadamente” (BORDENAVE, 1999, p. 265), aproximando o trabalhador de seu contexto e

dos resultados de seu esforço. Além disso, sua concepção é diversa da pedagogia de

transmissão, dita por Freire (1987, 1989) como uma “educação bancária”, depositária de

informações, mas de uma pedagogia que questiona a realidade na busca de autonomia e

cooperação.

Muitas vezes, no entanto, as ações resultantes do diagnóstico das necessidades dos

serviços caracterizam-se por práticas de educação continuada, notadamente com o objetivo de

atualização de conhecimentos específicos, de forma pontual, pautada pela concepção de

educação como transmissão de conhecimento e em necessidades individuais

(NASCIMENTO, 2013; PEDUZZI et al., 2009), não levando em consideração as reais

necessidades da população, o conhecimento prévio dos trabalhadores ou a utilização da EPS

como ferramenta de gestão capaz de execução/aplicação do aprendizado para a mudança das

práticas.

Concordamos com Pedroso (2005) quando valoriza todos os esforços e estratégias

pedagógicas para formação e desenvolvimento de recursos humanos para o SUS, guardando

as devidas circunstâncias e o contexto de trabalho. Portanto, consideramos a importância da

educação continuada para a profissionalização e inserção dos trabalhadores devido à alta

rotatividade nos serviços, porém também nos mobilizamos em relação às estratégias de

ensino-aprendizagem utilizadas, já que a literatura indica que há certa desmotivação dos

trabalhadores em participar de capacitações por não receberem o incentivo e o

reconhecimento dos serviços (FIGUEREDO et al., 2014), demonstrando que a educação no

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serviço ainda é orientada de forma a não trazer significado ou ativar processos reflexivos

sobre a prática nos serviços de saúde, além de não valorizar a articulação entre atenção à

saúde, gestão e controle social.

Neste processo de institucionalização da EPS, acreditamos que a conformação da

PNEPS tem endurecido cada vez mais a proposta inicial da EPS, reduzindo seu potencial

transformador, pois, ao constituir-se em Política, algo mais formatado, a EPS passou a ser

também uma exigência do Ministério da Saúde, como uma meta a ser cumprida. Dessa forma,

a EPS tem deixado de lado a perpectiva emancipatória, seu carater revolucionário e libertário,

de defesa da vida, presente no movimento sanitário e durante a elaboração do SUS, que tinha

como ideia central uma construção coletiva humanista. Nessa perspectiva, os trabalhadores

poderiam refletir sobre seu trabalho e criar relações de trabalho saudáveis e democráticas em

seu contexto, e, no entanto, encaram a realidade de formação com base em metas e resultados.

O modelo hegemônico na atualidade é influenciado por projetos governamentais,

caminhos de disputa em que os profissioanis passam a ser funcionalistas e menos

emancipatórios, com metas e exigências que endurecem a ação. A PNEPS é apresentada como

exigência em documentos e programas como o Programa Nacional de Melhoria de Acesso e

da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ) e o Pacto pela saúde (BRASIL, 2006). Se, por um

lado, há a garantia de revisitação à política e seus preceitos, esta lógica também se caracteriza

como gerencialista, que segue o modelo da nova gestão pública (SANO; ABRUCIO, 2008)

com base no controle de resultados, e tem uma tendência ao enquadramento, com vínculo

financeiro, e envolve ainda outros aspectos do mundo capitalista que minguam a participação

social entre outros microprocessos capazes de promover as mudanças necessárias.

Alguns dilemas levantados por Cecílio (2012) no VI Seminário Internacional de

Atenção Básica concernem à institucionalização da EPS, por exemplo quando seu caráter

horizontal, não hierárquico, traz à tona disputa de poderes que desvelam a lógica fragmentária

dos gestores, sejam as Secretarias de Saúde ou até mesmo o Ministério da Saúde, que atuam,

muitas vezes, em outra lógica, com uma gestão vertical e pouco dialógica. Outro dilema

configura-se em seu endurecimento por meio de materiais duros, como as diretrizes que se

tornam instrumentos opressores e minam o poder criativo na micropolítica dos serviços. Por

fim, seu caráter de transformação da realidade mediante a reflexão crítica sobre a prática e

como canal de comunicação direciona-se para outra lógica, mais instrumental e

procedimental, como veremos mais adiante.

Atualmente, é possível identificar movimentos de EPS como Fóruns de EPS para

formação de gestores (SATO; CECÍLIO; ANDREAZZA, 2009) e rodas de EPS que se

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capilarizam pelas redes de atenção (PINTO et al., 2010). Também, pensando no

fortalecimento da EPS no contexto atual, um grupo de pesquisadores da UFRGS

(Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a convite do Departamento de Gestão da

Educação do Ministério da Saúde (DEGES), defende a identificação e o reconhecimento de

movimentos presentes no cotidiano dos serviços de saúde, no dia a dia do fazer saúde, que

fazem do mundo do trabalho uma escola como “um convite aos trabalhadores do SUS para a

invenção de práticas de aprender, de cuidar e de fazer/viver a EPS para que possam dar

destaque à potência do trabalho vivo em ato” (EPS EM MOVIMENTO, 2014b), e que se

bifurca na formação de tutores de EPS em movimento e de trabalhadores de forma integrada e

multiprofissional com uso de dispositivos pedagógicos que explicitem as zonas de conforto e

de incômodos do cotidiano (MERHY, 2013).

O EPS em movimento reaviva a PNEPS e aposta na ativação dos processos formativos

que deem visibilidade e dizibilidade à EPS, reconhecem que ela não tem hora nem local

específico para acontecer, ela “pode estar no fazer de qualquer um” e “estamos todos imersos

nela” (EPS EM MOVIMENTO, 2014b). E esse reconhecimento da intensidade das produções

ajuda-nos a trabalhar a autogestão de nosso saber no cotidiano dos serviços.

No Estado de São Paulo, a EPS apresenta suas particularidades devido aos processo de

gestão e das leituras feitas a partir da política. É importante lembrar que, desde sua criação, a

PNEPS foi orientada por duas portarias que apresentam as diretrizes para implantação e

implementação da política em âmbito locorregional, diretrizes que indicam direções a partir

de um material duro que, muitas vezes, endurece também as práticas. A primeira foi a Portaria

nº 198, de 13 de fevereiro de 2004 (BRASIL, 2004a), que propunha a organização dos Polos

de EPS, que, no Estado de São Paulo, contou com uma Comissão Bipartite de Implantação e

acompanhamento, composta por representantes do Conselho dos Secretários Municipais de

Saúde do Estado de São Paulo (COSEMS) e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

(SES-SP). Esses Polos eram espaços interinstitucionais compostos por gestores, instituições

formadoras, instâncias de controle social, hospitais de ensino e serviços e representação

estudantil (BRASIL, 2004a) que deveriam debater as reais necessidades de formação e

viabilizar sua realização em um território de referência.

A partir da regulamentação das diretrizes operacionais do Pacto pela Saúde (BRASIL,

2006), a operacionalização da PNEPS esteve vinculada aos processos de gestão do SUS, na

perspectiva da Regionalização. Em 2007, a SES-SP deu início ao processo de Regionalização

como parte do Plano Estadual de Saúde (2008-2011) e realizou uma série de oficinas em que

os gestores municipais decidiram pela conformação de Regiões de Saúde (RS), além da

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avaliação e da readequação de estratégias para a efetivação da PNEPS nessa nova

conformação. Esse movimento de revisão contou com a participação do Ministério da

Saúde/SGTES, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho

Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) (BATISTA; GONÇALVES,

2011).

Assim, as forças instituintes e o instituído em disputa na condução da PNEPS

novamente se fizeram presentes quando a Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007

(BRASIL, 2007a) foi instituída em substituição à Portaria 198. Esse novo instituído definiu a

condução da PNEPS por meio de Colegiados de Gestão Regional (CGR), atualmente

denominados de Comissões Intergestores Regionais (CIR), com um importante fator de

mudança: houve a descentralização dos recursos financeiros que antes ficavam sob gestão do

Ministério da Saúde, de forma que a execução das ações de EPS fica também descentralizada

e vinculada a Planos de ação que devem ser elaborados de acordo com a realidade de cada

RS. Nesse contexto, a gestão buscava aprimorar a construção de consensos em relação às

responsabilidades, atribuições e competências da sua rede de apoio (SÃO PAULO, 2007)

mediante espaços legitimados para articulações, discussões e pactuações necessárias à

implementação dessa política e organização das regiões de saúde, e, por isso, subsidiou a

criação das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço (CIES) como parte da rede

de apoio à PNEPS.

A publicação da Portaria nº 1.996 (BRASIL, 2007a) reforçou a responsabilidade dos

diferentes atores que devem estar envolvidos com as ações de EPS, como gestores,

trabalhadores, formadores, usuários e estudantes, membros importantes para a composição do

Quadrilátero da Formação na área da saúde (CECCIM; FEUERWERKER, 2004). Dessa

forma, a gestão da PNEPS poderia ser feita não só por gestores locais, regionais e estaduais,

mas com os usuários dos movimentos sociais, dos Conselhos Locais de Sáude, Universidades

e outras instituições de ensino, como as Escolas Técnicas do SUS (ET-SUS), o COSEMS –

SP e o Conselho Estadual de Saúde (CES), apoiados pelas CIES. Esta última deve facilitar a

cooperação técnica às CIR no monitoramento das ações e discussões sobre EPS em sua área

de abrangência, sendo fundamental um trabalho articulado com as ações da gestão do sistema,

como no caso da implantação das RAS, um verdadeiro desafio para a constituição de uma

rede-rizoma.

O momento de transição entre as duas portarias trouxe implicações para a efetivação

da EPS no Estado de São Paulo. Pontos positivos considerados com a implantação dos polos,

pela Portaria 198, foram, por exemplo, a participação das universidades na discussão sobre a

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formação para o SUS, organização dos gestores para participar daquele espaço, e a reflexão

sobre o processo de trabalho numa lógica horizontal, com a integração de universidades

públicas e privadas (BATISTA; GONÇALVES, 2011). Com a Portaria nº 1996, percebemos

que a dinâmica locorregional é condição fundamental para a efetivação da PNEPS e que há

um grande esforço para constituir-se uma lógica de trabalho ascendente, participativa,

dialógica e centrada nos processos de trabalho.

Tal esforço depende do compromisso de gestores/trabalhadores em refletir sobre seu

papel e seu processo de trabalho na composição da CIR e CIES, cuja gestão porta muitos

desafios. Alguns deles estão explicitados nas atribuições da CIES (BRASIL, 2007a), como

apoiar, cooperar, articular, incentivar, ter um papel conciliador de acordo com os princípios da

reflexão sobre a prática no cotidiano do trabalho, capaz de promover o diálogo entre seus

atores. Em um campo de muitas disputas, como se caracteriza o trabalho em saúde, o papel da

CIES como apoiadora de processos de formação também é perpassado por projetos e desejos

dos trabalhadores que ocupam esses espaços e que tentam garantir ações de acordo com as

necessidades e particularidades de sua região.

Podemos elencar, aqui, como pontos positivos dessa nova conformação regionalizada

a criação, no mesmo período, dos Departamentos Regionais de Saúde (DRS), do Centro de

Desenvolvimento e Qualificação para o SUS (CDQ-SUS), dos Núcleos de EPS e a execução

do recurso financeiro mediante construção prévia, participativa e ampliada de um Plano de

Ação Regional de EPS (PAREPS). E, como “aspectos restritivos”, considerados por Batista e

Gonçalves (2011, p. 892), estão o apoio deficiente à CIES na CIR, a fragilidade de parcerias

entre municípios e instituições de ensino, e pouca corresponsabilidade com a formação dos

trabalhadores para o SUS, além da dificuldade de alocação de recursos financeiros, sempre

em disputa. Ainda, torna-se um fator impeditivo de efetivação da PNEPS no âmbito estadual a

dificuldade de articulação macrorregional das CIES com as grandes universidades públicas

em função da necessidade de convênio e financiamento para execução das ações de EPS

(BATISTA; GONÇALVES, 2011).

Apesar dos desafios para a efetivação da PNEPS vistos nessa aproximação ao contexto

Estadual, devemos também valorizar as ações locorregionais e, em especial, no contexto de

nosso campo de pesquisa, O DRS III. Este DRS destaca-se no Estado como um Departamento

que tem desenvolvido projetos de trabalho de qualificação da atenção por meio da EPS, com

metodologias ativas, problematização e rodas de conversa. Um desses, o Projeto de

Fortalecimento da Atenção Básica, foi objeto de investigação no estudo intitulado: Projeto de

Educação Permanente em Saúde de Fortalecimento da Atenção Básica nos municípios do

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Departamento Regional de Saúde III (DRS III) – Araraquara - análise e perspectivas

(MISHIMA et al., 2015). Essa pesquisa foi considerada uma experiência exitosa pelo PPSUS

e descreve que, apesar da estrutura e investimentos em EPS na região, a Educação

Permanente mostra-se pouco impactante para os trabalhadores, gestão ou município: “[...] que

não englobam as reais necessidades da equipe de saúde, que muitas vezes não se vê como tal,

e muito menos como agente de transformação do sistema de saúde” (OGATA et al., 2011 p.

146).

Nesta investigação, o potencial da EPS de transformação da realidade é algo que me

toca, e, além disso, há o enfoque em um problema prioritário ainda apontado no Plano

Estadual de Saúde nos últimos anos (SÃO PAULO, 2008, 2012): a redução da

morbimortalidade materno infantil. A morte de mulheres e crianças é algo que me moveu

também em diferentes direções durante esta investigação, com a reflexão sobre o princípio da

equidade no SUS, de tratar diferentemente os diferentes, no reconhecimento de problemas e

nós críticos, e nas possibilidades de enfrentamento e melhoria da qualidade do atendimento

aos usuários do SUS.

2.3 O Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha

A partir de todas essas nuances que compõem o movimento de construção desta

investigação cartográfica e da Rede-rizoma, é preciso que sejam considerados aspectos da

escolha do cenário do estudo, o Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha (GCR), e de sua

criação. O DRS III constituiu esse coletivo condutor bipartite seguindo as diretivas

organizacionais das redes de atenção à saúde nacionais (BRASIL, 2008, 2010a) e no Estado

de São Paulo (SÃO PAULO, 2007), e, também, da constituição da Rede Cegonha (RC)

(BRASIL, 2011a), para gestão dessa Rede, em conformidade com as novas organizações

democráticas na saúde, a partir do encontro de um coletivo heterogêneo de trabalhadores

pertencentes a municípios distintos para planejar e operacionalizar a RC em seu território.

Nossa aproximação a esse coletivo gestor por meio do Projeto PPSUS fez-nos perceber e

apostar que o GCR configurava-se como um espaço de produção de processos formativos na

perspectiva da EPS.

Na literatura é possível encontrar experiências de EPS em espaços coletivos como a

relatada por Carotta, Kawamura e Salazar (2009) em Embu-SP, que valorizam a realização de

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reuniões em roda, o espaço de encontro da equipe, a reflexão coletiva dos diversos segmentos

participantes, promovendo maior participação e responsabilização dos trabalhadores e a

possibilidade de falar sobre os problemas e nós críticos, construindo soluções coletivamente.

Concordando com essa perspectiva, Miccas e Batista (2014) enfatizam a importância da

pluralidade de atores nesses espaços com a participação de profissionais dos serviços,

professores e profissionais das instituições de ensino. Em relação às potencialidades da EPS

em espaços coletivos, Fortuna et al. (2011b) destacam a EPS como dispositivo capaz de gerar

incômodos, de promover mudanças nos trabalhadores associadas à escuta, vínculos e

conversas. As autoras afirmam que “conhecer melhor, conversar, olhar são atitudes que

produzem efeitos nos modos de lida dos trabalhadores de saúde. As rodas de EPS podem ser

um lugar/modo de cuidar desses cuidadores” (FORTUNA et al., 2011b, p. 7) e, ainda,

implicando desterritorialização e reterritorialização (FEUERWERKER, 2014).

Por outro lado, podemos identificar os espaços de EPS como espaço de tensões, entre

autonomia e tutela, e de, ainda, pouca governabilidade para gestores, que não têm a dimensão

clara da potência da EPS e suas implicações como a apropriação do trabalho clínico,

construído na perspectiva da clínica ampliada, (MATUMOTO et al., 2011), demonstrando a

necessidade de criação e manutenção de espaços de EPS para que os trabalhadores do SUS

possam fazer saúde, na perspectiva da integralidade, assim como encontramos em Ceccim

(2005), Ceccim e Feuerwerker (2004), Feuerwerker (2002; 2014), Machado et al. (2007) e

Mattos (2004).

Dentre as inquietações que surgiram da minha atuação como pesquisadora na Pesquisa

PPSUS, já mencionada na apresentação, senti a necessidade de refletir sobre como ocorrem os

processos formativos no GCR, suas potencialidades e fragilidades, e como contribuem para o

processo da institucionalização da referida Rede no sentido de buscar entender como se dão a

autoanálise e a autogestão desse coletivo da RC no DRS III, na perspectiva do

desenvolvimento humano e do atendimento integral à saúde da gestante e da criança.

A implementação de processos formativos de EPS em espaços de gestão passa a todo

o momento por processos de institucionalização, e assim também ocorre no GCR, onde há

disputas entre forças instituintes e o instituído. Para delimitar brevemente como esses

movimentos conversam e coexistem, o primeiro consiste em um movimento instituinte

(BAREMBLITT, 2002) de transformação e criação de novas práticas, baseado em ações de

reflexão do trabalho cotidiano que provoquem mudanças no processo de trabalho a partir da

ressignificação (FREIRE, 1987, 1992) e que se desdobram, podendo, ou não, favorecer a

qualidade da atenção e cuidado. O segundo corresponde à reprodução do modelo hegemônico

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instituído baseado na fragmentação, de caráter procedimental, e, muitas vezes, desconectado

de seu objetivo maior, o atendimento ao usuário, e, neste estudo, as gestantes e crianças, com

qualidade social. Portanto, partimos do pressuposto de que no GCR ocorrem processos

formativos de ambas as naturezas e que contribuem para o processo de institucionalização da

RC.

Compõe o movimento da investigação da busca de resposta ao problema o

conhecimento dos elementos que o envolvem para compreender seu contexto. Nesse sentido,

as seguintes questões também orientaram o processo investigativo: 1) Como o GCR tem se

efetivado como um espaço de EPS? Quais são os indícios que nos permitem reconhecê-lo

como tal? 2) Quais são as fragilidades e potencialidades do GCR como espaço de EPS?

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____________________________________ Objetivos

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Objetivos _______________________________________________________________________ 41

3. OBJETIVOS

3.1 Geral

O objetivo mais amplo desta investigação é compreender o Grupo Condutor Regional

da Rede Cegonha como espaço de Educação Permanente em Saúde para a institucionalização

dessa Rede

3.2 Específicos

Como objetivos específicos, têm-se os seguintes:

• Caracterizar a EPS no território de abrangência do DRS III de Araraquara– São

Paulo, para a implementação da Rede cegonha;

• Compreender fragilidades e potencialidades da EPS no território;

• Compreender os processos de EPS produzidos no interior do GCR.

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________________________________ Marco Teórico

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Marco Teórico ___________________________________________________________________ 43

4 MARCO TEÓRICO

4.1 O Processo de Trabalho em Saúde, a Análise Institucional e a Educação Permanente

em Saúde no Processo de institucionalização da Rede Cegonha.

A estrutura teórica que dá sustentação à proposta de Educação Permanente em Saúde

articula-se às transformações sociais e está pautada no Processo de Trabalho em Saúde e em

conceitos da Análise Institucional, referenciais teóricos selecionados para este estudo. As

referidas transformações sociais podem ser alcançadas com a participação de sujeitos-

trabalhadores, no sentido de desenvolver conhecimentos coletivamente construídos,

embasados na reflexão e na crítica, autoanálise e autogestão para o atendimento de qualidade

das famílias, de mulheres e crianças.

Para compreender os processos formativos no GCR, tomaremos o Processo de

Trabalho em Saúde (MENDES GONÇALVES, 1994) enfatizando seus elementos-chave:

objeto de trabalho, agentes, instrumentos e finalidade. O trabalho é aqui definido com base no

conceito marxista de prática social, que busca evidenciar a realidade e suas múltiplas

determinações a fim de responder às necessidades socialmente construídas e transformar a

realidade de forma consciente, intencional, de forma que a produção de conhecimento a partir

da realidade seja capaz de transformá-la. O referencial teórico do Processo de Trabalho em

Saúde (PTS) pode orientar as análises das práticas clínicas individuais ou coletivas, e,

também, os processos de trabalho de gestão em saúde, que será o nosso foco de atenção, ao

explorarmos as tensões próprias da produção de atos de saúde (MERHY, 2014a).

Merhy (2014a) explica que os trabalhadores de saúde elaboram um produto, os atos de

saúde, na intenção de intervir sobre um problema identificado e satisfazer uma necessidade do

usuário, com a finalidade de promover saúde. Porém, para alcançá-la, há caminhos distintos,

pois pode ser uma produção de saúde centrada no procedimento ou centrada no usuário.

Apostamos na produção de saúde com foco no usuário e, no caso da RC, com foco na família

durante o pré-natal, o parto e o puerpério.

Assim, o PTS, considerando saúde uma prática social, consiste em um encontro onde

há um agente produtor e suas ferramentas e um agente consumidor (MERHY, 2014a). Nesse

caso, tomaremos o GCR como espaço de gestão da RC e nele exploraremos seus elementos

particulares, pois, nesse espaço, os encontros são entre os gestores da rede, e não diretamente

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Marco Teórico ___________________________________________________________________ 44

entre trabalhador e usuário. Considerando os trabalhadores do GCR como agentes produtores

e também consumidores, temos que o objeto de seu processo de trabalho podem ser eles

mesmos, com suas reflexões e ações, e também os processos formativos nos quais estão

envolvidos. Seu papel gestor amplia seus objetos de ação, que, por vezes, fazem-se por

práticas de planejamento em saúde, gerenciais, administrativas, entre outras que envolvem a

problemática da RC, por exemplo a mortalidade materno infantil. Os trabalhadores do GCR

têm, então, duplo papel, pois, ao realizarem autoanálise e autogestão, obtêm resultados que

são reflexos de seu próprio trabalho. Seus instrumentos são muitas vezes os protocolos,

planos, pactos, a própria política da RC e os conhecimentos e estratégias para manejo deles, a

EPS, a própria autoanálise e a autogestão. E a finalidade de seu processo de trabalho, a

profecia inicial dessa rede-rizoma, deve ser a redução da mortalidade materno infatil e um

atendimento humanizado e de qualidade à família, em especial à mulher e à criança.

O referencial teórico do PTS permite a referência a aspectos estruturais e do campo

das relações entre agentes e sujeitos da ação, e, neste caso, consideraremos as relações entre

os trabalhadores do GCR e o uso das tecnologias de ação de que dispõem. As tecnologias de

ação (MERHY; ONOCKO, 1997) no processo de trabalho em saúde podem ter naturezas

distintas e devem ser manejadas no ato de saúde de acordo com a necessidade, estando

divididas entre duras, leve-duras e leves. As duras estão relacionadas ao material mais duro,

como as máquinas e instrumentos de trabalho; as leve-duras englobam os conhecimentos

específicos e ferramentas elaboradas a partir deles, como os protocolos e as políticas; e as

leves, por sua vez, dizem respeito às tecnologias das relações. No cuidado individual, são

reconhecidas pelo vínculo, pela escuta ampliada e pelo acolhimento, e, na gestão, podem ser

entendidas pela relação entre os pares no encontro, as diferenças e disputas entre núcleos de

saber e profissões, a implicação com seu objeto de trabalho. As tecnologias duras e leve-duras

são produtos de um trabalho morto, ou seja, o trabalho vivo transformou-se em objeto de

trabalho, enquanto a última, leve, é fruto de uma produção de trabalho vivo em ato (MERHY;

ONOCKO, 1997), como processos de intervenção em ato.

Ademais, é importante incluir como parte deste referencial teórico a noção de tensão

na produção de atos de saúde no campo da gestão, que exploraremos mais adiante nos planos

cartográficos produzidos no GCR. Para Merhy (1999, p. 309): O mundo das próprias organizações de saúde forma-se como território tensional em si, pois se constitui em espaço de intervenção de sujeitos coletivos inscritos a partir de suas capacidades de se autogovernarem, disputando o caminhar do dia-a-dia, com as normas e regras instituídas para o controle organizacional.

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Marco Teórico ___________________________________________________________________ 45

Nesse território tensional, entram em debate no campo das práticas de EPS como

ferramenta de gestão o compromisso e os projetos dos trabalhadores. Em um momento em

que os polos de EPS operavam a partir de agenciamentos de autonálise e autogestão nos

coletivos, Merhy (2005) expôs a necessidade de ter-se como aliada uma “pedagogia da

implicação”. Essa proposta tinha como cerne a análise de implicação dos próprios

trabalhadores com seu trabalho e com as instituições que o cercam. “Isto significa que o

analisador tem de ter a potência de expor o trabalho vivo em ato para a própria autoanálise e

pedagogicamente abrir espaços relacionais para poder se falar e se implicar com isso”

(MERHY, 2005, p. 174). É desta tecnologia relacional que compartilhamos ao fazer uma

pesquisa-intervenção, na aposta de formação de sujeitos comprometidos com a defesa da vida,

praticantes da alteridade, que são afetados e afetam durante o processo de produção de

cuidado em saúde, com postura autointerrogativa diante de suas ações (MERHY, 2005).

Como parte do olhar dado a esta Rede-rizoma, a EPS e seus pressupostos também se

constituem como importante referencial teórico para a compreensão dos processos formativos

que ocorrem no GCR. Dado que a aprendizagem no mundo do trabalho como ação

transformadora depende também do método e do protagonismo dos sujeitos-educadores

(FRANCO, 2010), tomaremos como preceitos a problematização de sua realidade

(BORDENAVE, 1999), a reflexão crítica de suas práticas e a aprendizagem significativa

(AUSUBEL, 1963; FREIRE, 1987; MOREIRA, 2010).

Ceccim e Feuerwerker (2004) afirmam que, a partir da problematização do processo e

da qualidade do trabalho – em cada serviço de saúde –, são identificadas as necessidades de

qualificação, garantindo a aplicabilidade e a relevância dos conteúdos e tecnologias

estabelecidas. Assim, considerando os profissionais de saúde como sujeitos-educadores,

espera-se que eles estejam dispostos a uma reflexão filosófica (SAVIANI, 2009) do seu

processo de trabalho. A reflexão filosófica implica uma lógica dialética na qual o trabalhador

reinterpreta globalmente o modo de pensar a sua realidade ao reformular seu modo de agir

baseado em processos que se interpenetram e, de alguma forma, tornam-se significativos e

importantes para novas indagações e uma nova reflexão sobre o processo de trabalho, e, desse

modo, surge a reformulação contínua e transformadora do modo de fazer saúde.

Reiteramos a importância de espaços coletivos indutores de reflexão do trabalho

cotidiano e propositores de novas formas de trabalho baseado na micropolítica do trabalho

vivo (FEUERWERKER, 2014) para a produção de fluxos intensos de comunicação, de

conexão, presentes entre os atores envolvidos e em diferentes planos de ação e intervenção, na

perspectiva da integralidade. Assim, a respeito do uso de tecnologias de ação relacionais,

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Marco Teórico ___________________________________________________________________ 46

incluimos os encontros como momentos importantes para a prática da problematização e

reflexão crítica compartilhada. Segundo Silva et al. (2011), os encontros podem contribuir

para o processo de desenvolvimento político e social em saúde e convergir para novas formas

de pensar e agir dos trabalhadores. Os encontros permitem um sentimento de pertencimento

que possibilita inovar e transformar as práticas educativas, a atenção e a gestão. Feuerwerker

(2014) também chama a atenção para a possibilidade de esses encontros provocarem uma

desterritorialização nos profissionais em defesa da vida, e uma reterritorialização pautada pela

cidadania, um processo que convida os trabalhadores à construção de um projeto ético-

político compartilhado, baseado nas novas conformações para a organização democrática na

saúde.

É importante deixar claro, também, que, diante do desafio de implementação da Rede

de atenção Materno Infantil, entendemos os processos de formação no GCR como indutores

de autonomia, liberdade para tomada de decisões, produção de subjetividades a partir de

elementos concretos pactuados no plano de condução da RC, no sentido de aquisição de novas

competências e habilidades ético-políticas necessárias para o fortalecimento do processo de

trabalho em rede, quais sejam, a defesa da vida, a garantia de direitos, a luta por melhores

condições de trabalho, o fortalecimento do SUS. Nessa perspectiva, concordamos com

Ricardo Ceccim (2005) ao afirmar que a EPS deve estar submetida a um projeto político mais

amplo, envolvendo mudanças institucionais e orientação política das ações realizadas.

Na outra margem do rio, e trazendo complementaridade para a análise dos processos

formativos de EPS, utilizaremos alguns conceitos do movimento institucionalista, das

correntes da Análise Institucional (AI) e da Esquizoanálise. No Brasil, esse movimento

compõe-se por um híbrido de autores e de conceitos, sendo as citadas acima as duas correntes

mais utilizadas. Alguns conceitos são comuns a ambas, porém também guardam suas

singularidades. Portanto, o leitor encontrará neste texto nuances das duas, conceitos

escolhidos a fim de aprofudarmos nossa análise na realidade dos processos de formação em

saúde, entretanto utilizamos o nome da AI para representar este movimento na saúde coletiva

brasileira (L’ABBATE; MOURÃO; PEZZATO, 2013).

A AI propõe-se a descobrir o oculto nas relações que os indivíduos e grupos

estabelecem com as instituições, isto é, busca revelar o não-dito, geralmente censurado, nas

práticas sociais (BAREMBLITT, 2002), com destaque para autores como René Lourau,

Georges Lapassade, Remi Hess, Gilles Monceau (HESS, 2007; LOURAU, 1993, 2014;

MONCEAU, 2008, 2012, 2013). E a Esquizoanálise denomina-se como um conjunto difuso

de saberes e fazeres inventados por Deleuze e Guattari durante seu encontro no período do

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chamado “Maio de 1968” na França (BAREMBLITT, 2010), que tem base na valorização da

diferença (DELEUZE; GUATTARI, 1995). De cunho anarquista, denunciante e

revolucionário em prol das minorias e da invenção de novas formas de viver, essa corrente

reinvidica especialmente a defesa da vida e do direito à existência (BAREMBLITT, 2010).

Para tanto, analisaremos, primeiramente, o conceito de instituição e sua dinâmica. Para

os autores da AI, instituição não é algo observável. Lourau, autor da linha socioanalítica,

descreve a instituição como uma dinâmica contraditória que se faz no tempo sociohistórico

(LOURAU, 1993). Elas se apresentam com suas formas próprias de organização,

funcionamento, normas, regras, financiamento, vinculações. São resultantes do movimento

dialético entre forças, de imobilidade e manutenção, chamado de instituído, e forças

instituintes, de transformação, mobilidade e criação. Num terceiro momento nesta disputa,

ocorre o processo de institucionalização, no qual as forças instituintes são incorporadas à

instituição e tornam-se instituído, num movimento explicitamente dinâmico característico das

instituições (MONCEAU, 2012), processo que reitera que elas são suscetíveis a constantes

mutações.

Para a prática da Educação Permanente em Saúde, dois conceitos importantes da AI a

considerar são a autoanálise e a autogestão dos coletivos. O primeiro consiste no processo em

que os coletivos podem enunciar e compreender seus problemas, necessidades, não-saberes;

no mesmo movimento produzem o segundo, a autogestão, isto é, produzem novas formas de

organizar seu cotidiano e encontrar soluções para seus problemas (BAREMBLITT, 2002).

Assim, não há alguém que vem de fora ou de cima para dizer ao coletivo o que fazer e como

fazer; são os próprios trabalhadores que desenvolvem dispositivos para conseguir os recursos

de que necessitam a partir do levantamento de nós críticos encontrados na realidade local e da

reflexão sobre eles, pensam e operam processos de transformação na organização dos

serviços.

Nesse processo autoanalítico, a AI analisa as contradições ocultas e presentes dentro

do instituído e dentro do instituinte (LOURAU, 1993), e, para isso, lança mão de analisadores

(BAREMBLITT, 2002), dispositivos utilizados para explicitar o não-dito ou oculto nas

organizações. Eles podem ser artificiais, ou seja, propostos, produzidos, inventados no

processo pelo grupo para explicitar conflitos e incômodos, ou naturais, ou espontâneos, que

emergem no cotidiano. Esses dispositivos são capazes, então, de revelar o jogo de forças,

desejos, interesses, presentes nesse coletivo. E, também, fazer explicitar os movimentos

instituídos, elementos mais fixos, como as regras, normas, costumes, tradições de uma

sociedade, encarregados de reproduzir as instituições, que, por sua vez, regulam a vida e a

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organização social. De acordo com Feuerwerker (2014), as práticas políticas e de gestão

adotadas no SUS, na maioria das vezes, “fabricam a reprodução do instituído”

(FEUERWERKER, 2014, p. 87).

Os processos de transformação e criação resultam de forças que compõem os

movimentos instituintes (BAREMBLITT, 2002), como o enfrentamento de processos

conflituosos que fazem parte do cotidiano na articulação entre ensino-serviço-comunidade,

por isso é importante a criação de processos que revelem aos trabalhadores “as áreas de

sombra” criadas por inúmeros processos intrínsecos à política hegemônica de organização dos

serviços e do processo de trabalho (FRANCO; MERHY, 2003).

A partir desse olhar, Franco e Merhy (2003) afirmam que os trabalhadores, ao

identificarem que a força transformadora encontra-se neles mesmos e se tiverem compreensão

dos processos vivenciados no seu trabalho, seriam capazes de colocarem-se como sujeitos em

ação. Nesse sentido, em um processo de análise, a avaliação restrita ao plano da

macroestrutura na qual se inserem os serviços de saúde parece insuficiente. Segundo estes

autores, “a compreensão dos microprocessos decisórios, vividos a partir de cada um e do

coletivo, no seu fazer cotidiano é que dará a real dimensão dos problemas e o alcance

eficiente de ações instituintes neste patamar” (FRANCO; MERHY, 2003, p. 4). Desse modo,

algumas propostas podem ser lançadas para concretização do processo de EPS, como o

planejamento de ações a partir da definição das reais necessidades do contexto local por

trabalhadores com ação criativa e criadora, de modo que os trabalhadores sejam protagonistas

de sua realidade.

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_________________________ Percurso Metodológico

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 50

5 PERCURSO METODOLÓGICO

Toda compreensão é parcial e inacabada.

(MINAYO, 2012, p. 623)

Para o desenvolvimento desta investigação, nossa opção foi por um caminho

metodológico que busca contemplar o objeto em sua historicidade e dinâmica, seus

movimentos e processos. Diante disso, compreendemos que a opção pela abordagem

qualitativa responde a tal exigência, uma vez que, submetida a uma concepção teórico-

filosófica clara e a um método de análise que lhe dá significado e consistência, utiliza

instrumentos de pesquisa capazes de perceber os diferentes aspectos do objeto no contexto em

que se apresenta. Esta abordagem, de acordo com Lüdke e André (1986), nas pesquisas

educacionais é a possibilidade de compreensão e interpretação de uma realidade, a partir do

contato direto e sistemático entre o pesquisador e a situação a ser investigada, numa

intervenção na qual se vinculam teoria e método (MINAYO, 2014), em um ambiente aberto a

modificações no decorrer do processo de acordo com as exigências do campo de estudo.

5.1 Hódos-méta

Conhecer o caminho de constituição de dado objeto equivale a caminhar com esse objeto, constituir esse próprio caminho, constituir-se no caminho. Esse é o caminho da pesquisa intervenção (PASSOS; BARROS, 2009a, p. 31).

O desafio da pesquisa-intervenção de cunho cartográfico está na reversão do caminho

(hódos), na invenção de um antimétodo em que se ramificam trilhas a partir das experiências

e do aprendizado nela. As trilhas é que indicaram a direção e os objetivos que segui, para

produzir dados em diferentes momentos, durante a aproximação ao campo e ao cenário de

estudo, durante a análise documental, e, principalmente, na produção da pesquisa-intervenção

junto ao GCR, momentos entremeados por análises de implicação que me envolveram até o

fim da escrita desta dissertação.

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 51

As trilhas complementam-se a todo o momento nesta experiência de pesquisar e

intervir. Nesse percurso, refleti sobre as trilhas em que já caminhei anteriormente, e o quanto

e como elas mudaram de lugar, como em uma floresta. Nas florestas e nos campos que

conheci, por exemplo, quando um dia fazia-se uma nova trilha, percebíamos que muitas vezes

elas sumiam. Se passávamos por ela sempre, ela ia alargando-se e tornava-se uma pequena

estrada; por outro lado, se a visitávamos pouco, nossos rastros desapareciam, e era preciso

fazer uma nova trilha, abrir novas bifurcações. Assim se refizeram meus caminhos na

pesquisa, a partir da necessidade, da curiosidade, do medo, da angústia, deparei-me com

distintas oportunidades de investigação, fiz escolhas, voltei à pequena estrada, fiz novas

trilhas.

Partiremos de conceitos da Esquizoanálise para exercitar uma pesquisa-bricolagem

(LODDI; MARTINS, 2010). Bricolagem é um termo que deriva do francês bricolage, e pode

ser entendido como o trabalho de um artesão que utiliza materiais diversos e disformes, de

segunda-mão, sem uma organização prévia, para construir e para fazer sua arte. O bricoleur,

como Lévi-strauss denominou este ator na antropologia (LÉVI-STRAUSS, 1970), elabora,

além de um objeto material, um objeto de conhecimento. Deleuze e Guattari autodenominam-

se bricoleurs, aqueles que juntam ideias e elementos em comum (BAREMBLITT, 2010, p.

17), e é com essa ideia de construção que nos inspiramos para a produção desta cartografia.

5.2 Quem é o Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha?

Para contar um pouco da história deste coletivo, busquei sua origem nos relatos dos

trabalhadores do DRS III, também pesquisadores PPSUS, na ocasião da construção do

relatório de pesquisa de 2013 (MATUMOTO et al., 2013), uma verdadeira bricolagem de

contação de histórias que achei pertinente citar. O GCR original iniciou seus trabalhos em

abril de 2012, com a tarefa de elaboração de um diagnóstico da assistência materno infantil,

nos âmbitos municipal e regional. Antes do início da pesquisa, era composto por técnicos dos

24 municípios do DRS III de Araraquara, responsáveis pela elaboração do Plano Regional da

Rede Cegonha (SÃO PAULO, 2012) da Rede Regionalizada de Atenção à Saúde (RRAS) 13

e dos planos de seus respectivos municípios. Dentre os integrantes, a maior parte atuava na

atenção básica dos municípios, além de membros do DRS:

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 52

A construção dos Planos Municipais e Regional demandou uma força tarefa dos técnicos do DRS III, coordenada pelo Núcleo de Organização das Redes de Atenção à Saúde, visando apoiar os técnicos municipais para apreensão, reflexão e proposição, a partir do panorama delineado pelos indicadores de atenção (MATUMOTO et al., 2013, p. 28).

A construção deste diagnóstico seguiu as indicações da Política da RC e seus

componentes, dando início pelo componente pré-natal. A dinâmica dos encontros ocorria, por

vezes, em subgrupos por Região de Saúde (RS), e, por vezes, em grupo único, como na

construção do plano regional. Esse processo contou, também, com a constituição de Grupos

Condutores Municipais (GCM), em articulação com o GCR, com objetivo de propor e atender

às demandas municipais.

O diagnóstico do território do DRS III explicitou a diversidade entre as RS e os

desafios para qualificação da assistência ao pré-natal, parto e puerpério, e redução da

mortalidade materno infantil: “articulação entre os pontos de atenção, a responsabilização das

equipes, a definição de protocolos e fluxos e o preparo dos trabalhadores para ofertar cuidados

adequados e oportunos, além de humanizados” (MATUMOTO et al., 2013, p.29).

No processo de acompanhamento da implantação da RC, outros participantes

passaram a constituir o GCR, desde articuladores de humanização, de EPS, trabalhadores de

maternidades e Ambulatórios de Gestação de Alto Risco (AGAR), e de outras profissões que

compõem o emaranhado da Rede-rizoma. O GCR, durante a produção da pesquisa-

intervenção, reunia-se mensalmente e ampliou suas ações atuando enquanto espaço para o

encontro de atores que compõem a rede para favorecer a troca de experiências, e o diálogo,

praticando autoanálise e autogestão a fim de explicitar os nós críticos e as proposições de

caráter regional e municipal para enfrentamento dos problemas e para o monitoramento da

RC.

Assim, os trabalhadores deste DRS, juntamente com os pesquisadores PPSUS,

inscreveram o GCR para o Prêmio InovaSUS 2014, e, apesar de não terem sido

contemplados, puderam publicizar seu desejo em serem reconhecidos como experiência e

prática inovadora na gestão do trabalho no SUS. Nessa ocasião, enfatizaram seu potencial de

espaço de encontro de trabalhadores que lutam pela construção de uma rede centrada no

“direito de bem nascer, livre de doenças como a sífilis (congênita), direito de mulheres e

homens à expansão familiar, com acesso à informação, acolhimento, parto com indicação

precisa, direito à acompanhante, seguimento puerperal e puericultura de qualidade” (BRASIL,

2014).

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5.3 A Análise de Documentos

A análise documental deu corpo e aproximou-nos à construção do contexto e da

problemática que envolvem a EPS e a Rede Cegonha (RC) no território do DRS III. Consistiu

no tratamento metodológico de documentos, incluindo a sua escolha e a forma de trabalho

empreendida (CELLARD, 2010; PIMENTEL, 2001), na intenção de iniciar a bricolagem que

citamos anteriormente.

No início, minha dificuldade era a interação com esses documentos, com sua matriz dura e

cristalizada. Confesso que não foi tarefa fácil interpretar os dizeres de documentos de gestão, suas

intenções e planos de ação e explicitá-las de forma leve, clara e condizente com o referencial da

AI. Aos poucos fui aproximando-me e desmontando os documentos para facilitar as bifurcações

de análise. Para esta desmontagem, escolhi consultar documentos oficiais de gestão que

versassem sobre a história da constituição da RC no território do DRS III, que descrevo a seguir.

O Plano da Rede Materno Infantil da RRAS 13 (SÃO PAULO, 2012), as 11 atas de reuniões do

Grupo Condutor Regional da Rede Cegonha (GCR) do ano de 2014 (de fevereiro a dezembro) e

os 4 Planos de Ação Regional de Educação Permanente em Saúde (PAREPS) do ano de 2013

referentes às 4 RS do DRS III, totalizando 16 documentos.

Não tinha experiências anteriores em análise de documentos e fui descobrindo sua

finalidade como instrumento de avaliação e monitoramento do cuidado e da atenção em

saúde. Sabia de sua existência, mas foi apenas ao mergulhar sobre toda aquela realidade física

que pude entender os acontecimentos no GCR em um aprender significativo mais uma vez.

A escolha foi debruçar-me sobre os documentos com uma abordagem histórica das

ciências sociais que condiz com o referencial teórico-metodológico da AI, já que seus

estudiosos propõem a escolha e a análise dos documentos com o objetivo de desvendar o

contexto em que vivem ou viveram os participantes do estudo, num corte longitudinal da

realidade, possível de identificar aspectos que colaborem com o entendimento de processos, e

à procura de vestígios que nos façam aprofundarmos cada vez mais acerca do objeto de estudo

em questão (CELLARD, 2010; SAVOYE 2003). Assim, o conhecimento de uma situação

presente a partir de uma pesquisa sociohistórica, da história, do passado daquela organização,

desenvolve-se de forma que a realidade presente será elucidada e fortalecida pelos indícios

históricos (SAVOYE, 2003). As produções nesta linha de pesquisa já iniciadas por Lourau

nos anos de 1970, e seguidas por outros autores franceses, como Marchat (2013), exigem um

entrelaçamento de fatores de natureza política, social e institucional, elementos que compõem

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 54

um território de pesquisa historiográfica e sua gênese social empírica (SAVOYE, 2007).

Portanto, há uma compatibilidade entre as pesquisas sociohistóricas e a AI ao introduzir a

noção de processo de institucionalização na pesquisa histórica, o que supõe um equilíbrio

entre um campo e um período pertinentes para o processo em disputa sobre o qual

debruçamos nosso olhar.

Dessa maneira, questionamo-nos: qual a caracterização da EPS na região do DRS III

com foco na rede cegonha?

Em relação ao método de trabalho empreendido, apoiamo-nos em Cellard (2010), que

propõe uma análise crítica inicial do contexto, autores, confiabilidade do texto, natureza do

documento e lógica interna do texto, e, na análise propriamente dita, a reunião dessas partes.

De outra forma, devemos desconstruir o texto e depois reconstruí-lo pelas pistas oferecidas

nele a fim de responder a nossos questionamentos. O documento é caracterizado por este

autor como um objeto surdo, muitas vezes impreciso, porém rico em informações. E cabe ao

pesquisador “desconfiar das armadilhas” (CELLARD, 2010, p. 296) que ele nos coloca, no

momento da escolha e leitura do material, e entender sua linguagem, contextualizar os termos

utilizados a fim de garantir a validade e compreensão do material em análise. Portanto,

mergulhamos nos documentos da EPS e da RC desse DRS em busca de pistas que

respondessem à questão levantada para um aprofundamento no contexto da implementação da

rede e dos processos de EPS nesse território de abrangência.

Na primeira etapa, parti para a captação dos documentos e a aproximação aos materiais de

análise escolhidos por meio de uma leitura flutuante com eleição dos tópicos relacionados ao objeto

da EPS e da RC. Essas pistas, para a Análise Institucional, revelam o modo de funcionamento das

instituições e podem também apresentar-se como analisadores, como produtos que podem

autoanalisar-se (BAREMBLITT, 2002), sendo assumidos pelos trabalhadores de saúde. René

Lourau, teórico da corrente socioanalítica, reitera que os analisadores são capazes de suscitar a

análise e fazer surgir a instituição “invisível” (LOURAU, 1993 p. 35).

Assim, aquilo que me afetou em relação à EPS e aquilo que afetou aos trabalhadores

nos diferentes documentos podem ser tomados como analisadores e utilizados por eles em seu

processo de ressignificação da realidade, de autoanálise e consequente autogestão. Gregório

Baremblitt (2002) explica que qualquer materialidade pode ser suporte para um analisador,

sejam elas formas escritas ou faladas, portanto as atas de reuniões, documentos oficiais de

gestão e os planos de ação da EPS são fontes importantes para serem analisadas por

representarem a maneira como está organizada a memória da organização. Há ainda a

possibilidade de observar os dispositivos, ou agenciamentos, utilizados pela instituição, que

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 55

são geradores de acontecimentos em prol da transformação ou de linhas de fuga do desejo

relacionados ao instituinte-organizante. Também abre possibilidades para identificar os

equipamentos e sua função, geralmente ligados à reprodução da ordem e a atravessamentos

característicos do instituído-organizado (BAREMBLITT, 2002).

A análise dos documentos também teve apoio no referencial teórico do Processo de

Trabalho em saúde. Partindo de seus conceitos e pressupostos, procurei observar, por

exemplo, a eleição de necessidades de saúde que embasam a construção ou não de propostas

em EPS e as ações da RC, e buscar apreender o resultado e as concepções de EPS a partir das

proposições de ações de EPS.

Nos documentos, explorei os analisadores da explicitação do trabalho em ato e

tecnologias de ação, como a existência de espaços coletivos de discussão, a presença de

articuladores de EPS, e a viabilização da participação social, entre outros aspectos relevantes

na composição do Quadrilátero da Formação para a área da saúde: Atenção, Educação, Gestão

e Controle social (CECCIM; FEUERWERKER, 2004), e, portanto, na coprodução de saúde

materno infantil de qualidade.

5.4 Pesquisar-intervir

A produção da pesquisa-intervenção ocorreu de forma conjunta com os profissionais

integrantes do GCR, responsáveis pela operacionalização da RC nos municípios do DRS-III.

O GCR já vinha reunindo-se mensalmente quando o grupo de pesquisa formado por

pesquisadores da universidade e do DRS III participaram pela primeira vez a fim de

apresentar o projeto, explicar a dinâmica e receber anuência ou não de seus integrantes. Nesse

momento, do qual eu não participei diretamente, firmamos uma parceria para produzir a

pesquisa que foi coproduzida nos meses de fevereiro a dezembro de 2014, nesses encontros

mensais. Essa coprodução teve foco nos processos formativos dos trabalhadores do GCR e

nas ações para implementação da Rede Cegonha, como parte do projeto original.

Conjuntamente com o GCR, desenvolvemos a pesquisa ora em um grupo de trabalho único,

ora em grupos por RS, de acordo com a disposição do grupo. Quando houve a divisão por RS,

participei de um dos grupos e tive acesso às atas dos demais grupos para a produção de dados

para a análise. E, finalizados os encontros programados no fim de 2014, o GCR deu

continuidade à sua programação de trabalho no ano de 2015.

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 56

5.5 O Desafio de Cartografar

A cartografia foi adotada como método da pesquisa-intervenção. O sentido da

cartografia é acompanhar processos, percursos. Ela não estabelece um caminho a priori, e,

sim, uma direção, dada pelo objetivo dos encontros acima apresentados. Assim, o caminhar

nesta direção é que traça, no percurso, suas metas, tranforma o meta-hódos em hódos-metá. A

cartografia faz-se por meio de pistas que emergem no processo de pesquisar (PASSOS;

BARROS, 2009a), que podem facilitar o processo de conhecer e fazer. Com base em

preceitos do movimento institucionalista, a pesquisa é direcionada do saber-fazer para o

fazer-saber, de modo que a intervenção produza conhecimento numa relação intersubjetiva e

transversalizada entre analista e analisando.

A transversalidade (GUATTARI, 1985) é esperada em pesquisas desta natureza e pode

ser analisada na postura do pesquisador em relação ao coletivo. A transversalidade condiz

com a ausência de limites entre pesquisador e pesquisado; não me refiro aqui à necessidade de

homogeneização, pelo contrário, o desafio está em incluir o comum, incluir a diferença numa

composição de grupo que vai além “da verticalidade que hierarquiza os diferentes e da

horizontalidade que iguala e homogeneiza um espírito de corpo” (KASTRUP; PASSOS,

2013, p. 266). É preciso desestabilizar esses dois eixos por meio da transversalidade, um eixo

onde são desnecessárias as fronteiras que separam aqueles que ensinam e aqueles que

aprendem, numa experimentação de coletivo transversalizada.

Rolnik (1989) diferencia a cartografia da pesquisa-intervenção daquela cartografia

como instrumento do geógrafo. Para este último, a cartografia constitui-se em um mapa

estático, um desenho das paisagens e relevos. E, para a pesquisa-intervenção, a cartografia faz

um desenho dinâmico das paisagens psicossociais que expressam universos de referências que

constituem mundos, que, por sua vez, constituem-se em processos mutantes de produção de

sentidos a partir das experiências, em uma forma de aproximação entre pesquisa e vida

(ROMAGNOLI, 2009).

Nesta pesquisa, a cartografia foi sendo produzida durante os encontros do CGR, com

foco na EPS e em outros pontos importantes para a compreensão do movimento da rede de

atenção materno infantil. Os registros das paisagens psicossociais foram feitos a partir da

observação dos processos formativos ali presentes durante o período de investigação, como a

reprodução dos modos de agir e os movimentos de busca de novas possibilidades. Portanto, as

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 57

paisagens percorridas foram conformadas nesse contato, e, também, no reencontro com os

registros desses encontros, material transcrito que me trouxe novos afetos e sentidos.

O processo pelo qual os dados são produzidos e analisados devem atender à dinâmica

da realidade estudada, com vistas a captar a dinâmica do desenvolvimento e a transformação

dos fatos presentes na realidade. Assim, para o registro dos dados no decorrer do

desenvolvimento da pesquisa, utilizei como suporte o diário de campo (LOURAU, 1993),

onde foram registrados periodicamente os dados referentes às minhas impressões,

compreensões, interpretações e leituras. Nesse sentido, tentei capturar, durante a produção da

pesquisa, alguns aspectos que Lourau denomina de “fora do texto, no sentido literal e

etimológico do termo: aquilo que está fora da cena; fora da cena oficial da escritura”

(LOURAU, 1993, p. 71). Os encontros também foram gravados em mídia digital e

posteriormente transcritos. Ainda, alguns pesquisadores fizeram narrativas com base em suas

perpectivas dos encontros propriamente ditos e também de todo o entorno que os envolvia.

Uma vez escritas, as narrativas tornaram-se públicas ao grupo de pesquisadores para compor

o material de análise cartográfica (BARROS; PASSOS, 2009). Desse modo, utilizei meu

diário de campo e minhas narrativas como suporte para escolha e desenho dos planos

cartográficos explorados nesta dissertação.

O processo de análise teve início em ato pelos pesquisadores e participantes da

pesquisa; após cada encontro em oficinas, com os pesquisadores e com consultores

convidados para demandas específicas identificadas no processo de pesquisa; e continuado

com a reunião dos dados produzidos na investigação relativos à EPS na RC.

Realizamos o tratamento e análise dos dados, com base nos referenciais teóricos do

Processo de Trabalho em Saúde (MENDES GONÇALVES, 1994) e em conceitos da Análise

Institucional e Esquizoanálise (BAREMBLITT, 2002), que possibilitaram identificar planos

cartográficos no processo de institucionalização da RC e elaborar sínteses, aproximando-nos

cada vez mais da essência do objeto estudado em sua totalidade. Um terceiro arcabouço

teórico composto pelos eixos da EPS também conformou meu olhar durante o momento da

análise e produção dos dados, guiados pelos conceitos da aprendizagem significativa

(AUSUBEL, 1963; FREIRE, 1987; MOREIRA, 2010) e da problematização da realidade

(BORDENAVE, 1999).

Nesse sentido, o processo de aprofundamento sobre a realidade deu-se a partir do

princípio de que o conhecimento ocorre na e pela práxis, num movimento de “transformar

para conhecer” (PASSOS; BARROS, 2009a). É importante lembrar que nesta bricolagem o

conhecimento construiu-se não apenas com base na análise da produção da pesquisa-

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 58

intervenção, mas também na análise de minhas implicações e também das implicações da

orientadora e do grupo de pesquisa, além da dinâmica do processo de institucionalização da

rede (BAREMBLITT, 2002).

5.6 Procedimentos éticos

Considerando que o projeto de pesquisa “O processo de implantação da rede de

atenção à saúde materno infantil no DRS III de Araraquara: a atenção básica como

ordenadora da atenção em rede na atenção básica”, protocolo CAAE:

23143613.3.0000.5393, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da EERP-USP,

e que os objetivos aqui apresentados foram elaborados a posteriori, um adendo foi submetido

ao mesmo CEP, com destaque para a ampliação de objetivos e documentos a serem analisados

e inclusão do aceite do DRS III para uso dos documentos solicitados (ANEXO A),

ressaltando que não houve quaisquer alterações referentes aos participantes do estudo em

relação ao projeto original. Dessa forma, atendemos às normas da Resolução 466/12 do

Conselho Nacional de Saúde em que os sujeitos tiveram total liberdade na escolha de

participar e fizeram a adesão de forma voluntária ao assinar o Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (TCLE) (Apêndice A). Esse adendo foi aprovado ad referendum pelo CEP

acima citado, sob o protocolo nº 23143613.3.0000.5393 (ANEXO B).

5.7 Conhecendo o contexto: O DRS III, a Rede Cegonha e o GCR

Em uma primeira aproximação ao campo de estudo, ao DRS III e a seu território, e ao

cenário de estudo, ao GCR, apresentarei aspectos relacionados à implementação da RC e às

condições de saúde enfrentadas por mulheres e crianças, trabalhadores e formadores no

território de abrangência do DRS III com base na pesquisa documental realizada nas atas dos

encontros do GCR no ano de 2014, nos PAREPS do ano de 2013 das 4 RS do DRS III, e no

Plano de ação Regional da Rede Cegonha da RRAS 13 (SÃO PAULO, 2012).

O DRS III compreende 24 municípios divididos em 4 RS. Para fins de preservação de

suas identidades, optamos por nomeá-las: região das pedras verdes, região das pedras azuis,

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 59

região das pedras vermelhas e região das pedras amarelas. E, para os municípios, adotamos

nomes de 24 pedras preciosas de cor correspondente à sua RS. Assim, temos na região das

pedras verdes os municípios Esmeralda, Turmalina, Olivina, Quartzo, Amazonita, Ágata,

Mica e Jade. Na região das pedras azuis, os municípios Turquesa, Água Marinha, Ametista,

Galena e Safira; Na região das pedras amarelas, os municípios Âmbar, Citrino, Cornalina,

Opala, Selenita e Calcita; E, na região das pedras vermelhas, os municípios Berilo, Topázio,

Rubi, Jaspe e Granada.

Assim, na referência aos documentos essa nomenclatura também foi utilizada. As atas

dos 11 encontros foram identificadas pelo nome da RS e pela data do encontro, exceto para

identificar os encontros com todas as RS, em que utilizamos “todas as regiões de saúde”. Os

PAREPS foram identificados pela sigla PAREPS seguido do nome da RS. Por exemplo:

“PAREPS pedras amarelas”, e, quando citação literal, com inclusão da página; quando a

informação era comum a todos os documentos : “PAREPS todas as regiões”. O Plano de

Ação Regional da Rede Cegonha da RRAS 13, por ser um documento único para este DRS,

será identificado como Plano da RRAS 13.

Demograficamente, o DRS III possui municípios de diferentes portes e populações.

Os municípios de maior número de habitantes são Turmalina, na região das pedras verdes,

com 208.662, e Calcita, na região das pedras amarelas, com 221.950 habitantes. Por outro

lado, os de menor porte são Jade, também na região das pedras verdes, com 1.544, e Berilo,

na região das pedras vermelhas, com 2.668 habitantes (BRASIL, 2010b).

5.8 A Rede Cegonha e o DRS III

A Rede Cegonha (RC) compreende os componentes Pré-Natal, Parto e Nascimento,

Puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança e Sistema Logístico: Transporte Sanitário e

Regulação (BRASIL, 2011a), e cada componente compreende uma série de ações de atenção

à saúde. Neste DRS, esta rede está em fase de implementação, e, durante a pesquisa, foram

discutidos, principalmente, os componentes pré-natal e parto. Desse modo, a caracterização

do contexto ocorreu nessa direção.

É importante considerar as disparidades entre os municípios de uma mesma RS ao

analisarmos seu perfil de morbimortalidade materno infantil e as ações implementadas nas

diferentes realidades, além da relação intermunicípios e entre RS durante o processo de

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 60

constituição da RC, no período de publicação dos documentos que compreende os anos de

2012 a 2014.

No Estado de São Paulo, foram pactuadas 17 RRAS, sendo a RRAS 13 composta por

90 municípios pertencentes a quatro Departamentos Regionais de Saúde – DRS III, V, VIII e

XIII. Do Plano da RRAS 13 (SÃO PAULO, 2012), consta que, no DRS III, 31,16% da

população é constituída por mulheres em idade fértil, sendo que no ano de 2010 o SINASC

apontou 11.777 NV, dos quais, em média, 63,65% dependem do SUS para a assistência direta

à saúde, e alguns municípios apresentam altas porcentagens de cobertura pela assistência

suplementar.

A situação entre as RS é diversa também em relação aos equipamentos de saúde,

modelos de atenção e referências para encaminhamento das gestantes, mas também

encontramos homogeneidades, como a necessidade de leitos específicos para gestação de alto

risco, que era nulo em todas as RS, o que levou a ser incluído como meta de investimento no

Plano da RRAS 13.

No contexto da problemática da saúde materno infantil do DRS III, nos documentos há

uma forte discussão sobre o fluxo da gestante entre os pontos de atenção dentro de um mesmo

município e entre os municípios menores e os de referência. Para alguns municípios menores,

o não atendimento de gestantes em seu próprio município, para os casos de risco habitual,

muitas vezes exige delas um deslocamento para um município de maior porte, para o

atendimento no momento do parto ou antes dele, para realização de exames inexistentes nos

municípios menores. Um exemplo importante diz respeito aos municípios da região das

pedras verdes, que tem como referência o município de Turmalina.

5.8.1 O Pré-natal

Há necessidade de qualificação das ações, incluindo captação.

precoce das gestantes (PAREPS pedras amarelas, p. 25).

O trecho acima ilustra um nó crítico importante que caracteriza alguns municípios

neste DRS, a realização do pré-natal de forma segura e qualificada pela ação das equipes,

principalmente da atenção básica. Dentre outras fragilidades na realização do pré-natal, a

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 61

região das pedras vermelhas aponta o não seguimento de protocolos, a captação tardia de

gestantes e a falta de participação ativa dos profissionais de enfermagem no pré-natal

(PAREPS pedras vermelhas).

Em relação às ações que fortalecem o processo de implementação e gestão da RC no

território de abrangência deste DRS, temos como exemplo o município de Granada, com

percentual de 71,36% de NV com 7 consultas ou mais, que apresenta no PAREPS ações como

a formação do GCM e do Grupo de Trabalho de Humanização.

5.8.2 A Mortalidade Materno Infantil

Vemos a esperança presente nos documentos em qualificar o atendimento à gestante e

ao bebê, porém ainda se desenham na conformação desta Rede-rizoma e causam espanto altos

números de mortes infantis. O Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) mede a proporção

de crianças que morrem antes do primeiro ano de vida em relação aos NV, na população

residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado (BRASIL, 2009c). O

município de Água Marinha é exemplo de CMI de 25,39, com “necessidade de ações

urgentes” (PAREPS pedras azuis, p. 25).

A morte infantil tem seus componentes de acordo com a idade do bebê, ou neonato.

Assim, o componente mortalidade neonatal precoce é significativo para determinadas RS,

lançando luz à necessidade de qualificação dos Comitês Municipais de Mortalidade Materna e

Infantil (CMMI) (PAREPS pedras amarelas, p. 30). A região das pedras vermelhas e a das

pedras azuis também alertam sobre a importância do papel desse comitê cuja análise poderia

propor ações de promoção e prevenção do óbito (PAREPS pedras vermelhas). A constituição

desses Comitês aparece como uma potencialidade para a garantia de atendimento de

qualidade e monitoramento de ações tanto no pré-natal como no parto.

Os municípios reconhecem a implementação da Política da RC em suas regiões como

um fator de impacto na diminuição das mortes infantis, pois, como instituído-organizado do

MS, propõe a reorganização da atenção e prevê ambulatórios e maternidades de gestação de

alto risco para a região do DRS III (PAREPS pedras verdes, p. 27), fornecendo apoio

estrutural e organizacional para os trabalhadores.

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 62

O interesse da esfera estadual, no caso o DRS III, em investir na qualidade da RC é

justificado também pelos números de mortes maternas. Pela definição da Organização

Mundial de Saúde (OMS), Mortalidade Materna é: a morte de uma mulher durante a gravidez ou até 42 dias após o término da gravidez, independentemente da duração e local da gravidez, devido a qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou à sua gestão, mas não por causas acidentais (WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO); WORLD BANK; UNICEF, 2012, p. 04).

Mortes que são classificadas como morte materna direta são aquelas, por exemplo,

decorrentes de hemorragias obstétricas, síndromes hipertensivas na gravidez, ou ainda,

devido a complicações da anestesia durante a cesariana. E as indiretas são aquelas

resultantes de doenças pré-existentes, ou de doenças que se desenvolveram durante a

gravidez (WHO; WORLD BANK; UNICEF, 2012). Assim, a Organização Pan-Americana

da Sáude considera a Razão de Mortalidade Materna ou o Coeficiente de Mortalidade

Materna como o “número de óbitos maternos, por 100 mil nascidos vivos, de mães

residentes em determinado espaço geográfico, no ano considerado” (ORGANIZAÇÃO

PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS), 2008, p. 120), números que além de estimar a

frequência de óbitos, subsidia a avaliação da qualidade dos serviços prestados à mulher

durante a gestação, parto e puerpério.

Faz parte da paisagem desta Rede-rizoma a morte de mulheres durante a gravidez. O

DRS III apresenta um coeficiente de mortalidade materna de 50,95, e, na região das pedras

amarelas, esse coeficiente chega a 64,72, mais que o dobro do indicador da RRAS 13 (31,95),

demonstrando a “necessidade de priorização da linha de cuidado materno infantil, com foco

também na gestante” (PAREPS pedras amarelas, p. 31). Barros, Matijasevich e Requejo

(2010), em seu estudo sobre as tendências da mortalidade materna no Brasil, alertam-nos que

esse indicador deve ser interpretado com muita cautela devido à subnotificação, de forma que

o número apresentado deve ser multiplicado por 1,4, e também pelo aumento da notificação

durante as auditorias de mortes maternas, o que prejudica consideravelmente o cálculo desse

indicador.

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 63

5.8.3 A Sífilis Congênita

Syphilis sive morbus gallicus.

Poema de Fracastoro em 1539

Girolamo Fracastoro, no século XVI na Itália, já havia escrito sobre a Sífilis, uma das

enfermidades mais antigas do mundo, na tentativa de determinar suas origens (IOMMI

ECHEVERRÍA, 2010). No Brasil, a Sífilis em gestantes faz parte da nossa paisagem e tem

demonstrado aumento nos últimos anos. Além da notificação no Sistema de Informação de

Agravos de Notificação (SINAN) de 104.853 casos de sífilis congênita, de 1998 a 2014, em

menores de um ano de idade, em 2013, a taxa de sífilis congênita foi de 4,7 casos/mil NV

(BRASIL, 2015a). O boletim epidemiológico da Sífilis do MS explica que as gestantes têm

acesso ao pré-natal, porém o diagnóstico precoce e tratamento não são adequados, com

consequente transmissão vertical, ou seja, da mãe para o bebê (BRASIL, 2015a). Por isso, nos

documentos está presente a valorização das capacitações para a realização dos testes rápidos

preconizados pela RC (BRASIL, 2011a), que podem detectar precocemente a Sífilis, além do

HIV e outras doenças.

A taxa de incidência de sífilis congênita no DRS III é de 1,86/mil NV (SÃO PAULO,

2012). O PAREPS sugere a existência de subnotificação, e destaca a “necessidade de

implementação de ações de busca ativa, incluindo o parceiro no tratamento” (PAREPS pedras

amarelas, p. 27). Dentre as ações propostas e realizadas no PAREPS, não há especificamente

ações que citem a finalidade de diminuir a incidência de Sífilis; constam, no entanto,

atividades de educação em saúde e grupo de gestantes, momentos de encontro e conversa que

poderiam contribuir de maneira significativa não só para informar à população sobre os sinais,

sintomas e importância do tratamento da Sífilis, mas, também, para promover momentos de

reflexão e autopercepção daqueles que vivem com a doença, de seus parceiros e da família,

com possibilidades de abordar questões subjetivas do conviver com a doença e suas

consequências.

Das atas dos encontros do GCR em 2014 consta a discussão de estratégias e a

preocupação com o aumento de Sífilis Congênita. Uma integrante do GCR pergunta para o

grupo qual seria a estratégia para trabalhar com esses indicadores, e três possibilidades de

ação foram elencadas por eles: a sensibilização nas escolas e universidades, o fortalecimento

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 64

do tema com todos da equipe, e a garantia de espaços de diálogo (região das pedras amarelas

11/09/2014). Reconhecemos e valorizamos o movimento de identificação do problema e a

busca por respostas ao passo que também questionamos sobre como a autoanálise nesse

espaço do GCR pode refletir em ações nos municípios que sejam cada vez mais participativas,

que envolvam uma construção coletiva com os usuários que convivem com a Sífilis, sejam as

gestantes, seus parceiros e os recém-nascidos, de forma a promover a equidade e a inclusão

deles na roda de diálogo.

5.8.4 O Dar à luz – O momento do Parto

No movimento de caracterização da implementação da RC neste DRS, instiga-nos

analisar o momento do parto, com olhar especial à taxa de parto cesárea. Pela definição da

ANS, essa taxa “é a relação entre o número total de partos cesáreos e o total de partos

(normais e cesáreos) realizados por uma operadora no ano considerado” (BRASIL, 2015c).

Ela é alta em todas as regiões, acima de 70%, e maior que a da RRAS (68,72%), corroborando

os resultados da revisão de Patah e Malik (2011), que demonstram uma tendência no aumento

do número de partos cesárea no mundo: “em quase todas as nações da Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico dos Países Europeus (OECD), as taxas de cesárea

ultrapassam as proporções de 10% a 15% recomendadas pela OMS em 1985” (PATAH;

MALIK, 2011, p. 187).

Nossa curiosidade estava em compreender o porquê de certa tendência, ainda que de

forma superficial, pois esta investigação merece aprofundamento. A região das pedras azuis,

com taxa de partos cesárea de 72%, enfatizou a existência de uma “tendência cultural que

prioriza o parto cesárea” e explicou essa dinâmica pela falta de profissionais na maternidade

para monitoramento e acompanhamento do parto normal, além da conveniência profissional

do agendamento. Um dos documentos citou que, para mudar esse quadro, deve haver um

envolvimento da equipe profissional “enfatizando o benefício para mães e crianças com a

realização do parto normal” (PAREPS pedras azuis, p. 23).

No PAREPS não foram propostas ações que poderiam contribuir diretamente para a

redução dos partos cesária sem indicação, porém as dificuldades foram discutidas nos

encontros do GCR, e foram verificados nas atas relatos e exemplos de municípios que

travavam uma luta contra-hegemônica, com dificuldade em mobilizar o gestor para ampliar a

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discussão sobre o parto nos municípios (GCR todas as regiões, 10/04/2014) e o desafio de

“pensar parto humanizado em uma cidade que só faz cesárea” (região das pedras amarelas –

12/06/2014). Entendemos que há interesses múltiplos que envolvem essa discussão, incluindo

interesses de grupos privados sobre os interesses públicos, motivo de discussão global na

saúde brasileira na atualidade.

O Plano da RRAS 13 (SÃO PAULO, 2012) para a implementação de uma rede de

atenção materno infantil de qualidade apresentou um compromisso com a integralidade e

humanização no cuidado, com propostas de ação que podem contribuir positivamente para o

processo de trabalho em saúde de qualidade, como: boa comunicação, ações de educação em

saúde nos territórios, ampliação e qualificação de leitos UTI adulto, neonatal, método canguru

e centros de parto normal e casa da gestante, bebê e puérpera. Outro ponto importante

levantado nesse mesmo documento é o fortalecimento do controle social com estímulo à

implementação de colegiado gestor nas maternidades e outros dispositivos de cogestão

tratados na Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2009a), de forma a garantir os

direitos das gestantes durante seu parto.

5.8.5 O GCR – um espaço de gestão e de EPS

Na busca por mudanças de práticas na atenção materno infantil da região e como

forma de implementação do SUS, este DRS decidiu operacionalizar a RC a partir de uma

lógica ascendente de planejamento, de corresponsabilização de coletivos com ferramentas da

educação permanente em saúde ao propor encontros entre os 24 municípios que a compõem.

As informações a seguir compõem o mapa desta Rede-rizoma ao caracterizar um pouco mais

o GCR como um espaço de gestão de redes, sua dinâmica e sua constituição, pois, com essa

conformação, o DRS III conseguiu reunir trabalhadores de diferentes municípios para

dialogar sobre a situação presente em suas localidades e propor ações de forma condizente à

realidade das regiões de saúde e municípios.

Os participantes da pesquisa-intervenção foram os profissionais membros do GCR

responsáveis pela operacionalização da rede de atenção materno infantil nos municípios do

DRS III, entre eles representantes dos grupos condutores municipais (GCM), coordenadores

de AB, articuladores de EPS e representantes da gestão de cada município com ampliação no

decorrer do processo de implementação da rede.

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Percurso Metodológico ____________________________________________________________ 66

Geralmente, a dinâmica de trabalho do GCR dava-se por momentos de concentração,

para discussões em conjunto no coletivo, levantamento de nós críticos e enfrentamentos, e

pactuação de tarefas. Estas deveriam ser realizadas nos momentos de dispersão, em seus

municípios de origem, geralmente junto aos GCM, que têm o objetivo de capilarizar a RC,

multiplicando seus pontos de conexão.

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_________Construindo o Cenário da EPS no DRS III

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 68

6 CONSTRUINDO O CENÁRIO DA EPS NO DRS III

“O documento permite acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social”

(CELLARD, 2010, p. 295). Com essa frase de Cellard (2010), proponho-me a explicitar

aspectos do processo de construção de materiais ricos em informações relacionados à

implementação da RC e da EPS no território de abrangência do DRS III.

Com base no quadrilátero da formação e seus eixos: formação, gestão, atenção e

controle social (CECCIM; FEUERWERKER, 2004), analisamos os documentos em questão à

procura de movimentos transformadores das práticas profissionais, que, além de produzirem

habilidades técnicas, discutam o conhecimento do SUS, a organização do trabalho, o

atendimento integral de acordo com as necessidades de saúde de seu território e o

desenvolvimento de autonomia dos usuários do SUS de forma a aumentar a participação

social na discussão e gestão de políticas de saúde.

Um desses materiais, o Plano de ação de EPS, o PAREPS, explicita algumas lacunas

referentes à qualificação da atenção materno infantil, tema relacionado à Profecia Inicial da

RC, qual seja, preservar a vida de mulheres gestantes e crianças e, portanto, finalidade última

que deveria guiar os trabalhadores de saúde em seu Processo de Trabalho.

O PAREPS é um plano norteador regional pactuado coletivamente para a construção e

implementação de ações educativas na área de desenvolvimento e formação dos trabalhadores

do SUS, a partir da análise das necessidades dos serviços de saúde, com a intenção de

transformar as práticas de gestão e atenção (PAREPS todas as regiões). Assim, O CDQ SUS

promove uma oficina a fim de reunir os municípios e pensar essa construção coletiva de

forma que, a partir da realidade vivida e observada na região de saúde de cada um, eles

possam identificar os principais problemas e necessidades.

A necessidade de ações que impactem na melhora dos indicadores emerge nos

documentos em diferentes situações, como na abordagem da gravidez na adolescência, na

proposta de fortalecimento dos Comitês Municipais de Mortalidade, dos Grupos Condutores

Municipais (GCM) e da intersetorialidade e integração entre as diversas redes de atenção à

saúde, entre outras, e representam a importância da capilarização da RC na forma de espaços

de discussão e reflexão do processo de trabalho em saúde. Vejamos alguns aspectos que

caracterizam a EPS na RC deste DRS.

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 69

6.1 A EPS na Rede-rizoma

Durante a aproximação ao PAREPS, deparei-me com a potência da parceria dos

municípios com o Centro de Desenvolvimento e Qualificação para o SUS (CDQ SUS), criado

junto com a normativa de criação dos DRS, pelo Decreto n.º 51433, de 28 de dezembro de

2006 (SÃO PAULO, 2006). Porém não havia descrito no documento a trajetória ou a função

desse ator na roda. Essa lacuna instigou-me a buscar na literatura por experiências exitosas

desse caminhar junto, para auxiliar na reflexão sobre o uso da EPS como ferramenta de

gestão, a partir dos achados no papel, material duro e fotografado, uma imagem estática do

que parecia um movimento dinâmico.

Segundo Souza (2014), a participação do CDQ SUS nas CIR das diferentes redes, e

não menos no GCR da Rede Cegonha, pode contribuir para problematizar o processo de

trabalho em saúde. Procura envolver os diferentes atores (trabalhadores, gestores e usuários),

estimulando-os a colocar na roda propostas de trabalho para as Políticas de Educação

Permanente e Humanização, dispostos a constituir “redes fortes, vivas e potentes, que tenham

como foco a melhoria nos processos de atenção e de gestão” (SOUZA, 2014). Esta autora

reconhece como ator do CDQ no município o articulador de humanização, cuja ação constrói-

se in loco, o que exige o conhecimento do território, suas potências, fragilidades e

necessidades e, conjuntamente com o DRS III, articula a PNH entre os vários pontos da rede,

também auxiliando na sensibilização e valorização da Política Nacional de Educação

Permanente. Essa sensibilização concentra-se no incentivo à produção coletiva e à construção

de grupalidades e espaços coletivos nos municípios que proporcionem a reflexão, o

aprendizado e a produção de conhecimento, nos processos de trabalho da gestão e do cuidado

ao usuário (SOUZA, 2014). Vemos, aqui, a valorização do encontro em espaços coletivos de

discussão e reflexão, onde se dá a micropolítica do processo de trabalho, e potentes para

criação e reinvenção do trabalho.

Esse importante parceiro (CDQ SUS), dentre outras atribuições, debruça-se sobre

questões como a formação dos atores conhecidos como articuladores de EPS, em parceria

com as universidades próximas, como a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a

Universidade de São Paulo (USP). O articulador municipal de EPS “é um ator local e

estratégico de extrema relevância na condução e desenvolvimento dos projetos e da

implementação da política” (PNEPS) (PAREPS todas as regiões). Dentre suas atividades

estão rodas de conversa, processos de educação continuada, participação em reuniões de

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 70

equipe e em grupos condutores das redes temáticas, incluindo o GCR. O PAREPS da região

das pedras amarelas aborda como se deu o processo de formação dos articuladores de EPS na

região e ressalta a construção coletiva com o CDQ SUS, articuladores de EPS e alguns poucos

gestores.

Outra atividade dos articuladores é o acolhimento dos gestores quando há mudança de

gestão. Para tanto, são organizadas oficinas com o objetivo de construir coletivamente com

atores estratégicos da rede municipal (incluindo outros articuladores de EPS) as possibilidades

de implementação da PNEPS nos territórios. Essa é uma oportunidade para a apresentação das

instâncias da CIES e do Núcleo de Integração Ensino Serviço de Araraquara (NIES), e, ainda,

discussões sobre o papel dos articuladores de EPS, a importância do próprio PAREPS e os

recursos disponíveis para a implementação de ações e projetos de EPS.

A operacionalização da EPS como ferramenta de gestão e de corresponsabilização é

permeada por dificuldades e desafios diante de “novos modos de cuidado e gestão, assim

como a existência de lacunas de conhecimentos, que vão se desvelando nos processos

desenvolvidos pelo CDQ SUS e DRS na implementação do SUS” (PAREPS pedras

vermelhas, p. 97).

A construção do PAREPS para o ano de 2014 possibilitou um importante momento de “parada” para a contextualização da realidade e reflexão dos processos de trabalho instituídos na gestão e atenção e para a identificação da EPS como uma ferramenta potente para a transformação das práticas e a organização do trabalho” (PAREPS todas as regiões).

Esses aspectos formativos vêm acompanhados da necessidade de qualificação

profissional, a partir da constante necessidade de aperfeiçoamento e desenvolvimento

profissional das equipes, evidenciando nas atas dos encontros do GCR o reconhecimento e a

importância da formação, eixo da EPS, no movimento de incentivo ao parto normal e

humanizado e com capacitações para a execução dos testes rápidos durante o pré-natal.

O mapa do aprendizado para esses trabalhadores configura-se nos documentos a partir

da valorização da educação continuada com proposta de treinamentos e capacitações,

demonstrando que a concepção de EPS para transformação de práticas ainda é pouco

ampliada. Exploraremos adiante, então, outros aspectos que enfatizam essa questão.

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 71

6.2 Parceria ensino-serviço

O estímulo à cooperação direta entre ensino e serviço é dado pelo MS desde 2003 com

o objetivo de fomentar uma transformação na formação em saúde e melhorar a qualidade dos

serviços por meio das mudanças necessárias nas realidades locais (FEUERWERKER, 2014).

Assim, o apoio técnico e financeiro a projetos e a estratégias inovadoras pode exercer um

papel importante para a consolidação dos princípios do SUS e garantia do direito à saúde de

qualidade daquela comunidade, numa bifurcação de parceria ensino-serviço-comunidade,

ainda timidamente reconhecida.

No DRS III, essa integração entre o MS e as instituições de ensino ocorre de forma

colaborativa para a melhoria da qualidade dos serviços mediante ações de educação

continuada que preveem atualizações e treinamentos sobre ações pontuais, além de disposição

de sua estrutura física para atender às demandas dos serviços de saúde de sua região. O

município de Amazonita, na região das pedras verdes, por exemplo, nas descrições das ações

desenvolvidas no ano de 2013, demonstra a parceria ensino-serviço com o DRS e a

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para o apoio em capacitações para o teste do

pezinho e com a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus

Araraquara (UNESP-Araraquara) para coleta de exames laboratoriais. De forma geral, as

instituições de ensino superior da região oferecem cursos de graduação e pós-graduação, no

entanto é importante ressaltar que a distribuição entre as RS não é equitativa, na região das

pedras vermelhas há cinco instituições, em sua maioria privadas, e a região das pedras azuis

não conta com instituições de ensino superior.

6.3 No caminho das práticas

São importantes para a caracterização da EPS neste DRS a análise de aspectos

relacionados ao estímulo e ao apoio às ações de formação, atenção, gestão e controle social

em cada município. E, também, observar as diferentes concepções de EPS presentes e

representadas por essas ações propostas pelos municípios.

A participação social é um eixo importante para a consolidação da EPS, e a educação

popular está entre as peças-chave de articulação entre setores que podem contribuir para o

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 72

fortalecimento das políticas públicas nos diferentes territórios, mediante a responsabilidade

compartilhada. No PAREPS, a aproximação dos trabalhadores de saúde com os movimentos

de educação popular é tímida, sem descrição de atividades, e são poucas as propostas de ação

que aproximem a população aos processos de gestão de seu município. Uma das ações

propostas como ação de EPS por todos os municípios foi a realização de ações educativas

relativas à saúde e ao SUS na rede municipal de ensino, com adesão ao Programa Saúde na

Escola (PSE) e a participação em eventos e campanhas nas escolas. Acredito que haja uma

confusão entre os conceitos de EPS e Educação em Saúde com nuances de intersetorialidade,

porém as ações são descritas como pontuais e desarticuladas. Como devem ser construídas

coletivamente, percebemos que não trazem a estratégia de ação ou o aprendizado no trabalho

vivido nem pelo trabalhador, nem pelo público alvo, demonstrando serem ações de educação

descontinuadas aos usuários do SUS e aos trabalhadores da escola.

De forma geral, as ações consideradas como ações de EPS propostas no PAREPS têm

como objetivos melhorar o processo de trabalho das equipes nos diferentes níveis de atenção,

impactar na melhora dos indicadores de morbimortalidade materno infantil e cooperar com a

implementação da RC. Apesar de não apresentarem a descrição da proposta pedagógica, as

ações estão relacionadas à realização de reuniões periódicas de equipe, com objetivos de gerar

momentos de reflexão e interação que possibilitem a efetivação das diferentes políticas de

saúde, além da criação de grupos de trabalho de gestão, da sensibilização de profissionais de

saúde para a articulação e cumprimento de pactos e metas. Em sua maioria, ações para o

fortalecimento da atenção básica, como a efetivação da territorialização e a adesão aos

programas do Ministério da Saúde, como o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da

Qualidade na Atenção básica (PMAQ).

Outras ações para consolidação da EPS nos municípios estão relacionadas à

participação em projetos e discussão sobre a EPS nas reuniões de equipe, o que poderia trazer

reflexões sobre o cotidiano nos serviços. No entanto o uso do termo “Educação Permanente

em Saúde” foi pouco utilizado como proposta de ação diante das necessidades encontradas no

PAREPS, indicando pouca apropriação sobre esse termo como ferramenta de aprendizado no

cotidiano e de gestão do processo de trabalho em saúde.

Outro ponto importante a observar-se é que, na maioria das regiões de saúde, as ações

propostas e as realizadas para o ano de 2013 não são coincidentes, de forma que o

planejamento não ocorre de forma funcional, pois há sempre outras demandas e movimentos

que circunscrevem o fazer em saúde. Há também atravessamentos que minguam as forças

instituintes de transformação da realidade, e novamente há a reprodução de uma forma

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 73

instituída de cumprimento de tarefas. Colabora para este quadro a busca pelo apoio da gestão

nos processos de EPS, um tema transversal nos documentos que é entendido como peça-

chave, pois representa uma “retaguarda da equipe de gestão” para a transformação das

práticas.

Entendemos que as ações são realizadas de forma diferente do planejado, seja por

exigências e normas do Ministério da Saúde, seja porque trabalham com outras demandas e

oportunidades, como a criação de vias de informação digitais em formato de rede social, um

movimento instituinte, do uso de tecnologia nas práticas em saúde, que cada vez mais se

fortalece nos dias de hoje.

Portanto, vemos os trabalhadores lidando com a disputa entre a força do instituído, na

figura do Ministério da Saúde, que demanda uma ação além do planejado, e as forças

instituintes, representadas pelas boas ideias dos trabalhadores, que implementam ações

criativas, também além do planejado. De certa forma, o que está fora do texto, fora do papel,

fora do plano de ação prevalece em um processo de institucionalização da EPS em que há

forças instituintes em disputa com o instituído. Nessta disputa, é possível que o instituído

capture o poder criativo do trabalhador que opera o seu fazer a partir do material duro, de

difícil manipulação, pouco flexível, na forma de documentos formais que ditam as regras da

EPS de forma reguladora. Em certa faceta, podemos considerar que há, neste processo, as

linhas de fuga do instituinte que conseguem gerar processos de ensino-aprendizagem no

cotidiano, nos momentos menos formais e que devem ser reconhecidos e valorizados. Uma

aposta da EPS em movimento de dar visibilidade a esses feitos possíveis do fazer saúde

coletiva, mesmo quando os trabalhadores têm de lidar no cotidiano dos serviços com

demandas múltiplas que os sobrecarregam e sufocam seus momentos de reflexão sobre essa

prática e contribuem para a reprodução de um modo instituído de lidar com o planejamento

em saúde.

6.4 Potencialidades-Fragilidades: Nós críticos, Atravessamentos e Disputas na RC

Durante a análise de documentos, deparei-me com fragilidades e potencialidades da

EPS que se desenharam a partir de facetas que estão a todo o momento uma dentro da outra,

imbricadas e dependentes, pois cada fragilidade carrega sua potencialidade e vice-versa.

Assim, durante a análise das ações de EPS, chamaram-nos a atenção a possibilidade e a

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disposição municipal para o desenvolvimento de Projetos de EPS com provimento de recursos

a partir da Portaria nº 1996 (SÃO PAULO, 2007). Com a descentralização político-

administrativa, esses recursos destinados a ações de EPS foram repassados aos municípios

fundo a fundo, e a condução da política, feita pela CIR e CIES.

A maioria dos municípios das quatro RS teve como proposta a garantia de participação

dos trabalhadores nas atividades dos projetos propostos, a seguir: Fortalecimento da Atenção

Básica: reorganizando as práticas de gestão e atenção em saúde; Fortalecendo a Atenção

Básica a partir do dispositivo trabalho em equipe; Territorialização: um processo de

transformação das práticas de gestão e produção de vida e cuidado; Educação Permanente

para o Controle Social; e Tecendo a rede de saúde mental: desenvolvimento dos profissionais

e reorganização dos serviços na região do DRS III Araraquara.

Esses projetos têm potencialidade de disparar momentos de reflexão das práticas e

qualificar o processo de trabalho na saúde materno infantil ao ampliar o olhar para as

diferentes facetas que compõem a EPS: formação, atenção, gestão e controle social, já que são

oferecidos a todos os municípios. Eles ocorreram de forma homogênea e variaram em número

de participantes de cada região. Os municípios da região das pedras verdes afirmaram que

garantem a participação de trabalhadores em atividades de EPS, pois consideram “uma

política que deverá ser mantida e sempre repensada uma vez que os resultados esperados só

vão aparecer a médio e longo prazo” (PAREPS perdas verdes, p. 50), em um entendimento de

que as mudanças esperadas são processuais.

O documento alerta para a diminuição do número de trabalhadores participantes ao

longo do tempo, fato que pode ser atribuído ao período longo de execução dos projetos, de até

10 meses, e afirma que as metodologias de aprendizagem utilizadas causam um

“estranhamento que leva à desistência” (PAREPS todas as regiões), o que nos faz questionar

sobre a estratégia de interação e aprendizagem e sobre quais as metodologias utilizadas nos

encontros, o que não foi relatado nos documentos.

Ainda, na região das pedras vermelhas foi proposto um projeto de EPS voltado ao

acolhimento oferecido aos usuários, utilizando a metodologia da problematização a fim de

instrumentalizar as equipes da rede no processo de melhoria do acesso e qualidade da atenção.

Ressalta-se, aqui, a utilização da problematização, um conceito de Paulo Freire (FREIRE,

1987), como ferramenta importante para a valorização da educação popular em saúde, para a

o acolhimento verdadeiramente humanizado que aproxima profissional e usuário e possibilita

a formação de vínculos.

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 75

Apesar de estar presente em poucos municípios neste DRS, o grupo de Apoio

Institucional está entre as potencialidades para criação de espaços de discussão coletiva e

reflexão da prática para esses trabalhadores. Uma das regiões propôs o fortalecimento do

grupo de Apoio institucional com objetivo de fortalecer as discussões sobre EPS e instituir

uma coordenação, com capacitações, avaliação e monitoramento. O município de Âmbar, por

exemplo, propôs no PAREPS a autoavaliação de gestores e trabalhadores das unidades de

saúde durante o ano de 2012 e a participação sistemática do grupo de apoio institucional nas

reuniões de equipe, “resgatando a utilização de ferramentas de Educação Permanente para

organização e melhora no processo de trabalho das equipes” (PAREPS pedras amarelas, p.

89). Vemos, portanto, que, em algumas regiões, há esforços para promoção do encontro e do

uso da EPS como ferramenta de gestão do trabalho em saúde.

O processo de trabalho em saúde dos integrantes do GCR envolve a identificação de

problemas e a elaboração de um plano de ação para o enfrentamento deles, parte do

planejamento em saúde. Durante a leitura dos documentos, chamaram a atenção diferentes

pontos de convergência para o enfrentamento das necessidades levantadas. Artmann (2000)

nomeia os pontos de enfrentamento de um problema de nós críticos, sobre os quais serão

elaboradas as propostas de ação. Para ser considerado como nó crítico, é necessário considerar

se a intervenção sobre essa causa trará mudanças positivas, se há possibilidades de ação

prática e se é oportuno, politicamente, intervir. Essa é uma etapa importante do planejamento

para a constituição da rede cegonha, pois a identificação dos problemas e dos meios de

superá-los eleva a “consciência sanitária das pessoas” (PAIM, 2006, p. 387), facilitando a

mobilização política dos interessados pela questão saúde e aproximando os trabalhadores de

seu papel de gestores do cuidado materno infantil, associando as propostas de ação às suas

implicações e seus projetos.

“está tudo muito sobrecarregado” (região pedras verdes, 12/06/2014).

É importante explorar alguns nós críticos relevantes presentes nos documentos em

relação à gestão do trabalho, principalmente aos recursos humanos com contratos temporários

e de número insuficiente para suprir as demandas da rede, indicando em algumas regiões o

acúmulo de funções, de tarefas e vazios assistenciais na atenção à gestante e à criança e a

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 76

sobrecarga de funcionários, indicando que “existe na rede sobrecarga de serviço” (região

pedras azuis, 12/06/2014). Essa situação em que as equipes acabam sobrecarregadas foi

evidente nas reuniões do GCR ao longo do ano de 2014; ela se tornou uma forma de

justificativa para faltas a reuniões deste grupo condutor ou para a não realização de outras

ações importantes para a consolidação da rede cegonha.

Rubi, na região das pedras vermelhas, relatou “dificuldades para discussões locais por

sobrecarga dos membros do grupo” (região pedras vermelhas, 14/08/2014), enquanto em

municípios como Amazonita houve ausência de funcionários “e a justiça colocou necessidade

de concurso público” (região pedras verdes, 12/06/2014). Topázio argumentou que a

“contratação dos profissionais pela gestão irá colaborar para fortalecimento do grupo local e

maior participação nas reuniões”, entre outros benefícios. Esses são alguns depoimentos sobre

um nó que parece ser comum, sendo a participação ou não nas reuniões do GCR um assunto

amplamente discutido por esse coletivo, desvendando as razões da descontinuidade da

participação dos profissionais gestores da rede cegonha. Além da sobrecarga, são fatores que

influenciam a descontinuidade a implicação dos profissionais com o tema da saúde materno

infantil e com a sua profecia inicial, e a qualidade da comunicação nos municípios e entre

seus diferentes atores.

Na região das pedras amarelas, Opala apontou dificuldades, como a ausência de

reuniões de equipe, por falta de funcionários, uma vez que havia incentivo e autorização da

gestão para sua realização. Outro problema levantado foi o acúmulo de funções devido ao

número reduzido de funcionários, que levou à interrupção das reuniões da equipe matricial de

EPS, um nó crítico importante como atravessamento na efetivação da EPS. Além dos recursos

humanos, outro nó crítico estava relacionado à adequação da estrutura disponível, à escassez

de insumos e à gestão de novas práticas na rede, como o acesso a exames instituídos pelo MS.

Houve relatos sobre “dificuldade para o teste rápido, devido a problemas de número reduzido

de recursos humanos, infraestrutura e materiais” (região pedras amarelas, 10/07/2014), e que

“somente uma unidade faz o teste rápido, pois (as demais) não têm geladeira” (região pedras

amarelas, 11/09/2014).

Um outro desafio era a comunicação entre os profissionais da mesma equipe, por

exemplo, entre as diferentes categorias, em especial a médica e a odontológica, o que sugere

uma disputa de forças entre fazeres e saberes. Já no início do ano o grupo identificou

dificuldades de comunicação intrarrede e entre redes, reconhecido neste trecho: “desafio é

articular a rede com outras redes, articular os pontos de atenção, isso é o mais difícil” (região

pedras verdes, 12/06/2014). A frágil comunicação entre os atores da RC colaborava para sua

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desarticulação: “nem todos os municípios possuem grupos condutores municipais atuantes”

(região pedras azuis, 24/02/2014), “os articuladores de EPS encontram-se à parte do processo

de implantação da rede” e “não são convidados para as reuniões do Grupo Condutor

Municipal” (região pedras vermelhas, 24/02/2014).

Há divergências entre os modelos de atenção nas diferentes regiões, e um desafio é

fazer saúde com base em um modelo de atenção focado na integralidade com profissionais

motivados e comprometidos e que trabalhem em rede de forma articulada. E a atenção básica

(AB) apresenta alguns entraves, não atuando diretamente na coordenação do cuidado materno

infantil. Além disso, “nem todos têm território definido e população adscrita” (região pedras

azuis, 14/08/2014). Alguns impactos da falta de territorialização são altos

indicadores de mortalidade e incidência de sífilis materna e congênita, falta de acompanhamento das gestantes e detecção precoce de agravos como hipertensão, diabetes e infecções do trato urinário, falta de realização dos testes rápidos, início tardio do pré-natal, não realização das ações assumidas como compromisso municipal no Plano de Ações da Rede (região pedras azuis, 14/08/2014).

Dessa forma, a AB afasta-se da coordenação do cuidado, e esse fato está presente nos

documentos, por exemplo, no Plano da RRAS 13, que indica que o foco deve estar no

trabalho das equipes da atenção básica, independente dos equipamentos: “uma atenção básica

organizada, independente da estratégia utilizada, pode apresentar desempenho semelhante à

ESF e que o diferencial não é a estratégia e sim o processo de trabalho desenvolvido nas

equipes” (SÃO PAULO, 2012). Essa leitura provoca reflexões, já que há uma crença no

desempenho positivo dos atores da rede, que parte do documento instituído, e que é

independente das condições de trabalho ou do perfil das equipes de trabalho na atenção

básica.

Um potencializador no processo de implementação da RC é a própria gestão estadual.

O DRS é considerado mediador do processo de institucionalização da rede, por isso é evidente

o apoio esperado pelos municípios para o enfrentamento dos nós críticos, no diálogo com os

gestores, pois, segundo o grupo, “a rede cegonha não é priorizada por muitos gestores”, e,

também, no diálogo com o próprio DRS, ao discutir a necessidade de “participação ativa do

articulador regional da AB (atenção básica)” (região pedras azuis – 11/12). O DRS encoraja

os enfrentamentos, fortalece o papel dos trabalhadores de gestores da rede cegonha: “(gestão

DRS) fala do valor do grupo e que temos potencial e que somos capazes de discutir com o

profissional médico as suas condutas, principalmente com os dados das taxas de cesarianas”

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Construindo o Cenário da EPS no DRS III _____________________________________________ 78

(região pedras amarelas – 13/11), o apoio do DRS está em seu papel propositivo e

argumentativo, além de ponte de comunicação entre a gestão estadual e municpal.

Considerando, a partir desta análise de documentos, a necessidade de uma articulação

em rede e de pontos de apoio que fortaleçam as interconexões em rede, e, ainda, que as

necessidades são construídas sociohistoricamente, ou seja, são necessidades de determinada

RS e que podem ser modificadas com o tempo (MENDES-GONÇALVES, 1992), os agentes

desse processo, os trabalhadores da saúde, podem, muitas vezes, negar as condições

sociohistóricas por estarem “capturados” em seu Processo de Trabalho (MALTA; MERHY,

2003), seja pela fragmentação de seu trabalho ou pela alienação a que o trabalhador está

sujeito. Para Malta e Merhy (2003), é de grande importância identificar a existência de

“espaços interseçores”1, onde se dificulta a captura do trabalho vivo em ato, possibilitando

mudanças e processos criativos. As interseções são criadas no encontro com o outro, no

encontro entre subjetividades. Consideramos, portanto, o espaço denominado CGR como um

“espaço interseçor” potente para a qualificação da rede de atenção materno infantil e sua

efetiva implementação.

Ainda, a partir da apresentação do contexto da RC e da EPS neste DRS, sua

problemática, potencialidades e fragilidades, exploraremos, a seguir, na cartografia proposta,

outros aspectos da pesquisa-intervenção referentes ao processo de institucionalização da RC

ocorrido no GCR.

1 Segundo Merhy (1997), espaços interseçores são produzidos a partir do encontro entre trabalhador de saúde e usuário, atores que carregam em si seus processos instituintes no momento do trabalho vivo em ato, com base na defesa da vida. O autor chama a atenção para o uso do termo “Interseçores”, que diz respeito ao momento de interseção entre os autores Deleuze e Guattari quando produziram o livro Antiedipo, “que não é uma somatória de um com o outro e produto de quatro mãos, mas um ‘inter’. Assim, o autor utiliza este termo para designar o que se produz nas relações entre ‘sujeitos’, no espaço das suas interseções, que é um produto que existe para os ‘dois’ em ato” (MERHY, 1997, p. 15; 2014, p. 50).

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___ Paisagens que Compõem o Mapa do Aprendizado

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Paisagens que Compõem o Mapa do Aprendizado _______________________________________ 80

7 PAISAGENS QUE COMPÕEM O MAPA DO APRENDIZADO

Um CsO (Corpo sem Órgãos) é feito

de tal maneira que ele só pode ser ocupado,

povoado por intensidades

(DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 10).

Esses escritos são um convite a uma nova experimentação, na busca e na criação de

um Corpo sem Órgãos (CsO) (DELEUZE; GUATTARI, 1996) que caminha com a cabeça, vê

através da pele, respira com o ventre e reconhece-se como corpo pleno, entremeado de tudo e

de nada, só se sabe que sua “organização” é diferente, difusa, de dimensões outras. Busquei

inspiração nestes autores que se indagavam sobre os limites e possibilidades do corpo, e

refletiam o quanto podemos afetar e ser afetados pelos corpos à nossa volta. Proponho o

preenchimento deste CsO pelas intensidades que surgiram, passaram e circularam por mim e

pelos outros CsO que habitaram os espaços da pesquisa e da formação.

“Cada CsO é feito de platôs” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 20), regiões de

intensidade contínua que são fortes suficientemente para não se deixarem romper por pressões

externas. Conseguir manter as intensidades nesse CsO é o grande desafio posto para a

construção de um plano de consistência, de constante produção de multiplicidades composta

pelos diferentes CsO neste rizoma-viagem-aprendizado.

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Paisagens que Compõem o Mapa do Aprendizado _______________________________________ 81

7.1 Os Planos do rizoma

J'arrive j'arrive Mais pourquoi moi pourquoi maintenant

Pourquoi déjà et où aller J'arrive bien sûr, j'arrive

Mais j'ai jamais rien fait d'autre qu'arriver Jacques Brel (1929-1978)

Estou chegando, estou chegando Mas por que eu e por que agora

Por que já e onde ir Com certeza eu chego, estou chegando

Porém, eu jamais fiz outra coisa senão chegar

O verbo francês arriver (fr) significa “chegar”. Porém também pode significar

“aproximar-se” ou exprimir algo que está próximo a acontecer, ou, até mesmo, “chegar a um

entendimento”, conclusão (AVOLIO; FAURY, 2009). No poema de Jacques Brel, os

personagens não alcançam um ao outro, um surpreende-se com o chamado do outro, promete

que já chega e, ao mesmo tempo, reconhece que sempre esteve por perto, em um aproximar

sem fim. Assim, tentei fazer-me nesta pesquisa-intervenção de um convite, uma surpresa

demandada, a um aproximar em processo, um estar intervindo pela presença, pelo escrever,

pelo ouvir, pela alteridade, em um “jamais fazer outra coisa senão chegar”, de formas

distintas, em uma multiplicidade de ressignificações e aproximações a mim mesma e aos

coletivos com os quais cruzei, afinal, como afirma Ítalo Calvino: quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis (CALVINO, 1990, p. 138).

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7.2 Cenas de minha aproximação à pesquisa-intervenção

Participar de uma pesquisa do PPSUS - Programa de Pesquisa para o SUS -

envolveu situações importantes a considerar. Primeiramente, a construção do projeto da

pesquisa-intervenção pelo grupo de pesquisa deve incluir a análise da sua encomenda e

demanda (MONCEAU, 2013). Para Monceau (2013), a encomenda diz respeito ao

diagnóstico da instituição interessada na intervenção, de forma que aqueles que

encomendam são aqueles que contratam/convidam os analistas para efetuar a intervenção.

No projeto de pesquisa maior, do qual deriva este estudo, acredito que a encomenda foi

múltipla, não ocorrendo um convite formal do Grupo Condutor Regional da Rede

Cegonha (GCR). Levando em consideração os distintos prismas ou olhares, temos a

encomenda feita por parte dos pesquisadores do serviço, o DRS III de Araraquara, mais

especificamente trabalhadores da Secretaria de Estado da Saúde que trabalhavam com a

gestão da rede cegonha, via GCR e que atuaram nesse processo como trabalhadores (do

DRS) e, concomitantemente, pesquisadores. E, também, podemos considerar uma

encomenda institucional de pesquisa do Ministério da Saúde e Ministério da Ciência e

Tecnologia via edital PPSUS/FAPESP 2012: gestão compartilhada em saúde, com o

objetivo de investir em pesquisas que impactassem nos indicadores de saúde e no processo

de trabalho nos serviços de saúde, contribuindo com a redução das desigualdades

regionais (BRASIL, 2015b). Tal encomenda foi aceita como desafio pelo grupo de

pesquisa que se propôs a produzir uma pesquisa-intervenção junto ao GCR que apoiasse

um projeto para garantir às mulheres um planejamento reprodutivo e acompanhamento

humanizado à gravidez, parto e puerpério, e às crianças, o crescimento e desenvolvimento

saudáveis.

Esse grupo de trabalhadores da gestão estadual vinha de um momento de

conformação do GCR e pretendia colocar em funcionamento a rede cegonha a partir da

elaboração de um Plano de ação regional – Plano da RRAS 13 (SÃO PAULO, 2012).

Também era um grupo de trabalhadores heterogêneo de distintas profissões e funções, e,

consequentemente, com distintas implicações e demandas, que contava com ferramentas

de formação em serviço, projetos de EPS e tinha confiança no papel que a Universidade

poderia estabelecer em uma parceria como esta. As expectativas tanto dos trabalhadores-

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pesquisadores do DRS como dos pesquisadores das Universidades em relação à produção

científica nos serviços de saúde estavam relacionadas a uma pesquisa que trouxesse

resultados positivos tanto na conformação e implementação de uma rede por meio daquele

grupo gestor, mas, mais ainda, como na redução dos altos índices de morbimortalidade

materno infantil presentes no território deste DRS.

Na chegada ao campo, o grupo de pesquisadores, da Universidade de São Paulo

(USP), UFSCar e do DRS III, fez uma oferta de intervenção institucional aos integrantes

do GCR em dezembro de 2013, momento no qual apresentamos nossas intenções,

objetivos e proposta de trabalho para que os participantes pudessem fazer suas escolhas

em relação à participação na pesquisa-intervenção.

Desse modo, o processo de autoanálise proposto a partir do referencial teórico

adotado na pesquisa-intervenção (BAREMBLITT, 2002) também pôde gerar momentos de

autogestão do coletivo em que o próprio GCR posicionava-se em relação às decisões e

caminhos de forma processual. Somam-se, nesse processo, os momentos de

problematização dos efeitos produzidos pela pesquisa-intervenção a partir da dinâmica de

funcionamento do grupo e das sínteses realizadas pelos pesquisadores nas oficinas de

análise coletiva, movimento que contribuiu para a produção da intervenção.

L’abbate (2012) nos revela a importância da intervenção para a conformação do

movimento institucionalista e esmiúça seu significado chamando-nos a atenção para o

sentido do intervir, ou “vir entre”. Nessa linha de investigação, o grupo de analistas

institucionais é convidado a intervir na “condição de uma visão outra, que se espera de um

terceiro” (L’ABBATE, 2012, p. 196), diferentemente do que possa ser associado a uma

ação autoritária, cruel ou antidemocrática.

Meu desafio estava posto pela oportunidade em participar como

pesquisadora/aluna de pós-graduação e pela dedicação e proposição dos pesquisadores em

realizar uma pesquisa-intervenção, uma verdadeira análise institucional em ato. No Brasil,

o movimento institucionalista é polifônico (RODRIGUES, 2006), uma mescla de

correntes e de autores de diferentes nacionalidades, franceses, argentinos, espanhóis,

italianos, brasileiros. Assim, características das correntes socioanalítica e esquizoanalítica

estão presentes neste trabalho, num emaranhando de conceitos que dão liga para a

visualização do mapa proposto e são reflexos da intervenção produzida.

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Nessa cena, vi-me diante de um objeto de pesquisa que trouxe consigo perspectivas

inovadoras para a formação e aprendizado no trabalho, pois a proposta era a de investigar

naquele espaço de encontro entre trabalhadores os processos vividos e as aprendizagens

que ali circularam, de um ponto de vista horizontal com o compartilhar dos saberes, algo

que me motivou imensamente.

J’arrive au terrain

7.3 Cenas de minha aproximação com o campo e cenário da pesquisa, um momento de

aprendizagem no trabalho

Na tentativa de compreender a dinâmica do coletivo, minha atenção buscava a

detecção de signos, voltada para o interior daquele encontro a fim de apreender o contexto e

as relações entre aquelas pessoas e entre elas e nós, pesquisadores, afinal estávamos

oficialmente inseridos no grupo naquele dia e senti certa curiosidade em relação ao que

poderíamos produzir juntos.

Nessa recepção, as expectativas dos trabalhadores eram de que nossas ações, de

pesquisa, refletissem diretamente nos seus municípios de origem. Eu acreditava que nossa

intervenção naquele espaço de encontro poderia trazer resultados nessa direção, a partir do

pressuposto de que o aprendizado ali teria impacto na atenção à saúde nos municípios. Além

disso, a gestão estadual apostava que a experiência participativa e da construção coletiva da

rede cegonha poderia ajudar na implantação de outras redes.

No desafio posto pela proposta pedagógica da EPS, com base em uma construção

coletiva, todos os saberes são valorizados, diferentemente daquela posição instituída

tradicionalmente, em que aqueles que sabem são os da universidade, e os que não sabem são

os do serviço. Esse modo de ver o mundo ainda se fazia presente nos participantes, tanto do

serviço quanto da universidade, e, por isso, o desafio de operar na prática um novo modo de

agir coletivo tornava-se maior e, ao mesmo tempo, deixava-me captar por um movimento em

que a educação permanente permeava o espaço de encontro na articulação do conhecimento,

na formação da rede, na explicitação de que existia um espaço aberto à aprendizagem.

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Reiteramos que na apresentação cartográfica dos encontros vividos identificaremos os

trechos pela sigla [GCR, seguido da região de saúde e a data], ou apenas [GCR e a data] para

os encontros em que todas as RS estavam juntas.

7.4 Aprendizagens em ato - O caso SISPRENATAL WEB

No primeiro encontro com o grupo condutor regional da rede cegonha, eu, na posição

de cartógrafa, estava suspensa, anotava tudo com muita esperança de captar os

acontecimentos, tentando colocar as emoções de lado, mas, na realidade, descobri que era

algo muito difícil. O vetor da discussão mostrava-se na forma de um material duro e cheio de

beiradas a serem exploradas, o Sistema de Monitoramento e Avaliação do Pré-Natal, Parto,

Puerpério e Criança - SISPRENATAL Web.

Este sistema on line é uma ferramenta da rede cegonha para o cadastro das gestantes, a

fim de monitorar e avaliar a atenção ao pré-natal e ao puerpério prestadas pelos serviços de

saúde, desde a atenção primária até o atendimento hospitalar de alto risco. Ele foi proposto

para promover a segurança à saúde da mãe e da criança, especificamente, num esforço para

reduzir os índices de morbidade e mortalidade materno infantil (BRASIL, 2014). No entanto

este, assim como outros instrumentos de monitoramento, avaliação e informação e suas

normativas, muda constantemente, o que dificulta o cotidiano dos serviços que têm que

alimentar diversos sistemas, pois eles não conversam entre si, e os trabalhadores devem

prestar conta para várias áreas do MS, entre outras tarefas que demandam tempo, estrutura e

recursos humanos qualificados (GIOVANNI, 2014).

A partir de meu olhar de profissional de saúde e de minhas implicações com as

instituições que cruzam o fazer pesquisa-intervenção, as pessoas pareciam satisfeitas em

resolver seus problemas em conjunto sobre aquele sistema de informação. A presença dos

digitadores, responsáveis por alimentar o sistema e por compartilhar os saberes, foi algo muito

interessante no sentido de fortalecer o grupo a trazer suas dúvidas reais e apoiar a busca por

respostas, de forma que aqueles que já haviam tido a experiência podiam compartilhar com os

demais, assim acordado: “Como toda a reunião a gente tem reclamações, reclamações e

reclamações, a gente decidiu então tentar ver in loco se um, que é mais experiente no

momento, consegue sanar a dificuldade de outro município” [GCR 13/02/2014].

Considerando que o preenchimento correto dos dados no sistema é um passo importante para

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o planejamento de ações na atenção básica, esse encontro trouxe novas perspectivas aos

participantes do GCR em relação ao seu processo de trabalho, possibilidades e vantagens da

utilização correta da ferramenta.

A construção do conhecimento em uma lógica cooperativa mostrou-se como algo

novo para muitos que estavam tímidos em compartilhar suas tentativas de usar o sistema, mas,

com o tempo, todos estavam inquietos, todos queriam trazer suas questões e angústias em

relação aos tropeços e desacertos. A timidez inicial pode revelar certo medo e receio de dizer

que não sabe e que não fez, aspectos que poderiam ser tomados como não desejáveis, já que

eram trabalhadores responsáveis técnicos. Revelar o não saber poderia gerar certa paranoia e

descrédito em relação à sua função. Fortuna (2003) descreve os temores da equipe que geram

paranoias, desde o medo de ser visto ao medo de não saber e de não ser incluído, de forma

que, quando não sabemos quem são nossos amigos ou inimigos, esse território configura-se

de uma maneira que não possibilita a inclusão da diferença, pois nos sentimos ameaçados pela

possibilidade de mostrar nossos medos. O trabalhador de saúde, então, deposita o problema

no outro e o problema fica do lado de fora, o que nos impede de refletir sobre o lado de

dentro, sobre nossas implicações e responsabilidades (FORTUNA, 2003).

Um dos atores, responsável pela capacitação para o uso da ferramenta, indagava o porquê

de tantas questões, já que ele estava à disposição para sanar todas as dúvidas que surgissem por

meio da própria ferramenta ou via e-mail. Esse movimento revela um modelo instituído utilizado

para as capacitações de trabalhadores no sistema público, onde não há escuta para as

singularidades e realidade de cada município, o que gera certa aversão ao sistema de informação,

que é tido como uma ferramenta burocrática e de difícil manipulação. Sua função de

disponibilização de informação de forma global na rede é capturada e torna-se difícil encontrar

formas de enfrentar esse nó crítico se a aprendizagem não é significativa (AUSUBEL, 1963;

FREIRE, 1987; MOREIRA, 2010), ou seja, não produz sentidos para aqueles trabalhadores.

Assim, a estratégia pedagógica mostrava-se insuficiente, baseada no monopólio da

informação, e não na necessidade do sujeito que a opera, e que, evidentemente, não

empoderava os trabalhadores para a utilização correta da ferramenta, não estimulava a

autogestão (BAREMBLITT, 2002) do coletivo. O técnico de nível central apostava que o

problema seria a falta de comunicação e justificava que estava respondendo às demandas: “É,

o grande ponto aqui é falta de comunicação, fica esse zunzunzum, eco de todo lado, mas

ninguém escreve, eu vi [...] eu tenho 23 e-mails ali desde a implantação do (SISPRENATAL

WEB) até agora, eu tenho 23 e-mails pedindo esclarecimento, e todos foram resolvidos”

[GCR 13/02/2014]. Além disso, tornava-se cada vez mais evidente a estrutura diversificada

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em cada região de saúde em relação a recursos físicos e humanos em seus municípios e nos

processos de trabalho entre suas equipes. Um exemplo citado foi a oscilação de conexão com

a internet ou até a falta de computadores em alguns municípios, um empecilho ao uso de

ferramentas digitais e à boa comunicação na rede.

Muitos aspectos chamavam-nos a atenção, principalmente pelo fato de que algo novo

acontecia ali, aquela reunião foi avaliada como uma das melhores. Os participantes

trabalhavam na perspectiva da EPS ao trazer os problemas da prática, dialogarem entre seus

pares e conseguirem resolver alguns deles. Alguns representantes cogitavam a possibilidade

de ter seus problemas solucionados em atividades outras na perspectiva participativa. Nesse

momento, emergiram a capacidade criativa e os saberes de trabalhadores dos municípios que

sabiam manejar o sistema, dessa forma, não só o técnico do nível central demonstrou portar o

saber. Portanto, criaram-se outros polos de saberes, bifurcando as raízes do rizoma para

direções até então não previstas.

Quanto às expectativas do grupo em relação à resolução dos problemas levantados,

alguns depositavam suas esperanças no funcionamento sincronizado dos sistemas de

informação: “elas (as informações) vão ser cruzadas [...] É essa a intenção, a grande, a maior

talvez. Então os sistemas, ali no futuro, terão que conversar”. [GCR 13/02/2014]. Foi aqui

explicitado o desejo desse trabalhador sobre o funcionamento da rede cegonha de forma

conectada, com comunicabilidade, possibilitando sincronia e troca de informações seguras.

Esse funcionamento pode diminuir os erros, por exemplo, em relação às referências e

contrarreferências, e reduzir as distâncias entre os municípios e pontos de atenção dessa rede.

Assim, trabalhar juntos focou-se no principal desafio que era: Olhar para o sistema, mas olhar para como o sistema é um instrumento dentro do meu processo de trabalho cotidiano, porque estou entendendo que a implantação da rede, ela tem que conseguir manejar todas essas ferramentas, mas no processo de trabalho, visando à qualidade e atenção da gestante, da mulher e da criança [GCR 13/02/2014].

7.5 E por falar em Educação Permanente em Saúde

Acredito que, ao longo do processo, as discussões envolveram cada vez mais o tema

da EPS, bem como uma aproximação ao propósito e às ações do grupo. A pesquisa-

intervenção também trouxe um caráter questionador ao coletivo, um momento de provocação

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no qual os trabalhadores podiam olhar para o que era instituído e pensar novas possibilidades.

Dentre os momentos reflexivos, foram abordadas questões importantes sobre o lugar que

ocupavam e de que rede eles faziam parte: “Que a gente possa esclarecer o que é a rede, o que

é uma rede cegonha, que a gente possa trazer também esses elementos pra nossa conversa

aqui [...] proposta é principalmente de diminuir a mortalidade materno infantil, essa é a

proposta” [GCR região das pedras verdes, 24/02/2014], num movimento de pensar qual a

profecia inicial dessa rede.

Para o movimento institucionalista, toda instituição tem uma profecia inicial, um

objetivo-fim, do qual, por mais que nos esforcemos, sempre nos afastamos (LOURAU 1968).

De acordo com Hess (2007), “qualquer profecia, à medida que toma forma social, entra em

institucionalização, ou seja, perde a radicalidade” (HESS, 2007, p. 155), perde seu objetivo

inicial. Assim, a profecia inicial da rede cegonha seria evitar a morte de mulheres e crianças e

oferecer a elas um atendimento de qualidade na perspectiva da integralidade. Mesmo sabendo

que não se alcançará esse propósito integralmente, o grupo pôde desenvolver estratégias para

aproximar--se dela, como, por exemplo, ao refletir sobre o objetivo da rede cegonha: “O que

(é) a (rede), o objetivo da (rede cegonha)? É ter um grupo condutor que seja responsável pelas

ações com as gestantes e crianças até os 02 anos de vida. O objetivo, assim, maior é diminuir

a (morbidade) e a mortalidade materna” [GCR região das pedras amarelas, 12/06/2014]. Essa

discussão aproximou o GCR ao cuidado materno infantil, aos seus componentes e também

aos seus nós críticos mais importantes.

Essa aproximação tão desejada pode acontecer sempre que seus atores exercitem a

autoanálise e a autogestão, ambos conceitos da Análise Institucional, que buscam fazer ver o

que se encontra oculto nas organizações num processo em que os coletivos podem enunciar e

compreender seus problemas, necessidades, não-saberes, no mesmo movimento em que

produzem novas formas de organizar seu cotidiano e encontrar soluções para seus problemas

(BAREMBLITT, 2002).

Assim, não há alguém que vem de fora ou de cima para dizer ao coletivo o que fazer e

como fazer, são os próprios trabalhadores que devem desenvolver dispositivos para conseguir

os recursos de que necessitam a partir do levantamento de nós críticos encontrados na

realidade local, e, da reflexão sobre eles, pensar e operar processos de transformação na

organização dos serviços. No entanto, ao longo do processo, foi possível identificar

momentos em que o coletivo ressentiu-se de certa determinação, com certa posição de

passividade, esperando que o outro fizesse ou determinasse essas ações. Identificamo-la como

uma posição instituída, de hierarquia formal dentro da secretaria de saúde e nos próprios

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municípios de posição vertical que desfavorece a autonomia e corresponsabilização no

processo de trabalho.

A EPS utiliza a autoanálise e a autogestão para disparar processos de reflexão e

mudança nos coletivos por meio de uma aprendizagem que faça sentido, com base na

problematização da realidade (BORDENAVE, 1999) e em suas experiências e conhecimentos

prévios (FREIRE, 1987). Atores importantes nesse coletivo que poderiam suscitar esse

movimento em seus municípios são os articuladores de EPS.

Os aqui denominados articuladores de EPS foram assim nomeados pelo CDQ-SUS,

mas também são chamados de facilitadores de EPS em outras regiões do Brasil. Têm sua

origem nos Polos de EPS (BRASIL, 2004a), e neste DRS foram nomeados pelos gestores

municipais para articular a PNEPS em seus territórios de forma a atuar junto às equipes da

rede de atenção à saúde, fomentando momentos de reflexão sobre a prática no cotidiano para

que os trabalhadores, em âmbito local, possam ampliar sua capacidade institucional e

profissional de atenção, gestão, participação social e formação (BRASIL, 2005). Alguns

desses atores foram formados a partir do Curso de Facilitadores de Educação Permanente em

Saúde (EPS) do Ministério da Saúde (MS) e da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP),

que ocorreu em diferentes edições (BRASIL, 2005). Geralmente eles são membros integrantes

de um Núcleo de EPS e Humanização (NEPH), entre outros grupos, em âmbito municipal, e

da CIES, em nível regional, e são responsáveis pelo diálogo nessas instâncias a fim de efetivar

a PNEPS em seu município. Participam da construção do PAREPS junto aos trabalhadores da

rede, podendo utilizar, por exemplo, das rodas de conversa como estratégia para gerar

incômodos e reinvenções de coletivos na direção dos princípios do Sistema Único de Saúde

(CAROTTA; KAWAMURA; SALAZAR, 2009; FORTUNA et al., 2011a).

A presença de alguns deles no GCR reforçou a discussão sobre a importância da EPS e

instigou a reflexão sobre seu próprio processo de trabalho, entraves e concepções de EPS,

como no diálogo abaixo: e as pessoas que são articuladores de (EP) ou de atenção básica, ou mesmo [...] têm no seu cotidiano a prática de ir nas equipes, nas unidades, para discutir questões de trabalho lá ou como que é isso? [...] Eu penso assim, na intenção a estrutura tá perfeita, mas no cotidiano, a gente acaba não dando conta de estar mais próximos deles na realidade, participar dessas reuniões. [GCR região das pedras verdes, 24/02/2014]

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Ao mesmo tempo em que se discutiu a dificuldade de concretizar a PNEPS na AB,

junto às equipes, a oportunidade de falar sobre seu trabalho abriu espaço para uma discussão

mais ampla, repensando o significado da EPS para esses trabalhadores: Então, eu vejo que é muito importante a gente ter educação permanente, né? Pegar isso pra gente, tentar contribuir junto com a rede cegonha, porque a rede, ela vem com um objetivo, e a educação permanente também tem o objetivo dela, de estar inserido dentro da rede, né, o que a rede cegonha necessariamente faz é poder articular mais rede, né? [...] educação permanente é inserir nos funcionários esse novo, é fazer, contextualizar, que ele faça parte desse processo para que a gente cresça e evolua. né? Venha a rede, então junto vamos trabalhar como, de que forma, para a gente chegar no nosso objetivo [GCR região das pedras verdes ,24/02/2014, grifo nosso].

O que essa fala diz-nos é que trabalhar com EPS aproxima-se de algo muitas vezes

novo, com um objetivo comum de articulação em rede. Noto que havia um desafio a ser

enfrentado coletivamente, e também a prontidão em enfrentá-lo, representado pela expressão

“venha a rede”, que carrega um compromisso e uma disposição em alcançar os objetivos

postos. No entanto, apesar de seu papel de fomentar processos de análise no trabalho ao

interrogar os movimentos instituídos, esses trabalhadores correm o risco de cair nessa lógica

e, muitas vezes, reproduzem relações de produção de saberes de forma vertical, fragmentada e

que não fazem sentido a seus interlocutores.

Quando os articuladores de EPS e da AB são questionados sobre o seu papel, eles

também destacam sua posição de “Representantes do Estado” na rede, por ocupar um cargo

na Secretaria Estadual de Saúde (SES) e a facilidade integradora de tal posição: [...] a gente acaba tendo uma facilidade de estar reunindo a gestão profissional, o prefeito, acaba que em outra secretaria [...] [...] ela (articulador de EPS) tem trânsito, ela transita e às vezes, a gente (demais representantes do município no GCR) não tem, ela é representante do Estado, ela é representante do Estado, então [...] [CGR região das pedras azuis, 24/02/2014].

Esse fragmento representa as governabilidades distintas entre os atores da rede. Os

articuladores também são gestores em saúde, e seu autogoverno depende da situação de

trabalho que encontram, e, entre outros fatores, dos seus projetos e apostas e dos recursos de

que dispõem, além das habilidades para administrá-los (MERHY, 2014b), tendo no campo da

micropolítica grande poder de decisão, em outras palavras, de autogovernar-se.

Muitas vezes os articuladores foram cobrados a “pôr ordem nas unidades”, denotando

um movimento instituído de fragmentação, que limitava o uso de suas ferramentas do campo

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político, das práticas institucionais e do processo de trabalho (MERHY, 2014a), afastando-os

de seu objetivo de colocar os instituídos em análise, e, aqui, em outro exemplo, reproduzindo

a ideia de que quem tem poder é quem está na regional, em uma imagem vertical de gestão do

cuidado, e o trabalhador das unidades de saúde não o tem. É a essa ideia que se contrapõe o

conceito de autogoverno (MERHY, 2014a) e de que todos governam, de que o trabalhador

tem muito poder de decisão na sua esfera de atuação se conseguir manejar esse jogo de forças

no cotidiano do trabalho.

Ademais, o desafio do GCR é colocar essas governabilidades a favor do mesmo

propósito, para o fortalecimento da RC, e não para manutenção da lógica hierárquica

instituída de que os representantes de Estado são aqueles que devem cumprir a tarefa, pois

detêm o poder para tal.

Lembremos que os trabalhadores em saúde estão inseridos na lógica das redes de

atenção num período relativamente recente, dado que a portaria data de 2010 (BRASIL,

2010a). Assim, seu autogoverno ainda é questionado e há dissonâncias entre sua aposta de

cuidado e aquilo que é possível cumprirem, governarem e planejarem frente aos seus recursos,

e ao fazer coletivo dentro de uma nova lógica de trabalho descentralizada e conectada, sob

ordenação da APS. Ainda, a governabilidade local, em cada município, é pressuposto para a

governança a nível regional e qualifica-a, e, ademais, a garantia de representação na CIR é um

fator importante para que os trabalhadores consigam manter na agenda dos gestores

municipais temas e decisões determinantes para a qualidade da RC.

Por outro lado, no GCR os fazeres são coletivos. Desse modo, acreditamos que esse

espaço guardava um potencial para o exercício de um olhar integral e compartilhado em

relação ao cuidado, uma força instituinte de criação de espaços de diálogo e conexão nas

redes: [...] e agora a gente começou a trabalhar um pouco das redes [...] e isso não é algo novo pro (SUS), porque tá determinado na lei de criação, só que a prática da gente é, se afastou muito disso, se afastou disso, né? Eu acho que a gente [...] muitos anos, no modo de fazer, agora a gente tá se preparando nessa, nessa [...] espaço para a gente poder construir, descobrir como fazer essa rede [GCR região das pedras verdes, 24/02/2014].

Esses trabalhadores demonstram uma aproximação ao conceito da educação

permanente, aquele de provocar a reflexão cotidiana sobre o próprio trabalho em um

movimento contínuo e permanente, no próprio GCR, em um fazer coletivo e que poderia

multiplicar-se no município.

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Esta pesquisa-intervenção em um ambiente que reuniu gestores do cuidado

possibilitou a emergência de ações e movimentos educativos e da relação trabalhador-usuário

no cerne dos serviços de saúde. Assinalo, aqui, que muitos dos integrantes do GCR eram

trabalhadores das unidades de saúde ou de serviços que estão diretamente relacionados ao

cuidado da mulher e da criança, e que, por suas diferentes atribuições e papéis na tessitura da

RC, são considerados gestores do cuidado. Eles puderam compartilhar suas experiências com

o coletivo, e pude observar que as ações de educação em saúde nos territórios utilizam

diferentes estratégias pedagógicas, com apoio dos articuladores de EPS. No caso a seguir, o

apoio incluiu os apoiadores de humanização para discussão do parto normal, a partir de um

modelo nomeado como “palestras”, uma concepção pouco dialógica, no qual a atenção dada a

“elas”, as gestantes, foi justificada, pois “as gestantes tinham pavor de falar de parto normal”: Com o pediatra, o doutor (nome), a gente começou a montar palestras uma atrás da outra, a gente começou a orientar elas (gestantes) desde a amamentação pra gente em cima, durante o pré-natal e sobre o trabalho de parto, sobre as alterações que o corpo dela sofre durante todo o decorrer da gestação. A partir daí é que a gente conseguiu fazer elas entenderem o que é o parto e fazer e que não é um bicho-de-sete-cabeças o parto normal. A gente conseguiu mostrar pra elas a diferença de uma coisa pra outra e elas conseguiram entender [GCR região das pedras azuis e vermelhas, 10/04/2014].

No trecho acima, o trabalhador entende que sua estratégia de ação está trazendo

resultados positivos no esclarecimento das questões sobre o parto humanizado, e, mesmo que

a atividade não tenha envolvido uma estratégia de ação participativa, como preconiza a

PNEPS, a equipe utilizou os recursos e conhecimentos disponíveis para realizar uma ação

educativa com um público que apresentava baixa adesão aos grupos daquela unidade, a partir

da reflexão sobre a necessidade de dialogar sobre o tema. Assim, a experiência relatada foi

algo especial e inovador para aquela equipe. E como terá sido para as gestantes? Quais terão

sido as dissonâncias desse encontro nas gestantes, já que parece que foi capaz de provocar

incômodos e despertar para a reinvenção dos mitos? Como se deu a troca de saberes durante

esse encontro?

Além do encontro, a realização de capacitações e palestras foi relatada em diferentes

momentos, principalmente para a atualização profissional da equipe em relação a novas

normativas ou novos compromissos de cuidado em saúde como os exames que foram

ampliados com a política da RC. Em relação às diferentes facetas da formação de recursos

humanos em saúde, a educação continuada foi considerada como uma possibilidade a partir

de um diagnóstico de necessidades na equipe com sugestões de “palestra de capacitação sobre

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gestante, pré-natal, até chegar na maternidade” [GCR região das pedras amarelas,

12/06/2014]. O que cabe discutir é que a escolha por palestras mostra-se algo cômodo para

esse trabalhador que, inclusive, convida alguém de fora, da maternidade, para palestrar, o que

exime o trabalhador da reflexão no cotidiano, pois ele deposita no outro a responsabilidade do

processo ensino-aprendizagem, e, muitas vezes, não valoriza os saberes da experiência, seu,

do seu colega de trabalho e do próprio usuário. Nesse caso, o GCR colocou em pauta outras

possibilidades, ao propor outras estratégias, como a discussão em pequenos grupos ou o relato

e troca de experiências entre as próprias gestantes, o que devemos valorizar enquanto

processo de aprendizagem no trabalho: A gente viu essa dificuldade. Antigamente, o enfermeiro era formado e não tinha exame físico e a gente tem bastante enfermeiro antigo lá na rede. [...] Mas tem enfermeiro que não sabe (realizar o exame físico). Então foi uma dificuldade que elas levantaram, e que eles gostariam muito [...] talvez palestra não seja a melhor estratégia [...] foi isso que a gente pensou. Pensou em fazer alguns grupos pequenos [GCR região das pedras amarelas, 12/06/2014].

Notamos, portanto, que a educação continuada foi adotada pelos trabalhadores como

primeira alternativa para desatar nós, como a alta rotatividade de trabalhadores nos serviços e

para treinamento de novas competências profissionais, estratégia de ensino-aprendizagem já

conhecida e que, em muitos casos, pode ser efetiva na resolução de nós críticos como os

citados acima. Porém é a reflexão sobre a própria prática que nos aproxima o nosso “fazer

saúde”, que nos faz indagar o modo instituído de “reciclagem” extramuros e faz-nos

demandar novas estratégias de aprendizagem além das palestras e capacitações. Estratégias

que tragam motivação e reconhecimento das necessidades reais da comunidade

(FIGUEREDO et. al., 2014) e menos das necessidades individuais (NASCIMENTO, 2013;

PEDUZZI et al., 2009) para que o exame físico, como parte da rotina dos enfermeiros, como

no caso acima, faça sentido. Para que seja possível identificar possibilidades de aprender no

cotidiano do serviço, explorando ferramentas já existentes em alguns municípios, como o

matriciamento (CUNHA; CAMPOS, 2011) entre equipes, o apoio institucional ou o

intercâmbio de informações. Lembro-me de uma ocasião no GCR em que um município

oferece um intercâmbio com uma trabalhadora que domina a técnica de realização de testes

rápidos, gerando uma nova possibilidade de desatar os nós do instituído.

O que vemos, muitas vezes, no entanto, é a instituição educação em sua forma

fragmentada, que afasta os trabalhadores da profecia inicial do cuidado e das práticas sociais,

do aprender para a autonomia e para a liberdade. Ela se reproduz como aquela que prende o

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trabalhador ao conhecimento transmitido, sem questionamentos ou reflexões sobre o caminho

que pode melhorar as condições de vida da comunidade, do usuário ou sua própria condição

de trabalho. Educação que endurece e afasta o trabalhador do usuário e do uso das tecnologias

leves, educação que limita suas habilidades, criatividade e as fissuras/linhas de fuga possíveis

no processo de trabalho, pois eles se prendem ao protocolo e ao instrumento duro, ao

conhecimento científico, que não leva em consideração sua história de vida, sua intuição, seus

desejos, sua sabedoria, sua bagagem e experiência diante do desafio de defender a vida.

Dentre outras ressonâncias, nós, pesquisadores, também incentivamos a troca de

experiências entre os municípios, fortalecendo as diferenças e lançando luz às singularidades

presentes na rede: “[...] outros municípios poderiam estar usando como estratégia para fazer

as devidas adaptações? Será que não é esse o papel ou não é essa a construção que deve

ocorrer dentro do grupo condutor?” [GCR região das pedras azuis e vermelhas, 10/04/2014].

A resposta foi positiva, um dos municípios trouxe a sua experiência de confecção de uma

‘carteirinha da gestante’ e pediu sugestões para o grupo: “nosso município ainda não

confeccionou a carteirinha de gestante e a gente criou uma agora, que até trouxe uma pra

vocês darem uma olhadinha, ver se está legal, pra gente mandar pra gráfica já” [GCR região

das pedras azuis e vermelhas, 10/04/2014].

Assim, evidencio, aqui, esse movimento de trocas e de reconhecimento do saber do

outro como potencialidade da EPS de colocar-nos em uma posição favorável à identificação

das diferenças e à sua valorização, a favor da singularidade, da experiência de cada região na

composição da rede-rizoma. Além disso, outro aspecto nesse exemplo dá sustentação à ideia

de EPS como ferramenta de gestão, ilustrada pelo trabalhador que aprende a dominar aspectos

além do conhecimento específico de sua área de atuação e amplia sua ação à

operacionalização e à implantação de instrumentos, como a carteirinha da gestante.

O quadrilátero da formação na área da saúde (CECCIM; FEUERWERKER, 2004)

busca o encontro de atores-chave da gestão, atenção, formação e controle social na

composição de processos de EPS. A agregação de outros pontos componentes da rede em

resposta aos convites enviados pelo DRS e municípios possibilitou tocar em pontos de

interesse pela formação dos trabalhadores que atuarão no SUS:

[...] primeiro todos conhecerem o que é a (Rede Cegonha) [...] E na universidade também, os alunos [...] todos estarem falando a mesma língua. Porque se eles nem conhecem o que é (Rede Cegonha), não adianta, como que vai entender isso [GCR região das pedras amarelas, 12/06/2014].

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A confiança no espaço do GCR e na pesquisa-intervenção provoca em seus integrantes

a potência de ser sujeito protagonista na produção de novos modos de aprender, de cuidar de

forma integral, ao mesmo tempo que constroem o conhecimento de forma compartilhada. No

encontro entre as intensidades desses diferentes corpos, aqui Corpos sem órgãos,

desorganizados organicamente, livres para deixarem-se tocar pelas ressonâncias e abrirem-se

à transformação, a novas formas de olhar a gestante, o parto, a criança. Essas novas

possibilidades potentes em suas consequências estavam lá, prontas a serem exploradas por

aqueles trabalhadores, que, conjuntamente, encontraram o comum heterogêneo, o sentido e

objetivo necessários, cada um ao seu tempo, assim como nós, pesquisadores, nesse processo

de intervir-interferir (AMADOR; LAZZAROTTO; SANTOS, 2015).

Feuerwerker (2014) chama a atenção para a conjunção de diferentes atores para uma

construção coletiva. A autora destaca que estudantes, professores, profissionais de saúde e

usuários podem ser esses sujeitos protagonistas da produção de novos caminhos para

aprender, cuidar e produzir conhecimento:

[...] por meio da instalação de múltiplos processos coletivos de reflexão crítica sobre as práticas, da produção de desconforto e desassossego, da produção de acontecimentos – em diferentes territórios, de diferentes modos, a partir de diferentes referências. É a partir dos diferentes processos concretos de vivência que se fabricam novos problemas e se produzem novos conhecimentos e relações (FEUERWERKER, 2014, p. 129).

A valorização da vivência e do aprender em serviço é pertinente aos preceitos da

EPS de aprendizado no trabalho, e, nessa direção, o tema da parceria ensino-serviço

aparece como força instituinte de integração nessa multiplicidade: “A atenção no

município. As escolas, as universidades, eu acho que é importante estar envolvido

também. A universidade em (município) a gente trabalha com a universidade” [GCR

região das pedras amarelas, 12/06/2014]. Essa força instituinte de aprendizado a partir da

realidade vivida também reverbera em parcerias com o CDQ SUS e as universidades do

território de abrangência do DRS. Um exemplo está nesta oferta de um momento de

diálogo e aprendizado: A gente até cogitou também a discussão, a gente estava falando a questão do parto normal, que a gente precisa construir isso. E aí a gente fez uma oferta, que é uma oferta do (CDQ) de chamar a mesma pessoa que veio no Fórum de Humanização, pra gente poder conversar [GCR integrante da região das pedras verdes, na plenária, 10/07/2014].

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Essa conversa foi permeada por movimentos distintos entre uns que concordaram e

apoiaram o movimento instituinte de novas conexões e parcerias: “Então, eu vejo assim, um

movimento de uma conexão, que a gente às vezes lê nos textos e não vê na vida. Eu acho isso

muito valoroso pra nós, a gente poder dar muita atenção a isso, deixar que essa rede se faça

assim, na diversidade, com a conexão que for necessária.” [GCR 10/07/2014]. Enquanto

outros atores moveram-se em outra mão, apoiando outra lógica, numa ruptura do processo de

criação, não dando ouvidos à proposta e já solicitando ao grupo o cumprimento do horário,

indicando a heterogeneidade de fluxos nesse rizoma, que vive a realidade burocrática dos

serviços sem tempo para a escuta do novo.

Apesar de essa roda de conversa não ter sido alimentada e produzida no GCR durante

a produção da pesquisa-intervenção, consideramos que a avaliação da proposta poderia abrir

espaço para novos arranjos e ressonâncias entre os integrantes do GCR, entre os municípios e

destes com as instituições parceiras, ao identificarem-na como uma possibilidade de ampliar

as ações de EPS numa perspectiva dialógica e da humanização do cuidado.

7.6 Ecos nos municípios

Um plano importante é desenhado pelo impacto do encontro no GCR em ações nos

municípios, uma vez que seus integrantes tiveram a oportunidade de entrar em contato com a

própria realidade, observar sua dinâmica e tentar desatar os nós críticos evidenciados pela sua

região de saúde, de forma que houvesse um movimento de cooperação intrarregional e,

consequentemente, intermunicipal. Passamos pela paisagem de criação de uma rede de fluxos

de pessoas, serviços e comunicação que, como um mapa que se espalhava em todas as

direções, abria-se e fechava-se, pulsava, construía e desconstruía num movimento em que as

conexões, e as tensões, multiplicavam-se.

No GCR havia integrantes dos Grupos Condutores Municipais (GCM) que teciam a

rede cegonha e, em reuniões periódicas, deveriam gerir a sua implementação em seus

municípios de origem. Junto ao GCR, eles encontraram terreno fértil para discutir direções

de ação e necessidade de processos de mudança diante das distintas realidades.

Ressaltamos que muitos municípios encontravam-se com seu GCM em processo de

organização inicial, enquanto outros já demonstravam estabilidade. Em uma das regiões, e

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desde o início da produção da pesquisa, percebemos a importância desses atores para a

capilarização da rede:

[...] mas esse papel de gestão de vocês pede que vocês olhem para os outros a partir da escuta lá do município, lá do grupo condutor municipal, uma boa escuta desse espaço para apontar as propriedades que possam ser centrais para esse espaço, para populações da região, e essas são dificuldades que serão enfrentadas cotidianamente [GCR região das pedras vermelhas, 24/02/2014].

O GCM articulava-se na rede e, apesar das distinções entre os municípios, encontrava

apoio do GCR para a delimitação de ações e estratégias, por exemplo: [...] acho que esse grupo é norteador do grupo condutor municipal, lá no município [...] Acho que quando a gente vem para cá, a reflexão em cima do que está sendo feito, das estratégias, da proposta, das dificuldades, da facilidade, norteia quando a gente vai para a reunião do grupo (GCM), o que a gente tem que fazer? O que a gente tem que avançar? O que não avançou? Por que não avançou? Então acho que ele é um norteador [GCR região das pedras amarelas, 11/12/2014].

Além de papel norteador, o GCR endereçava reflexões in loco e orientava, de certa

forma, a agenda de EPS nos municípios, que deveriam pautar-se no modelo de trabalho do

GCR, em rodas de diálogo.

Alguns temas importantes entraram em pauta, como a importância do comitê de

mortalidade materno infantil: “[...] o comitê, ele tem um papel importante para dar subsidio

para o grupo condutor municipal (GCM) de tudo, quais [...] que assim, não é por uma causa

assim que as crianças morrem. Em geral, é um múltiplo de causas” [GCR região das pedras

vermelhas, 11/12/2014]. Além de identificarem a multiplicidade de elementos que envolve o

cuidado materno infantil, a discussão dos indicadores de morbimortalidade trouxe outros

aspectos relevantes para o aprendizado nos municípios, como o acesso e leitura dos dados e a

sua interpretação: Gente, na discussão de vocês, vocês chegaram a discutir? Porque uma das coisas que a gente falou na reunião passada, [...] fala das informações, que a gente tem os indicadores de saúde. Vocês levaram isso para o grupo condutor (municipal)? Os indicadores foram disponibilizados? [GCR região das pedras amarelas, 11/09/2014].

Esse plano de ecos e capilarizações é, muitas vezes, atravessado pelos desafios da rede

e por dificuldades no cotidiano dos serviços de saúde. Incluímos o exercício da reflexão nas

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práticas cotidianas como um fator importante para o entendimento do processo de

implementação da rede e de seus componentes. Porém fatores como sobrecarga de trabalho

por alta demanda, escassez e rotatividade de recursos humanos, acúmulo de funções e

burocracia (FERNANDES; MACHADO; ANSCHAU, 2009) figuram entre as causas que

impossibilitam o reconhecimento do aprendizado no trabalho e a resolução dos nós críticos.

Assim, a reflexão parecia estar relegada a último plano, e, muitas vezes, não fazia parte do

cotidiano das atividades acompanhada, muitas das vezes, por desmotivação,

descontentamento e estresse.

Havia, por outro lado, esperança de que houvesse empoderamento dos trabalhadores e

mudanças, ainda que de forma tímida, denotada nesta fala pelas palavras no diminutivo:

“então eu acho que a educação permanente pode dar umas alfinetadinhas, [...] sair da zoninha

de conforto” [GCR região das pedras verdes, 24/02/2014].

E, assim, podem, “pelas beiradas”, alcançar os objetivos esperados, considerando o

entendimento de que as mudanças têm um caráter processual. Entendemos mudança como um

acontecimento psíquico, mais do que material (biológico, físico), pois mudar, neste caso,

implica um rompimento (LÉVY, 2001), uma ruptura com o modo instituído e que deve

respeitar um tempo subjetivo individual, até que haja desligamentos e novas ligações e

conexões com modos de fazer saúde no cotidiano que respondam às suas necessidades: Eu acho que, assim, pensar essa forma de reunir, né, para eles (enfermeiros) começarem a se empoderar, porque a gente tem muito, né. E, assim, essa coisa do médico ainda, do pré-natal, de tudo isso, começar pela beirada devagar, sem bater de frente, mas conseguindo entender o processo, a gente tem que entender o processo para começar a ter a mudança [GCR região das pedras verdes, 24/02/2014].

Percebemos, ao mesmo tempo, que há um sentimento de que esses trabalhadores não

podem bater de frente, é algo difícil de enfrentar, um grande nó, que, para ser desatado,

precisa de união entre eles e de reflexão sobre quais os fatores que mantêm esses nós, de

autoanálise sobre suas práticas, projetos e apostas.

O instituído dos modos de fazer saúde é constituído por nós e também por tensões que

se configuram como espaço de disputa de práticas (MERHY, 2014b) onde os trabalhadores

unem-se ou se afastam de acordo com seus projetos e interesses. Nesse campo de disputas, o

usuário, no nosso caso as gestantes e crianças, deveriam contar com certa autonomia dos

trabalhadores em momentos decisórios do cuidado, porém o mesmo autor chama-nos a

atenção para o fator capital financeiro, que impõe suas regras à gestão do cuidado. Nesse

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cenário, os trabalhadores são cobrados a cumprir metas e a trabalhar de modo procedimental

de forma que o usuário toma um lugar periférico, e a reflexão, um segundo plano, fazendo-se

distante a conscientização de que são os participantes do GCR os atores que desencadearão as

mudanças, e distante o autogoverno capaz de fortalecer as conexões na rede.

Nessa trama de tensões também foi possível entrever momentos em que os

trabalhadores refletiram sobre suas tarefas no GCR e seu papel provocador de reflexões nas

equipes de atenção básica: “[...] Acho que fazer as equipes pensarem na Rede Cegonha, tem

também a rede de materno infantil, acho que é mais para fazer essa reflexão com as equipes”

[CGR região das pedras azuis, 24/02/2014]. O fortalecimento da atenção básica mostrou-se

outro desafio para o GCR, e a reflexão sobre a rede e seu entendimento pode atuar como

facilitador do movimento de capilarização municipal.

No exercício desta cartografia, acolhi aquilo que me acometeu em relação à EPS,

registrando as hastes de conexão que, segundo Deleuze e Guattari (1995), formam e estendem

o rizoma e delineiam os platôs, sinais de bifurcação da rede cegonha. No caso a seguir, acolhi

este desafio, em que um dos integrantes transparece sua responsabilidade pela

descentralização da informação para as equipes: “então eu me sinto responsável, e também

em multiplicar para as outras enfermeiras [...] e descentralizar também, repassar e

descentralizar, para que ela também tome posse do programa, da rede, de tudo [...]” [CGR

região das pedras azuis, 24/02/2014]. O trabalhador deixou claro o movimento de

aprendizagem do novo e seu múltiplo papel ao fazer parte do GCR, não centralizando a gestão

da rede para si. Ao “abrir mão do controle”, o trabalhador demonstrou ter consciência desse

papel bifurcador, capaz de promover relações menos assujeitadas e com mais potência criativa

(FORTUNA et al., 2011b).

O termo “bifurcação” remete-nos a algumas características do rizoma, presentes na

obra “Mil platôs 1”, de Deleuze e Guattari (1995): “qualquer ponto de um rizoma pode ser

conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 14). Sua

conectividade permite que nele corram fluxos, multiplicação de linhas e de furcas, de

forma que, ao colocar suas ideias sobre seu papel nesse coletivo, o trabalhador produz

conexões e ajuda os demais na construção e reconstrução desses múltiplos papéis

simultâneos, que se misturam, mas guardam certa especificidade no desenho da rede,

desvendando a multiplicidade e a heterogeneidade que residem no trabalhador e a força

que mantém a trama.

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7.7 A pesquisa e suas interferências

A pesquisa-intervenção parte da premissa de que a realidade é dinâmica e que, como

pesquisadores participativos, a transformação da realidade é ponto-chave para o seu

conhecimento, portanto pesquisar-intervir está diretamente relacionado a transformar para

conhecer e, dessa maneira, causar interferências naquela realidade. Mais ainda: [...] interferir no entre das forças onde se encontram as condições para a produção e transformação de mundos. Pesquisar-intervir, nessa perspectiva, coloca-se a serviço de um projeto político de interferir nos arranjos de forças que produzem modos de existência em um movimento cujo conhecimento produzido, afirma-se como invenção, como criação, como resistência (AMADOR; LAZZAROTTO; SANTOS, 2015, p. 244).

Interferências importantes compõem outro plano de arranjos que incluem o uso de

dispositivos da pesquisa-intervenção e de ferramentas da própria EPS, “trata-se de instalar-se

no entre, no meio, por uma prática intercessora” (AMADOR; LAZZAROTTO; SANTOS,

2015, p. 244). Entendemos dispositivos como arranjos que colocam algo em ação, os

dispositivos analíticos, por exemplo, são arranjos provocados para causar análises,

perturbações e fazer falar as instituições, revelando suas contradições e seus não-ditos

(MONCEAU, 2008), e, nesse sentido, aprender a aprender. Os dispositivos também podem

ser naturais ou artificiais, naturais se existiam no coletivo antes da vinda dos analistas, ou

artificiais, se foram produzidos no processo da análise (MONCEAU, 2013).

Aqui faço um parêntese para uma autoavaliação da minha participação como

pesquisadora, a fim de dar luz a possíveis interferências e implicações causadas por minha

presença e em mim, analisador importante dado às ressonâncias do ato de pesquisar para o

grupo e em mim. Inicialmente, posicionei-me de forma silenciosa, praticando a escuta na

maior parte dos encontros, porém reconheço que minha presença representativa da

comunidade universitária trazia diferentes sentidos para os trabalhadores que nos recebiam.

Alguns me viam como aprendiz e aluna, outros, como pesquisadora da universidade. Sentia

um olhar curioso para a minha escrita, e talvez para as minhas expressões faciais espontâneas,

enfim, eram concessões diferentes ao meu estar ali. Acredito que esperavam de mim, talvez,

uma aprovação da Instituição Educação, representativo da universidade,e da pesquisa e, por

que não, uma aprovação da Instituição Saúde, representada pela parceria com o DRS, visto

como a gestão regional. Sentia, também, que esperavam um olhar de cumplicidade de

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profissional de saúde frente ao que era discutido a cada encontro, motivação, empenho,

indicadores, sistema de informação, óbitos, e às implicações com a saúde materno infantil.

Confesso que a insegurança nos primeiros encontros fez-me atuar de forma sutil e

delicada, atenta ao falar e ao dizer dos outros pesquisadores e a como os trabalhadores

interagiam conosco. Com o tempo, penso que minha postura tornou-se mais ativa e até fazia

questões no sentido de deixar as ideias mais claras; em outros momentos, buscava fazer essa

tarefa a partir dos relatos e narrativas. Os outros integrantes do coletivo também

demonstraram afetações de estarem ali, rearranjos a cada encontro. Um conforto de fazer

parte daquele grupo e nele confiar trocas e depositar expectativas. Foram muitos momentos de

aprendizado no trabalho de pesquisa, reconhecimento de ações de EPS e da potência dos

dispositivos, abrindo possibilidades para capilarizações da rede e para a afetação entre os

corpos.

Quanto aos dispositivos e às ferramentas das quais a pesquisa lançou mão, destaco as

reflexões com o grupo no ato do aprendizado. Quando o grupo discutiu o sistema de

informações, por exemplo, uma ferramenta tão importante para o cuidado com mulheres e

crianças, os pesquisadores ressaltaram a clareza de que aquele momento guardava potência de

aprendizagem significativa: “mas é uma aprendizagem que é mais efetiva, a partir do

momento que a gente consegue manipular, né? Então nós estamos aqui aprendendo uns com

os outros. E eu acho que isso é a riqueza desse processo que a gente está vivendo” [GCR -

13/02/2014]. Aqui se evidencia a multiplicidade inerente a esse processo de aprender e

ensinar como faces da mesma moeda.

Nesse processo, filiamo-nos à problematização Freiriana, que, diante das diferentes

abordagens pedagógicas, inclui o contexto sociocultural de forma que “a ação de

problematizar acontece a partir da realidade que cerca o sujeito; a busca de explicação e

solução visa a transformar aquela realidade” (ZANOTTO; DE ROSE, 2003, p. 48), captado

nesse momento de fechamento no primeiro encontro: “eu acho que vocês trabalharam

bastante com coisas concretas do cotidiano de vocês” [GCR - 13/02/2014]. Assim, o

trabalhador torna-se sujeito ativo e implicado com seu contexto, e, ao transformar a realidade,

transforma a si próprio, aprende na experiência, momento raro na sociedade em que vivemos

hoje (BONDÍA, 2002). Nas palavras de Freire (1996, p. 22), “a leitura da palavra, sempre

precedida pela leitura do mundo” de forma que não seja um saber da experiência imposto,

mas vivenciado pelos sujeitos, que não seja um saber da experiência da academia, mas do

cotidiano dos serviços, lugar onde o trabalhador fica “ex-posto” (BONDÍA, 2002), e algo lhe

passa e acomete-lhe, pois experimenta, algo lhe faz sentido.

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Nesse processo dinâmico em constante mutação, alguns integrantes do GCR sugeriram

um tempo para a reflexão do coletivo, um momento importante para “colocar as coisas no

lugar”: “Mas eu acho que precisava de um tempinho maior para conversar sobre essas

questões. De entender um pouco esse processo que a gente está vivendo” [GCR -

13/02/2014]. Esse exercício de perceber o que estávamos vivendo, explicitando o modo de

funcionamento do grupo, foi algo que trouxe muitas reflexões àqueles trabalhadores e a nós,

pesquisadores. O exercício de deixar claros os objetivos e as propostas de enfrentamento é

uma proposta da pesquisa, que está assentada nos fundamentos da EPS, que consiste em

incluir a reflexão nesse cotidiano e, assim, empreender outro modo de funcionamento no

processo de trabalho do grupo e, concomitantemente, entender como se dá essa nova forma de

lidar com as vidas de mulheres e crianças, real objeto de trabalho deste coletivo.

Quando o próprio GCR decidiu convidar para a roda os trabalhadores responsáveis

pelo sistema de informação, os digitadores envolvidos diretamente com os problemas da

prática, um movimento de alargamento (MONCEAU, 2012) foi feito pelo GCR. O

alargamento, um conceito-ferramenta da análise institucional, consistiu em trazer para a roda

outros atores importantes para a composição da rede cegonha, o que poderia fortalecer o

diálogo entre os pontos de atenção da rede e melhorar a comunicação entre seus pares, o que

de fato ocorreu. Além desse primeiro movimento citado, o convite foi ampliado para

articuladores de atenção básica, articuladores de educação permanente e representantes da

gestão, além de trabalhadores dos hospitais e ambulatórios de alto risco, e, assim, de acordo

com as singularidades de cada região de saúde, múltiplas linhas se desenharam e resultaram

no convite para diferentes atores da rede: trabalhadores de saúde bucal, do conselho municipal

de saúde, da vigilância sanitária, do comitê de mortalidade materno-infantil, que compuseram

a roda do GCR e contribuíram para ampliar as discussões sobre a rede e sobre a importância

da comunicação entre seus pontos, os quais exploraremos mais adiante.

O movimento de EPS e também o da pesquisa-intervenção trouxe para este GCR o

aspecto da apropriação do método de trabalho que foi desenvolvido neste fazer coletivo de

reflexão sobre a própria prática, e, por meio de exercícios de autoanálise coletiva, os

integrantes encontraram no GCR um lugar para discussão e tomada de decisões de forma

segura: [...] então, eu adorei quando eu entrei aqui, porque era uma maneira nova de fazer educação, coisa apropriada de discutir o trabalho, [...] eu vejo e vislumbro uma luz no fim do túnel [...] Então eu acho que eu fico feliz em ter esse espaço, porque a gente tem que fazer a leitura, a reflexão, tomar a decisão sozinha, porque na minha (equipe/unidade) já está assim, então eu

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acho que isso tem tudo para dar certo [CGR região das pedras azuis, 24/02/2014].

Notei, ao longo da experiência da pesquisa-intervenção, momentos de fissura na

superfície do rizoma, em que nos aproximamos da profecia inicial, o que nos fez inaugurar

novos processos subjetivos capazes de provocar a mudança, de reconhecer a ligação entre

passado-futuro simultâneos, frutos de nossas ações e reflexões. Um exemplo de mobilização

aconteceu em uma das regiões quando um dos municípios trouxe o relato de um óbito infantil

que colocou os participantes daquele grupo em uma relação de afetação diante do ocorrido,

em um plano diferenciado daquele que habitavam até então.

O óbito abriu espaço para falas, para a emersão de não-ditos e de incômodos,

funcionando como um dispositivo natural nesse processo. Sentimentos e afectos ressoavam

entre nós, e não há representação para os afectos que vivemos, já que eles “são os efeitos das

coisas sobre nós” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 19). Incluo-me entre aqueles trabalhadores e

pesquisadores que foram tomados de outra natureza de compreensão diante da perda de uma

vida e colocaram-se em reflexão sobre suas responsabilidades e possibilidades de ação em

defesa da vida, em um movimento coletivo de fazer saúde e evitar mais mortes:

Porque ninguém espera uma morte em uma gestação. Então, é nesse contexto que nós estamos inseridos, tentando, aí, desvencilhar alguns nós para que nós consigamos melhorar a atenção a essas gestantes, melhorar as condições do nascer dessas crianças [CGR região das pedras verdes, 11/09/2014].

Nossos corpos foram afectados pela história de vida e de morte daquelas pessoas,

fomos tomados por expressões de impotência, de mal-estar, de tristeza, de inquietude,

intensidades múltiplas que nos remeteram às relações familiares, às perdas e aos

compromissos com a RC. Nosso encontro de CsO, ao mesmo tempo que vibrava, dava-nos

confiança em falar e construía uma cumplicidade entre aqueles que relatavam um episódio de

morte evitável e aqueles que ouviam, em um compartilhamento de sentimentos, raiva,

compaixão, alteridade, enfim, fomos afectados, e cada “sujeito constituído reagiria ao que vê

em função de seus sentimentos e suas convicções [...]” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 19), de

forma que ficamos ali, suspensos, exercitando a abertura para algo novo capaz de mobilizar-

nos.

Eventos de mortes consideradas evitáveis foram motivos para disparar a reflexão em

algumas regiões de saúde, mobilizando os trabalhadores a buscarem alternativas em seu

processo de trabalho para preencher lacunas existentes na rede, como, por exemplo, aumentar

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os canais de comunicação entre os pontos da rede. A autoanálise possibilitou a expressão de

diferentes incômodos e angústias em relação ao óbito, e os trabalhadores, por região de saúde,

indicando que esse momento de compartilhar foi importante para o aprendizado dos

trabalhadores em relação ao reconhecimento da morte como um acontecimento que não o

exclui (NOGUEIRA; OLIVEIRA; PIMENTEL, 2006) e a possibilidade de falar dela, uma

chance para identificar suas singularidades, necessidades e limites políticos e sociais:

Foi importante, porque a gente teve a oportunidade de, realmente, ver, identificar quais os problemas estavam acontecendo, e chegaram também até nós, os problemas, e pra gente conseguir melhorar mesmo esse vínculo com a cidade, e que no final cada paciente seja melhor atendida [GCR, plenária, 10/07/2014]. E aí existem problemas políticos, de partidos mesmo, é partidário, eu acho que a gente está sobrepondo tudo isso, superando tudo isso, não está atrapalhando o andamento, pelo contrário, a coisa está andando muito bem [...] acho que isso mostra o profissionalismo acima de tudo e o bem maior, objetivo maior, que é a gente cuidar das nossas gestantes [CGR região das pedras vermelhas, 11/12/2014].

Em outro encontro, o grupo de pesquisadores adotou a postura silente como

dispositivo da pesquisa-intervenção, na qual os pesquisadores atuaram como observadores,

não usaram da palavra nessa intervenção e seus efeitos foram avaliados pelo grupo de

pesquisadores e técnicos do DRS em uma reunião imediatamente após o encontro. O vetor de

discussão foram os indicadores de morbimortalidade em cada região de saúde. Em uma das

regiões, com altos números de óbitos maternos e infantis, houve a emergência da implicação e

mobilização dos trabalhadores frente aos números observados, representativos de perdas de

mulheres e crianças:

Como você vê a questão da (evitabilidade) [...]? O que está pegando pra ter esses óbitos? Esse óbito, porque todo ano tem. [...] essa questão da mortalidade? O que você sente nessa questão da mortalidade? [...] Então, assim, [...] pré-natal tardio, população flutuante [GCR região das pedras vermelhas, 14/08/2014].

É tocante para nós que as mortes por causas evitáveis atuaram como fator mobilizador

para reflexão do grupo, que ficou ansioso em encontrar respostas que direcionassem o que

deveria ser feito, encontrando os nós possíveis, como o pré-natal realizado tardiamente ou a

população flutuante nos territórios adstritos. Ao mesmo tempo, essa mobilização provocou

um movimento de valorização da vida e do compromisso com o trabalho em rede, com

comunicação efetiva, acessibilidade e conexão entre os pontos da trama:

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Foi a questão da captação precoce, tem a questão da população flutuante, que é uma população de risco, e tem o adolescente, e tem a questão do [...]. Então, tem a proposta de se aproximar dessa população (adolescente). Surgiu a estratégia da ampliação dos agentes comunitários, aproveitando essa oportunidade (de trazer mais equipes). Vocês colocaram [...]. A questão do acesso à maternidade [...] [GCR região das pedras vermelhas 14/08/2014]. E ainda mais, se 70% (das gestantes referenciadas) está vindo de maneira equivocada, se a gente consegue melhorar isso daí, provavelmente a gente consegue dar uma resposta melhor àqueles que não poderiam ter saído [...]. Precisa melhorar todo o processo pra que o final dele, que é o momento do parto, não tenha esses desfechos, como foi registrado, (muito óbito) [GCR região das pedras verdes, 14/08/2014].

Percebemos que um efeito do dispositivo “pesquisadores silentes” foi a provocação

para autoanálise, despertando a responsabilização dos trabalhadores com seu próprio trabalho,

na direção da sensibilização, do envolvimento, da construção de uma implicação com a

situação da saúde materno infantil nas diferentes regiões, aproximando os trabalhadores do

objeto da rede, em um aprendizado significativo e mobilizador.

No decorrer da pesquisa-intervenção, houve um momento importante em que os

pesquisadores restituíram ao grupo aquilo que foi produzido coletivamente. Restituir para a

análise institucional não tem a intenção de devolver algo ao grupo como uma simples

devolutiva, e, sim, pressupõe que coisas que foram deixadas à sombra possam ser ditas e

discutidas conjuntamente. Assim, algumas análises são restituídas e discutidas no GCR,

analisando se aquilo que foi “retirado” foi diferente daquilo que foi restituído. Segundo

Lourau (1993), a restituição consiste em “se centrar em uma tarefa – a de análise coletiva da

situação presente, no presente, em função das diversas implicações de cada um com e na

situação” (LOURAU, 1993, p. 64), de forma a suscitar reflexões e novas análises sobre a

prática em uma parceria entre grupo de trabalhadores e grupo de pesquisadores. Durante essa

atividade de restituição, a região das pedras vermelhas envolveu-se com a questão das

“diferenças nas categorias profissionais”, e coisas puderam ser ditas durante a discussão do

material restituído. Essa região pôde explicitar que “o conflito é maior com a categoria

médica e que a categoria odontológica está mais sensibilizada” [GCR região pedras

vermelhas, 14/10/2014], abrindo a possibilidade de falar sobre os conflitos que permeavam

aquela região. Além do atravessamento de interesses de classes profissionais na gestão e

organização da rede, os interesses políticos também causaram certa interferência: “vontade

política dos gestores interfere nos programas assistenciais” [GCR região pedras azuis,

10/07/2014]. A possibilidade de “fazer falar” esses conflitos e acontecimentos, por muitas

vezes excluídos, ocorreu pela autorização do grupo a viver a restituição e a poder reconhecer

suas ações e a multiplicidade presente na rede-rizoma que se construía.

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A pesquisa foi considerada pelo grupo como norteadora, que, além de seu caráter

científico, também trouxe para a roda discussões para melhorar o cotidiano dos serviços,

como o acesso do usuário e a construção da rede na lógica coletiva. Assim, os trabalhadores

exercitaram um novo modo de estar ali, distanciando-se da posição de vítima e de

culpabilização do outro. Em um encontro em dezembro, o grupo fez uma avaliação de seu

trabalho durante o ano, com propostas de trabalho para o ano seguinte. Em pequenos grupos,

os integrantes sentiram-se mais à vontade para falar de seus nós críticos, dar sugestões e

refletir sobre sua prática num entendimento e acolhimento mútuos. Dessa maneira, refletiram

sobre os episódios de morte evitável e de sofrimento durante a gestação, relatados ao longo do

processo, e propuseram: “Não perder mais mãe, não perder mais criança. Então, esse espaço

também abriu, se você tiver dificuldade [...] ligue para tal pessoa. Porque você vai estar na

mesma sintonia” [CGR região das pedras verdes, 11/12/2014]. Dessa forma, eles mesmos

possibilitaram ramificações e conexões que melhoraram a comunicação entre os pontos da

rede, neste caso, entre a atenção básica e a maternidade.

Nesses processos de aprendizagem, os encontros anteriores onde se apontava o

funcionamento do grupo e chamava-se a atenção sobre a perda de objetivos no trabalho foi

essencial: “Mas, pra fazer os exames, pra atender essas mulheres, pra chegar no nosso fim,

nós temos aí um jeito de funcionar que parece que a gente vai perdendo essa nossa finalidade,

onde a gente precisa chegar. Como é que a gente está fazendo isso?” [GCR todas as regiões,

13/03/2014]. Esses apontamentos, que muitas vezes feriam o instituído automático de fazer a

roda sem problematizar e provocaram desconforto, rearranjos no grupo e reflexões que se

constituíram em momentos de aprendizado em que o grupo sustentou processos autoanalíticos

e autogestores com avaliação, propostas e tomada de decisões que tiveram base na

problematização da sua realidade e de seu contexto sócio-histórico-político.

7.8 Tecendo a rede

De acordo com Saint-Simon (1760-1825), a rede é mais que um conceito, é um

operador para a ação, permite a passagem ao ato, “a realização da rede é um trabalho, e

mesmo, um trabalho de interesse público” (PARENTE, 2004, p. 26). Se entendermos a rede

pelo olhar deste autor, ela se conforma por “uma estrutura de interconexão instável, composta

de elementos em interação e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento”

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(PARENTE, 2004, p. 31), de forma que as singularidades que compõem a trama da rede

conectam-se por linhas que podem romper-se, são linhas instáveis, e, quando seus pontos têm

seu objetivo de funcionamento claro, mantêm-se conectados. Discutiremos, então, alguns

aspectos referentes a essa interconexão.

O GCR estava em processo de entendimento de seu papel e de seu funcionamento,

assim não era possível identificar uma conexão clara, afinal o objetivo ainda se apresentava

difuso. Refiro-me a uma clareza que levasse em conta a dinâmica dos sujeitos e as diferentes

configurações dos modelos de atenção em cada território e contexto. Lembremos que, nos

serviços de saúde, o modelo hegemônico constitui-se por linhas tensas e estáveis que não dão

espaço para essa tendência rizomática das redes que estamos defendendo aqui. Merece nossa

atenção a proposta de Mendes (2009) para a integração dos serviços por meio de: [...] organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por esta população (MENDES, 2009, p. 2300).

Nas políticas de saúde, essas linhas são muito bem estruturadas e não permitem fugas

ou rupturas, não consideram o agir leigo dos usuários na conformação de seu próprio mapa de

cuidado a partir de suas necessidades e possibilidades (CECÍLIO; CARAPINHEIRO,

ANDREAZZA, 2014). Ainda, a proposta de organização das RAS (BRASIL, 2010) guarda

um grande desafio, o de superar a fragmentação do cuidado, de forma que se abram pontos de

bifucação nesse rizoma capazes de superar o isolamento e a incomunicabilidade por meio de

linhas frouxas e flexíveis.

Outro desafio, e ao mesmo tempo desejo, é ter a AB na coordenação dessas redes

como “primeiro nível de atenção, enfatizando a função resolutiva dos cuidados primários

sobre os problemas mais comuns de saúde” (BRASIL, 2010a, p. 04). Essa conformação das

RAS no SUS, de maneira bem definida, aposta na AB como ordenadora, com base no

atendimento integral, racional e equitativo, porém apresenta uma distância entre a aposta e a

prática (CECÍLIO; CARAPINHEIRO; ANDREAZZA, 2014), apontando para a

multiplicidade organizacional da AB em cada município e, portanto, abrindo caminho para

reconfigurações que desafiam também a AB como coordenadora do cuidado, como porta de

entrada e como espaço potente para resolutividade e acompanhamento longitudinal de

gestantes e crianças (CASSIANO et al., 2014).

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Para que a AB possa atuar como ordenadora da RC, é necessário que toda a rede de

atenção opere o cuidado a partir desta perspectiva, fato que trouxe questionamentos ao GCR a

respeito de sua governabilidade para a resolução dos nós críticos na AB: “a gente sabe que a

gente tem problemas em todos os pontos de atenção na rede, mas a gente aqui tem [...]

governabilidade maior e mais próxima sobre a rede básica” [GCR região das pedras azuis,

11/09/2014]. O reconhecimento da resolutividade, força e complexidade da AB pelos

trabalhadores desse GCR é um marco para que possam ser pensadas ações que permitam

outras análises, seu autogoverno, e o planejamento do cuidado na RC, objeto último de ação

desse coletivo. Apostamos que a EPS no GCR teve papel relevante nessa dinâmica entre

repensar a prática e novas possibilidades de trabalho, num processo de disputa com o

instituído de paralisação diante dos problemas.

Muitas fragilidades da RC concentram-se nos processos de comunicação entre seus

pontos e entre profissional e usuário. Na AB, observamos que os nós críticos impedem, por

exemplo, o acompanhamento longitudinal e a busca ativa das gestantes. Novamente vimos a

omissão em relação à corresponsabilidade com o fluxo da gestante na RC: “Escapa de vocês.

Hoje, [...] as pessoas não têm culpa por isso. Mas é real essa mortalidade. [...] (chegarem na)

maternidade e falarem: ‘eu estou grávida, posso fazer o teste?’” [GCR região das pedras

verdes, 14/08/2014]. As gestantes, muitas vezes, tinham um fluxo confuso dentro da rede, por

isso a identificação da necessidade de reestruturação da AB como referência de

acompanhamento longitudinal. Muitas vezes, o grupo encontrava no DRS o apoio e a

condução da reflexão em relação a essa corresponsabilização:

Então, aqui, surgiu assim. Não consigo identificar todas as minhas gestantes. Então, elas chegam sem nada, nós não sabemos nada dessa gestante. 7 meses. Em um município de 4.500 habitantes. Então, o que nós temos que fazer? O que nós vamos ter que repensar aqui? O como nós estamos captando essas gestantes. O que nós estamos oferecendo a essas gestantes. Porque nós continuamos tendo um índice muito grande de mortalidade. Quantas vezes ela foi por causas que eram sensíveis da atenção básica? Quantas vezes ela foi por causas realmente necessárias, que ela tinha que chegar lá mesmo? E aí quantas vezes a (maternidade de referência da região das pedras verdes) está devolvendo para nós, município, gestantes que não tinham condições de serem devolvidas? Que também é uma coisa que nós temos que pensar. E aí nós temos que começar, também, a estreitar esses laços com a (maternidade de referência da região das pedras verdes) e pensar. [GCR região das pedras verdes, 14/08/2014].

O estímulo à reflexão era sempre resgatado, buscando qual o objetivo do encontro

atenção básica-maternidade e as possibilidades de construção coletiva, já que a rede deve ser

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sustentada pela corresponsabilidade. Uma proposta de enfrentamento dos nós críticos entre os

pontos da rede reforçava a conexão entre os pontos, a linha tornava-se cada vez mais coesa,

havia fortalecimento da rede e das ações na atenção básica: “Eu tenho a impressão que, talvez,

nós tenhamos a necessidade de saber quais são os tipos de encaminhamento de cada

município para a (maternidade) para que nós consigamos trabalhar isso?” [GCR região das

pedras verdes, 14/08/2014].

O ponto de encontro do GCR reafirma a importância da AB como ordenadora do

sistema de saúde e da RC, e ativou arranjos que construíram a comunicação, a cooperação

intermunicipal, a coesão em algumas regiões de saúde, no sentido da corresponsabilização: Todo mundo tem protocolo, todo mundo faz exame rápido, teste rápido, todo mundo tem controle monitorizado desse parto [...]. Então, quer dizer, nós vamos formar um time agora que nós vamos cercar de todos os lados. [GCR todas as regiões, 11/09/2014].

Nessa dinâmica, também observamos na expressão “todo mundo” um movimento

instituído de homogeneização, em que o grupo não acolhe a diferença; esse modo de

funcionamento tende a esconder os nós críticos e os possíveis problemas específicos de

determinados territórios. Nesse sentido, deveriam, ao contrário, fazer ver a singularidade de

cada município a fim de criar fluxos que acomodem, com foco, o melhor atendimento

materno infantil. Afinal, a valorização da diferença naquele grupo talvez pudesse produzir

novos “efeitos-subjetividade” (PASSOS; BARROS, 2000, p. 78), aproximar os trabalhadores

de seu objeto de ação e aumentar o coeficiente de transversalidade (GUATTARI, 1985;

PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009c) ao variar, transitar entre os diversos pontos de

vista, assim como nós, pesquisadores, tentamos movimentar-nos.

Além dessas estratégias, outra aposta foi a discussão sobre a finalidade do trabalho

quando os indicadores de números de óbitos e sífilis congênita tocaram os trabalhadores em

sua responsabilização: “esses números, eles estão dizendo de pessoas, de pessoas que estão

morrendo, ou de pessoas que estão adoecendo, por coisas que, com ações muito simples, que

é da nossa competência, a gente poderia evitar” [GCR região das pedras azuis e região das

pedras vermelhas, 10/07/2014].

A ordenação da rede pela AB ainda serviu de fio condutor na tessitura desta rede

quando, em uma das regiões, o grupo concordou com a necessidade de sua reestruturação para

alcançar um atendimento resolutivo e que pudesse evitar óbitos. A presença na roda da

maternidade de referência desta região foi uma resposta positiva ao convite feito para a

discussão de alguns indicadores de mortalidade associados a erros na referência e

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contrarreferência. Essa região de saúde problematizou a falta de acompanhamento pré-natal e

algumas de suas consequências como maior número de óbitos e identificação tardia de sífilis

congênita: E uma das coisas que nós estamos discutindo agora é a questão da estruturação da atenção básica e que, muitas vezes, essa gestante chega sem o pré-natal pra vocês (atenção básica). O que assusta é o número de casos de sífilis congênita [...] É muito alto, né? E é uma [...] uma causa extremamente sensível à atenção básica [GCR região das pedras verdes, 14/08/2014].

Na discussão sobre as causas do pré-natal tardio, alguns integrantes sugeriram que elas

(as gestantes) vinham de cidades distantes, do interior e que não realizaram nenhuma consulta

de pré-natal na rede. Os casos de sífilis têm uma dinâmica semelhante e são diagnosticados

tardiamente. Na chegada à unidade, por procura espontânea da gestante, são realizados os

exames necessários, e o atendimento segue como habitual, porém a captação precoce ainda

não ocorre sistematicamente, e o grupo revela um movimento instituído de responsabilizar a

gestante pelo não comparecimento à unidade, seja pelo alto número de gestantes a serem

atendidas, seja pela alta demanda que impede a realização da busca ativa.

Tecida de vida, a RC constituiu-se, também, de uma trama subjetiva dos afetos e

afectos frente às mortes, e não frente aos números em si, momentos que desencadearam

processos reflexivos e de tomada de consciência de sua participação no processo, como, por

exemplo, quando um integrante de uma região sugeriu que, além de discutir os indicadores, os

números, o grupo discutisse o fazer saúde e refletisse sobre a nossa prática e a respeito dos

modelos de atenção, sobre a RC, com abertura para possíveis linhas de fuga do instituído:

A importância de rever os fluxos de trabalho, rever a própria rede, rever como está articulada essa rede. A importância de rever os modelos. Quais são os modelos de atenção que nós temos hoje? [...] A importância da (EPS) nesse contexto. Qual o papel dela, o que ela vai fazer, realmente, para fortalecer. [GCR região das pedras amarelas 10/07/14].

Percebemos, na fala citada, que, ao mesmo tempo em que o grupo abre a possibilidade

de rever a própria prática e dar vazão a novas ideias e estratégias de ação que questionam os

modelos de atenção hegemônicos, temos a impressão de que eles não se colocam como

sujeitos da transformação e caem no instituído de que será a EPS quem fará por eles, em um

movimento de esperar que algo seja feito, e, não implicados, eximem-se da responsabilidade

para com a construção da rede.

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Assim, fomos tomados ao longo do processo por essa dinâmica entre

responsabilização e omissão, que nos fez ver e reconhecer a importância dos processos de

EPS desencadeados neste coletivo no sentido de problematizar a prática e agir como

dispositivo mobilizador para o trabalho em saúde, lançando luz aos fazeres para a construção

da rede.

7.8.1 E quem tece essa rede?

Tendo em vista que uma rede também se constitui de/por pessoas, entendemos que o

GCR enfrentava o desafio de aprender a constituir uma rede, com a articulação entre seus

pontos e o atendimento na perspectiva da integralidade (MATTOS, 2009), e seus múltiplos

sentidos. Refiro-me, aqui, ao desafio cotidiano de um olhar ampliado para o indivíduo, com

respeito à suas necessidades e escolhas, na conformação de sua rede de cuidado, pensada

coletivamente.

Nesse cenário de experiência coletiva na atualidade, é importante levar em

consideração que as redes podem apresentar funcionamentos distintos, momentos quentes e

momentos frios, que, para Barros e Passos (2009), comportam, por vezes, esperança de

transformação e, por vezes, perigo de manutenção do instituído. Estes autores explicam que

uma rede fria é construída a partir de um centro, de comando ou de regulação, enquanto a

quente possui múltiplos pontos, onde o rizoma capilariza-se. Assim, sua “dinâmica conectiva

ou de conjunção é geradora de efeitos de diferenciação, isto é, trata-se de uma rede

heterogenética” (BARROS; PASSOS, 2009, p. 169). Um exemplo de rede quente está no

potencial de capilarização da rede por meio do GCM: “o município está levando como

missão, nós estamos levando como missão fazer uma reunião [...] o município com esse

grupo, resgatar o grupo condutor (municipal) [...] e, no próximo encontro nosso aqui, trazer

alguma informação” [GCR região das pedras amarelas, 12/06/2014].

Identificamos que a intervenção foi possível nos momentos quentes como esse, em

que as forças para mudança e transformação mostraram-se fortes e vibraram com mais

intensidade. Assim, um movimento interessante do GCR para a constituição da RC levou em

consideração a conexão entre os pontos da rede com base na Integralidade, no cuidado à

gestante e à criança, ao refletirem sobre o envolvimento de outros atores nesse cenário, além

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do profissional médico e enfermeiro e também de outros serviços, como a maternidade e o

ambulatório de alto risco.

Notamos que houve uma aproximação cada vez maior dos profissionais da saúde

bucal, ainda que num campo de disputas do cuidado (MERHY, 2014), com os demais

profissionais de saúde. Ao mesmo tempo, percebemos reflexos da relação da gestante com o

profissional cirurgião-dentista e com o tratamento odontológico, o que envolve mitos,

crenças, valores e, muitas vezes, falta de informação durante a gestação (BASTIANI et al.,

2010):

Então, assim, a gente está tentando, reformulando. Claro que a maior dificuldade que está sendo feita ainda é articular a (Rede Cegonha) com outros pontos de atenção, por exemplo, saúde bucal [...] Eu deixo um horário específico pra elas (gestantes), mas a gente tem uma resistência [GCR região das pedras amarelas, 12/06/2014, grifo nosso].

A “resistência” citada acima pode ser entendida por parte das gestantes que portam

suas crenças e valores, e também dos próprios trabalhadores em relação ao tratamento

odontológico. Incluo, aqui, os dentistas que têm receio em realizar o tratamento durante a

gestação, mesmo com as evidências de que qualquer tratamento odontológico pode ser

realizado durante a gestação desde que realizados no período ideal (OLIVEIRA et al., 2014),

e aqueles que encontram dificuldades em abordar as gestantes em relação às suas crenças ou

em colocar em pauta essa discussão para a equipe. Por outro lado, há também os mitos e

receios dos colegas de trabalho e a concepção da equipe quanto ao atendimento integral e à

importância da saúde bucal para a mãe e para o bebê. Esse é um tema que envolve

controvérsias e desafios para ambos os lados, o da gestante e o do trabalhador de saúde, a fim

de não prejudicar a gestação ou causar certos conflitos na equipe em relação à saúde bucal da

família e a sua inclusão e interconexão na RC.

O diálogo a seguir é um exemplo do estímulo a essa articulação em uma proposta de

alargamento importante para a constituição da RC, onde se pergunta: A rede é composta por quem? Quais atores devem ser chamados para compor a roda? E o conselho municipal de saúde? O conselho está no grupo condutor? Não, não está. Você acha que é interessante [...] Eu acho que é importante. Eu acho que é importante o conselho municipal de saúde, a educação, sempre acaba esquecendo da educação, não é? [...] Vigilância epidemiológica, [...] comitê de mortalidade, escola, os conselhos municipais de saúde [...]

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O gestor de unidade básica, Universidade, Articulador da atenção básica, articulador da educação permanente, gestão, apoio de humanização [...] O público, não é? A população também é uma estratégia, você pode fazer banner, alguma coisa, panfletos sobre o que é a (Rede Cegonha). Outra estratégia é mobilizar a população [...] [GCR região das pedras amarelas, 12/06/2014].

O coletivo foi identificando as linhas que compõem a rede, considerando outros atores,

outros setores que compõem a sociedade, como a educação, os movimentos sociais e os

usuários, movimento fundamental para abordar a RC em sua complexidade, um aprendizado

que acolheu as diferenças e propôs um olhar para a multiplicidade e a pluralidade presentes ao

tecer-se uma rede de atenção à saúde. Um exemplo de movimento autogestor foi a decisão no

CGR de ampliação do grupo, para contemplar a participação de gestores, outros trabalhadores

e usuários.

E como mobilizar esses atores mostrou-se o desafio que se viu no processo com

reflexões nesse sentido: “Eu fico pensando que essa questão pudesse olhar a fragmentação do

trabalho [...] Como que a gente articula dentro do (DRS) com as vigilâncias, acho que é um

movimento importante pra gente discutir isso no (CGR)” [GCR região das pedras amarelas,

10/07/2014]. Essa proposta de refletir no GCR sobre o instituído de fragmentação do processo

de trabalho, típico de uma rede fria, tenta rever uma repetição de práticas e manutenção do

modo instituído em que há um centro de comando na rede desarticulado, sem comunicação e

sem conexões entre gestor DRS e gestor-vigilância epidemiológica. A partir dessas e de

outras sugestões, algumas estratégias identificadas para adesão dos gestores municipais foram

inserir a RC como pauta na CIR e capilarizar as informações até o gestor municipal, via

Grupo Condutor Municipal: Por isso que é importante, também, o pessoal do grupo condutor (municipal) levar para o gestor as conversas que eles (ouvem) aqui. Porque qualifica, também, o gestor pra discussão da rede [...] talvez, esse seja um papel do grupo condutor municipal, subsidiar esse gestor nos problemas que tem, e das possíveis ações pra enfrentar [GCR região das pedras amarelas, 10/07/2014].

No movimento de alargamento e bifurcação pensado acima, houve um reforço ao

convite a um representante gestor de cada município para que fosse mais um aliado na

construção da rede, nos pactos com o GCR. Havia o risco, no entanto, de o GCR permanecer

no funcionamento instituído de que cabe ao gestor (o outro) decidir, eximindo os demais

integrantes de sua responsabilidade. Percebemos que, no encontro seguinte ao convite, a

participação dos gestores ainda foi tímida, mas forte, com a participação de um gestor para

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compor o coletivo, caracterizando essa rede que tem conexões, por vezes, muito flexíveis, e,

por vezes, fortes, em uma dinâmica de uma rede em construção.

Nessa mobilização de outros atores e conexões, houve uma mudança em relação às

participações no GCR, e os encontros tornaram-se mais intensos e com maior número de

participantes. Isso trouxe motivação aos integrantes do GCR, que investiram não só no

convite aos gestores, como, a partir dos processos de EPS iniciados ali, indicaram a

necessidade de cobrar a efetividade de ações nos municípios, via GCM, por exemplo.

Esses disparadores e o apoio da gestão estadual foram reconhecidos como potentes

para a implementação de ações na rede: Então, eu acho que nesse momento a gente está precisando mobilizar a gestora, envolver ela, acho que ela precisa [...] o colegiado fazendo essa cobrança do gestor, ajuda muito a gente. [...] o papel do grupo condutor, pela educação permanente nisso é discutir com ela (gestora), ou refletir porque é importante aquilo, não apenas por causa de uma cobrança, mas por uma [...] uma coisa voluntária [...] [GCR região das pedras amarelas 12/06/2014].

Nesse plano da paisagem da constituição da rede cegonha, sentimos a esperança

depositada no movimento de educação permanente para a mudança das práticas em saúde, e

também que os trabalhadores apoiaram-se na gestão estadual, diante de sua posição em

valorizar tais movimentos. Sentimos a força de seus trabalhadores que viveram processos de

reflexão crítica e de aprendizado no cotidiano do GCR.

Assim, nossa aposta refletiu-se, a todo o momento, na produção da pesquisa e em

nossos desejos e implicações com a interconexão coordenada da rede cegonha e com a

produção de EPS, no anseio de ligar os pontos e fazer relações. Houve momentos de

revisitação do paradoxo da profecia inicial, de perseguir a redução da mortalidade materno

infantil, mesmo sabendo que a mortalidade sempre existirá, e de seu resgate, ao incluir na

agenda de compromissos de todos que constroem a RC.

Nessa mescla de implicações de trabalhadores e pesquisadores de diferentes lugares,

da formação, da gestão e da atenção, caminham juntos um otimismo de pesquisadora em

identificar e reconhecer nuances de aprendizado no trabalho e um esforço de fazer ver os

pontos de tensão que fortalecem um modo instituído de funcionamento da RC e que deixam

nubladas as cenas de trabalho e impedem a reflexão de maneira crítica e reflexiva sobre sua

prática.

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Paisagens que Compõem o Mapa do Aprendizado ______________________________________ 115

7.9 Pontos de tensão na rede

A paisagem vai configurando-se de forma diferente para cada região de saúde, pois

apresentam elementos contextuais distintos, e, consequentemente, maneiras diferentes de

enfrentar os nós críticos na RC. Porém é possível identificar pontos que acometem a maioria

dos integrantes daquele grupo, pontos de tensão e, ao mesmo tempo, de potência, que

desestabilizam o modelo instituído de estar na rede.

Concordamos com Merhy, Malta e Santos (2002) quando afirmam que nossa relação

no campo da saúde é sempre construída diante de “terrenos minados”, que são permeados por

tensões permanentes, “com as quais temos que trabalhar para mantermo-nos vivos”

(MERHY; MALTA; SANTOS, 2002, p. 20). Se pensarmos a RC como território de tensões

permanentes, no qual os trabalhadores e gestores atuam, a todo o momento, disputando os

fazeres em saúde com base em um modelo de atenção, centrado ou não nas gestantes e

crianças, e em seus projetos, percebemos que há pontos que cruzam as diferentes esferas do

cuidado materno infantil e que se apresentam como potentes para o autogoverno do coletivo e

para disparar microprocessos decisórios, de planejamento e de gestão.

Um ponto de tensão-potência (MERHY, 1999) no GCR diz respeito às reflexões

referentes às fontes de financiamento da atenção básica, por exemplo, quando o grupo

questiona a vinculação do pagamento municipal à alimentação dos sistemas de informação.

Nesse caso, o grupo de trabalhadores queria esclarecer o destino e o emprego da verba: “E o

dinheiro a gente também não sabe, de onde que ele chega, aonde que ele vai” [GCR -

13/02/2014]. A questão do financiamento apresentava-se como um ponto de tensão da RC,

sempre havia alguma dúvida e um tom de desconfiança permeado pela falta de

governabilidade ou informação sobre o assunto. Esses fatos podem ser geradores de desânimo

ou desmotivação em relação ao resultado de seu trabalho, pois não têm a confiança necessária

no produto e potência de sua ação e cuidado.

Em contraposição, os trabalhadores tiveram que enfrentar o desafio de esclarecer de

que cuidado estavam falando e como estavam lidando com aquela ferramenta de trabalho:

[...] qual é a nossa prioridade, porque senão, nós ficamos reféns de um sistema né, que está fechado e tem uma limitação, é aquilo que a (integrante do GCR) está sinalizando, olha, mais importante do que alimentar o sistema, é uma informação produzida com base no fato, no ato, na realidade, por isso que o prontuário físico nesse momento continua sendo muito importante, porque ele é uma fonte documental, e ali ele precisa ser checado, ele é real.

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[...] O X da questão é a vigilância que deve ser desenvolvida com relação à gestante durante esse período de gestação. É esse o enfoque. Pode ter existido erro, pode existir dificuldade [...] processo de trabalho não permite etc. etc., mas nós não podemos nos adaptar [...] [GCR 13/02/2014].

O cuidado centrado no usuário toma a cena numa disputa de espaço com a forma

instituída de digitação dos procedimentos na plataforma do sistema de informação, sem

definição de prioridades e necessidades do usuário. Nessa disputa, a reflexão incluiu a

garantia da informação por meio do prontuário e a busca de um objetivo para o trabalho

realizado, apesar das limitações que apresentava o sistema, demarcando esse território

tensional que compõe a saúde na RC.

Ainda que nesse encontro o cerne da discussão tenham sido as tecnologias leve-duras

e duras (MERHY; ONOCKO, 1997), que englobam, neste caso, ações centradas no

profissional, de digitação e uso dos equipamentos de informática, chamaram-nos a atenção

um incômodo e um olhar ampliado para o objetivo e direcionalidade do cuidado à saúde, em

uma abertura à reflexão da própria prática sem “se adaptar” ao modo organizacional

instituído. Para Feuerwerker (2014, p. 97): a “vivência e a reflexão sobre as práticas [...]

podem produzir incômodos e a disposição para se produzir alternativas de práticas e

conceitos, para enfrentar os desafios das transformações”.

Assim, identificamos potência nesse movimento, pois os integrantes do GCR

refletiram sobre a dimensão financeira do cuidado, o uso das informações do sistema de um

modo diferente do instituído nos serviços, diferente daquele de digitar para cumprir as metas,

aproximando-se de um movimento de reflexão sobre sua autonomia, governabilidade e

capacidade de autogoverno (MERHY, 1999, 2014b). Ao mesmo tempo, refletiram o quanto a

digitação apropriada também garante recursos para o atendimento das gestantes e crianças, o

que pode despertar processos de subjetivação nos trabalhadores para enfrentar essas e outras

tensões, dando sentido “aos seus agires” (MERHY, 2014b, p. 165).

Para além de questões financeiras, questões que tangem a ações em favor da

implementação da RC fizeram revelar certa governabilidade no grupo, atuando como pontos-

tensão-potência que possibilitaram momentos de aprendizado e formação de gestores para/na

rede. As questões de reflexão da prática tinham o sentido de entender o seu papel gestor na

RC, o grau de autonomia, as responsabilidades, e a direção que os trabalhadores tomavam

após as decisões no GCR: Os integrantes daquele GCR se viam como gestores da rede? Eu não sou gestor da Rede Cegonha.

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Que responsabilidades vocês entendem que vocês estão assumindo quando vocês vêm compor esse grupo condutor da Rede Cegonha? [...] Não, eu acho que não ficou claro, eu até entendo a sua pergunta, mas acho que não ficou claro que a gente é gestor da rede cegonha [GCR 13/03/2014].

O diálogo permitiu a fala e a enunciação do entendimento de seu papel e

responsabilidades como membro do GCR, assim os papéis ficaram mais claros e puderam

perceber a falta de poder, entre outras razões pelas quais não se identificavam como gestores,

a fim de enfrentá-las. Alguns aspectos relacionados ao poder e ao enfrentamento de posições

já instituídas nas organizações emergiram. Um ponto de reflexão foi a ausência ou alternância

entre participantes dos municípios, revelando a relação de poder para garantir assiduidade ou

a acessibilidade ao GCR. Havia decisão de outros gestores em relação ao uso de transporte,

agenda e comprometimento com aquele espaço de gestão. Uma questão que o grupo de

pesquisa nominou de descontinuidade no GCR:

[...] Então é esse um pouco o jeito de funcionamento? Nós temos instantes que as pessoas participam, pessoas que participam não são necessariamente essas pessoas que decidem, é isso? E as pessoas mais interessadas, os usuários, não participam? É isso? [GCR 13/03/2014].

Outro ponto-tensão foi identificado em um movimento de aprendizagem no qual os

integrantes do GCR refletiram sobre seus múltiplos papéis, tateando seus limites, atribuições,

responsabilidades e implicações. Nessa discussão, surgiu a questão do papel do grupo

condutor municipal e sua atuação em relação ao acompanhamento da política da RC nos

municípios. Levantaram a hipótese e uma dúvida, se seria um órgão fiscalizador: “se não vai,

qual o nosso poder de estar fiscalizando isso [...] então qual o nosso papel?” [GCR,

08/05/2014]. Ao exercitar a autoanálise, esse gestor da rede desenhou e redesenhou seu papel

e sua posição diante da perspectiva de controle, modelo instituído de gestão que tem por

objetivo a fiscalização, enquanto outros sugeriram o monitoramento ou o apoio:

Não é fiscalização, é monitoramento. E eu acho que o segundo passo é que nem o monitoramento passa a ser, passa a ser apoio. Qual é o significado dessas instituições para quem está lá. Vem alguém fiscalizar? Vem alguém me monitorar? Vem alguém me apoiar? O apoio permite que qualquer funcionário esteja aberto às sugestões, ao trabalho em conjunto [...] Como é que eu posso, diante desse problema, transformar e trazer esse coletivo de modo cooperativo para pensar junto, que aí é o modo de corresponsabilizar, de colocar as pessoas no processo para corresponsabilização [GCR região das pedras azuis e região das pedras vermelhas, 12/06/2014].

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Cada vez mais a reflexão sobre o papel dito “fiscalizador” contribuía para o

estabelecimento de novos posicionamentos, o de monitoramento, o de apoio, aqui entendido

como apoio institucional que estimula a corresponsabilização. E, também, o de supervisão,

mas não como uma visão instituída de um local privilegiado, de alguém dotado de saber

superior, e, sim, uma visão atenta de alguém que trabalha ao lado das equipes nos municípios

e que contribui potencializando os recursos que possui para a produção do cuidado

(MATUMOTO et al., 2005). A partir de então, a compreensão sobre a saúde ocupava um

novo lugar. Houve novos agenciamentos coletivos de enunciação (GUATTARI, 1985), como

expressão ou manifestação inconsciente, na busca de evidenciar a subjetivação e os fluxos de

produção do rizoma, fazendo ver outras possibilidades no caminho da corresponsabilização

do cuidado e da gestão. Essa divisão de responsabilidades carrega as nuances da fiscalização-

monitoramento-apoio-supervisão, que também são atravessadas por interesses individuais,

pois, muitas vezes, o trabalhador de saúde tem concepções diferentes da supervisão, por

exemplo, de acordo com a situação, e com o que ele entende como divisão do trabalho,

sobrecarga, riscos ou benefícios. Trata-se de um movimento que também ignora o objeto final

“usuário” e centra-se no próprio trabalhador, afastando-o de seu fim, ou de sua profecia

inicial.

Assim, identificamos múltiplas facetas no processo de reflexão e entendimento sobre o

papel gestor, conformado por articulações inconscientes compostas “por todos os sistemas de

potências e todas as formações de poder que nos cercam” (GUATTARI, 1985 p. 171),

revelando uma lógica de afetos que somos incapazes de descrever estruturalmente, mas

podemos sugerir que foram enunciadas coletivamente.

Ao considerarmos a questão do reconhecimento de seu papel como gestores do

cuidado como ponto de tensão-potência, percebemos que os integrantes do GCR veem-se em

um campo de disputas de poder e entre territórios de desejo diante de suas ações nos

municípios: Mas “[...] o negócio funciona na base da cobrança [...] qual é o meu papel como

membro condutor de cobrar algumas coisas também no município? Cobrar eficácia, certo?

Assim, que movimento que eu posso (fazer), [...] que eu faço?” [GCR região das pedras

amarelas, 12/06/2014].

A fala revela-nos o trabalhador em um território que envolve duas segmentaridades, a

molar e a molecular (GUATTARI, 1985), e, no mundo do trabalho, ele tem que lidar com a

palavra de ordem, cobrança e a dúvida sobre suas possibilidades de ação: “que movimento

que eu posso fazer?”. Entendemos que essas segmentaridades sempre coexistem, e há uma

dependência recíproca entre o que é macro e o que é micro (DELEUZE; GUATTARI, 1996).

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A vida e o nosso desafio cotidiano têm um pouco desses extremos, e como faremos para

encontrar o equilíbrio que nos dá fôlego?

O modo instituído dominante, aqui, está relacionado a uma resposta ao sistema

capitalista hierárquico de uma rede fria em que há um comandante no centro e há pontos

concêntricos que têm como metas a cobrança, ocupando uma posição de poder sobre outros.

Ao mesmo tempo, é essa produção social de subjetividade dominante que não permite ou que

atravessa os possíveis processos de singularização e de subjetividades rizomáticas

(GUATTARI; ROLNIK, 1996), processos que desejam construir uma rede quente, sem centro

de comando, que desejam tornar a todos gestores corresponsáveis. As duas conformações de

que tratamos aqui são diferentes, porém não são opostas; são, ao contrário, inseparáveis.

Deleuze e Guattari (1996) explicam que tudo é, ao mesmo tempo, centralizado e segmentado;

há dois tipos de segmentaridade, uma primitiva e flexível, e outra, moderna e dura. A

dualidade é própria das sociedades modernas, que têm um Estado que quer fazer valer suas

regras e leis e, para tanto, criou um sistema binário para as escolhas, ser homem ou ser

mulher, ser jovem ou ser adulto, ser pobre ou ser rico, ser um ou ser o outro. Dessa forma, as

ressonâncias apresentam um único centro, como uma pedra que cai em um lago e forma

círculos concêntricos sem fim. Já em um regime flexível, como nas sociedades primitivas, os

centros não precisam ser concêntricos, “não caem num mesmo ponto” (ibid., 1996, p. 86), há,

por outro lado, uma multiplicidade de possibilidades e de centros, de acordo com seus afetos e

sua significância, que, por sua vez, são condicionados a um centro comum, mas não

comandante. Assim, a diferença está nas ressonâncias que estão presentes em uma rede fria

concêntrica e que são inibidas em uma rede quente para produzir “agenciamentos de

processos de singularização” (GUATTARI; ROOLNIK, 1996, p. 130), que preserva a função

de autonomia dos trabalhadores a partir de seus desejos e devires.

Consideramos que há dificuldades na RC para que haja essa conformação mais quente,

essa produção na micropolítica, pois deve haver um consenso entre seus pontos de atenção e

arredondamentos (círculos não concêntricos) em não reproduzir o modo já instituído de

cobrança por resultados, e, ainda, deve haver comunicação horizontal, com criatividade, com

novas conexões e criação de “territórios de desejo” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 138).

Percebemos, nesse imbricamento entre molar e molecular, o paradoxo entre a

conscientização da responsabilidade e a necessidade de cobrança externa. Se levarmos em

conta que, “por mais democráticos que sejam os mecanismos de definição e de distribuição de

encargos, sempre ocorre com algum grau de externalidade em relação aos agentes

implicados” (CAMPOS, 1997, p. 230), passamos a crer que a pesquisa causou certa

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interferência institucional no sentido de criar arranjos que possibilitassem a quebra dessa

lógica de trabalho e trouxesse a reflexão sobre o equilíbrio entre a autonomia profissional e

sua responsabilidade, de forma que o trabalhador compartilhasse com os outros atores deste

coletivo seus desejos e o reconhecimento do resultado de seu trabalho, de sua “obra”

construída conjuntamente (CAMPOS, 1997, p. 234).

Ainda no campo da compreensão de seu papel de gestores, os integrantes do GCR

questionaram sua governabilidade, com a identificação do encadeamento de ações que foram

pensados em dois movimentos distintos:

Então me parece que são duas posições distintas, que uma é compartilhar com o gestor o que se passou aqui e aí o gestor é que tem que concluir ou decidir a respeito do que foi acordado aqui nesse espaço, e a outra situação em que o gestor dá autonomia ao técnico designar ao grupo condutor de redes, isso significa que esse técnico chega no seu município e desencadeia as ações necessárias? Isso. [GCR 13/03/2014].

Esses integrantes do GCR em situação de governo remetem-nos à seguinte reflexão de

Merhy em seu livro “Saúde: a cartografia do trabalho vivo: quem governa, governa o que?”

(MERHY, 2014b, p. 153). Ou, ainda, remetem-nos ao movimento de EPS que discute: quem

faz gestão? Será que há o entendimento de que “todo mundo faz gestão” (EPS EM

MOVIMENTO, 2014a)? É importante mencionar que a EPS abre uma perspectiva, defendida

pela própria PNEPS, de valorização do saber das experiências, respeito aos conhecimentos de

cada um no tocante à saúde e de autogestão, isto é, valoriza o poder de decisão dos integrantes

no processo de trabalho.

Assim, para melhor entendimento desse processo de reconhecimento de gestão,

tomamos de Matus (1996) alguns pontos aos quais os atores em situação de governo estão

submetidos, quais sejam: o projeto desse ator, sua governabilidade e sua capacidade de

governo. Dessa forma, um gestor faz-se e compõe seu aparato de ação a partir dessas três

nuances que se complementam, fazendo uma gestão diferente a cada situação, pois depende

de outros recursos e de vencer algumas disputas nesse cenário. Seja em relação à defesa de

seu projeto com os demais atores, seja na garantia dos recursos de que necessita para realizar

seu trabalho, recursos que, muitas vezes, ele não controla. E, além dos recursos materiais,

também contam o conhecimento e suas experiências anteriores.

Explorando esse jogo de forças e as duas posições identificadas anteriormente pelo

próprio GCR, podem bifurcar-se em múltiplas, pensando na constituição de uma rede-rizoma,

com arredondamentos e círculos não concêntricos.

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Em um segmento, seus integrantes relatam uma gestão centralizada, em que há a

reprodução do modo de funcionamento instituído pela sociedade. Nessa organização da rede,

a informação do GCR vai para o gestor no município, que, posteriormente, define a ação, num

processo que limita a autonomia do integrante do GCR. Por outro lado, outra possibilidade de

segmento é a comodidade para alguns, já que, nesses casos, o trabalhador fica alheio à decisão

e pode sentir-se confortável nesse papel. Há, também, o segmento do trabalhador, que pode se

sentir desconfortável, pois porta projetos diferentes daquele do gestor e sente que poderia

contribuir nas decisões, mas não tem liberdade para tal.

Em outra interface, os membros do GCR têm autonomia limitada em seus municípios

de origem e devem reportar-se ao centro de comando. Eles levam a informação às equipes por

meio dos técnicos, que, por sua vez, centralizam as decisões para desencadear a ação. O fato

de o técnico desencadear as ações revela a multiplicidade de fazeres no GCR e o

empoderamento desse ator, porém esse papel também pode guiá-lo à execução das ações do

modo instituído centralizado e verticalizado, pois ele é a figura central que detém o poder de

ação, assim como ocorre nos processos de ensino-aprendizagem e nos momentos de formação

propostos neste GCR.

Nesses movimentos, observamos diferentes fluxos de informação e hierarquia, que, de

acordo com a autonomia dos sujeitos: “Se for falar de peixe grande pra peixe grande, você

passa (para o) gestor, agora se for de enfermeira pra enfermeira [...] depende da situação”

[GCR todas as regiões, 13/03/2014]. Percebemos que há diferentes círculos de comando. Por

exemplo, quando o fluxo de informações é de enfermeira para enfermeira, o grupo demonstra

maior autonomia para comunicar-se, porém a enfermeira é ainda considerada superior aos

demais membros da equipe em relação à gestão de informação. Situações semelhantes

repetem-se durante os momentos de formação e de ensino-aprendizagem no cotidiano quando

o grupo lida com o saber de forma hierárquica em que um membro da equipe deve ser

“responsável por realizar a EPS” ou quando alguém deve vir de fora para ensinar, não

reconhecendo o potencial do saber de seus pares e de sua experiência (BONDÍA, 2002).

Para Sá (2001, p. 157): [...] essa produção de autonomia dos sujeitos nas organizações de saúde se colocará sempre como uma possibilidade em aberto - nunca como uma certeza - um processo que pode vir a ser favorecido em função de algumas condições, entre as quais a natureza mesma do objeto de trabalho em saúde e as características que podem assumir os processos de planejamento e gestão nessas organizações.

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Nesse contexto, a governabilidade dos gestores da RC está entrelaçada a diferentes

maneiras de ver o mundo, e a construção ou não de projetos voltados para a coletividade,

neste caso, ao cuidado à mãe, ao filho e à família, em um movimento dinâmico de resistências

e de conectividades que compõem o trabalho em saúde. Assim, o grupo deu passos

importantes em direção à autogestão, demonstrando que, nesse processo, existem movimentos

de inquietudes que são potentes para o avanço e entendimento dentro do grupo.

Nesse plano de tensões, além da cobrança nos municípios, um aspecto do controle foi

tomando forma por meio da discussão dos indicadores e de outros instrumentos de avaliação e

planejamento do trabalho, no próprio GCR, lançando luz a um sentimento frequente de “estar

sob avaliação” no grupo. Quando havia um esvaziamento do espaço, eles optavam por

reunirem-se em um único grupo, num movimento de resistência, assim todas as regiões

homogeneizavam-se, buscavam apoio no outro, ao mesmo tempo em que não deixavam ver

seus problemas. O Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006) foi um importante marco para a gestão

com foco em indicadores de resultados e, em alguma medida, os trabalhadores pareciam não

saber manejar ou não ter habilidades com esses instrumentos. Assim, consideramos que os

problemas com o manejo das ferramentas de avaliação podem ter gerado paranoias frente ao

não-saber (FORTUNA, 2003), em um movimento de colocar a responsabilidade no outro,

esperando respostas de fora. Ao mesmo tempo, a omissão de sua opinião podia significar ficar

alheio às decisões e às suas consequências, não participando do processo de melhoria da

qualidade do serviço.

Por outro lado, havia também muito desconforto em relação ao que os números

revelavam, pois se tratava de anunciar altos números de doenças sem diagnóstico precoce,

como é o caso da sífilis congênita, ou altos números de mortes evitáveis, o que colocou em

análise seu desempenho profissional e os desafios de seu trabalho:

esses números, eles estão dizendo de pessoas, de pessoas que estão morrendo, ou de pessoas que estão adoecendo, por coisas que, com ações muito simples, que é da nossa competência, a gente poderia evitar [GCR região das pedras azuis e região das pedras vermelhas, 10/07/2014].

Num movimento conjunto, percebemos o medo da fiscalização e da avaliação da

gestão em relação ao trabalho realizado representado pelos números que os indicadores

denunciavam e que foram discutidos no coletivo. Nessa ocasião, o grupo parecia esconder-se

uns nos outros, fugindo da responsabilidade e preocupado com a cobrança, fazendo-nos

entender que os processos de avaliação em saúde são muitas vezes tidos como um modo

instituído de ameaça, controle, fiscalização e cobrança (CARVALHO et al., 2012), e não

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entendido como monitoramento e/ou apoio, no sentido de estar ao lado no processo de

trabalho e nem mesmo como forma de participação dos trabalhadores.

Mais ainda, esde movimento aproxima-se de um modo instituído de uma sociedade de

controle (DELEUZE, 1992), regulada pelo Estado, onde somos monitorados a todo o

momento por câmeras, senhas e por meio das redes sociais, caracterizando uma cidadania

regulada e que não favorece a autonomia e a liberdade de criação no trabalho.

7.10 Repetir para ver o que é singular

“repetir um ‘irrecomeçável’” (DELEUZE, 2000, p. 11).

O desafio de cartografar também mora em repetir aquilo que é singular, dar-lhe luz e

valor em sua unicidade e multiplicidade potente para a transformação e para a criação do

novo. Cada vez que repetirmos será diferente, aquele momento será novamente novo, com

suas possíveis surpresas ou mesmices. É esse movimento de portar-se frente à singularidade

tomando-a como especial e possível que aqui queremos explorar. E não como contrária,

inferior ou subordinada ao que é considerado normal ou igual, mas diferente em toda a sua

intensidade. Esse plano conformou-se por linhas que demonstraram o esforço do GCR para

identificar essas diferenças em um agir coletivo entremeado pelos sentidos da EPS como

ferramenta de trabalho e dos desafios de construção da RC.

Sentimos que o compromisso com este grupo fortaleceu-se ao identificarem o GCR

como um espaço aberto para falas e busca de respostas em defesa de um querer coletivo: “e eu

vejo que não foi só a lamentação, porque a exposição de muitos aqui na direção de, ‘Qual será

a solução? O que nós vamos fazer?’, saíram ideias daqui, saíram novas ideias” [GCR

13/03/2014]. A abertura do grupo para a escuta das novas ideias foi importante para o

processo de construção do coletivo. Surgiu um sentimento de novas descobertas, de colocar-

se em lugares diversos, descobrir junto os nossos papéis, digo nossos, pois os pesquisadores

também estavam ali compondo o grupo, e havia também uma esperança depositada na

universidade em trazer repostas aos problemas identificados. Nesse processo, reconhecemos

juntos a importância da reflexão para a busca de soluções, diante de desafios estruturais,

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políticos, financeiros e as tensões presentes na micropolítica do trabalho. E, assim, pudemos

ver, aos poucos, o GCR ser reconhecido como espaço de aprendizagem de novos fazeres.

A apropriação dessas ferramentas requer do trabalhador um movimento de autoanálise

que o move em direção ao novo, à transformação e a novas possibilidades em seu trabalho,

em uma construção coletiva de produção de subjetividades, em um convite a uma nova forma

de relacionar-se com o outro e estar disposto a habitar e fugir para novos territórios que o

possibilitem a autogestão.

Para Deleuze, em seus diálogos com Clarice Parnet:

Fugir não é absolutamente renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do imaginário. É igualmente fazer fugir, não obrigatoriamente os outros, mas fazer fugir algo, fazer fugir um sistema como se arrebenta um tubo [...] Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 30).

O verbo francês fuir (fr), em português, “fugir”, significa também “vazar”, e é a partir

daí que Deleuze fala sobre uma linha de fuga, de escape, de fluidez, no sentido de permitir

uma desterritorialização, um processo de decodificação, no qual o sujeito deixa de habitar seu

território conhecido, fugindo do ambiente confortável para apostar na criação de uma nova

habitação, um novo jeito de estar e fazer-se no mundo, podendo reterritorializar-se

(ZOURABICHVILI, 2004).

A RC foi conformando-se em meio a muitos processos de formação que exigem dos

trabalhadores o reconhecimento dos territórios existenciais (GUATTARI, 1992), que, às

vezes, podem permitir a desterritorialização e, outras, a reterritorialização (DELEUZE;

PARNET, 1998). Entendemos territórios existenciais mais do que um espaço geográfico

delimitado em um mapa, mas composto por subjetividades, relações no trabalho e, de certa

forma, um território dinâmico que se produz processualmente. Para Guattari (1992), a

singularidade dos territórios existenciais guarda potência de heterogênese, em outras palavras,

“de abertura para processos irreversíveis de diferenciação necessários e singularizantes”

(GUATTARI, 1992, p. 69). Assim, apoiamo-nos neste autor para novamente reafirmar a

importância de reconhecer e valorizar a diferença de cada experiência e, então, analisar

possibilidades particulares e coletivas.

Em um dos encontros, realizado em subgrupos por região de saúde, uma discussão

importante concentrou-se na necessidade de reflexão sobre o componente parto e as

estratégias para colocar em prática a portaria da RC (BRASIL, 2011a). Foi proposta a

apresentação de um diagnóstico aos gestores de acordo com o movimento realizado com o

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componente pré-natal e, nesse processo, a EPS foi compreendida como ferramenta para o

cuidado e humanização no momento do parto:

[...] nós resolvemos, com apoio do pessoal da educação permanente e da humanização, trabalhar justamente essa questão, nós estamos fazendo encontros com as gestantes justamente pra trabalhar a questão do parto humanizado. Dos mitos e verdades que estão em torno da cesárea e do parto normal [GCR regiões das pedras azuis e região das pedras vermelhas, 10/04/2014].

A portaria da RC guia-se por alguns componentes que se entrelaçam, como a própria

rede, e seu uso deveria ocorrer a partir da realidade e de acordo com o momento de cada

gestante ou mãe, e do contexto no qual ele se insere, o que, muitas vezes, não ocorre. Esse

rizoma heterogêneo envolve concomitantemente pré-natal, parto, puerpério e

acompanhamento da criança, e pode portar olhares e projetos distintos tanto dos

trabalhadores, gestores e dos usuários, levando a diferentes direções.

Essas direções são guiadas pelo modelo de atenção que é peculiar a cada município,

pois há regiões onde o atendimento e a porta de entrada de gestantes ocorrem pelo hospital,

enquanto outros têm unidades de saúde da família, alguns já estruturados, outros ainda muito

incipientes. Não podemos, portanto, render-nos ao instituído de homogeneização que se

reproduz em nós, trabalhadores, e entender a RC no DRs como algo homogêneo. Nosso

objetivo deveria ser o de compreender as necessidades locais com base em seu contexto

social, político, de acordo com sua história, com os caminhos já trilhados e, principalmente,

com o planejamento que está sendo construído, pensando a multiplicidade da saúde materno

infantil.

Assim, se continuarmos a falar de diferença, o que esta experiência no GCR revelou-

nos? A cada encontro, a RC e o GCR eram os mesmos e, ao mesmo tempo, diferentes,

evidenciando as múltiplas facetas desse fazer coletivo, ao desencadear processos formativos

também mutantes. Por exemplo, o movimento da adesão de alguns atores à proposta de

alargamento, na direção de ampliação da rede e seus canais de comunicação, construindo um

rizoma mutante com sua heterogeneidade e multiplicidade de lugares e funções: enfermeiros,

médicos, dentistas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem, membros

dos conselhos municipais, de outros pontos da rede como maternidade, vigilância

epidemiológica, ambulatório de alto risco.

O entendimento dessa multiplicidade também esteve no convite feito aos gestores dos

municípios: “Vocês estão entendendo que um ator importante a ser mobilizado, que é essa a

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Paisagens que Compõem o Mapa do Aprendizado ______________________________________ 126

discussão, é o secretário municipal de saúde, para essa questão da organização da rede, [...]

que precisa de até investir, não é?” [GCR região das pedras azuis e região das pedras

vermelhas, 12/06/2014]. Um investimento importante do GCR foi o apoio aos seus

integrantes no sentido de fortalecer o diálogo com os gestores por meio da cobrança de sua

presença naquele espaço, com destaque para o papel da gestão do DRS, que, mobilizado pela

implicação e pela responsabilidade técnica e política com a redução da mortalidade, investiu

na inclusão do GCR na agenda dos gestores no Comitê Intergestores Regional (CIR).

O momento do encontro no GCR era importante para o grupo, como explicitado nesta

fala: “Eu queria dizer isso, da importância que é a gente poder se encontrar para falar das

coisas que a gente está fazendo, [...] Eu acho que esses encontros e enriquecimentos [...] de a

gente reconhecer o que [...] o que a gente faz e o que a gente ainda precisa fazer” [GCR região

das pedras amarelas, 12/06/2014]. Podemos entender que o integrante do GCR reconheceu,

em seu processo de trabalho e na experiência de construção coletiva, os limites e desafios

postos, como conciliar as agendas e comprometer-se com o encontro e com um espaço de

gestão plural, onde era necessário desvencilhar-se de muitas máscaras e medos, ou até

paranoias. para deixar-se ver e ouvir problemas, angústias e desarranjos, a fim de encontrar

caminhos coletivos, o que pressupõe também ouvir e respeitar a presença do outro.

Além dos desafios no fazer gestão no SUS, foram despertados para novos sentidos e

descobertas a partir do vivido ali. Uma resposta positiva em relação ao chamamento feito

pelos seus integrantes expressou, também, um tom de motivação para enfrentar os desafios

que estariam por vir. Assim, a construção da agenda dos trabalhadores e gestores, ao incluir o

GCR, parece ter afetado o processo de implantação da RC, e, consequentemente, o processo

de EPS dos participantes do processo.

A EPS esteve presente no GCR por meio de diálogos e no entendimento do sentido de

rede pelo grupo de forma que o aprendizado acompanha sua operacionalização:

Existe algo acontecendo nesta rede, no fluxo deste usuário dessa rede, que não está legal. Então, traz essa coisa, "O que a gente pensa de rede?" Que concepção que a gente está construindo aqui. O que é uma Rede Cegonha? O que é uma rede com diferentes pontos? Como esses diferentes se articulam? [GCR região das pedras amarelas, 10/07/2014].

Vimos um movimento de busca pelo entendimento do papel de cada um dos pontos de

atenção e da corresponsabilidade própria do trabalho em rede, repensando o cuidado a fim de

evitar a mortalidade materno infantil por meio da gestão do GCM, do fortalecimento do papel

do gestor e da reflexão sobre a prática nos municípios.

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Observamos uma reflexão significativa em todas as regiões, de acordo com suas

singularidades, a partir da importância do GCR como espaço de diálogo entre os pontos de

atenção e de reflexão sobre os nós críticos e enfrentamentos, e é dessa forma que sentimos

que o GCR cumpre seu papel de espaço de EPS na produção da rede-rizoma: “E a experiência

aqui é, vamos olhar para essa singularidade. A gente tem falado disso, e acho que ela traz uma

riqueza, uma coisa da rede, do próprio conceito de rede que eu acho que a gente tem que ter”

[GCR, plenária, 10/07/2014].

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__________________________ Considerações Finais

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na viagem por este mapa construído coletivamente, passamos por diferentes paisagens

que nos afetaram e nos afectaram de diferentes formas. Vivemos momentos de aprendizado

neste coletivo, que, por sua vez, mostraram-nos caminhos para o fortalecimento da rede

cegonha por meio do diálogo, de uma postura crítica sobre o próprio trabalho na forma do

alargamento do grupo, das bifurcações e conexões feitas entre os trabalhadores, entre os

pontos da rede, nas disputas de saberes e fazeres, nas parcerias, nas interferências provocadas

e percebidas, sem nos esquecermos, no entanto, das áreas de sombra, obscuros que ainda não

puderam emergir, permanecendo como não-ditos.

Desafios para a valorização das singularidades que vivem e encontram-se neste GCR,

elas são da região em sua diversidade, nos municípios, nas equipes de saúde e nos próprios

trabalhadores. Gostaria de considerar, dentre os múltiplos movimentos, aqueles que expus

como desejo desde o início nos objetivos deste trabalho, duas trilhas importantes que

exploramos e têm muito da minha implicação e da orientadora : o GCR como espaço de EPS

e a EPS para a institucionalização da rede cegonha, trilhas que estão também imbricadas uma

na outra a todo o tempo.

A rede como trama subjetiva de afetos e afectos, com seus atores lidando com o

reconhecimento de seu papel, fazendo novas conexões entre os pontos da rede para

possibilitar a comunicação, o acesso, o cuidado à família. Esses movimentos de ativação de

processos decisórios foram deflagrados, por vezes, a partir de uma vertente mais dura, com

base apenas no protocolo e nas normativas, em uma relação hierárquica, caracterizando uma

formação depositária e sem significado. Por outras vezes, ela se desvelou em participação, em

escuta, em cooperação, pois houve também o reconhecimento dos movimentos de EPS, como

ele se revela, seus olhos e sua língua, como ela se fez ouvir e falar pelos integrantes do GCR,

como o aprendizado foi significativo e trilhou também linhas de fuga do instituído, ainda

tímidos, mas importantes em suas singularidades e potencialidades de fazer a diferença nos

municípios para o trabalhador e para os usuários, no anseio de alcançar a profecia inicial

dessa rede, a saúde da família, da gestante e da criança.

Foi nosso desejo fazer dizer certas facetas de como o instituído e seus atravessamentos

minaram forças instituintes e também como as forças instituintes permitiram a

transversalidade, no grupo, na rede, no município, nos documentos, como a pesquisa-

intervenção e a implicação dos pesquisadores possibilitou, ou não, processos de formação.

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Nesse leque de desejos, ver e ouvir as fragilidades-potencialidades do território do DRS, da

RC, da EPS fazem-nos borbulhar em incômodos e confortos que têm potência de movimento,

de agir, de tomada de decisões, mas não por si só. Há necessidade, também, de apoio da

gestão, municipal e regional, como vimos na aposta deste DRS, em propor não só um espaço

de EPS, mas um lugar para dialogar, para cooperar, para fazer sentir as dificuldades do outro e

compartilhar vivências e experiências.

Precisamos expor, também, os limites deste estudo, pois nosso olhar voltou-se para a

instância regional, para o processo de trabalho no GCR, espaço onde os trabalhadores

encontram-se e trazem as suas visões sobre seus municípios. Foram depoimentos sobre como

é construir esta rede com apoio de uma instância-meio. No entanto, há uma demanda dos

municípios para estudos que evidenciem a EPS localmente, os processos de trabalho nas

equipes ou com a gestão municipal in loco, e, por que não, com o subsídio de uma pesquisa-

intervenção, o que concordamos provocar mudanças em ato, provocar incômodos e reflexões

em ato.

Lançando luz ainda ao vivido nesta experiência de pesquisa, podemos dizer que o

movimento de EPS precisa ser coletivo. Um dos pontos nesta construção foi a gestão estadual

disposta a deflagrar processos de formação participativos que se mostraram como caminho

aberto e seguro, de forma que os trabalhadores sentiram a confiança em seu trabalho. A EPS

com apoio da gestão como trilha possível! E a EPS com participação social? Senti muita falta

desse ponto da rede, mais envolvido com as questões da formação; o convite à roda é sempre

muito tímido e hierárquico nos municípios. E a EPS com participação de usuários pode ser

uma trilha também possível!

A EPS construída pela formação e atenção, outros dois pontos de reforço dos

processos formativos, caminham mais juntos no cotidiano. Nessa relação, há de se pensar as

questões de implicação que entremeiam os fios da rede, pois há posturas diversas e

concepções de EPS também diversas, há diposição para estar em coletivo e há inseguranças,

medos e desafios, vistos nesta construção entre atenção, gestão e formação.

Os processos de formação no cotidiano do GCR caminharam com a coexistência de

redes quentes e frias, houve tempos de mobilidade e de paralisação, percebemos, a todo o

tempo, microprocessos de institucionalização; quando as regiões de saúde encontravam-se,

havia escuta e também havia ouvidos cerrados, havia também curiosidade em viver uma nova

forma de fazer gestão, de fazer saúde. Esse território abriga muitas potencialidades-

fragilidades que merecem olhar atento, como os comitês de investigação de mortalidade

materno infantil, os Grupos Condutores Municipais da Rede Cegonha que atuam ou que estão

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em formação a nível local, a Política da Rede Cegonha sendo implementada por aqueles que

vivem o GCR, os projetos de EPS sob coordenação da CIR e CIES, os grupos de apoio

institucional, os grupos de humanização, os trabalhadores implicados com a saúde da mulher

e da criança. Tudo isso move e paralisa, de tempos em tempos, uma dinâmica que, a seu

tempo, provoca mudanças e que também se repete e, por isso, merece olhar atento, merece

reflexão e ação. Diante da Rede-rizoma que se configura com seus pontos de conexão

instáveis cada vez mais afinados, será possível permitir que o encontro fortaleça seus projetos

e desejos de menos mortes maternas e infantis e de um atendimento mais humanizado e

integral, o que se desenha como possibilidades para novos estudos e investigações potentes.

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__________________________________ Referências

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Referências_____________________________________________________________________ 148

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APÊNDICE

APÊNDICE A

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Prezado(a)Sr(a):

Estamos convidando o(a) senhor (a) a participar da pesquisa O processo de implantação da Rede Cegonha no DRS III de Araraquara: a atenção básica como ordenadora da atenção, sob a responsabilidade de pesquisadores da USP, UFSCar e DRS III de Araraquara.

A pesquisa tem por objetivo acompanhar e analisar o processo de implantação das redes de atenção à saúde materno infantil no DRS III de Araraquara, tendo a atenção básica como ordenadora da atenção.

Caso concorde, sua participação inicia permitindo a inclusão de dois ou três pesquisadores no grupo condutor regional, do qual o(a) senhor(a) faz parte, e que é responsável pela implantação da rede de atenção materno infantil no âmbito da região de saúde a qual seu município pertence. Dentre os pesquisadores não estarão presentes os pesquisadores da DRS III, evitando constrangimento devido a relação de autoridade. A presença dos pesquisadores neste grupo de trabalho fará com que todos os participantes produzam juntos estratégias para o processo de implantação e a isso damos o nome de pesquisa-intervenção. Estão previstos no período de doze meses, dez encontros deste grupo de trabalho com a participação dos pesquisadores. O local dos encontros será a própria DRS III de Araraquara, onde habitualmente estes acontecem. A duração dos encontros será de cerca de duas a três horas, de acordo com programação previamente divulgada pelo DRS III. Os encontros serão gravados em mídia digital para transcrição em outro momento e os pesquisadores farão anotações em cadernos durante a reunião. Todo esse material registrado estará a sua disposição no momento em que desejar e serão destruídos após o uso na pesquisa.

As informações/ opiniões emitidas pelo(a) senhor(a) serão tratadas de forma anônima no conjunto das demais pessoas que participarem do estudo. Ainda, a qualquer momento da realização da pesquisa, caso não seja de seu interesse a continuidade na participação, haverá possibilidade de retirar este consentimento, e deixar de participar do estudo, sem que isto lhe traga qualquer prejuízo. Ressaltamos que durante a participação o(a) senhor(a) terá como possível risco, o desconforto ao se deparar com situações difíceis do seu trabalho e ter que analisá-las com os demais participantes, podendo por vezes identificar lacunas em seus conhecimentos e habilidades para realizá-lo. Outro desconforto ao qual estará exposto(a) será o de expressar sua opinião e também ouvir os presentes no grupo, o que poderá causar tensões, especialmente se houver diferenças de opiniões entre os participantes. Em caso de desconforto, solicitamos preferencialmente que o manifeste no próprio grupo, pois esse desconforto poderá ser também de outros participantes, e assim o problema ou dificuldade poderá ter uma solução no próprio grupo, ou seja, os pesquisadores utilizarão estratégias de mediação para a superação das dificuldades identificadas, amenizando os possíveis desconfortos e também promoverão atualização de conhecimentos identificados como necessários. Ou, sugerimos que o manifeste particularmente ao pesquisador que estiver presente no encontro, ou ainda, à coordenadora da pesquisa através dos telefones abaixo indicados, para as devidas providências.

A participação na pesquisa lhe proporcionará benefícios através da vivência grupal com uso de algumas ferramentas que facilitam o trabalho, tais como o diálogo, comunicação e enfrentamento de obstáculos. O(A) senhor(a) poderá se apropriar de conceitos e instrumentos de

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trabalho a serem construídos pelo grupo para implantação e implementação da Rede Cegonha na sua região de saúde, facilitando também o trabalho em seu município de origem. Indiretamente, sua participação contribuirá com a produção de conhecimento sobre o processo de constituição de redes de atenção à saúde no SUS.

Os resultados da pesquisa serão divulgados em eventos científicos como congressos, publicação em revistas científicas e para os trabalhadores da DRS III de Araraquara e dos municípios de sua área de abrangência.

Se o(a) Sr(a) aceitar o convite para participar da pesquisa, esclarecemos que não está previsto pagamento por esta participação, também não haverá nenhuma despesa financeira.

Caso ocorra algum dano decorrente de sua participação nessa pesquisa, poderá haver indenização conforme as leis vigentes no país.

Caso tenha qualquer dúvida, a qualquer momento, o(a) Sr(a) poderá ser esclarecido(a) diretamente com os pesquisadores responsáveis. Para comunicar-se com os pesquisadores o(a) Sr(a) poderá fazê-lo pelos telefones (016) 3602-3391 – EERP-USP ou (016) 981731846, Profa. Dra. Silvia Matumoto; (016) 33518111 – UFSCAr, Profa. Dra. Marcia Niituma Ogata; (016) 3301-1868– DRS III de Araraquara, Sra. Monica Vilchez da Silva e solicitar para falar com os pesquisadores. Caso concorde em participar, uma via deste termo de consentimento assinada será entregue ao o(a) Sr(a). Esclarecemos que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, Protocolo nº . Caso tenha necessidade, poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da EERP-USP, pelo telefone (016) 36023386, nos dias úteis, das 8:00 às 17:00 horas.

Agradecemos sua colaboração e ressaltamos a importância de sua participação nesta pesquisa para produção de conhecimentos em saúde.

Profa. Dra. Silvia Matumoto

Coordenadora da

Pesquisa Professor doutor junto ao Departamento de Enfermagem Materno Infantil e

Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP Contatos: (16) 3602-3476 ou (016) 3602-3391 ou (016) 981731846

Av. Bandeirantes, 3900. Campus USP. Bairro Monte Alegre. Ribeirão Preto-SP

[email protected]

u , aceito participar da pesquisa O processo de implantação das redes de atenção à saúde materno infantil no DRS III de Araraquara: a atenção básica como ordenadora da atenção em rede.

Ribeirão Preto, de de 2014.

Assinatura do participante

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______________________________________ Anexos

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Anexos ________________________________________________________________________ 153

ANEXOS

ANEXO A

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Anexos ________________________________________________________________________ 154

ANEXO B