loïc wacquant

5/28/2018 Loc Wacquant

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Loc Wacquant

Professor de Sociologia. Pesquisador Associado no Earl Warren Legal Institute, University of

California at Berkeley, USA. Pesquisador no Centre de Sociologie Europenne du Collge de

France.

rea do Direito:

Geral

Sumrio:

- 1. Uma Amrica "supercriminal" hoje pacificada e ultrapassada pela Frana - 2. Tanto em

Nova York como alhures foi a polcia que fez dissolver a criminalidade - 3. Detrs da

"tolerncia zero", a reorganizao burocrtica - 4. Da "janela quebrada" aos "colhes

quebrados"

Resumo: O autor analisa as causas do propalado pnico sobre o crescimento da criminalidade,

pela desmistificao de quatro "mitos sobre segurana" originados nos Estados Unidos: 1. a

caracterstica historicamente "supercriminal" desse pas, hoje pacificado pela aplicao da

poltica de "tolerncia zero", e que teria sido ultrapassado pela Frana; 2. a polcia como causa

fundamental para a queda da criminalidade, em Nova Iorque e no mundo; 3. a reorganizao

burocrtica da polcia por trs da poltica de "tolerncia zero"; 4. a "janela quebrada" e o"quebra-colhes": os mitos da restaurao da ordem e da fuga dos bandidos como condio da

segurana pblica. Esse grau de mistificao gera to apenas a no-responsabilizao social e

econmica do Estado.

Palavras-chave: Criminologia - Teoria da janela quebrada - Segurana pblica -

Criminalidade - Poltica de "tolerncia zero" - Polcia - Violncia urbana - Estados Unidos -

Frana.

O pnico moral que grassa h alguns anos por toda a Europa, em torno das "violncias

urbanas" e da "delinqncia juvenil", que ameaariam a integridade das sociedades avanadas

e clamariam em retorno respostas penais severas, transformou-se, nos ltimos meses na

Frana, em verdadeirapornografia securitria, constituindo em espetculo miditico lrido e

em permanente teatro moral os dramas cotidianos da "insegurana". A encenao poltica da

"segurana", doravante compreendida em sua estrita acepo criminal - reduzindo-se o

"crime" propriamente dito somente delinqncia de rua, ou seja, no fim das contas, s

torpezas das classes populares -, tem por primeira funo permitir aos lderes, no exerccio de


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seus cargos ou aspirantes, reafirmarem adequadamente a capacidade de ao do Estado

enquanto, abraando os dogmas do neoliberalismo, pregam unanimemente sua impotncia em

matria econmica e social.1A canonizao do "direito segurana" o correlato e o tapa-

sexo do abandono do direito ao trabalho, inscrito na Constituio, mas a cada dia

achincalhado, de um lado, pela perenidade do desemprego macio no mago da prosperidade

nacional e, de outro, pelo aumento do precrio assalariamento que nega toda segurana de

vida queles, cada vez mais numerosos, a ele condenados. *

No que se refere aos grandes canais de televiso, o jornal das 20 horas transmudou-se

em crnica dos noticirios judiciais, que parecem subitamente formigar e ameaar em toda

parte; l, um professor pedfilo; aqui, uma criana assassinada; mais adiante, um nibus

depredado. Os programas especiais se multiplicam nos horrios nobres, como esta edio de

"a peut vous arriver",NT1 a qual, sob a rubrica das "violncias escolares", desfia a trgica

histria de um guri que se suicidou aps uma chantagem, molecagem de ptio de escola

primria, caso totalmente aberrante mas prontamente erigido a paradigma para as

necessidades da audincia.2As revistas semanais regurgitam reportagens que revelam "as

verdadeiras cifras", as "notcias secretas" e outros "relatrios exclusivos" sobre a

delinqncia, em que o sensacionalismo compete com o moralismo, sem esquecer-se de

entabular periodicamente a pavorosa cartografia dos "bairros proibidos" e de debulhar os"conselhos prticos" indispensveis para fazer face aos perigos decretados, onipresentes e

multiformes.3Em toda parte, ruminada sem cessar a lancinante queixa sobre a inao das

autoridades, a impercia da justia e a indignao medrosa ou exagerada das pessoas de bem.

O governo multiplica as medidas de ostentao repressiva, sendo que seus membros mais

obtusos no podem ignorar que elas no exercem nenhum poder sobre os problemas que

supem tratar - eis um exemplo que beira a caricatura: a aquisio ruinosa de um colete

prova de balaspara cada guarda e policialda Frana, ao passo que 97% deles jamais travamcontato com o menor malfeitor armado durante toda a sua carreira e que o nmero de policiais

mortos no exerccio de suas funes diminuiu pela metade em dez anos. A oposio de direita

por sua vez promete, sobre todos os assuntos, fazer a mesma coisa, mas de modo mais rpido,

mais forte e mais firme. Todos os candidatos aos cargos eletivos, exceto os representantes da

esquerda no-governamental e dos Verdes, promoveram a "segurana" condio de

prioridade absoluta da ao pblica, para propor a toque de caixa as mesmas solues

primitivas e punitivas: intensificao da atividade policial; foco sobre os "jovens"

(compreenda-se, de origem operria imigrante), os "reincidentes" e os assim chamados

"ncleos duros" de criminosos das "periferias" (o que exclui comodamente a criminalidade de
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colarinho branco ou de echarpe tricolorNT2); acelerao dos procedimentos judiciais;

endurecimento das penas; extenso do recurso deteno, inclusive para os menores,

exatamente no momento em que est amplamente demonstrado que o encarceramento

eminentemente crimingeno. E, como condio para isso, eles reclamam em unssono o

incremento sem freios dos meios consagrados manuteno da ordem social pela fora. No

antes de o chefe de Estado, delinqente plurirreincidente, responsvel pela pilhagem

organizada de centenas de milhes de francos, despindo-se de toda a vergonha, ousar

conclamar "impunidade zero" com relao s infraes benignas nos bairros deserdados

cujos moradores, justamente, o alcunharam "superladro", em referncia aos mltiplos casos

em que ele est diretamente implicado.

Mas essa nova figura poltico-discursiva da "segurana", que em todos os grandes

pases da Europa reconcilia a direita mais reacionria com a esquerda no governo, no se

contenta em reiterar o "velho mito persistente e indestrutvel" das sociedades modernas

mostrado por Jean Claude Chesnais, em suaHistria da violncia no Ocidente de 1800 a

nossos dias,4que retrata com constncia as violncias do momento como um fenmeno,

decerto oriundo de uma longa evoluo, mas totalmente indito e intrinsecamente

urbano.5Ela tem isto de original: extrai o essencial de sua fora de imposio dessas duas

potncias simblicas contemporneas que so a cincia e a Amrica - e, melhor ainda, de seucruzamento, a cincia americana aplicada realidade americana.

Do mesmo modo que a viso neoliberal em economia se apia sobre os modelos de

equilbrio dinmico construdos pela cincia econmica ortodoxa made in USA, pas que

detm um quase-monoplio sobre os prmios Nobel nessa disciplina, a vulgata sobre

segurana desta virada de sculo se apresenta sob a exteriorizao de um discurso cientfico

que pretende colocar a "teoria criminolgica" mais avanada a servio de uma poltica

decididamente "racional", portanto ideologicamente neutra e finalmente indiscutvel, j queguiada por puras consideraes de eficcia e eficincia. E, assim como a poltica de

submisso generalizada ao mercado, ela provm diretamente dos Estados Unidos, que se

tornaram, aps a derrocada brutal do imprio sovitico, a sociedade-farol da humanidade, a

nica da histria dotada dos meios materiais e simblicos para converter suas particularidades

histricas em ideal trans-histrico e de alcan-lo, transformando por toda parte a realidade

sua imagem.6Assim, para Nova York que os polticos franceses (mas tambm ingleses,

italianos, espanhis e alemesNT3), de direita e de esquerda, se dirigiram como um nico

homem em peregrinao nos ltimos anos, a fim de expressar sua determinao revisitada em

abater o flagelo da criminalidade de rua e de iniciar-se, para isso, nos conceitos e medidas
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colocados em funcionamento pelas autoridades norte-americanas.7Apoiada na cincia e

poltica do crime control vivenciada na Amrica, o pensamento nico sobre segurana que

reina doravante sobre o conjunto dos pases de primeiro e mesmo de segundo mundo se

apresenta sob a forma de um encadeamento de "mitos de saber", isto , um esboo de

proposies que confundem "dois princpios de coerncia: uma coerncia proclamada, de

porte cientfico, que se afirma pela multiplicao dos sinais exteriores da cientificidade, e uma

coerncia escondida, mtica em seu princpio"8Pode-se examinar sua trama e debulhar seus

mecanismos em quatro movimentos.

1. Uma Amrica "supercriminal" hoje pacificada e ultrapassada pela Frana

Segundo esse primeiro mito miditico-poltico, os Estados Unidos eram, at

recentemente, devastados por taxas astronmicas de criminalidade, mas eles teriam, graas a

suas severas inovaes policiais e penais desses ltimos anos, "resolvido" a equao do crime,

a exemplo de Nova York. No mesmo perodo de tempo, por laxismo, as sociedades da velha

Europa se teriam deixado abocanhar pela espiral infernal das "violncias urbanas", que as

levou a sofrer de uma criminalidade endmica e descontrolada, ao modo americano. assim

que esse autoproclamado especialista sobre a questo, Alain Bauer, diretor-presidenteNT4da

"Alain Bauer Associates", firma de "consultoria em segurana", e acessoriamente influenteconselheiro de ministros socialistas e grande-mestre do Grande Oriente,NT5pde anunciar

com estardalhao em um jornal que, em seguida ao "cruzamento histrico de curvas" entre os

dois pases em 2000, "a Frana mais crimingena que os Estados Unidos".9

Essa espantosa "revelao", logo propagada por todos os meios de comunicao

estabelecidos (AFP, France-Info, TF1 etc.), demonstra que, em tema de insegurana, pode-se

dizer tudo e qualquer coisa e ser levado a srio, desde que se entoe o refro catastrfico e

repressivo da moda. De fato, est estabelecido h uma boa dcada, graas InternationalCrime Victimization Survey (ICVS),10que os Estados Unidos possuem taxas de criminalidade

inteiramente comuns quando calculadas sobre a incidncia da vitimizao - e no sobre

estatsticas da criminalidade declarada junto s autoridades, que no so colacionadas de

maneira similar entre os pases, e com relao s quais todos os "especialistas" dignos do

nome sabem que elas medem melhor a atividade da polcia do que a dos delinqentes. As

taxas norte-americanas so h muito tempo comparveis, e at geralmente inferiores, quelas

de vrias outras sociedades avanadas, exceo, notvel e perfeitamente explicvel, dos

homicdios. Assim, entre os onze pases ps-industrializados cobertos pela ICVS em 1995, ou

seja, antes do desdobramento da "tolerncia zero" para alm do Atlntico, a Amrica chegava
https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n7https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n7https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n8https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n8https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n9https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n9https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n9https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n10https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n10https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMDAwMDAwJmFtcDtzcG9zPTEyJmFtcDtlcG9zPTEyJmFtcDt0ZD0xMDQmYW1wO2NvbnRleHQ9MyZhbXA7c3RhcnRDaHVuaz0xJmFtcDtlbmRDaHVuaz0x#DTR.2004.15-n10https://academicos.uniritter.edu.br/outrosServicos/index.php?q=aHR0cDovL3JldmlzdGFkb3N0cmlidW5haXMuY29tLmJyL21hZi9hcHAvcmVzdWx0TGlzdC9kb2N1bWVudD8mYW1wO3NyYz1ybCZhbXA7c3JndWlkPWkwYWQ2MDA3OTAwMDAwMTQ1MDY0MzcwNTc4ODcwOTJlMiZhbXA7ZG9jZ3VpZD1JZDBjYTBlZTBmMjUxMTFkZmFiNmYwMTAwMDAwMDAwMDAmYW1wO2hpdGd1aWQ9SWQwY2EwZWUwZjI1MTExZGZhYjZmMDEwMDAwMD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em segundo lugar, atrs da Inglaterra, para os furtos de veculos e os roubos, bem como para

as leses corporais; em terceiro, ex aequo com a Frana, bem atrs do Canad e da Inglaterra,

no que diz respeito a assaltos;NT6 em stimo, a reboque da Sua, da ustria e da Holanda,

entre outros, no que se refere aos atentados sexuais; e decididamente na rabeira do peloto

(nono) quanto incidncia dos furtos simples, com metade da taxa dos Pases-Baixos. No

total, um ndice combinado de vitimizao alcanando onze infraes colocava os Estados

Unidos de 1995 em stima posio (com 24,2 atentados por 100.000 habitantes), nitidamente

atrs da Holanda (31,5) e da Inglaterra (30,9), como tambm atrs da Sua, Canad e Frana

(quinta, com 25,3).11Os pases menos "crimingenos" eram, e com uma boa vantagem, a

Irlanda (16,9) e a ustria (18,9). Contudo, para Nova York, e no para Dublin ou Viena, que

os polticos e os novos especialistas em criminalidade de toda a Europa se precipitam em

busca do Graal da segurana.

Somente sua formidvel taxa de homicdios distingue os Estados Unidos dos pases da

Europa ocidental: com 10 homicdios por 100.000 habitantes no incio da dcada passada e 6

por 100.000 hoje, essa taxa permanece seis vezes superior s da Frana, Alemanha ou

Inglaterra. por isso que os juristas Franklin Zimring e Gordon Hawkins intitularam sua obra

cannica sobre a questo criminal alm do Atlntico, Crime is not the problem: lethal

violence in America:12

a Amrica apresenta um problema absolutamente especfico deviolncia mortal por armas de fogo, fortemente concentrado nos guetos urbanos, ligada, de

um lado, livre posse e circulao de cerca de 200 milhes de fuzis e pistolas (4 milhes de

americanos portam uma consigo no dia-a-dia e metade das famlias detm a posse em casa) e,

de outro, fraqueza do Estado social, segregao racial rgida e ao enraizamento profundo

da economia ilegal da rua nos bairros deserdados das metrpoles.13

Se a Amrica no a sociedade "supercriminal" que se cr ordinariamente, a curva da

criminalidade violenta na Frana e mais amplamente na Europa tampouco as aproxima dopadro norte-americano, dominado pela violncia letal. De fato, a taxa de homicdio (e de

tentativas de homicdio) no hexgonoNT7 declinouem um quinto durante a ltima dcada,

passando de 4,5 por 100.000 habitantes em 1990 a 3,6 em 2000. No h dvida de que as

leses corporais voluntrias aumentaram notavelmente nos ltimos anos, mas, longe de afligir

a "todos e em toda parte", as violncias contra as pessoas permanecem muito concentradas no

seio da populao jovem de origem operria, e so geralmente benignas: as "agresses"

notificadas s autoridades so exclusivamente verbais em metade dos casos, e implicam

ferimentos em apenas um caso em quatro (e hospitalizao ou suspenso de trabalho num

caso em vinte). Quanto aos assaltos e furtos em e de veculos, eles vm diminuindo
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regularmente desde 1993.14Afirmar, portanto, que a Amrica era "supercriminal", mas agora

no mais o desde o advento da "tolerncia zero", enquanto a Frana se torna "supercriminal"

(entenda-se: porque ela no soube importar urgentemente essa medida), no pertence esfera

da tese criminolgica, mas da futilidade ideolgica.15

2. Tanto em Nova York como alhures foi a polcia que fez dissolver a criminalidade

Um recente relatrio doManhattan Institute, grande promotor da "limpeza de classe"

das ruas e centro nevrlgico da campanha mundial de penalizao da misria, afirma com

nfase:16a baixa contnua da estatstica criminal nos Estados Unidos ao longo dos oito

ltimos anos seria devida ao enrgica e inovadora das foras da ordem, depois que estas

se houvessem enfim liberado dos tabus ideolgicos e das amarras jurdicas que as

acorrentavam at ento, e cujo paradigma oferecido pela espetacular reviravolta na situao,

operada em Nova York pelo Prefeito republicano Rudolph Giuliani, sob o cajado de seus

chefes-policiais William Bratton e William Safir. Mas eis que a, tambm, os fatos so mais

obstinados do que a ideologia, e todos os estudos cientficos convergem para concluir que a

polcia no exerceu o papel motor e maior, que os partidrios da gesto penal da insegurana

social lhe conferem por petitio principii, longe disso.

Primeira prova disso que a baixa da violncia criminal em Nova York foi declaradatrs anos antes de Giuliani aceder ao poder, no fim de 1993, e ela seguiu a mesma tendncia

depois que ele se instalou na Gracie Mansion. E mais: a taxa de homicdios cometidos sem

arma de fogo nessa cidade diminui lentamente, mas com regularidade, desde 1979; apenas os

homicdios por meio de balas diminuram fortemente desde 1990, aps terem alado vo entre

1985 e 1990, em razo da difuso do comrcio de crack; e nenhuma dessas duas curvas

apresenta particular inflexo sob o governo de Giuliani.17Segunda prova: o refluxo da

criminalidade violenta igualmente ntido nas cidades que no aplicam a poltica nova-iorquina de "tolerncia zero", incluindo aquelas que optaram por uma aproximao

diametralmente oposta, como Boston, San Francisco ou San Diego - em que a polcia, dita "de

resoluo de problemas", se ocupa em estabelecer relaes contnuas com os moradores,

preferindo-se prevenir os atentados a trat-los ex post pela excessiva represso penal.18Em

San Francisco, uma poltica sistemtica de "diverso" dos jovens delinqentes para programas

de formao, de aconselhamento e de tratamento social e mdico permitiu reduzir o nmero

de entradas em delegacias em mais da metade, diminuindo, ao mesmo tempo, a criminalidade

violenta em 33% entre 1995 e 1999 (contra 26% em Nova York, onde o volume dos aceitos

em deteno aumentou em um tero no mesmo intervalo). Terceira prova: Nova York j havia
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colocado em funcionamento, entre 1984-87, uma poltica de conservao da ordem exigente e

agressiva, similar praticada aps 1993, sob o nome de Operation Pressure Point,NT8que se

fez seguir por... um aumento pronunciado de violncias criminais e notavelmente de

homicdios.19Da resulta que, contrariamente s afirmaes dos promotores e importadores do

"modelo Bratton", a estratgia policial adotada por Nova York durante a dcada de 90 no

nem necessria nem suficiente para explicar a queda da criminalidade nessa cidade.

Seis fatores, todos independentes da atividade da polcia e da justia, combinaram-se

para reduzir fortemente a incidncia dos ataques violentos nas metrpoles dos Estados

Unidos. Inicialmente, oflorescente crescimento econmico, sem precedentes na histria

nacional por sua amplitude e durao, deu trabalho e trouxe renda a milhes de jovens at

ento condenados inatividade ou ao business ilegal, inclusive nos guetos e barrios onde o

desemprego recuou nitidamente20-e nem por isso ceifou a misria pandmica, pois a maioria

desses empregos permanecem precrios e subpagos: a taxa oficial de pobreza em Nova York

permaneceu inalterada, em 20%, durante toda a dcada de 90. Em seguida, os efetivos de

classes jovens (de 18 a 24 anos, principalmente) foram diminudos, o que se traduziu quase

mecanicamente em uma baixa da criminalidade de rua, pois so essas faixas etrias, sempre e

por toda parte, as mais propensas s infraes violentas; esse fator demogrfico d conta, por

si s, da dcima parte, pelo menos, da baixa dos atentados contra pessoas no perodoconsiderado.21O terceiro fator a dupla transformao da economia da droga: de incio, o

comrcio macio do crack nos bairros deserdados se estruturou e se estabilizou, ainda que o

recurso violncia como instrumento de regulao da competio entre gangues rivais tenha

recuado bruscamente; em seguida, o crack perdeu os favores dos consumidores, que se

voltaram para outros estupefacientes, como a marijuana (consumida sob a forma de cigarro

chamado blunt), a herona e as metanfetaminas, cujo trfico gera menos extorses, por ser

produto de revendedores no varejo, operando antes no seio de redes de interconhecimento doque pelo vis de trocas annimas em lugares pblicos.22

Mas as causas econmica e demogrfica no so as nicas a atuar e preciso dar

lugar, entre as foras que amputaram o crime nos Estados Unidos, a um efeito de

aprendizado, em virtude do qual as novas geraes de jovens nascidos aps 1975 se afastaram

das drogas pesadas e do estilo de vida perigoso que lhes associado, pela recusa em sucumbir

ao destino macabro que eles viram se abater sobre irmos, primos e amigos, cados no front

da "guerra das ruas" do fim dos anos 80: toxicomania incontrolvel, recluso criminal, morte

violenta e prematura.23Do testemunho disso as "trevas" e "tratados de paz" assinados pelas

gangues que controlam os territrios relegados de Los Angeles, Chicago, Detroit e Boston no
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incio dos anos 90, e que reduziram fortemente o nmero de homicdios de homens jovens e

pobres. Por seu lado, as organizaes situadas no seio das zonas de relegao das cidades

norte-americanas, igrejas, escolas, associaes diversas, clubes de bairro, grupos de mes de

crianas vtimas de chacinas de rua (tais como a "MAD", Mothers Against Drugs, em

Chicago, e "Mothers ROC", Mothers Reclaiming Our Children, em Los

Angeles)24mobilizaram-se e ativaram, por todos os lugares em que ainda podiam, sua

capacidade de controle social informal. Suas campanhas de sensibilizao e de preveno,

como a operao Take Back Our Community, organizada pelo Grand Council of Guardians, a

associao de policiais de cor de Nova York, acompanharam e reforaram o movimento de

recuo dos jovens da predatria economia da rua. Sublinhe-se, alis, com Benjamin Bowling,

que as iniciativas coletivas dos moradores dos bairros pobres, com a melhoria da economia,

ocultaram-se por completo no discurso dominante a respeito da queda da criminalidade nos

Estados Unidos, e que elas foram inclusive denegridas com virulncia por Giuliani e

Bratton.25Finalmente, as taxas de violncia criminal divulgadas nos Estados Unidos nos

primrdios da dcada de 90 eram anormalmente elevadas e apresentavam todas as chances de

se orientarem para baixo, em virtude da tendncia estatstica de regresso em direo mdia,

e tanto assim que a combinao dos fatores que a haviam feito saltar fora da norma (tal

como o desenvolvimento inicial do trfico de crack) no podia, por definio, perdurar.A conjuno desses seis fatores basta amplamente para explicar o decrscimo da

criminalidade violenta nos Estados Unidos. Mas o longo e lento tempo da anlise cientfica

no corresponde quele, rpido e descontnuo, da poltica e dos meios de comunicao, e a

mquina de propaganda de Giuliani soube aproveitar o retardo natural da investigao

criminolgica para preencher o vazio de explicaes com seu discurso pr-fabricado sobre a

eficincia da represso policial, exumada como nico remdio para a incria congnita das

classes perigosas. Discurso sedutor, pois estruturado pela tropa da "responsabilidade", eleecoa a temtica individualista e utilitarista conduzida pela ideologia neoliberal hoje

hegemnica. Mas admitamos, para atender s exigncias da demonstrao, que a polcia tenha

efetivamente exercido um impacto notvel sobre a criminalidade de Nova York. A questo

que resta, ento, saber como ela teria produzido esse resultado.

3. Detrs da "tolerncia zero", a reorganizao burocrtica

Segundo a mitologia planetria, difundida pelos think tanksneoliberais e seus

sucedneos nos campos miditico e poltico, a polcia nova-iorquina teria fulminado a hidra

criminal aplicando uma poltica muito particular, chamada de "tolerncia zero", que trata de
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perseguir incessantemente ou sem falha as menores infraes em via pblica. Assim, desde

1993, toda pessoa surpreendida a mendigar ou divagar na cidade, a colocar seu auto-rdio em

volume demasiado alto, a sujar ou pichar a via pblica, ou ainda a transgredir uma simples

regra municipal, deve ser presa e imediatamente levada, mais uma vez, para trs das grades:

"Acabaram os simples boletins de ocorrncia nas delegacias. Se voc urinar na rua, ser

levado priso. Estamos decididos a reparar as 'janelas quebradas' [i.e., as mnimas marcas

exteriores de desordem] e a impedir quem quer que seja de quebr-las novamente". Tal

estratgia, afirma seu chefe William Bratton, "funciona na Amrica" e funcionaria do mesmo

modo "em qualquer cidade do mundo".26

Na verdade, osloganpolicial da "tolerncia zero" - que deu a volta ao mundo,

enquanto, paradoxalmente, j no praticamente mais utilizado nos Estados Unidos em

matria policial, onde at os polticos conservadores o julgam ofensivo: assim, em Nova

York, utiliza-se a expresso, mais polida, polcia de "qualidade de vida" - uma noo-tela

que oculta, pelo prprio fato de amalgam-las, vrias transformaes concorrentes, mas bem

diferentes da manuteno da ordem pblica.27A polcia de Nova York efetivamente levou

adiante (1) uma vasta reestruturao burocrtica mediante a descentralizao dos servios, a

horizontalizao dos nveis hierrquicos, o rejuvenescimento do quadro de pessoal, graas

demisso pura e simples de trs em cada quatro policiais de alto gabarito, e aresponsabilizao direta dos comissrios de bairro, cuja remunerao e adiantamentos

dependem em parte das "cifras" que eles produzem em matria de criminalidade registrada

(da a forte presso para a manipulao das estatsticas, por exemplo, multiplicando-se as

prises falseadas); (2) uma expanso fantstica de seus meios: os efetivos uniformizados

saltaram de 27.000 em 1993 para cerca de 41.000 hoje, ou seja, metade dos policiais da

Frana inteira para apenas oito milhes de habitantes! Esse crescimento do pessoal foi

possvel apenas ao custo do inchao, de 50% em 5 anos, do oramento da polcia, que atingiu3 bilhes de dlares em 2000 (enquanto, ao mesmo tempo, o oramento destinado aos

servios sociais da cidade sofreu corte de 30%);28(3) o desenvolvimento de novas tecnologias

informticas, entre as quais o famoso dispositivo Compstat (sigla de aparncia cientfica, mas

que significa pura e simplesmente computer statistics), sistema de informao eletrnica que

permite seguir em tempo real, para cada zona, a evoluo dos ataques, a fim de mobilizar,

"em fluxo contnuo", os efetivos policiais nos setores atingidos; enfim, (4) uma reviso dos

objetivos e dos procedimentos do conjunto dos servios, conforme esquemas dos gabinetes de

aconselhamento em "engenharia de empresa" e consecuo de aes bem definidas, contra o
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porte de armas, o trfico de entorpecentes em locais pblicos, a violncia conjugal, as

infraes ao cdigo de trnsito etc.

No total, uma burocracia com a reputao de covarde, inexpressiva e passiva,

notoriamente corrompida, e que se acostumou a esperar que as vtimas do crime venham

prestar queixa, para se contentar,grosso modo, em registr-las, com a preocupao constante

de provocar o mnimo possvel de ondas miditicas e judiciais, tornou-se uma verdadeira

"firma" de "segurana" zelada, dotada de meios humanos e materiais colossais, e fortalecida

por uma atitude ofensiva. Atos diplomticos. Mas se essa mutao burocrtica exerceu um

notvel impacto sobre a criminalidade - e ningum at aqui logrou demonstr-lo - esse

impacto em nada se deve ttica de polcia adotada.

4. Da "janela quebrada" aos "colhes quebrados"

O ltimo mito planetrio sobre segurana vindo da Amrica no o menos burlesco.

a idia segundo a qual a poltica de "tolerncia zero", supostamente responsvel pelo sucesso

policial de Nova York, se apoiaria sobre uma teoria criminolgica cientificamente validada, a

famosa "teoria da janela quebrada" (broken-windows theoryNT9). Esta, por sua vez, postula

que a represso imediata e severa das menores infraes e desentendimentos em via pblica

abarca o desencadeamento dos grandes atentados criminais, (r)estabelecendo um clima sadiode ordem29- em outras palavras, que prender ladres de ovos permite frear, ou mesmo

simplesmente parar, os potenciais matadores de bois, pela reafirmao da norma e

dramatizao do respeito lei. Ora, essa autodenominada teoria tudo menos cientfica, pois

foi formulada vinte anos atrs pelo cientista poltico ultraconservador James Q. Wilson e seu

aclito George Kelling (antigo chefe da polcia de Kansas City, reconvertido depois em

Senior fellow no Manhattan Institute), sob a forma de um curto texto de nove pginas

publicado, no em uma revista de criminologia, submetido avaliao de pesquisadorescompetentes, mas no semanrio cultural de grande tiragem Atlantic Monthly (espcie de

cruzamento entre L'Exprs e Marianne).30E que desde ento no recebeu o menor incio de

prova emprica.

Seus partidrios citam sempre, em reforo da "teoria da janela quebrada", o livro do

cientista poltico de Chicago, Wesley Skogan,Disorder and decline, publicado em 1990, que

persegue as causas e avalia os remdios s deslocaes sociais e ecolgicas, a partir de uma

bateria de pesquisas de campo em 40 bairros de seis cidades norte-americanas. Mas essa obra

demonstra que a pobreza e a segregao racial, e no o clima de "desordem urbana", que so

os determinantes mais poderosos da taxa de criminalidade na cidade. Alm disso, suas
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concluses estatsticas foram desde ento invalidadas, em razo do acmulo de erros de

medio e de dados faltantes; e seu prprio autor atribui famosa "janela quebrada" o estatuto

de simples "metfora".31De fato, nenhuma pesquisa concebida para verificar o efeito de

entrave postulado por essa teoria, segundo a qual a supresso das pequenas infraes limitaria

a incidncia das grandes, tais como o estudo de Alberto Reiss sobre Oakland na Califrnia, e

o de Lawrence Sherman sobre Washington, a capital federal, jamais conseguiu coloc-lo em

evidncia. A anlise comparativa dos dados sistemticos verificados em 196 distritos de

Chicago, a partir de entrevistas e de videografia no quotidiano, chegou a estabelecer

conclusivamente que no existe nenhuma relao estatstica entre os ndices visveis de

"desordem" em um bairro e sua taxa de criminalidade ( exceo possvel e parcial do

assalto).32

No fim das contas, argumenta o jurista Bernard Harcourt ao termo de um exame

meticuloso da questo, se a polcia de Nova York contribuiu a baixar a criminalidade, no foi

pelo restabelecimento da civilidade e pela comunicao de uma mensagem de recusa da

impunidade, mas pelo simples fato de ter aumentado maciamente a intensidade da vigilncia

que ela exerce: a cidade de Giuliani contava com 38 agentes para 100.000 habitantes em

1990, contra o dobro dez anos mais tarde, e sua ao recaiu fortemente sobre as populaes e

os bairros deserdados.33

Em suma, a acentuao e a concentrao da represso policial epenal, e no o mecanismo moral de restaurao da norma, postulado pela assim denominada

teoria de Wilson e Kelling, que prestaria contas da eficcia policial no caso (uma vez mais,

hipottico) em que ela houvesse exercido um papel.

Mas h algo ainda mais curioso: a adoo do assdio policial permanente sobre os

pobres no espao pblico pela cidade de Nova York no possui, na opinio de seus

inventores, nenhuma ligao com uma teoria criminolgica qualquer. A famosa "janela

quebrada", de fato, s foi descoberta e invocada pelos oficiais nova-iorquinos a posteriori, afim de envolver, com roupagem racional, medidas populares junto ao eleitorado (em sua

maioria, branco e burgus), mas essencialmente discriminatrias, tanto em seu princpio como

em sua aplicao, e fazer uma volta inovadora ao que apenas retorno a uma velha receita

policial, periodicamente recolocada em funcionamento, e ao gosto do dia. Jack Maple, o

"gnio da luta contra o crime"34e brao direito de Bratton, que foi o iniciador do quality-of-

life policing no metr, antes de estend-lo rua, diz claramente em sua autobiografia,

publicada em 1999, Crime Fighter: "A 'teoria da janela quebrada' (Broken Windows Theory)

mera extenso do que tnhamos o hbito de denominar 'teoria do quebra-colhes' (Breaking

Balls Theory)", oriunda da sabedoria policial ordinria, que estipula que se os tiras perseguem
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com insistncia um notrio malfeitor por pequenos pecados, ele acabar, exaurido da guerra,

por deixar o bairro para ir cometer suas malfeitorias alhures, de modo que a criminalidade

nesse local diminuir. A inovao de Maple consiste em ter "modernizado" essa noo em

"quebra-colhes de luxo" (Breaking Balls Plus), acasalando os controles de identidade a

bancos de dados judiciais, de modo a prender um mximo de bandidos procurados por outros

malfeitos ou j sob a mo da justia, em liberdade vigiada ou em liberdade condicional.35

O mestre-de-obras da poltica policial de Giuliani caoa abertamente daqueles que

crem na existncia de "uma ligao mstica entre os incidentes menores decorrentes da

desordem e os atentados criminais mais graves". A idia de que a polcia poderia baixar a

criminalidade violenta combatendo as incivilidadesNT10parece-lhe "pattico" e ele apresenta

um sem-nmero de exemplos contrrios, tirados de sua experincia profissional em Nova

York e New Orleans. Ele chega a comparar o prefeito que adotasse tal ttica policial a um

mdico que "faria liftingem um canceroso", ou a um caador submarino que apanharia

"golfinhos, antes que tubares". E para que no haja ambigidade, Maple martela: "A 'polcia

de qualidade de vida' no a 'tolerncia zero'". Ao contrrio, porquanto ela implica

exatamente focar a ao policial sobre as categorias presumidamente crimingenas, sob pena

de desperdiar seus recursos em tempo e pessoal de conservao da ordem.36

O arquiteto da "tolerncia zero" rejeita a "teoria da janela quebrada""[Considerando as inmeras] reportagens que do conta de uma queda dramtica da

criminalidade violenta em Nova York, muitos deram crdito noo da 'janela quebrada',

segundo a qual os malfeitores teriam repentinamente redescoberto o bom caminho, porque

eles aspiravam aos ares da civilidade. No assim que isso funciona.

"Os estupradores e os matadores no se dirigem para uma outra cidade quando

constatam que as pichaes desaparecem no metr. Osqueegee man* mdio no se pe a

aceitar contratos para dar cabo de algum, a partir do momento em que ele detecta uma maiortolerncia para sua atividade. Mendigar no se converte em homicdio doloso. (...) A polcia

de 'qualidade de vida' reduz o crime porque permite apanhar os bandidos quando eles esto

fora de servio, como quando um exrcito ataca os avies do adversrio enquanto eles ainda

esto no solo."

Jack Maple, brao direito de Bratton e arquiteto da "polcia de qualidade de vida" em

Nova York (Jack Maple e Chris Mitchell. The crime fighter: how you can make your

community crime-free. New York: Broadway Books, 1999. p. 154-155).
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loïc wacquant

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