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Presidente da República

Fernando Henrique Cardoso

Ministro de Estado da Educação

Paulo Renato Souza

Secretano Executivo

Luciano Oliva Patrício

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Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental

Guia do Usuário do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE/99

Literatura Infanto-juvenil

Brasilia 2001

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IARA GLORÍA AREIAS PRADO Secretaría de Educação Fundamental

WALTER KIYOSHI TAKEMOTO Departamento de Politica da Educação Fundamental

NABIHA GEBRIM Coordenação-Geral de Avaliação de Materiais Didáticos e Pedagógicos

Guia do Usuário do PNBE/99

Histórias e histórias : guia do usuário do Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE 99 : literatura infanto-juvenil. / Secretaria de Educação Fundamen­tal. - Brasilia : MEC; SEF 2001. 268 p.: il.

I. Literatura infanto-juvenil 2. Guia I. Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE

CDU 82-93

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Homenagem

"A Profª Márcia da Silva Ferreira, que primeiro sonhou com este Guia e que teve de partir antes de ver como ficou parecido com o que ela desejava: um instru­mento de beleza e inspiração para professoras e professores, cuja missão é estimular crianças e adolescentes a participar criativamente da construção de um pais rnais feliz e rnais justo para todos. "

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Programa Nacional Biblioteca da Escola é fiador da importância que este

governo atribui à leitura no projeto de qualificação da educação bra­

sileira.

Já o poeta Castro Alves, há bem rnais de um século, intuiu a fecun­

da relação entre leitura e cidadania ao proclamar a responsabilidade dos líderes

do pais numa política de difusão da leitura: "Semeai livros a mánchelas! Fazei o

povo pensar!" — reivindicava ele.

Mais recentemente, em meados do século XX, o escritor paulista Monteiro

Lobato, impressionado pela biblioteca do Congresso norte-ameriœno, registrou de

forma lapidar que "um país se faz com homens e livros".

Ao enviar, então, às escolas brasileiras o acervo que constitui o PNBE, o Mi­

nistério tem a certeza e a alegria de estar cumprindo seu papel. Está criando

condições para que os educadores de hoje, na esteira de escritores e intelectuais

brasileiros do porte de Castro Alves e Monteiro Lobato, iniciem seus alunos nos

laços tão essenciais que ligam educação de qualidade, leitura e cidadania.

PAULO RENATO SOUZA

Ministro da Educação

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ra uma vez...

...um velho, um saci, um príncipe, um sapo. Eles eram pobres, maus,

bonitos, assustadores, corajosos...

Muitos dos nossos sonhos infantis foram povoados por esses e tantos

outros seres, habitantes de velhos livros, pertencentes a curiosas bibliotecas desde

imemoriais tempos, mas que nos introduziram na dualidade do bem e do mal,

nos mistérios da morte, nos sentimentos de ciúme, inveja, ambição e na magia

do amor invencível, do sonho realizado, da justiça triunfante.

6, assim, muitos dos nossos valores foram adquiridos e confirmados pela

tradição literária presente na vida dos povos do planeta, mesmo antes de existir

comunicação entre eles.

Hoje, em tempos em que a comunicação se dá com espantosa velocidade, a

leitura da literatura infantil continua desempenhando importante papel no pro­

cesso de desenvolvimento da criança, pois conserva seu caráter de experiência

significativa de linguagem, revelação, descoberta e aprofundamento de referenciais

da realidade.

E foi por acreditar nisso que instituimos o Programs Nacional Biblioteca Ja Escola

— PNBE —, que levou belíssimo acervo da literatura infantil e juvenil às escolas

públicas brasileiras e que agora entrega aos professores este Guia que, antes de ser

modelo a reproduzir, é material a ser construido por toda a comunidade escolar.

E, em consonância com os Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais,

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o Programa Nacional Biblioteca Ja Escola reafirma nossa convicção de que a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes neces­sários para o exercicio da cidadania, direito inalienável de todos.

Bom trabalho!

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL FUNDAÇÃO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

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Introdução

CARTAS

Alice no pais das maravilhas

Contos de Andersen

O bordado encantado

O gênio do crime

uma idéia toda azul

A terra dos meninos pelados

Atrás da porta

Os rios morrem de sede

História de Trancoso

Memórias de um cabo de vassoura

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Se as coisas fossem mães

Confusão maior no Reino de Tânger Menor

O fantástico mistério de Feiurinha

O livro das árvores

Mamãe trouxe um lobo para casa!

Mata Atlântica

Menino brinca de boneca?

Plantando uma amizade

Praça das Dores

Oe surpresa em surpresa

Barulho demais

Contos de assombração

O dilema do bicho-pau

A formiguinha e a neve

O rei Gilgamesh

Jornal da Grécia

A lenda da vitória-régia

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María Teresa

Noite de cão

Histórias da velha Totônia

De dois em dois: um passeio pelas Bienais

Ida e volta

Juntos na aldeia

Leonardo

Maria Martins: mistério das formas

O menino poeta

Ou isto ou aquilo

Pinturas: jogos e experiências

Poesia fora da estante

O rei da fome

Coleção Arco-Iris

Meu livro de folclore

Adivinha o quanto te amo

Guilherme Augusto Araújo Fernandes

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O homem que calculava

Sidreu Nuncios. O mensageiro das estrelas

Portinari

O mais belo livro das pirâmides

O povo Pataxó e sua história

Cartão-postal

A cristaleira

Faca afiada

Flauta doce: método de ensino para crianças

Sete contos russos

Strega Nona — a avó feiticeira

Tanto, tanto!

Teatro I — Maria Clara Machado

Travatrovas

Zoom

Brincando com os números

Histórias da Coleção Gato e Rato

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Contos de Grimm

A mãe da mãe da minha mãe

A moeda de ouro que o pato engoliu

O Rei de Quase Tudo

Serafina e a criança que trabalha

Televisão da bicharada

A última flor amarela

Victor e o jacaré

A bruxinha atrapalhada

Berimbau e outros poemas

Bisa Bia, Bisa Bel

A casa da madrinha

A fada que tinha idéias

Menino do rio doce

Noções de coisas

O que fazer? Falando de convivência

Uni Duni e Té

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O velho que trazia a noite

A arca de Noé

A bela e a fera

A lenda do guaraná

A mulher que matou os peixes

A senha do mundo

A última busca de Gilgamesh

A vingança de Ishtar

Coisas de menino

Contos de Perrault

É isso ali

Eu e minha luneta

Fábulas de La Fontaine

A velhinha que dava nome ás coisas

Lucas

Mandiofa e Vou radin ho

O escaravelho do diabo

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Minhas memórias de Lobato

Mitos: o folclore do mestre André

Nó na garganta

O jardim secreto

O sabiá e a girafa

O último dia de brincar

Pé de pilão

Pé de poesia

Picote, o menino de papel

Quem lê com pressa tropeça

Receitas de olhar

Rosalina, a pesquisadora de homens

Somos todos iguais

Um amigo diferente?

Um fotógrafo diferente chamado Debret

Viva o Boi-Bumbá

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O professor — leitor e formador de leitores

Anunciando o acervo

Leitura/leituras, história/historias, histórias de leitura/histórias da leitura.

como história individual, algumas das histórias de leitura começaram nas ruas,

outras na escola, outras em casa.

Flávia, por exemplo, começou a interessar-se por palavras escritas no termi­

nal de ônibus, quando ia com a mãe, que era faxineira, para o outro lado da

cidade. Os ônibus rolavam o nome de seu ponto final e aquelas letrínhas brancas

que ficavam escorrendo na tabuleta escura pareciam uma brincadeira. Quando

estava de bom humor, para distrair sua filha. Filó ia lendo nomes como Vila Espe­rança, Jardim Sagarana, Ponte Terceira.

com Paulo foi diferente. Ele só se ligou em livros e leituras na escola: dona

Rosa, sua professora, levava livros para a aula e lia histórias para os alunos.

Já a história de Francisca tem outro recorte: ela nunca se esqueceu do pai,

que enxugava suas lágrimas de filha caçula em quem os irmãos rnais velhos que­

riam mandar, com a promessa: "Não chora. Chica, não chora que eu te feio uma

história".

Francisca, Paulo e Flávia hoje são professores.

Entre as paredes das classes onde eles dão aula, entre os livros e os alunos,

eles sabem que são figura fundamental na história de cada um de seus alunos.

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E são mesmo.

A história de leitura de cada um de nós, educadores de noje, tem a nossa

idade e contínua se tecendo. como toda história, é uma história ao mesmo tempo

coletiva e individual, de muitos e de cada um.

como parte de uma história coletiva, nossa experiência de professores-

leitores de uma escola que recebeu um belo acervo de livros - os livros do

Programa Nacional Biblioteca da Escola - mescla-se a várias outras histórias.

Mescla-se, por exemplo, à história dos professores de antigamente. No sécu­

lo passado, esperava-se muitas vezes que os professores escrevessem os livros

pelos quais ensinavam, como registra o programa de uma escola carioca de 1809.

Lá se lia que:

(...) pelo que toca à matéria do ensino, [os professores] dita­

rão as suas lições pela gramática que for rnais bem-conceituada,

enquanto não formalizarem alguma de sua própria composição

Mas a história da feitura dos professores-leitores de hoje é também uma

história de censura: articula-se à história das professoras cujas leituras eram con­

troladas pela familia ou pela comunidade, como se lê no romance A normalista, de

Adolfo Caminha. Livro de 1893, a história inclui a cena de uma aula da escola

normal da época, na qual um professor se dirigia às normalistas nos seguintes

termos:

' Cf. Marisa Lajolo e R. Zilberman, A formação da leitura no Brasil São Paulo, Editora Ática, 1996, p. 150.

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- Eu estou certo — dizia o Berredo, convicto - de que as

senhoras não lêem livros obscenos, mas refiro-me a esses roman­

ces sentimentais que as moças geralmente gostam de ler, umas

historíazinhas fúteis de amores galantes, que não significam ab­

solutamente coisa alguma e só servem de transtornar o espirito

às incautas... Aposto eu como quase todas as senhoras conhecem

A dama das Camélias, a Lucíola...

Quase todas conheciam.

—... Entretanto, rigorosamente, são péssimos exemplos.2

Ainda outro elo a ligar nossa história de leitura à dos mestres e mestras que

nos antecederam é recordar o costume de os professores escolherem livros com

os quais presenteavam, ao final do ano, os melhores alunos, como registram algumas ilustrações de livros antigos.

Recebendo o acervo

A presença, em sua escola, do acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola é

razão de festa: você, seus alunos e seus colegas receberam mais de cem livros

novos, bonitos e de alta qualidade, selecionados pela Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil.

Para que a história de leitura dos alunos da escola pública brasileira que hoje

recebe esses livros seja o rnais rica possível, você — como Francisca, como Paulo e

como Flávia — é fundamental. Você, sua história de leitura, os outros educadores

2 Idem, ibidem, p. 285.

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de sua escola, as histórias de lettura deles, as histórias de leitura das comunida­

des de onde eles vieram e as das comunidades onde ensinam.

Resgatar essas histórias e registrá-las é uma boa maneira de dar inicio a um

projeto de leitura que tenha por objetivo uma utilização eficiente e inventiva do

material que chegou à sua escola.

Além dessas histórias, há ainda a história da leitura dos livros que compõem

o acervo: quanto rnais um livro foi lido, rnais densa é a história de suas leituras.

Contos como os de Grimm, de Perrault e de Andersen, por exemplo, ou a história

de Alice no país das maravilhas vêm sendo lidos e ouvidos há muitas e muitas gera­

ções e foram re-escritos nas rnais diferentes linguagens, do desenho animado ao

folheto de cordel. São, assim, histórias com uma história de feitura muito rica.

Os muitos olhos e ouvidos que leram e ouviram a história de Chapeuzinho

Vermelho, por exemplo, foram construindo histórias para a história da menina e do

lobo. Chapeuzinho Vermelho é a história que antigamente era contada ao lado da

lareira em noites de frio, mas também é um texto ao qual se agregou o realismo

de uma época em que lenhadores e caçadores eram figuras do cotidiano; é ainda

uma história que foi contada para metaforizar no lobo os riscos de sedução a que

se expunham meninas ingênuas. E é porque esse conjunto de histórias da história

de Chapeuzinho Vermelho continua latente que sorrimos quando ouvimos João Gilber­

to cantar que "Chapeuzinho de m a i ô ouviu buzina e não parou".

Esses livros falam de diferentes coisas, têm tamanhos diferentes, são escri­

tos em diferentes estilos. Uns têm séculos de idade, outros foram publicados

recentemente. A maior parte é brasileira, mas alguns prosêm de diferentes partes

do mundo. Em suas centenas de páginas, delineia-se uma amostra bem ampla

do que hoje há de melhor para leitura: no acervo encontram-se biografias, livros

de poema, clássicos, lendas, histórias para rir e histórias para chorar, para brincar

e para aprender. São histórias dos muitos brasis que vivem no Brasil: histórias de

indio e de caipira, de branco e de negro, de bicho e de planta; histórias de pai, de

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mãe, de pai novo e de mãe nova, de avô e de avó, e até de bisavó; histórias de

letras e de números, de reis e de fadas, de meninas e de meninos, de professores

e de alunos. Enfim, há de tudo.

Esses livros representam, para algumas escolas, o começo de uma biblioteca

escolar. Para outras, o enriquecimento do acervo já existente. Em qualquer dos

dois casos, você é figura-chave para que, saindo de suas caixas e estantes, esses

livros cheguem ás mãos e aos corações dos alunos. Às mãos e aos corações de seus

alunos.

Hoje se sabe que só se desenvolve o gosto pela leitura a partir de uma apro­

ximação afetiva e significativa dos livros: precisa ser uma aproximação afetiva com

A para ser efetiva com E Também se sabe que a escola é fundamental para essa

aproximação, tanto da criança quanto do jovem. Por isso os alunos precisam viver

na escola as experiências necessárias para que, ao longo da vida, possam recorrer

aos livros e à leitura como fonte de informações, como instrumento de aprendiza­

gem e como forma de lazer.

Ou seja, como você já sabe, a escola não pode contentar-se com uma

leitura mecânica e desestimulante. A escola pode e precisa comprometerse

com muito rnais do que isso. Ela pode e precisa comprometerse com uma

leitura abrangente, critica, inventiva. Só assim estará ensinando seus alunos

a usar a leitura e os livros para viver melhor.

Por isso, a presença desses livros é uma oportunidade imperdível para que

cada escola discuta e estabeleça a posição que a leitura ocupa em seu projeto

pedagógico.

como fazer isso? De diferentes jeitos, alguns dos quais são sugeridos nas

propostas a seguir.

• Organize uma reunião de toda a escola para marear a presença dos livros.

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Nessa reunião, planeje uma discussão com os outros professores sobre a

importância da leitura. A discussão pode ser iniciada, por exemplo, pela

leitura do texto Anunciando o acervo deste documento. Faça cópias do texto e

distribua-as aos professores.3

Nessa reunião, favoreça a familiaridade da escola toda, mas sobretudo dos

professores (e não exclusivamente dos professores de português) com o

acervo que está chegando: leve alguns livros para a reunião e faça-os circular.

comente o titulo de uma obra, a capa de outra, as ilustrações de uma

terceira. Conte um pedaço da história de um livro, ou taça cópias de al­

gum poema do acervo. Enfim, traga os livros, física e metaforicamente,

para a reunião e faça-os o centro das discussões.

Nessa reunião, incentive todos os professores — se forem muitos, divida-os

em grupos - a manusear os livros, prestando atenção à capa e às ilustra­

ções deles, imaginando/antecipando a história. Sugira que os grupos leiam

algumas páginas de alguns livros em diagonal e conversem sobre as expec­

tativas levantadas pelos trechos lidos nessa leitura rápida.

Mostre aos professores que essa reunião está simulando uma das formas

pelas quais livros e leituras circulam fora da escola. A troca de opiniões e

de expectativas sobre livros, a atenção à capa, ao titulo e ao autor do livro,

o intercâmbio de informações relativas a esses aspectos são maneiras de

selecionarmos obras para a leitura e de trazermos as leituras que fazemos

para a nossa vida.

Não encerre a reunião sem incentivar professores, orientadores, bibliote­

cários, coordenadores - enfim, todos os profissionais envolvidos com o

3 Se quiser ampliar e variar o repertório de textos a partir dos quais se fará a discussão, recorra à bibliografía

final: em qualquer dos livros la indicados, você encontrará textos instigantes e acessíveis para uma discussão

sobre leitura.

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dia-a-dia do ensino — a ler alguns livros do acervo e a trocar impressões de

leitura, assim como se faz com capítulos de novela e com filmes. Será

ótimo que essas discussões motivem outros colegas a também ler e trazer

suas opiniões.

com tais atividades, a comunidade escolar estará se familiarizando coletiva­

mente com o material em cuja leitura deverá iniciar os alunos.

comemore! com uma reunião como esta, sua escola está tomando posse

efetiva dos livros que recebeu!

Trazendo o acervo para o dia-a-dia da escola

Os livros precisam ficar em algum lugar da escola ao qual toda a comunida­

de escolar tenha fácil acesso, segundo as regras que para isso forem estabelecidas

pela própria comunidade.

O Manual Básico Ja Biblioteca Ja Escola, do MEC, contém as informações neces­

sárias para a organização adequada de um espaço dedicado aos livros e á leitura.

Na medida do possível, envolva os alunos na organização do espaço para os livros,

nos cuidados com eles, na dinâmica do empréstimo e da devolução.

uma vez que os livros Já estejam alojados em sua escola e que já tenha sido

estabelecida a maneira pela qual se organizará o acesso a eles, è preciso manter

viva, ao longo do ano letivo, a atenção de toda a comunidade escolar para a

importância que a leitura precisa ter no projeto da escola.

Essa importância manifesta-se, por exemplo, na previsão de atividades es­

pecificas de leitura em todas as classes, ao longo de todo o ano. Tais atividades

precisam fazer parte do planejamento escolar, isto é, precisam ser agendadas

com antecedência para cada classe, para que todos se preparem e os livros do

acervo possam circular de forma harmoniosa nas diferentes turmas.

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A importância da lettura no projeto da escola, entretanto, traduz-se ainda na

previsão de atividades que, em diferentes momentos do ano letivo, reúnam todos

os professores da escola, criando situações e espaços para que a escola leia, troque

experiências de leitura, intercambie diferentes maneiras de levar os livros para as

aulas, avalie os resultados e reorganize os projetos.

Organize eventos nos quais professores, orientadores, bibliotecários, coorde­

nadores e demais profissionais do ensino dividam com a comunidade escolar

(mas não só escolar) suas histórias de leitura. como fazer isso?

De muitos e diferentes jeitos, alguns dos quais são descritos nas propostas

seguintes.

• Organize um Dia da Leitura ao longo do qual diferentes membros da comu­

nidade escolar contem suas histórias de leitura.

Veja como a professora paulista Sydnéa Meyer e o francés João Paulo contam o

inicio de suas histórias de leitura. Em comum, em ambas as histórias, encon­

tram-se a simplicidade do começo e a presença de adultos solidários nos esforços

de leitura da criança, ou fornecedores de modelos de leitura:

Conta Sydnéa:

Meu pai tinha uma Bíblia que ga­

nhou na igreja. Todo dia, bem cedinho,

acordava a gente, abria a Bíblia ao aca­

so e lia pra gente o pedaço em que caia.

Dizia pra gente decorar, porque o que

estava escrito ali ajudava a gente a vi­

ver aquele dia. Eu queria muito apren­

der a ler para poder ler aquele livrão

que ensinava a viver. Meu pai morreu

Conta João Paulo:

comecei minha vida como hei de

acabá-la, sem dúvida: em meio aos li­

vros. No escritório de meu avô, havia-

os por toda parte; era proibido espaná-

los, exceto uma vez por ano antes do

reinicio das aulas em outubro. (...) meu

avô - tão canhestro, habitualmente,

que minha mãe lhe abotoava as luvas

— manejava esses objetos culturais

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antes de eu ir para a escola. Mas quan­

do a prendi a ler, fui pegar a Bíblia que

ninguém mais lia e tentei ler como

meu pai. Era superdificiI. Meus irmãos

riam de mim. Eu não entendia, tinha

um monte de palavras difíceis. Mas eu

ia lendo. Ai uma vizinha me mostrou

o Livro dos Provérbios e os Evangelhos.

Ai a leitura foi ficando mais fácil. Os

provérbios eram mais curtos, e os Evan­

gelhos tinham histórias do tempo de

Jesus. Eu já conhecia algumas dessas

histórias. Depois parei de ler a Bíblia.

Mas foi ela que me ensinou a ler.

com destreza de oficiante. Eu o vi mi­

lhares de vezes levantar-se com um ar

ausente, contornara mesa, atravessar

o aposento com duas pernadas, apa­

nhar um volume sem hesitar, sem se

dar o tempo de escolher, folheá-lo, en­

quanto voltava à poltrona com um

movimento combinado do polegar e do

indice, e depois, tão logo sentado, abrilo

com um golpe seco "na página certa",

fazendo-o estalar como um sapato. (...)

No quarto de minha avó, os livros fica­

vam deitados; tomava-os de emprés­

timo a uma biblioteca circulante e nun­

ca cheguei a ver mais do que dois ao

mesmo tempo. (...) após escolher um

deles, instalava-se perto da janela, sua

bergère de orelheiras, punha os óculos,

suspirava de ventura e lassitude, bai­

xava as pálpebras com um fino sorriso

voluptuoso que vim a encontrar depois

nos lábios da Gioconda (...).

Crie condições para registrar as histórias contadas: dê um jeito de gravar

a atividade para poder posteriormente recuperar as histórias. Transcre-

vendo-as, sua escola dispora de um material precioso para iniciara escrita

da história de leitura da escola.

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• Organize em outro momento (talvez um mes depois do Dia da Leitura) um

Dia Ja História de Nossas Leituras, no qual professores e outros profissionais de

educação da escola alternem, com pessoas da comunidade, o relato de

suas experiências de leitura em torno de um ou de alguns livros do acervo

(alguns trechos das cartas de Abrindo, lendo e escrevendo os liaros do acervo

podem animar a atividade. Podem, por exemplo, ser reproduzidos em

cartazes de divulgação do evento ou em convites para ele).

• como foi sugerido a propósito do Dia da Leitura, crie condições, no Dia da

História de Nossas Leituras, para registrar os depoimentos. Grave a atividade

para depois recuperar por escrito todas as falas. Trechos dos depoimentos

podem ser transcritos em um livro tipo "livro de ata ", que se transformará

num Diário de leitura do acervo. Alunos, professores, pais, funcionários - to­

dos devem ter acesso a ele, para nele registrarem suas impressões de

leitura. Se for possível, vale a pena alternar as opiniões dos leitores de sua

escola com trechos das cartas de Abrindo, lendo e escrevendo os livros do acervo

e dos fragmentos das resenhas lá reproduzidos.

• Outra maneira de aproveitar esses depoimentos seria transformá-los em

orelhas dos livros do acervo. Depois de ler e discutir os livros, os alunos, nas

aulas de Arte, podem produzir capas para eles, incluindo nelas as orelhas

criadas. Essas orelhas podem conter, por exemplo, depoimentos de leitu­

ra: depoimentos de professores, de alunos, dos pareceres transcritos nas

cartas e das cartas. Essa atividade permite discutir com os alunos a ne­

cessidade de respeito e de preservação da coisa pública, no caso, um acervo

de livros.

• O conjunto dessas atividades pode desembocar numa última atividade

(atividade de final de ano?), na qual se apresente um Memorial de leitura da

escola, a ser orgulhosamente acrescentado ao acervo da biblioteca/sala de

leitura da escola. Essa atividade pode ser combinada com a abertura de

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uma feira de livros, com a palestra de algum escritor convidado, com a

discussão de um filme que tematize leitura4 e com a exposição dos traba­

lhos que os alunos fizeram a propósito da leitura dos livros do acervo.

Ativando a leitura na sala de aula

A leitura precisa estar muito presente na sala de aula para que ela possa

desempenhar papel cada vez mais importante na vida dos seus alunos. Não só na

vida escolar deles, mas também na vida fora da escola. Para que isso ocorra, é

importante que você goste de ler e que acredite na leitura: afinal, você é responsá­

vel pela iniciação de seus alunos nos caminhos da leitura.

como a mãe, o pai e a professora nas histórias de Flávia, de Francisca e de

Paulo, como o pai e a vizinha de Sydnéa ou os avós de João Paulo, você será uma

figura inesquecível na história de leitura de seus alunos.

Inesquecível porque essencial. Essencialissima, aliás, como foram essenciais

os adultos com os quais você aprendeu a falar.

O desenvolvimento da fala na criança — sabe-se hoje — ocorre quando ela

interage com outras pessoas que, falando com ela, lhe permitem desenvolver sue

capacidade de fala, aprendendo sua lingua materna.

Todos nós aprendemos a falar. E quase todos já tivemos oportunidade de

observar crianças aprendendo a falar. Aprender a falar é a primeira, mais funda­

mental e talvez mais bela aprendizagem social do ser humano.

4 História sem fim e Central do Brasil são filmes disponiveis em video que podem arrematar de forma muito bonita um

ano de projeto de leitura em sua escola.

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Aprendemos a falar ouvindo e falando. Aprendemos a falar ouvindo, dedu­

zindo regras muito sofisticadas a partir da fala que nos cerca, levantando hipóte­

ses, reajustando-as de acordo com o feedback recebido dos falantes com quem

interagimos, consolidando hipóteses. com o aprendizado da leitura ocorre mais

ou menos a mesma coisa.

Só se aprende a ler — a ler de verdade, não meramente a decifrar letras,

silabas e palavras — em ambientes nos quais se lê. Ou seja, o desenvolvimen­

to da leitura só ocorre se a criança interagir com leitores maduros que, lendo

com ela e para ela, lhe permitem familiarízar-se com a atividade de leitura,

envolver-se e desenvolver-se nela.

A escola pode e precisa ser este ambiente de leitura.

Você pode e precisa ser este leitor maduro.

Lendo com e para seus alunos, você vai fazer com que eles aprendam a ler com

desenvoltura. Você vai possibilitar que se familiarizem com diferentes modos de

ler: eles vão aprender a se envolver nas emoções e sentimentos que a leitura de

uma boa história libera; vão posicionar-se em relação aos valores éticos que

os textos apresentam. E eles vão gostar de ler, porque vão conseguir entender os

diferentes textos, que lhes fornecem as informações necessárias para que apren­

dam o que quiserem aprender e entendam melhor o mundo em que vivem.

Seus alunos vão aprender a ler bem. E vão saber usar a leitura para várias

coisas: por exemplo, para entender o movimento das galáxias, para saber o que se

passa em diferentes cantos do planeta Terra ou para descobrir formas de viver de

uma maneira mais saudável, para aprender a fazer um bolo cremoso de fubá,

para reclamar com mais eficiência de um serviço que não funciona, para escrever

versos para uma pessoa muito amada, para utilizar um novo tipo de telefone ou

para seguir as instruções de instalação de um eletrodoméstico.

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Em suma, seus alunos precisam aprender que é necessário ler — ler bem

e ler muito — para entender e melhorar o mundo. E eles vão aprender isso

com você!

como?

De diferentes jeitos, alguns dos quais são sugeridos a seguir. As propostas a

partir daqui apresentadas pretendem ser ferramentas úteis para o desenvolvi­

mento de um ambicioso projeto de leitura possibilitado pelo acervo do Programa

Nacional Biblioteca da Escola.

• As propostas começam pela auto-observação: pense nos diferentes mo­

dos pelos quais você lê. Recorde diferentes situações de leitura pelas quais

você já passou. Veja-se nessas situações.

• Observe-se lendo; observe como você lê; observe-se lendo diferentes tipos de

texto, lendo em diferentes situações, lendo para diferentes finalidades. Isto ê, leia sua leitura,

• Observe como você lê de maneira diferente diferentes textos: um catálogo

de editora, um livro didático, um ofício da direção da escola. Observe como

você lê um jornal diário, um jornal de uma associação de professores, uma

revista semanal.

• Observe como, no interior de um jornal, você lê de maneira diferente o

editorial, a seção de esportes, os classificados ou a indicação de filmes e

de programas de TV. Observe como você lê um romance, um livro de auto-

ajuda, a biografia de alguma pessoa que você admira, um manual de ins­

talação de uma antena de televisão. Observe como você lê a prova de um

aluno, o bilhete da mãe de um outro aluno. Observe como você lê uma

receita de comida, uma letra de música, uma bula de remédio, um verbete

de dicionário. Ou seja, tome consciência, a partir de sua própria experiên­

cia de leitura, que ninguém lê tudo do mesmo jeito.

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• Nessa reflexão sobre sua leitura, você vai perceber a variedade de modos de

leitura. Há leituras que podem se fazer por alio; outras que pedem muita

atenção; alguns textos são compreensíveis já numa primeira leitura, en­

quanto outros pedem mais esforço e repetidas leituras; certos textos são

organizados em linhas tão curtas que quase podem ser lidos na vertical;

outros são escritos com letra muito pequena, outros ainda são acompa­

nhados de imagens; alguns textos são escritos de forma muito original, e

outros seguem um padrão preestabelecido de linguagem e mesmo de

disposição sobre o papel.

• como leitores, aprendemos (quase sempre de forma não consciente) essas

diferenças dos textos que lemos e, numa dada situação de leitura, ao

reconhecermos um determinado tipo de texto, ajustamos a ele nossa leitura.

• Mas esse reconhecimento e esse ajuste, que como leitores fazemos sem

tomar consciência, precisa ser conscientemente trabalhado por você com seus

alunos. como professor na sala de aula você é muito mais que um leitor

você é um professor-leitor, um leitor professor de leitura, que inicia outras

pessoas na leitura.

• Por isso, tomando consciência de como, em sua vida diária, você lida com

diferentes textos em diferentes situações, você poderá monitorar melhor a

forma pela qual seus alunos vão lidar com diferentes tipos de textos, para

os quais a escola precisa simular situações verossímeis.

• Encontre um tempo para familiarizarse com o acervo que está em sua

escola. È preciso que você construa essa familiaridade. comece inteirando-

se dos títulos e dos autores, folheando alguns dos livros, prestando aten­

ção ás capas e ás ilustrações. Lendo alguns trechos de alguns livros, você

começará a estabelecer com o acervo uma relação de intimidade. Quem

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sabe você já leu alguns desses livros, ou outros livros dos mesmos auto­

res? Esse conhecimento prévio cria quais expectativas? Que títulos você

acha mais instigantes? Que livros você tem vontade de começar a ler

imediatamente ?

Leia e releia o maior número possível de livros do acervo.

• A familiaridade com o acervo é fundamental para você ter segurança na

proposta e no desenvolvimento das atividades que vai organizar para seus

alunos.

• Estabeleça, com a regularidade que você achar adequada — entre duas e

cinco vezes por semana, por exemplo — um tempo de leitura em sua classe.

Nunca menos de quarenta minutos. E nesse tempo que você desenvolverá

as atividades de leitura aqui propostas e mais todas as outras que você

planejar.

• E recomendável que o horário destinado a esse tempo Je leitura não seja

nem imediatamente antes do recreio, nem a última atividade do dia.

• Estabeleça, da forma que achar mais adequada, o uso do espaço da sala

de aula (ou da sala de leitura/biblioteca) para essa atividade. Decida se

todos ficam nas carteiras e estas em seus respectivos lugares, ou se as

carteiras serão arrumadas em um círculo, ou se todos se sentarão no

chão... O importante é que a organização do espaço favoreça o clima de

informalidade e afetividade necessário ao desenvolvimento da leitura.

• Independentemente das atividades que você vai sugerir a propósito dos

livros, é preciso que estes sejam lidos. As atividades ocorrem a partir e em

função da leitura, e não vice-versa. E preciso, pois, que os textos e as

ilustrações dos livros sejam lidos. E que sejam lidos bem.

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Lembre-se de que recortar papel, contar histórias, desenhar, fazer

teatrinho e atividades similares são apenas atividades-meio para o desen­

volvimento do gosto e da competência na leitura, que é a atividade-fim.

• Para aprender a ler, para gostar de ler, para ler bem, é preciso que os

alunos sejam expostos a situações de leitura. É preciso que ouçam alguém

lendo. E que eles mesmos leiam para que outros os ouçam e entendam a

leitura que fazem. E preciso que comentem o que ouviram e o que leram:

o comentário força a leitura a ter sentido e a não ser mera sucessão de

sons provocados pela correta decodificação dos sinais sobre a página. Por

isso, leia muito para a sua classe.

• Crianças de até dez anos de idade mais ou menos gostam muito de ouvir

histórias. Escolha no acervo um livro que você ache que vai agradar a elas.

Anuncie o livro, mostre a capa, lidere a discussão das expectativas sobre

um livro com tal titulo e com tal capa. Nessa atividade, tenha por objetivo

despertar e manter o interesse dos alunos por meio do envolvimento na

história lida. Ao mesmo tempo, você estará fornecendo a eles modelos de

leitura bem realizada.

• Para que sua leitura seja modelar, o texto tem de ser bem escolhido e bem

lido. Se achar necessário, ensaie a leitura. Mantenha durante a leitura um

ritmo que permita aos alunos acompanhar o sentido do texto que está

sendo lido. Não corra demais, não engula palavras nem leia mecanica­

mente. Prosa ou poesia, capriche na entonação: pontos-de-interrogação,

pontos-de-exclamação e reticências são recursos para cativar leitores e

ouvintes.

• Quando lemos um texto em voz alta para um grupo de pessoas — uma

classe, por exemplo —, somos mediadores da interlocução que cada um

dos ouvintes está mantendo com o texto que está sendo lido. Num certo

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sentido, conduzimos a interlocução, orquestrando as respostas dos ouvintes

ao texto que está sendo lido.

• Lendo com e para seus alunos, você estará oferecendo a eles um modelo de

leitura oral que vai marcá-los para o resto da vida. Saber ler em público,

mantendo a atenção dos ouvintes e tomando-os receptivos ao que estão

ouvindo, pode fazer muita diferença.

• Se houver condições e se você achar interessante, grave algumas de suas

leituras. A gravação tanto servirá para você aprimorar sua leitura quanto

para iniciar um banco de histórias lidas para sua classe e escola.

• Depois de várias sessões de leitura nas quais você foi leitor para a classe,

proponha que diferentes alunos leiam os livros para a classe.

• Os alunos precisam familiarizar-se com situações nas quais se exija bom

desempenho oral. Simultaneamente, a classe aprende a ouvir, e, liberada/

o da tarefa de leitura, você pode gerenciar melhor as necessárias atitudes

de disciplina e de respeito em situações de leitura em voz alta.

• Pelo menos no começo, marque com antecedência quem vai ler no dia

seguinte. Não se esqueça de incentivar a classe para que todos, numa

ocasião ou em outra, leiam.

• Sugira que os alunos que forem ler para a classe leiam uma ou duas vezes

o texto, antes da apresentação. Lembre-se de que só um leitor maduro

consegue ler com desenvoltura, à primeira trista, um texto qualquer.

• Alterne a leitura em voz alta, para a classe toda, com a leitura para grupos

de alunos (cinco ou seis alunos) e com a leitura individual silenciosa.

• Lembre-se de que a leitura individual silenciosa, ao mesmo tempo que

permite que cada um vá interagindo com o texto na sua velocidade, favo­

rece às vezes distração e abandono de leitura.

• Ao longo do ano letivo, para classes de alunos mais velhos, já bem

familiarizados com feitura e com escrita e já desenvoltos na escrita, planeje

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atividades nas quais os alunos sejam solicitados a tomar notas dos pontos

principais de um texto que esteja sendo lido em voz alta para a classe.

• Proponha, por exemplo, que eles comuniquem a alguém que não ouviu a leitura as

informações contidas no texto, sendo as notas essenciais para a fidelida­

de do relato: é preciso não esquecer nenhum item, é preciso manter a

seqüência dos itens. A atividade torna-se verossímil se metade da classe

sair da sala e, ao retornar, contar exclusivamente com as informações dos

colegas para se inteirar do que foi lido. Essa atividade pode ser feita em

duplas de alunos, ou em grupos, e é muito eficiente para que os alunos

aprendam a lidar simultaneamente com a leitura e com a escrita.

• Aprendera tomar notas do que se ouve é muito útil em diversas situações

comuns na vida fora da escola ou mesmo na escola, quando o aluno pre­

cisa ter disponível o que foi dito em aulas, conferências, debates, etc.

• Ao longo de todo o ano, oiganize junto com os alunos murais/quadros de

aviso e jornaizinhos que tornem visível a centralidade que a leitura ocupa

em sua classe.

• Essa mídia —jornaizinhos, murais, quadros de aviso — pode ser elemento

de ligação entre a sua classe, as outras classes e a escola como um todo.

' Esses meios de comunicação são muito úteis para a divulgação dos even­

tos sugeridos, mas neles também cabem — e isso pode ser sistematizado

— opiniões de leitores sobre os livros lidos, reprodução de trechos dos livros

considerados significativos pelos alunos, cartas enviadas pelos alunos a

escritores e eventuais respostas, etc.

• Jornaizinhos, fotografias de murais, varais com opiniões de leitores po­

dem, ao final do ano, constituir um Memorial de leitura da classe.

• Um Memorial de leitura da classe documentando o trabalho de leitura desen­

volvido ao longo do ano escolar é muito importante para a programação

do ano seguinte. Materializando o trabalho realizado, um Memorial torna

visivel, para a escola e para a comunidade, o ponto de chegada dos alunos.

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Permite avaliação do que já foi feito e planejamento realista da continui­

dade do traballìo.

Abrindo, lendo e escrevendo os livros do acervo

A partir daqui, e por ordem alfabética de titulo, você encontrará sugestões de

atividades para serem desenvolvidas com os livros do acervo do Programa Nacional

Biblioteca da Escola. Você vai ver que as atividades são apresentadas por meio de

cartas.

Por que cartas?

Por várias razões.

A primeira delas é que cartas constituem um gênero muito adequado para a

comunicação escrita a distância, que é exatamente o tipo de interlocução que esse

material estabelece entre nós, que o escrevemos, e você, que o tem em mãos

agora. Também achamos que uma outra grande vantagem de escrevermos cartas

era atenuar, pela escolha de um gênero intimista, os riscos da impessoalidade que

muitas vezes tornam muito normativos e estéreis textos como este que você está

lendo agora.

Outra razão ainda è que nós - isto é, a equipe que produziu este material —

também trabalhamos, por assim dizer, a distância: Curitiba, Brasilia, Maringá,

Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Marília, Campinas, Recife, Santos.... Vêm

de todos esses lugares as propostas de atividades de leitura e sua fundamentação

critica. Essa nossa dispersão geográfica fez com que a discussão de todo o traba­

lho fosse desenvolvida por meio de cartas: usamos e abusamos de e-mail, isto é, de

correspondência eletrônica via Internet

Pareceu-nos, então, que a forma epistolar resgataria essa dimensão andarilha

de um material produzido por muitas mãos, discutido por muitos olhos, feito,

refeito, discutido e rediscutido coletivamente, e, sobretudo, voltado para muitas

outras mãos e olhos como os seus.

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Estabelecido, então, que o formato seria epistolar, o resto ficou por conta de

sermos todos leitores apaixonados por histórias.

Não custou inventarmos um enredo, no qual éramos todos professores, tro­

cando nossas experiências com outros colegas professores, o que, aliás, não é

enredo coisa alguma: somos mesmo professores e professoras, e o que estamos

fazendo é trocar experiências com colegas professores.

Por outro lado, ao lermos e discutirmos os livros, fomos ler o que já se disse

sobre cada um deles, isto é, fomos buscar sua história de leitura. como dispunha­

mos também de resenhas recentes deles, feitas por especialistas brasileiros em

leitura e em literatura infantil, incorporamos fragmentos das leituras desses es­

pecialistas às atividades propostas. com isso, este Guia do usuário inclui você, sua

escola e as atividades que nela você vai desenvolver no grande coro de vozes que

tece, hoje, a leitura no Brasil. Temos certeza de que os parecerístas citados não se

incomodam com a liberdade que tomamos de inventar situações nas quais dize­

mos ter tido contato com os textos deles: afinal, todos somos — eles, você e nós -

leitores de carteirinha...

Se acertamos ou não, você nos dirá. E claro, por meio de uma cartinha, na

qual você nos contará como está trabalhando os livros do acervo e o que poderia-

mos fazer para continuara conversa. Sua carta alcançar-nos-á por intermédio da

Secretaria de Educação Fundamental, no seguinte endereço:

Ministério da Educação — Secretaria de Educação Fundamental

Esplanada dos Ministérios — Bloco L — 5º andar — Sala 500 — Gabinete

CEP: 70.047-901 - BRASILIA-DF

E-mail: [email protected]

Marisa Lajolo (coord.)

Adriana Silene Vieira

Bárbara Heller

Carlos Minechillo

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Célia Regina Delácio CiIza Caria Bignotto Cristina Mantovani Bassi Fernando Cerisara Gil Luis Camargo Milena Ribeiro Martins Miriam H. Y. Zappone

BIBLIOGRAFIA

CUNHA, M. A. Antunes. Literatura infantil: teoría e pràtica. São Paulo: Ática, 1999.

LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1998.

. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo:Ática, 1999.

PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infancia e leitura. São Paulo: Summus, s/d.

RESENDE, Vânia. Literatura infantil e juvenil: vivências de leituras e expressão criadora. São Paulo: Saraiva, s/d.

SERRA, Elizabete d'Angelo. 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. Campinas: Mercado de Letras, 1998.

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Querida Cristiane!

Puxa, há tanto tempo a gente não se vê, heim? Hoje eu senti vontade de lhe

escrever para falar do livro Alice no país das maravilhas, escrito pelo autor inglês Lewis

Carroll, e sobre a lembrança que ele me trouxe. Eu me lembro de uma bela tarde

em que eu, você e outras amigas fomos pegar jabuticabas na casa do meu avô,

perto da Biblioteca Municipal. Depois de empanturradas, passamos na biblioteca,

onde vocês fizeram a maior bagunça, derrubando vários livros no chão. Pois é... foi

nesse dia que eu vi o livro Alice no país das maravilhas e quis levá-lo para ler em casa.

Porém não foi possível, porque os livros infantis não podiam ser retirados de lá.

Voltei depois à mesma biblioteca, mas não consegui encontrá-lo, ficando

com mais vontade ainda de lê-lo, até que encontrei um exemplar na nossa escola

e pude satisfazer o meu desejo. Sua leitura me marcou muito e ainda me lembro

de várias passagens da história. Depois daquela ocasião, tive oportunidade de ler

outras traduções. Essa que tenho agora foi feita pela Ana Maria Machado. Li um

artigo da Margareth Matos que comenta esta nova tradução, afirmando que "bus­

ca correspondências para os jogos de linguagem no português do Brasil, oferecen­

do um texto integral e criativo que faz refefências a cantigas populares, acalantos,

poemas de Vinícius de Moraes e Gonçalves Dias, parodíando-os, como fizera Carroll

com os textos ingleses". Concordo com ela sobre isso e acho que a história ficou

bem mais interessante com a aproximação.

Eu recebi o livro na escola onde dou aula para a 4ã série. Em primeiro lugar,

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fiz uma brincadeira de "contar os sonhos". Contei alguns dos meus, deixei os

alunos livres para contarem os deles, discutimos um pouco sobre a lógica absurda

dos sonhos. comentei também sobre quadros, filmes e desenhos animados que

apresentam coisas fantásticas e até trouxe algumas ilustrações surrealistas. Per­

guntei depois se conheciam Alice no país Jas maravilhas e se achavam a história

parecida com um sonho. Grande parte dos alunos conhecia a história da televisão

ou dos vídeos, ou de alguma adaptação. Então, apresentei a eles esse livro que

trazia a história completa da Alice, em texto integral. Falei um pouco sobre o seu

autor, Lewis Carroll, antes da leitura. Depois fizemos algumas brincadeiras com

os trocadilhos da história. Alguns alunos representaram cenas cômicas, como,

por exemplo, o capitulo chamado "Um chá muito louco", do qual expliquei alguns

detalhes que fazem parte da cultura inglesa, como o fato de eles terem o chama­

do "chá das cinco". Falei sobre o sentido ou o não-sentido (nonsense) do trecho

apresentado, cheio de trocadilhos e de coisas absurdas, das quais demos boas

gargalhadas. No final, as crianças, que já gostavam da história, passaram a

compreendê-la melhor.

com saudades,

Raquel.

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(Seleção de Lisbeth Zwerger. Tradução de Tomás Rosa Bueno)

Oi Elaine!

Adorei o livro que você me mandou. Contos de Andersen. O livro me fez lembrar

da minha infância, quando um exemplar semelhante circulava na escola e eu levei

um tempão para poder tê-Io nas mãos. Puxa, o prazer era muito grande e eu me

lembro que a leitura me levava para o mundo da fantasia. E por isso que hoje

gosto tanto de dar livros infantis para meus alunos. O meu encanto pelas históri­

as e pelas ilustrações de Contos de Andersen foi compartilhado por eles, que leram o

livro com prazer.

Eu estou trabalhando com as crianças do grupo de teatro da prefeitura. Nós

criamos um teatro de bonecos para contaras histórias e fizemos a representação

de um dos contos na escola da minha filha. Depois da peça, apresentei aos alunos

da escola o livro de onde haviam sido tiradas as histórias. O resultado foi que

ficaram muito curiosos para tê-Io, chegando a discutir sobre quem seria o próximo

a pegar o livro, do qual a escola possuia um exemplar igual ao meu.

Eu li uma resenha sobre essa edição de Contos de Andersen que achei bastante

interessante. O resenhista comenta que o autor, Hans Christian Andersen, "come­

çou sua trajetória pesquisando narrativas do folclore de sua terra e (...) aos poucos

adquiriu voz própria e, em estilo dinâmico e com enredos criativos, passou a pro­

duzir histórias provenientes de sua imaginação. Redigiu mais de 150 narrativas,

que foram publicadas anualmente e eram lançadas sempre por ocasião do Natal".

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Ele comenta também sobre a seleção e a ilustração dos textos feitas por Lisbeth

Zwerger, que "selecionou os onze contos entre os seus preferidos de Andersen".

Diz também que "o texto de sua coletânea (...) parte dos originais de Andersen,

mantendo-se fiel, sem incorporações, transformações ou simplificações".

A atividade com esse livro se deu da seguinte forma: como possui onze

histórias, fizemos uma seleção conforme o gosto das crianças. Depois de muita

discussão, acabamos escolhendo um dos contos, "A roupa nova do imperador",

para apresentar como história de teatro. A segunda etapa foi a transformação do

conto em peça teatral. A terceira foi a criação de bonecos que representassem as

personagens, os quais foram criados de maneira bem simples, seguindo as suges­

tões dadas por um amigo meu: foram feitos desenhos colados em papel cartão,

podendo ser manipulados por palitos do tipo que se usa para churrasquinho.

A movimentação é limitada, mas permite que os alunos exercitem duas lingua­

gens expressivas: o desenho e a expressão oral. Isso tem algo a ver com o teatro de

sombras, gênero que, parece, era apreciado por Andersen.

Eu já trabalho há um ano com o grupo infantil de teatro, e sempre temos

uma história nova para apresentar, mas essa técnica de teatro de bonecos é muito

simples e pode ser feita nas escolas, com os alunos do ensino fundamental. As­

sim, já que você me deu o livro, que tal testar a minha sugestão de trabalho?

Um abraço de sua amiga Tânia.

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Oi Tânia!

hoje quero te contar sobre a minha experiência com o livro 0 bordado encanta­

do, do Edmir Perrotti. Eu fiquei fascinada pelo tema da mulher bordadeira, que

tem poderes de transformar a realidade. Levei o livro para a classe e seu visual

logo chamou a atenção, pois as ilustrações da Helena Alexandrino são maravilho­

sas! Eu li uma resenha de Elizabeth Vasconcelos que as define muito bem ao

dizer: "Em cores suaves, dialogam em perfeita harmonia com o texto e conduzem

o leitor a atmosfera feérica dos contos de fadas. Pode-se dizer que cada ilustração

constitui a mágica representação de um bordado encantado".

Esse livro retoma situações típicas dos contos de fadas, trazendo a história

de uma bordadeira que um dia deparou com um trabalho de grande perfeição e

desejou criar outro igual. Então esforçou-se muito para consegui-lo, chegando até

mesmo a derramar gotas de lágrimas e de sangue que se juntaram à linha e se

transformaram, magicamente, em uma obra tão perfeita que acabou sendo rap­

tada pelas fadas.

uma professora amiga minha, Fátima Miguez, comentou: "Tendo como per­

sonagem uma viúva muito pobre e tés filhos, esse maravilhoso conto tece os

riscos do grande bordado da vida. (...) Situado entre o real e o imaginário, o borda­

do adquire autonomia e, tocado pela varinha mágica da arte, surpreende estetica­

mente a todos".

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Eu li a história para os alunos, que a adoraram! Depois fizemos uma espécie

de dramatização: enquanto um aluno lia um pedaço em voz alta, os demais rea­

lizavam expressões corporais, representando o que era narrado. uma aluna. Juliana,

contou-nos que sua mãe fazia bordados para vender, e todos ficamos curiosos

para conhecer seus trabalhos.

No dia seguinte, ela trouxe uma toalha bordada em várias cores. Era muito

linda! Sua mãe havia levado um mes para concluir o trabalho. Pudemos observar

e refletir sobre a beleza estética daquele bordado, feito com demora e capricho.

Lembrei então aos alunos o capricho do escritor de O bordado encantado, que levou

três anos para elaborara história. Assim pude levá-los a refletir sobre a importân­

cia de um trabalho único nessa nossa época de produções em série.

como as crianças adoram figuras e desenhos, aquele bordado real serviu

para dar asas à sua imaginação. Então voltamos a trabalhar o texto com a mími­

ca, utilizando o bordado da mãe da Juliana. A representação ficou uma beleza e

foi mostrada para outras classes. Desse modo, a minha leitura e as leituras das

crianças bordaram uma outra história além daquela e gostaria muito de agrade­

cerão Edmir Perrotti por ter-nos dado esse texto! O tema do bordado, porém, não

ficou esgotado, está presente em outras obras, como em contos do livro uma idéia

ioda azul, com o qual pretendo trabalhar no próximo bimestre.

Um abraço da Patrícia.

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Oi André!

Estou morrendo de saudades, mas feliz por poder compartilhar com você

um pouco do meu cotidiano. Lembrando o quanto você gosta de histórias de

detetives, hoje estou escrevendo para contar minha experiência com o livro

O gênio do crime, do João Carlos Marinho.

E uma história de detetives para crianças... que os adultos adoram! Sem, na

verdade, é uma paródia às histórias tradicionais de detetives. Eu visitei uma esco­

la de São Paulo onde o autor estava dando autógrafos e assisti a uma palestra da

Fátima Miguez sobre o livro. Ela dizia que: "Os paradigmas tradicionais da história

policial são dessacralizados com vistas a uma nova representação critica dos ele­

mentos caracterizadores dessa literatura de suspense. A própria natureza do cri­

me que será investigado na trama narrativa e os personagens detetives encarrega­

dos da ação criminosa (...) já promovem uma quebra dos clichês policiais da série

literária do passado".

Os investigadores são crianças da alta burguesia paulistana, e o crime a ser

desvendado é a descoberta dos falsificadores de figurinhas de jogadores de fute­

bol. Essas crianças desvendam o mistério, dividindo (ou disputando) o trabalho

com um detetive inglês bastante estereotipado, chamado Mister John Smith Peter

Tony, detetive invicto (que deixou de sê-lo por causa dos meninos...). A história

tem lances hilariantes, como uma cena em que o Mister espanta o soluço do Gordo

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pedindo que coloque na cabeça um copo d'água, no qual dá um tiro.

O soluço passa, mas o Gordo quase morre de susto. Talvez do jeito que eu conto

não dê para mostrar o quanto o livro é legal. Só mesmo você lendo...

Antes de apresentar o livro, perguntei aos alunos quais eram as histórias de

detetives que eles conheciam. Lembraram-se, então, da figura de Sherlock Holmes

e também de desenhos e filmes, com mistérios a serem desvendados e detetives.

Falei sobre o livro O gênio do crime, li alguns trechos, e os alunos ficaram muito

curiosos em saber o que aconteceria depois.

Deixei o livro com um grupo que leu a história, apresentando-a à classe. Os

demais ficaram muito interessados em ler o livro, e então eu apresentei outros

livros do autor, pois existe uma unidade e continuidade na saga da turma do

Gordo, que começou com essa história, em 1969, mas há novas publicações até

hoje. Um dos últimos que li foi Cascata de cuspe. Vou terminando por aqui.

Me escreva...

Beijos da Lu.

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Oi Neiva!

Já se passou muito tempo desde que estudamos juntas. Lembro-me do seu

talento teatral quando apresentávamos trabalhos de Educação Artística e tam­

bém de suas estrepolias no tempo do magistério. Eu gostaria muito de ter esse

seu talento nato para fazer teatro e comédia com as situações mais simples da

vida. Sabe, Neiva, é lembrando de você que eu me inspiro em muitas das minhas

aulas.

Eu agora estou lecionando na periferia de Guarulhos e tento estimular nas

crianças o gosto pela leitura. O último livro que dei para elas lerem foi uma idéia ioda

azul, da Marina Colasanti. O livro possui contos fantásticos, que recuperam o en­

canto dos contos de fadas, com ilustrações feitas também pela autora, que "cria a

partir do conhecido, transfonna com as palavras um mundo que parecia nada

mais poder oferecer de insólito", como bem define Laura Sandroni em uma rese­

nha que eu li. Assisti também a uma palestra da Ninfa Parreiras sobre esse livro,

em que ela comentava: "Os contos revelam os misarios da alma humana, colhi­

dos na realidade interna que carregamos, trazendo muitas vezes a linguagem do

inconsciente, dos sonhos, da fantasia - que habita o território do imaginário,

daquilo que nos distingue dos outros animais. E essa capacidade de fantasiar, de

criar, que pode ser explorada a partir da leitura de uma idéia tôda azul".

Antes de entrar no texto, comentei com os alunos sobre as épocas passadas,

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em que, em vez de assistir a novelas, as pessoas se reuniam para ouvir histórias.

Falei também da correspondência entre contar histórias e fazer trabalhos manuais,

pois as antigas contadoras eram também fiandeiras ou bordadeiras.

Escolhi os contos "Além do bastidor" e "Fio após fio", por tematizarem o

bordado, e foi então que "dei uma de Neiva". Eu cheguei na aula seguinte toda

vestida de fada e com um bordado na mão. Então, enquanto tentava bordar uma

florzinha em ponto de cruz, contei as duas histórias e as crianças adoraram!

Propus, a seguir, que formassem grupos, ficando cada qual com um conto. Um

aluno de cada grupo contou a história para a classe, recebendo ajuda dos colegas

de grupo. A experiência permitiu que discutíssemos sobre as histórias narradas e

despertou nos alunos a curiosidade de lerem os outros contos do livro. Por serem

histórias curtas, foi possível trabalhá-las em um só dia.

Um abraço da Cristiane.

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Oi Mariana!

Quero compartilhar com você minha experiência com um livro muito bom

que dei aos meus alunos. O livro chama-se A terra dos meninos pelados e trata de um

menino chamado Raimundo, que é hostilizado pelas outras crianças por ser care­

ca e ter um olho de cada con Sentindo-se infeliz no mundo real, Raimundo refu­

gia-se em uma terra ideal, chamada Tatipirum, onde todas as crianças são iguais

a ele. Gostei muito da definição de Nilma Gonçalves Lacerda ao afirmar, em uma

aula sobre o livro, que, "afligido pela zombaria dos outros meninos, que atacam

nele aquilo que é diferente, Raimundo se põe, como demiurgo, a fazer o mundo".

As ilustrações de Roger Mello são demais, você precisa ver! Parece que tem

algo de mágico nelas! Nilma Lacerda também comenta sobre elas, dizendo: "Os

traços dançarinos e instigantes dão corpo à fantasia, prendem à página os olhos

do leitor, para soltá-los em seguida mais livres, plásticos e inquietos".

Propus a leitura desse livro aos meus alunos e depois fizemos um debate

sobre a história. Fiz perguntas como, por exemplo, "qual a personagem de quem

gostariam de ser amigos". A maioria dos alunos afirmou sentir pena de Raimundo

e desejar ser amigo dele. Foi ai que uma aluna teve a idéia de escrever um bilhete

para ele, a qual foi aprovada pela classe.

Lembrei aos alunos que, mesmo em Tatipirum, havia diferença entre os

meninos, havendo um sardento que desejava que todos tivessem pintas assim

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como ele. comentei também sobre a volta de Raimundo para o mundo real como

uma prova de coragem, lembrando que sempre seria possível à personagem viver

o imaginário.

Aproveitei então o tema da fantasia e lancei uma proposta de redação. Pedi

aos alunos que escrevessem como seria o seu "mundo ideal" e depois nós compu­

semos pequenos livros ilustrados por eles próprios. com simples folhas sulfite,

algumas idéias e lápis de cor eles fizeram lindos livros. Depois foi só encadernar.

Alguns foram costurados à mão, outros na máquina de costura e outros encader­

nados com espiral. Fizemos depois uma exposição com os livros, que foi visitada

por todos os alunos da escola. Foi muito bom ver as crianças inventando!

Um abraço da Regina.

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Oi Caria!

Tenho saudades do tempo em que estudávamos juntas e da forma como

você lia as histórias, dando vida a eias. A sua leitura era mágica, transformadora.

O tempo de estudante passou, agora virei professora, e estou gostando muito de

meu trabalho de incentivadora da leitura. Faço o possível para seguir as idéias de

Monteiro Lobato, que procurava criar livros "onde as crianças pudessem morar".

S falando em leitura e bibliotecas, gostaria de lhe contar sobre o livro Atrás da

poria, da Ruth Rocha, já ouviu ralar? Esse livro trata de um menino chamado

Carlinhos, que mora em um casarão, cuja metade fora doada para uma escola

quando sua avó morreu. Um dia, entrando no quarto que fora de sua avó, Carlinhos

descobre uma entrada secreta para uma biblioteca e acaba descobrindo a leitura

como um prazer secreto, depois compartilhado com outras crianças, que saem

escondidas de suas casas para lerá noite na biblioteca secreta, sem saber que era

a mesma da escola, a qual ninguém conhecia.

Assisti a uma palestra de Graça Monteiro de Castro na qual ela fez comentá­

rios sobre essa obra, dizendo que "é uma verdadeira apologia ao livro, á biblioteca

e à leitura como fonte de prazer e entretenimento".

Apresentei o livro aos meus alunos e contei um trecho da história a eles,

fazendo suspense justamente na hora em que Carlinhos descobre o que há atrás

da porta. Depois os alunos leram e nós discutimos a história. Sugeri a eles que

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visitassem mais a biblioteca da nossa escola e fossem escolher livremente o que

quisessem ler. Então planejei com a bibliotecária de fazermos uma brincadeira

igual à do final do livro: montar uma festa na biblioteca.

Nós enfeitamos a biblioteca e levamos as crianças para visitá-la. Escolhemos

alguns dos livros mais bonitos e os expusemos (assim como se faz com os choco­

lates nos supermercados) para que fossem fácilmente encontrados. Fizemos uma

"gincana da leitura ", trazendo alguns convidados para contar histórias, e tudo

isso deixou a meninada na maior excitação. Até mesmo alguns pais de alunos

participaram contando as histórias preferidas de seus filhos, enquanto outros, que

não tinham o costume, puderam ouvir e, quem sabe um dia, até venham a contar

seus casos Eu fiquei muito feliz com a experiência e gostaria que você também

viesse aqui um dia para ler suas histórias preferidas para meus alunos.

Um abraço,

Valéria.

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Oi Luzia!

Por esses dias eu li Os rios morrem de sede, de Wander Pirolli, que me fez

lembrar da nossa infância, quando a gente ia brincar nos córregos de Rinópolis,

que já estavam morrendo de sede... Descobri o livro na biblioteca da escola e achei

interessante utilizá-lo em uma atividade com meus alunos da 4ª série da zona

rural.

Em uma conversa informal sobre o que eles mais gostavam de fazer nas

horas de lazer, apareceram em suas respostas atividades como pescar e nadar.

Um aluno contou que o rio que passava no fundo de seu sitio estava muito raso e

poluído, que não dava mais para nadar e não tinha peixe, embora já tivesse sido

muito bom. Outros alunos contaram histórias semelhantes e conversamos um

pouco sobre tal mudança. Então eu comentei sobre Os rios morrem de sede, que

depois li para eles.

O livro conta as preparações para uma pescaria que não acontece. Um meni-

no chamado Bumba e seu pai saem da cidade grande para uma pescaria no Rio

das Velhas e o pai tenta repetir com o filho o mesmo ritual que viveu em sua

infância. Porém, quando chegam ao rio, constatam que esse havia se transforma­

do em um areai e, cheios de decepção, deixam as varas e voltam para casa. O pai

solta um palavrão, que é repetido pelo filho.

Meus alunos ficaram muito tocados pela história, que, como afirmou Lucilia

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Garcez em uma palestra a que assisti, é "uma das mais sensíveis e emocionantes

narratívas acerca de um tema tão explorado nos dias de hoje — a ecologia ". Su

gostei desse livro porque foi possível aproximar seu tema de um problema da vida

dos alunos, que se identificaram com a personagem Bumba, e também lembrar

da minha própria relação com a natureza.

Nós conversamos sobre o tema e sobre a linguagem realista e emotiva usada

na obra. Na aula seguinte, levei o professor de Ciências para falar sobre a poluição

ambiental, a destruição das matas ciliares e o conseqüente assoreamento dos

rios. Os alunos ficaram muito interessados pelas questões ambientais e discuti­

ram o assunto acaloradamente. O professor de Ciências explicou um pouco do que

podia ser feito pelos próprios alunos para evitar esse assoreamento, entregando

alguns panfletos explicativos, com informações muito úteis para os donos das

terras vizinhas aos rios.

Eu tenho uma amiga que dá aulas em uma cidade grande e levou jornais e

revistas sobre o tema quando leu esse livro com sua classe. Mas eu gostaria de

saber o que você — ai no Mato Grosso, cercada por rios enormes — acha do livro,

que estou mandando de presente. Gostaria também de saber como você o utiliza­

ria em suas aulas de Ciências, tendo em vista a sua realidade. Espero sua carta.

Sua amiga de sempre,

Adriana.

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Querida Lu!

Você se lembra de quando trocávamos livros e contávamos nossas experiên­

cias de leitura? Você achava engraçado eu olhar para a capa do livro durante a

leitura, para não me esquecer do rosto das personagens. Mas eu achava ainda

mais interessante o fato de você "mergulhar" na história, imaginando-se no lugar

do protagonista.

Eu me lembrei dessas minhas leituras quando preparei uma aula sobre o

livro História de Trancoso, que tem um enredo curto, com bastante imagem e pouco

texto, o que facilitou o meu trabalho com a 3ª série, sendo possível que todos os

alunos lessem.

O texto trata de dois andarilhos, um fazendeiro e um padre, que hostilizam

um terceiro, o Trancoso, que é pobre e feio. No final da história, esse último revela-

se mais esperto, comendo o único pedaço de queijo que os três haviam ganhado.

Nesse texto, "os adversários, que hostilizam o roceiro, sintetizam as camadas

mais elevadas, no plano social (o fazendeiro) e politico (o padre); sentem-se supe­

riores ao matuto, mas acabam sendo vencidos por ele", conforme eu li numa

resenha da Regina Zilbemian. Ela afirma também que o texto "mostra que não se

deve subestimar os pequenos, sejam pobres, homens do campo ou crianças, figu­

ra que o roceiro igualmente metaforiza. Além disso, ele valoriza o folclore nacional,

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apresentado numa linguagem em que predominam: a sintese vocabular, a rapidez

com que a ação se desenvolve, a valorização e primazia do diálogo".

Lembrando minha mania por fotos e ilustrações, resolvi fazer uma atividade

com a idéia que as pessoas fazem das outras a partir das imagens. Assim, primei­

ramente, peguei fotos de revistas e pedi aos alunos que dissessem como achavam

que eias seriam, qual sua profissão, etc. Muitas vezes eles se equivocaram nessa

primeira impressão. Depois mostrei a capa do livro História de Trancoso e perguntei

como achavam que seria cada personagem e como seria a história. As respostas

foram as mais diversas.

Nós fizemos a seguir uma leitura coletiva do livro: um aluno fez a fala do

narrador e os outros as das três personagens. O fato de lerem as falas das perso­

nagens permitia aos leitores colocarem-se no lugar das personagens cuja fala iam

lendo, fantasiando assim como você fazia. Lembrei então a eles que essa história

era originária da tradição popular e também tratei da importância da cultura

popular para o enriquecimento de nossa sociedade.

Um grande abraço da Fabiana.

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Oi Luciano!

Estou lhe escrevendo para lembrar nossas leituras da adolescência, quando

você me deu de presente um livro seu que eu tinha lido e do qual tinha gostado.

Acho que aquele e outros livros da época foram os responsáveis pela minha esco­

lha profissional, pois hoje trabalho com literatura, dando um destaque especial

para os livros infantis.

como você sabe, estou dando aula para crianças da 4ã série e hoje resolvi

compartilhar com você minha experiência com o livro Memórias de um cabo Je vassou­

ra, de Orígenes Lessa. Eu me interessei pelo livro depois de ter lido um artigo da

Fátima Miguez sobre ele que dizia: "A revisão da humanidade é feita por um cabo

de vassoura experiente que introduz o seu relato memorialistico buscando as suas

origens florestais e delatando sua trágica incursão no mundo dos homens na

condição de utilidade doméstica ". Descobri depois, por meio de uma dica da

Laura Sandroni, que essa história é um "apólogo, ou seja, uma história na qual um

objeto ganha vida e pensamentos próprios".

O livro tem dois pontos interessantes que podem ser discutidos: o primeiro é

o processo industrial pelo qual passam os objetos que chegam até nós. O outro

é uma análise do tipo de narrador e o estranhamento causado pelo seu ponto de

vista.

Antes de dar o livro aos alunos, fizemos uma atividade que consistia em

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observar "de onde vinham " os objetos utilizados por nós. Em seguida, comentei

sobre o livro e pedi que a classe o lesse para depois fazermos uma discussão.

Sugeri que imaginassem a nossa vida naquela sala de aula sob outros ângu­

los, como, por exemplo, "o que a lousa comentaria sobre nosso quotidiano". De­

pois brincamos de trocar de papéis, de modo que cada aluno fingia ser outra

pessoa que comentava sobre ele próprio. Eu mesma troquei de lugar com um

aluno e tentei assumir sua fala.

A seguir, perguntei qual seria nossa reação caso um morcego, um cachorro

ou qualquer outro animal entrasse na sala. Pedi então que imaginassem como

esse animal nos veria e o que pensaria. Para finalizar, voltando ao autor, lembrei

que ele escreveu também um livro chamado Se meu fusca falasse (aquele do filme,

lembra?), e lancei um tema de redação com o titulo "Se meu... falasse".

O resultado foi muito bom. Guardei as redações com todo carinho e, se você quiser,

eu lhe mostro.

Um abraço,

Ana.

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Edna, minha amiga!

Acabei de trabalhar com meus alunos a obra Se ss coisas fossem mães, de Sylvia

Orthof. Que livro bonito e criativo. Não tenho como discordar da Regina Zilberman,

nossa ex-professora de literatura na faculdade, que publicou uma crítica deste

livro na seção "Livros", num importante jornal de São Paulo: "A proposta original

parte de uma noção aparentemente absurda, o fato de "as coisas", como a lua, a

casa, a terra ou uma chaleira poderem ser mães; a seguir, [a autora] explora a

situação, elaborando (...) um tipo de lógica: a lua somente poderia ter estrelas

como filhas, assim como a casa, as janelas, ou a chaleira, a água fervida ".

A criançada não resistiu: assim que terminamos a leitura, uma aluna come­

çou a dizer que a fechadura é a filha da porta; já um menino disse que a meia é a

mãe do pé. Todos nós rimos gostoso. Então, tive uma idéia, que já pus em prática

e que talvez lhe agrade também, já que temos alunos da mesma faixa etária:

pesquisar, principalmente em revistas (pois é possivei recortá-las) e também em

livros, representações de mães humanas. Depois, colamos todas essas figuras

num grande painel. O resultado estético foi muito bonito, mas o ideológico nem

tanto... Já dá pra imaginar que as mães continuaram sendo representadas como

meio santas. Essas mães podem até ser executivas, mas estão sempre com um

pé no ambiente familiar e doméstico. São jovens, sorridentes (os dentes são im-

pecavelmente brancos e alinhados), satisfeitas e normalmente de pele clara.

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Quando me dei conta disso, pedi aos alunos que fizessem a mesma coisa

com a figura paterna. O resultado não foi muito diferente, exceto pelo fato de não

haver tanto apelo ao ambiente familiar. Muitas vezes o pai é representado em seu

ambiente de trabalho (sempre um escritório muito chique) e na mesa há porta-

retratos com fotos dos filhos e da esposa.

Achando que o tema ainda não se tinha esgotado, propus aos alunos que

pesquisassem como os animais aparecem quando estão em "família ". Em alguns

casos ficou difícil identificar macho e fêmea, mas o esforço não foi em vão. As

imagens coletadas assemelharam-se muito às das famílias humanas: o ambiente

é harmonioso, os filhotes são fofinhos e os animais adultos oferecem segurança e

proteção. Em outras palavras: humanizamos a família dos bichos!

Pois é, amiga: estamos vivendo um periodo de tanta turbulência e transfor­

mações, inclusive no âmbito familiar, e continuamos insistindo no estereótipo da

mãe amantissima e do pai provedor.

Este livro da Sylvia Orthof também pode ser explorado unicamente como

poesia, como um texto carregado de sons e sentidos, pois, como disse tão bem a

mesma Regina Zilberman, ele é formado "por estrofes de dois, três e quatro ver­

sos e utiliza rima emparelhada ".

As ilustrações que acompanham o texto são muito bonitas e não restringem

a criatividade dos alunos. Ao contrário, ajudam-nos a divagar...

Não vou estender-me mais. Só queria comentar como essa obra é feliz, pois

rompe a noção de que "ser mãe é padecer no paraíso", estereótipo reforçado dia­

riamente até pelas propagandas de sabão empo, que mostram uma mãe tôda feliz

pondo quilos de roupa imunda de seus filhos pra lavar (felizmente, na máquina).

Beijos da sua colega,

Sueli.

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Oi, Ricardo!

Há alguns dias tive uma idéia muito engraçada, depois de ouvir que meus

alunos, durante um recreio, viram um sapo no banheiro das meninas. como al­

guns disseram ter sentido nojo do pobre sapo, lembrei-me da história de Samir

Meserani, Confusão maior no Reino de Tinger Menor, e da análise de nossa ex-professora

de faculdade, Fátima Miguez, ao me apresentar este livro, quando eu ainda era

estudante: 'Verificamos [nessa obra] a transposição do argumento da metamor­

fose homem-animal do famoso Prfncipe-ri ou Henrique de ferro, dos Irmãos Grimm,

para o espaço da ficção moderna do Reino de Tânger Menor. O príncipe Carlos

Filipe é transformado pela ambiciosa bruxa Urraca num sapo, e sua amada M ulti bel

é quem desfaz o feitiço bei/ando-o na boca. Só que seu beijo foi parcial, conseguin­

do somente uma meia transformação, pois o príncipe continuava com a lingua, o

gosto e o apetite de SAPO".

Coitada da Multibel! Ficar ao lado de alguém que se comporta como sapo

não deve ser moleza! Quando me peguei pensando nisso, tive a idéia que passo a

explicar, primeiro lemos a narrativa em sala e depois pedi aos alunos que enume­

rassem os animais que mais nos causam nojo: aranhas, baratas, ratos, sapos,

lagartixas, ete. Depois, pedi que imitassem corporalmente esses bichinhos repug­

nantes. (Foi engraçadíssimo observar como as crianças se viraram para reproduzir

o movimento da barata. Eias adoraram essa atividade!)

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Num outro dia, tentamos localizar outras histórias, principalmente contos

de fadas, que faziam refeéncia a essa bicharada e às mais diversas metamorfo­

ses: gente em bicho, bicho em gente, abóbora em carruagem, ratos em cavalos,

ete. Lembramos de A bela e a fera, de Cinder ela, de Branca de Neve. (Impossível não

pensar em Macunaíma, cujos personagens viram estrelas, telefone, formigas, ete!)

Pra incrementar ainda mais, estou pensando em pedir a colaboração do

professor de Ciências para a realização de uma atividade interdisciplinar: pesquisar

em livros didáticos as principais caracteristicas desses bichos e classifícá-los.

Acho que assim podemos extrapolar um pouco o conteúdo da história.

Talvez você possa aproveitar algumas dessas idéias, já que temos alunos com

faixas etárias bem parecidas.

Um grande abraço,

Regina.

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Prezada Seth,

Estou tão entusiasmada com uma idéia que tive hoje de manhã enquanto

ouvia rádio que resolvi escrever para você na primeira oportunidade. Acabei de

chegarem casa, e, apesar das 10 horas/aulajá nas costas, minha idéia ainda não

saiu da cabeça. Vou começar pelo começo: o noticiário da Rádio Jovem Pan contou

sobre uma môça que chegou a São Paulo não faz mais de dois meses. Depois de

três dias sem dar notícias, sua tia, que a estava hospedando, resolveu pedir ajuda

da policia para localizar o paradeiro da menina. Acontece que essa tal tia não

tinha nenhum documento da sobrinha: nem RG, nem certidão de nascimento,

nem foto. Nada, nada. Então, a polícia perguntou para essa tia: "como é que a

senhora imagina que a gente vai encontrar sua sobrinha se ela não tem nenhum

documento, nenhum papel?"

A tia, que ficou desconsolada com a reação da polícia, disse que, se era isso

o que impedia a ação da policia, ela ia providenciar os tais documentos. Foi na

primeira papelaria que encontrou, comprou um bloco de recibos e preencheu um

monte, escrevendo números e palavras soltas. Depois, munida de tantos papéis,

voltou para a mesma delegacia e exigiu que tomassem providências, alegando: "Os

papéis estão aqui. Agora, quero minha sobrinha de volta".

Não sei como a história terminou, mas me lembrei, na hora, do livro

0 fantástico mistério de Fe ¡urinhá, de Pedro Bandeira. Você se lembra dessa história? A

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Lucilia Garcez, nossa ex-colega de faculdade, foi quem nos mostrou esse texto pela primeira vez. Nunca vou esquecer os comentários dela: "[trata-se] de um escritor de textos infantis que se vê envolvido pelas personagens dos contos de fadas (Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel, Branca de Neve, Rosa Encantada Delia Moura Torta), agora já maduras, gordas e cheias de filhos, numa trama de mistério e suspense em tomo de uma personagem que não possuia até então nenhuma história escrita — a Feiurinha — e que, por isso, corria o risco de desapa­recer completamente da memória de todos".

Então, Seth, pensei: que tal pedir para nossos alunos lerem esta história e depois trabalhar com a história de vida de cada um deles? Foi o que fiz. Num primeiro momento, eles contaram suas biografias. Depois, escreveram suas me­mórias. E, na última etapa, confeccionaram seus próprios documentos, contando com a ajuda do professor de Educação Artística. Assim, ficou claro para eles que a oralidade é importante, mas que registrar por escrito sua história dá certas garan­tias de sobrevivência — pelo menos nas grandes cidades, onde centenas de sobri­nhas chegam e desaparecem diariamente sem deixar rastro.

Um grande abraço,

Eliana.

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Queridíssima Lenice,

Você se lembra do Ronaldo, aquele colega de turma que logo depois de for­mado foi trabalhar com os indios do Amazonas? A gente jurava que ele jamais iria suportar morar num clima tão quente e chuvoso. È, nós duas nos enganamos/Já faz mais de quinze anos que ele se foi. Pois é, depois de tantos anos em silêncio, ele deu noticias três semanas atrás, enviando uma carta anexada a um livro belissi-mo, O livro das árvores, dos indios Ticuna. Ble reproduziu na carta essa expli­cação de Rosa Cuba Riche, uma especialista em livros para crianças: "O livro faz parte do projeto A Natureza Segundo os Ticuna, iniciado em 1987. Após o levan­tamento de dados e a elaboração de desenhos, as infomiações pesquisadas e registradas pelo povo serviriam, inicialmente, de material pedagógico para apoiar as aulas nas aldeias. No entanto, o projeto cresceu e hoje inclui atividades de educação ambiental, atingindo setecentos alunos das noventa escolas Ticunas, no Amazonas".

Fiquei tão encantada com este livro que fui mostrá-lo a outra colega minha, a Maria Antonieta Cunha, que adora artes. como nos desencontramos, ela deixou o livro em meu armário com o seguinte bilhete: "Seu belo projeto gráfico, em papel cuché e ilustrações em quatro cores, é um dos raros exemplos de material sobre os indígenas brasileiros em que eles próprios trabalham, estabelecendo o seu ponto de vista e a sua cultura ".

Resolvi ler este livro com os alunos da 8ã série, que acham que indios brasi­leiros só existem em livros de História. Todos ficaram curiosissimos: observaram

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as ilustrações, leram os textos, entenderam os mitos e a multiplicidade de tipos de árvores que compõem a floresta.

Quando vi o interesse que este texto gerou, tive uma idéia: propor á sala que produzisse pelo menos dois capítulos de um livro didático que contassem as origens da turma, suas histórias, lendas, costumes, tradições, ambiente em que vive, ete.

Ficamos trabalhando essa atividade durante umas quatro aulas, e o resulta­do foi bem diferente do dos índios Ticuna: ninguém sabia explicar direito sua origem. Alguns alunos comentaram latos isolados das suas respectivas famílias, mas não sabiam Juntar o passado com o presente (mais ou menos como o Bentinho, de Dom Casmurro, do nosso querido Machado de Assis). Lendas, costu­mes e tradições, então, os alunos achavam que nem tinham. Mesmo assim, con­seguimos produzir um material escrito, que revelou nosso desapego ao passado e nossa desinformação sobre nossos costumes.

Estou escrevendo tudo isso a você por dois motivos: o primeiro, porque você conheceu o Ronaldo tão bem quanto eu e achei que gostaria de saber dele; o segundo, mais interesseiro de minha parte, para convidá-la a vir à nossa escola e conhecer nosso material "didático". como você trabalha numa editora que publi­ca livros escolares, achei que sua visita poderia render uma explicação aos alunos sobre edições de livros, sobre a necessidade de pesquisa para escrever qualquer texto informativo.

Você topa agendar uma data e fazer essa visita? Não há pró-labore, pois a escola, mesmo com a APM, não dispõe de recursos.

Fico aguardando uma resposta sua!

Beijos,

Bárbara.

RS.: Evidentemente comentei com o professor de História as dificuldades dos

alunos em resgatar sua própria história e estamos combinando atividades con­

juntas para começar a sanar essa grave lacuna.

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Querida Marli,

Que saudades de você, de nossas conversas nos intervalos das aulas! Os dois

meses de sua licença parecem quase um ano. Afinal, formávamos uma dupla e

tanto: você, com suas aulas de História, e eu, com as de Lingua Portuguesa.

Bem, chega de lamentações. O que quero contar é que finalmente pus em

prática uma idéia que nasceu em nossas intermináveis conversas: propor aos alu­

nos da 8- série a leitura de Mamãe trouxe um lobo para casa!, de Rosa Amanda Strauz,

autora bastante elogiada por Vânia Resende, nossa coordenadora, lembra dela?

No começo, fiquei meio receosa... Lembrei-me do comentário da própria Vâ­

nia: "a autora não poupa a criança do drama causado pelo convivio com aquele

que passa a ocupar o lugar do pai dentro de casa ". No entanto, observando bem a

história, lembrei-me de outro comentário dela, de que nesta obra "os sentimentos

sào densos, mas eles evoluem na medida em que vai ocorrendo elaboração e

amadurecimento da percepção infantil".

Munida de coragem, já que a maior parte das famílias de nossos alunos é

desestruturada, fizemos a leitura do texto. No começo, cada criança lia um pará­

grafo. Em pouco tempo, perceberam que o lobo era a figura do novo companheiro

da mãe! Concluida a história, aqueles que ainda não tinham lido nada se encarre­

garam de "ler" as ilustrações. Qual não foi a minha surpresa quando um deles

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observou que os momentos de "maior tensão sào visualizados em preto-e-bran-

co". Meu queixo caiu!

Foi tão boa essa experiência que fiz a mesma coisa com crianças da 5* série.

E, ai, a leitura foi literaf: o lobo era o lobo mesmo, desses que a gente vê no

zoológico e nos contos de fadas. Então, pensei que, para os alunos da 5â série,

uma atividade que pode ser bastante interessante é pedir que representem —

tanto por meio da escrita como de desenhos — os animais que mais temem.

Depois, que expliquem aos colegas o porquê de tal bicho causar tanto medo. com

os alunos mais velhos, pode-se trabalhar a simbologia das cores, já que, neste

livro, as ilustrações em preto-e-branco têm sentidos diferentes das coloridas. Infe­

lizmente não contamos com livros de arte em nossa biblioteca, mas fiquei imagi­

nando, caso existissem, a boa oportunidade que seria manipular com os alunos

livros sobre o Impressionismo, movimento que tanto se preocupou com a reprodu­

ção das cores do mundo real.

E, amiga, acho que estou entrando numa utopia... Quem sabe, um dia, será

possível realizar esse tipo de trabalho com nossos alunos. Enquanto esse dia não

vem, continuo na luta, torcendo pra não encontrar nenhum lobo pelo meu cami­

nho!

Beijinhos em seu filhote. Estou com saudades!

Beijos,

Carol.

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H§t§ ¿Attintici Paula Saldanha

Prezada Ana Lúcia,

Você se lembra do Rui, aquêle professor carioca, lindo e maravilhoso, que nós

conhecemos numa assembléia por melhores salários no ano passado? Pois é, ele

me mandou uma carta contando uma experiência de leitura que e/e realizou com

os alunos dele. Achei tão interessante o relato, que vou reproduzir alguns trechos:

"(...) Mo dia marcado, fui com os alunos para a Floresta da Tijuca. Quando chega­

mos, procuramos um lugar afastado e nos sentamos. Pedi que todos fizessem

silêncio e fechassem os olhos para que pudéssemos escutar apenas os barulhos

da mata. Que delicia! Ouvíamos o farfalhar das folhas, o canto de alguns pássa­

ros, os estalidos de insetos no chão. Depois, abrimos bem os olhos para que

pudéssemos observara vegetação em volta. Ninguém se preocupou em identificar

plantas e flores, mas apenas em apreciá-las. Tamanho, con textura e espessura

eram algumas das características das plantas que os alunos mais comentavam.

Ninguém colheu nada, nem do chão. Depois, cada um desenhou em seu caderno

aquilo que mais chamou a atenção no passeio. Na seqüência, fizemos uma cami­

nhada de quarenta minutos aproximadamente e voltamos à escola. Reinstalados

novamente na sala de aula, contei que essa floresta não é nativa, pois no inicio do

século foi destruida para o plantio do café, mas que, graças a um cuidadoso traba­

lho de reflorestamento misto naquela época, foi possível reconstitui-la. Perguntei

aos alunos possíveis causas que levam os homens a destruir as matas. Muitos

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disseram que o homém precisa plantar e por isso derruba a mata; outros disse­

ram tratar-se de puro vandalismo. comentei que as respostas estavam corretas.

Para finalizar, os alunos foram à biblioteca e em grupos leram o livro Mata Atlântica,

de Paula Saldanha, livro que me inspirou esse passeio".

Não é interessante? Fiquei tão curiosa em conhecer este livro que fui imedia­

tamente à biblioteca da escola, e lá estava ele. Que obra bonita! Fiquei tão entusi­

asmada com o que li que mandei um exemplar para a Elizabeth Vasconcellos,

crítica literária, que sempre nos ajuda na escolha de livros na escola. como ela

sempre faz, escreveu o seguinte comentário: "[o texto parece nos enviar a] uma

breve viagem pela Mata Atlântica, [na qual] a autora recupera os diferentes ele­

mentos [que] compõem a referida região: as montanhas cobertas de vegetação,

as cachoeiras, a variada flora e a curiosa fauna. Ese, por um lado, ainda épossível

reconhecer essa exuberância em alguns pontos da paisagem, por outro lado a

autora ressalta a devastação de que a Mata foi sendo vitima, em nome da expan­

são das cidades, da formação dos pastos e da produção de carvão".

Evidentemente, sendo moradora do interior do Estado de São Paulo, não

posso sugerir um passeio in loco, mas posso trabalhar com as imagens do livro,

pedindo aos alunos que observem as figuras de Regina Yolanda. São belíssimas

aquarelas, algumas levando a uma interpretação da beleza da fauna e da flora da

Mata Atlântica: outras, bem menos exuberantes, mostrando sua devastação. Os

alunos podem desenhar o ambiente em que vivem e comentar se o resultado de

seu trabalho se aproxima do sentimento de exuberância ou de desolação: podem

fazer colagens tentando reproduzir a beleza da Mata Atlântica; podem pesquisar

em outros livros e revistas noticias sobre desmatamento e/ou reflorestamento.

Também pensei que, por você morar no litoral, valeria a pena promover um

passeio com os alunos à serra, para que observassem como é essa vegetação que

ainda sobrevive na beira das estradas e como ela vai desaparecendo à medida

que se chega â cidade e à praia propriamente dita.

70

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O Rui nem tem idéia de como a carta dele me inspirou. (Pena que ele não

incluiu nenhum convite para visitá-lo!)

Mande notícias sobre seu trabalho.

Um grande abraço,

Lidia.

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MeDÎDO brines de fcoDeci>? Marcos Ribeiro

Querida Lurdes,

Escrevo esta carta com angústia. È que hoje fiquei sabendo que a irmã de

quinze anos de um aluno de minha sala está grávida e tem sofrido o diabo nas

mãos da familia e do suposto namorado, que não quer saber de assumir nada

(também, como poderia, se o menino só tem dezesseis anos?).

O que me chocou, na verdade, não foi esse episódio isolado, mas a reação de

um grupo de alunos que ouvia o relato do futuro (e precoce) tio.

As meninas, de treze anos, começaram a dizer que essa futura mãe adoles­

cente não prestava, pois "quem mandou ela se entregar pro primeiro que apare­

ceu?" Já os meninos, achando-se muito machos com seus treze/catorze anos,

disseram que "o azar é da mulher. Homem que é homem não tá nem aí se

engravida ou não a namorada ".

Fiquei impressionada com os comentários desse grupo. Afinal, eles são tão

jovens e tão reacionários...

O que você faria no meu lugar? Caso tenha uma idéia, escreva pra mim, pois

estou me sentindo despreparada pra lidar com essa situação tão delicada.

Um abraço,

Beatriz.

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São Paulo, IO de setembro de 1999.

Querida Lurdes:

Obrigada pela resposta tão rápida e eficiente. Assim que recebi sua carta, fui

atrás do livro que você recomendou. Felizmente havia um exemplar dele na biblio­

teca da escola. Até a bibliotecária, dona Nilma Gonçalves Lacerda, comentou sobre

a boa qualidade dessa obra.

com que interesse li Menino brines de boneca?, de Marcos Ribeiro/ Acho que a

felicidade do questionamento dos estereótipos sexuais se deve ao fato de o autor

ser consultor em educação sexual. Só assim para explicar com tanta pertinência

que "os vários tipos de comportamento estão nas diferenças individuais e não nas

sexuais". Acho ótimo que o autor alimente a discussão sobre os papéis masculinos

e femininos "chamando o leitora uma participação ativa na leitura, cobrando dele

um posicionamento que deve manifestar-se em respostas, preenchimento de co­

lunas de certo e errado, pode e não pode, acho e não acho".

Na primeira oportunidade que tive, sugeri aos alunos que lessem o livro e

respondessem às atividades. Depois, comentamos oralmente as respostas. No

geral, eias não diferiram muito das daquele grupo sobre o qual comentei na carta

anterior. Infelizmente, os estereótipos foram reforçados na maior parte das vezes.

Então, tive uma idéia: a partir da construção dos papéis que cabem ao homem e

à mulher, desenhamos, em escala natural, a figura de um homem e a de uma

mulher, não esquecendo, inclusive, de mostrar as diferenças fisiológicas dos dois

sexos. Grudamos as figuras na lousa e, aos poucos, começamos a agregar a eias,

em forma de desenhos, as respostas dadas anteriormente pelos alunos. Resumin­

do: a mulher terminou vestida de blusa e saia, ambas côr-de-rosa. O homem, de

calça e camisa azuis. A mulher trabalha em casa, e o homem, fora dela. Os filhos

passam a maior parte do tempo sob os cuidados da mãe, e assim por diante.

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Depois, lemos todos os comentarios e, para meu alivio, urna menina começou a

questionar esse monte de preconceitos. Houve uma boa discussão. Não sei se

consegui mudar a mentalidade dos alunos, mas pelo menos evidenciamos, por

meio dessa atividade, que ainda "somos os mesmos que os nossos pais", como

cantava Elis Regina.

E claro que no dia seguinte trouxe a letra dessa música e a analisamos em

aula...

Um abração e obrigada pela força,

Beatriz.

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Rubens Matuck

Olá, Eliana,

Você já teve dias em que tudo parece dar errado, mas de repente um fato

novo muda tudo? Foi o que me aconteceu h q/e com a leitura desta carta, recebida

agora à tarde:

"Prezada professora Edna:

Venho por meio desta contar a mudança que venho notando em meu filho

Marcelo. Ele, que nunca dava importância ás plantas e aos animais, começou a

valorizar as plantinhas de casa e as duas únicas árvores da rua onde moramos.

como ele é muito fechadào, não me respondeu quando lhe perguntei o porquê de

sua mudança. Por acaso, achei no criado-mudo dele o livro Plantando urna amizade, de

Rubens Matuck, que ele tomou emprestado da biblioteca da escola. Fiquei curiosa

e tentei ler. Confesso que não entendi muito bem o que o livro quer dizer, até que

pedi a uma prima minha, a Wanda Medrado Abrantes, que também ê professora

e especialista em literatura, para ler e me explicar esse livro. Ela gostou tanto dele

que me mandou esta resposta por escrito: "Plantando uma amizade é um livro que

emociona o leitor pela beleza das ilustrações, pela composição das figuras, pela

delicadeza do texto e pela profundidade do sentido ecológico: não se limita so­

mente a mostrar a necessidade de defender o verde, mas evidencia, também, a

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relação que há entre as plantas e a própria natureza humana'.

Acho que agora entendi direitinho o conteúdo de Plantando uma árvore. Por isso

pergunto: a senhora acha que esse livro tem mesmo a ver com o jeito diferente do

Marcelo?

Um abraço da Catarina".

"E claro que sim!", é a resposta que vou dar pessoalmente a essa mãe

dedicada. Pretendo contar que a partir da leitura desse livro começamos a obser­

var as plantas que existem na rua da escola (que são pouquíssimas) e a coletar

folhas dos locais por onde passamos. Embora ainda não possamos classificá-las

(para isso é necessário contar com a ajuda do professor de Ciências), já estão

organizadas e coladas num "caderno de plantas". Além disso, estamos montando

uma exposição dos alunos com textos e ilustrações sobre árvores e plantas.

Um grande abraço,

Edna.

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Fernanda querida!

Ah, Fernanda, se todos os dias fossem como cinco dias atrás, acho que não

sobreviveria a mais uma semana! Que barra pesada! Estava saindo da escola com

mais dois colegas quando um grupo de meninos de rua nos cercou. Fiquei apavo­

rada. Levaram meu relógio, minha carteira, carteiras e relógios de meus colegas.

Fiquei tremendo, chorando, senti-me péssima.

No dia seguinte, ganhei do professor de História (lembra do Lauro, aquele que

nunca foi de falar muito, mas que prestava a maior atenção a tudo?) o livro Praça

das Dores, de José Louzeiro.

Tinha uma dedicatória, na verdade a reprodução de um parecer critico de

Francisco Aurélio Ribeiro, publicado na Folha de S. Paulo, quando o livro foi lançado:

"Obra realista, corajosa, de denúncia, que necessita de ser lida, para se discutir

uma realidade tão próxima do brasileiro e que não pode ser ocultada, se se quiser

modificá-la". comecei a ler o livro: afinal, o Lauro tinha sido tão assaltado quanto

eu, mas não parecia estar com raiva dos assaltantes; parecia, ao contrário, empe­

nhado em modificar minha opinião sobre os menores de rua.

Eleonora Cretton Abílio, minha amiga que veio me dar uma força na saida da

escola no dia seguinte, já conhecia o livro e comentou que a maior qualidade desta

obra de José Louzeiro está em "conseguir renovar nossas esperanças e expectati­

vas ao vincular seu texto a um problema nacional".

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Resolvi ler o livro com os alunos. Depois da leitura pedi que pesquisassem em

jomais, revistas e livros histórias sobre menores de rua. Montamos juntos um

grande mural que ficou exposto no pátio, na parte coberta. Foi incrível: as noticias

retiradas da imprensa pareciam copiar a ficção de Praça Jas Dores.

como percebi que os alunos estavam muito motivados, propus a leitura da

coluna de Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo, jornal que chega diariamente a

nossa escola (e acho que a todas do Brasil), e de alguns livros que ele publicou

sobre a infância desassistida: Meninas da noite, Aprendiz do futuro, O cidadão de papel.

Fernanda querida, precisava desabafar. Desculpe. Nem perguntei de você.

Tudo legal? Espero que você esteja bem, apesar do mundo difícil que nos cerca.

Um grande abraço,

Erica.

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Querida professora Clarice,

Há quanto tempo! Acho que a senhora não se lembra mais de mim: fui sua aluna há muito tempo, pra ser mais precisa, há dezoito anos! Naquela época, eu tinha nove, era magrela e roía muito as unhas.

Felizmente consegui localizar seu endereço residencial para poder mandar-lhe esta carta, que deveria ter sido escrita há muito tempo. Só pra dizer como ter sido sua aluna foi uma das melhores coisas que aconteceram em minha vida escolar. Afinal, nas suas aulas aprendi o valor da leitura, o gosto do texto, o prazer de manipular um livro. Todas essas sensações voltaram numa fração de segundo, após a conclusão da leitura com meus alunos de 5- série da obra De surpresa em surpresa, de Fanny Abramovich. Sabe por quê? Porque nesta história a autora narra a experiência de Camila, uma meninota, que "vai pela primeira vez ao teatro, com um ingresso ofertado pelo pai de uma amiga ".

A Ninfa Parreiras (lembra dela? Aquela colega que dividia a carteira comigo, que hoje é critica literária) também leu esse livro da Fanny e comentou em uma carta endereçada à escola que "tôda a emoção [da personagem] é contada e detalhada no interior da história ". Concordei imediatamente com ela.

A senhora lembra-se de quando levou nossa tunna ao teatro para assistirão Pinóquío? Nunca vou me esquecer da expressão de encantamento da Margareth Mattos, que dividia a carteira com o Paulinho, e que hoje é diretora da escola em que leciono. Segundo ela, nós duas ficamos maravilhadas com aquele espetáculo, exatamente como acontece na história de Fanny com a Camila, que "se

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deslumbra com o Teatro Municipal, as escadarias, o palco, a platéia, os bastidores, com o espetáculo em si".

como não podia deixar de ser, tentei agendar uma ida a um teatro infantil com meus alunos, mas não deu muito certo. O problema foi o de sempre: o financeiro.

Resolvi, então, propor aos alunos que lessem textos de teatro para saber como são. Fomos à biblioteca da escola e localizamos o livro Teatro I, de Maria Clara Machado. Escolhemos a peça Plu ft, o fantasmi nhá. Não representamos a peça, apenas demos vozes a seus personagens.

Na seqüência, em parceria com o professor de Educação Artística, construi-mos em m assi nhá as personagens citadas na peça que Camila assiste, já que tanto a capa como as ilustrações internas do livro aliam "diferentes técnicas. O alto-relevo de algumas ilustrações faz saltar aos nossos olhos figuras, como se fossem bonecos moldados". (Estou reproduzindo as palavras de Margareth Mattos, que explicam superbem o que estou querendo dizer!)

O resultado foi tão bom que amarramos barbantes nesses bonecos de massinha, como se fossem marionetes. Embora sem articulação e sem flexibili­dade, ficaram bem parecidos com marionetes de verdade. Depois, inventamos a história do espetáculo que Camila assistiu. Todo o mundo envolveu-se nessa ativi­dade.

Tanta inspiração se deve às suas aulas, de tanto tempo atrás. Você foi a minha grande professora!

Vou parando por aqui, porque estou começando a ficar muito emocionada e a carta vai ficar melada demais!

Um grande abraço de sua ex-aluna,

Roseli.

RS.: Quando assisti ao filme Sociedade dos poetas mortos, com Robin Williams no papel do professor John Keating, pensei muito em você.

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Guilherme,

Você tem a impressão de que dar aulas é sempre uma aventura? Quando

tudo parece ir bem, acontece algo que nos surpreende. No começo desta semana,

uma aluna estava superchateada porque eu nâo deixei que ela chupasse bala en­

quanto escrevia. Mãos meladas, papeizinhosgrudentos embaixo da carteira, aquela

cara entre o choro e o zango: "Mas eu estava com vontade!" Você já tentou expli­

car para alguém de oito anos que simplesmente não pode, porque não é hora do

lanche e, além do mais, que a fôlha fíca uma sujeira ? Alguns colegas da in justiçada

engrossaram a reclamação, criou-se um pequeno motim na sala. comentei o qui­

proquo com a Tereza, minha colega, também professora de Portugués. Ela me

recomendou o livro Barulho demais. Alada mais apropriado à situação: dois vizinhos

— um jaca ré e um elefante — brigam porque o violino de um atrapalhava o trómpete

do outro e vice-versa. Cada um era apaixonado pela sua música, mas não conse­

guia perceber que incomodava o outro, até que decidiram formar um dueto. Con­

cordo com o que Laura Sandroni escreveu em um texto que acompanhava o exem­

plar da nossa biblioteca: "Certamente, uma bela mensagem que a criança leitora

compreenderá perfeitamente e a ajudará a fixar valores que devem ser preserva­

dos".

Os alunos riram muito com as caras atormentadas do jacaré e do elefante.

Achei que a melhor maneira de aproveitar a leitura era pemiitir que a diversão

continuasse. Então pedi que imaginassem que todos nós éramos músicos e que

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tínhamos nos mudado para o quarteirão em que moravam o jacaré e o elefante.

Cada criança representava um bicho e trouxe um "instrumento"para tocar. Na

verdade, podia tudo: sininho, martelo de cozinha, lata cheia de pregos, qualquer

coisa que fizesse barulho.

Primeiro, cada um teve o prazer de apresentar o nome (inventado) e o som

do próprio instrumento; depois, todos tocaram simultaneamente e fizemos uma

barulhei ra dos infernos. Você bem pode imaginar. Guilherme, que eles adoraram

essa bagunça tôda. Mas concordavam que não dava para todo mundo tocar do

jeito que queria, sem saber quando começar e quando parar. Lembramos como

acabava a história do jacaré e do elefante e eu pedi que os alunos dessem suges­

tões de como organizar a nossa "música ", para que a gente pudesse tocar sem

criar tanta confusão. Uns sugeriram que cada músico ficasse separado dos outros,

mas ai vários acharam que perdia a graça. Outro achou que podia separar os

instrumentos por tipo de som, alguns disseram que deveríamos fazer uma roda,

cada um tocava um pouquinho e dava lugar para o colega do lado. Tentamos

várias dessas possibilidades e não posso dizer que chegamos a soar como uma

orquestra, mas ao menos as crianças estavam tentando estabelecer um acordo.

Para completar (e chegar onde eu mais queria!), discutimos como seria bom

poder fazer tudo do jeito e na hora que quiséssemos. Escrevemos na lousa uma

lista enorme de coisas de que gostamos e que podem atrapalhar alguém: comer

pipoca fazendo barulho no cinema, assistir à televisão na frente dos outros, furar

fila, demorar muito no banho, comer sozinho o último pedaço de torta. Então

inventamos soluções fantásticas para os problemas. Teve até a idéia de um chu­

veiro que molhava, ao mesmo tempo, quem tomava banho e quem estava parado,

esperando, na porta do banheiro! Ainda bem que ninguém inventou uma bala que

não suja o papel e engana o professor. Já pensou que argumento eu usaria na

próxima vez que alguém comesse bala na sala de aula?

Juliana.

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Irene,

Quero fazer uma confissão: quando estou pesquisando livros para adotar nas

minhas aulas, encontro alguns que me deixam na maior dúvida, não sei bem qual

a melhor forma de lê-los com os alunos. Isso aconteceu de novo, com Contos de

assombração. Decidi pedir ajuda para uma colega dos tempos da faculdade, Jane

Paiva, que resumiu maravilhosamente o que o livro apresenta: onze histórias do

folclore latino-americano, que abordam "os perigos da noite, do escuro, do desco­

nhecido, dos mistérios que encobrem, tolhendo e refreando exemplarmente os

ousados aventureiros que queiram, na vida, ousar ou comer riscos". Su não queria

desperdiçar esse lado fantasioso e simbólico da obra, mas achei uma pena perder

a oportunidade de abordara riqueza cultural de uma coletânea de textos proveni­

entes de onze diferentes países de nosso continente. Pensei na seguinte estraté­

gia e queria sua opinião.

como cada conto traz uma breve explicação sobre o pais de origem, o tema

e o protagonista, pensei em ampliar essas tais fichinhas, com maiores informa­

ções sobre o pais de cada um dos contos. Trouxe um mapa da América e, inicial­

mente, localizamos os onze paises. Passamos para a sessão de pesquisas, na qual

cada grupo ficou responsável por um pais e consultou enciclopédias para: I) fazer

um desenho da bandeira do pais; 2) escrever uma pequena ficha informativa

(nome da capital, moeda, lingua oficial, população, área); 3) escrever um texto de

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cerca de trinta linhas em que se explicava brevemente a história do país (data de

fundação, independência, etc.). Na elaboração desse texto, os alunos tendem a

copiar as frases dos livros, sem compreendê-las. Por isso, eu pedi que primeiro

eles de fato transcrevessem dados e trechos e,já na classe, eles consultaram

essas anotações e produziram o próprio texto (com isso, pude interferir melhor

nas tais cópias e sugerir alterações).

Em folhas de cartolina, colamos onze envelopes, cada um recebeu o desenho

de uma bandeira e a fichinha de informações (capital, moeda, etc.) de um dos

onze países. Cada grupo apresentou os resultados de sua pesquisa e depositou, no

envelope correspondente, a sintese histórica do país. Discutimos um pouco a

"coincidência" de que aqueles paises tinham todos sido colonizados por europeus

e de que conquistaram com batalhas a própria independência. E claro que chamou

a atenção dos meninos o fato de só no Brasil se falar português.

Na etapa seguinte, cada grupo leu o conto referente ao "seu"pais e redigiu

uma síntese para colocar no respectivo envelope, de modo que todos pudessem

conhecer rapidamente o enredo dos onze contos. Na semana seguinte, fizemos a

parte mais engraçada do projeto. A proposta foi: o que aconteceu quando a

personagem do conto tal encontrou a personagem de um outro conto? Os alunos

teriam de redigir uma outra história de assombração, agora "unindo " diferentes

tradições latino-americanas. Acho que nem Simon Bolívar conseguiu tamanha

façanha!

Fernanda.

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Leonor,

As vêzes, a gente leva horas preparando uma atividade "magnífica" e nem

sempre dá muito certo. Outras vezes, uma idéia que parecia desinteressante pega

fogo e motiva a meninada. Essa boa surpresa foi o que aconteceu comigo na

semana passada.

como eu não gosto muito de insetos, não achei muita graça quando o profes­

sor de Ciências, Francisco Aurélio Ribeiro, me sugeriu a leitura de um livro com as

crianças, que estavam há algumas semanas empolgadíssimas com a coleta de

bichinhos para o viveiro da escola. Ele me indicou O dilema do bicho-psu, elogiando

muito o autor, Angelo Machado, ecologista que "consegue transmitir ás crianças o

seu amor pela natureza, atra\és de histórias que conta, sempre a partir de dados

concretos da realidade, mas buscando a liberação do imaginário infantil, pela

fantasia". Dá para apostar que o meu entusiasmo veio justamente daí, da fanta­

sia. A história é mesmo encantadora: o personagem enfrenta uma "crise de iden­

tidade", não sabe se é bicho ou se è pau e vai, aos poucos, experimentando as

vantagens e as desvantagens de ser uma coisa e outra.

Eu, que havia começado o livro sem grandes expectativas, logo tive uma idéia

para trabalhar com as crianças: inventar bichos que seriam, como o bicho-pau,

uma mistura de animal e coisa. Claro que tive receio de não estar ajudando muito

o professor de Ciências, que inicialmente queria que os alunos estudassem, tam-

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bém nas aulas de Portugués, o conteúdo sobre os insetos. Mas foi o próprio Fran­

cisco quem "consertou"minha idéia e acabou contemplando a necessidade cien­

tifica dele e a minha vontade de sair imaginando mundos que não existem. Ele

sugeriu que os bichos inventados utilizassem sua metade "coisa "para se defender

de outros bichos, continuando assim a idéia do mimetismo como defesa, apre­

sentada no livro.

Os alunos adoraram a história do bicho-pau e bolaram outros bichos muito

engraçados. como um de/es quis fazer o desenho de sua formiga-despertador, que

quase matava do coração os passarinhos que a queriam para o jantar, todo mundo

acabou desenhando os animais que tinham inventado. No próximo ano, acho que

vou fazer uma alteração: antes de cada um explicar seu bicho inventado, vou pedir

que os outros adivinhem para que serve, por exemplo, uma taturana-gilete. Quer

ser a primeira a dar um palpite, Leonor?

Kiko, o homem-enve/ope.

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Hélio,

Você tem às vezes a impressão de que agente dá aula para resgatar a própria

infância ? Pois reencontrar, depois de adulta, A form i gui nhá e s neve só me fez relembrar

o fascínio e o terror que sentía ao ouvir essa história, quando era pequena. Impres­

sionava-me a narrativa, mas eu não sabia bem por quê, até que li um texto de

Ninfa Parreiras que explicava: "Vida e morte são trabalhadas lado a lado, numa

tentativa de se estabelecer um contato da criança com a perda, o abandono e,

conseqüentemente, a morte". No exemplar que existe na biblioteca da escola,

¡lustrado por Rogério Borges, "o artista cria imagens líricas e poderosas que vão

sublinhara emoção da criançajunto à angústia da formiguinha"(desta vez, quem

me ajudou a entender isso foi a professora Nílma Gonçalves Lacerda, em um

artigo que tive a sorte de ler). Ai alguém poderia perguntar: mas para que indicar

aos afunos a leitura de algo tão triste? Pois é, parece que continuo achando que é

melhor experimentar essas situações desesperadoras por meio da literatura. Na

literatura a tristeza dói, mas é meio de mentirínha, não é assim?

Li para meus alunos só o início da narrativa, até o momento em que a

formiguinha, presa na neve, pede auxilio para o Sol, que afirma que nada pode

fazer contra o muro de pedras que é mais forte e que lhe barra os raios. Ao repetir

o pedido para o muro, a formiguinha ouve a lengalenga: "Mais forte que eu é... ".

Neste momento, em que os alunos já perceberam que a mesma idéia vai se repe-

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tir, interrompi a leitura e propus uma brincadeira de adivinhação: quem seria mais

forte que o muro? Cada aluno registrou sua primeira resposta no caderno. Então

repetimos mais duas vezes a brincadeira, insistindo, como a formiguinha, na mesma

pergunta e obtendo a mesma resposta: "Mais forte que eu é... ". Desse modo, cada

aluno foi optando por uma solução, dando à história um rumo individualizado. Por

fim, pedi que inventassem um desfecho para a própria história: quem, afinal de

contas, seria forte o suficiente para ajudar a formiguinha?

Depois da leitura das narrativas criadas pelos alunos, finalizamos a leitura

da história original de A formiguinha a a neva. As ilustrações foram analisadas segun­

do dois criüríos: o das cores (que só ganham tons mais alegres — avermelhados,

róseos, amarelados — ao final, quando chega a primavera) e o das proporções (que

sublinham a pequenez da formiga e a grandeza das demais personagens).

Mas o livro rendeu, ainda, mais uma atividade. Achei importante que os

alunos localizassem nas vidas deles as "pedras de neve", as barreiras grandes

demais, contra as quais precisassem apelar para a ajuda de outros.

Hélio, como disse no inicio, me revi nesse trabalho de leitura. Creio que eu

teria gostado, quando pequena, de ter percebido que não era a única a me identi­

ficar com a pobre formiga desamparada.

Cica Al. Lessa.

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Plana/tino do Sui, setembro de 1999.

Adriana Borges,

Aqui em Pía na Iti no do Sul começaram a construir um monumento gigantes­

co, para "enfeitar" a entrada da cidade. Tem gente que até está achando bonito,

mas a maioria nao aceita: o dinheiro gasto poderia ser mais bem aplicado, dizem.

Nos joma i s têm saido muitas noticias sobre o novo "portal da cidade ", críticas ao

prefeito, listas de outras obras mais necessárias. Os alunos chegaram a comentar

o fato em aula. Então me lembrei da narrativa sobre o rei Gilgamesh, antiga lenda

dos povos da Mesopotamia. Na história, o rei insensível decide construir um muro

em volta de sua cidade, mas é só para fazer o povo trabalhar e para provar o

quanto é poderoso.

Achei que a leitura do livro seria um bom jeito de os alunos (que têm na

maioria nove, dez anos) refletirem e poderem opinar sobre o que estava aconte­

cendo bem perto de nós, na nossa cidade. Propus uma discussão assim: e se o rei

Gilgamesh governasse Planaltino e mandasse construir uma muralha altíssima?

Servia ? Não servia ? Depois, pedi que os alunos escrevessem uma carta para o rei,

sugerindo que trocasse a muralha por outra obra, mais útil para a cidade. O que

cada um pediria? Perguntara opinião dos mais velhos — pais, mães, tios, avós —

também valia.

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como os alunos ficaram muito impressionados com a história da construção da gigantesca mura/ha de Gi/gamesh, achei que seria uma boa hora para contar outras histórias fabulosas de grandes obras. Essa idéia me veio ao lembrar o que ouvira em uma palestra da professora Maria José Nóbrega: "Quanto maior for a nossa leitura dos mitos, maiores serão também as possibilidades de estabelecer­mos relações entre as muitas histórias que os citam". Lembrei do episódio da Torre de Babel, com aquela confusão de linguas como castigo de Deus contra a pretensão humana de chegar ao céu. Nem sabia direito os detalhes, mas peguei uma Bíblia que minha mãe guarda como jóia e encontrei no Gênesis a história da Torre.

Os alunos, entre outras tantas perguntas, queriam saber "quando tinham acontecido aquelas histórias". Então, tirei partido dessa curiosidade sobre o pas­sado para comentaras ilustrações de O rei Gilyamesh, que reproduzem a arte assíria. Eles fogo repararam como as roupas, os enfeites corporais, a paisagem, tudo era bastante diferente dos nossos costumes. O professor de História, que tinha uma au/a vaga e veio ouvir a leitura dos textos dos garotos, teve a idéia de fã/ar um pouco da Mesopotamia e parece que esse assunto rendeu! Acho que só de os a/unos saberem que existiu um lugar tão longe e com um nome tão esquisito já foi o suficiente para eles acharem aquele distante pedaço de terra entre dois rios bem mais interessante que Plana/tino do Sul e seu novo portal. Eu, particularmente, também adoro pensar que o mundo não acaba aqui, nem foi criado nesses últi­mos anos.

Carlos.

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Marilu,

Na sala dos professôres, outro dia se comentava que ler jomaI é uma mono­

tonia, porque são sempre as mesmas desgraças, os problemas econômicos se

repetem, a violência está sempre nas manchetes. Alguém brincou que seria diver­

tido escrever o jornal de "outro mundo", um jornal de pura fantasia. Eu estava

justamente pensando em começar c trabalho de produção de jornal na 8* série e

fiquei com aquela idéia na cabeça. Então ouvi em um programa de ràdio a profes­

sora Lucília Garcez comentar o Jornal da Grécia, cuja proposta é "fazer um jornal

nos moldes modernos que poderia representar o que seria um jornal da Antigüi­

dade". Imaginei que, mesmo inventando o jornal de um mundo fantasioso, as

seções deveriam ser as mesmas: economia, politica, catástrofes, cultura e diver­

são, entrevistas com personalidades. Portanto, em termos de gênero de texto,

nada se alteraria com o fato de as noticias serem pura ficção.

Para dizer a verdade, estava me sentido insegura. Será que a idéia era arro­

jada demais? Tentei estruturar direitinho as etapas e o objetivo do trabalho e

comecei a sentir maior firmeza. com a leitura do Jornal da Grécia, os alunos reco­

nheceram e relacionaram as seções de um jornal, já que, no livro, "como se fosse

um tablòide, todos os elementos comuns aos jomais estão presentes: manchetes,

notícias, artigos de opinião, notinhas, entrevistas, classificados, ilustrações hiper-

realistas imitando fotos, propagandas, cartuns... " (conforme disse Lucília Garcez

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naquele programa de que lhe falei). Depois, comparamos essas seções com aque­

las de alguns jomais atuais, só para que os alunos comprovassem que o gènero

"jornal" tem caracteristicas bastante definidas. Por fim, estávamos preparados

para começar a redigir nosso tabloide.

A idéia era fazer um jornal que contasse a história de uma "nova" civilização.

Partimos da seguinte situação: somos um povo que vive em uma certa região do

planeta Scorpios, no ano de 3099. Fomos colonizados pelos terráqueos, que fun­

daram nossa nação em 2020. A partir desses "dados", teríamos de pensar como

seria a vida dessa nação e registrá-la no formato jornal. Algumas referências

presentes no Jornal da Grécia serviram de base para as perguntas a que deveríamos

responden como é o lazer? O que se produz em Scorpios? como são negociadas

as mercadorias? Quais os anúncios que aparecem? Quem dirige a nação? como é

a religião, o que se faz nas artes? Quais os meios de comunicação e de transpor­

te? Há guerras? Contra quem e por quais motivos?

Dividimos as equipes de redatores: politica, economia, cultura, esportes, co­

tidiano e publicidade. Dois alunos ficaram responsáveis pela criação de cartuns,

mapas e demais ilustrações. Para treinar concisão, estabeleci que cada artigo,

com as respectivas ilustrações, deveria ocupar no máximo uma folha. Quando

tudo estava pronto, reunimos os trabalhos das diversas equipes e nos divertimos,

lendo um jornal que era bem mais surpreendente que aqueles que costumamos

folhear diariamente.

Maria Ondina.

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Helena,

Você me contou que nem sempre lhe agrada traba/har com textos do fole/ore

nacional. Você disse que tem a impressão de que muitas vezes a beleza da história

fíca apagada por uma linguagem sem graça, não é? Mas tenho uma boa dica para

você, que me chegou pelas mãos da professora Lucilia Garcez: Terezinha Éboli, em

A lenda da ilitória-régia, "demonstra um cuidado especial com a qualidade literária de

seu texto, o que nem sempre se pode observar em grande parte dos textos recolhi­

dos nas pesquisas folclóricas". A poeti cidade com que narra a triste história da

india Naia combina perfeitamente com as ilustrações. A nossa colega. Graça

Monteiro de Castro, até mesmo comenta: "O projeto gràfico do livro foi concebido

considerando a atmosfera e o tema abordado pelo conto, todo em negro, lem­

brando a escuridão das noites, e o ilustrador nos remete à magia noturna com

imagens densas e fortes". Fiquei tão encantado com o livro, que o levei para a sala

de aula. Sempre acho que, se eu mostrar meu entusiasmo pelas leituras, meus

alunos também vão acabar gostando.

como a morte costuma ser um acontecimento difícil para as crianças (e

para mim também!), pensei que poderia trazer outras histórias que, assim como

a lenda da vitória-régia, abordassem o tema de modo poético. Lembrei-me da

história de Eco e Narciso, que também trata de uma paixão irrealizada e do

surgimento de elementos da natureza a partir da morte dos protagonistas: os

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ossos de Eco se transformam em rochedos. Narciso se transforma em flor. Depois

percebi outro ponto de contato entre o mito grego e a lenda indigena: o reflexo na

água, que atrai tanto a india Naia quanto Narciso. Planejei o trabalho assim: uma

metade da classe Iena a lenda da vüóría-régia e a outra Iena o mito de Eco e

Narciso, que eu mesmo (será que foi muita presunção?) resumi em umas três

páginas, tentando imitar o estilo de Terezinha Éboli. Depois, em pequenos grupos,

os leitores de uma das histórias apresentariam aos demais o enredo e vice-versa.

Então, eles teriam de encontraras semelhanças entre essas narrativas e apresentá-

las para a classe.

No conjunto, os alunos perceberam os elementos principais e, no final, pro­

pus a produção de uma lenda que explicasse, por meio de uma história de amor,

como tinha surgido algum ser ou objeto que eles conhecessem. Cada aluno pôde

escolher livremente e, veja você, "como surgiu a televisão" foi a história que mais

apareceu. Pois é. Helena, tecnologia e poesia não são necessariamente inimigas

mortais!

Leo.

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Bernardo,

Mes passado, houve um dia que deixou os alunos em polvorosa: sexta-feira

13..., de agosto/ Isso rendeu um breve projeto de leitura e artes. Já uma semana

antes, havia aluno prevendo o fim do mundo, lembrando que seria dia de

assombração, em que lobisomem sai da toca. Para dar uma equilibrada no clima

apocalíptico que se estava formando, pedi que eles trouxessem de casa os objetos

que na familia se usavam para ter sorte, evitar mau-olhado, afastar azar. No dia

seguinte, fizemos mural de "proteção contra a sexta-feira 13 ", pendurando uma

coleção de amuletos: pé de coelho, folha de arruda, alho...

Naquela mesma tarde, fui até a biblioteca da escola, na tentativa de encontrar

um livro que pudesse de algum modo estar relacionado com esse mundo

sobrenatural, das simpatias e benzeduras. Acabei encontrando algo belíssimo:

uma história em versos de uma carranca do rio São Francisco. Escrito e ilustrado

por Roger Mello, a narrativa poética de Maria Teresa recupera a tradição artística de

se colocar na proa dos barcos aquelas belas e aterrorizantes cabeças esculpidas.

"A voz que assume a narração, em primeira pessoa, personifica a carranca

observadora, dotada de emoções, medos, desejos, curiosidades, afetividade. A

linguagem incorpora ritmo, sonoridade e rimas", confbmie comentou a professora

Lucília Garcez em resposta a uma carta que eu enviei, pedindo ajuda para o trabalho.

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Fiz o exemplar do livro circular pela classe e os alunos se encantaram com a

"explosão de cores e tons que embelezam a obra, sugerindo a viagem pelo rio Sào

Francisco, e a diversidade de culturas que é possível perceber nessa viagem". Essa

interpretação foi a dica que me deu Eleonora Cretton Abílio — para quem eu tam­

bém me atrevi a escrever (deu para perceber que eu estava mesmo precisando de

ajuda, não é?). Bastou a ilustração da capa para provocar dúvidas: seria a história

de um animal que tinha corpo de barco? Seria um barco com cabeça de animal?

Lemos então a primeira estrofe do texto e os meninos queriam saber o que era

"carranca". Expus o objetivo daquelas esculturas e pedi aos alunos que identificas­

sem nas ilustrações do livro quais seriam os monstros que estariam lutando com

a carranca Maria Teresa.

Continuamos a ler a história naquela mesma aula e combinamos que faria-

mos as nossas próprias carrancas, que nos protegeriam dos "monstros" que nos

quisessem atacar na sexta-feira de mau agouro. Cada um ficou de trazer de casa

um copo ou garrafa de plástico. Analisamos os tons das ilustrações de Roger Mello

e selecionamos as sete cores que mais apareciam: vermelho, azul escuro, azul

claro, laranja, verde, roxo e amarelo. com algumas tintas, chegamos aos tons que

havíamos escolhido e os alunos pintaram nas embalagens plásticas suas carran­

cas. Cada um queria compor uma cara mais assustadora! A idéia dos chifres

feitos de canudinhos e palitos suqiiu mais ao final, quando alguns achavam que

"faltava alguma coisa".

Veio a sexta-feira 13 e nada de mau aconteceu na escola. Teria sido a prote­

ção de nossas carrancas? Se funcionaram nesse sentido, não sei dizer, mas talvez

os alunos tenham entendido como às vezes a gente recorre à arte para espantar

nossas assombrações.

Bruno Ca IH.

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Ramalho,

Esta carta começa em tom confessional: tenho dificuldade com os chama­

dos textos não-verbais, como o Noite de céo, de Graça uma. Afinal, nós, da velha

guarda, só viemos conhecer essa modalidade já "marmanjões" e sem muito co­

nhecimento da linguagem visual. Por isso, fui tateando a ilustração e usando os

elementos da narrativa verbal: personagem, espaço, tempo... O resto, deixei mes­

mo como uma experiência a ser vivida com as crianças. Juntos, descobrimos as

páginas ora duplas, ora divididas; as margens brancas, as cores azuis, que dão um

tom poético às imagens. Foi uma colega, Regina Yolanda Werneck, quem primeiro

percebeu que "o projeto gráfico é bem espaçoso, concentrando a atenção para as

expressões do cão". Para mim, esse é o segredo do livro. O cão é um personagem

muito bem caracterizado, cheio de emoções. Tinhoso, determinado, chega até a

Lua e tanto a cutuca, que acaba por explodi-la como se ela fosse um grande balão.

Aí o bichinho entristece, chora baldes de lágrimas. Mas como é mesmo determi­

nado, conserta o furo e faz mil gracinhas para ser perdoado. Mas a Lua, muito

ofendida, nada de perdoar. Esgotadas as tentativas, o cãozinho, que tem mesmo

cabelinho nas ventas, devolve a Lua ao céu com um chute e continua seu canto

solitário. E claro: um desenho tão afetivo, um cão tão cheio de personalidade,

cativou todo mundo.

Tinhamos, portanto, um belíssimo personagem. Propor uma história visual

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trazia o perigo de frustrar o aluno que desejasse fazer um desenho igual ao do

ilustrador. Ficamos, portanto, no texto verbal. O cãozinho seria o personagem

principal. Os alunos deveriam inventar uma situação para o nosso amigo resolver.

Para ajudá-los a estruturar o texto, relacionamos, na lousa, vários conflitos: o

càozinho achava um osso, cujo dono era um doberman; visitou o Sol e não conse­

guia enxergar nada por causa da intensa luz; perdeu-se na Floresta Amazônica.

Também se apaixonou por uma cadelinha de pelúcia, que latia como se fosse de

verdade. A redação teve duas etapas. U as primeiras versões para verif/carse havia

uma situação-problema e uma solução aceitável. Dei sugestões para que enrique­

cessem as reações do personagem. Os alunos faziam apenas as alterações que

achassem válidas. Só depois passaram a limpo.

As crianças pediram que eu xerocasse algumas imagens do cãozinho para

colar em suas redações. Fiquei indecisa com essa cópia de imagens, mas achei

que poderia salvara situação se ensinasse os alunos a indicara fonte bibliográfica.

Entendi que eles queriam aquêle cãozinho pelo qual haviam se apaixonado e que

tinha sido o ponto de partida de muitos textos interessantes.

Um abraço!

Tânia.

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Fabiana,

Acho que acontece em qualquer sala de aula, mas parece que é só nas nos­

sas. Há sempre aqueles amigos inseparáveis, que fazem o que for preciso pelo

outro (até mesmo o que não deveriam fazer); há também os "inimigos profissio­

nais", que aparentemente só pensam em meios de atormentar alguns dos cole­

gas. Enfim, os eternos problemas de relacionamento, que às vezes esquentam o

clima da turma. Tendo passado por uma semana infernal, aplacando desavenças,

achei que as Histórias da velha Tofônia teriam alguma coisa a dizer para as crianças de

minha 4ª série. De fato, as quatro histórias da tradição oral, recontadas por José

Lins do Rego, "falam simbolicamente de problemas comuns ao homem em todos

os tempos". Essa idéia não é exatamente minha, mas de Laura Sandroni, minha

professora de anos atrás, quando eu cursava Letras. Hoje, acrescento: especial­

mente as relações de amizade e de inimizade acabam representadas na narrativa

por meio dos personagens que auxiliam os heróis ou que a eles se opõem.

Imaginei que podia ser uma boa idéia usar narrativas fantásticas para reor­

ganizar os laços de afetos e desafetos que se haviam criado entre os alunos. De­

pois de lermos as histórias que compõem o livro, identificamos as estratégias

(quase sempre mágicas) que os personagens secundários usam para ajudar ou

atrapalhar o herói: eles se transformam em outros seres, usam de qualidades

próprias de certos animais, detêm algum objeto ou atributo especial.

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A brincadeira foi assim: formamos pequenos grupos, misturando bastante

as "panelinhas". Cada grupo entrava em acordo a respeito de um desejo, algo que

quisessem muito, valendo qualquer fantasia. Os outros grupos tinham de criar um

jeito de ajudar, e um outro de atrapalhar a realização do desejo proposto. Sugeri

algumas frases que poderiam ser completadas ("Se eu tivesse..., eu poderia... ",

"Se eu me transformasse em..., eu... ", "Se eu soubesse..., eu conseguiria... "), mas

os alunos igualmente criaram outras. Cada grupo anotou as táticas sugeridas

pelos demais e, na seqüência, os alunos de cada grupo compuseram coletivamen­

te uma história, na qual contavam como o herói realizava "seu" desejo, como

venceu os obstáculos que haviam surgido, que personagens o haviam ajudado.

Claro que nem mesmo as fábulas podem resolver para sempre os problemas de

relacionamento, mas ao menos naquele momento, em cada história que os alu­

nos criaram, tinha um pouco dos sonhos, da maldade e da generosidade dos

colegas de classe — amigos e adversários.

José Carlos.

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Caro Lincoln,

Aquela palestra da Vânia Resende, em Natal, sobre a educação do olhar,

mexeu bastante comigo. Fiquei pensando no que a Vânia disse, ao mostrar o livro

Pe dois em dois: um passeio pelas Bienais, ou seja, que ele "cumpre muito bem a sua

função: a de despertar o interesse do olhar para a fruição da beleza das artes

plásticas, situando o espectador com informações fundamentais".

Eu não sou nenhum Ronaldinho da leitura de obras de arte para "driblar" a

resistência dos alunos à arte que se afasta da "imitação "mais ou menos "fotográ­

fica "da realidade. Parece que não existe uma fórmula capaz de vencer essa resis­

tência: como diz a nossa coordenadora Liliana, o ensino é feito com os alunos, não

para os alunos. Ninguém ensina sozinho. A arte de ensinar está justamente em

prestar atenção e perceber os alunos e em desenvolver "táticas"para "driblar"as

dificuldades.

Procuro trabalhar com obras que sejam significativas para mim. Faço algumas anotações sobre a obra: o que ela mostra, como ela mostra, se representa ou

descreve algum objeto, se narra uma cena, se expressa sentimentos, etc

Lembra daquelas aulas sobre "ritmo visual"? A repetição, a alternância ou o

contraste de linhas, formas e cores? Eu procuro anotar todas essas coisas e

transfonná-las em perguntas, para incentivar os alunos a "aprendera olhar", em

lugar de "explicar" as obras para eles.

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Se tenho sucesso sempre? As vezes dá certo, outras não. Quando se tem

bem claro o que se pretende e se está aberto ás percepções dos alunos, é possível

ir criando "táticas"cada vez mais eficientes. Mas nunca "infalíveis".

Um abraço do André Luiz.

RS.: Ouvi dizer que colocaram camelos (ou dromedários) para as pessoas passea­

rem nas dunas de Natal. É verdade? Você já foi dar um passeio?

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María Helena,

O que é, o que é

um livro?

Gosto de usar perguntas como essa com meus alunos. De pergunta em

pergunta, a gente vai lembrando coisas que a gente sabe, mas nem percebia que

sabia, aprendendo outras e descobrindo coisas novas, que a gente nunca havia

pensado. Outro dia eu perguntei "o que é que o vento faz?" e um aluno respondeu

"o vento faz os pés de mato balangar". Isso levou a uma conversa sobre pés,

pemas e patas e sobre quem é que tinha o que: pessoas, cadeiras, mosquitos, ete.

Essa conversa tôda sobre pés me levou a um livro com pegadas na capa. Um

livro bastante diferente, um "livro sem texto ", como está indicado na capa, aliás,

"o melhor livro sem texto", que é um prêmio da Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil (FNUJ).

O livro Ida e volta conta uma história apenas com imagens, ou melhor, quase

apenas com imagens. Há umas poucas palavras e uma letra sozinha. Mas o que

conta mesmo são as imagens. Ou melhor, quem conta a história são as imagens:

como diz Rosa Cuba Riche, "o fio da narrativa é construido pelas pegadas deixa­

das pelo personagem no trajeto de ida e volta. A sua presença é percebida pelas

marcas dos pés impressas no caminho percorrido, pois não há a descrição física

(através de desenho), o que toma mais interessante a narrativa, abrindo espaço

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para a imaginação do leitor".

como exercicio, procurei "traduzir" a história contada pelas imagens para a

linguagem escrita. Depois, procurei transformar essa história escrita em pergun­

tas. Por fim, eu usei essas perguntas como ponto de partida para incentivar os

alunos a "lerem"as imagens e contarem a história.

Percebi que quanto mais gerais são as perguntas, melhor: surgem respostas

diversificadas e os alunos se esforçam para "resolver a charada ". Procurei evitar

perguntas como "quantas maçãs há na árvore?". E melhor deixar que os alunos

identifiquem o desenho como árvore e ofereçam hipóteses sobre qual é a fruta.

Fiquei surpreso pelo modo como os alunos percebem detalhes que eu não

tinha percebido. Eles comentaram que o livro é "mudo "porque não tem palavras,

mas tem música: não tem gramofone? E barulho disso e daquilo? Pois eles resol­

veram transfomiar a história em cinema mudo, quer dizer, em teatro mudo, mas

com música, sons e ruídos. Ficou trilegal!

Conheces outros livros "mudos"?

Um abraço do Paulo.

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Adriana,

Você sabia que "há ainda, segundo estimativas, cerca de 50 povos indígenas

isolados na Amazônia brasileira, sem contato com os brancos"? Fiquei sabendo

disso no livro Juntos na aldeia, de Luis Donisete Benzi Grupioni. como bem sinteti­

zou Ninfa Parreiras, o livro "reúne quatro histórias sobre o cotidiano, os costumes,

os rituais e a sabedoria dos índios brasileiros, mais especificamente de quatro

povos indígenas".

Você se lembra de um soneto de Olavo Bilac sobre a música brasileira que

aparecia em um livro de portugués? Nesse soneto, Bilac afinnava que a música

brasileira era uma "flor amorosa de três raças tristes". Lindo, não é mesmo? Esse

é o perigo da poesia: a gente acha bonito e acaba tomando o bonito como verda­

deiro.

Nossa relação com os índios, por exemplo, é bastante problemática. 6 comum, em creches e escolas de educação infantil, comemorar-se, em 19 de abril,

o "Dia do Indio ", maquiando as crianças como se fossem figurantes de faroeste

norte-americano. Nas aulas de história, os indios viram assunto do passado, ge­

ralmente transformando povos com culturas e linguas muito diferentes em uma

massa indiferenciada.

Por todos esses motivos foi que gostei demais de Juntos na aldeia.

como na escola só tem um exemplar, li o livro para os alunos. Tem gente que

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acha que depois que se inicia o processo de alfabetização, ler para as crianças

toma-as "preguiçosas"para a leitura. Minha experiência como criança, como pro­

fessor e como adulto ouvinte de histórias desmente esse "achismo".

CJ as historias saneadamente, começando pela última, "A criação da huma­

nidade ", que contrapõe diferentes visões: a científica, a cristã e a do povo Waiãpi,

tematizando a diferença e o respeito. O fato de as histórias sempre incluírem

crianças como personagens contribuiu bastante para o interesse dos alunos.

Depois dessas leituras, orientei os alunos na biblioteca como procurar outras

histórias de temática indígena. Eles começaram a ficar mais atentos a notícias e,

assim, iniciamos uma hemeroteca, isto é, uma coleção de recortes de jomais e

revistas, tendo sempre o cuidado de registrar onde e quando a notícia ou reportagem

tinha sido publicada. Esses recortes serviram também como material de leitura e

discussão.

A experiência foi tão rica, que passamos a montar coleções de recortes sobre

outros assuntos. Agora já temos coleções de imagens: reproduções de desenhos,

gravuras, pinturas, fotografias, ete. E também coleções de poemas organizadas

por assunto. A professora Cíntia, de Arte, foi quem teve a idéia de organizar as

coleções de imagens. E ela vem trabalhando com os alunos o que ela chama de

"leitura da imagem".

No fim, a leitura de Juntos na aldeia teve desdobramentos que eu nem podia

imaginar.

Um abraço do Alexandre.

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María Helena,

Obrigado pela dica do Leonardo, história e desenhos de Nelson Cmz. Concordo

contigo que, na verdade, não há história e desenhos, mas, sim, uma história

contada por meio de desenhos.

como tu sabes, a Fundarte, Fundação Municipal de Artes de Montenegro,

organiza todos os anos um encontro de arte-educadores. Já faz algum tempo,

esteve aqui a professora Ana Mae Barbosa, falando sobre a importância da "alfa­

betização visual" e da "leitura da obra de arte". Desde então, os professores de

Arte não se contentam mais em incentivar os alunos a criar, mas procuram tam­

bém ensinar a ver e a "ler" imagens. Mostrei o Leonardo para o Adriano, que é

professor de Arte, e ele ficou entusiasmado com a possibilidade de ralar sobre

Leonardo da Vinci a partir do livro "mudo".

A partir da cena em que Leonardo está olhando a "Mona Lisa ", o Adriano

propôs aos guris recriarem outras pinturas de Leonardo, como o próprio Nelson

Cruz faz, brincando com o retrato, colocando bigode e cavanhaque, fazendo a

caveira, colocando chifres ou fazendo um desenho geométrico semelhante às pin­

turas de Picasso.

O que me chamou mais a atenção foi a maneira como a história é contada,

não apenas pelas imagens, mas o ângulo e o enquadramento das cenas, o que,

aliás, motivou o comentário de Ni Ima Gonçalves Lacerda de que "a perspectiva um

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tanto enviesada (...) situa o observador em um ponto de referência que não é

habitual". Os desenhos fazem o Ieitor-espectador voar sobre a cidade, aterrizar,

ver as cenas sob diversos angu ios: de baixo para cima, de costas, bem pertinho,

como se a gente estivesse dentro do cenário, ete.

Upara os alunos a crônica "Se eu fosse pintor", da Cecilia Meireles, em que

ela descreve uma paisagem como se fosse vista no cinema, do plano mais próximo

ao Ieitor-espectador, até o plano mais afastado. Depois, propus que os alunos

procurassem escrevera história do livro Leonardo, sugerindo aqueles diferentes pontos

de vista que aparecem nos desenhos.

Eu sabia que não era fácil. De fato, poucos conseguiram. Mas não faz mal.

O que valeu foi que eles começaram a prestar atenção não só no (jue as imagens

mostram, mas também como eias mostram. E, ainda, como as palavras podem

sugerir imagens na mente do leitor.

Um abraço do Paulo.

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Mirian,

Você já reparou que, às vêzes, a gente vai a um lugar e o que desperta nossa

emoção pode ser uma coisa completamente inesperada? Quando eu fui a Mariana,

em Minas Gerais, fiz questão de conhecera casa do poeta Alphonsus de Guimaraens,

autor daquele belo poema, "Ismália": "Quando Ismália enlouqueceu..." — lembra?

Na casa-museu, porém, o que me tocou foram uns Iagartozinhos verdes correndo

entre os vãos de um muro de pedra... Eque eu me lembrei de um poema de Cecilia

Meireles, "O lagarto medroso", do livro Ou isto ou aquilo.

Essas lembranças foram despertadas pelo livro Maria Marfins: mistério das for­

mas, em que Kátia Canton escreveu um poema inspirado em três obras da esculto­

ra pertencentes ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de

São Paulo (MAC).

Na semana passada, propus aos alunos escreverem sobre algo que tivesse

despertado neles um sentimento de beleza. Depois, dei oportunidade aos alunos

que quisessem de ler seus textos em voz alta, para a classe. Em seguida, em

grupos de quatro alunos, pedi que cada um lesse o texto dos outros e respondesse

a uma pergunta: o que è beleza?

Essa proposta resultou em um debate bastante animado em sala de aula e

em redações extremamente pessoais, reveladoras de ricos mundos interiores.

Depois da conversa sobre beleza, os alunos estavam com todos os sentidos

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abertos para apreciar o poema de Kátia Canton e a obra de María Martins. Assim,

eles puderam ampliar o entendimento sobre beleza e sobre arte, deixando de lado

a idéia de arte como "cópia"ou "imitação"da realidade (como uma fotografia) e

a idéia de arte como "enfeite". O livro realmente contribuiu "para a aceitação e

compreensão da arte abstrata que, passados tantos anos depois de seu apareci­

mento e expansão, continua despertando sentimentos de pasmo, rejeição ou até

censura ", incentivando os alunos "para modos de percepção que excedem o figu­

rativo e o mimètico, tomando-o[s] apto[s] para as conquistas da vanguarda do

século XX". As aspas indicam que eu estou me apropriando e assinando embaixo

de um comentário de Regina Zilberman que encontrei na livraria Menino

Maluquinho. (Infelizmente, esqueci de anotar onde foi publicado. Que cabeça, a

minha!)

Beijos da Lina.

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Henríqueta Lisboa

Paranavaí, 12 de outubro de 1999.

Prezada Professora Nilma Gonçalves Lacerda,

Estou aproveitando o feriado para lhe contar como foi importante seu curso

aqui em Paranavaí.

Sempre achei que poesia era a expressão mais sincera de urna pessoa. Sepa­

rar a pessoa que escreve da "voz que se manifesta no poema"não foi nada fácil

para mim. Não era uma questão de entender, é que isso mexia com as minhas

crenças, entende? com o tempo, percebi que não por isso os poetas iam virar

"uns fingidos que ficam brincando com os sentimentos dos outros".

Resolvi ler o livro 0 menino poeta, de Henríqueta Lisboa, incentivado pelo seu

comentário de que "voz de qualidade na produção poética brasileira da segunda e

terceira fase do Modernismo, Henríqueta Lisboa faz cruzar neste volume vários

discursos, colocando-os por vezes em francas direções contrárias: admoestação

em 'Nauta', rendição da voz adulta em 'Tempestade', espelhamento em 'O aquá­

rio', a brava caça ao tempo em 'O tempo é um fio', obediência e santidade em

'Oração', vontade própria e autonomia em 'Consciência'".

Foi a leitura de 0 menino poeta que me esclareceu de vez essa história de voz

poética. Um dos primeiros poemas do livro, "Consciência", começa com o verso

"Hoje completei sete anos". Mais para frente, o poema "Esperança" representa

lII

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esse sentimento como uma "menina travessa " que "foi minha companheira de

infância". como alguém pode completar sete anos e, ao mesmo tempo, lembrar-

se de alguém que foi uma companheira de infância, ou seja, sugerindo que a

infância jâ passou? E claro que a autora colocou-se na pele de diferentes "vozes

poéticas". como eu imagino que deve fazer um autor de telenovela. (como é que

eu nâo havia pensado nisso antes?)

Depois dessa descoberta — que nâo foi propriamente uma descoberta, mas o

momento em que "caiu a ficha " — comecei a prestar mais atenção a essas dife­

rentes vozes. E até resolvi trabalhar isso com meus alunos. Peguei o poema 'Tem­

pestade", que sugere uma conversa entre mãe e filho, fiz cópia para cada dupla de

alunos, pedi que eles lessem em silêncio e depois em voz alta. Eu lia até um sinal

de pontuação e eles até o seguinte e assim sucessivamente.

Depois conversamos sobre o poema, sobre a cena. Sugeri que eles fizessem

uma história em quadrinhos a partir do poema. Teve colega minha que achou UM

AB-SUR-DO misturar gibi com literatura. Eu nem ligo. Na vida as coisas não

estão todas misturadas? Hoje à noite não vai passar na televisão Morte e vida

Severina, de João Cabral de Melo Neto, logo depois da novela? Então...

Ah! como os alunos têm vergonha de recitar para os outros, fiz leituras do

poema com os alunos nos próprios lugares, cada aluno "representando" uma voz:

a mãe, o menino, o narrador...

Agora, até os alunos já perceberam que "o poeta é um fingidor".

Beijos,

Elmüa.

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Ana Maria,

Estou lendo poemas para os alunos no início das aulas. No começo era só eu

mesma que lia e procurava incentivar comentários dos meninos. Agora eles já

começam a trazer poemas, alguns já querem ler eles mesmos e também estão

mais soltos para comentar.

Os poemas engraçados e que brincam com versos populares fazem o maior

sucesso. Mas como preparar os alunos para poemas de uma beleza mais delicada,

mais sutil, como os de Ou isto ou aquilo, de Cecilia Meireles? como diz Maria Antonieta

Antunes Cunha, este livro introduz "na poesia brasileira para crianças a leveza, o

claro (e simples) jogo de palavras, idéias e situação, o cotidiano, o humor. Tudo,

obviamente, encharcado de qualidade literária. Por outro lado, não estará ausente

o lirismo mais delicado, a metáfora mais cuidada e, nas entrelinhas, a reflexão/

sentimento em tomo da vida e da morte".

Ao planejar como trabalhar com "Colar de Carolina ", primeiro poema do

livro Ou isto ou aquilo, procurei fazer uma leitura atenta do texto, com o objetivo de

estudara composição do poema. Notei que:

1. as palavras COLAR e CORAL têm as mesmas letras, só que em ordem

diferente, sugerindo uma relação entre o objeto (colar) e o material (coral) de que

ele é feito;

2. várias palavras que aparecem no poema são combinações de letras que

formam o nome da menina, CAROLINA: COLAR, CORAL, COLINA, COLO, CAL, ete.

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Depois da leitura atenta do poema e do estudo da sua construção, o desafio:

como sensibilizar os alunos para essas minhas "sacadas", sem virar uma

"explicaça o "?

Matutei um bocado sobre isso até que, vendo uns meninos brincando com

palavras cruzadas (aquele jogo de tabuleiro e pecinhas de madeira), tive uma

idéia, que realizei em seguida:

1. Propus aos alunos escreverem palavras utilizando as consoantes C, L, Al e

R, apenas essas consoantes (podendo repeti-las), e apenas a vogai A (também

com direito a repetições).

2. Escrever palavras com — e apenas com — as consoantes C, L, Al e R, a

vogai A e a vogai O.

3. O mesmo que o anterior, mas acrescentando a vogai I.

4. Para incentivar os alunos a escreverem mais palavras, fiz perguntas do

tipo: quem conseguiu escrever palavras com uma silaba, com duas, com três?

Quem conseguiu escrever o nome de um objeto, de um enfeite, de um enfeite

feminino, de uma substância branca, de uma parte do corpo, de um nome de

menina, ete?

5. Pedi que os a/unos juntassem aquelas palavras formando uma ou mais

orações que sugerissem uma cena, como as que aparecem nos trava-línguas "um

prato de trigo para três tigres tristes", "Pedro Pinto Pereira, pobre pintor português,

pinta portas, paredes, painéis, com seus pincéis" (e um aluno completou: "por

parco preço, patrão" — essa eu não conhecia!).

6. Os alunos leram os seus trava-línguas e, em seguida, eu apresentei: vamos

ver agora como a escritora Cecilia Meireles juntou algumas dessas palavras para

compor um poema, "Colar de Carolina ".

Os alunos se sentiram como "escritores". Foi ótimo. O desafio é que cada

poema é diferente do outro: cada poema é um desafio para o leitor. Ainda bem!

Beijos da Una.

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Luis,

Este é só um bifhetínho para contar do livro Pinturas: jogos e experiências, da ilustradora sueca Ann Forslind, que apresenta diversos materiais artísticos, como lápis, carvão, lápis de cor, giz colorido, nanquim, tintas solúveis em água (guache e aquarela); várias sugestões de como explorar seus potenciais expressivos; técni­cas como impressão e colagem; dicas de como preparar a própria tinta; uma curiosa "pintura animada com iogurte", além de um glossário.

como sublinhou Regina Yolanda Werneck, na oficina Arte e Ciência no Ensi­no Fundamental, o livro Pinturas oferece a "oportunidade de lidar com arte e ciên­cia juntas, visto que cada atividade mostrada no livro representa a utilização de materiais diferentes que oferecem as dúvidas e os porquês científicos dos materi-ais .

Esse livro foi "uma mão na roda "! E que mão! como destaca Eleonora Cretton Abílio, em resenha publicada na Bibliografia brasileira de literatura infantil e juvenil, "os desenhos e pinturas que ilustram a obra espalham-se por todas as páginas, inclu­indo-se trabalhos feitos por crianças, numa demonstração visual e plástica das diferentes técnicas dadas a conhecer ao leitor, de forma que o livro ganha mais qualidade estética".

Um abraço do Antenor.

P.S.: Gostei muito da sua idéia de os alunos recriarem pinturas, transformando-as

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em maquetes. Realmente a pintura da Tarsila do Amaral cativa os alunos, e a

geometrização das formas facilita a sua recriação. O trabalho foi divertido e os

alunos ficaram totalmente absorvidos. Obrigado pe/a dica!

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Vozinha,

Na reunião do mês passado, a coordenadora pedagógica sugeriu que os pro­

fessores iniciassem um trabalho de sensibilização para a leitura do texto poético.

O objetivo do trabalho não era aprender sôbre poesia, mas aprender com a poesia.

Ela sugeriu iniciar o dia lendo um poema, abrindo espaço para comentários dos

alunos.

Escolhi o livro Poesia fore Ja estante, uma antologia de poesia brasileira para

crianças que reúne poemas cujos autores "estão tanto entre aqueles que produzi­

ram deliberadamente para crianças como entre aqueles que, tendo produzido lite­

ratura para adultos, podem ser lidos pelas crianças com prazer e encantamento,

seja pela temática, seja pela estruturação linguistica ", como bem escreveu Graça

Monteiro de Castro no jornal Proleitura.

Resolvi ler os poemas salteadamente. comecei pelo "Era uma vez", do Sérgio

Capparelli:

Era uma vez

um gato coto:

fez cocô procê só.

(...) como você pode imaginar, o ritmo, acentuado pelos versos curtos e as rimas,

a brincadeira com os versos da "Vaca amarela"'e, naturalmente, o "assunto"cati-

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varam as crianças. Animada com o resultado, saltei para outro divertido poema

do Capparelli, "Minha cama":

Um hipopótamo na banheira

molha sempre a casa inteira.

C) O poema é composto por estrofes de dois versos, com rimas emparelhadas.

A distribuição dos versos e as rimas chamam a atenção para a sonoridade, o

ritmo, a música das palavras. Quando a gente fala em música das palavras é

porque se pensa nas palavras faladas, não nas palavras escritas. No livro, as palavras

são "mudas". Para que os alunos começassem a perceber a música das palavras,

fiz uma leitura em voz alta: eu lia um verso, os alunos o seguinte, e assim suces­

sivamente. (Para isso foi necessário preparar cópias do poema para cada dupla de

alunos.)

Depois brincamos (brincamos, mesmo!) de recitar trechos do poema como

se fosse anúncio, bronca, pedido, súplica, jogo de futebol, noticia policial, ete. Foi

muito divertido! E adio que os alunos aprenderam bastante também (e sem

perceber, brincando...).

O livro Poesia fora da estante está organizado em blocos, construidos a partir de

um denominador comum, seja relativo aos recursos utilizados, seja em relação

aos temas. Para cada um desses blocos há uma breve introdução, que merece ser

lida e discutida com os alunos.

Beijos da Una.

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Caro Celso,

Quero lhe presentear com um pensamento do mestre pernambucano Paulo

Freire, que a coordenadora pedagógica Susana utilizou como mote, em nossa última

reunião: "Estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las".

Quero lhe contar também sobre o livro O rei is fome, de Marilda Castanha,

pelo qual fiquei extremamente cativado e, como você verá, está estreitamente

relacionado com aquele pensamento de Paulo Freire. Apreciei a história de um rei

que devorava "tôda e qualquer espécie de livro"; apreciei as ilustrações bem-

humoradas, cheias de detalhes, com desenhos que pedem para ser "saboreados",

com calma, em todas as suas linhas, formas e cores; apreciei o projeto gráfico do

livro: o bom gosto na escolha do tipo de letra, o tamanho confortável para leitura,

a entrelinha e as amplas margens que contribuem para a leitura fluente; a distri­

buição das ilustrações: de página inteira, alternando com páginas de texto, ora

avançando um pouco na página de texto, ora ocupando o centro de duas páginas

abertas (no meio do livro) e deixando o texto nas margens, ou, ao contrário, indo

para as margens e emoldurando o texto; repetindo detalhes das ilustrações nas

páginas de texto.

Em um curso na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, Ma­

ria Antonieta Cunha comentou que "O rei da fome é uma narrativa simples e direta,

mas montada numa metáfora que provavelmente o pequeno leitor ainda não

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captará: um rei que tinha a estranha mania de comer livros (...) pois não sabia ler,

nem escrever. Mas, ainda que perceba apenas o sentido literal do enredo, a criança

lerá/ouvirá com prazer a história do rei que devorava livros. Mais tarde a história

voltará às suas mãos, ou à sua memória, com novos significados".

Fátima Miguez, em uma resenha publicada pela revista da Biblioteca, Releitura,

afirma que "a alegoria de um nei que devora livros (...) denuncia uma prática

leitora muito comum (...): o consumo indiscriminado de livros. Aquele que orienta

sua leitura nessa voracidade imediatista é considerado um consumidor de livros e

não um leitor verdadeiro. E o rei-glutão (...) é porta-voz dessa categoria de leitor

passivo que mecanicamente come uma biblioteca de livros sem degustar o senti­

do de cada leitura ".

E uma delicia percorrer as ilustrações, observando os vários tipos de letras

que passam a funcionar como desenhos: letras de imprensa, cursivas, desenha­

das à pena ou a lápis, de maneira elegante ou desajeitada, conforme a ocasião.

A capa funciona como embalagem, atraindo a atenção do leitor.

Anos atrás, uma professora de Arte me contou sobre a sua experiência de

levar os alunos a uma exposição de design (no Museu da Casa Brasileira, em São

Paulo) e incentivar os alunos a projetarem objetos. Infelizmente não vi os resulta­

dos desse trabalho, mas aquilo mexeu comigo. Fiquei pensando: não podemos só

prestar atenção na arte dos museus... E preciso estar atento também à arte que

está no nosso cotidiano: o design de objetos, o projeto gráfico de cartazes, outdoors,

busdoors, o design têxtil, ou seja, o projeto de estampados para tecidos, além, é

claro, do projeto gráfico de livros, jomais e revistas.

O livro O rei da fome reúne três artes: a literatura, o projeto gráfico e a ilustra­

ção. Não só O rei da fome, claro! Assim, trouxe para a safa de aula alguns livros do

acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola para que os alunos, em grupos de seis,

observassem e depois comentassem o projeto gráfico dos livros. uma professora

sugeriu fazer o mesmo com capas de revista. Um professor, que gosta de ler,

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debater e propor redações a partir de jomais, sugeriu que um trabalho semelhan­

te poderia ser feito com a primeira página de jomais. E, assim, professores e

alunos começamos a nos familiarizar com uma arte que está no nosso dia-a-dia,

pertinho de nós: o projeto gráfico de livros, revistas, jomais, embalagens, ete.

Um abraço do Adriano.

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Juca, meu bumba-meu-boi,

O balão vai subindo, vai caindo a garoa... Agora, é assim: cantoria. Culpa da

Coleção Arco-Iris, de Geruza Helena Boques, que segundo Maria Antonieta Antunes

Cunha, "é uma recuperação e um registro, um meq^ulho no imaginário coletivo

brasileiro e na cultura milenar, universal e espontânea ". começamos com o volu­

me Î, fazendo roda de canto no inicio da aula, o que aproximou muito o grupo.

Depois, as crianças pesquisaram outras músicas com os adultos e surgiu a neces­

sidade de anotar, para que os outros pudessem ler, para que não ficassem perdi­

das... Fui ao conservatório e descobri que muitas das músicas trazidas estavam já

escritas em partituras. uma professora de lá topou colocaras melodias que falta­

vam. Desta coletânea nasceu a nossa Coleção Cantoria. De um lado da página, a

letra da música: de outro, a partitura. O volume foi entregue em sessão solene à

diretora da escola, na biblioteca, com direito a discurso e pipoca. Foi bom. A ques­

tão da cultura popular, da transmissão oral do conhecimento, da necessidade do

registro escrito para perpetuar esse conhecimento não somente foi discutida, mas

também ti-vi-da.

Este trabalho foi feito, simultaneamente, de f* a 4* seríes. Encerramos com

a semana de folguedos. Ma hora do nzcreio, uma classe começava a cantar e, em

fila, parava na porta da classe seguinte, que já estava esperando, em fila também.

Quando se dava o encontro, a nova classe mudava de música: a procissão seguia

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até a classe seguinte, e assim por diante... Quando chegávamos lá embaixo, o

pátio já estava dividido em vários espaços: amarelinha, roda pião, corre-cotia. A

criançada escolhia a brincadeira que desejava. Fizemos um rodízio para monitorar

os grupos e, é claro, estendemos um pouco o recreio, porque cafezinho não é luxo,

é tática de sobreviência.

E como não somos bobos nem nada, já engatamos o trabalho com a festa

junina, pois a escola está precisando muito de uma geladeira nova. compra uma

rifa?

Ana.

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Oi, Maria Rita,

Conheci o Meu livro de folclore, de Ricardo Azevedo, naqueie curso sobre litera­

tura e folclore em que você, boba, não se inscreveu. Para fazer inveja, mando duas

anotações que fiz sobre o livro durante o curso: "E uma antologia que forma um

painel introdutório da cultura popular. Antigamente, as gerações mais velhas pas­

savam adiante os casos, as quadrinhas, as cantigas. Infelizmente, hoje isso é

quase que essencialmente papel da escola" (Maria José Nóbrega). "O livro traz

material folclórico autêntico e em estado praticamente 'puro' (frases feitas, dita­

dos populares, adivinhas), mas com aquele estilo inconfundível do Ricardo — di­

vertido, enxuto, avesso a lições" (Regina Zilbennan).

Levei o livro para a classe e sentamos em roda. Eu lia uma adivinha e rodava

o livro, porque há dicas nas ilustrações. Algumas, eles acertaram. Muitas ficaram

sem resposta. O livro ficou uma semana na classe. Quem acabava a lição mais

cedo ou queria ficar na classe na hora do recreio podia ver a resposta no fim do

livro e apreciar o projeto gráfico.

Parlendas e trovas, explorei devagar. Quem não conhecia copiava no caderno

e a gente cantava no inicio e no fim da aula. Os ditados populares, li de uma

enfiada. E combinamos que quem me trouxesse um ditado ou uma trova de casa

entraria para o livro de folclore que eu estava escrevendo. Quase todo dia vinha

uma contribuição, que era registrada com o nome do aluno e do adulto que ensi-

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nara. No final, editei um pequeno livro chamado... Nosso livro de folclore. Fiz uma

dedicatória para cada aluno, embrulhei os volumes com papel de seda e deixei de

presente sobre a carteira de cada um.

Li em voz alta as tés histórias. Fizemos um esquema na lousa com os con­

flitos da narrativa, porque são histórias nas quais acontecem muitos fatos.

Por fim, eles escolheram uma figura do bestiario e fizeram uma narração do

dia em que se encontraram com ela. como todas as figuras são maléficas, o

conflito já ficava garantido na história, e eles tinham de se safar, criando um

conto de susto, de riso, ou de esperteza, como os tiés ilustrados no livro. Bacana,

né?

Beijos em todo pessoal, principalmente na pequena Alice,

Marcela.

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Querida Marília,

Vocé se lembra da discordia sobre o Adivinha o quanto te amo? Você acha que é

um livro para as crianças pequenas, pela linguagem simples e pelas ilustrações

bem infantis. Eu acho que é um livro sem ¡dade, pelo entemecimento que provoca.

A Lúcia, da 5â série, também se derreteu, e o aplicamos ao mesmo tempo em

nossas classes, com as mesmas atividades.

Há dois temas fundamentais no texto: o amore o crescimento. Enquanto pai

e filho falam o quanto se amam, "o coe/hinho dá-se conta de que o próprio corpo

é muito pequeno para mensurar seu amor pelo pai" (justiça seja feita, esta sacada

não é minha, é de Rosa Cuba Riche, em uma resenha que li). Assim, criamos três

tipos de atividades: medir o que é mensurável, medir o que não é mensurável e

observar o crescimento.

começamos experimentando o maior número de medidas possível: metro,

para saber a altura deles; contagem, para saber o número de alunos da escola;

litro, para saber a quantidade de suco da lancheira; balança, para saber nosso

peso (nosso, virgula, que eu nunca vou contar uma coisa dessas). uma verdadeira

febre de medição. Os da 5â série usaram estatística para montar o perfil do aluno

da nossa escola: número de pessoas em cada família, média de idade, grau de

escolaridade, ete.

Partimos, então, para outro problema: como medir algo incomensurável como

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o amor? Não nos restringimos ao amor paterno, porque nem todos têm país.

Fizemos um questionário com perguntas bem abrangentes: a) escreva o nome de

alguém que você ama; b) conte como essa pessoa é; c) conte quando você se sente

amado por ela; d) conte como você mostra seu amor por ela.

Os alunos trocaram oralmente os resultados. Percebemos que muitos gestos

amorosos se repetiam, outros eram bem particulares. Finalmente, nós, da 3ã

série, trocamos os questionários com a 5á série da Lúcia. Foi ótimo. Os mais

velhos lembraram de passagens de quando eram menores, viram que vários ges­

tos amorosos permaneceram, apesar de terem crescido. Os pequenos adoraram

saber das intimidados dos grandes.

Para terminar, entramos na linguagem poética para dizero indizi vei, medir o

imensurável. Garimpamos nos livros da biblioteca poesias que falassem de amor.

Cada um copiou o poema que achou mais bonito e deu para uma pessoa que ama.

Adivinhe se eu não ganhei uns poemas lindos?

Que tal tentar? Faz um bem para o coração...

Um beijo amorosíssimo, da amiga,

Silvia.

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Célia,

Não fosse você me abriros olhos, eu não teria percebido que Guilherme Augusto

Araújo Fernandes é um desses livros abençoados, que não é escrito só para criança,

mas para leitor. Sua entusiástica carta me fez ir conferir e também me emocio­

nei. Primeiro, com a cumplicidade entre Guilherme Augusto Araújo Fernandes e

dona Antônia Maria Diniz Cordeiro, que mora em um asilo vizinho. Depois, com o

esforço do menino para ajudar a amiga a conseguir recuperar suas memórias.

"O que é uma memória?" com esta peqgunta singela, o garoto "investiga,

dialoga, vai construindo sua forma de se posicionar diante do universo do adulto"

(viu como eu li direitinho o artigo de Ninfa Parreiras que você mandou com o

livro?).

E você tem tôda razão: a linguagem poética usada na resposta de cada

adulto é a grande chave do texto. A memória é algo quente, algo antigo, algo que

faz rir ou chorar, algo que vale ouro. O menino seleciona objetos que simbolizam

cada descrição: um ovo, por ser quente; conchas antigas: a medalha do avô morto,

que lhe causa tristeza: a marionete engraçada: a bola de futebol, que vale ouro.

Propor às crianças que escrevessem memórias quentes, antigas, tristes, engraça­

das, como você fez, é quase uma continuação da leitura do texto. Eu apenas

acrescentaria (que digo? acrescentarei, porque vou copiar descaradamente a ativi­

dade) outras palavras: uma lembrança branca, doce, macia... E por que não pedir

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para trazerem objetos queridos e fazer um relato oral das memórias? Gostou?

Isso se chama plágio criativo.

Meus pequenos ainda não conseguem, como os seus, fazer entrevistas sobre

"memórias que valem ouro", mas posso convidar parentes dos alunos para virem

contar suas memórias, ou então, nossa merendeira, dona Edna, que já passou dos

sessenta, e pode proporcionar esta viiência infância/velhice tão bem explorada no

livro.

A senhora está de parabéns pela criatividade.

Obrigada pela ajuda,

Marga.

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Luciana,

Na biblioteca, os alunos trouxeram, animadíssimos, O homem que calculava. "Va­

mos ler, professora?". Gelei, por um motivo muito simples: eu sou a mulher que

NÃO CALCULA. Meu constrangimento foi tão visível que a Célia, da biblioteca, me

deu alguns textos que havia coletado sobre o livro, para verse eu me orientava. Vou

até me socorrer de um trecho do artigo de Vânia Rezende para você entender do

que se trata: "E a viagem até Bagdá feita pelo narrador-personagem", que, no

caminho, encontra Beremiz Samir, o homem que calculava, e toma-o como com­

panheiro de viagem. "As narrativas vão sendo contadas durante a caminhada e

também durante a permanência dos dois em Bagdá. Cada uma encerra uma

lição de Matemática (Aritmética, Algebra, Geometria, Mecânica ou Astronomia)

que constitui a resolução de um problema-conflüo, ora vivenciado por viajantes,

ora apresentado por membros da corte do xeque. "

Pensei em explorar o clima oriental do livro, pois o autor, Júlio de Mello e

Souza, um carioca, escolheu Malba Tahan como pseudônimo.

Pois bem, comecei pelo clima oriental. Mostrei a ilustração da capa, copiei,

na lousa, a dedicatória e o início da primeira narrativa. Em que universo estaca­

mos? Que dicas davam as ilustrações? E os nomes na dedicatória: Allah, Maomé,

Pascal, Alcorão, Descartes? E os lugares citados: Bagdá, Samana? Oividimo-nos

em grupos, fomos procurar esses nomes na enciclopédia. Eles não podiam copiar

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o verbete, tinham de manter a concisão própria à "linguagem enciclopédica ".

como só havia um volume, usamos o glossário do livro apenas para checar se a

linguagem deles estava compatível. Escrevemos os verbetes em cartazes e pendu­

ramos onde todos pudessem ver. E ainda incrementamos nosso glossário com

infomiações sobre alimentação, costumes, geografia, fotos de reportagem, dese­

nhos das crianças.

Definido o universo narrativo em que iamos entrar, li dois problemas apre­

sentados no livro para a classe tôda resolver. Não conseguiram. Se continuasse

assim, iam desistir. Optei por ir dando cada etapa das dicas das resoluções que

acompanham os problemas. Isso lhes deu uma linha de raciocinio para seguir e,

em muitos casos, mataram a questão.

Depois pedi que criassem um problema e o escrevessem no estilo do autor.

Podiam até copiar trechos do livro. com eles, fizemos um pequeno torneio. Baca­

na, para quem ainda tem medo de matemática, h ein?

Que Alá tenha compaixão de nós, infiéis!

Patricia Salan Torralba.

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Gláucia, amiga do peito,

Sidreu Nuncios. O mensageiro das estrelas. Este foi o nome que, em 1610, o físico,

cientista, filósofo e astrônomo Galileu Galilei deu a seu livro e o cientista e tradu­

tor Peter Sis manteve para contar a busca de conhecimento de Galileu (nâo, eu

não me tomei uma estudiosa, esta informação quem dá é Elizabeth Vasconcellos

em seu artigo sobre o livro).

A diagramação é fantástica. "O texto, em sua plasticidade descontínua (em

círculos, em linhas verticais, em linhas sinuosas ou serpentina, ou ainda semicír­

culos) cria uma atmosfera mais próxima da memória e do sonho do que da aparên­

cia visive! do mundo" (não, eu não fiquei esperta assim de repente, a afirmação é

de Vânia Rezende). O conteúdo informativo toma-se poètico, e o poético, que há

na biografia deste homem, emociona (sim, esta frase é minha!). Por isso, a pri­

meira etapa de leitura foi ver e reven ma-ra-vi-lha-men-to.

A trajetória de Galileu mostra que o conhecimento nâo nasce pronto. Quantos

homens inteligentes pensaram antes dele, quantas teorias e... quantos enganos!

Nós, educadores, falamos muito no erro como etapa de aprendizagem. Mas errar

dói, para as crianças e para nós. Ver um filósofo como Ptolomeu colocando a terra

imóvel no centro do universo dá um certo alento de pensar que o erro está incluido

sempre, até no pensamento dos gênios. Para que as crianças percebessem quantas

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etapas forarn necessárias para se chegar a um conhecimento que temos hoje do

universo como aigo muito simples, listamos as várias hipóteses colocadas.

Depois, levantamos, oralmente, nossos enganos sobre coisas que pensáva­

mos ser de um jeito e eram de outro. Rimos muito. André, por exemplo, tinha

pena dos atores de comercial de TV porque achava que ficavam sentados o dia

todo na emissora, esperando para entrar tôda vez que chamassem... Essas "con­

fissões" foram ótimas para humanizar todo mundo.

Por fim, cada aluno mostrou para a classe alguma coisa que sabia fazer:

jogo, desenho, sanduíche, assobio. Depois escreveu as instruções, em forma de

manual. Unimos todas em um livro que recebeu o enorme e pomposo título Livro

dos conhecimentos e das sabedorias. E digo mais, só não escrevemos em latim porque

ninguém sabia.

Leda.

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Rose, Rosi nhá,

Genial esta coleção que conta a infância de músicos e pintores famosos.

Escolhi o volume sôbre Portinari. Achei que, antes de conhecer a infância do pin­

tor, Portinari tinha de ser alguém que, de alguma forma, já tivesse entrado na vida

das crianças, porque o encanto das biografias vem do elo afetivo entre o leitor e a

pessoa biografada. Encontrei um volume dos Mestres de pintura, da Editora Abril,

todo dedicado ao pintor e explorei estas pinturas de maneira bem informal. Fo­

mos observando cores, traços, nomes de cada quadro.

Quando já estavam familiarizados com o pintor, li o livro em voz alta.

E fomos vendo como a aptidão para a pintura teve um caminho de evolução, que

começou lá na infância, e como coisas que estavam lá na infância, os brinquedos,

o circo, a cidade, apareciam na pintura dele.

Mas, para mim, ainda havia uma dificuldade: o que minhas crianças tinham

a ver com um gênio como Portinari? A professora Ninfa Parreiras ajudou-me

muito, porque fez um raciocinio justa mente oposto a esse. Para ela, o livro mostra

como "o homem comum pode ser um artista e que o artista é um ser humano

com aptidões e dificuldades para construir uma carreira profissional". Cheguei à

conclusão de que devia trabalhar com a potencialidade dos alunos.

Lancei então uma proposta de redação. Eles deviam imaginar que já eram

adultos e tinham se tomado famosos e reconhecidos como Portinari. Retomei a

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história, para que apontassem o caminho trilhado pelo menino Candinho até se

tornar o grande Portinari. A redação começava com a primeira frase do livro:

"Desde muito cedo o menino(a) (nome da criança) gostava de... "

As redações mostraram quantos sonhos as crianças têm guardados dentro

delas. Em seus textos, tomaram-se grandes médicos, atores, cientistas, jogadores

de futebol. Acho que o Candinho acabou fazendo mais uma arte aqui com agente.

Um beijo,

Graça.

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Salve, Carola!

Lembra da minha colega Clara? Ela fez uma atividade bem interessante

(sem cenas de ciúme, por favor). Parece que a técnica é antiga, mas, como eu

desconhecia, pode ser que seja novidade para você também.

O mais belo íim das pirâmides é um livro informativo, muito bem ilustrado, que

descreve a construção das pirâmides de várias civilizações.

como o livro tem cinco capítulos, Clara dividiu a sala, por cinco semanas, em

"cantos", onde ficavam as lições semanais de cada conteúdo: canto de portugués,

de matemática, de ciências... A criança passava por todos eles no decorrer da

semana. No canto da biblioteca, a tarefa era ler, em grupo, um capítulo do livro e

responder a um pequeno questionário com perguntas bem referenciais (qual é o

povo estudado, que material usavam, como eram as caracteristicas da pirâmide,

etc.). Mais tarde, esse grupo contava para o resto da classe as informações do

texto.

Eles precisaram de muita orientação, mas o resultado foi ótimo. A leitura em

conjunto fez os alunos discutirem e completarem suas leituras. A apresentação

gerou cooperação, porque cada elemento do grupo ajudava o outro a dar as infor­

mações. A classe também precisou educar-se para ouvir os colegas.

Para as crianças refletirem sobre nossa sociedade, Clara sugeriu uma "mo­

dernização" da obra. Propôs que descrevessem, coletivamente, uma grande cons-

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truçào moderna. Os alunos escolheram um shopping e seguiram os passos do

livro para elaborar um texto descritivo.

Diz que está com água na boca, diz... Vamos tentar essa atividade? Hein?,

H ein, Hein?

Insistentemente, da amiga,

Izeti.

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Oi, tchurma!

Dona Célia tinha razào: o curso está sendo jóia. Mas o máximo mesmo foi

vocês mandarem um e-mail para mim aos cuidados da coordenação, falando da

grana que pintou de repente para a biblioteca e pedindo para eu mandar suges­

tões para a compra de livros. Tenho um monte de sugestões, mas vou falar de um

livro que não conhecia, li aqui e achei demais: 0 povo Pataxó e sus história.

Assistimos a um seminano do qual participou uma das professoras indíge­

nas que escreveu o livro, e também uma professora carioca, Ninfa Parreiras. Na

apostila da aula. Ninfa dizia: "Próximos a comemorar os 500 anos do Descobri­

mento do Brasil, tomar contato com nossas origens e nossa história é fundamen­

tal para a leitura das crianças. E mais, conhecer quem eram os habitantes da

terra que até hoje vivem disseminados em territòrio nacional é mergulhar nas

raízes culturais brasileiras".

Li duas vezes o livro e ele fez minha cabeça.

O livro é muito bonito, cheio de desenhos coloridos, e me deu vontade de

mostrar pros nossos alunos a história e o dia-a-dia dos Pataxós contados por eles

mesmos: como eles namoram e casam, como eles conseguem alimentos, como é

ser criança Pataxó, como eles tiveram de lutar para ter um territòrio seu, por ai...

Depois de ler o livro, fiquei um tempão pensando em nós como "os outros", os

"nâo-Pataxós". Pensei e achei gozado. Pensar assim é pensar ao contrário do que

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a gente pensa quando pensa nos Pataxós, nos Nhambiquaras, nos Kranhacacores

como sendo "eles", "os outros".

com este livro em nossa escola, podemos, junto com os alunos, montar

cartazes ou livros que ponham lado a lado modos de vida dos Pataxós e dos "não-

Pataxós", isto é, nós... como é namoro e casamento entre nós e entre eles? como

è o calendário anual dos Pataxós e como é o nosso?

No final do seminário, uma das professoras leu alguns poemas muito boni­

tos de Gonçalves Dias. Num deles, "Canto do Piaga ", Gonçalves Dias imagina a

chegada dos portugueses na América, narrada pela voz de um índio. Vou conse­

guir uma cópia do poema e, se agente conseguir ter em nosso acervo O povo Pataxó

e sua história, tenho certeza de que vai ser muito legal.

Beijo para todos,

Sia.

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Márcia,

Gostou do cartão-postal que acompanha a carta? Foi feito por um de meus

alunos, durante uma atividade que realizamos após a leitura de Cartão-postal, de

Luiz Raul Machado. Você conhece esse livro? E muito bonito. Dividido em doze

pequenas partes, conta "a história de uma fada e de um menino cuja relação se

constrói a partir do cartão-postal, pois nele habita a fada e ao menino ele perten­

ce" - como descreveu Margareth Mattos em uma resenha sobre a obra.

Entre os breves capítulos, há ilustrações de Anna Gõbel, que usou cores vivas

e formas exuberantes para dialogar com o texto, em um trabalho que Ninfa Parrei­

ras definiu como "imagens latentes de um sonho sem fim, de uma criança que

transita entre o real e o imaginário" — porque a fada mora dentro do postal do

menino, mas não pode sair dele; e o menino também não pode entrar no cartão.

A transição do menino entre a realidade e a fantasia é narrada com muita

delicadeza pelo autor, que utiliza belas metáforas. Peguei-me lembrando do en­

cantamento provocado pelos contos de fadas ouvidos na infância.

como temos apenas um exemplar da obra na biblioteca da escola, utilizei-o

para ler a história para as crianças. Lia um capitulo — e os capítulos do livro são

bem curtos — e pedia para que eles comentassem o que haviam imaginado: como

seria o cartão-postal do menino? Já tinham visto cartão-postal? E a fada, como

seria? Os alunos então comentavam o capitulo lido, diziam o que achavam que

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¡ría acontecer, faziam mil perguntas. E houve até uma discussão sobre "como é a

fada"; alguns alunos descreveram fadas de filmes, outros falaram de fadas de

desenhos animados, e vários citaram contos de fadas que conheciam.

Aproveitei para explicara eles que esses contos são muito antigos, e que não

nasceram em livros, mas em rodinhas em que se contavam histórias, há muitos

e muitos anos, quando não havia rádio nem televisão;justamente como eu estava

fazendo com eles. E então eles perguntavam: "Mas e ai? O que aconteceu com o

menino?" E eu fazia como a Sherazade, aquela môça das MH e uma noites, e dizia:

"Amanhã eu conto... "

No dia seguinte, eles esperavam ansiosos pelo "próximo capítulo"; quando li

o último, houve grande inquietação na classe: mas, afinal, por que o menino se

transformou em um boneco? E por que no quarto dele apareceu um livro com a

história do Pinóquio? Cada um tinha uma resposta diferente, e pedi que fizessem

um texto explicando o final da história, como lição de casa. O resultado foi uma

delicia de ler e de comentar com eles. E ficou decidido que a próxima história a ser

lida seria justamente Pinóquio. Ah, depois trabalhamos com cartões-postais, ver­

dadeiros ou feitos com fotos de revistas; mas essa é outra história...

Um abraço,

Ângela.

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Fernando,

como se conversa com crianças sobre a dor? E sobre a violência? E sobre os

"problemas de gente grande"? como conversar com eias sobre o sofrimento?

Quem convive com crianças sabe que é necessário conversar sobre dor. Sabe

também o quanto é difícil.

A escritora Graziela Bozano Hetzel, autora de A crista le i ra, consegue vencerás

dificuldades e, utilizando "prosa poética e metáforas adequadas à sensibilidade

infantil", como mostra Francisco Aurélio Ribeiro em fina resenha, tece uma bela

história sobre a dor da separação, que aflige uma menina, Marina. Vigo "tece"

porque achei muito bom o comentário de Ribeiro, ao afirmar que "a narrativa

prossegue como os fios de um bordado, e esta é outra metáfora do texto". A avó

de Marina borda, e é com a avó e seus bordados, suas histórias, seus cálices e

bibelôs que a menina constrói um refúgio para proteger-se da dor da separação

dos pais.

Nilma Lacerda, em outra ótima resenha, escreve que "perpassada de tristeza

fina, mas com pautas de alegria onde colocar outras notas, essa história de cum­

plicidade entre avó e neta coloca-se como outro viés para o tema da separação dos

pais e a repercussão sobre os filhos. Em linguagem delicada, com refinamento

doce-amargo, o leitor entra num universo de condensação poética que a ilustração

de Roger Mello capta bastante bem".

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Em uma tarde muito fria, começamos a leitura em classe de A crista leira. Os

alunos haviam lido em casa a história, e a relemos juntos, comentando trechos,

interpretando passagens, ilustrações, metáforas. Expliquei aos alunos o que é uma

cristaleira, falei que era um móvel muito usado antigamente, por isso a avó de

Marina tem uma. Também expliquei por que os copos se chamam cálices no livro

e o que é um "peitoriI laqJo de mármore". Os alunos pareciam ficar ainda mais

encantados com a história e o ambiente mágico da casa da avó ao conversarmos

sobre os objetos, a poesia da linguagem, os sentidos ocultos nas entrelinhas.

Fomos explorando a casa, os sonhos da menina, o texto. Entào,

espontaneamente, falamos sobre a dor. Os vários tipos de dor. E resolvemos escrever

cartas, bilhetes, fazer desenhos para Marina. Ajudá-la a fazer sua passagem.

Disse aos alunos que eles poderiam fazer de conta que eram amigos dela de

escola, vizinhos, ou mesmo os objetos mágicos da casa da avó, que de repente

poderiam comunicar-se com ela.

Na aula seguinte, surpreendi-me ao ver que todos os alunos tinham escrito

mensagens para Marina. Mesmo aqueles que ficam no fundo da classe e parecem

— parecem - não dar atenção á aula. Alguns escreveram sobre seus próprios

sofrimentos; outros contaram piadas para que ela se alegrasse. Houve desenhos,

muitos, de corações, flores e brinquedos; cartinhas caprichadas, redigidas com

canetas coloridas. uma aluna falou, enquanto eu guardava as cartas: "A gente

sempre deve ajudar os outros, né professora?" Respondi que devemos sempre

tentar. E que achava que eles haviam conseguido ajudar Marina.

Um abraço,

Ruth.

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Oi, Bruno!

Adorei sua última carta. Esta troca de experiências está sendo muito produ­

tiva, realmente. E falando em produção, vou lhe contar como a leitura de Faca

afiada, de Bartolomeu Campos de Queiroz, terminou rendendo até a produção de

uma "trilha sonora"de dar inveja a muito diretor de filme de suspense.

E que a história, como bem observou a resenhista Vânia Rezende, "destaca-

se no conjunto da obra do autor pelo cunho de suspense que se cria, decorrente da

ambigüidade gerada pela interpretação do menino mais velho, de uma familia de

hábitos simples, interioranos, sobre a conversa dos pais". O menino, antes de

dormir, "escuta que o pai está preparando e combinando com a mãe uma morte

como se fosse um assassinato. Todo o diálogo leva-o, e também o leitor, a acredi­

tar que o pai quer se ver livre da velhinha viúva (avó) que vive com eles e tem dado

muito trabalho e preocupação, além de despesas". Esse é um trecho de outra

resenha que muito me ajudou a preparar a aula, escrita por Lucília Garcez.

Você pode bem imaginar que não era da avó que os pais falavam; mas até

que se esclareça a conversa, o menino sofre; como descreve Vânia, ele "angustia-

se, mergulhado no drama que cresce, imaginando o assassinato da avó pelo pai,

homem tão amável até com os bichos". A atmosfera de mistério provocada pela

narrativa levou-me a escolher o livro para apresentar aos alunos o gênero suspense.

Segundo Luciilia Garcez: "como a obra de Lygia Bqjunga Nunes, este livro situa-se

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na vertente de literatura psicològica para crianças, pois está centrado em emo­

ções, medos, inquietações, ansiedades e tormentos que assolam a alma huma­

na ". Tôdas essas emoções sào tratadas de maneira extremamente poética pelo

autor, que faz uso de belas metáforas ao longo da narrativa.

Resolvi fazer a leitura para meus alunos caprichando na entonação, procu­

rando modular a voz de acordo com as diferentes atmosferas criadas pelo autor.

ao nanar uma história que a avó conta para os meninos, por exemplo, usei um

tom bem suave, bem pausado. Já o capitulo em que o protagonista ouve os pais

conversando sobre o "assassinato", narrei de maneira a tentar passar um tom de

angústia para as reflexões da criança amedrontada. Acho que fui feliz na tentativa

(ensaiei bastante), porque os alunos ficaram quietinhos, acompanhando com muita

atenção a história. No auge do suspense, parei a leitura e perguntei aos meninos:

"O que vocês acham? O pai matou a avó?"

Houve um longo silêncio. Parecia que eles se colocavam no lugar do

protagonista e imaginavam como seria... até que começaram a falar, a discutir...

reli a conversa dos pais do menino, para que eles pudessem analisá-la melhon a

inquietação foi tomando conta da classe, as opiniões divergiam, até que uma

aluna pediu para que eu "lesse logo" o final. Sorri interiormente, pensando em

minha própria ansiedade de leitora de livros de suspense, que mal pode esperar

para saber como termina a história.

E o final trouxe alivio, risadas, mil comentários. Eles gostaram tanto do livro

que nós o relemos várias vezes, só que dessa vez os narradores eram eles.

Foi então que sugeri a produção de uma "trilha sonora "para a h istória,já que

os alunos estão aprendendo a tocar flauta doce na aula de Educação Artistica.

Eles criaram um tema para cada personagem e também sons para os passari­

nhos, para os sustos do menino, para a velha galinha, que afinal era a "vitima "do

pai. E a música do pai, alegre no começo, toma-se triste e assustadora, conforme

o menino o imagina como um assassino, um diabo... O uso da flauta doce ajudou-

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nos a perceber as caracteristicas mais marcantes de cada personagem, o modo

como o suspense vai crescendo, a diferença entre o que o menino está sentindo -

medo, angustia — e o que sentem os seus colegas de escola, que nada sabem de

seus conflitos interiores. Enfim, para criar os temas musicais fomos fazendo lei­

turas cada vez mais ricas do texto, que nortearam a escolha de sons e melodias

para a inquietadora e poética narrativa de Bartolomeu Campos de Queiroz.

Um abraço,

Lidia.

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Cara Bàrbara,

Lembra daquela conversa que tivemos sobre a importância da música na

formação das crianças? Recordamos com saudade nossas participações em

fan farras e corais escolares e percebemos como aquelas experiências foram im­

portantes, nos mais diversos sentidos.

Estou tendo a chance, agora, de comprovar que "a música é uma das lingua­

gens indispensáveis à formação escolar", como li em texto de Regina Yolanda

Werneck. E que a professora de Educação Artistica està usando o livro Flauta doce:

método de ensino para crianças, de Alereide Schilaro Santa Rosa, em suas aulas, e o

resultado está sendo melhor do que o esperado. Concordo com Ni Ima Lacerda,

que afirmou em resenha da obra: "uma das atividades que costuma dar maior

prazer aos alunos, tanto os do primeiro grau como os do segundo, é tocar flauta

doce. (...) Instrumento de poesia, a flauta é extremamente acessível, seja pelo

baixo custo do instrumento, seja pela facilidade do manejo. O prazer que propor­

ciona a quem toca, e a quem ouve, se inscreve no rol das coisas simples que

trazem colorido ao ambiente escolar, à vida".

Acompanhei algumas das aulas de minha colega, porque tinha em mente

atividades para realizar com as músicas aprendidas pelos alunos. E como eles se

envolvem com a aula! Lembrei-me, ao ié-los, de uma observação de Regina, em

seu texto sobre o livro: "As aulas de flauta doce são oportunas ainda pelo potencial

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terapèutico que oferecem . Senti a participação, o entusiasmo, a alegria em aprender

novas melodias e notei como estavam relaxados ao final da aula. A professora,

Helena, aproveitou um cartaz que vem com o livro e ilustra as notas musicais e as

posições na flauta e o afixou na parede, para que todos pudessem lé-lo. Há fotos

no interior do livro que mostram detalhadamente as posturas corretas para tocar

além de gráficos que ilustram a posição da flauta na boca e dos dedos no corpo do

instrumento.

como as músicas que fazem parte do livro abrangem desde canções folclóri­

cas até Corcovado, de Tom Jobim, e Imagine, de John Lennon, o repertorio dos alu­

nos tomou-se rico o suficiente para que passassem a ser convidados para tocar

em festinhas, eventos da escola e aulas de portugués — as minhas! E que utiliza­

mos músicas aprendidas por eles para fazer a "trilha sonora " de uma montagem

de O rapio das cebo Un has, peça que taz parte do livro Teatro I - María Clara Machado. Foi

muito bacana porque os alunos refletiram sobre as características de cada perso­

nagem — é engraçado? triste? malvado? - para escolher a "música-tema".

Gostei tanto do resultado que nao consigo mais pensar nas personagens da

peça sem me lembrar dos "fundos musicais", acredita? 6 não conte para nin­

guém, mas estou aprendendo a tocar flauta doce; vá se preparando, que quero lhe

apresentar TODO o meu repertório!

Carina.

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Querida Adriana,

Há alguns dias realizamos uma atividade que me fez pensar tanto em você!

E que você tem paixão por lendas e mitos, e eu e meus alunos nos deliciamos com

Sete contos russos, de Tatiana Belinky. É muito bom, você vai adorar. comecei a me

interessar pelo livro quando li um artigo de Francisco Aurélio Ribeiro. Ele informa

que "a fiteratuia russa é de tradição tão antiga quanto qualquer outra da Europa,

como os contos franceses, inglêses, alemães e dinamarqueses mais conhecidos

pelo leitor brasileiro". Fiquei sabendo que grandes autores russos, como Tolstoi,

utilizaram em suas obras o conto popular de seu país, que engloba "contos de

fadas, histórias maravilhosas, fábulas, parábolas, mitos e lendas".

Tatiana Belinky, "extraordinária escritora brasileira de origem russa", autora

de tantos livros lindos, fez a tradução de sete dessas histórias. E ao ler, em rese­

nha de Laura Sandroni, que "por meio de Sete contos russos as crianças brasileiras

poderão entrarem contato com o mundo fantástico da literatura infantil da Rússia ",

empolguei-me, li o livro com prazer e resolvi utilizá-lo em sala para que os alunos

conhecessem um pouco do folclore de outro povo.

Conversei com os professores de História e Geografía e eles fizeram uma

"participação especial" na aula, contando um pouco da história da Rússia e mos­

trando onde o país se localiza. Claro que a complexa história russa não pode ser

resumida em 15 minutos, mas o professor salientou alguns fatos que permitiram

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aos alunos conhecer um pouco do país e até comentar noticias sobre eie que viram

na televisão.

Em seguida, começamos a leitura dos contos. Eu havia separado os alunos

em sete equipes, cada uma com a cópia de um conto. Eles — bem, pelo menos a

maioria deles - haviam lido em casa os textos, e no dia da aula pedi que comen­

tassem em grupo o que tinham achado das histórias. Muitos encontraram seme­

lhanças entre os contos russos e outros contos de fadas; também perceberam que

os conflitos de amor ou poder, presentes nas histórias, são muito parecidos com

os que encontramos no folclore brasileiro, na literatura, nos filmes, nas novelas...

Pedi que anotassem essas observações e, em seguida, cada equipe contou ao

restante da classe a "sua história". Fizemos uma roda com as cadeiras, e ao final

de cada história os a/unos dicutiram suas observações com os colegas, enquanto

eu mediava as discussões.

Acabamos discutindo a universalidade de alguns temas, como o conflito en­

tre ricos e pobres. Então, apesar dos nomes difíceis das personagens russas, da

história do país, tão diferente da nossa, do clima também tão diverso, com inver­

nos congelantes, percebemos que eias têm muito em comum com as persona­

gens de histórias brasileiras. E que amor, ódio, inveja, ciúme, dinheiro, poder são

temas que aparecem sempre em histórias, sejam eias antigas ou modernas, con­

tos de fadas ou novelas. "Por que será?", provoquei, sabendo que é uma pergunta

para a vida inteira...

Um abraço dramaticamente russo,

Suzana.

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Oi, Carlos!

Ando com uma saudade do seu macarrão! Está bem, não fique zangado, é

saudade de você, não só do macarrão. Mas escrevo esta carta depois de uma

divertida aula de leitura e atividades com o livro Strega Nona - a avó feiticeira, de

Tommie de Paola, em que o macarrão tem importante papel; além do mais, é

hora do almoço... Mas deixe-me contar sobre o livro; como afirmou Laura Sandroni

em uma resenha, "trata-se de uma história antiga, passada numa cidade medie­

val italiana, recontada com talento e beleza pictórica. Strega Nona era conhecida

de todos no vi Ia rejo da Calábria e com sua mágica poderosa fazia o bem à popu­

lação. Um dia, ela contrata um ajudante com apenas uma recomendação: nunca

mexer no caldeirão". O que você acha que acontece, Carlos? Claro que ele mexe, e

a cidade quase desaparece sob um rio de macarrão mágico, que o caldeirão não

pára de cozinhar!

Adorei a narrativa e as belas ilustrações, que são organizadas de forma que

lembra as histórias em quadrinhos, e decidi fazer a leitura do livro com meus

alunos da segunda série. Sentamos, eu e as crianças, em um circulo, para que eu

pudesse mostrar a eias as imagens. E comecei a contar, lendo de maneira bem

dramatizada, fazendo vozes diferentes para Strega Nona (uma velhinha muito

simpática), Tonhão (o ajudante trapalhão) e outras personagens secundárias.

E na hora de contar o truque mágico de fazer o caldeirão cozinhar sozinho, eu

imitei os gestos da feiticeira, o que provocou muitas gargalhadas. Também imitei

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o desespero do pobre Tonhão, mergulhado no macarrão, rodopiando no meio do

circulo, com os braços para cima; as crianças entraram no clima e começaram a

fazer de conta que eram os aldeões, nadando em f/os de macarrão. Foi muito

divertido!

Depois da leitura, eles olharam melhoras imagens, enquanto iamos comen­

tando a história. Aproveitei as dicas de atividades que Vêm no final do livro e

recordei com os alunos o começo, o meio e o final da narrativa. Depois, perguntei

qual é a principal mensagem da história, e a partir das respostas deles conversa­

mos sobre a curiosidade, a mentira, a desobediência, o arrependimento, o castigo.

Discutimos se o castigo é uma coisa boa, importante, ou não; e sea mentira tem

mesmo "perna curta". Pedi que comentassem se é verdade que o mentiroso sem­

pre se dá mal e que contassem histórias que comprovassem o que diziam. Ai a

classe pegou fogo, como você pode imaginar. Foram tantos os comentários que o

tempo voou, e não pude mostrara eles o desenho animado que vem em uma fita

de video junto com o livro. Prometi que na próxima semana assistiremos ao dese­

nho, e estou pensando em levar uma cópia de Fantasia, da Disney, que tenho em

casa, e que em determinado momento mostra o Mickey em uma situação muito

parecida à de Tonhão, em um episódio chamado O aprendiz de feiticeiro. Acho que

eles vão gostar. Já estão disputando o livro Strega Nona para ler em casa. E nem

mostrei um fantoche que vem junto, representando a velhinha; é que a professora

de Educação Artistica está pensando em usar o livro para ensinar as crianças a

criar fantoches. Parece que vem ai um teatrinho.

Você não quer fornecer o macarrão para o cenário? E para os alunos? E para

as professoras? Precisamos de rios de macarrão... sabe que você daria um ótimo

produtor teatral?

Saudade,

Cilza.

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Querida Cristina,

Ontem assisti à aula de uma amiga para a 1a série realmente encantadora.

Ela usou um livro muito bonito — Tanto, tanto, de Trish Cooke — em uma atividade

com os alunos, que, como estamos no final do ano, já conseguem ler livros como

este — de texto curto, letras grandes e palavras simples. como escreveu a resenhista

Lucilia Garcez, o vocabulário da obra "faz parte do repertório de crianças peque­

nas". Há enormes e belas ilustrações para a história que, como resumiu Maria

José Nóbrega, "narra um dia especial na vida de uma família composta por um

casal e um bebê. Trata-se de uma festa surpresa para a comemoração do aniver­

sário do pai. Um a um, os parentes vão chegando e dirigem-se ao bebê com uma

brincadeira que se encerra com a exclamação de quanto gostariam de apertar,

beijar, comer... 'essa coisinha tanto, tanto!' Dai o titulo do livro".

Os textos dessas resenhistas ajudaram na preparação da aula; achei muito

legais os comentários delas. Maria José comenta, por exemplo, que "o texto oqp-

niza-se em torno da repetição de estruturas que tanto agradam às crianças, retra­

tando a delicadeza de sentimentos que unem os elementos da família: todos

diferentes, mas podendo expressar o afeto a seu modo".

Há um aspecto do qual gostei especialmente e que foi muito bem observado

por Lucilia Garcez: "pela ilustração é que sabemos que se trata de uma familia de

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negros. E todos os detalhes (roupas, adereços, penteados) reforçam a caracteriza­

ção definida pela cor da pele". O livro é realmente um achado.

Mas vou contara atividade que minha amiga Flávia realizou com as crianças.

Ela trouxe uma grande colcha de cama de casal e estendeu no chão para os a/unos

sentarem. Todos formamos uma roda, sentados com as pernas cruzadas. Então,

ela explicou que iríamos ler um livro INTEIRINHO, todos juntos, o que deixou as

crianças acesas. Ao mostrar a capa do livro e pedir que lessem o título, elas

prontamente atenderam. Não é adorável ver crianças que acabaram de aprendera

ler com os olhinhos brilhando ao decifrar palavras?

LIdo o titulo - que todas repetiram várias vezes —, minha amiga passou a

comentar a capa, que mostra o pai segurando o bebê nos braços. como o livro é

bem grande, as crianças podiam enxergar bem figura e título, e ela passou a

perguntar: "Será que o homem é parente do nenê? O que eles estão fazendo?"

Depois de ouvir todas as opiniões, muito variadas, Flávia, fazendo ares de misté­

rio, anunciou: "Vamos deixar o livro nos contar!" E passou o livro para a aluna que

estava a seu lado, pedindo para que lesse a primeira página.

No começo, a leitura foi balbucíante; algumas palavras enroscavam as lin­

guas, era preciso ajudar os pequenos leitores. Mas que alegria quando liam todo o

trecho pedido! Relíam, agora com mais segurança, e passavam o livro para outro

colega, por sua vez ansioso para ler o seu pedaço e saber mais da história. E a

história desenrola-se de pequenos em pequenos acontecimentos: a chegada de

parentes da mãe e do bebê, que o enchem de carinho, sempre repetindo que

querem beijar, apertar ou brincar com ele tanto, tanto!

Então chega o pai, que todos esperavam para a festa surpresa de aniversário;

final que surpreendeu e divertiu as crianças. Flávia recordou com eias o começo, o

meio e o final da história e, a pedido dos meninos, releu o livro, dramatizando cada

cena e explorando o ritmo e a sonoridade das frases. Depois da leitura, conversamos

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sobre as diferentes formas de expressar carinho, e as crianças contaram de avós que

as apertam muito, de pais que brincam com eias de cavalinho, de tios que as erguem

no ar, de mães que as carregam... e de tias chatas que dão beijos melados em suas

bochechas quando eias não estão a fim. Gravei o recado. Cris.

Um abraço como os de Tanto, tanto!,

Laura.

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Querida Célia,

Escrevo para contar sobre a gratificante experiência de trabalhar com o livro

Teatro I - Maria Clara Machado. Incrível como esta autora parece representar, "para o

gênero teatral, o que Lobato representou para a narrativa ficcional", como diz

Maria José Nóbrega em uma resenha que li do livro. Realmente, creio que há

muita semelhança entre os dois. A resenhista acertou na mosca quando escreveu

que as personagens de Maria Clara Machado, assim como as de Monteiro Lobato,

"têm consistência e coeiência " e "as tramas são originais, divertidas e trazem

sempre um ponto de vista critico". Lembro que quando era criança assisti à Plu ft

o fantasmi nhá (peça que faz parte do livro) e me diverti muito, principalmente por­

que quem interpretou o Pluft foi a minha tia, e eu havia ajudado — ou melhor,

atrapalhado — minha avó a fazer a roupa de fantasma, além de ter brincado

muito no baú velho do meu avô que depois fez parte do cenário.

As boas lembranças de infância e a qualidade das peças animaram-me a

fazer a montagem de algumas delas com meus alunos. Mas não possuíamos

recursos para a confecção das fantasias e dos cenários. Espaço para improvisar

um palco até tinhamos, mas e as roupas? E a maquiagem, os objetos necessários

para compor os cenários? Nem os alunos nem a escola tinham condições de

obtê-los. Quando estava quase desistindo, tive uma idéia — idéias temos aqui aos

montes! — que, no final, trouxe resultados surpreendentes.

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Resolvi transformar Fluff, o fanfasminha e A bruxinha que era boa em novelas de

rádio.

No começo fiquei preocupada com a reação dos alunos, que cresceram vendo

televisão; mas sabe que eles adoraram? Foi assim: primeiro, lemos em classe as

peças. como dou aula para duas classes, cada turma trabalhou com uma das

peças, sem saber qual era a "novela " que os colegas da outra classe estavam

preparando. Disse a eles que uma classe apresentaria o trabalho para a outra, e

isso os animou a caprichar na "produção"para impressionar os companheiros.

Ea "produção" foi muito divertida. Para começar, foi preciso criar um narrador

para contar ao público determinadas cenas, e aproveitei para dar breves explica­

ções sobre os vários tipos de narrador. Dividi a classe em grupos e cada um adap­

tou um ato da peça, que depois foi comentado e modificado pela turma tôda. Em

seguida, cada grupo criou propagandas, que seriam apresentadas nos intervalos

dos atos. Enquanto acompanhava e auxiliava a produção dos textos deles, aprovei­

tei para esclarecer dúvidas de redação. Críamos também "chamadas"de apresen­

tação para a peça-novela.

com isso, a c/asse tôda pôde participar da encenação: parte dos alunos

interpretou as personagens, parte fez as propagandas, outros fizeram as chama­

das. E houve os que cuidaram dos "efeitos sonoros": com a ajuda da professora de

Educação Artística, conseguiram imitar som de vento, de motor a jato para vas­

soura de bruxa (um secador de cabelos pode ter utilidades incríveis!), de passos,

de porta fechando, entre muitos outros. Em uma classe, os alunos usaram as

músicas aprendidas com o livro Flauta doce, de Alereíde Schílaro Santa Rosa, e

criaram um tema para cada personagem, além de aproveitarem as partituras que

acompanham as peças. Na outra, um grupo escolheu trechos de músicas para

serem cantados durante a apresentação.

E afinal chegou o grande dia.

Sei que você está curiosa para saber como montamos as novelas; você deve

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ter pensado em gravadores, não é? Pois bem, na verdade não foi assim.

Foi muito simples: o público sentou-se de costas para o palco. Então, os

alunos da classe C entravam quíetinhos e apresentavam a novela Plu ft, o fantasmi nhá.

Depois, foi a vez de a classe D deixar a platéia e apresentar A bruxinha que era boa,

enquanto os colegas se acomodavam nas cadeiras. Foi um sucesso!

Nas aulas seguintes, comentamos as apresentações e houve uma incrível

troca de informações, desde "como produzir som de bolha " até elogios para al­

guns alunos que interpretaram muito bem, para outros que criaram propagandas

divertidas... Enfim, Célia, tenho agora alunos querendo ser roteiristas, alunos que­

rendo criar efeitos para o Steven Spielberg, alunos querendo ser atores... mas

tenho, principalmente, alunos juntando esforços para um festival de teatro no

final do ano; desta vez — vamos dar um jeito de conseguir — com cenários, fanta­

sias e tudo o mais que dá coforido aos textos incríveis de Maria Clara Machado.

Um grande abraço,

Regina.

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Prezado Ut is,

Escrevo para sugerir um ótimo livro de "trava-línguas", que sei que você ado­

ra: Trava trovas, de Ciça. comecei a me interessar pelo livro ao ler uma resenha sobre

ele feita por Lucilia Garcez. Vou transcre\é-la para que você tenha uma idéia me­

lhor da obra: "O livro apresenta onze composições originais em versos. Todas eias

são baseadas na tradição dos 'trava-linguas', ou seja, daquelas brincadeiras orais

que pertencem à cultura popular e que constituem um desafio à habilidade de

pmnunciar ràpida e corretamente um texto em que há dificuldades fonéticas con­

sideráveis ".

O livro de Ciça faz-nos lembrar de trava-linguas da nossa tradição que tanto

nos divertiam e divertem. E como aprendi ao ler outra resenha, de Graça Monteiro

Castro: "As travatrovas, assim como as parlendas e as adivinhas, são extrema­

mente pertinentes para crianças em fase inicial de leitura pelo ritmo e pela sono­

ridade propostos pela estrutura textual dos gêneros, além de auxiliar na valoriza­

ção da leitura como fonte de fruição estética e entretenimento".

Seja estava inclinada a usar o livro em sala, por causa do resgate que a

autora faz de jogos da cultura oral brasileira, a possibilidade de trabalhar com as

crianças ritmos e sons e de valorizara leitura me convenceram; criei uma ativida­

de que já começou na porta da classe, com a primeira "travatrova " de Ciça. Pedi

que uma inspetora fechasse a porta da classe e avisasse aos alunos que eu tinha

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um "importante aviso" a fazer. Do iado de fora, percebi pelos cochichos que esta­

vam muito curiosos; então abri a porta muito teatralmente — se é que você me

entende — e "declamei":

Quem se atreve, pode e prova;

trina o trinco, troca e tranca:

é hora, é hora do travatrova!

Consegue imaginar a reação da classe? Aposto que sim... anunciada a "aula

de travatrova ", expliquei para as crianças o que são trava-línguas e dei exemplos de

alguns que me divertiam na infância, como "a aranha arranha a jarra e a jarra

arranha a aranha ". As crianças foram lembrando de outros, como o do "ninho de

marfagafos", do "prato de trigo para tés tristes tigres... " Então começamos a

trabalhar com o livro de Ciça. Lemos e rimos com as travatrovas; depois, separei

os alunos em grupos e pedi que criassem uma "apresentação" de determinadas

travatrovas para a classe. Poderiam usar mímica, fazerjogral, criar música com as

palavras. Acompanhei o trabalho de cada grupo, chamando a atenção deles para

as rimas, a rica sonoridade, o ritmo.

O resultado foi delicioso; houve, por exemplo, a criação de um rap para "briga ",

travatrova que consiste na enumeração de palavras que "compõem" uma briga,

como "pirapóte, peteleco, um coque, um teco, um tostão". Enquanto um aluno ia

dizendo, em ritmo de rap, as palavras, os outros mostravam com gestos do que se

tratava. Outro aluno fazia sons com a boca imitando batidas eletrônicas e, no

final, todos acrescentaram um grito: "Violência, não!" Acho que a Ciça perdoaria

essa "licençapoética "(aliás, rimou muito bem com o último verso), que representa

bem sentimentos que estamos experimentando atualmente.

Um abraço rimado com... (você preenche, mestre dos trava-línguas!),

Marina.

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Querida Míriam,

Lembra de uma conversa que tivemos sobre a fascinação das enancas por

imagens de micróbios que, ampliados milhões de vezes, parecem monstros? Ou

de insetos, flores, grãos de areia que, filmados com potentes lentes de aumento,

revelam texturas, reentrâncias, cores maravilhosas? Quantas vezes vi crianças de

olhos fixos em frente da televisão, assistindo a documentários que mostram o

"microcosmo" invisível aos nossos olhos.

Pois bem, descobri um livro sensacional — Zoom, de Istvam Banyai — que me

permitiu discutir com meus alunos, entre outras coisas, como o foco pelo qual

enxergamos determinado objeto, animal ou pessoa determina diferentes manei­

ras de percebê-los. O nome do livro, como você deve ter percebido, refere-se àque­

las lentes de máquinas fotográficas e de filmadoras que permitem aproximar ou

afastar o foco, de modo que possamos enxergar algo muito distante de nós ou

olhar os detalhes de algo que esteja muito próximo ou que seja muito pequeno.

O livro é muito bem bolado; trata-se de uma seqüência de imagens, sem

texto, que podem ser vistas de frente para trás ou de trás para frente. Sabe por

quê? Se você começa a ler de frente para trás, o foco vai se afastando; assim, a

imagem indefinida que aparece na primeira página mostra ser, na página seguin­

te, a crista de um galo. É como se o autor tivesse "afastado o foco" um pouco, para

que pudéssemos ver o galo inteiro. Afasta um pouco mais, e vemos que o galo está

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sendo observado por duas crianças; mais um zoom, e vemos as enancas dentro do

quarto de uma fazenda; e essa fazenda é o brinquedo de uma menina; e essa

menina está dentro de urna revista; e essa revista... não é muito legal? E se lemos

de trás para frente, parece que nos estamos aproximando cada vez mais das

cenas. Você precisa ver!

Adorei o livro, mas fiquei em dúvida se deveria usá-lo em classe. Agora perce­

bo que foi preconceito de minha parte, professora acostumada a livros com textos,

que nunca pensou ser possível a leitura de imagens. Não só é possível como è uma

experiência incrível, Miriam. Porém, confesso que fiquei insegura; mas li um artigo

de Nilma Lacerda e outro de Regina Werneck sobre Zoom que me "abriram os

olhos" (tá, o trocadilho é horrível, mas não resisti...)

Nilma afirma que o autor "articula imagens numa narrativa visual cuja dire­

ção de leitura pode dar-se em dois sentidos, acirrando ao máximo o deslocamento

das posições fixas. Justo quando você pensa que sabe onde está, recebe uma nova

informação que vai colocá-lo em outro lugar, para ser novamente informado de

que não está onde pensa que está". E acrescenta: "Machado de Assis gostava

desse jogo, Fernando Pessoa também. (...) A obra desses escritores fundamenta-

se na relativização, na tênue fronteira do ser e do parecer, questões que são o eixo

estruturador de alguns dos melhores contos de Andersen: O patinho feio, A princesa

e a ervilha, A sombra.

Lembrei-me dos contos e achei essa observação muito pertinente; comecei a

ter idéias para a aula com Zoom. Então li o texto de Regina, que afirma: "E um

livro todo de imagens, favorecendo imensamente a relação de grandeza e de posi­

ção no foco de ilustração. Além disso, um leitor de imagens que não tenha sido

deformado ainda pelas ilustrações lineares poderá observar detalhes bem ricos,

tais como: a seleção, na página 20, da figura que, estando na amurada superior

do navio, reaparece dentro do 'o'de Zoom".

Bem, nessa altura, já estava apaixonada pelo livro e pelas ricas possibílida-

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des de lettura que ele oferece. S/m, /e/tura; nós não "lemos" fotografías? Você não

tem livros que reproduzem obras de grandes pintores, de quadros que tantas vezes

"íeu"para mim?

Pois eu e meus alunos lemosjuntos Zoom, e a leitura foi surpreendente. Diria

que foi até filosófica, como sugere a contracapa do livro. Eu mostrava a eles as

figuras e perguntava: "O que voces vêem?"A crista de galo, por exemplo, pareceu

aos meninos uma montanha, a parte de cima de um peixe exótico, as pétalas de

uma flor, a barra de um vestido, um "pedaço"do Sol. Quando viram que era um

galo, riram, divertiram-se, ficaram cunosissimos para saber o que o próximo zoom

mostraria. E assim fui mostrando o livro todo, e fomos fazendo leituras das ima­

gens, conversando sobre o lato de nada do livro ser o que parece — e dai brotaram

as discussões filosóficas.

Terminamos falando de várías situações em que alguém parecia ser o que

não era. Ou então de monstros noturnos que haviam provocado medo no meio da

noite e que, na manhã seguinte, provocavam risos, ao se perceber que eram a

sombra de uma árvore, o bicho de pelúcia do irmãozinho, uma vassoura deponta-

cabeça esquecida no corredor. E das muitas diferenças entre o ser e o parecer.

Estou pensando, agora, em usar os contos de Andersen para discutirmos

como essa questão é tratada de modo diferente em textos literários. Ou então,

para descobrinnos como os escritores fazem para aproximar algo dos olhos do

leitor; de que modo utilizam as palavras, as descrições, para criar o efeito zoom em

seus textos. Não acha que será bacana?

Um abraço,

Lúcia.

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P.S.: O professor de ciências aproveitou o entusiasmo dos alunos com a lente

imaginária de Istvam Banyai para mostrar a eles como funcionam um telescópio

e uma luneta. Nem preciso dizer que, ultimamente, tudo tem sido olhado de

modo muito atento e curioso aqui na escola...

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Salve grande Édson!

Na última carta, você me perguntava se meus a/unos tinham mais dificulda­

de em Matemática do que em outras matérias, mas responder isso eu não sei. No

entanto, posso dizer que encontrei um livro muito legal para começar a falar dos

números com eles. Chama-se Brincando com os números e foi escrito por um autor

francês chamado Massím. O livro é massa até mesmo no nome dos seus ilustra­

dores: "Os gatos pelados!" E o tom da obra quem descreveu bem foi minha

orientadora da especialização, Elisabeth Vasconcelos: "Revelar, portanto, a beleza

dos números para as crianças é a proposta da obra. Apresentando a viagem de

dois amigos — FU e Pipo — pelo 'Pais dos números', o autor propõe um breve

passeio pela história da humanidade no que diz respeito ao uso dos números".

Tive alguns resultados legais depois de lê-lo com minha 2* série.

como o livro mostra os sistemas que os povos antigos usavam para contar,

eu bolei o seguinte jogo: montei algumas "continhas" usando os sistemas dos

a steca s (bandeiras, bolsa) e dos egipcios (girino, haste). Eias foram entregues aos

alunos como formas de enigmas que eles deveriam resolver. Para isso, lemos o

texto de Massi m.

Depois, coloquei no quadro os valores que correspondiam a cada um dos

sinais usados nos enigmas. Então, os alunos puderam resolver as "continhas" e

saber que nem sempre as pessoas contavam, somavam ou diminuíam as coisas

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da mesma maneira como fazemos hoje. E claro que teve pèrnio para o primeiro a

desvendar os enigmas! Em seguida, comentamos alguns outros fatos interessan­

tes, como a maneira de contar dos sumérios (de seis em seis, o que influencia até

hoje a contagem de horas, frutas ou ovos), o fato de os hindus terem começado a

utilizar notações com dez algarismos, ete.

Também fizemos uma coisa de que os alunos gostaram bastante. Depois de

chamar atenção para o fato de FU e Pipo estarem passeando pelas histórias do

livro, pedi aos alunos que os localizassem nas ilustrações do texto e observassem

como "Os gatos pelados" usaram os desenhos para mostrar como os números

são utilizados e, às vezes, de forma bem brincalhona. No ft nai da aula, seguimos a

sugestão do autor e fomos brincar com os números mesmo! Você precisa ver

quantos desenhos legais a rapaziadinha fez com os numerais, a começar com a

sugestão de Massi m de fazer-se um rosto humano com os algarismos 6, 4 e 2.

Foi um barato! Que tal brincar com os números na sua sala? Espero que se divir­

tam como nós.

Um abraço,

Nestor.

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OI Solange!

Estou te escrevendo pra contar coisas muito boas da aula de leitura da Ia B

em que usei as Histórias Ja Coleção Gato e Rato, escritas por Mary França e ilustradas

por Eliardo França. Quando as li pela primeira vez, foi impossível não me lembrar

de imediato da Coleção de História Natural, que minha mãe guardava na velha

estante de livros de professora de Biologia. Eram livros cheios de animais e

dinossauros pré-históricos. Eu curtia pra caramba imaginar o mundo no qual

aqueles seres tão estranhos viviam.

Pena que aqueles livros fossem tão secos de fantasia. Eles não tinham a

graça da vida como têm os bichos inventados por Mary França. como disse Vânia

Rezende, uma professora aqui da escola que também leu esses textos, "a natureza

é parte ativa das histórias, que quase sempre trazem animais-personagens em

movimento pleno de impulsos de vida. Definem-se por caracteristicas corporais e

fisionômicas vibrantes, feitas de traços travessos, gestos ágeis e ares infantis —

expressão perfeitamente identificada à ludicidade infantil". Agora entendi por que

meus alunos gostaram tanto desses textos!

Outra diferença é que as experiências desses bichinhos (sapo, bode, tatu,

ete.) ajudam a criança a pensar sobre sua própria situação no mundo. Assim, fiz

com minha Ia- série algumas atividades que exploraram os movimentos e a histó­

ria dos bichos que desempenham papel principal. Primeiro li a história com bas-

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tante entonação e chamei atenção para as ilustrações, perguntando quem eram

os personagens. Depois propus algumas questões. Por exemplo, em O rabo do gato,

o que aconteceu com o sapo? Por que e/e se confunde com um gato? O sapo

achava que era aquilo que outros bichos (gato e tatu) lhe diziam, mas eles esta-

va m certos? Será que um detalhe extemo (rabo de gato) pode mudar aquilo que

temos de mais próprio e característico em nós? Dessejeito, eu trabalhei, digamos

assim, a idéia central da história.

como esta, as demais histórias podem ser lidas de /orma que as crianças

pensem sobre questões centrais da vida da gente que estão tematizadas nessa

coleção: a importância da união para alcançar um objetivo em O pega-pega, a falsa

apaéncia dos fatos em Surprêsas!, a conscientização ecológica em fogo no céu!

Sabe, Solange, ás vezes a experiência de outras pessoas pode nos ajudar

muito, e no caso da leitura, acho que é muito legal compartilhar nossas maneiras

de ler. E por isso que não deixo de te escrever. Espero resposta e sugestões de

leitura.

Um abração,

Rosa Maria.

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Querida Elzinha,

Vinte e cinco anos e ainda continuamos a tecionar! Amor e labor! Aliás,

estou te escrevendo pra contar algumas peripécias da aula de leitura de uma 3-

sèrie que peguei este ano. Fãs de carteírinha, eu e eles, dos contos de fadas,

escolhemos ler os Contos Je Grimm. A escolha nâo foi sem motivo, pois, como dizia

Francisco Auélio Ribeiro, nosso mestre do magistério: "Esses contos há quase

duzentos anos encantam crianças, jovens e adultos com suas histórias menos

moralistas que as fábulas, mas que cativam pelo imaginário de um mundo em

que os fracos vencem, os bons são premiados e os maus castigados. Se na realida­

de isso não ocorre, não são as histórias que estão erradas, mas o mundo em que

vivemos". Sabe, Elza, acho que o grande segredo do sucesso dos contos de fadas é

exatamente esse lado de apresentar um mundo mágico, no qual, felizmente, as

coisas dão certo. Vou te contar como li algumas das histórias deste livro.

Selecionei O pobre e o rico, Os músicos de Bremen e Pequeno Polegar. Iniciei uma

jornada de leituras que durou três dias (um dia pra cada história). Reservava um

tempo da aula pra leitura oral dos textos, feita por mim, daquelejeito que a gente

aprendeu no Curso Normal, com bastante entonação e emoção! No meio da leitu­

ra, ia fazendo pequenas paradas e perguntava o que estava acontecendo nos mo­

mentos importantes das histórias.

Depois pedi a eles que separassem a história em très momentos — inicio,

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meio, fim — e verificassem como os heróis da história ficavam em cada um deles.

com um pouco de ajuda, logo eles percebiam um primeiro momento positivo, no

qual tudo estava bem; logo depois, um momento negativo, no qual as coisas se

tomavam complicadas para o herói e, no final, um momento ainda melhor que o

primeiro, no qual o herói terminava, de alguma forma, premiado. como sempre,

fui à lousa e esquematizei tudo isso pra eles.

Terminados os tés dias, pedi, no 4Q dia, que os alunos relembrassem as três

histórias e então questionei a razão de os personagens terem superado suas difi­

culdades no final da história. Não foi difícil que eles chegassem à conclusão de que

isso tinha acontecido por causa das qualidades desses personagens (inteligência,

astucia, bondade). Além disso, ficou bem claro pra eles a diferença entre esses

personagens e seus opositores.

Foi muito legal essa experiência e acho que as histórias falaram às crianças

sobre sentimentos que estão muito em falta hq/e em dia. Li esses contos com eles

como leio as histórias que escolho pra eu len vendo sempre o que podemos apren­

der com eias. Assim, as aulas de leitura são um bom caminho pra gente cumprir

nossa missão de professoras, você não acha?

Um abraço com muita saudade,

Francisca.

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Oi, Lilian!

E muito bom agente ter uma companheira pra confabular de vez em quando

sobre o que fazemos em sala de aula. Outro dia, li um livro tão legal que precisava

te falar dele. Aliás, não fui só eu que o achei legal. Jane Paiva, uma professora de

literatura da faculdade daqui, ao comentar sua leitura de A mãe da mãe da minha mãe,

texto escrito por Terezinha Alvarenga, diz ser este um texto "extremamente atual

e quase se configura como um clássico na área da literatura infantil.

A temática que aborda — a relação de uma bisneta com sua bisavó —, vista pelo

olhar pequenino da criança e sua geração, configura assunto sempre renovado no

conjunto da literatura infantil".

Percebi que muitos textos que havia lido com meus alunos falavam de situa­

ções semelhantes às da protagonista (Chapeuzinho Vermelho, dosGrimm, e Chapeuzinho

Amarelo, de Chico Buarque). Lembrando dessas histórias, fiquei pensando como ler

este texto. Pulularam algumas idéias e não pisquei duas vezes para pô-las em

prática.

Os alunos, em círculo, escutaram a leitura que fiz. Depois de ler a narrativa,

pedi que descrevessem as ilustrações. Não é que eles observaram o tamanho das

passagens que têm as portas da casa? No começo eias são largas e, a cada pági­

na, tornam-se estreitas. Eles logo perceberam que o caminho da menina estava

ficando cada vez mais estreito, mais difícil, assim como estava sendo difícil en-

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contrar uma pessoa estranha, como a Bivó. Nesse ponto, perguntei a eles seja

tinham tido medo de alguma coisa que não conheciam. Choveram respostas (o

tio do Mato Grosso, o irmão que ia nascer, ete).

Ao chegar às páginas 10 e 11, eles notaram que a menina tinha chegado ao

fim do grande túnel que se fomiara com a superposição das portas. Era o mo­

mento mais forte do medo e da história, mas, pra alegria de todos, nada de grave

aconteceu, só o encontro bisneta/bisavó. Nas duas páginas seguintes, suqiiu o

lance mais legal da aula: nas páginas 12 e 13 pedi que prestassem atenção ao

diálogo entre bisavó e neta. Imediatamente, lembraram do diálogo do Lobo com a

Chapeuzinho e, assim, puderam entender melhor os sentimentos da menina na­

quela situação. As leituras que as crianças já fizeram no passado sempre ajudam

a entender melhor as leituras do presente!

Por fim, a classe percebeu que as imagens que a menina tinha construido da

Bivó não eram verdadeiras. Depois de encarar o medo de frente (bivó desconheci­

da), só sobrou mesmo foi afeto pra todo lado. como nós, vocês vão amar essa

história!

Abraço,

Soraya.

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Olá, Vitória,

Lembra daquele livro que você me deu, A moeda de ouro que o pato engoliu, da

Cora Coralina? Utilizei-o com minha turminha da 4* série, pensando num comentário da professora que disse: "O bonito em Cora Coralina é o dom de dar

forma estética aos falares que caracterizam o Brasil. A riqueza metafórica da

linguagem popular, sua sonoridade e plasticidade (...) o conto é uma excelente

entrada no universo da autora, apontando excelentes caminhos para o tratamen­

to da variação lingüistica".

Quando li este livro, falando da gente de Ferreiro, lembrei na hora de um

livrinho que eu tinha lido lá na cidade de Umuarama. Era um livro feito para

contar a história da cidade, de onde tinha vindo o seu nome, as pessoas que

tinham chegado lá primeiro, ete.

Foi dai que eu pensei em fazer algumas atividades na minha sala de aula.

Primeiro disse aos alunos que a gente ia ler uma história sobre uma região dife­

rente daqui do Paraná. Juntei todo mundo ao redor de mim e fui lendo a história.

Chamei atenção dos alunos para quatro momentos importantes: 1) a festa em

Ferreiro; 2) o desejo de fazer um almoço gostoso para o padre; 3) a moeda encon­

trada no pato que seria servido ao padre (quem seria o dono da moeda); 4) a

explicação de como a moeda foi parar na moela do pato.

comentados esses momentos do livro, pedi para o Marcelo ler a página 12,

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na qual está a faia de dona Maria do Morro. Eles não entenderam algumas pala­

vras como vassuncêis, turneando, descome, morre na espremedeira. Expliquei o significado

delas e trabalhamos as diferenças de falas que existem não só entre as regiões,

mas também entre as pessoas de uma mesma região. Pensando nisso, pedi que

eles escrevessem uma carta para uma amigo como se estivessem conversando

com ele. comparamos algumas cartas com uma carta oficial que a escola tinha

recebido do núcleo. Todos perceberam que cada situação exige um tipo de lingua­

gem diferente.

Outra atividade legal foi baseada na página 5 do livro, na qual o menino

conta sobre a festa de Ferreiro. Pedi que as crianças fizessem uma pesquisa com

seus pais ou parentes sobre as festas populares da nossa cidade e depois as

descrevessem. Eias são mesmo animadas, como contam muitas redações dos

alunos. Você precisa conhecê-las!

Abraço,

Márcia Auélia.

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Cara Nice,

A escola vai bem e acabamos de receber um acervo muito legal de livros.

A propósito deles, li com minha classe O Rei de Quase Tudo, escrito e ilustrado por

Eliardo França. Este livro, corn seu personagem Rei, fez-me recordar das histórias

de fadas e reinos encantados nas quais os reis quase nunca tinham outro papel a

não ser o de ser rei, o dono do reinado a quem todos respeitavam. Lembra?

Cinderela, Branca de Neve... Pensando nesses reis, achei o Rei de Quase Tudo

muito diferente. Ele é um rei, mas pensa como uma pessoa comum, ou melhor,

como uma criança, e daquelas egoístas que gostam de ter tudo para si. Engraçado

é que não é só criança que é assim não...

Partindo desse lado da história, observei um aspecto do livro com os meus

alunos da 2- série: o motivo da tristeza do rei. Fui interrogando a classe e discutin­

do com eles algumas perguntas que levaram ao tema do autoritarismo do rei: ora,

se ele tinha quase tudo, por que não era feliz? como o rei pensou que ficaria feliz?

Depois de aprisionar as estrelas, o Sol, as flores, ele conseguiu ser feliz? A partir

desses e de outros aspectos, tentei traçar um paralelo entre a vida do rei, sua

forma de ser e a das crianças. Foi uma ótima maneira de introduzir uma reflexão

sobre a felicidade!

Só como dicas, aqui vão algumas perguntas que ajudaram na aula: é possível

a alguém possuir todas as coisas? Há coisas que não se podem comprar? Que

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coisas sào essas? Então, como podemos fazer para ter essas coisas?

uma atividade legal foi "a minha vida de rei". Foi quando pedi aos alunos que

contassem uma situação da vida deles em que tinham agido como o rei da histó­

ria, de forma bem egoista e mandona. Acho que eles conseguiram entender, como

o rei, que "em liberdade, cada coisa pode ser em plenitude e, assim, estender sua

plenitude a todos", como bem comentou Elisabeth Vasconcellos, professora da

minha especialização.

Este texto fez-me lembrar uma outra história que talvez você também co­

nheça, O Reizinho Mandão, de Ruth Rocha. como o Reizinho Mandão, o Rei de Quase

Tudo utiliza seus poderes de forma muito autoritária, o que faz o texto recair

também na temática do poder. A esse propósito, procurei trabalhar as relações de

poder que circulam no universo mais próximo de meus alunos (familia, escola,

cidade), associando tal discussão à questão da liberdade x autoritarismo evocada

no texto de Eliardo França. Puxa, você nem sabe como eles percebem o

autoritarismo! Acho bom a gente tomar cuidado...

Um abração!

Vera

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Cara Sulamita,

Quando a gente se viu pela ùltima vez naquele curso de aperfeiçoamento do

Nùcleo, falava-se sôbre inserir a criança na realidade social, sôbre escola/socieda­

de, lembra? Semana passada, li com meus alunos um livro e com ele vimos

algumas coisas desse tipo. Escrito por t/és autores, Jô Azevedo, Iolanda Huzak e

Cristina Porto, Serafina e a criança que trabalha deu o que falar na classe! Pra você ter

uma idéia do texto, repito as palavras da nossa coordenadora. Graça Monteiro e

Castro, que o considerou "um livro informativo, escrito especialmente para infor­

mar as próprias crianças sobre o grave problema do trabalho infantil, não só no

Brasil como em diversas partes do mundo".

O que eu achei superlegal no livro é que ele tem a ver com meu passado de

leitora. Quando criança, quase nunca ou nunca li um livro que falasse de algo de

nossa realidade de uma forma tão interessante! O livro tem fotos, histórias verda­

deiras e, o mais legal, mostra como podemos ajudar na defesa dos di mitos das

crianças, bem diferente de A pequena vendedora de fósforos, uma história que lia na

minha infância e que falava de tema parecido. Só que a menina vendedora de

fósforos morria de fome e de frio bem na noite de Natal, sem sequer sonhar com

direitos da criança e do adolescente!

Novos tempos, novas leituras! Depois de ler o livro, classe dividida em

sete grupos, cada um deles ficou responsável por bolar a história de uma das sete

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crianças apresentadas no livro. Só que eles não só contaram como era o trabalho

das crianças como também criaram uma personalidade pra cada uma delas;

imaginaram como seriam a sua vida, seus sonhos, suas tristezas, etc. No final,

um grupo de alunos apresentou, com base no livro, as organizações que se preocu­

pam em acabar com o trabalho infantil, mostrando como é importante as pesso­

as se conscientizarem disso.

uma outra atividade que deu certo e que os fez crescer muito foi localizar

crianças que trabalhavam, entrevistá-las e discutir isso com a família. como até

aqui em Iporã há crianças que vendem coisas pelas ruas e pedem pra cuidar dos

carros, eles viram, por si próprios, como a realidade apresentada no livro Serafina e

a criança que trabalha era muito mais próxima do que imaginavam. Sabe, Su fa, acho

muito bom que os livros enfoquem essas questões. Se você tiver oportunidade, leia

este livro com seus alunos. Tenho certeza de que todos vão gostar.

Um abraço e até o próximo curso do Núcleo!

Cilene.

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Oi Celina!

Quando a gente estava na faculdade de Letras, lá em Umuarama, a matéria

que mais me encantava era a poesia. Há versos que não nos saem da memória.

Logo, concordo plenamente com uma professora de literatura aqui da cidade, a

Laura Sandroni, quando diz que Televisão Ja bicharada, livro de poemas que acabei de

ler, "é indispensável ao trabalho com crianças de 1* a 4ã séries, pois proporciona a

aproximação com o sentido mágico das palavras, que se tocam, que se ligam, pela

rima, pelo ritmo, pelo som que Sidónio Muralha imprime a cada urna delas".

Já que as rimas e o ritmo do poema são os principais elos que nos fazem

lembrá-los, quando li esse texto com meus alunos dei ênfase a esses aspectos. Lia,

no máximo, dois ou t/ês poemas a cada dia.

Algumas brincadeiras despertaram as crianças para as rimas e para o ritmo.

Veja, por exemplo, o que fiz com o poema "Historieta ". Pedi aos alunos que copias­

sem o texto em um caderno e utilizassem sinais (circulo, quadrado, etc.) para

cada tipo de rima que acontecesse no poema. Depois, eles leram cada conjunto de

rimas encontrado (só as palavras dos sinais de circulo, por exemplo). Fizeram

também uma lista com rimas criadas por eles. Imagine as palhaçadas que saí­

ram!

Depois disso, fizemos uma leitura "musical" do poema. Escrevi o texto no

quadro e pedi para as crianças sentarem-se em forma de circulo. Expliquei que

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todos leriam o poema, acentuando as silabas fortes (tônicas) com palmas: ira uma

vez/uma cabrinha/ montés/ que tinha/ tinha/ um rabinho/ curtinho. Mo começo, fizemos

mais devagar, e depois, um pouco mais rápido, percebendo o ritmo binário (1,2-

1,2). Eles simplesmente amaram! Depois de trabalhar o ritmo, trabalhei o(s)

sentido(s) do poema. Para isso discuti algumas perguntas: por que "Historieta"?

Sobre quem é a história? O que tinha a cabrinha de diferente ou engraçado?

Nesse momento, fiz uma ligação com o ritmo, pois as palmas (ritmo binário)

mostram que o movimento do rabinho estava sendo imitado no poema.

como "Historieta", li com eles outros poemas do livro de Sidónio Muralha e

assim não foi difícil que, juntos, as enancas e eu, percebêssemos que as rimas, o

ritmo e as palavras são elementos que se interligam para que a gente possa dar

sentido a um poema. Tomara que sua classe possa descobrir que a poesia está

mesmo na vida, basta saber enxergá-la, como o fez Sidónio Muralha ao olhar de

forma tão brinca fhona pro mundo da bicharada!

Abração,

Natalina.

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Oi Eliane!

Escrevo pra falar sobre um livro muito legal que li recentemente. Chama-se A última flor amarela, escrito por Caulos. A predominância do cinza incomodou-me, ainda mais por ser um livro pra crianças. No entanto, compreendi que as imagens e as cores diziam tanto quanto as suas palavras. O texto também faz pensar em termos de humanidade, como propôs a resenha de jornal feita por Francisco Auré­lio Ribeiro: "A última flor amarela pode ser um excelente ponto de partida para a discussão da realidade em que vivemos, a relação do homem com o meio amblen-te .

Nesse momento, lembrei-me de outros livros que lia, principalmente em minha adolescência, tais como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, Diário de Anne Frank ou a Revolução dos bichos, de George Orwel. Acho que essas memórias de leitura me ajudaram a pensar a leitura de A última flor amarela na sala de aula.

Primeiro, li o livro com tôda a classe. Pedi que os alunos se colocassem da melhor maneira para que pudessem ver as ilustrações. Depois pedi a alguns alu­nos que lessem o texto em voz alta. No final dessa segunda leitura, o livro circulou entre todos. Então, eu pedi que eles dividissem a história em partes. Eles sugeri­ram seis partes. Então, dividi a sala em seis equipes, que explicaram cada divisão proposta. uma das partes sugeridas foi do início até a chegada ao parque. Nesse trecho, eles perceberam que a idéia central era representada pela caracterização

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do homém que, de temo e gravata, seria um advogado de mal com a vida, preocu­

pado só em ganhar suas ações.

Trabalhadas as idéias de cada divisão proposta, fizemos uma leitura das

ilustrações e de suas cores. Eles falaram sobre o que o cinza significava para eles,

e ainda notaram que o homem era cinza. Puxa, eles viram coisas que nem eu

tinha visto! O colorido do parque foi visto como o colorido da vida; a natureza, as

coisas boas que curtimos. O amarelo eles interpretaram como a flor que renasceu,

simbolo da teimosia daqueles que insistem em acreditar que ainda há uma saida

para o homem.

No final da aula, colocamos no quadro as várias idéias que os tiés personagens

da história (homem, parque, flor) tinham significado pra nós. Quantas idéias...

Então, percebi que ler em grupo é tão interessante quanto ler sozinho. Tomara que

essas atividades também ajudem seus alunos a se descobrirem como leitores e

que, com este livro, entendam melhor nossa relação com o mundo, com os outros

e com nós mesmos.

Um bei/ão,

Lívia.

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Oi Amalia!

Hoje, arrumando uns livros lá na escola, lembrei-me dos meus cinco ou seis

anos, ¡dade em que ainda não sabia ler. Segundo as regras do alfabeto, é claro,

porque "adivinhava " todos os significados dos cartazes, faixas ou propagandas

que via à minha frente. Lembrei-me ainda que, nas viagens de carro, minha mãe

brincava comigo e com meus irmãos, criando uma competição para ver quem

acertava o que estava escrito nas placas, propagandas e marcas de sinalização

com que cruzávamos. Acho que essa atividade de "adivinhar ou inventar" é uma

curtição para a garotada e que poderíamos aproveitá-la muito bem em nossas

aulas de leitura. Semana passada, por exemplo, li um livro muito interessante,

Victor e o jacaré, de Mariana Massarani, que trabalha exclusivamente com imagens.

como disse Maria José Nóbrega, minha colega aqui da escola, "trata-se de um

livro delicado que permite ao leitor realizar, com bastante clareza, a leitura da

seqüência narrativa e inferir a temática do conflito".

como o texto é construido com imagens, desenvolvi com minha classe ativi­

dades que estimularam a criação de uma linha narrativa para o livro. Pedi aos

alunos que se sentassem em círculo, de maneira que todos pudessem ver o livro.

Ainda sem folheá-lo, fiz algumas peqiuntas sobre seu conteúdo, sobre os persona­

gens, quem eram eles, ete.

Num segundo momento, mostrei a eles a primeira página e disse-lhes o

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nome da historia. Em seguida, iniciei a leitura pedindo que todos prestassem

atenção às ilustrações e que tentassem falar o que estaua acontecendo em cada

seqüência de imagem. Puxa, é um barato quando eles pegam um detalhe que você

nem tinha notado e falam um montão de coisas sobre ele. O Pedro, da 1*C, criou

uma história inteira sobre a página 10, quando Victor vai à natação com o jacaré.

Foi demais! Ao chegar à página 11, pedi às crianças, sempre de forma coletiva,

para falarem sobre a amizade entre Victor e o jaca ré. Nas páginas 12 e 13, dei um

pouco mais de tempo para que os alunos pudessem perceber a introdução do

conflito. No restante do texto, eles continuaram a "inventar" verbalmente a histó­

ria a partir das ilustrações.

No final, conversamos um pouco sobre a preservação dos animais selvagens

em seu habitât natural. A esse propósito, pedi que as crianças conversassem com

seus pais, recontassem pra eles a história que tinham lido na esco/a e fizessem

uma pesquisa com os pais para saber o que eles pensam sobre a relação deles

com a natureza. Estou curiosa pra ver as respostas.... Escreva pra contar as novi­

dades de sua escola!

Beijos,

Cláudia.

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Professor Carlos,

OH Meu nome é Karina e tenho dez anos. O senhor nâo me conhece, mas a minha professora, a D. Caria, foi sua aluna no curso de Letras. Ela fala muito do senhor, dizendo que foi o melhor professor dela e que ela ensina um montão de coisas que o senhor ensinou pra ela. Na outra semana, ela apareceu na classe com um livro. Um livro só de imagens, sabe? O nome era A bruxinha atrapalhada, de Eva Furnari, e tinha um monte de histórias de bruxinha. Superbonito! Depois que a gente olhou as imagens, D. Caria pediu pra gente escrever a história, inventando nomes para as personagens, mudando o nome da história, se quisesse. A gente até podia entrar também na história. Foi superlegal. Ai, ela disse pra gente esco­lher um pedacinho da história que escreveu e mandar para o senhor.

Aqui vai o pedacinho da minha história. Eu dei o nome A tartaruga que virou banquinho Je alcançar maçã. Espero que o senhor goste. Se o senhor gostar, depois eu mando o resto, combinado?

Um belo dia, eu estava passeando tranqüila, mas o sol estava muito forte. comecei a procurar uma árvore para me refrescar do calor. Quando estava che­gando perto da árvore, percebi que uma linda bruxinha, tôda sorridente e fa ladeira, acompanhada de seu gatinho, vinha na mesma direção.

Fiquei escondida atrás da árvore. Observei. Ela ficava pulando, tentando al­cançar uma maçã, mas não conseguia. O gatinho morria de dar risadas: "Aumen­ta o salto da bota, Transformilda!"

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Xiii! Eia me viu.

-- Tenho uma idéia muito melhor.

Olhou pra mim. Ai! Que idéia?

— Salamim, pim pimr transformim tartaruguim em banquim...

Da aluna Karína — 4* série 3.

RS.: Mestre, esta atividade aconteceu graças à coletânea sobre literatura

infantil, organizada por você, onde se encontra o ensaio de Eleonora Cretton Abi/io

a respeito de Eva Furnari: "Suas histórias são mudas e breves, mas nunca deixam

de significan mostram seqüências ricas, intercaladas de espaços vazios, para que

o leitor complete seu sentido".

Um abraço!

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Rosana,

Li com grande alegria Berimbau e outros poemas, de Manuel Bandeira. Concordo

com o texto de Vânia Resende, que você enviou com o livro: "A seleção de Elias

José foi criteriosa ao recolher textos que têm o traço definidor do poeta — o lirismo

— que perpassa a poetízaçào do cotidiano, de matérias folclóricas, de flagrantes

humorísticos, da infância (brincadeiras de rua, acalantos, bichos de estimação),

como também o senso fantástico que preside a concepção da verdadeira poesia".

E foi pensando em tudo isso que resolvi poetizar o cotidiano da minha 3-

série. Criei o projeto "Todo dia é dia de poesia". Apresentei o livro para as crianças,

contei que foi escrito por Manuel Bandeira e ilustrado por Marie Louise Nery. Todo

dia, iniciava a aula escrevendo uma poesia do livro no quadro-negro para eias

copiarem.

Depois de a classe ler oralmente várias vezes, até se familiarizar com as

palavras e com o ritmo do poema, cada aluno desenhava a poesia da maneira

como imaginava o lugar retratado pelo poeta. Em seguida, mostrava e explicava

seu lugar imaginário. Eu só exibia as ilustrações do livro depois de concluida a

atividade.

Explorávamos o ritmo e os sons do poema no próprio corpo (boca, mãos,

braços, pernas, pés, ete) e nos objetos da sala (cadeira, lápis, estojo, régua, etc.).

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A garotada descobna baruihos e movimentos incríveis que reproduz/am os ruídos

de vários animais, crianças, camelôs, trem de ferro, etc., presentes nos poemas.

O terceiro momento era o de conversar sobre o tema do poema. Incentivava

as crianças a expressarem suas emoções por escrito.

A aula ia se colorindo, ganhando vida. O projeto foi ampliado para todas as

séries de nossa escola. Depois de Manuel Bandeira, lemos Cecilia Meireles, Vinícius

de Moraes, Sidónío Muralha e outros. A presença da poesia na aula contribuiu

para uma visão mais sensivel e imaginativa das crianças. Confesso a você e a mim

também: fã/tava a magia da poesia em minhas aulas.

Um superobrigado pela dica.

Leda.

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Waldir,

Essa é uma carta escrita a seis mãos, todas femininas. E para relatar nossa

extraordinária experiência com Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. O livro

nos atraiu de imediato pelo titulo, pela capa e pelas ilustrações em preto e branco,

de Regina Yolanda, que retratam objetos, mobiliário e vestuário de um outro tem­

po.

O artigo de Rosa Cuba Riche, que veio com a obra, contribuiu para nos con­

vencer da aventura que teríamos pela frente: "Um olhar feminino investiga seu

tempo, recuperando fatos, antecipando sonhos, unindo os fios da existência aos

fios da História, questionando os papéis sociais do homem e da mulher, o lugar da

escola, 'ainda amarrada ao passado', passando a limpo hábitos, costumes e valo­

res".

Lemos o livro conjuntamente em duas reuniões de HTP (Hora de Trabalho

Pedagógico). O texto nos fez pensar sobre a história de nossos antepassados,

nossa história e a história que queremos para nossos filhos e netos. As atividades

flu i ra m da própria leitura do texto e da nossa troca de idéias.

Durante oko dias, resgatando o antigo hábito de contar histórias de nossas

bisavós, sentávamos em circulo e liamos um capitulo do livro com os alunos das

4a* séries; logo em seguida, eles comentavam o que tinham entendido da história.

Propusemos aos alunos que fizessem dois trabalhos de pesquisa. Primeiro,

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entrevistar t/és gerações diferentes: mãe/pai, avó/avô, bisavó/bisavô (quem não

tivesse, podia ser com outras pessoas mais velhas da família ou da vizinhança),

resgatando suas histórías de vida e ouvindo suas opiniões e conselhos sobre vários

assuntos (namoro, casamento, comportamento, ete). Segundo, trazer fotografias

e objetos dos entrevistados para uma exposição que faríamos, no final das ativi­

dades, aberta a toda a comunidade.

Os roteiros das entrevistas foram elaborados pelos próprios alunos, com nos­

sa orientação. Feitas as entrevistas, pedimos que os alunos escrevessem suas

próprias opiniões sobre os assuntos que foram perguntados aos entrevistados.

Todas as entrevistas e as opiniões foram lidas e discutidas em sala. O passo

seguinte foi selecionar algumas falas dos entrevistados para transcrever nos car­

tazes que seriam expostos na escola, a fim de preparar o público para a exposição.

comparados passado e presente, faltava ainda falar do futuro. Solicitamos

aos alunos que pensassem como seria o mundo de seus netos e o de seus bisne­

tos. No começo, assim como a personagem Bel, eles se assustaram em conversar

com o futuro, mas depois divertiram-se, inventando coisas do futuro, percebendo,

como os alunos do livro, que "o mundo pode melhorar um pouquinho com cada

um".

A exposição "Resgatando nossa história" foi o belo fecho de todo o trabalho.

Convidamos os entrevistados para ajudarem na montagem e nas legendas das

fotografias e dos objetos que haviam emprestado. A escola ficou parecendo um

museu, no qual o passado dialogava com o presente.

O projeto foi um sucesso. Além de possibilitar aos alunos recuperar o passa­

do, redimensionar o futuro e conviver consigo mesmos no presente, envolveu e

trouxe tôda a nossa comunidade para dentro da escola. Que mais poderíamos

desejar?

Mari lice, Irísneíde e Tânia.

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Querida Eide,

Sm nome da escola, agradeço a remessa de A casa da madrinha, de Lygia Boj unga

Nunes, e da resenha da professora Regina Zilberman, que diz: "Tratase de urna

'narradva de viagem', em que o tema da busca està presente, pois Alexandre, o

protagonista, procura chegar à 'casa da madrinha', sintese de seu ideal e de sua

visão de uma sociedade perfeita ". A obra não foi somente incorporada ao acervo

de nossa biblioteca, como também à nossa "maleta" de trabalho, enriquecendo

toda a comunidade escolar.

A autora possibilita discutir, por meio da criação de personagens e de situa­

ções que misturam o universo da fantasia com o da realidade, muitos problemas

da infância e da adolescência: a criança trabalhadora e a evasão escolar, as rela­

ções familiares, as relações escolares, a amizade, o amor, o medo, a auto-afirma­

ção, as desigualdades sociais. Ah! e a descoberta da sexualidade.

Após a leitura, propus aos a/unos discutirem duas questões: "O que Alexan­

dre busca quando deixa a vida de vendedor na praia e a favela, para ir à 'casa da

madrinha'?" e "O que os companheiros encontrados na viagem representam na

história e para cada um de nós?" Os alunos finalizaram a atividade relatando as

dificuldades encontradas para concretizar uma busca pessoal. Foi incrível a

pluralidade de significados suscitada pelo texto!

Houve certa unanimidade sobre o sign ifrea do de duas personagens: a pro fes-

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sora da maleta e o Pavão. Os alunos observaram que a professora foi demitida

porque, com seus pacotes coloridos, incentivava seus alunos a aprender com ale­

gria e inventividade. Já o Pavão não conseguia pensar direito. A escola que fre­

qüentou, a OSARTA, atrasou o seu pensamento: os cursos Papo, Linha e Filtro

deixaram o Pavão com o pensamento "pingado", apesar das suas resistências.

Durante as discussões, alguns alunos fizeram relações entre a personagem pro­

fessora e algumas/alguns professoras(es) que passaram por suas vidas.

Lembrei-me das sugestivas palavras de Jane Paiva, nossa coordenadora, ao

terminar de ler a obra: "Que excelente oportunidade para os alunos e professores

refletirem sobre as relações escolares a autora nos proporciona!". Não resisti. Re­

solvi aprofundar o problema e ampliara discussão na escola. Em outro momento,

a partir do que foi percebido na leitura dos alunos sobre a professora da maleta,

em contraposição à experiência do Pavão, pedi que cada aluno produzisse um

texto de memória escolar, relatando as experiências de duas/dois professoras(es),

com nomes ficticios, que marcaram a sua vida: uma experiência boa e uma rúim.

Essas redações foram lidas e discutidas primeiro com os alunos, depois com todo

o corpo docente e com a coordenação da escola. A experiência foi estendida para

outras séries da escola e fomeceu-nos muitos elementos para refletir e repensara

nossa prática no processo de ensino-aprendizagem. Foi uma experiência muito

rica.

Abração da Célia.

P.S.: Um aluno perspicaz quis saberá que galo o texto se referia no trecho "opera­

ção que fizeram num certo galo de briga: costuraram o pensamento dele" (p. 26).

Expliquei que era Terrível, personagem de A bolsa amarela, da mesma autora, e apro­

veitei para sugerir esse livro como leitura extraclasse.

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Cara La i Ida,

Quem disse que as idéias não movem o mundo? Só mesmo uma obra como

A fada que fi nhá idéias para fazer-m e percebero quanto sou "careta". Nas palavras da

comentarista, Fátima Miguez, "o livro de Fernanda Lopes de Almeida tematiza

(...) o famoso conflito de gerações a promover a discórdia entre o velho e o novo. O

próprio gênero, conto de fada, oriundo dos tempos arcaicos, é transformado pela

proposta intertextual da contemporaneidade. Esse tema sugere para o leitor uma

reflexão em tomo do poder transformador das invenções e da importância de

cada um ser sujeito de suas opiniões".

Identifíquei-me de ¡mediato com a Rainha das Fadas; comparei o ensino

recusado pela protagonista Clara Luz no "Livro das Fadas " com a utilização que

venho fazendo dos manuais didáticos em sala de aula. Muitos alunos não conse­

guiam ir adiante nas lições e eu achava que eles tinham problemas de aprendiza­

gem e de disciplina. Agora descobri que esses alunos, assim como Clara Luz,

queriam abrir horizontes e eu os impedia, mostrando um horizonte único. Percebi

que, paralelamente ao livro didático, posso usar outros materiais e inovar as mi­

nha aulas.

Puxa, é difícil admitir e confessar tudo isso! Mas cheguei ao final da narrati­

va com vontade de rever minhas práticas, ou melhor, acho que já estou diferente:

mais alegre e menos ranzinza. Incorporei em minhas aulas várias maneiras de

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Clara Luz aprender brincando e experimentando: subvertí as tradicionais receitas

dos livros didáticos, abri espaço para as invenções dos alunos, comecei a ouvir

suas opiniões sobre os assuntos discutidos e agendei excursões a vários lugares

diferentes para mostrar as coisas. Adotei a teoria de Clara Luz para explicar o

mundo em que vivemos: "Quando alguém inventa alguma coisa, o mundo anda.

Quando ninguém inventa nada, o mundo fíca parado". E os meus alunos, identi­

ficados com a protagonista da história, que foi lida e discutida com muito interes­

se pela turma, começaram a inventar coisas novas para continuar fazendo o mundo

andar, sempre para melhor, è claro! Transformamos a história em teatro de bone­

cos, que foram confeccionados pelos alunos com a ajuda da Irani, professora de

Educação Artística. Discutimos também as diferenças entre Clara Luz e as outras

fadas dessa narrativa e de narrativas tradicionais. Outra professora começou a

perceber as diferenças na minha postura e me indicou o filme Sociedade dos poetas

mortos, a que assisti e de que gostei muito. Estou com uma sede enorme de outras

obras literárias e filmes que tematizem a relação entre a escola, o professor e o

ensino. Você poderia me ajudar?

Aguardo ansiosa suas indicações.

Cidinha.

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Raquel,

Você sabe que sou apaixonada por todos os meninos inventados pelo Ziraldo:

o maluquinho, o mais bonito do mundo, o marrom, o quadradinho e tantos ou­

tros. Mas este ùltimo, que voce me enviou, superou todos. Mostrei o livro para

tôda a nossa equipe escolar. No dizerda coordenadora Rosa Cuba Riche: "Menino do

rio doce é um mergulho no imaginário coletivo brasileiro. O menino nasce junto

com o rio de sua aldeia, nele habita e dele todos retiram o próprio sustento ".

Li e refi o livro várias vezes. Queria muito utilizá-lo em sala de aula, mas só

conseguia contemplar emudecida as palavras e as imagens bordadas. Ve repente,

tive uma idéia: ler a história para os alunos do magistério e sugerir que elaboras­

sem um plano de aula, propondo atividades de Ia a 4ã séries baseadas na obra e

nos Parâmetros Curriculares A/acionais.

Precisei ler o livro várias vezes, não porque eles não tivessem entendido, mas

porque pediam bis: queriam navegar no fluir e nas profundidades do rio de Ziraldo.

As ilustrações, delicadamente bordadas pelas mulheres da família Dumont sobre

desenhos de Demóstenes, foram muito disputadas pelas mãos e olhares curiosos.

Também comentei a percepção de Nilma Gonçalves Lacerda, diretora da escola,

segundo a qual "as brincadeiras infantis, a observação do que o rio leva e traz, o

espetáculo de contemplação que oferece, os monstros que podem habitá-lo, tudo

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isso cria o elo inquebrantável entre homem e natureza, construindo o respeito do

homem para com o rio".

Os resultados foram surpreendentes. A maior parte dos planos de aula pro­

curou relacionar a temática da identidade com o tema transversal "Meio Ambien­

te". Vou mencionar, resumidamente, algumas atividades propostas e discutidas

pelos futuros educadores: comparar a vida do menino com a vida do rio; discutir

o que o rio representa na vida de cada um; produzir um texto a partir da frase "Se

eu fosse rio, eu... "; relatar lembranças da presença de algum rio na história de

cada um; inventar uma conversa cheia de segredos com o rio; comparar o movi­

mento do rio com o percurso de nossa existência: de onde vim?para onde vou?

quais os meus mistérios?; desenhar o rio imaginado; comparar o rio doce do

menino com a poluição do rio da nossa cidade; escrever uma história a partir das

ilustrações do texto; pesquisar as atividades humanas ligadas ao rio; resgatar os

mitos da água doce (Iara, Cobra-Grande, Vitória-Régia, Boto, ete.) e as histórias

de pescadores; descobrir todas as coisas que existem no rio; levantar dados sobre

o rio que existe na cidade; construir uma maquete do rio que temos e outra do rio

que queremos, utilizando material de sucata...

Aprendemos todos juntos que as dificuldades da vida são resolvidas melhor

de maneira coletiva, adotando posturas de respeito ao meio ambiente e desenvol­

vendo a afetividade do homem para com a natureza; que precisamos enfrentaros

obstáculos em nossa trajetória, pois "a curva é a vitória do rio", conforme nos

ensina o livro de Ziraldo.

Um abraço bem apertado da Laura.

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Célia,

Já conhecia Noções de coisas, de Darcy Ribeiro, mas é sempre bom contar com

mais um exemplar em nossa biblioteca. Gostei muito dos comentários que você

anexou ao livro. O primeiro, de Nilma Gonçalves Lacerda, diz que o autor "parte de

um livro que teria sido escrito por Rui Barbosa, um grosso tratado intitulado Lições

de coisas, para desconstruir os saberes acabados, fechados em si mesmos, que

alguns indivíduos céem poder ensinar aos incautos". E digo mais: Darcy fala de

coisas extremamente sérias em tom de brincadeira para nos fazer pensar melhor.

O segundo comentário, de Ninfas Parreiras, é tão filosófico quanto o livro:

"Tanto texto como imagem deixam espaços em aberto para o leitor construir suas

noções, como um observador e um coadjuvante do processo de aquisição do co­

nhecimento. A leitura, tanto do texto como da imagem, conduz o leitor às pergun­

tas que Kant formulou para sua filosofia: 'O que posso conhecer? O que devo

fazer? O que me é permitido esperar?'— questões que são básicas para a compreen­

são da vida e para a construção do lugar de cada sujeito na sociedade".

Alguns professores dizem que este livro é para jovens, não para crianças,

mas eu acho isso uma grande bobagem. Já o utilizei com alunos de sete a onze

anos e também com adultos. Colegas minhas usam-no no ensino médio e no

magistério.

Quer saber como eu fazia? Geralmente eu lia para os alunos os textos do

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Darcy e agente conversava sobre o assunto. Nunca segui o livro todo. Lia a "noção "

que combinava com o assunto que agente estava discutindo: Brasil, meio ambiente,

higiene, alfabeto, indios, civilizados, números, doenças, ete. Depois, a gente

comparava a "noção " dada pelo escritor e pelo ilustrador com a "lição " dada por

outros textos didáticos. Na época o Darcy Ribeiro ainda era vivo e eles achavam

legal ver o "cara " do livro na TV.

Sobre as ilustrações de Ziraldo, explicava as várias técnicas utilizadas: pintu­

ra, desenho, cartum, colagem e as letras do inicio de cada capitulo (as capitulares,

que desempenham a função de pontuar o texto). Por meio de alguns exemplos,

mostrava que, assim como o texto, a ilustração exprime valores culturais. Também

pedia para os alunos observarem todos os detalhes da ilustração a fim de perce­

ber a ludicidade presente na maneira de Ziraldo representar os seres e as coisas.

Eles moniam de rir com os desenhos. Imitavam a careta do Einstein. Ficavam

intrigados com o "Conselho"sem ilustração, depois descobriram que é porque o

autor não quer dar nenhum conselho, só o de não ser levado a sério, nem se

tomar exemplo.

Gostaria muito de achar um exemplar do livro de Rui Barbosa, Lições Je coisas.

Sei que foi um manual de leitura muito usado no fim do século XIX e no começo

do XX. Se você souber onde posso conseguir, por favor, me responda o mais rápido

possível.

Beijos da Flávia.

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Vitória, minha amiga,

A leitura do livro 0 que fazer? Falando de convivência, de Liliana e Michele lacocca,

me fez lembrar da época em que comecei a ler, vendo as imagens das histórias em

quadrinhos que meu pai comprava numa banca de revistas usadas na feira onde

trabalhava. Adorava olhar aquelas imagens coloridas e inventar a fala das perso­

nagens.

Mas também gostei do livro por outros motivos. Por exemplo, pelas qualida­

des apontadas por duas resenhas que li no jornal. A de Fátima Guedez enfatiza:

"Desenvolve senso crítico, bom-humor e ¡nteligência" e a de Nilma Gonçalves

Lacerda observa: "Não vem recheado de respostas. Objetiva provocar uma reflexão

que leve o leitor à elaboração das próprias respostas e atitudes".

Experimentei tiês atividades com os alunos. Inicialmente leram a primeira

parte do texto "O que você faria... ". Depois de se deliciarem com a linguagem dos

quadrinhos e se reconhecerem em muitas das situações retratadas, os alunos

procuraram responder, individualmente, às questões levantadas pelo texto. Eles

também formularam para os colegas de classe outras perguntas, a partir de

situações conflituosas que enfrentam no dia-a-dia.

Concluída a primeira fase do trabalho, fiz um debate com a participação de

tôda a classe, no qual cada um expôs e defendeu a sua opinião sobre o que fazer

com os problemas da conviséncia humana. "O que é certo e errado? como ser?

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como agir? O que éjusto e injusto? O que é bom e mau?" Seguindo o percurso do

texto, que vai dos tempos das cavernas até o século XX, discutimos também a

opinião dos filósofos, dos lideres religiosos, dos cientistas e das comunidades

sobre os problemas da humanidade em vários tempos e lugares. Só entào foi lida

a terceira parte do livro, que trata das possíveis respostas das crianças para os

problemas.

Em outro momento, fizemos um levantamento dos problemas de convivên­

cia humana no cotidiano da safa de aula. E, para finalizar e procurar resolver

alguns deles, cada aluno fez o seu desenho, escrevendo no balão os seus gostos e

prefeéncias, para que todos os colegas e professores respeitassem as diferenças

individuais.

Que achado! O livro era exatamente o material que faltava para eu discutir

com meus alunos a ética na convivência social!

Bei/oca,

Jessica.

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Prezado Sr. Martinez,

Escrevo para lhe dizer que gostei muito do livro Uni Dum e Tè, de Angela Lago,

e para lhe contar como lidei com ele. Fiquei sabendo, pe/o crítico Francisco Aué/io

Ribeiro, que se tratava de "uma narrativa de mistério criada a partir das pariendas

infantis e das cantigas de roda". Foi exatamente isso que me cativou.

O /ívro trouxe reminiscencias da minha infância, quando tôda a turma do bairro se

reunia para brincar de roda.

Na sala de aula foi a maior festa. Dividi a turma em grupos de cinco pessoas

e pedi que identificassem no texto as cantigas de roda e os versos qu e já conheciam

das brincadeiras. As crianças interrompiam a leitura para cantar e/ou recitar os

versos conhecidos: "Atirei o pau no gato-to...; O cravo brigou com a rosa...; com

quem você pretende se casar...; Terezinha de Jesus...; Samba Lelé tá doente... "

Tratando-se de uma narrativa policial que envolve um mistério em torno dos

roubos de salames e sorvetes coloridos, solicitei que os alunos relessem a história,

procurando perceber e anotar as pistas corretas e as falsas dadas pelo narrador no

texto e na ilustração, a fim de descobrir o criminoso. Pedi também que observas­

sem o comportamento das vitimas e dos suspeitos e verificassem a importância

dos espaços no texto verbal e visual.

Por fim, discutimos as semelhanças e as diferenças de percepções encontra­

das nas leituras dos grupos. Imagine que perceberam mais detalhes do que eu

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mesma havia notado! Um dos grupos observou que o narrador procurou enganar

o leitor, fazendo-o acreditar que o ladrão era o gato, mas, pe/as ilustrações, dedu­

ziu que o culpado era mesmo Samba Lelé, o delegado, por causa do monte de

ratinhos que havia em sua roupa e na delegacia. Outro percebeu que o rato simbo­

liza o ladrão e, ainda em outra ilustração, a da frente da casa do delegado, notou

mais uma prova: um pacote escrito "contrabando confiança"de cabeça para bai­

xo. Alguns acharam que a inocência dogato não foi comprovada porque ele caiu na

armadilha e bebeu os seis copos de veneno. Então, também tinha culpa no cartó­

rio. Um outro grupo discordou e entendeu que o mistério não foi resolvido porque

o Zé do Cravo sumiu no final. Você precisava ver os pequenos leitores defendendo

as suas posições e argumentando para convencer a classe.

Ainda tem mais: alguns alunos compreenderam que o final da história é o

começo de uma outra e pediram que cada grupo inventasse a continuação da

história, conforme sugere o próprio texto: "Contam que o quartel pegou fogo. Mas

isto já é uma outra história... ". Foi bom demais!

Catarina.

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Querida prima,

Lembra-se do nosso medo e fascínio pela noite lá do sítio em que passáva­

mos as nossas férias? Pois é, 0 velho que trazia a noite, de Sérgio Cappa rei li, me fez

recordar aquelas histórias fantásticas contadas pela nossa avó Maria após o jan­

tar: o pirata da perna de pau, o homem do saco, o lobisomem... figuras assusta­

doras, que faziam a meninada ir cedo para a cama.

Que livro encantador! Foi a professora Vânia Resende quem me instigou a

levá-lo para a sala de aula, ao dizen "Ao mesmo tempo que o livro vale pela poesia

em si, que está no texto e nas imagens de Cecilia iwashita, ele contém o jogo de

oposições pelas quais o menino é tragado inevitavelmente como ser no mundo,

envolvido na complexidade simbólica da vida com dubiedades: realidade/fantasia,

nascimento/morte, sombras/luz, dia/noite; mediando os opostos fica a màe, su­

porte existencial da criança".

Antes de ler, provoquei uma grande expectativa, um clima de misério. uma

semana antes, disse aos alunos que faríamos uma viagem imaginária para tentar

descobrir, com a personagem do livro, o mistério da noite. Todos os dias lançava

uma interrogação do texto: "Mãe, porque o velho só desce de tarde?"; "Era, então,

o velho de roupa preta que acabava com o dia?"; "Esse velho tinha ea manga com

o demo?"; "Atraia o escuro? o medonho?"; "Era ete o velho do saco, que roubava

os meninos, do qual falava mamàe?"

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No dia combinado, todos ansiosos pela historia, apaguei as luzes, acendi

uma vela (expliquei que era para lembrar as fogueiras, à volta das quais os povos

antigos se reuniam para trocar conhecimentos) e proferi umas palavras mágicas:

Sim-Salabim-Bim-Bim, agora vocês estão no mundo do faz-de-conta, assim, Pliml Antes de

lermos a prosa poética de Capparelfi, contei o mito da criação do dia e da noite na

Biblia, na mitologia grega e na lenda indigena brasileira.

Depois da leitura, conversamos sobre as emoções e as sensações desperta­

das pelo texto e pelas ilustrações. Falamos também sobre os medos de cada um,

as imagens enigmáticas da noite, os sonhos e as surpresas trazidas pelo dia de

sol.

No outro dia, o professor de Ciências aproveitou o nosso assunto para falar

da explicação cientifica do dia e da noite (movimento de rotação da Terra) e do

eclipse solar e lunar. Para não quebrara visão poética com a racionalidade cienti­

fica, voltei ao assunto e sugeri que eles transformassem o dia e a noite em perso­

nagens de uma história fantástica inventada por eles.

Há uma passagem no texto que me fez contar para os alunos sobre o dia em

que o Sol foi coberto pela Lua, "um galo adoidado cantava nas sombras", todos

pensaram que o mundo fosse terminan "A Lua escondeu o Sol, e eclipsou-se o

dia ". Você lembra ?

Um abraço cheio de saudades,

Gerosina.

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Fabio,

Tudo bem contigo? Não deixo de dará mâo à palmatória e reconhecer que tu

tens lá a tua razão ao dizer na carta que me escreveste, que a poesia pode estar

em todos os lugares. Que, além das palavras, ela pode estar em todos os nossos

sentidos. Concordo contigo, e digo mais: os aspectos sonoros e melódicos das

palavras são mais fáceis de serem percebidos em poemas do que em texto de

prosa. As linhas curtas dos versos, e como muitas vezes acontece, o número de

silabas poéticas que se repete em cada um deles são recursos de que os poetas se

valem para explorar o caráter musical, melódico e rítmico das pala- vras.

Fábio, eu também conheço o livro O sabiá e a girafa, de que me fá/aste, pois

trabalhei com ele na minha turma do ano passado. E um livro escrito em prosa

poética, o que comprova novamente a tua idéia de que a poesia ou a beleza podem

estar em muitos lugares. Mas eu recomendaria que lesses A arca de Noé, de Vinícius

de Moraes. O poetinha mesmo, aquêle que fez belas canções com o Tom Jobim.

como notou uma aluna minha, a Maria José Nóbrega, a maioria dos textos é

sobre animais, e "os poemas mais longos tratam de temas bíblicos e religiosos",

embora sem nenhuma carolice, acrescento eu. Essa aluna notou que os textos

eram escritos em versos, ou seja, na forma de poema. O mais interessante é que

os alunos logo quiseram criar um poema para um bichinho qualquer. Ratos, pul­

gas, tigres e outros transitaram pela nossa sala, como numa selva.

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Ah! E tôdas essas questões sôbre poesia, ritmo, rima, melodia ficaram ainda

mais interessantes quando os alunos escutaram os poemas musicados, pois "boa

parte deles foi (...) gravada em disco com o mesmo titulo", como também me

informou a Maria.

Esta não é uma boa idéia para de fato demonstrar que as palavras têm som,

cheiro e gosto ?

Calorosos abraços do teu amigo Pedro.

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Querida Luciana,

Sabe, estive pensando, nestes últimos dias, na obsessão que nós duas temos

pelas palavras. Lembro-me de quando a gente estava no magistério e fazíamos

pegada, uma para a outra, para saber o sinônimo de uma palavra ou o seu sentido

contrário, lembras? Acho que nisso tu eras melhor do que eu. E agora essa nossa

mania de nos corresponder quase que semanalmente, estando tu ai no norte do

pais e eu cã no sui, em Porto Alegre.

Faz três anos que a gente não se \é, mas a idéia que tenho é a de que conver­

samos todos os dias. Acho que falo muito contigo dentro da minha cabeça, sobre

o que leio, sobre o que faço ou gostaria de fazer em aula com os meus alunos. Dai

eu fíco me perguntando se nós nos reencontrássemos, e não tiiéssemos muito do

que falar, será que isso nos aborreceria? Será que a falta de palavras ou o silêncio

da paisagem, dos prédios, do rio Guai ba, dos gestos das pessoas pela rua — será

que isso nos incomodaria?

Eu fiquei pensando nisso, Luciana, porque tive contato com um livro que se

chama A bela e a fera. Acho que conheces a história. Tratase de um conto de fadas

no qual a Bela, uma menina sensível e, como sugere o titulo do conto, bonita, está

condenada a ser devorada pela Fera, pois o pai de Bela havia retirado uma rosa do

jardim do castelo da Fera para dará filha. Entretanto, Fera, um ser bravo e repug­

nante, se apaixona por Bela, e o mesmo acontece com a menina. Mas nota,

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Luciana, tudo isso que te contei é dito sem palavras nesse livro, pois, como disse

a professora de artes plásticas da escola, a Regina Yolanda, tratase de "leitura

visual", pois é história composta com gravuras, ilustrada apenas. São as cores, as

linhas, as formas e a seqüência disso tudo que contam a história.

Mas não adianta, como obsessiva professora apegada à palavra, não estou

agüentando o silêncio das personagens e das imagens. Por isso, ao trabalhar o

livro com os meus alunos, estou pensando em fazer com que eles ponham pala­

vras na boca das personagens, criando diálogos, e também um narrador que con­

te a história tintim por tintim. O que tu achas disso, minha cara colega?

Beijos da tua amiga,

Ana.

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Júlia querida,

Gostou desse papel de carta todo decorado? São desenhos que os alunos

fizeram a partir da leitura de A lends do guaraná, livro escrito e lindamente ilustrado

por Cica FittipaIdi. Fizemos recentemente várias atividades com o livro, que gosta­

ria de compartilhar com você.

Ciça conta o mito dos indios sateié-maué, que vivem no Amazonas, sobre o

surgimento do guaraná. A história, linda, é muito bem narrada pela autora. Fiquei

sabendo, por texto de Nilma Gonçalves Lacerda, que ela "optou por viver uma

temporada entre os nambiquara, a fim de se aparelhar de maneira adequada para

seu projeto de transcrição de mitos indígenas". Ela viajou muito, pesquisando o

cotidiano e os mitos de várias tribos, ouvindo histórias contadas à roda do fogo,

desenhando objetos e práticas culturais. Por ter realizado experiência tão singular,

Ciça propõe, segundo Laura Sandroni, "novas abordagens da riqueza dos universos

culturais indígenas, proporcionando um riquíssimo material que se contrapõe às

precárias informações existentes no nivel da criança". O resultado é uma série

primorosa de livros que você precisa conhecer.

com as crianças sentadas em circulo, em volta de uma linda fogueira de

papel celofane, fiz a leitura de A lends do guaraná. Tomei emprestados de meu filho

uma cobrinha de pano e vários animaizinhos de plástico, e da minha cunhada uns

passarinhos de madeira pintada, para "enfeitar" a narração. Consegui arranjar

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também um galhinho de guaraná, castanhas e contas, entre outras plantas e

objetos relacionados à narrativa. Conforme ia contando a história, pegava um

bichinho, mostrava as ilustrações, fazia os passarinhos "voarem"... bom, as crian­

ças adoraram. Não é uma delicia quando a gente consegue dar vida a um

macaquinho de plástico e té váríos olhinhos brilhantes fixos em nossos gestos?

Depois, conversamos sobre a história e contei a eles onde os índios sateré-maué

moram, como eles vivem, e muitas outras informações que vêm no final do livro.

Agora vamos fazer um teatrinho baseado no livro para comemorar o Dia do

Indio. Aguarde mais novidades indígenas!

Um abraço dessa sua amiga de coração maué,

Ligia.

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Bruno,

Seu sumido! como anda você? Estamos sentindo sua fatta! Todos aqui da

escota the mandam beijos.

Você teria gostado de participar da atividade que fiz com as crianças na

semana passada; foi com o livro A mulher que matou os feixes, da sua idolatrada

Clarice Lispector. Eu não conhecia sua obra para crianças, mas vi na televisão um

especial sobre ela em que vários críticos comentaram seus livros infantis, e fiquei

bastante interessada. Vânia Rezende falou sobre A mulher que matou os peixes; expli­

cou que Clarice, "em tom descontraído, confidencial, busca a aproximação de seus

leitores e os cativa, na certa, pela total sinceridade do afeto que lhes declara. Ela

não quer magoá-los, preocupa-se com a delicadeza dos sentimentos infantis".

como também tenho essa preocupação, gostei muito. Elizabeth Vasconcellos comentou o mesmo livro, dizendo que a morte, a separação e a solidão constituem

o motivo condutor desta narrativa ". Segundo Elizabeth, para abordar assuntos

tão "tabu", "a narradora assume a primeira pessoa e, a partir da experiência com

animais de estimação, apresenta diversos relatos de convivência amorosa e de

dolorosa separação".

Bem, fiquei encantada com o livro, e comecei a bolar uma atividade para

usá-lo com meus alunos. Clarice cria muito suspense até revelar por que os peixes

morreram; então, fui contando a história aos pouquinhos, deixando o pessoal

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cheio de curiosidade. Contava a cada dia uma das histórias de bichos que fazem

parte da narrativa, aproveitando o estilo próximo da oralidade que ela usa para

tomar minha leitura o mais parecida possível com uma conversa. Depois da mi­

nha leitura, as crianças e eu conversávamos sobre o que acontecera a cada animal,

e em seguida elas faziam um desenho para "ilustrar" a história. A partir dos

acontecimentos vividos pelos bichos, acabamos falando sobre morte, perda, sepa­

ração — temas tão difíceis, como você bem sabe.

Mas, como escreve Clarice no livro, é bom conversar com alguém sobre o que

nos faz sofrer. compartilhar os sentimentos, como eu e as crianças fizemos,

ajuda a enfrentar melhor as tristezas da vida. Viu como aprendi, com Clarice e

meus alunos?

Beijos saudosos de sua amiga Estela, e até breve!

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Anselmo, meu velho,

Tudo bem contigo? Sabe, andei me lembrando, esses dias, do tempo em que

jogávamos futebol em frente ao nosso prédio esperando a kombi passar para nos

levar a escola. Ou dos momentos que ficávamos batendo figurinha nas escadas do

corredor do edifício, enquanto não iamos atormentar a vida dos vizinhos apertan­

do campainhas e rolando escada abaixo para não sermos pegos.

0 meu sentimento não é um "Oh! que saudades que tenho/da aurora da

minha vida/da minha infância querida", como dizia o poeta romântico Casimiro

de Abreu. Vá que quando a gente começa a chegar aos quarenta isso é meio

inevitável. Mas meu problema é bem outro. Diria até que é bem o contrário. Pois

lendo o livro de poemas A senha do mundo, do grande Carlos Drummond de Andrade

(sempre ele!), percebi o quanto minhas lembranças pareceram a mim pequenas,

insignificantes, desbotadas.

6 que, "de cunho memorialista, quase todos curtos e com o humor refinado

que caracteriza o autor, os poemas nos levam à Itabira da infância do poeta ",

como bem notou a critica Maria Antonieta Cunha. E nas palavras do poeta minei­

ro as pequenas coisas, os pequenos detalhes, os gestos simples, o sentimento e os

pensamentos miúdos e corriqueiros do passado são redimensionados. Tomam-se

expressivos na sua aparente pequenez, significativos na sua banalidade. Talvez

seja isso que alguns críticos de literatura chamam de "a magia da palavra", não?

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Senti-me mais insignificante ainda quando, depois de ter lido em sala para

os alunos alguns dos poemas de Drummond, a gurizada começou a contar expe­

riências que foram significativas para ela. Teve aquela do aluno que colocou uma

lagartixa morta no bolso do padrasto, pois este vivia a lhe dar croques na cabeça.

Depois pedi para os alunos tentarem escrever, na forma de poema, aquilo que eles

haviam narrado em aula. Ainda não recebi os trabalhos. Vamos ver no que dá.

Mas eu ainda fico me perguntando, Anselmo, porque a nossa cabeça funciona

sempre como um taxímetro, a nos medir, a medir os outros e o mundo com

relação a nós, por qué?

Abraços do teu amigo Erico.

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Carolina querida,

Participei de uma atividade tão interessante com o Gustavo, professor de

História aqui da escola, e nossos alunos, que resolvi compartilhar com você. Sabe

a Epopéia de Gilgamesh, que estudiosos acreditam sera obra literária mais antiga da

humanidade? Pois ela foi adaptada para crianças por Ludmila Zeman, ótima

escritora tcheca que também fez a ilustração dos três livros que recontam a saga

do herói da Mesopotamia.

O Gustavo está ensinando História Antiga para as turmas de 5ã série, e

soube por mim dessa coleção, intitulada Rei Gilgamesh, que temos aqui na biblio-

teca. Gostou tanto dos livros que me convidou para fazermosjuntos uma ativida­

de com nossos alunos. Foi assim: nas aulas de História, ele explicou onde fíca a

Mesopotamia, que povos a habitaram no passado e como essa terra, que hoje é

quase tôda um deserto, já foi coberta por campos, que eram cultivados, e por

florestas, sendo constituida por poderosas cidades. A aula dele foi interessantíssi­

ma, principalmente porque eu e os alunos já havíamos lido os livros e fomos

entendendo ainda melhora epopéia. como a leitura e o conhecimento trazido por

outras fontes nos ajudam a perceber melhor a riqueza das obras de ficção!

Na minha aula, de Portugués, expliquei a eles o que são epopéia, lenda, m ito,

e como são importantes para a literatura, como bem escreveu a crítica Maria José

Nóbrega. Ela também afirmou que "quanto maior for nossa leitura dos mitos,

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maiores serão também as possibilidades de estabelecermos relações entre as

muitas histórias que os citam ". Essa reflexão me levou a mostrar aos alunos como

alguns mitos, como o dilúvio que aparece em A última busca de Gilgamesh, fazem

parte da cultura de outros povos; eles logo se lembraram da Arca de Noé, e acha­

ram-na muito parecida com o barco de Utnapishtim, personagem do livro. De­

pois, comentei com eles que a critica Regina Zilberman a firma que Gilgamesh

"sintetiza anseios que o tempo não apagou: o temor da morte, a importância da

amizade, o valor da ação construtiva civilizatória". Eles concordaram que os sen­

timentos e as preocupações das personagens, que têm mais de 5 mil anos, são

muito parecidos com os nossos; aliás, ficaram tão entusiasmados, que compara­

ram a busca de Gilgamesh pela eterna juventude e pela imortalidade com a busca

dos cientistas do Projeto Genoma! Por essa nem eu, nem o Gustavo, esperávamos.

Beijos mesopotâmicos para você,

Luisa.

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Caro professor Mauricio,

Gostaria de agradecer os artigos que me enviou sobre o iivro A vingança Je

Ishtar, de Ludmila Zeman, traduzido por Sérgio Caparelli. Forarn de grande auxilio

no planejamento da atividade que fiz com meus alunos a partir da história. Gostei

muito da análise de Regina Zilbemian. Segundo ela, "a narração é enxuta, evitan­

do comentar ou julgar as personagens, tarefa delegada ao feitor. com isso, os

eventos sucedem-se com grande rapidez, suscitando interesse e atenção". Já o

artigo de Maria José da Nóbrega me chamou a atenção para o fato de que "a

leitura dos mitos e lendas é fundamental para a formação do leitor. Inicialmente

pelo conteúdo simbólico que explora, permitindo que a criança possa elaborar seus

sentimentos e construir uma representação de si mesma. Em segundo lugar,

porque a mitologia é uma das fontes da literatura e das artes em geral".

Fiquei sabendo, por meio de um apêndice do livro, que a história de Gilgamesh,

protagonista de A vingança Je Ishtar, é uma das mais antigas do mundo. Tem mais

de 5 mil anos! Foi escrita em tábuas de argila na Mesopotamia. E incrível que

uma história tão antiga nos possa sensibilizar — mas foi o que aconteceu, com

meus alunos e comigo. Eles leram a história em casa e, em sala, nós a comenta­

mos. Expliquei, com a ajuda de um mapa, que a Mesopotamia ficava onde hoje

estão a Siria e o Iraque. Usei uma série de informações para contextualizar a

narrativa, como a de que a floresta que Gilgamesh e seu amigo percorrem na

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história foi identificada como sendo urna floresta que realmente existe. Èm segui-

da, debatemos varios aspectos da historia, explorando os símbolos, as refeéncias

ao cotidiano da época, as crenças religiosas e, principalmente, os sentimentos das

personagens, que os alunos acharam "supermodemos". A vingança de Ishtar, por

exemplo, decorre da rejeição que ela sofre de Gilgamesh. Acredita que os alunos

chegaram a compará-la com a "vingança" de uma ex-primei ra dama famosa que

fez denúncias terríveis contra o marido? Realmente, a mitologia é fonte de sabe­

doria para entendermos nossos antepassados, nossos contemporâneos e a nós

mesmos... obrigada pela indicação, professor.

Um abraço,

Gisela.

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Oi, Verínha,

como vão as coisas? Por aqui, tenho tido algumas boas experiências. Você

sabe que eu leciono em duas escolas de realidades sociais muito diferentes, não

é? Continuo querendo desenvolver a hipótese de que é possível dar o mesmo tipo

de aula apesar das diferenças sociais e estruturais. Neste bimestre, dei o primeiro

passo: consegui adotar o mesmo livro de leitura nas duas escolas: Coisas de menino,

de Eliane Ganem. A verba da festajunina ajudou a fornecer o livro pra todos os que

não poderiam comprá-lo.

O interesse surgiu da leitura de uma resenha deste livro, em que a autora,

Elizabeth Vasconcellos, conta que "a narrativa desenvolve-se em dois planos: o

espaço da classe média, protagonizado por Clarisse; e o espaço da favela e da

marginalidade, protagonizado por Olho-de-Boi. Os dois planos cruzam-se por in­

termédio de Ivonete, empregada da casa dos pais de Clarisse e irmã de Olho-de-

Boi". Confesso que, apesar do interesse, não sabia bem o que fazer, e então pedi

socorro ao professor de história — eu temia esbarrar em preconceitos, ser parcial

demais, ou ficar nos lugares-comuns. Conversamos muito, e ele concordou em dar

uma "palestra informal" sobre meninos de rua na escola particular. Foi um suces­

so. Usou muitas fotos, reportagens, trechos de filmes, slides. Não se recusou a irá

outra escola, para onde, no entanto, não pôde levar tantos recursos. Também não

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era necessario. As criancas contaram casos, ilustraram a aula com imagens vivas,

resgatadas da memória.

Preparado o terreno, levei o livro pra classe. A leitura e as atividades duraram

várias aulas, o livro serviu de estímulo para debates, produção de textos, dese­

nhos... Organizei, então, nas duas escolas, um grande painel para exposição: fotos,

desenhos e textos produzidos por eles sobre a infância na sua comunidade. Apa­

receram algumas Clarisses e muitos Ofhos-de-Boi da vida real. Houve crianças

que foram em busca de informações pelas ruas: reportagens e fotos compuseram

seu painel. Outras trouxeram informações de casa, recortes de revistas, fotos de

sua própria infância... Quando a exposição acabou, fiz uma montagem misturan­

do as diferentes contribuições, produzindo um só painel com os trabalhos das

duas escolas. E fiz o painel circular. O objetivo era integraras duas perspectivas e

as duas realidades.

Ao tomar conhecimento do meu projeto, a professora Rosa Cuba Riche es­

creveu-me, dizendo que "a história (...) destina-se a um leitor mais experiente

capaz de 'costurar' os vários fios de histórias que se cruzam, formando um grande

painel, no qual tipos diferentes habitam o mesmo espaço, mas em planos distin­

tos: o de baixo e o de cima". Ufa! Recebi isso como um grande incentivo.

O que eu quero agora é fazer essa mistura em carne e osso, levando as

crianças de uma escola pra outra, pra conviverem com a realidade do outro lado.

O espirito aventureiro das crianças, que se reconhecem em personagens do livro,

está me entusiasmando. Vão tentar convencer os pais contando a história do

Olho-de-Boi e da Clarisse. Vai ser uma experiência e tanto. Dois dias de integração,

alguns debates e jogos, que outros professores ajudarão a promover. Se der certo,

eu te conto na próxima carta.

Um forte abraço da Beth.

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Minha cara amiga Flávia,

Lembra do tio Januário, que contava histórias para a molecada do nosso

baino, naquela época em que acreditávamos em bruxas e fadas? Tenho pensado

tanto nele ultimamente! E que estou realizando atividades com meus alunos a

partir da leitura dos Contos de Perrault, traduzidos por Regina Régis Junqueira, e o

reencontro com Cinderefa, Barba-Azul e Chapeuzinho Vermelho me fez recordar

com saudade a nossa infancia.

Confesso que desprezava os velhos contos de fadas por achar que eram anti­

quados, ou que as enancas não teriam interesse por e/es. Mas comecei a perder o

preconceito — essa é a palavra! - ao ler um artigo de Wanda Medrado Abrantes.

Ela afirma, sobre Perrault, que "é o caráter simbólico de suas histórias que tanto

agrada o leitor, na medida em que aborda os sentimentos e os conflitos das

crianças (rejeição, injustiça, vaidade, inveja), transfigurando essas situações reais

para o imaginário". Outro artigo, de Rosa Cuba Riche, terminou por me convencer

de vez a adotar o livro. Rosa informa que "as nanativas em prosa, graças à estru­

tura do enredo, aos temas e à linguagem clara e direta, conquistaram adultos e

crianças de todo o mundo e circularam na França rotuladas de Contos de Fadas,

nome que os franceses usam para indicar Contos Maravilhosos". Percebi que, se

essas histórias de origem popular têm conquistado as pessoas há tantos anos, é

porque são realmente especiais. E seu caráter simbólico as toma sempre atuais.

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Pude comprovar o quanto isso é verdade, ao ler os Contos de Perrault para

meus alunos. Ia lendo aos poucos, fazendo suspense, deixando o final para o dia

seguinte... acredita que, mesmo quando a história era superconhecida, como

Cinderela, eles ficavam ansiosos para ouvir o final? Foi uma delícia. Partiu deles a

comparação dos contos de Perrault com versões mais atuais, como as da Disney.

Aproveitei o ensaio sobre a vida e a obra do autor, que vem no livro, para explicara

eias a origem dos contos de fadas. Depois fizemos um exercicio em que as crian­

ças, em grupos, criavam continuações para as histórias. O resultado foi tão sur­

preendente que só posso lhe dizer uma coisa: pelo visto, o velho Perrault vai estar

muito presente nesse século XXI.

Beijos,

Márcia.

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Dona Ci da,

Quería muito fàlar com a senhora... Na falta de tempo, o bilhete substitui o

encontro.

Lembra que eu tinha dito que não sabia muito bem o que fazer com o livro

sugerido no planejamento (E isso alí, de José Paulo Paes)? Andei experimentando

umas idéias que tive. É que a Dora faltou, e eu precisei substitui-la. Ninguém

avisou a senhora porque não deu tempo, mas estagiária é pra isso mesmo.

Usei alguns poemas do livro na 4a- série. Levei para a classe cópias do poema

"Quatro historinhas de horror". Lemos o poema, falamos sobre ele, sobre as ilus­

trações e também sobre o que eles sabiam dos personagens — Frankenstein, Drácula,

monstro que fíca embaixo da cama e fantasma de castelo. Teve história pra caramba.

Depois, peguei aquelas sucatas que estavam guardadas no almoxarifado, le­

vei para a sala e começamos a construir monstros de sucata. Amanhã a professo­

ra vai ter de faltar de novo, então vamos apresentar os bonecos, contara história

deles e lazer uma redação sobre os monstrinhos. como nem todos terminaram

os bonecos, iremos concluir essa atividade antes. A Clarita, por exemplo, terminou

rapidinho. Sugeri a ela, então, que começasse a escrever algo, uma redação, uma

carta, um bilhete, desde que envolvesse o boneco feito por ela. Na saida, ela me

entregou uma cartinha, que transcrevo para a senhora.

"Querido Frank, a estagiária que ficou na minha classe hoje me falou que

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você não tem mãe. Mão fíca triste, eu também não tenho mãe, e sinto uma falta

danada dela. Não sei como ela era, só de foto, e fico imaginando, igual você. Agora

você não precisa mais chorar, porque eu fiz uma mãe pra você. Não pode apertar

muito forte que ela quebra. Eu fiz a mãe, a Camila fez o pai, o Beto fez uma irmã,

o Marcelo fez a namorada. Sua família ficou linda, porque a gente fez com cari­

nho. Espero que você goste dessa sua família. Um abraço não muito apertado, da

Cia rua (4* B)."

O que a senhora acha da carta? E de montarmos um horário a mais, com

atividades "lúdicas" (como a senhora gosta de dizer), a partir de leituras como

essa? O objetivo não é só brincar, não, embora tudo possa partir de brincadeiras

ou atividades simples. Num dos textos que a senhora me mandou ler, o da Maria

Antonieta Cunha, descobri que o autor considera suas poesias "uma brincadeira

com as palavras", o que ela rebate, afirmando tratar-se de "conceituação excessi­

vamente modesta, desmentida pelos próprios livros de José Paulo Paes, que reve­

lam como a poesia vai muito além da mera brincadeira".

Peço que a senhora pense na minha proposta e me diga depois. Desculpe me

oferecer, nem sei se a senhora vai gostar, mas é que a Clarita acabou me mostran­

do que há muito mais a ser visto nessa história.

Gislaine.

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Marina,

Lembra que eu te pedi umas idéias a respeito do livro Eu e minha luneta, de

C/áudio Martins? Até me interessei quando você disse que construiu lunetas com

seus a tunos, mas, como eu não sabia o que fazer com eias, e como suas "explica­

ções adicionais" estão demorando pra chegar, resolvi agir sozinha.

A idéia que eu tive surgiu das lembranças da época em que costumáramos

ficar olhando as pessoas no ônibus, na volta da escola. Era a nossa ficção diária:

um olhar assustado, uma ruga na testa, uma maleta suspeita na mão, qualquer

traço era suficiente para inventarmos personalidades, afazeres e preferências pras

pessoas que víamos por tão poucos minutos. Lembra? Não é o que o garoto faz no

livro? uma professora com quem também me correspondo, Eleonora Cretton Abílio,

disse que "esta é, aliás, a chave da obra: o desejo de exploração do cotidiano de

homens e mulheres — pessoas comuns com quem cruzamos no anonimato das

calçadas e de quem nada sabemos, até que um visor mais aguçado nos permite

vê-las no espaço doméstico, tentando compreendê-las e compará-las, por meio de

movimentos, gestos e atitudes".

Feliz com as minhas lembranças, levei o livro pra sala de aula. Formamos

pequenos grupos, lemos e relemos a história várias vezes - desenhos e palavras,

sobretudo desenhos. Isso porque as crianças queriam observar os menores deta­

lhes (e pra isso o livro é um prato cheio). Iam e voltavam, acompanhando cada

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janela, depois juntando uma à outra. Trabalhando em grupo, um cutucava o outro

pra algum detalhe...

Eu, só observando. Você vai me chamar de louca, mas, depois, eu contei pra

eles a história do "Feliz aniversário", de Clarice Lispector. E distribui um trecho do

conto, em xerox, pra eles lerem os pensamentos da avó-aniversariante. Não vou

dizer que eles saíram dali experts em Clarice, nem era essa a minha intenção.

O que eu tentei mostrar pra eles foi que as pessoas faziam uma idéia da velha, e

ela outras idéias das pessoas, e que juntando tudo, podíamos ter uma visão mais

completa daquelas pessoas.

Sugeri a eles, então, que aproveitassem o recreio pra observar uma pessoa,

discretamente, como detetives. Achando que aquilo era uma molecagem, saíram

ao trabalho. Um observou a merendeira (seus movimentos, expressões faciais,

palavras), outro a faxineira (ela estava limpando uma classe, e ele ficou olhando

pelo buraco da fechadura, pode?), outro a inspetora... Depois, com lápis, papel,

observação e muita imaginação, começaram a construir personagens a partir das

pessoas observadas.

Ainda não terminei de corrigir as redações, mas, pelo que ouvi na classe,

posso dizer que a capacidade de descrição deles aumentou junto com a de obser­

vação.

Agora é a sua vez de me contar uma das suas.

Milena.

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Jorge,

Tudo bem contigo? Por aqui muito trabalho como sempre. Depois de tempo

em silêncio volto a te escrever. não, desta vez não vou chorar as pitangas pra ti

sobre como está difícil segurar a barra ganhando o que estamos ganhando como

professora de escola pública. Queria te falar das leituras que ando fazendo.

Andei lendo, por esses dias, as Fábulas de La Fontaine. Achei supimpas as

historinhas. Até então eu não sabia que a fábula é uma forma de narrativa que —

como explica Elizabeth Vasconcellos, autora de um dicionário de termos literários

— "obedece a um esquema temário (situação pragmática inicial, decisão da situa­

ção e resolução da mesma) e tem como objetivo conduzir o leitor (ou ouvinte) a

um único caminho possível: a obediênda a determinadas regras que orientam a

conduta de um grupo social". As histórias de La Fontaine, um escritor francês do

século XVII, têm como personagens animais ou seres humanos e são escritas na

forma de verso. E nelas há sempre a moral da história.

Eu li em aula algumas dessas fábulas. Claro que a gurizada ficou mais ligada

na historinha que estava sendo contada do que propriamente na "mensagem

moral" que o escritor quer transmitir. Entretanto, a idéia central foi discutir mes­

mo "a moral da história ". Qual o sentido da moral das várias histórias? Todas as

narrativas têm uma moral, mesmo aquelas em que essa mensagem moral não é

tão explicita? Dai comparamos alguns outros textos que lemos durante o ano,

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como ?Pé pilão, de Mário Quintana, A velhinha que dava nome às coisas, de Cynthia

Rílart, para vermos de que forma se dá a mensagem moral, se é que ela existe

nessas outras histórias.

Interessante foi a observação de um aluno quando discutíamos a fábula "A

Cigarra e a Formiga ". Ele disse que o seu pai trabalhava que nem formiga (na

verdade, ele usou a expressão burro) e o que ganhava mal dava pra pagar o aluguel

e pôr o que comer na mesa. Para ele, certo mesmo estava a cigarra, que passava

a vida flauteando. O que tu achas dessa "moral"?

Um abraço da Daniela.

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Cara Teresa,

Espero que esteja tudo bem contigo. Ea tua gurizada, o Pedro ea Ana, cada

vez maiores, mais espertos? Faz tempo que a gente não se escreve nem se fala,

né? Quanto tempo? Dois ou três anos? Eu acho que foi justamente a sensação do

que o tempo anda fazendo sobre mim que me deu a comichão de escrever pra ti.

Não sei por que, Teresa, tenho tido a clara impressão de que tudo está pas­

sando mais rápido na minha vida. Claro que tenho pistas para isso que estou

sentindo: vejo meus filhos se tomando gente grande; os alunos para quem já dei

aula na escola, que mal consigo reconhecer de tão crescidos; as saudades que

sinto de nossas conversas na época de magistério, na hora do recreio, quando

falávamos dos nossos professores e de como faríamos as coisas no lugar deles,

lembras?

Tudo isso, junto, se misturou ainda à leitura de um livrinho chamado

A velhinha que Java nome às coisas. Um livro triste de chorar, pois conta a história de

uma velhinha que dava nome a todos os objetos que a cercavam: a casa se chamava

Glória; sua cama, Belinha; sua poltrona, Frida, e Beto é como ela chamava o seu

carro. Mas é de uma tristeza bonita, comovente. A velhinha tinha perdido todos os

seus amigos, que já estavam mortos. Ela não queria perder mais nada e por isso

só dava nome aos objetos que iriam durar além dela. com isso, na sua cabeça,

acredito que ela queria transformar os objetos em pessoas, embora os objetos

continuassem a ser apenas objetos.

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Não vou te contar tôda a história, pois gostaria que lesses o livro, assim

como quero que os meus alunos o leiam também.

Ü no jornal um comentário, da crítica literária Fátima Miguez, sobre esse

livro, que dizia que "a velhice é simbolo de experiência, de virtude, um acúmulo de

viiência e reflexão, mas, também, está ligada à idéia de solidão, de abandono, de

perda". Acho que essa é uma idéia legal de se discutir com os alunos por meio

dessa bela história. E como a velhinha que sonhava em receber uma carta, mas só

recebia as contas que tinha para pagar, imaginei que os alunos pudessem escrever

uma carta para ela. Ou então, quem sabe, a um avô, a uma avó, enfim, a algum

parente ou pessoa mais velha querida por eles. O que tu achas da idéia, professora?

Vou parando por aqui, Teresa, mas começo a entender, agora, o que me fez

escrever pra th foi o fato de, além de gostar muito de ti, não querer começar a dar

nome degente às coisas da minha casa.

Beijos da tua sempre amiga,

Julia.

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Oi, Caca,

Aqui vai o livro de que lhe falei outro dia, Lucas, de Luis Augusto Gouveia. O livro é ótimo, muito bem escrito e ilustrado. Lucas é o protagonista da história; ele tem "quase dez anos", adora brincar, jogar bola e fazer amigos. Mas vai logo avisando que possui uma "diferença": "sou mudo, ainda não sei falar".

Bem, a partir dessa apresentação, vamos conhecendo melhor a vida da personagem, seus pais, seus amigos, seus professores. Entre os coleguinhas da escola, estão um menino cego, Rafael, e uma garotinha su nda, Mirella. Lucas mos­tra, com graça e simpatia, como as crianças "diferentes" não são tão diferentes assim, já que também brincam, sonham, ficam felizes, choram. A maneira bem-humorada com que o autor aborda tema tão difícil me conquistou; e sabe que conquistou também meus alunos?

Fomos lendo juntos a história, conhecendo aos poucos os amiguinhos de Lucas e suas particularidades. Eu perguntava o que eles tinham achado da Livia, do Martin, do Mateus, todas eias crianças com "diferenças". Os alunos comenta­vam o jeito de ser das personagens e acabavam concluindo que as tais diferen­ças... não faziam diferença! Acho que a simpatia das personagens realmente cati­vou o meu grupinho. Mas teve uma hora em que todos ficaram muito calados e pensativos; foi no final, quando li o seguinte trecho, que por ser muito bonito vou copiar para você:

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"O que me deixa triste é quando gente grande nos trata mal por causa das

diferenças que temos, ou ficam cheios de dedos, com uma pena boba porque não

somos iguais a qualquer um. Aliás, não conheço ninguém completamente igual a

ninguém. Se a diferença não está no corpo, pode apostar que está na cabeça das

pessoas. Você... é igual a todo mundo?"

Você não imagina como essas palavras motivaram as crianças a conversar

sobre o assunto, de uma maneira que me deixou muito orgulhosa delas. Aposto

como o Lucas vai te conquistar também!

Um beijo,

Nina.

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Querido Ricardo,

como vai você? E o novo emprego? Espero que esteja tudo ótimo. Escrevo

porque sua ausência tem sido sentida no nosso grupo lá da escola, principalmente

em nossas reuniões de planejamento de aula. Ainda ontem comentei com os

colegas o uso em classe de um livro que conheci por seu intermédio, Mandiok e

Douradinho, de Apolônio Abadio de Castro. Você havia comentado que o autor trata

desse assunto tão delicado que é a aceitação do outro que é "diferente " de uma

maneira sensível e emocionante. Depois de ter lido a obra com meus alunos,

posso afirmar que você tem tôda razão!

Não sei se você lembra da história; é a dos dois peixinhos que nascem dife­

rentes dos demais. O Mandiola tem nadadeiras pequenas e pernas iguais às dos

sapos. E o Vouradinho tem uma "cor mais forte " do que a dos outros peixes — e

por meio dele o autor liricamente aborda a questão do preconceito de cor. Eles são

rejeitados pelos companheiros e sofrem muito. Mas chega o dia em que suas

caracteristicas físicas, tão desprezadas pelos peixes "normais", os tornam capa­

zes de salvar o grupo todo de um grande perigo. E então eles são finalmente

aceitos e respeitados.

As crianças ficaram muito emocionadas com o sofrimento e a coragem dos

dois peixinhos. Lemosjuntos a história e eias entenderam perfeitamente a analo­

gia entre peixes e pessoas. Falaram de parentes, amiguinhos, conhecidos que

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também são diferentes. comentamos como essas pessoas são rejeitadas tantas vêzes por causa do preconceito de outras pessoas, que podem ser tão cruéis como os peixes da história. Um menino chegou a dizer que ele mesmo havia deixado de brincar com uma criança surda por achar que ela era "doente" e que a surdez poderia "pegar". Foi a deixa para eu explicar o sentido da palavra preconceito. Precisava ver como eles ficaram pensativos, sensibilizados!

Bem, depois dessa atividade, não ouvi mais apelidos como "Gaguinho" ou Tição"nos corredores. Agora, somos um "aquário"bem mais amoroso e toleran­te! Achei que gostaria de saber. Venha nos ver logo, as crianças estão com sauda­des, e nós também.

Fátima.

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Oi, Sonia, tudo jóia?

Este livro (O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida) épra você,

pra sua biblioteca. Não está lá muito apresentável, porque já passou por várias

mãos. Eu o utilizei no semestre passado e, como a escola tinha poucos exem­

plares, fiz circular o meu. Se bem me lembro, você estava procurando livros que

seus alunos não quisessem largar desde as primeiras páginas. Ai está um

deles. Sem adiantar o enredo nem revelar quem matou quem, posso dizer que

a ação começa sem rodeios.

Tenho uma porção de alunos fascinados por filmes de suspense. Foi entre

esse grupo que o livro fez mais sucesso. Você não sabe o que aprontamos!

Primeiro, um deslize: pedi aos alunos que lessem apenas até o capitulo 22,

quando ocorre o último crime da série, mas quando ainda não se revelou o

culpado. Meu desejo era que, sem saber o desfecho, eles construíssem cada

um o seu final.

Minha doce frustração foi perceber, pela gargalhada geral, que a maioria

tinha lido até o fim! Eles adoram contrariar. Dessa vez, eu os aplaudi. Claro, o

erro foi meu. Onde já se viu pedir a eles pra interromper o suspense, a poucas

páginas do final, da solução do misuri o?

Mesmo assim, a atividade que eu tinha bolado deu certo. Embora sou­

bessem o final, os alunos construíram outras possibilidades de desfecho, com

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outros assassinos, às vezes outras vitimas e outros motivos. E eles mesmos aju­

daram a avaliar, opinando e criticando a proposta dos colegas. Ninguém aceitou,

por exemplo, que um personagem novo fosse o culpado da história. Tudo pela

verossimilhança! "Assim não tem graça! como é que eu ia adivinhar?"— diziam.

Foi muito divertido \é-los defender e atacar personagens como se fossem velhos

conhecidos. Foram levantando as pistas dadas pelo narrador. Olhares, atitudes,

falas e silêncios dos personagens foram interpretados como indices de culpa.

E claro que isso só foi possível porque o livro o permite: nenhum personagem é

completamente inocente. Assim como naqueles enigmas de telenovelas — "quem

matou Odete Roitman" ou "quem matou Juca Pirama"(de que eles não se lem­

bravam e pelo que aproveitaram pra enfatizar que eu sou "uns anos" mais velha)

— em que as soluções finais poderiam ser muitas.

Espero que você também se divirta com os seus, e depois me conte o que fez

de novo.

Um abraço da Marina.

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Carol,

Depoimentos de velhos professores? Conte comigo. Aí vai um dos capítulos

da minha vida.

Era uma vez um grupo de professores que dentro e fora da escola se amarrava

em um bom papo. Trocávamos experiências, riamos, discutíamos. Na hora de

reclamar, era sempre o mesmo assunto: queríamos trabalhar a leitura, mas dis­

punhamos de poucos recursos materiais. Um professor disse, então, que estáva­

mos nos esquecendo de que não tinhamos livros mas tinhamos histórias para

contar. Mas queríamos trabalhar a leitura/ — insistiu uma outra. Então, dizia o

professor, não podemos começar pelo hábito tão antigo de contar histórias? Na

reunião seguinte, ele trouxe o livro Histórias de Tia Nastácia, e começou a ler uma

delas... (Você já leu Monteiro Lobato? Esse grupo de professores, do qual eu faço

parte, tinha se formado na companhia da Emilia, Narizinho, Pedrinho, Visconde,

Tia Nastácia, Dona Senta...)

O mote dos encontros passou a ser Lobato. Cada dia um lia uma história, ou

contava um episódio do Sitio que tivesse marcado a sua infância. Reliamos Lobato,

recuperando o prazer das nossas leituras infantis. E resolvemos levar leitura e

Lobato para as reuniões pedagógicas e de planejamento...

com isso, na escola, conseguimos fazer um planejamento integrado: cada

classe, num determinado bimestre, leria um livro do Lobato, à escolha do profes­

sor. Isso foi resolvido num mês de dezembro, e em janeiro aproveitamos para ler

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(ou reler) alguns livros da coleçào. No inicio das aulas, com Lobato fresquinho na

memória, levamos o Sitio para as classes, lemos cada um a sua história e fizemos

trabalhos diversos com os alunos: teatro, painel, leitura dramatizada, música,

como se faz com tantos dos nossos infantojuvenis hoje. Mas o que mais me

interessou nisso tudo é que os alunos apresentaram seus trabalhos para a escola

tôda, e, como os personagens se repetem, quem leu Reinações de Narizinho se inte­

ressou também pelo Caçadas de Pedrinho ou por outros volumes da coleção. No bimestre

seguinte, não lemos Lobato, e foi de propósito — mas a bibliotecária atestou que

a procura pelos livros do escritor continuou acesa!

Esse ano, introduzimos uma novidade nesse ciclo: o livro Minhas memórias de

Lobato, de Luciana Sandroni. Os alunos da 4ª série, que já tinham lido bastante

coisa de Lobato nos três anos anteriores, leram essa biografia do escritor contada

(veja só, Carol!) pela Emilia e pelo Visconde. Surpresa maior o professor de Histó­

na assistiu às apresentações e resolveu participar. No ano que vem, vai partir das

Minhas memórias de Lobato para construira memória da cidade e daí trabalhar outros

aspectos da sua disciplina.

O livro da Luciana Sandroni é ótimo para esse tipo de integração, porque

serve a diferentes públicos. Não sou só eu quem diz isso não. A professora Ninfa

Parreiras já havia dito, num congresso sobre Lobato, que o livro "é um convite aos

já leitores de Lobato para conhecerem uma história gostosa de ser lida. Para as

crianças que ainda não o conhecem, ou só conhecem o seriado da televisão, este

é um livro obrigatório, de entrada no universo imaginário, povoado de criações e

recriações que nos deixou Lobato".

Integração e planejamento na prática. Existem! E se pode chegar até eles

pela leitura.

Tenho mais histórias para contar, mas acho que por hoje já está de bom

tamanho. Serve?

Helena.

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Cara Maria,

Sspero que esteja tudo bem contigo. Estou te escrevendo para falar de uma

sensação um tanto estranha que tive depois de ver um filme chamado 0 conde

Drácula. Claro que tu deves ter ouvido falar nessa personagem, que surge apenas à

noite, pois não suporta nem a luz do dia nem o cheiro de alho, e somente se

alimenta do sangue de pessoas vivas. Pois é, vi esse filme ontem à noite, num

desses Corujões da Madrugada. Perdi o sono e lá fui pra frente da televisão, ainda

que tivesse de dar aula cedo pela manhã.

Depois de assistira esse filme, fiquei rolando na cama e pensando cá com os

meus botões: por que gostamos, nos divertimos e nos assustamos com coisas que

não existem? fíquei me perguntando mais: por que acreditamos, porque cultuamos

e cremos em coisas, em entes, em divindades, como se elas morassem conosco

ou ali na esquina, como se nos acompanhassem no que fazemos diariamente?

E tudo parece mais estranho se considerarmos que essas criaturínhas que habi­

tam a nossa mente muitas vezes pouco têm da nossa maneira de ser, mesmo

fisicamente,

E isso me saltou ainda mais à vista, hoje, trabalhando com a garotada da

escola o livro Mitos: o folclore do mestre André, de Marcelo Xavier. "Ütilizando-se da

estratégia de veicular conceitos e informações por meio de um texto ficcional, o

autor faz mestre A n d r é (um contador de histórias) dialogar sobre os mitos folcló-

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ricos com as crianças que o procuram, fazendo os diálogos entabulados verdadei­

ros textos informativos sobre personagens mais do que fantásticas: o saci-pereé,

o boítatá, o lobisomem, o curupira, a mula-sem-cabeça e o boto. "Quem me havia

dado essas informações foi a Margareth Mattos, professora de geografia da escola.

Depois de ler o livro, os alunos foram consultar na biblioteca da escola e

procurar em casa outras lendas, outras histórias folclóricas, que poderiam ser

brasileiras ou não. Individualmente ou em dupla, eles narraram para a turma a

história encontrada. Teve grupo que contou a história meio que a encenando,

representando-a para a turma.

Nota, Maria, que desde piá somos habitados por essas entidades incríveis,

ou sobretudo quando guri. Acho que depois de grande a gente somente muda a

cara e os trejeitos de nossas fantasias, não?

Abraço do Rodrigo.

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Cara Rosane,

"Só podia ser neguinho pra fazer isso" — foi reclamando por assim ser

tratado e chorando em prantos que o Francisco, um aluno meu, entrou na sala,

apôs o recreio. Havia discutido e brigado com um colega de outra turma, ao jogar

futebol durante o intervalo. Francisco, que é mais preto do que a asa da graúna —

como dizia aquele escritor -, queixou-se ainda que não era a primeira vez que

tinha sido xingado em razão da sua cor.

Bem, notei que a turma não só prestava atenção na história que Francisco

contava como também mais ou menos se solidarizou com a dor do colega. Ou­

tros dois alunos, também pretos, contaram experiências pessoais um tanto trau­

máticas em razão de preconceitos raciais que sofreram. E olha. Rosane, que é

tudo gurizada de 11, 12 anos. Para continuarmos a conversa, sugeri que os alu­

nos lessem o livro Né na garganta, de Mirna Pinsky, uma obra na qual "mudança,

adaptação, submissão e preconceito racial são algumas das questões vividas pela

protagonista, que descobre no convivio com os colegas a amargura de ser negra e

de ser trateda como inferior", segundo me informou uma outra professora da

escola, a Ninfa Parreiras.

' A partir do relato das experiências dos alunos e da história da personagem

Tânia, começamos a discutir o que é preconceito racial, por que ele existe, se é

possiyel combatê-lo e de que modo. E o mais interessante é que, quando o profes-

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sor de história soube pe/os alunos que estávamos discutindo esse tema em aula,

ele conversou comigo para também participar das aulas, porque achou interes­

sante mostrar para os alunos e discutir com eles como o preconceito racial no

Brasil está ligado à escravidão do negro e ao tipo de trabalho que estes faziam.

E, para não dizer que a coisa deu mais pano pra manga, o próprio professor

de história sugeriu que os alunos observassem nos programas de televisão, sobre­

tudo nas novelas, como os negros são apresentados e que papéis são atribuidos a

eles. Mas a conversa sobre isso ficou pra semana que vem. Depois te conto como

foi a discussão.

Beijos,

Ana.

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Ói, Ana Maria Machado,

Que beleza de livro este jardim secreto que você traduziu! A gente fíca pen­

sando na sorte das crianças inglesas que já podiam lera história de O jardim secreto

há tanto tempo! Sabe, fiquei encantada com a história de Mary e de Colin que,

com a amizade de Dickon, conseguiram dar sentido a suas vidas, até então

desperdiçadas! Acabei emprestando o livro para uma prima, a Marínete, que dá

aulas numa escola. Ela também gostou da história. Gostou tanto que começou a

lê-la para os alunos, mas achava que talvez eles não fossem gostar, que eram

situações muito diferentes das que eles viviam. O livro fala de crianças de familias

muito ricas, morando em um castelo no interior da Inglaterra... Mas que nada: as

crianças da classe da Marínete adoraram a história. E sabe o que mais? A Marínete

acabou organizando duas atividades depois da leitura do livro: uma foi pedir que

as crianças inventassem um diário de Dickon (os meninos) e um de Mary (as

meninas), onde eles escreveram "como foi o dia seguinte da última cena do livro,

a conversa de Mary, Colin e Dickon com o Sr. Craven ". A outra atividade nasceu da

surpresa dos alunos com tanto nome de flor que aparece no livro: minha prima

pediu que os alunos lembrassem dos nomes de flores que conheciam, depois

pediu que encontrassem imagens dessas flores em revistas e que escrevessem

uma história na qual as flores conversassem umas com as outras e todas com o/

a autor/a da história. Ilustraram a história com os recortes e juntaram todas as

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histórias num volume que chamaram O jardim secreto da 4ª C. A Marínete me pede para perguntar se a gente pode lhe enviar uma cópia do

fívrv. Pode?

Maria Júlia.

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Caro Pedro,

como vão as coisas contigo? E as aulas com a piazada, estão legais? Estou

te escrevendo para te falar daquela conversa que tivemos nas anas passadas, a

respeito de linguagem, de sons, de ritmos, lembras? Aquele papo me deixou com

a pulga atrás da orelha alé hoje. Ainda não sei se concordo contigo quando dizes

que a linguagem, quer dizer, a lingua na qual nós falamos e pensamos, é algo

como a mãe que nos dá a luz para nosso contato com o mundo e com nós

mesmos. Digamos, a forma base e primeira de nossa expressão e relação com o

mundo.

Será que estou sendo claro? É que essa conversa está meio filosófica, e eu

sou apenas simples professor de ensino fundamental, como tu. Pedro. Mas eu

queria te dizer o seguinte: eu acredito que há outras coisas que influenciam tam­

bém nossa maneira de nos relacionar com o mundo. As formas de percepção,

como a visão, o tato, a audição, são recursos que temos e que nos fazem mergu­

lhar na realidade de modo mais direto e imediato.

Nota estas frases. Pedro: "Sabia que o sabiá sabia assobiar? Dizia o meu avô.

Sabia que o sabiá sabia avoar? Avoa, vô, avoa". Elas pertencem ao livro O sabiá e a

girafa, que os meus alunos estão lendo. Não te parece que o efeito sonoro que essas

frases transmitem seja mais importante do que aquilo que eias dizem, do que o

seu sentido? Essas repetições de esses e de bes, combinadas com a repetição tam-

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bém de ás e és, chamam a nossa atenção muito mais para o efeito sonoro do que

para qualquer outra coisa.

Esse livro do Leo Cunha, como observou a Rosa Riche, uma colega minha,

está cheio desses jogos de palavras. S eles refletem bem que mesmo dentro da

palavra nossos sentidos todos são remexidos por ela. A minha idéia, por sinal, é

fazer com que os meus alunos, a partir da leitura desse livro, e depois de a gente

entender um pouco mais como o autor trabalha a sonoridade das palavras, inven­

tem textos em que a semelhança de sons, a combinação deles, das formas mais

variadas e diversas, esteja no centro da criação desses textos. Dai te envio alguns

trabalhos para tentar mostrar que o sentido e a beleza das coisas podem estar

em várias partes, certo?

Abraços fraternos do Fábio.

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Sami,

Estou lhe escrevendo por dois motivos: o primeiro, claro, para agradecer a

dica da última carta. De fato, o livro O último dia de brincar me ajudou muito na

discussão sobre preconceito.

Levei o conto (o que dá titulo ao livro) para a classe, li com os alunos e dai

passei à discussão. Do preconceito sofrido pela Maninha ("filha de mãe largada")

e até pela Poi ¡dora (por ser "tão pretinha"), partimos para outros tipos de precon­

ceito: classe social, raça, religião, nacionalidade, time de futebol, tamanho do pé...

Até a questão dos preconceitos lingüísticos pôde ser trabalhada. uma amiga me

indicou um artigo da Laura Sandroni, em que se lê: "A linguagem (...) resgata o

falar regional cheio de graça em sua simplicidade, o que poderá ser observado em

salas de aula ao recuperar vocábulos em desuso e demonstrar a riqueza da expres­

são popular".

Não pedi a eles que fizessem pesquisa, porque o tema já é velho conhecido

deles. Cada um tem um exemplo mais impressionante de discriminação. E um

aprende com o outro, sem necessariamente ter vivido a situação. Não vou dizer

que achei a fórmula para acabar com o preconceito, seria pedir demais, mas o

respeito entre eles aumentou nitidamente.

O outro assunto ainda é sobre o mesmo livro, sobre o conto "Feitiço ". Mas

dessa vez discordo de você. A Dorinha não é louca só porque é afeiçoada a seu

pacote de terra! Ou pelo menos não necessariamente. Você se lembra daquele

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conto "A terceira margem do rio", do Guimarães Rosa? Lembra-se da aula que

tivemos sôbre ele no cursinho? Confesso que não entendi tudo, mas aquele conto

não me saiu mais da cabeça! A imagem do filho gritando para o pai e depois

fugindo; o pai que vai sabe-se lá para onde: a linguagem meio mágica.., Fiquei

impressionada com a história! Ela é desconcertante, como a fixação da menina

pela terra.

Quer uma sugestão? Leia o conto "Feitiço"para os seus alunos e deixe que

eles o interpretem, que expliquem a loucura-obsessão-feitiço-paixão da Dorínha

pela terra. Sem querer produzir uma grande atividade, pode ensiná-los a interpre­

tar, a produzir significados e a verificar que tipos de interpretação são possíveis

para um texto. E isso o que eu vou fazer. Na próxima carta eu lhe conto o que

houve por aqui. Seria muito bom saber o que houve por ai também.

Desculpe essa amiga discordante, e diga lá o que você acha de tudo isso.

Um beijo,

Débora.

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Cara Marilda,

Será possível estabelecermos relação entre a vida do escritor e a sua obra?

Será que o que viveu um poeta, um escritor, é fielmente transportado para a

história criada? Eu sei que tem gente que não acredita nisso, principalmente os

chamados críticos literários. Eu, pessoalmente, também tenho dúvidas quanto a

isso. Quando fiz meu curso de Letras, lembro-me de que, nos textos que lia, os

críticos e os teóricos de literatura diziam que literatura é linguagem. Isso quer

dizer transfiguração da realidade concreta e sensível por meio da linguagem.

Essas questões correm na minha cabeça sempre que leio os poemas de

Mário Quintana, e mais agora, quando li com a minha turma o livro Pé de pilão, do

poeta gaúcho. Quando morava em Porto Alegre, volta e meia via o Quintana sen­

tado na Praça da Alfândega ou se dirigindo para o Majestic, um dos vários hotéis

onde morou o poeta. Ele, sempre com aquela cara de guri velho, olhando pras

coisas e pros outros como quem vai pregar uma peça, uma travessura em nós,

pobres leitores.

Dai é que me ocorre que os textos de Mário Quintana, e também Pé de pilão,

têm a cara do poeta, pois, como comenta a critica de literatura Vânia Resende, "a

forma e a visão são inconfundivelmente de poesia, contando a mágica história do

encantamento/desencantamento do menino Matias e da avó, recheada de peri­

pécias e transformações fabulosas que incluem o confronto do Bem e do Mal(...)".

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O pròprio Erico Verissimo, outro escritor gaúcho e muito amigo de Quintana, dizia

que o autor de Pé de pilão era o sujeito "mais diferente"que eie havia conhecido.

E diferente também acharam os alunos a história com gente se transfor­

mando em bicho e bicho agindo como gente. Tudo soou estranho, meio fantastico

pra piazada. A idéia, então, foi a de que a turma criasse coletiva e oralmente uma

história também fantástica, sobrenatural. Cada aluno criava uma parte que era

continuada por outro. Depois, eles passaram pro papel a história oral, mantendo

a original ou modificando-a, recriando-a, conforme o gosto do fregués. O que fez

com que a nossa história também tivesse várias caras.

Abraço saudoso do Roberto.

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Laura,

Tudo bem? Estou lhe enviando o livro Pé de poesia, de Wilson Pereira, como

combinamos ao telefone. Acho que você vai adorar, o Wilson é ótimo poeta. E a

ilustradora, Marilda Castanha, criou aquarelas que complementam de maneira

muito feliz a atmosfera de sonho sugerida pelo texto.

Estou sempre pesquisando poemas para fazer atividades com meus alunos,

e ao ler o artigo de Elizabeth Vasconcellos sobre Pé de poesia, fiquei bastante anima­

do. Segundo ela, o autor nos apresenta um menino "perguntador", que "reoigani-

za, em sua cabeça, um espaço ideal em que a familia — mãe, pai, avô, tios —, os

amigos e ele próprio teriam seus desejos satisfeitos. Esse pequeno mundo seria

como uma reedição do jardim do Paraíso". Ele imagina árvores que dão frutos

como brinquedos, doces e até toalhas. Achei muito interessante e li o livro, que me

surpreendeu por sua beleza. Concordo com Graça Monteiro de Castro, quando ela

afirma, em outro artigo, que a obra "resgata não só o imaginário fantasioso do

universo da criança, como propõe um jogo lúdico de invencionices". As atividades

lúdicas que o texto propõe são inúmeras, como pude comprovar com meus alunos.

Pedi a cada um que lesse um trechinho do poema. No começo, como você

sabe, eles se sentem um pouco envergonhados e tropeçam nas palavras; mas aos

poucos fomos "esquentando". Eu os ajudava, enfatizando em minha leitura a

musicalidade dos versos, e eles me ajudavam, propondo ritmos que iam surgindo

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ao sabor de cada tentativa; no final, estávamos afiadissimos. Depois de um bom

tempo explorando a beleza do poema, propus a eles críannos novas árvores para o

jardim imaginário. Cada aluno desenhou então uma árvore, com os frutos mais

malucos que você possa imaginar. Em seguida fizeram versinhos para dar conti­

nuidade ao poema de Wilson, acrescentando muitos sonhos mais ao jardim do

menino. Foi uma tarde proveitosa e divertida. Tenho certeza de que você e seus

alunos vá o gostar do livro.

Um abraço,

Pedro.

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Cara Virgínia,

Resolvi te escrever para desabafar um pouco. Estava um tanto preocupada

nestas últimas semanas, porque meus alunos estavam reclamando para mim que

eu só os faço ler e escrever e escrever e ler.

como qualquer professora, devo confessar que de vez em quando os alunos

até têm razão e que me minha criatividade entra em crise. Mas nada como uma

boa conversa com os colegas de trabalho para abrir caminhos e perspectivas.

Falando com os professores de Arte da escola, eles me recomendaram que desse

uma olhada no livro Picote, o menino de papel.

Foi um achado. O livro tem uma historiazinha bem simples, como os alunos

gostam. A história do personagem Picote, que "morava num lugar encantado ", o

qual, como o próprio Picote, era todo feito de papel. O personagem sofre um

acidente com fogo, mas é socorrido pelos seus melhores amigos, a Tesoura e a

Cola.

A Fátima Miguez e o Ande Muniz de Moura, os professores de Arte de quem

te falei, me disseram: "Faz os teus alunos lerem o livro, e depois, em vez de

escrevera história, faz com que eles utilizem recortes, colagens e dobraduras para

contar a história de um personagem feito de colagens, recortes e dobraduras,

como nas ilustrações do Picote ".

com muitas cores, formas e dimensões diferentes, foram contadas belas

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historias. Num segundo momento, sugeri que quem quisesse escrevera história do

seu personagem também poderia fazê-lo. Praticamente todos a escreveram. Não

foi uma saída interessante?

Beijos da tua amiga Joana.

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Marcela querida,

Desculpe, mas não sei se posso ajudá-la nesse seminàrio. Suja não me

lembro mais do Simbolismo. Ve qualquer forma, li as poesias que você mandou e

senti dificuldades também. Mas a leitura é divertida!

Sei que meus aluninhos são muito diferentes dos seus colegas de classe,

mas sugiro que dê uma olhada no livro que deixei pra você — Quem lê com pressa

tropece, de Elias José. Trata-se de uma série de poemas de trava-língua, isto é, uma

"brincadeira verbal, um jogo lingüístico, envolvendo palavras parecidas e que, ditas

rapidamente, provocam dificuldade na sua enunciação", segundo o professor Fran­

cisco Auélio Ribeiro. Funciona, de inicio, como brincadeira, mas estimula a per­

cepção de sons e da musicalidade das palavras, essenciais na leitura de poesia —

e das suas poesias simbolistas também.

Quando usei esses livros com eles, fizemos bastante leitura oral. Cada aluno

lia um poema. Cada vez que um "travasse a lingua", "tropeçasse nas letras", outro

leria o poema do amigo. No meio dessa brincadeira sonora, eles lembravam de

outros trava-linguas famosos e desafiavam os amigos. Eles se divertiram rindo

muito dos tropeços dos amigos. Em geral, o riso não era maldoso, quem errava a

pronúncia também ria de si mesmo, porque às vezes produzia palavras novas,

engraçadas.

Lembro-me de que eu e sua mãe fãziamos o mesmo, quando crianças, num

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trava-lingua em que o significado das palavras pouco nos importava. Sra assim:

"Num ninho de márfagafos tinha seis marfagafinhos. Quem os desmarfagafar

bom desmarfagafizador será". Teve um momento em que pronunciar já não era

difícil, e ai o desafio passou a ser pronunciar o mais rápido possível.

Não acho que a poesia seja só som, mas não dá pra esquecer que é som

também (e aqui você percebe que eu não me esqueci do assunto do seu seminá­

rio). Senão, como ler, por exemplo o "Trem de ferro", de Manuel Bandeira? Ou

ainda o "Sino de Belém", de Bandeira também? A primeira você deve conhecer,

porque tem naquele ed do Tom Jobim, lembra? A segunda tem um trechinho

assim: "Sino de Belém, pelos que inda xêml / Sino de Belém bate bem-bem-

bem. / Sino da paixão, pelos que lá vão! Sino da paixão bate bão-bâo-bão". Leia

em voz alta e diga-me o que achou!

E, talvez eu possa ajudá-la no seu seminário. Venha fazer uma visita a essa

sua tia tagarela.

Um beijão,

Mary.

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Dora, amiga,

Ai está a receita que você me pediu. E um livro de presente. E de receitas...

Tenho de lhe agradecer por me fazer lembrar das receitas da minha avó.

E que esse papo-de-anjo só ela sabia fazer. No meio dos meus cadernos antigos,

procurando a receita pra você, voltei a ser criança: lá estavam as minhas lembran­

ças da cozinha quente da minha vô, eu e meu caderninho pardo, manchado...

Fiquei esquisita depois de rever aqueles livros, depois dessas lembranças to-

das. Saí pra espairecer e fui parar, veja só, na estante de receitas de uma livraria.

Pois foi lá que eu encontrei um livro de receitas nada convencionais: Receitas de

olhar, de Roseana Murray. Dê uma olhada [...tempopra você ler. Leu?].

Sabe o que eu fiz? Resolvi não aposentar essas lembranças. Levei tudo pra

minha classe: livro de poemas, receitas e até minha avó, na lembrança. Pedi aos

alunos que trouxessem de casa, cada um, uma receita. Teve café, bolo, pão doce,

pão salgado, bolo de chocolate... Até que apareceu papo-de-anjo. Você acredita?

Também, se não tivesse aparecido eu estava com essa carta na manga que não

sou besta. Depois de tantos ingredientes, a pergunta que eu esperava: quantas

colheres de anjo são necessárias pra se fazer papo-de-anjo? Anjo tem papo?

E baba-de-moça? E nojenta? De quantas moças precisaríamos?

Foi engraçado. Depois dessas brincadeiras com as palavras, as crianças le­

ram o livro. Alguns dos poemas, lemos na classe mesmo, pra superar a dificulda-

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de com as abstrações. Então, com papei, guache e tubos de caneta vazios na mão,

começamos a produzir desenhos abstratos. Muito sopro nas canetas e muitos

dedos nas tintas. Dos desenhos, começaram a brotar imagens, como das nuvens.

imagens e sensações, abrindo a imaginação e o coração. Diz uma das receitas: "O

coração é iabirinto viagem".

Depois de apreciarmos e comentarmos as imagens produzidas por eles, le-

mos outras receitas, "Abrindo os olhos para o que é invisivei", "Desamarrando o

olhar". O Luis, para ver melhor, tirou os óculos. A Débora pôs os óculos do Luis pra

ver como ele veria se ela fosse ele. A Dani pôs celofane na cara: o Pedro preferiu ver

de olhos fechados. "O mundo é sempre novo", diz um dos poemas.

Tarefa para o dia seguinte: trazer novas receitas escritas por eles. Essa idéia

foi do Francisco Auélio Ribeiro, que escreveu um artigo sobre o livro dizendo que a

autora "instiga o olhar diferente, utilizando as formas tradicionais da 'receita'.

com isso, o jovem leitor poderá criaras suas próprias 'receitas', diferentes manei­

ras de ver o mundo e de escre\é-lo ". Foi o que eles fizeram. Teve receita de dormir

com os anjos, de ir pros diabos, de dobrar a esquina... Teve até receita de matar

saudades de vô que já se foi.

Um grande beijo, cheio de boas lembranças,

Anna Luiza.

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Alexandre,

Olá, meu amigo! como vão as coisas ai em Salvador? Aqui estamos todos

bem, e com muita saudade. Queria agradecer sua dica de utilizar o livro Rosalina, a

pesquisadora de homens, de Bia Hetzel, em minhas aulas de Ecologia. Ontem fiz

algumas atividades com meus alunos da 4* série a partir da história da simpática

baleia, e foi muito legal.

Estou enviando para você dois artigos sobre o livro que me ajudaram a

aprofundar a leitura da obra de Bia. Em um deles, Margareth Mattos chama a

atenção para "as informações importantes sobre a espécie a que pertence Rosali­

na" e também sobre "os riscos que corre pela ação predatória do homem e como

esta ação pode ser revertida". Ela salienta que essas informações são "veiculadas

de forma lúdica e atraente". Já Vânia Rezende destaca a "notávelafinidade entre

a autora e a sua personagem, a baleia, a quem ela passa o fio da na nação, o que

assegura a utilização de um ponto de vista 'de dentro' (a baleia abre seu interior

ao leitor, revelando peculiaridades da espécie jubarte, inclusive a sua natureza

dócil)". Os alunos divertiram-se com as observações e as "pesquisas" da baleia

sobre os homens. Eles leram em casa a história e, na aula, debatemos as questões

ecológicas, éticas e até políticas abordadas pela autora. Eu levei vários recortes de

jornal, inclusive a noticia sobre o encalhe de uma baleia jubarte no Rio de Janeiro,

em 1991, que Sia incorporou ao livro. Também mostrei fotos e comentei o traba-

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Iho de pesquisadores, como a própria Sia, e ativistas que procuram preservar a

vida de animais marinhos. Os meninos ficaram muito interessados, principal­

mente pelas características da espécie de Rosalina.

Agora, com a ajuda da professora de português, eles estão escrevendo textos

em que outros animais ameaçados de extinção "contam"suas experiências com

os homens. Rosalina não imagina o quanto sensibilizou minha turminha para as

questões ambientais! Mais uma vez, obrigada pela preciosa dica.

Muitos beijos, para você e os seus!

Luana.

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Querida Sílvia,

Oi amiga, tudo bem? Saudade de você! Espero que nos possamos ver em

breve e colocar a vida em dia. Enquanto isso, vou dando trabalho aos correios.

Você me pediu sugestão de livro com atividades para trabalhar o tema da

inclusão de crianças deficientes com sua turminha na creche; mando o ótimo

Somos todos iguais, de Itamar Marcondes Farah e Nancy Pagnanelli, que tem sido

uma grande fonte de inspiração para minhas aulas. O livro suq^íu do trabalho das

autoras, que são psicólogas, com crianças de cinco a sete anos em creches

paulistanas. Você vai ver como eias conhecem bem as dificuldades e as alegrias do

nosso trabalho.

O livro apresenta a professora T'ita e seus alunos; alguns deles têm deficiên­

cias físicas, mentais ou Sensoriais. A cada página há a proposta de uma atividade,

com espaços para os alunos interagirem, por meio de desenhos, por exemplo. Nós

fizemos, outro dia, atividade sobre deficiência sugerida pelo livro. comecei com

um "aquecimento", pedindo que cada criança escolhesse uma das várías bexigas

que eu já tinha deixado cheias para a brincadeira. Ao som de música, eias brinca­

ram com as bexigas em duplas, trios, sozinhas, e finalmente todas juntas. Essa

brincadeira é ótima para deixá-las bem enturmadas.

Em seguida, peguei todas as cadeiras de rodas, cadeirões e andadores que

há aqui para vivenciar com eias como deve ser o cotidiano de uma pessoa com

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deficiência física. Separei as crianças em dois grupos: as do pnmeiro usavam os aparelhos, e as do segundo ajudavam. Depois trocamos. No final, conversamos sobre como eias se sentiram; foi muito enriquecedor! Para terminar, eias fizeram um desenho livre. Você pode imaginar que muletas, cadeiras de rodas e andadores acabaram aparecendo de forma veemente em todos os trabalhos.

Naquela semana, fizemos mais atividades desse tipo. Para vivenciar deficiências Sensoriais, as crianças usaram venda nos olhos ou tentaram se comunicar apenas por meio de sinais. Ao final de cada atividade, conversávamos muito, e depois eias desenhavam. Foram experiências bastante positivas que, tenho certeza, se repetirão com seu grupinho.

Beijos,

Rita.

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Querida Cláudia,

Oi, amiga! Quanto tempo! Estou com saudade. Ontem lembrei muito de

você, porque fiz uma atividade com meus alunos usando o livro Um amigo diferente?,

de Cláudia Werneck Além de ser sua xará, a autora tem uma sensibilidade para

falar das pessoas consideradas deficientes que me fez pensar imediatamente em

suas aulas com crianças "especiais" — "especialmente legais", como você sempre

fala.

ü com minha turminha de 2a- série a história do menino que se apresenta

assim ao leitor: "Oi! Sou seu amigo diferente!" A partir dessa apresentação, o

pequeno personagem vai fazendo reflexões, em uma linguagem muito poética,

que nos levam a questionar as dificuldades de integração de uma criança com

deficiência, assunto que você sabe melhor do que ninguém como é tabu. Veja que

bonito esse trecho: 'Você imagina que eu só ando de cadeira de rodas e que

minhas pernas não obedecem à vontade que eu tenho de sair correndo por ai. Ese

eu fosse assim? Nem por isso meus pensamentos seriam menos velozes que os

seus".

A autora faz suspense até o final; o menino convida o leitor a imaginar de

que tipo seria a "diferença"dele, e assim vai comentando, de modo muito delica­

do, deficiências físicas, mentais e Sensoriais. No final do texto, há sugestão de

atividades muito bacanas, que fizemos com prazer. começamos conversando so-

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bre as pessoas diferentes que conhecemos; um deles falou do avô que não escuta

quase nada, outra contou da irmãzinha que usa aparelhos nas pernas... todos

conheciam alguém, adulto ou criança, com diferenças. Então comentamos como

essa gente diferente brinca, sente, è amiga, tem medo, tem sonhos, igualzinho à

gente. As crianças gostaram muito do "amigo diferente"; propus que desenhas­

sem como ele deve ser e que depois escrevessem uma cartínha para ele. Mão

imagina que graça de textos fizeram, muito amorosos! Gostaria de mostrá-los a

você; quando vem me visitar?

MH beijos dessa sua amiga diferente,

Cintia.

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Roberto,

Você se lembra daqueles artigos que me enviou, sobre o livro Um fotógrafo

diferente chamado Debret de Mércia M. Leitão e Neide Duarte? Mão imagina como

me ajudaram; gostei tanto dos comentários dos autores, Francisco Aurélio Ribeiro

e Graça Monteiro de Castro, que acabei lendo o livro e adotando-o em sala. O texto

de Ribeiro me instigou, porque ele afirma que a obra "tanto ensina quanto diverte,

por isso deve ser utilizada por crianças e jovens para ampliação de seu conheci­

mento da realidade histórica e sociológica brasileira". Era justamente um livro

assim que estava procurando para tomar mais dinâmicas minhas aulas de Histó­

ria para a 5Ü série.

As autoras criaram a história de um menino que, por intermédio do pai,

conhece as obras do artista francés Debret, que esteve aqui no começo do século

XIX e pintou cenas do cotidiano brasileiro. O pai do protagonista é fotógrafo e

incentiva a criança a comparar as fotos que tira com as pinturas. Diz ao filho que

"quando nosso olhar vai do desenho de Debret para a foto, parece que estamos

viajando no tempo". O menino fíca tão encantado com essas "viagens"que resol­

ve construir o "Debretmóvef", uma máquina que mistura traços de transportes

que Debret retratou, veículos da nossa época e mais "ares futuristas".

As autoras convidam então o leitor a imaginar e a desenhar seu próprio

"Debretmóvel", identificando as partes que lembram o passado e o presente e

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aqueias que sugerem o futuro. Foi um exercicio incrível, porque os alunos ficaram

interessados em conhecer o modo como as pessoas se locomoviam naquele perio­

do em que o país deixava de ser colônia e tomava-se independente. O interesse

passou dos transportes para outros aspectos do cotidiano daquela época, o que

tomou a atividade muito rica.

Enfím, como comentou Graça Monteiro de Castro, "o acesso a livros desta

natureza é importante na formação dos jovens e das crianças brasileiras, que

precisam ser estimulados para a apreensão de conhecimentos e o despertar do

interesse pela arte e pela produção cultural no Brasil". Eu acrescentaria que esse

livro possibilita um modo diferente de aprender História. Obrigada pela grande

dica!

Um abração,

Ua.

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Oi, Lu,

Infelizmente ainda não estou escrevendo para programar aquela viagem, mas

para lhe pedir o favor de nos enviar noticias da festa do Boi-Bumbá: fotos, postais

e vídeo serão bem-vindos. O pedido é das minhas crianças, que já imaginam

como é colorida a sua Parintins em junho. Vou lhe contar o que fizemos.

Depois de termos lido o Viva o Boi-Bumbá, de Rogério Andrade Barbosa, que

você nos recomendou, fizemos diversas atividades visitando o folclore local — sem

sair dos limites da comunidade. Usando a frase do garoto da história ("Mãe,

repete a história do Boi-Bumbá"), os alunos buscaram o folclore dentro de casa,

na vizinhança, na memória dos seus parentes e amigos mais velhos, pedindo para

ouvir de novo aquela história que lhes haviam contado há tanto tempo. Apareceram

o Saci, o Curupira, várias Brancas de Neve...

O problema foi quando as versões de uma mesma história não batiam: um

deles quis saber quem estava com a história verdadeira, se ele ou o amigo. Queria

saber se o seu pai ou o do outro tinha mentido. Aí eu interferi explicando que as

narrativas de tradição oral possuem mesmo várias versões, por sofrerem varia­

ções na constante retransmissão, e que todas eias são verdadeiras!

Resolvida a questão das versões, sugeri a eles que buscassem, dessa vez, a

história do Boi-Bumbá (ou Bumba-Meu-Boi, como é conhecida por aqui). Nem

sempre a familia a conhecia, mas ai a enciclopédia os ajudou. Trouxeram para a

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classe varios "bois", cada um apresentando um novo detalhe, reformulando as

histórias ouvidas ou lidas, compondo outras para dar prosseguimento à tradição,

Então desenhamos os bois. Um colorido só. No envelope pardo que vai junto dessa

carta, há alguns deles.

Um dia, quem sabe, eles visitarão deperto a versão dejunho, dai de Parintins.

Ficaram curiosos e se recusaram a interromper as pesquisas sobre o folclore. Fare­

mos, agora, meses temáticos: em abril, será a vez do Saci, depois do Curupira, da

Iara... Os clássicos (Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, etc.) também os encanta­

ram, mas sobre estes eles sabem mais. Querem conhecer os outros.

Daquele recorte de artigo que você me mandou, da Eleonora Cretton Abílio,

gostei muito do trecho que diz: "O folclore brasileiro possui manifestações das

mais ricas e variadas. Quando a literatura se ocupa dessas manifestações, toman-

do-as como pano de fundo, possibilita-nos o conhecimento e a análise mais pro­

funda da própria expressão folclórica". Mande outras dicas de leituras quando

puder. Esta foi aprovadissima!

Diana.

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