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S U M Á R I O José Romero de Araújo Cardoso Notas para a história do Nordeste Marinalva Freire da Silva Organizadora Francisco Alves Cardoso Apresentação Francisco Pereira Lima Prefácio Archimedes Marques Posfácio Ideia João Pessoa 2015

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N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 1

S U M Á R I O

José Romero de Araújo Cardoso

Notas para a

história do Nordeste

Marinalva Freire da Silva Organizadora

Francisco Alves Cardoso

Apresentação

Francisco Pereira Lima Prefácio

Archimedes Marques

Posfácio

Ideia

João Pessoa

2015

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J o s é R o m e r o d e A r a ú j o C a r d o s o | 2

S U M Á R I O

Todos os direitos e responsabilidades são do autor.

Diagramação/Capa Magno Nicolau

EDITORA

www.ideiaeditora.com.br [email protected]

C268n Cardoso, José Romero de Araújo. Notas para a História do Nordeste / José Romero de Araújo

Cardoso. João Pessoa: Ideia, 2015. 119p.

ISBN 978-85-7539-961-3 1. História – Nordeste - Brasil

CDU 625

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S U M Á R I O

AGRADECIMENTOS

Agradeço de todo coração a gentileza e o empenho do nobre amigo e colega,

nordestinófilo de primeira grandeza, Professor Francisco Pereira Lima, pelo prefácio deste

trabalho que, afinal de contas, tem o Nordeste como palco maior de todos os escritos nele

contidos.

Ao distinto amigo, colega e compadre, Professor Benedito Vasconcelos Mendes,

sábio do semiárido, com quem tenho aprendido muito nesses anos de convivência salutar.

À Geógrafa e Pedagoga, Especialista em Economia Solidária, Marcela Ferreira

Lopes, por quem o coração pulsa forte.

À Professora Marinalva Freire da Silva, grande incentivadora, grande defensora dos

Direitos Humanos, organizadora da obra, amiga de todas as horas, verdadeiro anjo de Luz

que Deus enviou para contribuir no meu soerguimento depois de tantas provações.

A Clemildo Brunet de Sá, Francisco Alves Cardoso e Ignácio Tavares de Araújo.

A José Romero Araújo Cardoso Júnior, Jerônimo Vingt-un Menandro Cardoso e

Mariza Cavalcante Cruz e Maria de Lourdes Araújo Cardoso (In memoriam).

A todos que dividem comigo o estudo sobre a grande região nordestina.

A todos os que fazem a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

O Autor

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S U M Á R I O

S U M Á R I O

ROMERO CARDOSO: uma inteligência rara!................................................................................... 6 Clemildo Brunet

APRESENTANDO NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DO NORDESTE DE JOSÉ ROMERO

CARDOSO .......................................................................................................................................... 9 Francisco Alves Cardoso

PREFÁCIO ....................................................................................................................................... 12 Francisco Pereira Lima

A CIVILIZAÇÃO DO COURO ....................................................................................................... 14

O HEROÍSMO DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS ..................................................................... 16

OS ANTIGOS ALMOCREVES ....................................................................................................... 18

ABOIO DOS VAQUEIROS: PATRIMÔNIO IMATERIAL DO NORDESTE .............................. 20

A GRANDE SECA DE 1877-1879 .................................................................................................. 22

RIO PRETO: HUMILHAÇÃO, ÓDIO E CRIMES HEDIONDOS ................................................. 24

CANUDOS: GUERRA DESUMANA E CRUEL ............................................................................ 26

PAJEÚ: O GRANDE ESTRATEGISTA DA GUERRA DE CANUDOS ....................................... 30

TROPEIROS DA BORBOROREMA: AVENTURA ALMOCREVE PELAS VEREDAS DA

TERRA DO SOL .............................................................................................................................. 33

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS SECAS NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO .................. 35

DELMIRO GOUVEIA E O SONHO DE INDUSTRIALIZAR O SEMIÁRIDO ............................ 39

O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A “INDÚSTRIA DAS SECAS”................................................. 41

OUSADO ATAQUE CANGACEIRO A SOUSA-PB, EM 27 DE JULHO DE 1924 ..................... 43

MEIA-NOITE E O FOGO DO SÍTIO TATAÍRA ............................................................................ 49

A VINGANÇA DE LAMPIÃO CONTRA O “CORONEL” ZÉ PEREIRA .................................... 53

LAMPEÃO, SUA HISTÓRIA: OBJETIVOS DA PRIMEIRA BIOGRAFIA ERUDITA DO “REI

DO CANGAÇO” .............................................................................................................................. 56

CORONEL MANUEL BENÍCIO: COMANDANTE PARAIBANO DE FORÇAS VOLANTES . 59

A COLUNA PRESTES EM PIANCÓ-PB E A MORTE DO Pe. ARISTIDES ............................... 61

O TRUCIDAMENTO DO CANGACEIRO JARARACA EM MOSSORÓ .................................... 65

ASSASSINATO DO PRESIDENTE JOÃO PESSOA ..................................................................... 69

PRINCESA-PB: MAIOR MANIFESTAÇÃO DE INSURGÊNCIA DO MANDONISMO

LOCAL ............................................................................................................................................. 71

A GRANDE SECA DE 1932 ............................................................................................................ 75

MÉTODOS DE SANGRAMENTOS UTILIZADOS POR VOLANTES E CANGACEIROS ...... 77

A ESTRELA OCULTA DO SERTÃO ............................................................................................. 80

A IMPORTÂNCIA DO CORDEL EM SALA DE AULA ............................................................... 83

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S U M Á R I O

BENJAMIN ABRAHÃO E A INVOLUNTÁRIA CONTRIBUIÇÃO PARA A EXTINÇÃO DO

CANGAÇO ....................................................................................................................................... 85

GILBERTO FREYRE E A ESSÊNCIA DO IMPOSSÍVEL ............................................................ 88

DRAMA DA FOME: FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO

CURAR ............................................................................................................................................. 90

A BATALHA DE VINGT-UN ROSADO EM DEFESA DA PESQUISA DE PETRÓLEO NA

BACIA POTIGUAR ......................................................................................................................... 94

JOSUÉ DE CASTRO E A OUSADIA DE DENUNCIAR UM TEMA AINDA PROIBIDO ....... 104

A MORTE DE JOSUÉ DE CASTRO NO EXÍLIO ........................................................................ 107

LUIZ “LUA” GONZAGA .............................................................................................................. 110

NOTAS SOBRE O MUSEU DO SERTÃO DA FAZENDA RANCHO VERDE (ESTRADA DA

ALAGOINHA - MOSSORÓ/RN) .................................................................................................. 112

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 115

UM OLHAR SOBRE AS NOTAS DA HISTÓRIA DO NORDESTE DE ROMERO

CARDOSO ...................................................................................................................................... 117 Marinalva Freire da Silva

POSFÁCIO ..................................................................................................................................... 119 Archimedes Marques

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S U M Á R I O

ROMERO CARDOSO: uma inteligência rara!1

Clemildo Brunet2

Bom seria que nós, seres humanos, estivéssemos sempre prontos a falar coisas

boas de nossos semelhantes e assim estaríamos cumprindo a recomendação do

apóstolo Tiago quando diz: “Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do

irmão ou julga a seu irmão fala mal da lei e julga a lei; ora, se julgas a lei, não és observador da

lei, mas juiz”(Tiago, 4:11).

Apesar de haver nascido em Pombal, a minha aproximação com o dileto

amigo Romero Cardoso, dista de uns dez anos aproximadamente. Foi através de

entrevistas concedidas por ele em nossas emissoras de rádio, que conseguimos

firmar nossa amizade. É que a comunicação entre as pessoas tem esta magia.

Conversa vai, conversa vem, vamos através do diálogo, estabelecendo um elo de

conhecimento. Romero Cardoso nasceu em 28 de setembro de 1969, na cidade

Pombal Estado da Paraíba, filho de Maria de Lourdes Araújo Cardoso e Severino

Cruz Cardoso. Menino de origem humilde, segundo ouvi falar, muito travesso,

comum à idade semelhante aos demais de seu tempo. Por intermédio do esforço de

suas tias ou primas, começou a frequentar o banco escolar numa preparação para a

vida.

Graduou-se em licenciatura em geografia pelo Departamento de Geociências do

Centro de Ciências Exatas e da natureza da Universidade Federal da Paraíba, campus

I, João Pessoa PB. Cursou Especializações em Geografia e Gestão Territorial e em

organização de arquivos. Submeteu-se no ano de 1998 a concurso público para docente

do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da

1 [email protected]: http://clemildo-brunet.blogspot.com/ FONTE: http://clemildo-brunet.blogspot.com.br/2007/08/romero-cardoso-uma-inteligncia-rara.html

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S U M Á R I O

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Central, Mossoró RN,

obtendo o primeiro lugar.

É professor Assistente-IV. Concluiu, em julho de 2002, mestrado em

desenvolvimento e meio ambiente-PRODEMA-UERN, com dissertação versando

sobre a importância da caprinovinocultura em assentamentos rurais de Mossoró-RN.

Romero Cardoso é assessor da Fundação Vingt-un Rosado “Coleção Mossorense”,

onde fez o lançamento dos seguintes livros: Nas Veredas da Terra do Sol (1996), Terra

Verde, Chapéu de Couros, e outros ensaios (1996), Aos Pés de São Sebastião – Novela

Sertaneja (1998), Fragmentos de Reflexões-Ensaios.

Selecionados (1999), A descendência de Jerônimo Ribeiro Rosado e Francisca

Freire de Andrade – A família de Menandro José da Cruz (2001).

Essa inteligência rara, Romero Cardoso, é autor de inúmeras plaquetas, a

exemplo de Mossoró e a Resistência a Lampião (2002) e de Maria do Ingá a Maringá

(2003). É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do

Norte, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Estudos do

Cangaço e Sócio da Associação Paraibana de Imprensa, além de sócio fundador do

Grupo Benigno Ignácio Cardoso D’Arão. Estudioso do semi-árido nordestino e dos

movimentos sociais desta região, sempre na defesa, em busca de tecnologias que

permitam melhor convivência do homem com os problemas regionais. Podemos dizer,

com certeza, que Romero Cardoso é justamente aquele pensamento do apóstolo Paulo,

quando afirma: “Quando era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava

como menino: quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino”(I Coríntios,

13:11).

José Romero Araújo Cardoso em atividades docentes na sala de reuniões do

Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Central, Mossoró – RN.

Na última entrevista que me deu em 2004, no meu Programa: “Saudade Não

Tem Idade” na Rádio Opção 104 FM de Pombal, pude observar bem, nos gestos e

palavras de Romero Cardoso, a sua inquietação e desenvoltura própria dos

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homens destros, tendo na ponta da língua a resposta de todas as perguntas a ele

dirigidas, aproveitando os intervalos acendia o cigarro e ia fumar lá fora.

Romero Cardoso é uma pessoa simples e muito popular, reside em Mossoró, Rio

Grande do Norte, quando vem a Pombal, procura saber das coisas da terra com o

maior interesse, sempre almejando o melhor para a sua urbe, principalmente no que

diz respeito à preservação do patrimônio histórico de sua cidade natal e o seu

desenvolvimento, para que ela venha se tornar cada vez mais, uma cidade próspera no

setor comercial e Industrial, além do seu significado em termos de cultura.

Foi de Romero que ouvi pela primeira vez, que eu, era descendente direto do

grande naturalista francês Louis Jacques Brunet, cientista renomado que foi o

responsável pela descoberta e fomento na condução da carreira do maior artista

plástico paraibano, o areiense Pedro Américo. Romero Cardoso, esta homenagem que

lhe presto, não é simplesmente por ser seu amigo, poderia haver até razão de ser. Mas

não é por esse lado. A verdade é que desde o dia em que travamos o nosso primeiro

diálogo, descobri a suficiência de sua capacidade e a maneira simples como você a

expressa: Sem vaidade e sem orgulho. Daí a razão do título deste artigo. Romero

Cardoso: Uma Inteligência Rara!

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S U M Á R I O

APRESENTANDO NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DO NORDESTE DE JOSÉ ROMERO CARDOSO

Francisco Alves Cardoso1

Ao escrever e lançar a mais encantadora toada intitulada “Asa Branca”, em 1947, a

dupla Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga já alertava as autoridades brasileiras para as

catástrofes da seca no Nordeste, e num grito desafiador do mais fundo do peito pedia

socorro ao Supremo Criador de todas as coisas: “Quando oiei a terra ardendo, qual

fogueira de São João, eu preguntei, ai, a Deus do céu, porque tamanha O jovem e

renomado escritor paraibano José Romero Araújo Cardoso no seu novo livro “Notas para

a História do Nordeste” , busca com força, na sua intocável destreza mental colocar em

ação grandes figuras do mundo sábio, corajoso e defensor do nosso sofrido torrão

nordestino, provando a luta de cada um para tornar esse quase país, em igualdade de

condições às demais regiões brasileiras muito bafejadas pelo governo central, numa

demonstração do desprezo para com os estados nordestinos que contam com cinquenta e

três milhões, oitenta e um mil e Esboçando uma força gigante do peito revoltado, Romero

grita contra “o drama da fome, feridas abertas que os poderosos insistem em não curar”.

Em termos de cultura, o Nordeste é rico nos seus mais diversos tipos, mesmo

esmagada, algumas, pelo fogo aterrorizante dos capatazes do poder, mesmo assim continua

viva para o desenvolvimento da Pátria. A cultura religioso-desenvolvimentista, patrocinada

pelo Padre Cícero Romão Batista e seus romeiros, do Juazeiro do Norte cresce a cada

instante, porque é obra pura, cristalina que transforma aquela terra forte com o crescimento

do seu movimento artístico. Nem mesmo a força dos canhões do governo Franco Rabelo, à

época, fez os ciceristas se renderem. Continuaram unidos e fortes na defesa dos seus A

cultura viva transmitida por Luiz Gonzaga, defendendo o território nordestino, sua fauna,

sua flora, nosso povo e nossa arte imbatível continua em expansão no Brasil inteiro,

1 Advogado, escritor, jornalista e cronista social. Membro da União Brasileira de Escritores-PB

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superando os arrojos de regiões outras que teimam em não aceitar a nossa força sempre

vitoriosa.

As secas continuam, e agora a gravidade é muito maior. Os alimentos são possíveis,

mas a água parece que não tem remédio. O governo federal continua a propaganda

enganosa da Transposição do Rio São Francisco. Mas tudo isso não passa de uma farsa

pregada somente às vésperas das eleições presidenciais de quatro em quatro anos,

desprezando a inteligência e a capacidade de entender que José Romero enaltece um dos

mais brilhantes movimentos culturais nordestinos, na atualidade, o cordel que está tomando

conta das salas de aula, dos terreiros das fazendas, das promoções juninas. E juntamente a

essa legenda cultural, a poesia, que neste ano de 2014 realiza através de um grande festival,

o III CONPOZAGÃO – Concurso de Poesia em Homenagem a Luiz Gonzaga e seus

seguidores, promovido pelo Parque Cultural “O Rei do Baião”, na Comunidade São

Francisco, município de São João do Rio do Peixe-Paraíba. O I CONPOZAGÃO foi

publicado no livro “Gonzagão: O Centenário em Poesia”.

Louvo, neste livro de Romero a coragem e a profundidade estudiosa de buscar

ensinamentos de obras sobre a democracia racial de Gilberto Freire, a dramaticidade da

violência do cangaceirismo, sob a égide de Lampião. E detalhes sobre o brutal assassinato

do Padre Aristides, pela Coluna Prestes, em Piancó-Nas visitas que fiz recentemente a

cidade de Quixeramobim, estado do Ceará fiquei entusiasmado com a movimentação

daquele povo em favor da eternização do nome de Antônio Conselheiro, na sua terra natal.

É o reconhecimento da sua gente ao heroísmo do Conselheiro. O sentido amoroso de

cultura entre os quixeramobienses crescem a cada dia pela lembrança do filho mais ilustre.

Louvo as campanhas promovidas pelo produtor cultural Fernando Ivo, Presidente do Fã

Clube Romero já está colocado entre os maiores e melhores escritores do Brasil, e com o

lançamento de “Notas para a História do Nordeste” imortaliza o grau cultural que nossa

região proclama e o Brasil exalta.

Tem razão o escritor Clemildo Brunet quando afirma ser “Romero Cardoso - uma

inteligência rara”, e Marinalva Freire que eleva o grau cultural do nosso escritor. Não se

pode falar da obra de Romero sem lembrar fervorosamente a capa do livro, pelo espírito de

criatividade juntando monstros sagrados como Luiz Gonzaga e Padre Cícero, retirantes

saindo das várzeas secas buscando o solo fértil, vaqueiro na corrida pelo boi, as árvores do

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mundo novo e o castigo das mortas pela falta de chuvas nesse Nordeste tão esquecido pelo

poder dos homens e sempre exaltado por líderes inesquecíveis como: Raimundo Asfora,

Delmiro Gouveia, José Américo de Almeida, Vint-un Rosado, Josué de Castro e Ariano

Suassuna.

Junto a Romero as palavras de um dos maiores paraibanos, Senador Argemiro de

Figueiredo sobre a seca: “A seca destrói tudo, as lavouras, os rebanhos, o patrimônio, a

tranquilidade, o bem estar, a esperança e até a própria dignidade A respeito da consciência

da nossa região, Argemiro fala com propriedade: “O Nordeste tem nesta hora uma

consciência formada: a consciência de que é um pedaço do Brasil. A consciência de que é

uma parcela da Nação. A consciência de que merece viver dignamente, sem fome e sem

miséria”.

É assim, José, temos que ser fortes, corajosos, dinâmicos, livres, prontos para todas

as batalhas, criativos como o “Caldeirão Político”, que homenageia os heróis nordestinos

com o Troféu “Vencedor de Todas as Lutas”.

Temos que seguir ensinamentos seus, reconhecendo o valor da civilização do couro,

o heroísmo das parteiras tradicionais, como a querida “Mãe Fulô”, a luta dos almocreves, o

aboio dos vaqueiros. Temos de vencedores de todas as lutas, para fazer os nossos irmãos

nordestinos livres e independentes.

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S U M Á R I O

PREFÁCIO

Prof. Francisco Pereira Lima1

Recebi, com grande satisfação, o convite do amigo, professor e escritor, José

Romero Araújo Cardoso, para editar e prefaciar este seu, mais recente, trabalho, “Notas

para a história do Nordeste”. Cumpri essa incumbência honrosa, com grande prazer, apenas

reconhecendo as minhas limitações, no cumprimento de tão importante missão.

Escrever sobre a história e a cultura nordestina é dissertar a complexidade, os

meandros de milhares de fatos, personagens, fenômenos e manifestações artísticas e

literárias, que abrangem os fatores políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, que

marcaram profundamente a nossa região.

O grande desafio é levar a nossa história às mesas de leitura, estudos e debates,

tornando-a conhecida pela maioria dos nordestinos, especialmente, os estudantes. A missão

não é fácil, mas é nosso dever lutar por este objetivo.

Dando a sua contribuição, nesse sentido, o professor e escritor Romero Cardoso,

um amante da história regional, abnegado estudioso e exímio escritor das nordestinidades,

escreveu uma série de artigos relacionados ao Cangaço, Coronelismo, Coiteiros, Canudos,

Lampião, Revolta de Princesa, personagens e tradições regionais, como Luiz Gonzaga, os

Almocreves, os Vaqueiros, as Parteiras, o fenômeno das secas, entre outros e publicou em

sites, blogs, jornais e revistas. Agora, resolveu nos presentear, reunindo parte deste material

e outros artigos inéditos, num livro (Coletânea) com o título “Notas Para a História do

Nordeste”.

O objetivo deste trabalho fica bem claro, que é contribuir com o estudo da nossa

História, evitando que a ferrugem do tempo apague essas memórias, tão bem elaboradas

por meio desses excelentes artigos.

1 Membro da SBEC. Conselheiro do Cariri Cangaço.

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Em alguns artigos, o autor fez uma análise mais aprofundada, fundamentada

teoricamente; em outros, a dissertação foi mais superficial, sem o aprofundamento

merecido, mas sem prejudicar a mensagem do autor referente ao tema tratado.

A clarividência e objetividade com os seus escritos é uma característica marcante

deste escritor paraibano de Pombal, adotado por Mossoró.

A obra de José Romero inicia falando da Civilização do Couro nos séculos XVIII,

XIX e início do séc. XX; continua falando das nossas parteiras e dos Almocreves. Defende

que o Aboio dos vaqueiros deve ser considerado patrimônio do Nordeste. Trata da grade

seca de 1877-1879, uma catástrofe. Em seguida, descreve a saga do famigerado Rio Preto,

que agiu na região de Pombal-PB. Comenta os possíveis motivos da sua personalidade

perversa e cruel. Seus crimes e seu fim. Na sequência, vem a Guerra de Canudos, um

massacre injustificável, onde foram dizimadas milhares de vida de conselheiristas e de

militares. Trata também do estrategista de guerra, “Pajeú”. Passeia pela história de um dos

grandes visionários e progressistas do Nordeste, o industrial Delmiro Gouveia. Entra na

História do Cangaço, com o Ataque a Sousa-PB, em 1924, reação do Cel. Zé Pereira, o

assassinato de Meia-Noite e a vingança de Lampião. Fala da Coluna Prestes, em Piancó, e o

caso Padre Aristides, em 1926. Vem a Revolta de Princesa, o assassinato do presidente

João Pessoa e a Revolução de 30. É um verdadeiro passeio nas veias, veredas e recantos da

terra do sol. Mostra-se emocionado ao descrever a experiência de assistir ao show do Rei

do Baião, quando ainda pequeno, em praça pública, na sua querida cidade de Pombal-PB,

no ombro do seu pai, que era fã de Luiz Gonzaga e finaliza, fazendo uma referência

especial ao seu grande amigo Dr. Benedito Vasconcelos e seu Museu do Sertão, na fazenda

Rancho Verde, em Mossoró.

Recomendo a todos, a leitura desta coletânea e desejo muito sucesso ao autor no

lançamento deste seu trabalho.

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A CIVILIZAÇÃO DO COURO

A civilização do couro, conforme definição do historiador Capistrano de Abreu,

objetivava abastecer com os produtos da pecuária o mercado interno, pois as áreas

valorizadas pelo capital mercantil não tiveram condições concretas de cumprir qualquer

ênfase à própria sobrevivência, seja de oprimidos ou de opressores.

As classes abastadas que povoaram os sertões nordestinos tinham na quantidade de

gado bovino sinônimo de status socioeconômico, enquanto aos menos privilegiados restou

o consolo de criar pequenos animais domesticados, como cabras e bodes, motivo pelo qual

se formaram as denominadas raças nativas, como Moxotó, Morada Nova e Canindé,

resistentes às secas e adaptadas extraordinariamente ao meio ambiente inóspito, cujo

suporte forrageiro, em geral, encontra-se nas plantas das caatingas.

No sertão nordestino, o couro passou a fazer parte do dia-a-dia, pois quase tudo era

feito dessa matéria-prima de origem animal. As cadeiras, os alforjes, as mesas, os gibões,

os chapéus, enfim, a cultura sertaneja passou a utilizar o couro em quase tudo que era

confeccionado, usado cotidianamente pelos sertanejos em afazeres, alimentação, conforto

etc.

Quando das grandes secas era comum usar o couro como recurso alimentício a fim de

tentar sobreviver aos rigores das intempéries. A estiagem histórica de 1877-1879 marcou

significativamente o uso do couro para a alimentação do sertanejo, o qual antes era

utilizado para deitar-se, sentar-se ou enfrentar os espinhos da vegetação caatingueira.

O manuseio com o gado, do qual o couro é retirado, fez surgir verdadeiros artesãos

nas quebradas dos sertões distantes. Artistas populares anônimos proliferaram, assim como

as feiras de gado, executando trabalhos hábeis que ainda hoje marcam de forma

extraordinária a cultura sertaneja.

Mãos calejadas passaram a fabricar selas, chapéus, relhos, sandálias etc., os quais se

tornaram indispensáveis para enfrentar a vida dura no sertão, simbolizando em muitos

casos a própria tradição da região. Vaqueiros e cangaceiros adotaram indumentária própria,

confeccionada com o couro. Incontestáveis obras de arte foram feitas a partir do

tecido animal, exemplificado através dos chapéus-de-couro dos mais proeminentes chefes

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de cangaço que palmilharam o sertão nordestino. O campeador de gado do sertão

nordestino, por sua vez, difere de seus congêneres espalhados pelo país, pois a roupa com a

qual enfrenta as dificuldades da labuta diária, condicionada pelos desafios impostos

pela vegetação extremamente agressiva, dotada de espinhos afiados e cortantes, exige

dureza e rusticidades, as quais são conseguidas comas vantagens que o couro oferece.

Diferenciada das demais formas civilizatórias que fomentaram a ocupação do

território nacional, a formada no sertão nordestino assumiu compleição própria em função

das condições adversas de clima e vegetação que propiciada pela razão econômica da

expansão em direção aos sertões distantes, repletos de perigos e incertezas, moldou o

caráter do homem sertanejo ao longo dos séculos que embasaram a formação da civilização

do couro.

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O HEROÍSMO DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS

O isolamento e a ausência da ação do Estado em diversas regiões do globo tornaram

imprescindível o trabalho das parteiras tradicionais, sendo a maioria detentora de

conhecimentos empíricos transmitidos de geração a geração, pois a preservação das

técnicas de como realizar partos de forma mais eficiente possível vem possibilitando a

salvação de inúmeras vidas nos quatro cantos do mundo, razão pela qual o cinco de maio é

internacionalmente dedicado a essas heroínas anônimas.

Embora percentual majoritário de quem se dedica ao trabalho de viabilizar a vinda de

uma nova vida ao mundo seja do gênero feminino, existem registros em diversas regiões de

parteiros realizando essa missão humanitária.

A zona rural é tradicionalmente desassistida pelos programas de saúde, motivo pelo

qual as parteiras ainda exercem forte influência nas sociedades tradicionais quando

mulheres começam a demonstrar os sinais inconfundíveis de que estão prestes a ter seus

filhos, principalmente quando os partos se mostram complicados.

Esquecendo os perigos que rondam a calada das noites, concentradas apenas na

certeza de que a presença imediata é indispensável, as profissionais leigas não medem

distância a fim de enfatizar seu ofício intuindo salvar vidas.

Técnicas em grande proporção eficientes, aprendidas com antepassados, são postas

em prática e, dependendo do caso, logo alcançam o objetivo que fizeram das parteiras

tradicionais figuras respeitadas em suas comunidades, não obstante a imensa maioria não

desfrutar de melhores qualidades de vida, vivendo em condições semelhantes às famílias

que assiste.

Gonzagão, embora desgostando a viúva do autor da música, devido às modificações

profundas que realizou na canção, imortalizou a importância dessas heroínas anônimas

interpretando com invulgar perfeição "Samarica parteira", composição fruto da genialidade

de Zé Dantas, o qual como médico obstetra, nativo do semiárido, nascido em uma região

carente e esquecida do sertão pernambucano, sabia perfeitamente das dificuldades que a

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S U M Á R I O

sertaneja enfrenta devido a ausência de profissionais da medicina, fato que infelizmente

persiste até os dias de hoje.

O trabalho realizado pelas parteiras tradicionais no nordeste brasileiro também é

marcado pelas superstições, tendo em vista que muitas dessas profissionais práticas se

inspiram no ciclo lunar para poder realizar partos.

A religiosidade também se faz presente, pois oração como a Salve Rainha é feita

antes de começar o trabalho de assistir as mulheres nos partos. Caso a parteira erre a reza

significa que a parturiente deve ser imediatamente conduzida para lócus apropriado que

disponha de condições suficientes para evitar que mãe e filho/a não sejam salvos.

Regiões extremamente carentes no setor de saúde, a exemplo do Norte e do Nordeste,

ainda contam de forma expressiva com o trabalho das parteiras tradicionais para realizar

partos em mulheres.

Heroínas anônimas, indispensáveis na ênfase em salvar vidas, as parteiras

tradicionais precisam ser reconhecidas e valorizadas em razão do grande trabalho social que

vem exercendo ao longo dos séculos, sobretudo, quando se intensificam as diferenças inter-

regionais em razão que as diferenças ainda não foram solucionadas, principalmente na área

de saúde, a qual deve nortear prioridade de forma democrática e humana em qualquer

plataforma governamental que obrigatoriamente deva prezar o bem-estar da população em

sua totalidade.

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OS ANTIGOS ALMOCREVES

Mossoró já foi um dos mais extraordinários pólos de crescimento que o semiárido

nordestino já registrou em sua espacialização geográfica, convergência de boa parte da

produção sertaneja dos vizinhos Estados do Ceará e da Paraíba, além de sua órbita

gravitacional, as cidades circunvizinhas.

Algodão, peles, couros e cera de carnaúba, além de sal e gesso, eram exportados

pelas inúmeras casas especializadas, facilmente encontradas no município, sucessoras da

saga comercial do negociante suíço Johannes Ulrick Graff.

A produção sertaneja contava com imprescindíveis agentes econômicos, responsáveis

pelo transporte dos bens obtidos com as atividades econômicas do semi-árido. Eram os

almocreves de outrora, os tangerinos ou comboieiros, os quais saíam com tropas de burros

dos mais distantes lugares, trazendo seus fardos de pele e algodão.

Provinham de todos os recantos do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Ceará.

Após dias de exaustivas caminhadas pelas trilhas toscas e de difícil acesso, chegavam

cansados, famintos e estropiados em Mossoró, onde escolhiam seus melhores compradores.

Em inúmeros casos almocreves, comerciantes e industriais firmavam, além de negócios,

laços coesos de amizade e compadrio. Lembremos o exemplo de Argemiro Liberato de

Alencar, almocreve paraibano, natural de Pombal, compadre e amigo íntimo do “Coronel”

Rodolfo Fernandes, responsável pelo primeiro aviso a Mossoró de que Lampião intuía

atacar a cidade em 1927.

Graças aos almocreves, muito da prosperidade desfrutada pela capital do oeste

potiguar pôde ser efetivada, sobretudo durante os anos áureos do boom da economia do

semi-árido, durante a década de 20 do século passado. O término da guerra urgiu a

necessidade de se reconstruir a velha Europa, devastada pelo conflito. Posteriormente,

registrou-se a catástrofe da Bolsa de Nova York em 1929, da qual surtiu efeito contundente

sobre a economia da região.

Campina Grande, Estado da Paraíba e Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte,

rivalizam quanto ao grau de importância dos velhos almocreves para a economia local, em

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determinada época. A primeira já rendeu seu tributo aos bravos tangerinos dos pretéritos

tempos e lucra extraordinariamente com isso. Exemplo maior encontra-se no

reconhecimento internacional ao grupo Tropeiros da Borborema, oriundo da magnífica

composição de Raimundo Yasbek Ásfora e Rosil Cavalcante, imortalizada em esplêndida

interpretação de Luiz “Lua” Gonzaga.

Monumento em Campina Grande, além de destaque em museu, embora referente ao

algodão, denotam a reverência dos paraibanos a um dos mais importantes elos da cadeia

produtiva da economia sertaneja.

Mossoró, por sua vez, ainda não despertou para a importância de resgatar os

almocreves, deixando testemunho, como legado à posteridade, de um marco histórico de

uma época em que a fome e a sede imperavam nas estradas poeirentas do sertão, embora

não maiores que a obstinação de buscar sobreviver à inclemência das dificuldades naturais

e artificiais da hinterlândia.

A terra de Santa Luzia precisa fomentar com urgência esse reparo enquanto tributo

de gratidão àqueles que trouxeram tantas riquezas que deram posição de destaque regional,

nacional e internacional ao País de Mossoró durante boa parte do século XX, refletindo-se

no presente através dos marcos indeléveis no imaginário popular transmitido de geração a

geração.

Seguir os passos de Campina Grande, imitando sua originalidade e pioneirismo, pode

representar futuros investimentos em turismo e cultura, pois a história é um alicerce

irremovível na assistência a projetos futuros.

Em um tempo em que os transportes de grande calado, que comportassem o volume

da produção, eram escassos ou quase inexistentes, esses agentes econômicos marcaram

significativamente o cotidiano das terras semi-áridas, contactando centros civilizados com

os mais recônditos rincões esquecidos do vasto mundo das caatingas e dos carrascais.

Homenageá-los significa recuperar parte de nossa memória, se evitando dessa forma

que suas lutas e o estoicismo em vencer obstáculos de um sertão tenaz e indomável de

outrora caiam no ostracismo imposto pela aculturação que se propaga e faz as gerações

atuais e futuras tenderem a esquecer as raízes e os valores das veredas da terra do sol.

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S U M Á R I O

ABOIO DOS VAQUEIROS: PATRIMÔNIO IMATERIAL DO NORDESTE

Os semitas tiveram papel impressionante na formação étnico-cultural do homo

nordestinus.

Os judeus, perseguidos pela inquisição, principalmente depois da expulsão dos

holandeses do nordeste canavieiro, refugiaram-se em lugares ermos nos confins do sertão,

transmitindo de geração a geração traços identificadores da cultura desse povo, a exemplo

do registrado na genealogia e na cultura do núcleo cristão-novo de Venha-Ver, localizado

no alto oeste do Estado do Rio Grande do Norte.

Os árabes, parentes próximos dos descendentes de Abraão, em virtude de procederem

da linhagem de Ismael, também filho do patriarca, legaram ao nordestino a mais fantástica

das sonoridades regionais – o aboio. Nas quebradas do sertão não há como deixar

imperceptível a passagem de uma boiada conduzida por vaqueiros. O ambiente se enche

dos ecos da tradição com o aboio dos tangedores do gado que corre célere na poeira que se

levanta a inundar o ambiente marcante da quentura do sertão.

O aboio está salvo da aculturação? Com os números apresentados pelo último censo

demográfico, quando uma cidade de porte médio como Mossoró apresenta um percentual

de 93,1% de sua população total habitando a zona urbana, segundo o Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) conforme diversos censos realizados, os quais atestam a

permanência, com pequena alteração, do percentual estatístico. Assim, os vínculos com o

campo vão se perdendo gradativamente.

Certa vez, dirigindo pelas inúmeras estradas de barro existente na capital do oeste

potiguar, dei passagem para uma boiada. Qual espanto quando o vaqueiro apareceu

montado em uma bicicleta tangendo o gado? Isso demonstra como a modernidade tem

influenciado nas tradições nordestinas, sobretudo as que caracterizam o semiárido.

Ouvir caprichado aboio de vaqueiro é o mesmo que sentir no peito pungente

saudade da saga heróica de Luiz Gonzaga, buscando a lembrança oportuna de Raimundo

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Jacó, campeador de gado das caatingas pernambucanas, covardemente assassinado, mas

que está imortalizado em culto à sua memória, o qual extrapolou os limites de sua região.

Poucos sabem, nos dias de hoje, sobre a poesia que sai das cordas vocais de um

aboiador, penalizado pelo rigor de uma seca castigante que destrói vidas. A linguagem dos

sons, dos gestos, da cadência e do ritmo do guturalismo que as gargantas cansadas já não

emitem com tanta precisão é como uma prece de resistência às mudanças bruscas e

vertiginosas que atingem as tradições da pecuária nordestina.

A mídia dita regras de conduta, elevando ao panteão falsos defensores do nordeste

brasileiro, os quais intercalam pretensa divulgação das tradições culturais com os ecos da

modernidade. Causa pena e revolta ver o povo nordestino se rebolando ao som de guitarras

que se articulam com instrumentos tradicionais como a sanfona, o triângulo e a zabumba.

Defendo com veemência que o aboio dos vaqueiros seja elevado à categoria de patrimônio

imaterial do nordeste brasileiro, pois personifica magistralmente a acústica laborativo-

cultural de um povo forte e heróico.

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S U M Á R I O

A GRANDE SECA DE 1877-1879

Há cento e trinta e seis anos, efetivava-se gênese de implacável prova de fogo

enfrentada pelo povo do semi-árido nordestino, de cujos rigores atingiram zonas úmidas e

pouco afetadas pela ação inexorável do inconstante vento alíseo de nordeste, responsável

majoritário pelos fenômenos cíclicos de estiagem que vez por outra castigam violentamente

grande parte do interior nordestino.

Coincidentemente, quando da seca de 1877-1879, foi registrado impressionante

aquecimento das águas do pacífico sul-americano, devido incríveis erupções vulcânicas

submarinas no círculo do fogo que circunda o continente americano. A relação El Niño –

secas no nordeste brasileiro só foi enfatizada recentemente.

Aflição inenarrável tomou de conta da desvalida população nordestina, bem como da

região norte de Minas Gerais, onde a espacialização no vale do Jequitinhonha se efetivou

condicionada pelos rigores das secas, impactando também, de forma implacável, o modus

vivendi do povo imortalizado pela literatura de João Guimarães Rosa.

Inúmeras dificuldades impediram a consolidação de auxílios pelo governo imperial,

clamados de forma angustiante pelo povo que sofria com as calamidades indescritíveis.

Proliferaram os casos de antropofagia, pois até o couro que singulariza a cultura nordestina,

no que tange à produção material, de uso diário, foi consumido pela população faminta.

A biodiversidade, adaptada aos rigores do clima e dotada naturalmente de

experiência para a continuidade da vida, também sofreu implacavelmente com as

conseqüências tétricas da grande seca de marcas indeléveis no século XIX. A falta d’água

fez com que animais perecessem de sede, enquanto a caatinga cinzenta, não obstante o

ensejo da catástrofe natural, mostrou-se resistente, revitalizando-se plenamente quando do

grande inverno de 1880.

Rodolfo Teófilo afirmou que no Ceará mais de trezentas mil pessoas morreram de

fome e sede ou emigraram para a Amazônia e Centro-Sul brasileiros. A descendência de

significativo percentual da população do Estado do Acre confirma tendência nordestina,

principalmente cearense, em buscar sobreviver, quando das secas, emigrando para a região

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norte, fenômeno demográfico que a partir da década de cinqüenta do século XX voltou-se

majoritariamente para a região Sudeste, quando da ênfase à industrialização tardia e

dependente.

O imaginário de fração do povo nordestino, referindo-se aos efeitos e transtornos

provocados pela grande seca de 1877-1879, não obstante a férrea batalha de aculturação

movida pela globalização, ainda se revela marcado por histórias dantescas transmitidas de

geração a geração, embora provas documentais referendem a dramaticidade dos fatos, a

exemplo do caso de antropofagia que convulsionou a pequena localidade de Pombal, estado

da Paraíba, quando do rapto, assassinato e esquartejamento de criança, responsabilidade de

inditosa retirante de nome Donária dos Anjos, de cujo argumento para a prática do ato

bárbaro, quando da inquirição promovida pela justiça, alegou fome insuportável como

motivo do hediondo crime.

Impossível evitar as secas, mas implantar soluções para a convivência do homem

com a natureza indômita do semiárido deve nortear o ideário dos poderes públicos e

privados, sem esquecer da necessidade pragmática de também priorizar a educação

ambiental, principalmente devido ao atual estágio do processo de desertificação,

disponibilizando dessa forma melhores condições de vida ao povo da civilização das secas,

minimizando assim dramas que são exemplificados através das inúmeras provações,

quando da grande seca de 1877-1879, enfrentadas pelo gênero humano que desafia as

causticantes intempéries da porção semiárida brasileira.

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S U M Á R I O

RIO PRETO: HUMILHAÇÃO, ÓDIO E CRIMES HEDIONDOS

Luiz era seu nome de batismo, mas foi imortalizado tragicamente nas crônicas da

violência do século dezenove pelo apelido cangaceiro de Rio Preto. Não tinha bando

próprio, agia sozinho, pois preferiu destilar seu ódio solitário pelas quebradas do sertão.

Luiz nasceu em Pombal (PB), foi criado, melhor dizer acolhido na humilhação

extrema, pelo sacerdote católico Amâncio Leite, que não poupou em nenhum momento o

pobre Luiz das mais vexatórias e ignominiosas manifestações de escárnio visando

massagear ego doentio condicionado pelo histórico racismo que marca o imaginário de

pessoas sem formação e detentor de falsa devoção a Deus, que não difere negros, brancos,

amarelos ou vermelhos.

Não seria de estranhar que nêgo Luiz despertasse revolta incontida contra a sociedade

de sua época. Ganhou as caatingas sertanejas feito fera bravia sem limites para a violência

que disseminou. Sequestrava mocinhas brancas, seviciava-as e depois de torturá-las ao

extremo, reservava-lhes morte cruel e desumana. O covil no qual se homiziava era cheio de

ossos dessas infelizes que tiveram a desdita de cair em suas garras tenebrosas. Imitava com

invulgar perfeição o rincho de um jumento, razão pela qual o terror era instalado no coração

das pessoas quando ouviam o som estridente do animal que conduziu Jesus quando da fuga

para o Egito, fugindo das perseguições romanas impostas por Heródoto.

Rio Preto foi um cangaceiro semelhante a Lucas da Feira, cuja perversidade marcou

época na Bahia. O modus operandi de ambos foi marcado pela ferocidade como agiam, pela

forma como extravasou o ódio contra as estruturas da sociedade de suas épocas. Diziam

que Rio Preto tinha feito pacto com o demônio, pois se propalou que o cangaceiro era

imune a facas e balas, nada o atingia, pois além de tudo era dotado de “encantamentos”,

transformando-se em tocos ou pedras quando alguma força volante estava em diligência a

fim de capturá-lo. Rio Preto tinha inúmeras mortes nas costas, era o terror de Pombal (PB)

e áreas fronteiriças das Províncias Parahybana e norte-riograndense. A ira implacável de

nêgo Luiz fez muitos sertanejos tremerem de medo durante décadas.

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Afirmo categoricamente que o responsável pela gênese do malvado cangaceiro

paraibano foi o Padre Amâncio Leite. Esse foi o principal responsável pelo terror instalado

no sertão devido a forma extremamente perversa como tratou a criança desde a mais tenra

idade, infringindo-lhe castigos terríveis que forjaram a personalidade doentia e criminosa

de Rio Preto. Mas nêgo Luiz não tinha o corpo fechado como se dizia. Responsável pela

morte de um fazendeiro em Pombal (PB), Rio Preto foi alvo de uma tocaia montada pelos

filhos do sertanejo assassinado.

Chovia aos tântaros quando os adolescentes escalaram os clavinotes em direção ao

cangaceiro. Haviam colocado algodão nas agulhas das armas, para facilitar os disparos na

enxurrada.

A fama de mau de Rio Preto era tão conhecida que os dois rapazes não esperaram

para constatar se havia consumado a vingança. Mas Rio Preto resistiu com estoicismo aos

disparos, sendo encontrado por forças policiais estertorando. Conduzido à cadeia de

Pombal (PB), considerada a mais segura do sertão setentrional, Rio Preto faleceu em uma

das celas, morrendo sem se arrepender dos crimes abomináveis que cometeu em suas

estrepolias violentas pelas veredas da terra do sol.

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CANUDOS: GUERRA DESUMANA E CRUEL

O estopim que acendeu a guerra de Canudos foi mesquinho e abominável, revelando

personalidade doentia e escandalosa de quem perpetrou calúnia hedionda contra os

membros da comunidade mística fundada no adusto sertão baiano, cujas características

quanto às conquistas humanas impressionam devido ao grau de organização, tendo

beneficiado a todos que lá se acomodaram, fugindo da fúria do latifúndio e da prepotência

dos senhores de braço e cutelo que vicejavam de forma proeminente no sertão nordestino

daquela época.

Arlindo Leone, juiz de direito de Juazeiro (BA), forjou mentira de que os

conselheiristas estavam prestes a invadir a cidade, em razão que não havia sido entregue

lote de madeira, comprado e pago regiamente, o qual estava destinado para o término da

construção da igreja nova.

Havia antiga rixa entre o magistrado e o líder carismático-religioso de Canudos.

Conselheiro, certa vez, tinha passado reprimenda no juiz devido vida pregressa levada por

Arlindo Leone, sobretudo com relação ao adultério.

Colocando a população, as autoridades e a imprensa em polvorosa, Leone criou as

condições necessárias para a futura destruição do arraial que mudou a vida de muitos

excluídos nordestinos, pois abrigava gente de várias procedências, ávida por melhores

condições de sobrevivência material e espiritual em um sertão extremamente marcado pela

opressão.

A igreja católica, que também não via o Belo Monte com bons olhos, cerrou fileiras

nas denúncias contra o “reduto fanático”. Anteriormente, relatório elaborado pelo Frei

Monte Marciano, altamente desagradável e cheio de adjetivos caluniosos, profuso na

quantidade de violência verbal inaudita contra os habitantes do arraial conselheirista,

alimentou ainda mais a raiva nutrida pelo clero contra Antônio Conselheiro e seus

seguidores.

A expedição comandada pelo Tenente Pires Ferreira foi ao encontro do povo de

Antônio Conselheiro, atacando e sendo rechaçada violentamente com as toscas armas

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carregadas pelos sertanejos, não obstante o número de mortos ter sido maior entre os

seguidores do Bom Jesus Conselheiro. À frente, antes do ataque covarde, devoto carregava

a bandeira do Divino, sinal de que vinham em paz, apenas querendo exigir o que lhes era de

direito.

Os principais jornais do país começaram a estampar matérias cada vez mais

estapafúrdias contra os conselheiristas. Logo foi organizada outra expedição, dessa vez

mais forte, comandada pelo Major Febrônio de Brito. Nova derrota militar foi conquistada

pelos conselheiristas, sendo que esta resultou na aquisição de certa quantidade de armas e

munição para a luta dos agora guerrilheiros do Belo Monte.

Mentiras, calúnias e difamações começaram a ser exponencializadas contra o arraial,

agora considerado mais que maldito, pois entre as muitas inverdades divulgadas estava

referente que a luta em Canudos estava ligada à tentativa de restituição do regime

monárquico.

Apenas uma voz respeitada se levantou contra a histeria coletiva que se formava em

torno do caso Canudos. Através de espaço que lhe era reservado na imprensa, Machado de

Assis pediu, com profundo humanismo, para que deixassem em paz a gente de Antônio

Conselheiro. Por outro lado, artigo inflamado, disfarçado em profunda cientificidade,

sobretudo com relação ao quadro natural, era escrito por Euclides da Cunha, intitulado

“Nossa Vendéia”.

Indubitavelmente, o artigo de Euclides da Cunha ajudou a inflamar os ânimos

exaltados, pois Vendéia foi o último reduto de defesa da monarquia francesa, tendo

resistido por anos ao assédio militar que representava a nova ordem na França pós-

revolucionária. Euclides da Cunha foi um dos catalisadores da ênfase à necessidade da

destruição de Canudos, não obstante depois, no ano de 1902, ter lançado livro-denúncia,

por título “Os Sertões: Campanha de Canudos”, o qual peca em pontos essenciais, como o

antropológico, tendo lançado difamações e conceitos racistas e maledicentes contra os

sertanejos, mas que muito serviu para bradar contra o massacre, bem como para o

reconhecimento científico do quadro natural do semiárido nordestino.

Havia pouco que tinha terminado o violento governo de Floriano Peixoto. Entre os

ícones da república da espada estava Coronel carniceiro chamado Moreira César, o monstro

que havia sufocado as lutas no sul do país com extrema crueldade. A capital catarinense,

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que antes se chamava Desterro, teve o topônimo mudado para Florianópolis.

A terceira expedição foi confiada a Moreira César. De forma arrogante, o corta-cabeças,

como ficou conhecido o famigerado oficial, chegou com sua tropa nas imediações de

Canudos, destilando desdém contra os conselheiristas. Logo a guarda católica mostrou que

não era de brincadeira, pois comandados por Pajeú, infringiram vergonhosa derrota à

expedição que havia propalado com alarde a fácil destruição de Canudos, de forma

imediata e fulminante, tendo divulgado na imprensa que não haveria chance alguma para

àqueles “lombrosianos” sertanejos, incapazes de fomentar qualquer estratégia de guerra

Era essa a errônea e distorcida concepção do homem que era tratado como estrela pelos

militares aliados de Floriano Peixoto.

Moreira César subestimou os conselheiristas, pois pensava encontrar raquíticos e

desnutridos sertanejos, estereotipados imemorialmente pelos brasileiros da porção mais

abastada do país. Na verdade, o povo do Belo Monte era forte e saudável devido às

conquistas alcançadas com o trabalho desenvolvido na “terra prometida” estabelecida às

margens do rio Vaza-Barris.

Erraram grosseiramente, pois Pajeú e a guarda católica fustigaram a expedição

Moreira César de forma impressionante, matando os principais oficiais do Exército

Brasileiro e humilhando a república recém-instaurada.

A proporção gigantesca assumida pela guerra contra Canudos se deve em parte ao

verdadeiro arsenal que a expedição Moreira César deixou na fuga do que restou da coluna

arrogante comandada pelo animal de estimação da república da espada.

Não obstante o governo brasileiro quando da guerra de Canudos ser civil, o poder

dos militares era incontestável, pois logo houve pressão de todos os quadrantes para que

fosse organizada poderosa coluna militar intuindo destruir Canudos e vingar o massacre da

expedição Moreira César.

A opinião da sociedade era quase unânime contra Canudos, recrudescendo os

brados de revolta contra a heróica “Tróia Sertaneja”, sendo que um dos cavalos-de-pau foi

poderoso canhão withworth 32, trazido com esforço invulgar com o objetivo de causar as

mais impressionantes baixas na população do Belo Monte.

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S U M Á R I O

A quarta expedição, comandada pelo General Arthur Oscar, levou desvantagem

nítida quando dos combates, razão pela qual foi engrossada por uma quinta expedição vinda

de todos os Estados brasileiros.

A chegada da participação militar paraense em Canudos demonstrou o grau de

decisão do povo do Conselheiro. O beato já tinha morrido, mas, incansáveis, os

guerrilheiros continuavam impávidos defendendo o território no qual encontraram sonhada

felicidade.

O comando militar paraense não entendeu a razão por que o General Dantas Barreto

se encontrava em posição de espera. Foi ordenado fulminante ataque aos “guerreiros do

norte” em direção ao arraial bombardeado e dilacerado. Foram recebidos com verdadeira

saraivada de balas, pois os conselheiristas, os paraenses não sabiam disso, tinham aberto

trincheiras por baixo das casas e de lá se comunicavam e desferiam ataques violentos contra

quem ousasse adentrar os domínios sagrados fundados por Antônio Conselheiro.

Euclides da Cunha imortalizou os momentos finais de Canudos, afirmando que não houve

rendição, exemplo único em toda história, quando seus últimos defensores foram mortos

pela fúria de cinco mil soldados.

Canudos é exemplo de uma sociedade alternativa de grande importância para a

história das lutas do povo brasileiro, pois o maior de todos os méritos do Conselheiro foi ter

sido responsável pela ênfase à significativa melhoria da qualidade de vida de parcela de um

povo que há tempos imemoriais vem sendo tratado pelos intransigentes donos do poder

como animais e como sub-raça de quinta, sexta ou sétima categorias.

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PAJEÚ: O GRANDE ESTRATEGISTA DA GUERRA DE CANUDOS

Como ficou conhecido nas lutas de Canudos, Pajeú era pernambucano do famoso

vale imortalizado por Luiz Gonzaga décadas depois do massacre abominável que manchou

indelevelmente a história do Brasil.

Escravo liberto que rumou para Canudos apostando nas promessas do Bom Jesus

Conselheiro tendo achado por lá, às margens do rio Vaza-Barris, a tão sonhada liberdade

que a sociedade negou, e ainda nega, de forma inadmissível e desumana, aos excluídos.

Quando da desastrosa campanha comandada pelo famigerado Coronel Moreira César,

Pajeú se destacou pela impecável forma como conduziu a guerrilha da guarda católica do

Conselheiro.

Dizem que foi ele quem pôs fim à arrogância de Moreira César, acertando certeiro

tiro de bacamarte boca-de-sino, municiado com chifre de novilho, no sanguinário corta-

cabeças. Não obstante usar colete de aço, Moreira César foi milimetricamente varado pelo

disparo em local desprotegido.

O oficial responsável pela substituição do Coronel Moreira César no comando da

tropa também não aguentou as táticas de guerrilha implantadas por Pajeú. Uma ordem do

Coronel Tamarindo ficou famosa: “Em tempo de murici, cada um cuida de si”.

O que restou da tropa de Moreira César foi fustigada pelos guerrilheiros comandados

por Pajeú. Verdadeira carnificina foi feita pelos bravos combatentes para pagar a

profanação do arraial sagrado do belo Monte, pois inadvertidamente Moreira César

desprezou todas as instruções do regimento do Exército Brasileiro e ordenou ataque de

cavalaria a Canudos, cuja característica era a topografia extremamente íngreme, impossível

de ter sucesso por parte de Moreira César através de investida com esse tipo de estratégia

militar.

Para tentar coibir e amedrontar outras expedições que vieram em direção a Canudos,

Pajeú ordenou que os cadáveres dos soldados e oficiais ficassem insepultos, pendurados em

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árvores como exposição macabra do ódio devotado pelos conselheiristas às tropas do

governo federal.

Quando a quarta expedição foi enviada para destruir canudos, cujo comando ficou a

cargo do General Arthur Oscar de Andrade Guimarães, foi com terror e suspense que a

soldadesca encontrou o aviso dos guerrilheiros da guarda católica, na forma de corpos

ressequidos pelo sol esturricante do sertão nordestino. Com certeza, aumentou o ódio do

corpo militar do Exército Brasileiro contra os membros da comunidade mística de Antônio

Conselheiro.

Pajeú foi responsável pelas mais significativas baixas contra as tropas federais.

Acostumados a caçar para sobreviver, os guerrilheiros usaram a experiência adquirida e se

tornaram franco-atiradores, pois quando algum soldado desavisado, principalmente em

noite sem lua, acendia um cigarro, certeiro tiro o prostrava imediatamente. Usavam os

“presentes” que Moreira César lhes deixou, ou seja, fuzis mausers de fabricação alemã do

Exército Brasileiro.

Não obstante terem conseguido canhões e metralhadoras, esses não foram usados,

pois os guerrilheiros do Conselheiro não souberam como manusear as mortíferas armas

tomadas da expedição de Moreira César, destroçada pela genialidade incontestável das

táticas do maior guerrilheiro de Canudos.

Quando a guerra de Canudos tornou-se insustentável, com sucessivas baixas e

derrotas das tropas federais, o governo enviou verdadeiras máquinas de matar. Entre essas

estava um canhão Withworth 32, a famosa “matadeira”, como ficou conhecido entre os

habitantes de Canudos. Foi a única forma que conseguiram para pôr a baixo as torres da

igreja nova do belo Monte.

Cada tiro da “matadeira” era verdadeiro massacre que a mesma proporcionava. O

famoso canhão tornou-se o terror dos canudenses, razão pela qual Pajeú organizou grupo de

assalto intuindo destruir a máquina destrutiva.

Onze guerrilheiros chegaram de surpresa a bem guardada arma. Nesse ataque, o

bravo comandante conselheirista perdeu a vida, bem como nove companheiros, sendo que

apenas um conseguiu escapar.

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S U M Á R I O

Com a morte de Pajeú, a guarda católica do Conselheiro ficou desfalcada do principal

estrategista, abalando sensivelmente a estrutura das estratégias da guerra de guerrilha que

até então vinha obtendo sucesso indiscutível.

Pajeú, o famoso negro ex-escravo que marcou de forma impressionante a guerra de

guerrilhas nas batalhas em canudos, foi imortalizado por Euclides da Cunha, que, não

obstante racismo e estereótipos, dedicou-lhe páginas de reconhecido mérito pela bravura

indômita em “Os Sertões: Campanha de Canudos”.

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S U M Á R I O

TROPEIROS DA BORBOROREMA: AVENTURA ALMOCREVE

PELAS VEREDAS DA TERRA DO SOL

Raimundo Yasbek Asfora e Rosil Cavalcanti uniram-se para escrever a letra de uma

das mais belas canções em língua portuguesa, a qual homenageia a segunda cidade do

Estado da Paraíba.

Nenhum dos autores de "Tropeiros da Borborema" era Campinense de nascimento.

Asfora, nascido em 1930 e falecido tragicamente em 1987, era cearense de Fortaleza,

descendente do grupo árabe que aportou na terra de Iracema fugindo da convocação

forçada pelos ingleses na primeira guerra mundial, enquanto Rosil, cujas músicas

antológicas Jackson do Pandeiro, que formou a dupla "Café com Leite" com o grande gênio

da música regional nordestina, gravou e imortalizou-as, como "Cabo Tenório", "Lei da

Compensação", "Quadro Negro" e o clássico "Sebastiana", entre inúmeras outras, era

pernambucano, nascido em Macaparana, no dia 20 de dezembro de 1915. Rosil faleceu em

Campina Grande, na fria noite de 10 de julho de 1968.

A importância dos tropeiros para a história social e econômica da antiga Vila Nova

da rainha foi tão impressionante que não há como dissociar a dinâmica cidade com a

presença dos antigos agentes econômicos que vinham do brejo, do agreste, do Curimataú,

do sertão etc., bem como de Estados vizinhos, como o Rio Grande do Norte e o Ceará,

carregados com seus fardos de pele e de algodão, em direção a Goiana e Olinda, no Estado

de Pernambuco, importantes empórios comerciais no século XIX.

Campina Grande começou a evoluir quando foi observado que boa parte da produção

transportada pelos velhos tropeiros poderia ficar em solo paraibano. O investimento em

máquina de beneficiar algodão foi de importância basilar para o desenvolvimento local,

pois isto permitiu que a cidade se transformasse em grande exportadora do "ouro branco", o

que significou um dos momentos cruciais do "boom" econômico da "Rainha da

Borborema".

A chegada da máquina número 3, da Great Western, no dia dois de outubro de 1907,

representou também as condições para que o progresso fosse implementado a partir de

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então, pois era a garantia da facilidade para o escoamento da produção algodoeira.

Para vencer os obstáculos representados pelo Planalto da Borborema, conduzindo

tropas de burros, precisava ser muito corajoso. Conforme a professora Inês Caminha Lopes

Rodrigues, em "Revolta de Princesa: Contribuição ao Estudo do Mandonismo Local", a

barreira orográfica era um grande empecilho para o escoamento da produção sertaneja, o

que justifica em parte as decisões dos produtores da região polarizada por princesa de

buscar na época as praças pernambucanas a fim de implantar os negócios.

Os tropeiros da Borborema sintetizaram a coragem inaudita do povo interiorano em

vencer barreira, razão pela qual a imortalidade suscitada na eterna composição de Asfora e

Cavalcanti tem a característica de ser oportuna e pioneira na homenagem aos grandes seres

humanos que hoje estão representados em monumento em Campina Grande.

A belíssima canção reconhece em seus refrães finais que Campina Grande somente

tem a sua grandeza devido à presença dos antigos tropeiros que buscavam pousadas quando

demandavam a Pernambuco em tempos idos, mas que as brumas do tempo não conseguem

apagar, graças, em muito, à genialidade de dois fenômenos extraordinários que foram

beneficiados pela voz e pelo talento de outro gênio chamado Luiz Gonzaga do Nascimento,

responsável pela impecável voz para a eternidade da música, pois quando o eterno "Rei do

Baião" interpretou "Tropeiros da Borborema", gravada em 1972, lançou imediatamente as

bases da imortalidade desta magistral poesia nordestina surgida nas paragens da antiga Vila

Nova da Rainha.

O acúmulo de capitais a partir das bases lançadas com os tropeiros da Borborema foi

sendo responsável pela contínua evolução de Campina Grande, a ponto hoje de ser

conhecida como "O Vale do Silício Brasileiro", devido à presença de várias empresas que

desenvolvem tecnologia de ponta, havendo ênfase ainda aos estudos e experiências que

resultaram nas impressionantes fibras do algodão colorido, que são orgulhos da cidade de

Campina Grande e motivos que a tornaram conhecida internacionalmente como pólo

dinâmico e criativo de um nordeste que precisa e pode crescer em ritmo cada vez mais

intenso.

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S U M Á R I O

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS SECAS NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

A maior área semiárida povoada do mundo é o sertão nordestino somado ao norte

do Estado de Minas Gerais. Isto singulariza esta região, conhecida por Polígono das Secas,

quanto a diversos fatores naturais e socioeconômicos. Desertificação e desempregos

estrutural e conjuntural se coadunam no que tange aos desequilíbrios da ação do homem e

de suas relações sociais de produção, a título de exemplos. A hinterlândia, povoada a fim

de fornecer a subsistência litorânea apresenta problemas insolúveis que se perpetuam no

tempo. A irregularidade do clima, enfatizando estiagens periódicas, muitas avassaladoras

com incalculáveis perdas de preciosas vidas, moldam formas específicas e intensas quanto

aos transtornos exibidos no processo de construção social.

Segundo Villa, o drama das secas tem uma longa história: o primeiro registro da

ocorrência de seca nos documentos portugueses é de 1532, três anos após a chegada do

primeiro governador-geral, Tomé de Sousa . [...]. É muito provável que uma das razões da

movimentação espacial dos indígenas antes da chegada dos portugueses esteja

relacionada com períodos de estiagens e secas e com a disputa pelas terras com

abundância d’água” (2000, p. 17).

As secas assolam área total da ordem de 700 mil km2, onde vivem 23 milhões de

brasileiros – entre os quais, quatro milhões de camponeses sem terra – marcados por uma

relação telúrica com a rusticidade física e ecológica dos sertões, sob uma estrutura

agrária particularmente perversa (AB’SÁBER, 1999, p. 7). Esta estrutura agrária, ainda

perversa, faz com que boa parte da população se veja quando das secas literalmente privada

de acesso até mesmo a bens ditos coletivos, como os recursos hídricos dos açudes

construídos com dinheiro público.

Vários autores já demonstraram preocupação diante das condições edafoclimáticas

da zona submetida às secas. Dentre eles, citemos Duque (1980, p. 49) que argumentou:

O desnudamento do solo não conduzirá o Polígono a um deserto

físico como o Saara, com as suas tempestades de areia e ventos

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sufocantes, nem diminuirá o total de chuvas, porém provocará os

extremos meteorológicos, a insolação aumentada, o calor

excessivo, o ressecamento intenso, a erosão eólia, que produzem

cheias mais impetuosas e secas mais violentas, que fazem minguar

as fontes da produção, que diminuem a habitabilidade e o conforto

que resultam, enfim, no deserto econômico.

As manifestações de estio são conhecidas há tempos imemoriais, como o que

grassou na região entre os anos de 1877-1879. Segundo Guerra (1981, p. 35), “ nesta seca

o Nordeste foi desfalcado de quinhentas mil vidas”.

Exemplificamos as buscas em amenizar os problemas das secas no que está

explicitado em destacada publicação de Alípio Luiz Pereira da Silva, por título

“Consideração Gerais sobre as Províncias do Ceará e Rio Grande do Norte”, datado de

1885, edição registrada no Rio de Janeiro, que frisa:

a solução que se pretende dar ao problema das secas, quer se

considere a questão sob o ponto de vista do projeto, já conhecido,

de canalização do Rio São Francisco, com o qual se despenderão

somas fabulosas e longos anos, por terem-se de rasgar serras de

rochas vivas de grande extensão para formação do canal, serviço

este impraticável; quer se o considere pelo lado da construção de

grandes açudes e estradas, nenhum resultado benéfico trará à

Província do Ceará e dará os mesmos resultados produzidos com a

prestação de socorros públicos”. (In ROSADO, 1985, p. 111)

Promessas antigas, resultados duvidosos ou nunca postas em prática, eis o velho

dilema do semi-árido brasileiro.

No passado, acreditava-se que o semi-árido devesse quase que exclusivamente a sua

grande extensão às disposições orográficas. Constatou-se que as altitudes do planalto da

Borborema por si não responderiam à indagação, enfatizando-se com ênfase à formação de

uma grande célula de alta pressão sobre a região, provavelmente a extensão meridional do

anticiclone dos Açores (CONTI & FURLAN, 1998, p. 106), impedindo a penetração de

massa úmidas provenientes da área equatorial. Esta afirmação coincide com a apreciação

de Euclides da Cunha (1982) quanto a prováveis hipóteses da gênese da seca do norte,

como então era designado o conjunto acima do mais desenvolvido pólo, ainda ativo e

dinâmico, sem possível concorrente que lhe ameace a hegemonia.

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Citando as grandes secas que atormentaram o homem do semiárido em momentos

distintos, das quais inúmeras se apresentam, da mesma forma, em datas repetidas,

Cunha (1982) enumera diversas fases crônicas de estio, a exemplo das secas ocorridas entre

os anos de 1710-1711, 1723-1727, 1736-1737, 1744-1745, 1777-1778, no século XVIII, e

as registradas em 1808-1809, 1824-1825, 1835-1837, 1844-1845, 1877-1879, no século

XIX. Em seguida faz correlação entre os períodos que a sucedem. Hoje o aquecimento e o

resfriamento das águas do pacífico dão respostas mais precisas, alicerçadas na evolução do

padrão tecnológico. Ele soube sintetizar como poucos suas impressões sobre esses terríveis

flagelos que periodicamente assolam o semi-árido brasileiro.

Após a edição de “Os Sertões”(1902), inúmeras secas se sucederam no século XX,

como as de 1915 e de 1919. Na primeira, segundo Villa, a média anual pluviométrica em

Conceição do Piancó foi 83,4 mm, quando no ano anterior fora de 1.613,1 mm (2000, p.

132). Sobressaíram-se ainda as de 1932, 1958 e 1979-1984, considerada esta última a maior

de todas nesta época. Quanto à seca de 1932, seu principal cronista afirma que “desde 1926

a região ingressara no regime de chuvas escassas com interrupção em 1929, quando

ocorreu uma pluviosidade abundante que se manifestou em boas e compensadoras safras”.

Entretanto, no ano seguinte a seca reiniciou seu trabalho de destruição anulando

grandemente as reservas do trabalho intenso de 29: “Veio mais violenta, agredindo todas as

energias de uma luta política cheia de animosidade” (BARBOSA, 1998, p. 27).

Nas palavras de personagem proeminente do período, organizador efetivo da

Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), marcado pela citação acima,

impunha-se, portanto, a integração definitiva da Inspetoria no coração da zona flagelada,

no anfiteatro das secas, cujos efeitos teria que combater (ALMEIDA, 1982, p. 382). E o

Estado centralizado permitiu tentar rever antigos ideais de buscar a redenção das terras do

Norte. Exemplo disso encontra-se na concretização das obras de açudagem que tantas lutas

demandaram.

A irregularidade é a marca indelével do semi-árido, com esta sendo capitaneada

pelas secas. Catástrofes personificadas em enchentes, quando dos términos desses períodos

de rigores da natureza, se responsabilizam pelo recrudescimento de dolorosos dramas,

como atesta renomado cientista ao afirmar que as inundações catastróficas que ocorrem, de

tempos em tempos no Nordeste, são reflexo do regime pluvial irregular, por vezes

torrencial, e da topografia plana da região (MENDES, 2003, p. 26).

Ainda sobre secas, Mendes ressalta que existem dois tipos destas no semi-árido

nordestino, ou seja, a estacional, percebida todos os anos como parte do regime hidrológico

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da região, em virtude do período chuvoso geralmente se estender de janeiro a junho e as

periódicas, as quais podem se apresentar como total, parcial e hidrológica (1997, p. 29).

A seca total é a mais grave, a que acarreta danos humanos e socioeconômicos

consideráveis, desarticulando a economia regional e agravando as contradições que ainda

aviltam o homem do semi-árido. O grito de rebeldia ecoado em Canudos naqueles

tristemente célebres anos finais da década de 90 do século XIX, percebido por Facó (1988),

tinha vínculo com o desespero de milhares de pobres desprezados dos campos secos do

semi-árido. As secas minavam-lhes as forças e o refúgio sagrado da Meca de palha e barro

às margens do Vaza-Barris virou um monte de escombros, soterrando sonhos e anseios da

comunidade alternativa que ousou desafiar o império da República recém-instalada.

Apesar da destilação gratuita de adjetivos pedantes e ofensivos ao sertanejo e ao líder

espiritual da Tróia Sertaneja, a exemplo de Hercúles-Quasímodo e Átila Bronco do Sertão,

respectivamente, a obra de Euclides da Cunha, por título “Os Sertões: Campanha de

Canudos” revela inteligência ímpar e precisa quanto à abordagem dos fenômenos das secas,

observando-os enquanto agentes de transtornos sociais e econômicos condicionados por

fenômenos físicos dos quais haveria contato tanto na orografia como na força barométrica

atuante, ressaltando o peculiar em uma análise de um positivista convicto. Dessa forma,

secas e uma indisfarçável sugestão a referendo ao conceito mesológico de Buckle tem

vínculos sugeridos na definição de toda construção da nacionalidade do sertão, compondo

preocupações do grande sábio que esteve em Canudos como correspondente do Jornal O

Estado de São Paulo quando da famigerada campanha pelos sertões baianos. Ressalta-se

ainda referencial a partir das compreensões do naturalista germânico A. Von

Humboldt acerca do semiárido, corrigindo-se Hegel quanto a uma categoria geográfica não

citada, qual seja, a complexidade da geografia do semiárido.

Secas e bem estar social, eis um dos desafios do semi-árido nordestino. Não há

como evitá-las, mas o empenho em buscar soluções de convivência deve nortear qualquer

prática governamental e privada, principalmente quando desafios de desenvolvimento

sustentável são enfatizados em virtude do grau de agressão ambiental que se responsabiliza

por significativas mudanças regionais, tanto de ordem física como social e econômica,

enfim, de qualidade de vida.

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S U M Á R I O

DELMIRO GOUVEIA E O SONHO DE INDUSTRIALIZAR O SEMIÁRIDO

Nascido no dia cinco de junho de 1863, na fazenda Boa Vista, município de Ipu

(CE), filho natural do cearense Delmiro Porfírio de Farias e da pernambucana Leonila Flora

da Cruz Gouveia, Delmiro Gouveia Farias da Cruz tem lugar destacado na história do

empreendedorismo brasileiro devido luta incansável em prol do desenvolvimento regional,

tendo buscado de todas as formas possíveis e imagináveis dotar o nordeste de dinâmico

setor produtivo através do qual houvesse ênfase às transformações necessárias ao projeto de

melhoria da qualidade de vida da população, bem como à dinâmica referente ao

desempenho da economia estrangulada por práticas anacrônicas e obsoletas.

Homem de modos austeros, intercalava de forma singular passado e presente,

modernidade e tradição, sendo responsável por extraordinária experiência de

industrialização em pleno semiárido alagoano, dominado na época por beatos e

cangaceiros, quando dos marcantes anos da turbulenta década de dez do século XX.

Era conhecido como o "rei das peles", pois fixado no ramo de couros, fundou em

1896 a Casa Delmiro Gouveia & Cia., realizando importantes transações econômico-

financeiras com a poderosa casa novaioriquina J. H. Rossbach & Brothers, de cuja utilidade

em sua vida empresarial foi imprescindível e incalculável. Nesta época, passou a alijar os

concorrentes do mercado, absorvendo os melhores empregados especializados, a exemplo

de Lionelo Iona, John Krause, Guido Ferrari e Luís Bahia.

Perseguido tenazmente por poderosos inimigos em Pernambuco, os quais não viam

com bons olhos a concretização de suas idéias populares, a exemplo da efetivação de

empreendimento mercantil na capital pernambucana, o qual oferecia bens e serviços a

preços baixos ao povo, sendo, portanto, alvo de incêndio criminoso, Delmiro Gouveia

refugiou-se, no ano de 1903, na remota Vila da Pedra, no sertão de Alagoas, a qual

constava, quando de sua chegada, apenas seis casas, localizada a 250 km de Maceió.

Separado de sua primeira esposa, de nome Anunciada Cândida de Melo Falcão, havia

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raptado jovem que atendia pelo nome Carmela Eulina, filha natural de Sigismundo

Gonçalves, governador pernambucano.

No ano de 1909, Delmiro Gouveia iniciou estudos para a utilização econômica da

cachoeira de Paulo Afonso no rio São Francisco, sendo que em vinte e seis de janeiro de

1913 captou energia hidroelétrica na queda do angiquinho. Começava a se concretizar as

condições necessárias para efetivar pragmatismo do seu grande sonho.

No ano seguinte, aproveitando-se do abalo provocado pela primeira guerra mundial,

quando os alemães, logo no início, prostraram o império inglês, com a genialidade de sua

terrível máquina mortífera, Delmiro Gouveia inaugurou fábrica de linhas em pleno semi-

árido nordestino, inovando em razão da forma como programava as relações sociais de

produção, conquistas sociais e de mercado, bem como ênfase à preservação ambiental.

O empreendimento industrial capitaneado por Delmiro Gouveia tinha a marca

nacional Estrela, conseguindo, graças ao alijamento da concorrência inglesa, devido ao

conflito mundial, adentrar mercados sul-americanos, como os da Argentina, do Peru e do

Equador, com a marca Barrilejo.

A abertura de estradas também se constituiu em preocupação para o louvado

cearense, notável empreendedor que ousou industrializar o mais pobre espaço geográfico

brasileiro. Delmiro Gouveia foi responsável pela ênfase á abertura de cerca de 520 km de

estradas, introduzindo ainda o automóvel no sertão.

No dia 10 de outubro de 1917, o industrial era assassinado em seu bangalô na Vila da

Pedra. Tiros assassinos disparados na calada da noite buscavam desmantelar a mais

excepcional experiência de industrialização que o semi-árido protagonizou.

Símbolo de uma época, Delmiro Gouveia traduziu a luta desesperada de um povo

em busca de melhores dias, tendo acreditado e concretizado a possibilidade de transformar

arcaicas estruturas que ainda perduram fazendo com que a região nordeste do Brasil se

singulariza pela inserção plena em estratos que atestam as desigualdades que se

recrudescem acintosamente enquanto marca cruel dos contrastes de nossa diferenciada

espacialização.

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S U M Á R I O

O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A “INDÚSTRIA DAS SECAS”

Quando das grandes secas que, invariavelmente, durante períodos intercalados,

assolam o semiárido brasileiro tornou-se praxe que parlamentares da região castigada pelas

estiagens profiram discursos carregados de emoção denunciando a situação de penúria pela

qual estão acometidas as populações interioranas subjugadas aos flagelos mais inenarráveis.

Geralmente pintam com cores Dantescas situações periclitantes nas quais imperam a

fome de forma avassaladora e impiedosa, causando comoção nacional diante de uma

conjuntura que grande parte acredita realmente ser fruto da forma inevitável apresentada de

tempos e tempos pelas características do quadro natural da região semiárida brasileira.

Essa tendência não é recente, pois no Império foram profícuas as declarações de

parlamentares das então denominadas Províncias do Norte sobre o sofrimento de uma gente

que habita a territorialidade das secas no Brasil.

Inúmeros interesses particulares sempre se ocultaram sobre o disfarce “humanista”

dos representantes da elite dirigente, pois beneficiar-se e privilegiar a classe da qual provém

assinalam os reais motivos que movem os “donos do poder” quando da elaboração dos seus

discursos inflamados, pretensamente proferidos em prol de um povo sofrido duplamente

com as secas e com a usurpação dos recursos destinados ao combate às secas.

Partindo do plano político para o social, implanta-se de forma ignominiosa toda

infraestrutura que alicerça a “indústria das secas” no semiárido brasileiro.

Quando o “Coronelismo” imperava a situação era extremamente mais grave no que

diz respeito aos desvios de verbas destinadas à melhoria da qualidade de vida dos

deserdados filhos das secas.

A centralização político-administrativa que vai gradativamente caracterizando a era

Vargas serviu para inibir, mas não para desestruturar uma das formas mais desumanas de

reprodução de uma situação artificializada a fim de garantir a manutenção das estruturas de

poder.

No século XIX eram tão lastimáveis as práticas que garantiam o sucesso da

“indústria das secas” que bandoleiro das caatingas conhecido por Jesuíno Brilhante se

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insurgiu contra a sistemática adotada pelos situacionistas a fim de implementar a

distribuição dos víveres enviados pelo governo imperial visando minimizar nas populações

afligidas os terríveis efeitos biológicos trazidos com a grande seca de 1877-1879.

Com a criação de órgãos federais como o DNOCS e a SUDENE intensificaram-se o

teor dos discursos políticos, os quais usaram a seca como argumento para a necessidade da

construção de açudes na região, sendo que diversos, graças ao prestígio desfrutado pela

elite privilegiada, foram enriquecer o patrimônio particular de muitos fazendeiros da região.

A idéia do governo JK de criar as frentes de emergência revelou compromisso com a

“indústria das secas”, pois novamente observava-se a mesma irresponsabilidade atentando

contra a dignidade de um povo forte.

Luiz Gonzaga e Zé Dantas escandalizaram a política de alianças que embasa a

ausência de produção de bens e serviços a partir do funcionamento da “indústria das secas”,

tendo denunciado a farsa amoral instituída de forma cínica e descarada, enfatizando em

“Vozes das Secas” que uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou

vicia o cidadão.

Toda vez que a irregularidade pluviométrica começa a se concretizar na porção

semiárida brasileira, retornam-se os velhos hábitos de buscar a todo custo se beneficiar com

a desgraça ocasionada com as secas nas populações marginalizadas que desafiam com

heroísmo as intempéries causticantes, cujas esperanças de melhores dias ainda parecem

uma incógnita a desafiar todas as leis de sobrevivência impostas a fim de garantir a

manutenção do status quo na região.

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S U M Á R I O

OUSADO ATAQUE CANGACEIRO A SOUSA-PB, EM 27 DE JULHO DE 1924

Quando dos festejos do réveillon do ano de 1923, em Triunfo (PE), acalorada

discussão envolvendo Marcolino Pereira Diniz e o magistrado local, de nome Dr. Ulisses

Wanderley, resultou em tragédia, pois o primeiro, filho do poderoso "Coronel" Marçal

Florentino Diniz, também sobrinho e cunhado do "Coronel" José Pereira Lima, chefe

político de Princesa, alvejou o juiz, seguindo-se ainda disparo efetuado por homem da

confiança do caboclo Marcolino, conhecido por Tocha. O magistrado ainda conseguiu

reagir, atirando em Marcolino.

Raciocinando sobre a dimensão do fato, não restou outra alternativa ao guarda-costa

de Marcolino a não ser escapar da grande enrascada em que se meteram. Marcolino foi

preso, sendo constantemente ameaçado pelos familiares e amigos do magistrado

assassinado.

Pressentindo o imenso perigo que o filho corria, o "Coronel" Marçal Florentino Diniz

recorreu aos préstimos de Virgulino Ferreira Lampião para retirar Marcolino da cadeia em

Triunfo. Lampião e seu séquito composto de oitenta homens cercaram Triunfo e exigiram a

imediata libertação do prisioneiro, o que foi prontamente atendido pelas autoridades locais.

Levado a Princesa, Marcolino recuperou-se do tiro que sofreu. Recrudescia a antiga

amizade entre Lampião e Marcolino. Fotos históricas retrataram Lampião e seus "cabras",

no ano de 1922, na Fazenda da Pedra, propriedade de Laurindo Diniz, irmão do "Coronel"

Marçal Florentino Diniz. Portanto, era bem firmada a relação de coiterismo que foi

estabelecida na região serrana, fronteira do Estado da Paraíba com o Estado de

Pernambuco.

Nos meses seguintes, já no ano de 1924, houve combates intensos entre cangaceiros e

volantes pernambucanas. Entre Conceição do Piancó (PB) e São José do Belmonte (PE)

Lampião foi ferido no tornozelo, passando péssimos momentos em razão da gravidade do

estrago que o projétil provocou.

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Dias se passaram até que chegou ao conhecimento de Marcolino a situação que o

importante aliado estava passando. Foi enviado grupo de resgate, comandado por Sabino

Gório, para resgatar o cangaceiro.

Lampião foi levado para o reduto de Marcolino, o lugarejo de Patos de Irerê,

localizado cerca de 18 km de Princesa (PB), no sopé da serra do Pau Ferrado. Duas

propriedades de Marcolino "a Manga e o Saco dos Caçulas" eram antigos valhacoutos de

Lampião e seu bando, há tempos imemoriais.

O cangaceiro-mor, substituto de Sinhô Pereira no comando do grupo que liderava

antes da retirada para o Estado do Goiás, foi tratado por dois médicos contratados por

Marcolino. Chamavam-se Dr. José Cordeiro e Dr. Severiano Diniz, sendo este último

parente próximo do homem que foi imortalizado com a esposa por Luiz Gonzaga e

Humberto Teixeira em belíssimo baião por título "Xanduzinha".

Distante de princesa, a cidade de Sousa vivia clima de ebulição. Disputas políticas

resultaram em tragédias, como a que envolveu o embate no barracão do "Coronel" João

Pereira, em Nazarezinho (PB), então distrito sousense.

Filho do "Coronel" João Pereira, de nome Francisco Pereira Dantas, sentiu o peso da

moral sertaneja, desprezando conselhos do pai, o qual faleceu exigindo que não se

vingassem. Assassinou o único sobrevivente dos que atacaram o velho patriarca em seu

estabelecimento comercial.

Conversas a boca miúda diziam que os mandantes da morte do "Coronel" João

Pereira eram pessoas importantes da sociedade sousense, como o destacado e influente

cidadão de nome Otávio Mariz.

Em um dia de feira em Sousa, Otávio Mariz notou animada conversa entre um

bodegueiro de Nazarezinho (PB), de nome Chico Lopes, e "cabra" da inteira confiança de

Chico Pereira, de nome Chico Américo. A duração da conversa despertou a desconfiança

de Otávio Mariz.

Nas bancas da feira procurou uma chibata para comprar, indo ao encontro dos dois

palestrantes. Encontrou apenas Chico Lopes. Aplicou-lhe surra magistral e pediu-lhe para ir

à fazenda Jacu, reduto dos Pereira Dantas, em Nazarezinho (PB), avisar a Chico Pereira que

tinha outra prometida para ele.

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No Jacu, Chico Lopes detalhou todo acontecido. A família do "Coronel" assassinado

perguntou-lhe o que ia fazer, tendo Chico Lopes respondido estar decidido ir até Princesa,

conversar com Lampião sobre o melindroso e humilhante assunto. Havia um irmão de

Chico Lopes que integrava o bando de Lampião há alguns anos. Isso facilitou a decisão do

chefe supremo do cangaço em enviar dezessete homens de sua confiança para Nazarezinho.

Antônio e Levino Ferreira, bem como Meia-Noite e Sabino Gório, também integravam o

grupo que iria se responsabilizar pela mais aviltante ação cangaceira no Estado da Paraíba.

Notícias corriam céleres, dando conta da aproximação do grupo cangaceiro. Em

Sousa alguns aventavam a hipótese de organizar defesa, mas como não acreditaram na

possibilidade de tamanha ousadia, relaxaram completamente.

Ao chegar ao Jacu, os dezessete homens foram recepcionados efusivamente. O

número final de bandidos prontos a atacar Sousa, aumentado com muitos da região, somava

oitenta e quatro quadrilheiros dispostos.

Antes do amanhecer do dia 27 de julho de 1924, os bandidos cortaram a linha do

telégrafo e invadiram Sousa, cuja maioria da população foi pega totalmente desprevenida.

Pequena resistência partiu da residência de Otávio Mariz, principal alvo dos atacantes.

Experiente e tarimbado sertanejo, Otávio Mariz escapuliu quando viu que não poderia

resistir ao implacável ataque.

Tudo em Sousa virou alvo de saque, os cangaceiros roubaram o comércio,

residências, tudo, prejuízo incalculável que marcou indelevelmente a história sousense.

Feras endiabradas davam vazão a todos os instintos selvagens possíveis e imagináveis. O

destacamento local, comandado pelo então Tenente Salgado, não conseguiu realizar

qualquer ação de defesa em Sousa, verdadeiro suicídio se tivesse havido consumação.

Grupo composto de quase duas dezenas de bandidos, liderados por cangaceiro

conhecido por "Paizinho", teve como alvo principal a residência do juiz local, de nome Dr.

Archimedes Soutto Mayor. "Paizinho" tinha queixas pessoais contra o magistrado a quem

acusava de tê-lo condenando injustamente. Retirado ainda com roupas de dormir, o Juiz foi

submetido a todo tipo de suplicia e humilhação, sendo forçado a andar de cangalha e em

posição vexatória pelas ruas de Sousa. O ato final seria o assassinato do magistrado, mas

Chico Pereira interveio e evitou a consumação do ato extremo.

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S U M Á R I O

O magistrado, depois de tudo, no ensejo dos desdobramentos do audacioso ataque

cangaceiro à cidade de Sousa, assumiu a responsabilidade de fazer merecida justiça contra

àquelas feras que o atacaram.

A rede de informações montada por Lampião era impecável e precisa. Logo ele

ficou sabendo dos estragos em Sousa e, principalmente, do que fizeram com o juiz.

Rodopiava nos calcanhares, ainda sentindo dores terríveis, empunhando Parabellum e

raciocinando sobre o futuro dali para frente. Homem de raciocínio rápido, Lampião sabia

que em breve enfrentariam duras batalhas contra as forças volantes paraibanas,

extremamente tolerantes devido ao respeito ao "Coronel" José Pereira Lima e a Marcolino

Pereira Diniz.

Lampião estava certo. A providência inicial do recém instalado governo de João

Suassuna foi a instalação do segundo batalhão da Polícia Militar Paraibana na cidade de

Patos das Espinharas, com absoluto aval para dar caça ininterrupta aos cangaceiros. A

responsabilidade pela iniciativa maior de efetivar a campanha paraibana contra o cangaço

liderado por Lampião coube, naturalmente, ao "Coronel" José Pereira Lima.

Não obstante a proteção que Lampião desfrutou em Princesa, seria inadmissível que

o chefe político das terras da lagoa da perdição tolerasse tamanha afronta, principalmente

em razão da forma como o magistrado sousense foi humilhado pelos cangaceiros.

No ensejo da caçada movida contra os bandoleiros, há fato digno de registro,

referente à resistência efetivada pelo cangaceiro Meia-Noite em uma casa de farinha no

sítio Tataíra, fronteira entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Na companhia da

esposa, Meia-Noite, embora a mulher não tenha participado do combate, enfrentou

combinado de volantes, comandados pelo então Tenente Manuel Benício, e tropa de

cachimbos (civis em armas) contratada pelo "Coronel" José Pereira. Meia-Noite lutou

contra oitenta e dois homens, ferindo dezoito. Escapuliu do tiroteio, mas a esposa ficou no

local em que se entrincheirara, sendo depois conduzida à cadeia de Princesa. No local,

conforme Érico de Almeida, primeiro biógrafo de Lampião, autor do livro "Lampeão, sua

história" (1926 (1ª ed.), 1996 (2ª ed.), 1998(3ª ed.), foram encontradas quatrocentas e

noventa e duas balas de fuzil mauser DWN, modelo 1912.

Em seguida, devido às volantes paraibanas estarem assanhadas com a ordem capital

de darem combates violentos aos cangaceiros, inúmeros enfrentamentos foram registrados,

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como a batalha do Tenório, no ano de 1925, quando Levino Ferreira foi assassinado pelo

volante Belarmino Morais, comandado pelo então cabo José Guedes. Como forma de se

vingar do "Coronel" José Pereira, a quem culpava pela morte do irmão, Lampião e seu

bando invadiram humildes propriedades em princesa, como a do Caboré, assassinando

diversas pessoas, incluindo entre essas um ancião de provecta idade de noventa e dois anos

e um garoto de apenas doze anos.

O governo paraibano invocou o convênio anti-banditismo, firmado no ano de 1922

em Recife (PE), obtendo permissão para que suas forças de segurança pública em

perseguição aos bandoleiros adentrassem os territórios de outros estados nordestinos.

O grupo cangaceiro, em certa ocasião no ano de 1925, foi localizado na região de

Serrote Preto. Desprezando as mais elementares táticas militares, os volantes paraibanos

atacaram irresponsavelmente o valhacouto de Lampião. As estratégias guerrilheiras foram

implantadas impecavelmente pelos cangaceiros, resultando em horrível carnificina, na qual

pereceram os comandantes Tenentes Joaquim Adauto e Francisco de Oliveira, além de mais

de uma dezena de soldados.

Abalado com a perseguição tenaz que as volantes paraibanas realizavam, Lampião

evitou a Paraíba, pois seus antigos protetores não estavam mais propensos a desafiar as

ordens do governo paraibano, bem como a decisão irredutível do "Coronel" José Pereira

Lima em buscar erradicar o cangaço liderado por Lampião, pelo menos em terras

paraibanas.

Para Chico Pereira não houve outra saída, em razão da gravidade dos fatos ocorridos

em Sousa, a não ser acompanhar o grupo de Lampião pelas adustas plagas sertanejas.

Travou combate em Areias do Pelo Sinal, entre Princesa e o distrito de Alagoa Nova (Hoje

Manaíra), depois, vítima de picada de cascavel, em território pernambucano, amargou

provações inenarráveis.

O extenso processo elaborado pelo Dr. Archimedes Soutto Mayor mostrou-se

simpático a Chico Pereira, eximindo-o de algumas culpas e louvando diversas

interferências realizadas quando do ataque cangaceiro do dia 27 de julho de 1924 à cidade

de Sousa.

Perseguido, embora tolerado discretamente, Chico Pereira era, no entanto, alvo de

olhares vingativos, sobretudo em razão de suas práticas donjuanescas. Sedutor, Chico

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Pereira desafiava importante elemento da moral sertaneja. Ao que tudo indica, houve a

sedução de uma sobrinha do governador norte-riograndense Juvenal Lamartine, em Serra

Negra (RN).

Provavelmente houve um conluio entre Juvenal Lamartine e seu colega João

Suassuna para eliminar Chico Pereira. João Suassuna, através de irmão de nome Antônio,

empenhou a palavra sobre a total liberdade do homem que foi obrigado a se tornar

cangaceiro devido à morte do pai, motivada pela política acirrada dos turbulentos anos da

década de vinte do século passado.

Na festa da padroeira de Cajazeiras, no ano de 1928, Chico Pereira foi detido por

oficiais da polícia militar paraibana. Manuel Arruda de Assis foi o responsável pela prisão.

Conduzido a Pombal, onde tinha praticado crime, quando do cerco ao velho casarão de

Antônio Mamede no sítio Pau Ferrado, Chico Pereira ia ser transferido para Princesa, onde

havia assassinado soldado de nome Pierre.

A escolta que o conduzia rumou em direção a Santa Luzia. Havia um crime atribuído

a ele em Acari (RN), referente a um roubo praticado contra o velho "Coronel" Quincó da

Ramada.

Era parte do esquema estruturado por Juvenal Lamartine para liquidá-lo. Joaquim de

Moura, famanaz executor de bandoleiros, foi o responsável pela morte de Chico Pereira.

O ataque do bando de Lampião à cidade de Sousa foi um dos mais ousado ato

praticado pelos bandoleiros das caatingas, cuja marca indelével permaneceu por tempos e

ainda resiste na memória de poucos que tiveram a infelicidade de presenciar a verdadeira

baderna que os cangaceiros fizeram na simpática cidade sorriso no longínquo dia 27 de

julho de 1924.

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S U M Á R I O

MEIA-NOITE E O FOGO DO SÍTIO TATAÍRA

Cangaceiro remanescente do bando de Sinhô Pereira, Antônio Augusto Correia

ganhou o apelido de “Meia Noite” em razão que após as tarefas diárias nos engenhos de

rapadura do “Major” Floro Florentino Diniz, em Princesa, Estado da Paraíba, ganhava a

caatinga altas horas da madrugada, assaltando propriedades rurais localizadas nas

quebradas do sertão.

Na composição do grupo bandoleiro que passou a ser liderado por Virgulino Ferreira

da Silva, depois do ano de 1922, quando o vingador do Pajeú saiu em direção ao Estado do

Goiás, para se encontrar com o primo Luiz Padre, encontramos “Meia Noite” entre

destacados cangaceiros que acompanharam o novo chefe.

“Meia Noite” compôs o grupo de dezessete cangaceiros enviados por Lampião do

valhacouto nos Patos de Irerê, localizado a dezoito quilômetros de Princesa, a fim de

realizar vingança pretendida por humilde bodegueiro de nome Chico Lopes, da localidade

de Nazarezinho, então distrito de Sousa, Estado da Paraíba. Humilhações perpetradas por

poderoso oligarca local, de nome Octávio Mariz, contra o até então inofensivo sertanejo,

motivou ousado ataque bandoleiro à cidade de Sousa, em 27 de julho de 1924.

Quando o grupo de cangaceiros chegou ao sítio Jacu, em Nazarezinho, reduto da

família Pereira, foi engrossado por mais gente, perfazendo total de oitenta e quatro homens,

entre os quais se encontrava pessoa da região, conhecida por “Paizinho”, cujas queixas

contra o juiz de Sousa, Dr. Archimedes Soutto Maior, eram por demais repisadas.

“Paizinho” acusava o juiz de tê-lo, em certa ocasião, o condenado injustamente. Foi à casa

do magistrado que grupo de cangaceiros, liderado por “Paizinho”, em um total de dezessete

bandidos, alvo principal da vingança pretendida pelo atrevimento da horda bandoleira.

“Meia Noite” estava entre os invasores, sendo o mais afoito, pois o juiz foi retirado de casa

ainda em roupa de dormir, humilhado, espancado e, comentam, coisas piores aconteceram.

O bandido do grupo de Lampião cavalgou o homem-da-lei, enfiou-lhe as esporas e obrigou-

o a ensaiar galopes pelas ruas de Sousa.

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S U M Á R I O

O destacamento policial, comandado pelo então Tenente Antônio Salgado, nada

pôde fazer, resumindo-se a assistir passivamente aos atos de vandalismo patrocinados pelos

cangaceiros. Saques, depredações, humilhações e muita bagunça foram feitos naquele

fatídico dia 27 de julho de 1924 na cidade de Sousa.

O juiz foi salvo graças à intervenção oportuna de Francisco Pereira Dantas, que se

tornaria o famoso cangaceiro Chico Pereira, pois os homens comandados por “Paizinho”

intuíam assassinar o magistrado, como ato final da vingança acalentada pelo desacatado

sertanejo.

Lampião dispunha de eficaz rede de informações e logo as notícias do ocorrido em

Sousa chegaram ao Saco dos Caçulas, propriedade de Marcolino Pereira Diniz nos Patos de

Irerê. Enlouquecido com o que havia sido feito, Lampião rodopiava pelo calcanhar ferido

pelos disparos da tropa volante do Major Teófanes Ferraz Torres, na certeza de que a

ousadia e a ferocidade contra o juiz de Sousa seriam motivos de perseguição sem trégua das

forças militares paraibanas, até então acomodadas por ordens superiores.

Dr. Archimedes Soutto Maior declarou guerra particular aos cangaceiros, elegendo os

invasores de sua residência, responsáveis pela humilhação passada, como alvos prioritários

de suas investidas. “Paizinho” caiu varado de balas em São João do Rio do Peixe, enquanto

os demais eram literalmente caçados por ordens do juiz.

De regresso à região de Princesa, o grupo bandoleiro foi demovido por Marcolino

Pereira Diniz de continuar sob sua proteção. Era o que Lampião pressentia quando soube da

forma como tinha sido realizada a investida contra o magistrado lotado em Sousa.

“Meia Noite” regressou com o grupo, mas foi expulso quando reclamou a Lampião que

Antônio Ferreira lhe havia “roubado”. O chefe cangaceiro exigiu do bandido a entrega de

armas e munição, ao que retrucou dizendo que se no bando houvesse homem fosse tomar.

Ninguém se atreveu, pois bem conheciam a fama de valente que acompanhava

imemorialmente “Meia Noite”.

Raptando moça da localidade, conhecida apenas por Maria, o cangaceiro estava de

saída para destino ignorado quando foi interceptado descansando em uma casa de farinha

no sítio Tataíra, fronteira com a cidade pernambucana de Triunfo. Dezoito “cachimbos”,

civis contratados para dar caça a cangaceiros, foram inicialmente ludibriados por “Meia

Noite”, pois ao disfarçar a voz buscava tempo para se equipar a fim de enfrentar prova

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inaudita de fogo que o imortalizaria nas crônicas do cangaço, tornando-o respeitado entre

seus antigos companheiros.

A tropa de “cachimbos” foi surpreendida por tiroteio intenso vindo de dentro da

casa de farinha, o qual despertou a atenção da força volante comandada pelo então Tenente

Manuel Benício, famoso por guardar rosário de orelhas de cangaceiros mortos em combate.

A força militar foi ao encontro dos civis em armas, perfazendo total de oitenta e dois

homens. “Meia Noite” lutou a madrugada inteira contra absoluto desigual número

beligerante.

O fogo da casa de farinha do sítio Tataíra era ouvido nas imediações, pois como fera

acuada “Meia Noite” lutava sem desanimar, carregando, recarregando e disparando contra

os oponentes, sem titubear ou sem esmorecer.

A coitada sertaneja, raptada pelo intrépido cangaceiro, assistiu a tudo, a cada

momento de terror passado na madrugada de fogo quando o valente cangaceiro resolveu

enfrentar quem estivesse pela frente, na base das armas, como na velha tradição do sertão

sangrento e violento.

Vendo que não conseguiria romper a barreira formada pelos civis e militares que o

cercaram na casa de farinha do sítio Tataíra, “Meia Noite” usou estratégia do cangaço para

novamente ludibriar os adversários, jogando tamborete por uma janela, fingindo pular a

mesma, mas saindo por outra. Por azar, “Meia Noite” pulou em cima de moita de quipá,

ferindo seriamente o pé direito. Mesmo assim, debaixo de verdadeira saraivada de balas,

após ferir quinze oponentes, o cangaceiro ainda conseguiu furar o cerco e chegar ao Saco

dos Caçulas, propriedade de Marcolino Pereira Diniz, grande coiteiro de cangaceiros, mas

que estava de mãos e pés atados devido à forma como se processou o ataque a Sousa. O

governo João Suassuna (1924-1928) e o empenho do cunhado e tio de Marcolino,

“Coronel” José Pereira Lima, eram dar combates aos cangaceiros, pois, para tanto, eram

invocadas as cláusulas do convênio antibanditismo firmado no Recife (PE), em 1922, do

qual o Estado da Paraíba participou e referendou, embora só passasse a cumpri-lo

eficazmente depois do ataque cangaceiro à cidade de Sousa.

Conforme Érico de Almeida, autor de livro por título “Lampeão, sua história”,

primeira edição de 1926, segunda e terceira de 1996 e 1998, pela Editora Universitária da

Universidade Federal da Paraíba, foram recolhidas de dentro da casa de farinha do sítio

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Tataíra quatrocentas e noventa e duas cápsulas de balas de fuzil mauser DWN, modelo

1912. Isso atesta a razão da imortalidade de “Meia Noite” no mundo bandoleiro.

“Meia Noite” foi conduzido a um lugar ermo na serra do Pau Ferrado e executado por

Manuel Lopes Diniz, conhecido por “Ronco Grosso”, e por homem da confiança de

Marcolino, conhecido por “Tocha”, de cuja arma partiu projétil que matou o magistrado de

Triunfo (PE), Dr. Ulisses Wanderley, no revéillon de 1923. “Meia Noite” tornou-se nome

tão respeitado entre os cangaceiros que em 1936, doze anos após sua morte, Lampião

encontrou na área que atuava, no sertão de Alagoas, antigo companheiro de nome Joaquim

Laurindo de Sousa, conhecido por “Moreno” no grupo liderado por Sinhô Pereira. Havia

suspeita de que o antigo cangaceiro que lutou em Princesa, ao lado do “Coronel” José

Pereira, tinha participado da morte de “Meia Noite”. “Moreno” teve a casa invadida,

sendo amarrado e inquirido a noite inteira sobre sua participação no assassinato do

cultivado cangaceiro que enfrentou mais de oitenta homens na mais fantástica brigada do

cangaço. Não satisfeito com as resposta, Lampião ordenou que bandoleiro conhecido por

“Chumbinho” executasse o ex-companheiro de armas na frente da mulher e dos filhos.

Talvez “Meia Noite” tenha sido encomendado pelo juiz de Sousa, pois o empenho

em buscar todos os cangaceiros que invadiram sua residência e o humilharam, quando do

formidável ataque de 27 de julho de 1924, tornou-se questão pessoal a fim de fazer valer

respeito à lei quando o sertão se mostrava terra de ninguém naqueles turbulentos idos dos

anos vinte do século passado.

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S U M Á R I O

A VINGANÇA DE LAMPIÃO CONTRA O “CORONEL” ZÉ PEREIRA

O mais comentado combate entre cangaceiros comandados por Lampião e soldados

sob as ordens do Major pernambucano Teófanes Ferraz Torres, famoso por ter capturado

Antônio Silvino em 1914, ocorreu no ano de 1923, entre os municípios de Conceição do

Piancó (PB) e São José do Belmonte (PE), na serra das panelas.

Essa feroz prova de fogo ficou famosa por que àquele que se tornava o “rei dos

cangaceiros” foi ferido no tornozelo, além de perder importantes membros do bando, como

Lavandeira e Cícero Costa, o farmacêutico do grupo.

Zacarias Sitônio e Hermosa Góes Sitônio rememoraram àqueles acontecimentos,

narrando que Lampião ficou abandonado durante doze dias, no mato, agonizando. Quando

o descobriram, o seu estado era desesperador, coberto de parasitas e com o pé preso à perna

apenas por tendões.

A guarda pessoal de Marcolino Pereira Diniz o escoltou até os Patos de Irerê,

localizado a 18 quilômetros de Princesa, reduto do poderoso “Coronel” José Pereira.

Marcolino, imortalizado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em famoso baião

intitulado “Xanduzinha”, era sobrinho e cunhado do “Coronel” Zé Pereira, chefe político

princesense de grande expressão na década de vinte do século passado.

Na malha impecavelmente protomafiosa montada por Lampião, Marcolino e o seu

pai, o “Coronel” Marçal Florentino Diniz, compunham importantes agentes a serviço da

proteção ao cangaço. Foram eles os principais responsáveis pela continuidade da carreira de

bandido de Lampião. Convocaram médicos e serviçais para tratar do calcanhar que fora

seriamente afetado, atingido no tiroteio da serra das panelas.

Em Nazarezinho (PB), outra questão da família Pereira era reclamada por um

sertanejo de nome Francisco Pereira Dantas. Na ênfase ao rosário de ódio que começou a

ser tecido quando da morte do patriarca deste ramo familiar espalhado pelo nordeste, houve

convite de um pequeno comerciante desta localidade, de nome Chico Lopes, para raid dos

bandoleiros à cidade de Sousa (PB), saqueada em 27 de julho de 1924. Foram comandantes

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do assalto os irmãos de Lampião, Antônio e Levino, Chico Pereira, Chico Lopes, Sabino

Gório e um cangaceiro de nome Paizinho, responsável pela ação violenta de domínio da

residência do magistrado local, Dr. Archimedes Souto Maior.

A rede de informantes de Lampião era precisa. Conforme Zacarias Sitônio e

Hermosa Góes Sitônio, o chefe cangaceiro entrou em profunda angústia quando as notícias

sobre a violência do ataque lhes chegaram. O bando havia se excedido em Sousa,

responsabilizando-se pelas mais vexatórias e vergonhosas ofensas ao representante máximo

da lei na cidade.

Astuto e sagaz, Virgulino sabia que sua estadia pacata e tranqüila na região de

Princesa estava definitivamente inviabilizada. Zé Pereira iria tomar providências drásticas

no sentido de efetivar perseguição ao seu grupo. Era dever incontestável do político

princesense levar avante campanha perseguitória ao cangaço sob o domínio de Lampião. E

assim o fez.

Foi instalado Batalhão da Polícia Militar na cidade de Patos das Espinharas (PB). Os

combates entre cangaceiros e volantes se intensificaram de forma impressionante,

resultando na tragédia de Serrote Preto, na região de Água Branca (AL). Atraídos para uma

armadilha, muitos soldados e oficiais paraibanos foram eliminados, diversos de maneira

cruel.

Em seguida, continuando a haver refregas entre os dois lados, houve o assassinato de

Levino Ferreira, primeiro irmão do “rei do cangaço” a perecer em luta. O confronto se deu,

conforme os entrevistados, no ano de 1925 em uma localidade conhecida por Tenório,

localizada na região de Flores do Pajeú (PE). Lampião culpou Zé Pereira pela perda do

parente, jurando vingança.

O cangaceiro passou a atacar o gado pertencente ao “Coronel” Zé Pereira, bem como

aos que pertenciam aos seus agregados e familiares. Iniciava-se a vingança implacável e

perversa de Lampião.

As ações mais violentas foram registradas em dois lugarejos perdidos nas quebradas

daquele sertão. Em propriedades conhecidas por “Caboré” e “Lagoa do Serrote”, os

bandoleiros assassinaram diversas pessoas, incluindo entre estas um ancião que contava

com mais de noventa anos e uma criança de apenas doze anos.

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Amaldiçoando o solo paraibano pela perda do parente, Lampião deslocou sua área de

atuação par o seu estado natal, onde a malha de coiteiros lhe serviu satisfatoriamente,

articulada com o esquema criminosos estruturado em conluio com a rede de proteção ao

banditismo rural que vicejava no sul do Ceará.

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S U M Á R I O

LAMPEÃO, SUA HISTÓRIA: OBJETIVOS DA PRIMEIRA BIOGRAFIA ERUDITA DO “REI DO CANGAÇO”

Publicado no ano de 1926, pela Imprensa Oficial do Estado da Parahyba, o livro

“Lampeão, sua história”, de autoria do jornalista Érico de Almeida, é a primeira biografia

erudita do “rei do cangaço”.

Almeida militou anos a fio no Jornal paraibano “O Norte”. Quando da ênfase às

inovadoras políticas públicas encabeçadas pelo governo Epitácio Pessoa na presidência da

República (1919-1921), engajou-se como funcionário do Ministério da Agricultura, lotado

no Escritório deste órgão em Princesa (PB), cujo objetivo principal consistia em combater a

lagarta rosada, a qual era sério problema para a cultura algodoeira, principal produto da

pauta de exportações do Estado da Paraíba na época.

Quando do término do triênio Epitacista, houve total desestímulo dos esforços,

empreendidos por parte do sucessor, o mineiro Arthur Bernardes, que escandalizado com a

onda de corrupção que marcou o período anterior desestruturou as obras de açudagem e

outros projetos importantes, incluindo a campanha contra as pragas que atingiam os

algodoais.

Com o fechamento dos Escritórios do Ministério da Agricultura espalhados pelo

Estado da Paraíba, inclusive o posto estabelecido em Princesa, Érico de Almeida ficou

desempregado, como muitos outros, tendo gerado a sensibilidade do “Coronel” José Pereira

Lima, que resolveu unir o útil ao agradável, talvez levando em conta o consórcio do

jornalista com mulher da localidade, da família Duarte, de nome Rosa.

Devido ao ataque cangaceiro a Sousa (PB), pois antes Lampião desfrutava de proteção

integral na região, graças ao acordo firmado com o “Coronel” Marçal Florentino Diniz e

seu filho Marcolino, Zé Pereira se viu na contingência de desviar a atenção dos fatos

através da ênfase à literatura voltada para a negação do óbvio.

O ofício de jornalista auxiliou bastante Érico de Almeida quando foi contratado para

escrever o que seria a primeira biografia erudita de Lampião, pois o costume de anotar tudo

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quando do exercício de suas funções como funcionário do Ministério da Agricultura foi de

fundamental importância para a elaboração de sua obra.

Os objetivos do livro são claros, pois negar a melindrosa relação de coiterismo que

existia há tempos imemoriais na região de Princesa não era tarefa fácil. Lampião, sentindo-

se traído, passou a berrar aos quatro cantos as facilidades e as serventias de sua “profissão”

aos que estavam lhe perseguindo tenazmente devido à forma como se efetivou o ataque

cangaceiro à cidade de Sousa.

No livro “Lampeão, sua história” há a defesa que as perseguições aos cangaceiros

datavam de antes do “rei do cangaço” decidir enviar seus homens para levar avante a

vingança pretendida por humilde bodegueiro da localidade de Nazarezinho (PB), então

distrito de Sousa, contra importante oligarca local de nome Otávio Mariz.

Episódios conhecidos da história do cangaço, como a morte de Meia-Noite nos grotões

ermos do saco dos Caçulas, foram deturpados propositalmente a fim de eximir de culpas

importantes personagens que fizeram a história do movimento, como Manuel Lopes Diniz,

conhecido por Ronco grosso, homem da inteira confiança dos “Coronéis” José Pereira

Lima, Marçal Florentino Diniz e de Marcolino.

O livro de Érico de Almeida não cita que Lampião passou meses sendo cuidado nos

Patos de Irerê por dois médicos, depois que foi ferido gravemente no tornozelo pelos

disparos feitos pelos volantes comandados pelo Major Teófanes Ferraz Torres, da força

pública pernambucana.

João Suassuna, presidente paraibano na época, é elevado à categoria de verdadeiro

santo protetor, exponencializando consideravelmente a campanha deflagrada pelo gestor

paraibano contra os cangaceiros. A forma como Érico de Almeida trata Suassuna em seu

livro levou literatos de peso a afirmarem categoricamente que se tratava de um pseudônimo

utilizado pelo presidente paraibano para se autopromover.

Elpídio de Almeida afirmou que era Suassuna o real autor do livro, enquanto Mário

de Andrade, sutilmente, em “O Baile das Quatro Artes”, enfatizou que havia comentários

de que realmente era Suassuna o autor da primeira biografia erudita de Lampião.

Em contato com pessoas que conheceram o jornalista, quando de sua estadia em

Princesa, a exemplo dos senhores Zacarias Sitônio, sua esposa Hermosa Goes Sitônio e

Belarmino Medeiros, todos residentes em João Pessoa (PB) na época do resgate do livro de

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Érico de Almeida, encontramos provas suficientes sobre a real existência do autor, como a

certidão de casamento e fotografia em que aparece discretamente o jornalista.

Entrevistado em Limoeiro do Norte (CE), quando da fuga alucinada depois da tentativa de

ataque a Mossoró (RN), no ano seguinte à publicação do livro de Érico de Almeida,

Lampião destilou ódio contra o “Coronel “José Pereira Lima, chamando-o de falso e

mentiroso, pois havia se beneficiado com todos os favores de sua “profissão” e depois o

havia traído.

Após a revolução de trinta, o livro de Érico de Almeida foi sendo gradativamente

esquecido, colocado entre os malditos, fruto de uma estrutura carcomida que precisava ser

apagada em prol da edificação de uma nova ordem econômica, política e social.

Com o apoio indispensável do senhor Zacarias Sitônio, que apresentou-nos o livro raro

escrito pelo jornalista Érico de Almeida, conseguimos resgatá-lo, no ano de 1996, após

matéria publicada no jornal paraibano “Correio da Paraíba”, datado do dia 12 de agosto de

1995, sendo reeditado, setenta anos depois, pela editora universitária da UFPB, que se

responsabilizou pela terceira edição em 1998.

Não obstante os profundos vínculos com as estruturas de poder dominantes na

República Velha, era imprescindível que o livro “Lampeão, sua história” saísse do

ostracismo ao que foi relegado pelos novos mandatários que assumiram o poder com a

vitória dos revolucionários em outubro de 1930, pois cessando os exageros existem

informações preciosas sobre o ciclo épico do cangaço e sua época que não podem ficar

ocultas dos historiadores e dos que apreciam as velhas coisas sobre o semiárido do nordeste

brasileiro.

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CORONEL MANUEL BENÍCIO: COMANDANTE PARAIBANO DE FORÇAS VOLANTES

Em uma época marcada pela violência e ousadia, Manuel Benício encarnou de forma

extraordinária a valentia, a astúcia e a sagacidade a fim de enfrentar provas de fogo

inauditas pelos ermos distantes das quebradas do sertão.

As táticas cangaceiras eram tão complexas que somente alguém com o mesmo

sangue frio dos bandoleiros poderia alcançar sucessos quando das diligências para fazer

valer a lei e a ordem em uma terra marcada pela absoluta ausência de amor ao próximo.

Manuel Benício sintetizou tudo isso, pois com coragem extrema alcançou seus

objetivos militares em diversos momentos históricos que marcaram o sertão paraibano. Em

1912, quando da campanha política que envolveu Rêgo Barros e Castro Pinto, através da

mazorca promovida pelos chefes políticos de Alagoa do Monteiro, representado pelo Dr.

Augusto Santa Cruz, e de Teixeira, com o Dr. Franklin Dantas, pai do bacharel João Duarte

Dantas, assassino do Presidente João Pessoa em julho de 1930, Manuel Benício conseguiu

ludibriar um piquete formado por jagunços dos caudilhos, matando sete inimigos, de uma

forma que apenas quem tinha profunda insensibilidade poderia conseguir, pois uma das

características do Coronel Manuel Benício era justamente total apatia à vida e à morte.

O comandante paraibano de forças volantes guardou até a morte um rosário de

orelhas dos cangaceiros mortos em combate. Cada membro tinha precisa identificação, pois

dotado de memória prodigiosa Manuel Benício sabia a quem pertencia e em qual combate

conseguiu matar determinado bandoleiro, cuja "lembrança" era mantida como troféu de

guerra.

Exemplo de como Manuel Benício era frio e calculista encontramos na história de

uma perseguição a cangaceiro no vale do Piancó. Altas horas da madrugada, Manuel

Benício teve um encontro inesperado com o bandido que perseguia. Era questão de

milésimo de segundos para decidir a sorte. Gritando bem alto que não atirassem pelas

costas no homem à sua frente, sem ninguém na retaguarda, o valente militar conseguiu a

distração necessária do inimigo para abatê-lo com certeiro tiro.

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S U M Á R I O

Em boa parte da história da Polícia Militar do Estado da Paraíba no século XX

encontra-se a constante presença de Manuel Benício. Não obstante a amizade com

Francisco Pereira Dantas, foi Manuel Benício quem comandou a tentativa de captura do

cangaceiro paraibano no sítio Pau ferrado, na época pertencente ao município de Pombal

(PB). No tiroteio do sítio Tataíra, entre Princesa (PB) e Triunfo (PE), quando o cangaceiro

Meia-Noite foi cercado, tendo se imortalizou nas crônicas cangaceiras, também foi Manuel

Benício quem comandou a diligências, auxiliado pela tropa de "cachimbos" contratada pelo

"Coronel" José Pereira Lima.

Em Princesa (PB), quando da deflagração da guerra civil em 1930, contra o governo

de João Pessoa, Manuel Benício se destacou como bravo combatente, tendo participado de

combates importantes, a exemplo de Tavares (PB), quando a tropa comandada pelo Capitão

João Costa ficou literalmente sitiada durante os seis meses de luta, comendo "pipoca e

pipoco".

Atendendo os requisitos necessários exigidos por sua época, ou seja, matar o maior

número possível de adversários, Manuel Benício chegou ao coronelato na Polícia Militar

paraibana, destacando-se entre bravos que enfrentaram verdadeiras feras, bandoleiros e

insurrectos que, ao lado dos volantes, protagonizaram façanhas impressionantes que

marcaram uma época atribulada no sertão nordestino.

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S U M Á R I O

A COLUNA PRESTES EM PIANCÓ-PB E A MORTE DO Pe. ARISTIDES

Convivi e conversei muito com o brioso oficial da Polícia Militar Paraibana, Coronel

Manuel de Assis, pois assim como eu, o saudoso valente guerreiro das caatingas nasceu na

velha terra de Maringá. Arruda era um homem espetacular, ser humano formidável, possuía

prosa animada, muito atencioso e dotado de memória prodigiosa.

Apesar das qualidades ímpares, Arruda era afoito demais, pois querer enfrentar a

Coluna Miguel Costa – Prestes, quando da passagem por Piancó (PB), em fevereiro do ano

de 1926, foi um ato temeroso e intempestivo, mas que lhe rendeu honraria do governo do

Presidente João Suassuna por bravura – a espada do herói!

Arruda negava peremptoriamente os fatos, mas sem sombras de dúvidas foi ele

quem abriu fogo contra a vanguarda dos militares insurrectos, abrindo os portais dos

infernos para a cidade de Piancó e seus defensores.

Nas inúmeras conversas sobre a passagem da Coluna pelo desditado município

paraibano, havia incontida emoção quando o velho combatente falava sobre o Padre

Aristides Ferreira da Cruz, vigário e chefe político da cidade sertaneja literalmente arrasada

em fevereiro do ano de 1926.

O Coronel Manuel Arruda de Assis informava que o Padre Aristides nasceu no

então distrito pombalense de Lagoa. Quando de minha fixação no Estado do Rio Grande do

Norte, efetivamente a partir do ano de 1998, fiquei sabendo por intermédio de informações

fornecidas por dileto amigo de nome Raimundo Soares de Brito, verdadeiro arquivo vivo da

cultura potiguar, que o Padre Aristides havia exercido o cargo de vigário em Caraúbas

(RN).

Arruda narrava que o Padre Aristides era inimigo de muita gente em Piancó, mas que

todos o respeitavam. O vigário andava com inseparável F. N. Brown na cintura,

acompanhado de grupos de capangas, era metido em tudo que não prestava no sertão

daquela época, viveu maritalmente com jovem da localidade, tiveram filhos, enfim, como

dizemos no sertão, era mais desmantelado do que voo de anum molhado ou galope de vaca

amojada.

Quando os informes enviados de Pombal (PB), notificando sobre a passagem da

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S U M Á R I O

Coluna Prestes por Malta (PB), avistada em composição de “setenta homens esfarrapados,

desmuniciados e famintos”, chegaram em Piancó (PB), o Padre Aristides se animou em

enfrentar a prova de fogo. Acompanhado de Arruda, pois era inimigo do telegrafista,

passou telegrama para Júlio Lyra, chefe de polícia de Suassuna, comprometendo-se em

conseguir dois mil homens em armas no prazo de quarenta e oito horas, proposta logo

prontamente aceita pelo governo do Estado. Não obstante os esforços, Padre Aristides não

conseguiu reunir o número de homens prometido para a defesa.

Mas o que ninguém sabia em Piancó era que isso consistia em uma tática de Prestes,

a guerra de movimento, depois usada por Mao-Tsé-Tung, quando da grande marcha pela

China, a fim de ludibriar o inimigo. Prestes dividia a coluna em inúmeros subgrupos que se

reuniam em local previamente determinado em cartas e mapas. No caso paraibano, o

ajuntamento de forças estava programado para ser feito Coremas, o que aconteceu.

Conforme Arruda, o contingente da Coluna Miguel Costa-Prestes era tão grande que

quando a vanguarda entrava em Piancó a retaguarda ainda estava montando nos cavalos em

Coremas, um percurso de trinta e seis léguas.

Quando a Coluna entrava em Piancó, descargas certeiras alvejaram cavalos e

cavaleiros. Daí por diante fechou-se o tempo, quando intenso tiroteio transformou Piancó

em praça de Guerra. Vinha de ambas as partes, mas com maior intensidade, devido ao

número de componentes, disparado pelos integrantes do movimento tenentista originado no

sul do País.

O ódio que a Coluna Miguel Costa – Prestes passou a devotar ao piquete do Padre

Aristides teve seu recrudescimento quando ato considerado de alta traição inflamou os

ânimos acirradíssimos dos combatentes.

Arruda contava, parece até que o estou ouvindo neste momento, que havia um preso

de justiça em seu piquete. Esse detento, por bom comportamento, tinha tratamento

diferenciado. Apelidaram-no de “preá”, pois bastava dar-lhe uma rapadura que ele

conseguia trazer do meio da caatinga qualquer cabra ou bode espavorido que por ventura se

desgarasse do rebanho.

Conforme Arruda, havia visualizado sinal do Tenente Antônio Benício, delegado de

Piancó, para que levasse quatro fuzis e um cunhete de balas para o piquete dele, ao que

“preá” retrucou com toda razão ser impossível furar as mil modalidades de ataque dos

revoltosos e chegar ao piquete do Tenente do outro lado da rua. Arruda teve a idéia de

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instruir “preá” para pendurar a camisa branca que vestia em um dos fuzis. Quando o

defensor de Piancó saiu à rua com o fuzil hasteando a bandeira branca, imediatamente o

código ético-militar da Coluna Miguel Costa – Prestes foi acionado, com os combatentes

ensarilhando armas e respeitando a decisão contida no símbolo internacional.

Talvez por não saber o que acontecia na área defendida pelo então Sargento Manuel

Arruda de Assis, o piquete do Padre Aristides aproveitou o momento de distração da

Coluna Miguel Costa – Prestes para intensificar o tiroteio em direção ao grupo revoltoso.

O resultado foi catastrófico, pois a Coluna teve muitos integrantes mortos e feridos.

Daí em diante era ponto capital para os comandados pelo General Miguel Costa e pelo

Capitão Luiz Carlos Prestes chegarem ao piquete do Padre Aristides Ferreira da Cruz. A

Coluna, então, lutou com gosto, botando para quebrar. Foi em direção dos defensores

sediados na residência do vigário de Piancó com vontade de esbagaçar.

Arruda me contava que o Padre Aristides quando viu a coisa ficar preta mandou seu

guarda-costa, de nome Rufino, subir no muro para ver o que acontecia. Rufino informou

desesperado que a situação era periclitante, pois se fugissem morreriam, se ficassem

morreriam do mesmo jeito. Nesse momento, a Coluna lançou duas bombas de efeito

narcótico dentro da casa do Padre. O pessoal que lutava bravamente começou a demonstrar

sonolência, ao que o Padre Aristides instruiu comerem açúcar. A luta era nos corredores,

nas salas, em todo canto, quando uma ordem do comandante da investida, que calassem as

baionetas de uma vez só, cessou a contenda, enquanto o Padre Aristides pedia

incessantemente garantias de vida para todos. Covardemente, o comando da Coluna Miguel

Costa – Prestes “assegurou” as garantias tetricamente solicitadas. Todos que estavam na

casa, incluindo o Padre Aristides e o prefeito de Piancó, o Sr. João Lacerda, bem como o

filho deste, foram conduzidos amarrados, parecendo “corda de caranguejo”, usando

expressão do Coronel Manuel Arruda de Assis, a um barreiro e lá sangrados, um a um, e

não fuzilados. A Coluna Miguel Costa – Prestes era formada majoritariamente por gaúchos,

notabilizados pela selvageria das degolas, dos sangramentos, das lutas fraticidas que

encharcaram os pampas em épocas passadas, dos tempos das guerras envolvendo o Brasil e

os países vizinhos e dos embates dos maragatos com os pica-paus.

Padre Aristides, sentindo-se mortalmente ferido, implorou para que não fizessem aquilo

com ele, pois era um sacerdote católico. As humilhações foram intensificadas, pois o

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S U M Á R I O

martírio do Padre Aristides Ferreira da Cruz e sua gente foi um episódio macabro

patrocinado pela ignominiosa covardia, pela efetiva traição de membros de um movimento

que se autointitulava revolucionário, reformista, ou seja, lá o que tenha sido ou digam ter

sido, mas que não teve hombridade Enem humanismo para respeitar a vida daqueles que já

se achavam dominados e impossibilitados da mínima defesa.

Trabalho louvável, de suma importância para a compreensão de nossa história

regional, intitulado “A Vida do Coronel Arruda, Cangaceirismo e Coluna Prestes”, de

autoria do ilustre Promotor de Justiça paraibano, Dr. Severino Coelho Viana, um dos mais

cultos e inteligentes pombalenses, orgulho da terra de Maringá, literato que vem se

destacando devido a publicação de obras extraordinárias, a exemplo do supramencionado

livro, entre outros escritos, citando ainda “Amor de Cangaceiro”, constitui-se em brilhante

contribuição para a literatura sobre o assunto que tanta polêmica suscitou, sobretudo

quando dos embates do Padre Manoel Otaviano com o Coronel Manuel Arruda de Assis na

época em que ocupavam cadeiras na Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba.

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S U M Á R I O

O TRUCIDAMENTO DO CANGACEIRO JARARACA EM MOSSORÓ

José Leite de Santana era pernambucano de Buíque, nascido no ano de 1901. Antes

de entrar para o cangaço servia ao Exército Brasileiro, em Sergipe, quando desertou em

razão de ter participado de insurreição militar contra o comando do quartel no qual servia

na capital sergipana.

No cangaço, devido sua fúria irascível, ganhou o apelido de Jararaca, mas não era tão

perverso como os irmãos Ferreira, pois quando da marcha de lampião intuindo atacar

Mossoró, protagonizou ato benevolente na localidade de Cantinho do Feijão, hoje

município de Santa Helena (PB).

Ezequiel Ferreira, irmão mais novo de Virgulino Ferreira da Silva, destacava-se pela

pontaria impecável, razão pela qual ganhou o apelido de Ponto-Fino. Foi ele quem matou

Raimundo Luiz, subdelegado e fundador da localidade. Depois do assassinato, Lampião

arrastou punhal de setenta e cinco centímetros de lâmina para rasgar o ventre da viúva do

desditado homem da lei. Queria saber como era a cara do filho de um “macaco” saído das

entranhas. Jararaca intercedeu e evitou mais uma barbaridade que seria cometida

naturalmente pelo “rei do cangaço”.

No combate em Mossoró, as colunas comandadas por Sabino Gório e Jararaca

tentavam tomar de assalto a residência do prefeito Rodolfo Fernandes, hoje sede da chefia

executiva do município, conhecido como Palácio da Resistência.

O valente prefeito havia mandado empiquetar os principais pontos de defesa com

fardos de algodão, inclusive sua residência se encontrava totalmente rodeada com o

principal produto exportado por Mossoró naquela época, vindo de diversos lugares do

nordeste semiárido.

Cangaceiro apelidado de Colchete conseguiu gasolina e encheu uma garrafa, fazendo

um coquetel molotov para ser arremessado nos fardos de algodão em volta do Palácio de

Rodolfo Fernandes. Na parte superior da residência do prefeito postava-se exímio atirador,

de nome Manuel Duarte, que logo notou a intenção do famoso bandido do vale do Pajeú.

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S U M Á R I O

O bravo defensor mossoroense esperou momento oportuno, quando Colchete ficou

com a cabeça visível o suficiente para que o winchester calibre 44 do homem postado em

cima da residência do prefeito detonasse projétil certeiro que esfacelou o crânio do

cangaceiro de Lampião. Colchete estertorava devido o estrago causado pela bala da arma de

Manuel Duarte, quando outro indômito integrante da trincheira do prefeito pulou a janela

de punhal em riste para terminar o serviço, sangrando-o impiedosamente. Imediatamente

esse homem que não sabia o significado da palavra medo voltou ao seu posto para

continuar o combate.

Jararaca sabia, como todos os cangaceiros, que o código dos bandidos permitia que

um companheiro quando era morto àquele que estivesse mais próximo tinha o “direito” de

desarvorá-lo, ou seja, retirar armas, munição e tudo de valor que o defunto carregasse.

Corajosamente, Jararaca se expôs até demais, intuindo ficar com os pertences de Colchete.

O mesmo Manuel Duarte que estourou a cabeça do cangaceiro que buscava

transformar em churrasco os defensores da trincheira do prefeito escalou novamente seu

winchester calibre 44 e pipocou Jararaca pelas costas. O cangaceiro caiu em forma de cruz

sobre o companheiro morto. Passaram-se uns dez minutos para que Jararaca recobrasse a

consciência devido ao impacto da bala calibre 44 detonado por Manuel Duarte. Este notou

que o intrépido bandoleiro havia se mexido, fazendo menção de correr. Novo tiro

deflagrado por Manuel Duarte varou a coxa de Jararaca, tornando sua situação periclitante

ao máximo, ao extremo dos extremos.

Jararaca conseguiu se arrastar por que Manuel Duarte se deparou com outro

cangaceiro atrevido. Dessa vez era Sabino Gório. O tiro deflagrado, o qual buscava a

cabeça do homem de confiança de Marcolino Pereira Diniz, arrancou o chapéu do

cangaceiro, dando chance a Jararaca para sair da linha de tiro e proteger-se.

O cangaceiro clamou por ajuda, chamando Sabino e Massilon, os quais não lhe

deram ouvidos, pois a meta naquele instante era salvar a própria pele. O tiroteio no centro

de Mossoró deixou os cangaceiros absolutamente desnorteados, tanto é que na fuga um

“cabra” da confiança de Isaías Arruda, conhecido por Bronzeado, foi sair para as bandas do

caminho de Upanema (RN), a leste, enquanto o bando tomava a direção de Limoeiro do

Norte (CE), a oeste.

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S U M Á R I O

Jararaca se arrastou penosamente até chegar aos trilhos da estrada de ferro, sendo

preso no dia 14 de junho de 1927. Nesse ínterim, chegava em Mossoró uma volante

paraibana, enviada pelo governador João Suassuna. Essa coluna militar era comandada pelo

Sargento Clementino Quelé, o famoso “tamanduá vermelho”. O governador norte-

riograndense depois presenteou João Suassuna com o punhal de Jararaca, como prova de

gratidão pela atitude de enviar socorro à cidade que foi ameaçada pelos bandidos

comandados por Lampião. Mais tarde, Lampião e seus sequazes viriam o tamanho da

besteira que tinham feito, pois uma coisa eles não sabiam que era a forma como os

Lamartine de Faria levavam avante suas vinganças. A audácia dos cangaceiros em tentar

atacar Mossoró não ia ficar por isso mesmo. Certa vez Vingt-un Rosado me disse que havia

indagado a Juvenal Lamartine sobre o motivo por que tinha mandado matar todos os

cangaceiros que haviam sido aprisionados e enviados para responder processo no Rio

Grande do Norte. A resposta de Lamartine, segundo Vingt-un, foi curta e grossa: “Mandei

matar, mandava de novo e só tenho pena dos que não pude mandar fechar para deixarem de

serem cabras safados”. Essa resposta revelou como era o homem que foi responsável

também pela morte do cangaceiro Francisco Pereira Dantas, talvez, tudo indica, devido

sedução de uma sobrinha de Juvenal Lamartine em Serra Negra, a qual contava quando do

defloramento a tenra idade de doze anos.

Na cadeia de Mossoró, Jararaca era assistido por um médico enviado pelo humano

prefeito Rodolfo Fernandes, quando chegou um soldado da volante de Quelé exigindo anel

de brilhante que o cangaceiro ostentava em um dos dedos. Como o valioso produto de

roubo não saia do dedo do bandoleiro, o militar mandou-lhe colocar o membro na cadeira

que iria arrancá-lo de punhal, o que não aconteceu graças aos protestos do médico. Na

verdade eram feras combatendo feras, não havia distinção em quase nada entre cangaceiros

e soldados volantes, tudo era da mesma laia.

Sem papas na língua, Jararaca destilava ódio contra a polícia, fazendo denúncias

gravíssimas contra oficiais que segundo ele eram corrompidos pelos cangaceiros. Soltou o

verbo contra Teóphanes Ferraz Torres, captor de Antônio Silvino e responsável pela

diligência que resultou em sério ferimento no tornozelo de Lampião, no ano de 1924.

Jararaca tornou-se atração em Mossoró. Perguntas eram feitas, a exemplo do número de

riscos em sua arma, ou seja, se era o total de mortes que ele tinha nas costas. Inúmeras

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S U M Á R I O

histórias surgiam a cada instante, como a que havia jogado criancinha para cima e

aparando-a no punhal. Tudo era desmentido pelo cangaceiro que a cada momento se

enrolava ainda mais.

Lauro da Escóssia, famoso jornalista mossoroense, conseguiu proeza impressionante,

pois entrevistou demoradamente o cangaceiro, publicando a matéria no jornal “O

Mossoroense”.

Nisso, tudo já tinha sido acertado em Natal, pois Juvenal Lamartine de Faria, natural

de Serra Negra do Norte (RN), acostumado a conviver com a vida e com a morte nos

sertões violentos daquela época, ordenou que a transferência de Jararaca fosse realizada

para a capital potiguar.

Avisaram ao bandido que ele seria levado para Natal, quando este reclamou que

havia esquecido as alpercatas na cela. O oficial responsável pela condução do preso disse-

lhe que não se preocupasse, pois assim que chegassem à capital lhe compraria belo sapato

de verniz.

Jararaca entrou inocentemente no veículo dirigido por Homero Couto, sendo

acompanhado por diversos militares responsáveis pela sua transferência de Mossoró para

Natal.

Tudo acertado, o motorista reclamou de pane no motor, justamente em frente ao

cemitério São Sebastião. Jararaca relutou em sair do automóvel, quando um soldado puxou

violentamente pela perna baleada. O cangaceiro valeu-se de Nossa Senhora, mas não houve

jeito, pois assim que o desditado bandido caiu no solo foi alvejado por verdadeiro festival

de coronhadas das armas dos soldados.

A cova de Jararaca já estava aberta, fora do campo sagrado. Quando foram colocá-lo

no buraco, notaram que as pernas eram grandes demais, não cabiam na sepultura. Ele ainda

estava vivo, mas mesmo assim quebraram-nas a golpes de picareta e o enterraram ainda

estertorando, ao lado de Colchete.

Hoje o túmulo de Jararaca é o mais visitado quando do dia de finados em Mossoró.

Pessoas vindas de vários lugares vão pagar promessa, pois a crendice popular transformou

José Leite de Santana em Santo, talvez em razão do martírio abominável do qual foi vítima,

em vista que, não obstante ter sido um criminoso bárbaro, o dever da justiça é garantir sua

segurança e fazer com que pague na forma da lei pelos crimes que cometeu.

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ASSASSINATO DO PRESIDENTE JOÃO PESSOA

“Presidente João Pessoa, sou o Dr. João Duarte Dantas, a quem tanto humilhastes!”

Dessa forma, há oitenta anos (1930 – 2010), mais precisamente em 26 de julho, o

advogado João Duarte Dantas, representante de uma das mais influentes e poderosas

oligarquias do sertão paraibano, apresentava-se na Confeitaria Glória, no Recife, capital

pernambucana, ao presidente da Paraíba João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

Não se conheciam, pois apenas havia trocado telegramas recheados de insultos recíprocos,

respondidos ainda na Imprensa Oficial da Paraíba através de editoriais inflamados, mas a

decisão de publicar no jornal A União as cartas íntimas recebidas da amante Anayde Beiriz,

bem como o diário pessoal de João Dantas, foi a gota d´água que fez transbordar o copo.

João Pessoa havia declarado quase uma guerra particular à família Dantas, pois a

primeira providência do Tenente Ascendino Feitosa, quando da eclosão da guerra de

Princesa, em 28 de fevereiro de 1930, foi invadir a vila do Teixeira e prender membros

desse clã sertanejo.

As ações cada vez mais intensas contra os Dantas, como o aprisionamento de outras

pessoas, parentes do advogado João Duarte Dantas, no ensejo da luta, em Piancó, acirrou os

ânimos exaltados.

A missão de João Dantas na capital paraibana era articular-se com os Estados de

Pernambuco e do Rio Grande do Norte a fim de garantir a continuidade da luta travada em

Princesa, pois aliado incondicional do “Coronel” José Pereira Lima, o filho do Dr. Franklin

Dantas tinha na exaltação uma das características mais proeminentes, razão pela qual

passou a ser perseguido tenazmente pela polícia de João Pessoa.

O arrombamento do seu escritório e a fuga para o Recife foram episódios decisivos

que contribuíram decisivamente para o início da tragédia da confeitaria Glória e,

posteriormente, da penitenciária doa capital pernambucana.

As cartas íntimas recebidas da professora primária e poetisa Anayde Beiriz, bem

como o diário, encontrados no cofre em seu escritório violado, foram publicados com

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destaque no jornal A União, profusamente lido em Recife, cuja população acompanhava o

desenrolar da luta que passaria não ter fim na região de Princesa.

João Dantas havia se hospedado na residência de uma irmã em Recife, casada com o

engenheiro Augusto Caldas. Foi para lá que Anayde Beiriz se deslocou quando viu o

material explosivo publicado na imprensa oficial paraibana. Pressentia que uma tragédia

iria acontecer, estando absolutamente certa.

Pondo o cunhado de João Dantas a par da situação delicada, foram imediatamente

atrás do temperamental advogado. Encontraram-no atirando no presidente João Pessoa.

Augusto Caldas ainda tentou fazer alguma coisa, mas era tarde demais. Junto com o

cunhado, o engenheiro Augusto Caldas também foi conduzido inocentemente preso,

envolvido no crime que abalou o Brasil.

O “Coronel” José Pereira, quando soube do assassinato do presidente João

Pessoa no Recife, decidiu cessar imediatamente a luta, afirmando que não compactuava

com o ocorrido e que tinha perdido o gosto pelas batalhas que se desenrolavam desde o mês

de fevereiro.

A morte de João Pessoa serviu de pretexto para a deflagração da revolução de 1930,

em outubro. Recife foi invadido pelas tropas comandadas pelo General Juarez Távora,

importante figura militar que palmilhou o país quando da marcha da Coluna Miguel-Costa

Prestes.

Incorporado às tropas de Juarez Távora estavam militares paraibanos sedentos de

vingança, encontrando-se entre estes o então Tenente Ascendino Feitosa, responsável, junto

com seus comandados, pela invasão da penitenciária do Recife, onde se encontravam

presos João Dantas e Augusto Caldas.

Ascendino Feitosa adentrou a unidade prisional perguntando onde se encontrava

preso o bandido João Dantas, cuja sela foi invadida e seus ocupantes trucidados como

forma de pagar pela morte de João Pessoa.

Era mais um capítulo sangrento que chegava ao fim, motivado pelas difíceis

relações políticas do início da década de trinta do século passado, cujos desdobramentos

culminaram na implantação do governo Vargas e seus ideais de renovação da sociedade

brasileira.

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PRINCESA-PB: MAIOR MANIFESTAÇÃO DE INSURGÊNCIA DO MANDONISMO LOCAL

Eita Pau Pereira que em Princesa já roncou, eita Paraíba mulher macho sim senhor, eita Pau

Pereira meu bodoque não quebrou! (Paraíba – Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga)

A indicação de Epitácio Pessoa para que o sobrinho do poderoso oligarca de nome

João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque presidisse o Estado da Paraíba teve raízes na faina

corrupta que grassou a unidade federativa quando o renomado político assumiu a gestão

executiva brasileira entre os anos de 1919 a 1921.

O boom econômico originado com a demanda externa por matérias-primas após a

primeira guerra mundial motivou a elaboração de políticas públicas que tinham nas obras

de açudagem o principal carro-chefe.

Para evitar fuga de divisas para os Estados vizinhos, Epitácio Pessoa pensou em dotar

a capital paraibana de um porto com infraestrutura impecável que pudesse sanar velho

problema que prejudicava inexoravelmente as finanças do Estado no qual expressava a

figura maior do mandonismo local. Não conseguiu, pois o dinheiro para a construção do

porto foi parar nos bolsos dos seus aliados.

Nessa época, a porção setentrional paraibana mantinha laços econômicos muito

fortes com Mossoró, enquanto a meridional era ligada ao Recife, onde se destacava a

família Pessoa de Queiroz como principal agente econômico do processo de exportação da

produção gerada no semiárido.

A barreira orográfica representada pelo planalto da Borborema auxiliava bastante

nas decisões dos produtores sertanejos de buscar outros pólos econômicos a fim de realizar

negócios lucrativos, tendo em vista a deficiência de meios de transportes eficazes, pois

geralmente os deslocamentos eram feitos com tropas de burros.

Quando assumiu a presidência paraibana, João Pessoa declarou guerra tributária que

atingiu frontalmente a elite sertaneja agropastoril. A taxação sobre a produção, sobretudo a

cotonicultura, fez com que a margem de lucros dos produtores caísse consideravelmente.

Porteiras foram colocadas em pontos estratégicos para que a taxação sobre os

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produtos fosse realizada. Dessa forma logo os cofres do Estado foram abarrotados de

dinheiro oriundo de majorações exorbitantes.

Em contrapartida, a situação social e econômica sertaneja foi se tornando

periclitante, com a alta generalizada dos preços aliada à seca que teve início em 1926 com

pequeno intervalo em 1929. Nesse ano a situação tornou-se ainda mais alarmante, pois foi

deflagrada a grande crise na bolsa de valores Novayorquina, onde eram comercializadas as

matérias-primas indispensáveis à reconstrução européia depois da primeira guerra mundial.

Na guerra sem trégua ao mandonismo local, João Pessoa passou a agir de forma

impensada sobre as bases do Epitacismo. Destituía ou transferia sem a menor cerimônia

pessoas importantes do esquema oligárquico, como chefes de mesas-de-renda.

O Estado da Paraíba ficou conhecido como a “Suíça Brasileira”, graças à mão-de-

ferro do Presidente que restabeleceu as finanças públicas, extremamente combalidas com a

fase aguda de corrupção que marcou as gestões de Sólon de Lucena (1920-1924) e de João

Urbano de Vasconcelos Suassuna (1924-1928).

João Pessoa foi convidado pelos governos gaúcho e mineiro para compor a chapa da

Aliança Liberal, em vista que havia sido desmanchada a política do café com leite quando

da indicação de Júlio Prestes para suceder Washington Luís. Dessa formas, como candidato

a vice-presidente, o chefe do executivo paraibano chegou a Princesa, reduto do “Coronel”

José Pereira Lima, principal município prejudicado pelas ousadas políticas públicas

adotadas pelo sobrinho do poderoso Epitácio Pessoa.

João Pessoa e comitiva foram bem recebidos. Princesa, localizada no cordão de

serras que divisa o Estado da Paraíba do Estado de Pernambuco, estava toda enfeitada com

bandeiras vermelhas, símbolo da Aliança Liberal, pois era o representante do Epitacismo

que se encontrava no território que devia vassalagem à expressão maior da política de

compromissos que caracterizava a República Velha.

Quando João Pessoa mostrou a chapa da Aliança Liberal, a qual excluía o nome de

João Suassuna, estava sendo selado o rompimento do “Coronel” José Pereira com as bases

da orientação política que até então seguia.

A confirmação veio quando o presidente chegou à capital e recebeu telegrama do

chefe político Princesense em tom desafiador, no qual informava seguir rumo próprio em

companhia de correligionários espalhados pelo Estado. Trocas de telegramas cada vez mais

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acintosos não deixaram margem a nenhuma dúvida, pois João Pessoa escudando-se na

defesa da ordem em razão do pleito eleitoral a ser realizado em 28 de fevereiro de 1930

decidiu de forma intransigente enviar tropas para o sertão, sendo declarada neste dia a

guerra de Princesa.

Conforme o brioso oficial paraibano Ademar Naziazene, em livro sobre a história da

polícia militar paraibana, o número total do contingente a disposição do presidente João

Pessoa era 890 combatentes. A primeira investida foi sobre a vila do Teixeira, reduto da

família Dantas, invadida pela tropa comandada pelo Tenente Ascendino Feitosa que

aprisionou vários membros deste clã sertanejo.

À disposição do “Coronel” José Pereira foi formado verdadeiro exército composto

de mais de 2.800 homens, armados e municiados principalmente com rifles winchester

calibre 44. Depoimentos prestados pelo Coronel Manuel Arruda de Assis ao NDIHR/UFPB

registraram que as armas estavam ainda encaixotadas com o selo da importadora

Matarazzo.

A Polícia Militar paraibana lutava com armas obsoletas, com munição vencida,

impossível de ser usada de forma adequada. Para tentar contornar a situação dramática, o

governo gaúcho montou esquema de contrabando em barris de sebo, tendo em vista que a

alfândega, enquanto órgão federal, era controlada pelo perrepistas.

Zé Pereira enviou cerca de 500 homens, comandados por Lindu e Luiz do

Triângulo, para soltar os Dantas que se encontravam aprisionados e ameaçados de ser

sangrados. O movimento armorial, liderado por Ariano Suassuna, reconheceu o gesto

heróico, concedendo título de nobreza ao último comandante supracitado, em obra por

título “O Romance da Pedra do Reino”.

Foram quase cinco meses de combates inenarráveis, quando se destacaram nomes

como Marcolino Pereira Diniz, Manuel Lopes Diniz, Cícero Bezerra, Sinhô Salviano, João

Paulino, Caixa de Fósforo, entre outros, do lado do “Coronel” José Pereira, enquanto

combatentes fiéis a João Pessoa se destacaram Coronel Elísio Sobreira, Raimundo Nonato,

Clementino Quelé, Jacob Franz, gaúcho que saiu do Rio Grande do Sul para servir à causa

da Aliança Liberal, entre muitos outros, comandados pelo Secretário de Interior e Justiça

José Américo de Almeida.

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S U M Á R I O

Com total apoio do Palácio do Catete, Zé Pereira conseguiu que Princesa se tornasse

território livre e independente, com constituição própria, hino e bandeira próprios, exército

próprio, enfim, legalmente separada do Estado da Paraíba. A família Pessoa de Queiroz,

com quem o chefe princesense mantinha laços econômicos e pessoais estreitos e marcantes,

manteve-se impávida ao lado das oligarquias insurgentes durante toda a luta, não obstante a

proximidade familiar com o Presidente João Pessoa.

Sobre Princesa, Ruy Facó destacou em Cangaceiros e Fanáticos que o território

transformou-se em fortaleza inexpugnável s que sobre seus muros vacilavam as tropas

regulares. Com certeza, pois a cidadela insurgente e seus arredores foram fortificados e

defendidos com unhas e dentes na maior demonstração de rebeldia do mandonismo local na

República Velha.

Em 26 de julho de 1930, após constatar a ausência de ética ensejada pelas batalhas,

quando diário e cartas íntimas foram publicadas na imprensa oficial paraibana, o advogado

João Duarte Dantas foi à caça do Presidente João Pessoa pelas ruas do Recife, encontrando-

o na companhia de amigos na confeitaria Glória. Os tiros que mataram João Pessoa

puseram fim à luta e a uma era, pois em outubro de 1930 foi deflagrada a revolução que iria

gradativamente cercear o poder dos “Coronéis” e instituir nova ordem abalizada na ênfase

ao nacional-populismo que caracterizou o período varguista.

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S U M Á R I O

A GRANDE SECA DE 1932

A grande seca de 1932 iniciou-se de fato em 1926, com um breve intervalo em 1929,

tendo se configurado em verdadeiro cataclisma sócio-econômico na região nordeste nos

anos seguintes, atingindo o ponto culminante no ano que a imortalizou, cuja calamidade fez

com que o flagelo, tantas vezes repetido, assumisse proporções devastadoras,

principalmente para a população carente.

Sob os auspícios do Ministério de Viação e Obras Públicas do Governo Provisório de

Vargas, dirigido com decisão férrea pelo paraibano José Américo de Almeida, reiniciaram-

se os trabalhos de açudagem no sertão. Obras paralisadas desde a década de 20 foram então

progressivamente retomadas, tendo em vista que a confiança de Epitácio Pessoa nas

oligarquias, enquanto condutora das obras públicas, fazendo valer as prerrogativas da

descentralização político-administrativa da República Velha, não havia surtido nenhum

efeito prático, pois na verdade houve avassaladora onda de corrupção.

Ressurgiam velhos projetos, paralisados desde a gestão de Arthur Bernardes (1922-1926),

dos açudes como o Itans, o Gargalheira e Lucrécia, no Estado do Rio Grande do Norte,

Boqueirão de Piranhas, São Gonçalo e Condado, no Estado da Paraíba, sendo que este

último não constava na idealização original, inserido, com certeza, graças à intervenção de

Ruy Carneiro, oficial de gabinete do Ministro de Viação e Obras Públicas, e Lima Campos,

no Estado do Ceará, entre outros.

Flagelados da grande seca foram aproveitados nas obras que o Ministério de Viação e

Obras Públicas implantava nos Estados Nordestinos. Multidões se formaram nos canteiros

de obras, a grande maioria sem a mínima noção de higiene, sendo responsáveis pelo

acúmulo de lixo e dejetos humanos em escala gigantesca. O regime alimentar, composto

basicamente por farinha e carne seca, agravou o quadro de desnutrição crônica da

população flagelada, aumentando ainda mais a possibilidade de acontecer um surto

epidêmico.

No final de dezembro de 1932, quando as chuvas finalmente começaram a cair no

Nordeste, o inevitável aconteceu através de um impressionante combinado de infecções que

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Orris Barbosa, em célebre e clássico livro intitulado “Secca de 32 – Impressões sobre a

crise nordestina”, distinguiu como sendo do grupo coli-tífico-desintérico. Em janeiro,

fevereiro e março de 1933 as cifras da mortandade entre os “cassacos” alcançavam

números impressionantes.

Proliferação de moscas em verdadeiros enxames contribuiu acentuadamente para

disseminar os germes causadores de doenças gastro-intestinais. Em pouco tempo os campos

de trabalho estavam atulhados de cadáveres da desdita da seca do século XX.

Crianças, portadoras de um quadro lastimável de desnutrição, foram as mais penalizadas,

registrando a maioria dos óbitos da grande epidemia que assolou o nordeste brasileiro na

década de 30.

Em um trabalho de profundo humanismo e comprometimento, foi organizada pelo

Ministro José Américo verdadeira cruzada assistencial às pessoas castigadas pelo surto

epidêmico, formando a “Comissão Médica de Colaboração à Assistência e Profilaxia aos

Flagelados”, dirigida pelo Dr. José Bonifácio P. da Costa. O Departamento Nacional de

Saúde Pública também formou comissão objetivando “inspecionar as zonas infestadas e

determinar as medidas imprescindíveis à profilaxia da região” (BARBOSA, 1935, p. 67-

74).

A infestação, assumindo proporções desesperadoras, era um desafio à profilaxia, o

que fez com que o Departamento Nacional de Saúde Pública invocasse a participação

imediata dos departamentos de higiene dos Estados acometidos pelo surto devastador,

iniciando-se um intenso policiamento de focos de moscas e mosquitos.

Gradativamente a peste foi sucumbindo à ação inexorável da competência das ações do

Ministério de Viação e Obras Públicas do Governo Provisório de Vargas em prol da

debelação de um dos maiores flagelos que já assolou o nordeste, cuja união nefasta com a

seca fê-la marca indelével no imaginário popular que ainda guarda na lembrança o grande

desafio que foi vencer a maior epidemia que o nordeste foi submetido, de forma

inclemente, na década de 30 do século passado.

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S U M Á R I O

MÉTODOS DE SANGRAMENTOS UTILIZADOS POR VOLANTES E CANGACEIROS

O sangramento era um dos crimes mais hediondos cometido no sertão nordestino no

tempo do cangaço, praticado tanto por tropas volantes, as quais dispunham de “sangradores

oficiais”, como por cangaceiros.

Símbolo de uma cultura forjada pela colonização erigida sob a ênfase da força e da

violência, responsável pelo extermínio dos índios que habitavam a hinterlândia, a “técnica”

de sangramento foi aperfeiçoada ao máximo. A razão econômica da penetração interiorana

exigia que o gado criado de forma ultra-extensiva fosse, necessariamente, abatido para o

consumo de uma minoria privilegiada da população, principalmente a do litoral canavieiro.

No sertão, se tornou um “trabalho de mestre” matar sangrando a jugular ou a carótida.

As carótidas são duas artérias, a comum direita e a comum esquerda, sendo que a

comum direita é originária do tronco braquiocefálico e a comum esquerda é originária do

arco aórtico. A ruptura dessas artérias significa morte certa. A hemorragia violenta na via

arterial do fluxo de sangue da aorta se encarrega de tudo.

Quando o soldado João da “mancha”, considerado inclusive por seus antigos colegas

de farda, como um psicótico, extravagante sangrador das forças volantes paraibanas,

rompeu, com um bisturi pertencente ao medico Luiz de Góes, a carótida do advogado João

Dantas, assassino do presidente João Pessoa, quando de sua detenção na penitenciária do

Recife (PE). João Dantas estava preso na companhia do cunhado, o engenheiro Augusto

Caldas, também assassinado com a mesma “técnica”. O “serviço” fora feito por um

profissional macabro que conhecia muito bem o seu “ofício”. O militar sabia

milimetricamente onde iria romper a artéria, visto que a luta corporal travada entre o

intrépido advogado João Dantas e os seus algozes impediu o seccionamento no ponto exato,

como pretendia Dr. Luiz de Góes. Conforme Arruda, só alguém que estava profundamente

em contato com a “arte” de sangrar poderia ter feito um “trabalho” com tamanha perfeição.

As veias jugulares, outras que também eram preferidas pelos “sangradores” das lutas

do cangaço nordestino, são de extrema importância para o organismo. A veia jugular

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interna é a principal. Ao rompê-la é quase impossível de haver qualquer possibilidade de

salvação, a não ser que haja modernas técnicas de reversão, como presença de médicos e

hospital, praticamente inexistentes nos ermos esquecidos dos sertões de outrora, embora

ainda hoje encontremos tal situação em diversos lugares espalhados pelo nordeste e pelo

Brasil afora.

Com o comprometimento da veia braquiocefálica, poucas chances de vida havia às

vítimas desse suplício macabro promovido por solados e bandidos no sertão do cangaço,

principalmente quando do apogeu de Lampião. Essa veia se anastomisa com a veia

braquiocefálica direita, formando a veia cava superior, de fundamental importância à

manutenção da vida.

Lampião era expert nesta técnica, dispondo para isso de imenso punhal de setenta

centímetros de lâmina. Tarimbado na lida do campo, sobretudo no que diz respeito à

pecuária, fornecendo peles e couros ao “Coronel” Delmiro Gouveia, com quem a família

Ferreira negociava, o “rei do cangaço” inovou e utilizou-a profusamente quando de sua

chefia no cangaço (1922 – 1938).

A veia jugular externa, quando rompida, representa morte certa. Essa veia é

constituída da junção da veia retromandibular com a veia auricular posterior, e, após vários

estágios de grande importância, desembocará, mais freqüentemente, na veia subclávia.

Segundo o Coronel Manuel Arruda de Assis, sobre quem há registros históricos

indeléveis, tendo marcado de forma extraordinária a história das lutas do povo do semi-

árido nas primeiras décadas do passado século, outro método bastante utilizado por ambas

as partes envolvidas nas lutas, consistia em perfurar a clavícula, introduzindo-se, com

violência, o instrumento perfuro-contudente diretamente na aorta, junto ao coração.

Depois da hecatombe de Piancó (PB), ocorrida no mês de fevereiro do ano de 1926,

cuja participação do velho guerreiro das hostes volantes, natural do município de Pombal

(PB), fora decisiva e marcante, houve aprisionamentos de militares da coluna Prestes, bem

como da cozinheira da milícia que pregava novos rumos. Era uma baiana conhecida entre

os revoltosos por tia Maria. Apenas um escapou da triste sina, devido aos apelos de muitos

no sertão, inclusive do Padre Cícero.

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S U M Á R I O

Conforme ainda o entrevistado, um prisioneiro quando do sangramento pelos

militares comandados pelo Coronel Elísio Sobreira, revelou ter feito muito isso quando da

marcha da coluna, entre os diversos combates que travou.

Ainda em Piancó (PB), Arruda relembrou a chacina do barreiro, a qual vitimou o

Padre Aristides Ferreira e diversos camaradas que lutaram bravamente para tentar conter o

avanço da coluna. Todos foram sangrados por membros da coluna, consternados com as

mortes dos cavalarianos que formavam a vanguarda da Coluna Miguel Costa – Prestes, os

quais chegavam na cidade de Piancó (PB), e terminaram alvejados pela pontaria certeira do

então sargento Manuel arruda de Assis.

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A ESTRELA OCULTA DO SERTÃO

Importante e valioso documentário, por título “A Estrela Oculta do Sertão” foi

produzido na região nordeste, cujo destaque encontra-se no enfoque às tradições judaicas

presentes nas práticas culturais do povo nordestino.

Protagonizado por médico paraibano de nome Luciano Oliveira, que por acaso

pergunta a parente sobre seus antepassados, obtendo como resposta às indagações, provas

suficientes do vínculo com a antiga sefarade que mudaram sua vida, “A Estrela Oculta do

Sertão” afirma a veracidade de muitas histórias familiares espalhadas pelas quebradas do

sertão nordestino.

Luciano Oliveira e sua equipe palmilharam diversos estados da região, intuindo

comprovar a tese de que a genealogia de muitas famílias nordestinas está

indissociavelmente atrelada ao sangue judeu.

Buscando subsídios em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, o

protagonista desvenda antiqüíssimas práticas culturais presentes no cotidiano do povo

nordestino, como o costume de não varrer a casa passando lixo pela porta da frente, pois em

um passado distante esta cotinha um dos mais sagrados símbolos do judaísmo – A Mezuzá

– pequena tabuleta de madeira impecavelmente trabalhada, contendo na parte de fora a letra

ELSHADAI, primeira do Nome do Eterno Todo Poderoso, em hebraico, sendo que dentro

contém os salmos, também na língua principal falada pelos judeus. Com a aculturação e a

cristianização, quando da ênfase à efetivação dos cristãos-novos, a Mezuzá foi substituída

pela cruz, indispensável em portas espalhadas por toda região.

Costumes presentes no dia-a-dia dos nordestinos, como o hábito de colocar pedras

em cruzeiros no meio das estradas, também são esmiuçados no documentário, pois esta é

uma das mais importantes manifestações de condolência judaica.

Nathan Wachtel, eminente professor do Collège de France, publicou importante

livro, ainda em francês, sobre as tradições nordestinas, provando que as mesmas são

eminentemente judaicas. O livro do professor Wachtell intitula-se La Foi Du Souvenir (A fé

da lembrança).

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S U M Á R I O

Municípios localizados nos ermos distantes do sertão, como o pequeno Venha-Ver

(corruptela de “Vir Chaver”, em hebraico, ou seja, “Venha Amigo”, a inquisição não lhe

pega por aqui), localizado no alto oeste potiguar, foram visitados por Luciano Oliveira e

equipe, cujo destaque encontra-se justamente na comprovação de que os moradores do

lugarejo norte-riograndense descendem dos fugitivos da perseguição inquisitorial que se

instalou em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte após a expulsão dos

holandeses.

No estado da Paraíba, há ênfase à visita de Luciano Oliveira e equipe à cidade de

Pedra Lavrada. O protagonista é da família Cordeiro desse município, cujas ramificações se

espraiam pelo estado do Rio Grande do Norte, chegando ainda a influenciar na

denominação toponímica de localidade chamada São José dos Cordeiros.

Sobrenomes comuns às famílias nordestinas são de origem judia, pois quando da grande

conversão forçada, no final do século XV, houve pacto entre os judeus para adotarem

nomes de plantas, árvores, animais, lugar de origem etc., objetivando se reconhecerem no

futuro.

Oliveira, Cardoso, Fernandes Pimenta, Gurgel, Carneiro, Alencar, Mangueira,

Nogueira, Carvalho, Pereira etc., são exemplos de sobrenomes com vínculos judaicos,

presentes, na região nordeste e outras regiões, bem como países, em listas telefônicas,

nomes de ruas, chamadas de salas de aulas e muitos outro.

O documentário “A Estrela Oculta do Sertão” peca em não falar sobre a fase áurea

desfrutada pelos judeus quando da dominação holandesa (1630-1654), pois a resposta para

a presença dos descendentes desse povo na região nordeste encontra-se justamente na

tolerância que os mandatários da Companhia das Índias Ocidentais manifestaram quando

da conquista do nordeste brasileiro, pois necessitavam de capital para levar avante a

experiência concentrada na exponencial relação com o açúcar nordestino, na época

impossibilitado de ser comercializado na Europa pelos holandeses devido rixa com os

espanhóis.

A expulsão holandesa do nordeste brasileiro fez com que verdadeira “caça às bruxas”

fosse instalada, com a requisição lusitana da presença da Santa Inquisição. A importância

da presença judia no nordeste era tão proeminente que a primeira Sinagoga das Américas

foi construída no Recife.

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Com a celeuma causada devido à saída batava, o rabino da sinagoga pernambucana,

de nome Isaac Aboab da Fonseca, conseguiu comprar, através de quotas com os membros

da comunidade, um navio no qual rumaram para o norte, tendo chegado à costa nordeste

dos atuais EUA, quando ajudam a fundar um núcleo populacional que levaria o nome de

Nova Amsterdã, hoje cidade de Nova York. O rabino da sinagoga Novayorkina chama-se

Abraão Cardoso, descendente dos judeus pernambucanos que migraram, fugindo das

perseguições inquisitoriais.

Grandes personalidades que fazem parte do seleto rol dos estudos judaicos no Brasil

e no mundo foram entrevistadas quando da produção de “A Estrela Oculta do Sertão”, a

exemplo de Nathan Wachtell, Anita Novinsky, Paulo Valadares, João Medeiros Filho e

família, Marcos Filgueira, Odmar Pinheiro Braga etc.

A Estrela a qual se refere o título do documentário, obviamente, é o hexagrama dos

judeus, a Estrela de David, com seis pontas, símbolo contido na bandeira do Estado de

Israel, a mesma que se encontra disfarçada em uma rosa no frontispício do velho casarão

construído em 1870 em Pombal (PB), na atual rua Coronel João Leite, propriedade, em um

passado não muito distante, dos criptojudeus pombalenses Aarão Ignácio Cardoso D´Arão e

sua sobrinha e esposa Facunda Cardoso de Alencar.

O documentário chama a atenção para uma questão delicada que é a situação dos

anussins, os descendentes desses fugitivos que escaparam da região litorânea e buscaram

abrigo nos mais longínquos recônditos espalhados nas quebradas do sertão nordestino.

Para quem se interessa pelas questões pertinentes ao nordeste brasileiro, “A Estrela Oculta

do Sertão” surgiu como um dos mais importantes documentários sobre a região nordeste,

devido elucidar e responder antigas indagações sobre as origens e as práticas culturais da

população que aqui habita.

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S U M Á R I O

A IMPORTÂNCIA DO CORDEL EM SALA DE AULA

Veículo de fabuloso fomento à identidade regional, o cordel tem nas camadas

populares seus mais constantes e fiéis consumidores, sendo através dos tempos valorizado e

cultuado como a verdadeira e autêntica literatura nordestina, o livro de bolso do povo da

região.

Há ênfase a diversos clássicos da Literatura de Cordel, os quais são estudados com

seriedade em importantes academias espalhadas mundo a fora, não obstante ser recente o

estudo desse gênero em Universidades Brasileiras.

Entre esses, destacam-se as produções de Leandro Gomes de Barros, João Martins de

Athayde, José Camelo de Melo, José Pacheco, João Ferreira de Lima, entre outros,

inspiradores do Movimento Armorial, criado pela genialidade ímpar de Ariano Suassuna.

A importância de estudar o cordel em sala de aula está sendo enfatizado em projeto

ousado e inovador, por título Acorda Cordel, coordenado pelo poeta popular, radialista,

ilustrador e publicitário cearense Arievaldo Viana, nascido aos 18 de setembro de 1967, nos

sertões adustos de Quixeramobim, terra que também viu nascer o beato Antônio

Conselheiro.

Intitulado Acorda Cordel na Sala de Aula, folheto de número 70 da Coleção Queima-

Bucha, publicado em Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, em janeiro de 2006, esse

cordel traz ilustração de capa do próprio autor.

Vale ressaltar que Arievaldo Viana foi eleito no ano de 2000, membro da Academia

Brasileira de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira de número 40, cujo patrono é o poeta

popular João Melchíades Ferreira.

Arievaldo Viana desenvolve sua verve extraordinária alertando sobre a necessidade

de primar por normas ortográficas e gramaticais corretas, tendo em vista que o cordel,

quando usado para a alfabetização, principalmente de jovens e adultos, deve respeitar a

linguagem corrente, sem erros grosseiros que atrapalhem os objetivos propostos em seu

projeto de fomento ao processo ensino-aprendizagem.

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S U M Á R I O

O autor sintetiza a influência do cordel em sua vida, desde a infância, quando se

verificou o contato do mesmo com grandes nomes da literatura regional, cujas histórias

eram lidos pela avó com o frenético entusiasmo de quem se rende aos encantos das

bravuras e feitos épicos narrados primorosamente em folhetos de diversos mestres do

passado.

Arievaldo Viana confessa, sem titubear, que os versos geniais decorados de diversos

cordéis, tiveram influência mais incisiva que os livros nos quais estudou. O cordel tinha

decisiva importância na formação do povo nordestino em razão que o advento do rádio e da

televisão era pouco enfático. A mídia ainda não havia contaminado efetivamente o

imaginário do povo nordestino.

A fim de que recuperemos nossa identidade vilipendiada pelos rumos da

globalização, o autor frisa a importância de que cada biblioteca estruture sua cordelteca

como fonte de saber.

Aviso singular quanto à utilidade do cordel, está contido na necessidade da

observância da métrica, rima e oração que cada folheto deve conter, visto que, na brilhante

advertência do autor, deve existir seqüência lógica para que o estudo seja contemplado de

êxitos.

A influência da avó é destacada intensamente no folheto, como forma de exaltar a

importância do cordel na sala de aula, pois conforme o autor, esta teria sido sua mais

completa fonte de inspiração para que se desabrochasse o amor pelo gênero mais

identificador da verdadeira cultura nordestina.

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BENJAMIN ABRAHÃO E A INVOLUNTÁRIA CONTRIBUIÇÃO PARA A EXTINÇÃO DO CANGAÇO

Natural da região compreendida pela Palestina bíblica, o sírio-libanês Benjamin

Abraão Botto chegou ao Brasil no ano de 1914, fugindo da convocação compulsória para

lutar na Primeira Guerra Mundial, determinada pelo império inglês que dominava a região

na época.

Botto rumou para o Ceará, na companhia de outros conterrâneos que alimentavam o

mesmo objetivo. Na terra de Iracema, manteve contatos no Juazeiro do Norte com o célebre

padre Cícero Romão Batista, tornando-se secretário particular do polêmico sacerdote

católico.

Interessado em cinema e fotografia, Botto foi o responsável pelas únicas imagens

cinematográficas existentes de um dos protagonistas do ´milagre da hóstia´. Em Juazeiro do

Norte, no mês de março de 1926, assistiu à chegada do grupo de cangaceiros chefiado por

Lampião, o qual atendia convocação do caudilho Floro Bartolomeu da Costa, cujo objetivo

era planejar a participação dos bandoleiros das caatingas no combate à Coluna Prestes,

compondo os ´Batalhões Patrióticos´ formados no governo Arthur Bernardes.

Com a morte do padre Cícero Romão Batista, no ano de 1934, Benjamin Abraão

Botto começou a elaborar ousado projeto que objetivava captar imagens fotográficas e

cinematográficas do bando comandado por Lampião, cuja atuação havia se concentrado,

desde 1928, entre os estados da Bahia, de Sergipe e de Alagoas.

A conseqüência imediata e inevitável da ousada tentativa cangaceira de atacar a

cidade de Mossoró, a qual desfrutava na época o status de já ser a segunda cidade do Rio

Grande do Norte, foi o recrudescimento impressionante da perseguição de forças volantes

ao bando depois da primeira derrota de Lampião, graças à ação dos mossoroenses.

Exemplo disso observou-se quando da entrada triunfante de Lampião e seus

cangaceiros, no ano de 1926, na cidade pernambucana de Cabrobó, após receberem falsas

patentes de oficiais do Exército Brasileiro, ´documentadas´ em Juazeiro do Norte pelo

engenheiro agrônomo Pedro de Albuquerque Uchoa, a mando do padre Cícero Romão

Batista, tendo em vista que Floro Bartolomeu havia sido transferido, às pressas, para

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S U M Á R I O

Fortaleza por causa de agudas crises de angina, falecendo pouco depois, na então Capital

Federal, para onde fora enviado com urgência. Lampião chegou àquela cidade de

Pernambuco na companhia de cerca de 120 homens. Em 1928, após o frustrado ataque a

Mossoró, Lampião empreendeu fuga desesperada para o sertão meridional, na companhia

de apenas quatro asseclas. O resto do bando ou estava morto ou nas cadeias espalhadas

pelos estados nordestinos que aderiram à perseguição programada pelo governo de Juvenal

Lamartine.

No eixo compreendido pelos estados baiano, sergipano e alagoano, a ´Fera do Pajeú´

recompôs o bando e inaugurou nova fase da atuação de sua vida bandoleira, encontrando

pouca experiência militar que rivalizasse com suas táticas de guerra de guerrilha, razão pela

qual a Bahia se apressou em contratar homens experientes para combatê-lo, como os

famosos Nazarenos, eternos perseguidores do ´Rei do Cangaço´, não esquecendo ainda de

citar José Osório de Farias, o famoso Zé Rufino, o matador de Corisco, o ´Diabo Louro´.

No ano de 1936, amadurecido o projeto de ir ao encontro de Lampião e seu bando

nas caatingas baianas, com o apoio da AbaFilm, empresa localizada na capital cearense,

Benjamin Abraão Botto inicia sua peregrinação, intuindo realizar o que até então era

inimaginável, quer seja, fotografar e, principalmente, filmar o ´modus vivendi´ dos

cangaceiros do bando de Lampião.

Orgulhoso e pouco enfático quanto à reflexão referente à relação entre causas e

efeitos fomentados por gestos e ações que suscitam profundas e concentradas análises,

como no caso do ataque tresloucado a Mossoró, Lampião não demorou a demonstrar

interesse em contribuir com o projeto de Benjamin Abraão. O cangaceiro conhecia o

cinema, pois tinha assistido vários filmes na companhia do bando, encantando-se com as

imagens em movimento da Sétima Arte.

Durante mais de um semestre Benjamin Abraão conviveu com os cangaceiros,

fotografando-lhes e filmando com entusiasmo a movimentação e o dia-a-dia do grupo

bandoleiro.

Homens rudes, com pouca instrução, faltando-lhes clarividência, demonstraram

indisfarçável alegria por protagonizarem um projeto cinematográfico inédito e ousado.

Nem as relações polêmicas entre os cangaceiros e protetores foram poupadas, pois tudo foi

captado pela câmera do entusiasmado sírio-libanês.

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S U M Á R I O

O filme foi apreendido pelo DIP. O ditador assistiu a película com os representantes

do setor de segurança nacional, os quais ficaram horrorizados com as imagens mostrando

coiteiros recebendo dinheiro dos bandidos, cangaceiros vistosamente adornados com ouro,

prata e jóias, enfim, a dimensão exata dos quase vinte e dois anos de rapina sob o comando

de Lampião.

A ordem para eliminar Lampião e seus sequazes foi dada, restando pouco tempo de

vida ao bandido desde que Vargas constatou a dimensão do que estava acontecendo no

nordeste brasileiro.

Coiteiros, homens de importância social no sertão, políticos de projeção, foram

presos. Botto teve pouco tempo de vida, sendo assassinado, no ano de 1937, no lugar Pau

Ferro, atual Itaiba, pertencente na época à comarca de Águas Belas (PE), antes de Lampião

e dez companheiros de cangaço perecerem na grota de angicos, município de Poço

Redondo (SE).

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S U M Á R I O

GILBERTO FREYRE E A ESSÊNCIA DO IMPOSSÍVEL

Quando do lançamento de Casa-Grande & Senzala, em 1933, Gilberto Freyre

inaugura com pompas o discurso cínico de nossa elite sobre a “democracia racial” no

Brasil, pregando com entusiasmo a essência do impossível.

Em seu clássico livro, Freyre catalisou os interesses dos donos do poder no que diz

respeito à necessidade de uma manobra culta a fim de buscar evitar manifestações futuras

de inconformismo.

Adoçando as marcas profundas das relações sociais que foram impostas quando da

formação socioeconômica brasileira, vigentes por longo período da história nacional,

Gilberto Freyre levou avante louvada campanha embasada em mentiras afrontosas à

dignidade humana.

Quando da elaboração de sua tese de doutorado, Florestan Fernandes, eminente

sociólogo de visão larga e humanista, constatou com profundo pesar o gosto amargo do

escravismo imposto pelos lusitanos no Brasil.

A escravidão brasileira foi um dos mais marcantes momentos da perversidade

humana, pois, ao contrário do que registrou Gilberto Freyre em seu clássico e louvado

trabalho, o martírio negro foi desenhado com cores berrantes e dantescas em que as mais

absurdas manifestações de insensibilidade à dor alheia foram levadas avante, como algo

simples e natural.

A “democracia racial”, em verdade, nunca existiu, pois de fato o que houve foi um

estupro abalizado pela forma como foram arquitetadas as estruturas de poder. Negras foram

usadas como objetos sexuais, meros fantoches a serviço dos seus “donos”. Sendo assim, o

conceito disseminado por Freyre é mesquinho e ridículo, pois negar o sadismo contido nas

relações enfatizadas pela sociedade patriarcal brasileira o coloca no panteão do cinismo da

pretensa literatura científica elaborada no Brasil.

A “doçura” enfatizada pela idéia de “democracia racial” no Brasil leva-nos a refletir

sobre os indicadores socioeconômicos apresentados hoje, pois as condições de vida de

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S U M Á R I O

negros e mestiços são inversamente proporcionais às desfrutadas pela descendência dos

antigos mandatários, beneficiados com a escravidão no país.

Sofrimento, angústia, desprezo e desmoralização foram os fundamentos sobre os

quais se ergueram o escravismo no Brasil em toda sua extensão, tanto geográfica como

temporal, pois uma unanimidade no que diz respeito à pretérita relação social de produção

associou-se ao racismo enquanto condição indispensável da expressão desumana da

escravidão negra.

A forma como Domingos Jorge Velho levou avante a destruição do Quilombo dos

Palmares, reduto de negros fugidos da “doçura” açucareira defendia por Gilberto Freyre,

nos revela como o patriarcalismo autoritário e desconhecedor de limites enxergava a

questão escrava no Brasil.

A tirania privada, personificada na forma como foi implantada a escravidão no

Brasil, precisa ser vista com outros olhares, pois o drama negro não pode se circunscrever à

mera ficção defendida pela literatura envolta em interesses baseados na necessidade de

fomentar a continuidade da intransigente estrutura social que ainda prega a exclusão como

algo natural e integrante da paisagem brasileira.

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S U M Á R I O

DRAMA DA FOME: FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO CURAR

As paisagens urbanas e rurais, através de sua geografia humana, sobretudo nas

periferias do capitalismo globalizado que marca os dias atuais, vem sendo caracterizadas

pelas manifestações aviltantes cada vez mais agudas do drama da fome, as quais cristalizam

o significado da exclusão de grande parcela dos seres humanos, espalhada pelos quatro

cantos do planeta, a qual ainda não foi beneficiada pelas conquistas tecnológicas e por sua

capacidade de gerar emprego e renda decentes que garantam melhores dias, formulando

de forma efetiva o real sentido da cidadania.

Os donos dos meios de produção selecionam metodicamente espaços que são e

serão beneficiados pela ação do capital em suas múltiplas metamorfoses e interesses,

relegando ao esquecimento àqueles que não interessam de imediato à reprodução das

estruturas de poder.

São os espaços marginalizados que não servem a curto ou médio prazos,

muitas vezes também a longo prazo, aos propósitos definidos em infindáveis reuniões

temperadas pelo gosto refinado por dinheiro em quantidade absurdamente estratosférica.

Assim, cotidianamente milhares de pessoas são atiradas no fosso da miséria, da

pobreza e da fome, pois sem perspectivas de melhores dias amargam a triste realidade do

abandono e do infortúnio, sendo submetidas à escravidão da falta de interesses dos

poderosos que as enxergam apenas como frios números das estatísticas que permitem

absurda maximização de lucros com interessante minimização de custos

para àqueles que são contemplados pelas benesses do sistema.

Citando exemplo clássico presente nas distorções inter-regionais brasileiras,

indubitavelmente podemos afirmar que em consonância com o despovoamento do campo

no nordeste brasileiro desponta de forma imperiosa o agrobusiness em determinados

espaços rurais previamente selecionados, dotado de tecnologia de primeiro

mundo. Em contrapartida, a agricultura familiar vem sendo notavelmente prejudicada e

desestimulada em razão que percentual significativo dos investimentos garantidos pelas

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S U M Á R I O

políticas públicas voltadas para o agro, viabilizadas pela ação do Estado, destina-se ao

sucesso da produção agrícola concentrada em atender as exigências do mercado

externo a fim de gerar divisas para fomentar a política paternalista que caracteriza a atuação

do Estado em garantir os privilégios da poderosa classe que detém o poder.

Além do mais, os poucos recursos destinados ao fomento à agricultura

familiar não vem acompanhado de necessária e eficaz instrução técnica que permita

favorecer o sucesso da produção e da comercialização agropecuária, não esquecendo ainda

que existem graves denúncias de corrupção envolvendo a destinação dos recursos para este

setor produtivo que garante inúmeros benefícios para suprir o mercado interno, ao contrário

do primo rico que se dedica a atender as exigências externas cada vez mais sofisticadas.

O resultado óbvio é o recrudescimento da situação de penúria dos que sofrem

com a intransigência da lógica do capital, avançando de forma desumana as conseqüências

trágicas da desnutrição. Crianças, elos frágeis da teia maléfica montada pelo capitalismo,

perdem a visão por falta de alimentos, ficando apenas no couro e no osso devido à

ausência de proteínas que possam garantir a sobrevivência engrossando dia-a-dia as

estatísticas referentes à mortalidade infantil, motivada por doenças provocadas pela fome.

Esqueléticas e famintas desfilam suas desditas pelos espaços menos privilegiados das

favelas, alagados, palafitas, pontes, campos adustos, lócus urbanos sem infra-estruturas e

outros locais usados como moradias, pois sinônimos da ausência de compromissos, esses

lugares se constituem nos territórios da fome e das privações.

Enquanto isso, os poderosos que mandam e desmandam não demonstram

sensibilidade, comoção, atitude concreta, que seja pragmática de fato, a qual possa reverter

o quadro surreal que vem tomando aspecto tétrico, cada dia pintado de forma

mais intensa com cores berrantes que revelam o drama da miséria e da fome, da

sensibilidade de parcela intransigente da humanidade satisfeita e feliz com o esquema

montado sobre privilégios.

Recantos esquecidos espalhados na imensidão nordestina abrigam populações

famintas e desvalidas cujas condições de vida são iguais às apresentadas pelos grandes

bolsões de carência crônica do continente africano, pois os indicadores socioeconômicos

teimam em se repetir em cada amostragem populacional que busca revelar a situação

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S U M Á R I O

do povo brasileiro, embora saibamos que muitas foram propositalmente maquiadas para

atender determinados interesses.

Mães aflitas, viúvas das secas e dos descasos, choram pelo destino que o sistema

relegou aos seus filhos, aos quais tudo é negado, desde um prato de comida decente à

educação de qualidade que possa garantir-lhes um futuro melhor, com esperanças e

felicidades, não esquecendo ainda que saúde também é algo negado de forma injuriosa

e infame. A injustiça tornou-se palavra de ordem no imaginário dos poderosos.

Historicamente, a pobreza vem sendo tratada como caso de polícia, pois exemplo

disso temos na forma desumana como os aparelhos repressivos do Estado trataram

Canudos, como verdadeiro caso de segurança nacional, simplesmente por que a sociedade

alternativa fundada no sertão baiano conseguiu superar os limites extremos da exploração

desmedida capitaneada pelo draconiano latifúndio que impera desde a formação

socioeconômica brasileira.

A intensificação do drama da fome foi profetizada e alertada pelo cientista Josué

Apolônio de Castro (Recife – 05/09/1908 – Paris – 24/09/1973) quando de sua magnífica

campanha em prol da erradicação do maior drama da humanidade, mas desde então nada

foi feito, pelo contrário, pois o problema ainda está sendo encarado como um tema

proibido, o qual escancara a mesquinhez contida na manutenção e na reprodução das

estruturas de poder que privilegiam poucos e humilham a grande maioria excluída do

complexo processo que caracteriza os dias atuais.

A ousadia e a independência de Josué de Castro, quando denunciou a fome

como flagelo fabricado pelos homens, foram responsáveis por momentos ímpares na

história da humanidade, mas, infelizmente, responsabilizaram-se também pelos momentos

de angústia que o levaram à morte prematura em seu exílio na França, imposto pela

intransigência dos militares que derrubaram o governo constitucional de João Goulart,

histórico herdeiro político de Vargas.

Refletir sobre as bases do pensamento do importante teórico

nacional, reconhecendo a importância da atualidade de suas pregações e defesas, é condição

sine qua non para que busquemos lutar pela superação dos aviltantes contrates que separam

incluídos e excluídos, contribuindo dessa forma para a consolidação de um mundo melhor,

com justiça social e harmonia para o gênero humano. Insistindo em não curar as feridas

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S U M Á R I O

abertas com o drama da fome, os poderosos do planeta alimentam insatisfações cujas

conseqüências poderão se revelar imprevisíveis, pois a partir do momento que o grito dos

excluídos tornar-se mais intenso e estridente talvez a composição contida na

superestrutura não surta tanto efeito a fim de abafar as reclamações que se avolumam de

forma impressionante devido a ausência de amor que vem sendo observada na conjuntura

em que impera a ganância e a falta de compromissos com a sofrida realidade humana

daqueles que estão à espera de olhares mais humanos e compenetrados com suas situações

desesperadoras.

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S U M Á R I O

A BATALHA DE VINGT-UN ROSADO EM DEFESA DA PESQUISA DE PETRÓLEO NA BACIA POTIGUAR

Tendo concluído, em 1944, o curso de Agronomia na conceituada Escola Superior de

Agricultura de Lavras (ESAL), no Estado de Minas Gerais, Vingt-un Rosado recebeu, no

final deste ano, convocação para integrar o esforço de guerra, em declaração formal de

beligerância da ditadura Vargas contra as forças do Eixo.

Não chegou a embarcar para a Itália, servindo no Quartel sediado nas cidades de

Ouro Fino, São João Del Rey, Três Rios e Deodoro como soldado padioleiro de número

494. Fugas constantes em todos os finais de semana, a fim de se encontrar com a namorada

de Lavras, de nome América Fernandes, a qual se tornou a companheira de toda existência,

tornaram-se conhecidas do então Tenente Ivan de Sousa Mendes, mais tarde General de

quatro estrelas, prefeito do Distrito Federal e Ministro do Governo José Sarney.

Prevenido pelo oficial para que ouvisse atentamente o Boletim da Companhia,

rigorosamente divulgado às 16 horas, o soldado padioleiro Vingt-un Rosado tinha destaque

na quarta parte do documento militar, sendo condenado a 15 dias de reclusão por se

ausentar do Quartel sem permissão superior.

Encarcerado em um antigo armazém destinado a estocar café, não faltou espaço e

condições de equilíbrio ao apaixonado soldado para produzir trabalho científico, pesquisar

e descobrir coisas fantásticas, sobretudo referentes à geologia potiguar. Preparou

importante monografia, devida ainda da fase discente em Lavras. Traz o título de Os

Métodos de Reprodução em Zootecnia e Suas Fórmulas Matemáticas. Devido ao

comportamento exemplar, Vingt-un Rosado só cumpriu oito dias da pena imposta pelos

superiores militares.

Era comum os alunos da Escola Superior de Agricultura de Lavras solicitarem

publicações ao Departamento Nacional de Produção Mineral. Vingt-un Rosado as recebia

regularmente. Importante estudo geológico lhe foi entregue, no ano de 1945, por agrônomo

de nome José Paulo de Matos, o qual versa, justamente, sobre as possibilidades de fontes

energéticas fossilizadas no Brasil.

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S U M Á R I O

Quando de sua detenção por indisciplina militar, aproveitou para examinar, com mais

ênfase, bibliografia de geologia, organizada por Dolores Iglesias, concentrando-se,

especialmente, em dois artigos de autorias do norte-americano Jonh Casper Branner,

presidente emérito da conceituada Universidade Stanford, Califórnia, EUA, e do mineiro

Luciano Jacques de Moraes. Até então, Vingt-un desconhecia que em profundas camadas

inferiores da bacia potiguar haviam previsto a possibilidade de existência do cobiçado ouro

negro.

O trabalho de autoria de Jonh Casper Branner, publicado em fevereiro de 1922,

último de sua brilhante produção na área geológica, visto ter falecido a primeiro de março

do mesmo ano, intitula-se Possibilidade de Petróleo no Brasil. O cientista norte-americano

admitia a existência de petróleo em Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, bem como

na Bahia. Branner enfatizou que dos cinco dos horizontes geológicos que produzem óleo

em outras partes do mundo, chamados Devoniano, Carbonífero, Permiano, Cretáceo e

Terciário são encontrados no Brasil (In: ROSADO, 2000, p. 114). Quando se referiu ao

período Terciário destacou que, nas formações costeiras, parece inteiramente possível que

esta zona contém petróleo onde ela se alarga para o interior, como na Bahia, até 300 milhas,

e Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte.

A bibliografia tinha outra indicação por título Ocorrência de Petróleo no Rio Grande

do Norte, elaborado por Luciano Jacques de Moraes. Tratava-se de um artigo publicado em

“Nossa Revista”, número sete, por solicitação dos estudantes da cidade de Ouro Preto (MG)

(ROSADO, 2004, p. 118).

Nesse trabalho, o geólogo mineiro correlaciona a existência de petróleo no Cretáceo

mexicano com as mesmas características geológicas observadas na bacia potiguar, embora

frisando que a formação petrolífera mexicana pertence ao Cretáceo Inferior (Calcáreo do

Tamasopo), enquanto a do Rio Grande do Norte é cretáceo Superior (Turoniano)

(MORAIS. In: ROSADO, Idem, p. 122).

Além de enfatizar a Batalha da Cultura, empreendida concretamente a partir do ano

de 1948, Vingt-un Rosado tornou-se um intransigente defensor da pesquisa petrolífera no

Estado do Rio Grande do Norte e um entusiasta de sua exploração racional, constituindo

profecias de promessas futuras de geração de emprego e renda para a população potiguar,

bem como vantagens econômico-financeiras para o Estado do Rio Grande do Norte.

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S U M Á R I O

Quando do regresso ao Estado do Rio Grande do Norte, Vingt-un iniciou pesquisas

sobre Louis Jacques Brunet, naturalista francês que percorreu o País, e, em especial o

Nordeste Brasileiro, explorando minas através de comissão organizada pelo Governo

Brasileiro, em meados do século XIX, estudando, obrigatoriamente, o quadro natural da

região.

Vingt-un Rosado descobriu correspondências do Padre Florêncio Gomes de Oliveira

a Brunet, na qual lhe informava sobre prováveis ocorrências minerais na região oeste

potiguar. Fora remetida da Vila do Apodi ao naturalista francês, aos 22 de fevereiro de

1854 (ROSADO, 2000, p. 57-58). Era a tentativa, em vão, do mossoroense de Monte

Alegre de trazer Brunet para estudar as potencialidades minerais potiguares.

Em Extrato da Ata da Câmara de Vereadores do Apodi, datada de agosto de 1852,

Vingt-un Rosado (2000, p. 62), assessorado pelo eminente cientista Antônio Campos e

Silva, encontrou indicações frisando que “[…] em um dos recantos da lagoa desta vila, que

está mais em contato com as substâncias minerais da serra tem-se coalhado, em alguns

anos, uma substância betuminosa, inflamável e de boa luz, semelhante à cera em

quantidade tal que se pode carregar carros dela”. Ele frisa, ainda (p.27), que “[…] a

substância betuminosa inflamável” referida na ata de 1852 poderia perfeitamente tratar-se

de exsudação de óleo, fato não de todo desconhecido na Chapada do Apodi. Bancos

fossilíferos com o odor de “querosene” são há muito conhecidos na região.”

O estilo era inconfundível, com certeza esse documento fora redigido pelo Padre

Florêncio Gomes de Oliveira, geólogo amador cuja obstinação era estudar e aproveitar os

recursos naturais da província norteriograndense. Em outro extrato de Ata da mesma

Câmara, datada de seis de junho de 1853, repetem-se as mesmas preocupações

socioeconômicas da anterior, primando pela mesma forma de escrever.

O patrono de Jerônimo Vingt-un Rosado Maia na Academia Norte-riograndense de

Ciências é justamente o esforçado sacerdote. Em seu discurso de posse, Vingt-un Rosado

relacionou a quatorze ciências (Paleontologia – Mineralogia – Geologia – Espeleologia –

Geomorfologia – Climatologia – Entomologia (A Cochonila) – Geografia – Botânica

Econômica – Fitogeografia – Fitogeografia e Zootecnia – Piscicultura – Folclore –

Astronomia) o trabalho sério e importante realizado pelo Padre Florêncio Gomes de

Oliveira.

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S U M Á R I O

O obstinado agrônomo, de saudosa memória, com plenas preocupações geológicas,

descobriu ainda correspondência remetida da Vila do Apodi, datada de agosto de 1853,

destinada ao Sr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho, Presidente da província do Rio

Grande, enfatizando aspectos do quadro natural da região.

O geólogo amador mossoroense que abraçou a liturgia católica como sacerdote,

deixou escrito trabalho por título Geologia do Rio Mossoró, datado de doze de maio de

1861, embora nunca tenha sido publicado quando de sua conclusão. Foram remetidos

exemplares ao Presidente da Província e à Sociedade da Indústria Nacional, a qual possuía

um periódico. Vingt-un Rosado pesquisou na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e na

Biblioteca Pública Mário de Andrade, na capital paulista, não tendo encontrado em nenhum

volume o trabalho do Padre Florêncio Gomes de Oliveira.

O cientista Antônio Campos e Silva demonstrou que a linguagem das Atas da

Câmara de Vereadores de Apodi, nos anos de 1852 e 1853, era, de fato, a enfatizada no

estudo geológico realizado pelo Padre Florêncio Gomes de Oliveira.

Vingt-un Rosado, a partir disso, passou a considerar o vigário mossoroense o

pioneiro número um no que tange ao registro acerca da existência de petróleo na bacia

Potiguar. Em 1894 Manoel Coriolano de Oliveira repetiu em artigo em Almanaque no

Estado do Rio Grande do Sul a constatação a que chegou o Padre Florêncio Gomes de

Oliveira (ROSADO, 2000).

Pesquisando edições antigas do jornal O Mossoroense, Vingt-un Rosado descobriu

em exemplar datado de nove de fevereiro de 1908 que o farmacêutico Jerônimo Rosado

havia constatado a existência de elaterita no açude de Caraúbas (RN), sugerindo a

utilização desse combustível fóssil para iluminar a cidade. A elaterita é um betume elástico,

enquanto fresco, endurecendo quando exposto aos fatores exógenos (Idem).

Outra constatação de Vingt-un Rosado foi que, até 1947, estudioso potiguar algum

havia feito qualquer referência à possibilidade da existência de petróleo no Rio Grande do

Norte. Homens lúcidos e dotados de extrema clarividência como Amaro Cavalcante,

Tavares de Lyra, Juvenal Lamartine, José Augusto Bezerra de Medeiros, Cristóvão Dantas,

Joaquim Inácio, Garibaldi Dantas e Manuel Dantas, de notável produção histórico-cultural

e socioeconômica, ignoraram tal hipótese.

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S U M Á R I O

A primeira indicação veio em artigo do médico Paulo Fernandes, publicado por

Vingt-un Rosado no jornal O Mossoroense, no mesmo ano de 1947, o qual versava sobre

petróleo e água em Mossoró, fruto de importante pesquisa realizada pelo homem que

governou a capital do oeste potiguar por menos de dois anos, granjeando, no entanto, status

de estadista.

Logo depois, Vingt-un Rosado publicou no Boletim Bibliográfico, trabalho por título

Sobre o Wildicat Mossoroense, o qual define como sendo a zona onde se supõe existir

petróleo, por dados vagos ou informações superficiais, mas em que ainda não se provou a

existência do combustível, caso em que se teria um “Proved Land” (ROSADO, 2000, p.

139).

Em 1965, em tom de angústia, Vingt-un Rosado escreveu em oito de abril que, antes

desse ano, tinham sido perfurados apenas três poços de petróleo na Bacia Potiguar. O

trabalho traz o título de Um Dia as Torres Voltarão ao Sagrado Chão de Mossoró (2004 a).

Reproduzindo Vingt-un: “Nos dias memoráveis de julho de 1960, em que Mossoró

foi cérebro e coração da Geografia Nacional, um geomorfólogo eminente escreveu ligeiros

apontamentos, inteiramente de improviso, sem recorrer a qualquer bibliografia.

Ao final, eles vão aqui publicados, sem consulta prévia do seu verdadeiro autor,

porque o Poço Rodrigues Alves, na Volta, em território assuano, limítrofe do de Mossoró,

nas proximidades do Trapiá, a menos de duas dezenas de quilômetros, com as suas

emanações de gases combustíveis neste ano de 1965 elevou outra vez o clamor da gente

mossoroense pela pesquisa do seu petróleo, em área há 05 anos indicada pelo autor.

Um dia as torres voltarão ao sagrado chão de Mossoró e dirão muito alto que John

Casper Branner, o sábio de Stanford, e Luciano Jacques de Morais, o grande geólogo

patrício, estavam certos, absolutamente certos quando há quarenta e três e trinta e nove

anos, respectivamente, falaram do petróleo mossoroense.

Santa Luzia do Mossoró, Quinta-feira da Semana Santa, 1965”.

Até aquela data, os poços perfurados não passavam não passavam de meia dúzia.

Hoje ultrapassam cinco mil.

Eis os apontamentos de Aziz Nacib Ab´Saber: “A bacia sedimentar costeira do Rio

Grande do Norte apresenta uma série de condições estratigráficas e estruturais de

importância para pesquisa de petróleo. Trata-se de uma bacia marginal, de tipo costeira,

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S U M Á R I O

oriunda de uma subsistência ponderável efetuada nos fins do mesozóico, comportando

camadas marinhas que alcançam mais de 1.000 metros na única perfuração profunda até

hoje realizada (Grossos).

A despeito da presença de dobras epidérmicas nos estratos da bacia, ainda não foram

feitos trabalhos de geologia de campo suficientes para constatar a presença de estruturas

realmente favoráveis para sondagens possíveis. A perfuração realizada em Grossos foi de

todo infeliz em sua locação já que coincide com um ponto no eixo de uma das modestas

sinclinais da bacia. Ali em qualquer hipótese, não poderia haver condições para o encontro

de óleo, a perfuração tendo valido tão somente para uma avaliação geral de estatigrafia

local e do espessamento relativo do pacote de sedimentos regionais. De certa forma,

entretanto, resta em aberto o velho problema das condições da bacia no que diz respeito às

suas possibilidades oleigenas.

As fotografias aéreas disponíveis não adiantam informações concretas para a locação

de estruturas favoráveis, porém são capazes de sugerir área bem melhores que a de Grossos,

ou seja, áreas anticlinais discretas, situadas nos largos interflúvios que separam os vales dos

rios epigênicos da região.

Alguns focos de drenagem radial existentes nos arredores de Mossoró (para SW e

NW) são suficientes para sugerir melhores pesquisas estruturais de geologia de superfície

na aludida bacia, como etapa inicial de uma nova pesquisa melhor orientada. Baseados em

algumas combinações de fatos fisiográficos e geológicos, existem duas áreas que deveriam

ser investigadas com particular atenção: a primeira, entre o baixo Jaguaribe e o Mossoró –

Apodi (Área B), junto às encostas da chamada Serra de Mossoró; e a segunda, entre o

Mossoró – Apodi e o Piranhas – Açu (Área B), próximo a Trapiá (chapada). Tais áreas de

drenagem centrífugas locais sugerem a presença de discretas estruturas em forma de

abóbada, dignas de alguns trabalhos de geologia e de prospecção geofísica. A locação de

dois novos furos – ou pelo menos um – poderia de uma vez por todas imprimir um rumo

mais seguro às controvérsias científicas a respeito da possibilidade de ocorrência de óleo

nesta importante área sedimentar costeira do NE brasileiro. Tratando-se de uma bacia

cretácica marinha relativamente espessa, dotado de fácies marinha e de estruturas

provavelmente espessadas por subsistência técnica, além do que, possivelmente

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complementada por alguma tectônica quebrável (regime de fossas), é uma área que precisa

de uma revisão bem feita no setor de suas possibilidades oleígenas”.

Utilizamos o folheto número 64, da Série “B”, da Coleção Mossoroense: Duas áreas

na Região de Mossoró de Interesse Para as Pesquisas de Petróleo, publicado em 1965.

A verdade é que as torres voltaram e se perguntassem a Vingt-un, se vivo fosse, se

ele teria feito uma profecia, com certeza ele responderia: era apenas a vontade louca de que

Mossoró tivesse petróleo.

A partir de 1979, os poços perfurados por classificação (Terra – Mar) foram

modificando a paisagem da Bacia Potiguar. Em 1979 foram perfurados 31 poços, crescendo

acentuadamente o número destes. Em 1990 foram perfurados 212 poços. Em 1958, quando

do início da prospecção petrolífera, existiam apenas dois poços, com o da Gangorra

figurando como o pioneiro. Hoje são quase 5.000 espalhados pela riquíssima bacia

petrolífera potiguar (2004 a).

A batalha empreendida por Vingt-un Rosado em prol da exploração petrolífera no

Estado do Rio Grande do Norte o faz um dos precursores da luta em defesa de nossas

riquezas minerais, tantas vezes usurpadas em razão de interesses externos que norteiam

parcela significativa de nossa dependência econômica.

Em 1979 o geólogo Francisco de Assis Melo objetivava perfurar poço no Hotel

Thermas, intuindo encontrar água para abastecê-lo, projeto enfatizado quando do governo

Tarcísio Maia. Petróleo em abundância foi jorrado, ao invés do precioso líquido para a

região semiárida. Revelou-se, no entanto, a pista para o descobrimento do petróleo

comercial (ROSADO, 2004 b). Vingt-un Rosado fez questão, ainda, de enfatizar que

Francisco de Assis Melo, um dos eminentes geólogos do Rio Grande do Norte, foi o

responsável pela descoberta do petróleo do Hotel Thermas, economicamente explorável, no

ano de 1979 (Idem).

A Revista Scientific American Brazil, edição especial número 3, de dezembro de

2003, registra alguns nomes de pioneiros do petróleo no Brasil, sobretudo o nome de

Monteiro Lobato.

Aziz Nacib Ab´Saber publicou um trabalho sob o título: Caminhos Transversais na

Descoberta do Petróleo.

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S U M Á R I O

Ao publicá-lo naquele periódico, Aziz estava inscrevendo o nome de Vingt-un na

saga dos que sonhavam com a possibilidade de sua ocorrência na Bacia Potiguar.

O leitor não pode avaliar a emoção de Vingt-un ao saber que os royalties do petróleo

mossoroense que seriam entregues à Prefeitura de Mossoró eram superiores a dois milhões

de reais em setembro de 2004.

Como se fosse num filme, ele recordou as suas pesquisas na cadeia da Companhia

Escola de Engenharia, de Ouro Fino (MG), quando encontrou John Casper Branner (1922)

e Luciano Jacques de Morais (1929).

Agora tem a palavra o maior geomorfólogo brasileiro, um dos seus 20 sábios:

“Muitos episódios não pensados acontecem na vida de um pesquisador, que, para conhecer

melhor seu país, fez andanças as mais diversas”. Um deles que marcou minha vida foi a

ajuda que dei a Vingt-un Rosado Maia, a fim de insistir na necessidade de voltar a

pesquisar petróleo na Bacia Potiguar.

Aconteceu que houve uma reunião da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

em Mossoró (RN). Na época, eu ensinava geomorfologia na UFRGS. E, devido ao

conhecimento desse fato, Vingt-un se aproximou de mim para solicitar um relatório sobre

as possibilidades petrolíferas na Bacia Potiguar. Expliquei a ele que eu, um simples

professor de geomorfologia, não era geólogo e muito menos um especialista em petróleo.

“Você está escondendo o leite”, me dizia ele.

Mas estava escrito que minha resistência iria ser vencida. Naquele tempo, as reuniões

da AGB comportavam excursões de campo e eu fui designado para dirigir uma das equipes,

desde Mossoró até a Serra de Santana, para observações geográficas e geomorfológicas,

num itinerário que repetia parcialmente aquele feito pelo grande geólogo mineiro Luciano

Jacques de Morais.

Acontece que eu tinha vindo do Rio Grande do Sul, terra de vento frio no inverno,

para o sertão do Rio Grande do Norte, terra de forte calor e luminosidade. Daí ter me

sentido um tanto mal pelo calor excessivo durante a viagem, desprevenido que estava em

relação a qualquer bonezinho na cabeça. No regresso a Mossoró, Vingt-un obrigou-me a

uma consulta médica com um seu parente competente, que apenas receitou uma aspirina e

me liberou. No fim da tarde, em sua casa, enquanto [dona] América preparava o jantar,

Vingt-un jogou um punhado de papel branco para que eu “pagasse a consulta”, auxiliando o

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S U M Á R I O

Rio Grande do Norte a encontrar petróleo. Não tive mais jeito de me negar, pensando em

qualquer coisa em benefício do Rio Grande do Norte. Solicitei, porém, ao meu hospedeiro,

uma carta geológica do Estado, um relatório de Gilberto Osório de Andrade, e, se possível,

o relato das perfurações prévias. Vingt-un mandou buscar todo o material solicitado na

ESAM (Escola Superior de Agricultura de Mossoró), da qual era diretor.

Por duas horas, observei o mapa geológico e os relatórios, meditei o que poderia

escrever. E, para felicidade minha e nossa, descobri a noroeste de Mossoró uma drenagem

radial que documentava a existência de uma deformação local semidômica, passível de ser

considerada para perfurações novas. Fiquei ciente de que as perfurações anteriores tinham

sido feitas em lugares errados.

Dei o pequeno relatório a Vingt-un, solicitando a ele que, por uma questão ética e

profissional, não assinasse o meu nome, podendo usar meus argumentos quando e como

quisesse. E, assim foi enviado o pequeno trabalho para Brasília, a fim de pressionar para o

reinício das perfurações. “Malandramente”, Vingt-un assinou o relatório com o nome de

Antônio Natércio de Almeida (Antônio para Aziz; Natércio para Nacib; e Almeida para

Ab´Saber). A Superintendência da Petrobras respondeu que, a despeito do aval do “grande

geólogo Natércio”, não podia voltar a pesquisar no Rio Grande do Norte, porque agora seu

interesse estava voltado para a Amazônia.

Entrementes, Vingt-un Rosado Maia não desistiu de sua idéia-chave, e numa

oportunidade de procurar água subterrânea para um grande clube de campo, fez com que a

perfuração atingisse mais do que 700 metros. E, assim, jorrou petróleo. Daí por diante, as

autoridades passaram a concentrar sua atenção novamente na Bacia Potiguar e, em poucos

anos, multiplicaram-se descobertas em pontos específicos da Chapada norte-riograndense, e

em águas semiprofundas da plataforma continental regional, incluindo nisso o Ceará. Em

certos momentos, a Bacia Potiguar se tornou a segunda maior produtora de petróleo depois

da Bacia de Campos (RJ), ultrapassando as bacias do Recôncavo, de Alagoas, Sergipe e de

Santos. O próximo capítulo da exploração petrolífera ficaria para a distante região da

Amazônia Ocidental (Urucu e entorno).

Para completar a história do pequeno relatório de Antônio Natércio de Almeida, devo

registrar que um dia encontrei uma xerox do mesmo nas fichas de uma biblioteca geológica

de uma faculdade do interior paulista. E soube que um pesquisador pretensioso usou a

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metodologia do meu pequeno trabalho para respaldar suas pesquisas sobre a Paulipetro,

visando encontrar petróleo em São Paulo. Não se dá conta de que tais domos fizeram com

que Monteiro Lobato dissesse que “Sempre há um diabásio no caminho da gente”.

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S U M Á R I O

JOSUÉ DE CASTRO E A OUSADIA DE DENUNCIAR UM TEMA AINDA PROIBIDO

Metade da humanidade não come; e a outra

metade não dorme, com medo da que não come.”

Josué de Castro

Josué de Castro teve uma infância bastante pobre em sua cidade natal, Recife, capital

pernambucana. O eminente cientista brasileiro, que na verdade se transformou em cidadão

do mundo, sentiu na pele o significado do que é passar fome e privações, não podendo

desfrutar de melhor qualidade de vida em razão de condições financeiras limitadas, tendo

em vista que era filho de um migrante paraibano da seca de 1877-1879 que saiu de

Cabaceiras para o Estado de Pernambuco, a pé, intuindo saciar a fome que o deteriorava do

ponto de vista físico-psicológico.

O humilde nordestino que, com grandes esforços, se formou em medicina aos 21

anos e em Filosofia aos 29 anos, acompanhou de perto o drama da fome bem perto de sua

casa, quando atentamente observava o cotidiano dos catadores de caranguejos dos mangues

dos rios Capiberibe e Beberibe. Conforme depoimento do próprio Josué de Castro,

inúmeras vezes fora acordado, quando das cheias dos rios que cortam o Recife, pelos

pequenos animais que habitam os mangues.

Os lamentos diurnos e noturnos das crianças famélicas, filhas daquelas pessoas que

dependiam da coleta do caranguejo para buscar a sobrevivência, as quais Josué de Castro

notou semelhanças inequívocas com os hábitos naturais do crustáceo, eram ouvidos com

extrema emoção pelo homem que se notabilizou mundialmente quando do lançamento de

“Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951).

Josué de Castro ousou quebrar tabus, destruir mitos e dogmas acerca das bases da

formação social brasileira, nas quais a negação da fome era constante a integrar análises

pseudocientíficas daqueles que o antecederam, pois muitos analistas defenderam a

caracterização lombrosiana como fundamento explicativo de muitas revoltas que

indubitavelmente tiveram na fome um dos principais elementos catalisadores do fomento

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S U M Á R I O

aos distúrbios sociais em determinadas épocas, a exemplo da efetivação de uma sociedade

alternativa surgida às margens do rio Vaza-Barris no final do século XIX.

Josué de Castro demonstrou extrema coragem e ousadia em sua obsessão de lutar

contra a fome, pois analisá-la sob o ponto de vista humanista significou descortinar as

contradições em macro e micro escalas que se encontram ocultas em sociedades

estruturadas sob a égide das extremas diferenças interclasses.

Influenciado pelas lutas e idéias de Josué de Castro, o geógrafo brasileiro Milton

Santos elegeu a análise espacial como fundamento às denúncias acerca das distorções

sociais, pois, ao lado da fome, o espaço construído pela ação humana, efetivado através das

relações sociais de produção, também revela pobreza e riqueza de uma sociedade.

A fome, conforme o grau que a mesma se apresenta para determinadas populações,

revela o grau de desenvolvimento de um País, de uma região, de um Estado, de um

município e os contrastes no que tange ao controle da produção e dos meios de obtê-la em

uma determinada época.

Avaliando como a fome se manifesta se pode entender a relação entre beneficiados e

excluídos em uma sociedade, pois, através do consumo avaliar-se-á se o privilégio

nutricional é democrático ou circunscrito a uma minoria, a qual, sobretudo em países

periféricos, destaca-se como herdeira da própria formação sócio-econômica-espacial.

Infelizmente a ousadia, a independência e o humanismo de Josué de Castro não

foram compreendidos pelos donos do poder no Brasil. As lutas do corajoso nordestino que

foi consagrado na década de cinqüenta como uma das mais importantes personalidades do

planeta não eram bem encaradas pelos intransigentes que ainda hoje se beneficiam do

drama da fome para se auto-afirmarem na escala social.

Há mais de quarenta anos Josué de Castro profetizou o avanço da fome em razão das

mudanças incríveis propiciadas pela nova ordem econômica mundial, sobretudo com

relação a determinados espaços selecionados do terceiro mundo.

O autor de clássicos das Ciências Sociais, os quais continuam atualíssimos, constatou

que haveria mudança radical quanto à fixação de populações de áreas rurais para urbanas,

as quais, não obstante o imperialismo dos latifúndios, assumiam importantes papéis na

produção de alimentos, pois a agricultura familiar, ao contrário do agrobusiness,

responsabiliza-se por majoritário percentual do abastecimento do mercado interno.

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S U M Á R I O

A intensificação da fome nos dias de hoje, conforme raciocinou Josué de Castro,

poderia ter sido evitada se a ganância não tivesse a proeminência histórica que segue a

evolução humana desde a efetivação da propriedade privada e a consolidação do Estado

como mediador dos conflitos interclasses, a serviço dos detentores do poder.

O mundo, isso ninguém pode duvidar, dispõe de recursos técnicos e financeiros

suficientes para resolver o problema da fome. Na verdade, ainda falta muita iniciativa dos

mais favorecidos para verdadeiramente solucionar um dos maiores dramas da humanidade.

Infelizmente níveis nutricionais satisfatórios ainda são sinônimos de status e de domínios

políticos, sociais e econômicos da parcela privilegiada sobre a maioria desprovida de

recursos mínimos que possa garantir sobrevivência digna e honrada.

Impossível não lembrar, quando se completam quarenta anos que assinalam o crime

político que foi a morte de Josué de Castro em seu fatídico exílio na França, que a

contribuição referendada pelo mais proeminente cientista brasileiro se reveste de profundo

humanismo e amor ao próximo, pois lutar contra a fome e em prol da paz fizeram desse

ilustre cidadão do mundo referência no que diz respeito à responsável condução da análise

científica, a qual se deve posicionar sempre em função do bem-estar da humanidade em

todas as instâncias e patamares que possam permitir a melhoria das condições de vida do

gênero humano.

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S U M Á R I O

A MORTE DE JOSUÉ DE CASTRO NO EXÍLIO

"Não se morre apenas de infarto agudo do miocárdio ou de glomeronefrite crônica,

se morre também de saudades" (Josué de Castro)

Quando o calendário marcou o dia vinte e quatro de setembro de 2013 assinalou-se a

triste cronologia referente aos quarenta anos de falecimento no exílio na França do médico,

geógrafo, sociólogo e cidadão do mundo Dr. Josué Apolônio de Castro.

O célebre autor de Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951) integrou

a lista dos cassados políticos pela Ditadura Militar quando da publicação do Ato

Institucional Número Um (AI-1), o qual, além de Josué de Castro, trazia ainda nomes que

também foram banidos do país e que tiveram grande importância política, social e

intelectual no Brasil antes do advento do militarismo, a exemplo de Leonel Brizola,

Juscelino Kubtchevsky de Oliveira, Jânio Quadros, João Goulart, Neiva Moreira, Pelópidas

Silveira, Miguel Arraes, entre outros.

Josué de Castro recebeu convites de diversos países para que cumprisse o exílio de

dez anos imposto arbitrariamente pela junta militar que assumiu o poder em primeiro de

abril de 1964 em nosso país. Escolheu a França para vivenciar sua desdita, tendo em vista

que era muito apegado às raízes, ao solo pátrio, ao nordeste brasileiro e ao Estado de

Pernambuco.

O grande cientista que presidiu o Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação (FAO) em duas oportunidades (1952-1954 e 1954-1956), tendo sido laureado

com significativas honrarias, como o Prêmio Internacional da Paz e o Prêmio Roosevelt da

Academia de Ciências dos Estados Unidos, pela publicação do clássico livro Geografia da

Fome, além de indicado duas vezes para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, considerava-se

injustiçado pelos militares quando de sua cassação e exílio.

Josué de Castro passou a sofrer graves crises depressivas em seu ostracismo em

terras estrangeiras, não obstante ter intensificado a luta humanista e voltado a lecionar em

renomadas Instituições de Ensino Superior Francesas, como a Sorbonne e Vincennes.

No Brasil, suas obras estavam censuradas, seu nome proibido e vítima de espetacular

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processo de exclusão da memória nacional, a qual ainda, infelizmente, perdura como

resquício das imposições ditatoriais dos militares, cuja visão reacionária vislumbrava Josué

de Castro como "inimigo da pátria", um verdadeiro "traidor" dos ideais alicerçados na

Ordem e no progresso, tendo em vista a forma incisiva como meteu o dedo na ferida das

desigualdades, denunciando a fome como um flagelo fabricado pelos homens contra seus

próprios semelhantes e não resultado de "causas naturais" como era pensado pela Ciência

distorcida que orientava a construção social em sua época.

Mesmo no exílio, Josué de Castro era monitorado pela Ditadura Militar, a qual o

enxergava como "notório comunista", pois suas idéias, independência e ousadia eram vistas

como ameaças ao sistema instituído em abril de 1964, cuja ideologia desenvolvimentista

primava pelo privilégio de uma minoria historicamente beneficiada em detrimento das

necessidades da imensa maioria deserdada ao longo da evolução Histórica e Social

Brasileira.

As crises depressivas da maior inteligência brotada em solo brasileiro intensificaram-

se em razão das constantes negativas da Embaixada Brasileira em dar visto em seu

passaporte, o que garantiria retorno à sua terra natal. O Embaixador Brasileiro na França

que se notabilizou pela intransigência de não permitir o retorno de Josué de Castro ao

Brasil era o General Aurélio Lyra Tavares.

Faltando menos de sete meses para que se cumprisse o tempo de exílio determinado

pelo AI-1, no caso dez longos anos, falhava irremediavelmente o coração do velho

batalhador pelas justas causas da humanidade.

Josué de Castro faleceu em seu apartamento na capital francesa. Mesmo morto, os

militares ainda viam em Josué de Castro ameaça à ordem estabelecida, pois houve uma

série de exigências, como a proibição de fotografias, para que se efetivasse a permissão dos

militares para que seu corpo fosse enterrado no cemitério São João Batista no Rio de

Janeiro.

A atualidade do pensamento de Josué de Castro ainda assusta a elite dominante,

tendo em vista que ainda permanece desconhecido de grande parte da população brasileira

pela qual tanto batalhou e empenhou sua vida a fim de lutar por melhores condições de vida

para um povo sofrido que, mais do que nunca, espera por melhores dias que possam

permitir usufruto de existência digna dentro dos padrões humanitários que foram

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intensamente pregados pelo valente pernambucano que nas décadas de cinqüenta e sessenta

do século passado tornou-se uma das mais importantes personalidades do planeta graças a

defesa célebre da valorização do gênero humano em todas as dimensões.

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S U M Á R I O

LUIZ “LUA” GONZAGA

Não obstante nunca ter fumado ou bebido, Luiz Gonzaga foi garoto-propaganda do

Fumo DuBom, divulgando a qualidade do produto, a cultura nordestina e aproveitando para

buscar equilíbrio financeiro em razão do ostracismo ao qual foi relegado em razão do

advento de tendências musicais inspiradas em culturas do estrangeiro, como a Jovem

Guarda. Imagens que se fixaram em minha mente, nas minhas lembranças, difíceis e

impossíveis de serem apagadas, foram gravadas provavelmente no início da década de

setenta do século passado.

Quando de um show promovido para assinalar a inauguração da BR-230 em Pombal

(PB), na lateral do velho cruzeiro que marca a passagem do século XVIII para o século

XIX, de frente à Igreja do Rosário, meu pai, que era homem de bom gosto musical, pois era

fã incondicional da eterna e sublime arte de Luiz Gonzaga, tendo “Juazeiro” como canção-

identidade, me levou para assistir um dos momentos marcantes de sua vida.

Quando ele me levantou e me colocou em seu pescoço, pois muito pequeno era impossível

ver o que se passava logo adiante, devido ao grande número de pessoas que se acotovelava

intuindo melhor lugar para desfrutar das músicas que eram cantadas, cenário indescritível

se descortinou aos meus olhos, com a extraordinária performance do “Rei do Baião”.

Àquele homem, com um imenso chapéu de couro, abrindo e fechando compassadamente a

sanfona, todo encourado, marcou profundamente para o resto da minha vida.

Entendi a razão por que todo dia meu pai nos acordava com o rádio em toda altura quando

programação dedicada ao “Rei do Baião” era iniciada. Luiz Gonzaga é eterno, ímpar em

despertar a autenticidade e a identidade do sertanejo, pois cantou em versos extraordinários,

a maioria em parceira com Humberto Teixeira e José Dantas de Sousa Filho, o sertão em

corpo e alma.

Imortalizou a nossa flora, os nossos passarinhos, as secas inclementes, as parteiras,

os frouxos, os valentes, o chofer de praça, a pobreza do nordeste, os retirantes, enfim, a

verdadeira alma do nordeste, a essência que deve permear todas as práticas pertinentes aos

filhos da terra do sol.

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S U M Á R I O

Luiz Gonzaga em sua simplicidade amava sua terra e seu povo de forma

incondicional, pois lhes dedicou antológicas composições que fazem do seu legado um dos

mais importantes e respeitáveis repositórios da verdadeira nordestinidade.

A importância de Luiz Gonzaga era tão grande que o fascino despertado fez com que

Benito di Paula, grande artista nacional, dedicasse ao “Rei do Baião” uma das mais belas

homenagens prestadas ao sertanejo do Exú, pois ao invocar a sanfona branca do povo e o

chapéu de couro que lembrava a valentia dos cangaceiros, estava sendo selada a referência

de um gênio a um mito do cancioneiro popular de todos os tempos.

Cabe a nós, nordestinos natos, intensificar a reverência à memória e á arte do eterno

Luiz “Lua” Gonzaga, pois ameaça inaudita se consubstancia quando há nítida aculturação

em prol da ênfase à deturpação dos nossos valores através do advento de pseudodefensores

da cultura nordestina que pensam mais em cifras do que em buscar a permanência das

nossas tradições, pois intercalando a barulheira estridente dos instrumentos eletrônicos com

os sons cadenciados dos verdadeiros equipamentos que produzem a música genuinamente

nordestina, invertem a real dimensão das pregações efetivadas por Luiz “Lua” Gonzaga, o

eterno e insubstituível “Rei do Baião”.

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S U M Á R I O

NOTAS SOBRE O MUSEU DO SERTÃO DA FAZENDA RANCHO VERDE (ESTRADA DA ALAGOINHA -

MOSSORÓ/RN)

Resgatar a história do semiárido nordestino através de coleções de peças e

equipamentos que expressaram a produção econômica e a vida social em épocas pretéritas é

o mesmo que buscar a nostalgia dos caminhos das boiadas, as veredas dos velhos

tangerinos de outrora e o romantismo bucólico de um sertão gradativamente pulverizado

pelos ecos da modernidade que nos faz em esquecer as raízes de nossa identidade.

A fazenda Rancho Verde começou a ser estruturada no início da década de 90 do século

passado, quando o prof. Benedito Vasconcelos Mendes adquiriu terra na estrada da

Alagoinha, município de Mossoró-RN. Além de razões particulares, constava entre os

objetivos do grande sábio do semiárido adequar sua propriedade à pesquisa de melhoria

genética de animais domésticos nativos e exóticos que pudesse auxiliar o homem sertanejo

na difícil luta pela sobrevivência numa região castigada pelas secas, cujas características

edafoclimáticas a singularizam.

Colecionando utensílios diversos e equipamentos que eram utilizados nas principais

atividades econômicas do semi-árido, logo o acervo que o prof. Benedito Vasconcelos

Mendes acumulou no Rancho Verde não deixou margem a nenhuma dúvida quanto à

necessidade de se criar infra-estrutura necessária para que um museu fosse implementado

urgentemente.

A inauguração será concomitante ao lançamento do livro Reflexões sobre o

Nordeste, de autoria do prof. Benedito Vasconcelos Mendes, quadrimilésimo título da

Coleção Mossoroense da Fundação Vingt-un Rosado.

Centenárias relíquias estavam espalhadas por todos os cantos, testemunhando como

vivia e conseguia o sustento o homem nordestino em tempos imemoriais, as quais de fato

são marcas indeléveis da produção da vida material de um povo forte.

O museu do sertão da fazenda Rancho Verde está divido em oito setores que compreendem

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S U M Á R I O

a casa de cera, a casa de farinha, o engenho de rapadura, o alambique de cachaça, a

queijaria, a cocheira, a bodega e os utensílios domésticos.

No primeiro setor pode-se deslumbrar o local onde os sertanejos preparavam a cera

extraída das folhas da carnaubeira. O destaque é para uma mais que secular prensa de vara

“seu” Damásio, adquirida na região do Jaguaribe (Estado do Ceará). A cera de carnaúba

teve destacada importância econômica nos vales secos dos Estados do Piauí, Ceará e Rio

Grande do Norte em boa parte dos séculos XIX e XX

O segundo setor se tratava de uma oficina encontrada praticamente em todo o

semiárido nordestino, destinada à fabricação de goma e farinha de mandioca. Armazenar

farinha, rapadura e queijo era condição imprescindível para sobreviver às secas,

principalmente entre as famílias abastadas. O tamanho dos caixotes de armazenamento

demonstrava o grau de opulência dos proprietários sertanejos. Momentos distintos da

evolução da produção desses gêneros estão bem representados no museu da fazenda

Rancho Verde, quando a tração humana foi substituída pela animal e depois pela força

mecânica.

O terceiro setor teve maior quantidade de estabelecimentos nas serras úmidas e nas

várzeas dos rios intermitentes do Nordeste seco. Os engenhos produziam artesanalmente

alfenins, batidas e rapaduras. As moendas eram de madeira e depois foram substituídas

pelas de ferro.

No quarto setor encontramos a fábrica rústica de aguardente, também encontrada em

profusão no mesmo espaço dominado pelos engenhos de rapadura. Há identificação em

diversos processos, à exceção da fermentação do caldo visando obter o produto final.

O quinto setor é onde se preparava o queijo, sendo o de coalho o mais difundido no

nordeste. Neste processo o abomaso bovino tinha papel fundamental, substituído hoje por

fermento. Industrial.

No sexto setor encontramos a cocheira, onde charretes, carros-de-boi, carroças,

apetrechos de montaria, etc., eram guardados depois da labuta diária. Nesta parte há

destaque para o gibão como principal apetrecho da montaria do vaqueiro. Em razão de a

caatinga ser muito espinhenta, o uso desse acessório diferencia o homem que lida com o

gado no semi-árido nordestino do que faz o mesmo trabalho em outras regiões brasileiras.

O sétimo setor corresponde à bodega, difundida em todas as cidades da região. Trata-se de

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um pequeno armazém de secos e molhados onde se vende de tudo um pouco, incluindo

remédios alopáticos e os da farmacopéia caseira sempre requisitada por todas as classes

sociais.

O último setor abrange os utensílios domésticos que enriqueceram a cultura popular

e que se transformaram em verdadeiras obras de arte que resistem ao tempo. São peças que

reforçam a afirmação de Capistrano de Abreu que fizemos a civilização do couro.

Encontramos ainda panelas de barro, lamparinas de folhas de Flandres, gamelas, objetos

feitos com frutos de árvores nativas etc.

O fascínio do prof. Benedito Vasconcelos Mendes com as coisas do semi-árido nos

concedeu um espaço privilegiado onde o respeito à nossa cultura é observado em todos os

detalhes, preservando-se nosso passado recente com o intuito de que gerações presentes e

futuras saibam como as pessoas de outrora viviam e produziam suas riquezas.

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S U M Á R I O

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S U M Á R I O

UM OLHAR SOBRE AS NOTAS DA HISTÓRIA DO NORDESTE DE ROMERO CARDOSO

Marinalva Freire da Silva

Aprendi a gostar de José Romero Cardoso desde o momento em que tomei

conhecimento de uma fase muito difícil de sua vida, mas com toda a garra, conseguiu

superar e virar a página negra que tanto o atormentou.

A princípio, recebi dele, após primeiros contatos via internet, por indicação de um

amigo comum, embora o houvesse encontrado em sua adolescência quando residia em João

Pessoa. Reencontrei-o em outra dimensão de vida, apoiei-o, li seu primeiro livro, titulado

Fazenda da Esperança Santa Rosa: reminiscência de um processo de retorno à vida (2012)

e redigi um simples comentário. A obra de cunho autobiográfico, tem caráter pedagógico

porque a dura realidade das drogas é o caos para a família, logo, para a sociedade.

Em 2103, Romero me apresenta para revisão outra obra de cunho documental,

retratando a realidade do nordeste brasileiro à época do Cangaço, cuja figura principal, que

tanto aterrorizou a Região foi Lampião. Decidi reorganizá-lo. Assim, Textos vivos e

reverenciados de um imortal nordestino, recebeu o título sugerido por Dr. Archimedes

Marques (Delegado. Superintendente da Polícia de Sergipe), edição publicada em CD para

o que tive o apoio, como sempre, do meu querido editor Magno Nicolau. A obra teve

grande repercussão por se tratar de uma pesquisa séria, pois Romero é geógrafo, professor

da Universidade Estadual de Mossoró-RN, excelente pesquisador, estudioso assíduo da

cultura e dos costumes nordestinos, principalmente de Mossoró, cidade que o acolheu como

filho.

Desta feita, Romero me envia Notas da História do Nordeste. Trata-se de vários

artigos, a saber: (1) A civilização do couro; (2) O heroísmo das parteiras tradicionais;

(3) Os antigos almocreves; (4) Aboio dos vaqueiros: patrimônio imaterial do Nordeste;

(5) Grande seca de 1877-1879; (6) Rio Preto: humilhação, ódio e crimes hediondos; (7)

Canudos: guerra desumana e cruel; (8) Pajeú: o grande estrategista da Guerra de

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Canudos; (9) Tropeiros da Borborema: aventura almocreve pelas veredas da Terra do

Sol; (10) Breves considerações sobre as secas no semiárido brasileiro; (11) Delmiro

Gouveia e o sonho de industrializar o semiárido; (12) O semiárido brasileiro e a

“indústria das secas”; (13) Ousado ataque cangaceiro a Sousa-PB, em 27 de julho de

1924; (14) Meia-noite e o fogo do Sítio Tataíra; (15) A vingança de Lampião contra o

“Coronel” Zé Pereira; (16) Lampeão, sua história: objetivos da primeira biografia

erudita do “Rei do Cangaço”; (17) Coronel Manuel Benício: comandante paraibano

de forças Volantes; (18) A coluna Prestes em Piancó-PB e a morte do Pe. Aristides;

(19) O trucidamento do cangaceiro Jararaca em Mossoró; (20) Assassinato do

Presidente João Pessoa; (21) Princesa-PB: maior manifestação de insurgência do

mandonismo local; (22) A grande seca de 1932; (23) Métodos de sangramentos

utilizados por volantes e cangaceiros; (24) A estrela oculta do sertão; (25) A

importância do cordel em sala de aula; (26) Benjamin Abrahão e a involuntária

contribuição para a extinção do cangaço; (27) Gilberto Freyre e a essência do

impossível; (28) Drama da fome: feridas abertas que os poderosos insistem em não

curar; (29) A Batalha de Vingt-un Rosado em Defesa da Pesquisa de Petróleo na

Bacia Potiguar; (30) Josué de Castro e a ousadia de denunciar um tema ainda

proibido; (31) A morte de Josué de Castro no exílio; (32) Luiz “Lua” Gonzaga; e (33)

Notas sobre o museu do sertão da Fazenda Rancho Verde (Estrada da Alagoinha -

Mossoró/RN).

Como se pode observar, esta obra consiste em uma colcha de retalho cultural, que

reflete a inquietude do autor em transmitir às gerações a História da nossa Região, o

Nordeste árido, seco, sofrido, mas habitado por filhos valentes, destemidos, que sabem

fazer limonada dos limões que a vida oferece, que saem de sua terra em busca de melhores

dias, e sempre retornam vitoriosos quando sabem o que querem e têm competência. E o

estudo ainda é uma condição sine qua non de se anular a pobreza e/ou alcançar melhoria na

qualidade de vida, porque “o nordestino, antes de tudo é forte”.

Aconselho a leitura aos jovens a fim de que enriqueçam seus conhecimentos pela

ótica de Romero.

Quanto a Romero, parabenizo-o pelos excelentes textos que integram esta coletânea

e aconselho-o a continuar nesta caminhada.

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POSFÁCIO

Archimedes Marques2

José Romero de Araújo Cardoso não se tornou um escritor controverso, contraditório,

polêmico, tornou-se um celebrado escritor, detentor de uma escrita simples e direta, muito

bem explicada e melhor compreendida por todos aqueles que têm a prazer de senti-la, pois

das suas leituras, sentimo-las como se fôssemos os seus personagens. Verdade seja dita, ele

causa um baque espetacular ao se chocar contra o solo nordestino com os seus textos não

menos espetaculares. As questões e as certezas da literatura nordestina, mais de perto, da

literatura sertaneja, é para esse escritor motivo de grande alegria e cai como uma luva em

mãos dos verdadeiros nordestinos que clamam pela sua tão glamorosa história, mas não

somente os nordestinos, também os verdadeiros brasileiros que sabem separar o joio do

trigo, aqueles que não têm o nordestino como uma pessoa inferior, pois de fato, de inferior

nada temos, muito pelo contrário, os exemplos maiores de personalidades em todas as áreas

advém do Nordeste. Falar mais profundamente dessas personalidades seria escrever uma

biblioteca, por isso fiquemos apenas no notável imortal das letras vivente em terras de

Mossoró, autor deste livro, que ora tenho o redobrado prazer de posfaciar.

Os textos que compõem esta obra, mais enobrecem os nordestinos do que ao próprio

autor, pois até parece que ele escreve o que todos têm vontade de escrever, mas não

conseguem fazê-lo de uma maneira tão bem concitativa.

Em especial, dos seus escritos sobre o cangaço, além de muito bem pesquisado em

busca da verdade real, ou pelo menos aproximada, o autor apresenta também bom momento

de inspirada lucidez denotativa, fazendo com que os mais estudiosos do tema os coloque

como ponto de referencia em suas respectivas obras.

É a síntese de tudo que senti ao terminar de ler este histórico livro que por certo fica

para a posteridade como das grandes obras que o Nordeste já deu.

Aracaju, 01 de dezembro de 2014.

2 Pesquisador e escritor. Conselheiro do Movimento Cariri Cangaço.