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N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 1
S U M Á R I O
José Romero de Araújo Cardoso
Notas para a
história do Nordeste
Marinalva Freire da Silva Organizadora
Francisco Alves Cardoso
Apresentação
Francisco Pereira Lima Prefácio
Archimedes Marques
Posfácio
Ideia
João Pessoa
2015
J o s é R o m e r o d e A r a ú j o C a r d o s o | 2
S U M Á R I O
Todos os direitos e responsabilidades são do autor.
Diagramação/Capa Magno Nicolau
EDITORA
www.ideiaeditora.com.br [email protected]
C268n Cardoso, José Romero de Araújo. Notas para a História do Nordeste / José Romero de Araújo
Cardoso. João Pessoa: Ideia, 2015. 119p.
ISBN 978-85-7539-961-3 1. História – Nordeste - Brasil
CDU 625
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S U M Á R I O
AGRADECIMENTOS
Agradeço de todo coração a gentileza e o empenho do nobre amigo e colega,
nordestinófilo de primeira grandeza, Professor Francisco Pereira Lima, pelo prefácio deste
trabalho que, afinal de contas, tem o Nordeste como palco maior de todos os escritos nele
contidos.
Ao distinto amigo, colega e compadre, Professor Benedito Vasconcelos Mendes,
sábio do semiárido, com quem tenho aprendido muito nesses anos de convivência salutar.
À Geógrafa e Pedagoga, Especialista em Economia Solidária, Marcela Ferreira
Lopes, por quem o coração pulsa forte.
À Professora Marinalva Freire da Silva, grande incentivadora, grande defensora dos
Direitos Humanos, organizadora da obra, amiga de todas as horas, verdadeiro anjo de Luz
que Deus enviou para contribuir no meu soerguimento depois de tantas provações.
A Clemildo Brunet de Sá, Francisco Alves Cardoso e Ignácio Tavares de Araújo.
A José Romero Araújo Cardoso Júnior, Jerônimo Vingt-un Menandro Cardoso e
Mariza Cavalcante Cruz e Maria de Lourdes Araújo Cardoso (In memoriam).
A todos que dividem comigo o estudo sobre a grande região nordestina.
A todos os que fazem a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
O Autor
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ROMERO CARDOSO: uma inteligência rara!................................................................................... 6 Clemildo Brunet
APRESENTANDO NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DO NORDESTE DE JOSÉ ROMERO
CARDOSO .......................................................................................................................................... 9 Francisco Alves Cardoso
PREFÁCIO ....................................................................................................................................... 12 Francisco Pereira Lima
A CIVILIZAÇÃO DO COURO ....................................................................................................... 14
O HEROÍSMO DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS ..................................................................... 16
OS ANTIGOS ALMOCREVES ....................................................................................................... 18
ABOIO DOS VAQUEIROS: PATRIMÔNIO IMATERIAL DO NORDESTE .............................. 20
A GRANDE SECA DE 1877-1879 .................................................................................................. 22
RIO PRETO: HUMILHAÇÃO, ÓDIO E CRIMES HEDIONDOS ................................................. 24
CANUDOS: GUERRA DESUMANA E CRUEL ............................................................................ 26
PAJEÚ: O GRANDE ESTRATEGISTA DA GUERRA DE CANUDOS ....................................... 30
TROPEIROS DA BORBOROREMA: AVENTURA ALMOCREVE PELAS VEREDAS DA
TERRA DO SOL .............................................................................................................................. 33
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS SECAS NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO .................. 35
DELMIRO GOUVEIA E O SONHO DE INDUSTRIALIZAR O SEMIÁRIDO ............................ 39
O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A “INDÚSTRIA DAS SECAS”................................................. 41
OUSADO ATAQUE CANGACEIRO A SOUSA-PB, EM 27 DE JULHO DE 1924 ..................... 43
MEIA-NOITE E O FOGO DO SÍTIO TATAÍRA ............................................................................ 49
A VINGANÇA DE LAMPIÃO CONTRA O “CORONEL” ZÉ PEREIRA .................................... 53
LAMPEÃO, SUA HISTÓRIA: OBJETIVOS DA PRIMEIRA BIOGRAFIA ERUDITA DO “REI
DO CANGAÇO” .............................................................................................................................. 56
CORONEL MANUEL BENÍCIO: COMANDANTE PARAIBANO DE FORÇAS VOLANTES . 59
A COLUNA PRESTES EM PIANCÓ-PB E A MORTE DO Pe. ARISTIDES ............................... 61
O TRUCIDAMENTO DO CANGACEIRO JARARACA EM MOSSORÓ .................................... 65
ASSASSINATO DO PRESIDENTE JOÃO PESSOA ..................................................................... 69
PRINCESA-PB: MAIOR MANIFESTAÇÃO DE INSURGÊNCIA DO MANDONISMO
LOCAL ............................................................................................................................................. 71
A GRANDE SECA DE 1932 ............................................................................................................ 75
MÉTODOS DE SANGRAMENTOS UTILIZADOS POR VOLANTES E CANGACEIROS ...... 77
A ESTRELA OCULTA DO SERTÃO ............................................................................................. 80
A IMPORTÂNCIA DO CORDEL EM SALA DE AULA ............................................................... 83
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BENJAMIN ABRAHÃO E A INVOLUNTÁRIA CONTRIBUIÇÃO PARA A EXTINÇÃO DO
CANGAÇO ....................................................................................................................................... 85
GILBERTO FREYRE E A ESSÊNCIA DO IMPOSSÍVEL ............................................................ 88
DRAMA DA FOME: FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO
CURAR ............................................................................................................................................. 90
A BATALHA DE VINGT-UN ROSADO EM DEFESA DA PESQUISA DE PETRÓLEO NA
BACIA POTIGUAR ......................................................................................................................... 94
JOSUÉ DE CASTRO E A OUSADIA DE DENUNCIAR UM TEMA AINDA PROIBIDO ....... 104
A MORTE DE JOSUÉ DE CASTRO NO EXÍLIO ........................................................................ 107
LUIZ “LUA” GONZAGA .............................................................................................................. 110
NOTAS SOBRE O MUSEU DO SERTÃO DA FAZENDA RANCHO VERDE (ESTRADA DA
ALAGOINHA - MOSSORÓ/RN) .................................................................................................. 112
REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 115
UM OLHAR SOBRE AS NOTAS DA HISTÓRIA DO NORDESTE DE ROMERO
CARDOSO ...................................................................................................................................... 117 Marinalva Freire da Silva
POSFÁCIO ..................................................................................................................................... 119 Archimedes Marques
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ROMERO CARDOSO: uma inteligência rara!1
Clemildo Brunet2
Bom seria que nós, seres humanos, estivéssemos sempre prontos a falar coisas
boas de nossos semelhantes e assim estaríamos cumprindo a recomendação do
apóstolo Tiago quando diz: “Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do
irmão ou julga a seu irmão fala mal da lei e julga a lei; ora, se julgas a lei, não és observador da
lei, mas juiz”(Tiago, 4:11).
Apesar de haver nascido em Pombal, a minha aproximação com o dileto
amigo Romero Cardoso, dista de uns dez anos aproximadamente. Foi através de
entrevistas concedidas por ele em nossas emissoras de rádio, que conseguimos
firmar nossa amizade. É que a comunicação entre as pessoas tem esta magia.
Conversa vai, conversa vem, vamos através do diálogo, estabelecendo um elo de
conhecimento. Romero Cardoso nasceu em 28 de setembro de 1969, na cidade
Pombal Estado da Paraíba, filho de Maria de Lourdes Araújo Cardoso e Severino
Cruz Cardoso. Menino de origem humilde, segundo ouvi falar, muito travesso,
comum à idade semelhante aos demais de seu tempo. Por intermédio do esforço de
suas tias ou primas, começou a frequentar o banco escolar numa preparação para a
vida.
Graduou-se em licenciatura em geografia pelo Departamento de Geociências do
Centro de Ciências Exatas e da natureza da Universidade Federal da Paraíba, campus
I, João Pessoa PB. Cursou Especializações em Geografia e Gestão Territorial e em
organização de arquivos. Submeteu-se no ano de 1998 a concurso público para docente
do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
1 [email protected]: http://clemildo-brunet.blogspot.com/ FONTE: http://clemildo-brunet.blogspot.com.br/2007/08/romero-cardoso-uma-inteligncia-rara.html
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Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Central, Mossoró RN,
obtendo o primeiro lugar.
É professor Assistente-IV. Concluiu, em julho de 2002, mestrado em
desenvolvimento e meio ambiente-PRODEMA-UERN, com dissertação versando
sobre a importância da caprinovinocultura em assentamentos rurais de Mossoró-RN.
Romero Cardoso é assessor da Fundação Vingt-un Rosado “Coleção Mossorense”,
onde fez o lançamento dos seguintes livros: Nas Veredas da Terra do Sol (1996), Terra
Verde, Chapéu de Couros, e outros ensaios (1996), Aos Pés de São Sebastião – Novela
Sertaneja (1998), Fragmentos de Reflexões-Ensaios.
Selecionados (1999), A descendência de Jerônimo Ribeiro Rosado e Francisca
Freire de Andrade – A família de Menandro José da Cruz (2001).
Essa inteligência rara, Romero Cardoso, é autor de inúmeras plaquetas, a
exemplo de Mossoró e a Resistência a Lampião (2002) e de Maria do Ingá a Maringá
(2003). É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Estudos do
Cangaço e Sócio da Associação Paraibana de Imprensa, além de sócio fundador do
Grupo Benigno Ignácio Cardoso D’Arão. Estudioso do semi-árido nordestino e dos
movimentos sociais desta região, sempre na defesa, em busca de tecnologias que
permitam melhor convivência do homem com os problemas regionais. Podemos dizer,
com certeza, que Romero Cardoso é justamente aquele pensamento do apóstolo Paulo,
quando afirma: “Quando era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava
como menino: quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino”(I Coríntios,
13:11).
José Romero Araújo Cardoso em atividades docentes na sala de reuniões do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Central, Mossoró – RN.
Na última entrevista que me deu em 2004, no meu Programa: “Saudade Não
Tem Idade” na Rádio Opção 104 FM de Pombal, pude observar bem, nos gestos e
palavras de Romero Cardoso, a sua inquietação e desenvoltura própria dos
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homens destros, tendo na ponta da língua a resposta de todas as perguntas a ele
dirigidas, aproveitando os intervalos acendia o cigarro e ia fumar lá fora.
Romero Cardoso é uma pessoa simples e muito popular, reside em Mossoró, Rio
Grande do Norte, quando vem a Pombal, procura saber das coisas da terra com o
maior interesse, sempre almejando o melhor para a sua urbe, principalmente no que
diz respeito à preservação do patrimônio histórico de sua cidade natal e o seu
desenvolvimento, para que ela venha se tornar cada vez mais, uma cidade próspera no
setor comercial e Industrial, além do seu significado em termos de cultura.
Foi de Romero que ouvi pela primeira vez, que eu, era descendente direto do
grande naturalista francês Louis Jacques Brunet, cientista renomado que foi o
responsável pela descoberta e fomento na condução da carreira do maior artista
plástico paraibano, o areiense Pedro Américo. Romero Cardoso, esta homenagem que
lhe presto, não é simplesmente por ser seu amigo, poderia haver até razão de ser. Mas
não é por esse lado. A verdade é que desde o dia em que travamos o nosso primeiro
diálogo, descobri a suficiência de sua capacidade e a maneira simples como você a
expressa: Sem vaidade e sem orgulho. Daí a razão do título deste artigo. Romero
Cardoso: Uma Inteligência Rara!
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APRESENTANDO NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DO NORDESTE DE JOSÉ ROMERO CARDOSO
Francisco Alves Cardoso1
Ao escrever e lançar a mais encantadora toada intitulada “Asa Branca”, em 1947, a
dupla Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga já alertava as autoridades brasileiras para as
catástrofes da seca no Nordeste, e num grito desafiador do mais fundo do peito pedia
socorro ao Supremo Criador de todas as coisas: “Quando oiei a terra ardendo, qual
fogueira de São João, eu preguntei, ai, a Deus do céu, porque tamanha O jovem e
renomado escritor paraibano José Romero Araújo Cardoso no seu novo livro “Notas para
a História do Nordeste” , busca com força, na sua intocável destreza mental colocar em
ação grandes figuras do mundo sábio, corajoso e defensor do nosso sofrido torrão
nordestino, provando a luta de cada um para tornar esse quase país, em igualdade de
condições às demais regiões brasileiras muito bafejadas pelo governo central, numa
demonstração do desprezo para com os estados nordestinos que contam com cinquenta e
três milhões, oitenta e um mil e Esboçando uma força gigante do peito revoltado, Romero
grita contra “o drama da fome, feridas abertas que os poderosos insistem em não curar”.
Em termos de cultura, o Nordeste é rico nos seus mais diversos tipos, mesmo
esmagada, algumas, pelo fogo aterrorizante dos capatazes do poder, mesmo assim continua
viva para o desenvolvimento da Pátria. A cultura religioso-desenvolvimentista, patrocinada
pelo Padre Cícero Romão Batista e seus romeiros, do Juazeiro do Norte cresce a cada
instante, porque é obra pura, cristalina que transforma aquela terra forte com o crescimento
do seu movimento artístico. Nem mesmo a força dos canhões do governo Franco Rabelo, à
época, fez os ciceristas se renderem. Continuaram unidos e fortes na defesa dos seus A
cultura viva transmitida por Luiz Gonzaga, defendendo o território nordestino, sua fauna,
sua flora, nosso povo e nossa arte imbatível continua em expansão no Brasil inteiro,
1 Advogado, escritor, jornalista e cronista social. Membro da União Brasileira de Escritores-PB
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superando os arrojos de regiões outras que teimam em não aceitar a nossa força sempre
vitoriosa.
As secas continuam, e agora a gravidade é muito maior. Os alimentos são possíveis,
mas a água parece que não tem remédio. O governo federal continua a propaganda
enganosa da Transposição do Rio São Francisco. Mas tudo isso não passa de uma farsa
pregada somente às vésperas das eleições presidenciais de quatro em quatro anos,
desprezando a inteligência e a capacidade de entender que José Romero enaltece um dos
mais brilhantes movimentos culturais nordestinos, na atualidade, o cordel que está tomando
conta das salas de aula, dos terreiros das fazendas, das promoções juninas. E juntamente a
essa legenda cultural, a poesia, que neste ano de 2014 realiza através de um grande festival,
o III CONPOZAGÃO – Concurso de Poesia em Homenagem a Luiz Gonzaga e seus
seguidores, promovido pelo Parque Cultural “O Rei do Baião”, na Comunidade São
Francisco, município de São João do Rio do Peixe-Paraíba. O I CONPOZAGÃO foi
publicado no livro “Gonzagão: O Centenário em Poesia”.
Louvo, neste livro de Romero a coragem e a profundidade estudiosa de buscar
ensinamentos de obras sobre a democracia racial de Gilberto Freire, a dramaticidade da
violência do cangaceirismo, sob a égide de Lampião. E detalhes sobre o brutal assassinato
do Padre Aristides, pela Coluna Prestes, em Piancó-Nas visitas que fiz recentemente a
cidade de Quixeramobim, estado do Ceará fiquei entusiasmado com a movimentação
daquele povo em favor da eternização do nome de Antônio Conselheiro, na sua terra natal.
É o reconhecimento da sua gente ao heroísmo do Conselheiro. O sentido amoroso de
cultura entre os quixeramobienses crescem a cada dia pela lembrança do filho mais ilustre.
Louvo as campanhas promovidas pelo produtor cultural Fernando Ivo, Presidente do Fã
Clube Romero já está colocado entre os maiores e melhores escritores do Brasil, e com o
lançamento de “Notas para a História do Nordeste” imortaliza o grau cultural que nossa
região proclama e o Brasil exalta.
Tem razão o escritor Clemildo Brunet quando afirma ser “Romero Cardoso - uma
inteligência rara”, e Marinalva Freire que eleva o grau cultural do nosso escritor. Não se
pode falar da obra de Romero sem lembrar fervorosamente a capa do livro, pelo espírito de
criatividade juntando monstros sagrados como Luiz Gonzaga e Padre Cícero, retirantes
saindo das várzeas secas buscando o solo fértil, vaqueiro na corrida pelo boi, as árvores do
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mundo novo e o castigo das mortas pela falta de chuvas nesse Nordeste tão esquecido pelo
poder dos homens e sempre exaltado por líderes inesquecíveis como: Raimundo Asfora,
Delmiro Gouveia, José Américo de Almeida, Vint-un Rosado, Josué de Castro e Ariano
Suassuna.
Junto a Romero as palavras de um dos maiores paraibanos, Senador Argemiro de
Figueiredo sobre a seca: “A seca destrói tudo, as lavouras, os rebanhos, o patrimônio, a
tranquilidade, o bem estar, a esperança e até a própria dignidade A respeito da consciência
da nossa região, Argemiro fala com propriedade: “O Nordeste tem nesta hora uma
consciência formada: a consciência de que é um pedaço do Brasil. A consciência de que é
uma parcela da Nação. A consciência de que merece viver dignamente, sem fome e sem
miséria”.
É assim, José, temos que ser fortes, corajosos, dinâmicos, livres, prontos para todas
as batalhas, criativos como o “Caldeirão Político”, que homenageia os heróis nordestinos
com o Troféu “Vencedor de Todas as Lutas”.
Temos que seguir ensinamentos seus, reconhecendo o valor da civilização do couro,
o heroísmo das parteiras tradicionais, como a querida “Mãe Fulô”, a luta dos almocreves, o
aboio dos vaqueiros. Temos de vencedores de todas as lutas, para fazer os nossos irmãos
nordestinos livres e independentes.
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PREFÁCIO
Prof. Francisco Pereira Lima1
Recebi, com grande satisfação, o convite do amigo, professor e escritor, José
Romero Araújo Cardoso, para editar e prefaciar este seu, mais recente, trabalho, “Notas
para a história do Nordeste”. Cumpri essa incumbência honrosa, com grande prazer, apenas
reconhecendo as minhas limitações, no cumprimento de tão importante missão.
Escrever sobre a história e a cultura nordestina é dissertar a complexidade, os
meandros de milhares de fatos, personagens, fenômenos e manifestações artísticas e
literárias, que abrangem os fatores políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, que
marcaram profundamente a nossa região.
O grande desafio é levar a nossa história às mesas de leitura, estudos e debates,
tornando-a conhecida pela maioria dos nordestinos, especialmente, os estudantes. A missão
não é fácil, mas é nosso dever lutar por este objetivo.
Dando a sua contribuição, nesse sentido, o professor e escritor Romero Cardoso,
um amante da história regional, abnegado estudioso e exímio escritor das nordestinidades,
escreveu uma série de artigos relacionados ao Cangaço, Coronelismo, Coiteiros, Canudos,
Lampião, Revolta de Princesa, personagens e tradições regionais, como Luiz Gonzaga, os
Almocreves, os Vaqueiros, as Parteiras, o fenômeno das secas, entre outros e publicou em
sites, blogs, jornais e revistas. Agora, resolveu nos presentear, reunindo parte deste material
e outros artigos inéditos, num livro (Coletânea) com o título “Notas Para a História do
Nordeste”.
O objetivo deste trabalho fica bem claro, que é contribuir com o estudo da nossa
História, evitando que a ferrugem do tempo apague essas memórias, tão bem elaboradas
por meio desses excelentes artigos.
1 Membro da SBEC. Conselheiro do Cariri Cangaço.
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Em alguns artigos, o autor fez uma análise mais aprofundada, fundamentada
teoricamente; em outros, a dissertação foi mais superficial, sem o aprofundamento
merecido, mas sem prejudicar a mensagem do autor referente ao tema tratado.
A clarividência e objetividade com os seus escritos é uma característica marcante
deste escritor paraibano de Pombal, adotado por Mossoró.
A obra de José Romero inicia falando da Civilização do Couro nos séculos XVIII,
XIX e início do séc. XX; continua falando das nossas parteiras e dos Almocreves. Defende
que o Aboio dos vaqueiros deve ser considerado patrimônio do Nordeste. Trata da grade
seca de 1877-1879, uma catástrofe. Em seguida, descreve a saga do famigerado Rio Preto,
que agiu na região de Pombal-PB. Comenta os possíveis motivos da sua personalidade
perversa e cruel. Seus crimes e seu fim. Na sequência, vem a Guerra de Canudos, um
massacre injustificável, onde foram dizimadas milhares de vida de conselheiristas e de
militares. Trata também do estrategista de guerra, “Pajeú”. Passeia pela história de um dos
grandes visionários e progressistas do Nordeste, o industrial Delmiro Gouveia. Entra na
História do Cangaço, com o Ataque a Sousa-PB, em 1924, reação do Cel. Zé Pereira, o
assassinato de Meia-Noite e a vingança de Lampião. Fala da Coluna Prestes, em Piancó, e o
caso Padre Aristides, em 1926. Vem a Revolta de Princesa, o assassinato do presidente
João Pessoa e a Revolução de 30. É um verdadeiro passeio nas veias, veredas e recantos da
terra do sol. Mostra-se emocionado ao descrever a experiência de assistir ao show do Rei
do Baião, quando ainda pequeno, em praça pública, na sua querida cidade de Pombal-PB,
no ombro do seu pai, que era fã de Luiz Gonzaga e finaliza, fazendo uma referência
especial ao seu grande amigo Dr. Benedito Vasconcelos e seu Museu do Sertão, na fazenda
Rancho Verde, em Mossoró.
Recomendo a todos, a leitura desta coletânea e desejo muito sucesso ao autor no
lançamento deste seu trabalho.
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A CIVILIZAÇÃO DO COURO
A civilização do couro, conforme definição do historiador Capistrano de Abreu,
objetivava abastecer com os produtos da pecuária o mercado interno, pois as áreas
valorizadas pelo capital mercantil não tiveram condições concretas de cumprir qualquer
ênfase à própria sobrevivência, seja de oprimidos ou de opressores.
As classes abastadas que povoaram os sertões nordestinos tinham na quantidade de
gado bovino sinônimo de status socioeconômico, enquanto aos menos privilegiados restou
o consolo de criar pequenos animais domesticados, como cabras e bodes, motivo pelo qual
se formaram as denominadas raças nativas, como Moxotó, Morada Nova e Canindé,
resistentes às secas e adaptadas extraordinariamente ao meio ambiente inóspito, cujo
suporte forrageiro, em geral, encontra-se nas plantas das caatingas.
No sertão nordestino, o couro passou a fazer parte do dia-a-dia, pois quase tudo era
feito dessa matéria-prima de origem animal. As cadeiras, os alforjes, as mesas, os gibões,
os chapéus, enfim, a cultura sertaneja passou a utilizar o couro em quase tudo que era
confeccionado, usado cotidianamente pelos sertanejos em afazeres, alimentação, conforto
etc.
Quando das grandes secas era comum usar o couro como recurso alimentício a fim de
tentar sobreviver aos rigores das intempéries. A estiagem histórica de 1877-1879 marcou
significativamente o uso do couro para a alimentação do sertanejo, o qual antes era
utilizado para deitar-se, sentar-se ou enfrentar os espinhos da vegetação caatingueira.
O manuseio com o gado, do qual o couro é retirado, fez surgir verdadeiros artesãos
nas quebradas dos sertões distantes. Artistas populares anônimos proliferaram, assim como
as feiras de gado, executando trabalhos hábeis que ainda hoje marcam de forma
extraordinária a cultura sertaneja.
Mãos calejadas passaram a fabricar selas, chapéus, relhos, sandálias etc., os quais se
tornaram indispensáveis para enfrentar a vida dura no sertão, simbolizando em muitos
casos a própria tradição da região. Vaqueiros e cangaceiros adotaram indumentária própria,
confeccionada com o couro. Incontestáveis obras de arte foram feitas a partir do
tecido animal, exemplificado através dos chapéus-de-couro dos mais proeminentes chefes
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de cangaço que palmilharam o sertão nordestino. O campeador de gado do sertão
nordestino, por sua vez, difere de seus congêneres espalhados pelo país, pois a roupa com a
qual enfrenta as dificuldades da labuta diária, condicionada pelos desafios impostos
pela vegetação extremamente agressiva, dotada de espinhos afiados e cortantes, exige
dureza e rusticidades, as quais são conseguidas comas vantagens que o couro oferece.
Diferenciada das demais formas civilizatórias que fomentaram a ocupação do
território nacional, a formada no sertão nordestino assumiu compleição própria em função
das condições adversas de clima e vegetação que propiciada pela razão econômica da
expansão em direção aos sertões distantes, repletos de perigos e incertezas, moldou o
caráter do homem sertanejo ao longo dos séculos que embasaram a formação da civilização
do couro.
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O HEROÍSMO DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS
O isolamento e a ausência da ação do Estado em diversas regiões do globo tornaram
imprescindível o trabalho das parteiras tradicionais, sendo a maioria detentora de
conhecimentos empíricos transmitidos de geração a geração, pois a preservação das
técnicas de como realizar partos de forma mais eficiente possível vem possibilitando a
salvação de inúmeras vidas nos quatro cantos do mundo, razão pela qual o cinco de maio é
internacionalmente dedicado a essas heroínas anônimas.
Embora percentual majoritário de quem se dedica ao trabalho de viabilizar a vinda de
uma nova vida ao mundo seja do gênero feminino, existem registros em diversas regiões de
parteiros realizando essa missão humanitária.
A zona rural é tradicionalmente desassistida pelos programas de saúde, motivo pelo
qual as parteiras ainda exercem forte influência nas sociedades tradicionais quando
mulheres começam a demonstrar os sinais inconfundíveis de que estão prestes a ter seus
filhos, principalmente quando os partos se mostram complicados.
Esquecendo os perigos que rondam a calada das noites, concentradas apenas na
certeza de que a presença imediata é indispensável, as profissionais leigas não medem
distância a fim de enfatizar seu ofício intuindo salvar vidas.
Técnicas em grande proporção eficientes, aprendidas com antepassados, são postas
em prática e, dependendo do caso, logo alcançam o objetivo que fizeram das parteiras
tradicionais figuras respeitadas em suas comunidades, não obstante a imensa maioria não
desfrutar de melhores qualidades de vida, vivendo em condições semelhantes às famílias
que assiste.
Gonzagão, embora desgostando a viúva do autor da música, devido às modificações
profundas que realizou na canção, imortalizou a importância dessas heroínas anônimas
interpretando com invulgar perfeição "Samarica parteira", composição fruto da genialidade
de Zé Dantas, o qual como médico obstetra, nativo do semiárido, nascido em uma região
carente e esquecida do sertão pernambucano, sabia perfeitamente das dificuldades que a
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sertaneja enfrenta devido a ausência de profissionais da medicina, fato que infelizmente
persiste até os dias de hoje.
O trabalho realizado pelas parteiras tradicionais no nordeste brasileiro também é
marcado pelas superstições, tendo em vista que muitas dessas profissionais práticas se
inspiram no ciclo lunar para poder realizar partos.
A religiosidade também se faz presente, pois oração como a Salve Rainha é feita
antes de começar o trabalho de assistir as mulheres nos partos. Caso a parteira erre a reza
significa que a parturiente deve ser imediatamente conduzida para lócus apropriado que
disponha de condições suficientes para evitar que mãe e filho/a não sejam salvos.
Regiões extremamente carentes no setor de saúde, a exemplo do Norte e do Nordeste,
ainda contam de forma expressiva com o trabalho das parteiras tradicionais para realizar
partos em mulheres.
Heroínas anônimas, indispensáveis na ênfase em salvar vidas, as parteiras
tradicionais precisam ser reconhecidas e valorizadas em razão do grande trabalho social que
vem exercendo ao longo dos séculos, sobretudo, quando se intensificam as diferenças inter-
regionais em razão que as diferenças ainda não foram solucionadas, principalmente na área
de saúde, a qual deve nortear prioridade de forma democrática e humana em qualquer
plataforma governamental que obrigatoriamente deva prezar o bem-estar da população em
sua totalidade.
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OS ANTIGOS ALMOCREVES
Mossoró já foi um dos mais extraordinários pólos de crescimento que o semiárido
nordestino já registrou em sua espacialização geográfica, convergência de boa parte da
produção sertaneja dos vizinhos Estados do Ceará e da Paraíba, além de sua órbita
gravitacional, as cidades circunvizinhas.
Algodão, peles, couros e cera de carnaúba, além de sal e gesso, eram exportados
pelas inúmeras casas especializadas, facilmente encontradas no município, sucessoras da
saga comercial do negociante suíço Johannes Ulrick Graff.
A produção sertaneja contava com imprescindíveis agentes econômicos, responsáveis
pelo transporte dos bens obtidos com as atividades econômicas do semi-árido. Eram os
almocreves de outrora, os tangerinos ou comboieiros, os quais saíam com tropas de burros
dos mais distantes lugares, trazendo seus fardos de pele e algodão.
Provinham de todos os recantos do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Ceará.
Após dias de exaustivas caminhadas pelas trilhas toscas e de difícil acesso, chegavam
cansados, famintos e estropiados em Mossoró, onde escolhiam seus melhores compradores.
Em inúmeros casos almocreves, comerciantes e industriais firmavam, além de negócios,
laços coesos de amizade e compadrio. Lembremos o exemplo de Argemiro Liberato de
Alencar, almocreve paraibano, natural de Pombal, compadre e amigo íntimo do “Coronel”
Rodolfo Fernandes, responsável pelo primeiro aviso a Mossoró de que Lampião intuía
atacar a cidade em 1927.
Graças aos almocreves, muito da prosperidade desfrutada pela capital do oeste
potiguar pôde ser efetivada, sobretudo durante os anos áureos do boom da economia do
semi-árido, durante a década de 20 do século passado. O término da guerra urgiu a
necessidade de se reconstruir a velha Europa, devastada pelo conflito. Posteriormente,
registrou-se a catástrofe da Bolsa de Nova York em 1929, da qual surtiu efeito contundente
sobre a economia da região.
Campina Grande, Estado da Paraíba e Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte,
rivalizam quanto ao grau de importância dos velhos almocreves para a economia local, em
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determinada época. A primeira já rendeu seu tributo aos bravos tangerinos dos pretéritos
tempos e lucra extraordinariamente com isso. Exemplo maior encontra-se no
reconhecimento internacional ao grupo Tropeiros da Borborema, oriundo da magnífica
composição de Raimundo Yasbek Ásfora e Rosil Cavalcante, imortalizada em esplêndida
interpretação de Luiz “Lua” Gonzaga.
Monumento em Campina Grande, além de destaque em museu, embora referente ao
algodão, denotam a reverência dos paraibanos a um dos mais importantes elos da cadeia
produtiva da economia sertaneja.
Mossoró, por sua vez, ainda não despertou para a importância de resgatar os
almocreves, deixando testemunho, como legado à posteridade, de um marco histórico de
uma época em que a fome e a sede imperavam nas estradas poeirentas do sertão, embora
não maiores que a obstinação de buscar sobreviver à inclemência das dificuldades naturais
e artificiais da hinterlândia.
A terra de Santa Luzia precisa fomentar com urgência esse reparo enquanto tributo
de gratidão àqueles que trouxeram tantas riquezas que deram posição de destaque regional,
nacional e internacional ao País de Mossoró durante boa parte do século XX, refletindo-se
no presente através dos marcos indeléveis no imaginário popular transmitido de geração a
geração.
Seguir os passos de Campina Grande, imitando sua originalidade e pioneirismo, pode
representar futuros investimentos em turismo e cultura, pois a história é um alicerce
irremovível na assistência a projetos futuros.
Em um tempo em que os transportes de grande calado, que comportassem o volume
da produção, eram escassos ou quase inexistentes, esses agentes econômicos marcaram
significativamente o cotidiano das terras semi-áridas, contactando centros civilizados com
os mais recônditos rincões esquecidos do vasto mundo das caatingas e dos carrascais.
Homenageá-los significa recuperar parte de nossa memória, se evitando dessa forma
que suas lutas e o estoicismo em vencer obstáculos de um sertão tenaz e indomável de
outrora caiam no ostracismo imposto pela aculturação que se propaga e faz as gerações
atuais e futuras tenderem a esquecer as raízes e os valores das veredas da terra do sol.
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S U M Á R I O
ABOIO DOS VAQUEIROS: PATRIMÔNIO IMATERIAL DO NORDESTE
Os semitas tiveram papel impressionante na formação étnico-cultural do homo
nordestinus.
Os judeus, perseguidos pela inquisição, principalmente depois da expulsão dos
holandeses do nordeste canavieiro, refugiaram-se em lugares ermos nos confins do sertão,
transmitindo de geração a geração traços identificadores da cultura desse povo, a exemplo
do registrado na genealogia e na cultura do núcleo cristão-novo de Venha-Ver, localizado
no alto oeste do Estado do Rio Grande do Norte.
Os árabes, parentes próximos dos descendentes de Abraão, em virtude de procederem
da linhagem de Ismael, também filho do patriarca, legaram ao nordestino a mais fantástica
das sonoridades regionais – o aboio. Nas quebradas do sertão não há como deixar
imperceptível a passagem de uma boiada conduzida por vaqueiros. O ambiente se enche
dos ecos da tradição com o aboio dos tangedores do gado que corre célere na poeira que se
levanta a inundar o ambiente marcante da quentura do sertão.
O aboio está salvo da aculturação? Com os números apresentados pelo último censo
demográfico, quando uma cidade de porte médio como Mossoró apresenta um percentual
de 93,1% de sua população total habitando a zona urbana, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) conforme diversos censos realizados, os quais atestam a
permanência, com pequena alteração, do percentual estatístico. Assim, os vínculos com o
campo vão se perdendo gradativamente.
Certa vez, dirigindo pelas inúmeras estradas de barro existente na capital do oeste
potiguar, dei passagem para uma boiada. Qual espanto quando o vaqueiro apareceu
montado em uma bicicleta tangendo o gado? Isso demonstra como a modernidade tem
influenciado nas tradições nordestinas, sobretudo as que caracterizam o semiárido.
Ouvir caprichado aboio de vaqueiro é o mesmo que sentir no peito pungente
saudade da saga heróica de Luiz Gonzaga, buscando a lembrança oportuna de Raimundo
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Jacó, campeador de gado das caatingas pernambucanas, covardemente assassinado, mas
que está imortalizado em culto à sua memória, o qual extrapolou os limites de sua região.
Poucos sabem, nos dias de hoje, sobre a poesia que sai das cordas vocais de um
aboiador, penalizado pelo rigor de uma seca castigante que destrói vidas. A linguagem dos
sons, dos gestos, da cadência e do ritmo do guturalismo que as gargantas cansadas já não
emitem com tanta precisão é como uma prece de resistência às mudanças bruscas e
vertiginosas que atingem as tradições da pecuária nordestina.
A mídia dita regras de conduta, elevando ao panteão falsos defensores do nordeste
brasileiro, os quais intercalam pretensa divulgação das tradições culturais com os ecos da
modernidade. Causa pena e revolta ver o povo nordestino se rebolando ao som de guitarras
que se articulam com instrumentos tradicionais como a sanfona, o triângulo e a zabumba.
Defendo com veemência que o aboio dos vaqueiros seja elevado à categoria de patrimônio
imaterial do nordeste brasileiro, pois personifica magistralmente a acústica laborativo-
cultural de um povo forte e heróico.
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S U M Á R I O
A GRANDE SECA DE 1877-1879
Há cento e trinta e seis anos, efetivava-se gênese de implacável prova de fogo
enfrentada pelo povo do semi-árido nordestino, de cujos rigores atingiram zonas úmidas e
pouco afetadas pela ação inexorável do inconstante vento alíseo de nordeste, responsável
majoritário pelos fenômenos cíclicos de estiagem que vez por outra castigam violentamente
grande parte do interior nordestino.
Coincidentemente, quando da seca de 1877-1879, foi registrado impressionante
aquecimento das águas do pacífico sul-americano, devido incríveis erupções vulcânicas
submarinas no círculo do fogo que circunda o continente americano. A relação El Niño –
secas no nordeste brasileiro só foi enfatizada recentemente.
Aflição inenarrável tomou de conta da desvalida população nordestina, bem como da
região norte de Minas Gerais, onde a espacialização no vale do Jequitinhonha se efetivou
condicionada pelos rigores das secas, impactando também, de forma implacável, o modus
vivendi do povo imortalizado pela literatura de João Guimarães Rosa.
Inúmeras dificuldades impediram a consolidação de auxílios pelo governo imperial,
clamados de forma angustiante pelo povo que sofria com as calamidades indescritíveis.
Proliferaram os casos de antropofagia, pois até o couro que singulariza a cultura nordestina,
no que tange à produção material, de uso diário, foi consumido pela população faminta.
A biodiversidade, adaptada aos rigores do clima e dotada naturalmente de
experiência para a continuidade da vida, também sofreu implacavelmente com as
conseqüências tétricas da grande seca de marcas indeléveis no século XIX. A falta d’água
fez com que animais perecessem de sede, enquanto a caatinga cinzenta, não obstante o
ensejo da catástrofe natural, mostrou-se resistente, revitalizando-se plenamente quando do
grande inverno de 1880.
Rodolfo Teófilo afirmou que no Ceará mais de trezentas mil pessoas morreram de
fome e sede ou emigraram para a Amazônia e Centro-Sul brasileiros. A descendência de
significativo percentual da população do Estado do Acre confirma tendência nordestina,
principalmente cearense, em buscar sobreviver, quando das secas, emigrando para a região
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norte, fenômeno demográfico que a partir da década de cinqüenta do século XX voltou-se
majoritariamente para a região Sudeste, quando da ênfase à industrialização tardia e
dependente.
O imaginário de fração do povo nordestino, referindo-se aos efeitos e transtornos
provocados pela grande seca de 1877-1879, não obstante a férrea batalha de aculturação
movida pela globalização, ainda se revela marcado por histórias dantescas transmitidas de
geração a geração, embora provas documentais referendem a dramaticidade dos fatos, a
exemplo do caso de antropofagia que convulsionou a pequena localidade de Pombal, estado
da Paraíba, quando do rapto, assassinato e esquartejamento de criança, responsabilidade de
inditosa retirante de nome Donária dos Anjos, de cujo argumento para a prática do ato
bárbaro, quando da inquirição promovida pela justiça, alegou fome insuportável como
motivo do hediondo crime.
Impossível evitar as secas, mas implantar soluções para a convivência do homem
com a natureza indômita do semiárido deve nortear o ideário dos poderes públicos e
privados, sem esquecer da necessidade pragmática de também priorizar a educação
ambiental, principalmente devido ao atual estágio do processo de desertificação,
disponibilizando dessa forma melhores condições de vida ao povo da civilização das secas,
minimizando assim dramas que são exemplificados através das inúmeras provações,
quando da grande seca de 1877-1879, enfrentadas pelo gênero humano que desafia as
causticantes intempéries da porção semiárida brasileira.
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RIO PRETO: HUMILHAÇÃO, ÓDIO E CRIMES HEDIONDOS
Luiz era seu nome de batismo, mas foi imortalizado tragicamente nas crônicas da
violência do século dezenove pelo apelido cangaceiro de Rio Preto. Não tinha bando
próprio, agia sozinho, pois preferiu destilar seu ódio solitário pelas quebradas do sertão.
Luiz nasceu em Pombal (PB), foi criado, melhor dizer acolhido na humilhação
extrema, pelo sacerdote católico Amâncio Leite, que não poupou em nenhum momento o
pobre Luiz das mais vexatórias e ignominiosas manifestações de escárnio visando
massagear ego doentio condicionado pelo histórico racismo que marca o imaginário de
pessoas sem formação e detentor de falsa devoção a Deus, que não difere negros, brancos,
amarelos ou vermelhos.
Não seria de estranhar que nêgo Luiz despertasse revolta incontida contra a sociedade
de sua época. Ganhou as caatingas sertanejas feito fera bravia sem limites para a violência
que disseminou. Sequestrava mocinhas brancas, seviciava-as e depois de torturá-las ao
extremo, reservava-lhes morte cruel e desumana. O covil no qual se homiziava era cheio de
ossos dessas infelizes que tiveram a desdita de cair em suas garras tenebrosas. Imitava com
invulgar perfeição o rincho de um jumento, razão pela qual o terror era instalado no coração
das pessoas quando ouviam o som estridente do animal que conduziu Jesus quando da fuga
para o Egito, fugindo das perseguições romanas impostas por Heródoto.
Rio Preto foi um cangaceiro semelhante a Lucas da Feira, cuja perversidade marcou
época na Bahia. O modus operandi de ambos foi marcado pela ferocidade como agiam, pela
forma como extravasou o ódio contra as estruturas da sociedade de suas épocas. Diziam
que Rio Preto tinha feito pacto com o demônio, pois se propalou que o cangaceiro era
imune a facas e balas, nada o atingia, pois além de tudo era dotado de “encantamentos”,
transformando-se em tocos ou pedras quando alguma força volante estava em diligência a
fim de capturá-lo. Rio Preto tinha inúmeras mortes nas costas, era o terror de Pombal (PB)
e áreas fronteiriças das Províncias Parahybana e norte-riograndense. A ira implacável de
nêgo Luiz fez muitos sertanejos tremerem de medo durante décadas.
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Afirmo categoricamente que o responsável pela gênese do malvado cangaceiro
paraibano foi o Padre Amâncio Leite. Esse foi o principal responsável pelo terror instalado
no sertão devido a forma extremamente perversa como tratou a criança desde a mais tenra
idade, infringindo-lhe castigos terríveis que forjaram a personalidade doentia e criminosa
de Rio Preto. Mas nêgo Luiz não tinha o corpo fechado como se dizia. Responsável pela
morte de um fazendeiro em Pombal (PB), Rio Preto foi alvo de uma tocaia montada pelos
filhos do sertanejo assassinado.
Chovia aos tântaros quando os adolescentes escalaram os clavinotes em direção ao
cangaceiro. Haviam colocado algodão nas agulhas das armas, para facilitar os disparos na
enxurrada.
A fama de mau de Rio Preto era tão conhecida que os dois rapazes não esperaram
para constatar se havia consumado a vingança. Mas Rio Preto resistiu com estoicismo aos
disparos, sendo encontrado por forças policiais estertorando. Conduzido à cadeia de
Pombal (PB), considerada a mais segura do sertão setentrional, Rio Preto faleceu em uma
das celas, morrendo sem se arrepender dos crimes abomináveis que cometeu em suas
estrepolias violentas pelas veredas da terra do sol.
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CANUDOS: GUERRA DESUMANA E CRUEL
O estopim que acendeu a guerra de Canudos foi mesquinho e abominável, revelando
personalidade doentia e escandalosa de quem perpetrou calúnia hedionda contra os
membros da comunidade mística fundada no adusto sertão baiano, cujas características
quanto às conquistas humanas impressionam devido ao grau de organização, tendo
beneficiado a todos que lá se acomodaram, fugindo da fúria do latifúndio e da prepotência
dos senhores de braço e cutelo que vicejavam de forma proeminente no sertão nordestino
daquela época.
Arlindo Leone, juiz de direito de Juazeiro (BA), forjou mentira de que os
conselheiristas estavam prestes a invadir a cidade, em razão que não havia sido entregue
lote de madeira, comprado e pago regiamente, o qual estava destinado para o término da
construção da igreja nova.
Havia antiga rixa entre o magistrado e o líder carismático-religioso de Canudos.
Conselheiro, certa vez, tinha passado reprimenda no juiz devido vida pregressa levada por
Arlindo Leone, sobretudo com relação ao adultério.
Colocando a população, as autoridades e a imprensa em polvorosa, Leone criou as
condições necessárias para a futura destruição do arraial que mudou a vida de muitos
excluídos nordestinos, pois abrigava gente de várias procedências, ávida por melhores
condições de sobrevivência material e espiritual em um sertão extremamente marcado pela
opressão.
A igreja católica, que também não via o Belo Monte com bons olhos, cerrou fileiras
nas denúncias contra o “reduto fanático”. Anteriormente, relatório elaborado pelo Frei
Monte Marciano, altamente desagradável e cheio de adjetivos caluniosos, profuso na
quantidade de violência verbal inaudita contra os habitantes do arraial conselheirista,
alimentou ainda mais a raiva nutrida pelo clero contra Antônio Conselheiro e seus
seguidores.
A expedição comandada pelo Tenente Pires Ferreira foi ao encontro do povo de
Antônio Conselheiro, atacando e sendo rechaçada violentamente com as toscas armas
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carregadas pelos sertanejos, não obstante o número de mortos ter sido maior entre os
seguidores do Bom Jesus Conselheiro. À frente, antes do ataque covarde, devoto carregava
a bandeira do Divino, sinal de que vinham em paz, apenas querendo exigir o que lhes era de
direito.
Os principais jornais do país começaram a estampar matérias cada vez mais
estapafúrdias contra os conselheiristas. Logo foi organizada outra expedição, dessa vez
mais forte, comandada pelo Major Febrônio de Brito. Nova derrota militar foi conquistada
pelos conselheiristas, sendo que esta resultou na aquisição de certa quantidade de armas e
munição para a luta dos agora guerrilheiros do Belo Monte.
Mentiras, calúnias e difamações começaram a ser exponencializadas contra o arraial,
agora considerado mais que maldito, pois entre as muitas inverdades divulgadas estava
referente que a luta em Canudos estava ligada à tentativa de restituição do regime
monárquico.
Apenas uma voz respeitada se levantou contra a histeria coletiva que se formava em
torno do caso Canudos. Através de espaço que lhe era reservado na imprensa, Machado de
Assis pediu, com profundo humanismo, para que deixassem em paz a gente de Antônio
Conselheiro. Por outro lado, artigo inflamado, disfarçado em profunda cientificidade,
sobretudo com relação ao quadro natural, era escrito por Euclides da Cunha, intitulado
“Nossa Vendéia”.
Indubitavelmente, o artigo de Euclides da Cunha ajudou a inflamar os ânimos
exaltados, pois Vendéia foi o último reduto de defesa da monarquia francesa, tendo
resistido por anos ao assédio militar que representava a nova ordem na França pós-
revolucionária. Euclides da Cunha foi um dos catalisadores da ênfase à necessidade da
destruição de Canudos, não obstante depois, no ano de 1902, ter lançado livro-denúncia,
por título “Os Sertões: Campanha de Canudos”, o qual peca em pontos essenciais, como o
antropológico, tendo lançado difamações e conceitos racistas e maledicentes contra os
sertanejos, mas que muito serviu para bradar contra o massacre, bem como para o
reconhecimento científico do quadro natural do semiárido nordestino.
Havia pouco que tinha terminado o violento governo de Floriano Peixoto. Entre os
ícones da república da espada estava Coronel carniceiro chamado Moreira César, o monstro
que havia sufocado as lutas no sul do país com extrema crueldade. A capital catarinense,
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que antes se chamava Desterro, teve o topônimo mudado para Florianópolis.
A terceira expedição foi confiada a Moreira César. De forma arrogante, o corta-cabeças,
como ficou conhecido o famigerado oficial, chegou com sua tropa nas imediações de
Canudos, destilando desdém contra os conselheiristas. Logo a guarda católica mostrou que
não era de brincadeira, pois comandados por Pajeú, infringiram vergonhosa derrota à
expedição que havia propalado com alarde a fácil destruição de Canudos, de forma
imediata e fulminante, tendo divulgado na imprensa que não haveria chance alguma para
àqueles “lombrosianos” sertanejos, incapazes de fomentar qualquer estratégia de guerra
Era essa a errônea e distorcida concepção do homem que era tratado como estrela pelos
militares aliados de Floriano Peixoto.
Moreira César subestimou os conselheiristas, pois pensava encontrar raquíticos e
desnutridos sertanejos, estereotipados imemorialmente pelos brasileiros da porção mais
abastada do país. Na verdade, o povo do Belo Monte era forte e saudável devido às
conquistas alcançadas com o trabalho desenvolvido na “terra prometida” estabelecida às
margens do rio Vaza-Barris.
Erraram grosseiramente, pois Pajeú e a guarda católica fustigaram a expedição
Moreira César de forma impressionante, matando os principais oficiais do Exército
Brasileiro e humilhando a república recém-instaurada.
A proporção gigantesca assumida pela guerra contra Canudos se deve em parte ao
verdadeiro arsenal que a expedição Moreira César deixou na fuga do que restou da coluna
arrogante comandada pelo animal de estimação da república da espada.
Não obstante o governo brasileiro quando da guerra de Canudos ser civil, o poder
dos militares era incontestável, pois logo houve pressão de todos os quadrantes para que
fosse organizada poderosa coluna militar intuindo destruir Canudos e vingar o massacre da
expedição Moreira César.
A opinião da sociedade era quase unânime contra Canudos, recrudescendo os
brados de revolta contra a heróica “Tróia Sertaneja”, sendo que um dos cavalos-de-pau foi
poderoso canhão withworth 32, trazido com esforço invulgar com o objetivo de causar as
mais impressionantes baixas na população do Belo Monte.
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S U M Á R I O
A quarta expedição, comandada pelo General Arthur Oscar, levou desvantagem
nítida quando dos combates, razão pela qual foi engrossada por uma quinta expedição vinda
de todos os Estados brasileiros.
A chegada da participação militar paraense em Canudos demonstrou o grau de
decisão do povo do Conselheiro. O beato já tinha morrido, mas, incansáveis, os
guerrilheiros continuavam impávidos defendendo o território no qual encontraram sonhada
felicidade.
O comando militar paraense não entendeu a razão por que o General Dantas Barreto
se encontrava em posição de espera. Foi ordenado fulminante ataque aos “guerreiros do
norte” em direção ao arraial bombardeado e dilacerado. Foram recebidos com verdadeira
saraivada de balas, pois os conselheiristas, os paraenses não sabiam disso, tinham aberto
trincheiras por baixo das casas e de lá se comunicavam e desferiam ataques violentos contra
quem ousasse adentrar os domínios sagrados fundados por Antônio Conselheiro.
Euclides da Cunha imortalizou os momentos finais de Canudos, afirmando que não houve
rendição, exemplo único em toda história, quando seus últimos defensores foram mortos
pela fúria de cinco mil soldados.
Canudos é exemplo de uma sociedade alternativa de grande importância para a
história das lutas do povo brasileiro, pois o maior de todos os méritos do Conselheiro foi ter
sido responsável pela ênfase à significativa melhoria da qualidade de vida de parcela de um
povo que há tempos imemoriais vem sendo tratado pelos intransigentes donos do poder
como animais e como sub-raça de quinta, sexta ou sétima categorias.
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S U M Á R I O
PAJEÚ: O GRANDE ESTRATEGISTA DA GUERRA DE CANUDOS
Como ficou conhecido nas lutas de Canudos, Pajeú era pernambucano do famoso
vale imortalizado por Luiz Gonzaga décadas depois do massacre abominável que manchou
indelevelmente a história do Brasil.
Escravo liberto que rumou para Canudos apostando nas promessas do Bom Jesus
Conselheiro tendo achado por lá, às margens do rio Vaza-Barris, a tão sonhada liberdade
que a sociedade negou, e ainda nega, de forma inadmissível e desumana, aos excluídos.
Quando da desastrosa campanha comandada pelo famigerado Coronel Moreira César,
Pajeú se destacou pela impecável forma como conduziu a guerrilha da guarda católica do
Conselheiro.
Dizem que foi ele quem pôs fim à arrogância de Moreira César, acertando certeiro
tiro de bacamarte boca-de-sino, municiado com chifre de novilho, no sanguinário corta-
cabeças. Não obstante usar colete de aço, Moreira César foi milimetricamente varado pelo
disparo em local desprotegido.
O oficial responsável pela substituição do Coronel Moreira César no comando da
tropa também não aguentou as táticas de guerrilha implantadas por Pajeú. Uma ordem do
Coronel Tamarindo ficou famosa: “Em tempo de murici, cada um cuida de si”.
O que restou da tropa de Moreira César foi fustigada pelos guerrilheiros comandados
por Pajeú. Verdadeira carnificina foi feita pelos bravos combatentes para pagar a
profanação do arraial sagrado do belo Monte, pois inadvertidamente Moreira César
desprezou todas as instruções do regimento do Exército Brasileiro e ordenou ataque de
cavalaria a Canudos, cuja característica era a topografia extremamente íngreme, impossível
de ter sucesso por parte de Moreira César através de investida com esse tipo de estratégia
militar.
Para tentar coibir e amedrontar outras expedições que vieram em direção a Canudos,
Pajeú ordenou que os cadáveres dos soldados e oficiais ficassem insepultos, pendurados em
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árvores como exposição macabra do ódio devotado pelos conselheiristas às tropas do
governo federal.
Quando a quarta expedição foi enviada para destruir canudos, cujo comando ficou a
cargo do General Arthur Oscar de Andrade Guimarães, foi com terror e suspense que a
soldadesca encontrou o aviso dos guerrilheiros da guarda católica, na forma de corpos
ressequidos pelo sol esturricante do sertão nordestino. Com certeza, aumentou o ódio do
corpo militar do Exército Brasileiro contra os membros da comunidade mística de Antônio
Conselheiro.
Pajeú foi responsável pelas mais significativas baixas contra as tropas federais.
Acostumados a caçar para sobreviver, os guerrilheiros usaram a experiência adquirida e se
tornaram franco-atiradores, pois quando algum soldado desavisado, principalmente em
noite sem lua, acendia um cigarro, certeiro tiro o prostrava imediatamente. Usavam os
“presentes” que Moreira César lhes deixou, ou seja, fuzis mausers de fabricação alemã do
Exército Brasileiro.
Não obstante terem conseguido canhões e metralhadoras, esses não foram usados,
pois os guerrilheiros do Conselheiro não souberam como manusear as mortíferas armas
tomadas da expedição de Moreira César, destroçada pela genialidade incontestável das
táticas do maior guerrilheiro de Canudos.
Quando a guerra de Canudos tornou-se insustentável, com sucessivas baixas e
derrotas das tropas federais, o governo enviou verdadeiras máquinas de matar. Entre essas
estava um canhão Withworth 32, a famosa “matadeira”, como ficou conhecido entre os
habitantes de Canudos. Foi a única forma que conseguiram para pôr a baixo as torres da
igreja nova do belo Monte.
Cada tiro da “matadeira” era verdadeiro massacre que a mesma proporcionava. O
famoso canhão tornou-se o terror dos canudenses, razão pela qual Pajeú organizou grupo de
assalto intuindo destruir a máquina destrutiva.
Onze guerrilheiros chegaram de surpresa a bem guardada arma. Nesse ataque, o
bravo comandante conselheirista perdeu a vida, bem como nove companheiros, sendo que
apenas um conseguiu escapar.
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Com a morte de Pajeú, a guarda católica do Conselheiro ficou desfalcada do principal
estrategista, abalando sensivelmente a estrutura das estratégias da guerra de guerrilha que
até então vinha obtendo sucesso indiscutível.
Pajeú, o famoso negro ex-escravo que marcou de forma impressionante a guerra de
guerrilhas nas batalhas em canudos, foi imortalizado por Euclides da Cunha, que, não
obstante racismo e estereótipos, dedicou-lhe páginas de reconhecido mérito pela bravura
indômita em “Os Sertões: Campanha de Canudos”.
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TROPEIROS DA BORBOROREMA: AVENTURA ALMOCREVE
PELAS VEREDAS DA TERRA DO SOL
Raimundo Yasbek Asfora e Rosil Cavalcanti uniram-se para escrever a letra de uma
das mais belas canções em língua portuguesa, a qual homenageia a segunda cidade do
Estado da Paraíba.
Nenhum dos autores de "Tropeiros da Borborema" era Campinense de nascimento.
Asfora, nascido em 1930 e falecido tragicamente em 1987, era cearense de Fortaleza,
descendente do grupo árabe que aportou na terra de Iracema fugindo da convocação
forçada pelos ingleses na primeira guerra mundial, enquanto Rosil, cujas músicas
antológicas Jackson do Pandeiro, que formou a dupla "Café com Leite" com o grande gênio
da música regional nordestina, gravou e imortalizou-as, como "Cabo Tenório", "Lei da
Compensação", "Quadro Negro" e o clássico "Sebastiana", entre inúmeras outras, era
pernambucano, nascido em Macaparana, no dia 20 de dezembro de 1915. Rosil faleceu em
Campina Grande, na fria noite de 10 de julho de 1968.
A importância dos tropeiros para a história social e econômica da antiga Vila Nova
da rainha foi tão impressionante que não há como dissociar a dinâmica cidade com a
presença dos antigos agentes econômicos que vinham do brejo, do agreste, do Curimataú,
do sertão etc., bem como de Estados vizinhos, como o Rio Grande do Norte e o Ceará,
carregados com seus fardos de pele e de algodão, em direção a Goiana e Olinda, no Estado
de Pernambuco, importantes empórios comerciais no século XIX.
Campina Grande começou a evoluir quando foi observado que boa parte da produção
transportada pelos velhos tropeiros poderia ficar em solo paraibano. O investimento em
máquina de beneficiar algodão foi de importância basilar para o desenvolvimento local,
pois isto permitiu que a cidade se transformasse em grande exportadora do "ouro branco", o
que significou um dos momentos cruciais do "boom" econômico da "Rainha da
Borborema".
A chegada da máquina número 3, da Great Western, no dia dois de outubro de 1907,
representou também as condições para que o progresso fosse implementado a partir de
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então, pois era a garantia da facilidade para o escoamento da produção algodoeira.
Para vencer os obstáculos representados pelo Planalto da Borborema, conduzindo
tropas de burros, precisava ser muito corajoso. Conforme a professora Inês Caminha Lopes
Rodrigues, em "Revolta de Princesa: Contribuição ao Estudo do Mandonismo Local", a
barreira orográfica era um grande empecilho para o escoamento da produção sertaneja, o
que justifica em parte as decisões dos produtores da região polarizada por princesa de
buscar na época as praças pernambucanas a fim de implantar os negócios.
Os tropeiros da Borborema sintetizaram a coragem inaudita do povo interiorano em
vencer barreira, razão pela qual a imortalidade suscitada na eterna composição de Asfora e
Cavalcanti tem a característica de ser oportuna e pioneira na homenagem aos grandes seres
humanos que hoje estão representados em monumento em Campina Grande.
A belíssima canção reconhece em seus refrães finais que Campina Grande somente
tem a sua grandeza devido à presença dos antigos tropeiros que buscavam pousadas quando
demandavam a Pernambuco em tempos idos, mas que as brumas do tempo não conseguem
apagar, graças, em muito, à genialidade de dois fenômenos extraordinários que foram
beneficiados pela voz e pelo talento de outro gênio chamado Luiz Gonzaga do Nascimento,
responsável pela impecável voz para a eternidade da música, pois quando o eterno "Rei do
Baião" interpretou "Tropeiros da Borborema", gravada em 1972, lançou imediatamente as
bases da imortalidade desta magistral poesia nordestina surgida nas paragens da antiga Vila
Nova da Rainha.
O acúmulo de capitais a partir das bases lançadas com os tropeiros da Borborema foi
sendo responsável pela contínua evolução de Campina Grande, a ponto hoje de ser
conhecida como "O Vale do Silício Brasileiro", devido à presença de várias empresas que
desenvolvem tecnologia de ponta, havendo ênfase ainda aos estudos e experiências que
resultaram nas impressionantes fibras do algodão colorido, que são orgulhos da cidade de
Campina Grande e motivos que a tornaram conhecida internacionalmente como pólo
dinâmico e criativo de um nordeste que precisa e pode crescer em ritmo cada vez mais
intenso.
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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS SECAS NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO
A maior área semiárida povoada do mundo é o sertão nordestino somado ao norte
do Estado de Minas Gerais. Isto singulariza esta região, conhecida por Polígono das Secas,
quanto a diversos fatores naturais e socioeconômicos. Desertificação e desempregos
estrutural e conjuntural se coadunam no que tange aos desequilíbrios da ação do homem e
de suas relações sociais de produção, a título de exemplos. A hinterlândia, povoada a fim
de fornecer a subsistência litorânea apresenta problemas insolúveis que se perpetuam no
tempo. A irregularidade do clima, enfatizando estiagens periódicas, muitas avassaladoras
com incalculáveis perdas de preciosas vidas, moldam formas específicas e intensas quanto
aos transtornos exibidos no processo de construção social.
Segundo Villa, o drama das secas tem uma longa história: o primeiro registro da
ocorrência de seca nos documentos portugueses é de 1532, três anos após a chegada do
primeiro governador-geral, Tomé de Sousa . [...]. É muito provável que uma das razões da
movimentação espacial dos indígenas antes da chegada dos portugueses esteja
relacionada com períodos de estiagens e secas e com a disputa pelas terras com
abundância d’água” (2000, p. 17).
As secas assolam área total da ordem de 700 mil km2, onde vivem 23 milhões de
brasileiros – entre os quais, quatro milhões de camponeses sem terra – marcados por uma
relação telúrica com a rusticidade física e ecológica dos sertões, sob uma estrutura
agrária particularmente perversa (AB’SÁBER, 1999, p. 7). Esta estrutura agrária, ainda
perversa, faz com que boa parte da população se veja quando das secas literalmente privada
de acesso até mesmo a bens ditos coletivos, como os recursos hídricos dos açudes
construídos com dinheiro público.
Vários autores já demonstraram preocupação diante das condições edafoclimáticas
da zona submetida às secas. Dentre eles, citemos Duque (1980, p. 49) que argumentou:
O desnudamento do solo não conduzirá o Polígono a um deserto
físico como o Saara, com as suas tempestades de areia e ventos
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sufocantes, nem diminuirá o total de chuvas, porém provocará os
extremos meteorológicos, a insolação aumentada, o calor
excessivo, o ressecamento intenso, a erosão eólia, que produzem
cheias mais impetuosas e secas mais violentas, que fazem minguar
as fontes da produção, que diminuem a habitabilidade e o conforto
que resultam, enfim, no deserto econômico.
As manifestações de estio são conhecidas há tempos imemoriais, como o que
grassou na região entre os anos de 1877-1879. Segundo Guerra (1981, p. 35), “ nesta seca
o Nordeste foi desfalcado de quinhentas mil vidas”.
Exemplificamos as buscas em amenizar os problemas das secas no que está
explicitado em destacada publicação de Alípio Luiz Pereira da Silva, por título
“Consideração Gerais sobre as Províncias do Ceará e Rio Grande do Norte”, datado de
1885, edição registrada no Rio de Janeiro, que frisa:
a solução que se pretende dar ao problema das secas, quer se
considere a questão sob o ponto de vista do projeto, já conhecido,
de canalização do Rio São Francisco, com o qual se despenderão
somas fabulosas e longos anos, por terem-se de rasgar serras de
rochas vivas de grande extensão para formação do canal, serviço
este impraticável; quer se o considere pelo lado da construção de
grandes açudes e estradas, nenhum resultado benéfico trará à
Província do Ceará e dará os mesmos resultados produzidos com a
prestação de socorros públicos”. (In ROSADO, 1985, p. 111)
Promessas antigas, resultados duvidosos ou nunca postas em prática, eis o velho
dilema do semi-árido brasileiro.
No passado, acreditava-se que o semi-árido devesse quase que exclusivamente a sua
grande extensão às disposições orográficas. Constatou-se que as altitudes do planalto da
Borborema por si não responderiam à indagação, enfatizando-se com ênfase à formação de
uma grande célula de alta pressão sobre a região, provavelmente a extensão meridional do
anticiclone dos Açores (CONTI & FURLAN, 1998, p. 106), impedindo a penetração de
massa úmidas provenientes da área equatorial. Esta afirmação coincide com a apreciação
de Euclides da Cunha (1982) quanto a prováveis hipóteses da gênese da seca do norte,
como então era designado o conjunto acima do mais desenvolvido pólo, ainda ativo e
dinâmico, sem possível concorrente que lhe ameace a hegemonia.
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Citando as grandes secas que atormentaram o homem do semiárido em momentos
distintos, das quais inúmeras se apresentam, da mesma forma, em datas repetidas,
Cunha (1982) enumera diversas fases crônicas de estio, a exemplo das secas ocorridas entre
os anos de 1710-1711, 1723-1727, 1736-1737, 1744-1745, 1777-1778, no século XVIII, e
as registradas em 1808-1809, 1824-1825, 1835-1837, 1844-1845, 1877-1879, no século
XIX. Em seguida faz correlação entre os períodos que a sucedem. Hoje o aquecimento e o
resfriamento das águas do pacífico dão respostas mais precisas, alicerçadas na evolução do
padrão tecnológico. Ele soube sintetizar como poucos suas impressões sobre esses terríveis
flagelos que periodicamente assolam o semi-árido brasileiro.
Após a edição de “Os Sertões”(1902), inúmeras secas se sucederam no século XX,
como as de 1915 e de 1919. Na primeira, segundo Villa, a média anual pluviométrica em
Conceição do Piancó foi 83,4 mm, quando no ano anterior fora de 1.613,1 mm (2000, p.
132). Sobressaíram-se ainda as de 1932, 1958 e 1979-1984, considerada esta última a maior
de todas nesta época. Quanto à seca de 1932, seu principal cronista afirma que “desde 1926
a região ingressara no regime de chuvas escassas com interrupção em 1929, quando
ocorreu uma pluviosidade abundante que se manifestou em boas e compensadoras safras”.
Entretanto, no ano seguinte a seca reiniciou seu trabalho de destruição anulando
grandemente as reservas do trabalho intenso de 29: “Veio mais violenta, agredindo todas as
energias de uma luta política cheia de animosidade” (BARBOSA, 1998, p. 27).
Nas palavras de personagem proeminente do período, organizador efetivo da
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), marcado pela citação acima,
impunha-se, portanto, a integração definitiva da Inspetoria no coração da zona flagelada,
no anfiteatro das secas, cujos efeitos teria que combater (ALMEIDA, 1982, p. 382). E o
Estado centralizado permitiu tentar rever antigos ideais de buscar a redenção das terras do
Norte. Exemplo disso encontra-se na concretização das obras de açudagem que tantas lutas
demandaram.
A irregularidade é a marca indelével do semi-árido, com esta sendo capitaneada
pelas secas. Catástrofes personificadas em enchentes, quando dos términos desses períodos
de rigores da natureza, se responsabilizam pelo recrudescimento de dolorosos dramas,
como atesta renomado cientista ao afirmar que as inundações catastróficas que ocorrem, de
tempos em tempos no Nordeste, são reflexo do regime pluvial irregular, por vezes
torrencial, e da topografia plana da região (MENDES, 2003, p. 26).
Ainda sobre secas, Mendes ressalta que existem dois tipos destas no semi-árido
nordestino, ou seja, a estacional, percebida todos os anos como parte do regime hidrológico
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da região, em virtude do período chuvoso geralmente se estender de janeiro a junho e as
periódicas, as quais podem se apresentar como total, parcial e hidrológica (1997, p. 29).
A seca total é a mais grave, a que acarreta danos humanos e socioeconômicos
consideráveis, desarticulando a economia regional e agravando as contradições que ainda
aviltam o homem do semi-árido. O grito de rebeldia ecoado em Canudos naqueles
tristemente célebres anos finais da década de 90 do século XIX, percebido por Facó (1988),
tinha vínculo com o desespero de milhares de pobres desprezados dos campos secos do
semi-árido. As secas minavam-lhes as forças e o refúgio sagrado da Meca de palha e barro
às margens do Vaza-Barris virou um monte de escombros, soterrando sonhos e anseios da
comunidade alternativa que ousou desafiar o império da República recém-instalada.
Apesar da destilação gratuita de adjetivos pedantes e ofensivos ao sertanejo e ao líder
espiritual da Tróia Sertaneja, a exemplo de Hercúles-Quasímodo e Átila Bronco do Sertão,
respectivamente, a obra de Euclides da Cunha, por título “Os Sertões: Campanha de
Canudos” revela inteligência ímpar e precisa quanto à abordagem dos fenômenos das secas,
observando-os enquanto agentes de transtornos sociais e econômicos condicionados por
fenômenos físicos dos quais haveria contato tanto na orografia como na força barométrica
atuante, ressaltando o peculiar em uma análise de um positivista convicto. Dessa forma,
secas e uma indisfarçável sugestão a referendo ao conceito mesológico de Buckle tem
vínculos sugeridos na definição de toda construção da nacionalidade do sertão, compondo
preocupações do grande sábio que esteve em Canudos como correspondente do Jornal O
Estado de São Paulo quando da famigerada campanha pelos sertões baianos. Ressalta-se
ainda referencial a partir das compreensões do naturalista germânico A. Von
Humboldt acerca do semiárido, corrigindo-se Hegel quanto a uma categoria geográfica não
citada, qual seja, a complexidade da geografia do semiárido.
Secas e bem estar social, eis um dos desafios do semi-árido nordestino. Não há
como evitá-las, mas o empenho em buscar soluções de convivência deve nortear qualquer
prática governamental e privada, principalmente quando desafios de desenvolvimento
sustentável são enfatizados em virtude do grau de agressão ambiental que se responsabiliza
por significativas mudanças regionais, tanto de ordem física como social e econômica,
enfim, de qualidade de vida.
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S U M Á R I O
DELMIRO GOUVEIA E O SONHO DE INDUSTRIALIZAR O SEMIÁRIDO
Nascido no dia cinco de junho de 1863, na fazenda Boa Vista, município de Ipu
(CE), filho natural do cearense Delmiro Porfírio de Farias e da pernambucana Leonila Flora
da Cruz Gouveia, Delmiro Gouveia Farias da Cruz tem lugar destacado na história do
empreendedorismo brasileiro devido luta incansável em prol do desenvolvimento regional,
tendo buscado de todas as formas possíveis e imagináveis dotar o nordeste de dinâmico
setor produtivo através do qual houvesse ênfase às transformações necessárias ao projeto de
melhoria da qualidade de vida da população, bem como à dinâmica referente ao
desempenho da economia estrangulada por práticas anacrônicas e obsoletas.
Homem de modos austeros, intercalava de forma singular passado e presente,
modernidade e tradição, sendo responsável por extraordinária experiência de
industrialização em pleno semiárido alagoano, dominado na época por beatos e
cangaceiros, quando dos marcantes anos da turbulenta década de dez do século XX.
Era conhecido como o "rei das peles", pois fixado no ramo de couros, fundou em
1896 a Casa Delmiro Gouveia & Cia., realizando importantes transações econômico-
financeiras com a poderosa casa novaioriquina J. H. Rossbach & Brothers, de cuja utilidade
em sua vida empresarial foi imprescindível e incalculável. Nesta época, passou a alijar os
concorrentes do mercado, absorvendo os melhores empregados especializados, a exemplo
de Lionelo Iona, John Krause, Guido Ferrari e Luís Bahia.
Perseguido tenazmente por poderosos inimigos em Pernambuco, os quais não viam
com bons olhos a concretização de suas idéias populares, a exemplo da efetivação de
empreendimento mercantil na capital pernambucana, o qual oferecia bens e serviços a
preços baixos ao povo, sendo, portanto, alvo de incêndio criminoso, Delmiro Gouveia
refugiou-se, no ano de 1903, na remota Vila da Pedra, no sertão de Alagoas, a qual
constava, quando de sua chegada, apenas seis casas, localizada a 250 km de Maceió.
Separado de sua primeira esposa, de nome Anunciada Cândida de Melo Falcão, havia
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S U M Á R I O
raptado jovem que atendia pelo nome Carmela Eulina, filha natural de Sigismundo
Gonçalves, governador pernambucano.
No ano de 1909, Delmiro Gouveia iniciou estudos para a utilização econômica da
cachoeira de Paulo Afonso no rio São Francisco, sendo que em vinte e seis de janeiro de
1913 captou energia hidroelétrica na queda do angiquinho. Começava a se concretizar as
condições necessárias para efetivar pragmatismo do seu grande sonho.
No ano seguinte, aproveitando-se do abalo provocado pela primeira guerra mundial,
quando os alemães, logo no início, prostraram o império inglês, com a genialidade de sua
terrível máquina mortífera, Delmiro Gouveia inaugurou fábrica de linhas em pleno semi-
árido nordestino, inovando em razão da forma como programava as relações sociais de
produção, conquistas sociais e de mercado, bem como ênfase à preservação ambiental.
O empreendimento industrial capitaneado por Delmiro Gouveia tinha a marca
nacional Estrela, conseguindo, graças ao alijamento da concorrência inglesa, devido ao
conflito mundial, adentrar mercados sul-americanos, como os da Argentina, do Peru e do
Equador, com a marca Barrilejo.
A abertura de estradas também se constituiu em preocupação para o louvado
cearense, notável empreendedor que ousou industrializar o mais pobre espaço geográfico
brasileiro. Delmiro Gouveia foi responsável pela ênfase á abertura de cerca de 520 km de
estradas, introduzindo ainda o automóvel no sertão.
No dia 10 de outubro de 1917, o industrial era assassinado em seu bangalô na Vila da
Pedra. Tiros assassinos disparados na calada da noite buscavam desmantelar a mais
excepcional experiência de industrialização que o semi-árido protagonizou.
Símbolo de uma época, Delmiro Gouveia traduziu a luta desesperada de um povo
em busca de melhores dias, tendo acreditado e concretizado a possibilidade de transformar
arcaicas estruturas que ainda perduram fazendo com que a região nordeste do Brasil se
singulariza pela inserção plena em estratos que atestam as desigualdades que se
recrudescem acintosamente enquanto marca cruel dos contrastes de nossa diferenciada
espacialização.
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O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E A “INDÚSTRIA DAS SECAS”
Quando das grandes secas que, invariavelmente, durante períodos intercalados,
assolam o semiárido brasileiro tornou-se praxe que parlamentares da região castigada pelas
estiagens profiram discursos carregados de emoção denunciando a situação de penúria pela
qual estão acometidas as populações interioranas subjugadas aos flagelos mais inenarráveis.
Geralmente pintam com cores Dantescas situações periclitantes nas quais imperam a
fome de forma avassaladora e impiedosa, causando comoção nacional diante de uma
conjuntura que grande parte acredita realmente ser fruto da forma inevitável apresentada de
tempos e tempos pelas características do quadro natural da região semiárida brasileira.
Essa tendência não é recente, pois no Império foram profícuas as declarações de
parlamentares das então denominadas Províncias do Norte sobre o sofrimento de uma gente
que habita a territorialidade das secas no Brasil.
Inúmeros interesses particulares sempre se ocultaram sobre o disfarce “humanista”
dos representantes da elite dirigente, pois beneficiar-se e privilegiar a classe da qual provém
assinalam os reais motivos que movem os “donos do poder” quando da elaboração dos seus
discursos inflamados, pretensamente proferidos em prol de um povo sofrido duplamente
com as secas e com a usurpação dos recursos destinados ao combate às secas.
Partindo do plano político para o social, implanta-se de forma ignominiosa toda
infraestrutura que alicerça a “indústria das secas” no semiárido brasileiro.
Quando o “Coronelismo” imperava a situação era extremamente mais grave no que
diz respeito aos desvios de verbas destinadas à melhoria da qualidade de vida dos
deserdados filhos das secas.
A centralização político-administrativa que vai gradativamente caracterizando a era
Vargas serviu para inibir, mas não para desestruturar uma das formas mais desumanas de
reprodução de uma situação artificializada a fim de garantir a manutenção das estruturas de
poder.
No século XIX eram tão lastimáveis as práticas que garantiam o sucesso da
“indústria das secas” que bandoleiro das caatingas conhecido por Jesuíno Brilhante se
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insurgiu contra a sistemática adotada pelos situacionistas a fim de implementar a
distribuição dos víveres enviados pelo governo imperial visando minimizar nas populações
afligidas os terríveis efeitos biológicos trazidos com a grande seca de 1877-1879.
Com a criação de órgãos federais como o DNOCS e a SUDENE intensificaram-se o
teor dos discursos políticos, os quais usaram a seca como argumento para a necessidade da
construção de açudes na região, sendo que diversos, graças ao prestígio desfrutado pela
elite privilegiada, foram enriquecer o patrimônio particular de muitos fazendeiros da região.
A idéia do governo JK de criar as frentes de emergência revelou compromisso com a
“indústria das secas”, pois novamente observava-se a mesma irresponsabilidade atentando
contra a dignidade de um povo forte.
Luiz Gonzaga e Zé Dantas escandalizaram a política de alianças que embasa a
ausência de produção de bens e serviços a partir do funcionamento da “indústria das secas”,
tendo denunciado a farsa amoral instituída de forma cínica e descarada, enfatizando em
“Vozes das Secas” que uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou
vicia o cidadão.
Toda vez que a irregularidade pluviométrica começa a se concretizar na porção
semiárida brasileira, retornam-se os velhos hábitos de buscar a todo custo se beneficiar com
a desgraça ocasionada com as secas nas populações marginalizadas que desafiam com
heroísmo as intempéries causticantes, cujas esperanças de melhores dias ainda parecem
uma incógnita a desafiar todas as leis de sobrevivência impostas a fim de garantir a
manutenção do status quo na região.
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OUSADO ATAQUE CANGACEIRO A SOUSA-PB, EM 27 DE JULHO DE 1924
Quando dos festejos do réveillon do ano de 1923, em Triunfo (PE), acalorada
discussão envolvendo Marcolino Pereira Diniz e o magistrado local, de nome Dr. Ulisses
Wanderley, resultou em tragédia, pois o primeiro, filho do poderoso "Coronel" Marçal
Florentino Diniz, também sobrinho e cunhado do "Coronel" José Pereira Lima, chefe
político de Princesa, alvejou o juiz, seguindo-se ainda disparo efetuado por homem da
confiança do caboclo Marcolino, conhecido por Tocha. O magistrado ainda conseguiu
reagir, atirando em Marcolino.
Raciocinando sobre a dimensão do fato, não restou outra alternativa ao guarda-costa
de Marcolino a não ser escapar da grande enrascada em que se meteram. Marcolino foi
preso, sendo constantemente ameaçado pelos familiares e amigos do magistrado
assassinado.
Pressentindo o imenso perigo que o filho corria, o "Coronel" Marçal Florentino Diniz
recorreu aos préstimos de Virgulino Ferreira Lampião para retirar Marcolino da cadeia em
Triunfo. Lampião e seu séquito composto de oitenta homens cercaram Triunfo e exigiram a
imediata libertação do prisioneiro, o que foi prontamente atendido pelas autoridades locais.
Levado a Princesa, Marcolino recuperou-se do tiro que sofreu. Recrudescia a antiga
amizade entre Lampião e Marcolino. Fotos históricas retrataram Lampião e seus "cabras",
no ano de 1922, na Fazenda da Pedra, propriedade de Laurindo Diniz, irmão do "Coronel"
Marçal Florentino Diniz. Portanto, era bem firmada a relação de coiterismo que foi
estabelecida na região serrana, fronteira do Estado da Paraíba com o Estado de
Pernambuco.
Nos meses seguintes, já no ano de 1924, houve combates intensos entre cangaceiros e
volantes pernambucanas. Entre Conceição do Piancó (PB) e São José do Belmonte (PE)
Lampião foi ferido no tornozelo, passando péssimos momentos em razão da gravidade do
estrago que o projétil provocou.
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Dias se passaram até que chegou ao conhecimento de Marcolino a situação que o
importante aliado estava passando. Foi enviado grupo de resgate, comandado por Sabino
Gório, para resgatar o cangaceiro.
Lampião foi levado para o reduto de Marcolino, o lugarejo de Patos de Irerê,
localizado cerca de 18 km de Princesa (PB), no sopé da serra do Pau Ferrado. Duas
propriedades de Marcolino "a Manga e o Saco dos Caçulas" eram antigos valhacoutos de
Lampião e seu bando, há tempos imemoriais.
O cangaceiro-mor, substituto de Sinhô Pereira no comando do grupo que liderava
antes da retirada para o Estado do Goiás, foi tratado por dois médicos contratados por
Marcolino. Chamavam-se Dr. José Cordeiro e Dr. Severiano Diniz, sendo este último
parente próximo do homem que foi imortalizado com a esposa por Luiz Gonzaga e
Humberto Teixeira em belíssimo baião por título "Xanduzinha".
Distante de princesa, a cidade de Sousa vivia clima de ebulição. Disputas políticas
resultaram em tragédias, como a que envolveu o embate no barracão do "Coronel" João
Pereira, em Nazarezinho (PB), então distrito sousense.
Filho do "Coronel" João Pereira, de nome Francisco Pereira Dantas, sentiu o peso da
moral sertaneja, desprezando conselhos do pai, o qual faleceu exigindo que não se
vingassem. Assassinou o único sobrevivente dos que atacaram o velho patriarca em seu
estabelecimento comercial.
Conversas a boca miúda diziam que os mandantes da morte do "Coronel" João
Pereira eram pessoas importantes da sociedade sousense, como o destacado e influente
cidadão de nome Otávio Mariz.
Em um dia de feira em Sousa, Otávio Mariz notou animada conversa entre um
bodegueiro de Nazarezinho (PB), de nome Chico Lopes, e "cabra" da inteira confiança de
Chico Pereira, de nome Chico Américo. A duração da conversa despertou a desconfiança
de Otávio Mariz.
Nas bancas da feira procurou uma chibata para comprar, indo ao encontro dos dois
palestrantes. Encontrou apenas Chico Lopes. Aplicou-lhe surra magistral e pediu-lhe para ir
à fazenda Jacu, reduto dos Pereira Dantas, em Nazarezinho (PB), avisar a Chico Pereira que
tinha outra prometida para ele.
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No Jacu, Chico Lopes detalhou todo acontecido. A família do "Coronel" assassinado
perguntou-lhe o que ia fazer, tendo Chico Lopes respondido estar decidido ir até Princesa,
conversar com Lampião sobre o melindroso e humilhante assunto. Havia um irmão de
Chico Lopes que integrava o bando de Lampião há alguns anos. Isso facilitou a decisão do
chefe supremo do cangaço em enviar dezessete homens de sua confiança para Nazarezinho.
Antônio e Levino Ferreira, bem como Meia-Noite e Sabino Gório, também integravam o
grupo que iria se responsabilizar pela mais aviltante ação cangaceira no Estado da Paraíba.
Notícias corriam céleres, dando conta da aproximação do grupo cangaceiro. Em
Sousa alguns aventavam a hipótese de organizar defesa, mas como não acreditaram na
possibilidade de tamanha ousadia, relaxaram completamente.
Ao chegar ao Jacu, os dezessete homens foram recepcionados efusivamente. O
número final de bandidos prontos a atacar Sousa, aumentado com muitos da região, somava
oitenta e quatro quadrilheiros dispostos.
Antes do amanhecer do dia 27 de julho de 1924, os bandidos cortaram a linha do
telégrafo e invadiram Sousa, cuja maioria da população foi pega totalmente desprevenida.
Pequena resistência partiu da residência de Otávio Mariz, principal alvo dos atacantes.
Experiente e tarimbado sertanejo, Otávio Mariz escapuliu quando viu que não poderia
resistir ao implacável ataque.
Tudo em Sousa virou alvo de saque, os cangaceiros roubaram o comércio,
residências, tudo, prejuízo incalculável que marcou indelevelmente a história sousense.
Feras endiabradas davam vazão a todos os instintos selvagens possíveis e imagináveis. O
destacamento local, comandado pelo então Tenente Salgado, não conseguiu realizar
qualquer ação de defesa em Sousa, verdadeiro suicídio se tivesse havido consumação.
Grupo composto de quase duas dezenas de bandidos, liderados por cangaceiro
conhecido por "Paizinho", teve como alvo principal a residência do juiz local, de nome Dr.
Archimedes Soutto Mayor. "Paizinho" tinha queixas pessoais contra o magistrado a quem
acusava de tê-lo condenando injustamente. Retirado ainda com roupas de dormir, o Juiz foi
submetido a todo tipo de suplicia e humilhação, sendo forçado a andar de cangalha e em
posição vexatória pelas ruas de Sousa. O ato final seria o assassinato do magistrado, mas
Chico Pereira interveio e evitou a consumação do ato extremo.
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O magistrado, depois de tudo, no ensejo dos desdobramentos do audacioso ataque
cangaceiro à cidade de Sousa, assumiu a responsabilidade de fazer merecida justiça contra
àquelas feras que o atacaram.
A rede de informações montada por Lampião era impecável e precisa. Logo ele
ficou sabendo dos estragos em Sousa e, principalmente, do que fizeram com o juiz.
Rodopiava nos calcanhares, ainda sentindo dores terríveis, empunhando Parabellum e
raciocinando sobre o futuro dali para frente. Homem de raciocínio rápido, Lampião sabia
que em breve enfrentariam duras batalhas contra as forças volantes paraibanas,
extremamente tolerantes devido ao respeito ao "Coronel" José Pereira Lima e a Marcolino
Pereira Diniz.
Lampião estava certo. A providência inicial do recém instalado governo de João
Suassuna foi a instalação do segundo batalhão da Polícia Militar Paraibana na cidade de
Patos das Espinharas, com absoluto aval para dar caça ininterrupta aos cangaceiros. A
responsabilidade pela iniciativa maior de efetivar a campanha paraibana contra o cangaço
liderado por Lampião coube, naturalmente, ao "Coronel" José Pereira Lima.
Não obstante a proteção que Lampião desfrutou em Princesa, seria inadmissível que
o chefe político das terras da lagoa da perdição tolerasse tamanha afronta, principalmente
em razão da forma como o magistrado sousense foi humilhado pelos cangaceiros.
No ensejo da caçada movida contra os bandoleiros, há fato digno de registro,
referente à resistência efetivada pelo cangaceiro Meia-Noite em uma casa de farinha no
sítio Tataíra, fronteira entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Na companhia da
esposa, Meia-Noite, embora a mulher não tenha participado do combate, enfrentou
combinado de volantes, comandados pelo então Tenente Manuel Benício, e tropa de
cachimbos (civis em armas) contratada pelo "Coronel" José Pereira. Meia-Noite lutou
contra oitenta e dois homens, ferindo dezoito. Escapuliu do tiroteio, mas a esposa ficou no
local em que se entrincheirara, sendo depois conduzida à cadeia de Princesa. No local,
conforme Érico de Almeida, primeiro biógrafo de Lampião, autor do livro "Lampeão, sua
história" (1926 (1ª ed.), 1996 (2ª ed.), 1998(3ª ed.), foram encontradas quatrocentas e
noventa e duas balas de fuzil mauser DWN, modelo 1912.
Em seguida, devido às volantes paraibanas estarem assanhadas com a ordem capital
de darem combates violentos aos cangaceiros, inúmeros enfrentamentos foram registrados,
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como a batalha do Tenório, no ano de 1925, quando Levino Ferreira foi assassinado pelo
volante Belarmino Morais, comandado pelo então cabo José Guedes. Como forma de se
vingar do "Coronel" José Pereira, a quem culpava pela morte do irmão, Lampião e seu
bando invadiram humildes propriedades em princesa, como a do Caboré, assassinando
diversas pessoas, incluindo entre essas um ancião de provecta idade de noventa e dois anos
e um garoto de apenas doze anos.
O governo paraibano invocou o convênio anti-banditismo, firmado no ano de 1922
em Recife (PE), obtendo permissão para que suas forças de segurança pública em
perseguição aos bandoleiros adentrassem os territórios de outros estados nordestinos.
O grupo cangaceiro, em certa ocasião no ano de 1925, foi localizado na região de
Serrote Preto. Desprezando as mais elementares táticas militares, os volantes paraibanos
atacaram irresponsavelmente o valhacouto de Lampião. As estratégias guerrilheiras foram
implantadas impecavelmente pelos cangaceiros, resultando em horrível carnificina, na qual
pereceram os comandantes Tenentes Joaquim Adauto e Francisco de Oliveira, além de mais
de uma dezena de soldados.
Abalado com a perseguição tenaz que as volantes paraibanas realizavam, Lampião
evitou a Paraíba, pois seus antigos protetores não estavam mais propensos a desafiar as
ordens do governo paraibano, bem como a decisão irredutível do "Coronel" José Pereira
Lima em buscar erradicar o cangaço liderado por Lampião, pelo menos em terras
paraibanas.
Para Chico Pereira não houve outra saída, em razão da gravidade dos fatos ocorridos
em Sousa, a não ser acompanhar o grupo de Lampião pelas adustas plagas sertanejas.
Travou combate em Areias do Pelo Sinal, entre Princesa e o distrito de Alagoa Nova (Hoje
Manaíra), depois, vítima de picada de cascavel, em território pernambucano, amargou
provações inenarráveis.
O extenso processo elaborado pelo Dr. Archimedes Soutto Mayor mostrou-se
simpático a Chico Pereira, eximindo-o de algumas culpas e louvando diversas
interferências realizadas quando do ataque cangaceiro do dia 27 de julho de 1924 à cidade
de Sousa.
Perseguido, embora tolerado discretamente, Chico Pereira era, no entanto, alvo de
olhares vingativos, sobretudo em razão de suas práticas donjuanescas. Sedutor, Chico
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Pereira desafiava importante elemento da moral sertaneja. Ao que tudo indica, houve a
sedução de uma sobrinha do governador norte-riograndense Juvenal Lamartine, em Serra
Negra (RN).
Provavelmente houve um conluio entre Juvenal Lamartine e seu colega João
Suassuna para eliminar Chico Pereira. João Suassuna, através de irmão de nome Antônio,
empenhou a palavra sobre a total liberdade do homem que foi obrigado a se tornar
cangaceiro devido à morte do pai, motivada pela política acirrada dos turbulentos anos da
década de vinte do século passado.
Na festa da padroeira de Cajazeiras, no ano de 1928, Chico Pereira foi detido por
oficiais da polícia militar paraibana. Manuel Arruda de Assis foi o responsável pela prisão.
Conduzido a Pombal, onde tinha praticado crime, quando do cerco ao velho casarão de
Antônio Mamede no sítio Pau Ferrado, Chico Pereira ia ser transferido para Princesa, onde
havia assassinado soldado de nome Pierre.
A escolta que o conduzia rumou em direção a Santa Luzia. Havia um crime atribuído
a ele em Acari (RN), referente a um roubo praticado contra o velho "Coronel" Quincó da
Ramada.
Era parte do esquema estruturado por Juvenal Lamartine para liquidá-lo. Joaquim de
Moura, famanaz executor de bandoleiros, foi o responsável pela morte de Chico Pereira.
O ataque do bando de Lampião à cidade de Sousa foi um dos mais ousado ato
praticado pelos bandoleiros das caatingas, cuja marca indelével permaneceu por tempos e
ainda resiste na memória de poucos que tiveram a infelicidade de presenciar a verdadeira
baderna que os cangaceiros fizeram na simpática cidade sorriso no longínquo dia 27 de
julho de 1924.
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MEIA-NOITE E O FOGO DO SÍTIO TATAÍRA
Cangaceiro remanescente do bando de Sinhô Pereira, Antônio Augusto Correia
ganhou o apelido de “Meia Noite” em razão que após as tarefas diárias nos engenhos de
rapadura do “Major” Floro Florentino Diniz, em Princesa, Estado da Paraíba, ganhava a
caatinga altas horas da madrugada, assaltando propriedades rurais localizadas nas
quebradas do sertão.
Na composição do grupo bandoleiro que passou a ser liderado por Virgulino Ferreira
da Silva, depois do ano de 1922, quando o vingador do Pajeú saiu em direção ao Estado do
Goiás, para se encontrar com o primo Luiz Padre, encontramos “Meia Noite” entre
destacados cangaceiros que acompanharam o novo chefe.
“Meia Noite” compôs o grupo de dezessete cangaceiros enviados por Lampião do
valhacouto nos Patos de Irerê, localizado a dezoito quilômetros de Princesa, a fim de
realizar vingança pretendida por humilde bodegueiro de nome Chico Lopes, da localidade
de Nazarezinho, então distrito de Sousa, Estado da Paraíba. Humilhações perpetradas por
poderoso oligarca local, de nome Octávio Mariz, contra o até então inofensivo sertanejo,
motivou ousado ataque bandoleiro à cidade de Sousa, em 27 de julho de 1924.
Quando o grupo de cangaceiros chegou ao sítio Jacu, em Nazarezinho, reduto da
família Pereira, foi engrossado por mais gente, perfazendo total de oitenta e quatro homens,
entre os quais se encontrava pessoa da região, conhecida por “Paizinho”, cujas queixas
contra o juiz de Sousa, Dr. Archimedes Soutto Maior, eram por demais repisadas.
“Paizinho” acusava o juiz de tê-lo, em certa ocasião, o condenado injustamente. Foi à casa
do magistrado que grupo de cangaceiros, liderado por “Paizinho”, em um total de dezessete
bandidos, alvo principal da vingança pretendida pelo atrevimento da horda bandoleira.
“Meia Noite” estava entre os invasores, sendo o mais afoito, pois o juiz foi retirado de casa
ainda em roupa de dormir, humilhado, espancado e, comentam, coisas piores aconteceram.
O bandido do grupo de Lampião cavalgou o homem-da-lei, enfiou-lhe as esporas e obrigou-
o a ensaiar galopes pelas ruas de Sousa.
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O destacamento policial, comandado pelo então Tenente Antônio Salgado, nada
pôde fazer, resumindo-se a assistir passivamente aos atos de vandalismo patrocinados pelos
cangaceiros. Saques, depredações, humilhações e muita bagunça foram feitos naquele
fatídico dia 27 de julho de 1924 na cidade de Sousa.
O juiz foi salvo graças à intervenção oportuna de Francisco Pereira Dantas, que se
tornaria o famoso cangaceiro Chico Pereira, pois os homens comandados por “Paizinho”
intuíam assassinar o magistrado, como ato final da vingança acalentada pelo desacatado
sertanejo.
Lampião dispunha de eficaz rede de informações e logo as notícias do ocorrido em
Sousa chegaram ao Saco dos Caçulas, propriedade de Marcolino Pereira Diniz nos Patos de
Irerê. Enlouquecido com o que havia sido feito, Lampião rodopiava pelo calcanhar ferido
pelos disparos da tropa volante do Major Teófanes Ferraz Torres, na certeza de que a
ousadia e a ferocidade contra o juiz de Sousa seriam motivos de perseguição sem trégua das
forças militares paraibanas, até então acomodadas por ordens superiores.
Dr. Archimedes Soutto Maior declarou guerra particular aos cangaceiros, elegendo os
invasores de sua residência, responsáveis pela humilhação passada, como alvos prioritários
de suas investidas. “Paizinho” caiu varado de balas em São João do Rio do Peixe, enquanto
os demais eram literalmente caçados por ordens do juiz.
De regresso à região de Princesa, o grupo bandoleiro foi demovido por Marcolino
Pereira Diniz de continuar sob sua proteção. Era o que Lampião pressentia quando soube da
forma como tinha sido realizada a investida contra o magistrado lotado em Sousa.
“Meia Noite” regressou com o grupo, mas foi expulso quando reclamou a Lampião que
Antônio Ferreira lhe havia “roubado”. O chefe cangaceiro exigiu do bandido a entrega de
armas e munição, ao que retrucou dizendo que se no bando houvesse homem fosse tomar.
Ninguém se atreveu, pois bem conheciam a fama de valente que acompanhava
imemorialmente “Meia Noite”.
Raptando moça da localidade, conhecida apenas por Maria, o cangaceiro estava de
saída para destino ignorado quando foi interceptado descansando em uma casa de farinha
no sítio Tataíra, fronteira com a cidade pernambucana de Triunfo. Dezoito “cachimbos”,
civis contratados para dar caça a cangaceiros, foram inicialmente ludibriados por “Meia
Noite”, pois ao disfarçar a voz buscava tempo para se equipar a fim de enfrentar prova
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inaudita de fogo que o imortalizaria nas crônicas do cangaço, tornando-o respeitado entre
seus antigos companheiros.
A tropa de “cachimbos” foi surpreendida por tiroteio intenso vindo de dentro da
casa de farinha, o qual despertou a atenção da força volante comandada pelo então Tenente
Manuel Benício, famoso por guardar rosário de orelhas de cangaceiros mortos em combate.
A força militar foi ao encontro dos civis em armas, perfazendo total de oitenta e dois
homens. “Meia Noite” lutou a madrugada inteira contra absoluto desigual número
beligerante.
O fogo da casa de farinha do sítio Tataíra era ouvido nas imediações, pois como fera
acuada “Meia Noite” lutava sem desanimar, carregando, recarregando e disparando contra
os oponentes, sem titubear ou sem esmorecer.
A coitada sertaneja, raptada pelo intrépido cangaceiro, assistiu a tudo, a cada
momento de terror passado na madrugada de fogo quando o valente cangaceiro resolveu
enfrentar quem estivesse pela frente, na base das armas, como na velha tradição do sertão
sangrento e violento.
Vendo que não conseguiria romper a barreira formada pelos civis e militares que o
cercaram na casa de farinha do sítio Tataíra, “Meia Noite” usou estratégia do cangaço para
novamente ludibriar os adversários, jogando tamborete por uma janela, fingindo pular a
mesma, mas saindo por outra. Por azar, “Meia Noite” pulou em cima de moita de quipá,
ferindo seriamente o pé direito. Mesmo assim, debaixo de verdadeira saraivada de balas,
após ferir quinze oponentes, o cangaceiro ainda conseguiu furar o cerco e chegar ao Saco
dos Caçulas, propriedade de Marcolino Pereira Diniz, grande coiteiro de cangaceiros, mas
que estava de mãos e pés atados devido à forma como se processou o ataque a Sousa. O
governo João Suassuna (1924-1928) e o empenho do cunhado e tio de Marcolino,
“Coronel” José Pereira Lima, eram dar combates aos cangaceiros, pois, para tanto, eram
invocadas as cláusulas do convênio antibanditismo firmado no Recife (PE), em 1922, do
qual o Estado da Paraíba participou e referendou, embora só passasse a cumpri-lo
eficazmente depois do ataque cangaceiro à cidade de Sousa.
Conforme Érico de Almeida, autor de livro por título “Lampeão, sua história”,
primeira edição de 1926, segunda e terceira de 1996 e 1998, pela Editora Universitária da
Universidade Federal da Paraíba, foram recolhidas de dentro da casa de farinha do sítio
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Tataíra quatrocentas e noventa e duas cápsulas de balas de fuzil mauser DWN, modelo
1912. Isso atesta a razão da imortalidade de “Meia Noite” no mundo bandoleiro.
“Meia Noite” foi conduzido a um lugar ermo na serra do Pau Ferrado e executado por
Manuel Lopes Diniz, conhecido por “Ronco Grosso”, e por homem da confiança de
Marcolino, conhecido por “Tocha”, de cuja arma partiu projétil que matou o magistrado de
Triunfo (PE), Dr. Ulisses Wanderley, no revéillon de 1923. “Meia Noite” tornou-se nome
tão respeitado entre os cangaceiros que em 1936, doze anos após sua morte, Lampião
encontrou na área que atuava, no sertão de Alagoas, antigo companheiro de nome Joaquim
Laurindo de Sousa, conhecido por “Moreno” no grupo liderado por Sinhô Pereira. Havia
suspeita de que o antigo cangaceiro que lutou em Princesa, ao lado do “Coronel” José
Pereira, tinha participado da morte de “Meia Noite”. “Moreno” teve a casa invadida,
sendo amarrado e inquirido a noite inteira sobre sua participação no assassinato do
cultivado cangaceiro que enfrentou mais de oitenta homens na mais fantástica brigada do
cangaço. Não satisfeito com as resposta, Lampião ordenou que bandoleiro conhecido por
“Chumbinho” executasse o ex-companheiro de armas na frente da mulher e dos filhos.
Talvez “Meia Noite” tenha sido encomendado pelo juiz de Sousa, pois o empenho
em buscar todos os cangaceiros que invadiram sua residência e o humilharam, quando do
formidável ataque de 27 de julho de 1924, tornou-se questão pessoal a fim de fazer valer
respeito à lei quando o sertão se mostrava terra de ninguém naqueles turbulentos idos dos
anos vinte do século passado.
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A VINGANÇA DE LAMPIÃO CONTRA O “CORONEL” ZÉ PEREIRA
O mais comentado combate entre cangaceiros comandados por Lampião e soldados
sob as ordens do Major pernambucano Teófanes Ferraz Torres, famoso por ter capturado
Antônio Silvino em 1914, ocorreu no ano de 1923, entre os municípios de Conceição do
Piancó (PB) e São José do Belmonte (PE), na serra das panelas.
Essa feroz prova de fogo ficou famosa por que àquele que se tornava o “rei dos
cangaceiros” foi ferido no tornozelo, além de perder importantes membros do bando, como
Lavandeira e Cícero Costa, o farmacêutico do grupo.
Zacarias Sitônio e Hermosa Góes Sitônio rememoraram àqueles acontecimentos,
narrando que Lampião ficou abandonado durante doze dias, no mato, agonizando. Quando
o descobriram, o seu estado era desesperador, coberto de parasitas e com o pé preso à perna
apenas por tendões.
A guarda pessoal de Marcolino Pereira Diniz o escoltou até os Patos de Irerê,
localizado a 18 quilômetros de Princesa, reduto do poderoso “Coronel” José Pereira.
Marcolino, imortalizado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em famoso baião
intitulado “Xanduzinha”, era sobrinho e cunhado do “Coronel” Zé Pereira, chefe político
princesense de grande expressão na década de vinte do século passado.
Na malha impecavelmente protomafiosa montada por Lampião, Marcolino e o seu
pai, o “Coronel” Marçal Florentino Diniz, compunham importantes agentes a serviço da
proteção ao cangaço. Foram eles os principais responsáveis pela continuidade da carreira de
bandido de Lampião. Convocaram médicos e serviçais para tratar do calcanhar que fora
seriamente afetado, atingido no tiroteio da serra das panelas.
Em Nazarezinho (PB), outra questão da família Pereira era reclamada por um
sertanejo de nome Francisco Pereira Dantas. Na ênfase ao rosário de ódio que começou a
ser tecido quando da morte do patriarca deste ramo familiar espalhado pelo nordeste, houve
convite de um pequeno comerciante desta localidade, de nome Chico Lopes, para raid dos
bandoleiros à cidade de Sousa (PB), saqueada em 27 de julho de 1924. Foram comandantes
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do assalto os irmãos de Lampião, Antônio e Levino, Chico Pereira, Chico Lopes, Sabino
Gório e um cangaceiro de nome Paizinho, responsável pela ação violenta de domínio da
residência do magistrado local, Dr. Archimedes Souto Maior.
A rede de informantes de Lampião era precisa. Conforme Zacarias Sitônio e
Hermosa Góes Sitônio, o chefe cangaceiro entrou em profunda angústia quando as notícias
sobre a violência do ataque lhes chegaram. O bando havia se excedido em Sousa,
responsabilizando-se pelas mais vexatórias e vergonhosas ofensas ao representante máximo
da lei na cidade.
Astuto e sagaz, Virgulino sabia que sua estadia pacata e tranqüila na região de
Princesa estava definitivamente inviabilizada. Zé Pereira iria tomar providências drásticas
no sentido de efetivar perseguição ao seu grupo. Era dever incontestável do político
princesense levar avante campanha perseguitória ao cangaço sob o domínio de Lampião. E
assim o fez.
Foi instalado Batalhão da Polícia Militar na cidade de Patos das Espinharas (PB). Os
combates entre cangaceiros e volantes se intensificaram de forma impressionante,
resultando na tragédia de Serrote Preto, na região de Água Branca (AL). Atraídos para uma
armadilha, muitos soldados e oficiais paraibanos foram eliminados, diversos de maneira
cruel.
Em seguida, continuando a haver refregas entre os dois lados, houve o assassinato de
Levino Ferreira, primeiro irmão do “rei do cangaço” a perecer em luta. O confronto se deu,
conforme os entrevistados, no ano de 1925 em uma localidade conhecida por Tenório,
localizada na região de Flores do Pajeú (PE). Lampião culpou Zé Pereira pela perda do
parente, jurando vingança.
O cangaceiro passou a atacar o gado pertencente ao “Coronel” Zé Pereira, bem como
aos que pertenciam aos seus agregados e familiares. Iniciava-se a vingança implacável e
perversa de Lampião.
As ações mais violentas foram registradas em dois lugarejos perdidos nas quebradas
daquele sertão. Em propriedades conhecidas por “Caboré” e “Lagoa do Serrote”, os
bandoleiros assassinaram diversas pessoas, incluindo entre estas um ancião que contava
com mais de noventa anos e uma criança de apenas doze anos.
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Amaldiçoando o solo paraibano pela perda do parente, Lampião deslocou sua área de
atuação par o seu estado natal, onde a malha de coiteiros lhe serviu satisfatoriamente,
articulada com o esquema criminosos estruturado em conluio com a rede de proteção ao
banditismo rural que vicejava no sul do Ceará.
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LAMPEÃO, SUA HISTÓRIA: OBJETIVOS DA PRIMEIRA BIOGRAFIA ERUDITA DO “REI DO CANGAÇO”
Publicado no ano de 1926, pela Imprensa Oficial do Estado da Parahyba, o livro
“Lampeão, sua história”, de autoria do jornalista Érico de Almeida, é a primeira biografia
erudita do “rei do cangaço”.
Almeida militou anos a fio no Jornal paraibano “O Norte”. Quando da ênfase às
inovadoras políticas públicas encabeçadas pelo governo Epitácio Pessoa na presidência da
República (1919-1921), engajou-se como funcionário do Ministério da Agricultura, lotado
no Escritório deste órgão em Princesa (PB), cujo objetivo principal consistia em combater a
lagarta rosada, a qual era sério problema para a cultura algodoeira, principal produto da
pauta de exportações do Estado da Paraíba na época.
Quando do término do triênio Epitacista, houve total desestímulo dos esforços,
empreendidos por parte do sucessor, o mineiro Arthur Bernardes, que escandalizado com a
onda de corrupção que marcou o período anterior desestruturou as obras de açudagem e
outros projetos importantes, incluindo a campanha contra as pragas que atingiam os
algodoais.
Com o fechamento dos Escritórios do Ministério da Agricultura espalhados pelo
Estado da Paraíba, inclusive o posto estabelecido em Princesa, Érico de Almeida ficou
desempregado, como muitos outros, tendo gerado a sensibilidade do “Coronel” José Pereira
Lima, que resolveu unir o útil ao agradável, talvez levando em conta o consórcio do
jornalista com mulher da localidade, da família Duarte, de nome Rosa.
Devido ao ataque cangaceiro a Sousa (PB), pois antes Lampião desfrutava de proteção
integral na região, graças ao acordo firmado com o “Coronel” Marçal Florentino Diniz e
seu filho Marcolino, Zé Pereira se viu na contingência de desviar a atenção dos fatos
através da ênfase à literatura voltada para a negação do óbvio.
O ofício de jornalista auxiliou bastante Érico de Almeida quando foi contratado para
escrever o que seria a primeira biografia erudita de Lampião, pois o costume de anotar tudo
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quando do exercício de suas funções como funcionário do Ministério da Agricultura foi de
fundamental importância para a elaboração de sua obra.
Os objetivos do livro são claros, pois negar a melindrosa relação de coiterismo que
existia há tempos imemoriais na região de Princesa não era tarefa fácil. Lampião, sentindo-
se traído, passou a berrar aos quatro cantos as facilidades e as serventias de sua “profissão”
aos que estavam lhe perseguindo tenazmente devido à forma como se efetivou o ataque
cangaceiro à cidade de Sousa.
No livro “Lampeão, sua história” há a defesa que as perseguições aos cangaceiros
datavam de antes do “rei do cangaço” decidir enviar seus homens para levar avante a
vingança pretendida por humilde bodegueiro da localidade de Nazarezinho (PB), então
distrito de Sousa, contra importante oligarca local de nome Otávio Mariz.
Episódios conhecidos da história do cangaço, como a morte de Meia-Noite nos grotões
ermos do saco dos Caçulas, foram deturpados propositalmente a fim de eximir de culpas
importantes personagens que fizeram a história do movimento, como Manuel Lopes Diniz,
conhecido por Ronco grosso, homem da inteira confiança dos “Coronéis” José Pereira
Lima, Marçal Florentino Diniz e de Marcolino.
O livro de Érico de Almeida não cita que Lampião passou meses sendo cuidado nos
Patos de Irerê por dois médicos, depois que foi ferido gravemente no tornozelo pelos
disparos feitos pelos volantes comandados pelo Major Teófanes Ferraz Torres, da força
pública pernambucana.
João Suassuna, presidente paraibano na época, é elevado à categoria de verdadeiro
santo protetor, exponencializando consideravelmente a campanha deflagrada pelo gestor
paraibano contra os cangaceiros. A forma como Érico de Almeida trata Suassuna em seu
livro levou literatos de peso a afirmarem categoricamente que se tratava de um pseudônimo
utilizado pelo presidente paraibano para se autopromover.
Elpídio de Almeida afirmou que era Suassuna o real autor do livro, enquanto Mário
de Andrade, sutilmente, em “O Baile das Quatro Artes”, enfatizou que havia comentários
de que realmente era Suassuna o autor da primeira biografia erudita de Lampião.
Em contato com pessoas que conheceram o jornalista, quando de sua estadia em
Princesa, a exemplo dos senhores Zacarias Sitônio, sua esposa Hermosa Goes Sitônio e
Belarmino Medeiros, todos residentes em João Pessoa (PB) na época do resgate do livro de
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Érico de Almeida, encontramos provas suficientes sobre a real existência do autor, como a
certidão de casamento e fotografia em que aparece discretamente o jornalista.
Entrevistado em Limoeiro do Norte (CE), quando da fuga alucinada depois da tentativa de
ataque a Mossoró (RN), no ano seguinte à publicação do livro de Érico de Almeida,
Lampião destilou ódio contra o “Coronel “José Pereira Lima, chamando-o de falso e
mentiroso, pois havia se beneficiado com todos os favores de sua “profissão” e depois o
havia traído.
Após a revolução de trinta, o livro de Érico de Almeida foi sendo gradativamente
esquecido, colocado entre os malditos, fruto de uma estrutura carcomida que precisava ser
apagada em prol da edificação de uma nova ordem econômica, política e social.
Com o apoio indispensável do senhor Zacarias Sitônio, que apresentou-nos o livro raro
escrito pelo jornalista Érico de Almeida, conseguimos resgatá-lo, no ano de 1996, após
matéria publicada no jornal paraibano “Correio da Paraíba”, datado do dia 12 de agosto de
1995, sendo reeditado, setenta anos depois, pela editora universitária da UFPB, que se
responsabilizou pela terceira edição em 1998.
Não obstante os profundos vínculos com as estruturas de poder dominantes na
República Velha, era imprescindível que o livro “Lampeão, sua história” saísse do
ostracismo ao que foi relegado pelos novos mandatários que assumiram o poder com a
vitória dos revolucionários em outubro de 1930, pois cessando os exageros existem
informações preciosas sobre o ciclo épico do cangaço e sua época que não podem ficar
ocultas dos historiadores e dos que apreciam as velhas coisas sobre o semiárido do nordeste
brasileiro.
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CORONEL MANUEL BENÍCIO: COMANDANTE PARAIBANO DE FORÇAS VOLANTES
Em uma época marcada pela violência e ousadia, Manuel Benício encarnou de forma
extraordinária a valentia, a astúcia e a sagacidade a fim de enfrentar provas de fogo
inauditas pelos ermos distantes das quebradas do sertão.
As táticas cangaceiras eram tão complexas que somente alguém com o mesmo
sangue frio dos bandoleiros poderia alcançar sucessos quando das diligências para fazer
valer a lei e a ordem em uma terra marcada pela absoluta ausência de amor ao próximo.
Manuel Benício sintetizou tudo isso, pois com coragem extrema alcançou seus
objetivos militares em diversos momentos históricos que marcaram o sertão paraibano. Em
1912, quando da campanha política que envolveu Rêgo Barros e Castro Pinto, através da
mazorca promovida pelos chefes políticos de Alagoa do Monteiro, representado pelo Dr.
Augusto Santa Cruz, e de Teixeira, com o Dr. Franklin Dantas, pai do bacharel João Duarte
Dantas, assassino do Presidente João Pessoa em julho de 1930, Manuel Benício conseguiu
ludibriar um piquete formado por jagunços dos caudilhos, matando sete inimigos, de uma
forma que apenas quem tinha profunda insensibilidade poderia conseguir, pois uma das
características do Coronel Manuel Benício era justamente total apatia à vida e à morte.
O comandante paraibano de forças volantes guardou até a morte um rosário de
orelhas dos cangaceiros mortos em combate. Cada membro tinha precisa identificação, pois
dotado de memória prodigiosa Manuel Benício sabia a quem pertencia e em qual combate
conseguiu matar determinado bandoleiro, cuja "lembrança" era mantida como troféu de
guerra.
Exemplo de como Manuel Benício era frio e calculista encontramos na história de
uma perseguição a cangaceiro no vale do Piancó. Altas horas da madrugada, Manuel
Benício teve um encontro inesperado com o bandido que perseguia. Era questão de
milésimo de segundos para decidir a sorte. Gritando bem alto que não atirassem pelas
costas no homem à sua frente, sem ninguém na retaguarda, o valente militar conseguiu a
distração necessária do inimigo para abatê-lo com certeiro tiro.
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Em boa parte da história da Polícia Militar do Estado da Paraíba no século XX
encontra-se a constante presença de Manuel Benício. Não obstante a amizade com
Francisco Pereira Dantas, foi Manuel Benício quem comandou a tentativa de captura do
cangaceiro paraibano no sítio Pau ferrado, na época pertencente ao município de Pombal
(PB). No tiroteio do sítio Tataíra, entre Princesa (PB) e Triunfo (PE), quando o cangaceiro
Meia-Noite foi cercado, tendo se imortalizou nas crônicas cangaceiras, também foi Manuel
Benício quem comandou a diligências, auxiliado pela tropa de "cachimbos" contratada pelo
"Coronel" José Pereira Lima.
Em Princesa (PB), quando da deflagração da guerra civil em 1930, contra o governo
de João Pessoa, Manuel Benício se destacou como bravo combatente, tendo participado de
combates importantes, a exemplo de Tavares (PB), quando a tropa comandada pelo Capitão
João Costa ficou literalmente sitiada durante os seis meses de luta, comendo "pipoca e
pipoco".
Atendendo os requisitos necessários exigidos por sua época, ou seja, matar o maior
número possível de adversários, Manuel Benício chegou ao coronelato na Polícia Militar
paraibana, destacando-se entre bravos que enfrentaram verdadeiras feras, bandoleiros e
insurrectos que, ao lado dos volantes, protagonizaram façanhas impressionantes que
marcaram uma época atribulada no sertão nordestino.
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A COLUNA PRESTES EM PIANCÓ-PB E A MORTE DO Pe. ARISTIDES
Convivi e conversei muito com o brioso oficial da Polícia Militar Paraibana, Coronel
Manuel de Assis, pois assim como eu, o saudoso valente guerreiro das caatingas nasceu na
velha terra de Maringá. Arruda era um homem espetacular, ser humano formidável, possuía
prosa animada, muito atencioso e dotado de memória prodigiosa.
Apesar das qualidades ímpares, Arruda era afoito demais, pois querer enfrentar a
Coluna Miguel Costa – Prestes, quando da passagem por Piancó (PB), em fevereiro do ano
de 1926, foi um ato temeroso e intempestivo, mas que lhe rendeu honraria do governo do
Presidente João Suassuna por bravura – a espada do herói!
Arruda negava peremptoriamente os fatos, mas sem sombras de dúvidas foi ele
quem abriu fogo contra a vanguarda dos militares insurrectos, abrindo os portais dos
infernos para a cidade de Piancó e seus defensores.
Nas inúmeras conversas sobre a passagem da Coluna pelo desditado município
paraibano, havia incontida emoção quando o velho combatente falava sobre o Padre
Aristides Ferreira da Cruz, vigário e chefe político da cidade sertaneja literalmente arrasada
em fevereiro do ano de 1926.
O Coronel Manuel Arruda de Assis informava que o Padre Aristides nasceu no
então distrito pombalense de Lagoa. Quando de minha fixação no Estado do Rio Grande do
Norte, efetivamente a partir do ano de 1998, fiquei sabendo por intermédio de informações
fornecidas por dileto amigo de nome Raimundo Soares de Brito, verdadeiro arquivo vivo da
cultura potiguar, que o Padre Aristides havia exercido o cargo de vigário em Caraúbas
(RN).
Arruda narrava que o Padre Aristides era inimigo de muita gente em Piancó, mas que
todos o respeitavam. O vigário andava com inseparável F. N. Brown na cintura,
acompanhado de grupos de capangas, era metido em tudo que não prestava no sertão
daquela época, viveu maritalmente com jovem da localidade, tiveram filhos, enfim, como
dizemos no sertão, era mais desmantelado do que voo de anum molhado ou galope de vaca
amojada.
Quando os informes enviados de Pombal (PB), notificando sobre a passagem da
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Coluna Prestes por Malta (PB), avistada em composição de “setenta homens esfarrapados,
desmuniciados e famintos”, chegaram em Piancó (PB), o Padre Aristides se animou em
enfrentar a prova de fogo. Acompanhado de Arruda, pois era inimigo do telegrafista,
passou telegrama para Júlio Lyra, chefe de polícia de Suassuna, comprometendo-se em
conseguir dois mil homens em armas no prazo de quarenta e oito horas, proposta logo
prontamente aceita pelo governo do Estado. Não obstante os esforços, Padre Aristides não
conseguiu reunir o número de homens prometido para a defesa.
Mas o que ninguém sabia em Piancó era que isso consistia em uma tática de Prestes,
a guerra de movimento, depois usada por Mao-Tsé-Tung, quando da grande marcha pela
China, a fim de ludibriar o inimigo. Prestes dividia a coluna em inúmeros subgrupos que se
reuniam em local previamente determinado em cartas e mapas. No caso paraibano, o
ajuntamento de forças estava programado para ser feito Coremas, o que aconteceu.
Conforme Arruda, o contingente da Coluna Miguel Costa-Prestes era tão grande que
quando a vanguarda entrava em Piancó a retaguarda ainda estava montando nos cavalos em
Coremas, um percurso de trinta e seis léguas.
Quando a Coluna entrava em Piancó, descargas certeiras alvejaram cavalos e
cavaleiros. Daí por diante fechou-se o tempo, quando intenso tiroteio transformou Piancó
em praça de Guerra. Vinha de ambas as partes, mas com maior intensidade, devido ao
número de componentes, disparado pelos integrantes do movimento tenentista originado no
sul do País.
O ódio que a Coluna Miguel Costa – Prestes passou a devotar ao piquete do Padre
Aristides teve seu recrudescimento quando ato considerado de alta traição inflamou os
ânimos acirradíssimos dos combatentes.
Arruda contava, parece até que o estou ouvindo neste momento, que havia um preso
de justiça em seu piquete. Esse detento, por bom comportamento, tinha tratamento
diferenciado. Apelidaram-no de “preá”, pois bastava dar-lhe uma rapadura que ele
conseguia trazer do meio da caatinga qualquer cabra ou bode espavorido que por ventura se
desgarasse do rebanho.
Conforme Arruda, havia visualizado sinal do Tenente Antônio Benício, delegado de
Piancó, para que levasse quatro fuzis e um cunhete de balas para o piquete dele, ao que
“preá” retrucou com toda razão ser impossível furar as mil modalidades de ataque dos
revoltosos e chegar ao piquete do Tenente do outro lado da rua. Arruda teve a idéia de
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instruir “preá” para pendurar a camisa branca que vestia em um dos fuzis. Quando o
defensor de Piancó saiu à rua com o fuzil hasteando a bandeira branca, imediatamente o
código ético-militar da Coluna Miguel Costa – Prestes foi acionado, com os combatentes
ensarilhando armas e respeitando a decisão contida no símbolo internacional.
Talvez por não saber o que acontecia na área defendida pelo então Sargento Manuel
Arruda de Assis, o piquete do Padre Aristides aproveitou o momento de distração da
Coluna Miguel Costa – Prestes para intensificar o tiroteio em direção ao grupo revoltoso.
O resultado foi catastrófico, pois a Coluna teve muitos integrantes mortos e feridos.
Daí em diante era ponto capital para os comandados pelo General Miguel Costa e pelo
Capitão Luiz Carlos Prestes chegarem ao piquete do Padre Aristides Ferreira da Cruz. A
Coluna, então, lutou com gosto, botando para quebrar. Foi em direção dos defensores
sediados na residência do vigário de Piancó com vontade de esbagaçar.
Arruda me contava que o Padre Aristides quando viu a coisa ficar preta mandou seu
guarda-costa, de nome Rufino, subir no muro para ver o que acontecia. Rufino informou
desesperado que a situação era periclitante, pois se fugissem morreriam, se ficassem
morreriam do mesmo jeito. Nesse momento, a Coluna lançou duas bombas de efeito
narcótico dentro da casa do Padre. O pessoal que lutava bravamente começou a demonstrar
sonolência, ao que o Padre Aristides instruiu comerem açúcar. A luta era nos corredores,
nas salas, em todo canto, quando uma ordem do comandante da investida, que calassem as
baionetas de uma vez só, cessou a contenda, enquanto o Padre Aristides pedia
incessantemente garantias de vida para todos. Covardemente, o comando da Coluna Miguel
Costa – Prestes “assegurou” as garantias tetricamente solicitadas. Todos que estavam na
casa, incluindo o Padre Aristides e o prefeito de Piancó, o Sr. João Lacerda, bem como o
filho deste, foram conduzidos amarrados, parecendo “corda de caranguejo”, usando
expressão do Coronel Manuel Arruda de Assis, a um barreiro e lá sangrados, um a um, e
não fuzilados. A Coluna Miguel Costa – Prestes era formada majoritariamente por gaúchos,
notabilizados pela selvageria das degolas, dos sangramentos, das lutas fraticidas que
encharcaram os pampas em épocas passadas, dos tempos das guerras envolvendo o Brasil e
os países vizinhos e dos embates dos maragatos com os pica-paus.
Padre Aristides, sentindo-se mortalmente ferido, implorou para que não fizessem aquilo
com ele, pois era um sacerdote católico. As humilhações foram intensificadas, pois o
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martírio do Padre Aristides Ferreira da Cruz e sua gente foi um episódio macabro
patrocinado pela ignominiosa covardia, pela efetiva traição de membros de um movimento
que se autointitulava revolucionário, reformista, ou seja, lá o que tenha sido ou digam ter
sido, mas que não teve hombridade Enem humanismo para respeitar a vida daqueles que já
se achavam dominados e impossibilitados da mínima defesa.
Trabalho louvável, de suma importância para a compreensão de nossa história
regional, intitulado “A Vida do Coronel Arruda, Cangaceirismo e Coluna Prestes”, de
autoria do ilustre Promotor de Justiça paraibano, Dr. Severino Coelho Viana, um dos mais
cultos e inteligentes pombalenses, orgulho da terra de Maringá, literato que vem se
destacando devido a publicação de obras extraordinárias, a exemplo do supramencionado
livro, entre outros escritos, citando ainda “Amor de Cangaceiro”, constitui-se em brilhante
contribuição para a literatura sobre o assunto que tanta polêmica suscitou, sobretudo
quando dos embates do Padre Manoel Otaviano com o Coronel Manuel Arruda de Assis na
época em que ocupavam cadeiras na Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba.
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O TRUCIDAMENTO DO CANGACEIRO JARARACA EM MOSSORÓ
José Leite de Santana era pernambucano de Buíque, nascido no ano de 1901. Antes
de entrar para o cangaço servia ao Exército Brasileiro, em Sergipe, quando desertou em
razão de ter participado de insurreição militar contra o comando do quartel no qual servia
na capital sergipana.
No cangaço, devido sua fúria irascível, ganhou o apelido de Jararaca, mas não era tão
perverso como os irmãos Ferreira, pois quando da marcha de lampião intuindo atacar
Mossoró, protagonizou ato benevolente na localidade de Cantinho do Feijão, hoje
município de Santa Helena (PB).
Ezequiel Ferreira, irmão mais novo de Virgulino Ferreira da Silva, destacava-se pela
pontaria impecável, razão pela qual ganhou o apelido de Ponto-Fino. Foi ele quem matou
Raimundo Luiz, subdelegado e fundador da localidade. Depois do assassinato, Lampião
arrastou punhal de setenta e cinco centímetros de lâmina para rasgar o ventre da viúva do
desditado homem da lei. Queria saber como era a cara do filho de um “macaco” saído das
entranhas. Jararaca intercedeu e evitou mais uma barbaridade que seria cometida
naturalmente pelo “rei do cangaço”.
No combate em Mossoró, as colunas comandadas por Sabino Gório e Jararaca
tentavam tomar de assalto a residência do prefeito Rodolfo Fernandes, hoje sede da chefia
executiva do município, conhecido como Palácio da Resistência.
O valente prefeito havia mandado empiquetar os principais pontos de defesa com
fardos de algodão, inclusive sua residência se encontrava totalmente rodeada com o
principal produto exportado por Mossoró naquela época, vindo de diversos lugares do
nordeste semiárido.
Cangaceiro apelidado de Colchete conseguiu gasolina e encheu uma garrafa, fazendo
um coquetel molotov para ser arremessado nos fardos de algodão em volta do Palácio de
Rodolfo Fernandes. Na parte superior da residência do prefeito postava-se exímio atirador,
de nome Manuel Duarte, que logo notou a intenção do famoso bandido do vale do Pajeú.
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O bravo defensor mossoroense esperou momento oportuno, quando Colchete ficou
com a cabeça visível o suficiente para que o winchester calibre 44 do homem postado em
cima da residência do prefeito detonasse projétil certeiro que esfacelou o crânio do
cangaceiro de Lampião. Colchete estertorava devido o estrago causado pela bala da arma de
Manuel Duarte, quando outro indômito integrante da trincheira do prefeito pulou a janela
de punhal em riste para terminar o serviço, sangrando-o impiedosamente. Imediatamente
esse homem que não sabia o significado da palavra medo voltou ao seu posto para
continuar o combate.
Jararaca sabia, como todos os cangaceiros, que o código dos bandidos permitia que
um companheiro quando era morto àquele que estivesse mais próximo tinha o “direito” de
desarvorá-lo, ou seja, retirar armas, munição e tudo de valor que o defunto carregasse.
Corajosamente, Jararaca se expôs até demais, intuindo ficar com os pertences de Colchete.
O mesmo Manuel Duarte que estourou a cabeça do cangaceiro que buscava
transformar em churrasco os defensores da trincheira do prefeito escalou novamente seu
winchester calibre 44 e pipocou Jararaca pelas costas. O cangaceiro caiu em forma de cruz
sobre o companheiro morto. Passaram-se uns dez minutos para que Jararaca recobrasse a
consciência devido ao impacto da bala calibre 44 detonado por Manuel Duarte. Este notou
que o intrépido bandoleiro havia se mexido, fazendo menção de correr. Novo tiro
deflagrado por Manuel Duarte varou a coxa de Jararaca, tornando sua situação periclitante
ao máximo, ao extremo dos extremos.
Jararaca conseguiu se arrastar por que Manuel Duarte se deparou com outro
cangaceiro atrevido. Dessa vez era Sabino Gório. O tiro deflagrado, o qual buscava a
cabeça do homem de confiança de Marcolino Pereira Diniz, arrancou o chapéu do
cangaceiro, dando chance a Jararaca para sair da linha de tiro e proteger-se.
O cangaceiro clamou por ajuda, chamando Sabino e Massilon, os quais não lhe
deram ouvidos, pois a meta naquele instante era salvar a própria pele. O tiroteio no centro
de Mossoró deixou os cangaceiros absolutamente desnorteados, tanto é que na fuga um
“cabra” da confiança de Isaías Arruda, conhecido por Bronzeado, foi sair para as bandas do
caminho de Upanema (RN), a leste, enquanto o bando tomava a direção de Limoeiro do
Norte (CE), a oeste.
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S U M Á R I O
Jararaca se arrastou penosamente até chegar aos trilhos da estrada de ferro, sendo
preso no dia 14 de junho de 1927. Nesse ínterim, chegava em Mossoró uma volante
paraibana, enviada pelo governador João Suassuna. Essa coluna militar era comandada pelo
Sargento Clementino Quelé, o famoso “tamanduá vermelho”. O governador norte-
riograndense depois presenteou João Suassuna com o punhal de Jararaca, como prova de
gratidão pela atitude de enviar socorro à cidade que foi ameaçada pelos bandidos
comandados por Lampião. Mais tarde, Lampião e seus sequazes viriam o tamanho da
besteira que tinham feito, pois uma coisa eles não sabiam que era a forma como os
Lamartine de Faria levavam avante suas vinganças. A audácia dos cangaceiros em tentar
atacar Mossoró não ia ficar por isso mesmo. Certa vez Vingt-un Rosado me disse que havia
indagado a Juvenal Lamartine sobre o motivo por que tinha mandado matar todos os
cangaceiros que haviam sido aprisionados e enviados para responder processo no Rio
Grande do Norte. A resposta de Lamartine, segundo Vingt-un, foi curta e grossa: “Mandei
matar, mandava de novo e só tenho pena dos que não pude mandar fechar para deixarem de
serem cabras safados”. Essa resposta revelou como era o homem que foi responsável
também pela morte do cangaceiro Francisco Pereira Dantas, talvez, tudo indica, devido
sedução de uma sobrinha de Juvenal Lamartine em Serra Negra, a qual contava quando do
defloramento a tenra idade de doze anos.
Na cadeia de Mossoró, Jararaca era assistido por um médico enviado pelo humano
prefeito Rodolfo Fernandes, quando chegou um soldado da volante de Quelé exigindo anel
de brilhante que o cangaceiro ostentava em um dos dedos. Como o valioso produto de
roubo não saia do dedo do bandoleiro, o militar mandou-lhe colocar o membro na cadeira
que iria arrancá-lo de punhal, o que não aconteceu graças aos protestos do médico. Na
verdade eram feras combatendo feras, não havia distinção em quase nada entre cangaceiros
e soldados volantes, tudo era da mesma laia.
Sem papas na língua, Jararaca destilava ódio contra a polícia, fazendo denúncias
gravíssimas contra oficiais que segundo ele eram corrompidos pelos cangaceiros. Soltou o
verbo contra Teóphanes Ferraz Torres, captor de Antônio Silvino e responsável pela
diligência que resultou em sério ferimento no tornozelo de Lampião, no ano de 1924.
Jararaca tornou-se atração em Mossoró. Perguntas eram feitas, a exemplo do número de
riscos em sua arma, ou seja, se era o total de mortes que ele tinha nas costas. Inúmeras
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histórias surgiam a cada instante, como a que havia jogado criancinha para cima e
aparando-a no punhal. Tudo era desmentido pelo cangaceiro que a cada momento se
enrolava ainda mais.
Lauro da Escóssia, famoso jornalista mossoroense, conseguiu proeza impressionante,
pois entrevistou demoradamente o cangaceiro, publicando a matéria no jornal “O
Mossoroense”.
Nisso, tudo já tinha sido acertado em Natal, pois Juvenal Lamartine de Faria, natural
de Serra Negra do Norte (RN), acostumado a conviver com a vida e com a morte nos
sertões violentos daquela época, ordenou que a transferência de Jararaca fosse realizada
para a capital potiguar.
Avisaram ao bandido que ele seria levado para Natal, quando este reclamou que
havia esquecido as alpercatas na cela. O oficial responsável pela condução do preso disse-
lhe que não se preocupasse, pois assim que chegassem à capital lhe compraria belo sapato
de verniz.
Jararaca entrou inocentemente no veículo dirigido por Homero Couto, sendo
acompanhado por diversos militares responsáveis pela sua transferência de Mossoró para
Natal.
Tudo acertado, o motorista reclamou de pane no motor, justamente em frente ao
cemitério São Sebastião. Jararaca relutou em sair do automóvel, quando um soldado puxou
violentamente pela perna baleada. O cangaceiro valeu-se de Nossa Senhora, mas não houve
jeito, pois assim que o desditado bandido caiu no solo foi alvejado por verdadeiro festival
de coronhadas das armas dos soldados.
A cova de Jararaca já estava aberta, fora do campo sagrado. Quando foram colocá-lo
no buraco, notaram que as pernas eram grandes demais, não cabiam na sepultura. Ele ainda
estava vivo, mas mesmo assim quebraram-nas a golpes de picareta e o enterraram ainda
estertorando, ao lado de Colchete.
Hoje o túmulo de Jararaca é o mais visitado quando do dia de finados em Mossoró.
Pessoas vindas de vários lugares vão pagar promessa, pois a crendice popular transformou
José Leite de Santana em Santo, talvez em razão do martírio abominável do qual foi vítima,
em vista que, não obstante ter sido um criminoso bárbaro, o dever da justiça é garantir sua
segurança e fazer com que pague na forma da lei pelos crimes que cometeu.
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ASSASSINATO DO PRESIDENTE JOÃO PESSOA
“Presidente João Pessoa, sou o Dr. João Duarte Dantas, a quem tanto humilhastes!”
Dessa forma, há oitenta anos (1930 – 2010), mais precisamente em 26 de julho, o
advogado João Duarte Dantas, representante de uma das mais influentes e poderosas
oligarquias do sertão paraibano, apresentava-se na Confeitaria Glória, no Recife, capital
pernambucana, ao presidente da Paraíba João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.
Não se conheciam, pois apenas havia trocado telegramas recheados de insultos recíprocos,
respondidos ainda na Imprensa Oficial da Paraíba através de editoriais inflamados, mas a
decisão de publicar no jornal A União as cartas íntimas recebidas da amante Anayde Beiriz,
bem como o diário pessoal de João Dantas, foi a gota d´água que fez transbordar o copo.
João Pessoa havia declarado quase uma guerra particular à família Dantas, pois a
primeira providência do Tenente Ascendino Feitosa, quando da eclosão da guerra de
Princesa, em 28 de fevereiro de 1930, foi invadir a vila do Teixeira e prender membros
desse clã sertanejo.
As ações cada vez mais intensas contra os Dantas, como o aprisionamento de outras
pessoas, parentes do advogado João Duarte Dantas, no ensejo da luta, em Piancó, acirrou os
ânimos exaltados.
A missão de João Dantas na capital paraibana era articular-se com os Estados de
Pernambuco e do Rio Grande do Norte a fim de garantir a continuidade da luta travada em
Princesa, pois aliado incondicional do “Coronel” José Pereira Lima, o filho do Dr. Franklin
Dantas tinha na exaltação uma das características mais proeminentes, razão pela qual
passou a ser perseguido tenazmente pela polícia de João Pessoa.
O arrombamento do seu escritório e a fuga para o Recife foram episódios decisivos
que contribuíram decisivamente para o início da tragédia da confeitaria Glória e,
posteriormente, da penitenciária doa capital pernambucana.
As cartas íntimas recebidas da professora primária e poetisa Anayde Beiriz, bem
como o diário, encontrados no cofre em seu escritório violado, foram publicados com
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destaque no jornal A União, profusamente lido em Recife, cuja população acompanhava o
desenrolar da luta que passaria não ter fim na região de Princesa.
João Dantas havia se hospedado na residência de uma irmã em Recife, casada com o
engenheiro Augusto Caldas. Foi para lá que Anayde Beiriz se deslocou quando viu o
material explosivo publicado na imprensa oficial paraibana. Pressentia que uma tragédia
iria acontecer, estando absolutamente certa.
Pondo o cunhado de João Dantas a par da situação delicada, foram imediatamente
atrás do temperamental advogado. Encontraram-no atirando no presidente João Pessoa.
Augusto Caldas ainda tentou fazer alguma coisa, mas era tarde demais. Junto com o
cunhado, o engenheiro Augusto Caldas também foi conduzido inocentemente preso,
envolvido no crime que abalou o Brasil.
O “Coronel” José Pereira, quando soube do assassinato do presidente João
Pessoa no Recife, decidiu cessar imediatamente a luta, afirmando que não compactuava
com o ocorrido e que tinha perdido o gosto pelas batalhas que se desenrolavam desde o mês
de fevereiro.
A morte de João Pessoa serviu de pretexto para a deflagração da revolução de 1930,
em outubro. Recife foi invadido pelas tropas comandadas pelo General Juarez Távora,
importante figura militar que palmilhou o país quando da marcha da Coluna Miguel-Costa
Prestes.
Incorporado às tropas de Juarez Távora estavam militares paraibanos sedentos de
vingança, encontrando-se entre estes o então Tenente Ascendino Feitosa, responsável, junto
com seus comandados, pela invasão da penitenciária do Recife, onde se encontravam
presos João Dantas e Augusto Caldas.
Ascendino Feitosa adentrou a unidade prisional perguntando onde se encontrava
preso o bandido João Dantas, cuja sela foi invadida e seus ocupantes trucidados como
forma de pagar pela morte de João Pessoa.
Era mais um capítulo sangrento que chegava ao fim, motivado pelas difíceis
relações políticas do início da década de trinta do século passado, cujos desdobramentos
culminaram na implantação do governo Vargas e seus ideais de renovação da sociedade
brasileira.
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PRINCESA-PB: MAIOR MANIFESTAÇÃO DE INSURGÊNCIA DO MANDONISMO LOCAL
Eita Pau Pereira que em Princesa já roncou, eita Paraíba mulher macho sim senhor, eita Pau
Pereira meu bodoque não quebrou! (Paraíba – Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga)
A indicação de Epitácio Pessoa para que o sobrinho do poderoso oligarca de nome
João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque presidisse o Estado da Paraíba teve raízes na faina
corrupta que grassou a unidade federativa quando o renomado político assumiu a gestão
executiva brasileira entre os anos de 1919 a 1921.
O boom econômico originado com a demanda externa por matérias-primas após a
primeira guerra mundial motivou a elaboração de políticas públicas que tinham nas obras
de açudagem o principal carro-chefe.
Para evitar fuga de divisas para os Estados vizinhos, Epitácio Pessoa pensou em dotar
a capital paraibana de um porto com infraestrutura impecável que pudesse sanar velho
problema que prejudicava inexoravelmente as finanças do Estado no qual expressava a
figura maior do mandonismo local. Não conseguiu, pois o dinheiro para a construção do
porto foi parar nos bolsos dos seus aliados.
Nessa época, a porção setentrional paraibana mantinha laços econômicos muito
fortes com Mossoró, enquanto a meridional era ligada ao Recife, onde se destacava a
família Pessoa de Queiroz como principal agente econômico do processo de exportação da
produção gerada no semiárido.
A barreira orográfica representada pelo planalto da Borborema auxiliava bastante
nas decisões dos produtores sertanejos de buscar outros pólos econômicos a fim de realizar
negócios lucrativos, tendo em vista a deficiência de meios de transportes eficazes, pois
geralmente os deslocamentos eram feitos com tropas de burros.
Quando assumiu a presidência paraibana, João Pessoa declarou guerra tributária que
atingiu frontalmente a elite sertaneja agropastoril. A taxação sobre a produção, sobretudo a
cotonicultura, fez com que a margem de lucros dos produtores caísse consideravelmente.
Porteiras foram colocadas em pontos estratégicos para que a taxação sobre os
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produtos fosse realizada. Dessa forma logo os cofres do Estado foram abarrotados de
dinheiro oriundo de majorações exorbitantes.
Em contrapartida, a situação social e econômica sertaneja foi se tornando
periclitante, com a alta generalizada dos preços aliada à seca que teve início em 1926 com
pequeno intervalo em 1929. Nesse ano a situação tornou-se ainda mais alarmante, pois foi
deflagrada a grande crise na bolsa de valores Novayorquina, onde eram comercializadas as
matérias-primas indispensáveis à reconstrução européia depois da primeira guerra mundial.
Na guerra sem trégua ao mandonismo local, João Pessoa passou a agir de forma
impensada sobre as bases do Epitacismo. Destituía ou transferia sem a menor cerimônia
pessoas importantes do esquema oligárquico, como chefes de mesas-de-renda.
O Estado da Paraíba ficou conhecido como a “Suíça Brasileira”, graças à mão-de-
ferro do Presidente que restabeleceu as finanças públicas, extremamente combalidas com a
fase aguda de corrupção que marcou as gestões de Sólon de Lucena (1920-1924) e de João
Urbano de Vasconcelos Suassuna (1924-1928).
João Pessoa foi convidado pelos governos gaúcho e mineiro para compor a chapa da
Aliança Liberal, em vista que havia sido desmanchada a política do café com leite quando
da indicação de Júlio Prestes para suceder Washington Luís. Dessa formas, como candidato
a vice-presidente, o chefe do executivo paraibano chegou a Princesa, reduto do “Coronel”
José Pereira Lima, principal município prejudicado pelas ousadas políticas públicas
adotadas pelo sobrinho do poderoso Epitácio Pessoa.
João Pessoa e comitiva foram bem recebidos. Princesa, localizada no cordão de
serras que divisa o Estado da Paraíba do Estado de Pernambuco, estava toda enfeitada com
bandeiras vermelhas, símbolo da Aliança Liberal, pois era o representante do Epitacismo
que se encontrava no território que devia vassalagem à expressão maior da política de
compromissos que caracterizava a República Velha.
Quando João Pessoa mostrou a chapa da Aliança Liberal, a qual excluía o nome de
João Suassuna, estava sendo selado o rompimento do “Coronel” José Pereira com as bases
da orientação política que até então seguia.
A confirmação veio quando o presidente chegou à capital e recebeu telegrama do
chefe político Princesense em tom desafiador, no qual informava seguir rumo próprio em
companhia de correligionários espalhados pelo Estado. Trocas de telegramas cada vez mais
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acintosos não deixaram margem a nenhuma dúvida, pois João Pessoa escudando-se na
defesa da ordem em razão do pleito eleitoral a ser realizado em 28 de fevereiro de 1930
decidiu de forma intransigente enviar tropas para o sertão, sendo declarada neste dia a
guerra de Princesa.
Conforme o brioso oficial paraibano Ademar Naziazene, em livro sobre a história da
polícia militar paraibana, o número total do contingente a disposição do presidente João
Pessoa era 890 combatentes. A primeira investida foi sobre a vila do Teixeira, reduto da
família Dantas, invadida pela tropa comandada pelo Tenente Ascendino Feitosa que
aprisionou vários membros deste clã sertanejo.
À disposição do “Coronel” José Pereira foi formado verdadeiro exército composto
de mais de 2.800 homens, armados e municiados principalmente com rifles winchester
calibre 44. Depoimentos prestados pelo Coronel Manuel Arruda de Assis ao NDIHR/UFPB
registraram que as armas estavam ainda encaixotadas com o selo da importadora
Matarazzo.
A Polícia Militar paraibana lutava com armas obsoletas, com munição vencida,
impossível de ser usada de forma adequada. Para tentar contornar a situação dramática, o
governo gaúcho montou esquema de contrabando em barris de sebo, tendo em vista que a
alfândega, enquanto órgão federal, era controlada pelo perrepistas.
Zé Pereira enviou cerca de 500 homens, comandados por Lindu e Luiz do
Triângulo, para soltar os Dantas que se encontravam aprisionados e ameaçados de ser
sangrados. O movimento armorial, liderado por Ariano Suassuna, reconheceu o gesto
heróico, concedendo título de nobreza ao último comandante supracitado, em obra por
título “O Romance da Pedra do Reino”.
Foram quase cinco meses de combates inenarráveis, quando se destacaram nomes
como Marcolino Pereira Diniz, Manuel Lopes Diniz, Cícero Bezerra, Sinhô Salviano, João
Paulino, Caixa de Fósforo, entre outros, do lado do “Coronel” José Pereira, enquanto
combatentes fiéis a João Pessoa se destacaram Coronel Elísio Sobreira, Raimundo Nonato,
Clementino Quelé, Jacob Franz, gaúcho que saiu do Rio Grande do Sul para servir à causa
da Aliança Liberal, entre muitos outros, comandados pelo Secretário de Interior e Justiça
José Américo de Almeida.
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S U M Á R I O
Com total apoio do Palácio do Catete, Zé Pereira conseguiu que Princesa se tornasse
território livre e independente, com constituição própria, hino e bandeira próprios, exército
próprio, enfim, legalmente separada do Estado da Paraíba. A família Pessoa de Queiroz,
com quem o chefe princesense mantinha laços econômicos e pessoais estreitos e marcantes,
manteve-se impávida ao lado das oligarquias insurgentes durante toda a luta, não obstante a
proximidade familiar com o Presidente João Pessoa.
Sobre Princesa, Ruy Facó destacou em Cangaceiros e Fanáticos que o território
transformou-se em fortaleza inexpugnável s que sobre seus muros vacilavam as tropas
regulares. Com certeza, pois a cidadela insurgente e seus arredores foram fortificados e
defendidos com unhas e dentes na maior demonstração de rebeldia do mandonismo local na
República Velha.
Em 26 de julho de 1930, após constatar a ausência de ética ensejada pelas batalhas,
quando diário e cartas íntimas foram publicadas na imprensa oficial paraibana, o advogado
João Duarte Dantas foi à caça do Presidente João Pessoa pelas ruas do Recife, encontrando-
o na companhia de amigos na confeitaria Glória. Os tiros que mataram João Pessoa
puseram fim à luta e a uma era, pois em outubro de 1930 foi deflagrada a revolução que iria
gradativamente cercear o poder dos “Coronéis” e instituir nova ordem abalizada na ênfase
ao nacional-populismo que caracterizou o período varguista.
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S U M Á R I O
A GRANDE SECA DE 1932
A grande seca de 1932 iniciou-se de fato em 1926, com um breve intervalo em 1929,
tendo se configurado em verdadeiro cataclisma sócio-econômico na região nordeste nos
anos seguintes, atingindo o ponto culminante no ano que a imortalizou, cuja calamidade fez
com que o flagelo, tantas vezes repetido, assumisse proporções devastadoras,
principalmente para a população carente.
Sob os auspícios do Ministério de Viação e Obras Públicas do Governo Provisório de
Vargas, dirigido com decisão férrea pelo paraibano José Américo de Almeida, reiniciaram-
se os trabalhos de açudagem no sertão. Obras paralisadas desde a década de 20 foram então
progressivamente retomadas, tendo em vista que a confiança de Epitácio Pessoa nas
oligarquias, enquanto condutora das obras públicas, fazendo valer as prerrogativas da
descentralização político-administrativa da República Velha, não havia surtido nenhum
efeito prático, pois na verdade houve avassaladora onda de corrupção.
Ressurgiam velhos projetos, paralisados desde a gestão de Arthur Bernardes (1922-1926),
dos açudes como o Itans, o Gargalheira e Lucrécia, no Estado do Rio Grande do Norte,
Boqueirão de Piranhas, São Gonçalo e Condado, no Estado da Paraíba, sendo que este
último não constava na idealização original, inserido, com certeza, graças à intervenção de
Ruy Carneiro, oficial de gabinete do Ministro de Viação e Obras Públicas, e Lima Campos,
no Estado do Ceará, entre outros.
Flagelados da grande seca foram aproveitados nas obras que o Ministério de Viação e
Obras Públicas implantava nos Estados Nordestinos. Multidões se formaram nos canteiros
de obras, a grande maioria sem a mínima noção de higiene, sendo responsáveis pelo
acúmulo de lixo e dejetos humanos em escala gigantesca. O regime alimentar, composto
basicamente por farinha e carne seca, agravou o quadro de desnutrição crônica da
população flagelada, aumentando ainda mais a possibilidade de acontecer um surto
epidêmico.
No final de dezembro de 1932, quando as chuvas finalmente começaram a cair no
Nordeste, o inevitável aconteceu através de um impressionante combinado de infecções que
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S U M Á R I O
Orris Barbosa, em célebre e clássico livro intitulado “Secca de 32 – Impressões sobre a
crise nordestina”, distinguiu como sendo do grupo coli-tífico-desintérico. Em janeiro,
fevereiro e março de 1933 as cifras da mortandade entre os “cassacos” alcançavam
números impressionantes.
Proliferação de moscas em verdadeiros enxames contribuiu acentuadamente para
disseminar os germes causadores de doenças gastro-intestinais. Em pouco tempo os campos
de trabalho estavam atulhados de cadáveres da desdita da seca do século XX.
Crianças, portadoras de um quadro lastimável de desnutrição, foram as mais penalizadas,
registrando a maioria dos óbitos da grande epidemia que assolou o nordeste brasileiro na
década de 30.
Em um trabalho de profundo humanismo e comprometimento, foi organizada pelo
Ministro José Américo verdadeira cruzada assistencial às pessoas castigadas pelo surto
epidêmico, formando a “Comissão Médica de Colaboração à Assistência e Profilaxia aos
Flagelados”, dirigida pelo Dr. José Bonifácio P. da Costa. O Departamento Nacional de
Saúde Pública também formou comissão objetivando “inspecionar as zonas infestadas e
determinar as medidas imprescindíveis à profilaxia da região” (BARBOSA, 1935, p. 67-
74).
A infestação, assumindo proporções desesperadoras, era um desafio à profilaxia, o
que fez com que o Departamento Nacional de Saúde Pública invocasse a participação
imediata dos departamentos de higiene dos Estados acometidos pelo surto devastador,
iniciando-se um intenso policiamento de focos de moscas e mosquitos.
Gradativamente a peste foi sucumbindo à ação inexorável da competência das ações do
Ministério de Viação e Obras Públicas do Governo Provisório de Vargas em prol da
debelação de um dos maiores flagelos que já assolou o nordeste, cuja união nefasta com a
seca fê-la marca indelével no imaginário popular que ainda guarda na lembrança o grande
desafio que foi vencer a maior epidemia que o nordeste foi submetido, de forma
inclemente, na década de 30 do século passado.
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S U M Á R I O
MÉTODOS DE SANGRAMENTOS UTILIZADOS POR VOLANTES E CANGACEIROS
O sangramento era um dos crimes mais hediondos cometido no sertão nordestino no
tempo do cangaço, praticado tanto por tropas volantes, as quais dispunham de “sangradores
oficiais”, como por cangaceiros.
Símbolo de uma cultura forjada pela colonização erigida sob a ênfase da força e da
violência, responsável pelo extermínio dos índios que habitavam a hinterlândia, a “técnica”
de sangramento foi aperfeiçoada ao máximo. A razão econômica da penetração interiorana
exigia que o gado criado de forma ultra-extensiva fosse, necessariamente, abatido para o
consumo de uma minoria privilegiada da população, principalmente a do litoral canavieiro.
No sertão, se tornou um “trabalho de mestre” matar sangrando a jugular ou a carótida.
As carótidas são duas artérias, a comum direita e a comum esquerda, sendo que a
comum direita é originária do tronco braquiocefálico e a comum esquerda é originária do
arco aórtico. A ruptura dessas artérias significa morte certa. A hemorragia violenta na via
arterial do fluxo de sangue da aorta se encarrega de tudo.
Quando o soldado João da “mancha”, considerado inclusive por seus antigos colegas
de farda, como um psicótico, extravagante sangrador das forças volantes paraibanas,
rompeu, com um bisturi pertencente ao medico Luiz de Góes, a carótida do advogado João
Dantas, assassino do presidente João Pessoa, quando de sua detenção na penitenciária do
Recife (PE). João Dantas estava preso na companhia do cunhado, o engenheiro Augusto
Caldas, também assassinado com a mesma “técnica”. O “serviço” fora feito por um
profissional macabro que conhecia muito bem o seu “ofício”. O militar sabia
milimetricamente onde iria romper a artéria, visto que a luta corporal travada entre o
intrépido advogado João Dantas e os seus algozes impediu o seccionamento no ponto exato,
como pretendia Dr. Luiz de Góes. Conforme Arruda, só alguém que estava profundamente
em contato com a “arte” de sangrar poderia ter feito um “trabalho” com tamanha perfeição.
As veias jugulares, outras que também eram preferidas pelos “sangradores” das lutas
do cangaço nordestino, são de extrema importância para o organismo. A veia jugular
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interna é a principal. Ao rompê-la é quase impossível de haver qualquer possibilidade de
salvação, a não ser que haja modernas técnicas de reversão, como presença de médicos e
hospital, praticamente inexistentes nos ermos esquecidos dos sertões de outrora, embora
ainda hoje encontremos tal situação em diversos lugares espalhados pelo nordeste e pelo
Brasil afora.
Com o comprometimento da veia braquiocefálica, poucas chances de vida havia às
vítimas desse suplício macabro promovido por solados e bandidos no sertão do cangaço,
principalmente quando do apogeu de Lampião. Essa veia se anastomisa com a veia
braquiocefálica direita, formando a veia cava superior, de fundamental importância à
manutenção da vida.
Lampião era expert nesta técnica, dispondo para isso de imenso punhal de setenta
centímetros de lâmina. Tarimbado na lida do campo, sobretudo no que diz respeito à
pecuária, fornecendo peles e couros ao “Coronel” Delmiro Gouveia, com quem a família
Ferreira negociava, o “rei do cangaço” inovou e utilizou-a profusamente quando de sua
chefia no cangaço (1922 – 1938).
A veia jugular externa, quando rompida, representa morte certa. Essa veia é
constituída da junção da veia retromandibular com a veia auricular posterior, e, após vários
estágios de grande importância, desembocará, mais freqüentemente, na veia subclávia.
Segundo o Coronel Manuel Arruda de Assis, sobre quem há registros históricos
indeléveis, tendo marcado de forma extraordinária a história das lutas do povo do semi-
árido nas primeiras décadas do passado século, outro método bastante utilizado por ambas
as partes envolvidas nas lutas, consistia em perfurar a clavícula, introduzindo-se, com
violência, o instrumento perfuro-contudente diretamente na aorta, junto ao coração.
Depois da hecatombe de Piancó (PB), ocorrida no mês de fevereiro do ano de 1926,
cuja participação do velho guerreiro das hostes volantes, natural do município de Pombal
(PB), fora decisiva e marcante, houve aprisionamentos de militares da coluna Prestes, bem
como da cozinheira da milícia que pregava novos rumos. Era uma baiana conhecida entre
os revoltosos por tia Maria. Apenas um escapou da triste sina, devido aos apelos de muitos
no sertão, inclusive do Padre Cícero.
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Conforme ainda o entrevistado, um prisioneiro quando do sangramento pelos
militares comandados pelo Coronel Elísio Sobreira, revelou ter feito muito isso quando da
marcha da coluna, entre os diversos combates que travou.
Ainda em Piancó (PB), Arruda relembrou a chacina do barreiro, a qual vitimou o
Padre Aristides Ferreira e diversos camaradas que lutaram bravamente para tentar conter o
avanço da coluna. Todos foram sangrados por membros da coluna, consternados com as
mortes dos cavalarianos que formavam a vanguarda da Coluna Miguel Costa – Prestes, os
quais chegavam na cidade de Piancó (PB), e terminaram alvejados pela pontaria certeira do
então sargento Manuel arruda de Assis.
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S U M Á R I O
A ESTRELA OCULTA DO SERTÃO
Importante e valioso documentário, por título “A Estrela Oculta do Sertão” foi
produzido na região nordeste, cujo destaque encontra-se no enfoque às tradições judaicas
presentes nas práticas culturais do povo nordestino.
Protagonizado por médico paraibano de nome Luciano Oliveira, que por acaso
pergunta a parente sobre seus antepassados, obtendo como resposta às indagações, provas
suficientes do vínculo com a antiga sefarade que mudaram sua vida, “A Estrela Oculta do
Sertão” afirma a veracidade de muitas histórias familiares espalhadas pelas quebradas do
sertão nordestino.
Luciano Oliveira e sua equipe palmilharam diversos estados da região, intuindo
comprovar a tese de que a genealogia de muitas famílias nordestinas está
indissociavelmente atrelada ao sangue judeu.
Buscando subsídios em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, o
protagonista desvenda antiqüíssimas práticas culturais presentes no cotidiano do povo
nordestino, como o costume de não varrer a casa passando lixo pela porta da frente, pois em
um passado distante esta cotinha um dos mais sagrados símbolos do judaísmo – A Mezuzá
– pequena tabuleta de madeira impecavelmente trabalhada, contendo na parte de fora a letra
ELSHADAI, primeira do Nome do Eterno Todo Poderoso, em hebraico, sendo que dentro
contém os salmos, também na língua principal falada pelos judeus. Com a aculturação e a
cristianização, quando da ênfase à efetivação dos cristãos-novos, a Mezuzá foi substituída
pela cruz, indispensável em portas espalhadas por toda região.
Costumes presentes no dia-a-dia dos nordestinos, como o hábito de colocar pedras
em cruzeiros no meio das estradas, também são esmiuçados no documentário, pois esta é
uma das mais importantes manifestações de condolência judaica.
Nathan Wachtel, eminente professor do Collège de France, publicou importante
livro, ainda em francês, sobre as tradições nordestinas, provando que as mesmas são
eminentemente judaicas. O livro do professor Wachtell intitula-se La Foi Du Souvenir (A fé
da lembrança).
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S U M Á R I O
Municípios localizados nos ermos distantes do sertão, como o pequeno Venha-Ver
(corruptela de “Vir Chaver”, em hebraico, ou seja, “Venha Amigo”, a inquisição não lhe
pega por aqui), localizado no alto oeste potiguar, foram visitados por Luciano Oliveira e
equipe, cujo destaque encontra-se justamente na comprovação de que os moradores do
lugarejo norte-riograndense descendem dos fugitivos da perseguição inquisitorial que se
instalou em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte após a expulsão dos
holandeses.
No estado da Paraíba, há ênfase à visita de Luciano Oliveira e equipe à cidade de
Pedra Lavrada. O protagonista é da família Cordeiro desse município, cujas ramificações se
espraiam pelo estado do Rio Grande do Norte, chegando ainda a influenciar na
denominação toponímica de localidade chamada São José dos Cordeiros.
Sobrenomes comuns às famílias nordestinas são de origem judia, pois quando da grande
conversão forçada, no final do século XV, houve pacto entre os judeus para adotarem
nomes de plantas, árvores, animais, lugar de origem etc., objetivando se reconhecerem no
futuro.
Oliveira, Cardoso, Fernandes Pimenta, Gurgel, Carneiro, Alencar, Mangueira,
Nogueira, Carvalho, Pereira etc., são exemplos de sobrenomes com vínculos judaicos,
presentes, na região nordeste e outras regiões, bem como países, em listas telefônicas,
nomes de ruas, chamadas de salas de aulas e muitos outro.
O documentário “A Estrela Oculta do Sertão” peca em não falar sobre a fase áurea
desfrutada pelos judeus quando da dominação holandesa (1630-1654), pois a resposta para
a presença dos descendentes desse povo na região nordeste encontra-se justamente na
tolerância que os mandatários da Companhia das Índias Ocidentais manifestaram quando
da conquista do nordeste brasileiro, pois necessitavam de capital para levar avante a
experiência concentrada na exponencial relação com o açúcar nordestino, na época
impossibilitado de ser comercializado na Europa pelos holandeses devido rixa com os
espanhóis.
A expulsão holandesa do nordeste brasileiro fez com que verdadeira “caça às bruxas”
fosse instalada, com a requisição lusitana da presença da Santa Inquisição. A importância
da presença judia no nordeste era tão proeminente que a primeira Sinagoga das Américas
foi construída no Recife.
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S U M Á R I O
Com a celeuma causada devido à saída batava, o rabino da sinagoga pernambucana,
de nome Isaac Aboab da Fonseca, conseguiu comprar, através de quotas com os membros
da comunidade, um navio no qual rumaram para o norte, tendo chegado à costa nordeste
dos atuais EUA, quando ajudam a fundar um núcleo populacional que levaria o nome de
Nova Amsterdã, hoje cidade de Nova York. O rabino da sinagoga Novayorkina chama-se
Abraão Cardoso, descendente dos judeus pernambucanos que migraram, fugindo das
perseguições inquisitoriais.
Grandes personalidades que fazem parte do seleto rol dos estudos judaicos no Brasil
e no mundo foram entrevistadas quando da produção de “A Estrela Oculta do Sertão”, a
exemplo de Nathan Wachtell, Anita Novinsky, Paulo Valadares, João Medeiros Filho e
família, Marcos Filgueira, Odmar Pinheiro Braga etc.
A Estrela a qual se refere o título do documentário, obviamente, é o hexagrama dos
judeus, a Estrela de David, com seis pontas, símbolo contido na bandeira do Estado de
Israel, a mesma que se encontra disfarçada em uma rosa no frontispício do velho casarão
construído em 1870 em Pombal (PB), na atual rua Coronel João Leite, propriedade, em um
passado não muito distante, dos criptojudeus pombalenses Aarão Ignácio Cardoso D´Arão e
sua sobrinha e esposa Facunda Cardoso de Alencar.
O documentário chama a atenção para uma questão delicada que é a situação dos
anussins, os descendentes desses fugitivos que escaparam da região litorânea e buscaram
abrigo nos mais longínquos recônditos espalhados nas quebradas do sertão nordestino.
Para quem se interessa pelas questões pertinentes ao nordeste brasileiro, “A Estrela Oculta
do Sertão” surgiu como um dos mais importantes documentários sobre a região nordeste,
devido elucidar e responder antigas indagações sobre as origens e as práticas culturais da
população que aqui habita.
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S U M Á R I O
A IMPORTÂNCIA DO CORDEL EM SALA DE AULA
Veículo de fabuloso fomento à identidade regional, o cordel tem nas camadas
populares seus mais constantes e fiéis consumidores, sendo através dos tempos valorizado e
cultuado como a verdadeira e autêntica literatura nordestina, o livro de bolso do povo da
região.
Há ênfase a diversos clássicos da Literatura de Cordel, os quais são estudados com
seriedade em importantes academias espalhadas mundo a fora, não obstante ser recente o
estudo desse gênero em Universidades Brasileiras.
Entre esses, destacam-se as produções de Leandro Gomes de Barros, João Martins de
Athayde, José Camelo de Melo, José Pacheco, João Ferreira de Lima, entre outros,
inspiradores do Movimento Armorial, criado pela genialidade ímpar de Ariano Suassuna.
A importância de estudar o cordel em sala de aula está sendo enfatizado em projeto
ousado e inovador, por título Acorda Cordel, coordenado pelo poeta popular, radialista,
ilustrador e publicitário cearense Arievaldo Viana, nascido aos 18 de setembro de 1967, nos
sertões adustos de Quixeramobim, terra que também viu nascer o beato Antônio
Conselheiro.
Intitulado Acorda Cordel na Sala de Aula, folheto de número 70 da Coleção Queima-
Bucha, publicado em Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, em janeiro de 2006, esse
cordel traz ilustração de capa do próprio autor.
Vale ressaltar que Arievaldo Viana foi eleito no ano de 2000, membro da Academia
Brasileira de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira de número 40, cujo patrono é o poeta
popular João Melchíades Ferreira.
Arievaldo Viana desenvolve sua verve extraordinária alertando sobre a necessidade
de primar por normas ortográficas e gramaticais corretas, tendo em vista que o cordel,
quando usado para a alfabetização, principalmente de jovens e adultos, deve respeitar a
linguagem corrente, sem erros grosseiros que atrapalhem os objetivos propostos em seu
projeto de fomento ao processo ensino-aprendizagem.
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S U M Á R I O
O autor sintetiza a influência do cordel em sua vida, desde a infância, quando se
verificou o contato do mesmo com grandes nomes da literatura regional, cujas histórias
eram lidos pela avó com o frenético entusiasmo de quem se rende aos encantos das
bravuras e feitos épicos narrados primorosamente em folhetos de diversos mestres do
passado.
Arievaldo Viana confessa, sem titubear, que os versos geniais decorados de diversos
cordéis, tiveram influência mais incisiva que os livros nos quais estudou. O cordel tinha
decisiva importância na formação do povo nordestino em razão que o advento do rádio e da
televisão era pouco enfático. A mídia ainda não havia contaminado efetivamente o
imaginário do povo nordestino.
A fim de que recuperemos nossa identidade vilipendiada pelos rumos da
globalização, o autor frisa a importância de que cada biblioteca estruture sua cordelteca
como fonte de saber.
Aviso singular quanto à utilidade do cordel, está contido na necessidade da
observância da métrica, rima e oração que cada folheto deve conter, visto que, na brilhante
advertência do autor, deve existir seqüência lógica para que o estudo seja contemplado de
êxitos.
A influência da avó é destacada intensamente no folheto, como forma de exaltar a
importância do cordel na sala de aula, pois conforme o autor, esta teria sido sua mais
completa fonte de inspiração para que se desabrochasse o amor pelo gênero mais
identificador da verdadeira cultura nordestina.
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S U M Á R I O
BENJAMIN ABRAHÃO E A INVOLUNTÁRIA CONTRIBUIÇÃO PARA A EXTINÇÃO DO CANGAÇO
Natural da região compreendida pela Palestina bíblica, o sírio-libanês Benjamin
Abraão Botto chegou ao Brasil no ano de 1914, fugindo da convocação compulsória para
lutar na Primeira Guerra Mundial, determinada pelo império inglês que dominava a região
na época.
Botto rumou para o Ceará, na companhia de outros conterrâneos que alimentavam o
mesmo objetivo. Na terra de Iracema, manteve contatos no Juazeiro do Norte com o célebre
padre Cícero Romão Batista, tornando-se secretário particular do polêmico sacerdote
católico.
Interessado em cinema e fotografia, Botto foi o responsável pelas únicas imagens
cinematográficas existentes de um dos protagonistas do ´milagre da hóstia´. Em Juazeiro do
Norte, no mês de março de 1926, assistiu à chegada do grupo de cangaceiros chefiado por
Lampião, o qual atendia convocação do caudilho Floro Bartolomeu da Costa, cujo objetivo
era planejar a participação dos bandoleiros das caatingas no combate à Coluna Prestes,
compondo os ´Batalhões Patrióticos´ formados no governo Arthur Bernardes.
Com a morte do padre Cícero Romão Batista, no ano de 1934, Benjamin Abraão
Botto começou a elaborar ousado projeto que objetivava captar imagens fotográficas e
cinematográficas do bando comandado por Lampião, cuja atuação havia se concentrado,
desde 1928, entre os estados da Bahia, de Sergipe e de Alagoas.
A conseqüência imediata e inevitável da ousada tentativa cangaceira de atacar a
cidade de Mossoró, a qual desfrutava na época o status de já ser a segunda cidade do Rio
Grande do Norte, foi o recrudescimento impressionante da perseguição de forças volantes
ao bando depois da primeira derrota de Lampião, graças à ação dos mossoroenses.
Exemplo disso observou-se quando da entrada triunfante de Lampião e seus
cangaceiros, no ano de 1926, na cidade pernambucana de Cabrobó, após receberem falsas
patentes de oficiais do Exército Brasileiro, ´documentadas´ em Juazeiro do Norte pelo
engenheiro agrônomo Pedro de Albuquerque Uchoa, a mando do padre Cícero Romão
Batista, tendo em vista que Floro Bartolomeu havia sido transferido, às pressas, para
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S U M Á R I O
Fortaleza por causa de agudas crises de angina, falecendo pouco depois, na então Capital
Federal, para onde fora enviado com urgência. Lampião chegou àquela cidade de
Pernambuco na companhia de cerca de 120 homens. Em 1928, após o frustrado ataque a
Mossoró, Lampião empreendeu fuga desesperada para o sertão meridional, na companhia
de apenas quatro asseclas. O resto do bando ou estava morto ou nas cadeias espalhadas
pelos estados nordestinos que aderiram à perseguição programada pelo governo de Juvenal
Lamartine.
No eixo compreendido pelos estados baiano, sergipano e alagoano, a ´Fera do Pajeú´
recompôs o bando e inaugurou nova fase da atuação de sua vida bandoleira, encontrando
pouca experiência militar que rivalizasse com suas táticas de guerra de guerrilha, razão pela
qual a Bahia se apressou em contratar homens experientes para combatê-lo, como os
famosos Nazarenos, eternos perseguidores do ´Rei do Cangaço´, não esquecendo ainda de
citar José Osório de Farias, o famoso Zé Rufino, o matador de Corisco, o ´Diabo Louro´.
No ano de 1936, amadurecido o projeto de ir ao encontro de Lampião e seu bando
nas caatingas baianas, com o apoio da AbaFilm, empresa localizada na capital cearense,
Benjamin Abraão Botto inicia sua peregrinação, intuindo realizar o que até então era
inimaginável, quer seja, fotografar e, principalmente, filmar o ´modus vivendi´ dos
cangaceiros do bando de Lampião.
Orgulhoso e pouco enfático quanto à reflexão referente à relação entre causas e
efeitos fomentados por gestos e ações que suscitam profundas e concentradas análises,
como no caso do ataque tresloucado a Mossoró, Lampião não demorou a demonstrar
interesse em contribuir com o projeto de Benjamin Abraão. O cangaceiro conhecia o
cinema, pois tinha assistido vários filmes na companhia do bando, encantando-se com as
imagens em movimento da Sétima Arte.
Durante mais de um semestre Benjamin Abraão conviveu com os cangaceiros,
fotografando-lhes e filmando com entusiasmo a movimentação e o dia-a-dia do grupo
bandoleiro.
Homens rudes, com pouca instrução, faltando-lhes clarividência, demonstraram
indisfarçável alegria por protagonizarem um projeto cinematográfico inédito e ousado.
Nem as relações polêmicas entre os cangaceiros e protetores foram poupadas, pois tudo foi
captado pela câmera do entusiasmado sírio-libanês.
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O filme foi apreendido pelo DIP. O ditador assistiu a película com os representantes
do setor de segurança nacional, os quais ficaram horrorizados com as imagens mostrando
coiteiros recebendo dinheiro dos bandidos, cangaceiros vistosamente adornados com ouro,
prata e jóias, enfim, a dimensão exata dos quase vinte e dois anos de rapina sob o comando
de Lampião.
A ordem para eliminar Lampião e seus sequazes foi dada, restando pouco tempo de
vida ao bandido desde que Vargas constatou a dimensão do que estava acontecendo no
nordeste brasileiro.
Coiteiros, homens de importância social no sertão, políticos de projeção, foram
presos. Botto teve pouco tempo de vida, sendo assassinado, no ano de 1937, no lugar Pau
Ferro, atual Itaiba, pertencente na época à comarca de Águas Belas (PE), antes de Lampião
e dez companheiros de cangaço perecerem na grota de angicos, município de Poço
Redondo (SE).
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S U M Á R I O
GILBERTO FREYRE E A ESSÊNCIA DO IMPOSSÍVEL
Quando do lançamento de Casa-Grande & Senzala, em 1933, Gilberto Freyre
inaugura com pompas o discurso cínico de nossa elite sobre a “democracia racial” no
Brasil, pregando com entusiasmo a essência do impossível.
Em seu clássico livro, Freyre catalisou os interesses dos donos do poder no que diz
respeito à necessidade de uma manobra culta a fim de buscar evitar manifestações futuras
de inconformismo.
Adoçando as marcas profundas das relações sociais que foram impostas quando da
formação socioeconômica brasileira, vigentes por longo período da história nacional,
Gilberto Freyre levou avante louvada campanha embasada em mentiras afrontosas à
dignidade humana.
Quando da elaboração de sua tese de doutorado, Florestan Fernandes, eminente
sociólogo de visão larga e humanista, constatou com profundo pesar o gosto amargo do
escravismo imposto pelos lusitanos no Brasil.
A escravidão brasileira foi um dos mais marcantes momentos da perversidade
humana, pois, ao contrário do que registrou Gilberto Freyre em seu clássico e louvado
trabalho, o martírio negro foi desenhado com cores berrantes e dantescas em que as mais
absurdas manifestações de insensibilidade à dor alheia foram levadas avante, como algo
simples e natural.
A “democracia racial”, em verdade, nunca existiu, pois de fato o que houve foi um
estupro abalizado pela forma como foram arquitetadas as estruturas de poder. Negras foram
usadas como objetos sexuais, meros fantoches a serviço dos seus “donos”. Sendo assim, o
conceito disseminado por Freyre é mesquinho e ridículo, pois negar o sadismo contido nas
relações enfatizadas pela sociedade patriarcal brasileira o coloca no panteão do cinismo da
pretensa literatura científica elaborada no Brasil.
A “doçura” enfatizada pela idéia de “democracia racial” no Brasil leva-nos a refletir
sobre os indicadores socioeconômicos apresentados hoje, pois as condições de vida de
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negros e mestiços são inversamente proporcionais às desfrutadas pela descendência dos
antigos mandatários, beneficiados com a escravidão no país.
Sofrimento, angústia, desprezo e desmoralização foram os fundamentos sobre os
quais se ergueram o escravismo no Brasil em toda sua extensão, tanto geográfica como
temporal, pois uma unanimidade no que diz respeito à pretérita relação social de produção
associou-se ao racismo enquanto condição indispensável da expressão desumana da
escravidão negra.
A forma como Domingos Jorge Velho levou avante a destruição do Quilombo dos
Palmares, reduto de negros fugidos da “doçura” açucareira defendia por Gilberto Freyre,
nos revela como o patriarcalismo autoritário e desconhecedor de limites enxergava a
questão escrava no Brasil.
A tirania privada, personificada na forma como foi implantada a escravidão no
Brasil, precisa ser vista com outros olhares, pois o drama negro não pode se circunscrever à
mera ficção defendida pela literatura envolta em interesses baseados na necessidade de
fomentar a continuidade da intransigente estrutura social que ainda prega a exclusão como
algo natural e integrante da paisagem brasileira.
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DRAMA DA FOME: FERIDAS ABERTAS QUE OS PODEROSOS INSISTEM EM NÃO CURAR
As paisagens urbanas e rurais, através de sua geografia humana, sobretudo nas
periferias do capitalismo globalizado que marca os dias atuais, vem sendo caracterizadas
pelas manifestações aviltantes cada vez mais agudas do drama da fome, as quais cristalizam
o significado da exclusão de grande parcela dos seres humanos, espalhada pelos quatro
cantos do planeta, a qual ainda não foi beneficiada pelas conquistas tecnológicas e por sua
capacidade de gerar emprego e renda decentes que garantam melhores dias, formulando
de forma efetiva o real sentido da cidadania.
Os donos dos meios de produção selecionam metodicamente espaços que são e
serão beneficiados pela ação do capital em suas múltiplas metamorfoses e interesses,
relegando ao esquecimento àqueles que não interessam de imediato à reprodução das
estruturas de poder.
São os espaços marginalizados que não servem a curto ou médio prazos,
muitas vezes também a longo prazo, aos propósitos definidos em infindáveis reuniões
temperadas pelo gosto refinado por dinheiro em quantidade absurdamente estratosférica.
Assim, cotidianamente milhares de pessoas são atiradas no fosso da miséria, da
pobreza e da fome, pois sem perspectivas de melhores dias amargam a triste realidade do
abandono e do infortúnio, sendo submetidas à escravidão da falta de interesses dos
poderosos que as enxergam apenas como frios números das estatísticas que permitem
absurda maximização de lucros com interessante minimização de custos
para àqueles que são contemplados pelas benesses do sistema.
Citando exemplo clássico presente nas distorções inter-regionais brasileiras,
indubitavelmente podemos afirmar que em consonância com o despovoamento do campo
no nordeste brasileiro desponta de forma imperiosa o agrobusiness em determinados
espaços rurais previamente selecionados, dotado de tecnologia de primeiro
mundo. Em contrapartida, a agricultura familiar vem sendo notavelmente prejudicada e
desestimulada em razão que percentual significativo dos investimentos garantidos pelas
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políticas públicas voltadas para o agro, viabilizadas pela ação do Estado, destina-se ao
sucesso da produção agrícola concentrada em atender as exigências do mercado
externo a fim de gerar divisas para fomentar a política paternalista que caracteriza a atuação
do Estado em garantir os privilégios da poderosa classe que detém o poder.
Além do mais, os poucos recursos destinados ao fomento à agricultura
familiar não vem acompanhado de necessária e eficaz instrução técnica que permita
favorecer o sucesso da produção e da comercialização agropecuária, não esquecendo ainda
que existem graves denúncias de corrupção envolvendo a destinação dos recursos para este
setor produtivo que garante inúmeros benefícios para suprir o mercado interno, ao contrário
do primo rico que se dedica a atender as exigências externas cada vez mais sofisticadas.
O resultado óbvio é o recrudescimento da situação de penúria dos que sofrem
com a intransigência da lógica do capital, avançando de forma desumana as conseqüências
trágicas da desnutrição. Crianças, elos frágeis da teia maléfica montada pelo capitalismo,
perdem a visão por falta de alimentos, ficando apenas no couro e no osso devido à
ausência de proteínas que possam garantir a sobrevivência engrossando dia-a-dia as
estatísticas referentes à mortalidade infantil, motivada por doenças provocadas pela fome.
Esqueléticas e famintas desfilam suas desditas pelos espaços menos privilegiados das
favelas, alagados, palafitas, pontes, campos adustos, lócus urbanos sem infra-estruturas e
outros locais usados como moradias, pois sinônimos da ausência de compromissos, esses
lugares se constituem nos territórios da fome e das privações.
Enquanto isso, os poderosos que mandam e desmandam não demonstram
sensibilidade, comoção, atitude concreta, que seja pragmática de fato, a qual possa reverter
o quadro surreal que vem tomando aspecto tétrico, cada dia pintado de forma
mais intensa com cores berrantes que revelam o drama da miséria e da fome, da
sensibilidade de parcela intransigente da humanidade satisfeita e feliz com o esquema
montado sobre privilégios.
Recantos esquecidos espalhados na imensidão nordestina abrigam populações
famintas e desvalidas cujas condições de vida são iguais às apresentadas pelos grandes
bolsões de carência crônica do continente africano, pois os indicadores socioeconômicos
teimam em se repetir em cada amostragem populacional que busca revelar a situação
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do povo brasileiro, embora saibamos que muitas foram propositalmente maquiadas para
atender determinados interesses.
Mães aflitas, viúvas das secas e dos descasos, choram pelo destino que o sistema
relegou aos seus filhos, aos quais tudo é negado, desde um prato de comida decente à
educação de qualidade que possa garantir-lhes um futuro melhor, com esperanças e
felicidades, não esquecendo ainda que saúde também é algo negado de forma injuriosa
e infame. A injustiça tornou-se palavra de ordem no imaginário dos poderosos.
Historicamente, a pobreza vem sendo tratada como caso de polícia, pois exemplo
disso temos na forma desumana como os aparelhos repressivos do Estado trataram
Canudos, como verdadeiro caso de segurança nacional, simplesmente por que a sociedade
alternativa fundada no sertão baiano conseguiu superar os limites extremos da exploração
desmedida capitaneada pelo draconiano latifúndio que impera desde a formação
socioeconômica brasileira.
A intensificação do drama da fome foi profetizada e alertada pelo cientista Josué
Apolônio de Castro (Recife – 05/09/1908 – Paris – 24/09/1973) quando de sua magnífica
campanha em prol da erradicação do maior drama da humanidade, mas desde então nada
foi feito, pelo contrário, pois o problema ainda está sendo encarado como um tema
proibido, o qual escancara a mesquinhez contida na manutenção e na reprodução das
estruturas de poder que privilegiam poucos e humilham a grande maioria excluída do
complexo processo que caracteriza os dias atuais.
A ousadia e a independência de Josué de Castro, quando denunciou a fome
como flagelo fabricado pelos homens, foram responsáveis por momentos ímpares na
história da humanidade, mas, infelizmente, responsabilizaram-se também pelos momentos
de angústia que o levaram à morte prematura em seu exílio na França, imposto pela
intransigência dos militares que derrubaram o governo constitucional de João Goulart,
histórico herdeiro político de Vargas.
Refletir sobre as bases do pensamento do importante teórico
nacional, reconhecendo a importância da atualidade de suas pregações e defesas, é condição
sine qua non para que busquemos lutar pela superação dos aviltantes contrates que separam
incluídos e excluídos, contribuindo dessa forma para a consolidação de um mundo melhor,
com justiça social e harmonia para o gênero humano. Insistindo em não curar as feridas
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abertas com o drama da fome, os poderosos do planeta alimentam insatisfações cujas
conseqüências poderão se revelar imprevisíveis, pois a partir do momento que o grito dos
excluídos tornar-se mais intenso e estridente talvez a composição contida na
superestrutura não surta tanto efeito a fim de abafar as reclamações que se avolumam de
forma impressionante devido a ausência de amor que vem sendo observada na conjuntura
em que impera a ganância e a falta de compromissos com a sofrida realidade humana
daqueles que estão à espera de olhares mais humanos e compenetrados com suas situações
desesperadoras.
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A BATALHA DE VINGT-UN ROSADO EM DEFESA DA PESQUISA DE PETRÓLEO NA BACIA POTIGUAR
Tendo concluído, em 1944, o curso de Agronomia na conceituada Escola Superior de
Agricultura de Lavras (ESAL), no Estado de Minas Gerais, Vingt-un Rosado recebeu, no
final deste ano, convocação para integrar o esforço de guerra, em declaração formal de
beligerância da ditadura Vargas contra as forças do Eixo.
Não chegou a embarcar para a Itália, servindo no Quartel sediado nas cidades de
Ouro Fino, São João Del Rey, Três Rios e Deodoro como soldado padioleiro de número
494. Fugas constantes em todos os finais de semana, a fim de se encontrar com a namorada
de Lavras, de nome América Fernandes, a qual se tornou a companheira de toda existência,
tornaram-se conhecidas do então Tenente Ivan de Sousa Mendes, mais tarde General de
quatro estrelas, prefeito do Distrito Federal e Ministro do Governo José Sarney.
Prevenido pelo oficial para que ouvisse atentamente o Boletim da Companhia,
rigorosamente divulgado às 16 horas, o soldado padioleiro Vingt-un Rosado tinha destaque
na quarta parte do documento militar, sendo condenado a 15 dias de reclusão por se
ausentar do Quartel sem permissão superior.
Encarcerado em um antigo armazém destinado a estocar café, não faltou espaço e
condições de equilíbrio ao apaixonado soldado para produzir trabalho científico, pesquisar
e descobrir coisas fantásticas, sobretudo referentes à geologia potiguar. Preparou
importante monografia, devida ainda da fase discente em Lavras. Traz o título de Os
Métodos de Reprodução em Zootecnia e Suas Fórmulas Matemáticas. Devido ao
comportamento exemplar, Vingt-un Rosado só cumpriu oito dias da pena imposta pelos
superiores militares.
Era comum os alunos da Escola Superior de Agricultura de Lavras solicitarem
publicações ao Departamento Nacional de Produção Mineral. Vingt-un Rosado as recebia
regularmente. Importante estudo geológico lhe foi entregue, no ano de 1945, por agrônomo
de nome José Paulo de Matos, o qual versa, justamente, sobre as possibilidades de fontes
energéticas fossilizadas no Brasil.
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Quando de sua detenção por indisciplina militar, aproveitou para examinar, com mais
ênfase, bibliografia de geologia, organizada por Dolores Iglesias, concentrando-se,
especialmente, em dois artigos de autorias do norte-americano Jonh Casper Branner,
presidente emérito da conceituada Universidade Stanford, Califórnia, EUA, e do mineiro
Luciano Jacques de Moraes. Até então, Vingt-un desconhecia que em profundas camadas
inferiores da bacia potiguar haviam previsto a possibilidade de existência do cobiçado ouro
negro.
O trabalho de autoria de Jonh Casper Branner, publicado em fevereiro de 1922,
último de sua brilhante produção na área geológica, visto ter falecido a primeiro de março
do mesmo ano, intitula-se Possibilidade de Petróleo no Brasil. O cientista norte-americano
admitia a existência de petróleo em Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, bem como
na Bahia. Branner enfatizou que dos cinco dos horizontes geológicos que produzem óleo
em outras partes do mundo, chamados Devoniano, Carbonífero, Permiano, Cretáceo e
Terciário são encontrados no Brasil (In: ROSADO, 2000, p. 114). Quando se referiu ao
período Terciário destacou que, nas formações costeiras, parece inteiramente possível que
esta zona contém petróleo onde ela se alarga para o interior, como na Bahia, até 300 milhas,
e Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte.
A bibliografia tinha outra indicação por título Ocorrência de Petróleo no Rio Grande
do Norte, elaborado por Luciano Jacques de Moraes. Tratava-se de um artigo publicado em
“Nossa Revista”, número sete, por solicitação dos estudantes da cidade de Ouro Preto (MG)
(ROSADO, 2004, p. 118).
Nesse trabalho, o geólogo mineiro correlaciona a existência de petróleo no Cretáceo
mexicano com as mesmas características geológicas observadas na bacia potiguar, embora
frisando que a formação petrolífera mexicana pertence ao Cretáceo Inferior (Calcáreo do
Tamasopo), enquanto a do Rio Grande do Norte é cretáceo Superior (Turoniano)
(MORAIS. In: ROSADO, Idem, p. 122).
Além de enfatizar a Batalha da Cultura, empreendida concretamente a partir do ano
de 1948, Vingt-un Rosado tornou-se um intransigente defensor da pesquisa petrolífera no
Estado do Rio Grande do Norte e um entusiasta de sua exploração racional, constituindo
profecias de promessas futuras de geração de emprego e renda para a população potiguar,
bem como vantagens econômico-financeiras para o Estado do Rio Grande do Norte.
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Quando do regresso ao Estado do Rio Grande do Norte, Vingt-un iniciou pesquisas
sobre Louis Jacques Brunet, naturalista francês que percorreu o País, e, em especial o
Nordeste Brasileiro, explorando minas através de comissão organizada pelo Governo
Brasileiro, em meados do século XIX, estudando, obrigatoriamente, o quadro natural da
região.
Vingt-un Rosado descobriu correspondências do Padre Florêncio Gomes de Oliveira
a Brunet, na qual lhe informava sobre prováveis ocorrências minerais na região oeste
potiguar. Fora remetida da Vila do Apodi ao naturalista francês, aos 22 de fevereiro de
1854 (ROSADO, 2000, p. 57-58). Era a tentativa, em vão, do mossoroense de Monte
Alegre de trazer Brunet para estudar as potencialidades minerais potiguares.
Em Extrato da Ata da Câmara de Vereadores do Apodi, datada de agosto de 1852,
Vingt-un Rosado (2000, p. 62), assessorado pelo eminente cientista Antônio Campos e
Silva, encontrou indicações frisando que “[…] em um dos recantos da lagoa desta vila, que
está mais em contato com as substâncias minerais da serra tem-se coalhado, em alguns
anos, uma substância betuminosa, inflamável e de boa luz, semelhante à cera em
quantidade tal que se pode carregar carros dela”. Ele frisa, ainda (p.27), que “[…] a
substância betuminosa inflamável” referida na ata de 1852 poderia perfeitamente tratar-se
de exsudação de óleo, fato não de todo desconhecido na Chapada do Apodi. Bancos
fossilíferos com o odor de “querosene” são há muito conhecidos na região.”
O estilo era inconfundível, com certeza esse documento fora redigido pelo Padre
Florêncio Gomes de Oliveira, geólogo amador cuja obstinação era estudar e aproveitar os
recursos naturais da província norteriograndense. Em outro extrato de Ata da mesma
Câmara, datada de seis de junho de 1853, repetem-se as mesmas preocupações
socioeconômicas da anterior, primando pela mesma forma de escrever.
O patrono de Jerônimo Vingt-un Rosado Maia na Academia Norte-riograndense de
Ciências é justamente o esforçado sacerdote. Em seu discurso de posse, Vingt-un Rosado
relacionou a quatorze ciências (Paleontologia – Mineralogia – Geologia – Espeleologia –
Geomorfologia – Climatologia – Entomologia (A Cochonila) – Geografia – Botânica
Econômica – Fitogeografia – Fitogeografia e Zootecnia – Piscicultura – Folclore –
Astronomia) o trabalho sério e importante realizado pelo Padre Florêncio Gomes de
Oliveira.
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O obstinado agrônomo, de saudosa memória, com plenas preocupações geológicas,
descobriu ainda correspondência remetida da Vila do Apodi, datada de agosto de 1853,
destinada ao Sr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho, Presidente da província do Rio
Grande, enfatizando aspectos do quadro natural da região.
O geólogo amador mossoroense que abraçou a liturgia católica como sacerdote,
deixou escrito trabalho por título Geologia do Rio Mossoró, datado de doze de maio de
1861, embora nunca tenha sido publicado quando de sua conclusão. Foram remetidos
exemplares ao Presidente da Província e à Sociedade da Indústria Nacional, a qual possuía
um periódico. Vingt-un Rosado pesquisou na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e na
Biblioteca Pública Mário de Andrade, na capital paulista, não tendo encontrado em nenhum
volume o trabalho do Padre Florêncio Gomes de Oliveira.
O cientista Antônio Campos e Silva demonstrou que a linguagem das Atas da
Câmara de Vereadores de Apodi, nos anos de 1852 e 1853, era, de fato, a enfatizada no
estudo geológico realizado pelo Padre Florêncio Gomes de Oliveira.
Vingt-un Rosado, a partir disso, passou a considerar o vigário mossoroense o
pioneiro número um no que tange ao registro acerca da existência de petróleo na bacia
Potiguar. Em 1894 Manoel Coriolano de Oliveira repetiu em artigo em Almanaque no
Estado do Rio Grande do Sul a constatação a que chegou o Padre Florêncio Gomes de
Oliveira (ROSADO, 2000).
Pesquisando edições antigas do jornal O Mossoroense, Vingt-un Rosado descobriu
em exemplar datado de nove de fevereiro de 1908 que o farmacêutico Jerônimo Rosado
havia constatado a existência de elaterita no açude de Caraúbas (RN), sugerindo a
utilização desse combustível fóssil para iluminar a cidade. A elaterita é um betume elástico,
enquanto fresco, endurecendo quando exposto aos fatores exógenos (Idem).
Outra constatação de Vingt-un Rosado foi que, até 1947, estudioso potiguar algum
havia feito qualquer referência à possibilidade da existência de petróleo no Rio Grande do
Norte. Homens lúcidos e dotados de extrema clarividência como Amaro Cavalcante,
Tavares de Lyra, Juvenal Lamartine, José Augusto Bezerra de Medeiros, Cristóvão Dantas,
Joaquim Inácio, Garibaldi Dantas e Manuel Dantas, de notável produção histórico-cultural
e socioeconômica, ignoraram tal hipótese.
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A primeira indicação veio em artigo do médico Paulo Fernandes, publicado por
Vingt-un Rosado no jornal O Mossoroense, no mesmo ano de 1947, o qual versava sobre
petróleo e água em Mossoró, fruto de importante pesquisa realizada pelo homem que
governou a capital do oeste potiguar por menos de dois anos, granjeando, no entanto, status
de estadista.
Logo depois, Vingt-un Rosado publicou no Boletim Bibliográfico, trabalho por título
Sobre o Wildicat Mossoroense, o qual define como sendo a zona onde se supõe existir
petróleo, por dados vagos ou informações superficiais, mas em que ainda não se provou a
existência do combustível, caso em que se teria um “Proved Land” (ROSADO, 2000, p.
139).
Em 1965, em tom de angústia, Vingt-un Rosado escreveu em oito de abril que, antes
desse ano, tinham sido perfurados apenas três poços de petróleo na Bacia Potiguar. O
trabalho traz o título de Um Dia as Torres Voltarão ao Sagrado Chão de Mossoró (2004 a).
Reproduzindo Vingt-un: “Nos dias memoráveis de julho de 1960, em que Mossoró
foi cérebro e coração da Geografia Nacional, um geomorfólogo eminente escreveu ligeiros
apontamentos, inteiramente de improviso, sem recorrer a qualquer bibliografia.
Ao final, eles vão aqui publicados, sem consulta prévia do seu verdadeiro autor,
porque o Poço Rodrigues Alves, na Volta, em território assuano, limítrofe do de Mossoró,
nas proximidades do Trapiá, a menos de duas dezenas de quilômetros, com as suas
emanações de gases combustíveis neste ano de 1965 elevou outra vez o clamor da gente
mossoroense pela pesquisa do seu petróleo, em área há 05 anos indicada pelo autor.
Um dia as torres voltarão ao sagrado chão de Mossoró e dirão muito alto que John
Casper Branner, o sábio de Stanford, e Luciano Jacques de Morais, o grande geólogo
patrício, estavam certos, absolutamente certos quando há quarenta e três e trinta e nove
anos, respectivamente, falaram do petróleo mossoroense.
Santa Luzia do Mossoró, Quinta-feira da Semana Santa, 1965”.
Até aquela data, os poços perfurados não passavam não passavam de meia dúzia.
Hoje ultrapassam cinco mil.
Eis os apontamentos de Aziz Nacib Ab´Saber: “A bacia sedimentar costeira do Rio
Grande do Norte apresenta uma série de condições estratigráficas e estruturais de
importância para pesquisa de petróleo. Trata-se de uma bacia marginal, de tipo costeira,
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oriunda de uma subsistência ponderável efetuada nos fins do mesozóico, comportando
camadas marinhas que alcançam mais de 1.000 metros na única perfuração profunda até
hoje realizada (Grossos).
A despeito da presença de dobras epidérmicas nos estratos da bacia, ainda não foram
feitos trabalhos de geologia de campo suficientes para constatar a presença de estruturas
realmente favoráveis para sondagens possíveis. A perfuração realizada em Grossos foi de
todo infeliz em sua locação já que coincide com um ponto no eixo de uma das modestas
sinclinais da bacia. Ali em qualquer hipótese, não poderia haver condições para o encontro
de óleo, a perfuração tendo valido tão somente para uma avaliação geral de estatigrafia
local e do espessamento relativo do pacote de sedimentos regionais. De certa forma,
entretanto, resta em aberto o velho problema das condições da bacia no que diz respeito às
suas possibilidades oleigenas.
As fotografias aéreas disponíveis não adiantam informações concretas para a locação
de estruturas favoráveis, porém são capazes de sugerir área bem melhores que a de Grossos,
ou seja, áreas anticlinais discretas, situadas nos largos interflúvios que separam os vales dos
rios epigênicos da região.
Alguns focos de drenagem radial existentes nos arredores de Mossoró (para SW e
NW) são suficientes para sugerir melhores pesquisas estruturais de geologia de superfície
na aludida bacia, como etapa inicial de uma nova pesquisa melhor orientada. Baseados em
algumas combinações de fatos fisiográficos e geológicos, existem duas áreas que deveriam
ser investigadas com particular atenção: a primeira, entre o baixo Jaguaribe e o Mossoró –
Apodi (Área B), junto às encostas da chamada Serra de Mossoró; e a segunda, entre o
Mossoró – Apodi e o Piranhas – Açu (Área B), próximo a Trapiá (chapada). Tais áreas de
drenagem centrífugas locais sugerem a presença de discretas estruturas em forma de
abóbada, dignas de alguns trabalhos de geologia e de prospecção geofísica. A locação de
dois novos furos – ou pelo menos um – poderia de uma vez por todas imprimir um rumo
mais seguro às controvérsias científicas a respeito da possibilidade de ocorrência de óleo
nesta importante área sedimentar costeira do NE brasileiro. Tratando-se de uma bacia
cretácica marinha relativamente espessa, dotado de fácies marinha e de estruturas
provavelmente espessadas por subsistência técnica, além do que, possivelmente
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complementada por alguma tectônica quebrável (regime de fossas), é uma área que precisa
de uma revisão bem feita no setor de suas possibilidades oleígenas”.
Utilizamos o folheto número 64, da Série “B”, da Coleção Mossoroense: Duas áreas
na Região de Mossoró de Interesse Para as Pesquisas de Petróleo, publicado em 1965.
A verdade é que as torres voltaram e se perguntassem a Vingt-un, se vivo fosse, se
ele teria feito uma profecia, com certeza ele responderia: era apenas a vontade louca de que
Mossoró tivesse petróleo.
A partir de 1979, os poços perfurados por classificação (Terra – Mar) foram
modificando a paisagem da Bacia Potiguar. Em 1979 foram perfurados 31 poços, crescendo
acentuadamente o número destes. Em 1990 foram perfurados 212 poços. Em 1958, quando
do início da prospecção petrolífera, existiam apenas dois poços, com o da Gangorra
figurando como o pioneiro. Hoje são quase 5.000 espalhados pela riquíssima bacia
petrolífera potiguar (2004 a).
A batalha empreendida por Vingt-un Rosado em prol da exploração petrolífera no
Estado do Rio Grande do Norte o faz um dos precursores da luta em defesa de nossas
riquezas minerais, tantas vezes usurpadas em razão de interesses externos que norteiam
parcela significativa de nossa dependência econômica.
Em 1979 o geólogo Francisco de Assis Melo objetivava perfurar poço no Hotel
Thermas, intuindo encontrar água para abastecê-lo, projeto enfatizado quando do governo
Tarcísio Maia. Petróleo em abundância foi jorrado, ao invés do precioso líquido para a
região semiárida. Revelou-se, no entanto, a pista para o descobrimento do petróleo
comercial (ROSADO, 2004 b). Vingt-un Rosado fez questão, ainda, de enfatizar que
Francisco de Assis Melo, um dos eminentes geólogos do Rio Grande do Norte, foi o
responsável pela descoberta do petróleo do Hotel Thermas, economicamente explorável, no
ano de 1979 (Idem).
A Revista Scientific American Brazil, edição especial número 3, de dezembro de
2003, registra alguns nomes de pioneiros do petróleo no Brasil, sobretudo o nome de
Monteiro Lobato.
Aziz Nacib Ab´Saber publicou um trabalho sob o título: Caminhos Transversais na
Descoberta do Petróleo.
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Ao publicá-lo naquele periódico, Aziz estava inscrevendo o nome de Vingt-un na
saga dos que sonhavam com a possibilidade de sua ocorrência na Bacia Potiguar.
O leitor não pode avaliar a emoção de Vingt-un ao saber que os royalties do petróleo
mossoroense que seriam entregues à Prefeitura de Mossoró eram superiores a dois milhões
de reais em setembro de 2004.
Como se fosse num filme, ele recordou as suas pesquisas na cadeia da Companhia
Escola de Engenharia, de Ouro Fino (MG), quando encontrou John Casper Branner (1922)
e Luciano Jacques de Morais (1929).
Agora tem a palavra o maior geomorfólogo brasileiro, um dos seus 20 sábios:
“Muitos episódios não pensados acontecem na vida de um pesquisador, que, para conhecer
melhor seu país, fez andanças as mais diversas”. Um deles que marcou minha vida foi a
ajuda que dei a Vingt-un Rosado Maia, a fim de insistir na necessidade de voltar a
pesquisar petróleo na Bacia Potiguar.
Aconteceu que houve uma reunião da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
em Mossoró (RN). Na época, eu ensinava geomorfologia na UFRGS. E, devido ao
conhecimento desse fato, Vingt-un se aproximou de mim para solicitar um relatório sobre
as possibilidades petrolíferas na Bacia Potiguar. Expliquei a ele que eu, um simples
professor de geomorfologia, não era geólogo e muito menos um especialista em petróleo.
“Você está escondendo o leite”, me dizia ele.
Mas estava escrito que minha resistência iria ser vencida. Naquele tempo, as reuniões
da AGB comportavam excursões de campo e eu fui designado para dirigir uma das equipes,
desde Mossoró até a Serra de Santana, para observações geográficas e geomorfológicas,
num itinerário que repetia parcialmente aquele feito pelo grande geólogo mineiro Luciano
Jacques de Morais.
Acontece que eu tinha vindo do Rio Grande do Sul, terra de vento frio no inverno,
para o sertão do Rio Grande do Norte, terra de forte calor e luminosidade. Daí ter me
sentido um tanto mal pelo calor excessivo durante a viagem, desprevenido que estava em
relação a qualquer bonezinho na cabeça. No regresso a Mossoró, Vingt-un obrigou-me a
uma consulta médica com um seu parente competente, que apenas receitou uma aspirina e
me liberou. No fim da tarde, em sua casa, enquanto [dona] América preparava o jantar,
Vingt-un jogou um punhado de papel branco para que eu “pagasse a consulta”, auxiliando o
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Rio Grande do Norte a encontrar petróleo. Não tive mais jeito de me negar, pensando em
qualquer coisa em benefício do Rio Grande do Norte. Solicitei, porém, ao meu hospedeiro,
uma carta geológica do Estado, um relatório de Gilberto Osório de Andrade, e, se possível,
o relato das perfurações prévias. Vingt-un mandou buscar todo o material solicitado na
ESAM (Escola Superior de Agricultura de Mossoró), da qual era diretor.
Por duas horas, observei o mapa geológico e os relatórios, meditei o que poderia
escrever. E, para felicidade minha e nossa, descobri a noroeste de Mossoró uma drenagem
radial que documentava a existência de uma deformação local semidômica, passível de ser
considerada para perfurações novas. Fiquei ciente de que as perfurações anteriores tinham
sido feitas em lugares errados.
Dei o pequeno relatório a Vingt-un, solicitando a ele que, por uma questão ética e
profissional, não assinasse o meu nome, podendo usar meus argumentos quando e como
quisesse. E, assim foi enviado o pequeno trabalho para Brasília, a fim de pressionar para o
reinício das perfurações. “Malandramente”, Vingt-un assinou o relatório com o nome de
Antônio Natércio de Almeida (Antônio para Aziz; Natércio para Nacib; e Almeida para
Ab´Saber). A Superintendência da Petrobras respondeu que, a despeito do aval do “grande
geólogo Natércio”, não podia voltar a pesquisar no Rio Grande do Norte, porque agora seu
interesse estava voltado para a Amazônia.
Entrementes, Vingt-un Rosado Maia não desistiu de sua idéia-chave, e numa
oportunidade de procurar água subterrânea para um grande clube de campo, fez com que a
perfuração atingisse mais do que 700 metros. E, assim, jorrou petróleo. Daí por diante, as
autoridades passaram a concentrar sua atenção novamente na Bacia Potiguar e, em poucos
anos, multiplicaram-se descobertas em pontos específicos da Chapada norte-riograndense, e
em águas semiprofundas da plataforma continental regional, incluindo nisso o Ceará. Em
certos momentos, a Bacia Potiguar se tornou a segunda maior produtora de petróleo depois
da Bacia de Campos (RJ), ultrapassando as bacias do Recôncavo, de Alagoas, Sergipe e de
Santos. O próximo capítulo da exploração petrolífera ficaria para a distante região da
Amazônia Ocidental (Urucu e entorno).
Para completar a história do pequeno relatório de Antônio Natércio de Almeida, devo
registrar que um dia encontrei uma xerox do mesmo nas fichas de uma biblioteca geológica
de uma faculdade do interior paulista. E soube que um pesquisador pretensioso usou a
N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 103
S U M Á R I O
metodologia do meu pequeno trabalho para respaldar suas pesquisas sobre a Paulipetro,
visando encontrar petróleo em São Paulo. Não se dá conta de que tais domos fizeram com
que Monteiro Lobato dissesse que “Sempre há um diabásio no caminho da gente”.
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S U M Á R I O
JOSUÉ DE CASTRO E A OUSADIA DE DENUNCIAR UM TEMA AINDA PROIBIDO
Metade da humanidade não come; e a outra
metade não dorme, com medo da que não come.”
Josué de Castro
Josué de Castro teve uma infância bastante pobre em sua cidade natal, Recife, capital
pernambucana. O eminente cientista brasileiro, que na verdade se transformou em cidadão
do mundo, sentiu na pele o significado do que é passar fome e privações, não podendo
desfrutar de melhor qualidade de vida em razão de condições financeiras limitadas, tendo
em vista que era filho de um migrante paraibano da seca de 1877-1879 que saiu de
Cabaceiras para o Estado de Pernambuco, a pé, intuindo saciar a fome que o deteriorava do
ponto de vista físico-psicológico.
O humilde nordestino que, com grandes esforços, se formou em medicina aos 21
anos e em Filosofia aos 29 anos, acompanhou de perto o drama da fome bem perto de sua
casa, quando atentamente observava o cotidiano dos catadores de caranguejos dos mangues
dos rios Capiberibe e Beberibe. Conforme depoimento do próprio Josué de Castro,
inúmeras vezes fora acordado, quando das cheias dos rios que cortam o Recife, pelos
pequenos animais que habitam os mangues.
Os lamentos diurnos e noturnos das crianças famélicas, filhas daquelas pessoas que
dependiam da coleta do caranguejo para buscar a sobrevivência, as quais Josué de Castro
notou semelhanças inequívocas com os hábitos naturais do crustáceo, eram ouvidos com
extrema emoção pelo homem que se notabilizou mundialmente quando do lançamento de
“Geografia da Fome” (1946) e “Geopolítica da Fome” (1951).
Josué de Castro ousou quebrar tabus, destruir mitos e dogmas acerca das bases da
formação social brasileira, nas quais a negação da fome era constante a integrar análises
pseudocientíficas daqueles que o antecederam, pois muitos analistas defenderam a
caracterização lombrosiana como fundamento explicativo de muitas revoltas que
indubitavelmente tiveram na fome um dos principais elementos catalisadores do fomento
N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 105
S U M Á R I O
aos distúrbios sociais em determinadas épocas, a exemplo da efetivação de uma sociedade
alternativa surgida às margens do rio Vaza-Barris no final do século XIX.
Josué de Castro demonstrou extrema coragem e ousadia em sua obsessão de lutar
contra a fome, pois analisá-la sob o ponto de vista humanista significou descortinar as
contradições em macro e micro escalas que se encontram ocultas em sociedades
estruturadas sob a égide das extremas diferenças interclasses.
Influenciado pelas lutas e idéias de Josué de Castro, o geógrafo brasileiro Milton
Santos elegeu a análise espacial como fundamento às denúncias acerca das distorções
sociais, pois, ao lado da fome, o espaço construído pela ação humana, efetivado através das
relações sociais de produção, também revela pobreza e riqueza de uma sociedade.
A fome, conforme o grau que a mesma se apresenta para determinadas populações,
revela o grau de desenvolvimento de um País, de uma região, de um Estado, de um
município e os contrastes no que tange ao controle da produção e dos meios de obtê-la em
uma determinada época.
Avaliando como a fome se manifesta se pode entender a relação entre beneficiados e
excluídos em uma sociedade, pois, através do consumo avaliar-se-á se o privilégio
nutricional é democrático ou circunscrito a uma minoria, a qual, sobretudo em países
periféricos, destaca-se como herdeira da própria formação sócio-econômica-espacial.
Infelizmente a ousadia, a independência e o humanismo de Josué de Castro não
foram compreendidos pelos donos do poder no Brasil. As lutas do corajoso nordestino que
foi consagrado na década de cinqüenta como uma das mais importantes personalidades do
planeta não eram bem encaradas pelos intransigentes que ainda hoje se beneficiam do
drama da fome para se auto-afirmarem na escala social.
Há mais de quarenta anos Josué de Castro profetizou o avanço da fome em razão das
mudanças incríveis propiciadas pela nova ordem econômica mundial, sobretudo com
relação a determinados espaços selecionados do terceiro mundo.
O autor de clássicos das Ciências Sociais, os quais continuam atualíssimos, constatou
que haveria mudança radical quanto à fixação de populações de áreas rurais para urbanas,
as quais, não obstante o imperialismo dos latifúndios, assumiam importantes papéis na
produção de alimentos, pois a agricultura familiar, ao contrário do agrobusiness,
responsabiliza-se por majoritário percentual do abastecimento do mercado interno.
J o s é R o m e r o d e A r a ú j o C a r d o s o | 106
S U M Á R I O
A intensificação da fome nos dias de hoje, conforme raciocinou Josué de Castro,
poderia ter sido evitada se a ganância não tivesse a proeminência histórica que segue a
evolução humana desde a efetivação da propriedade privada e a consolidação do Estado
como mediador dos conflitos interclasses, a serviço dos detentores do poder.
O mundo, isso ninguém pode duvidar, dispõe de recursos técnicos e financeiros
suficientes para resolver o problema da fome. Na verdade, ainda falta muita iniciativa dos
mais favorecidos para verdadeiramente solucionar um dos maiores dramas da humanidade.
Infelizmente níveis nutricionais satisfatórios ainda são sinônimos de status e de domínios
políticos, sociais e econômicos da parcela privilegiada sobre a maioria desprovida de
recursos mínimos que possa garantir sobrevivência digna e honrada.
Impossível não lembrar, quando se completam quarenta anos que assinalam o crime
político que foi a morte de Josué de Castro em seu fatídico exílio na França, que a
contribuição referendada pelo mais proeminente cientista brasileiro se reveste de profundo
humanismo e amor ao próximo, pois lutar contra a fome e em prol da paz fizeram desse
ilustre cidadão do mundo referência no que diz respeito à responsável condução da análise
científica, a qual se deve posicionar sempre em função do bem-estar da humanidade em
todas as instâncias e patamares que possam permitir a melhoria das condições de vida do
gênero humano.
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S U M Á R I O
A MORTE DE JOSUÉ DE CASTRO NO EXÍLIO
"Não se morre apenas de infarto agudo do miocárdio ou de glomeronefrite crônica,
se morre também de saudades" (Josué de Castro)
Quando o calendário marcou o dia vinte e quatro de setembro de 2013 assinalou-se a
triste cronologia referente aos quarenta anos de falecimento no exílio na França do médico,
geógrafo, sociólogo e cidadão do mundo Dr. Josué Apolônio de Castro.
O célebre autor de Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951) integrou
a lista dos cassados políticos pela Ditadura Militar quando da publicação do Ato
Institucional Número Um (AI-1), o qual, além de Josué de Castro, trazia ainda nomes que
também foram banidos do país e que tiveram grande importância política, social e
intelectual no Brasil antes do advento do militarismo, a exemplo de Leonel Brizola,
Juscelino Kubtchevsky de Oliveira, Jânio Quadros, João Goulart, Neiva Moreira, Pelópidas
Silveira, Miguel Arraes, entre outros.
Josué de Castro recebeu convites de diversos países para que cumprisse o exílio de
dez anos imposto arbitrariamente pela junta militar que assumiu o poder em primeiro de
abril de 1964 em nosso país. Escolheu a França para vivenciar sua desdita, tendo em vista
que era muito apegado às raízes, ao solo pátrio, ao nordeste brasileiro e ao Estado de
Pernambuco.
O grande cientista que presidiu o Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação (FAO) em duas oportunidades (1952-1954 e 1954-1956), tendo sido laureado
com significativas honrarias, como o Prêmio Internacional da Paz e o Prêmio Roosevelt da
Academia de Ciências dos Estados Unidos, pela publicação do clássico livro Geografia da
Fome, além de indicado duas vezes para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, considerava-se
injustiçado pelos militares quando de sua cassação e exílio.
Josué de Castro passou a sofrer graves crises depressivas em seu ostracismo em
terras estrangeiras, não obstante ter intensificado a luta humanista e voltado a lecionar em
renomadas Instituições de Ensino Superior Francesas, como a Sorbonne e Vincennes.
No Brasil, suas obras estavam censuradas, seu nome proibido e vítima de espetacular
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processo de exclusão da memória nacional, a qual ainda, infelizmente, perdura como
resquício das imposições ditatoriais dos militares, cuja visão reacionária vislumbrava Josué
de Castro como "inimigo da pátria", um verdadeiro "traidor" dos ideais alicerçados na
Ordem e no progresso, tendo em vista a forma incisiva como meteu o dedo na ferida das
desigualdades, denunciando a fome como um flagelo fabricado pelos homens contra seus
próprios semelhantes e não resultado de "causas naturais" como era pensado pela Ciência
distorcida que orientava a construção social em sua época.
Mesmo no exílio, Josué de Castro era monitorado pela Ditadura Militar, a qual o
enxergava como "notório comunista", pois suas idéias, independência e ousadia eram vistas
como ameaças ao sistema instituído em abril de 1964, cuja ideologia desenvolvimentista
primava pelo privilégio de uma minoria historicamente beneficiada em detrimento das
necessidades da imensa maioria deserdada ao longo da evolução Histórica e Social
Brasileira.
As crises depressivas da maior inteligência brotada em solo brasileiro intensificaram-
se em razão das constantes negativas da Embaixada Brasileira em dar visto em seu
passaporte, o que garantiria retorno à sua terra natal. O Embaixador Brasileiro na França
que se notabilizou pela intransigência de não permitir o retorno de Josué de Castro ao
Brasil era o General Aurélio Lyra Tavares.
Faltando menos de sete meses para que se cumprisse o tempo de exílio determinado
pelo AI-1, no caso dez longos anos, falhava irremediavelmente o coração do velho
batalhador pelas justas causas da humanidade.
Josué de Castro faleceu em seu apartamento na capital francesa. Mesmo morto, os
militares ainda viam em Josué de Castro ameaça à ordem estabelecida, pois houve uma
série de exigências, como a proibição de fotografias, para que se efetivasse a permissão dos
militares para que seu corpo fosse enterrado no cemitério São João Batista no Rio de
Janeiro.
A atualidade do pensamento de Josué de Castro ainda assusta a elite dominante,
tendo em vista que ainda permanece desconhecido de grande parte da população brasileira
pela qual tanto batalhou e empenhou sua vida a fim de lutar por melhores condições de vida
para um povo sofrido que, mais do que nunca, espera por melhores dias que possam
permitir usufruto de existência digna dentro dos padrões humanitários que foram
N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 109
S U M Á R I O
intensamente pregados pelo valente pernambucano que nas décadas de cinqüenta e sessenta
do século passado tornou-se uma das mais importantes personalidades do planeta graças a
defesa célebre da valorização do gênero humano em todas as dimensões.
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S U M Á R I O
LUIZ “LUA” GONZAGA
Não obstante nunca ter fumado ou bebido, Luiz Gonzaga foi garoto-propaganda do
Fumo DuBom, divulgando a qualidade do produto, a cultura nordestina e aproveitando para
buscar equilíbrio financeiro em razão do ostracismo ao qual foi relegado em razão do
advento de tendências musicais inspiradas em culturas do estrangeiro, como a Jovem
Guarda. Imagens que se fixaram em minha mente, nas minhas lembranças, difíceis e
impossíveis de serem apagadas, foram gravadas provavelmente no início da década de
setenta do século passado.
Quando de um show promovido para assinalar a inauguração da BR-230 em Pombal
(PB), na lateral do velho cruzeiro que marca a passagem do século XVIII para o século
XIX, de frente à Igreja do Rosário, meu pai, que era homem de bom gosto musical, pois era
fã incondicional da eterna e sublime arte de Luiz Gonzaga, tendo “Juazeiro” como canção-
identidade, me levou para assistir um dos momentos marcantes de sua vida.
Quando ele me levantou e me colocou em seu pescoço, pois muito pequeno era impossível
ver o que se passava logo adiante, devido ao grande número de pessoas que se acotovelava
intuindo melhor lugar para desfrutar das músicas que eram cantadas, cenário indescritível
se descortinou aos meus olhos, com a extraordinária performance do “Rei do Baião”.
Àquele homem, com um imenso chapéu de couro, abrindo e fechando compassadamente a
sanfona, todo encourado, marcou profundamente para o resto da minha vida.
Entendi a razão por que todo dia meu pai nos acordava com o rádio em toda altura quando
programação dedicada ao “Rei do Baião” era iniciada. Luiz Gonzaga é eterno, ímpar em
despertar a autenticidade e a identidade do sertanejo, pois cantou em versos extraordinários,
a maioria em parceira com Humberto Teixeira e José Dantas de Sousa Filho, o sertão em
corpo e alma.
Imortalizou a nossa flora, os nossos passarinhos, as secas inclementes, as parteiras,
os frouxos, os valentes, o chofer de praça, a pobreza do nordeste, os retirantes, enfim, a
verdadeira alma do nordeste, a essência que deve permear todas as práticas pertinentes aos
filhos da terra do sol.
N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 111
S U M Á R I O
Luiz Gonzaga em sua simplicidade amava sua terra e seu povo de forma
incondicional, pois lhes dedicou antológicas composições que fazem do seu legado um dos
mais importantes e respeitáveis repositórios da verdadeira nordestinidade.
A importância de Luiz Gonzaga era tão grande que o fascino despertado fez com que
Benito di Paula, grande artista nacional, dedicasse ao “Rei do Baião” uma das mais belas
homenagens prestadas ao sertanejo do Exú, pois ao invocar a sanfona branca do povo e o
chapéu de couro que lembrava a valentia dos cangaceiros, estava sendo selada a referência
de um gênio a um mito do cancioneiro popular de todos os tempos.
Cabe a nós, nordestinos natos, intensificar a reverência à memória e á arte do eterno
Luiz “Lua” Gonzaga, pois ameaça inaudita se consubstancia quando há nítida aculturação
em prol da ênfase à deturpação dos nossos valores através do advento de pseudodefensores
da cultura nordestina que pensam mais em cifras do que em buscar a permanência das
nossas tradições, pois intercalando a barulheira estridente dos instrumentos eletrônicos com
os sons cadenciados dos verdadeiros equipamentos que produzem a música genuinamente
nordestina, invertem a real dimensão das pregações efetivadas por Luiz “Lua” Gonzaga, o
eterno e insubstituível “Rei do Baião”.
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S U M Á R I O
NOTAS SOBRE O MUSEU DO SERTÃO DA FAZENDA RANCHO VERDE (ESTRADA DA ALAGOINHA -
MOSSORÓ/RN)
Resgatar a história do semiárido nordestino através de coleções de peças e
equipamentos que expressaram a produção econômica e a vida social em épocas pretéritas é
o mesmo que buscar a nostalgia dos caminhos das boiadas, as veredas dos velhos
tangerinos de outrora e o romantismo bucólico de um sertão gradativamente pulverizado
pelos ecos da modernidade que nos faz em esquecer as raízes de nossa identidade.
A fazenda Rancho Verde começou a ser estruturada no início da década de 90 do século
passado, quando o prof. Benedito Vasconcelos Mendes adquiriu terra na estrada da
Alagoinha, município de Mossoró-RN. Além de razões particulares, constava entre os
objetivos do grande sábio do semiárido adequar sua propriedade à pesquisa de melhoria
genética de animais domésticos nativos e exóticos que pudesse auxiliar o homem sertanejo
na difícil luta pela sobrevivência numa região castigada pelas secas, cujas características
edafoclimáticas a singularizam.
Colecionando utensílios diversos e equipamentos que eram utilizados nas principais
atividades econômicas do semi-árido, logo o acervo que o prof. Benedito Vasconcelos
Mendes acumulou no Rancho Verde não deixou margem a nenhuma dúvida quanto à
necessidade de se criar infra-estrutura necessária para que um museu fosse implementado
urgentemente.
A inauguração será concomitante ao lançamento do livro Reflexões sobre o
Nordeste, de autoria do prof. Benedito Vasconcelos Mendes, quadrimilésimo título da
Coleção Mossoroense da Fundação Vingt-un Rosado.
Centenárias relíquias estavam espalhadas por todos os cantos, testemunhando como
vivia e conseguia o sustento o homem nordestino em tempos imemoriais, as quais de fato
são marcas indeléveis da produção da vida material de um povo forte.
O museu do sertão da fazenda Rancho Verde está divido em oito setores que compreendem
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S U M Á R I O
a casa de cera, a casa de farinha, o engenho de rapadura, o alambique de cachaça, a
queijaria, a cocheira, a bodega e os utensílios domésticos.
No primeiro setor pode-se deslumbrar o local onde os sertanejos preparavam a cera
extraída das folhas da carnaubeira. O destaque é para uma mais que secular prensa de vara
“seu” Damásio, adquirida na região do Jaguaribe (Estado do Ceará). A cera de carnaúba
teve destacada importância econômica nos vales secos dos Estados do Piauí, Ceará e Rio
Grande do Norte em boa parte dos séculos XIX e XX
O segundo setor se tratava de uma oficina encontrada praticamente em todo o
semiárido nordestino, destinada à fabricação de goma e farinha de mandioca. Armazenar
farinha, rapadura e queijo era condição imprescindível para sobreviver às secas,
principalmente entre as famílias abastadas. O tamanho dos caixotes de armazenamento
demonstrava o grau de opulência dos proprietários sertanejos. Momentos distintos da
evolução da produção desses gêneros estão bem representados no museu da fazenda
Rancho Verde, quando a tração humana foi substituída pela animal e depois pela força
mecânica.
O terceiro setor teve maior quantidade de estabelecimentos nas serras úmidas e nas
várzeas dos rios intermitentes do Nordeste seco. Os engenhos produziam artesanalmente
alfenins, batidas e rapaduras. As moendas eram de madeira e depois foram substituídas
pelas de ferro.
No quarto setor encontramos a fábrica rústica de aguardente, também encontrada em
profusão no mesmo espaço dominado pelos engenhos de rapadura. Há identificação em
diversos processos, à exceção da fermentação do caldo visando obter o produto final.
O quinto setor é onde se preparava o queijo, sendo o de coalho o mais difundido no
nordeste. Neste processo o abomaso bovino tinha papel fundamental, substituído hoje por
fermento. Industrial.
No sexto setor encontramos a cocheira, onde charretes, carros-de-boi, carroças,
apetrechos de montaria, etc., eram guardados depois da labuta diária. Nesta parte há
destaque para o gibão como principal apetrecho da montaria do vaqueiro. Em razão de a
caatinga ser muito espinhenta, o uso desse acessório diferencia o homem que lida com o
gado no semi-árido nordestino do que faz o mesmo trabalho em outras regiões brasileiras.
O sétimo setor corresponde à bodega, difundida em todas as cidades da região. Trata-se de
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um pequeno armazém de secos e molhados onde se vende de tudo um pouco, incluindo
remédios alopáticos e os da farmacopéia caseira sempre requisitada por todas as classes
sociais.
O último setor abrange os utensílios domésticos que enriqueceram a cultura popular
e que se transformaram em verdadeiras obras de arte que resistem ao tempo. São peças que
reforçam a afirmação de Capistrano de Abreu que fizemos a civilização do couro.
Encontramos ainda panelas de barro, lamparinas de folhas de Flandres, gamelas, objetos
feitos com frutos de árvores nativas etc.
O fascínio do prof. Benedito Vasconcelos Mendes com as coisas do semi-árido nos
concedeu um espaço privilegiado onde o respeito à nossa cultura é observado em todos os
detalhes, preservando-se nosso passado recente com o intuito de que gerações presentes e
futuras saibam como as pessoas de outrora viviam e produziam suas riquezas.
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S U M Á R I O
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N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 117
S U M Á R I O
UM OLHAR SOBRE AS NOTAS DA HISTÓRIA DO NORDESTE DE ROMERO CARDOSO
Marinalva Freire da Silva
Aprendi a gostar de José Romero Cardoso desde o momento em que tomei
conhecimento de uma fase muito difícil de sua vida, mas com toda a garra, conseguiu
superar e virar a página negra que tanto o atormentou.
A princípio, recebi dele, após primeiros contatos via internet, por indicação de um
amigo comum, embora o houvesse encontrado em sua adolescência quando residia em João
Pessoa. Reencontrei-o em outra dimensão de vida, apoiei-o, li seu primeiro livro, titulado
Fazenda da Esperança Santa Rosa: reminiscência de um processo de retorno à vida (2012)
e redigi um simples comentário. A obra de cunho autobiográfico, tem caráter pedagógico
porque a dura realidade das drogas é o caos para a família, logo, para a sociedade.
Em 2103, Romero me apresenta para revisão outra obra de cunho documental,
retratando a realidade do nordeste brasileiro à época do Cangaço, cuja figura principal, que
tanto aterrorizou a Região foi Lampião. Decidi reorganizá-lo. Assim, Textos vivos e
reverenciados de um imortal nordestino, recebeu o título sugerido por Dr. Archimedes
Marques (Delegado. Superintendente da Polícia de Sergipe), edição publicada em CD para
o que tive o apoio, como sempre, do meu querido editor Magno Nicolau. A obra teve
grande repercussão por se tratar de uma pesquisa séria, pois Romero é geógrafo, professor
da Universidade Estadual de Mossoró-RN, excelente pesquisador, estudioso assíduo da
cultura e dos costumes nordestinos, principalmente de Mossoró, cidade que o acolheu como
filho.
Desta feita, Romero me envia Notas da História do Nordeste. Trata-se de vários
artigos, a saber: (1) A civilização do couro; (2) O heroísmo das parteiras tradicionais;
(3) Os antigos almocreves; (4) Aboio dos vaqueiros: patrimônio imaterial do Nordeste;
(5) Grande seca de 1877-1879; (6) Rio Preto: humilhação, ódio e crimes hediondos; (7)
Canudos: guerra desumana e cruel; (8) Pajeú: o grande estrategista da Guerra de
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Canudos; (9) Tropeiros da Borborema: aventura almocreve pelas veredas da Terra do
Sol; (10) Breves considerações sobre as secas no semiárido brasileiro; (11) Delmiro
Gouveia e o sonho de industrializar o semiárido; (12) O semiárido brasileiro e a
“indústria das secas”; (13) Ousado ataque cangaceiro a Sousa-PB, em 27 de julho de
1924; (14) Meia-noite e o fogo do Sítio Tataíra; (15) A vingança de Lampião contra o
“Coronel” Zé Pereira; (16) Lampeão, sua história: objetivos da primeira biografia
erudita do “Rei do Cangaço”; (17) Coronel Manuel Benício: comandante paraibano
de forças Volantes; (18) A coluna Prestes em Piancó-PB e a morte do Pe. Aristides;
(19) O trucidamento do cangaceiro Jararaca em Mossoró; (20) Assassinato do
Presidente João Pessoa; (21) Princesa-PB: maior manifestação de insurgência do
mandonismo local; (22) A grande seca de 1932; (23) Métodos de sangramentos
utilizados por volantes e cangaceiros; (24) A estrela oculta do sertão; (25) A
importância do cordel em sala de aula; (26) Benjamin Abrahão e a involuntária
contribuição para a extinção do cangaço; (27) Gilberto Freyre e a essência do
impossível; (28) Drama da fome: feridas abertas que os poderosos insistem em não
curar; (29) A Batalha de Vingt-un Rosado em Defesa da Pesquisa de Petróleo na
Bacia Potiguar; (30) Josué de Castro e a ousadia de denunciar um tema ainda
proibido; (31) A morte de Josué de Castro no exílio; (32) Luiz “Lua” Gonzaga; e (33)
Notas sobre o museu do sertão da Fazenda Rancho Verde (Estrada da Alagoinha -
Mossoró/RN).
Como se pode observar, esta obra consiste em uma colcha de retalho cultural, que
reflete a inquietude do autor em transmitir às gerações a História da nossa Região, o
Nordeste árido, seco, sofrido, mas habitado por filhos valentes, destemidos, que sabem
fazer limonada dos limões que a vida oferece, que saem de sua terra em busca de melhores
dias, e sempre retornam vitoriosos quando sabem o que querem e têm competência. E o
estudo ainda é uma condição sine qua non de se anular a pobreza e/ou alcançar melhoria na
qualidade de vida, porque “o nordestino, antes de tudo é forte”.
Aconselho a leitura aos jovens a fim de que enriqueçam seus conhecimentos pela
ótica de Romero.
Quanto a Romero, parabenizo-o pelos excelentes textos que integram esta coletânea
e aconselho-o a continuar nesta caminhada.
N o t a s s o b r e a H i s t ó r i a d o N o r d e s t e | 119
S U M Á R I O
POSFÁCIO
Archimedes Marques2
José Romero de Araújo Cardoso não se tornou um escritor controverso, contraditório,
polêmico, tornou-se um celebrado escritor, detentor de uma escrita simples e direta, muito
bem explicada e melhor compreendida por todos aqueles que têm a prazer de senti-la, pois
das suas leituras, sentimo-las como se fôssemos os seus personagens. Verdade seja dita, ele
causa um baque espetacular ao se chocar contra o solo nordestino com os seus textos não
menos espetaculares. As questões e as certezas da literatura nordestina, mais de perto, da
literatura sertaneja, é para esse escritor motivo de grande alegria e cai como uma luva em
mãos dos verdadeiros nordestinos que clamam pela sua tão glamorosa história, mas não
somente os nordestinos, também os verdadeiros brasileiros que sabem separar o joio do
trigo, aqueles que não têm o nordestino como uma pessoa inferior, pois de fato, de inferior
nada temos, muito pelo contrário, os exemplos maiores de personalidades em todas as áreas
advém do Nordeste. Falar mais profundamente dessas personalidades seria escrever uma
biblioteca, por isso fiquemos apenas no notável imortal das letras vivente em terras de
Mossoró, autor deste livro, que ora tenho o redobrado prazer de posfaciar.
Os textos que compõem esta obra, mais enobrecem os nordestinos do que ao próprio
autor, pois até parece que ele escreve o que todos têm vontade de escrever, mas não
conseguem fazê-lo de uma maneira tão bem concitativa.
Em especial, dos seus escritos sobre o cangaço, além de muito bem pesquisado em
busca da verdade real, ou pelo menos aproximada, o autor apresenta também bom momento
de inspirada lucidez denotativa, fazendo com que os mais estudiosos do tema os coloque
como ponto de referencia em suas respectivas obras.
É a síntese de tudo que senti ao terminar de ler este histórico livro que por certo fica
para a posteridade como das grandes obras que o Nordeste já deu.
Aracaju, 01 de dezembro de 2014.
2 Pesquisador e escritor. Conselheiro do Movimento Cariri Cangaço.