livro nasf e a psico

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    SeminrioO Ncleo de Apoio Sade da Famlia e a Prtica da Psicologia

    Braslia, 03 e 04 de julho de 2008

    1 EdioBraslia-DF

    Conselho Federal de Psicologia/logomarca2009

    A prtica da Psicologia e oNcleo de Apoio Sade da Famlia

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    A prtica da Psicologia e oNcleo de Apoio Sade da Famlia

    1 edio

    Braslia-DF2009

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    Comisso OrganizadoraAnice Holanda

    Elisa Zaneratto RosaMaria Christina Barbosa VerasAparecida Rosngela Silveira

    Jureuda Duarte GuerraClara Goldman Ribemboim

    Integrantes:Berardo Augusto Nunan, Carlos Alberto Pegolo da Gama,

    Carmen Leontina Ojeda Ocampo Mor, Delvo Ferraz da Silva,Henriette Aparecida Mouro, Jadete Rodrigues Gonalves,

    Lo Barbosa Nepomuceno, Marcela Adriana da Silva Lucena,Marcelo Arinos Drummond Junior, Marcia Maria Rodrigues Ribeiro,

    Maria Aparecida Crepaldi, Marta Elizabeth de Souza,Mirna Yamazato Koda,Nilson Gomes Vieira Filho.

    A prtica da Psicologia e oNcleo de Apoio Sade da Famlia

    1 edio

    Braslia-DF2009

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    permitida a reproduo desta publicao, desde que sem alteraes e citada a fonte.Disponvel tambm em: www.pol.org.br

    1 edio 2009Projeto Grfico Luana Melo

    Diagramao Rui de Paula e Rodrigo PaglieriReviso Brbara de Castro, Jora Coelho e Maria Ins Dora da Silva

    Liberdade de Expresso - Agncia e Assessoria de [email protected]

    Coordenao Geral/ CFPYvone Duarte

    EdioPriscila D. Carvalho Ascom/CFP

    ProduoVernica Arajo Ascom/CFP

    Direitos para esta edio Conselho Federal de PsicologiaSRTVN 702 Ed. Braslia Rdio Center conjunto 4024-A

    70719-900 Braslia-DF(11) 2109-0107

    E-mail: [email protected]

    Impresso no Brasil dezembro de 2009

    Conselho Federal de PsicologiaA prtica da psicologia e o ncleo de apoio sade da famlia / Conselho Federal

    de Psicologia. Braslia : CFP, 2009.172 p.

    ISBN 978-85-89208-13-0

    1. Sade da famlia 2. Polticas pblicas 3. Psicologia 4. Matriciamento 5. Sistemanico de Sade I. Ttulo.

    RA425

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    Conselho Federal de PsicologiaXIV Plenrio

    Gesto 2008-2010

    DiretoriaHumberto Verona

    Presidente

    Ana Maria Pereira LopesVice-Presidente

    Clara Goldman RibemboimSecretria

    Andr Isnard LeonardiTesoureiro

    Conselheiros efetivosElisa Zaneratto Rosa

    Secretria Regio Sudeste

    Maria Christina Barbosa VerasSecretria Regio Nordeste

    Deise Maria do NascimentoSecretria Regio Sul

    Iolete Ribeiro da SilvaSecretria Regio Norte

    Alexandra Ayach AnacheSecretria Regio Centro-Oeste

    Conselheiros suplentesAccia Aparecida Angeli dos Santos

    Andra dos Santos NascimentoAnice Holanda Nunes MaiaAparecida Rosngela Silveira

    Cynthia R. Corra Arajo CiaralloHenrique Jos Leal Ferreira Rodrigues

    Jureuda Duarte GuerraMarcos Ratinecas

    Maria da Graa Marchina Gonalves

    Conselheiros convidadosAluzio Lopes de Brito

    Roseli GoffmanMaria Luiza Moura Oliveira

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    Apresentao

    De acordo com a Organizao Mundial de Sade (OMS) as condiescrnicas de sade tm aumentado em ritmo acelerado em todo o mun-do. No Brasil, o problema se agrava por haver uma situao social ain-da marcada pela excluso de grande parcela da populao do acesso scondies mnimas de vida, tais como, alimentao, moradia, educao etrabalho dignos. Tal quadro produziu uma precarizao das condies devida e sade e, consequentemente, gerou grande demanda de aes vol-

    tadas para a sua melhoria. Concomitante, ocorrem dois novos fenmenosdemogrficos: declnio das taxas de natalidade e o envelhecimento dapopulao, contribuindo para o crescimento das condies crnicas desade na populao.

    Esta realidade, no Brasil, tem provocado, nos ltimos anos, a mo-bilizao de setores organizados da sociedade que defendem a reformasanitria brasileira para uma mudana no modelo de ateno sade,saindo da lgica de investimentos prioritrios em aes e servios hospi-

    talares e de pronto atendimento. Os esforos passam a ser dirigidos paraa Promoo da Sade, que tem a ateno primria como porta de entra-da para os servios de sade pblica, com foco em medidas de promoo,proteo e recuperao da sade.

    Ao mesmo tempo, v-se o Estado brasileiro buscando implementarpolticas pblicas que reduzam a misria e a fome por meio de projetoscomo, por exemplo, o Bolsa-Famlia, um dos dispositivos do Sistema ni-

    co da Assistncia Social (SUAS).O Sistema nico de Sade (SUS) definiu pela ampliao de investi-mentos na cobertura da ateno primria por via da Estratgia de Sadeda Famlia (ESF). O modelo da ESF prev a contratao, pelos municpios,de equipes de sade compostas minimamente por mdicos, enfermeiros,tcnicos de enfermagem e agentes comunitrios de sade para cuidar deum determinado nmero de famlias por territrio. Por sua grande com-plexidade, as aes dessas equipes acabaram por exigir a contribuio de

    outros profissionais da sade, organizando uma estrutura de apoio ma-tricial, hoje referendada e ampliada pela portaria n 154/08 do Ministrio

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    da Sade, que cria os Ncleos de Apoio Sade da Famlia (Nasf) em todoo territrio brasileiro.

    Os psiclogos tm participado desde as primeiras experincias dematriciamento, especialmente no apoio s equipes de sade da famlia

    sobre os cuidados aos portadores de sofrimento mental e seus familiares.Hoje, seu papel amplia-se, passando a incluir a ateno a idosos, usuriosde lcool e outras drogas, crianas, adolescentes, mulheres vtimas deviolncia e outros grupos vulnerveis.

    Compartilha-se o saber da Psicologia com outros profissionais ecom as comunidades. Diversas prticas so utilizadas pelo psiclogo,entre elas o recurso complementar da Acupuntura, dentro das prticasintegrativas e complementares contempladas pela portaria que im-

    planta o Nasf.Restam, contudo, muitas dvidas sobre o trabalho dos Nasfs e do

    psiclogo: A equipe dos Nasfs atua como formuladora de solues s ques-

    tes apontadas pelas equipes de sade da famlia, auxiliando emsua implementao, ou atua como uma espcie de ambulatrioespecializado? Ou ambos? Como estabelecer esses limites?

    Quais modelos de ateno nortearo as prticas em sade nosNasfs? Como o Nasf se articular rede de sade? Quais asreferncias bsicas para atuao do psiclogo nas equipes doNasf, garantindo o cuidado co-responsvel entre profissionaisde Nasf e ESF?

    Como enfrentar as contrataes precrias que j se tornaram co-muns nas equipes de sade da famlia, ampliando-se agora paraoutras profisses da ateno primria?

    Como mobilizar os psiclogos nas diversas regies do pas para,junto com outros profissionais que compem as equipes do Nasf,refletir sobre essas e outras questes, buscar a qualificao per-manente da prtica, construir diretrizes para a implementao erealizao de um trabalho adequado na ateno primria?

    Todas essas questes e muitas outras levaram o Sistema Conselhosde Psicologia a organizar o Seminrio Nacional sobre a participao daPsicologia nos Nasfs, que aconteceu em Braslia, DF, nos dias 3 e 4 de ju-lho de 2008, com o objetivo de propiciar reflexo inicial com a categoria

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    para qualificar sua prtica e o fortalecer seu compromisso com polticaspblicas saudveis.

    Esta publicao resultado de um esforo de sistematizao dosdebates ocorridos neste encontro e contou com importante contribuio

    dos palestrantes, que revisaram os textos transcritos, adequando-os aoformato escrito.Espera-se que o Sistema Conselhos possa contribuir para a conso-

    lidao deste novo cenrio no Brasil e para a qualificao das prticas,com referncias para as reflexes dos psiclogos que, diariamente, fazemesta construo.

    Conselho Federal de Psicologia

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    Sumrio

    1. Abertura ...............................................................................................171.1. Humberto Verona ......................................................................................17

    2. Nasf: Concepes e Desafios .........................................................192.1. Berardo Augusto Nunan ..........................................................................21

    3. A Prtica da Psicologia no Nasf .................................................... 313.1. Marcela Lucena ........................................................................................ 33

    3.2. Henriette Mouro .................................................................................... 43

    3.3. Lo Barbosa Nepomuceno .................................................................... 49

    4. Roda de conversa .............................................................................. 614.1. Marta Elisabeth de Souza ..................................................................... 63

    4.2. Mirna Yamazato Koda ............................................................................71

    4.3. Marcelo Arinos ......................................................................................... 79

    4.4. Maria Aparecida Crepaldi, Jadete Rodrigues Gonalves

    e Carmen Leontina Ojeda OCampo Mor ................................................. 83

    4.5. Nilson Gomes Vieira Filho ..................................................................... 93

    4.6. Mrcia Rodrigues .................................................................................... 99

    4.7. Carlos Alberto Pegolo da Gama .........................................................103

    4.8. Delvo Ferraz da Silva .............................................................................1114.9. Marcela Lucena .......................................................................................115

    5. Consideraes finais ...................................................................... 1195.1. Humberto Verona ................................................................................... 120

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    Abertura

    Este Seminrio, uma iniciativa do Conselho Federal de Psicologiacom a participao dos Conselhos Regionais, tem por objetivo discutir oNcleo de Apoio Sade da Famlia (Nasf) e as Prticas da Psicologia.

    O Ministrio da Sade, por meio da portaria n. 154, de 24 de janeirode 2008, autorizou a implementao dos Ncleos de Apoio Sade daFamlia, que reuniro profissionais de diversas reas no atendimento

    populao. A partir de agora, os municpios podem dar incio ao projetode criao do Nasf para atender a populao local.

    Os ncleos reuniro profissionais das mais variadas reas de sa-de, como psiclogos, mdicos (ginecologistas, pediatras e psiquiatras),professores de educao fsica, nutricionistas, acupunturistas, homeopa-tas, farmacuticos, assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudilogos,e terapeutas ocupacionais. Esses profissionais atuaro em parceria e emconjunto com as equipes do Sade da Famlia

    Neste novo cenrio, realizamos este seminrio com o intuito de construircontedo inicial formulado coletivamente para abrir o debate sobre o temano Sistema Conselhos e tambm com as demais entidades da Psicologia.

    Muitas experincias dos psiclogos e de outros profissionais da sadej acontecem na ateno bsica. Mas, com a proposta do Nasf, entendemosque este o momento de partilhar experincias e conhecimento que foramconstrudos na atuao cotidiana, na busca do avano na implementao

    desse nvel de ateno que foco importante da sade pblica.A ateno bsica de grande complexidade, exige reflexo da pr-

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    tica e a construo de estratgias para responder s necessidades dapopulao no territrio. Ocupa lugar articulador na sade, como portade entrada e como espao de acompanhamento do percurso do usurio,do cidado em todo o sistema da sade.

    A Psicologia espera contribuir com o Nasf como profisso articu-lada com outros saberes, para que esse tipo de ateno avance em suaqualidade e em sua capacidade de resolver questes, podendo oferecer populao usuria do SUS mudana importante que est acontecendo nalgica da sade pblica brasileira.

    Humberto VeronaPresidente do Conselho Federal de Psicologia

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    Nasf: Concepes e Desafios

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    Berardo Augusto Nunan1

    um prazer estar aqui representando o Ministrio da Sade, es-pecificamente o Departamento de Ateno Bsica em um evento im-

    portante organizado pelo Conselho de Psicologia, com a presena deprofissionais e representaes de todos os Conselhos Regionais paradiscutir os Ncleos de Apoio Sade da Famlia, que para ns repre-sentam uma estratgia extremamente importante do ponto de vista dequalificao da ateno bsica e da melhoria da ateno sade, aosusurios do SUS e populao brasileira.

    Espero trazer contribuies para que, por meio de vocs, consiga-

    mos promover a insero da Psicologia na ateno bsica, por meio doNasf, da forma mais potencializada possvel. Especificamente do pontode vista da sade, de grande relevncia a discusso da atuao da Psi-cologia e das demais profisses que atuam na sade mental na atenobsica pela relevncia alta desses problemas na sade pblica.

    O Nasf apoia equipes de Sade da Famlia (ESF), que so multipro-fissionais e atuam o mais prximo possvel da populao. Cada ESF composta por mdico, enfermeiro, um auxiliar ou tcnico de enfermagem

    e agentes comunitrios de sade, podendo ter agregada a ela uma equipede sade bucal com odontlogo, um auxiliar de consultrio dentrio e/ou um tcnico em higiene dental. A organizao da ateno primriapor ESF, para o Ministrio da Sade, a mais adequada para a mudanade um modelo de ateno voltado s necessidades da populao, querespeite as caractersticas do territrio onde est inserida. As aes daequipe devem ser programadas de forma a atender as necessidades de

    sade e resolv-las. O que no for passvel de soluo no territrio daequipe deve ser encaminhado para outros servios.Essa prtica generalista representa uma grande mudana de mode-

    lo. A ateno bsica deixa de ser ofertada por meio de modelo fragmen-tado, fechado, mdico-centrado, e passa a ser organizada por equipescompostas por clnico, ginecologista e pediatra. O modelo generalista

    1 Assessor da diretoria do Departamento de Ateno Bsica da Secretaria deAteno Sade do Ministrio da Sade, mdico, especialista em medicina de famlia ecomunidade e em polticas pblicas e gesto em sade.

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    comporta um mdico generalista, a enfermagem generalista, alm deoutros profissionais que agora tm lugar especfico.

    Evoluo da Populao

    Coberta por Equipes de Sade da Famlia Implantadas no Brasil

    2004 2005

    FONTE: SIAB - Sistema de Informao da Ateno Bsica

    Por fim, o Nasf apoia-se na orientao das redes locais de sadepela ateno primria, a partir da ampliao de seu escopo de aes e dofortalecimento de sua capacidade resolutiva.

    H uma tendncia internacional de experincias de sucesso que ossistemas de sade organizados a partir da ateno primria alcanam:

    A ateno primria em sade proporciona equilbrio entre as duasprincipais metas do Sistema Nacional de Sade, que so melhorar a sadeda populao e proporcionar eqidade na distribuio de recursos, redu-zindo desigualdades.

    Em 1991, teve incio o Programa de Agentes Comunitrios em Sa-de, com base em experincias nacionais de alguns estados, especial-mente do Nordeste. Mostrou-se como uma estratgia importante de

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    interlocuo, de vnculo com a populao e acesso casa das pessoas,levando informaes, estabelecendo comunicao e interao com apopulao na rea em que vive.

    Em 1993 aconteceu a criao do Programa de Sade da Famlia, o

    PSF, que incorporou os agentes comunitrios.Atualmente h equipes da sade da famlia em 5.180 municpios. Acobertura de cerca de 90 milhes de habitantes, o que significa quase 50%da populao. So essas as equipes que podero ser apoiadas pelos Nasf.

    Poltica Nacional de Ateno Bsica

    A Poltica Nacional de Ateno Bsica publicada em 2006 como

    reviso e atualizao de toda a regulamentao existente at ento, ex-pressando a valorizao da ateno primria e a consolidao da Sadeda Famlia como estratgia nacional.

    A Poltica Nacional de Ateno Bsica e a Estratgia de Sade daFamlia

    Fortalecimento do espao poltico da ateno primria;

    Orienta-se pelos princpios da universalidade, acessibilidade, coor-denao do cuidado, vnculo, continuidade, integralidade e respon-sabilizao;

    Melhorias no financiamento e ampliao dos recursos na atenobsica;

    Definio do rol de responsabilidades de cada esfera gestora; Sade da Famlia como estratgia prioritria de organizao da

    ateno bsica;

    A partir das mudanas, cresce e se amplia a cobertura, impondo-nosum grande desafio: a qualificao das equipes da ateno bsica paraque consigam trabalhar de forma a atingir os resultados esperados. Tmsido desenvolvidas diversas propostas em diferentes frentes, tais comocursos de especializao, residncias em sade da famlia, mudanascurriculares, incentivos especficos para integrao das universidades e

    instituies de ensino com os servios, aproximando os profissionais emformao dos servios de ateno primria.

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    Alm disso, uma estratgia fundamental a implantao dos Nasf.Nesse momento uma aposta central do Ministrio da Sade, da qual fazparte a Psicologia, alm de outras reas.

    Evoluo da PopulaoCoberta por Equipes de Sade da Famlia Implantadas

    FONTE: SIAB - Sistema de Informao da Ateno BsicaSCNES Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Sade

    Os Ncleos de Apoio Sade de Famlia

    Passemos agora a analisar a portaria n 154, de 24 de janeiro de2008, republicada em 04 de maro de 2008, que cria os Ncleos de Apoio Sade da Famlia.

    Objetivo

    Ampliar a abrangncia e o alvo das aes da ateno bsica, bemcomo sua resolubilidade, apoiando a insero da Estratgia de Sade daFamlia na rede de servios e o processo de territorializao e regionali-zao a partir da ateno bsica.

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    Aes estratgicas

    Atividades fsicas e prticas corporais voltadas promoo da sa-de e preveno de doenas

    Prticas integrativas e complementares Reabilitao Alimentao e nutrio Assistncia farmacutica Servio social Sade mental Sade da criana Sade da mulher Sade do idoso

    Profissionais do Nasf

    As discusses do Nasf tiveram incio em 2003-2004, quando sechamava Naisf e era uma proposta de se constituir equipes especficaspor reas de atuao para apoiar a sade da famlia. Seria um apoio

    matricial em sade mental, constitudo por psiquiatra, psiclogo e as-sistente social. Se o municpio quisesse apoio especfico, por exemplo,em reabilitao, contrataria uma equipe especfica com terapeuta ocu-pacional, fisioterapeuta, fonoaudilogo. A outra equipe era de atividadefsica, com profissionais de educao fsica. Alm dessas equipes, haviaa possibilidade de incluso de um ncleo central de alimentao, nutri-o e assistncia social.

    Como ficavam equipes separadas, fechadas, o que dificultava aviabilidade de implantao por gestores de muitos municpios, se pen-sou em definir um elenco de profissionais dentre os quais o gestor podeescolher, de acordo com as prioridades epidemiolgicas da populaoe a viabilidade local, contratando cinco desses profissionais para atuarna equipe do Nasf.

    H duas modalidades de Nasf: 1 e 2. A maioria dos municpios im-plementar o Nasf 1. O Nasf 2 uma alternativa para municpios meno-

    res, com populao dispersa.

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    Nasf 1 e Nasf 2

    Assistente Social

    Profissionais de Educao Fsica

    Farmacutico

    Fisioterapeuta

    Fonoaudilogo

    Nutricionista

    Psiclogo

    Terapeuta Ocupacional

    Mdico Ginecologista

    Mdico Pediatra

    Mdico Psiquiatra

    Mdico Homeopata

    Mdico Acupunturista

    Modalidades

    Cada Nasf 1 deve realizar as suas atividades vinculadas a, no mni-mo, oito e, no mximo, 20 Equipes de Sade da Famlia.

    Cada Nasf 2 realiza suas atividades vinculado a no mnimo 3 e nomximo 20 Equipes de Sade da Famlia.

    Em uma lgica e com base em uma relao de escala, de alvo, e tam-bm com base em vrias experincias de municpios que tinham equipesmatriciais, se concluiu que os profissionais de nvel superior da atenoprimria no inseridos em ESF no deveriam passar a integrar uma nicaequipe de sade da famlia. Ao invs disso, deveriam atuar com cargahorria de 40 horas, formando uma equipe de apoio s ESF. A proporoque se mostrou vivel e com uma relao custo-efetividade razovel foia de um Nasf para, pelo menos, oito ESF. Para um municpio ter oito ESFprecisaria ter uma populao de 20 mil habitantes. Como temos 80%dos municpios brasileiros com uma populao menor que essa, eles no

    poderiam ter Nasf. Com isso, se abriu duas possibilidades:Que os municpios vizinhos se juntem e contratem um Nasf. Algo

    difcil do ponto operacioal e poltico.Que os municpios pequenos e com baixa densidade demogrfica

    possam ter o Nasf 2, que uma equipe com trs profissionais, observan-do que esses profissionais so no mdicos. Isto porque normalmente osmunicpios j possuem mdico, um generalista e se quer ampliar o apoiodos outros campos de conhecimento a essa equipe.

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    Financiamento

    Nasf IIncentivo para Implantao: R$ 20.000 reais

    Incentivo de Custeio: R$ 20.000 reais/ms

    Nasf IIIncentivo para Implantao: R$ 6.000 reaisIncentivo de Custeio: R$ 6.000 reais/ms

    Processo de trabalho

    Os profissionais atuaro em parceria com os profissionais dasESF;

    Compartilhamento das prticas em sade nos territrios sob res-ponsabilidade das ESF;

    Apoio s equipes por meio de processos de educao permanente; No se constituem como porta de entrada do sistema; Devem atuar de forma integrada rede de servios de sade, a partir

    das demandas identificadas no trabalho conjunto com as ESF; Os profissionais devem conhecer a realidade do territrio em que

    vive a populao que est sob sua responsabilidade.

    Alm disso, preciso conhecer quais so os condicionantes e fa-tores que interferem no processo sade-doena (saneamento, meioambiente, gua tratada ou no, nvel de educao) e o perfil epide-miolgico (doenas, faixa etria da populao). A partir desse conhe-cimento e da real necessidade da populao que a ESF trabalhar.A equipe do Nasf deve se aproximar para conhecer cada realidade everificar quais so as necessidades de apoio dos profissionais da ESF.E assim ampliar a capacidade dos profissionais de atuar na comuni-dade para promover hbitos saudveis de vida, prevenir doenas eidentificar o mais cedo possvel as doenas ali existentes, trat-las,promover adeso ao tratamento e fazer com que as pessoas convi-

    vam bem com a situao de sade presente. Isso se torna especial-mente importante se consideramos a mudana do perfil demogrfico

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    da populao, que apresenta envelhecimento progressivo e aumentodas doenas crnico-degenerativas.

    Tudo isso uma tarefa rdua para profissionais da Sade daFamlia que, muitas vezes, trabalham em territrios populosos, junto

    a populaes com muitas necessidades e que tm problemas norelacionados somente sade, mas tambm problemas sociais muitograves, que geram uma demanda grande para esses servios. E nemsempre possvel lidar com essas demandas, pois no basta identifi-c-las, fazer um diagnstico e prescrever um medicamento. precisouma interveno mais ampla, mais abrangente junto famlia, paraque se entenda o processo de adoecimento, se apie a pessoa, ob-tendo apoio no cuidado do indivduo.

    Esse o papel central dos profissionais do Nasf: dar suporte aos pro-fissionais das ESF para que tenham condies de realizar aes relaciona-das ao campo do conhecimento das diversas reas includas no Nasf. Iden-tificar demandas de qualificao profissional das ESF, definir em conjuntocom a gesto e com as ESF os protocolos e fluxos de encaminhamento parao atendimento, individualizado ou em grupo, da demanda referenciada.

    Ento, as vertentes do trabalho dos profissionais do Nasf so:

    a. Atuar junto s equipes para qualific-las e ampliar suas capaci-dades de realizar aes em reas como sade mental, atividadesfsicas, assistncia social e todas as demais;

    b. Receber a demanda que no de atribuio das ESF, planejar pro-jetos teraputicos para acompanhamento conjunto dos casos. Essaao no pode ser confundida com os processos de referncia econtra-referncia vigentes. uma retaguarda prxima que deve tra-balhar por meio da integrao entre as ESF e as equipes do Nasf.

    c. O Nasf no pode se constituir como porta de entrada. A equipe deAteno Bsica Sade da Famlia que receber a demanda e, senecessrio, acionar o apoio profissional do Nasf.

    Aes dos psiclogos no Nasf

    So aes de Sade Mental: ateno aos usurios e a familiaresem situao de risco psicossocial ou doena mental que propicie oacesso ao sistema de sade e reinsero social. As aes de com-

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    bate ao sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer doena ea questes subjetivas de entrave adeso a prticas preventivas oua incorporao de hbitos de vida saudveis, as aes de enfrenta-mento de agravos vinculados ao uso abusivo de lcool e drogas e as

    aes de reduo de danos e combate discriminao.

    Desafios Cotidianos

    Articular saberes e prticas; Atuar de forma transdisciplinar; Atuar considerando a diversidade e integralidade; Promover aes de educao continuada; Romper com a lgica de referncia e contra-referncia

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    A Prtica da Psicologia no Nasf

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    Marcela Lucena1

    O tema em questo ser abordado a partir de uma experincia pro-fissional no campo da sade mental, ora como gestora, ora como profis-

    sional junto s Equipes de Sade da Famlia (ESF).Destacarei aqui a experincia vivenciada na cidade do Recife a partir

    do Projeto Ao Avanada em Sade Mental. No primeiro momento, meutrabalho se deu formulando, planejando e discutindo o desenho dessaproposta junto aos profissionais de sade mental. No segundo momento,no ano de 2006, atuei como profissional de ponta, realizando o matricia-mento de sete Equipes do Sade da Famlia.

    Na etapa da vivncia prtica (segundo momento), o projeto j notinha investimento to grande, como anteriormente, por parte da gestomunicipal e estava acontecendo de forma diferente no municpio, de acordocom os profissionais e as concepes vigentes em cada Distrito Sanitrio. NoDistrito Sanitrio VI, especificamente, local em que foi feito o trabalho, haviaum grupo de profissionais composto por assistentes sociais, psiquiatras epsiclogas que compartilhavam de determinada concepo e forma de in-terveno. Era ligado a um Caps III, o David Capistrano, e tinha um desenho

    de interveno que era um pouco diferenciado dos demais Distritos.A metodologia do trabalho caracterizava-se da seguinte forma: cada

    tcnica da ao avanada tinha a responsabilidade de realizar o apoio emsade mental a um determinado nmero de equipes de Sade da Famliano territrio. Eu, por exemplo, matriciava sete equipes.

    O Caps III era o lugar de reunies e articulaes, porm, o trabalhoera volante, circulando no territrio das ESF.

    No inicio do trabalho, existiam situaes bem diferentes em relao abertura das ESF para as questes de sade mental:

    Equipes que apresentavam receptividade e abertura para o traba-lho neste campo;

    Equipes que rejeitavam qualquer possibilidade de atuao nesta rea;

    1 Psicloga e Sanitarista com Especializao em Psiquiatria Social. Atualmentemestranda em Sade Coletiva pela Universidade Federal de Pernambuco e Gerente deAteno Sade Mental do Estado de Pernambuco.

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    E equipes que, a princpio, apresentavam disponibilidade, mas, ra-pidamente quando constatavam que a proposta no se baseava norepasse da demanda de sade mental e sim em compartilhamentode responsabilidades, mostravam-se resistentes ao projeto.

    Para explicitar de forma mais clara esta vivncia, seguem citaes dealguns autores e a discusso do tema na perspectiva da sade mental.

    Consideraes iniciais

    A pesquisadora entende que fazer a discusso da Estratgia Sadeda Famlia, da insero e do apoio do Nasf , essencialmente, in-

    corporar a questo da complexidade na ateno bsica. Isso umaabertura de campo, tendo o apoio matricial como uma via.

    O acmulo da sade mental para a proposta do Nasf importante.O Nasf torna-se um instrumento que possibilita a expanso dessaproposta, a viabilizao, inclusive financeira, mas, entende-se que

    j h uma prtica instituda em diferentes lugares, antes mesmo daportaria. No uma prtica suficiente, porm, traz acmulo e pos-

    sibilidades de problematizao. Alm da sade mental, sabe-se quea reabilitao baseada na comunidade, desenvolvida pelos colegasde fisioterapia, tambm traz algumas contribuies.

    O grande desafio para discusso desse tema construir refern-cias e, ao mesmo tempo, fazer um movimento de deslocamento docampo especfico da psicologia para uma dimenso coletiva (comas outras reas), desencadeando uma prtica integrativa, interativae dialgica interdisciplinaridade.

    Fundamentos da Prtica

    Utilizarei aqui as idias e concepes trabalhadas por Gasto Wag-ner para explicitar o que chamamos fundamentos da prtica, tomando oapoio matricial como eixo.

    Assim, pode-se entender como apoio matricial arranjo organiza-

    cional e metodologia para gesto de cuidado que consiste em assegurarretaguarda especializada a equipes/profissionais encarregados de aten-

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    o a problemas de sade. Com isso, podemos destacar duas ideias queconsideramos produes desse apoio:

    Suporte tcnico pedaggico;

    Gerao de conhecimento e de competncia no territrio.

    Atuar nesta perspectiva implica:

    A existncia da equipe de referncia, responsvel pelo acompanha-mento longitudinal, que trabalha com a clientela adscrita, o manejode cadastro, o territrio de forma mais intensiva;

    O grupo de apoiadores que d suporte equipe de referncia, na cons-

    truo das respostas, em determinado campo, em um territrio.

    Atrelados a esta metodologia de interveno, preciso destacar algunselementos essenciais para o desenvolvimento do trabalho no territrio:

    Interdisciplinaridade.

    Recorrendo ao autor acima citado, podemos trabalhar essa concep-o a partir das idias de ncleo e campo.

    Ncleo, com encargos e saberes voltados para a identidade pro-fissional;

    Campo, como aquelas atribuies e conhecimentos a serem agregadosao ncleo em determinado contexto para a resoluo de problemas.

    A maior parte do cuidado demanda do campo. Por isso falamos danecessidade de deslocamento da rea especfica da psicologia, visando construo de um projeto coletivo.

    Intersetorialidade, na perspectiva da construo da rede de apoiosocial. Sabemos que a Psicologia Comunitria tem muito a nos di-zer sobre esse tema.

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    Clnica ampliada, pensando o olhar e a interveno na perspecti-va da complexidade, incorporando a questo da singularidade e aintegrao das vrias dimenses: social, biolgica e subjetiva.

    Referncias

    A partir das reflexes aqui apontadas e de uma experincia parti-cular, entede-se que as referncias para a prtica da psicologia junto aoNasf devem, entre outras, incorporar trs ideias bsicas:

    Construo de respostas no territrio, viabilizando projetos de in-terveno a partir de uma ao especfica (de uma determinada

    rea) ou mediante a potencializao da rede (dos recursos formaise informais). Uma interveno que vai sendo desenhada de for-ma processual, a partir de estratgias desencadeadas para resolveros problemas da comunidade, ora dentro do prprio territrio dasEquipes do Sade da Famlia e ora acionando outros dispositivos darede mais especializados, como policlnicas, Caps, outros servios esetores alm da sade.

    Compartilhamento de responsabilidades, ou seja, o estabelecimen-to de relao de responsabilidade e co-responsabilidade na forma-tao do cuidado em sade, quebrando a formalidade do sistemahierarquizado e diluindo a relao referncia e contra-refernciano sentido de repasse de responsabilidades, dos tradicionais enca-minhamentos.

    Trabalho de via dupla. A sade mental tem suas prioridades e de-mandas, mas a ateno bsica possui outras questes para alm

    do campo e, nessa dimenso, preciso dialogar e negociar essasdemandas para efetivar uma pauta de trabalho comum.

    Desenho da Interveno

    Pode-se ento sugerir, a partir da nossa compreenso/ experincia e ba-seado na construo terica de Gasto Wagner, um desenho metodolgico

    que perpasse pela interveno sanitria clnica e tcnico-pedaggica:

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    SanitrioDemanda do territrio e

    organizao da rede

    ClnicoInterveno compartilha-

    da direta ao sujeito

    (assistncia)

    Tcnico-pedaggicaEmpoderamento/

    Gerao de conhecimento

    e capacidade de construirrespostas das ESF

    Nessa perspectiva, alguns indicadores operacionais nortearam a ex-perincia prtica que fundamenta este relato, dos quais, podem ajudar nadiscusso da prtica da psicologia e o Nasf:

    1. Negociao da demanda prioritria combinada entre a sademental e a ateno bsicarespeitando os tempos das equipes doSade da Famlia: envolvimento, sensibilidade, possibilidades decada equipe. O contexto e o momento de cada equipe exige nego-ciao para o desenrolar do trabalho.

    Como exemplo, uma experincia bastante emblemtica: tratava-se

    de uma ESF que, do ponto de vista da formalidade, aceitava propostas,mas havia um clima de desconsiderao. As pessoas faziam piadas: osloucos, os drogados... quando discutamos dadas demandas da comu-nidade. Reclamavam, diziam que tinham muito trabalho, muitos proble-mas que precisavam de encaminhamentos. Com isso, percebeu-se queera muito pesado para aquela equipe enfrentar determinadas demandas.Houve a inverso do debate, na tentativa de priorizar as questes daequipe e no da sade mental. Como surpresa, ento, apareceu a insa-tisfao com a situao de mulheres que iam at a unidade para pegar a

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    receita do diazepam. Com isso, surgiu da prpria equipe a idia de formarum grupo de mulheres que usavam benzodiazepnicos com a inteno depensar a desmedicalizao.

    Houve a participao nesses grupos, ajudando a desenvolver a me-

    todologia e, depois, a equipe, formada por mdica, enfermeira e algumasagentes de sade, assumiu sozinha. Esta negociao do trabalho abriuespao para um maior envolvimento da ESF e algumas parcerias comea-ram a ser desenvolvidas de forma mais efetiva.

    2. Interveno perpassando pela prtica cotidiana das equipes doSade da Famlia, respeitando o trabalho de cada uma. Isso provo-cava um agendamento peridico de reunies, semanal ou quinze-nal, com flexibilidade para mudanas, dependendo das demandase necessidades de cada equipe. Nesses encontros aconteciam:

    Discusso de casos; Atendimentos conjuntos; Articulaes de recursos comunitrios; Discusso de temas clnicos, de sade ou de gesto do sistema;

    Construo de projeto teraputico singular.

    uma tendncia das ESF, por influncia do modelo biomdico, bus-car uma resposta imediata para os problemas encontrados na comunida-de a partir de uma nica interveno, muitas vezes a medicalizao. Comisso, diante dos vrios casos, foi preciso por vrias vezes complexificar- retomar a histria do sujeito, avaliar as variveis, identificar os princi-pais problemas, localizar as articulaes necessrias - para construo deuma resposta mais efetiva. Esse processo ajudava na desconstruo datendncia de simplificar as intervenes frente complexidade do sofri-mento das pessoas. Claro que, ao pensar em cada caso, guiava-se semprepelo tempo - o que era da ordem do imediato, curto e mdio prazo noque se refere s questes eleitas para o trabalho teraputico.

    Para melhor explicitar esse indicativo, h a vivncia que se deu juntoa uma ESF, com envolvimento parcial dos profissionais - apenas da enfer-

    meira e agentes de sade, tendo grandes dificuldades com a mdica.Chega equipe uma demanda da comunidade, de internao de um

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    rapaz de 25 anos, que teve uma crise e voltou para a rua de sua infncia,se instalando em frente casa que morou quando criana. A ESF nosarticula, referindo que tentou abordar as pessoas da rua, os vizinhos, masningum quis falar. Diziam que o rapaz era agressivo, que ficava prximo

    a uma escola e que todos estavam preocupados. Queriam que a equipede sade mental resolvesse o problema internando o moo.Ento, buscou-se entender melhor e voltou-se vrias vezes rua,

    junto com a ESF, para tentar desconstruir a primeira demanda de soluoimediata, que significava a internao. Depois de conversas com os vizi-nhos, uma famlia aceitou deix-lo dormir na garagem e dar as refeies.Foi criada uma rede de cuidado na prpria rua.

    Paralelamente, trabalhou-se o rapaz para que ele pudesse aceitar o

    cuidado. A famlia cuidadora comeou a administrar tambm os rem-dios. Foi possvel, a partir dessa ltima, rastrear a famlia de origem. Ocaso acabou indo parar no Ministrio Pblico. Por quatro meses o aten-dimento foi na rua. Depois houve uma quebra devido a rompimento deacordos existentes, como o de horrios, que foram feitos para que a fa-mlia pudesse dar uma retaguarda para o rapaz. Neste perodo foi perdidoo que havia se construdo e poucos meses depois, por meio do trabalho

    de uma outra tcnica, do Distrito Sanitrio, foi possvel resgatar o rapazque se encontrava na rua e sem apoio da sua famlia de origem, iniciandoo cuidado dentro do Caps III. Esse usurio atualmente freqenta o servi-o quinzenalmente e passou a morar com um irmo, que assumiu o seutratamento.

    Foi uma ao que demandou desmontar o pleito existente, criaroutra demanda, trabalhar potencializando a rede informal (vizinhana)e formal: envolvendo o Ministrio Pblico, em determinado momento

    a urgncia/emergncia, o Caps III e a prpria ESF. Vale ressaltar que amdica dessa equipe at esse caso no se envolvia com as questes desade mental.

    3. Realizando pactosem relao a casos complexos e situaes quedemandavam rapidez, apostvamos em fluxos diretos e geis decomunicao que sustentavam a parceria. Tambm havia pactos

    pr-estabelecidos. Exemplo: na sade mental havia pessoas comtranstornos psquicos graves, acompanhadas dentro da comuni-

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    dade. Ento, foi combinado que nesses casos haveria ateno maisdiretiva e intensiva. Assim, um determinado usurio, com muitadificuldade de ir ao servio e que morava sozinho, demandava cui-dados especiais da agente de sade que residia prxima casa

    dele. Quando acontecia algum problema, como o fato da comu-nidade querer intern-lo em um momento crtico de suas crises, noite ou final de semana, havia comunicao por meio de ligaestelefnicas para a equipe, e, dependendo do momento, o Caps IIIera acionado para fazer algum tipo de interveno. Esses pactos,em relao a alguns casos, quebravam o protocolo formal das ati-vidades e dos fluxos de comunicao, atendendo a necessidadesespecficas e usurios com maior grau de vulnerabilidade.

    4. Deslocamento pontual de alguns especialistas. Mesmo indo comoprofissional de sade mental, me deparava com demandas para asquais no tinha experincia clnica suficiente para a interveno.Era necessrio negociar com colegas que trabalhavam em outrasunidades especializadas para algum tipo de apoio pontual junto sESF - uma rede em movimento.

    Lembra-se, neste caso, de uma equipe muito envolvida, cuja mdicatinha uma preocupao: havia uma queixa constante de algumas mesdizendo que seus filhos no aprendiam. Solicitavam exame de cabeacontinuamente.

    Ento, deslocou-se uma psicloga que tinha boa experincia clnicacom crianas para que, junto conosco, pudesse fazer oficinas em queparticipavam em mdia 15 mes e nas quais se conversava sobre as rela-es pais e filhos e se dava algumas orientaes. A partir dessas oficinasse observou que quatro situaes precisavam de um olhar diferenciado.Houve, com a ESF, discusso sobre esses casos, pensando para eles es-tratgias diferentes. Eram situaes que demandavam um trabalho maiorcom as famlias envolviam alcoolismo, violncia intra-familiar e pobrezaextrema, a equipe discutia esses contextos como uma condio para odesenho da interveno.

    A demanda, antes dessa prtica, era para que toda criana que che-gasse com problema fosse imediatamente encaminhada ao ambulatrio

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    especializado de psicologia. Com essas aes, mostrou-se que, de fato,existiam situaes que necessitavam ser encaminhadas psicoterapiamas que, anteriormente, era necessrio esgotar as possibilidades no ter-ritrio. Novamente, demandas postas, j dadas, foram desconstrudas.

    Reflexes

    O trabalho junto s Equipes do Sade da Famlia um processode cada equipe, uma construo que depende do contexto. Raba-lhou-se com uma demanda inversa, pois existe previamente umasituao posta e as equipes sentem dificuldades. Mas, mostrou-seque possvel e importante caminhar em outro sentido, no aten-

    dendo a demanda imediata. medida que as equipes se apropriavam do tema, dos problemas,

    iam trazendo e assumindo situaes mais complexas. A princpio assituaes eram aparentemente simples, mas, com o enfrentamentode um caso e de outro, e de mais uma situao, parece que se agu-avam a escuta e o olhar. E as demandas mais complexas surgiam,eram assumidas e enfrentadas.

    A segurana de ter uma referncia, uma retaguarda (o apoio da sa-de mental) produzia certa ousadia por parte das equipes para trabalharas situaes. Quando precisavam, ligavam e o apoio estava l. Quandohavia uma agenda, cumpria-se a agenda; no momento em que surgia umproblema e buscava-se conjuntamente uma soluo. Dava-se seguranas equipes e com isso, elas ousavam mais. Entretanto, estar nesse lugarde apoiador tambm muito difcil. Muitas vezes encontra-se em situaes nas quais no se sabe

    como agir. Era a equipe solicitando, a comunidade cobrando e nose sabe por onde comear, que respostas dar. Isso construo.

    Um problema srio o da descontinuidade. Ocorre grande rotativi-dade dentro do Programa Sade da Famlia. Comea-se a construirum processo, sai o mdico, ou sai enfermeira. Tambm h a des-continuidade do ponto de vista poltico. medida que as gestesmudam, se altera a forma de conceber o projeto e isso traz impli-caes diretamente para sua execuo.

    O desafio do trabalho em campo desprotegido e em vrios set-

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    tings. Na sade mental avanou-se muito, mas os Caps e os am-bulatrios ainda so lugares protegidos. Antonio Lancetti discutebem isso em suas anlises. No territrio deve-se trabalhar com oinesperado.

    As equipes demandavam tambm que houvesse cuidados comelas, que houvesse ajuda no processo de trabalho, pois tinhammuitas questes. Isso cruzava com um processo de demandas queno havia como responder, que era a questo de gesto de pessoasonde a poltica de recursos humanos mostrava-se, muitas vezes,dura e burocrtica.

    As questes estruturais da Estratgia do Sade da Famlia confi-guram-se como um ponto tambm a ser debatido: uma lgica bastanteousada e ao mesmo tempo uma exigncia baseada na produo: um n-mero x de atendimentos no final do ms. Muitas vezes era enlouquece-dor para algumas equipes passar uma tarde escutando, fazendo grupo,realizando uma interveno diferenciada frente a uma meta de atendi-mentos da unidade a ser cumprida no final do ms. Essa uma grandecontradio estrutural.

    A princpio, so esses aspectos que se gostaria de trazer para discus-so e aprofundamento do tema em questo e espera-se que possam sermelhor explorados no debate a ser realizado.

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    Henriette Mouro1

    Muito obrigada pelo convite e pela oportunidade de compartilharcom vocs nossa experincia implantada no ano de 2005, em Ribeiro

    das Neves, municpio de 330.000 habitantes, situado a 32 km da capitalmineira, e que compe a regio metropolitana de Belo Horizonte.

    O municpio foi dividido em cinco regies sanitrias e a experinciaque vamos agora relatar foi implantada na regio sanitria II, conhecidacomo regio do Veneza.

    A regio II localiza-se s margens da BR 040 e compreende um to-tal de 20 bairros, com populao estimada em 88.000 habitantes. Como

    dispositivos de sade, possui dez Unidades de Sade da Famlia, uma Uni-dade Bsica de Referncia, um servio de Sade Mental, um servio deSade Bucal e oito pontos de apoio da Zoonoses.

    A rea coberta por Unidades de Sade da Famlia, conforme dadoscoletados no Sistema de Informao da Ateno Bsica (Siab), de 35 milhabitantes e a rea descoberta de 53 mil habitantes.

    Observa-se na regio alto ndice de pobreza e marginalidade social.A populao privada de bens materiais e culturais e vive carncias de

    toda ordem. Os dispositivos culturais ou de lazer so inexistentes e amanifestao de condutas violentas extremamente comum at mes-mo dentro das unidades de sade. As grandes demandas e exignciasnas unidades so pela consulta mdica e pela medicao. Os usuriosapresentam-se com baixa noo de direitos e responsabilidades e poucodisponveis s intervenes de promoo de sade.

    O Servio de Sade Mental (Ambulatrio Clara Mente) da regio II

    encontrava-se superlotado antes da implantao do matriciamento. Emtorno de 80% de seus pacientes apresentavam transtornos mentais leves.As agendas da psiquiatria estavam com retorno marcado para cada qua-tro meses e os psiclogos que faziam atendimento individual, com agen-da fechada, meia hora para cada paciente, seis pacientes por turno. Oatendimento em grupo era compreendido como estratgia para esgotar

    1 Psicloga, Supervisora de Sade da Regio Sanitria II - Comps a Equipe Matri-cial de Sade Mental por ocasio de sua implantao no municpio de Ribeiro das Neves MG

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    demanda e a alta ao paciente era entendida como abandon-lo prpriasorte, uma vez que no se tinha para onde referenci-lo. Era prprio doservio ambulatorial a equipe multiprofissional trabalhar de forma de-sarticulada, cada um dono de seu paciente. As intervenes estavam

    restritas medicalizao e a aes que no esgotavam a demanda, asagendas superlotadas nem as filas de espera.Diante de tal realidade houve a vontade de repensar o que fazer

    para superar o cenrio pouco resolutivo e que se mantinha institucionali-zador, e a prtica que continuava reforando a idia do servio de sademental enquanto lugar da cura e da medicalizao de doena social oude sofrimentos comuns vida cotidiana.

    O impasse a que se chegou exigiu posicionamentos e o repensar da nossa

    prtica. Intervenes de impacto e de maior significado se faziam necessrias.Teve inicio a construo e inveno de outras formas de fazer, para alm dasegurana dos consultrios, do atendimento individual e da medicalizao.

    Abraou-se a proposta de matriciamento entendendo e acreditandoque esta uma sada possvel. Implantar a Equipe Matricial representou,no primeiro momento, uma ousadia, no sentido de abraar uma propostaque implicava em mudana de paradigma, de posturas, que gerava resis-

    tncias, que frustrava mais do que atendia.A implantao da proposta se deu por etapas. Num primeiro momen-to, em outubro de 2005, aconteceram reunies com as equipes de sade dafamlia para as apresentaes mtuas, discusses e construo da propos-ta. Esta prvia foi necessria uma vez que o que estava sendo propostoera a desconstruo do ambulatrio, com a grande maioria de seus pa-cientes a serem referenciados ateno primria. Os casos avaliados comode maior gravidade deveriam manter-se no servio de sade mental.

    Esta primeira etapa de apresentaes mtuas, reunies, visitas, mutirode reavaliao de pacientes e de pronturios teve durao de quatro meses.E, em maro de 2006, demos incio segunda etapa da implantao com aequipe matricial iniciando seu trabalho de campo atuando junto a e com asunidades de sade da famlia. Samos dos consultrios e fomos a campo.

    O referenciamento dos pacientes do recm desconstrudo ambula-trio foi realizado e previsto de forma que o usurio, ao chegar unida-de, j pudesse contar com a equipe matricial para o suporte necessrio equipe de sade da famlia na conduo do caso.

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    Assim, o Matriciamento de Sade Mental tem como proposta levaro saber do especialista psiclogos e psiquiatras at as Equipes deSade da Famlia, com o objetivo de:

    Capacitar as equipes de estratgias de sade da famlia para a escuta,acolhimento e manejo, no territrio, dos usurios em acompanhamentonos Centros de Ateno Psicossocial (Caps), usurios em situao derisco psicossocial e casos novos identificados pela equipe;

    Discutir e capacitar as equipes de sade da famlia para o manejodos casos reativos s adversidades da vida que, em sua maioria, nonecessitam de interveno medicamentosa, de forma a no legiti-mar como doena um mal estar que inerente ao ser humano;

    Acolhimento conjunto de psicologia e sade da famlia aos casosque demandem esclarecimento;

    Discusso conjunta, matricial e equipe de sade da famlia, doscasos clnicos que demandem ateno especializada;

    Visita domiciliar conjunta, matricial e equipe de sade da famlia,aps discusso clnica;

    Capacitao das equipes para a realizao, na unidade de sade ena comunidade, de grupos de reflexo com foco na promoo desade, no centrados na doena;

    Avaliao conjunta, pelo psiquiatra e generalista, da medicao emuso e ajuste conforme necessidade;

    Contribuir nas discusses, reflexes e aes de promoo de sadejunto s equipes de sade da famlia e comunidade para o fortaleci-mento da proposta de mudana de modelo de assistncia em sadepreconizado nas Polticas Nacionais de Ateno Bsica e de Promo-

    o de Sade, bem como as reformas Sanitria e Psiquitrica.

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    Como principais causadores de dificuldades para o desenvolvimentodestas aes, destacam-se as resistncias detectadas em algumas equi-pes de sade da famlia em assumirem a co-responsabilizao pelos casosclnicos, considerados at ento como de exclusividade da Sade Mental.

    Foram encontradas equipes de sade sobrecarregadas de tarefas e sufo-cadas pela demanda por consultas e atendimentos da clnica geral e, nes-te contexto, a proposta do matriciamento em sade mental entendidacomo uma exigncia a mais, para alm das competncias da Estratgiade Sade da Famlia. Esta realidade exigiu e ainda exige do profissional dasade mental enorme capacidade de articulao e trabalho constante demobilizao e sensibilizao da equipe de sade da famlia.

    Entende-se que fazer matriciamento levar s unidades de sade da

    famlia o saber especializado e faz-lo circular. A nfase sempre foi, e con-tinua sendo, em bater na tecla de que a presena da sade mental nasunidades de sade da famlia no para o atendimento agendado unica-mente para o especialista. O fazer precisa ser compartilhado e busca-se,com muita insistncia e dificuldade, evitar qualquer enfoque medicalizante,psicologizante ou psiquiatrizante. Deve-se insistir no fazer coletivo e com-partilhado, entendendo que o especialista no um membro da equipe de

    sade da famlia. O risco de se desvirtuar a proposta e de voltar ao antigo,conhecido e seguro modelo ambulatorial grande caso a misso e objetivosno estejam bem claros e em constante acompanhamento e avaliao.

    Chegou-se aos 30 anos de luta pela Reforma Psiquitrica e continuaa constante luta pela consolidao da Reforma Sanitria. Ao discutirem-se polticas de sade para a ateno primria, polticas de sade mentalou matriciamento, continua-se falando de reforma, de mudana de mo-delo, de mudana de paradigma. Constri-se o novo, inventando sadas,

    inventando fazeres. Mudanas geram resistncias e voltar ao antigo econhecido sempre mais fcil.

    H o entendimento e a proposta para que os Nasf tenham a mes-ma lgica do matriciamento em sade mental. Matriciar realizar inter-venes coletivas, discusses conjuntas, atendimentos compartilhados,articulaes intersetoriais. Esta a base, o alicerce da nossa prtica; o que propomos para o matriciamento de ginecologia, j implantado naregio sanitria II do municpio de Ribeiro das Neves (MG), e a pro-posta para os futuros Nasf.

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    Atualmente, trs anos depois da implantao do matriciamento desade mental na regio sanitria II, na reflexo sobre onde se est e o quefoi alcanado, pode-se afirmar que os ganhos so significativos e aindaexistem muitas dificuldades. Considera-se de fundamental importncia

    uma proposta bem desenhada, com misso e objetivos bem definidos,com norte e trilhos a serem seguidos. Mesmo com as mudanas ocorridasna sade mental aps realizao de concurso pblico e com os remaneja-mentos necessrios que se seguiram; mesmo com a grande rotatividadede profissionais mdicos nas equipes de sade da famlia, a proposta dematriciamento de sade mental na ateno primria se mantm tam-bm por ter sido assumida tanto pela gesto quanto por profissionaisque insistem em acreditar que a mudana possvel. Para quem est em

    campo, fazer matriciamento sempre fazer o novo e fazer de novo, con-ciliando algumas doses de frustrao com o sabor do desafio.

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    Lo Barbosa Nepomuceno1

    Trago aqui um pouco de minhas experincias vividas na interfaceentre a Psicologia e a Sade Pblica. Parto, portanto, de um conhecimentoque est no mbito, digamos, do encarnado, do visceral, de uma experinciaprtica e de reflexes tericas tecidas sobre esta. Desde que me formei,ingressei no Sistema nico de Sade (SUS) do Brasil.

    A Sade Pblica, para mim, veio a se configurar como um convite aaprofundamentos, a uma busca de construir conhecimentos e, sobretudo,a uma insero profunda e comprometida na realidade de nosso povo. ONasfNasf mais um convite, um chamado Psicologia, um desafio co-

    locado aos psiclogos (e a outros profissionais de sade) para contribuirefetivamente na construo da sade no Brasil.Com as reflexes que trago aqui, relato direta e indiretamente ex-

    perincias vividas, enquanto psiclogo, trabalhador e pesquisador, na Es-tratgia de Sade da Famlia (ESF) do SUS. Falo de minha participao,enquanto psiclogo-residente, na V Turma do Programa de ResidnciaMultiprofissional em Sade da Famlia (RMSF) da Escola de Formaoem Sade da Famlia Visconde de Sabia em Sobral, no Cear, de maio

    de 2005 a maro de 2007. Nessa experincia, trabalhamos no modelo deNcleos de Ateno Integral Sade da Famlia (Naisf) 2.

    A implementao dos Naisf fora realizada em Sobral como modo deorganizao do trabalho dos profissionais da RMSF, o que se refletiu na or-ganizao de equipes multiprofissionais de apoio s equipes da ESF no mu-nicpio.

    A rea de abrangncia de cada equipe multiprofissional de Naisf era

    de 8 a 10 equipes de Sade da Famlia, semelhante rea de abrangnciamnima dos atuais Nasf.

    1 Psiclogo. Mestrado em Psicologia na Universidade Federal do Cear. Especialistacom Residncia Multiprofissional em Sade da Famlia. Docente do Programa de ResidnciaMultiprofissional em Sade da Famlia - Escola de Formao em Sade da Famlia Viscondede Sabia/Universidade Estadual Vale do Acara de Sobral (CE).

    2 Inspirando-se na Portaria do Naisf n 1065/GM de 04 de julho de 2005, do Minis-

    trio da Sade, que foi publicada em um dia e refogada no outro. Tal portaria do Naisf jrevelava a vontade do Ministrio da Sade de ampliar e fortalecer a integralidade das aesdesenvolvidas pela Estratgia de Sade da Famliado SUS.

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    Falo aqui, tambm, de pesquisa qualitativa que realizei, em 2007,junto a Psiclogos em RMSF em Sobral, So Paulo, Florianpolis, Rio deJaneiro. Intitulada Contribuies da Psicologia para Interveno Socialna Estratgia de Sade da Famlia do Sistema nico de Sade: reflexes

    sobre uma caminhada, essa pesquisa investigou as aes desenvolvidaspor psiclogos inseridos na ESF, destacando a relevncia do trabalho so-cial e comunitrio que desenvolveram. Nesse relato, falo tambm a partirde minha experincia de docncia e superviso assistencial no Projeto deExtenso Liga de Sade da Famlia, de agosto de 2007 a maro de 2008,em Fortaleza, bem como nas VI e VII Turmas do Programa de RMSF deSobral, desde junho de 2008.

    A rea de abrangncia de cada equipe multiprofissional de Naisf era

    de oito a dez equipes de Sade da Famlia, semelhante rea de abran-gncia mnima dos atuais Nasf.

    Falo aqui, tambm, de pesquisa qualitativa que realizei, em 2007,junto a Psiclogos em RMSF em Sobral, So Paulo, Florianpolis e Rio deJaneiro. Intitulada Contribuies da Psicologia para Interveno Socialna Estratgia de Sade da Famlia do Sistema nico de Sade: reflexessobre uma caminhada, essa pesquisa investigou as aes desenvolvidas

    por psiclogos inseridos na ESF, destacando a relevncia do trabalho so-cial e comunitrio que desenvolveram. Nesse relato, falo tambm a partirde minha experincia de docncia e superviso assistencial no Projeto deExtenso Liga de Sade da Famlia, de agosto de 2007 a maro de 2008,em Fortaleza, bem como nas VI e VII Turmas do Programa de RMSF deSobral, desde junho de 2008.

    Contextualizando o desafio no SUS

    O SUS coloca aos trabalhadores do campo sade o desafio de con-cretizar seus princpios doutrinrios e organizativos1 no processo cotidia-no de trabalho dos servios de sade. A misso lutar para a efetivaode tais princpios. E a concretizao destes vai se refletir em novos modosde ver e construir a nossa sociedade, em novos modos de construo

    1 Princpios doutrinrios: universalidade, integralidade e equidade. Princpios orga-nizativos: regionalizao, descentralizao poltico-administrativa e participao popularno controle social.

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    societria, os quais sejam facilitados por essa institucionalidade que oSUS. O desafio colocado, portanto, a construo de processos de tra-balho capazes de fortalecer a democratizao da sociedade brasileira, pormeio da facilitao da cidadania nos processos sade-doena-cuidado e

    da participao social na co-gesto do SUS. Como nos diz Cezar W. de L.Gis, em seu livro Sade Comunitria: pensar e fazer, de 2008, a sade ea democracia tm relao ntima.

    E esse o mesmo desafio colocado pelo Nasf Psicologia e s pro-fisses que so chamadas a contribuir na ESF: concretizar, no cotidianodo trabalho, os princpios doutrinrios e organizativos do SUS. Isso tornanecessrio qualificar permanentemente esses profissionais de forma cr-tica, para que possam refletir sobre a realidade do SUS e ser militantes

    inquietos, em constante defesa e crtica construtiva de uma Sade Pbli-ca de qualidade no Brasil. a necessidade de construo, a partir do Nasf,de novos potentes processos de mudana indispensveis conjuntura docampo sade, que requer qualificao do SUS.

    O contexto atual da Sade Pblica no Brasil requer aes pautadasem paradigmas capazes de se contrapor hegemonia do modelo biomdi-co, dando destaque a concepes ampliadas de sade, atuaes nos cam-

    pos do desenvolvimento pessoal, social e comunitrio, aes interdiscipli-nares e intersetoriais, bem como de valorizao da participao social e dacidadania nos processos de produo da sade e do cuidado. importantedestacar os paradigmas da Promoo da Sade e da Sade Coletiva1 comoaglutinadores de inovaes importantes capazes de apresentar propostasrelevantes para a necessria efetivao do SUS. O campo da Sade Co-munitria um grande cenrio de desenvolvimento do Nasf e da ESF.

    Quando falo da efetivao do SUS, falo de algo que no foi con-

    quistado ainda. Temos avanado na institucionalizao de um sistemanacional de sade, pautado no direito sade, garantido em lei paratodos. No entanto, ainda temos muito que caminhar na concretizao dauniversalizao da ateno, na integralidade das aes desenvolvidas, nasatisfao das necessidades de sade do povo, bem como no cuidado sdiferenas, singularidades, e desigualdades sociais.

    Diante de um novo paradigma de sade, mais ampliado e complexo,

    1 Importante referncia o trabalho de Sergio Carvalho Promoo da Sade eSade Coletiva: sujeito e mudana, de 2005.

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    h a necessidade de criar novos modos de atuar, novos pontos de vista,novos campos e cenrios. E, no mbito da ESF, preciso criar, desenvolvere fortalecer modelos de atuao que possam trabalhar efetivamente comos determinantes psicossociais da sade e da doena.

    A Estratgia de Sade da Famlia

    Nessa caminhada de construo do SUS, a ESF se apresenta como me-canismo de reorientao do sistema de sade: porta de entrada, responsabi-lizao institucional e sanitria no processo de cuidado com a sade articu-lado a toda rede de servios, apresentando proposies capazes de modificaro modelo de ateno hospitalocntrico e mdico centrado. Isso significa que

    a responsabilidade da ESF apresentar-se como substitutiva s prticas bio-mdicas tradicionais, sendo capaz de ofertar servios amplos e integradosde tratamento, reabilitao, preveno de doenas e promoo da sade.

    Todos os usurios do SUS devem, na ESF, ser acompanhados de formalongitudinal nos territrios e comunidades onde vivem, de forma que osservios de sade tenham uma interao e integrao com o movimentoda vida nos lugares onde as pessoas vivem. E, mesmo sendo encaminha-

    dos a servios fora da ESF, como Centros de Ateno Psicossocial (Caps),Centros de Referncia e de Especialidades e Hospitais, a coordenaodos cuidados deve ter a participao ativa dos profissionais da ESF. Noabordando somente os processos de referncia e contra-referncia, mas,sobretudo, o desenvolvimento de processos de trabalho capazes de estru-turar, facilitar e organizar a co-responsabilizao do SUS com a sade dapopulao, nos territrios onde o trabalho em sade desenvolvido.

    O Nasf traz o desafio de engajamento de novos profissionais s mis-

    ses da ESF e, portanto, na busca de efetivao do SUS. Nesse ponto fundamental desenvolver estratgias de acompanhamento longitudinal daspessoas e coletivos inseridos em grandes territrios, nos quais saber lidarcom a variedade e amplitude dos territrios uma necessidade. O Nasf temresponsabilidade sanitria por uma populao bem maior que a das equipesmnimas da ESF. Portanto, deve construir um fazer peculiar e prprio, saben-do superar obstculos colocados pela condio demogrfica.

    Diante disso, penso que o profissional do Nasf tem que, ao mesmotempo, fortalecer as equipes mnimas em um apoio matricial, ampliando os

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    saberes e fazeres destas, e tambm realizar trabalho de ateno direta aosusurios e suas necessidades de sade. Em uma dimenso, deve fortaleceros processos de ampliao de saberes e fazeres dos profissionais das equipesmnimas, que esto nas micro-reas, para que sejam cada vez mais resolu-

    tivos. E, em outra dimenso, deve trabalhar diretamente junto aos usuriosdos servios da ESF, j que h a necessidade fundamental da presena des-sas novas categorias profissionais, em diversos cenrios de atuao.

    Outras caractersticas da ESF vm ampliar mais ainda o desafio co-locado ao Nasf. So elas: desenvolver uma ateno descentralizada, pau-tada no vnculo, criao de laos de compromisso e co-responsabilidade.Se o vnculo destacado como algo fundamental do trabalho da ESF,v-se a amplitude do desafio colocado. Por exemplo, esse vnculo deve

    se desenvolver entre os profissionais do Nasf e as oito equipes da ESF, nomnimo colocado pela portaria do Nasf.

    Se o mximo de equipes a serem apoiadas forem tomadas peloNasf, sero 20 equipes mnimas de ESF para se construir vnculo e co-responsabilizao. O vnculo deve ser construdo, evidentemente, junto populao adstrita dos territrios cobertos. A populao desses terri-trios, onde h 20 equipes, de 80 mil pessoas aproximadamente. Aqui

    vale perguntar: como desenvolver vnculos junto a uma populao detamanha dimenso?Em minha experincia, pude sentir cotidianamente a dificuldade de

    se construir vnculos tanto com os profissionais das micro-reas, comocom a populao. Se tnhamos uma equipe multiprofissional de Naisfpara uma populao de aproximadamente 30 mil pessoas, e as dificul-dades eram grandes, imagino como os profissionais iro confrontar-secomo o desafio de construir vnculos com uma populao maior, como

    est possibilitado ao Nasf. A experincia dir.O modo como est disposto o Nasf destaca a necessidade de traba-

    lhar a co-responsabilidade entre os diversos atores sociais envolvidos noprocesso sade-doena-cuidado. Sem a co-responsabilidade nas aes,o profissional do Nasf pode se perder e no conseguir ter uma atuaoabrangente junto aos territrios. Co-responsabilidade palavra-chavepara um posicionamento estratgico desses novos profissionais.

    Outro aspecto relevante e estratgico para os profissionais do Nasf o desenvolvimento de um processo de cuidado capaz de estimular a

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    cidadania e a participao social dos usurios. O contexto delicado e re-quer o referido posicionamento de co-responsabilizao. A integrao denovos profissionais de sade na ESF no pode reverberar na construode uma sociedade mais passiva e dependente dos saberes especializa-

    dos das diversas categorias profissionais da sade. preciso estar atentopara que os novos processos de cuidado em sade, levados a cabo peloNasf, fortaleam a autonomia dos sujeitos, o desenvolvimento humanoe o desenvolvimento social. Aqui o fortalecimento do saber e experinciapopular fundamental para o agir em sade.

    A Psicologia na Estratgia de Sade da Famlia

    Passa-se a pensar, agora, os desafios colocados para a Psicologiae para os psiclogos nos cenrios de atuao abertos com a implemen-tao do Nasf. Para apreender a importncia do contexto atual, deve-sesituar historicamente as interfaces da Psicologia com a Sade Pblica.

    Nessa contextualizao, depara-se com a herana que temos deuma tradio de clinica individualista, elitista e psicologista, que poucosabe lidar com as questes sociais e psicolgicas que perpassam o coti-

    diano de vida da maioria da populao brasileira. Herdou-se um modelode formao hegemonicamente pautado no enfoque clnico, que condi-ciona a identidade profissional do psiclogo a um aprisionamento e en-gessamento, dentro do campo de atuao da Psicologia Clnica, principal-mente ligada ao histrico de experincias de clnica privatista vinculadas elites e classe mdia. Diante disso, h a inabilidade de contextualizar oquefazer psicolgico junto s classes populares, aos usurios do SUS.

    Os psiclogos tendem a reproduzir uma viso reducionista das ques-

    tes psicolgicas envolvidas nos processos de sade-doena-cuidado. Exis-te um fosso culturalque separa os psiclogos da populao eque precisaser superado. E preciso desenvolver referenciais terico-metodolgicos,atualizando conceitos, potencializando linguagem tcnica, capacidade decomunicao com o povo e de atuao nos cenrios colocados pela ESF.

    Todos os elementos citados evidenciam a necessidade de reorientaoda formao e do fazer da Psicologia na e para a ESF. O trabalho na ESFaparece como campo de experimentaes e criaes de relevncia histricapara o desenvolvimento da Psicologia, como disciplina cientfica e como

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    profisso necessria ao campo da Sade Pblica. E a Psicologia caminha naconstruo e fortalecimento do SUS e da prpria ESF, principalmente, pelostrabalhos desenvolvidos nas Residncias Multiprofissionais em Sade.

    Algo que inquieta no modo como o Nasf est preconizado, na por-

    taria que o institui, a Psicologia colocada somente dentro do marco daSade Mental. Tal inquietao se d pelo fato de que a Psicologia, na SadePblica, j tem essa histria de trabalhos vinculados a um tipo de prticaclnica reducionista, ligada a uma viso limitada cura de psicopatologiase reproduo de prticas de ateno ambulatorial de atendimento indivi-dual, de enfoque psicopatologizante. As contribuies da Psicologia ESFe ao SUS so bem mais amplas e transcendem a dimenso curativista.

    Historicamente, a Psicologia foi se colocando nesse lugar da clnica, do

    tratamento da psicopatologia. O termo sade mental, apesar de tambmapontar para compreenses ampliadas de sade, principalmente quandodentro do iderio da Reforma Psiquitrica, ainda traz uma carga ideolgicamuito forte de patologizao, da idia do tratamento da doena mental.No se exclui a importncia do trabalho da Psicologia nesse necessriocampo de atuao da ESF, mas no pode restringir a esse cenrio.

    As habilidades clnicas devem ser ampliadas dentro do SUS, de forma

    que se possa situar e contextualizar a compreenso dos processos psico-lgicos dentro da realidade histrica onde estesesto. Afinal, as psicopa-tologias precisam ser olhadas em sua etiologia, aes de preveno devemser desenvolvidas, e um fazer de promoo da sade (mental) deve serestruturado. A realidade concreta e histrica da vida em um lugar singular,dos coletivos e pessoas que se forjam neste, no pode ser esquecida. Osmodelos terico-metodolgicos devem ser capazes de abranger o pro-cesso social de produo da sade e no somente o da doena. preciso

    buscar as causas do desenvolvimento das psicopatologias em nossa popu-lao, preciso pensar e atuar na realidade em que os dilemas existenciaisde nossa populao de desenrolam. preciso apostar mais nos campos,por exemplo, da Psicologia Social e da Psicologia Comunitria. precisoestruturar nosso quefazer situando na realidade do povo, nos problemas epotenciais de sade prprios do contexto histrico e cultural brasileiro.

    Os profissionais ainda no esto preparados e, ao se iniciar o Nasf,se evidenciaro as fragilidades dos processos de formao. requisitadoum novo paradigma de sade, um novo olhar para a multidirecionalidade

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    e multifatorialidade do que sade. No se pode nutrir a idia de quenosso campo de atuao apenas a sade mental, isso seria retrocederno avano da Psicologia, seria se apegar ao nosso passado. A Psicologiapode contribuir para o desenvolvimento de aes do Nasf em diversos,

    talvez em todos, campos estratgicos de atuao.Diante de tudo isso, vejo que o Nasf um rico espao de experi-mentaes e criaes. Se os profissionais da Psicologia ficarem ligadosapenas no lcus da sade mental tero uma atuao restrita.

    Aes dos psiclogos na ESF

    As aes abaixo so resultado da pesquisa citada inicialmente, re-

    alizada com os psiclogos em RMSF, em 2007. Segue a lista de aes jrealizadas por estes profissionais na ESF:

    Aes de territorializao e planejamento local de sade Aes de acolhimento e humanizao dos servios de sade Visitas domiciliares Aes de suporte sade mental (atendimento individual/ambu-

    latorial, atendimento de casal e famlias, grupos teraputicos, tria-gem, grupos de crescimento pessoal, participao nos processosorganizao dos servios ofertados e organizao da demanda)

    Atividades nas escolas Atuao/facilitao em grupos da ESF (gestantes, hipertensos, dia-

    bticos, idosos, adolescentes, crianas, hansenase e outros) Participao nos espaos de formao interdisciplinar e de cate-

    goria profissional Facilitao de processos de educao permanente junto s Equipes

    de Sade da Famlia e demais profissionais do territrio, facilitandoa disseminao de conhecimentos prprios da Psicologia para ocampo interdisciplinar

    Atuao junto a rodas e/ou reunies das equipes multiprofissionais,potencializando os processos grupais

    Aes comunitrias e de articulao de redes sociais Consultoria social e organizacional a projetos sociais e instituies

    dos territrios

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    Outras aes de fomento participao e controle social, comoatuao junto a conselhos de sade e associaes de moradores

    Essa diversidade de aes, construdas em equipes multiprofissionais,

    aponta para a superao da Sade Mental como campo restritivo do fazere saber da Psicologia. Dentro dessa amplitude de aes j desenvolvidas,destacam-se as atuaes no campo comunitrio e de articulao-poten-cializao de redes sociais reveladoras de caminhos potentes para o desen-volvimento da Psicologia na ESF. Destaca-se tambm a articulao inter-setorial de polticas pblicas, bem como de grupos comunitrios, na buscade ajudar na criao e fortalecimento de redes de auto-cuidado e apoiosocial nos territrios. Nesse cenrio de atuao, o trabalho dos psiclogos

    desenvolve-se em perspectiva mais pedaggica do que teraputica.

    Relatando um pouco mais de algumas aes j realizadas

    Algumas outras aes j desenvolvidas servem de ilustrao paraauxiliar no pensamento sobre os dilemas operacionais do trabalho do psi-clogo nos Nasf. Mais detalhes sobre elas:

    Atuao junto s rodas das Unidades Bsicas de Sade: buscandofomentar a auto-gesto do coletivo de trabalhadores. O foco dafacilitao trabalhar o Mtodo Roda de co-gesto de coletivos(de Gasto Wagner Campos) em seus elementos: poltico, peda-ggico, administrativo e teraputico, fortalecendo a auto-gesto.Nesse cenrio de atuao, a contribuio da Psicologia se d nafacilitao dos processos grupais, no seu olhar psicolgico sobre a

    participao e os processos coletivos. Realizao de Visitas Domiciliares: buscando construir vnculo, inser-

    o comunitria e co-responsabilizao no cuidado em sade. Essasvisitas domiciliares no significam somente atendimento clnico nodomiclio, mas fundamentalmente um processo de aproximao einsero na realidade das famlias e comunidades. Significam o ca-minhar pela comunidade, ver e viver as condies de vida da popu-lao, conhecer o modo de vida comunitrio do lugar e os contextosfamiliares que se constroem. A Psicologia desenvolve uma rica com-

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    preenso do reflexo ativo da realidade sobre o psiquismo das pesso-as. H um olhar diferenciado sobre a subjetividade pessoal e social. necessrio compartilhar informaes com as equipes de ESF.

    Criao de Grupos de Crescimento Pessoal: estruturando espaos

    de escuta e dilogo grupal, para trabalhar questes pessoais e co-munitrias. Aqui, o trabalho se estrutura, em equipe multiprofis-sional, na constituio de um dispositivo de cuidado, em grupo,para discusso e vivncia de vrias questes existenciais da vida noterritrio. Prticas corporais e integrativas, ganham espao, bemcomo as diversas habilidades de conversa e dilogo sobre a vida.

    Fortalecimento dos Conselhos Locais de Sade: buscando valori-zar os espaos j conquistados de co-gesto e controle social do

    SUS nos territrios. Aqui novamente as contribuies da Psicologiasituam-se no campo do fortalecimento dos processos de participa-o social e comunitria. Os caminhos de fortalecimento da parti-cipao comunitria no se restringem aos espaos dos Conselhos,mas estes so espaos importantes.

    Desafios colocados pelo Nasf Psicologia

    Cabe agora sintetizar um pouco dos desafios colocados pelo Nasf Psicologia enquanto cincia e profisso. So eles: superar a representa-o social do psiclogo como unicamente clnico, o que estabelece asso-ciaes com uma clnica reducionista, individual e privatista; desenvolveratuaes para alm do eixo da sade mental, contribuindo em mltiplosoutros campos da ESF e articulao interdisciplinar com os outros pro-fissionais; integrar diversas contribuies das mltiplas reas de atuao

    da Psicologia (Psicologia Clnica, Psicologia Organizacional e do Traba-lho, Psicologia Comunitria); desenvolver aes integradas de tratamen-to, preveno de doenas e promoo da sade no plano de trabalho;exercitar-se na interdisciplinaridade delimitando a especificidade da Psi-cologia; e estruturar processos sistemticos de avaliao dos resultados edas contribuies da Psicologia para ESF, contemplando elementos qua-litativos e quantitativos.

    A construo de mtodos de registro e acompanhamento sistemti-co das aes desenvolvidas um grande desafio. Para isso, necessrio

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    construir novos indicadores de avaliao, novos sistemas de informaocapazes de dar conta das novas prticas. Avaliar os impactos da inseroda Psicologia no Nasf uma questo urgente.

    Reflexes finais

    Ser que se percebe a real contribuio da Psicologia enquanto sa-ber e fazer para a ESF e para o SUS? Como potencializar nossa organiza-o enquanto classe profissional e scio-poltica dentro do SUS?

    O momento histrico revela ainda uma baixa apropriao das pol-ticas pblicas de sade, pouca consistncia terica, metodolgica e epis-temolgica para a atuao no novo paradigma de sade, principalmente

    no que tange ao campo da interveno social.Precisamos reivindicar e potencializar nossa participao nos es-

    paos deliberativos e de gesto das polticas do SUS. Fortalecer nossaatuao na assistncia sade da populao brasileira, a partir do Nasf,nos dar mais fora e consistncia enquanto atores sociais. A articulaoentre gesto, ateno, formao e participao popular um caminho decrescimento, que nos vem ensinando o SUS. preciso caminhar e pensar

    sobre os passos que damos. Como diz Paulo Leminski:

    Andar e pensar um pouco,que s sei pensar andando.Trs passos, e minhas pernas

    j esto pensando.Aonde vo dar estes passos?Acima, abaixo?

    Alm? Ou acasose desfazem ao mnimo ventosem deixar nenhum trao?

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    Roda de conversa

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    Marta Elisabeth de Souza1

    Estou na Coordenao estadual de Sade Mental e conheo razoavel-mente o estado de Minas Gerais. Embora o esprito da portaria ministerial

    que institui o Ncleo de Apoio Sade da Famlia (Nasf) seja bem-vindo,existem muitas crticas maneira como o Nasf est sendo implantado, acomo os gestores esto implantando os Ncleos em nosso estado.

    Foi o que pude constatar recentemente, quando visitei o municpiode Una. O secretrio municipal me mostrou uma casa isolada de umaunidade de sade na qual haveria a instalao da equipe do Nasf. Con-siderando que este municpio no possui ateno secundria, conside-

    rando ainda que ele no funciona em rede, ficou evidente que este Nasfiria fazer este papel indo contra aquilo que a Reforma Psiquitrica vemlutando para desconstruir, que so os ambulatrios especializados. Elesforam implantados desde os anos 80 e no temos nenhuma avaliao doimpacto desses servios para a melhoria da qualidade de vida das pessoascom transtornos mentais, tampouco temos informaes sobre a eficciae eficincia desses servios quando pensamos coletivamente.

    Outra questo preocupante diz respeito ao fato de muitos municpios

    j possurem especialistas na ateno primria e que eles mesmos estoenviando projetos para a Secretaria Estadual de Sade e para o Ministrioda Sade, apenas para receber recursos., pois a prtica continua de atendi-mentos de consultrios privados, nas suas demandas individuais.

    Na Regio Sudeste, a entrada de psiquiatras, psiclogos e assistentessociais na rede assistencial do Sistema nico de Sade (SUS) se deu nos anos80 com a clara demanda do Estado de que estes profissionais atendessem,

    individualmente ou por meio de grupos, pessoas com transtornos mentaisgraves, moderados e leves, alm de fazerem intervenes em grupos sepa-rados por diagnsticos (como por exemplo grupo de diabetes, grupo de ges-tantes), de carter informativo, prtica ainda presente em muitos servios desade de Minas Gerais, e, provavelmente, de outros estados da Federao.

    A partir disso, trago algumas reflexes sobre ateno sade men-tal na Ateno Primria:

    1 Psicloga, Coordenadora de Sade Mental de Minas Gerais.

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    A estratgia de se ter criado uma poltica de fortalecimento da aten-o primria no Sistema nico de Sade brasileiro, por meio da constituiodas equipes de sade da famlia, no ano de 1994, tem revelado contextosnos quais emergem os problemas e tambm possibilidades de respostas.

    O trabalho efetivo com pessoas inseridas em seu territrio reveloupara os trabalhadores da sade diversas formas de sofrimento, de de-sassistncia, que transformam as diferenas em desigualdade e exclusosocial. Dentro desse contexto, discute-se o Ncleo de Apoio Sade daFamlia (Nasf), com o objetivo de ampliar a abrangncia e o escopo dasaes da ateno primria e sua resolubilidade, apoiando a insero daestratgia da sade da famlia na rede de servios, e o processo de terri-torializao e regionalizao a partir desse nvel de ateno.

    Como se insere o profissional psiclogo nesse contexto?

    Para falar disso, preciso fazer um resgate na histria recente dasade pblica, na qual o Movimento da Reforma Sanitria pressionava ogoverno a implantar no pas um sistema de sade que garantisse a to-dos os brasileiros acesso s aes de sade - no apenas s pessoas que

    tinham um trabalho formal e a carteira assinada e, portanto, usufruamda assistncia prestada pelo Instituto Nacional de Assistncia Social.Naquela poca, os postos de sade funcionavam apenas com pro-

    fissionais de enfermagem, que realizavam puericultura, aplicao de va-cinas, os agentes da Superintendncia de Campanhas de Sade Pblica(Sucam) e da Fundao Servios de Sade Pblica (Fsesp)., que cuidavam,nos municpios do interior, das aes especficas relacionadas ao combateda febre amarela, doena de chagas e outros agravos epidmicos.

    O campo da sade mental inserido como poltica de sade pblicasurge no final dos anos 70 por meio de uma srie de denncias sobre asituao de funcionamento dos manicmios que revelou a flagrante vio-lao dos direitos humanos a que estavam submetidas as pessoas comtranstornos mentais.

    O tratamento naquelas instituies se resumia a ministrar medica-mentos e prtica de maus tratos, como deixar as pessoas agitadas, con-tidas em camisas de foras ou em solitrias ou, ainda, com ps gema. Aliteratura retrata bem o tratamento oferecido s pessoas portadoras de

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    transtornos mentais, no s no campo da sade mental como tambmno campo da Sade Pblica.

    No incio dos anos 80, com a abertura poltica e com a implantaodas Aes Integradas de Sade e tambm com a reorganizao do Mo-

    vimento Sindical, dos partidos polticos, a organizao de vrios ncleosuniversitrios de Sade Coletiva, dos Movimentos Sociais/Comunitriose com a criao do Movimento dos Trabalhadores de Sade Mental, asociedade brasileira comeou, por meio da mdia, a ver as pssimas con-dies de assistncia oferecidas dentro dos hospitais psiquitricos. Estasdenncias fizeram com que o governo abrisse concurso pblico na reada sade, inclusive para atuao no campo da sade mental.

    Foi neste perodo que alguns profissionais, como psiclogos, psiquia-tras, assistentes sociais, ginecologistas, pediatras, enfermeiros entraramde maneira efetiva para a Sade Pblica. Antes desse perodo, esses pro-fissionais j existiam no Sistema, mas de maneira incipiente e isolada.

    A entrada desses profissionais e principalmente de novas profissespara o campo da Sade Pblica trouxe inmeras mudanas no setor:

    1. No campo da sade mental: inmeros cidados brasileiros tiveram

    contato pela primeira vez em suas vidas com psiclogos, psiquia-tras e assistentes sociais;

    2. Muitas pessoas com transtornos mentais, no apenas os casosgraves,passaram a procurar o Sistema;

    3. As escolas pblicas passaram a demandar os servios dos psiclo-gos devido ao nmero significativo de crianas com problemas deaprendizagem;

    4. Os psiclogos assistentes sociais foram chamados a participar de gru-pos educativo-informativos criados nas Unidades Bsicas de Sade;

    5. Em ltimo lugar, ficou a meta para a qual essas equipes foramconstitudas: dar o suporte para pessoas com transtornos mentaisseveros e persistentes na sua prpria comunidade.

    Pode-se dizer que o mesmo aconteceu com outros profissionais darea da sade que comearam a fazer a prtica de uma assistncia ofe-

    recida nos consultrios privados, alm de atender uma demanda que noera a demanda para a qual foram contratados.

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    A excessiva demanda de usurios na busca dos servios contribuiupara que o atendimento fosse, na maioria das vezes, de baixa qualidade,restrito prescrio de receitas e atendimento psicoterpico individualpor 30 minutos. Ressalta-se que muitos profissionais tambm oferece-

    ram qualidade em seus atendimentos. importante ressaltar esse aspecto da assistncia em sade pblicaoferecida no Pas, pois, apesar de suas limitaes o acesso aos servios desade aumentou, considerando que at os anos 50 e 60, mais da metadedos brasileiros nunca tinha tido acesso a uma consulta mdica.

    No entanto, foi demonstrado com nmeros estticos que apenasampliar a oferta de profissionais no foi suficiente para mudar o quadrosanitrio brasileiro, pois a mortalidade infantil estava muito alta, assim

    como a mortalidade materna.No campo da sade mental, o parque manicomial contava no incio

    dos anos 90 com 316 hospitais psiquitricos, que possuam em torno de100 mil leitos. A incidncia de hansenase havia cado, mas ainda era alta.Nos anos 80, surge a AIDS, que tem acelerado seu crescimento e apare-cem tambm outras doenas.

    Mais uma vez, foi necessria uma mudana no modelo assistencial.

    Existem, ento, dois marcos na assistncia sade:1. A criao dos Centros de Apoio Psicossocial e dos ncleos de apoio

    psicossocial no incio dos anos 90 (Portaria ministerial n 224);2. A criao do Programa de Sade da Famlia em 1994.

    A implantao destas estratgias de ateno demonstrou efeti-vamente impacto na assistncia. A primeira demonstrou que podemos

    prescindir do hospital psiquitrico como o lcuspara o tratamento depessoas com transtornos mentais graves e a segunda mostrou que, prin-cipalmente por meio do trabalho das agentes comunitrios de sade,80% dos problemas de sade da populao podem ser solucionados naateno primria. Estas estratgias demonstraram impacto na assistn-cia, melhorando o acolhimento, o acesso da populao aos servios desade. Como resultado, podemos citar reduo da mortalidade infantil ereduo das internaes psiquitricas.

    Apesar do xito que os dois programas vm demonstrando no setor

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    sade, deve-se lembrar que o trabalho em sade complexo pelos fatosde nele estarem implicados o profissional e o paciente e de a relaoentre os dois ser, no mnimo, permeada de vrios sentidos e significados;sem contar que o processo sade-doena multifatorial e exige dos pro-

    fissionais e usurios diversos nveis de implicaes e compromissos.Sabemos que os Sistemas de Sade ainda so muito fragmentados,so organizados levando-se pouco em conta os problemas efetivos desade uma dada populao.

    Nesse sentido, a compreenso que a Secretaria de Estado de Sade deMinas Gerais tem sobre a questo da sade que a ateno primria deextrema importncia e