(legÍtima defesa permanente)

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 LEGÍTIMA DEFESA PERMANENTE www.soleis.adv.br José Vitalino Neto Advogado militante na Comarca de Itororó (Ba) Tese nascente, alicerçando-se no que dispõe o art. 25 do Código Penal, e tendo, a meu saber, os Professores Jader Marques (Síntese, 1999, p. 63) e José Francisco Oliosi da Silveira, ( este atualmente de saudosa memória), como os seus primeiros defensores, em solo pátrio, é a da legítima defesa permanente. Legítima defesa, consoante os pacíficos entendimentos doutrinários e  jurisprudenciais, é a defesa conforme a o direito em face de um injusto perigos o e ameaçador, segundo a relação de forças e valores da situação, isto é, segundo a ponderação dos interesses contrapostos na situação, consistindo-a, no direito que tem o cidadão de repelir ofensa injusta quando a sociedade ou o Estado não puder oferecer a tutela. A contradição reside no sentido, para certos casos, da atualidade ou iminência da agressão, o que dá azo, doutrinariamente, a três posições distintas: A primeira entende que a agressão deve ser atual, porque, quando prevista, deve ser evitada a qualquer custo. Neste entendimento GALDINO SIQUEIRA (Tratado, I, p. 327), para quem a legítima defesa, encerra a "reação necessária" contra "agressão inevitável". Não há legítima defesa, assevera o saudoso mestre, se a ag ressão, além de ter podido ser evitada por "expedientes concomitantes" podia ter sido prevista e prevenida. Assim, se o indivíduo avisado de que seu inimigo está à sua espera em determinado lugar, para agredi-lo, deve abster-se de sair de casa ou mudar de caminho, se não pode receber socorro da autoridade pública; do contrário, se tiver de reagir contra a agressão esperada, não lhe será dado invocar legítima defesa. Em linha de entendimento oposta, NELSON HUNGRIA, (Comentários ao Código Penal. Forense, V.I, p.280) contesta a afirmativa de Galdino, lecionando que "não há de se indagar se

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LEGÍTIMA DEFESA PERMANENTE

www.soleis.adv.br

José Vitalino Neto

Advogado militante na Comarca de Itororó (Ba)

Tese nascente, alicerçando-se no que dispõe o art. 25 do Código Penal, e tendo, a meu saber,

os Professores Jader Marques (Síntese, 1999, p. 63) e José Francisco Oliosi da Silveira, (este

atualmente de saudosa memória), como os seus primeiros defensores, em solo pátrio, é a da

legítima defesa permanente.

Legítima defesa, consoante os pacíficos entendimentos doutrinários e

 jurisprudenciais, é a defesa conforme ao direito em face de um injusto perigoso e ameaçador,

segundo a relação de forças e valores da situação, isto é, segundo a ponderação dos interesses

contrapostos na situação, consistindo-a, no direito que tem o cidadão de repelir ofensa injusta

quando a sociedade ou o Estado não puder oferecer a tutela.

A contradição reside no sentido, para certos casos, da atualidade ou iminência da

agressão, o que dá azo, doutrinariamente, a três posições distintas:

A primeira entende que a agressão deve ser atual, porque, quando prevista, deve

ser evitada a qualquer custo.

Neste entendimento GALDINO SIQUEIRA (Tratado, I, p. 327), para quem a legítima

defesa, encerra a "reação necessária" contra "agressão inevitável". Não há legítima defesa,

assevera o saudoso mestre, se a agressão, além de ter podido ser evitada por "expedientes

concomitantes" podia ter sido prevista e prevenida. Assim, se o indivíduo avisado de que seu

inimigo está à sua espera em determinado lugar, para agredi-lo, deve abster-se de sair de casa

ou mudar de caminho, se não pode receber socorro da autoridade pública; do contrário, se

tiver de reagir contra a agressão esperada, não lhe será dado invocar legítima defesa.

Em linha de entendimento oposta, NELSON HUNGRIA, (Comentários ao Código Penal.Forense, V.I, p.280) contesta a afirmativa de Galdino, lecionando que "não há de se indagar se

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a agressão podia ser prevenida ou evitada sem perigo ou sem desonra. A lei penal não pode

exigir que, sob a máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos

animais de sangue frio. Em face de uma agressão atual (ou iminente) e injusta, todo cidadão é

quase como um policial, e tem a faculdade legal (além do dever moral ou político) de obstar in

continenti e ex proprio marte o exercício da violência ou da atividade injusta."

A segunda posição é a defendida não só por HUNGRIA, como pela maioria dos

doutrinadores.

Para MIRABETE, "A agressão deve ser atual ou iminente. Atual é a agressão que está

desencadeando-se, iniciando-se ou que ainda está desenrolando-se porque não se concluiu".

Ao dissertar sobre a iminência da agressão, que deve ser imediata, MIRABETE conclui:

"Não há legítima defesa, porém, contra uma agressão futura, remota, que pode ser

evitada por outro meio."

Outro não é o pensamento de MAGALHÃES NORONHA:

"Deve ela ser atual ou iminente. A legítima defesa não se funda no temor de ser agredido

nem no revide de quem o foi. Há de ser presente a agressão, isto é, estar se realizando ou

prestes a se desencadear. Não existe agressão futura ou contra o que já cessou."

Quer parecer, todavia, que a doutrina citada não está na conformidade dos tempos

atuais. Submete-se ao objetivismo de que fala HUNGRIA quando conceitua a atualidade eiminência da agressão.

A terceira posição, que está surgindo, de Oliosi da Silveira e Jader Marques, examina

entendimento da figura da iminência da agressão, sob um aspecto incomum, ou seja, aspecto

do perigo constante da iminência da injusta agressão:

"Legítima defesa permanente: Ocorre quando o perigo é constante, como no caso dopreso jurado de morte pelo companheiro de cela. Para o agente, nessa situação extrema,

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dormir pode significar não mais acordar. Aceita-se, ainda, entre tantas possibilidades, a tese da

legítima defesa permanente, no caso da mulher agredida e jurada de morte pelo marido ou

companheiro. A maioria das agressões ocorridas no interior dos lares constitui uma realidade

triste e muda. São surras violentíssimas, além de não menos terrível violência moral sofrida.

São mulheres e crianças, em sua maioria, vítimas de alcoólatras, drogados, ciumentos,

agressivos, cuja iminência de agressão injusta pode ser constante. Nesses casos, é possível

falar em inversão do ônus da prova. É o MP que passa a ter o dever de provar que não havia

agressão no momento do fato, e não ao acusado de provar a presumida legítima defesa,

porque em estado de permanência.

É possível falar-se em prova acusatória não só do fato (materialidade e autoria), mas

também capaz de afastar a legítima defesa (ônus de prova integral da acusação).

Essa terceira posição traz um ingrediente novo: a distinção entre os substantivos

agressão e perigo. Uma circunstância é o perigo ser atual; outra, a atualidade da agressão. O

fato de a agressão não ser atual, não significa que o perigo não o seja, que inexista. Não é do

simples ato físico da agressão que se defende a vítima, mas do perigo que isso significa. A arma

na mão de alguém não gera o estado de legítima defesa de um indivíduo, a não ser que este se

encontre em perigo, porque o gesto, neste caso, coloca em risco sua integridade. Defende-se a

vítima do perigo que se materializa pela conduta agressiva. É dele que o agredido se protege.

Todo perigo (circunstância que prenuncia um mal para alguém ou para alguma coisa –

AURÉLIO) tem no seu ventre a presença, imediata ou remota, de uma agressão (condutacaracterizada por intuito destrutivo – idem); mas nem toda agressão é capaz de gerar perigo.

Uma criança com três anos que na posse de um estilete manifesta conduta agressiva contra

um adulto jovem, não chega a gerar perigo, senão singela cautela.

G. PENSO (La difesa legittima, p. 108), com muita propriedade, também vem em defesa

da mencionada tese, assim abordando:

"Afirma-se geralmente que deve ser iminente o realizar-se da lesão. Não somos deste

parecer. O que interessa é que o perigo seja atual. Se deste deriva uma iminência da lesão, não

importa. Assim, no caso em que Tício ameace matar-me dentro de três ou quatro dias, se,

digamos, não subscrever um certo documento, não posso estar obrigado, para reagir, a

esperar que expire o prazo, isto é, até que a lesão se torne iminente. Desde o momento da

ameaça, o perigo é atual, e, desde esse instante, se se apresentar a oportunidade de me

subtrair do perigo, agredindo, estou autorizado a fazê-lo."

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São dois os exemplos básicos: o do presidiário que é jurado de morte por um

companheiro de cela, e o da mulher que é vítima de rapto.

Para este último caso, MIRABETE – embora não use a denominação de legítima defesapermanente – entende que a mulher encontra-se em legítima defesa ao agredir o raptor:

"Defende-se legitimamente a mulher vítima de rapto, embora já esteja privada da

liberdade já há algum tempo, pois existe agressão enquanto perdurar essa situação." (op. cit.,

p. 182)

No exemplo do presidiário, o fato muda, mas não muda o aspecto jurídico. No caso dorapto, há um crime; no do presidiário também, há o de ameaça, pelo menos. E não se diga, por

não ser verdadeiro, que a simples comunicação da ameaça à autoridade policial fará com que

cesse o perigo.

Dirigindo-se para o mesmo entendimento, a atualizada e respeitável doutrina de

EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIRERANGELI (Manual de Direito Penal

Brasileiro, Parte Geral, 2. ed., RT, p. 581), expõe:

"O requisito da iminência é coerente se por tal se entende que o agressor pode levá-la a

cabo quando quiser, porque é inequívoca sua vontade de fazê-lo e já dispõe dos meios para

isto, mas não deve ser entendido no mero sentido de imediatismo temporal."

A jurisprudência, como é cediço, em regra, fica quase sempre, na dependência da

doutrina abrir-lhe o caminho. Os Tribunais são submissos ao objetivismo de que fala HUNGRIA.

Não aceitam a interpretação mais adequada aos tempos atuais. Ocasionalmente alguma

decisão colegiada esboça uma pálida abertura para a adoção da legítima defesa permanente:

"Se a atitude da vítima, que antes mesmo de ser perseguida, ante sucessivos

procedimentos indignos, em relação ao acusado, chegando até à iminência de agressão física

pessoal, é hipótese que se não oposta violenta repulsa à agressão iminente, sem dúvida

acarretaria agressão sucessiva, efetiva e atual. Caso típico de legítima defesa real." (JUTACRIM

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A 3ª C.Crim. do TJSP (Rec. 25.132-3, J. 02.04.1984), por unanimidade, decidiu: "No

sistema do CP, basta a presença concreta de perigo para que surja, sem qualquer outra

indagação, a necessidade de defesa".

O núcleo da contradição não reside, portanto, simplesmente, na agressão atual ou

iminente, mas, como enfatizado, no perigo atual da agressão injusta.

10.01.2008

Fonte: Rmetido por e-mail

orge Godinho

1. Introdução 

A legítima defesa, isto é, o direito de defesa (artigo 21.º, 2.ª parte, da Constituição) éuma das causas de justificação do facto (art. 44.º, n.º 5 do Código Penal). Comprovada asua plena verificação, a ilicitude do facto tem-se por excluída. Isto significa que oagente que praticou um facto típico não deve ser punido por tal, concluindo-se pela

inexistência de ilicitude e, como tal, de responsabilidade criminal.

A legítima defesa fundamenta-se, em termos objectivos, na consideração de que oDireito não deve ter de ceder perante o ilícito e subjectivamente, no reconhecimento aoscidadãos de um direito de auto-defesa dos seus interesses. O agressor viola a paz

 jurídica e ameaça bens determinados. O defendente protege o direito objectivo e os seusinteresses.

Na averiguação concreta sobre se uma conduta deve ou não ser considerada como tendosido praticada em legítima defesa são tidos em conta vários critérios. Com vista àsistematização destes critérios podemos distinguir entre pressupostos e requisitos da

legítima defesa.

Os primeiros são critérios de justificação mínimos, sem cuja verificação não se podefalar da existência de actuação em legítima defesa. Sem a verificação dos pressupostos(agressão actual e ilícita) o acto é ilícito, não havendo justificação, total ou parcial, casonão se verifique outra causa de justificação (p. ex., o estado da necessidade).

Os requisitos são critérios de justificação a cuja averiguação só é de proceder quando severifique que no caso concreto estão presentes os pressupostos da legítima defesa. Aausência de requisitos de legítima defesa significa que o facto é parcialmente

 justificado, mas não totalmente. Não é concedido o benefício pleno da legítima defesa,falando então a lei de excesso de legítima defesa.

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2. Pressupostos 

É pressuposto da legítima defesa a existência de uma agressão actual e ilícita.

Por agressão entende-se a lesão ou colocação em perigo de interesses ou bens

 juridicamente tutelados, proveniente de uma acção humana. À defesa contra animais oucoisas inanimadas ou sem vida é aplicável o estado de necessidade. A agressãorelevante para a legítima defesa não tem de ser culposa e pode consistir numa omissão.Admite-se legítima defesa contra agressões provenientes de inimputáveis e pessoasagindo em erro.

A legítima defesa de bens públicos não é em princípio de admitir, a não ser que estejamsimultaneamente em causa bens particulares.

O problema da actualidade da agressão é de natureza temporal: só pode haver legítimadefesa durante a ocorrência da agressão - não antes nem depois. Antes da agressão nada

há que defender. Por outro lado, quando termina a agressão termina a licitude da defesa.O que se faça depois é crime, injustificado.

O carácter actual da agressão deve ser visto do ponto de vista do agredido. A agressãodeixa de ser actual no momento em que o defendente se apercebe de que a agressãoparou. É claro no entanto que se o defendente continua a agredir quando já terminou aagressão isso é uma consequência dos factos anteriores. Haverá então um crime doloso,não justificado, mas atenuado devido a provocação (agressão anterior).

Esta é actual se os factos praticados, salvo circunstâncias imprevisíveis, representamuma perigosidade imediata ou próxima para os interesses ofendidos, de tal modo que adefesa não pode sem aumento do perigo ser retardada.

A tentativa constitui agressão actual. No entanto, não se deve fazer depender a solução adar à questão de saber se a agressão é actual do problema de saber se existe crimetentado ou consumado. A legítima defesa não depende do conceito de consumação, massim da utilidade da defesa no contexto da agressão. No caso do furto, a questão daactualidade da agressão não depende da teoria da consumação do tipo que serve decritério.

Deve haver contiguidade da defesa com o facto que a causa. Não é de admitir a

existência de legítima defesa quando se provoca uma perturbação pública nova, semcontiguidade com a agressão.

A agressão fundamentadora da legítima defesa deve ser ilícita, mas não tem de serpunível. A ilicitude (ilegalidade) da agressão afere-se em termos penais: deve tratar-sede uma agressão de bens jurídico-penalmente tutelados. Se os bens em questão não sãopenalmente tutelados poderá ser aplicável o regime da legítima defesa previsto noCódigo Civil. De resto, a agressão não tem de constituir crime ou sequer de ser culposa.O direito de defesa não pode depender da culpa do agressor. Se existe um dever detolerar a agressão, esta não é ilícita.

3. Requisitos 

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Os requisitos da legítima defesa são a necessidade do meio empregue, a impossibilidadede recurso à força pública e a inexistência de excesso na causa da agressão. Tratam-sede restrições implícitas ao direito de legítima defesa.

Quando estejam disponíveis vários meios para reagir à agressão, o defendente deve

empregar o meio menos gravoso à sua disposição. O meio menos gravoso é aquele quemenos dano causa ao agressor, em condições de razoável indiferença para o agredido.Pode-se diferenciar entre a espécie do meio (p. ex., é menos gravoso reagir à paulada doque a tiro) ou a quantidade da lesão (p. ex., é menos gravoso disparar para o ar do quepara as pernas ou para a cabeça). São abrangidos pela legítima defesa as acçõesdirigidas ao agressor e aos meios por este empregues na agressão.

A defesa é permitida com vista a parar a agressão. Isto não significa que apenas se possarechaçar a agressão mas não já contra-atacar (defesa ofensiva). Pode-se fazer tudo (eapenas) o que for necessário para parar a agressão. A lesão infligida ao agressor deveser o menor possível.

Há excesso, objectivamente, se foi utilizado um meio mais gravoso, havendo àdisposição meios menos gravosos. Se só um meio útil e eficaz para parar a agressão estádisponível é esse meio que se pode usar, sendo irrelevantes considerações acerca dadesproporção dos valores ou interesses em jogo, salvo casos extremos. Na legítimadefesa em princípio não se apela à ponderação de bens.

E de notar que na averiguação da existência de excesso nos meios não se pode serdemasiado rigoroso para com o defendente, porquanto este está numa aflição imediata,o que retira ou pode retirar discernimento. Na avaliação da necessidade do meio devemter-se em conta as capacidades concretas do defendente, na situação concreta em que seencontrava.

Para além disto devem ter-se em conta todas as circunstâncias concretas da ocorrênciada agressão e da defesa, designadamente a intensidade e perigosidade da agressão.

Em termos objectivos, há excesso de legítima defesa se se utilizou meio mais gravosodo que o necessário para repelir a agressão. O excesso de legítima defesa éobjectivamente ilícito e fundamenta a responsabilidade criminal. Admite-se legítimadefesa contra o excesso de legítima defesa.

Em termos subjectivos, pode-se distinguir entre o excesso doloso e o excesso culposo.Esta distinção refere-se aos meios empregues e não à finalidade da defesa: a contra-agressão em que consiste a defesa é sempre dolosa. Não repugna ao Direito que, porexemplo, alguém queira matar para se defender. 0 que repugna é que alguém para sedefender tenha morto outrem quando se poderia ter defendido de uma outra forma, quenão implicasse a perda de uma vida.

Há excesso nos meios doloso quando o agente tem consciência da existência de meiosmenos gravosos do que o necessário e opta conscientemente pela utilização de meiosmais gravosos. Há excesso nos meios culposo quando, não havendo excesso doloso,seria exigível ao agente que empregasse meios menos gravosos.

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O excesso de legítima defesa é um crime punível, doloso ou negligente, consoante ocaso, aplicando-se, nos termos gerais, a distinção entre dolo e negligência e a regra dapunibilidade dos crimes negligentes a título excepcional.

Caso o excesso de legítima defesa, doloso ou culposo, seja motivado por perturbação ou

medo desculpável o agente não é punido.

Outro requisito da legítima defesa é a impossibilidade de recurso à força pública, àsforças da ordem (polícias, etc.) (art. 46.º, n.º 2). Pode ser exigível ao defendente que, emvez de reagir à agressão, apele à intervenção dos órgãos públicos competentes, se aajuda destes se conseguir de forma útil e eficaz e se estes estiverem dispostos a actuar.Este requisito já implicitamente se poderia ter como compreendido na exigência danecessidade do meio e da mesma forma pode ser doloso ou culposo. A exigência desterequisito encontra apoio no artigo 21.º, 2.ª parte, da Constituição.

A agressão deve ser livre na causa (actio libera in causa), isto é: não deve haver excesso

na causa. Com isto se pretende significar que na análise jurídica da situação concreta, sebem que num primeiro momento nos podemos restringir apenas aos factosimediatamente relevantes, num momento posterior cabe analisar outros factos nãodirecta e imediatamente relevantes. Exemplificando: quem comete um crime numestado de inimputabilidade não é punido. Deve- se no entanto perguntar se o agente temculpa na criação do estado de inimputabilidade em que se colocou. Se o agente temculpa do estado (ex: embriaguez) que é a causa do facto, tem culpa da consequência.Esta análise progride até aos limites consentidos pela causalidade. Não se podendoimputar num primeiro momento o facto por não haver dolo ou culpa, cabe perguntar sena causa do facto há dolo ou culpa.

Isto significa que não é por alguém estar a sofrer uma agressão actual e ilícita que hánecessariamente legítima defesa e justificação do facto.

Mesmo que na análise do contexto próximo da acção se chegue a uma conclusãonegativa quanto à imputação e à responsabilidade, isso não termina a indagação. Deve-se regredir a análise a contextos anteriores quantas vezes o permitir a teoria dacausalidade adoptada. Se o agente tem culpa na criação da situação em que surge comodefendente, o facto que pratique em reacção à agressão é-lhe imputável.

Assim deve-se perguntar porque é que a agressão ocorreu. Se aquele que se defende deu

causa à agressão não é justo que o facto seja justificado. Se o agredido deu causa àagressão, não deve beneficiar da justificação plena, ocorrendo uma restrição ao seudireito de defesa. Por outro lado, não deve ter de ficar inteiramente à mercê do ataquedo provocado-agressor. Há que aplicar um regime análogo ao excesso nos meios, porhaver defesa culpada.

Cabe distinguir entre excesso na causa doloso e culposo. Excesso na causa sóverdadeiramente existe quando alguém dá causa à agressão por mera culpa. Com efeito,se alguém estimulou dolosamente o agressor o que verdadeiramente se verifica é aexistência de um ardil: a produção dolosa de uma situação aparente de defesa (defesapreordenada). E uma armadilha, uma situação que revela perigosidade, frieza de ânimo.

E crime, e agravado, não havendo qualquer justificação. Só há justificação parcial se o

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excesso na causa é culposo ou doloso não preordenado, o que sucede quando alguém dácausa a uma reacção agressiva sem intenção ou consciência de o estar a fazer.

Assim, por analogia com o excesso nos meios e por aplicação do regime geral doscrimes negligentes, o excesso na causa culposo só é punido se a lei admitir a punição do

crime negligente correspondente.

A actio libera in causa é uma estrutura analítica aplicável a todos os casos deresponsabilidade fundada na culpa.

4. Legítima Defesa Alheia 

A legítima defesa alheia deve ser tratada em alguns aspectos de forma mais benévola enoutros de forma mais severa do que a legítima defesa própria.

É pressuposto, da mesma forma, a existência de uma agressão actual e ilícita. No

entanto, em situações confusas, já em curso, um terceiro pode não ter meios de saberquem é o agressor e quem é o defendente. As condições de licitude da intervenção deum terceiro têm de ser abrandados pois não podem estar dependentes de saber quemcomeçou a agressão - o que, na relação entre agressor e defendente, é fundamental.Desencorajar-se-ia a legítima defesa alheia se se exigisse ao terceiro que intervém comvontade de pacificar que apurasse sempre quem é o agressor. A legítima defesa alheia éum acto nobre que não deve ser desencorajado.

Relativamente à intensidade do meio empregue na defesa, deve ser-se mais exigente.Para com o agredido é-se benévolo porque este está a sofrer um ataque, o que não sepassa com o terceiro.

Relativamente aos elementos subjectivos, pode suceder que a perturbação emocional deum terceiro seja até maior do que a do agredido. Seja o caso de um pai que depara comuma agressão a um filho.

5. Elementos Subjectivos 

Nas causas de justificação há elementos objectivos e subjectivos.

A este propósito, discute-se se é de exigir do defendente um particular conteúdo de

vontade ou uma intenção caracterizada de certo modo (animus defendendi) e se é deexigir o conhecimento da agressão actual e ilícita.

A resposta a ambas as questões é, a nosso ver, negativa. Os sentimentos do defendente(quaisquer que sejam, o que pode incluir o desejo de vingança) não são relevantes. Nadamais se exige para além da existência de uma agressão actual e ilícita.

Também não é de exigir o conhecimento da agressão. Uma defesa casual, porcoincidência, beneficia da legítima defesa.

A necessidade de proceder à investigação do conteúdo psíquico do agente

desequilibraria o instituto, pois é muitas vezes difícil provar o animus defendendi. Alegítima defesa é um direito básico; a ordem jurídica tem de assistir ao defendente que

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deve ser tratado benevolentemente. Se se impusesse um requisito subjectivo positivoestar-se-ia a sobrecarregar o agente com um ónus difícil de provar.

A ordem jurídica deve assistir ao agredido pois, de facto, num primeiro momento háuma agressão e o ilícito triunfa o facto consumado funciona sempre.

Perguntar-se-á: como se distingue o agressor do agredido numa situação de legítimadefesa casual? A resposta tem de ser, a nosso ver, a de que a legítima defesa beneficiaambos: é esta a consequência que se deve aceitar, para não desequilibrar o instituto. Noentanto, as situações de legítima defesa casual são raríssimas.

Em conclusão: a defesa com excesso nos meios, na causa ou sem recurso à força pública(quando exigível) é ilícita, podendo a pena ser atenuada. Ainda as sim, o agente nãodeve ser punido se agiu dominado por perturbação, susto ou medo.

6. Erro 

Seja qual for o tratamento que se der ao problema do animus defendendi, o erro relevanegativamente.

A suposição de um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto, é causade exclusão de dolo, por aplicação das regras sobre o erro. O erro pode incidir sobre ospressupostos ou sobre os requisitos de legítima defesa.

Havendo erro sobre os pressupostos, o dolo é excluído.

Havendo erro sobre os requisitos, por maioria de razão, o dolo é também excluído: seexiste uma situação real de legítima defesa e o defendente erra apenas quanto àexistência de um meio menos gravoso, faz sentido que o dolo seja excluído. O errosobre os requisitos exige maior benevolência.

Discute-se o tratamento a dar aos casos de excesso de legítima defesa putativa, em quealguém, supondo a existência de uma agressão actual e ilícita, reage de uma forma que,a existir a agressão, seria excessiva. A nosso ver, não se pode aplicar o regime doexcesso de legítima defesa porque este pressupõe a existência de uma agressão real. Poroutro lado, a exclusão do dolo só é de aplicar quando a acção, a existir a agressão, fosseplenamente justificada, mas não já quando há excesso. Isto porque aquele que actua em

excesso de legítima defesa em reacção a uma agressão real é punido com a penaaplicável ao crime doloso correspondente, eventualmente atenuada. Não faria sentidoque aquele que age em excesso de legítima defesa putativa viesse a ser punido de formamais benévola.

7. Casuística 

a) A é nadador-salvador em serviço numa praia. Ao ver B, banhista, em dificuldades e apedir socorro, A nada faz. C aponta uma arma a A e diz-lhe que o mata se não for salvarB.

b) A vê que B vai fazer explodir dois pilares da ponte Macau-Taipa. Para deter B, A,que não pode em tempo útil alertar quem quer que seja, agride B na cabeça.

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c) A, pianista, toca diariamente. B, exasperado por não conseguir dormir, invade a casadeste e destrói o piano.

d) A, furta a carteira de B e foge. B, após demorada perseguição consegue agarrar A,dá-lhe vários socos e murros e recupera a carteira.

e) Em certo dia, A agride B. Três dias depois B, para se vingar da agressão sofrida,agride A.

f) A, circulando na rua, ouve B correr na sua direcção. Julgando que B o ia agredir, Avira-se de repente e dispara, matando B.

g) A, recluso num estabelecimento prisional, não foi libertado no dia em que devia tersido. Exasperado, A agrediu um guarda e furtou-lhe a arma, com a qual destruiu asportas fechadas que encontrou até conseguir escapar do estabelecimento prisional.

BIBLIOGRAFIA: Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Coimbra, 1965; FigueiredoDias, Direito Penal, policopiado, Coimbra, 1975; Manuel Cavaleiro de Ferreira, DireitoPenal Português, I, Verbo, 1981; Claus Roxin, As restrições ético-sociais ao direito delegítima defesa, in Problemas fundamentais de Direito Penal, Vega, Lisboa, 1986, pág.197 e ss.; Günter Stratenwerth, Derecho Penal, Parte General, I, El Hecho Punible(tradução castelhana da 2.ª edição alemã, 1976), Madrid, 1982; Johannes Wessels,Derecho Penal, Parte General (tradução castelhana da 2.ª edição alemã, 1976), BuenosAires, 1980; H. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General (traduçãocastelhana da 3.ª edição alemão, 1978). vol. I, Barcelona, 1981.

Jorge Godinho - Jurista Gabinete para os Assuntos Legislativos

Artigo publicado na edição de «O Direito» de Janeiro de 1993

Qual o efeito jurídico-processual decorrente da falta de comprovação da excludente de

legítima defesa alegada pelo réu?

Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Elaborado em 03/2000.

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Desativar Realce a A

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De acordo com o disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, "A prova da alegação

incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir

sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante".

Com base na primeira parte desta regra, verifica-se que o processo penal brasileiro adotou um

sistema que reparte o ônus da prova entre as partes: a prova da alegação incumbirá a quem a

fizer.

Assim, à acusação compete provar a existência do fato típico denunciado, na totalidade de

seus elementos, e a respectiva autoria. Por exemplo, se a imputação é de homicídio

qualificado pela paga, ao Ministério Público caberá comprovar a conduta, a identidade doautor, o resultado morte da vítima, o nexo causal entre a conduta e o resultado danoso, o dolo

homicida e o recebimento da vantagem pelo agente. E à Defesa, por seu turno, cabe provar os

fatos que extingam ou modifiquem a pretensão punitiva estatal. Por exemplo, se o réu, na

defesa prévia, alega ter agido em legítima defesa, a ele compete a prova cabal da excludente,

ou, se alega a ausência de dolo, também é dele a tarefa de demonstrá-la.

Em sua monografia "Da Prova no Processo Penal", seguindo a mesma linha de pensamento

expressada por Hélio Tornaghi (in Instituições de Processo Penal, vol. IV, p. 226), CamargoAranha, ao tratar do ônus da prova nas justificativas penais, assim se manifesta:

"Como fatos modificativos temos, à título de exemplo, todos os que importem na

exclusão da antijuridicidade. Daí por que constitui um ônus da defesa provar a legítima defesa,

o estado de necessidade, as causas supralegais etc" (p. 13).

Nesse sentido, da jurisprudência gaúcha: "O Estado admite, excepcionalmente, que alguémmate alguém, mas usando moderadamente dos meios necessários, para repelir injusta

agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Faz-se necessário, para o

reconhecimento da legítima defesa própria, que todos os pressupostos legais alegados

estejam reconhecidos nos autos" (RJTJRGS 108/88); "A prova desta excludente, ainda que

mínima, é encargo da defesa. " (A.C. nº 694130584, Terceira Câm. Crim., TJRGS).

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Esta bipartição do ônus não quer significar, porém, que a falta de comprovação da legítima

defesa alegada implique na condenação do réu, tal como proclamado em setores da

 jurisprudência (TJRJ, ACrim 1.316, RT 649/302; TACrimSP, ACrim 606.871, 2ª Câm.,

RJDTACrimSP 7/151) e da doutrina ("Se, em contrapartida, o réu alega em sua defesa, uma

excludente de ilicitude, e não se desencumbe satisfatoriamente do ônus de provar as suas

alegações, acabará sendo condenado, conforme preconiza a máxima de experiência advinda

do Direito Romano: Reus nin excipiendo fit actor, signifindo que aquele que apresenta umaexceção de defesa, incumbe-lhe o dever de fazer prova do evento que lhe seja favorável" (Irajá

Pereira Messis, Da Prova Penal, pág. 181).

Ao réu não compete fazer prova plena e completa em apoio à sua defesa, porquanto a prova

insuficiente pode mostrar ser "provável" a existência da legítima defesa e justificar assim a sua

absolvição (inc. VI do art. 386 do CPP), ao reverso do que se dá com a acusação, que somente

pode ser procedente com provas "decisivas", "plenas", "definitivas" no sentido de que o réu

"não agiu em legítima defesa".

Quando a legítima defesa não é cabalmente provada pelo interessado, desde que não tenha

sido uma mera alegação defensiva, caracterizada pela ausência de mínimo reforço probatório,

mas encontre alguma base nos elementos de convicção que a façam provável, possível,

verossímil, e sem que o juiz disponha, no processo, de elementos outros para persuadir-se

pela inocorrência da excludente, porque tênue e inconsistente a prova produzida pela

acusação, sem conseguir atingir, assim, o indispensável "estado de certeza sobre a ilicitude da

conduta", a sentença deverá ser absolutória (art. 386, VI, do CPP), por imposição do "in dubio

pro reo": "A dúvida sobre a ocorrência da legítima defesa leva necessariamente à absolvição

do réu, já que, para a sua condenação, é necessária certeza sobre a inexistência da excludente,

mas o ato absolutório, nas circunstâncias inicialmente referidas, deverá ter por fundamento o

inc. VI e não o inc. V do CPP" (RJTJRGS 131/191 - "A dúvida sobre a legítima defesa, sendo uma

dúvida sobre a ilicitude da ação, importa em dúvida sobre o próprio crime, ensejando a

absolvição no art. 386, inc. VI, do CPP" (Julgados do extinto TARGS 66/66).

A regra da bipartição do ônus probatório não pode ser literalmente interpretada. Pensar-se

que a ausência de prova da legítima defesa, por se tratar de desatenção do ônus da parte,sendo certas a autoria e a materialidade, importaria na condenação, sob o argumento de que

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o juízo provisório da ilicitude, nascido com o cometimento do fato típico (o tipo exerce a

função de indiciar a ilicitude), afirmar-se-ia como juízo definitivo, é arrematado absurdo à luz

do direito penal constitucionalizado e dos demais princípios do Estado Democrático de Direito.

Como juízo de censura, individualizado e intranscendente por expressa disposição

constitucional, a culpabilidade pressupõe "certeza" sobre a "existência", "tipicidade" e

"ilicitude do fato".

Na medida em que o processo não permite ao julgador persuadir-se da "antijuridicidade" ou

"ilicitude" do fato, não só pela ausência de prova escorreita da legítima defesa pelo réu, mas

também em virtude de a acusação não haver logrado rechaçá-la, vez por todas, como tese

defensiva, a dúvida sobre a ilicitude estará instalada, e, por conseqüência, o julgador não terá

a certeza de que o homem sobre o qual deva emitir o juízo de culpabilidade praticou um fato

antijurídico, e não é concebível, na vigência de um Estado Democrático de Direito, sob o

primado do princípio da culpabilidade, a emissão de veredicto condenatório fundamentadotão só na literalidade da regra da bipartição do ônus estabelecida pelo art. 156 do CPP.

Alegada a excludente, mas não logrando a prova impor a certeza quanto aos seus elementos

fáticos, o julgamento deve ser "pro reo", como se a legítima defesa tivesse sido efetivamente

comprovada. Para condenar é exigível prova incontroversa da responsabilidade criminal e uma

 justificativa que não foi seguramente excluída pela prova é quanto basta para negar a

responsabilidade criminal.

Nas palavras de Américo Taipa de Carvalho, renomado penalista lusitano, "condenar alguém,havendo dúvida razoável sobre a verificação de um elemento constitutivo de uma causa de

 justificação (tipo justificador), é, humana e jurídico-penalmente, tão inadmissível e injusto

como considerar e dar como provada (e, assim, condenar) a prática do fato típico (tipo legal

em sentido estrito), apesar de existir e permanecer dúvida razoável sobre a verificação de um

elemento do respectivo tipo legal. Por outras palavras: é tão injusto condenar alguém,

havendo dúvida razoável sobre a justificação do fato típico como condenar alguém, havendo

dúvida razoável sobre a tipicidade da conduta. Tal como no primeiro caso, também, no

segundo, há dúvida sobre a ilicitude do fato; donde que a solução não pode deixar de ser

senão a imposta pelo princípio in dubio pro reo" (A Legítima Defesa).

O princípio da verdade real, expressamente consagrado na segunda parte do art. 156 do CPP

("... mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de

ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante"), ao mesmo tempo em que não

deixa o juiz adstrito às provas requeridas pelas partes, exatamente por que o processo deve

ser reconstituir a verdade da realidade do fato, impõe ao julgador o "dever de investigar", para

que, através da sua própria atividade de investigação, alcance a verdade, obtendo convicção

das circunstâncias necessárias para a condenação ou convicção sobre a ausência destas

circunstâncias. Não conseguindo atingir a sensação de posse da verdade, o juiz deve absolver,

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incidindo o princípio "pro reo", a despeito do desatendimento, por parte deste, do ônus

bipartido de que versa o art. 156.

A regra de repartição do ônus da prova deve ser compreendida, relativamente à defesa, à luzda presunção constitucional de não-culpabilidade, que é ônus do réu a prova da excludente

alegada (e não que o Ministério Público, além do dever de demonstrar a ocorrência do fato e

da respectiva autoria, também deva comprovar que este não se deu em legítima defesa), mas

nada além disso, muito menos que a falta de comprovação da excludente justifique a

condenação, a despeito das incertezas sobre a ilicitude do fato geradas pela pobreza

probatória do processo !

Quando o julgamento criar no espírito do juiz dúvida razoável sobre a verificação da legitima

defesa, invencível porque inexistentes elementos outros no processo que possam dissipá-la,

deve o réu ser absolvido. Na judiciosa lição de Manuel Cavaleiro Ferreira, "Os fatos ou

elementos impeditivos nada mais são que elementos negativos dos fatos constitutivos ou

extintivos. Por isso, a dúvida sobre a existência daqueles é também uma dúvida sobre a

existência destes. A dúvida sobre a existência de legítima defesa é também necessariamente

uma dúvida sobre o fato penalmente ilícito, sobre a ilicitude" (Processo Penal, 1956, p. 312).

Arremate conclusivo sobre o assunto vem de Figueiredo Dias: "O princípio "in dubio pro reo"

aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores eagravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legítima

defesa). A persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido

favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à conseqüência imposta no caso de se ter

logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido. Não assiste, deste modo,

qualquer parcela de razão ao STJ quando afirma, no seu Acórdão de 14 de Julho de 1971, que

tratando-se duma causa justificativa do fato, é ao réu que cabe alegá-la e prová-la" (Direito

Processual Penal, 1974, pp. 21 1-9).

Assim numa sentença, não se pode adotar a seguinte formulação: o réu invocou a legítima

defesa, mas não conseguiu fazer a prova de tal; assim, ele é de condenar. A formulação

deveria ser: o juízo investigou a questão da legítima defesa invocada pelo réu, mas a questão

não se conseguiu esclarecer com segurança, assim, ele é absolvido.

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A legítima defesa no direito brasileiro

Autor:Anna Carolina Franco Coelho

Texto extraído do Boletim Jurídico - ISSN 1807-9008http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1577

I – INTRODUÇÃO 

Controversa e evocada diversas vezes nos tribunais, a legítima defesa, como prescritanos arts. 23 a 25 do Código Penal é o tema estudado neste presente trabalho, que tem oescopo conceituá-la ao se deter nas questões mais controversas que a envolvem,observando as muitas teorias sobre o tema, comparando-as inclusive com a práticapenal, por meio de jurisprudências e entendimentos do Tribunal de Justiça do Estado deSão Paulo.

II – DO CRIME

1 – Conceito Define-se o crime sobre o aspecto formal ou substancial, segundo NORONHA.

O primeiro, baseia-se na conduta humana infratora da legislação penal. No entanto, épreciso complementá-la com a definição que concerne ao contexto ontológico do delitocomo, por exemplo, a razão pela qual a conduta é transgressora da lei, ou o que motivouo legislador a puni-la. Essa é, entretanto, uma visão apenas limitada do aspectosubstancial, ao considerar o delito natural nos termos individuais. Pois é justamente abusca por normas que conduzam à consecução da harmonia e equilíbrio sociais,intrínsecas à finalidade do Estado, que irão satisfazer as necessidades para a

coexistência social.

O conceito substancial de crime, para o ilustre doutrinador, é dado nos seguintes termos:“crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pelalei penal. Sua essência é a ofensa ao bem jurídico, pois toda norma penal tem porfinalidade sua tutela”.[1] 

O conceito dogmático do delito é “ação típica antijurídica e culpável” [2]. O delito nãoexiste sem uma ação ou omissão, a qual se deve ajustar à figura descrita na lei (atipicidade, portanto), opor-se ao direito e ser atribuível ao sujeito a título de culpa latu

sensu, ou seja, dolo ou culpa. [3] 

1.1 Da Ação

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Sem a ação o delito não existe. A ação positiva é sempre é sempre constituída pelomovimento do corpo, seja por meio dos membros locomotores ou por meio demúsculos. Já a ação negativa, ou a omissão, é também uma conduta, muito embora elanão se manifeste por meio de um movimento corpóreo. Ao contrário, é a abstençãodesse movimento.[4] 

1.2 Da tipicidade

Para que possa ser considerada a existência de um delito, necessário que a conduta(ação positiva ou negativa) seja típica, ou seja, que tal conduta esteja inserida na leipenal: “Ao mesmo tempo em que o legislador, definindo o delito, cria o tipo, exige ointeresse individual em todo o regime de liberdade, que a ação humana se lhe ajuste. É oque se denomina tipicidade”. [5] 

No entanto, a conduta, apesar de típica, pode não ser criminosa ou antijurídica, fazendoda tipicidade “indício ou ratio cognoscendi da antijuridicidade”

1.3 Da antijuridicidade

A conduta é antijurídica ou ilícita quando é contrária ao direito, ou seja, quando for umfato definido na lei penal e não estiver protegido por causas justificativas, tambémdefinidas pela própria lei, como se dá com artigo 23 do Código Penal.

A antijuricidade pode ser considerada em seu aspecto formal ou material, sendo que oprimeiro é o caso supramencionado: a oposição a uma norma legal. O aspecto material,por sua vez, projeta-se fora do direito positivo, pois se constitui da “contrariedade dofato às condições vitais de coexistência social ou de vida comunitária, as quais,protegidas pela norma, se transforma em bens jurídicos”[6] 

Segundo MIRABETE, na antijuridicidade material “leva-se em conta, por exemplo, oordenamento jurídico, do qual se deduz um pensamento do legislador em que se revelaser justificado o fim da ação” [7] Seriam, segundo o autor, os casos de intervençãocirúrgica, o castigo infligido pelo mestre a seus alunos, a lesão a um bem menosimportante em salvaguarda de outro de menos valia, etc.

III – DA EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE 

Direito brasileiro prevê as causas que excluem a antijuridicidade do fato típico. São oschamados tipos permissivos, e excluem a antijuridicidade por permitirem a prática deum fato típico.

Segundo o entendimento adotado, a exclusão da antijuridicidade não implica odesaparecimento da tipicidade, mas sim torna a conduta típica justificada. [8] 

MIRABETE acrescenta que, de acordo com a teoria dos elementos negativos do tipo, ascausas de justificação não tornam a conduta típica justificável, mas eliminam atipicidade. Isso porque, de acordo com esta teoria, o tipo constitui apenas a partepositiva do tipo total de injusto, a que se deve juntar a parte negativa representada pela

concorrência dos pressupostos de uma causa de justificação. Ou seja, somente será

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típico o fato que também for antijurídico e, presentes os requisitos de umadiscriminante, não há que se falar em conduta típica.

O artigo 23 do Código Penal dispõe que não há crime quando o agente pratica o fato emestado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no

exercício regular do direito.

Porém, além da parte geral do referido ordenamento, existem algumas normaspermissivas elencadas na Parte Especial, como por exemplo, a possibilidade de omédico praticar aborto se não há outro meio de salvar a gestante ou, ainda, se a gravidezresulta de estupro (artigo 128 do Código Penal); a ofensa irrogada em juízo na discussãoda causa, pela parte ou seu procurador; a opinião desfavorável da crítica literária,artística ou científica e o conceito desfavorável emitido por funcionário público, emapreciação ou informação que preste no cumprimento do dever de ofício (artigo 142).[9] 

Se estiverem presentes no fato os elementos objetivos constantes da norma permissiva,

deixa de ter caráter antijurídico, não se indagando sobre o conteúdo subjetivo que levouo agente a praticá-lo. Porém, além de elementos objetivos, devem estar presentestambém os subjetivos. Assim, não estará em legítima defesa o sujeito que atira em seuinimigo, que está, por baixo de seu sobretudo, com uma arma escondida, sem que elesoubesse desse fato. Embora estejam presentes os requisitos da legítima defesa, oelemento subjetivo não está, uma vez que o sujeito teria que ter conhecimento do fatoque lhe concederia o direito de se defender. [10] 

NUCCI também apóia a teoria subjetiva, sugerindo, inclusive que “melhor teria agido olegislador se tivesse feito constar, expressamente, na lei penal, como fez o Código Penalitaliano, a consciência da necessidade de valer-se da excludente.” [11] 

NORONHA, por sua vez, adota a teoria objetiva no que se refere às excludentes deilicitude. Objetiva porque se reduz à apreciação do fato, qualquer que seja o estadosubjetivo do agente, qualquer que seja sua convicção. Ainda que o sujeito pense queestá praticando um crime, se a situação de fato for legítima defesa, esta nãodesaparecerá. Ou seja, o que está na mente do agente não mudar o que se encontra narealidade do acontecido. [12] 

Consequentemente, não se exclui a legítima defesa do ébrio, do insano, etc. quando asituação externa era a de quem legitimamente se defende. [13] 

1 – Causas supralegais de exclusão da antijuridicidade

O Direito do Estado, por ser estático, não esgota por meio da lei todas as possibilidadesque justificariam a conduta típica humana.

Nas palavras de MIRABETE:

“Como a razão de ser do direito é o equilíbrio da vida social e a antijuridicidade nadamais é do que a lesão de determinado interesse vital aferido perante as normas decultura reconhecidas pelo Estado, afirma-se que não se deve apreciar o antijurídico

apenas diante do Direito legislado, mas também dessas normas de cultura.” [1]

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Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2006.l p.170.

E, sobre o tema, cita os seguintes exemplos: a correção de menores não sujeitos àautoridade legal de quem os castiga; o tratamento médico (que seria o exercício legal da

medicina) dos pais aos filhos; os castigos não previstos em regulamento escolar, semque ocorra abuso por parte do professor, entre outros.

NUCCI cita um exemplo de causa extrapenal de exclusão da antijuridicidade, previstano Código Civil, em seu artigo 1.210, parágrafo primeiro: “O possuidor turbado, ouesbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o façalogo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável àmanutenção, ou a restituição da posse.” O Código Penal prevê a hipótese de utilizaçãoda legítima defesa apenas em caso de agressão atual ou iminente, mas nunca, aocontrário deste dispositivo do Código Civil, em situação em que a agressão já cessou.

O mesmo autor cita, ainda, o consentimento do ofendido como excludente supralegal,consistente no desinteresse da vítima em fazer valer a proteção legal ao bem jurídicoque lhe pertence.

Para aplicação das causas supralegais de exclusão da antijuridicidade, soluções que mais justas para o caso concreto devem ser buscadas, desde que razoáveis e em conformidadecom a lei penal.

IV – DA LEGÍTIMA DEFESA

1 – Conceito e fundamento

A legítima defesa é a segunda causa de exclusão da antijuridicidade prevista pelo artigo23 do Código Penal, e está regulada no artigo 25 do mesmo ordenamento: “Entende-seem legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injustaagressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Segundo NUCCI, “é a defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual ouiminente, contra direito próprio ou de terceiro, usando, para tanto, moderadamente, osmeios necessários.”

E continua:

“Valendo-se da legítima defesa, o indivíduo consegue repelir as agressões a direito seuou de outrem, substituindo a atuação da sociedade ou do Estado, que não pode estar emtodos os lugares ao mesmo tempo, através dos seus agentes. A ordem jurídica precisaser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e dinâmico”. Nucci,Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo :Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 222

Várias teorias explicam os fundamentos da legítima defesa. Existem as teoriassubjetivas, que a consideram como causa excludente da culpabilidade e fundam-se na

perturbação de ânimo da pessoa agredida ou nos motivos determinantes do agente, queconferem licitude ao ato de quem se defende.

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As teorias objetivas, apoiadas por MIRABETE, por sua vez, consideram a legítimadefesa como causa excludente da antijuridicidade, e fundamentam-se na existência deum direito primário do homem de se defender, na retomada pelo homem da faculdadede defesa que cedeu ao Estado.

2. Requisitos da legítima defesa

São os requisitos da legítima defesa: a) a reação a uma agressão atual ou iminente einjusta; b) a defesa de um direito próprio ou alheio; c) a moderação no emprego dosmeios necessários à repulsa; e d) o elemento subjetivo.

2.1 Agressão atual ou iminente e injusta

Agressão, segundo MIRABETE, é um ato humano que lesa ou põe em perigo umdireito e que,

“embora, em geral, implique em violência, nem sempre esta estará presente na agressão,pois poderá consistir em um ataque sub-receptício (no furto, por exemplo), e até emuma omissão ilícita (o carcereiro que não cumpre o alvará de soltura, o médico quearbitrariamente não concede alta ao paciente, a pessoa que não sai da residência apóssua expulsão pelo morador, etc.) É reconhecida a legítima defesa daquele que resiste,ainda que com violência causadora de lesão corporal, a uma prisão ilegal.” Mirabete,Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2006.l p. 178.

Importante ressaltar que não necessariamente a agressão precisa ser uma conduta típica,como é o caso do furto de uso, o dano culposo, a prática de ato obsceno em local nãoexposto ao público, etc. [14].

Embora a legítima defesa só possa ser invocada quando a agressão parte de uma açãohumana, não havendo legítima defesa contra ato da natureza, por exemplo, é possívelinvocá-la quando a agressão partir de uma multidão em tumulto, ainda que,individualmente, nem todos os indivíduos objetivassem tal agressão. [15] 

A agressão deve ser atual ou iminente. “Atual é a agressão que está desencadeando-se,iniciando-se ou que ainda está desenrolando-se porque não se concluiu.” [16] 

Pode tratar-se de agressão iminente, que está para ocorrer, que não permita demora à

repulsa.

Importante ressaltar que, em se tratando de legítima defesa, a fuga não é exigível, pois alei não pode impor ao indivíduo que ele seja covarde[17].

No entanto, não há que se falar em legítima defesa contra uma agressão futura, que podeser evitada por outro meio. O temor, ainda que fundado, não é suficiente para legitimara conduta do agente, ainda que verossímil. [18] 

A agressão. Como já visto, há que ser atual ou iminente, porém, não se exclui tal justificativa contra atos preparatórios, sempre que estes denunciarem a iminência de

agressão. [19] 

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2.2 Agressão contra direito próprio ou alheio

Somente se pode invocar a legítima defesa quem estiver defendendo bem ou interesse juridicamente protegido. Por exemplo: não há que se falar em legítima defesa contraagressão a bem sem proteção jurídica, como é o caso dos entorpecentes.

O “terceiro” a que se refere a lei, pode ser alguém que a pessoa nem mesmo conhece:essa é uma das hipóteses em que o direito admite e incentiva a solidariedade. O terceiropode, ainda, ser pessoa física ou jurídica, inclusive porque esta não pode agirsozinha.[20] 

NUCCI destaca, ainda, as especiais situações do feto e do cadáver, que não são titularesde direitos, pois não são considerados pessoa, ou seja, não possuem personalidade. São,no entanto, interesses da sociedade e, quando são protegidos por alguém, dá-secumprimento ao artigo 25 do Código Penal, tratando-se de hipótese admitida eplausível.

Para NUCCI a configuração da hipótese de legítima defesa de terceiro nãonecessariamente depende do consentimento do agredido, desde que se trate de bemindisponível, como a vida. No caso de se tratar de bem disponível, como o patrimônio, odoutrinador acredita ser importante o consentimento da vítima, caso seja possível. [21] 

Quanto à delicada questão de legítima defesa contra a honra, no caso de adultério,NUCCI posiciona-se da seguinte forma: é possível aceitar a excludente de ilicitude,desde que seja uma reação moderada, como a expulsão do ofensor, destruindo algumbem dele ou mesmo do amante. Seria uma demonstração do inconformismo, mas com ocontrole que se espera do ser humano preparado a viver em sociedade.

Para NORONHA não existe legítima defesa aplicada para esse caso. Entende o IlustreDoutrinador que desonrada é a prevaricadora. “No estágio atual da civilização, o maridonão tem o jus vitae ac necis sobre a mulher e seu amante” [22] 

2.3 Moderação no emprego dos meios necessários

Meios necessários são definidos por NUCCI da seguinte forma: “são os eficazes esuficientes para repelir a agressão ao direito, causando o menor dano possível aoatacante”. [23] 

Deve haver proporcionalidade entre a defesa empreendida e o ataque sofrido, quedeverá ser apreciada no caso concreto, não se tratando, portanto, de um conceito rígido.Se o meio fundar-se, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a moderação basear-se-á no número de tiros necessários para deter a agressão.

Conforme sustenta NUCCI: “A escolha do meio defensivo e o seu uso importarão naeleição daquilo que constitua a menor carga ofensiva possível, pois a legítima defesa foicriada para legalizar a defesa de um direito e não para a punição do agressor.”[24] 

2.4 Jurisprudências acerca dos temas abordados

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LEGÍTIMA DEFESA - Caracterização - Briga de trânsito - Vítima, que armada com um"tchaco", avançou em direção ao réu - Disparos efetuados com intenção de repeliragressão iminente e injusta - Uso moderado dos meios necessários à repulsa -Absolvição decretada - Recurso provido. ( Apelação Criminal n. 154.982-3 - Itu - 3ªCâmara Criminal de Férias - Relator: Irineu Pedrotti - 10.07.95 - V.U.)

LEGÍTIMA DEFESA - Caracterização - Disparos efetuados por vigia de empresa -Agressão iminente e injusta - Vítima, que após agredir de surpresa parceiro dasegurança, avançou empunhando pedaço de pau - Absolvição sumária decretada -Recurso não provido. (Recurso em Sentido Estrito n. 173.366-3 - Diadema - 1ª CâmaraCriminal - Relator: Marcial Hollanda - 19.06.95 - V.U.)

LEGITIMA DEFESA - Própria - Caracterização - Hipótese de lesão corporal grave -Duas facadas na vítima - Resposta à injusta agressão - Testemunhos que corroboraram aversão do acusado - Uso, ademais, de meios moderados e necessários - Preenchimentodos requisitos da excludente verificado - Absolvição decretada - Recurso provido.

(Relator: Denser de Sá - Apelação Criminal n. 126.585-3 - Jandira/Barureri - 23.12.93)

LEGÍTIMA DEFESA - Excludente de ilicitude que não pode ser reconhecida de planose existem dúvidas quanto a utilização moderada, pelo agente, dos meios necessários arepelir injusta agressão - Absolvição sumária - Inadmissibilidade - Pronúncia -Homicídio qualificado - (TJPR) - RT 841/621

LEGÍTIMA DEFESA - Caracterização - Homicídio - Agente que reagiu à injusta e atualagressão perpetrada pela vítima - Meios empregados que foram proporcionais àscircunstâncias existentes ao caso concreto (TJPE) - RT 842/616

LEGÍTIMA DEFESA - Ocorrência - Agente que, para defender a integridade física desua filha e a dele próprio, utiliza-se dos meios necessários para fazer cessar a injustaagressão - Inteligência do art. 23, II, do CP (TJPR) - RT 835/649

HOMICÍDIO - Pronúncia - Inadmissibilidade - Prova dos autos que evidenciam aexcludente de legítima defesa - Uso de meios moderados para deter agressão atualinjusta - Absolvição sumária - Recurso provido para esse fim. (Recurso em SentidoEstrito n. 212.539-3 - Porto Ferreira - 3ª Câmara Criminal Extraordinária - Relator:Fanganiello Maierovitch - 01.09.97 - V.U. * 744/561/4)

V – OUTRAS QUESTÕES ACERCA DO TEMA 

1 – Legítima defesa recíproca

Segundo NUCCI a possibilidade de legítima defesa contra legítima defesa, ou contraoutra excludente de ilicitude não é possível, pois a agressão não pode ser injusta, aomesmo tempo, para duas partes distintas e opostas.

NORONHA completa tal entendimento afirmando que, embora não exista legítimadefesa recíproca, na prática, tratando-se de lesões recíprocas, e não podendo o juizestabelecer a prioridade da agressão, absolve os dois por legítima defesa. Ocorre que tal

prática não destrói a impossibilidade de legítima defesa recíproca, tratando-se de merorecurso para não se condenar um dos dois protagonistas que é inocente. [25] 

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NUCCI, entretanto, admite a possibilidade de haver legítima defesa real contra legítimadefesa putativa ou contra outra excludente putativa. Isso porque a legítima defesa real éreação contra agressão verdadeiramente injusta e a chamada legítima defesa putativa éuma reação a uma agressão imaginária. Segundo o autor, no primeiro caso exclui-se aantijuridicidade; no segundo, afasta-se a culpabilidade.

Destaca, ainda, a possibilidade de absolvição de ambos os contendores, caso aleguemter agido em legítima defesa, por não se apurar, durante a colheita da prova, de quempartiu a primeira agressão, considerada injusta. A absolvição, nesse caso, seria com basena insuficiência de provas, e não no reconhecimento da legítima defesa recíproca.

2 – Legítima defesa contra agressão de inimputáveis

Para Nucci tal hipótese é cabível, pois a lei exige apenas a existência de agressãoinjusta. Os inimputáveis podem agir voluntária e ilicitamente, embora não sejamculpáveis.

Para agir contra agressão de inimputável, exige-se, no entanto, cautela redobrada,porque nesse caso a pessoa que ataca não tem consciência da ilicitude de seu ato. [26] 

3 – Legítima defesa putativa

Segundo o entendimento de NORONHA, pode ocorrer legítima defesa putativa contra areal ou objetiva e exemplifica: “se A, julgando justificadamente que vai ser agredido porB, dispara um tiro de revólver neste que, antes de ser atirado pela segunda vez, atiratambém contra A. Esse age em legítima defesa putativa, pois as circunstâncias olevaram a erro de fato essencial, e B atua em legítima defesa objetiva. As situaçõesporém são diversas: um tem a seu favor uma dirimente ou causa de exclusão da culpa

(em sentido amplo), ao passo que o outro se socorre de excludente de antijuridicidade ”[27] 

Abaixo estão algumas hipóteses de ocorrência da legítima defesa putativa, julgadas peloTribunal de Justiça deste Estado

LEGÍTIMA DEFESA - Putativa - Ocorrência - Hipótese em que, à noite, policiaisdirigiram-se à porta da residência do réu, chamando-no, sem se identificarem -Recorrido que disparou várias vezes para o alto - Excludente reconhecida - Recurso não

provido. (Relator: Egydio de Carvalho - Recurso em Sentido Estrito n. 139.447-3 -Campinas - 30.05.94)

LEGÍTIMA DEFESA - Putativa - Caracterização - Efetuado um único disparo, comintenção de repelir agressão injusta e iminente - Semelhança entre as vestes da vítima edo agressor - Local de pouca visibilidade - Absolvição mantida - Recurso não provido.(Recurso em Sentido Estrito n. 154.804-3 - Aparecida - Relator: JARBAS MAZZONI -CCRIM 1 - V.U. -10.04.95)

LEGÍTIMA DEFESA - Putativa - Reconhecimento - Réu que após haver desentendidocom a vítima viu que esta se aproximou armada, e acreditando que o fosse agredir,

sacou de sua arma e realizou disparos - Absolvição mantida. (Relator: Alberto Marino -Recurso em Sentido Estrito n. 133.225-3 - Jaboticabal - 02.05.94)

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4 – A legítima defesa e a tentativa

Para NORONHA, se a legítima defesa exclui a ilicitude do crime consumado, excluitambém a do tentado. O Tribunal de Justiça deste Estado também admite essapossibilidade, conforme análises jurisprudenciais, algumas das quais, a título de

ilustração, estão abaixo transcritas.

HOMICÍDIO - Tentativa - Absolvição sumária - Legítima defesa - Admissibilidade antea prova segura da excludente - Recurso não provido. (Relator: Dante Busana - Recursoem Sentido Estrito n. 161.787-3 - Guarujá - 23.06.94)

HOMICÍDIO - Absolvição Sumária - Legítima defesa - Ocorrência - Uso moderado domeio de que dispunha para repelir injusta agressão - Comprovação da justificativa -Inexistência de tentativa de homicídio que deva ser julgada pelo Tribunal do Júri -Recurso não provido. (Relator: Barreto Fonseca - Recurso Criminal 94.983-3 -Indaiatuba - 26.04.91)

HOMICÍDIO - Tentativa - Absolvição sumária - Legítima defesa - Ocorrência -Admissibilidade ante a prova segura da excludente - Absolvição decretada. (Relator:Cunha Bueno - Recurso Criminal 115.968-3 - Ubatuba - 09.12.92)

5 – Legítima defesa sucessiva

Trata-se de hipótese possível, em que alguém se defende do excesso de legítima defesa.[28] 

6 – Legítima defesa contra provocaçãoSegundo NUCCI, tal possibilidade é inadmissível, pois a provocação (insulto, ofensa oudesafio) não é o suficiente para gerar o requisito legal, que é a agressão. No entanto oautor faz uma ressalva: quando a provocação for insistente, torna-se agressão,

 justificando, assim, a reação, que deve, contudo, respeitar o requisito da moderação.[29] 

Jurisprudências 

http://portal.tj.sp.gov.br/ wps/portal/ tj.iframe.jurisprudencia Disponível em: 04/05/2006

Acesso às 22:00.

Legislação 

Código Penal. 7 ed. São Paulo: Revista Editora dos Tribunais, 2005.

Bibliografia

NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial –

São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005

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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas,2006

Notas:

[1] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 97

[2] Op. Cit.

[3] Op. Cit.

[4] Op. Cit.

[5] Op. Cit.

[6] Op. Cit. pág. 101

[7] Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas,2006.l p. 168.

[8] Op. Cit. 169

[9] Op. Cit p. 170

[10] Op. Cit.

[11] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial –São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 215

[12] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 196

[13] Op. Cit. p. 201

[14] Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas,2006. p. 178

[15] Op. Cit.

[16] Op. Cit.

[17] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 197

[18] Op. Cit.

[19] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 198

[20] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial –

São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 225.

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[21] Op. Cit.p. 226

[22] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 200

[23] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial –

São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 229.

[24] Op. Cit. p. 231

[25] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 202

[26] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial –São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 235.

[27] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 202

[28] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial –São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 235.

[29] Op. Cit.pág. 236.