kneller, g. f. - a ciência como atividade humana (cap. v) (1)

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L j. Kneller A CIÊNCIA como ATIVIDADE HUMANA ZAHAR/EDUSP

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A Ciência como Atividade Humana (Cap. V)

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  • Lj. Kneller

    A CINCIA como

    ATIVIDADEHUMANA

    ZAHAR/EDUSP

  • 5Um Mtodo de Investigao

    Mtodo Cientfico: o Ideal e o Real

    Para o visiiante leigo, um laboraino cientfico ressuma eficincia. N - tanto para a maiona dos cientistas. Eles sabem at que ponto a pesquis ensaio e erro quanto depende de fatores estranhos s leis e ao mt yo cientficos. Como disse o biologista J.Z. Young;

    Lm seu laboratrio, ele [o cientista] no consome muito do seu tempo pensando em leis cientficas. Ele est atarefado com outras coisas, tentando lazer com que algum aparelho funcione, procurando um meio de medir mais exatamente alguma coisa ou realizando uma dissecao que mostre mais claramente as panes de um animal ou planta. Podemos desconfiar que ele mal sabe que lei esi tentando provar. Ele est continuamente observando, mas o seu uabalho , por assim dizer, um tatear no escuro. Quando pressionado para dizer o que est fazendo, talvez apresente um quadro de incerteza ou dvida, at de verdadeira confuso.

    Existe um mtodo nessa confuso? possvel. Alguns autores tm afirmado que todos os programas de

    pesquisa envolvem as mesmas atividades bsicas. Mas esta afirmao certamente falsa. A formulao de hipteses a essncia da construo de teorias; entretanto, na busca ordinria de fatos, no se inventam hipteses. (Uma hiptese uma conjetura que dirige a pesquisa.) Portanto, no h um mtodo cientifico nico, no sentido de uma nica seqncia de atos de pesquisa exemplificada em todos os tipos de pesquisa. Contudo, todos os projetos originais de pesquisa, todas as investigaes em que se forma uma hiptese envolvem, d fato, um ciclo comum de atividades. Este ciclo surpreendentemente semelhante estrutura da soluo ponderada de problemas na vida cotidiana. Vejamos um exemplo.

    J.Z. Young, D oubt and Certainty in Science: A Bioiogist's Reflections on the Brain (O xford: Clarendon Press, 1951), p. 2.

  • Numa certa cidade, foi construda uma nova estrada, e a taxa de acidentes registrou uma subida extraordinria. Houve protestos pblicos e seguiu-se uma investigao. Os investigadores comearam com a hiptese mais bvia; a de que a nova esirada aumentou o trfego, o que. por seu turno, aumentou o nmero de acidentes. Mas verificaram que os acidentes tinham crescido de forma desproporcional. Conjeturaram ento que numa nova estrada os motoristas so mais descuidados. Mas as estatsticas referentes a outras estradas novas desmentiam essa hiptese. Admitiram, portanto, que a causa era a velocidade. Entretanto, de acordo com os registros policiais, menos motoristas tinham sido multados do que o habitual. Estivera a polcia menos ativa? No, o mesmo nmero de agentes estivera prestando servio. Ento os investigadores notaram que a maioria dos acidentes tinha ocorrido em apenas trs locais da estrada, pelo que recomendaram novas regras de trnsito para esses pontos. Depois disso, o nmero de acidentes caiu muito abaixo da norma. 0 problema tinha sido resolvido.

    O processo que descrevi parece razovel, mas porque constitui a estrutura e no a experincia de uma investigao. Essa estrutura est freqentemente escondida do investigador pelos ato em que ela est consubstanciada atos que podem ser incoerentes ou frustrados. Vejamos outro exemplo.

    Na literatura e na vida, os detetives comem, bebem e dormem hipteses. Examinam a cena de um crime, entrevistam testemunhas e suspeitos, postulam motivos, propem roteiros e testam tudo em face dos dados que colheram. Alguns detetives podem apontar um culpado antes de todas as provas estarem reunidas. A resposta ocorre-lhes naturalmente, dizem algumas pessoas, mas talvez mais por causa da experincia com casos semelhantes.

    A tarefa de um detetive pode ser to difcil quanto a de um cientista. Depois de trabalhar com uma srie de hipteses, o detetive pode descobrir o culpado. Isso poder levar alguns dias, meses ou anos. Ou poder redundar em fracasso. A maioria dos crimes nunca resolvida. Ouamos agora um cientista. Quase toda a pesquisa cientfica, diz o biologista Peter Medawar, no leva a lugar nenhum - ou, se leva a alguma parte, no na direo em que ela foi iniciada. . . . Calculo que, apesar de inteiramente consagrado Cincia, cerca de quatro quintos do meu tempo foram desperdiados, e creio que isso geralmente acontece com todos os pesquisadores que no se contentam em seguir a liderana de outrem.^

    Ora, a analogia do detetive, como todas as analogias, desfaz-se em certos aspectos, claro. Detetives e cientistas tm objetivos diferentes.

    Um Mtodo de Investigao 99

    Petr Brian Medawar, Induction and In tu ition in Scientific Thought, pp. 31-32.

  • 0 detetive pretende capturar um criminoso; o cientista, contribuir para o conhecimento. As tcnicas de suas investigaes tambm diferem, em virtude da espcie de provas que cada um procura obter. No obstante, em ambos os exemplos encontramos a mesma seqncia de atividades observadas na p>esquisa cientfica: problema, hiptese, inferncia, teste, feedback, mudana de hiptese; e a sequncia repetida. Assim, o mtodo cientfico no mco. A investigao cientfica usa conhecimentos mais aprimorados e tcnicas mais refinadas do que na resoluo meditada de problemas cotidianos; mas a estrutura racional a mesma. Permitam-me descrever essa estrutura de um modo mais formal.

    Enquanto realiza observaes ou experimentos, ou medita sobre os conhecimentos correntes, o cientista assinala algo de incomum, como um fato em conflito com uma teoria estabelecida ou uma incompatibilidade entre teorias, (Dan^in, por exemplo, assmalou 13 espcies de tentilhes nas ilhas Galpagos;Einstein viu que a mecnica newtoniana e a eletrodin- mica de Maxwell eram incompatveis.) Ele formula a discordncia como um problema a ser investigado. Depois de mais observao ou reflexo, o cientista prope uma soluo uma hiptese de que alguma coisa ocorre. Ele deduz ento as imphcaes dessa hiptese, predizendo que estados de coisas devem prevalecer se a hiptese for correia. Se esses estados de coisas so observveis (isto , se existem instrumentos que possam identific-los), ele realiza observaes ou experimentos para coletar dados sobre os mesmos. Compara os dados com as suas previses e, se dois conjuntos de enunciados concordam, considera que a hiptese foi confirmada at esse ponto. Se discordam, ele tem trs opes: fazer novas previses e realizar novos testes; propor uma outra hiptese, deduzir suas implicaes e test-las (um processo que poder repetir muitas vezes); ou abandonar completamente o projeto. Se as suas previses so confirmadas (ou se ele espera que sejam), redige um rascunho de sua soluo, expondo a sua hiptese, os dados e as previses. Este o primeiro ciclo da pesquisa, o ciclo da descoberta. Acomoda todos os eventos imprevistos acima mencionados, e forma a estrutura de todos os programas de pesquisa em que uma hiptese inventada.

    Segue-se um outro ciclo o da validao. O cientista submete agora a sua soluo ao julgamento de seus colegas. Portanto, ele deve relacionar a soluo com o conhecimento estabelecido e mostrar que os seus argumentos e tcnicas respeitam os padres do campo. Por via de regra, apresenta um relatrio preliminar numa reunio com os seus colegas especialistas e defende-o das crticas. Em seguida, escreve um ensaio formal e remete-o a uma revista especializada. A sua soluo ento checada por outros cientistas, quanto solidez do raciocnio e dos argumentos, exatido dos clculos, adequao das provas conciuso e significado do prprio problema. Se a soluo sobreviver a repeudos testes, aceita como idnea e usada na invesugao de outros

    100 A Cincia como Atividade Humana

    NOTEBOOKRealce

    NOTEBOOKNotaVer descrio formal

  • Tipos de Pesquisa

    O mtodo que descrevi usado em algumas pesquisas cientficas, mas no em todas. Os principais tipos de pesquisa so a busca de fatos, consolidao, extenso, reformulao e criao de teoria.

    Pelo menos metade da pesquisa cientfica consiste na busca de fatos ou coleta de dados sobre fenmenos j parcialmente conhecidos, como as posies dos astros, a gravidade especfica de materiais, comprimentos de onda, condutividade eltrica, os pontos de ebulio de solues etc. Inclui a verificao de eis, teorias e hipteses, e a experimentao com novos instrumentos e tcnicas para determinar o que podero realizar. Em tal pesquisa, as hipteses no so habitualmente inventadas; portanto, o mtodo que descrevi no normalmente usado.

    A consolidao consiste em desenvolver as implicaes de uma lei ou teoria para as reas em que se espera a sua aplicabilidade. No sculo XVIII e incio do sculo XIX por exemplo, muitos cientistas procuraram prever os movimentos da Lua e dos planetas a partir das leis do movimento e da lei da gravitao de Newton. Em 1846, Antoine Leverrier previu corretamente a existncia do planeta Netuno.

    A extenso a aplicao de uma lei ou teoria a novas reas. No sculo XVIII, cientistas aplicaram as leis do movimento de Newton hidrodinmica e s cordas vibratrias; e Einstein, em 1905, usou a teoria quntica de Planck para propor que a luz se propaga em ftons. Durante meio sculo, como vimos, cientistas devotados procuraram consolidar e ampliar a relatividade geral.

    Reformulao a reviso de uma teoria para tom-la mais clara, mais simples ou mais facilmente aplicvel. Nos sculos XVIII e XIX, vrios matemticos brilhantes (Euler, Lagrange, Gauss, Hamilton) reformularam as leis de Newton e desenvolveram tcnicas para aplic-las de um modo mais amplo e preciso.. Neste sculo, cientistas aperfeioaram os fundamentos matemticos e filosficos da mecnica quntica.

    A construo de teoria, incluindo a criao de novas leis e taxono- mias. a mais vital e original forma de pesquisa cientfica. Todas as formas, entretanto, exceto a busca de fatos, acarretam a inveno de hipteses e, por conseguinte, o uso do mtodo que descrevi.

    Tcnicas Por via de regra, esse mtodo usado em conjunto com tcnicas especiais, adquiridas em grande parte atravs da prtica durante o aprendizado do cientista.^ Essas tcnicas podem ser conceptuais (como os

    Um Mtodo de Investigao 101

    ^ Thomas S. Kuhn, The Structure o f Scientific Revolutions, p. 25.Sobre o carter "artesanal" das tcnicas, ver Jerome R. Ravetz, Scientific K now l

    edge and Its Social Problems, pp. 101-3, 173-75.

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  • algoritmos procedimentos matemticos passo a passo para deduzir conseqncias e checar solues) ou empricas (como os procedimentos para fazer obsfervaes e realizar experimentos). Cada cincia tem suas prprias tcnicas. Os biologistas, por exemplo, mas no os astrnomos, usam grupos de controle. Um cientista pode dividir um grupo de coelhos com caractersticas semelhantes, tratar ambos os subgrupos de maneira rigorosamente idntica em todas as caractersticas menos uma, e observar os resultados. Mas no se pode fazer isso com estrelas ou galxias. Na qumica, algumas tcnicas largamente usadas so a soluo, filtragem, evaporao, destilao e cristalizao. Diferentes ramos e especialidades tambm possuem tcnicas caractersticas. A maioria dos especialistas em qumica orgnica usa espectrmetros, ao passo que os qumicos fsicos tm somente o computador em comum. E>entro da qumica fsica, muitas especialidades so distinguidas pelo uso de um determinado instrumento; fotlise por flash, raio X de laser, espectro fotometria, difrao de eltrons de baixa energia etc,^

    Todas as cincias, entretanto, usam modelos concretos. Durante sculos, os astrnomos usaram o planetrio, um modelo dos corpos e movimentos do sistema solar. Hoje, os bioqumicos e biologistas moleculares empregam modelos da estrutura atmica de molculas. Watson e Crick realizaram muitos desses modelos, para chegarem teoria da estrutura helicoidal da molcula de DNA.

    102 A Cincia como Atividade Humana

    Fatos e Dados

    O cientista observa fatos e registra-os em dados. Os fatos so coisas que acontecem ou subsistem; so eventos ou estados. Os dados so representaes simblicas de eventos e estados - em geral, enunciados que os registram. Por mais surpreendente que possa parecer, no existe um fato que no seja colorido pelos nossos preconceitos. Isto pode ser mostrado pela experincia cotidiana, pois o que mais percebemos so objetos ou processos de espcies definidas, no impresses sensoriais cruas em meio a florescncia, zumbidos e confuso. Interpretamos as impresses sensoriais por meio de conceitos e, portanto, temos percepes e no sensaes vazias de significado. Logo, a percepo essencialmente interpretativa ou judicati- va. Conforme disse um filsofo contemporneo:

    Stuart S. Blume e Ruth Sinclair, "Aspects of S tr jc a ire of a Scientific Discipline", em Social Processes o f Scientific Deiteiaaener^ org. per Richard W hitley (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1974), p. 228.

  • A percepo deve . . . ser entendida como a atividade de referir um contedo scnsorial presente ao conhecimento antecedente e sistematicamente estruturado do mundo; e o desfecho bem-sucedido dessa atividade a tealizao do reconhecimento . . . Mas o fato no nos foi dado gratuitamente. Reahzamo-lo atravs de uma atividade complexa de esquematizao, organizao, referncia e interpretao do contedo minuciosamente investigado da sensao primitiva.^

    Na Cincia, os esquemas conceptuais que participam de nossas observaes so mais tericos, mais exatos e mais conscientemente criticados do que os da vida cotidiana. Por conseguinte, fatos e dados esto impregnados de teoria. Nas palavras de Russell Hanson: As observaes e os experimentos esto impregnados de conceitos; esto carregados de teorias. * Isto acontece porque as prprias teorias definem os conceitos em cujos termos os dados so expressos e os fatos interpretados (ver o Captulo 2). Tal como as coisas so concebidas, assim so vistas. As teorias no s dirigem a nossa ateno para coisas que no havamos descortinado antes, mas tambm influenciam o que vemos quando o vemos. Em alguns casos, isso bvio. Para um leigo, uma fotografia de uma cmara de bolha uma bonita imagem. Somente um fsico de partculas pode interpretar as linhas e espirais como as trajetrias e colises de partculas subatmicas. Mas isso tambm vale no caso da observao direta de grandes objetos fsicos, como o Sol. Como sublinha Hanson, Tycho Brahe, sustentando a teoria geocntrica, e Johann Kepler, ao sustentar a teoria heliocntrica, viram o Sol de modos diferentes. Brahe viu o Sol erguendo-se sobre a Terra, mas Kepler viu o horizonte da Terra afastar-se do Sol.* Ou veja-se o exemplo citado por Kuhn de uma pedra balanando em oim suporte fixo.^ Para um aristotlico, o que contava era a imobilizao da pedra em sua posio mais baixa. Para Galileu, o que importava era que a pedra repetia o seu movimento e, em vez de imobilizar-se em seu ponto mais baixo, oscilava para o extremo oposto. Assim, onde o aristotUco viu uma pedra impedida de cair, Galileu viu um pndulo.

    Um Mtodo de Investigao 103

    Errol E. Harris, Hypothesis and Perception: The Roots o f Scientific M ethod (Nova Y ork: Humanities Press, 1970). p. 288.

    Norwood Russell Hanson, Patterns o f Discovery, p. 157. Ib id., p. 23: "Tycho v o Sol iniciando sua jornada de horizonte a horizonte. Entende que, de algum ponto de observao celeste, o Sol (carregando consigo a Lua e os planetas) poderia ser visto descrevendo crculos em torno de nossa Terra fixa. Observar Sol ao nascer atravs dos culos de Tycho, seria ver algo desse gnero. O campo visual de Kepler, entretanto, tem uma diferente organizao conceptual . . . Mas Kepler ver o horizonte mergulhando, ou afastando-se, de nosso astro local fix o ."

    Structure o f Scientific Revolutions, pp. 118-19 .

  • Entretanto, embora os faios estejam impregnados de teoria, eles no precisam ser todos sobrecarregados pela teoria ou teorias que esto sendo testadas. No nascer do Sol, Brahe e Kepler viram o disco solar e o horizonte afastarem-se um do outro. Este fato, impregnado de uma teoria mais antiga, era comum para ambos. Do mesmo modo, Aristteles e Gali- leu viram uma pedra balanando. Uma vez que cientistas rivais vem pelo menos alguns fatos de maneira idntica, as teorias concorrentes podem ser comparadas. Alm disso, a carga terica no faz com que as teorias se confirmem a si mesmas. As teorias determinam como sero os fatos, mas no o que eles sero o que poder confirm-los, mas no o que realmente os confirma.

    104 A Cincia como Atividade Humana

    Observao

    O cientista observa muito mais cuidadosamente do que o homem comum.O bom cientista procura o inesperado. Sobre Charles Darwin, seu filho escreveu: Havia uma qualidade de esprito que parecia ser de especial e extrema vantagem para lev-lo a realizar descobertas. Era a capacidade de nunca deixar passar despercebidas as excees. O mesmo poderia ter sido dito a respeito de Pasteur. Certo dia, enquanto observava bactrias numa gota minscula de fluido em que se processava uma fermentao de cido butrico, Pasteur ficou atnito ao ver que quando os organismos se aproximavam da margem da gota deixavam de mover-se. Presumiu que isso era porque, na vizinhana do ar, o fluido continha oxignio. O que que tal fato significava? Que essas bactnas viviam onde no existia oxignio. Partindo desse insight, saltou para a concluso de que a vida pode existir sem oxignio, uma condio geralmente considerada impossvel. Esta importante hiptese promanou da observao de uma anomalia que poucos teriam notado.

    Pasteur estava usando um microscpio. Os instrumentos aumentam enormemente o alcance e a preciso das observaes. Com alguns instrumentos, como o microscpio e o telescpio, observamos fenmenos diretamente. Com outros, o que observamos diretamente tratado como prova de algo inobservado. Citemos, por exemplo, o acelerador do Laboratrio Fermi, perto de Chicago. Essa gigantesca mquina circular, de 6.436m de circunfe-

    Francis Darwin, The L ife and Letters Oaanes Darwin (Londres, Murray, 1888). Citado per W .I.B. Beveridge, The A rt o f Investigation, p. 103,

    Beveridge, The A r t o f Scientific ^ o ^ rr*^ v o n , p. 97 , e Rer> X Dubos, Louis Pasteur: Free Lance o f Science (Boston' t 5 'own, 1950), pp. 134-36.

  • rncia, acelera partculas at veloci4ades prximas da velocidade da luz e depois faz com que se entrechoquem. Em resultado dessa coliso, as partculas desintegram-se em suas partes constituintes ou, pelo menos, em algumas delas. As colises podem ser fotografadas numa cmara de bolha, uma esfera cheia de hidrognio lquido. Quando um feixe de partculas se arremessa para dentro da cmara, acionado um mbolo que alivia a presso. Como se fosse aberta uma garrafa de champanha, formam-se bolhas no hidrognio lquido ao longo da trajetria ionizada das partculas. As traje- tnas reveladas pelas bolhas so fotografadas, fornecendo aos cientistas informaes sobre um mundo que no pode ser observado diretamente.

    A observao cientfica sistemtica, pormenorizada e variada. suteumtica por ser controlada por uma hiptese ou por uma idia precisa do fenmeno a ser localizado. pormenorizada pelo uso de poderosos instrumentos e pela concentrao em determinadas propriedades de um fenmeno. variada por observar o fenmeno sob diferentes condies ou, num experimento, por variar e manter constantes diferentes variveis a fim de se observar os resultados.

    Os dados obtidos por observao devem ser objetivos, idneos e precisos. Os dados so objetivos, ou intersubjetivamente testveis entre sujeitos, no sentido de que qualquer cientista adequadamente treinado, executando as mesmas operaes, observar os mesmos fatos que j foram registrados antes e, portanto, obter os mesmos dados. Para tanto, os dados expressam-se na linguagem de coisas fsicas (rochas, plantas, cores, sons, pesos, ponteiros) e no em termos de sensaes particulares de um indivduo. Os dados so idneos quando os fatos recebem uma descrio que diferentes cientistas, observando os fatos, podem aceitar. Tambm se espera que os dados sejam precisos] devem descrever um fato de modo a diferen-lo o mais possvel de fatos semelhantes. Os dados mais objetivos, idneos e precisos so quantitativos. Como que os obtemos?

    Um Mtodo de I nvestigao 105

    Mensurao

    Em vez de descrevermos um conjunto de objetos como muitos, poderemos atribuir-lhe um nmero; em vez de afirmarmos que uma coisa comprida ou curta, poderemos assinalar que ela tem tantos metros de comprimento. Mas, para faz-lo, necessitamos de mtodos adequados para atribuir nmeros s coisas. Um mtodo contar. Neste caso, pomos as coisas em correspondncia um-a-um com os nmeros naturais. Quando contamos de1 a 20, por exemplo, estabelecemos que existem tantos objetos quantos os nmeros natlirais que existem de 1 a 20.

    Mas contar apenas nos diz quantos itens existem numa coleo. A medio, por outro lado, diz-nos em que medida uma certa propriedade

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  • est presente num objeto ou evento. Uma propriedade no pode ser contada, porque no consiste em unidades distintas. Em vez disso, temos que lhe atribuir nmeros e unidades. Mensurao a atribuio de nmeros a propriedades, de acordo com uma regra. propriedade medida d-se o nome de quantidade e ao nmero que representa o montante dessa quantidade chama-se a sua medida. Assim, a temperatura uma quantidade, e 83 uma medida dela.

    As medies de tamanho e peso so mais precisas do que avaliaes qualitativas como enorme', minsculo" etc.; e especificar as cores por comprimentos de onda mais preciso do que chamar-lhe rosa ou azul. A mensurao tambm nos habilita a enunciar leis com exatido, a afirmar no s que uma coisa depende de uma outra mas que mudanas numa propriedade varivel correspondem a um grau preciso de mudanas numa outra.

    As unidades de mensurao so numeradas para formar uma escala, que (numa das acepes deste termo) uma disposio de nmeros em sua ordem natural ao longo de uma linha. Um instrumento que contm essas unidades numeradas constitui uma escala de medio, como uma fita mtrica, um termmetro, um espectroscpio ou um contador Geiger. A preciso da escala depende do montante de sua menor unidade; quanto menor for a unidade, mais precisa ser a escala.

    Como as propriedades de objetos no possuem naturalmente as caractersticas de nmeros, deve ser criada alguma regra para atribuir-lhes nmeros. De fato, vrias regras foram inventadas, proporcionando cada uma delas a atribuio de nmeros com diferentes caractersticas. A essas regras d-se tambm o nome de escalas.

    De que modo os nmeros so atribudos? A operao bsica de mensurao consiste em comparar um objeto que possui uma propriedade especfica com um aparelho que representa tantas unidades-padro dessa propriedade. A fim de determinar o comprimento de uma mesa, recorre- mos a uma fita mtrica. Por vezes, a equiparao indireta, como no caso em que a temperatura de um objeto comparada com a altura de uma coluna de mercrio num termmetro. A altura da coluna no a temperatura da coluna, mas est relacionada com essa temperatura por uma lei que diz que quanto mais quente estiver um objeto, mais a coluna de mercrio subir num temimetro colocado ao lado dele. O primeiro tipo de mensurao chama-se fundamental; o segundo, derivado.

    *IQ0 A Cincia como Atividade Humana

    Uma boa descrio da mensurao encontra-se \o'man Campbell, What Is Science?, cap. 6.

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  • O Problenna da Pesquisa

    0 ciclo de pesquisa no comea com observao ou mensurao, mas com a busca ou localizao de um problema, Esse problema pode ser emprico, como a existncia de uma anomalia para uma lei ou teoria bem confirmada. Em 1933, por exemplo, Cari D. Anderson, em Pasadena, encontrou provas do que parecia ser um eltron positivo. At ento, os cientistas s tinham reconhecido a existncia de eltrons com carga negativa e prtons com carga positiva. Entretanto, os rastros na cmara de neblina sugeriram a existncia de uma partcula com a massa de um eltron e uma dupla curvatura (positiva e negativa). Isto era duplamente anmdo. A curvatura positiva implicava normalmente uma massa 1.000 vezes superior do eltron. Alm disso, uma partcula de tal massa, seguindo uma trajetria com a curvatura mostrada na fotografia, teria um extenso de 5 milmetros, ao passo que o prprio rastro tinha 5 centmetros de comprimento. Assim, Anderson formulou as seguintes questes: Ser possvel um eltron positivo? Ser essa a estranha partcula prevista por Paul Dirac? Ele respondeu corretamente que sim.

    Ou o problema pode ser conceituai. A teoria copemicana formulou numerosos pressupostos acerca do movimento dos corpos que conflitavam com a dinmica aristotlica estabelecida, Um dos mais fortes argumentos contra a teoria era que no tinha o amparo de qualquer teoria do movimento que justificasse os pressupostos de Copmico acerca do movimento da Terra (por exemplo, que a Terra girava sobre o seu prprio eixo uma vez a cada 24 horas). Reconhecendo esse conflito entre os dois esquemas, Galileu criou uma nova dinmica do movimento relativo que era compatvel com a teoria copemicana.

    Muitas vezes, porm, o cientista inicia a pesquisa buscando um problema. Ele poder escolher uma rea que esteja teoricamente bem desenvolvida e, por conseguinte, cheia de indicaes para investigao adicional; ou poder escolher uma rea onde se verificou um sbito aumento na taxa de descobrimento emprico; ou poder simplesmente ter um palpite de que uma rea rica em possibilidades. Parece ter sido por isso que o fsico Bruno Rossi do MIT aderiu ao novo campo da astronomia do raio X, onde ele descobriu (1962) a primeira fonte de raios X fora do sistema solar, Scorpio x-l.,Ele descreve a sua motivao da seguinte maneira:

    A motivao inicial do experimento que levou a essa descoberta foi um pressentimento subconsciente da riqueza inexaurvel da natureza, uma riqueza

    Um Mtodo de Investigao

    Michael Polanyi, "Genius in Science", Encounter 34 (janeiro de 1972): 118; "Toda a verdadeira pesquisa cientifica connea por deparar-se com um problema profundo e promissor, e isso metade da descoberta/'

  • que supera amplamente a imaginao do homem . . . Era, mais provavelmente, um sentimento inato e foi essa a razo por que, quando jovem, me dediquei ao campo dos raios csmicos. Seja como for, sempre que o progresso tcnico [neste caso, as tcnicas da cincia espacial) abriu uma nova janela para o mundo circundante, eu senti o impulso de olhar por essa janela, na esperana de ver algo inesperado.*^

    108 A Cincia como Atividade Humana

    A Hiptese

    Tendo formulado o seu problema, o cientista trata de procurar uma hiptese. Uma hiptese uma conjetura sobre a natureza de algo. Expressa-se normalmente num enunciado ou conjunto de enunciados dos quais podem sei; extradas concluses sobre a natureza de alguma outra coisa, adotando freqentemente a seguinte forma; Se a verdadeiro, ento b poder (dever) resultar.^

    Quais so as caractersticas de uma boa hiptese? Em primeiro lugar, deve levar em conta os fatos conhecidos. (Entretanto, esta condio s vezes pode ser deixada de lado, pois um cientista que prope uma nova teoria revolucionria poder ter que ignorar alguns dos fatos aceitos, enquanto procura novos fatos por sua prpna conta.) Em segundo lugar, deve ser suficientemente precisa para produzir previses testveis. Como tal, valiosa mesmo quando incorreta, pois se puder ser decisivamente refutada, poder ser ehminada como soiuo possvel. Em terceiro lugar, deve predizer fatos at ento desconhecidos. Einstein, por exemplo, deduziu trs predies de sua teoria da relatividade gerai: a deflexo da luz no campo gravitacional do Sol, o mo\imento do perilio de Mercrio e o desvio para o vermelho da luz proveniente de estrelas distantes. As primeiras duas predies foram confirmadas no devido tempo e a terceira concordava com os dados existentes. Mas numerosos cientistas no consideram a terceira predio uma novidade, porquanto j se conhecia a discordncia com Newton h quase um sculo. Entretanto, foi recentemente argumentado que prefervel considerar um no>x> fato como um fato para o qual ainda

    Bruno B. Rossi, em Bulletin o f the Academy o f Arts and Sciences 3 0(fevereiro de 1977): 17. Por vezes, ocorre o soe'^do e um problema resolvido sem premeditao. Em Berlim, Robert K o c h isoou = oacilo da tuberculose acidentalmente, aps meses de trabalho rduo e fru s tra r -: E vez de jogar fora algumas culturas que pensava serem inteis, colocou-as o s r- o a ~ ^ :e numa estufa, s se lem brando de as retirar alguns dias depois. Para seu esoarr c Daciio da tuberculose tinha crescido e podia, em princpio, ser isolado. E r r - -grar r c . o processo de isolamento exigiu m uito em tempo, conhecimento e habW^caoe.

  • no foi inventada uma teoria que o e x p l i q u e . *5 por este critrio, o perilio de Mercrio e o experimento de Michelson-Morley eram novos fatos para as teorias geral e especial da relatividade, respectivamente.

    Um Mtodo de Investigao 109

    Do Problema Hiptese

    Por vezes, um cientista salta para uma hiptese assim que vislumbra um problema. Em 1895, Wilhelm Rntgen notou que de um tubo de raios catdicos, em seu laboratrio, provinha um fulgor esverdeado. Pensando que o fulgor podia ser causado por raios ultravioletas, ele colocou uma tela fluorescente perto do tubo. A tela iluminou-se. Colocou ento o tubo numa caixa de papelo. A tela voltou a ficar iluminada. Isso mostrou que a radiao no podia ser ultravioleta, a qual no penetra o papelo. Rntgen refletiu: os raios atravessavam o tubo de vidro, a caixa de papelo e o ar para iluminar a tela fluorescente: portanto, devem ser uma forma desconhecida de luz in\isvel e, sendo assim, devem projetar uma sombra. Num impulso brusco, Rntgen colocou sua mo diante da tela. Para seu espanto, no viu a sombra mas o esqueleto de sua mo, com a carne e a pele formando uma orla tnue e acinzentada. Percebeu imediatamente que estava lidando com uma espcie inteiramente nova de radiao. Aps realizar experimentos adicionais, Rntgen publicou um artigo descrevendo as propriedades desses raios X '\ como lhes chamou. E raios x ficaram. Pobre Rntgen, teve a unidade de medio da exposio radiao batizada com seu nome, em sua homenagem, mas no os raios!

    Uma hiptese complexa e revolucionria, por outro lado, pode levar algum tempo a formar-se. Durante seus cinco anos a bordo do Beagle (1831-36), Darwin, como naturalista do navio, acumulou abundantes provas sobre plantas, animais e camadas geolgicas da Amrica do Sul. A sua visita s ilhas Galpagos, onde viu pequenas variaes nas espcies de aves e tartarugas de ilha para ilha, abalou a sua convico de que as espcies eram imutveis. Em 1835, props uma teoria dos recifes de coral que se assemelhava sua ulterior teoria da evoluo. Mas s se tomou um evolucionista dois anos depois de seu regresso Inglaterra.* Nesse ponto, ele apresentou duas diferentes hipteses evolucionrias, logo rejeitadas.

    Elie Zahar, "W hy Did Einstein's Programme Supersede Lorentz's". em M ethod and Appraisal in the Physical Sciences, org. por Colin Howson, pp. 216-19; e Im re Lakatos e Elie Zahar, "W hy Did Copernicus' Research Program Supersede Ptolemy's?" em The Copernican Achievement, org. p c Robert S. Westman ^Berkeley e Los A n geles: University of California Press, 1975), p. 376.

    The Autobiography o f Charles Darwin, com omisses originais recuperadas, organizada com apndice e notas por Nora Barlow (Nova Y ork: N orton, 1958), p. 120.

  • Comeou ento a busca de uma causa ou causas especficas da evoluo. A idia de que a seleo natural a causa s lhe acudiu menie mais de um ano depois, enquanto lia Malthus. Daruin descreveu esse insight em sua Autobiografia:

    Em outubro de 1838. ou xcia. quinze mese^ depois dc eu ter iniciado a minha investigao sisiemaiica. aconteceu que estava lendo para entretenimento o livro de .Malthus sobre populao e, estando bem preparado para apreciar a luta pela existncia que sc desenrola por toda a pane, graas s minhas longas e contnuas observaes sobre os hbitos de animais e plantas, imediatamente me impressionou que. sob esva arcunsincias, as variaes favorveis tendiam a ser preser\-adas e as de^:'3vx)rveis a ser destrudas. O resultado disso seria a formao de no\*a

  • tese cada vez mais precisa. Alternativamente, em vez de refinar uma nica hiptese, o cientista poder testar uma srie de hipteses diferentes. Quando tentou calcular a rbita do planeta Marte, Kepler comeou com a hiptese de que ela era circular. Verificou que tal hiptese era refutada pelos fatos, mas tentou de novo, e a refutao foi ainda mais decisiva do que da primeira vez. Ento acrescentou uma protuberncia a um lado do crculo, convertendo-o num ovide. Como esta hiptese resultasse autocontradit- ria. Kepler modificou o ovide de modo que comeou a parecer uma ehpse. Finalmente, ele props que a forma da rbita de um planeta e uma elipse perfeita.

    Uma outra ttica consiste em propor de incio um certo nmero de hipteses e elimin-las sucessivamente, at sobrar apenas uma. Alternativamente, o cientista poder ajust-las, uma por uma, a um esquema geral. Assim, Darwin adotou uma primeira hiptese inspirada na criao domstica, uma segunda na luta pela existncia e na seleo natural de variedades selvagens, uma terceira na ramificao das espcies a partir de progenitores comuns, como se mostra no registro geolgico, e uma quarta na distribuio geogrfica das espcies. Ele combinou todas essas hipteses para formar a sua teoria da evoluo das espcies.

    No decorrer de um projeto de pesquisa, o cientista coleta dados e inventa hipteses. Depois de vrios testes, ele utiliza os dados para modificar ou substituir a suahiptese. Vejamos como Lorde Rayleigh. por exemplo, avanou atravs de uma sucesso de hipteses e testes, at chegar descoberta do gs argnio.^* Em 1892, Rayleigh descobriu que o nitrognio atmosfrico 50-1 mais pesado do que o nitrognio preparado a partir de compostos qumicos. Por que seria? A sua primeira hiptese foi que, quando o nitrognio quimicamente preparado, mistura-se com urn g:> leve como o hidrognio. Como teste, introduziu hidrognio no nitrognio, mas verificou que a densidade no era afetada. Afastou essa hiptese. A alternativa era a existncia na atmosfera de algum gs pesado e desconhecido. A forma de verificar isso era eliminar o nitrognio real da atmosfera e ver se sobrava alguma coisa. Assim, misturou nitrognio com oxignio e fez a mistura ser atravessada por fascas eltricas. (0 nitrognio e o oxignio combinam-se. resultando num composto que pode ser removido.) O experimento arrastou-se durante quase duas semanas. O aparelho que produzia as fascas a toda hora parava, e Rayieigh ficava dormitando numa poltrona at altas horas da noite, num gabinete contguo, com um telefone perto dele para retransmitir o rudo do instrumento. Quando o rudo cessava, ele acordava e ia ajustar o aparelho. Finalmente, um pequeno resduo sobrou.

    Um Mtodo de Investigao 111

    H uma descrio fascinante em The L ife o f Lord Rayleigh, de seu filho Robert John S tru tt (Londres: Edward Arnold , 1924), cap. 11.

  • Era hidrognio ou nitrognio? Realizou um par de experimentos para refutar a primeira possibilidade. Primeiro passou nitrognio atmosfrico sobre magnsio superaquecido, deixando um pequeno resduo mais pesado do que o nitrognio e o hidrognio. Raylei^ realizou ento uma atmHse do ar um processo em que uma mistura de gases escoada atravs de um recipiente poroso e encontrou um pequeno resduo, de novo mais pesado do que o nitrogmo. Assim, ele props a existncia de um gs at ento desconhecido, o argnio. Rayleigh confirmou essa hiptese mediante a realizao de numerosos testes que eliminaram a possibilidade de que o gs fosse hidrognio. Verificou-se tambm que o argnio tem um espectro diferente do nitrognio e que duas vezes e meia mais solvel na gua. Este ltimo resultado sugenu a possibilidade de existir mais argnio do que nitrogmo na gua da chu\-a, o que voltou a ser confirmado por testes.

    1 -j2 A Cincia como Atividade Humana

    Raciocnio e Formao de Hiptese

    Como que o cientista raciocina quando forma uma hiptese? Muitas hipteses parecem ocorrer num relmpago de intuio. Eis um caso tpico. Em 1934, Enrico Fermi fez uma observao crucial que iria levar desintegrao do tomo. Ele descobriu que um feixe de nutrons pode desestabi- lizar os ncleos num alvo muito mais eficientemente se os nutrons tiverem primeiro sua velocidade diminuda fazendo-os passar por um moderador, como a parafina. Fermi descreveu depois esse momento a um astrofsico, Subrahmanyan Chandrasekhar:

    Estvamos irabalhando com ifin co ein radioatividade induzida por nutrons e os resultados que estvamos o b tc id o no faziam sentido. Certo dia, quando checuei ao laboratrio, ocxjm u-m e 2 idia de que deveria examinai o efeito da colocao de uma pea dc dunDbo diante dos nutrons incidenies. E, ao contrno do meu costume, esincrix-iDC em ter a pea de chumbo precisamente elaborada. Eu estava claraxascie insatisfeito com alguma coisa; tentava todas as desculpas" para adiar 2 cotcjaco da pea de chumbo em seu lugar. Quando finalmente, com aleur-a rr/jiincia, ia coloc-la em seu lugar, disse para mim mesmo: No, no qufrr iqui esta pea de chumbo; o que eu quero uma pea de parafina.* Fot 2ssim mesmo, sem advertncia prvia, sem raciocnio consciente anterior. lr- M :i'iinente apanhei o primeiro pedao de parafina que apareceu na m mhi ir s ite e coloquei-o onde a peca dechumbo devena e s t a r .

    S. Chandrasekhar, "Rem arks on Enrico Fe The Physicist's Conception o fNature, Simpsio sobre o Desenvolvimento az Zzrceoco da Natureza pelos Fsicos no Sculo X X , org. por Jagdish Mehra (D o m ric r - - a n d a , e Boston: Reidel, 1973), o. 801.

  • Talvez impressionado por incidentes como esse, Karl Popper e os empiristas lgicos dizem que a formao de hipteses fundamentalmente no-racional. Nas palavras de Popper: A questo de como uma nova idia ocorre a algum seja um tema musical, um conflito teatral ou uma teoria cientfica pode ser de grande interesse para a psicologia emprica, mas irrelevante para a anlise lgica do conhecimento cientfico. Segundo se afirma, o cientista no raciocina para chegar a uma hiptese, mas somente raciocina a partir dela. Testar e avaliar uma hiptese um procedimento lgico e constitui a tarefa essencial do cientista.

    Mas este ponto de vista est quase certamente equivocado. Em primeiro lugar, trata-se de uma afirmao emprica sem provas que a corroborem. Em segundo lugar, mesmo que em algum ponto no processo de inveno o cientista tenha que confiar na intuio, em outros pontos ele poder ser guiado por consideraes racionais, para as quais possvel fornecer e estabelecer regras. Em terceiro lugar, embora possa no existir uma rigorosa lgica da descoberta, existem quase certamente princpios racionais ou regras de estratgia" a que os cientistas obedecem na formao e explorao de hipteses. Essas regras podem ser codificadas e formuladas como uma lgica explcita de descoberta. Em quarto lugar, e de suma importncia, a chamada intuio provavelmente a condensao de uma ou mais linhas de pensamento racional num nico momento de insight. Nesse momento, a mente rene premissas e passa delas para a concluso, que a parte desse processo que ela recorda. Por exemplo, em 1928, a mente de Alexander Fleming funcionou provavelmente assim: (1) um bolor caiu acidentalmente em meu recipiente de cultura; (2) as colnias estafilo- ccicas perto do bolor deixaram de crescer; (3) uma secreo proveniente do bolor deve t-las matado; (4) lembro-me de uma vez ter acontecido um evento semelhante; (5) se eu pudesse isolar essa secreo do bolor, ela poderia ser usada para matar os estafilococos que causam infeces humanas.

    Devemos distinguir, alm disso, entre o movimento ao longo de uma estrutura lgica ou racional e a prpria estrutura. Ningum afirma que, pelo fato de um argumento dedutivo ser apreendido num momento de insight, o argumento no possui estrutura lgica. Quer se avance, por etapas conscientes, das premissas para a concluso, ou se omitam algumas

    Um Mtodo de I nvestigao ** 13

    Karl R. Popper, The Logic o f Scientific Discovery, p. 31; ver Carl G. Hempel, Philosophy o f Natural Science (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1966), p. 15.

    Ver Abraham Kaplan, The Conduct o f Inquiry (So Francisco: Chandler, 1964), p. 14: "O que chamamos 'intuio' corresponde a qualquer lgica-em-uso que seja (1) pr-consciente e (2) alheia ao esquema de inferncia para o qual existem, imediatamente disponveis, reconstrues conhecidas." {T tu lo da edio brasileira:/4 Conduta na Pesquisa, Ed. Herder/USP, 1969, trad, de Lenidas Hegenberg e.Octanny Sil-

    . i c i

  • dessas etapas, a estrutura lgica que relaciona as premissas com a concluso no afetada em nenhum dos casos.^ Assim, tambm, na Cincia muitas formaes de hipteses tm provavelmente uma estrutura lgica que negligenciamos porque prestamos ateno ao prprio momento do insigh em vez dos matenais de onde o ingh promanou. Sem dvida, esses materiais foram objeto de um longo processo de raciocnio subconsciente, do qual o insigh foi apenas o momento culminante. Temos que encontrar nos prprios matenais uma estrutura racional, a partir da qual, em conjunto com as prprias notas e comentrios do cientista, possamos reconstituir o processo de raciocnio, por vezes subconsciente, que levou formao da hiptese. Quando o cientista inventa uma hiptese, quase certo que raciocina subconscientemente de premissas para uma concluso. Se no reconhecemos isto. provavelmente porque sabemos to pouco acerca da lgica informal do pensamento racional cotidiano, do qual o pensamento cientfico um refinamento. Assim, o filsofo Peter Caws declara:

    No processo criativo, tal como no processo de demonstrao, a cincia no tem lgica especial mas companilha da estrutura do pensamento humano em geral, e o pensamento procede, tanto na criao como na demonstrao, de acordo com princpio^ perfeitamente lgicos . . . A lgica do descobrimento cientfico, cuja formulao rigorosa ainda est por ser realizada . . . deve ser igualmente um refinamento e uma especializao da lgica da inveno cotidiana. A coisa importante a entender que a inveno, srr/cro sensu, um processo to familiar quanto a argumentao racional, nem mais nem menos misterioso. Se metermos isso na cabea, a criatividade cientfica ter sido arrancada de novo do domnio dos fabricantes de mistrios.^

    -|4 A Cincia como Atividade Humana

    Algumas Formas de Raciocnio

    Quero agora examinar vrios modos de raciocnio que levam formao de hipteses e que foram descritos por filsofos da Cincia.^ So eles: re- troduo, raciocnio hipottico-dedutivo, induo e raciocnio por analogia.

    Segundo Peter Caws; "O que requer anliie a estrutura do processo, no a sua consubstanciaco particular num determir\ato irKjividuo. O movimento das premissas para a concluso, pelo qual uma pessoa ao^^eencje um argumento dedutivo, igualmente sbito e intuitivo. Mas a natureza sb*ta e irturtiva do ato mental de m ovim ento das premissas para a concluso e apreenso tx sua conexo dedutiva no afeta a natureza dessa conexo nem altera a estrutu'a da relao entre premissas econcluso" ("The Structure of Discovery", Science 15c 12 de dezembro de 1969; 1375).

    Ib id ., p. 1380.Para o u t r a s descries da racionalidade da cr^acc 2- oteses, ver Michael Pola-

    nyi, The Tacit D im ension (Garden C ity, N.Y.: 1966), pp. 17-25, e "Ge-

  • No caso da retroduo (R -D ) , o cientista encontra uma anomalia e depois busca uma hiptese da qual a existncia da anomalia possa ser deduzida. Assim, ele raciocina da anomalia para a hiptese que a explicar. A forma de inferncia a seguinte: um fato anmalo A observado; A seria exphcvel se a hiptese H fosse verdadeira; logo. h motivos para pensar que H verdadeira. Kepler, por exemplo, raciocinou retrodutivamente para a sua hiptese sobre a rbita de Marte. Ele comeou propondo que Marte se desloca num crculo perfeito. Mas descobriu que as predies por ele deduzidas dessa hiptese conflitavam com os dados do astrnomo dinamarqus Tycho rahe. Portanto, os dados pareciam ser incompatveis com a hiptese do movimento circular. Assim, partiu do princpio de que os dados estavam certos e procurou explic-los propondo as hipteses quemencionamos. 25

    Em vez de raciocinar a partir dos dados para uma hiptese, o cientista pode comear com uma hiptese e deduzir concluses - enunciados gerais ou predies particulares baseadas nela. Isto constitui o raciocnio hiporico-dedutivo (H -D ) . Einstein raciocmou hipottico-dedutivamente na construo de sua teona especial da relatividade. Ele estava empenhado com dois princpios fundamentais: a relatividade (no existe um quadro de referncia absoluto; todo movimento relativo a um observador) e a definio operacional (os conceitos cientficos devem ser definidos em termos de fenmenos observveis). Do primeiro princpio derivou Einstein a concluso paradoxal de que a velocidade da luz constante, e viu essa concluso confirmada pelo experimento de Michelson-Morley. Do segundo, deduziu a concluso paradoxal de que as medies de simultaneidade e distncia so relativas, e viu essa concluso incorporada s transformaes de Lorentz (equaes fundamentais propostas pelo fsico holands Hendrik Lorentz).

    0 cientista raciocina indutivamente quando infere uma regularidade geral de enunciados referentes a casos particulares. No incio do sculo XDC, o cientista francs Joseph Gay-Lussac raciocinou indutivamente para formular a lei segundo a qual os gases se combinam em propores simples.

    Um Mtodo de Investigao 115

    nius m Science , Encounter 38 (1972): 43*46; Bernard Lonergan, Insight (Londres: Longmans, Green, 1957), passim, Herbert A. Simon, The Sciences o f the A rtific ia l (Cambridge: M IT Press, 1969), cap. 3, e "Does Scientific Discovery Have a Logic?" Philosophy o f Science 40 (dezembro de 1973): 471-80.

    Norwood Russell H an so n ,/afrerns o f D/scoi^er/(Cambridge; Cambridge University Press, 1963), cap. 4, e "Retroductive Inference" em Philosophy o f Science: The Delaware Seminar, org. por Bernard Baumrin (Nova Y ork: W iley, 1963): 21-37 (uma verso revista da primeira descrio).

    Gary Gutting, "Einstein's Discovery of Special He\axW\X'i", Philosophy o f Science 39 (maro de 1972): 61 -62 .

    NOTEBOOKRealce

  • Ele efetuou experimentos com vrios gases, como o hidrognio e o oxignio. o gs do cido fuobrico e a amnia. Do fato de que o hidrognio e o oxignio se combinam numa razo numrica simples e de que vnos gases de cidos tambm se comportam assim quando combinados com amnia (e partindo ainda de certos pressupostos, entre os quais se inclui a noo de que os gases, em virtude de sua estrutura molecular, devem obedecer a leis simples), Gay-Lussac concluiu que odos os gases se combinam em razes matemticas simples.^

    O raciocnio analgico empregado quando o cientista chega a uma hiptese vendo uma analogia entre fenmenos aparentemente sem relao alguma entre eles. Darwin raciocinou a partir de uma analogia entre a presso da populao entre seres humanos (Malthus) e a sobrevivncia da espcie na natureza para chegar a pane de sua idia da seleo natural. Kekul chegou sua teoria da estrutura anelar da molcula de benzeno quando percebeu uma analogia entre uma cobra segurando a prpria cauda com a boca e a disposio dos tomos de carbono na molcula do benzeno.

    .j A Cincia como Atividade Humana

    O Teste Experimental de uma Hiptese

    Quando o cientista formulou a sua hiptese, ele testa-a deduzindo suas imphcaes na forma de predies e comparando-as com os resultados de observaes ou experimentos.

    0 raciocnio subentendido no teste experimental de uma hiptese 0 seguinte. Quando o cientista procura estabelecer uma conexo entre dois conjuntos de eventos, ele tenta usualmente mostrar que um evento de uma espcie. A, sempre acompanhado de um evento de uma outra espcie, B . e que um caso de B nunca ocorre se um caso de A no ocorrer tambm. Portanto, a causa B quando a deve estar presente para que B acontea e quando, com A ausente, B nunca acontece.

    Mostrar que um evento a causa de um outro nada tem de fcil. Qualquer evento. B, na natureza ocorre usualmente em combinao com tantos outros eventos que difcil dizer qual deles a causa de B e qual deles acompanha B por acaso. Um modo de descobrir isso criar uma situao em que ns mesmos controlamos os eventos (ou condies) acompanhantes. Podemos ento manipul-los um aps outro a fim de apurar o que produz B e o que no produz Para tanto, produzimos uma mudana na condio que pensamos ser a causa de B, enquanto mantemos todas as outras condies inalteradas. Se observarmos ento uma mudana no even-

    ^ P e te r A c h in s te in , L a w a n d E x p la n a tio n in Sc*e*ycs ^on d ^e s : O x fo rd U n iv e rs ity Prpcc 1Q7 1 i ra n s 6 e 7 .

    NOTEBOOKRealce

  • to B que se segue, poderemos atribuir isso mudana que ns mesmos produzimos numa condio prvia. Este o nosso primeiro experimento. Podemos ento realizar um segundo experimento, variando alguma condio que pensamos no ter influncia significativa sobre B , enquanto mantemos inalterada a condio que pensamos produzir B. Se no observarmos ento qualquer mudana significativa em B , inferimos que B s afetado por uma mudana na condio original e no por uma mudana na outra.

    Quando um cientista conduz um teste experimental, ele deduz primeiro o que a sua hiptese implica para uma determinada situao experimental e depois manipula a situao para ver se est certo. Consideremos um dos mais famosos de todos os testes experimentais, o experimento de vacinao realizado em Pouilly le Fort, na Frana, por Louis Pasteur, em 1881. Pasteur desejava testar a hiptese de que vacinar um animal com bactrias atenuadas (enfraquecidas) de carbnculo tornaria o animal imune prpria doena. Tendo-lhe sido fornecidas 60 ovelhas pela sociedade agrcola local, Pasteur dividiu os animais em trs grupos: (1) um grupo de controle de 10 ovelhas que no iria receber qualquer espcie de tratamento; (2) um grupo experimental de 25 animais que seria vacinado e depois inoculado com uma cultura altamente virulenta do bacilo do carbnculo; e (3) um outro grupo de 25 que no seria vacinado mas receberia a mesma dose virulenta do bacilo. 0 grupo experimental seria vacinado duas vezes com bacilos de carbnculo de atenuao decrescente, a intervalos de 10 a 15 dias, e se aplicaria uma dose virulenta do bacilo entre 12 a 15 dias depois. Pasteur previu que as 25 ovelhas vacinadas sobreviveriam e as 25 no vacinadas morreriam. As sobreviventes seriam ento comparadas com as 10 ovelhas de controle, para mostrar que a vacinao no lhes causara dano nenhum.

    As primeiras vacinaes foram realizadas a 5 de maio, perante uma grande multido, a que se seguiram posteriormente a segunda srie de vacinaes e a administrao do prprio bacilo. Pasteur chegou no dia 2 de junho para ver os resultados. As suas previses foram cumpridas risca, conforme descreveu uma testemunha ocular:

    Embora se credite a Pasteur a descoberta da imunizao contra o carbnculo, a sua vacina, por si s, no teria imunizado as ovelhas da fazenda, pois ele no teria podido manter a temperatura de 45 graus centgrados o tempo suficiente para que a vacina atuasse. M uito contra a sua vontade, os assistentes de Pasteur inventaram secretamente uma substncia qumica que fazia o trabalho do calor. Pasteur, finalm ente, perm itiu que eles usassem a substncia qumica se prometessem no revelar o que estavam fazendo at depois que o experimento tivesse sido realizado. Em Berlim, entretanto, Robert Koch deduziu que uma substncia qum ica devia ter sido usada pois, como Pasteur, ele compreendeu a necessidade de manter a temperatura suficientemente elevada para matar os esporos sem matar as bactrias. Por conseguinte, ele tambm anunciou o que realmente tinha sido feito.

    Um Mtcxio de Investigao 117

  • Quando Pasteur chegou s duas horas da tarde... acompanhado de seus jovens colaboradores, ouviram-se alguns tm idos aplausos que logo se converteram em estrondosa aclamao, brotando de todos os lbios. Delegados da Sociedade Agrcola de Melun. de sociedades mdicas, sociedades veten- nrias. do Conselho Central de Higiene do Sena-e-M ame, jornalistas, pequenos fazendeiros cujo espnto fora dnidido por anigos injunosos e laudato- nos nos jornais - todos ah estavam. As carcassas de 22 ovelhas no-vacinadas jaziam lado a lado: duas ouuas resfolcgaN-am nos ltimos estenores; e os derradeiros sobreviventes do grupo sacTificado apresentavam todos os sintomas caractersticos do carbnculo. Todas as ovelhas vacinadas estavam em perfeita sade... A nica ovelha no vacinada remanescente morreu nessa mesma noite

    Os experimentos tambm podem ser realizados para fins de descobrimento de fatos, sem que esteja envolvida qualquer hiptese. Uma srie de tais experimentos levou, de uma forma inteiramente inesperada, teoria do ncleo atmico, de Rutherford. Certo dia, em 1909, Rutherford encarregou um estudante, Emest Marsden, de tentar desintegrar partculas alfa atravs de um ngulo favorvel, porque Rutherford nfo acreditava que isso pudesse ser feito. Ele descreveu o resultado em uma de suas ltimas conferncias:

    Depois, lembro-me de que dois ou trs dias mais tarde Geiger (um colaborador] correu para mim tomado de grande excitao e disse ; Conseguimos que algumas das partculas alfa voltassem para trs. . Era o acontecimento mais incrvel que jamais ocorrera em toda a minha vida. Era quase to inacreditvel como se disparssemos uma cpsula de 38mm contra uma folha de papel e a cpsula ricocheteasse e viesse nos atingir.

    Mas a experimentao no uma condio sine qua non dos testes cientficos. Muitas vezes fisicamente impossvel ao cientista manipular as circunstncias do fenmeno que ele deseja explicar ou faz-lo sem as distorcer. Em outras ocasies, um experimento no s fisicamente impossvel mas tambm logicamente imprprio. O cientista poder desejar explicar algum evento passado, como o indicado pela presena de certos fsseis numa camada. Como tal evento no se pode repetir, impossvel reproduzi-lo num experimento.

    Algumas hipteses no podem ser testadas de forma decisiva nem por observao. Considere-se a evoluo darwiniana. Embora existam

    -j g A Cincia como Atividade Humana

    Citado por Magnus Pyke, The Boundaries o f Science (Harmondsworth, Middlesex: P e n g u m , 1963), pp. 82-83.

    Citado por E.N. da C. Andrade, R utherford and the Nature o f the A tom (Garden City, N.Y.: Doubleday Anchor, 1964), p. 111.

  • numerosas provas de que as espcies evoluem, a prpria evoluo quase impossvel de observar, pois uma variao s se estabelece no decorrer de muitas geraes e no podemos estar por perto a fim de observar o processo inteiro. No obstante, a teoria considerada bem confirmada, no porque seja decisivamente testvel, mas porque unifica e torna inteligvel um grande nmero de dados que sem ela no poderiam ser entendidos.

    Uma nica previso bem sucedida serve como uma primeira confirmao de uma hiptese, mas no a torna idnea. Este status s normalmente conseguido depois que a hiptese foi testada e confirmada por vrios cientistas, numa variedade de condies. Por exemplo, a hiptese de que um agente como a nicotina ou o ciclamato cancergeno usualmente testada em numerosos laboratrios com diversas espcies animais, a fim de determinar se a hiptese se aplica a uma espcie, a muitas, ou a todas. Se a hiptese for confirmada por vrios testes, considerada idnea; e os cientistas podem ento comear a procurar um mecanismo que explique a correlao observada.

    Um Mtodo de Investigao 119

    O Mtodo Cientfico em Perspectiva

    0 mtodo que descrevi talvez parea irremediavelmente ideal. Para o cientista, provando uma hiptese atrs de outra, a busca de uma soluo freqentemente sentida como imia srie de reveses que no levam a parte alguma. Entretanto, o processo de hiptese, inferncia, teste e feedback prossegue sem alteraes de monta. O estado de nimo do cientista pode mudar, suas idias tambm, mas no a essncia do que ele est fazendo. Olhando em retrospecto, desde a soluo, o caminho percorrido atravs do problema poder parecer tortuoso, mas no o em relao ignorncia de onde o cientista partiu. 0 mtodo que descrevemos precisamente o de tatear o caminho, movido pela incerteza.

    No me surpreende que o cientista no se aperceba, com freqncia, dos mtodos que usa, pois, como j disse, trata-se apenas de uma extenso e refinamento do processo de mvestigao adotado na vida cotidiana. Como explicou Max Planck: 0 raciocnio cientfico no difere do pensamento comum e cotidiano em espcie mas to-somente no grau de refinamento e preciso, mais ou menos como o desempenho de um microscpio difere do de nosso olhar cotidiano. De um modo geral, o cientis-

    Max Planck, Scientific Autobiography and O ther Papers, trad, de Frank Gaynor (Nova Y ork: Greenwood Press, 1968), p. 88. Ver Caws, 'T h e Structure of Discovery", p. 1379: A diferena entre a sua lgica [a do cientista criativol e a nossa apenas de arau no de espcie; ns empregamos precisamente os mesmos mtodos mas de um

  • ta tenta mais arduamente do que o leigo rejeitar os preconceitos pessoais e checar todo e qualquer erro possvel. Procura explicitar seus pressupostos e presta ateno ao trabalho de outros no seu campo. Descreve os resultados de seus trabalhos mais precisamente e formula previses que, em princpio. podem ser testadas com exatido. Em todos estes aspectos, ele superao leigo mas no o eclipsa. Nos campos em que os leigos tm experincia, eles so capazes de possuir mais discernimento e conhecimentos intuitivos do que cientistas altamente treinados. Agricultores e pescadores, por exemplo, podem freqentemente prever o tempo local com mais exatido do que os meteorologistas (em pane, claro, porque a Meteorologia ainda no se tornou uma cincia to exata quanto a Fsica).

    120 A Cincia como Atividade Humana

    Resumo

    Entendemos por mtodo cientfico" a estrutura racional daquelas investigaes cientficas em que so formadas e testadas hipteses. Essa estrutura assemelha-se muito da soluo ponderada de problemas na vida cotidiana. Hiptese, inferncia, teste e feedback constituem o ncleo da estrutura. 0 cientista comea usualmente por assinalar um fato anmalo ou uma incoerncia na teoria, e prope a discrepncia como um problema. Aps explorao mais completa, formula uma hiptese, a panir da qual deduz previses. Por via de regra, testa as previses e publica a hiptese, se verificar que elas foram confirmadas. Se as previses forem refutadas, o cientista usualmente altera a hiptese, ou inventa uma outra, e recomea tudo. Este processo autocorretivo. Ao eliminar hipteses incorretas, o cientista delimita a busca da correta.

    Este mtodo combinado com operaes gerais como a observao e mensurao, e com vrias tcnicas que diferem de especialidade para especialidade. A observao cientfica, freqentemente controlada por uma hiptese e ajudada por instrumentos, mais sistemtica e precisa do que a sua contraparTe cotidiana. Os dados obtidos por mensurao e observao esio usualmente impregnados de teoria e so objetivos na medida em que podem ser repetidos por cientistas adequadamente qualificados. Entretanto, a pesquisa cientfica concentra-se, como regra, em problemas.

    0 passo decisivo no ciclo da pesquisa a inveno de uma hiptese. A hiptese ideal precisa e testvel, explica os fatos conhecidos e prev pelo menos um fato novo. 0 cientista usualmente testa a sua hiptese deduzindo as suas miphcaes e depois efetuando observaes ou experimentos a fim de verificar se as miplicaes conespondem aos fatos. Por vezes,0 cientista examinar uma srie de hipteses e testes, at encontrar aquela1 __ _____ onficfot Ario Miiitac hinteses so testadas experi

  • mentalmente. Um experimento habilita o cientista a manipular as condies que acompanham um fenmeno, at descobrir qual delas o causa.

    No poucas hipteses nascem de um momento de insight. Significa isso que o processo de formao de hiptese no-racional? Absolutamente. A intuio parece ser apenas a condensao de um processo de raciocnio que normalmente exigiria mais tempo e que, em princpio, se no sempre na prtica, poder ser reconstitudo mais tarde. Com efeito, vrios modos de raciocinar, para a formao de uma hiptese, foram identificados: retroduo, raciocnio hipottico-dedutivo, induo e raciocnio por analogia.

    O mtodo cientfico no s intrinsecamente racional; tamDm um refinamento do raciocnio cotidiano. O cientista recebeu um treinamento mais especializado do que o leigo, mas o seu pensamento no fundamentalmente diferente. No prximo captulo observaremos os resultados da aplicao desse mtodo: os construtos intelectuais da Cincia, desde os dados s teorias.

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