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José Luís SanfeliceSônia Aparecida Siquelli

DESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO DAEDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

1a Edição Eletrônica

Uberlândia / Minas GeraisNavegando Publicações

2016

Navegando PublicaçõesCNPJ – 18274393000197

[email protected]

Uberlândia – MGBrasil

Conselho EditorialAnselmo Alencar Colares

Carlos LucenaCarlos Henrique de Carvalho

Dermeval SavianiFabiane Santana Previtali

Gilberto Luiz AlvesJosé Carlos de Souza Araújo

José Claudinei LombardiJosé Luis Sanfelice

Lívia Diana Rocha MagalhãesMara Regina Martins Jacomeli

Copyright © by autores, 2016.

R3821 – Sanfelice, José Luís; Siquelli Sônia Aparecida.(Organizadores) Uberlândia: Navegando Publicações, 2016. Vários Autores

ISBN: 978-85-92592-39-4 1. Educação. 2. Formação Docente. 3. Formação deProfessores e Bioética. I. José Luís Sanfelice, Sônia AparecidaSiquelli. II. Navegando Publicações. III. Título.

CDD – 370

Preparação/ Revisão – Lurdes LucenaArte Capa – ASCOM – Assessoria de Comunicação José Eduardo Fernandes

Índices para catálogo sistemáticoEducação 370

Ciências Sociais 300

Sumário

Prefácio

Carlos Roberto Jamil Cury06

Apresentação

José Luis Sanfelice e Sônia Aparecida Siquelli11

Parte I: "Da universalização à qualidade da educação"

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Capítulo IDa democratização à qualidade da educação brasileira: processo histórico e algumas questões atuais

Luciana Cristina Salvatti CoutinhoJosé Luís Sanfelice

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Parte II: "Formação docente e diversidade no contexto escolar"

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Capítulo IIAs políticas de educação para a diversidade étnico-racial e a formação de professores – entre o proposto, o regulamentado e o efetivado

Eliete Aparecida de Godoy

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Capítulo IIIDesafios à democratização da educação no Brasilcontemporâneo: protagonismo juvenil no combate ao racismo através da pesquisa científica.

Iara Félix Pires Viana

74

Capítulo IVA inclusão escolar de alunos público-alvo da educação especial na educação básica e a formação de professores

Carla Helena Fernandes

92

Capítulo VA conjuntura educacional atual: para onde caminha a educação.

José Luís Sanfelice.

114

Capítulo VIDa mordaça e da resistência à formação ética: educar para quê?

Sônia Aparecida Siquelli

138

Parte IV: Formação de professores e bioética 159

Capítulo VIIA educação profissional frente à democratização da educação no Brasil contemporâneo

Marcelo BregagnoliGiovane José da SilvaJoarle Magalhães Soares

160

Capítulo VIII A formação de professores no desafio de democratização da educação básica

Luana Costa AlmeidaSarah Maria de Freitas Machado SilvaGeisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes

186

Capítulo IXTendências na formação de professores

Flávia Sueli Fabiani Marcatto

213

Capítulo XEducação permanente e políticas públicas em saúde: um olhar bioético

Luiz Roberto Martins Rocha

239

Capítulo XIProfissionalização do magistério no contexto de uma nova gestão da educação pública: a administração gerencial

Neide Pena CáriaScheilla Guimarães de Oliveira

257

OS AUTORES 298

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PREFÁCIO

Na hora em que este livro vem à luz, o Brasil sedefronta com mais um desafio para que se consumeuma educação de qualidade que seja democrática, aber-ta e plural. Este desafio se circunscreve aos sinais de umretrocesso em conquistas duramente formalizadas, sejanos ordenamentos jurídicos, seja em práticas educacio-nais.

Após um longo processo que implicou, de umlado, entes federativos, associações científicas, associa-ções profissionais e especialistas, e de outro, a tramita-ção de um projeto debatido na sociedade civil junto àCâmara e ao Senado, o Brasil logrou, pela primeira vez,a construção de um Plano Nacional de Educação dis-posto na lei n. 13.005/2014. Este Plano, que não foi oprimeiro a ser gestado em nosso país, foi o primeiro ater o seu conjunto de diretrizes e metas apoiado em re-cursos suficientes para lhe dar a devida sustentação.Com efeito, decorrente da emenda constitucional n.59/2009, a lei do Plano consagrou a obrigatoriedade daeducação escolar desde a pré–escola até o ensino médiopara a faixa etária de quatro a dezessete anos. Acostu-mados já com a obrigatoriedade dos seis aos catorzeanos, o Plano coloca o país diante de um primeiro desa-fio: o da expansão quantitativa. Não se pode ignorarque a quantidade é também uma qualidade, a qualida-de de um acesso de crianças, adolescentes e jovens à,quem sabe, única instituição de que dispomos, como lu-gar de socialização permanente, institucionalizada e, nosistema público, gratuita.

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Com efeito, à luz do processo crescente de urba-nização de nossas cidades, sem falar da metropolizaçãodas capitais e de outras cidades, as famílias, em sua di-versidade, foram empurradas para o mercado de traba-lho a fim de recompor a sua renda e, neste sentido, a es-cola representa um lugar de proteção, como reza o Esta-tuto da Criança e do Adolescente, e um espaço de trans-missão de conhecimento e de convivência social. Torna-do direito público subjetivo, a escolaridade obrigatórianaquela faixa etária não deixa aos poderes públicos se-não a opção de uma oferta universalizada sob pena deincorrer em crime de responsabilidade. Um desafiopróximo é, pois, a conscientização por parte da popula-ção deste dever do Estado. Um outro, mais remoto, é ocaminho para uma escola de tempo integral. Como vistoacima, o tempo integral, a se tornar, progressivamente,um direito, é uma necessidade de nossa vida urbana.

Visto este desafio, projeta–se a formação docen-te, formação inicial. Trata–se hoje de um ponto tão no-dal quanto à disponibilidade de recursos e a gestão rigo-rosa dos mesmos. Se na década de Setenta do séculopassado a escola se viu diante de um novo perfil de alu-no no ensino fundamental, advindo da classe trabalha-dora, hoje isto se torna mais candente, pois abrange,sob a obrigatoriedade, mais dois ciclos existenciais doser humano: a infância e a juventude adolescente. Possi-bilitar pela disseminação da instituição escolar a todos,especialmente, para as classes populares, o acesso a co-nhecimentos sólidos, é colocar em suas mãos, uma fer-ramenta que as empodera, pois passarão a dominar oque, tradicionalmente, foi um privilégio das classes abas-tadas. Aqui trata–se de opor o direito ao privilégio, peloqual o primeiro, seja como transmissão, seja como for-

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mação de valores, se torna um dos caminhos forjadopor conquistas pelos quais a sociedade moderna assina-la para todos um lugar participativo nos destinos de suacomunidade.

Hoje, em função de tais conquistas históricas, aescola passa a acolher, de modo muito mais manifestodo que antes, a diversidade econômica e cultural. Eis que tal diversidade, de pronto, nos põe diante deuma situação de desigualdade e de paradigmas cultu-rais, herdados do passado, mas ainda presentes, porexemplo, na (re) distribuição de renda e na vigência depreconceitos raciais. Trata–se, no dizer de Nancy Fraser,de postular tanto o direito à distribuição, quanto o direi-to ao reconhecimento, reconhecimento do respeito àpluralidade cultural.

Ora, a desigualdade traz para as escolas proble-mas que não nascem nela, mas estão nela. Portanto, ocaminho da solução da desigualdade passa por políticasoutras ligadas à distribuição de renda. Por sua vez, o re-conhecimento é mais do que a tolerância prescrita naLei de Diretrizes e Bases, ele supera a aceitação. O reco-nhecimento implica na reciprocidade igualitária. O outroé um igual a mim. Se é um fato que a pluralidade étnicocultural é uma constatação de toda sociedade, o que énovo é a consciência mais aguda deste fenômeno e que,doravante, tal reconhecimento é também um dever deEstado. É neste sentido que a transmissão de conheci-mentos e a socialização cidadã, no processo formativode docentes, deve considerar tais realidades como cons-tantes de um programa curricular que vá do seu enten-dimento às práticas e destas a uma ampliação de conhe-cimentos.

Embora não seja responsabilidade privativa daescola dar conta da desconstrução dos preconceitos e da

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afirmação do reconhecimento, há uma quinhão impor-tante que lhe cabe nesta direção em colaboração comoutros institutos públicos.

Se cai sob nossos olhos o racismo étnico, nemsempre tal evidência é tão forte com relação a pessoascom deficiência, às comunidades indígenas, às orienta-ções sexuais, aos grupos presentes no campo e a outrasminorias ainda menos visíveis como circenses, ciganos eimigrantes. A inclusão de recorte quantitativo e qualitati-vo também os abrange.

Postular, pois, o reconhecimento na escola impli-ca em uma ética de respeito ao outro que nasce da anti-ga pergunta pedagógica: quem é esse outro? Onde éque ele se situa? Qual o contexto em que ele se encon-tra? Qual seu entorno territorial? Quais são suas aspira-ções? quais são suas necessidades? Portanto, o processoformativo de docentes, nas áreas de fundamentação, setorna mais rico com este “sentir” vivenciado nas práti-cas, nos estágios e nas pesquisas. Dá–se uma superaçãodo "como fazer" para o "para quê fazer". O "para quê"não revoga o "como", mas ele está muito expresso emnosso ordenamento jurídico com clareza à luz dos direi-tos sociais, da cidadania e dos direitos humanos. Estehorizonte abrange e inclui aqueles que sempre estiveramsob o signo da inclusão excludente.

Tal postura não será garantida quando se esque-ce do princípio constitucional da gestão democrática emfavor de uma administração gerencialista que vise ape-nas às atribuições burocráticas e escores de desempe-nho.

Desse modo, a reflexão propiciada por este livroa este respeito trará a seus leitores um maior conheci-mento, ou melhor, uma maior consciência em vista de

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uma prática consequente. Ou como nos diz o texto cele-brado de Antônio Cândido1 sobre o direito à literatura:

[…] pensar em direitos humanos temum pressuposto: reconhecer queaquilo que consideramos indispensá-vel para nós é também indispensávelpara o próximo.

…Neste ponto as pessoas são frequen-temente vítimas de uma obnubilação.Elas afirmam que o próximo tem di-reito, sem dúvida, a certos bens fun-damentais como casa, comida, ins-trução, saúde, coisas que ninguémbem formado admite hoje em diaque sejam privilégio de minorias,como são no Brasil. Mas será quepensam que o seu semelhante pobreteria direito a ler Dostoiéviski ou ou-vir os quartetos de Beethoven?

…Ora, o esforço para incluir o seme-lhante no mesmo elenco de bens quereivindicamos está na base da refle-xão sobre os direitos humanos. (p.174–175)

Carlos Roberto Jamil Cury

1 CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,2011.

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APRESENTAÇÃO

O 1º Congresso de Educação do Vale do Sapu-caí– CEVS aconteceu no mês de setembro de 2016, nosdias 19, 20 e 21 e, foi desse evento que surgiu essaobra, organizada pelo Centro de Estudos e Pesquisasem Educação da Universidade do Vale do Sapucaí– CE-PEDU, que pertence ao Mestrado em Educação/Univásem Pouso Alegre, Sul de Minas Gerais. Foi concebido egestado no Colegiado de Curso do Mestrado em Educa-ção da UNIVÁS. O amadurecimento da sua equipe, ocompromisso político e social de todos para com a edu-cação em nosso país e em Minas Gerais foram os esti-muladores. As professoras do mestrado foram agentesde tudo o que aconteceu nos três dias de evento. Ficouregistrado nominalmente o pioneirismo de cada partici-pação.

Na ocasião da abertura do evento, exigiu–se bre-vidade nos discursos, o tempo impôs objetividade paradescrever o significado de estar todos e todas reunidosnessas datas para iniciar as atividades do 1º Congressode Educação do Vale do Sapucaí. Um pouco da históriado Mestrado em Educação valeu a pena contar, pois em2016 o curso se encontra em seu 4º ano de atividades,o que o caracteriza como principiante, na responsabili-dade de formar Mestres em Educação.

O Mestrado em Educação/Univás dentre todos osseus comprometimentos junto a Capes, a Univás e a for-mação do pesquisador, ousou realizar no sul de MinasGerais um evento de uma grandeza, que contemplasse asocialização de pesquisas e práticas pedagógicas de ses-senta municípios dos estados de Minas Gerais, São Pau-lo e Goiás, que estavam presentes os três dias do even-

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to, como congressistas. Fomos surpreendidos com osnúmeros, não só pela quantidade em si, mas pelo senti-do que foi desenhando a realidade do evento. Realida-de essa, que foi socializada com todos os congressistas,motivados pela responsabilidade da equipe organizado-ra do congresso, a quem o CEPEDU representou.

Os números possuem o poder de levar o homemà reflexão, ao programar o evento ambicionando criarum espaço capaz para reunir até 500 pessoas, com ameta de 250 inscrições, chegamos aos 350 congressistasinscritos. Na preocupação de criarmos um espaço paraos educadores da educação básica ao ensino superior epós–graduação, planejamos espaços para apresentaçãode trabalhos de pesquisas e outros para socialização depráticas pedagógicas, oriundas do cotidiano das escolasde educação básica de Pouso Alegre e seu entorno.

Sendo assim, o 1º CEVS contou com inscrições eapresentações de trabalhos, sendo 59 comunicaçõesorais e 36 pôsteres de pesquisas de iniciação científica,dissertações de mestrado em andamento e concluídas eteses de doutorado de diversas universidades do estadode Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Foram apresenta-das 34 práticas pedagógicas inscritas e aprovadas paraapresentação e socialização nos finais de tarde de doisdias do evento, em sua maioria boas práticas de profes-sores da educação básica e, também do ensino superior.

Contamos com uma equipe organizadora com-posta de professores do Mestrado em Educação, do cur-so de Pedagogia/Univás, seus alunos e alunas para, jun-tamente conosco, realizar sua XVIII semana de estudospedagógicos. Contamos com um comitê científico de 52professores/doutores em educação dos mais diversosprogramas de pós–graduação stricto sensu público e pri-vado do Brasil, parceiros na avaliação de trabalhos aca-

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dêmicos, incansáveis, sérios em suas avaliações e contri-buições para todos os trabalhos que foram apresentadosno 1º CEVS.

A reunião dos textos de todos os trabalhos inscri-tos foi organizada em formato de anais, intituladoANAIS 1° CEVS – CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DOVALE DO SAPUCAÍ. XVIII Semana de Estudos Pedagó-gicos. “Desafios à Democratização da Educação no Bra-sil Contemporâneo”, com 1116 páginas, que mais queum cumprimento acadêmico, deu sentido a tudo que seviveu durante a organização do evento, desde o mês deoutubro de 2015 a dezembro 2016, período de organi-zação dessa obra em formato de e–book, com os resul-tados dos textos dos membros que compuseram as trêsmesas redondas que aconteceram no evento e dos onzeminicursos. Essa obra foi organizada em quatro partes, sendoque cada uma delas deveria ter como orientação o temacentral do congresso, os desafios à educação democráti-ca brasileira e contemplar o tema de cada mesa. Sendoassim, a PARTE 1 contemplou o tema da mesa–redon-da: DA UNIVERSALIZAÇÃO À QUALIDADE DA EDU-CAÇÃO, conta com o Capítulo I, intitulado “Da demo-cratização à qualidade da educação brasileira: processohistórico e algumas questões atuais”, de autoria da ProfªDrª Luciana Cristina Salvatti Coutinho (UFSCAR/Soro-caba) e do Prof. Dr. José Luís Sanfelice, docente e coor-denador do curso do Mestrado em Educação/Univás eprofessor colaborador da Unicamp.

Na PARTE 2 discutiu–se com foco da segundamesa–redonda a "FORMAÇÃO DOCENTE E DIVERSI-DADE NO CONTEXTO ESCOLAR", nessa mesa reuni-ram–se professores de instituições diferentes, que possu-em em comum pesquisas que abordam os desafios de

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incluir às diferenças, contribuições riquíssimas pode seperceber nas pesquisas apresentadas e nesta obra seapresenta composta de três capítulos, o Capítulo II inti-tulado “As políticas de educação para a diversidade ét-nico–racial e a formação de professores – entre o pro-posto, o regulamentado e o efetivado”, de autoria daProf.ª Drª Eliete Aparecida de Godoy – PUC–Campinas/SP; do Capítulo III da Prof.ª Iara Félix PiresViana– Secretaria de Educação do Estado de Minas Ge-rais, Belo Horizonte/MG que abordou os “Desafios à de-mocratização da educação no Brasil contemporâneo:protagonismo juvenil no combate ao racismo através dapesquisa científica”; e do Capítulo IV de autoria daProf.ª Drª Carla Helena Fernandes – Univás, Pouso Ale-gre/MG, intitulado “A inclusão escolar de alunos públi-co–alvo da educação especial na educação básica e aformação de professores”.

A PARTE 3 é fruto da última mesa redonda, queocorreu no evento, intitulada "A CONJUNTURA EDU-CACIONAL ATUAL: PARA ONDE CAMINHA A EDU-CAÇÃO?", composta de dois capítulos, do Capítulo V,que abordou “A conjuntura educacional atual: paraonde caminha a educação” de autoria do Prof. Dr. JoséLuís Sanfelice – Univás/Unicamp e do Capítulo VI “Damordaça e da resistência à formação ética: educar paraquê?” de autoria da Profª Drª Sônia Aparecida Siquelli –Univás, essa mesa encerrou o evento e também as refle-xões acerca dos limites em diversas esferas da educaçãoe da sociedade brasileira em tempos atuais.

Na última parte dessa obra, PARTE 4, intitulada“FORMAÇÃO DE PROFESSORES E BIOÉTICA”, fo-ram reunidos textos trabalhados nos minicursos ocorri-dos no evento e de discussões organizadas por professo-res do Mestrado em Educação e do Mestrado em Bioéti-

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ca–Univás, professores do IFSULDEMINAS, parceirosdesse evento e, também de uma professora daUNIFEI/Itajubá–MG, que apresentou um minicurso ondeabordou a formação de professores. Os capítulos foramassim organizados, o Capítulo VII– “A educação profissi-onal frente à democratização da educação no Brasilcontemporâneo” de autoria do Prof. Dr. Marcelo Bre-gagnoli; Prof. Dr. Giovane José da Silva e da Profª. Jo-arle Magalhães Soares; do Capítulo VIII “A formação deprofessores no desafio de democratização da EducaçãoBásica” das autoras e Profª Drª Luana CostaAlmeida/Univás; Profª Drª Sarah Maria de Freitas Ma-chado Silva/ Univás e da Profª Drª Geisa do SocorroCavalcanti Vaz Mendes/Univás; e do Capítulo IX “Ten-dências na formação de professores” da Profª Drª FláviaSueli Fabiani Marcatto; o Capítulo X “Educação perma-nente e políticas públicas em saúde: um olhar bioético”de autoria de Prof. Dr. Luiz Roberto Martins Rocha e,por último, o Capítulo XI “Profissionalização do magis-tério no contexto de uma nova gestão da educação pú-blica: a administração gerencial”, da Profª Drª NeidePena Cária e da Profª Scheilla Guimarães de Oliveira.

Em síntese, a obra se encerra da forma com quese deu o evento, ressaltando em que fundamentos seancorou tanta ousadia?! No trabalho compartilhado, ta-refas divididas, reuniões incansáveis, iniciadas desde ou-tubro de 2015, e, sobretudo na crença do trabalho emequipe, de que seria possível.

Às condições criadas, para realizar todo esse tra-balho se deu pelo fomento e apoio da Capes, que aochancelar toda produção do CEVS, reconheceu o senti-do acadêmico do evento, pela parceria construída no li-miar do que pensávamos e da realidade posta. Peloapoio da pró–reitoria de pós–graduação e pesquisa da

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Univás e Fuvs para que ocupássemos todos os espaçosque precisávamos em suas dependências; pela acolhidae condições oferecidas pela parceria construída com oInstituto Federal do Sul de Minas Gerais –IFSULDEMI-NAS e com Superintendência de Ensino Regional – SERde Pouso Alegre, pelo apoio incondicional na execuçãoe efetivação de toda programação, foi uma boa aliança.

Segundo os agradecimentos do professor e coor-denador do Mestrado em Educação–Univás, não sepode deixar de registrá–los:

Há um dado fundamental. O CEPE-DU, nosso centro de pesquisa doMestrado, comandou todo o proces-so de organização e viabilização doCEVS, sempre sob a liderança daProf.ª Sônia Siquelli. Incansável, ba-talhadora, persistente, sonhadora echeia de utopias. Agradecimentos detodos nós a você, professora Sônia.Aos nossos alunos e mestrandos/ bol-sistas FAPEMIG e outros colaborado-res, bem como a toda equipe técnicaorquestrada pelo secretário da pós–graduação, Guilherme, muito obriga-do. A todos que se inscreveram noCEVS para apresentarem seus traba-lhos, nas diferentes modalidades, ouparticiparem da apresentação deles,obrigado pela confiança. O evento éde todos vocês. Que retirem daqui omelhor proveito intelectual possível.Aos conferencistas e palestrantesconvidados, aos proponentes de cur-sos, nossa imensa admiração pela so-lidariedade. Somos ainda principian-tes na pós–graduação em educação

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do Brasil. Vocês nos auxiliam imen-samente com a honrosa presença econtribuições. Professor Luciano, umobrigado especial pela sua presen-ça. Você é uma referência nacionalcomo pesquisador, nas muitas repre-sentações institucionais e nas agên-cias de fomento. Para além do dia dehoje, esperamos contar muito comvocê. Olhe sempre com bons olhospara o Mestrado em Educação daUNIVÁS. Queremos ser academica-mente muito sérios competentes ecomprometidos com a produção esocialização do conhecimento. Agra-deço profundamente todo o públicoque aderiu ao Congresso por ser arazão do nosso trabalho. Queremosservir, ajudar, encontrar caminhos edecifrar o quase indecifrável quadroda educação brasileira. Somos par-ceiros de todos os que lutam poruma sociedade mais justa, mais de-mocrática e mais livre. Bom Congres-so a todos e nos perdoem as vacila-das que por acaso ocorram. Comodisse, somos principiantes. (Coorde-nador do Mestrado em EducaçãoProf. Dr. José Luís Sanfelice,21/09/2016)

Enfim, os números nos posicionaram diante darealidade, sobretudo, porque são produzidos por nós,humanos, e no caso da educação, os números materiali-zam o sentido da responsabilidade que temos enquantoeducadores com aqueles que estão nascendo para omundo, que apesar de tempos desafiadores e sombrios

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vividos pela educação brasileira atual, ainda assim, resis-timos, porque acreditamos que formar pessoas desdesua mais tenra idade à pós–graduação, vale a pena!Que às vivências de cada um nesse evento possamacompanhá–los ao voltarem para suas práticas pedagó-gicas de ensino e pesquisa.

Nossos agradecimentos!

José Luís SanfeliceSônia Aparecida Siquelli

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PARTE I: "Da universalização àqualidade da educação"

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CAPÍTULO IDA DEMOCRATIZAÇÃO À QUALIDADE DA

EDUCAÇÃO BRASILEIRA: PROCESSO HISTÓRICOE ALGUMAS QUESTÕES ATUAIS

Luciana Cristina Salvatti CoutinhoJosé Luís Sanfelice

Mas na sociedade de classes, mesmopara o pequeno número que usufruias aquisições da humanidade, estasmesmas aquisições manifestam–se nasua limitação, determinadas pela es-treiteza e caráter obrigatoriamenterestrito da sua própria atividade; paraa esmagadora maioria das pessoas, aapropriação destas aquisições só épossível dentro de limites miseráveis.(Leontiev, 2004 p. 301)

INTRODUÇÃO

No capítulo escrito por Leontiev intitulado “OHomem e a Cultura”, parte do livro “O desenvolvimen-to do psiquismo”, do qual selecionamos a epígrafe dessetexto, o autor, fundamentando–se nas teses marxianas,busca traçar, teoricamente, o processo de desenvolvi-mento humano, entendendo–o como sócio–historica-mente condicionado, ou seja, para que os seres huma-nos se tornem homens e mulheres contemporâneos, é–

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lhes necessário que se apropriem dos instrumentos cul-turais produzidos pelas gerações que os precederam.

Instrumentos culturais, das roupas às máquinas,da linguagem às ciências e às artes, são resultantes doprocesso de produção da própria existência humana le-vado a cabo pelos próprios sujeitos organizados social-mente que medeiam à relação homem–natureza e ho-mem–homem. Nesse curso, os homens não só modifi-cam o mundo circundante como também a si mesmos.Assim, é possível afirmar, como o faz Leontiev (2004, p.284):

Cada geração começa, portanto, asua vida num mundo de objetos e defenômenos criados pelas geraçõesprecedentes. Ela apropria–se das ri-quezas deste mundo participando notrabalho, na produção e nas diversasformas de atividade social e desen-volvendo assim as aptidões especifi-camente humanas que se cristaliza-ram, encarnaram nesse mundo. Comefeito, mesmo a aptidão para usar alinguagem articulada só se forma, emcada geração, pela aprendizagem dalíngua que se desenvolveu num pro-cesso histórico, em função das carac-terísticas objetivas desta língua. Omesmo se passa com o desenvolvi-mento do pensamento ou da aquisi-ção do saber. Está fora de questãoque a experiência individual de umhomem, por mais rica que seja, bastepara produzir a formação de um pen-samento lógico ou matemático abs-trato e sistemas conceituais corres-pondentes. Seria preciso não uma

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vida, mas mil. De fato, o mesmopensamento e o saber de uma gera-ção formam–se a partir da apropria-ção dos resultados da atividade cog-nitiva das gerações precedentes.

No entanto, é necessário, como defende Leontiev(2004), fundamentando–se nas teses de Marx, conside-rar esse processo de formação humana nas condiçõesobjetivas da sociedade em que se insere e não abstrata-mente, como se todos tivessem as mesmas condições detrabalho e de vida. É imperativo, portanto, partir dascondições concretas em que vivem os sujeitos reais.

Em 1875, na Crítica ao Programa de Gotha,Marx já denunciava a desigualdade de condições nasquais se dava a formação dos homens em função da ori-gem de classe. Perguntava ele: “Educação popular eigual? Que se entende por isso? Acredita–se que na soci-edade atual (que é a de que se trata), a educação podeser igual para todas as classes?” (p. 15)1. Marx evidenciaque as desigualdades tanto sociais e, consequentementeas educacionais são resultantes de uma contradição pró-pria das sociedades de classes que, no modo de produ-ção capitalista, resumem–se em duas grandes classes: osque trabalham e, portanto, produzem toda a riqueza, eos que se apropriam dos produtos do trabalho alheio.Por meio da subordinação do trabalho ao capital, as ne-cessidades dos trabalhadores, tanto de vida quanto deformação, são condicionadas aos interesses das elitesdominantes. Essa relação de subordinação, fundada naexploração e controle de uma classe social por outra,gera desigualdades sociais e, consequentemente, indivi-

1 Texto disponível em www.livrosgratis.com.br. Link específico da obra:http://livros01.livrosgratis.com.br/cv000035.pdf. Acessado em 24/11/16.

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duais, em todas as dimensões da vida, inclusive a edu-cação escolar.

No Brasil, considerando que se trata de uma for-mação social organizada tendo como base o modo deprodução capitalista, esses determinantes histórico–soci-ais são perceptíveis, assumindo contornos específicosem função das características próprias do país por esteocupar um dado lugar no desenvolvimento mundial docapitalismo. É o que poderia explicar, talvez, a nãoconstituição, até os dias de hoje, de um sistema nacionalde educação, universalizando, por meio desta via, umaeducação escolar considerada básica a todos os sujeitostal qual ocorreu nos países capitalistas centrais.

Assim, na história da educação brasileira, mesmoa questão da educação nacional tendo sido inserida napauta do Estado, sobretudo a partir da década de 1930,a escola pública (estatal) era acessível a uma pequenaparcela da população. Evidência dessa tendência históri-ca no Brasil são as reflexões desenvolvidas por Xavier,Ribeiro e Noronha (1994).

Ao discutir as oportunidades escolares brasileiras,as autoras consideram, para efeitos de análise, a ques-tão do analfabetismo tendo como referência dados doIBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).Tendo como base o número de pessoas acima de 15anos, apresentaram os seguintes dados: em 1920 haviapouco mais de 17 milhões de pessoas nessa faixa etáriasendo que mais de 11 milhões não sabiam ler e escre-ver; já em 1960, dentre as 40 milhões de pessoas, 16milhões delas eram consideradas analfabetas (XAVIER,RIBEIRO E NORONHA, 1994, p. 148). Em termos per-centuais, de, aproximadamente, 65% de analfabetos em1920 chegou–se a 1960 com 40% da população acimade 15 anos sem saber ler e escrever. Ou seja, mesmo

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com a ampliação da educação escolar por meio da açãodo Estado, era evidente que a questão do acesso aos co-nhecimentos historicamente construídos pela humanida-de estava longe de ser alcançada por toda a população.Acrescentam as autoras que, acrescido ao problema defalta de escolas, deve–se considerar o alto índice de eva-são e repetência: “[…] para cem crianças que conse-guem entrar na primeira série do ensino elementar, exis-tem apenas 13 em 1935 ou 21 em 1955 que conseguemconcluir a quarta série desse mesmo ensino” (Idem, p.161).

Infere–se desse contexto que a educação escolartinha um caráter elitista seja pelo acesso restrito, sejapelo processo de escolarização que eliminava parte sig-nificativa dos sujeitos que a ela tinham acesso.

Nesse contexto inicia–se um movimento de edu-cação popular em que vários projetos são levados acabo, tais como: Movimento de Cultura Popular (MCP),De Pé no Chão também se Aprende a Ler, Movimentode Educação de Base (MEB), Centro Popular de Cultura(UNE), destacando–se, entre os educadores que atuamnessa frente, Paulo Freire.

Contudo, os movimentos de educação popularsofrem um revés em decorrência do regime autoritárioinstaurado por meio de golpe civil–militar anunciado em1964 em que passa a predominar, no âmbito do Estado,as ideias originadas da teoria do Capital Humano nasquais se fundamentavam os estudos desenvolvidos peloIPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais). De acor-do com Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 219):

A concepção de Educação veiculadapor esse instituto baseia–se na teoriado Capital Humano, que ressalta seucaráter econômico. A Educação, as-

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sim, é concebida como “uma indús-tria de prestação de serviços”. Sobesse enfoque, o homem é considera-do como parte do capital e, portanto,convertido em recurso humano paraa produção.O objetivo da Educação seria, pois,formar o produtor, o consumidor e amão–de–obra requerida pela indús-tria moderna, integrando–se ao capi-talismo internacional.

A fim de efetivar as orientações econômicas, po-líticas e sociais em curso, era necessário, como ocorreuquando da instauração do Estado Novo, (re) criar meca-nismos de repressão ao mesmo tempo em que se ampli-avam os instrumentos de imposição ideológica das mas-sas exigindo, para isso, uma gestão planificada expressa,na educação, no que ficou conhecida na historiografiacomo pedagogia tecnicista. Nesse contexto e com essesprincípios é que se dá, durante os 21 anos de regime au-toritário, um crescimento significativo da educação esco-lar pública. Contudo, cabe a reflexão realizada por Bittare Bittar (2012, p. 163):

Mas que escola era essa? Sem dúvi-da, a das crianças das camadas po-pulares; a escola em que funcionavao turno intermediário, com poucomais de três horas de permanênciana sala de aula, mal aparelhada, malmobiliada, sem biblioteca, precaria-mente construída, aquela em que osprofessores recebam salários cadavez mais incompatíveis com a suajornada de trabalho e com a sua titu-lação. A escola em que era obrigató-

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ria a Educação Moral e Cívica, disci-plina de caráter doutrinário, quealém de justificar a existência dos go-vernos militares, veiculava ideias pre-conceituosas sobre a formação his-tórica brasileira, e na qual o ensinode Língua Portuguesa, da História,da Geografia e das Artes ficou desva-lorizado.

Como apontam as autoras acima referidas, ini-cia–se um processo de maior regulação e controle dasmassas sendo a educação alçada a um dos instrumentosde manipulação da população. O trabalho docente, nes-se contexto, assume um caráter meramente técnico sen-do o professor considerado um executor dos planos ela-borados pelos técnicos da Educação, representantes doEstado, fortemente atrelados às diretrizes emanadas deorganismos internacionais. Vale indicar, a título deexemplo, os Acordos MEC–USAID2 firmados nesse perí-odo histórico.

Organização do campo educacional e lutaem defesa da Escola Pública

Diante do contexto sociopolítico e econômicobrasileiro sinteticamente explanado anteriormente, mes-mo diante do aparato repressivo e ideológico articuladopelo Estado no período do regime civil–militar, os movi-mentos contestatórios e as análises críticas não deixaramde existir. No processo de abertura política em que searticulava a luta pela democratização e por eleições dire-tas, ocorre a mobilização dos educadores e tem–se início

2 Conjunto de acordos firmados na década de 1960 entre o Ministério daEducação (MEC) e United States Agency for Internacional Development(USAID).

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a organização do campo educacional. Apesar de, doponto de vista econômico, a década de 1980 foi aponta-da como perdida. Saviani (2007) afirma que “[…] doponto de vista da organização do campo educacional, adécada de 1980 é uma das mais fecundas de nossa his-tória, rivalizando apenas com a década de 1920, mas,ao que parece, sobrepujando–a” (p. 400).

E prossegue o autor, indicando várias entidadesque surgiram nesse período histórico:

Os anos de 1980 inauguram–se coma existência da Associação Nacionalde Educação (ANDE), AssociaçãoNacional de Pós–Graduação e Pes-quisa em Educação (ANPEd) e Cen-tro de Estudos Educação e Socieda-de (CEDES), criados, respectivamen-te, em 1979, 1977 e 1978. Mas alémdessas entidades destinadas a con-gregar educadores independente-mente de sua vinculação profissional,a década de 1980 também se iniciacom a constituição de associações,depois transformadas em sindicatos,aglutinando, em âmbito nacional, osprofessores dos diferentes níveis deensino e os especialistas nas diversashabilitações pedagógicas (idem, p.401).

Interessante notar que um dos instrumentos deluta política criado pelas entidades educacionais são asrevistas de caráter acadêmico–científicas “voltadas paraa produção, discussão e divulgação de diagnósticos,análises, críticas e formulação de propostas para a cons-trução de uma escola pública de qualidade” (ibidem, p.402). Sendo, portanto, expressão da realidade societária

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na e para a qual são produzidos, os periódicos se consti-tuem em fonte para se compreender o processo de cons-trução de um determinado projeto, identificando os su-jeitos que se tornam referência bem como os focos desuas análises, críticas e proposições.

Para efeitos de nossa argumentação, tomaremosalguns artigos das revistas publicadas pelo ANDE e peloCEDES sendo, respectivamente, Revista da ANDE eEducação & Sociedade.

Florestan Fernandes, em artigo publicado na Re-vista Educação & Sociedade em 1987, quando já atua-va como Deputado Federal pelo Partido dos Trabalha-dores (PT), afirmava a necessidade de uma ReformaEducacional e acrescentava que, inevitavelmente, estase inseria e deveria responder ao conjunto dos proble-mas sociais que avassalam, historicamente, o país. Diziaele:

Já existe um consenso de que certosproblemas e dilemas sociais são mui-to graves e que somente podem serresolvidos através de uma interven-ção profunda e prolongada do poderpúblico. Esses problemas e dilemassociais dizem respeito à miséria (rela-tiva e absoluta), à fome, aos milhõesdesempregados e subempregados, àextrema concentração da proprieda-de agrária, às migrações erráticas daspopulações expulsas do campo paraa cidade, ao inchaço das cidades eao favelamento […]. As tentativas desolução de todos esses problemas edilemas esbarram no baixo padrãoeducacional das massas e no nível de

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consciência de classe dos trabalhado-res (FERNANDES, 1987, p. 5–11)

Entende Fernandes que a educação é, ao mesmotempo, um dos problemas sociais enfrentados numa so-ciedade de classes, expressando, tal qual nas outras es-feras da vida, a desigualdade social, mas que, na buscapela superação dos problemas e dilemas da sociedade,faz–se necessário que a massa da população eleve suacompreensão crítica da realidade a fim de que resistamà exploração e manipulação, tendo, portanto, a educa-ção um relevante papel social. Nas suas palavras, empleno processo constituinte, ele afirma que:

Na raiz dessa situação histórica eri-ge–se, pois, o principal dilema comque se defronta a Assembleia Nacio-nal Constituinte: o da educação. 1)Em uma ponta está a educação da“massa pobre da população”, paraque ela eleve o seu nível de cons-ciência crítica, de resistência a práti-cas manipuladoras que agravam suascondições de vida e impedem umaação coletiva ofensiva, inclusive paraconquistar peso e voz na sociedadecivil e ter capacidade de exercer con-troles sociais diretos e indiretos sobreo poder público. Na outra ponta, estáa educação dos privilegiados e semi-privilegiados, que monopolizam asoportunidades educacionais e assimadquirem o monopólio da cultura,sem o ônus de uma relação construti-va com a sociedade civil e o Estado.[…] Aqui nós temos, como umatotalidade histórica, o que signi-

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fica democratização do ensino(idem, p.5–11, grifos nossos)

Eis, em síntese, o foco do embate posto no quese refere à educação. Trata–se da socialização da culturaproduzida social e historicamente resultante do processode produção da existência humana que tem sido apro-priada por uma pequena parcela da população. E mais.Evidencia–se que a luta travada pela educação implicaem que esta escola que está sob os domínios do Estadoseja mantida por este, mas que se articule aos interessesda “massa pobre da população”, instrumentalizando–apara a luta por melhores condições de vida, o que sepoderá ocorrer se os fins da educação forem definidospor essa mesma população.

Nesse sentido, democratização da educação nãose limita ao acesso à escola, como bem enfatiza Rodri-gues em artigo publicado na Revista da ANDE:

A Escola se democratizará na medidaem que os seus processos decisóriosestiverem coligados aos interesses detodas as classes. Isso significa, neces-sariamente, que temos de discutirtoda a questão dos fins da Escola; eque essa discussão não pode ser pri-vilégio dos intelectuais, das lideran-ças ou das elites educacionais. É ne-cessário colocar a questão da demo-cratização em torno da definição dosobjetivos da Escola, e determinar opapel dos agentes educacionais e da-queles que sofrem a ação dos agen-tes educacionais – os alunos – bemcomo o papel que a comunidadepode ter na determinação dos fins daeducação, no dia–a–dia da Escola,

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nos problemas específicos da ativida-de educacional. Da atividade escolar(1983, p. 42–43).

Na década de 1980, portanto, no bojo da lutapela democratização política expressa em eleições dire-tas, em criação de mecanismos de controle social do po-der público, a definição constitucional de direitos sociais,a garantia de condições financeiras para ação do Estadono sentido do cumprimento desses direitos, toma corpoa defesa da escola pública enquanto um projeto educa-cional da e para toda a população. Esse projeto educaci-onal em construção se traduz em uma pauta política le-vada e defendida por Florestan Fernandes no Congressocontendo quatro pilares basilares:

1. A educação é direito de todo ci-dadão, sendo dever do Estadooferecer ensino público, gratuitoe laico para todos, em todos osníveis;

2. O governo federal destinará nun-ca menos de 13% e os governosdos Estados, do Distrito Federal edos municípios aplicarão, nomínimo, 25% de sua receita tri-butária na manutenção e desen-volvimento do ensino público egratuito;

3. As verbas públicas destinam–seexclusivamente às escolas públi-cas, criadas e mantidas pelo go-verno federal, pelos Estados, Dis-trito Federal e municípios;

4. A democratização da escolaem todos os níveis deve serassegurada quanto ao aces-

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so, permanência e gestão.(FERNANDES, 1987, p.5–11,grifos nossos).

Evidencia–se, claramente, pelas análises e propo-sições socializadas nas revistas acadêmico–científicas,que o conceito chave do projeto educacional contra–he-gemônico em construção no âmbito da sociedade civil édemocracia no sentido de atender as necessidades e in-teresses de toda a população, expressa na escola efetiva-mente pública, mantida financeiramente pelo Estado.Essa é uma luta histórica que tem sido travada na socie-dade capitalista expressa, em Marx (1875), como umaeducação popular:

Isso de “educação popular a cargodo Estado” é completamente inad-missível. Uma coisa é determinar, pormeio de uma lei geral, os recursospara as escolas públicas, as condi-ções de capacitação do pessoal do-cente, as matérias de ensino, etc., evelar pelo cumprimento destas pres-crições legais mediante inspetores doEstado, como se faz nos Estados Uni-dos, e outra coisa completamente di-ferente é designar o Estado comoeducador do povo! Longe disto, oque deve ser feito é subtrair a escolaa toda a influência por parte do go-verno e da igreja […] pelo contrário,é o Estado quem necessita de receberdo povo uma educação severa (p.14).

Na década de 1980, como se buscou evidenciar,são elaboradas críticas a uma educação elitista concomi-tante à defesa da democratização da escola com indica-

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tivo de proposições concretas nos focos de ação paraque toda a população tivesse condições substantivas enão meramente formais de apropriação da cultura letra-da, visto que a expansão da oferta escolar às pessoasmais pobres vinha se dando em situações de extremaprecariedade o que, consequentemente, implicava natradução das desigualdades sociais em desigualdadeseducacionais. Era necessário, como esclarece Garcia(1984, p. 5–8) valorizar a escola que estava aí, melho-rando–a. Alerta, contudo, Beisiegel (1981) que não sepode cair na armadilha de dicotomizar quantidade equalidade, aderindo a um discurso que vinha sendoconstruído de que o aumento da educação escolar resul-tava em queda na qualidade dos “serviços educacio-nais”.

Quem defende a democratização doensino não pode criticar a qualidadedo aluno da nossa escola. O rendi-mento precário da nossa escola é umdado da nossa realidade nacional.Não podemos mudar a população:não dá, a nossa população é essa.Precisamos fazer com que a escolapasse a responder a essa população.Esse é o meu ponto (BEISIEGEL,1981, 48–56).

Da democratização à qualidade total emEducação

No Brasil, apesar de um Estado de bem–estar so-cial não ter se concretizado de fato, o processo de rede-mocratização do país vivenciado de forma mais intensadurante a década de 1980 tornou–se um terreno fértil

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para reivindicações sociais, incluindo as educacionais,até então reprimidas pelo regime autoritário e repressivoda ditadura civil–militar, como se evidenciou anterior-mente. A materialização dessas bandeiras de luta impli-cava que o Estado assumisse um papel intervencionista,mantendo as condições de garantia dos direitos sociaissubordinando–se, contudo, às necessidades e interessesde toda a população. Essa era o embate histórico da-quele momento.

O avanço das forças progressistas e a construçãode um projeto contra–hegemônico não se dariam semreação das forças conservadoras e daqueles que se be-neficiam da estrutura societária vigente. Assim é que, noBrasil, a partir de 1990, em consonância com as mudan-ças já em curso nos países centrais do capitalismo, teminício um processo de reestruturação do Estado combase na ideologia neoliberal.

O ponto de referência para as reformas são asleis do mercado, numa lógica individualista e privatista.Para isso, faz–se necessário redirecionar as ações do Es-tado, de executor e prestador direto dos serviços públi-cos para regulador e coordenador.

A fim de levar a cabo esse processo é criado, nadécada de 1990, no âmbito da estrutura do Estado, oMinistério da Administração Federal e Reforma do Esta-do (MARE) e um Plano Diretor da Reforma do Aparelhodo Estado3 formulado pelo então ministro Bresser–Perei-ra em que se defende que:

É preciso, agora, dar um salto adian-te, no sentido de uma administraçãopública que chamaria de “gerenci-

3 Sugere–se a leitura do Plano Diretor em referência disponível em:http://www.bresserpereira.org.br/Documents/Mare/Planodiretor/Planodire-tor.Pdf

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al”, baseada em conceitos atuais deadministração e eficiência, voltadapara o controle dos resultados edescentralizada para poder chegarao cidadão, que, numa sociedadedemocrática, é quem dá legitimidadeàs instituições e que, portanto, se tor-na “cliente privilegiado” dos serviçosprestados pelo Estado.É preciso reorganizar as estruturas daadministração com ênfase na qua-lidade e na produtividade do ser-viço público; na verdadeira profissi-onalização do servidor, que passariaa perceber salários mais justos paratodas as funções. Esta reorganizaçãoda máquina estatal tem sido adotadacom êxito em muitos países desen-volvidos e em desenvolvimento.(BRASIL, 1995, p. 7)

A educação, nesse contexto, é entendida comoum produto a ser consumido pelos alunos que passam aser considerados “clientes”, “consumidores”. A referên-cia de qualidade do produto–educação é dada, nessaperspectiva, pelo mercado consumidor medido pela ca-pacidade de consumo do serviço pelos clientes. No casoda educação escolar, o produto refere–se aos conteúdosobjeto de ensino–aprendizagem.

Importa informar que, no que diz respeito à insti-tuição escolar, parâmetros fundados nas ideias da ges-tão da qualidade total já estavam em construção contan-do, inclusive, com experiências desenvolvidas em esco-las–laboratórios.

Um dos idealizadores dessa proposta foi o Institu-to de Pesquisa Aplicada (IPEA). Um documento esclare-

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cedor foi formulado em 1991 intitulado “Gestão daQualidade Total nas Escolas: um Novo Modelo Gerenci-al Para a Educação” tendo como objetivo, de acordocom o próprio texto, cujo redator foi Antonio Carlos daR. Xavier, um dos técnicos do referido instituto, “divul-gar resultados de estudos desenvolvidos pelo IPEA, in-formando profissionais especializados e recolhendo su-gestões”.

No preâmbulo do documento do IPEA, afirma–seque a qualidade da educação escolar tem sido objeto dediscussões, sobretudo em função da expansão do siste-ma de ensino. Que esta baixa qualidade se encontra,substancialmente, no ensino oferecido para as camadasda população que vivem em condições de pobreza.Chega à conclusão que os investimentos na educaçãonão estão se revertendo em ganhos econômicos.

Outra conclusão que se chega nessa introdução éde que o problema se inicia pela imprecisão do conceitode qualidade e, portanto, de sua não operacionalização.Desse modo, num primeiro momento, Xavier (1991, p.8), após apresentar algumas possibilidades de se enten-der o conceito de qualidade, indica que, na perspectivada qualidade total,

[…] qualidade é adequação ao uso.Nesta definição estariam incluídas ascaracterísticas que levam à satisfaçãocom o produto ou o serviço e, alémdisso, a ausência de defeitos ou fa-lhas nestes produtos ou serviços. As-sim, a qualidade seria a aptidão deum produto ou de um serviço parasatisfazer as necessidades daquelesque os utilizam. Por necessidade de-vem compreender tanto as expressasquanto as potenciais, i.e., aquelas

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não claramente formuladas pelos be-neficiários. Quanto aos que utilizamos produtos ou serviços, pensa–se,evidentemente, no cliente final, masa definição se aplica aos usuários in-ternos e externos da unidade de pro-dução. Em outras palavras, todos sãoclientes ou usuários a serem satisfei-tos.

Com base nessa definição de qualidade referidana ótica do mercado, três são os fatores que, segundo oautor, determinam o resultado do produto: “a) qualida-de intrínseca do produto ou serviço; b) custo; c) atendi-mento (quantidade certa, local certo, prazo certo)”(idem, p. 8).

É possível a aplicação dessa concepção de quali-dade e sua gestão no campo educacional? Segundo oIPEA, sim. Primeiro deve–se deixar de lado questões se-cundárias à definição e operacionalização da qualidadecomo, por exemplo, a problemática se a educação deveser pública ou privada. Isso é irrelevante segundo o do-cumento. Segundo, é possível definir a quantidade equalidade mínimas de educação requeridas num dadomomento e contexto histórico. Afirma Xavier (1991, p.8–9):

Essa qualidade e quantidade míni-mas, no caso da educação, um bempúblico, são definidas, em muitos ca-sos, sem uma participação efetivados usuários, quer porque sejam rela-tivamente incapazes de assim proce-derem, quer porque a definição des-ses mínimos procede de mecanismosalternativos de expressão social. Noprimeiro caso estaria, por exemplo, a

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situação em que alunos e mesmo ospais não podem, com precisão, defi-nir o conteúdo programático dos cur-sos. No segundo, estaria toda a com-plexa estrutura sócio–educacionalque é montada para que a duração,forma e conteúdos educacionaisatendam aos interesses sociais.Isso tem a ver com a qualidade in-trínseca ao produto, com o seu custoe com o atendimento.

Esclarece o documento que, clareado o conceitode qualidade no qual se sustenta, faz–se necessário ga-rantir condições de operacionalização dessa ideia. Paratanto, são definidas três direções para o que se denomi-nou de Gestão da Qualidade Total (GQT):

Em primeiro lugar, trata–se de con-trolar toda a vida do produto ou ser-viço, e não apenas a concepção e aprodução, mas incluindo os forneci-mentos, as atividades administrativase de gestão, etc. Todas as funções eatividades da unidade produtiva sãoafetadas, sem exceção. Em segundolugar, a participação de todos é indis-pensável. Em verdade, a qualidadetotal é um assunto que diz respeito atodos: cada um, no seu nível, deveter objetivos de qualidade, identificarproblemas e adotar medidas preven-tivas e corretivas. Enfim, a qualidadetotal deve se estender ao ambienteda unidade de produção. Todos ossócios do empreendimento devemestar no mesmo movimento: fornece-

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dores internos e externos, autorida-des, etc. (idem, p. 9).

Considerando a aplicabilidade dessa concepçãona educação escolar, algumas ações são indicadas. Asações dizem respeito, sobretudo, ao convencimento dosindivíduos envolvidos no processo: “a) convencer os di-rigentes; b) implantar uma estrutura–qualidade; c) obtera adesão do pessoal no nível da gestão intermediária; d)elaborar e implantar programa de formação em todos osníveis” (ibidem, p. 10).

Essas ideias não se limitaram ao papel, foramalvo de ações de implantação em redes públicas de ensi-no como evidencia a dissertação de Mestrado em Edu-cação defendida na UNESP4 por Norma Suely SiqueiraEiras, orientada pela Professora Doutora Maria Apareci-da Segatto Muranaka, denominada “Programa de Qua-lidade Total e Gestão em Educação: um estudo no Mu-nicípio de Limeira–SP”. A dissertação, defendida em2009, buscou reconstituir, com base em documentos,entrevistas e bibliografia, desde a concepção até a im-plantação do PQTE–L (Projeto de Qualidade Total emEducação de Limeira), de 1992 a 2006, resultado deuma parceria entre a Diretoria de Ensino de Limeira e aFundação Limeira5, tendo contato com apoio da Uni-camp por meio do CESET (Centro Superior de Educa-ção Tecnológica, atual Faculdade de Tecnologia da Uni-camp), sendo indicado pela autora como um dos pri-

4 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de RioClaro.5 A Fundação Limeira é uma organização sem fins lucrativos juridicamenteinstituída em 1990. Sua representação abarca um conjunto de pessoas re-presentantes de vários setores/segmentos da sociedade: educacional, em-presarial. Não tendo sede própria, funciona na ACIL (Associação Comerci-al e Industrial de Limeira). Para mais informações acessar: http://fundacao-limeira.org.br/

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meiros programas de GQT aplicado à Educação, tor-nando–se referência para o desenvolvimento de outrasexperiências. De acordo com Eiras (2009, p. 8), sua pes-quisa:

Discute a implantação do PQTEem Limeira;

Mostra a incorporação de princí-pios do ideário neoliberal na ges-tão escolar;

Revela a tentativa de secundari-zação do papel do Estado atravésda adoção de escolas públicaspor empresas e de legitimação depropostas de reformas, defendi-das pelas classes sociais domi-nantes, segundo as quais a crisede qualidade na educação ad-vém da improdutividade decor-rente de gestões administrativasequivocadas e da incompetênciada equipe escolar provocando aevasão, a repetência e o analfa-betismo;

Expõe as razões pelas quais oPQTE–L prioriza o papel da lide-rança e a utilização da padroni-zação. (grifos nossos)

É possível identificar dois grandes focos de açãona implantação do Programa Qualidade Total em Edu-cação no município de Limeira com base em informa-ções trazidas pela autora oriundas dos documentos daFundação Limeira: formação dos profissionais das esco-las em que o projeto estava sendo implantando e autoa-valiação. Da avaliação resultaram a elaboração dos

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“Critérios de Excelência do Programa de Qualidade To-tal na Educação de Limeira” e a criação do “PrêmioFundação Limeira da Excelência na Educação”, eviden-ciando a adoção de mecanismos de avaliação (denomi-nado de autoavaliação) articulados à meritocracia.

As análises desenvolvidas por Eiras revelam, ain-da, a estreita relação entre o PQTE–L com as políticaseducacionais em curso na década de 1990 em que ocu-pa lugar central a avaliação da aprendizagem. Evidên-cias dessa relação podem ser percebidas tanto nos itensda autoavaliação em que se pontua a participação daescola nas avaliações externas quanto no I SeminárioNacional de Qualidade Total na Educação promovidoem 1995 em Limeira contando com a participação daentão Secretária de Educação do Estado de São Paulo,Teresa Roserley Neubauer da Silva proferindo a palestra“A Visão do Governo do Estado sobre a Qualidade naEducação” (EIRAS, 2009, p. 118). Importa informar queo SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Esco-lar do Estado de São Paulo), de acordo com informa-ções contidas no site da Secretaria de Educação do Es-tado de São Paulo (SEE), foi criado em 1996 com “fina-lidade de fornecer informações consistentes, periódicas ecomparáveis sobre a situação da escolaridade na redepública de ensino paulista, visando a orientar os gestoresdo ensino no monitoramento das políticas voltadas paraa melhoria da qualidade educacional”6 (grifos nos-sos).

Outra questão merece destaque das reflexões de-senvolvidas por Eiras (2009) a partir de vários depoi-mentos de profissionais da educação das escolas partici-pantes do PQTE–L e do Prêmio atribuído pela Funda-

6http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/saresp–tem–a–maior–adesao–de–toda–a–sua–historia. Acessado em 27/11/16.

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ção Limeira. Trata–se das cobranças que as escolas pas-sam a sofrer por parte da comunidade escolar, da secre-taria de educação, enfim, de vários segmentos da socie-dade para que se adequem ao padrão de qualidade es-tabelecido pela avaliação e pelo referido Prêmio de qua-lidade.

Também, outro destaque refere–se às mudançasprocessadas na gestão escolar em função da implanta-ção do PQTE–L. Evidência disso são as análises desen-volvidas por Eiras (2009) de uma das escolas regular-mente premiadas pelo programa. Desde o Plano Gestorda Escola até as práticas de gestão tomadas como fontesde estudo demonstram a ênfase no conceito de qualida-de total e sua operacionalização reconhecendo “imensapreocupação com a melhoria da qualidade da gestão daescola e uma forte tendência a eliminar as variabilidadesdas ações executadas dentro da organização e desta for-ma padronizá–las para poder controlá–las” (idem,p.138–139).

Percebe–se, pelas reflexões desenvolvidas nesseitem do nosso texto que em contraposição ao projetoque começa a tomar forma na década de 1980 fundadono conceito de democratização, a década de 1990 émarcada pela (re)configuração de um projeto que se tor-nou hegemônico enfatizando o conceito de qualidade,sintetizado na expressão “qualidade total”, ancorado emprincípios emanados da administração gerencial formu-lada no campo da administração científica.

Considerações Finais: algumas implicações edesafios atuais para a Educação Brasileira

Os argumentos até aqui elaborados nos levam aconcluir que há dois grandes projetos educacionais his-

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toricamente sendo construídos expressando a luta declasses (e frações de classes), da qual se originam proje-tos societários antagônicos que se estruturam em funçãodas correlações de força que se articulam em cada con-juntura político–social específica.

Na década de 1980, no bojo do processo de re-democratização da sociedade, partindo da crítica à his-tória da educação brasileira marcada pela elitização e,portanto, exclusão, erige–se uma proposta consubstanci-ada na luta em defesa da escola pública. O conceitochave estruturante das ideias em curso, nesse momento,é a democratização a fim de se reforçar o dever do Esta-do na garantia de condições para a educação do povosubmetendo–se, contudo, a definição dos fins da escolaestabelecidos por ampla e substantiva participação po-pular. Ressalta–se, aqui, a educação enquanto práticasocial e instrumento de luta por uma sociedade efetiva-mente justa e igualitária.

De outro lado, (re)articula–se, como resposta àluta empreendida na década de 1980, um projeto deeducação calcado nas regras de mercado, ancoradonum conceito de qualidade restrito e operativo, instau-rando um amplo processo de individualização e respon-sabilização das escolas e seus agentes pela “boa” ou“má” qualidade da educação escolar, incidindo, sobre-tudo, no (re)direcionamento da gestão escolar levado acabo por meio de programas elaborados e implantadosem parceria público–privado, bem como mediante me-canismos de avaliação de desempenho dos alunos–cli-entes a fim de aferir a qualidade do produto–educação.

Cabe, aqui, um alerta:

Sempre de acordo com a concepçãoindividualista e a lógica do mercado,é preciso que se diga ainda que o ne-

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oliberalismo privatiza tudo, inclusiveo êxito e o fracasso social do indiví-duo. Não é diferente no que diz res-peito ao sucesso e ao fracasso escolar(SANFELICE, 2000, p. 155).

As implicações desse processo e contexto para aeducação brasileira tem sido grandes. Podemos citar al-gumas: a desoneração do Estado e a consequente res-ponsabilização dos agentes educacionais pelo sucessoou fracasso escolar tem ocasionado um processo deadoecimento crescente os professores, bem como a pa-tologização do processo de aprendizagem; a educação,de direito social, tem se reduzido ao direito de aprendi-zagem, excluindo–se do processo o papel do ensino e,portanto, do professor o que tem acarretado um proces-so de desvalorização docente. Em suma, temos assistido,nos últimos anos, um processo crescente e deliberado dedesmonte da educação pública, que tende a se efetivarde forma mais intensa caso a PEC (Projeto de EmendaConstitucional) 55/2016, que limita os gastos primáriosda União, foi aprovada.

Os desafios postos pela conjuntura atual não sãofáceis, mas nunca o foram nas formações sociais organi-zadas sobre a base do modo de produção capitalista.Sentimo–nos como que absorvidos pela avalanche demudanças que parecem nos encaminhar para a bar-bárie. Como resistir? Florestan Fernandes, em texto es-crito da década de 1980 sobre “a formação política e opapel do professor” é, ao mesmo tempo desalentadorporque realista, mas inspirador, pois aponta alguns ca-minhos a partir dos problemas sociais e políticos enfren-tados no Brasil, em que já se configurava a tendência detransformar a educação em mercadoria. Dizia ele:

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É notória a introdução de concep-ções que degradam e subestimam oensino público, enaltecendo o ensinoprivado e que acabam por fortalecera ideia de que a educação, para serresponsável, precisa ser, sobretudo,uma mercadoria. Assim, é possívelarrolar vários problemas e temas quemostram a necessidade de o profes-sor, no seu cotidiano, ter uma cons-ciência política aguda e aguçada, fir-me e exemplar. Não que ele deva setornar um Quixote ou um espada-chim. Mas ele precisa ter instrumen-tos intelectuais para ser crítico diantedessa realidade e para, nessa realida-de, desenvolver uma prática que váalém da escola.Isso efetivamente está acontecendo.[…] Ele é uma pessoa que está emtensão política permanente com a re-alidade e só pode atuar sobre essarealidade se for capaz de perceberisso politicamente. […] O professorprecisa se colocar na situação de umcidadão de uma sociedade capitalistasubdesenvolvida e com problemasespeciais e, nesse quadro, reconhecerque tem um amplo conjunto de po-tencialidades, que só poderão ser di-namizadas se ele agir politicamente,se conjugar uma prática pedagógicaeficiente a uma ação política da mes-ma qualidade. (FERNANDES, 2010,p. 134–135)

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Não é por acaso que a educação pública, demodo geral, e o trabalho pedagógico, especificamentetem sido alvos de um intenso processo de regulação econtrole no sentido de promover um deslocamento, nasnossas consciências, de uma ação política para umaação meramente técnica do trabalho docente.

Somente para concluir, apesar de ser amplamen-te veiculado pelos meios de comunicação de massa deque a sociedade está num caminho de “ordem e pro-gresso”, cabe mais um alerta feito por Florestan Fernan-des (idem, p. 136):

Os capitalistas não podem ter as duasmelhores coisas (para eles) ao mes-mo tempo: o crescimento do capital eo esmagamento do trabalho. Se o ca-pital cresce, o trabalho cresce e se otrabalho cresce, o conflito social tam-bém. Se há repressão quanto ao con-flito social, o conflito vai se manifes-tar clandestinamente, no subterrâneoda sociedade.

Referências

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PARTE II: "Formação docente ediversidade no contexto escolar"

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CAPÍTULO IIAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA A

DIVERSIDADE ÉTNICO–RACIAL E A FORMAÇÃODE PROFESSORES – ENTRE O PROPOSTO, O

REGULAMENTADO E O EFETIVADO

Eliete Aparecida de Godoy

INTRODUÇÃO

Este capítulo procura evidenciar o pressuposto daintegração de conhecimentos teórico–metodológicos nocampo das ciências sociais e humanas para compreen-são da pesquisa como um fio condutor de diálogo entreensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, pretende–sediscutir um conjunto de ações envolvendo essas três im-portantes dimensões, buscando compreender o papeldas instituições de Ensino Superior (IES) na intervenção,na implementação de Políticas Públicas em EducaçãoBásica, mais especificamente políticas para diversidaderacial e democratização do ensino. A discussão propostabuscará, portanto, evidenciar a necessidade de agregarações voltadas para o ensino e a extensão como um atoeducativo vinculado ao processo de formação inicial in-tegral, considerando os desafios e possibilidades presen-tes numa instituição de ensino superior, que é desenvol-ver um ensino que assuma a questão racial de formatransversal e interdisciplinar no processo de formaçãodos profissionais dos cursos de licenciatura e do magisté-rio, além de consolidar a perspectiva da extensão subsi-diada pelos resultados da pesquisa de campo. Por quediscutirmos o desenvolvimento de propostas de articula-

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ção de pesquisa, ensino e extensão nessa área específicado saber – questões raciais na escola? A resposta resideno fato de vivenciarmos a experiência enquanto docen-tes no ensino superior na formação de professores, aomesmo tempo na gestão pública de educação munici-pal, o que nos remete a pensar, como as IES podemcontribuir de forma mais efetiva com a articulação dosconhecimentos cientificamente produzidos na universi-dade e o cotidiano das instituições escolares quecompõem as redes de ensino públicas para viabilizaçãoda implantação de políticas públicas para qualidade edemocratização do ensino.

Pois bem, no que se refere à inclusão social, en-quanto paradigma educacional que pressupõe a (re) sig-nificação da construção da escola acolhedora, espaçodefinido a partir da extinção de critérios e exigênciasque se caracterizem em mecanismos de seleção ou dis-criminação para o acesso e a permanência com sucessode todos os alunos, assistiu–se à transformação da reali-dade histórica que vem denunciando a desigualdade ra-cial existente no Brasil, (re) significando seu contextodentro das políticas públicas de âmbito nacional. Emnossa sociedade, a diversidade em nossas escolas é de-marcada pelo não reconhecimento de que a grandemaioria dos saberes e das culturas que constituem nossojeito de viver é constituída também pelas heranças dascivilizações africanas reelaboradas na dinâmica do dia adia de nossas vidas, embora seja certo o desconheci-mento real e ausência da história africana no Brasil naeducação de nível básico e nos níveis superiores de gra-duação e pós–graduação, devido aos fragmentos queconstituem os textos pedagógicos dos livros didáticosutilizados pela escola no decorrer dos tempos.

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Historicamente, as pesquisas, os estudos sobre re-lações étnico–raciais e educação e os movimentos soci-ais muito têm contribuído, a partir da segunda metadedo século XX, para uma melhor compreensão dos jogossociais e culturais que formam a desigualdade de nossasociedade, e dos processos denominados identitários,provocando o debate árduo acerca do que chamamosdo lugar da diversidade e da diferença cultural no Brasilcontemporâneo. No campo educacional, o direito de to-dos à educação escolar tem modificado os paradigmasdas políticas, concepções e práticas, a partir das quais ogrande desafio é que a gestão educacional passe a com-preender a diferença humana em sua complexidade, en-tendendo que as diferenças estão sendo constantementefeitas e refeitas e estão em todos e em cada um. Ao mes-mo tempo, que a passos lentos a luta social caminhe econtribua para isso, ao pensar sobre conhecimento, pes-quisa e na formação de uma intelectualidade no paíscom novos paradigmas, temos que assumir que não sóo movimento social negro, mas também as IES e os ges-tores públicos devem corresponsabilidades pelas ruptu-ras epistemológicas que levem a outro olhar na busca denossas raízes africanas, e as contribuições subjacentes àsmesmas no contexto educacional.

Em se tratando de pesquisa, é a partir da décadade 70 que surge uma perspectiva

[…] cujos temas focalizam a posiçãodos negros na sociedade brasileira.Essas pesquisas, principalmente noâmbito das ciências sociais, enfatiza-vam aspectos relacionados à constru-ção da identidade negra a partir doprocesso de modernização, bemcomo a interpretação criativa dos le-

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gados histórico–simbólico–educacio-nais oriundos do continente africano,recriado e reelaborado nos paísesafrodescendentes. Entre esses, o Bra-sil, seguido do Haiti, é alvo de pes-quisa devido ao alto índice de africa-nas/os para cá trazidos na condiçãode escravos. (SANTOS; MACHADO,2008, p. 96).

Nesse processo histórico, a discussão sobre as re-lações raciais no Brasil foram marcadas por interpreta-ções opostas, uma que afirma e valoriza a convivênciaharmoniosa entre brancos e não brancos, negando oconflito racial, e outra, que demonstra a existência dopreconceito racial em suas diferentes formas de expres-são, desde as atitudes mais disfarçadas às mais explíci-tas. Essa tensão esteve e está presente em todo o debatepúblico sobre o racismo brasileiro em contradição aospreceitos democráticos.

Dentre as ações políticas demarcadas pelos movi-mentos sociais e estudos acadêmicos, destaca–se o rom-pimento com o paradigma do não reconhecimento dadiscriminação e racismo pela sociedade e as tentativasde tornar invisível a(o) negra(o). Essas marcas do nãoreconhecimento e da invisibilidade “[…] são tão sutis erefinadas que educadoras e militantes dos movimentosnegros têm investido esforços de pesquisa sobre as te-máticas de discriminação e desvalorização da(o)negra(o) em espaços interativos, como a escola” (SAN-TOS; MACHADO, 2008, p. 97).

Entendendo que a diversidade cultural está pre-sente em todas as sociedades, e que a questão racial noBrasil compõe–se de um amplo e complexo contexto,essa questão deve ser pertinente não só em particular às

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pessoas que se identificam a esse grupo étnico–racial, oua militantes dos movimentos negros, mas à sociedadebrasileira e toda a humanidade. E, portanto, a formaçãode professores no sentido amplo, as políticas públicas,sua implantação, acompanhamento e avaliação se tor-nam imprescindíveis para transformação social que en-fatize o respeito às diferenças, reafirmando a reciproci-dade na igualdade de relações, daí o importante papeldas IES.

Os marcos para definição de uma educaçãopara relações étnicos raciais

Na tentativa de enunciar o tema e ao mesmotempo situá–lo num breve contexto histórico a partir doque consideramos um marco para definição de políticaspara a diversidade, descrevemos e contextualizamos, notempo, a temática até nossos dias na perspectiva dodito, do escrito e do realizado.

A Constituição de 1988 deixou explícita a ideiade igualdade, quando afirma em seu art. 5º, o crimepela prática do racismo.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei,sem distinção de qualquer natureza,garantindo–se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País a invi-olabilidade do direito à vida, à liber-dade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes:XLII – a prática do racismo constituicrime inafiançável e imprescritível,sujeito à pena de reclusão, nos ter-mos da lei (BRASIL, 1988).

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É preciso destacar que foi a partir do reestabeleci-mento da vida democrática, em 1985, que o Estadobusca por um curto tempo retomar as relações com osnovos movimentos sociais a partir dos partidos políticos,e reitera alguns avanços e conquistas enquanto referen-ciais simbólicos, tais como, a criação da Fundação Cul-tural Palmares, em 1988, e a instituição de Zumbi comoherói nacional, como também a criminalização do racis-mo, regulamentada pela lei 7.716 de 1989 (GUIMA-RÃES, 2006, p. 277). Esse novo cenário sociopolítico ehistórico do Brasil foi marcado pelo trabalho e articula-ção do movimento negro que, a partir de 1985, organi-zou encontros municipais e estaduais com o objetivo derefletir a participação do negro no processo constituinte.Entre esses, destaca–se o Primeiro Encontro Estadual “Onegro e a constituinte”, realizado em julho de 1985 naAssembleia Legislativa de Minas Gerais.

O movimento negro apresenta a primeira reda-ção de um texto para ser considerado pela ConstituiçãoFederal de 1988, com relação à afirmação do compro-misso da educação com o combate ao racismo e todasas formas de discriminação, com a valorização e respeitoà diversidade, assegurando a obrigatoriedade do ensinode história das populações negras do Brasil, como umadas condições para o resgate de uma identidade étnico–racial e a construção de uma sociedade plurirracial epluricultural. É claro que essa redação não foi inclusaenquanto texto oficial, resumindo–se no art. 242 – como seguinte texto: “O ensino de história do Brasil levaráem conta as contribuições das diferentes culturas e etni-as para a formação do povo brasileiro” (BRASIL,1987b). Tal alteração justificou–se pelo fato de tratar–sede uma questão muito particular, a qual deveria ser

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abordada em legislação complementar específica, o quesó veio ocorrer com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996.

De acordo com Santos (2005, p. 15):

Sob pressão dos movimentos negros,em 1995, o atual presidente Fernan-do Henrique Cardoso iniciou publi-camente o processo de discussão dasrelações raciais brasileiras, admitindooficialmente pela primeira vez na his-tória brasileira, que os negros eramdiscriminados. Apesar desse primeiropasso, o reconhecimento oficial doracismo no Brasil pode–se dizer queaté agosto de 2000 o governo brasi-leiro não havia empreendido grandesesforços para que a discussão e im-plementação de ações afirmativas en-trassem na agenda política e/ou naci-onal brasileira.

Entendemos que, no âmbito das reivindicações econquistas, no Brasil, a temática sobre desigualdade ra-cial se apresenta como um possível marco simbólico apartir da III Conferência Mundial contra o Racismo, Dis-criminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,realizada em 2001. Foi a partir daí que a sociedade e aimprensa oficial brasileira passaram a divulgar mais in-formações sobre a questão racial no Brasil. A Conferên-cia em Durban / África do Sul, reveste–se com grandevalor para a questão racial na política pública, principal-mente no campo educacional.

Essa posição dos movimentos negros, segundoGomes (2011), resulta de um amadurecimento e umamudança de rumo, de forma articulada com as transfor-mações na ordem internacional, com o processo da glo-

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balização capitalista e com a construção das lutas con-tra–hegemônicas. A partir desse momento, as reivindica-ções dos movimentos negros têm como foco outro tipode intervenção política pautada na denúncia da posturade neutralidade do Estado diante a desigualdade racial,exigindo a adoção de políticas de ação afirmativa e suaparticipação e representação ativa no interior dos órgãosde administração municipais, estaduais e federais. A lutado Movimento Negro, com relação ao acesso à educa-ção, reivindicava a inserção da questão racial enquantopolíticas públicas universais, voltadas para a escola, aeducação básica e universidade para todos.

Por fim, a educação sempre foi uma questão deatenção dos movimentos negros – uma forte bandeirade luta no século XX, devido ao entendimento de seupapel estratégico na sociedade. E como resultado desseprocesso, Gomes (2011) afirma que:

[…] a redemocratização do país inici-ada nos anos 1980 também possibili-ta a emersão de um novo perfil deintelectual que tematiza as relaçõesraciais, sobretudo no campo educaci-onal. Cabe destacar que a consolida-ção dos cursos de pós–graduação emeducação desencadeada a partir dosanos 1970 possibilita a inserção pau-latina de um grupo de intelectuaisnegros nas universidades públicas, eesses passam a produzir conhecimen-to sobre as relações étnico–raciais.Muitos deles eram quadros do Movi-mento Negro ou tiveram sua trajetó-ria de vida e intelectual influenciadapor tal movimento social. Novos gru-pos de pesquisa são criados, e vários

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encontros, congressos e pesquisaseducacionais voltados para a temáti-ca “negro e educação” começam aser desenvolvidos (GOMES, 2011,p.113).

A redemocratização do país iniciada nos anos1980 também possibilita um novo perfil intelectual natematização das relações étnico–raciais o que fortalece apressão promovida pelos movimentos negros em funçãode seu papel estratégico na sociedade. E como resultadodesse processo, Gomes (2011) afirma que, o governo deFernando Henrique Cardoso criou um Grupo de Traba-lho Interministerial para Valorização da População Ne-gra, em 1996. O Ministério da Educação e Cultura(MEC) introduziu nos Parâmetros Curriculares Nacionais(PCNs), em 1995 e 1996, o tema transversal PluralidadeCultural. Tal documento apresentou um conteúdo comcaracterística universalista de educação e de políticaeducacional e a questão racial ficou diluída no contextocolocado da pluralidade cultural.

Ana Lúcia Valente (2003), realizando uma análi-se do tema transversal pluralidade cultural abordado nosParâmetros Curriculares Nacionais, observou aspectospositivos e negativos quanto a forma de abordagem dotema apresentado, considerando aspectos importantes àformação do profissional – professor a partir de elabora-ções teóricas mais consistentes que para a compreensãodo processo cultural, implicando na transformação ereinterpretações, e evitando a folclorização da culturados diferentes que amenizam a relação de poder, homo-geneização não promovendo o enfrentamento de mani-festações discriminatórias.

Com a LDB 9394/96, as lutas do Movimento Ne-gro em prol da educação começam, aos poucos, a ga-

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nhar espaço na pesquisa educacional do país, resultan-do em questionamentos quanto à política educacional, adiscriminação do negro nos livros didáticos, a inserçãoda temática racial e da História da África nos currículos,a escola como instituição reprodutora do racismo, quefortalecem enquanto instrumento de pressão primeira-mente ao Ministério da Educação e, posteriormente, osgestores dos sistemas de ensino e as escolas públicas so-bre o seu papel na superação do racismo na escola e nasociedade. No entanto, as IES com papel formativo vol-tados às licenciaturas continuavam alheias a realidade.

Em 2003, no governo do presidente Luiz InácioLula da Silva, inicia–se uma agenda política para oaprofundamento do debate da questão racial. Nascemalgumas iniciativas para busca da transformação da rea-lidade: institui–se a Secretaria Especial de Promoção daIgualdade Racial (SEPPIR), e, no Ministério da Educa-ção, cria–se a Secretaria de Educação Continuada, Alfa-betização e Diversidade (SECAD), em 2004.

A SECAD tem como princípio primeiro a reduçãodas desigualdades educacionais, possibilitando a partici-pação dos cidadãos em políticas públicas que asseguremampliação do acesso à educação, e define como pautade relevância tornar o governo mais permeável aos se-guimentos sociais, dando maior abertura para suas de-mandas. As ações da SECAD se juntam à criação de ou-tros espaços governamentais como a SEPPIR (Secretariade Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e a Se-cretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), desen-volvendo–se medidas intersetoriais constituídas em pro-gramas relacionados com a justiça social, a inclusão e ademocracia.

E, finalmente, nesse contexto de política voltadapara educação, foi sancionada a lei n. 10.639, em janei-

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ro de 2003, alterando a lei n. 9.394/96 – Lei de Diretri-zes e Bases da Educação. Em 2004, o Parecer do Con-selho Nacional de Educação aprova o CP 01/2004 e CP03/2004, ambos regulamentando e instituindo as Diretri-zes Curriculares Nacionais para a Educação das Rela-ções Étnico–raciais e para o ensino de História e CulturaAfro–Brasileira e Africana.

A característica da Lei n. 10.639/03, de acordocom Gomes (2011) é importante para a compreensãode que a lei:

[…] trata de uma alteração da lei n.9394/96, via inserção dos artigos 26A e 79 B, quando a ela nos referimosestamos falando da Lei de Diretrizese Bases da Educação e não de umalegislação específica voltada para apopulação negra. Ou seja, o seu teore suas diversas formas de regulamen-tação possuem abrangência nacionale devem ser implementados por to-das as escolas públicas e privadasbrasileiras, assim como pelos conse-lhos e secretarias de educação e pe-las universidades. Nesse sentido, a lein. 10.639 de 2003,4 a ResoluçãoCNE/CP 01/2004 e o ParecerCNE/CP 03/2004 vinculam–se à ga-rantia do direito à educação. Elas orequalificam incluindo nesse o direitoà diferença. A sua efetivação comopolítica pública em educação vempercorrendo um caminho tenso ecomplexo no Brasil (2011, p. 116).

A alteração da lei n. 9.394/96 justificou por tudoo que já foi apresentado e ainda pelo entendimento de

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que o acesso às séries iniciais do Ensino Fundamental,praticamente está universalizado no país, porém aindanão se concretiza, para negros (as), nas séries finais daEducação Básica. De acordo com o Plano Nacional1 deImplementação das Diretrizes Curriculares Nacionaispara Educação das Relações Étnico–Raciais (DCNE-RER), existem evidências de que processos discriminató-rios ocorrem nos sistemas de ensino e ainda penalizamcrianças, adolescentes, jovens e adultos negros, resultan-do na evasão e no fracasso, e ainda no reduzido núme-ro de negros (as) que chegam ao ensino superior.

A partir desse pressuposto, a efetiva implementa-ção da lei n. 10.639/2003, segundo sua disposição legal,deve ser compreendida enquanto instrumento para oenfrentamento e combate efetivo do racismo. Assim éimperativo que as instituições de ensino superior se ocu-pem da formação dos profissionais e de professores queatuam nas diversas áreas e níveis de ensino, bem comoos sistemas estaduais e municipais também devem serresponsáveis por esse processo (BRASIL, 2008a).

Reforçando tal imperativo no que se refere a for-mação de professores a Resolução CNE/CP nº 1, de 15de maio de 2006, que institui Diretrizes Curriculares Na-cionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, li-cenciatura em 2006, em seu artigo 5º inc. IX e X queprevê que o egresso do curso de Pedagogia deverá estarapto a:

– identificar problemas socioculturaise educacionais com postura investi-gativa, integrativa e propositiva emface de realidades complexas, com

1 Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13788%3Adiversi-dade–etnico–racial&catid=194%3Asecad–educacao–continuada&Itemid=913. Acesso em: 04 mar. 2013.

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vistas a contribuir para superação deexclusões sociais, étnico–raciais, eco-nômicas, culturais, religiosas, políti-cas e outras;– demonstrar consciência da diversi-dade, respeitando as diferenças denatureza ambiental–ecológica, étni-co–racial, de gêneros, faixas geracio-nais, classes sociais, religiões, necessi-dades especiais, escolhas sexuais, en-tre outras; (IBID)

Articulada as novas Diretrizes para formação deprofessores e identificada uma situação relativa à máqualidade da educação e de uma enorme porcentagemde professores sem diploma superior ou com precáriaformação inicial, impulsionou o governo brasileiro a fa-zer investimentos em políticas de formação com a metade oferecer diploma superior e formação adequada econtinuada para todos os professores em exercício noBrasil. Para atingir tal objetivo estabelece por meio dodecreto nº 6.755 de janeiro de 20092, a Política Nacio-nal de Formação dos Profissionais do Magistério daEducação Básica – PARFOR, sendo a Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)o órgão responsável por fomentar essas medidas, emconjunto com o MEC, atendendo a três situações: pro-fessor que ainda não possui curso superior (primeira li-cenciatura); professor com graduação, mas que lecionaem área diferente daquela em que se formou (segundalicenciatura); e bacharel sem licenciatura que precisa de

2 As parcerias previstas para ocorrerem com Instituições de Ensino SuperiorPúblicas deram espaço para as Instituições Privadas na medida em que asPúblicas não aderiram à proposta.

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estudos complementares que o habilitem ao exercício domagistério”. (PORTAL CAPES)

Até aqui, podemos destacar que o percurso his-tórico que definiu as políticas educacionais curriculares,principalmente a partir dos anos 1990 – embora sejamabordadas nos cursos de formação dos profissionais daeducação parecem não ter provocado mudanças signifi-cativas no que se refere à educação étnico–racial. Nessecontexto, entendemos que os sentidos das instituiçõeseducacionais em todos os níveis e a forma como os pro-fissionais os constroem precisam ser orientados, que ou-tras representações e valores reflitam no complexo pro-cesso educativo sobre a questão étnico–racial, voltadaspara qualidade e equidade.

A lei 10639/03 e suas implicações na Forma-ção de professores – da invisibilidadepara negação, do reconhecimento paraos avanços

A Lei 10639/03 e suas implicações na formaçãode professores – entre o dito (as reivindicações e lutas),o escrito (leis) e feito (políticas para diversidade étnico–racial, igualdade e equidade). São múltiplas e complexasdimensões que as instituições educacionais agregampara regular o processo pedagógico e, tal como apresen-taremos a seguir, esses sentidos institucionais sobre asquestões étnico–raciais passam por fases em seu proces-so de institucionalização, tanto política, quanto pedagó-gica. Podemos destacar fases no processo de institucio-nalização da lei 10639/03 e das DCNERER e para o en-sino de História e Cultura Afro–Brasileira e Africana,acompanhar e avaliar essa política. Isso significa buscaro conhecimento sobre em que medida as instituições fo-

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ram capazes de transpor, nos seus diferentes elementosque compõem os sentidos da escola, primeiramente, ainvisibilidade entendida como a superação do tema en-quanto tabu nas escolas de um país em que a maioriados alunos é preta e parda, conforme estatísticas atuais.Em segundo lugar, é preciso identificar se o processo denegação já foi superado e em que medida a instituiçãojá pensa no tema, mas tem dificuldades de reconhecertanto na sociedade quanto na escola as várias manifes-tações de preconceito, discriminação e racismo, aindanão priorizando o tratamento pedagógico da questão,receando não dar conta da demanda desvelada.

Um terceiro aspecto a ser identificado na análisedessa política é o reconhecimento – identificar se as ins-tituições já reconhecem de fato a necessidade de incluira questão enquanto luta contra o racismo, preconceito,pedagogicamente, e em que medida encontra dificulda-des de diferentes ordens para efetivar tal trabalho. E, porfim, identificar avanços – a instituição tem realizadoações que refletem a implementação da política quantoao trato da questão racial, repensando o seu papel en-quanto agente transformador, e essas ações estão refleti-das nos projetos sobre a questão racial, deixando de seresporádicos, passando a fazer parte do currículo e dasatividades cotidianas.

Realizamos um levantamento em 20143 a partirde uma amostra representativa das IES do estado deSão Paulo, e Bahia que ofertam curso de licenciaturaem Pedagogia realizados em parceria com a CAPES –por meio do Programa Nacional de Formação de Pro-fessores – PARFOR , e buscamos identificar se após umadécada da promulgação da lei 10.639/03 e a partir das

3 Dados apresentados em outro estudo intitulado – A ausência das questõesraciais na formação inicial de professores com base na Lei 10639/03.

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DCNERER, como essa temática tem sido tratada noscurrículos de IES parceiras da CAPES no atendimentoda política nacional de formação de professores e se asdiretrizes continuam sendo uma possibilidade ou já sãofato nessas instituições.

Buscamos encontrar coerência entre a composi-ção das matrizes curriculares dos cursos de Pedagogiaconsiderando o referencial estudado (legislações e estu-dos pertinentes a área), também, a do Projeto Políticodos referentes cursos, buscamos identificar a invisibilida-de – silêncio pelas instituições caracterizado pela ausên-cia de disciplinas voltadas para discussão da temática eo não tratamento pedagógico na organização curricular;a inclusão de temáticas e/ou disciplinas revelando o re-conhecimento, porém ainda tratados de forma descon-textualizada; a discussão da temática fazendo parte docurrículo e dos núcleos de formação.

Focamos neste estudo o que identificamos a par-tir de uma amostra de 22 cursos em andamento em2014 de IES do estado de São Paulo que ofertam cursosde licenciatura em Pedagogia integrantes do sistemaPARFOR que apresentam nos seus respectivos projetoscurriculares a representação de um documento legal, noqual estão declaradas as intenções políticas em termosoficiais, e no entanto, o que constatamos em 45% doscurrículos das IES estudadas que ainda impera a invisi-bilidade, o silêncio caracterizado pela ausência de disci-plinas voltadas para discussão da temática e, conse-quentemente, o tratamento pedagógico superficial damesma na organização curricular.

Com relação à inclusão de temáticas e/ou disci-plinas abordadas de forma indireta, disciplinas que aprincípio poderiam tratar a questão de forma transversalou interdisciplinar 50% das matrizes curriculares, pare-

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cem ter potencial para o reconhecimento, porém aindaparecem ser tratadas de forma não sistematizada, e mui-tas vezes, como disciplinas optativas.

Já quanto à discussão da temática contextualiza-da por disciplinas que fazem parte do núcleo de forma-ção para a prática docente é caracterizada por apenas5% das IES. O que revela que a presença de um currícu-lo concebido pelas leis não implica na execução total eirrestrita do mesmo, ocorrendo muitas vezes de formaparcial, adaptada e (re) significada.

Desta forma, entendemos que ainda identifican-do grades curriculares, que de alguma forma se distanci-aram da invisibilidade e negação acerca do tema étnicoracial, o desencadeamento desse processo não significao seu completo enraizamento na prática, na educaçãosuperior e nos processos de formação inicial e continua-da de professores (as). Não identificamos nas gradescurriculares de forma explicita os princípios contidos noParecer /CNE/CP nº 3 de 2004 (Brasil, 2004), que obje-tivam uma educação anti–racista contemplando na for-mação de professores: a consciência política e históricada diversidade; o fortalecimento de identidades e direi-tos e ações educativas de combate ao racismo e as dis-criminações.

Como acrescenta Gomes (2011, p. 116):

[…] a lei e as diretrizes entram emconfronto com as práticas e com oimaginário racial presente na estrutu-ra e no funcionamento da educaçãobrasileira, tais como o mito da demo-cracia racial, o racismo ambíguo, aideologia do branqueamento e a na-turalização das desigualdades raciais.

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A situação da implementação da Lei n°10.639/2003 que altera a LDB ainda se apresenta deforma incipiente no que tange as devidas responsabili-dades que deveriam ser compartilhadas pelos sistemasde ensino, conselhos de educação, secretarias estaduaise municipais de educação e o próprio Ministério da Edu-cação que não deu respostas quanto a expectativa deatuação de forma sistemática e integrada no sentido decriar as condições sistêmicas para a sua efetiva aplica-ção, acompanhamento e avaliação, principalmente comrelação a articulação com as políticas curriculares de for-mação de professores de sua direta responsabilidade.(Proposta do Plano Nacional de Implementação dasDCNERER, 2008)

Em 2009, é lançado, pelo Ministério da Educa-ção e pela Secretaria Especial de Políticas de Promoçãoda Igualdade Racial, o Plano Nacional de Implementa-ção das referidas diretrizes curriculares. Gomes (2011. p.118) destaca o desenvolvimento de vários programas eações, enquanto processo de gestão da política de im-plementação da lei n. 10.639/03.

A partir da Proposta de Plano Nacional de Imple-mentação das DCNERER – Lei 10.639/2003 publicadaem 2008, as concepções da diversidade nas políticas doMinistério da Educação podem ser identificadas como opróprio documento aponta, a partir de três abordagenssobre diversidade nas políticas desenvolvidas pelo MEC.Destacamos a abordagem em que a diversidade é trata-da elemento-chave – principal para definição das políti-cas de diferença, distinguindo–a das políticas de inclu-são social e das políticas da ação afirmativa pautada nodireito e reconhecimento da diversidade cultural expres-sa e atuante na sociedade, questionando o mito da de-mocracia racial apontando para mudanças de concep-

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ções e paradigmas na organização e orientação educaci-onal em todos os níveis em âmbito nacional.

Ao tomarmos como referência para a discussãoaqui proposta, tal abordagem e o Plano Nacional de Im-plementação das DCNERER partimos de seus seis eixosestratégicos para implementação dessa política educaci-onal, dentre os quais destacamos o número 2 (Políticade formação para gestores e profissionais de educação)é perceptível que os princípios, metas e ações para forta-lecimento dos marcos legais ainda não receberam a de-vida atenção na agenda do MEC. Entendemos que emrelação a essa abordagem a implementação efetiva dalei n. 10.639/2003 exige ações organizadas e de formasistêmica, quanto ao acompanhamento e orientação cla-ra às IES, responsáveis pela formação de profissionais –professores.

O eixo 2 do Plano Nacional de Implementaçãodas DCNERER tem como meta estimular, induzir eexecutar a implementação da Lei n. 10.639/2003 comoparte do sistema nacional de formação inicial e conti-nuada do magistério o que traz como prerrogativa anecessidade de mudanças na política de formação iniciale continuada para profissionais de educação. O docu-mento ainda declara como uma das referências paraessa política que as IES devem apresentar em sua estru-tura curricular dos seus referidos cursos de formação asDCNERER, conforme o Parecer n. 03/2004 CNE/MEC.No entanto, o que assistimos ainda é a questão prescri-tiva/normativa presente nas Diretrizes para formação deprofessores.

Enfatizamos o princípio de que atividades de en-sino superior e extensão devem ter um caráter de com-plementaridade e indissociabilidade, mas destacamosque quando se trata da questão de estudo ainda é ne-

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cessária a busca da compreensão das motivações nor-mativas ou morais que nela incidem. A formação inicialpromovida pelas IES tem seus limites, sobretudo quandoos projetos pedagógicos não levam em conta a correla-ção entre as motivações morais e normativas, matériasque são inseparáveis social e historicamente.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Nossa preocupação foi colocar em discussão asproposições e impactos das legislações nos projetos pe-dagógicos da IES no que tange as DCNERER, enten-dendo que a formação inicial de professores poderá ga-rantir o preceito democrático, maior qualidade e equida-de para todos na educação básica, uma vez que alunospoderão construir dignamente suas identidades e con-quistar efetivamente seu espaço social, o que impactarána redução das desigualdades sociais e no fortalecimen-to da valorização multicultural e o rompimento, via edu-cação, de práticas racistas e discriminatórias.

A inserção das diretrizes nas IES precisa refletir–se nos diferentes espaços institucionais e não apenas namatriz curricular de alguns cursos. A inserção coerente ecomprometida verdadeiramente com o combate a todasas formas de preconceito e discriminação dá–se nos di-ferentes espaços por onde circula toda a comunidadeacadêmica ou não, negra e não–negra. O projeto peda-gógico institucional (PPI) e os projetos pedagógicos doscursos são componentes centrais para a inserção das Di-retrizes nas IES. A construção do PPI e dos projetos pe-dagógicos dos cursos depende do diagnóstico, da parti-cipação de representantes de toda a comunidade acadê-mica e administrativa, de previsão de recursos. Do PPIdepende a revisão do regimento da IES, no sentido de

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que este indique, formalmente, como atuará, por exem-plo, em situações de denúncia de discriminação, em es-pecial, a racial.

Ao buscar na literatura um diagnóstico da educa-ção étnico–racial a partir da lei 10639/03, também épossível evidenciar que a discussão sobre relações raci-ais nas políticas educacionais em seus diferentes níveisainda possui uma frágil institucionalidade acerca da te-mática da lei e das DCNERER nos currículos, apesar demais de seus 20 anos de existência. Evidenciada essafragilidade e responsabilidade do MEC, das IES, dos sis-temas de ensino, das escolas, dos gestores e dos educa-dores na superação do racismo e na educação das rela-ções étnico–raciais, percebe–se que as iniciativas para aconcretização dessa política ainda carecem de enraiza-mento. Sua efetivação necessariamente depende da mo-bilização das instituições educacionais para que o direitoà diversidade étnico–racial seja garantido nas escolas,nos currículos, nos projetos político–pedagógicos, na for-mação de professores, nas políticas educacionais locaisetc.

Frágil também se coloca os projetos pedagógi-cos da IES e a partir dessas evidências, entendemos queao nos projetarmos para o futuro, um aspecto de funda-mental importância que figura como obstáculo para aefetividade da política como um eixo da gestão educaci-onal, que é sua efetiva consistência na implementaçãopara o combate ao racismo, e seus derivados na educa-ção. Assim sendo, faz–se necessárias que as práticas dis-criminatórias sejam reconhecidas e estudadas e mais de-batidas no contexto das IES. Podemos considerar, por-tanto, como condição importante para a realização deuma política formação de professores coerente com a le-gislação pertinente ao tema racial a viabilização de

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ações a serem desenvolvidas pelas IES, dentre outras,garantir nos cursos de licenciatura e formação de profes-sores, o desenvolvimento de habilidades e atitudes pelosestudantes que os permitam contribuir para a educaçãodas relações étnico–raciais; fomentar pesquisas, desen-volvimento e inovações tecnológicas na temática das re-lações étnico–raciais; divulgar junto às secretarias esta-duais e municipais de educação a existência de progra-mas institucionais que possam contribuir com a dissemi-nação e pesquisa da temática em associação com a edu-cação básica.

Considera–se que as DCNERER não foram devi-damente incorporadas nas políticas de formação até omomento, restringindo–se a projetos e programas isola-dos e de baixa efetividade no que se refere ao fortaleci-mento da capacidade de profissionais e gestores de edu-cação de incorporá–las no currículo e de enfrentarem asdesigualdades étnico–raciais existentes na escola e nossistemas de ensino.

Assim, nesse contexto, a presente discussão,aponta para o necessário entendimento de como os pro-jetos pedagógicos das IES para os cursos de formaçãode professores contemplam motivações normativas e/oumorais no processo formativo para diversidade racial, see como, contemplam a formação de uma base de co-nhecimento científico e estratégico para a incorporaçãoda problemática de raça às atividades básicas da Univer-sidade a partir de articulação do ensino, da pesquisa eda extensão de forma multidisciplinar e interdisciplinarpara inserção e atuação profissional responsável e soli-dária na sociedade e principalmente fortalecendo a lutapela efetividade dos marcos legais, das políticas públicaspara diversidade étnico–racial.

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REFERÊNCIAS

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para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino aobrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro–Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial [da]República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan.2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 04 mar. 2013.______. Parecer CNE/CP nº. 003/2004, de 10 demarço de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais paraa educação das Relações Étnico–raciais e para o Ensinode História e Cultura Afro–Brasileira e Africana. ______. Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004.Brasília: MEC, 2004a.______. Parecer CNE/CP n.º 3, de 10 de março de2004. Brasília: MEC, 2004b.______. Parecer CNE/CEB nº 1. 2/2007. Brasília:MEC, 2007.______. Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial daUnião, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.______. Proposta de Plano Nacional de Implemen-tação das Diretrizes Curriculares Nacionais daEducação das Relações Étnico–raciais e para oEnsino de História e Cultura Afro–Brasileira eAfricana – Lei 10.639/2003. Brasília: MEC/UNESCO,2008b.______. Plano Nacional de Promoção da Igualda-de Racial. Brasília: SEPPIR, 2009.______. INEP. Avaliação e aprendizagem. Brasília:INEP, 2008.GOMES, J. B. B. A recepção do instituto da ação afir-mativa pelo direito constitucional brasileiro. In: SAN-TOS, A. S. (Org.). Ações afirmativas e combate aoracismo nas Américas. Brasília, DF: MEC, SECAD,2005.

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CAPÍTULO IIIDESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃONO BRASIL CONTEMPORÂNEO: PROTAGONISMO

JUVENIL NO COMBATE AO RACISMO ATRAVÉSDA PESQUISA CIENTÍFICA.

Iara Félix Pires Viana

INTRODUÇÃO

Os direitos – civis, políticos, sociais e culturais de-vem orientar a convivência humana e materializar osprincípios de liberdade e igualdade. Porém, o quadrodas desigualdades sociais no Brasil evidencia que essesdireitos não têm sido promovidos e respeitados de ma-neira igualitária quando pensamos os direitos dos afro-brasileiros (as), o que configura uma violação de direitosem nossa sociedade.

O racismo pode ser compreendido como umaideologia que reproduz na consciência coletiva um am-plo conjunto de falsos valores e de falsas verdades, quecomprovam as verdades falseadas por meio dos resulta-dos da própria ação. O racismo, assim, atribui inferiori-dade a uma raça e permite o domínio sobre o grupo,pautado, apenas, em atributos negativos imputados aesse. Ele está baseado em relações de poder, legitima-das pela cultura dominante (Munanga, 1996).

Nesta perspectiva, uma rápida digressão sobre aHistória da Educação escolar no Brasil revela uma com-posição de contornos fundamentalmente elitistas, volta-dos a um público, objetivos e fins determinados. Nestecontexto, a classe popular e, principalmente a negra,

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não se sentia representada; não tinha espaço, não tinhalugar. Com o processo de redemocratização do país, nosanos 1980, a bandeira de uma escola para todos (as)veio à tona e teve de enfrentar a ajuizada contradiçãoentre, de um lado, a luta por uma educação emancipa-tória e integral e, de outro, uma visão mercadológicasubmetida às determinações da economia, expressasnas propostas das políticas oficiais para educação.

O fato é que a partir da promulgação da CartaMagna de 1988, a chamada Constituição Cidadã e daLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBLei nº 9394/96, o processo de democratização da edu-cação pública teve avanço considerável, com o reconhe-cimento dos direitos e, consequente ampliação do aces-so da classe popular à educação escolarizada sem, noentanto, garantir de forma satisfatória a qualidade e, emalguns casos, nem mesmo a permanência do estudantena escola.

Dominar os códigos e ter a capacidade de refletirsobre o mundo são requisitos instrumentais indispensá-veis para estar incluído na sociedade do conhecimento,ou seja, para adquirir status de cidadão no mundo mo-derno; mas os processos de ensino–aprendizagem mos-tram dificuldade para assumir seu papel formador en-quanto fomento ao debate, oportunidade de vivência eprodução de consensos no que diz respeito à construçãode uma convivência cidadã sem exclusão.

O obstáculo, talvez, resida na discussão sobre osvalores que hoje dão contornos para a pluralidade e di-versidade cultural, etnorracial, sexual, religiosa, socioe-conômica e política, em nosso país. As práticas de segre-gação socioespacial têm se caracterizado, neste sentido,uma constante na história das cidades, assim como aconstituição de modos de vida que se particularizam de

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acordo com os bairros, nos centros comerciais ou de po-der, nas favelas e nas periferias. É a partir da centralida-de que têm os modos próprios de relacionamento dossujeitos sociais com o espaço que Milton Santos concebeo território.

O território não é apenas o resultadodas superposições de um conjunto desistemas naturais e um conjunto desistemas de coisas criadas pelo ho-mem. O território é o chão e mais apopulação, isto é, uma identidade, ofato e o sentimento de pertenceràquilo que nos pertence. O territórioé à base do trabalho, da resistência,das trocas materiais e espirituais e davida, sobre as quais ele influi. Quan-do se fala em território deve–se, pois,de logo, entender que se está falandoem território usado, utilizado poruma dada população. (Santos, 2007,p.96–7)

A cidade ao se constituir, a partir de determina-das relações sociais, como espaço da produção e da re-produção social manifesta seu dinamismo e historica-mente através de uma articulação complexa de diferen-tes níveis da divisão do trabalho, não respondendo auma lógica linear. Assim, deve ser analisado também oespaço da escola, entretanto, além de encaixotar os con-teúdos curriculares igualmente oferecidos à diversidadede estudantes que temos também não nos preocupamoscom aqueles que ao apresentar dificuldades com a linea-ridade posta, são excluídos desse processo, primeiro deforma subjetiva, depois se materializa esse gesto, de vá-rias formas, silenciando–se a essas diversidades, natura-

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lizando as dificuldades e a evasão e ainda desconhecen-do outras linguagens.

Outro conjunto de fatores está vinculado à esco-la, que é o lugar privilegiado para o desenvolvimento daeducação das crianças, dos jovens e dos adultos. Sabe–se que, em nosso país, é grande o número de escolasque são desvinculadas das suas comunidades e, atémesmo, que vivem em conflito com elas; que contamcom infraestruturas físicas precárias; que apresentamproblemas na gestão e na formulação e implementaçãodos projetos político–pedagógicos. Além disso, a dura-ção da jornada escolar das crianças e dos jovens é muitocurta, contrariamente às inúmeras recomendações dosestudos educacionais.

Dentre as várias temáticas que envolvem o siste-ma educacional optei por refletir sobre a participaçãodos jovens no projeto iniciação científica com a implan-tação de Núcleos de Pesquisa em Estudos Africanos,Afrobrasileiros e da Diáspora Negra – NUPEAAs, pro-posta esta, indicada para ser desenvolvida no EnsinoMédio nas escolas públicas do Estado de Minas Geriasem parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado de Minas Gerais – FAPEMIG e as Instituições deEnsino Superior. É importante salientar que um dosgrandes desafios para a educação básica é a implemen-tação de forma diversificada e sistemática da lei10.639/031, bem como o uso da lei apenas voltada paraos processos culturais. Conforme Adami (2007) em mar-ço de 2005 foram apresentados alguns pontos relaciona-dos à implementação efetiva da lei, tais como: formaçãode professores e dos demais profissionais da educação.

1 Altera a Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação na-cional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedadeda temática “História e Cultura Afro–brasileira”.

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Além disso, discute–se ainda a reestruturação das basespedagógicas num movimento de resgate histórico, res-saltando os conceitos trabalhados em sala de aula e abase teórica empregada.

A preocupação em torno desta temática consti-tui–se como uma questão de fundamental importânciapara o fortalecimento de identidades étnicas. Como seri-am ambientes educacionais inclusivos que incentivariamas individualidades dos estudantes e promoveriam atransformação social? E como poderíamos criá–los? Os Núcleos de Pesquisa citados aqui corroboramcom outro olhar para essa temática, além de manter vi-vas as inúmeras contribuições dos grupos negros, busca,de certa forma, garantir o direito à permanência dos es-tudantes – em sua maioria negros(as) que evadem dasunidades escolares – por desacreditarem de sua capaci-dade, e por estarem, na prática, distantes das discussõesacadêmicas.

– “Eu sou porque você é”! A SecretariaEstadual de Educação de Minas Gerais –SEE e a inclusão de jovens negros

O movimento social negro em suas diversas ver-tentes articulado a outros agentes sociais conquistou,através de suas lutas, uma de suas maiores reivindica-ções no campo da educação formal e tão consistentesforam os dados apresentados, que provocaram o gover-no federal a proceder à alteração da LDB/9394/96.

O presidente da república, Luiz Inácio Lula daSilva, em uma de suas primeiras ações, promulgou a Lei10.639 em Março de 2003 e, consequentemente, oConselho Nacional de Educação aprovou no ano se-guinte, o parecer que propôs as Diretrizes Curriculares

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para a Educação das Relações Étnico–Raciais e para oEnsino de História e Cultura Afro–brasileira e Africana,coerentemente com as reivindicações e propostas his-tóricas desse movimento social.

A Secretaria de Estado de Educação de MinasGerais tem buscado por meio de programas como o“Afroconsciência2”, trabalhar para a efetivação da Lei10.639/03 – que estabelece à inclusão no currículo ofici-al da Educação Básica a obrigatoriedade da temática si-nalizada nas Diretrizes Curriculares Nacionais. O cumpri-mento dessa lei visa promover a equidade racial no esta-do, bem como chamar a atenção da sociedade para avalorização de uma parte fundamental da cultura e his-tória do povo negro de nosso país.

Reconhecer e valorizar a história e a cultura dosafricanos na formação da sociedade brasileira: esse é oobjetivo da Campanha Afroconsciência – Com essahistória, a escola tem tudo a ver. Ao promover aEducação para as Relações Étnico–Raciais nas escolasda rede pública do Estado, em cumprimento à lei fede-ral 10.639/03, o Governo de Minas Gerais dá um passo2 A campanha Afro–consciência nasce em 23 de Março de 2015 com a as-sinatura de um ACT – Acordo de Cooperação Técnica entre o Governo deMinas Gerais por meio da Secretaria Estadual de Educação junto a SEPPIR–Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, com o objetivo de: instituira Comissão Estadual para a Educação para as Relações Étnico–Raciais, ór-gão técnico vinculado à Secretaria de Educação, de natureza consultiva epropositiva, com o objetivo de elaborar, acompanhar e avaliar políticas pú-blicas educacionais voltadas para o cumprimento da Lei 10.639/03; desen-volver em parceria com a SEPPIR , formação inicial e continuada para osprofissionais da educação na temática; promover formação para as equipesgestoras e técnicas da Secretaria de Educação, Superintendências Regio-nais de Ensino e escolas em cooperação com os Fóruns de Educação e Di-versidade, Instituições de Ensino Superior, NEABs, Movimento Negro, So-ciedade civil; incentivar a utilização da coleção História Geral da África;Criar sistema de monitoramento da implementação da Lei 10.639/03, pormeio de Indicadores de Qualidade na Educação – Relações Raciais em par-ceria com o UNICEF.

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decisivo para superar preconceitos históricos e garantircondições iguais de aprendizagem e desenvolvimentopara todos. Sabemos, enquanto gestores desta política,que o desafio é mais do que adotar, nas disciplinas osconteúdos que conferem a real dimensão da contribui-ção africana na formação da identidade nacional. É ofe-recer aos jovens mineiros uma nova perspectiva históri-ca. Um novo caminho para o exercício da cidadania,por meio de uma educação cada vez mais abrangente einclusiva.

Toda criança e todo adolescente tem direito auma educação de qualidade e inclusiva, baseada no re-conhecimento e valorização da identidade, história ecultura dos diversos povos que ajudaram a formar nossasociedade multiétnica e multirracial. Por isso, a Secreta-ria Estadual de Educação de Minas Gerais estruturouum conjunto de ações para apoiar as escolas nesse de-safio.

Dentre as ações desenvolvidas na campanhaAfro–consciência destaco o Projeto Ubuntu, que pormeio dos Núcleos de Pesquisa e Estudos Africanos,Afro–brasileiros e da Diáspora – NUPEAAs, possa, efeti-vamente, viabilizar a ampliação das possibilidades deacesso às universidades pelos jovens inseridos no EnsinoMédio e que as pesquisas iniciadas nessa etapa de ensi-no possam ter continuidade nas instituições de ensinosuperior escolhidas por esses sujeitos, numa perspectivade diálogo entre os Núcleos das Escolas Estaduais e asUniversidades.

Ciente de todos os processos de exclusão vivenci-ado pelas juventudes, mais especificamente pela juven-tude negra, ressaltou que o projeto Ubuntu sinaliza umaação política que se apresenta como ferramenta estra-tégica no desenvolvimento de ações pedagógicas, volta-

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das para a promoção da igualdade racial, além de subsi-diar o processo de formação cidadã dos jovens da RedePública Estadual de Ensino de Minas Gerais, motivandoa participação política e estimulando o exercício do con-trole social diante das políticas públicas educacionais.Representando, sobretudo, uma ferramenta de análise econfiguração de politicas públicas educacionais voltadaspara a diversidade e inclusão.

– “Em África, necessita–se de toda umaaldeia para educar uma criança”! ProjetoUbuntu – toda uma coletividade emtorno da educação.

Partindo do pressuposto de que é função do go-verno do estado subsidiar a efetiva implementação daLei 10.639/03 na Rede Estadual de Ensino e que, o Pro-jeto Ubuntu representa a ação macro do Programa Afro-consciência, lançada pelo Governo de Minas Gerais em2015, apresentamos alguns indicadores que nos orienta-ram na proposta:

Configura–se como uma ação política do Estadode Minas Gerais dentro da perspectiva da Resolu-ção ONU nº 68/237 – que proclama a DécadaInternacional de Povos Afrodescendentes 2015–2024;

Estabelece diálogo com as perspectivas de plane-jamento de ações pedagógicas apresentadas nasDiretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-ção das Relações Étnico–Raciais e para o Ensinode História e Cultura Afro–brasileira e Africana,RESOLUÇÃO Nº 1, de 17 de junho 2004;

O Governo do Estado de Minas Gerais aderiu,em março de 2016, ao Sistema Nacional de Pro-

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moção da Igualdade Racial (SINAPIR), e, nestaperspectiva, os núcleos contribuirão de forma sis-têmica e articulada para a promoção da igualda-de racial junto à juventude mineira;

Os temas e conteúdos trabalhados contribuirãopara ressignificar o lugar do negro na sociedadebrasileira, e, consequentemente, favorecer aconstrução de uma identidade positiva dos jo-vens negros (as) a partir do entendimento de suahistória e cultura;

Porque funcionarão como espaços de fomento àsações acadêmicas e de pesquisa sobre a temáticaampliando os cenários de divulgação e formaçãosobre esses conhecimentos junto aos docentes ediscentes da Educação Básica da Rede Estadualde Ensino;

Porque os estudos sobre História e Cultura Afri-canas e Afro–brasileiras confirmam as discussõessobre Educação e Direitos Humanos, além da di-versidade e inclusão, e dialogam com as proposi-ções da Educação Escolar Quilombola;

Porque as ações de estudo e pesquisa a seremdesenvolvidas nos núcleos favorecerão, de formaafirmativa e com qualidade, a permanência dajuventude negra no sistema regular de ensino,além de favorecer a ampliação das perspectivasacadêmicas destes estudantes em outros níveis deensino;

Porque os núcleos são uma ação política inova-dora no cenário nacional, em consonância comas principais políticas públicas construídas a partirdos documentos internacionais de promoção daigualdade racial e de combate ao racismo e suasdecorrentes manifestações no cenário escolar.

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–“Não se experimenta a profundidade deum rio com os dois pés”! Na prática,Ubuntu!

O Projeto Ubuntu tem como objetivo geral subsi-diar a construção de política pública educacional queconsidere as particularidades inerentes das relações étni-co–raciais no contexto escolar visando diminuir os índi-ces de evasão escolar, ampliar os níveis de proficiênciase contribuir para a elevação do padrão de qualidade doprocesso de ensino–aprendizagem, prioritariamente, dosestudantes negros.

Através de atividades de pesquisa, ensino e ex-tensão, de caráter interinstitucional e multidisciplinar,guiado pelos pressupostos presentes nas Diretrizes Curri-culares Nacionais para a Educação das Relações Étnico–Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro–brasi-leira e Africana, o Projeto Ubuntu priorizará ações de in-vestigação sobre temas diversos advindos das realidadesdos estudantes envolvidos e que estejam correlaciona-das ao convívio sociocultural e político das comunidadesdestes jovens. Essas ações deverão ser desenvolvidas emconjunto com um docente que mediará o processo deinvestigação e conduzirá as práticas de sistematização edivulgação dos resultados.

Após esse processo de investigação, sistematiza-ção e divulgação dos resultados a trajetória escolar dosjovens envolvidos será monitorada de modo a subsidiaranálises do impacto da ação no que tange à proficiênciae percurso acadêmico e profissional.

Os dados provenientes deste monitoramento se-rão a base para a construção de documento norteadorpara uma política educacional que considere as relações

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étnico–raciais como fator preponderante para a qualida-de do ensino e equidade educacional.

–“Quando as hienas se juntam o leãodorme com fome”!

O projeto Ubuntu, dada sua extensão, númerode pessoas envolvidas e complexidade estruturar–se–áem três etapas, a saber: Criação dos NUPPEAS; Implan-tação dos NUPPEAS nas Unidades Escolares e Monito-ramento, avaliação e prospecção política.

Criação dos Núcleos de Pesquisa e Estudos Afri-canos, Afro–brasileiros e da Diáspora – Essa etapa édestinada à Formatação do projeto, captação de parceri-as, estruturação orçamentária, alinhamento conceitualcom os atores envolvidos e elaboração dos instrumentosde seleção das escolas, docentes e estudantes que parti-ciparão do projeto, institucionalização do Grupo de Es-tudos e Gestão do Projeto.

A Implantação dos NUPEAAS nas unidades esco-lares consiste na efetivação dos processos de seleção do-cente e discente, na reestruturação dos projetos de pes-quisa e suporte para o desenvolvimento dos projetos ecircularidade dos saberes produzidos. Propomos o Mo-nitoramento, avaliação e prospecção política com basesdistintas, a saber:

a) Monitoramento Administrativo: Consistirá na sistematização, por meio de formu-

lários eletrônicos e visitas técnicas, dos dados de implan-tação do programa, acompanhamento do desenvolvi-mento das atividades dos docentes e discentes da redeestadual, bem como, as ações de orientação aos profes-sores–tutores das IES.

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b) Avaliação Pedagógica: Incidirá no acompanhamento por meio de visitas

técnicas e formulários eletrônicos, das etapas de execu-ção dos projetos de pesquisa desenvolvidos pelo grupode docentes e discentes de cada escola. Abrangerá tam-bém o acompanhamento do rendimento escolar dos es-tudantes envolvidos e os desdobramentos pedagógicosda pesquisa dentro da unidade escolar.

c) Prospecção PolíticaO projeto é uma ação política que prevê a cria-

ção dos Núcleos de Pesquisa e Estudos Africanos, Afro–brasileiros e da Diáspora, responsáveis pela articulaçãosocial, pedagógica e acadêmica de estudantes e docen-tes do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino. Paratanto, aposta–se na articulação e promoção de espaçosde fomento à reflexão, pesquisa e produção científica,cultural e artística, com enfoque na história, ciência, tec-nologia, filosofia e trajetória político–social dos africanosem diáspora, e na história e cultura afro–brasileira comoelementos necessários à ressignificação da trajetória es-colar dos alunos do ensino médio e pela solidificação deações pedagógicas de combate às práticas de racismo ediscriminação nos ambientes escolares.

Os projetos de pesquisa a serem desenvolvidosem cada escola, bem como, o processo de monitora-mento e avaliação das ações deverão contemplar estra-tégias de continuidade dos trabalhos de iniciação cien-tífica, pesquisas e estudos dentro de cada escola a partirda perspectiva de incorporação da temática aos projetospedagógicos desenvolvidos pela escola e do envolvi-mento dos demais discentes e docentes no processo ini-cial e em eventuais desdobramentos.

AÇÕES PEDAGÓGICAS DOCENTES

PROTAGONISMO JUVENIL

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA

UBUNTU

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Desta forma, espera–se que os discentes e docen-tes bolsistas atuem como multiplicadores da propostadentro da unidade escolar e, ainda, articulem, junto àequipe gestora do projeto, estratégias de incorporaçãodos Núcleos de Pesquisa e Estudos Africanos, Afro–bra-sileiros e da Diáspora à estrutura administrativa e peda-gógica das instituições de ensino. Nesse sentido, espera–se que o Projeto Ubuntu funcione como uma incubado-ra de políticas públicas, fomentando as discussões emtorno das questões étnico–raciais, garantindo a viabilida-de e vitalidade da proposta.

Ubuntu: Incubadora de Políticas Públicas da Educação das RelaçõesÉtnico–Raciais

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– “Enquanto a história for contada pelosvencedores, os oprimidos serão sempre osmalvados”

Os Projetos de Iniciação Científica a serem cons-truídos pelos professores–orientadores e pelos discentespesquisadores do Ensino Médio deverão se estruturar apartir do eixo central– Cultura, História, Trajetórias Po-lítico–Sociais e Científicas dos Africanos e Descendentesem Diáspora. Considerando esse eixo central, os proje-tos deverão versar sobre temas correlatos a esse eixosob a égide de quatro áreas de conhecimento, a saber:

Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Matemática e suas Tecnologias. Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Para tanto, os diversos aspectos socioculturais epolíticos dos negros em diferentes partes do mundo,com destaque especial para o Brasil e o continente afri-cano, deverão ser abordados a partir da reflexão e pes-quisa sobre as seguintes vertentes analíticas:

Cultura, memória e ancestralidade. Construção e fortalecimento das identidades

afrodescendentes na contemporaneidade. Participação social, comunitária e política de

combate ao racismo e discriminação racial. Africanidades, Ciências, Engenharias e Tecnolo-

gias.

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A Secretaria de Estado de Educação de MinasGerais, dentro de um conjunto de ações voltadas para apromoção da equidade racial no contexto escolar, en-tende que a criação dos Núcleos de Pesquisa e EstudosAfricanos, Afro–brasileiros e da Diáspora (NUPEAAs),por meio do projeto Ubuntu, contribuirá para o redi-mensionamento das estruturas educacionais, até então,construídas em bases segregacionistas e homogeneizan-tes.

Ao fomentar estudos e pesquisas sobre a históriae cultura africana e afro–brasileira espera–se contribuirpara o desenvolvimento social dos jovens estudantes daRede Estadual de Ensino que, poderão conhecer outrasexperiências de culturas, histórias e saberes, inegavel-mente, silenciados em nossos currículos escolares. Ain-da, espera–se, com o Projeto Ubuntu, contribuir para odesenvolvimento escolar, incentivar a continuidade dosestudos em outros níveis de ensino e subsidiar o proces-so de qualificação profissional e inserção no mercado detrabalho.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional– LDB 9394/96, em seu artigo 22, apregoa à EducaçãoBásica a finalidade de assegurar ao educando uma for-mação comum, capaz de favorecer o exercício da cida-dania, além de estimular, tanto a progressão no meio detrabalho quanto em estudos posteriores. Estudos recen-tes, dentre os quais destacamos a pesquisa realizadapela UNESCO em 2006, sobre os índices de proficiênciade estudantes negros demostram que o processo de es-colarização destes jovens é marcado por altos índices deinsucesso e evasão escolar. Nesta perspectiva, o ProjetoUbuntu funcionará como alternativa a esse processo deexclusão, reafirmando o que determina o texto da LDBº9.394/96, em seu artigo 57:

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Art. 57. O poder público estimularápesquisas, experiências e novas pro-postas relativas a calendário, seria-ção, currículo, metodologia, didáticae avaliação, com vistas à inserção decrianças e adolescentes excluídos doensino fundamental obrigatório.

Os NUPEAAs exercerão, dentro do contexto es-colar, importante influência no processo de efetivaçãoda implementação da Lei nº 10.639/03 que traz a obri-gatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro–brasi-leira nos currículos escolares da Educação Básica, doParecer CNE/CP 003/2004 e da Resolução CNE001/2004 que tratam das Diretrizes Curriculares Nacio-nais para a Educação das Relações Étnico–raciais e En-sino de História da África e Cultura Afro–brasileira.

A SEE/MG também pretende contribuir para aformação continuada dos educadores para que, numaperspectiva reflexiva e acadêmica, estes promovam ati-tudes de respeito às culturas dos grupos étnico–raciais esociais presentes na escola e de combate ao racismo. Es-pera–se que esses profissionais construam projetos pe-dagógicos e materiais didáticos que estabeleçam diálogocom as culturas africanas e afro–brasileiras. Espera–se,ainda, que o processo de construção e efetivação destesprojetos pedagógicos contribua, também, para a forma-ção do professor da Educação Básica como pesquisadorfavorecendo, assim, a valorização desse profissional e aampliação de seus horizontes profissionais.

Por fim, a Secretaria de Estado de Educação deMinas Gerais pretende instrumentalizar a ação pedagó-gica de educadores e educadoras da Rede Pública, como intuito de promover uma educação que considere adiversidade étnico–racial do Brasil e estimule o combate

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às práticas racistas naturalizadas em nossa sociedade,sendo essa uma ação de caráter laboratorial que confi-gurar–se–a como incubadora de uma política públicaeducacional para a diversidade. Um projeto de educa-ção para a igualdade racial é condição básica para aconsolidação dos direitos humanos, bem como para odesenvolvimento de uma sociedade democrática.

REFERÊNCIAS

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ra Afro–brasileira e Africana. Brasília: SECAD; SEP-PIR, jun. 2009.BRASIL. Opinião técnica nº: CNE/CP 003/2004. Colegi-ado: Conselho Pleno aprovado em: 03/10/2004. Con-selho Nacional de Educação. Diretrizes Curricu-lares Nacionais para a Educação das RelaçõesÉtnico–Racionais e para o Ensino de História eCultura Afro–Brasileira e Africana. Disponível emwww.portal.mec.gov.br. Acesso em: 1 maio.2008._______. Resolução CNE/CEB nº 1/2004. Disponí-vel em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1.pdf>.Acesso em: 1 maio.2008.CAVALLEIRO, Eliane dos Santos (Org.). Racismo eanti–racismo na educação: repensando nossa escola.São Paulo: Selo Negro, 2002.MUNANGA, Kabengele (org). Estratégias e políticasde combate à discriminação racial. São Paulo:EdUSP, 1996.SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensa-mento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Re-cord, 2000.

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CAPÍTULO IVA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS PÚBLICO–

ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA EDUCAÇÃOBÁSICA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Carla Helena Fernandes

INTRODUÇÃO

A chamada inclusão escolar de alunos público–alvo da Educação Especial na Educação Básica1 solicitaeducação escolar que realmente considere a diversidadedos grupos de escolares e, por isso, se volte e respondaàs distintas formas de aprender apresentadas pelos estu-dantes. Entre tantos aspectos a serem considerados nes-sa (ainda) construção, é preciso compreender que aideia de uma educação de qualidade para todos precisaser apropriada como uma construção coletiva, emborasua origem, pelo menos em parte, tenha acontecido ex-terna à escola. Pensar sobre isso requer refletir acerca dahistória na qual essa construção escolar tem acontecido.

No Brasil, movimentos do início do séc. XX vi-sando à ampliação gradativa do acesso à educação es-colar podem ser considerados parte do processo de de-mocratização da educação escolar, embora naquele mo-mento o que se almejava era a ampliação quantitativade uma escola que precisava deixar de ser privilégio depoucos. Atualmente, a busca dessa democratização se

1 Segundo o Documento “Política Nacional de Educação Especial na pers-pectiva da educação inclusiva” (BRASIL, 2008) são considerados alunospúblico–alvo da Educação Especial alunos com deficiência (intelectual, físi-ca, surdez, cegueira e baixa visão), transtorno global do desenvolvimento esuperdotação.

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mantém e precisa ser assumida e exercida por meio deações político–pedagógicas que visem por qualidade, oque requer, entre tantos aspectos, o (re)conhecimentodos sujeitos/alunos nos aspectos social, cultural e peda-gógico. Isso implica, portanto, no afastamento de con-cepções e práticas hegemônicas e no resgate, no interiorda escola, das culturas dos diferentes grupos que na es-cola se encontram e a reconstituem cotidianamente(MOREIRA; CANDAU, 2003). Outro aspecto fundamen-tal é pensar sobre a prática e a formação dos docentes,o que não pode ser feito afastado desse conhecimento eda valorização da cultura e dos saberes dos alunos, paraquem deve estar voltado o professor.

Neste país, a partir dos anos 90, se intensificouuma preocupação com a inclusão escolar de alunos comdeficiência, indicando a necessidade de mudanças paraque todos tenham acesso, permanência e aprendizadonas escolas de ensino regular (UNESCO, 1994). Porém,para Kassar, Rodrigues e Leijoto (2011), naquele perío-do, se por um lado se pretendeu implantar as proposi-ções da Constituição Federal, por outro, teve início umapolítica de descentralização em que educação e saúdeforam consideradas como serviços concebidos sob a res-ponsabilidade de setores públicos, mas também de insti-tuições privadas. Essa política enfraqueceu as reivindica-ções da escola e de seus profissionais deixando de im-plantar as condições necessárias à inclusão escolar des-ses alunos.

Dentro desse quadro, desde a LDB n. 9394, de1996, houve preocupação com a formação dos profes-sores para atuar com alunos com deficiência, mas, des-de lá, se instalaram questões que até hoje perpassamessa formação. Entre essas estão as diferenças significati-vas entre a formação de “professores com especialização

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adequada em nível médio ou superior, para atendimen-to especializado, bem como professores do ensino regu-lar capacitados para a integração desses educandos nasclasses comuns”, conforme o solicitado no inciso III doArt. 59 (BRASIL, 1996). Bueno e Marin (2011) afirmamque no Brasil, a partir das determinações legais da LDB,dois tipos de professores são formados: os generalistas,responsáveis pela classe comum e que deveriam estarcapacitados para atender a todos os alunos, entre osquais aqueles com deficiência, e os professores com es-pecialização, responsáveis por um atendimento especia-lizado. Na prática, porém, havia naquele momento a ne-cessidade de se definir e se organizar a formação profis-sional de ambos os profissionais, o que foi acontecendoao longo dos anos com significativas implicações para oensino desenvolvido por esses professores.

Compreendendo a democratização da educaçãoescolar como a garantia de acesso, permanência eaprendizado na escola, este texto apresenta discussãoacerca da temática da adequada e necessária formaçãodocente para a inclusão escolar, considerando ser esseum elemento–chave para pensar essa construção e, porconsequência, para promover efetivamente a democrati-zação da educação escolar. A discussão apresentada seapoia em estudos sobre essa temática e na legislaçãopara a área e é inspirada na Mesa Redonda intitulada“Formação Docente e Diversidade no Contexto Escolar”que, realizada durante o CEVS – Congresso de Educa-ção do Vale do Sapucaí trouxe pertinentes reflexõesacerca dessa temática2.2 O CEVS foi realizado pelo Mestrado em Educação da Univás – Universi-dade do Vale do Sapucaí, em Pouso Alegre – MG, de 19 a 21 de setembrode 2016. Participei da referida Mesa Redonda como mediadora e agradeçoàs palestrantes, bem como à organização do CEVS pela oportunidade des-sa mediação.

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Professores para a inclusão escolar: as-pectos legais.

São muitos os aspectos que devem ser considera-dos na construção da educação inclusiva3 em escolas deensino regular, o que envolve pensar desde as políticaseducacionais às ações didático–pedagógicas desenvolvi-das nas escolas e salas de aula. Documentos internacio-nais e nacionais são indicativos das exigências e solicita-ções necessárias e, desses documentos, citamos a “De-claração de Salamanca: Sobre Princípios, Políticas ePráticas na Área das Necessidades Educativas Especi-ais”, resultante da Conferência Mundial de EducaçãoEspecial, realizada em Salamanca – Espanha, de 7 e 10de junho de 1994 (UNESCO, 1994). Já no Brasil, o di-reito à educação de todas as crianças e jovens está fir-mado na Constituição Federal, de 1988 (BRASIL,1988), na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que insti-tui o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,1990) e na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção Nacional n. 9394, de 1996 (BRASIL, 1996).

Especificamente quanto à formação de professo-res, a Portaria Ministerial n. 1.793, de 1994, solicitou “anecessidade de complementar os currículos de formaçãode docentes e outros profissionais que interagem comportadores de necessidades educacionais especiais”

3 Por educação inclusiva entendemos a concepção de educação que temreferência em princípios orientados para acolher e ensinar a todos, respei-tando interesses, potencialidades e limites. A Declaração de Salamanca(UNESCO, 1994, p. 3) afirma que, de forma ampla, “escolas deveriamacomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas,intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras”. Nesse contextotambém estão os alunos que têm deficiências, transtorno global do desen-volvimento e superdotação. Em relação a esses alunos dizemos de uma in-clusão escolar, fazendo uso de expressão empregada no país para indicar amatrícula e a permanência desses alunos em escolas de ensino regular.

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(BRASIL, 19944 apud MARTINS, 2011, p. 53). A mes-ma Portaria, em seu Art. 1º, determinou a inclusão da“disciplina Aspectos ético–político–educacionais da nor-malização e integração da pessoa portadora de necessi-dades educacionais especiais” nos cursos de Pedagogia,Psicologia e em outras licenciaturas (p. 53). Já no Art. 2ºse recomendou a inclusão “de conteúdos relativos aos‘aspectos ético–político–educacionais da normalização eintegração de pessoas com necessidades educacionaisespeciais” nos cursos do grupo de Ciências da Saúde(Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Tera-pia Ocupacional), no curso de Serviço Social e nos de-mais cursos superiores (BRASIL, 1994 apud MARTINS,2011, p. 53).

Dessa Portaria chama à atenção a indicação(desde o título) de que esses estudos deveriam voltar–seà normalização e à integração dessas pessoas, com claraalusão à concepção de que era o aluno, o “portador”, éque deveria adaptar–se e, portanto, ser “normalizado” e“integrado”. Outro aspecto é a observação de que noCurso de Pedagogia, Psicologia e demais licenciaturas –portanto nos cursos de formação de professores – esseestudo deveria ser feito em nível de uma única discipli-na, diferentemente dos cursos de Ciências da Saúde,Serviço Social e demais cursos superiores em que se so-licitava, de forma mais ampla, a inclusão de um conteú-do, conforme o indicam os artigos citados da referidaPortaria.

4 BRASIL. Ministério de Estado da Educação e do Desporto. Portaria n.1.793, de dezembro de 1994. Brasília: MEC, 1994. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port1793.pdf>. Acesso em: out.2016.

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Ainda acerca dessa Portaria, considera–se queembora a determinação desses estudos, sob a forma dedisciplina e/ou conteúdos, tenha se dado de forma lentae gradativa no ensino superior brasileiro, reforçaram aconcepção organicista que estava na base dessa legisla-ção.

Para Garcia (2011), em se tratando das políticaspara a Educação Especial, especificamente voltada paraos docentes, é preciso considerar que a formação doprofessor regente e do professor com especialização(que atuaria inicialmente em escolas e instituições espe-cializadas e, somente mais tarde, em escolas de ensinoregular no atendimento especializado aos alunos) se deupor meio de cursos e processos diferenciados. Segundoa autora, porém, desde o início dos anos 2000 se esbo-çava uma outra perspectiva de formação de professoresque “pudesse apoiar a Educação Básica no processo deescolarização de sujeitos que até então estavam distanci-ados da educação formal” (p. 68).

Nas “Diretrizes Nacionais para a Educação Espe-cial na Educação Básica” – Resolução n. 2, de 11 de se-tembro de 2001 (BRASIL, 2001, p. 70), considera–sealuno com necessidades educacionais especiais aqueleque apresenta “I. dificuldades acentuadas de aprendiza-gem ou limitação no processo de desenvolvimento; II.dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadasdos demais alunos; III. superdotação e/ou altas habilida-des”. Sobre as atribuições dos professores no atendi-mento desses alunos, as Diretrizes afirmam no Art. 8ºque os sistemas de ensino devem prover as escolas com“I. professores das classes comuns e da educação especi-al, capacitados e especializados, respectivamente, para oatendimento às necessidades educacionais dos alunos;IV. serviços de apoio pedagógico especializado, realiza-

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do nas classes comuns e V. serviços de apoio pedagógi-co especializado em salas de recursos” (BRASIL, 2001,p. 71–72).

Sobre o que se apresenta nas Diretrizes, devemosenfatizar que a solicitação de que o apoio pedagógicoespecífico deveria ser realizado também nas classes co-muns, em colaboração entre o professor de educaçãoespecial e o da classe comum, objetivou promover a in-serção e a organização do atendimento do aluno no in-terior da proposta pedagógica da escola, integrando asreflexões acerca da organização curricular e do ensino, oque se considera um importante marco na afirmação dainclusão escolar como política e prática escolar.

Também segundo Garcia (2011), a proposta dasDiretrizes de 2001 estava apoiada em uma abordagemeducacional, anunciando mudanças na especificidadedo trabalho e na formação dos professores especializa-dos em Educação Especial. Porém, havia nas atribui-ções desse professor uma ambiguidade: se por um lado,como no indicado no Art. 8º, havia a solicitação de atu-ação colaborativa com o professor regente na classe co-mum, por outro, a atuação em salas de recursos aindatrazia o modelo hegemônico e histórico da EducaçãoEspecial.

Em 2008, uma nova/outra política de educaçãoinclusiva é apresentada no documento “Política nacionalde Educação Especial na perspectiva da educação inclu-siva” – MEC/2008 (BRASIL, 2010a). Nesse Documentotambém se redefine quem são os alunos atendidos pelaEducação Especial – alunos com deficiência, transtornosglobais do desenvolvimento a altas habilidades/superdo-tação – e quais os encaminhamentos em relação à for-

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mação de professores para o AEE – atendimento educa-cional especializado5 e dos demais profissionais.

Em relação a esse Documento, Garcia (2011)chama a atenção para as solicitações em relação à for-mação do professor de Educação Especial. O Documen-to indica como necessário o “acesso a conhecimentosgerais para o exercício da docência e conhecimentos docampo específico” (BRASIL, 2008 apud GARCIA, 2011,p. 75) e que essa formação lhe daria condição de atuarno “atendimento educacional especializado realizado naclasse comum, na sala de recursos, na classe hospitalar,nos centros de atendimento educacional especializado enos núcleos de acessibilidade nas universidades” (p. 75).Contudo, a autora conclui que a implantação das salasde recursos multifuncionais, mesmo que gradativamen-te, promoveu que o AEE passasse a ter como lócus pri-vilegiado esse espaço, o que incide diretamente na for-mação e na atuação dos professores, sobretudo em rela-ção ao (não) estabelecimento de trabalho conjunto.Para a autora (GARCIA, 2011, p 76):

O modelo de AEE complementar ousuplementar corrobora uma opçãopela não articulação do trabalho pe-dagógico desenvolvido com os estu-dantes com deficiência. Tal opçãotem repercussões sobre o modelo de

5 Segundo o Documento “Política nacional de Educação Especial na pers-pectiva da educação inclusiva” – MEC/2008 (BRASIL, 2010 a) o AEE –atendimento educacional especializado “tem como função identificar, ela-borar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem asbarreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessi-dades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacio-nal especializado diferenciam–se daquelas realizadas na sala de aula co-mum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento comple-menta e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia eindependência na escola e fora dela” (p. 10).

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professor a ser formado, qual seja,aquele caracterizado como um espe-cialista, mais do que um professor, eque agora também agrega a funçãode gestor do sistema educacional in-clusivo. A opção pelo antendimentoeducacional especializado ganha, apartir de 2008, novos contornos. […]Importante assinalar que o modeloaqui descrito não é necessariamenteuma opção de professores de Educa-ção Especial e pesquisadores docampo, mas configura–se em umaestratégia política induzida medianteeditais que têm como consequência aliberação de recursos/financiamentospara a estruturação das salas e for-mação continuada de professores.

A Resolução n. 04, de 02 de outubro de 2009,do Conselho Nacional de Educação, instituiu as “Diretri-zes Operacionais para o Atendimento Educacional Espe-cializado na Educação Básica – Modalidade Educaçãoespecial” (BRASIL, 2010b) entendendo este atendimen-to, o chamado AEE, como “serviços, recursos de acessi-bilidade e estratégias que eliminem as barreiras para aplena participação na sociedade e desenvolvimento daaprendizagem” (p. 69). Especificamente quanto às atri-buições do professor de Educação Especial, o seu Art.13 indica ações de avaliação, planejamento, execuçãode programas institucionais, orientação às famílias e de-mais professores e atendimento especializado aos alu-nos. O mesmo artigo indica ser atribuição desse profes-sor “estabelecer articulação com os professores da salade aula comum [inciso VIII]” (BRASIL, 2010b, p, 72).

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Para Bruno (2010), uma análise dos avanços econtradições dessa legislação indica como avanços a or-ganização dos recursos educacionais visando à acessibi-lidade e à inclusão efetiva desse aluno, no que se inclu-em a produção e o uso de recursos adequados à sua es-colarização e aprendizagem, e, como contradições, essapesquisadora diz do caráter instrumental do atendimen-to educacional especializado que acabou sendo desen-volvido mais restrito às salas de recursos multifuncionaisdo que a outros espaços escolares.

Em 2011 a Presidência da República assina oDecreto n. 7.611, em 17 de novembro daquele ano, que“dispõe sobre a Educação Especial, o atendimento edu-cacional especializado e dá outras providências” (BRA-SIL, 2011). O Art. 2º desse Decreto afirma que a educa-ção deve garantir serviços de apoio especializado, deno-minados atendimento educacional especializado, com-plementares à formação dos estudantes com deficiênciae transtorno global do desenvolvimento, e suplementa-res à formação de estudantes com altas habilidades ousuperdotação. O Art. 3º desse mesmo Decreto apresentaos objetivos do atendimento educacional especializadoafirmando a transversalidade do AEE no currículo esco-lar e com as outras formas e situações de ensino eaprendizagem e, nesse sentido, reafirma a necessidadede sua articulação com múltiplos e diversos espaços–tempos da escola, o que solicita o estabelecimento deparcerias entre os professores, o que tem encontradoinúmeras dificuldades para sua efetivação.

Dos documentos apresentados focamos nossaatenção na solicitação comum a todos da necessária for-mação de professores para atuar com alunos com defi-ciência, bem como na indicação da necessidade de arti-culação e colaboração entre os diferentes profissionais.

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Porém, é preciso refletir criticamente acerca dessas vá-rias legislações, fruto de distintos momentos históricos ede diferentes políticas para a área, questionando sobre oque está na sua base, que articulações políticas apresen-tam e a que concepções e práticas de formação fazemreferência. São esses alguns dos pontos da necessária re-flexão.

Reflexões acerca da formação deprofessores e da educação especial/inclusão escolar

O projeto de construção de uma educação inclu-siva se constituiu, em parte, fruto das conquistas de gru-pos sociais para quem as mudanças seriam vitais paraseu acesso, aprendizado e desenvolvimento na escola, oque se deu com o apoio de profissionais da educação, e,por outra parte, foi convocado e, portanto, atravessadopor solicitações econômicas e políticas internacionaisque se refletiram nas políticas educacionais brasileiraspara a área (DORZIAT, 2011).

Sobre a formação de professores que contribuamna construção de educação inclusiva, a mesma autoraassevera que as políticas representadas nas legislações edocumentos oficiais das últimas décadas indicam tratar–se da formação de dois professores, um generalista e umprofessor especializado, como foi apresentado na seçãoanterior. Nesse sentido, da formação docente, Dorziat(2011) afirma que embora muito se tenha dito no Brasilda formação de um professor crítico e reflexivo, discursoque foi apropriado por algumas das políticas educacio-nais para a área, a formação docente, em geral, tem serealizado de forma aligeirada e, no bojo dela, acerca datemática da inclusão escolar e da escolarização de alu-

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nos com deficiência, se estabeleceu uma formação frag-mentada e descontextualizada do que acontece na reali-dade escolar. Finalmente, para Dorziat (2011, p. 152),

[…] as tensões existentes entre aprática pedagógica e as determina-ções legais que consubstanciam a po-lítica de inclusão têm precarizado aspráticas inclusivas, limitando em mui-to o desenvolvimento escolar daspessoas ditas com deficiência e ge-rando resistência no interior da esco-la, mascaradas pela criação de umacultura de tolerância às diferenças.

Garcia (2011), tendo como referência estudo an-terior desenvolvido pela autora com a colaboração deoutros pesquisadores (GARCIA; MICHELS, 2006 apudGARCIA, 2011, p. 66–65), apresenta, a partir desses re-sultados, reflexões sobre alguns pontos acerca da forma-ção dos professores: 1. O primeiro se refere ao fato deque o modo como as atribuições docentes desses doisprofissionais – o professor regente e o professor especia-lizado em Educação Especial – se apresentam nas políti-cas afirmam que os alunos com deficiência são mais daresponsabilidade dos chamados professores especializa-dos, cuja formação diferenciada e conhecimentos foca-dos nas características das deficiências propiciam comque atuem distanciados das propostas pedagógicas es-colares. 2. O segundo ponto de reflexão trata do modelode formação continuada, ou formação em serviço, comouma proposição das políticas públicas, e que “reforçapensamentos hegemônicos na escola acerca dos deter-minantes da deficiência em bases organicistas e funcio-nalistas, assentando ideias já consagradas da apreensãoda diversidade humana” (GARCIA, 2011, p. 67). Este

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modelo estabelece distância ainda maior entre a atuaçãodesses profissionais, a saber, o professor regente da clas-se comum e o professor especializado em Educação Es-pecial. 3. Como consequência, o terceiro ponto se refereà ausência de articulação entre a formação desses profis-sionais, o que se estende às suas atuações no interior daescola. 4. Como quarto ponto a autora apresenta questi-onamentos que colocam em xeque muitas das nossascertezas e práticas sobre a formação dos professores.

[…] a formação tem contribuído pararomper com a herança da EducaçãoEspecial como uma atividade parale-la? Estamos formando professores es-pecializados para atuar de maneiraorgânica na Educação Básica oupara serem ultraespecializados e ope-rarem em paralelo? (GARCIA, 2011,p. 67)

Finalmente, o quinto e último ponto [5] se referea uma reflexão sobre a especificidade dada ao professorde Educação Especial pelas políticas brasileiras refletin-do sobre em que medida essa especificidade baseadaem uma ‘especialidade” não tem impedido com que, naescola, se pense e se atue de forma colaborativa e emações pedagógicas mais amplas, contextualizadas, relaci-onadas com o currículo escolar e com o ensino para to-dos os alunos.

Os pontos evidenciados pela autora e seus questi-onamentos nos levam a pensar que o (des)preparo afir-mado pelos professores regentes de classes comumpode, entre outros aspectos, relacionar–se à própria for-mação e, de forma mais ampla, ao lugar dado a esseprofissional na organização escolar quando se trata dainclusão escolar de alunos com deficiência. Sobre tal re-

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flexão chamamos a atenção para elementos já discuti-dos neste texto como a dominância do modelo organi-cista, a valorização de saberes especializados não peda-gógicos, advindos da atuação de outros profissionais, ea ideia de um “atendimento” especializado às necessi-dades educacionais especiais dos alunos, e não de umensino que deverá ser especial porque voltado à apren-dizagem de todos os alunos. Nesse sentido, alguns ques-tionamentos – se ao professor especializado cabe aten-der a esses alunos estando de posse de um saber dife-renciado e específico, qual a contribuição dos saberesdos professores regentes? Como ensinar para alunosque se apresentam de forma tão distinta sem aqueles sa-beres especializados? – talvez sejam feitos pelos própriosprofessores e estejam relacionadas ao recorrente discur-so do despreparo para ensinar para esses alunos.

Estudos e pesquisas (ROSA; MENEZES, 2014;GUERREIRO; MELO; FERREIRA, 2014; SADIM et al.,2014; KUHN; MOREIRA, 2014; SOUZA, 2014; CARVA-LHO et al., 2014; EFGEN; VIEIRA, 2014) têm se volta-do a essa temática e, trazer alguns desses estudos paraeste texto objetivou atualizar e contextualizar a discussãoaqui apresentada. Esses estudos, em síntese, disseramda necessidade de que a formação dos professores sejade fato revista visando práticas escolares e pedagógicasinclusivas.

Nesse sentido, Souza (2014) analisou estudoscujo objeto era o currículo dos cursos de formação inici-al referente ao atendimento de alunos com deficiêncianos sistemas regulares de ensino. Segundo a autora, orecente Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014apud SOUZA, 2014, p. 15) indica que a formação dosprofessores para a educação inclusiva deve promover aintegração de suas práticas futuras. Segunda a autora,

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porém, não existem critérios definidos sobre pontos es-senciais da formação, como definição quanto ao lócusde formação e/ou de um currículo que sirva de basepara a elaboração dos cursos e estruturação adequada.Na maioria das vezes, a formação acontece sem com-promisso com a Educação Básica e com o seu funda-mento, uma educação de qualidade para todos. Souza(2014) afirma, ainda, que os conteúdos, objetivos e refe-rências bibliográficas dos cursos analisados mostram quea formação de professores continua expressando o mo-delo positivista de conhecimento: a deficiência como fe-nômeno exclusivamente individual, concepção que sereflete na racionalidade e objetividade das práticas deeducação especial.

Effgen e Vieira (2014) em seu estudo indicam anecessidade de ruptura do modelo de escola como umainstituição pensada para poucos. Afirmam, também so-bre a dependência de diagnósticos clínicos para a elabo-ração de trabalhos diversificados e pedagógicos, o queprecisa ser repensado. Além disso, reforçam a necessida-de de ressignificação dos processos de formação inicialdos professores e a necessidade de investimentos na for-mação continuada.

As ideias de Nóvoa (1992), citadas pelos autores,nos mostram que realmente há necessidade de reconhe-cer os saberes do professor, inclusive por eles próprios,pois os problemas da prática docente não são meramen-te instrumentais, mas comportam situações problemáti-cas que levam a decisões complexas e em contexto deincertezas, singularidades e conflitos de valores. Effgen eVieira (2014), tomando ainda das ideias de Nóvoa(1992), afirmam também que os professores não terãoêxito trabalhando sozinhos, pois necessitam atuar emcolaboração, uma vez que esses profissionais precisam

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voltar–se a reinvenção e à criação de práticas e, ainda,utilizar do universo cultural de seus alunos como pontode partida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das políticas para a área, conclui–se que na basede um projeto nacional de educação inclusiva, sobretu-do no que foi veiculado a partir dos anos 90, há duas di-ferentes perspectivas quanto à sua origem e seus princí-pios, a saber: uma perspectiva político–econômica e ou-tra pedagógica. Outro ponto a se considerar é que esseprojeto, embora tenha contado com o apoio de muitosgrupos de profissionais, se constituiu fora da escola, nãotendo sido algo que partiu de uma proposta coletiva es-colar. Outro ponto é que a própria história da escolariza-ção das pessoas com deficiência, que se deu, por longotempo, alijada das escolas de ensino regular, contribuiuno estranhamento que a perspectiva de uma escola in-clusiva promoveu, e ainda promove, também interna-mente à escola.

Entendemos que uma discussão acerca da forma-ção de professores precisa pautar–se nesses pontos paraque se possa pensar criticamente no que tem sido feito epara projetar outras possibilidades. Uma grande questãoé sobre as diferenças entre a formação e a atuação doprofessor regente e do chamado professor especializadoou professor de Educação Especial.

Embora presente na legislação nacional geral eespecífica para a área, desde a LDB de 1996, a forma-ção de professores tem se apresentado sob a égide deum modelo e de uma concepção que promovem contra-dições postas à prática desses profissionais. Esse modelose caracteriza como organicista quanto ao atendimento

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dos alunos com deficiência e a concepção trata de formadistinta o processo por meio do qual se forma um profis-sional especialista e um generalista. Evidencia–se o dis-tanciamento tanto da formação como da atuação dessesprofissionais e, além disso, a ideia de saberes generalis-tas para o primeiro docente e especializados para o se-gundo, somados aos problemas da formação de profes-sores no Brasil, aligeirada e tecnicista, promove estra-nhamentos ao invés das necessárias parcerias e do tra-balho conjunto.

Ampliando o foco do nosso olhar, abrindo ozoom da formação para a sala de aula e dessa para a es-cola, e, abrindo mais ainda, pensando na própria cons-trução nacional de educação inclusiva, refletimos que ademocratização da educação escolar requer pensar criti-camente acerca desses aspectos da formação, uma vezque estão implicados na prática dos professores.

Reiteramos que quando se pensa a inclusão esco-lar e a educação inclusiva, a formação e a atuação dosprofessores não são, e não podem ser responsabilizadassozinhas pelo sucesso de tais processos, porém ocupamnele lugar de destaque. As concepções que estão nabase das práticas desenvolvidas pelos docentes são fun-damentais para o ensino que realizam e a formação secoloca assim como uma referência. Compreende–se quereflexões e ações acerca da formação de professores sãoimprescindíveis para uma educação inclusiva e de quali-dade.

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CAPÍTULO VA CONJUNTURA EDUCACIONAL ATUAL: PARA

ONDE CAMINHA A EDUCAÇÃO (1).

José Luís Sanfelice (2).

INTRODUÇÃO

Pela urgência do momento histórico que estamosvivendo no Brasil, face aos atropelados fatos políticos,sociais e econômicos dos últimos meses, dou início apresente comunicação encarando um pouco o nossopercurso no tempo para, na sequência, tentar abordar,mesmo que sucintamente, os desafios contemporâneos,aliás, como está proposto no título da mesa–redonda.

Entre todos os desafios gerais, que são muitos, omais estarrecedor é o enfrentamento que temos que fa-zer de imediato para minimamente preservar o nosso re-gime político democrático, ele que historicamente sem-pre foi tênue e, hoje, é colocado sob ataques pelos po-deres executivo, legislativo e judiciário, irmanados emprol de um ideário extremamente conservador, reacio-nário, das elites econômicas, patriarcal, xenofóbico, se-xista e mesmo fundamentalista.

No presente quadro histórico, os ingredientes denossa formação sócio–econômica passada comparecemde forma exuberante na confecção das tramas de umcotidiano que é avassalador para a vida democráticados cidadãos. Mas, lembremos: nosso “processo civiliza-tório”, a partir das conquistas européias, deu início, deimediato, ao extermínio das populações e das culturasindígenas aqui preestabelecidas. Um processo que não

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se esgotou e continua até hoje. Basta ficarmos atentos everemos os conflitos de terras que fazendeiros e o agro–negócio movem contra as reservas das terras indígenasou os moradores trabalhadores do campo. Não sãoameaças por palavras, mas ações efetivas de invasões,expulsões e assassinatos. A sociedade midiática “lamen-ta” enternecida e transforma os fatos em notícias nasquais invariavelmente os indígenas ou os campesinossão criminalizados. O Movimento dos Sem-Terra –MST–, como no passado as Ligas Camponesas são sem-pre um “assunto de polícia”. Prevalecem os interessesda expansão capitalista favorável a poucos e em detri-mento da grande maioria. O que resta das lutas indíge-nas é a tentativa de continuar garantindo a sobrevivên-cia e ao MST a luta por uma reforma agrária que jamaisse fez. (3).

O mesmo “processo civilizatório” nos trouxe aprática da escravidão dos negros por três séculos. Os in-teresses econômicos das elites da época eram os desempre, dentro da lógica do modo de produção capita-lista. A escravidão adquiriu uma “normalidade moral” eimpregnou “naturalmente” as mentes e as ações daque-les que dela se beneficiavam. Mas, como nas resistênciasindígenas, muitos ZUMBIS (4) se consagraram na lutapela liberdade dos negros. Parece–me mais relevante,para uma história de lutas, em dias atuais, o dia de refle-xão da Consciência Negra (5), assinalada em muitas loca-lidades do Brasil, do que o 13 de maio da Princesa Isa-bel. O dia 13 de maio é a comemoração “inglória” deuma medida oficial que nem mesmo o caráter humani-tário continha, uma vez que ela resultava das novas con-dições objetivas do mundo econômico local e mundial,à época.

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O dia da Consciência Negra é a continuidade deuma resistência e luta contra uma libertação dos escra-vos proclamada na legislação, mas socialmente jamaisefetivada. O racismo continua firme e forte nas nossasculturas e práticas sociais. A distribuição desigual das ri-quezas entre os grupos étnicos é uma constante em des-favorecimento dos negros. Entretanto, já existem pro-postas circulando para que se retire o Dia da Consciên-cia Negra dos nossos calendários.

Qualquer projeto de construção de uma socieda-de mais democrática no Brasil, passa necessariamentepelas questões umbilicais dos indígenas e dos negros.Estamos longe de conseguirmos avanços estruturais. Fi-camos nas medidas paliativas.

Politicamente nossas “lembranças–memórias”nos remetem a muitos golpes orquestrados por elites deplantão. Sem fazer o reducionismo a apenas aos aspec-tos aos quais vou me referir, penso que eles têm a seufavor obviedades de que não são inverídicos. Nossa fa-mosa “Abertura dos Portos às Nações Amigas” (leia–seInglaterra, “nação amiga” de Portugal), foi apenas umato necessário para a sobrevivência basicamente da Fa-mília Real e das “Cortes”, as pressas transferidas para cáem fuga, frente às ameaças das invasões napoleônicas.Nenhum índio foi “salvo”, ou melhor, preservado por talmedida e nenhum negro libertado. E, quando da Inde-pendência política em relação a Portugal em 1822?Nada mais do que um golpe das elites locais recém-sur-gidas, um tanto conflituosas face aos interesses portu-gueses e da Coroa e, diretamente subsidiadas pela di-plomacia e os interesses da Inglaterra. Uma independên-cia negociada. Até a mesma Casa Real permaneceu notrono. O imperialismo inglês passou a dominar os locaisassociados e nenhum índio ou negro se libertou. Eles

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não tiveram a sua independência. Chega a ser ridículo oimaginário grito de D. Pedro: “independência ou mor-te”! Tanto quanto é ridículo o imaginário recado: avise àtodas as Províncias de que estamos independentes dePortugal. Sim, sim, porém, sob o domínio da Inglaterra.

Com o desenvolvimento agrário exportador de-pendente ocorrido ao longo do século XIX, as elites ca-feeiras mais sedimentadas, apoiadas pelos militares ecom a atuação participativa de uma classe média traves-tida de pensamento liberal e em formação, despacha-ram o longo e carcomido Segundo Império. Proclama-ram a República em 1889. Foi–se a monarquia e ficou oarremedo do Ideário Republicano. Uma República siste-maticamente das elites ao longo do século XX. Com oanalfabetismo crasso da população e os impedimentosconstitucionais, se assistiu a uma sempre pouca repre-sentatividade do voto popular de fato livre. Com o votofeminino tardio, menos representatividade ainda. Some–se a tudo isso o coronelismo na política, os currais eleito-rais e os votos de cabresto. Uma denominada PrimeiraRepública nada democrática e totalmente dos senhoresdo Café com Leite.

Claro está que a tudo que se deu como hege-mônico, sempre houve resistências de indígenas, negros,imigrantes, anarquistas, trabalhadores que começaram aformar as classes operárias, campesinos, profissionais su-balternos das Forças Armadas, socialistas e comunistas.O outro lado da História do Brasil é sempre consideradooficialmente uma História de insurrectos, de revoltosos,de bandidos, cangaceiros e, por consequência, invaria-velmente “gente do mau”, passível de repressão, puni-ção e/ou morte. Verdadeiros heróis ou heroínas popula-res passam a ser os bruxos e bruxas que merecem o es-quecimento.

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A Primeira República encerrou–se com o golpede 1930. Mais uma vez um golpe gerenciado por umaparte das elites descontentes com outra parte delas. Eli-tes do nordeste e do sul do país reagiram em defesa dosseus interesses econômicos desconsiderados pelas oli-garquias do Café com Leite. Contaram com a solidarie-dade de uma burguesia industrial emergente e recebe-ram a gloriosa identificação de sujeitos da Revolução de1930. A reação da elite paulista, alijada em 1930 do po-der central, com a tentativa do Movimento Constitucio-nalista de 1932, em nada resultou. Mas, certa historio-grafia refere–se ao Movimento revolucionário de 1932.Caso São Paulo tivesse vencido, teria sido apenas e tãosomente mais um golpe. O Estado Novo, um golpe den-tro do golpe instaurou uma terrível ditadura. Foi o pro-cesso pelo qual Getúlio Vargas viabilizou o acerto de in-teresses entre as várias frações das elites, eliminou oscontrários e disciplinou o povo para venerá–lo como “Opai dos pobres”. Sim, havia chegado a hora, até tardia,de se disciplinar parte das relações entre o capital e otrabalho, um direito legítimo da classe trabalhadora,agora apresentado e concedido como dádiva. Enfim,era necessário aquietar o Movimento Operário para ummais desenvolto avanço do capital.

A história continuou a sua caminhada e a ditadu-ra de Vargas se tornou inconveniente face ao contextogerado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, pela inter-venção norte–americana na geopolítica mundial e porconta, internamente, de certa modernização conserva-dora de uma burguesia industrial emergente. E veio areabertura política, embora nunca tivéssemos tido umaabertura real (democracia efetiva). Os cidadãos de direi-tos restritos foram levados a acreditarem num projetoNacional Desenvolvimentista que propagandisticamente

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se afirmava como adequado aos interesses coletivos. Láconviveram sindicatos pelegos e sindicados representati-vos. Lá as greves dos trabalhadores das cidades e docampo foram se avolumando. Lá foram crescendo as Li-gas Camponesas e o Movimento Estudantil com matizesde um pensamento reformista e, em alguns casos, comtendências políticas à esquerda, do ponto de vista ideo-lógico. A inauguração da capital Brasília se tornou em-blemática para possíveis novos tempos e as bandeirasreformistas foram ganhando os movimentos sociais e asruas. E qual foi o desfecho daquela ascensão política epopular das classes trabalhadoras?

Veio o Golpe de 1964. Golpe sim, golpe civil–mi-litar e não Revolução de 1964 como querem fazer creraos incautos. Os fatos são cada dia mais conhecidos. Opresidente eleito, Jânio Quadros, renunciou ao cargopoucos meses após a sua posse. O vice–presidente,João Goulart, também eleito por votação nominal dire-ta, uma vez que não se fazia eleição por chapa, teve sé-rios problemas para assumir o cargo na forma constituci-onal. Elites e militares preanunciaram o golpe futuro econdicionaram a posse de Goulart a uma mudança, jágolpista, que transformou o regime presidencialista vi-gente em regime parlamentarista. Goulart assumiu, por-tanto, com os poderes bem mais limitados. Entretanto, oapoio popular a Goulart o levou a retornar a uma presi-dência em um regime presidencialista, após plebiscitoem que o resultado foi amplamente favorável pelo retor-no às normas constitucionais quebradas.

O governo de Goulart passou a receber forteoposição das elites, pois a sua aproximação ao ideáriodas Reformas de Base, lhes parecia por demasiado umrisco aos seus interesses econômicos de preservação dapropriedade (latifúndios) e do capital (bancos e outros

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lucros). Para o golpe foram se aliando governadores deEstados, militares de altos escalões, industriais e empre-sários organizados em várias instituições por eles funda-das e mantidas (por exemplo, o Instituto de Pesquisa eEstudos Sociais (6)), intelectuais, religiosos e parte signifi-cativa da reacionária Igreja Católica. Os EUA que haviaalimentado a Guerra Fria, junto a então União Soviéti-ca, desde o término da II Guerra Mundial, já decidiraeleger a América do Sul como o seu quintal de interes-ses econômicos, políticos, ideológicos e de zona de se-gurança. Daí a sucessão de golpes militares na região.O Grande Irmão ajudou a planejar o golpe, deu assis-tência a uma imensa campanha golpista, infiltrou seusagentes nos movimentos sociais da época e deu garanti-as materiais, se entenda militar – operação BrotherSum(7) –, para que tudo fosse bem sucedido. Na verdadeos interesses norte–americanos vinham se aprofundandocom a realização de inúmeros acordos já há algumas dé-cadas e de forma crescente. A restrita democracia doprojeto nacional desenvolvimentista e populista pareciaser inoportuna aos interesses do grande capital internaci-onal que se associou ao capital local, subalterno, porémávido de ter as suas vantagens.

Com a efetivação do golpe em 31 de março de1964 foi destituído um presidente eleito. Iniciava–se umlogo período de não democracia, mesmo que fosse res-trita, pois se instaurou a ditadura civil–militar do Movi-mento de 1964. Não terminamos ainda de contabilizar oquanto aquela ditadura mexeu com as entranhas da so-ciedade brasileira e há muitas feridas por serem curadas.Não vou fazer um balanço aqui do que significou a re-pressão, a cassação de direitos políticos, a censura, asprisões, as torturas, o sequestro de crianças que jamaisretornaram aos seus pais, o estupro de mulheres grávi-

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das ou não, os desaparecimentos de pessoas, as mortes,as invasões de lares, igrejas e escolas, os Atos Institucio-nais (Ais), as ações de terrorismo contra a população etodo um conjunto de muitas arbitrariedades que as dita-duras trazem consigo. Pretendia–se, com tanta fúria,combater um inimigo interno à sociedade, ou seja, o ci-dadão e um povo na luta pelos seus direitos fundamen-tais. Um presidente general, recuso–me a citar seunome, chegou a dizer preferir o cheiro de cavalos ao dopovo. O fato é que a ditadura não teve absolutamentenada de brando, como uma imprensa que apoiou a di-tadura e foi por ela beneficiada, desejou “informar” aosnossos jovens de agora. Então, a minha geração, pelomenos aqueles que não perderam a memória, precisarepetir pedagogicamente que houve uma ditadura civil–militar atroz e que ela ainda tem os seus defensores poraí. Não faz nenhum sentido ético e humanitário solicitaro retorno da ditadura, como alguns esbravejam em pas-seatas(8). Portanto, Não AO ESQUECIMENTO. Emtextos anteriores tenho feito um pouco o exercício de irdimensionando melhor aqueles tempos de trevas(9).

Claro está que a tudo isso houve resistências po-líticas, ideológicas, de massas populares nas ruas, desegmentos progressistas da Igreja Católica, de Movimen-tos Sociais organizados nas cidades e no campo, demães de presos ou desaparecidos, contra a Carestia–MCC (10), de estudantes liderados pela UNE, de intelec-tuais, de artistas, de partidos colocados na clandestinida-de, do movimento operário e sindical ou daqueles de ar-mas em punho como os “subversivos” urbanos (11) e os“Guerrilheiros” (12) do Araguaia. O fato é que não se re-gistra a história de um povo pacífico, cabisbaixo, ordeiroe conformado. A ideologia de que somos um povo pa-cífico deixa de registrar as histórias das nossas lutas.

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Quando se esgotou o ciclo viável da ditadura defato, retomamos percursos políticos para novamentetentar construir uma democracia burguesa restrita. AConstituição de 1988 foi considerada a Constituição Ci-dadã (13). Não se fez uma revolução para colocar fim àditadura. Tudo foi sendo negociado passo a passo e pormais que fosse um avanço sair da ditadura, prevaleceuhegemônica a ordem social burguesa e de uma burgue-sia que continuou insistindo em ser sistematicamente re-acionária. Mudaram–se as leis, mas nos grupos domi-nantes se permaneceu com a mesma mentalidade his-tórica que não chega nem às raias do pensamento ilumi-nista e liberal. Não se aceita, por exemplo, um pacto so-cial civilizado entre o capital e o trabalho. Basta lembrarque por aqui, razões internas e externas não viabiliza-ram a vigência do Estado de Bem Estar (14).

Nas tentativas de uma transição para a democra-cia passamos a viver o que os dicionários chamam deera. O “Ponto de partida de uma cronologia particular.– Período histórico que corresponde a essa cronologia. –Período caracterizado por certos fatos de civilização; ida-de, época. – Período marcado por um estado particular.– Tempo, época, período, em geral.” (LAROUSSE,1999, p. 371). É com tais conotações que uso a palavraera para afirmar que em verdade vivemos eras, ou seja,a era Fernando Collor de Melo, a era Fernando Henri-que Cardoso, a era José Inácio da Silva Lula e a era Dil-ma Roussef. É como se cada governo de cada um des-ses governantes tenha tido características próprias den-tro das continuidades e descontinuidades em todo o pe-ríodo, ou seja, de 1990 a 2016.

Não tenho espaço para me alongar nas próximasconsiderações, mas faço alguns registros. Fernando Col-lor de Melo, o primeiro presidente eleito pelos cidadãos

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brasileiros após o término da ditadura civil–militar, assu-miu em 1990 e sofreu o impeachment em 1992, apósdenúncias de envolvimentos em vários processos de cor-rupção. A população foi às ruas vestida de preto em si-nal de descontentamento para com Collor. À épocaeclodiu o movimento histórico dos Caras–Pintadas (15).O substituto de Collor foi o vice–presidente Itamar Fran-co. Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidênciaem 1995 e concluiu o seu segundo mandato em 2002.Neves (2000), em “Determinantes das mudanças noconteúdo das propostas educacionais no Brasil dos anos90 – Período Itamar Franco” traça uma arguta análisesobre aquela conjuntura. Por sua vez, Andrade (2000),analisa “A formação do ‘cidadão–trabalhador’: educa-ção e cidadania no contexto do ‘Novo Industrialismo’”sob a ótica das visões empresarias para a educação dosbrasileiros (16). Em tempos de liberalismo, neoliberalismo,reformas do Estado e privatização do público em nomeda lógica de marcado, a tendência foi ampliar os benefí-cios aos interesses privados. Inclusive e muito na educa-ção.

Após uma expressiva ascendência de um sindica-lismo autônomo aglutinado em torno da Central Únicados Trabalhadores (CUT) (17) se elegeu presidente o sin-dicalista e um dos fundadores do Partido dos Trabalha-dores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o car-go em 2003. Era a sua quarta tentativa de chegar à pre-sidência e, na sequência, se reelegeu para um segundomandato (18).

Na era da presidente Dilma, a primeira mulhereleita para o cargo na história do Brasil, a conjunturamundial e local sofreram várias alterações em relaçãoaquelas apresentadas durante o governo Lula. Entre-tanto, dada a situação recente e complexa do período e

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o avolumar–se de fatos que nos levaram ao ponto emque nos encontramos os estudos analíticos ainda sãorelativamente precários na compreensão de certa totali-dade. (19) No segundo mandato da presidente Dilma,além dos seus equívocos políticos, se organizou umaverdadeira frente anti Dilma contando com a traição doseu vice–presidente, Michel Temer, golpes parlamen-tares diários e apoios inusitados de uma parte do poderjudiciário. Novamente parece ter havido algumas inter-ferências do EUA que vem desestabilizando governoslatino–americanos mais populares. É preciso aprofundara investigação. A mídia, formando o Partido daImprensa Golpista – PIG, encarregou–se de plantar umverdadeiro ódio na população, em especial e de novo,as chamadas “classes médias” urbanas, como elementofundamental de manipulação. As chamadas Jornadasde Junho de 2013 (20), manifestações contrárias eantagônicas de forças sociais e políticas, foram bem umaprévia do que viria pela frente.

Bem, o caminhar resumidíssimo por alguns as-pectos da história do Brasil é suficiente para que nosmuniciemos de básicas informações que agora destaco:a) nunca houve na história do Brasil a construção deuma sociedade política que perseguisse firmemente e demaneira contínua a construção de uma democracia bur-guesa. Não foi assim na colonização, não foi assim noImpério e não foi assim na República. Então, mesmoessa democracia limitada, porque burguesa, não é o for-te da prática da vida social brasileira. Prevalece a vigên-cia de uma sociedade conservadora e reacionária estru-turalmente. Não é nem mesmo a questão de uma legis-lação democrática, pois embora ela possa existir, a soci-edade não a executa. b) as desigualdades sociais, raciaise de gênero são impeditivas para a construção demo-

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crática. c) os antagonismos que afloraram na luta declasses foram sempre resolvidos por golpes políticos, di-taduras e repressão. Assim, o retorno a essas práticasque se tornaram “triviais” não deve nos pegar de surpre-sa, embora houvesse esperanças de que elas não maisaconteceriam. De Collor a Dilma houve avanços e espe-cialmente no transcorrer do governo de Lula, com váriaspolíticas sociais e inclusivas que despertaram a atençãodo mundo. Não é irrelevante que no período se tenhatido um presidente de origem operária e, também pelaprimeira vez, uma mulher. Não é um fato menor queambos tenham sido reeleitos democraticamente. Agora,não se trata aqui de fazer qualquer defesa dos atos eações dos dois últimos governantes, caso mereçam re-primendas legais, mas, de tentar defender uma práticademocrática que não pode ser rompida pelo inconfor-mismo dos partidos e classes reacionárias que não assi-milaram os resultados eleitorais.

Pelos últimos acontecimentos, entretanto, La-mento dizer que, no momento, estamos retornando àstrevas dos desmandos que só ocorrem em situações deregimes ditatoriais. Quem viveu a ditadura imposta à so-ciedade brasileira pelo movimento civil–militar e imperi-alista de 1964 e, contra ela lutou, como muitos de nós,sabe perfeitamente do que estou falando. Viver sob o ar-bítrio é sempre muito desumano, pois se desrespeita osdireitos fundamentais adquiridos pelas lutas sociais tra-vadas entre as classes sociais antagônicas e decorrentesda inconcertável sociedade de modo de produção capi-talista. Não tem sido fácil desconstruir o autoritarismodas estruturas herdadas dos anos da última ditadura e,ainda considerando que, parte dela, se encontra encar-nada nas estruturas da sociedade atual. Como exemploverifique–se o militarismo das polícias e o Estado repres-

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sor sempre presente no constrangimento dos movimen-tos sociais, inclusive, nos últimos tempos, contra os mo-vimentos e as manifestações de estudantes e professo-res.

Assim que saiu a decisão do Senado Federal aco-lhendo o processo de impedimento da gestão da Presi-dente Eleita, D. Rousseff, em 12 de maio de 2016, oCoordenador do Fórum Nacional de Educação, HelenoAraújo, com a anuência do seu Pleno, divulgou reafir-mando, em forma de Carta Aberta, a nota pública n. 39,já redigida em primeiro de abril do mesmo ano. É con-veniente relembrarmos alguns dos aspectos lá contidos,pois passou a ser eminente o risco de retrocessos nos di-reitos sociais, com destaques para a educação:

Alicerçado em sua legitimidade insti-tucional, o FNE dirige–se às institui-ções republicanas e à sociedade bra-sileira para reiterar sua defesa ao di-reito à educação pública, gratuita,laica, democrática, de qualidade so-cial e livre de quaisquer formas dediscriminação. Em termos concretos,para o FNE, não há direitos sociaissem democracia, tampouco demo-cracia sem a ampliação de direitossociais, especialmente educacionais.Dessa forma, a consagração dos di-reitos sociais demanda o respeito in-condicional ao Estado democráticode Direito e às regras do jogo demo-crático… O Fórum Nacional de Edu-cação exige responsabilidade e com-promisso dos(as) Parlamentares coma democracia. O FNE… defende aeducação como um direito constituci-

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onal. Conforme estabelecido nos arti-gos 205 e 206 da Constituição Fede-ral do Brasil, a educação é direito detodos e dever do Estado e da famíliae deverá ser promovida e incentivadacom a colaboração da sociedadepara garantir igualdade de condiçõespara o acesso e permanência na es-cola; liberdade de apreender, ensi-nar, pesquisar e divulgar o pensa-mento, a arte e o saber; pluralismode ideias e de concepções pedagógi-cas, e coexistência de instituições pú-blicas e privadas de ensino; gratuida-de do ensino público em estabeleci-mentos oficiais; valorização dos pro-fissionais da educação escolar; gestãodemocrática do ensino público; ga-rantia de padrão de qualidade; pisosalarial profissional nacional.(www.anped.org.br).

Pautando–se no Documento Final daCONAE/2014, o FNE reafirma vários princípios de ga-rantia do direito à educação, dentre eles a diversidadecomo eixo central da educação e objeto da política edu-cacional orientada para a justiça social, a inclusão e osdireitos humanos.

Afirma o documento do Fórum:

Diz respeito à efetivação da educa-ção pública democrática, popular,laica e com qualidade social, banin-do o proselitismo, o racismo, o ma-chismo, o sexismo, a homofobia, alesbofobia e a transfobia nas institui-ções educativas de todos os níveis,etapas e modalidades”, como já

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constou no Eixo 2 da última CO-NAE. (www.anped.org.br).

Reafirma–se, como está apontado no Eixo 3 daCONAE/2014 a necessidade da materialização de umapolítica nacional de educação. Do Eixo 4 destaca–se aconcepção de uma educação de qualidade tomadacomo uma concepção de mundo, de ser humano, de so-ciedade, com conhecimentos, habilidades e atitudes.Do Eixo 5 retomou–se a ideia da construção de espaçosdemocráticos de controle social e de tomada de decisãopara a garantia de novos mecanismos de organização egestão. Uma política nacional de educação que atinjaobjetivos formativos, libertadores e emancipatórios. E,do Eixo 6 ficam registradas as exigências para políticasde valorização dos profissionais da Educação que con-templem a formação, salários justos, carreira e desenvol-vimento profissional. É fulcral a questão da manutençãodo piso salarial nacional para os docentes, sistematica-mente desrespeitado e correndo sérios riscos quanto asua permanência na legislação.

Enfim, mais um alerta sobre a questão do financi-amento uma vez que a sua manutenção, tal e qual nosníveis atuais, de per si vem sinalizando a sua insuficiên-cia. Sua diminuição ou congelamento será um passo amais para as trevas. O que se exige é que se implantemas políticas aprovadas no Plano Nacional de Educação.(www.anped.org.br)

A veemência com a qual a Carta Aberta traduziuo posicionamento do Fórum, explicitava o risco antide-mocrático em que o país já estava sendo mergulhadonum processo de avanço das elites obscurantistas e damídia aliada a elas e à ideia do golpe, dentro das regrasda democracia burguesa e, mesmo que não houvesseprovas desabonadoras contrárias a presidente transfor-

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mada em ré. A Carta Aberta trouxe bandeiras antigas enovas, como os historiadores da educação têm detecta-do na construção da nossa historiografia educacional.Para muitos de nós, aquela situação política desconfor-tável, parecia ser o pior possível. Entretanto, os fatosque vieram a seguir demonstraram rapidamente que asituação poderia piorar sim. Não considero necessária adescrição dos acontecimentos que culminaram com oimpeachment da Presidente, em 31/08/2016. São recen-tes e todos nós fomos afetados por eles.

Ainda como Presidente interino, o golpista M. Te-mer mostrou o seu desrespeito e arbítrio para com os as-suntos educacionais. As entidades ANPAE, ANPED, CE-DES, ANFOPE, FORUNDIR, FINEDUCA, ABDC eANPG, em Nota Pública de 30 de junho de 2016, reagi-ram repudiando a revogação, pelo governo interino, dasnomeações anteriormente feitas para o Conselho Nacio-nal de Educação. As nomeações resultavam de consultapública junto às entidades credenciadas para apresentarnomes à recomposição da Câmara de Educação Básicae da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacio-nal de Educação, conforme a legislação em vigor.Apesar disso,

A comunidade científica e profissio-nal da área de educação foi sur-preendida, no dia 27 de junho de2016, por meio de Decreto, publica-do no DOU n.122, de 28 de junhode 2016, SEÇÃO 2, P. 1, com atoilegítimo, ilegal e de desrespeito aoprocesso democrático instituído ante-riormente, pois anulou as nomeaçõesque havia ocorrido de forma legal edemocrática.(…)

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Entendem (as entidades), ainda, seresse um ato do governo interino deTemer que evidencia autoritarismo edescumprimento de normas legais edemocráticas que devem balizar avida pública e as ações políticas nocampo da educação. Tal atitude am-plia o golpismo ao interferir em atoslegítimos da presidenta Dilma noexercício do seu cargo. A anulaçãodo Decreto de recomposição do CNEdemonstra a amplitude do Golpe ins-titucional que estamos vivenciandono Brasil, afrontando garantias cons-titucionais decorrentes dos avançosdemocráticos e das lutas sociais queforam capazes de por fim ao RegimeMilitar. O CNE é um órgão de Estado e umcolegiado composto de forma repu-blicana, ou seja, com participação dasociedade civil organizada e, paratanto, deve ter sua autonomia asse-gurada, com suas atribuições e prer-rogativas históricas no campo daeducação, em conformidade com oEstado Democrático de Direito noBrasil. (www.anped.org.br).

Enfim, as entidades representativas de boa partedos educadores acertadamente relacionaram a necessi-dade de um Estado Democrático de Direito como condi-ção para se assegurar a educação como um direito docidadão.

Nós sabemos quais foram os desfechos políticosdo golpe e embora todas as suas consequências aindanão tenham se materializado nas ditas reformas já em

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andamento ou por virem. É certo, entretanto, que nãohá perspectivas de que as classes populares tenham al-gum ganho e nem que se amplie a construção de umaeducação democrática.

Por isso mesmo, no campo das políticas educaci-onais há enfrentamentos a serem continuados e outros aserem organizados. A tendência à privatização do ensinoestá hoje fortalecida, seja porque o neoliberalismo a es-colheu , nas últimas décadas, como a solução para o fi-nanciamento, seja porque a educação mercadoria tenhase constituído de forma crescente em um grande atrativopara o capital. Verifique–se, por exemplo, a presençados representantes do capital na determinação das re-centes políticas educacionais. Os caminhos que utilizam,para a garantia de seus interesses financeiros, nem sem-pre são caminhos democráticos. A proposta de reorgani-zação escolar do Estado de São Paulo, 2015, foi autori-tária, unilateral, sem diálogo e, quando da reação estu-dantil na luta por seus direitos, com a ocupação de pré-dios escolares, se tornou policial e repressiva. E, se ficasabendo, aos poucos, que aquela reforma envolviagrandes interesses mobiliários.

O Movimento da Escola sem Partido toma porprincipal inimigo o professor. Ataca diretamente esseprofissional na sua liberdade acadêmica. A construçãodo trabalho docente seria determinada pelos interessesprivados das famílias e comunidades e, em detrimentodos conteúdos públicos estabelecidos em diretrizes oudas escolhas pedagógicas das escolas e seus docentes.Acrescente–se a isso o controle ideológico, forma decensura que não viabiliza o direito a uma educação re-publicana, não privada e que, necessariamente, passapela garantia de liberdade, de diversidade e pluralismonas escolas. Uma escola que se propõe isenta de ideolo-

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gias, promove uma ideologia. Uma escola não crítica re-produz o senso comum e o confirma. Não se viabiliza,portanto, uma educação libertadora.

A PEC 241/2016 (21) é um tiro de misericórdia emum paciente moribundo. É como tirar da veia o poucode sangue que ali se encontrava. Se as garantias consti-tucionais de hoje, para o financiamento da educação, sedemonstram distantes das necessidades reais, suspendertemporariamente o princípio do gasto mínimo, é ignorarpor completo, a agenda do PNE. Por tabela, amplia–seo campo para a privatização do ensino escolar.

E o que dizer da Militarização das escolas, comojá vem ocorrendo nos Estados de Goiás, Piauí e Amazo-nas? O pretexto é de que se trata de uma atuação do Es-tado em zonas de alta vulnerabilidade social. É essa asaída correta? Uma pedagogia militar para formar o ci-dadão republicano? (XIMENES, Salomão. Especialistaelenca quatro principais ameaças ao direito à educação(www.educacaointegral.org.br/noticias/especialista).

E no rol de tantos enfrentamentos a serem trava-dos, temos que nos voltar agora para a Medida Provisó-ria (MP) que institui a |Política de Fomento à Implemen-tação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral,altera a Lei 9394/1996, que estabelece as diretrizes e ba-ses da educação nacional, que regulamenta o Fundo deManutenção e Desenvolvimento da Educação Básica ede Valorização dos Profissionais da Educação, e dá ou-tras providências.

Primeiro uma resistência quanto à forma. Paraum tema de tamanha envergadura e essencial à educa-ção brasileira, o melhor não é propor uma MP gestadaem gabinetes. Como bem afirma a 45a Nota Pública doFórum Nacional de Educação de 22 de setembro de2016:

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…convém registrar que se trata degrave equívoco, já que mudançasestruturais na educação, especial-mente no Ensino Médio, são neces-sárias e, portanto, exigem ampla, res-ponsável e qualificada discussãoentre os (as) educadores, educandos(as), pais, mães, responsáveis, gesto-res (as), pesquisadores(as) em todo opaís. Conseqüentemente, não podedispensar e descuidar de ampla parti-cipação, compreensão e consensoentre entidades, movimentos e insti-tuições. Ademais, deve considerar asdimensões de nosso país, sua ricadiversidade e, também, as enormesdesigualdades que ainda o caracteri-zam. (45a Nota Pública do FórumNacional de Educação). www.am-ped.org.br

Além da MP ignorar o acúmulo do que o campoeducacional vem historicamente construindo, o seu con-teúdo, analisado pelo Fórum, demonstra–se retrógado econservador. Reforça a fragmentação e hierarquia doconhecimento escolar, não se trata de questões basila-res, condições objetivas e infraestruturais das escolas, aprofissionalização e valorização dos profissionais da edu-cação, a relação discente–turma–docente, a inovaçãonas/das práticas pedagógicas, entre outros aspectos. E,são muitos os outros aspectos.

Bem, embora em toda análise de conjuntura secorra o risco de que quem a elabora também esteja mui-to próximo aos fatos que estão a ocorrer, nossa perspec-tiva de historiadores da educação nos permite lançarmão do passado e da leitura que fazemos das suas estru-

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turas para encontrarmos luzes que nos ajudem a ilumi-nar o presente. A coletânea organizada por Saviani, Es-tado e políticas educacionais na História da EducaçãoBrasileira, publicada pela Sociedade Brasileira de Histó-ria da Educação (SBHE) e Universidade Federal do Es-pírito Santo, dentre outras, é esclarecedora para umacompreensão das políticas educacionais ao longo da his-tória de construção da sociedade brasileira.

A construção da democracia, em sociedadescomo a do Brasil, não depende apenas de uma legisla-ção democrática. É necessário muito mais. É preciso de-mocratizar as mentes das elites para que elas cheguemminimante ao ideário da democracia burguesa. Casocontrário, elas continuarão oligárquicas, patriarcais, au-toritárias, machistas e golpistas. Essa é uma meta a serconquistada pelos movimentos sociais. É preciso que osmovimentos sociais eduquem as oligarquias e o Estadoburguês. Sem as nossas resistências e/ou mobilizações,vamos continuar vivendo de golpe em golpe. É precisodefender a escola pública gratuita, laica de qualidade so-cial, democrática e universal. Por um regime político-democrático e de direitos sociais: Fora Temer.

NOTAS.1– Título da mesa–redonda de encerramento, em 21/09/2016, do Congres-so de Educação do Vale do Sapucaí, CEVS, cuja temática foi: Desafios àdemocratização da Educação no Brasil Contemporâneo. Universidade doVale do Sapucaí, Pouso Alegre, MG. O texto apresentado na ocasião so-freu acréscimos para a presente publicação.2– Professor Titular em História da Educação, aposentado e colaboradorda UNICAMP. Membro do Grupo de Pesquisa “História, Sociedade e Edu-cação no Brasil” –HISTEDBR. Docente do Mestrado em Educação da Uni-versidade do Vale do Sapucaí– UNIVÁS e editor da Revista ArgumentosPró–Educação. E–mail: [email protected]–MEDEIROS, L. Reforma Agrária e lutas no campo. www.cartamaior.-com.br/Coluna/Reforma–agraria–e–lutas–no–campo.html, 2006. Consultaem 03/11/2016; PENA, Rodolfo F. A. Movimentos sociais no campo. mun-

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doeducaçao.bol.uol.com.br/geografia/movimentos–sociais–campo. s/d.Consulta em 03/11/2016.4– www.suapesquisa.com/historiadobrasil/zumbi_dos_palmares.html. Con-sulta em 3/11/2016.5– www.suapesquisa.com/datascomemorativas/dia_consciencia_negra.h-tml. Consulta em 03/11/2016.6– PAULA, C. Jalles. O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais–IPES.www.cpdoc.fgv.br Consulta em 04/11/2016.7– SANTIAGO, E. Operação Brother Sum. www.infoescola.com/ditadura–militar/operaçao–brother–sum/. Consulta em 04/11/2016.8– Sugiro o acesso a: www.documentosrevelados.com.br/livros/brasil–nun-ca–mais–livro–na–integra. Consulta em04/11/2016.9– Por exemplo: SANFELICE, J.L. Movimento Estudantil. A UNE naresistência ao golpe de 1964. Campinas, Alínea, 2008. SANFELICE, J. L.O Estado e a política educacional do regime militar. In: SAVIANI, D. (org.).Estado e políticas educacionais na História da Educação brasilei-ra. Vitória, EDUFES, 2010. SANFELICE, J. L. A UNE na resistência aogolpe de 1964 e à ditadura civil–militar. In: MARCO, J.; SILVEIRA, H. G.;MANSAN, J. V. (orgs.). Violência e sociedade em ditaduras Ibero–Americanas no século XX: Argentina, Brasil, Espanha e Portugal. PortoAlegre, EDIPUCRS, 2015.10 – Ver NARLOCH, L. Movimento contra o custo de vida: o povo napraça da SÉ. guiadoestudante.abril.com.br/aventuras–história/movimento–custo–vida–povo Consulta em 05/11/2016.11– Um texto elucidativo é o de MAGALHÃES, Maronilde D.B. A lógica dasuspeição: sobre os aparelhos repressivos à época da ditadura militar noBrasil. Revista Brasileira de História. Vol 17 n. 34. São Paulo, 1977.www.cielo.br. Consulta em 05/11 de 2016.12– Sobre O que foi a guerrilha do Araguaia? Pesquisar www.pc-dob.org.br. Consulta em 05/11/2016.13– Amplas informações se encontram em: www2.camara.leg.br Consultaem 05/11/2016.14 – Consultar BENEVIDES, C. do Valle. Um Estudo do Bem–Estar–Social no Brasil? www.proac.uff.br. Consulta em 06/11/2016.15– SANTIAGO, E. Caras– Pintadas. www.infoescola.com. Consulta em06/11/2016.16 – Ver NEVES, L. M. W. Determinantes das mudanças no conteúdo daspropostas educacionais no Brasil dos anos 90: período Itamar Franco eANDRADE, F. Anício. A formação do “Cidadão– Trabalhador”: educaçãoe cidadania no contexto do “Novo Industrialismo”. In: NEVES, L. M. W.(org.). Educação e política no limiar do século XXI. Campinas, SP:Autores Associados, 2000.17 – Sugiro pesquisar SOUSA, J. dos Santos. Concepções e propostas daCUT e da Força Sindical para a educação brasileira– Anos 90. In: NEVES,

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L. M. W. (org.). Educação e política no limiar do século XXI. Campi-nas, SP: Autores Associados, 2000.18 – www.infoescola.com. Consulta em 09/11/2016. 19 – Recomendo o acesso a duas informações distintas: FALQUEIRO, T.Dilma, primeiro mandato: infraestrutura e política social. In: www.pt.org.bre CARLEIAL, Liana M. da Frota. Política econômica, mercado de trabalhoe democracia: o segundo governo Dilma Rousseff. In: Estudos avança-dos, v.29, n. 85. São Paulo, 2015. www.scielo.br Consulta em09/11/2016.20 – Cf. SANFELICE, J.L. Vandalismo ou Movimento Social? As Jornadasde Junho (2013). In: GERMINAL. Marxismo e educação em debate. v. 6,n. 2, pp.04–14, 2014. https://portalseer.ufba.br.21– a PEC 241, foi transformada em 55, para tramitar no Senado comoproposta do Poder Executivo. 22– Evidentemente eu gostaria de ter falado muito mais sobre a nossa ca-minhada educacional. Não foi possível. Apenas me concentrei nos riscosdo imediato. Riscos de grandes retrocessos. Por outro lado, após encami-nhar o presente texto para sua divulgação e, é claro, essa é uma inserçãoposterior, inúmeras manifestações se apresentaram no cenário educacionalsobre as reformas em pauta. Destaco as entidades, os intelectuais da edu-cação, mas em especial o Movimento dos Estudantes Secundaristas dedica-dos ao “ocupa, ocupa, ocupa e resiste”. Estou acompanhando com espan-to, alegria e esperanças.

REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO VIDA MORDAÇA E DA RESISTÊNCIA À FORMAÇÃO

ÉTICA: EDUCAR PARA QUÊ?

Sônia Aparecida Siquelli

INTRODUÇÃO

Como fruto da mediação realizada durante amesa redonda intitulada “A conjuntura educacional atu-al: para onde caminha a educação”, na ocasião do 1ºCEVS–Congresso de Educação do Vale do Sapucaí–Univás no período de 19 a 21 de setembro de 2016, nacidade de Pouso Alegre/MG, a análise que se propõenesse capítulo é de origem reflexiva sobre a conjunturaeducacional, que de forma fenomênica e negligenciadase constitui todos os dias dos tempos atuais. E, ainda as-sim, conhecer sobre quais caminhos a educação cami-nha como fruto de descrições e reflexões sobre os tem-pos sombrios vividos nesse ano de 2016 pela sociedadebrasileira, particularmente pela educação, pós–mudan-ças políticas e econômicas desencadeadas pós–destitui-ção, através do impedimento movido pelos legisladores,deputados e senadores, da presidenta eleita em eleiçõesdiretas no ano de 2014 e destituída em 31/08/2016.

Em tempos de tantos acontecimentos provocadospor uma crise política sem precedentes, a partir do con-ceito de ideologia de Ricouer (1993) que considera den-tre outras dimensões e interpretações de tal conceito, noseu entendimento de pensador e filósofo do século XX,de ideologia como uma condição do humano em intera-gir socialmente, considerando que essa pode ser boa ou

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ruim, e não tão somente e necessariamente ruim. Há dese refletir criticamente sobre as dimensões axiológicas dotermo, uma vez que, por ser dialeticamente compostoem sua natureza, do que muito mais na forma com quese apresenta nas relações sociais.

Segundo Ricouer (1993) há um comportamentohumano individual e um orientado de acordo com com-portamento do outro, dentro do contexto das relaçõessociais, que se apresenta como orientação dúbia de sig-nificados de algo que se encontra em movimento, sejaeste dentro da condição de estabilidade (individual) e deprevisibilidade (orientações mútuas). Sendo assim, averdade sobre ideologia é ampla, mesmo que relaciona-da a um agir humano inserido na prática social.

Esse agir humano, que pressupõe uma ética, éconstituído primeiramente de significados que agrupamalguns em detrimentos de outros grupos. O que pareceser natural, daqueles que se encontram imersos na vidaem sociedade, o que para o filósofo é a orientação deum indivíduo por outros. Com essa forma abrangentedo conceito de ideologia relacionada sempre à ação so-cial, caracterizada pela orientação recebida de um cida-dão pelo outro, forja–se um grupo comum, com caracte-rísticas comuns o que vai diferenciando–os de outrosgrupos.

Essa relação de uns com os outros e esse poderde agrupamento entre os iguais e a diferenciação deoutros grupos que o caracteriza, no cotidiano social, aideologia, pois segundo Ricouer (1993) essa relação estáintrinsecamente imbuída a uma necessidade de mem-bros de um grupo construir a imagem de si mesmo, detornar–se uma representação em sociedade. Essa cons-trução dos grupos infere–se na constituição de umaidentidade que possua sua própria linguagem, funda-

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mentada na tradição de seus antepassados, mesmo quelonge deste passado, consolida–se em crenças particula-rizadas de cada grupo.

É assim que cada grupo forja sua existência notempo vivido, ao retomar o passado, ao atualizar o pre-sente e, consequentemente, dar sentido à sua própriaexistência. Essa relação, portanto, mantém e mobiliza aideologia de um grupo em detrimento de outro, na inte-ração social consolida sua identidade e sua prática. Aideologia, segundo Ricouer (1993), depende da motiva-ção social e, ao mesmo tempo de um motivo que semostra em sociedade, aquilo que o grupo é, e por ondecaminha suas lutas.

O que é idealizado por cada grupo de forma ide-ológica constitui a condição, que se responsabilize portodo planejamento e realização da coisa idealizada, “aideologia é sempre mais que um reflexo, na medida emque também é justificação e projeto”. (RICOEUR, 1990,p. 69). A condição ideológica retrata a visão de mundode um povo, de uma comunidade, somado a seus inte-resses e reflexos dos anseios de um determinado grupoem detrimento de outro, “uma grelha, um código parase dar uma visão de conjunto, não somente do grupo,mas da história, e em última instância, do mundo”. (RI-COEUR, 1990, p. 69).

Quanto à condição de codificação, afirma ser aprópria da transformação, pois o pensamento deixa deser o que é, transforma–se em crença, que se propagapela ideologia, tornando–se o meio ideológico, muitasvezes compreendido como sentido negativo. A eficiênciado conjunto de ideias propagadas por um código paga opreço do próprio contexto em que se encontra se positi-va e ou se negativa.

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Quando a ideologia materializa–se de forma ne-gativa, o que é entendida de forma não crítica e não re-flexiva, mesmo que Ricouer (1993) queira desconstruiresse papel negativo que a ideologia pode tomar, reco-nhece que as distorções e deformações do pensamentocoletivo que se encontra em situação de constituir–senegativamente. “A ideologia é operatória, e não temáti-ca”. Ela opera atrás de nós, mais do que a possuímoscomo um tema diante de nossos olhos. É a partir dela,que pensamos mais do que podemos pensar sobre ela.(RICOEUR, 1990, p. 70).

A ideologia nesse sentido mais fundamenta a ca-pacidade de pensar quanto de agir, o que pode favore-cer que seja usada para o mal e não para o bem do gru-po ou da sociedade, como acreditam os marxistas, ouseguidores do pensamento histórico dialético de KarlMarx. Afirma que todas as ideias novas produzidas deforma inovadoras são fruto de um legado já consolidadodo passado. Assim o novo esconde a tradição do que seelaborou sobre o mesmo, esse ocultamento é o que oconserva. Mas, como um dos papéis da ideologia é apropagação de ideias junto aos outros grupos, essa dia-lética entre o que conserva da tradição e o que inova napropagação das mesmas resulta na interpretação quecada um, ou que cada grupo consegue realizar da mes-ma, através de uma linguagem que se torne capaz a efe-tivação do conjunto de pensamento e ações de um de-terminado grupo.

Para Ricoeur (1990) o fenômeno da ideologiatende a cristalizar–se a respeito da interpretação de algo;neste caso, o foco de interpretação do fenômeno ideoló-gico dominador são as relações de autoridade na socie-dade. Esta autoridade no caso dos sistemas políticos sediferencia pela sua legitimação, que pode parecer corre-

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lativa a uma crença de cada indivíduo ou de grupos deindivíduos.

Buscar a autenticidade legítima de cada grupo ousistema político é reconhecer o que defendem ou dese-jam legitimar. Uma coisa é o que um grupo busca legiti-mar de acordo com seus interesses, outra coisa é o queserá reconhecido como autêntico do próprio grupo, poiscomo afirma Ricouer (1993) há muita pretensão no quese deseja legitimar do que o grupo possui de própriaidentidade.

A hierarquia posta nas relações sociais tambéminfluencia na legitimação da autoridade, segundo as ne-cessidades existentes e essa influência costuma ser de-masiada, uma vez que exige dos outros grupos o que es-tes não conseguem dar, ou mesmo suportar. Comoexemplo, à autoridade emanada do campo político emrelação ao povo, mas o contrário não significa o mesmo,às crenças populares não atingem às autoridades políti-cas. Essa relação se dá de forma vertical, pois as autori-dades impõem seus interesses de natureza legalizada re-duzindo às crenças populares a seus domínios.

Essa legitimidade, segundo Ricouer (1993) é di-fícil ser reconhecida na identidade, pois o homem emsua condição natural, afirma o filósofo, sempre desejamais do que consegue ser. Com isso, são identificadassituações de ocultamento dessa identidade o que confir-ma o processo de dominação em situação ideológica, oque permite compreender que a ideologia, enquantomediação do homem com o mundo, sem a fusão doque se diz e da identidade do sujeito, reafirma o caráterdominador da própria ideologia.

A ideologia caracteriza uma problemática do hu-mano, de sua própria condição humana, o que paraArendt (2010), cientista política e filósofa do século XX,

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é a compreensão que se tem do conceito de homem, apartir das condições que lhe são dadas em determinadomomento histórico. Tanto Ricouer (1993) como Arendt(2010) se preocuparam filosoficamente com as questõesdo humano, daquelas que lhe são dadas para se consti-tuírem e significarem no tempo vivido.

Para ambos, a condição humana de pensar/refle-xão, são condições para compreensão de homem no es-forço do existir, segundo Arendt (2010) afirma é a per-gunta que dá início ao relacionar, a condição humanado distinguir entre o certo e o errado em detrimento dopensar. E, ainda, no entendimento dos dois filósofos hána necessidade de compreensão do presente de se re-correr à tradição do passado.

Sendo assim, ao discutirmos ideologia, recorre-mos à condição de pensar de cada um, da sua capaci-dade de questionar o momento e a ação. Para poderconstituir uma ética fundamentada no agir, que por suavez, é constantemente refletido, pois é questionado.Para Ricouer (1993) a ideologia se apresenta de formadeformada e mais ampla ou mesmo dominadora quan-do nas relações sociais um grupo possui domínio de ou-tro, o que impede o questionar/perguntar e, por conse-guinte, do pensar/refletir.

Ação política e ética: mordaça e resistên-cia

Arendt (1993) entende a política como uma açãoque se passa no espaço público, enquanto ato e pala-vras, “… comprometer–se com e perdoar os outros”(ARENDT, p.8, 1993), isso se dá pelos homens em suapluralidade, ou seja, a condição humana de igualdadeposta nas suas diferenças individuais, constituído por

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homens e mulheres que se unem em ações, agir políticoe se volta para transformação do mundo.

O contexto histórico de mundo moderno para apensadora data das primeiras bombas atômicas do sécu-lo XX, uma construção de um tempo de destruição, deimprevisibilidade. Um tempo de tentativa de aniquilaçãoda política em prol da transformação do que é própriodesse meio transformar em dimensões administrativas.Para isso, leva–nos ao esclarecimento das experiênciaspolíticas constituídas de dignidade, coragem, liberdade eautoridade; esta última, como o fim último, o alvo a seratingido.

Segundo Carvalho (2015), há um discurso do la-mento e da denúncia que permeiam o universo da auto-ridade docente na educação escolar. O século passadoficou marcado pela ação da sociedade de massas em to-das as dimensões que ocupam ou foram necessárias.Uma vez que foi criado nesse período histórico o prota-gonismo dessa dimensão da sociedade, ora na composi-ção da mão de obra alienada, ora como consumidoresinveterados, ora na efetivação de propostas políticas nãogestadas no seio do povo e, sim, pela elite dominante.

Terminamos o século XX com a incumbência dereafirmar a democracia e a universalização da escolapública, que no Brasil foi criada somente no final do sé-culo XIX. Historicamente, o século passado foi marcadopor projetos educacionais que respondessem ao desen-volvimento da sociedade. Assistimos em 1889 com ad-vento da República e da escola pública básica elitizada,mais tarde em 1932 com a escola assumindo a forma-ção de mão de obra com o Movimento da Escola Nova,em seguida no período de ditadura civil– militar a efeti-vação da escola técnica para atender o projeto de socie-dade capitalista e de consumo.

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Ao considerar os tempos atuais, onde uma novaconcepção de educação baseada na neutralidade, pre-conizada e defendida pela orientação em incluir nas di-retrizes e bases da educação nacional, a Lei nº 9.394, de20 de dezembro de 1996, o Projeto de Lei nº 193/2016– PL 193/16 do senado, de autoria do senador MagnoMalta, membro da igreja protestante e do Partido da Re-pública–PR/ES, intitulado atualmente, como ‘ProgramaEscola sem Partido’, cabe um desafio ético refletir sobretal proposta, uma vez que o mesmo apresenta pontosobscuros e subjetivos e ao contrário do que é divulgado,o mesmo é essencialmente composto por uma ideologia,que por sua vez idealiza um tipo de educação e forma-ção de cidadãos.

Desde 2004, ano em que foi criado, o ProgramaEscola sem Partido, por Miguel Nagib, advogado e pro-curador paulista, em detrimento do fato passado comsua filha que comparou Che Guevara com o santo ca-tólico São Francisco de Assis, pois ambos abandonarama riqueza pela causa que defendiam, conforme RBA(2016) e, no momento atual colaborador do InstitutoMilienium, uma entidade privada, sem fins lucrativos,formada por intelectuais e empresários, que atua nocampo de grupos de interesses comuns, promove valo-res e princípios que garantam a liberdade individual, di-reito à propriedade, economia de mercado e democra-cia representativa, estado de direito e limites na ação go-vernamental, um movimento que defendia tais ideiaspor militantes da sociedade civil, cidadãos comuns, con-taminados por ideias fundamentalistas e conservadoras,compondo como nos afirmou Ricouer (1993) um grupocom ideias próprias, autor de uma ideologia fundamen-tada em princípios diferenciados dos ideais democráti-cos preconizados pela Constituição Federal de 1988.

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Esse grupo disseminou entre cidadãos comuns econservadores suas crenças, o que fez com que o movi-mento ganhasse força e forma, contra a prática do ensi-no na escola brasileira, que segundo estes possuempráticas embasadas em doutrinação política e ideológicarealizada pelos professores em sala de aula. O que noentendimento de tal movimento, uma enganação dosdireitos da família dos alunos sobre educação moral ereligiosa.

O PL 193/16 visa fixar nas paredes de cada salade aula, em todas as escolas brasileiras, os diretos e osdeveres dos professores, iniciando pela proibição dadoutrinação durante as aulas em sala, que nesse enten-dimento, caracteriza por ser um momento onde os alu-nos estão todos voltados para a pessoa do professor queensina, com audiência assídua e permanente. Sendo as-sim, o professor pode fazer uso dessa situação para dou-trinar os alunos em suas concepções, principalmente po-líticas e religiosas, e também, opiniões de embasamentomoral, ideológico e partidário. Esses direitos e deveresforam organizados em seis normas para o professor.

Se considerar que em 2014, na ocasião da apro-vação do Plano Nacional da Educação–PNE (2014–2024), já aconteceram polêmicas desafiadoras quanto àpromoção da equidade de gênero, raça/etnia, regional,orientação sexual, que foram excluídas do texto devidasà pressão recebida pelos grupos ideologicamente religio-sos, que se seguraram no conceito de família, enquantoa união de homem e mulher.

Nessa questão de gênero, esse grupo de repre-sentantes e defensores do Programa Escola sem Partido,os fundamentalistas, conservadores reproduziram seusideais ao povo, em instituições religiosas, com suas ideo-logias e crenças, conduzindo o pensamento de um

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grande número da população, que pelo baixo nível deescolaridade e instrução se deixaram manipular.

Essa condição de manipulação de um grande nú-mero de pessoas por falta de conhecimento para quepossas formar seus próprios juízos sobre a questão foique Ricouer (1993) chamou atenção do ocultamento deidentidade de cada um, pois são dominados ideologica-mente por um pensamento único de pessoas de seu gru-po, neste caso, indivíduos de suas igrejas e de mesma féreligiosa, membros do legislativo e do movimento Escolasem Partido, que por sua própria questão ideológica, faza mediação da compreensão dessas pessoas com osprincípios do programa, o que impede a fusão daquiloque se fala com a identidade destes sujeitos, que se tor-nam seguidores cegos, o que reafirmando o caráter do-minador da condição ideológica.

Assistiu–se propagar esse ideário em 2014 no Riode Janeiro pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro doPartido Social Cristão–PSC, e pelo seu irmão CarlosBolsonaro através do PL 867/2014, na Câmara de vere-adores do Rio de Janeiro. E, neste mesmo ano a Procu-radoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Mi-nistério Púbico Federal (MPF) publicou uma nota técni-ca na qual apontava as contradições e inconstitucionali-dades do projeto de lei que foi destinada ao CongressoNacional.

Em 24/02/2014 pelo deputado Erivelton Santanado Partido Social Cristão da Bahia–PSC/BA apresentouPL 7180/14, que visava alterar o artigo 3º da LDB, pre-tendendo inserir mais um item junto aos princípios doensino, “XIII – respeito às convicções do aluno, de seuspais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiarprecedência sobre a educação escolar nos aspectos rela-cionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a

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transversalidade ou técnicas subliminares no ensino des-ses temas.” (PL7180, 2014, p. 2) e também nos Parâ-metros Curriculares Nacionais– PCNs, propondo umaatenção especial aos temas transversais quanto à sexua-lidade, drogas, saúde, meio ambiente, ética, etc.

Em 2015, na Câmara dos Deputados, pelo depu-tado Izalci Lucas do Partido da Social Democracia Brasi-leira– PSDB/DF, foi lançado o PL 867/15 incluindo naLDB 9394/96 o Programa Escola Sem Partido, com amesma ideologia, apontada por Ricouer (1993) com osmesmos elementos históricos, da forma e conjunturaideológica, com intuito de criar as condições necessáriaspara moldar não somente o olhar do cidadão, mas suaética, pautada em ações totalitárias, sem condições depensar/refletir, segundo Arendt (2008).

Nesse projeto de lei é dada a família, que sãochamados de pais, acordar ou não com a proposta pe-dagógica da escola. Ainda em 2015, o deputado Rogé-rio Marinho do Partido da Social Democracia Brasileira–PSDB/RN apresentou o PL 1.411/15 com a proposta dealterar inclusive o código penal, decreto de Lei2.848/1940 e o Estatuto da Criança e Adolescente, lei nº8069/90, caracterizando essas ações docentes que con-tradizem os princípios propostos no conjunto dessasideias de crime. No art. 2º desse projeto de lei reza quetoda prática docente que condicione o aluno a um con-junto de ideias com intuito de provocar uma formação eposicionamentos políticos, partidários, religiosos, entreoutros, é passível de pena de três meses a um ano dedetenção mais multa.

A condição ideológica do Escola sem Partido re-presenta ser um problema para os que se encontramimersos e dominados, sem a devida ciência de cadamembro do grupo, o que reafirma compreendermos o

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conceito de homem, encontrado a partir das condiçõesque lhe são dadas em determinado momento histórico,segundo Arendt (1993). Se o momento ideológico vivi-do, em que as pessoas se encontram sem identidade,pois estão presas a valores e ações éticas do outro, ascondições criadas são de incorporação de verdades eatitudes daquilo que esperam destes.

Já o PL 193/16 proposto na câmara do senadopropõe inclusive acrescentar nos princípios de ensino daLDB 9394/96 que o poder público não tomará parte naopção sexual dos alunos e não permitirá nenhuma práti-ca capaz de direcionar essa opção, cabendo aos profes-sores à responsabilidade de exercer o controle sobre osestudantes.

Em contrapartida, existem aqueles que são con-tra o Movimento Escola Sem Partido, intelectuais, aca-dêmicos, membros de movimentos sociais, do movi-mento dos secundaristas em ocupar as escolas, que re-presentam uma ação de resistência de um comporta-mento, também ideológico, de resistir às mudanças queferem os direitos adquiridos nas legislações da décadade 90 do século XX para frente, se constituem em oposi-ção à forma histórica vislumbrada por ideologias como oEscola sem Partido

O professor da Universidade Federal do Rio deJaneiro, referência acadêmica nas pesquisas em Educa-ção, Luís Antônio Cunha afirma em entrevista ao jorna-lista Rodrigo Gomes da Rede Brasil Atual–RBA, em 19de julho de 2016, que essa proposta é a regulação doensino religioso nas escolas, afirma que “Esse projetopretende calar professores, mas não só isso. É uma per-na de um projeto mais amplo. Não basta calar, é precisocolocar algo no lugar. Quem mais que está agindo paraeducar dentro da escola pública, nessa perspectiva que

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evite a crítica de fato? São aqueles grupos que preten-dem desenvolver o ensino religioso”. (CUNHA, RBA,2016). Afirma ser o projeto uma “doutrinação ideológi-ca dos estudantes”.

A professora, pedagoga e ex–diretora da Facul-dade de Educação da USP– FEUSP, Lisete Arelaro em24/08/2016 no sítio do ‘Painel Acadêmico’, este sítio éespecializado na análise e desenvolvimento de ferra-mentas que possibilitem o aperfeiçoamento educacionalcontínuo dos profissionais da área e os leitores em geral,afirmou “É importante que cada professor e professorasaibam que o que está se propondo com este movimen-to [Escola Sem Partido] é calar os professores que estãotrabalhando com a preocupação de formação crítica denossos jovens” (ARELARO, PAINEL ACADÊMICO,24/08/2016)

Segundo Arelaro (2016), o equívoco começa nacriação do movimento, porque uma coisa é discutir qua-lidade de ensino, o que acontece nas escolas do Brasil,apontada pelas mesmas o foco ser dado na formaçãodos professores, melhores condições de trabalho, melho-ria nos recursos, que nada tem a haver com este projeto,apesar da argumentação do mesmo que não fere aconstituição, isso fere a um controle efetivo de conteú-dos.

Como já é sabido o conhecimento não é neutro,o que significa que as práticas pedagógicas em educa-ção escolar também não são, mas essa afirmação nãoconsiste em afirmar que os professores dogmatizam seusalunos. A não neutralidade e o agir ético de responsabi-lidade docente diante da formação escolar, forja o quepara Arendt (2011) é a condição de pensamento críticodo homem, no caso aqui dos alunos.

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Além do que a “maioria de autores de projetosbaseados no ‘Escola sem Partido’ é ligada a igrejas”(ARELARO, 2016), a atuação de deputados religiososna promoção do projeto reforça a tese e a tradição daeducação escolar pública no Brasil estar sempre demãos dadas com a moral cristã, como bem nos mostra aHistória da Educação Brasileira.

É tão pungente esta questão religiosa que essaideologia da lei da mordaça1, que visa criar, a partir dainculcação ou doutrinação, pela via da escola, devalores moral e religioso, uma ética também damordaça, pois as pessoas serão educadas dentro destesprincípios políticos e religiosos, como aponta RBA(2016), representantes dessa ideologia, os deputadosreligiosos representantes: da visão evangélica: JoséBittencourt (PSD) – PL 960/2014 de São Paulo; Gilsonde Souza (PSC) e outros 11 PL 748/2015 do Paraná;Flávio Bolsonaro (PSC) do Rio de Janeiro; Sandra Faraj(SD) e Rodrigo Delmasso (PTN) PL 53/2015 Projeto deEmenda à Lei Orgânica 38/2016 do Distrito Federal;Luiz Carlos do Carmo (PMDB) PL 2.861/14 de Goiás;Silvana (PMDB) com PL 273/2015 do Ceará; PastorCleiton Collins (PP) PL 823/2016; da igreja BatistaRicardo Nezinho (PMDB) projeto aprovado. OsCatólicos representados por Dilmar Dal Bosco (DEM) –PL 403/2015 do Mato Grosso e dos cristãos luteranos

1 Essa expressão foi cunhada a partir do projeto de lei nº 8.242/16 no MatoGrosso do Sul que foi apelidado de lei da Mordaça, cujo objetivo foi limitara liberdade de expressão dos professores, calar as vozes e apagar a históriaé o objetivo central de projeto de leis como esse. O que antecedeu projetoscomo esse foi à criação da ONG–ESP–Escola sem Partido, uma iniciativaconjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminaçãopolítico–ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensinobásico ao superior para impulsionar a lei da mordaça no Brasil. http://esco-lasempartido.org/component/content/article/2–uncategorised/482–uma–lei–contra–o–abuso–da–liberdade–de–ensinar). Acesso: nov./2016.

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por Marcel van Hattem (PP) PL 190/2015 do RioGrande do Sul.

A partir do significativo crescimento dos adeptosà ideologia da Escola sem Partido, surgem em oposiçãomanifestos em defesa da liberdade de expressão em salade aula, um deles é o assinado pelo educador e profes-sor Fernando Araújo Penna da Universidade FederalFluminense do Rio de Janeiro/RJ, em que se busca a vi-sibilidade internacional para a violência contra os pro-fessores que ora se busca tornar lei no Brasil.

O Fórum Municipal de Educação Infantil de SãoPaulo – FEMEIS lançou uma petição pública2, que“repudia as ações e as políticas propostas pela ‘EscolaSem Partido’, por violar as leis da nação, como a consti-tuição Federal/1988; a LDB– Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional 9394/96 e os princípios sobe-ranos estabelecidos na própria Declaração Universal dosDireitos Humanos”. Elaborou e contribuiu com projetosque possam fortalecer e garantir cada vez mais àsescolas e à sociedade democrática, que considerem opluralismo político, de ideais e de concepções pedagó-gicas amplas para a construção da plena cidadania edemocracia na população brasileira.

Os conflitos, enfrentamentos e desafios são cons-tantes entre os que se posicionam ideologicamente con-tra e a favor do movimento Escola sem Partido, atual-mente em relação ao PL 193/2016, tramita na Comissãode Educação, Cultura e Esporte (CE), onde aguarda ovoto do relator, senador Cristovam Buarque (PPS–DF),que abriu no site do Senado Federal uma consulta pú-blica para receber opiniões e voto a favor ou contra o

2 (http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR93786) Acesso emnovembro /2016.

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PL 193/2016 do programa Escola Sem Partido, que fi-cará aberto, do início até o final de sua tramitação.

CONSIDERAÇÕES

Arendt (2012) propõe “pensar sem corrimão”, éimportante diante deste cenário sombrio político, econô-mico e social por que foi tomada a sociedade brasileiranos anos de 2015 e 2016, que se viu ferida no direito depromover a democracia através do voto, da discussãode seus direitos frente aos seus eleitos nas câmaras mu-nicipais, estaduais e federais (vereadores, deputados es-taduais/federais e senadores) conhecerem, discutir e re-fletir sobre o projeto Escola sem Partido e sua propostade educar, para que os profissionais da educação pos-sam depois da familiarização com a ideologia de tal pro-jeto ter para si a condição de refletir sobre o educar paraquê? Como se educa a partir de um projeto que almejacalar os professores e os alunos? E, como fica a forma-ção humana para emancipação, para crítica, para soli-dariedade, para cidadão ético, frente aos elementos quecompõem este projeto de lei?

Embora, o Escola sem Partido defenda e prescre-va neutralidade no ensino, é essencialmente ideológico.Ricoeur (1990) defende que ideologia só adquire caráternegativo quando a mesma se alia ao fenômeno de auto-ridade. Esta união resulta na propagação e consolidaçãoda dominação, que visa à legitimação de interesses deum grupo em detrimento de outro. Quando o fenômenode ideologia, que é essencialmente relativo à interaçãosocial não se une ao fenômeno de autoridade, isenta–seda mesma o caráter negativo, gerando o autoritarismo.

Nota–se a defesa da necessidade de imposição eprescrição de princípios educacionais de cunho ideológi-

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co dominador, visto que são constantes as argumenta-ções baseadas em fundamentalismo religioso e moralconservador; isto implica diretamente na restrição, nacensura e na perda de liberdade de aprender e de ensi-nar.

A LDB 9394/2016, em seu artigo 2° preconizaque a educação deve ser baseada na liberdade de cáte-dra, de aprendizagem e também na veiculação de ideiase opiniões. Desta forma, é evidente a urgente necessida-de da defesa de uma educação que vise à formação hu-manística e reflexiva dos cidadãos.

Já se instalou uma quietude, emaranhada numclima de medo na educação em geral, a ideia de currí-culo único, também não seria para calar os professores ealunos na formação escolar? O PL 193/16 pode ser maisuma das ações planejadas para combater o que já se ti-nha criado condições jurídicas para isso na década de90, que seria a liberdade do ensinar/aprender? Outrasações já foram inseridas através do currículo, do materi-al didático, das políticas públicas em educação paratransformar a mais tempo, com um discurso de promo-ção da qualidade da educação escolar, ao viés do queescrachadamente se põe o PL 193/16, algumas dessascomo, as diversas declarações mundiais e nacionais emprol da educação para todos e da inclusão, as estruturascurriculares em formato da Base Nacional Comum Cur-ricular, da estrutura e conjuntura do sistema de avalia-ção em larga escala que classifica as escolas e promovedesequilíbrio na prática educacional escolar e em seuentorno.

A ideologia do Escola sem Partido pode não sernova e causar tanto espanto se considerarmos, quetanto os grupos fundamentalistas como os progressistassempre se contraporam, de acordo com cada período

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histórico no interior da cultura ocidental, nos enfrenta-mentos dos espaços públicos, os primeiros sem autorida-de reconhecida forja com autoritarismo o seu lugar e semantém pela violência, pois como Arendt (2012) noscoloca, onde há ausência de autoridade se faz presenteo autoritarismo/totalitarismo que usa de ações violentaspara manter–se no poder, manifestando o fenômenoopressor e dominador, alimentado por aquilo que se es-palha facilmente, o que é próprio destes sistemas, o si-lêncio e o medo entre os entendidos ou ideologicamenteforjados como a população de vulnerabilidade social.Sejam estes identificados pela sua fragilidade econômi-ca, política, por questões de gênero, entre muitas outras,mas principalmente pela falta de conhecimento elabora-do, pela falta da formação escolar, pela ausência em suahistória de vida da cultura escolar. O segundo dos pro-gressistas, muito mal compreendidos e na luta para efeti-var princípios de justiça e igualdade social, muitas vezespagaram com suas próprias vidas, ou se exilaram paracontinuarem vivendo

Como Arendt (2011) afirma que mundo nósadultos, família, escola e sociedade estamos apresenta-mos aos novos que estão nascendo a todo o momento?Que responsabilidade temos sobre este mundo e deeducar para si? Como Freire (2014) defende a necessi-dade de a práxis educativa ser fundamentada e pautadapelo diálogo, ação e reflexão; que se baseie no diálogo,no respeito à diversidade e na tolerância, uma vez que,uma educação que se constitua na neutralidade, passivi-dade e transmissão de informações em nada contribuipara o alcance do estabelecido pela Constituição Fede-ral de 1988 e a LDB 9394/96, pois a ausência do diálo-go contribui para a perpetuação do status quo e a ma-nutenção da opressão.

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A reflexão e discussão sobre esse tema num con-texto emblemático não buscou estabelecer verdades ab-solutas, mas sim, corroborar com elementos que possampromover a reflexão sobre o mesmo, sob uma perspecti-va crítica, política e ideológica.

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a criação do programa “Escola sem Partido”, no âmbitodo sistema de ensino do Estado. Rios De Janeiro/RJ,2014._____. Projeto de Lei n° 7180/2014. Câmara dosDeputados. Altera o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 dedezembro de 1996, apresentado no dia 24/02/2014._____. Projeto de Lei nº193/2016. Câmara dos Se-nadores. Inclui entre as diretrizes e bases da educação o“Programa Escola sem Partido”. Brasília/DF, 2016.CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Autoridade eeducação: o desafio do ocaso da tradição. Revista Bra-sileira de Educação, v.20, n.63, out–dez, 2015.CUNHA, Luiz Antônio. O Projeto da Educação Rea-cionária.(http://www.luizantoniocunha.pro.br/uploads/indepen-dente/1–EduReacionaria.pdf). Acesso em: 06 nov. 2016._____.“Lei da Mordaça: Maioria de autores de projetos ba-seados no Escola 'sem' Partido é ligada a igrejas”. Rede BrasilAtual–RBA. 19/07/2016. (http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2016/07/maioria–dos–autores–de–projetos–baseados–no–escola–sem–partido–e–ligada–a–igrejas–8280.html). Acesso em: nov. 2016.FREIRE, PAULO. Pedagogia do oprimido. 57.ed. Riode Janeiro: Paz e Terra, 2014.RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Organi-zação, tradução e apresentação de Milton Japiassu. Riode Janeiro: Editora Francisco Alves, 1993.

SÍTIOS

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PARTE IV: FORMAÇÃO DEPROFESSORES E BIOÉTICA

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CAPÍTULO VIIA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL FRENTE À

DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASILCONTEMPORÂNEO

Marcelo Bregagnoli Giovane José da Silva

Joarle Magalhães Soares

INTRODUÇÃO

As políticas educacionais brasileiras atravessamatualmente um momento de remodelação e busca deidentidade. Há um enorme desafio a ser enfrentado porgestores e educadores, no qual será preciso adentrar emum caminho marcado pela dicotomia dos projetos go-vernamentais. De um lado, a responsabilidade de efeti-var o Plano Nacional de Educação (PNE), cujas metasvisam à erradicação do analfabetismo, à superação dasdesigualdades educacionais, à melhoria da qualidade doensino e à valorização dos educadores, para citar ape-nas as mais ambiciosas. Do outro, a crise econômica e oconsequente arrocho de recursos e investimentos desti-nados à educação pública, com o contingenciamento or-çamentário e a desaceleração dos programas de amplia-ção das escolas públicas federais de nível técnico e supe-rior. É um panorama no qual se avista no horizonte aimplantação da Proposta de Emenda à Constituição(PEC 55) que limita por 20 anos o teto de gastos do go-verno e atinge diretamente as ações de democratizaçãoda educação pública, enchendo de incertezas o futurodas políticas educacionais.

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Nessa conjuntura, quaisquer discussões no cam-po da educação se tornam desafiadoras quando se colo-ca como principal alternativa para enfrentar a escassezde recursos o financiamento privado de projetos e pes-quisas educacionais. Poderá ser uma saída a ser coloca-da em prática, em maior escala que a atual, para que oprocesso de inclusão social não seja comprometido.Gestores e comunidade acadêmica serão cobrados pelasociedade a manter o que foi conquistado, mas princi-palmente a aprimorar o que foi implantado. Nesse con-texto, qualquer possibilidade de aprofundar a discussãosobre as questões qualitativas que norteiam as institui-ções de ensino não poderá ser deixada em segundo pla-no.

Apesar das incertezas que marcam o atual mo-mento, há um trabalho em progresso que coloca o Brasildiante de compromissos internos e externos para com amelhoria do sistema público de ensino. Destacam–se osacordos firmados junto a organismos internacionaiscomo a Organização das Nações Unidas para a Educa-ção, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que objetivamelevar o nível de vários indicadores educacionais. Sãometas que se somam àquelas citadas no PNE, com des-taque para o aumento de oportunidades de capacitaçãopor meio da educação profissional. Tais compromissos,se cumpridos com seriedade, possibilitarão ao Brasil ob-ter fomentos e/ou financiamentos internacionais emáreas distintas, viabilizando inúmeras ações de democra-tização.

Nos últimos anos, houve um expressivo avançonas políticas educacionais, com a criação de escolas téc-nicas profissionalizantes e universidades, além da imple-mentação de programas como o “Ciência Sem Frontei-ras”, “Prouni” e “Fies”, que possibilitaram o acesso de

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milhões de jovens a uma capacitação profissional. Essasações tiveram impacto positivo no Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH) brasileiro, que passou de 0,699,em 2010, para 0,755, em 2014, segundo dados divulga-dos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Aindaassim, não foram capazes de tornar os indicadores brasi-leiros relevantes se comparado aos padrões internacio-nais.

Esse tímido avanço, sob a ótica externa, fortalecea luta para que a democratização da educação e o in-vestimento em novos programas sejam contínuos. Umexemplo significativo, dentre outros, é a inserção doBrasil em disputas de olimpíadas científicas internacio-nais e, sobretudo, o suporte concedido para a execuçãode edições internas no país. É uma investida que fomen-ta a inovação e incentiva a meritocracia, mas que ficaameaçada frente a redução de recursos e, consequente-mente, como resultado, o fim dos financiamentos dessasações, já anunciado por órgãos de fomento como oConselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq).

Nesse contexto de diversificação das políticaseducacionais e democratização do acesso à escola públi-ca em seus diferentes níveis, a educação profissional etecnológica (EPT) desempenha papel fundamentalcomo elemento estratégico para a construção da cidada-nia e inserção de jovens/adultos, com funções delinea-das, na sociedade contemporânea. A EPT assume nomundo, e também no Brasil, a responsabilidade de colo-car os estudantes diante das rápidas e intensas mudan-ças tecnológicas que definem os rumos da economia edos mercados globais.

Suas dimensões nos aspectos conceituais e práti-cos são complexas e extensas. Não ficam restritas a uma

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compreensão linear na qual o cidadão se forma apenaspara o “mundo do trabalho”, ou pior, que prepara o tra-balhador somente para execução de tarefas. A questãofundamental da educação profissional e tecnológica pai-ra no estreito vínculo com o contexto maior da educa-ção, caracterizado pelos caminhos percorridos pela soci-edade. Hoje, está–se diante de processos que encerramas tensas relações entre trabalho, emprego, escola e pro-fissão. A EPT envolve relações que compreendem umarede de posicionamentos, mediações e conflitos entrequatro diferentes áreas: econômica, social, política e cul-tural.

É preciso, portanto, analisar as ações governa-mentais em âmbito nacional, assim como sua coordena-ção sobre os entes federativos / estaduais / municipais eas instâncias não governamentais no que diz respeito àorganização institucional da educação profissional e tec-nológica no país. Há uma articulação entre instituiçõesofertantes de EPT e as instituições / organizações ligadasao mundo do trabalho, ao setor produtivo e às organiza-ções de trabalhadores e empregadores que também temque ser considerada nessa análise. A educação a serofertada deve orientar–se pelos preceitos do exercíciopleno da cidadania, com a disseminação de conheci-mentos científicos / tecnológicos para o melhor desem-penho profissional dos estudantes, sem prescindir dabusca por uma sociedade justa, igualitária e participati-va.

1. Um breve histórico da educação profis-sional no Brasil e na América Latina

Uma profícua discussão acerca da situação atualda educação profissional e tecnológica no Brasil e na

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América Latina deve vir acompanhada de um resgatehistórico sobre a temática, retrocedendo ao período co-lonial. Um olhar mais amplo revela que os países daAmérica Latina tiveram um modelo de desenvolvimentoeconômico e social fortemente atrelado aos governoscentrais. Nesse sentido, não causa surpresa que essesmesmos governos centrais ditassem as regras educacio-nais a serem seguidas, inclusive no campo da educaçãoprofissional. Tal olhar pretérito revela formas diversas deorganização e oferta dessa modalidade de ensino, quetambém se encontra associada aos distintos interessespresentes em determinados momentos históricos. Assim,percebe–se que a educação profissional e tecnológicaacabou vinculando–se aos projetos de determinadosgrupos organizados e detentores dos aparelhos de Esta-do, mormente os econômicos e educacionais. O corolá-rio dessa política foi uma educação profissional e tecno-lógica construída à margem dos interesses da sociedadee que desconhecia a diversidade, excluindo grande par-cela da população que vivia nas periferias urbanas e nocampo.

A contrapelo desse aspecto histórico, que deveser considerado para entender o panorama contemporâ-neo, passou a existir, mais recentemente, a atuação con-junta do Brasil com os demais países da América Latina,visando à elevação do grau de educação profissional etecnológica no continente. Para ficar apenas em algunsexemplos, foram firmados acordos para revalidação dediplomas de cursos técnicos, cooperações técnicas demobilidade acadêmica, cursos para oferta de línguas(Espanhol e Português), projetos em conjunto de pes-quisa aplicada e extensão tecnológica, dentre outros.

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1.1. Educação profissional no Brasil

No início do século XIX, com a vinda da famíliareal portuguesa para o Brasil, D. João VI criou, em1809, uma “escola” visando atender às necessidades dafamília imperial, então denominada Colégio das Fábri-cas. Já na segunda metade do século, com a agroindús-tria da cana–de–açúcar, o cultivo do fumo e do café, oBrasil continuou sua “velha” política econômica circuns-crita à periferia do mundo capitalista, ou seja, de expor-tador de matérias–primas, em geral para países mais in-dustrializados. Somou–se a tudo isso o fim do tráfico in-tercontinental de escravos, que redesenhou as relaçõesde trabalho. Dessa forma, observa–se a instituição pau-latina de formas de organização do trabalho que permi-tiam a continuidade da produção e que se apresenta-vam como distintas das relações precárias do regime es-cravista. Tidas, portanto, como “melhores”, uma vezque empregavam mão de obra livre e assalariada. Surgi-ram, então, as “Corporações de Ofício”, direcionadas,em geral, aos homens brancos e livres. Visavam à per-petuação de habilidades manuais de uma maneira infor-mal na sociedade, como ofícios de tipografia, encader-nação, alfaiataria, tornearia, carpintaria e sapataria.Conforme descrito por Fonseca (1961), “habituou–se opovo de nossa terra a ver aquela forma de ensino comodestinada somente a elementos das mais baixas catego-rias sociais”.

As mudanças ocorridas no século XIX, com aabertura dos portos, aumento dos serviços públicos (en-tre eles o militar) e, principalmente, o início da instala-ção das manufaturas no país, depois de rompida a proi-bição que existia imposta pela Corte Portuguesa, exigiua capacitação de pessoas para a nova dinâmica instala-

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da. A Constituição de 1824 estabeleceu a instrução pri-mária gratuita, ainda sem apontamentos para a educa-ção profissional, pressupondo que esta caberia aos “des-validos da sorte” ou “desprovidos de fortuna”, para utili-zar uma expressão extemporânea, cunhada por Nilo Pe-çanha, em 1909, que designava aqueles que se presta-vam ao ensino profissionalizante. Ortigara (2014) resu-me bem o que se pode chamar de “espírito da época”que, não raro, persiste no discurso de alguns setores ede seus representantes na atualidade: “a organização daeducação neste período propunha a de formação profis-sional desarticulada da formação geral e reforçava seucaráter utilitarista. Ao mesmo tempo em que se constitu-ía numa forma restrita de formação para atender aos se-tores produtivos, auxiliava na manutenção da estruturasocial que favorecia as classes dominantes”.

Na República, com a criação de 19 Escolas deAprendizes Artífices (EAA), em 1909, por Nilo Peçanha,em diferentes regiões do país, se formaliza a oferta doensino profissionalizante, a fim de preparar a mão deobra para atendimento às novas demandas. Tal fato éhoje, numa perspectiva que entrelaça história e memóriae vice–versa, considerado como a origem da Rede Fede-ral de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.Logo em seguida, também foram criadas outras institui-ções, como os Aprendizados Agrícolas (AA) e os Patro-natos Agrícolas (PA), estes direcionados a pobres, órfãose menores infratores (MOURA, 2007).

Durante o governo de Getúlio Vargas, especifica-mente na Constituição de 1934, estabeleceu–se a neces-sidade de um Plano Nacional de Educação. Nesse perío-do, muitos órgãos (ministérios) foram criados e assumi-ram o papel de vincular algumas instituições de ensinode acordo com a sua afinidade. O Ministério dos Negó-

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cios da Educação e Saúde Pública, por exemplo, assu-miu a supervisão das EAA. Já o Ministério dos Negóciosda Agricultura, Indústria e Comércio ficou responsávelpelos AA. Nesse período, regulamentações foram feitas,como a “Reforma Capanema”, objetivando reorganizara estrutura educacional vigente, normatizando formas deingresso, ciclos etc. Entretanto, a formação profissionalcontinuou desvinculada da formação propedêutica.

Com o avanço da industrialização no Brasil, em1942, surgiu o Serviço de Aprendizagem dos Industriá-rios (SENAI). Já em 1946, foi criado o SENAC (vincula-do ao comércio e serviços), no mesmo ano em que seestabeleceu “a educação como direito de todos”. Em1959, por sua vez, as Escolas Industriais e Técnicas setornaram autarquias, com autonomia administrativa epedagógica. Foi nessa época que a terminologia “RedeFederal” foi utilizada pela primeira vez. Em 1961, as Es-colas Agrícolas e Patronatos Agrícolas, que estavam vin-culadas até então ao Ministério da Agricultura, passarama ser autarquias ligadas ao Ministério da Educação. Nomesmo ano, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabele-ceu equivalência plena entre os cursos profissionalizan-tes e os cursos de segundo grau, possibilitando para am-bos o acesso ao ensino superior (ORTIGARA, 2014).

A partir de 1971, a Lei 5.692 instituiu formal-mente o ensino profissionalizante no Brasil por meio deuma organização curricular. Foi o fim da separação en-tre ensino profissionalizante e ensino propedêutico (vá-rias ações ocorreram em caráter experimental e desvin-culadas de uma política central), observando–se uma di-ferença de oferta (forma e conteúdo) em instituições deensino público e privado. Nessa época, o fomento paraa educação profissionalizante era mínimo. Os cursosofertados eram sempre de baixo custo (administração,

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contabilidade, comércio etc), cabendo à Rede Federalde Educação Profissional e Tecnológica a oferta de cur-sos gratuitos em áreas tecnológicas, da indústria e daagricultura.

A década de 1970 foi marcada também pela cria-ção da Coordenação Nacional de Ensino Agrícola (CO-AGRI), órgão vinculado diretamente ao Ministério daEducação, que monitorava, apoiava e financiava o ensi-no agrícola federal no país. Na mesma década, iniciou–se o processo de “cefetização” de algumas Escolas Téc-nicas (que foram transformadas em Centros Federais deEducação Tecnológica – CEFET), com a ampliação desuas atribuições, como a oferta de cursos de formaçãode engenheiros e tecnólogos.

Com a Constituição de 1988, ampliaram–se osdireitos trabalhistas, a seguridade social e os investimen-tos em educação, que saltaram de 13% da receita anualda União para 18%, estabelecendo o acesso à educação“como um direito de todos e dever do Estado e da famí-lia” (Artigo 205). Na mesma carta magma, em seu Arti-go 22, também se assegurou a possibilidade de comple-mentar o tema da educação no texto constitucional me-diante a Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Já no Artigo214, por sua vez, foi apresentada a concepção do queviria a ser os Planos Nacionais de Educação.

Nos anos 1990, as reformas educacionais forampautadas em políticas de redução da intervenção do Es-tado, o que resultou na criação de uma imagem da edu-cação profissional e tecnológica de atendimento “aomercado de trabalho”. Os profissionais técnicos deveri-am atender os modelos de desenvolvimento econômicodentro de uma visão simplista e sem análise do indiví-duo como um todo.

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A Lei 8.948/1994 dispôs sobre o Sistema Nacio-nal de Educação Tecnológica, que possibilitava a trans-formação das Escolas Técnicas Federais e das EscolasAgrotécnicas Federais em Centros Federais de EducaçãoTecnológica (CEFET), desde que levado em conta asinstalações físicas, os laboratórios e equipamentos ade-quados, as condições técnico–pedagógicas e administra-tivas, além dos recursos humanos e financeiros necessá-rios ao funcionamento de cada centro.

Em 1996, com a aprovação da LDB (Lei de Dire-trizes e Bases da Educação), a ideia de que a EPT desti-nava–se somente a formar pessoas para atender às de-mandas do mercado de trabalho foi “parcialmente” in-corporada à legislação. No ano seguinte, o Decreto2.208/1997 marcou o desencontro entre a formação hu-mana, por meio do ensino médio, e a educação profissi-onal, criando–se a “modulação de conteúdos / discipli-nas”, numa tentativa de dar celeridade à formação parao “mercado de trabalho”.

Apesar dessa limitação, a LDB de 1996 trouxeavanços significativos em comparação à sua versão an-terior e a outras legislações, superando o assistencialis-mo e o preconceito social, com a valorização de compo-nentes a favor da inclusão e da democratização dosbens sociais. Além disso, a lei definiu o sistema de certifi-cação profissional, que permitiu o reconhecimento dascompetências adquiridas fora do sistema escolar.

O Decreto 2.208/1997 instituiu também a criaçãode iniciativas como o Programa de Expansão da Educa-ção Profissional (PROEP). Tinha como meta alicerçar aexpansão do ensino técnico público e privado no país.Suas normatizações para a realização de convênios con-templaram apenas as questões de infraestrutura (edifica-ções e equipamentos), sem levar em conta o financia-

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mento da articulação de ações de educação profissionale tecnológica com as ações de elevação da escolaridadedos estudantes da educação básica. O PROEP não per-mitiu a manutenção permanente das atividades educaci-onais, devido ao seu alto custo. Muitas unidades do pro-grama acabaram sendo transferidas para a iniciativa pri-vada, mas apresentaram sérias dificuldades de sustenta-bilidade dos projetos pedagógicos, sobrevivendo graçasa parcerias com os entes do setor público. Motivo peloqual, passado quase duas décadas após a implantaçãodo programa, os prédios do PROEP foram devolvidos àUnião.

Já em meados dos anos 2000, com uma nova vi-são governamental sobre as políticas educacionais, vol-tada para questões sociais e de formação humanística,foi publicado o Decreto 5.154/2004, que desencadeouum processo de retomada da formação integrada e mo-dular na organização da educação profissional, que foifortalecido com a publicação da Lei 11.741/2008.

Os desafios entre a formação de jovens e adultospara o mundo do trabalho e a formação de cidadãoscontinuam. Recentemente, várias tentativas de se im-plantar “modelos” educacionais que resultem em maiorefetividade educacional têm sido realizadas. Modelos depaíses desenvolvidos são alvo de tais teses, como Fin-lândia, Noruega, Alemanha, dentre outros.

1.1.2. A criação dos Institutos Federais deEducação, Ciência e Tecnologia

A criação de 38 Institutos Federais de Educação,Ciência e Tecnologia (IF's) em todo o Brasil, com a pu-blicação da Lei 11.892/2008, reformulou a Rede Fede-ral e colocou em novo patamar a educação profissional

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e tecnológica. As unidades que já existiam passaram aformar os IF's, como no caso do Instituto Federal do Sulde Minas, com Reitoria em Pouso Alegre, que foi consti-tuído a partir da junção das Escolas Agrotécnicas de In-confidentes, Machado e Muzambinho.

Além disso, a partir de 2009, foi iniciado um pro-cesso de expansão que culminou na criação de centenasde unidades, chamadas de campus. Em 2016, o númerochegou a 644. Só no Sul do Estado de Minas Gerais,área de abrangência do Instituto Federal do Sul de Mi-nas, foram criados três novos campi e duas unidadesavançadas, respectivamente nas cidades de Pouso Ale-gre, Poços de Caldas, Passos, Carmo de Minas e TrêsCorações, que se somaram aos três campi pré–existentese supracitados, totalizando oito campi. Também existemos Centros de Referência, Unidades Remotas e Polos deEducação a Distância que se espalham pelo Sul do Esta-do e, em geral, ofertam cursos técnicos ou de curta du-ração nos municípios onde não existem campi.

Essa nova institucionalidade trouxe para a educa-ção profissional uma administração com característicaspróprias, dentre as quais podem ser destacadas:

– a estrutura multicampi e regionalismo, que de-terminam a especialização dos serviços educacionais eadministrativos entre os institutos federais e, dentro deum mesmo instituto federal, entre seus campi;

– a verticalização, com consequente variedadedas práticas educacionais (iniciação científica, cooperati-vas estudantis, estágios, laboratórios, fazendas, aulas ex-positivas, grupos de pesquisa, incubadoras de empresasetc.);

– a existência de cursos pluricurriculares e multi-temáticos, com exigências administrativas, instrumentosde ensino, práticas de ensino e perfis docentes especiali-

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zados. Como exemplo, a necessidade de laboratórios deinformática e programadores para processamento de da-dos; fazendas e agrônomos para curso técnico em agro-pecuária; artistas plásticos e softwares de design gráficopara um curso de comunicação visual; adaptações paraEducação de Jovens e Adultos, sem falar dos trâmites le-gais distintos para abertura e avaliação dos cursos técni-cos e da graduação.

– o alto nível de integração entre os serviços quecompõem a prestação educacional e o alinhamento dosserviços educacionais com o arranjo produtivo, social ecultural regional, o que tem estimulado novas formas depensar procedimentos de abertura de cursos e de sele-ção de projetos de pesquisa e extensão.

Destacam–se, ainda, a oferta de educação profis-sional e tecnológica, em todos os níveis e modalidades,com vistas à atuação profissional de seus egressos nosdiversos setores da economia, com ênfase na preserva-ção ambiental e no desenvolvimento socioeconômicolocal, regional e nacional. A integração e a verticalizaçãoda educação básica com a educação superior, com ca-pacitação técnica e atualização pedagógica aos docentesda rede pública de ensino. A realização e estímulo dapesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedo-rismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico etecnológico etc.

Para cumprir essa missão, com base na lei11.892/2008, os IF's têm norteado suas ações buscandoministrar a educação profissional técnica de nível médio,prioritariamente na forma de cursos integrados, para osconcluintes do ensino fundamental e para o público daEducação de Jovens e Adultos, além dos cursos de for-mação inicial e continuada (FIC) de trabalhadores paracapacitar e aperfeiçoar os profissionais, em todos os ní-

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veis de escolaridade, e o Programa Nacional de Acessoao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Os IF’s atuamainda na educação superior, por meio dos cursos de tec-nologia, licenciaturas, programas especiais de formaçãopedagógica, bacharelados, pós–graduação lato sensu deaperfeiçoamento e especialização; cursos de pós–gradu-ação stricto sensu de mestrado acadêmico, mestradoprofissional e doutorado com vistas ao processo de gera-ção e inovação de tecnologia.

Como se vê, são múltiplas as possibilidades derealizações dos Institutos Federais de Educação, Ciênciae Tecnologia junto à sociedade brasileira, contribuindopara a democratização da educação, da ciência e da tec-nologia e inclusão social.

1.3. Histórico da educação profissional naAmérica Latina

Pode–se considerar que as reformas nos sistemasde formação profissional da América Latina, na décadade 1990, se deram de forma consensual entre os países,que submeteram um conjunto de medidas com objetivode assegurar a reprodução do capital a nível global epara manter esses países como provedores de riquezapara os países industrializados (OLIVEIRA, 2013).

A criação do Programa Ibero–Americano de coo-peração para o desenho comum da formação profissio-nal (IBERFOP), em 1995, preconizava o processo de co-operação entre os países ibero–americanos, tendo emvista um modelo de formação profissional que atendesseaos interesses do setor produtivo. A maioria dos paísesjá havia desenvolvido reformas em suas legislações e sis-temas de educação profissional, objetivando os proces-

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sos de produção, assim como adequando–os a partir daformação por competências (OLIVEIRA, 2010).

De acordo com Oliveira (2013), assim se estabe-leceu uma formação através da educação profissionalcom garantia de desempenhos polivalentes e atualizaçãopermanente (capacitação), com estratégias como a defi-nição por perfis profissionais que fossem significativospara o mercado, com autonomia em seu campo de de-sempenho, que possuíssem desenho curricular flexível emodular, orientado para reformulação e atualização per-manentes dos profissionais, com competências formula-das sob orientação do setor produtivo e do empresaria-do.

Essa “uniformização” de referências intelectuais etécnicas envolvendo a educação profissional na décadade 1990 teve o respaldo de importantes organismos in-ternacionais, como o BIRD (Banco Internacional paraReconstrução e Desenvolvimento), desprezando o con-texto de cada nação (etnia, religiosidade, cultura etc.).Segundo Casanova (1998), esses organismos exigiam,para liberação dos financiamentos, o atendimento de re-comendações que passavam, inclusive, pela exclusão daeducação profissional do Ministério da Educação, dei-xando–a vinculada a algum ministério ligado aos setoresprodutivos. Essa concepção que pautou as discussões daeducação profissional, especificamente no final da déca-da de 1990, passou por três vetores: descentralização,setorização e privatização (CUNHA, 2000).

No início dos anos 2000, esse modelo passou aser questionado devido à visão pouco humanista, semfoco no desenvolvimento da nação e nos aspectos soci-ais. Nesse momento, no Brasil e na maioria dos paísesda América Latina, o modelo de educação profissionalpassou a sofrer questionamentos no que diz respeito ao

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reforço da lógica meritocrática e da individualização dosucesso/fracasso econômico. Várias adequações passa-ram, então, a ocorrer na América Latina frente a moder-nização do ensino profissional e tecnológico, na buscade processos e metodologias que permitissem engendrarum modelo de escola mais democrática e atuante social-mente.

A Organização das Nações Unidas (ONU), atra-vés da Organização das Nações Unidas para a Educa-ção, Ciência e Cultura (UNESCO) e seu braço operacio-nal, a UNEVOC, tem criado estratégias de atuação parao ensino e formação técnica e profissional (EFTP) paraos próximos anos (2014–2021), por meio do apoio aosEstados–Membros. Para tanto, metas foram definidas,como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentá-vel, pautada na erradicação da pobreza, em todas for-mas e dimensões.

O ensino e formação são cruciais para atingir taisobjetivos. Entre 2010 e 2015, a UNESCO executou eassessorou a execução de estratégias para a EFTP vin-culadas ao desenvolvimento dos países e definiu a edu-cação profissional como modalidade de aprendizagemque contribui para a igualdade, justiça social e desenvol-vimento sustentável. Para o período de 2016 a 2021, fo-ram estabelecidas estratégias a médio prazo, com desta-que para o fomento do emprego e do espírito empresa-rial entre os jovens, por meio do apoio à formulação depolíticas e exames, promoção de colaborações e fortale-cimento da capacitação entre os Estados–Membros. Apromoção da igualdade entre gêneros, com aplicação demedidas específicas de políticas para grupos desfavoreci-dos, sobretudo mulheres, a programas de EFTP, fomen-tando a igualdade de oportunidades no mundo do tra-balho. Além disso, destacam–se os projetos de EFTP

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que visam fomentar a transição para economias ecológi-cas e sustentáveis.

Por fim, vale acrescentar a esse balanço históricoa trajetória da educação profissional e tecnológica, emalguns países da América Latina, ainda que de formageral.

Argentina: em 1996, criou os Trajetos Técnicos Profis-sionais (TTP), com financiamento público–privado, oque viria a ser denominado no Brasil como itinerárioformativo.

Bolívia: em 1994, uma reforma educacional aproximousindicato, formação de professores para a formação pro-fissional e empresariado. Todavia, em 2006, esse mode-lo sofreu forte crítica, sobretudo em função da subordi-nação excessiva da educação profissional às exigênciasdo mercado de trabalho e da empregabilidade, a partirdo qual se estabeleceu uma política educacional commais formação humanizadora, deixando em segundoplano o estabelecimento de competências.

Chile: desde 1976, o Estado não atua diretamente naformação profissional, circunscrevendo–se ao papel deente normatizador, embora adote a lógica da formaçãopara competência. Assim, até os dias atuais, a educaçãoprofissionalizante ocorre de forma paga, com algunssubsídios por parte do governo, balizando–se em um sis-tema estruturado (com interação com empresas), cha-mado de Duoc (base Dual alemã), muito similar ao queacontece no chamado Sistema ‘S’ no Brasil.

Colômbia: a partir de 1993, criou forte vinculação en-tre o setor produtivo e o educacional como

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forma de possibilitar a formação de indivíduos compe-tentes e aptos para promover o desenvolvimento e acompetitividade do país. Alguns bons exemplos são ob-servados com ações mistas entre Estado e outros entes,como religiosos, a exemplo do Instituto Técnico Central(com forma de atuação similar aos Institutos Federais noBrasil), premiado pela UNESCO em 2008 como umainstituição efetiva e acessível à população mais carente.A estruturação permite que o aluno ingresse na institui-ção ainda criança e termine seus estudos até o nível su-perior, com uma formação técnica/tecnólogo/engenhariaocorrendo de forma interligada.

Cuba: em 1999, o país definiu o que são competênciaslaborais e a necessidade das matrizes de competênciaserem atualizadas de acordo com os incrementos tecno-lógicos e do mercado.

Equador: sistemas e organizações ainda estão em fasede implementação e organização para um melhor acom-panhamento da educação profissional pelo governo. Re-centemente, o país estruturou uma base nacional co-mum para capacitação/qualificação com uma secretariadiretamente ligada à presidência do país, com várias op-ções de cursos e instituições. Todavia, atualmente, ofoco tem sido centrado em certificações de trabalhado-res, com o desenvolvimento de indicadores para mensu-ração da produtividade de seus egressos, principalmentena área da indústria e do comércio.

México: no ano de 1993, implementou a formação ge-ral profissional/humana e articulação com política deemprego, por meio de competências contextualizadasdesenvolvidas nos locais de formação profissional, aten-

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dendo ao mercado de trabalho como um todo. Segundomaior ofertante de ensino profissional na América Lati-na, possui diferentes instituições de ensino e vincula-ções. Muitas se baseiam no sistema alemão de ensino(Dual), de forma adaptada às condições locais.

Paraguai: educação profissional ainda incipiente na suaforma de organização. Um interessante exemplo de atu-ação se dá na Fundação Paraguaia (que possui autono-mia em termos administrativos/didáticos e de organiza-ção curricular). Possui 14 unidades de escolas de forma-ção técnica. No interior do sistema de ensino elaboradopor eles, os jovens são direcionados a gerir escolas fa-zenda e hotéis escola (entende–se por gerir, cuidar detodo processo, produção, limpeza, organização e plane-jamento), com base no empreendedorismo e autossufi-ciência. Dentro deste espaço de debates, ideias são colo-cadas em prática, como o “semáforo de pobreza”, que éum software instalado em computadores e tablets, oqual trabalha em uma classificação social de determina-da comunidade e, a partir daí, estabelece estratégiaspara melhoria da qualidade de vida. Uma questão cruci-al para o êxito desse projeto educacional, dentro de umpaís tão castigado pela diferença social e pouco acessoàs condições mínimas de saúde e educação, é o preparoe formação dos profissionais que atuarão diretamentecom os alunos, associado à monitoria que desenvolvenos jovens habilidades de acordo com os conhecimentosadquiridos.

Peru: em 2003, implementou dois ciclos: básico e mé-dio, organizados em módulos, nos quais as característi-cas principais são articulação entre a formação geral e aformação prática/profissional, balizado no sistema de

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formação Dual. Nesse modelo, alternam–se as ativida-des em um centro de formação do SENATI (similar aoSistema 'S' no Brasil), com atividades de formação práti-ca na fábrica, objetivando estabelecer para os educan-dos uma formação teórica e prática.

Uruguai: em 1998, foram iniciadas experiências–pilotode formação em diferentes setores produtivos, com autilização de distintas metodologias de utilização decompetências, objetivando o desenho de um programade formação baseado em competências laborais. País,com população similar à existente no Sul de Minas Ge-rais, teve uma profunda mudança no rumo da educaçãoprofissional após o período de ditadura, com uma edu-cação pública autônoma. O Instituto Nacional do Em-prego e Formação Profissional (INEFOP) é o responsá-vel pela maioria da educação profissional no país, tendocomo premissa uma instituição que atua conjuntamentecom governo, empresários e trabalhadores.

2. Os processos democráticos de acessoao ensino profissionalizante no séculoXXI

A democratização do acesso às instituições de en-sino públicas foi um significativo avanço da última déca-da. No entanto, essa democratização trouxe consigo di-versas exigências e distribuição de responsabilidades aosgestores. Submetidas a uma lei rígida e permanente-mente monitorada pelo Ministério Público Federal, asinstituições tiveram pouco tempo para se adaptar a essaimportante necessidade do mundo moderno: a inclusãosocial.

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A maior exigência não se refere a questões meto-dológicas, mas à questão da infraestrutura. É um fatorque representa um impacto significativo dentro das insti-tuições de ensino, dependentes de limites orçamentá-rios. Além disso, a burocracia e a complexidade dos pro-cessos vão de encontro ao curto espaço de tempo esta-belecido para atender às determinações legais.

O professor tem papel fundamental na vida doaluno e esse levará para toda sua vida profissional/pes-soal as lições e exemplos adquiridos durante o períodoescolar, o que influenciará decisivamente a formação deseu caráter e de seu modo de agir junto à sociedade.Por isso, uma das questões críticas da democratizaçãodo ensino profissionalizante passa pela formação de do-centes. A maneira como os novos profissionais recebe-rão a formação técnica e acadêmica refletirá diretamenteno sucesso ou não do projeto pedagógico adotado pelainstituição ou sistema de ensino. Com a dinâmica domundo moderno e as novas formas e sistemas de produ-ção sendo criados e renovados diariamente, modos deaprender e ensinar exigirão uma constante adequaçãoda formação inicial e continuada de professores. Emáreas tecnológicas, esse dinamismo se torna ainda maisimperativo com o constante surgimento de distintas ma-neiras de produção e saberes, sendo necessária umaadequação pedagógica do professor e da instituiçãopara o atendimento às demandas.

Mesmo com a aprovação do PNE, que apresentaquatro das vinte metas voltadas à formação dos profes-sores, como a formação inicial e continuada, a valoriza-ção profissional e o plano de carreira, sabe–se que, seconcretizadas as políticas de investimento na educação,limitadas ao teto de gastos e sua correção pela inflação,atingir tais metas se tornará algo extremamente difícil. O

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atual panorama traz riscos e pode impedir ações pro-gressistas voltadas para a valorização da carreira docen-te em todos níveis e modalidades de ensino. Comoexemplo, pode–se citar o atendimento à meta 15 doPNE, segundo a qual define que todos os professores daeducação básica devem possuir licenciatura na área emque atuam. Trata–se de uma meta fundamental, cujocumprimento fica seriamente comprometido, já que aslicenciaturas passaram a ter, desde a implementação doPNE, em julho de 2015, 3.200 horas, ou seja, 400 horasa mais que a atual legislação exige. Além disso, elas de-vem ser associadas à oferta de mais atividades práticas,com o objetivo de sanar um gargalo que persiste no âm-bito da educação brasileira: articulação entre teoria eprática.

Nessa questão, a educação profissional exigeatenção especial, uma vez que parte significativa dosatuais docentes, que atuam neste nível/modalidade deensino, são oriundos de uma educação superior tradici-onal, que, com exceções, pouco trabalha conceitoscomo inovação, empreendedorismo, transversalidade,além da tímida interação com o mundo do trabalho. So-mado a isso, o sistema de ensino brasileiro possui limita-ções quanto às metodologias que possibilitem aos futu-ros professores adquirir experiências com as temáticasdo cotidiano. Grande parte dos futuros docentes atuarãoem áreas tecnológicas as quais se exigem conhecimento,habilidade e capacidade de execução, pois serão utiliza-dos como exemplo para os estudantes de cursos técni-cos e tecnólogos.

A adequação didático/pedagógica das instituiçõespara o atendimento ao ensino profissionalizante exigemúltiplos compromissos de todas as partes envolvidasno processo educacional: gestores, docentes, pais, alu-

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nos e a sociedade. É preciso uma imediata adequação,visando diminuir a defasagem do ensino técnico profissi-onalizante, elo entre a grande massa de trabalhadores eaqueles que planejam o mundo do labor. Um exemplo éa ampliação da natureza e concepção de uma institui-ção, no que tange à capacidade de diálogo com a socie-dade. O estreitamento de ações com agentes relaciona-dos ao mundo do trabalho poderá fazer com que as atri-buições do docente extrapolem a sala de aula, com abusca de parcerias e fomentos capazes de potencializar aeducação profissional em uma determinada região.

Um docente que atua na educação profissionaldeve ter a capacidade de ler a realidade do seu aluno(experimentar novas metodologias de ensino), ter empa-tia com a comunidade (e se relacionar com ela), domi-nar conteúdos / habilidades (antenados às mudançastecnológicas) e ser conectado (dentro do contexto datecnologia da informação).

A democratização do acesso à educação profissi-onal se depara ainda com a limitação da oferta de vagase as condições de atendimento às diferentes realidadesdo Brasil. As dimensões continentais, com locais de di-fícil acesso, as diferenças culturais, as distintas formaçõesde docentes (sem padrão definido) e a adequação aosarranjos produtivos locais (APL) fazem parte do desafioa ser superado. A educação a distância surge como pos-sibilidade de atendimento a parte dessas demandas, pormeio de processos de inclusão digital, criação de tele-centros e ativação de centros vocacionais tecnológicos.

A condição essencial para o processo de expan-são qualitativa e quantitativa da educação profissional,como elemento fundamental para uma política efetiva ànação, passa também pelo fator justiça social. A demo-cratização do ensino tem levado as instituições, em ter-

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mos físicos e humanos, a se adequarem à diversidadede demandas que passaram a ser atendidas por lei. É ocaso do atendimento a pessoas com necessidades espe-cíficas. Promover políticas e ações que democratizem oacesso desse público é peça necessária para tornar oacesso à escola um direito de todos.

Por outro lado, o atendimento a esse público es-pecífico torna a questão mais complexa. Afinal, são pes-soas que historicamente estiveram excluídas do processoeducacional e que agora, finalmente, começam a teracesso a oportunidades de capacitação. Com corpo do-cente pouco qualificado para esse tipo de demanda, tor-na–se imperativo que toda a escola aprenda a lidar comessa nova realidade.

De um lado, os docentes devem atuar em umnovo contexto (de convívio com pessoas com necessida-des especiais), e precisarão se adequar, especialmenteatravés da formação continuada, sendo preparados parautilizar equipamentos como forma de aprendizagem di-ferenciada, tornando–se mediadores mais efetivos deaprendizagem. Do outro, a administração que deve bus-car soluções para concretização do acesso dessas pesso-as à educação, com a adequação das instalações, com-pras de novos equipamentos, meio multimidiáticos deensino etc. Logo, os gestores terão que lidar com a es-cassez de recursos e a exigência legal para tais atendi-mentos. No caso da educação profissional, tudo isso éainda mais desafiador, já que a existência de atividadespráticas é rotineira, exigindo mais adequação da infraes-trutura. Outro ponto refere–se à dificuldade de contratardocentes em áreas específicas, como profissionais deBraile e Libras, por exemplo.

Uma associação e análise comparativa devem serlevadas em conta. Se a democratização do ensino signi-

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fica o acesso dos estudantes à escola e a sua permanên-cia nos estudos, a crise em um desses dois aspectos semostra como um problema. A evasão aponta justamenteos fatores que levam o estudante a não permanecer nosestudos. Está, portanto, também relacionada aos proble-mas que impedem a democratização da educação pro-fissional no país.

Como se vê, são muitos os desafios de gerir osinúmeros processos administrativos e pedagógicos queenvolvem a democratização do acesso à educação pro-fissional, sendo necessário que os governos, os agenteseconômicos e a sociedade se organizem para discutir opapel da EPT no desenvolvimento nacional e nas políti-cas de inclusão social, observando as realidades locais eregionais e os grupos sociais de risco.

REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO VIIIA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO DESAFIO DE

DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Luana Costa AlmeidaSarah Maria de Freitas Machado SilvaGeisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes

INTRODUÇÃO

O ideal de democratização da Educação Básicano Brasil é questão de debate e projeto anunciado hámuito tempo. Especialmente a partir da redemocratiza-ção política na década de 1980, a luta pela ampliaçãoda escola pública se intensificou e o discurso recorrentepelo acesso foi se modificando e trazendo também o en-frentamento pela permanência e qualidade1 nas escolaspúblicas.

Décadas depois, a democratização da EducaçãoBásica está longe de ser conquistada e mesmo no Ensi-no Fundamental, etapa em que houve a quase universa-lização das matrículas na década de 1990, ainda nãonos aproximamos de sua conquista quando a tomamosem seu tripé constituinte: acesso–permanência–qualida-de.

A garantia do direito à educação e a consequentedemocratização da Educação Básica, não se resume aoacesso, mas a condições de permanência, aprendizagem

1 Não se pretende debater aqui a concepção de qualidade, já que é um am-plo objeto de análise. Todavia, gostaríamos de frisar que não entendemosa qualidade como fator de consenso e, por isso, ao nos referirmos a ela es-tamos sempre voltados ao entendimento de uma qualidade socialmente re-ferenciada (ALMEIDA; BETINI, 2016).

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e conclusão, numa trajetória de qualidade socialmentereferenciada, não sendo inexpressivas as denúncias dafalta de condições para o real desenvolvimento dos estu-dantes nas escolas. São muitas as evidências empíricasda necessidade de mudanças que permitam a efetivademocratização e, nesse sentido, é essencial pensarmosnos aspectos que colaboram para a construção dessascondições, tanto no âmbito da garantia de infraestrutu-ra, recursos e organização, quanto do perfil e formaçãodos profissionais que atuam nas escolas.

Nesse debate da busca de garantia das condiçõespara a democratização da Educação Básica e garantiado direito à educação, um aspecto tem historicamentesido contemplado como essencial: o profissional docen-te. Seja no discurso governamental, seja na literatura es-pecializada, parece ser consenso a expectativa de que osprofessores contribuam para o desenvolvimento de seusestudantes, sendo necessário, segundo Contreras (2002,p. 73), a “obrigação moral, o compromisso com a co-munidade, assim como a competência profissional des-ses sujeitos”, consequentemente, observa–se que essecomprometimento exige tanto de conhecimentos técni-cos e de conteúdos escolares, quanto da formação éticae humana para que a atuação docente se efetive comoreal contribuição à efetivação do direito à educação.

Cabe destacar, todavia, que em termos de políti-ca nacional a busca pela competência do professor seintensificou na década de 1990, por ser consideradauma área estratégica na tentativa de aumento da quali-dade do ensino, equaliza–se um ‘novo’ modelo de pro-fessor no qual se “hiper–responsabiliza” o profissionalem relação às demandas da educação escolar. Comoafirma Flores (2003, p. 128), “os professores estão en-frentando uma pressão social, tornando–se, muitas ve-

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zes, o bode expiatório do sistema educativo” em quesão responsabilizados verticalmente pelas mazelas edu-cacionais. Contudo, se por um lado são culpados doque ocorre no sistema educativo, por outro, são vistoscomo os detentores da chave do sucesso da educação e,por isso mesmo, foco das políticas de melhoria do ensi-no.

A palavra de ordem que caracteriza a formaçãodo professor na atualidade está centrada na qualidadedo que se ensina, não obstante a isso, tal qualidade emquestão, não se refere aos ‘conhecimentos clássicos’ aserem trabalhados, como afirma Saviani (2011). O queestá no centro do debate é a capacidade do professor deelevar os standards (modelos, padrões) da educação,determinados como prioridade para todos os governos,para que isso seja possível, se faz necessário priorizar as-pectos controláveis que possam gerar os resultados es-perados, dentre os quais se opta pelo treinamento oucapacitação de professores em vez de sua formação.

Freitas (2007, p.1204) pontua, nessa mesmaperspectiva, que a

[…] má qualidade da formação e aausência de condições adequadas deexercício do trabalho dos educadoresse desenvolvem há décadas em nos-so país e em toda a América Latina,de forma combinada, impactando naqualidade da educação pública.

Aspecto que gera a necessidade de se pensar naformação ofertada se a pretensão é o debate sobre a de-mocratização da educação. Nessa perspectiva, com-preendendo a formação continuada de professorescomo um importante fator para o enfrentamento do de-safio da democratização da Educação Básica, nos inqui-

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eta compreender como tem se configurado as propostasde formação nessa modalidade, especialmente em rela-ção às proposições políticas do governo federal. Paratanto, nossa reflexão se voltará ao debate sobre o con-torno da formação docente em nível federal, observan-do, especialmente, as Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Formação Inicial e Continuada dos Profissionaisdo Magistério da Educação Básica (DCNs) instituídaspela Resolução CNE/CP nº 2/2015.

Formação como desafio para democrati-zação da Educação Básica

Para alcançar a democratização da EducaçãoBásica, busca–se compreender como tem se configuradoas propostas de formação dos professores no Brasil, es-pecialmente em relação às proposições políticas no cam-po da formação continuada do governo federal.

Importante destacar que as pesquisas educacio-nais2 apontam que as orientações do Ministério da Edu-cação (MEC) para a formação de professores, imple-mentadas nos últimos 20 anos, são conduzidas pela lógi-ca neoliberal e neopragmática, indicando um padrão deformação de professores limitado diante dos desafios dareal democratização na sociedade brasileira (SILVA,2015).

A culminância dessa orientação tem seu apogeuna década de 1990, uma vez que as políticas públicasforam orientadas por uma reforma de Estado que esta-beleceu alterações substantivas nos padrões de interven-

2 Sugere–se para compreender os nexos das políticas de formação na pers-pectiva neoliberal, consultar os textos: Dourado (2013; 2015); Freitas(2002, 2007 e 2013), dentre outros.

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ção estatal, redirecionando as formas de gestão3 e im-pactando de maneira significativa nas proposições sub-sequentes, ainda que sob direção de outro partido políti-co.

A implementação dessas reformas adveio com apublicação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção Nacional, Lei. No. 9394/96; a instituição dos Parâ-metros Curriculares Nacionais (1997) e diversos meca-nismos de avaliação. Assinalamos, ainda, a reforma deensino voltada à formação dos profissionais da educa-ção, em que se introduz a nova compreensão acerca dopapel do(a) professor(a) e da sua formação, criando–se,dentre outras ações, o Instituto Superior de Educação(ISE) como instância formadora (SHEIBE, 2003, p. 5).

Para essa autora, o Decreto 2.306, de 1997, re-gulamentou a organização acadêmica e faz uma distin-ção ao classificar as instituições em: Universidades, Cen-tros Universitários, Faculdades Integradas, Faculdades eInstitutos Superiores ou Escolas Superiores, hierarqui-zou–se formalmente o Ensino Superior, pois ao se elegeros ISEs como lócus preferencial para a formação dosprofissionais da educação, em “cursos com menores exi-gências, para a sua criação e manutenção, do que aque-les inerentes às instituições universitárias”. Ademais, aformação nesses ISEs desvincula–se do exigido em cur-sos ofertados em universidades, cujo princípio fundanteé a indissociação entre ensino, pesquisa e extensão.

3 Para acesso a esse debate e delineamento consultar a obra Educação umtesouro a descobrir – relatório para a UNESCO da comissão internacionalsobre educação para o século XXI, coordenado por Jacques Delors (2006).Em linhas gerais, o contexto desse documento é que foram convocados es-pecialistas de todo o mundo da área da educação, cuja finalidade era iden-tificar tendências e necessidades no cenário atual e delinear o papel que aeducação deveria assumir.

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Especialmente no campo da Educação Básica,houve mudança na lógica das políticas educacionais enos seus diversos espaços de decisão e efetivação nosprocessos de regulação e avaliação, a saber: foram apro-vadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Forma-ção de Professores da Educação Básica, em Nível Supe-rior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena (Reso-lução CNE/CP 1/2002), com base no Parecer doCNE/CP 009/2001. Essas DCNs (BRASIL, 2002), naanálise de Freitas (2003, p. 1097) fundamentada emKuenzer (2003), contribuem para materialização do re-torno às concepções tecnicistas e pragmáticas imple-mentadas na década de 1970, porém, desloca–se o focode referência de qualidade, se nessas visava–se a qualifi-cação do emprego, as DCNs miram a qualificação do in-divíduo, por meio de processos de formação centradosno “desenvolvimento de competências comportamen-tais”.

Cabe destacar que foi instituído, pela PortariaMEC no 1403, de 09 de junho de 2003, o Sistema Naci-onal de Certificação e Formação Continuada de Profes-sores, o qual compreende: um Exame Nacional de Cer-tificação de Professores pautado em parâmetros de for-mação e mérito profissionais; programas de incentivo[bolsa federal] à formação continuada; e, a implantaçãode uma Rede Nacional de Centros de Pesquisa e Desen-volvimento da Educação para desenvolver tecnologiaeducacional e ampliar a oferta de cursos e outros meiosde formação de professores (BRASIL, 2003).

Identificamos, nesta portaria, a continuidade dasreformas neoliberais em curso no cenário da formaçãode professores, pois vem à tona um enfoque de forma-ção e profissionalização docente vinculada a uma pers-pectiva de avaliação baseada na certificação de compe-

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tências, cujo resultado poderá ser tomado como indica-dor de progressão na carreira profissional, além de uminstrumento de controle e regulação do ensino (FREI-TAS, 2003; SHEIBE, 2003). Nossa tese se ancora noart. 2o quando define que o exame avaliará os conheci-mentos, competências e habilidades dos professores edemais educadores em exercício nas redes de ensino(BRASIL, 2003).

No bojo dessas reformas, em 2004, para o con-trole e regulação da qualidade educacional, além da ins-tituição do SINAES4, há a criação pelo MEC da RedeNacional de Formação Continuada, composta por insti-tuições de ensino superior públicas, federais e estaduais,para produzirem materiais de orientação para cursos àdistância e semipresenciais, com carga horária de 120horas, voltadas às áreas de alfabetização e linguagem,educação matemática e científica, ensino de ciências hu-manas e sociais, artes e educação física (BRASIL, 2004).

Prosseguindo com essa política, em 2007, a Leino 11.502, com a finalidade anunciada de buscar maiororganicidade entre os programas e os gestores, redimen-siona a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (CAPES), amplia o foco de sua atuaçãoao incluir a formação de professores de Educação Bási-4 A criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SI-NAES (Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004) surge em reação ao ENC(Provão) e atende o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172, de2001. Seu objetivo inicial é articular processos educativos e emancipatóriosde avaliação, preservando a autonomia das instituições. No entanto, asmudanças ocorridas após a implementação, com a instituição de uma con-cepção de avaliação sustentada por índices (Conceito Preliminar de CursosCPC, Indicador de Desempenho Esperado e Observado –IDD, e o ÍndiceGeral dos Cursos – ICG) de desenvolvimento pautados por indicadoresquantitativos que permitam a elaboração de "ranking", tem colaboradopara desvirtuar os princípios defendidos pelo SINAES, tendo em vista o usodesses indicadores para a comparabilidade e ranqueamento das instituições(MENDES, 2011).

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ca (BRASIL, 2007). Cabe à CAPES, respeitada a liber-dade acadêmica das instituições, públicas ou privadas,fomentar a formação inicial e continuada de profissio-nais do magistério, observado, ainda, o seguinte: art. 1o,§ 2o, “II – na formação continuada de profissionais domagistério, utilizar–se–ão, especialmente, recursos e tec-nologias de educação a distância”. Nota–se nessas inici-ativas o apreço pela modalidade de educação a distân-cia como opção para a formação dos profissionais domagistério.

Das proposições construídas, relacionadas à for-mação docente, destaca–se por sua abrangência o De-creto no 6.755, de janeiro de 2009 (revogado pelo De-creto n. 8.752 em maio de 2016), que instituiu a PolíticaNacional de Formação de Profissionais do Magistério daEducação Básica desencadeando as seguintes ações: oPrograma Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência(PIBID); o Plano Nacional de Formação de Professoresda Educação Básica (Parfor); o Programa de consolida-ção das licenciaturas (Prodocência); a Rede Nacional deFormação Continuada; o Proletramento e a Formaçãono Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa(Pnaic), dentre outros.

Todavia, em termos de impacto, é o movimentode redimensionamento das Diretrizes Curriculares Naci-onais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissi-onais do Magistério da Educação Básica (DCNs) (BRA-SIL, 2015b) que merece destaque, tanto por sua poten-cialidade de regulação quanto pela percepção de que“atendem parte das demandas históricas das entidadesacadêmicas do campo educacional, envolvidas com odebate sobre a formação dos profissionais da Educação”(AGUIAR, 2015, p. 247).

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A Comissão Bicameral (Câmara de EducaçãoSuperior e da Câmara de Educação Básica) de Forma-ção de Professores, do Conselho Nacional de Educação(CNE), instituída com o objetivo de desenvolver estudoscom a principal finalidade de elaboração e a aprovaçãode novas Diretrizes Nacionais (BRASIL, 2015a, p. 2),apresenta o Parecer no 2/20155, ao CNE que o aprovacomo indicativo de substituir as DCNs (2002). Portanto,em 1º de julho de 2015, homologa–se a Resolução no

2/2015 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais(DCNs) para a formação inicial em nível superior (cursosde licenciatura, cursos de formação pedagógica paragraduados e cursos de segunda licenciatura) e para aformação continuada. As DCNs (20015) passam a ori-entar as decisões e rumos da formação de professoresno Brasil e, em relação às diretrizes anteriores, avançampor unir a formação inicial com a continuada, de formaa se valorizar esta modalidade como também essencialpara a profissão docente.

É evidente no Parecer (BRASIL, 2015a, p. 8), es-pecialmente por apresentar relatório com amplo diag-nóstico da elaboração das Diretrizes e de seu percursohistórico, que na disputa pela lógica orientadora das Di-retrizes se efetivou a busca de maior organicidade para aformação dos profissionais do magistério da EducaçãoBásica.

[…] todo esse esforço da Comissãoarticula–se aos movimentos no cam-po visando maior organicidade daspolíticas, programas e ações atinentes

5 Para mais informações consultar o Parecer no 2/2015, homologado e pu-blicado no D.O.U de 25/6/2015, Seção 1, Pág. 13:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=downlo-ad&alias=17625–parecer–cne–cp–2–2015–aprovado–9–junho–2015&ca-tegory_slug=junho–2015–pdf&Itemid=30192 – Acesso em: 03 nov. 2016

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à formação inicial e continuada. Me-rece ser ressaltado que a Comissãoentende que as deliberações da Co-nae cumprem papel singular nesseprocesso, no sentido de que o docu-mento final da Conae 2010 e da Co-nae 2014 avança ao destacar a arti-culação entre Sistema Nacional deEducação, as políticas e a valorizaçãodos profissionais da educação e o fazsituando quem são esses profissionaisao afirmar que, no contexto de umsistema nacional de educação e nocampo das políticas educacionais, aformação, o desenvolvimento profis-sional e a valorização dos(das) traba-lhadores(as) da educação são partesconstitutivas da agenda de discussão.

Como indica o referido relatório, a perspectiva daformação continuada de professores é um importante fa-tor para o enfrentamento do desafio da democratizaçãoda Educação Básica, havendo a necessidade de se ga-rantir uma concepção de formação pautada pelo desen-volvimento de sólida formação teórica e interdisciplinarem educação de crianças, adolescentes, jovens e adul-tos(as) nas áreas específicas de conhecimento científico,pela unidade entre teoria e prática e pela centralidadedo trabalho como princípio educativo na formação pro-fissional, assim como no entendimento de que a pesqui-sa se constitui em princípio cognitivo e formativo, por-tanto, eixo nuclear dessa formação.

O que se espera, segundo o Parecer, é uma for-mação centrada na consolidação das normas nacionaispara a formação profissional do magistério para a Edu-cação Básica; na concepção sobre conhecimento, edu-

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cação e ensino; na igualdade de condições para o aces-so e a permanência na escola; na liberdade de aprender,ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, aarte e o saber; e no pluralismo de ideias e de concep-ções pedagógicas.

Nesta proposta, as instituições educativas cum-prem um papel estratégico na formação requerida, ha-vendo a necessidade de articular as DCNs para a For-mação Inicial e Continuada com uma sólida formaçãoteórica e interdisciplinar em que se garanta a unidade te-oria–prática, o trabalho coletivo e o compromisso social.

A valorização do profissional da educação passa,nessa proposta, pela efetivação da gestão democrática,assim como pela avaliação e regulação dos cursos deformação de forma a efetivar–se a articulação entre gra-duação e pós–graduação e entre pesquisa e extensãocomo princípio pedagógico essencial ao exercício e apri-moramento do profissional do magistério e da práticaeducativa.

Ênfase também é dada ao processo de planeja-mento, em que a docência é vista como ação educativae como processo pedagógico intencional e metódico, emque ainda que o currículo seja compreendido como oconjunto de valores propícios à produção e à socializa-ção de significados no espaço social da realidade con-creta dos sujeitos a ação docente requer planejamentosistemático e integrado.

Nessa perspectiva, as DCNs de 2015 sinalizam aestruturação da base comum de conceitos e, por conse-quência, a elaboração de princípios de Formação deProfissionais do Magistério da Educação Básica maisamplos, conforme o art. 3o.

Art. 3º A formação inicial e a forma-ção continuada destinam–se, especi-

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ficamente, à preparação e ao desen-volvimento de profissionais para fun-ções de magistério na educação bási-ca em suas etapas – educação infan-til, ensino fundamental, ensino médio– e modalidades – educação de jo-vens e adultos, educação especial,educação profissional e técnica de ní-vel médio, educação escolar indíge-na, educação do campo, educaçãoescolar quilombola e educação a dis-tância – a partir de compreensão am-pla e contextualizada de educação eeducação escolar, visando assegurara produção e difusão de conheci-mentos de determinada área e a par-ticipação na elaboração e implemen-tação do projeto político–pedagógicoda instituição, na perspectiva de ga-rantir, com qualidade, os direitos eobjetivos de aprendizagem e o seudesenvolvimento, a gestão demo-crática e a avaliação institucional.§ 5º São princípios da Formação deProfissionais do Magistério da Educa-ção Básica: I – a formação docente para todas asetapas e modalidades da educaçãobásica como compromisso público deEstado, buscando assegurar o direitodas crianças, jovens e adultos à edu-cação de qualidade, construída embases científicas e técnicas sólidas emconsonância com as Diretrizes Curri-culares Nacionais para a EducaçãoBásica;

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II – a formação dos profissionais domagistério (formadores e estudantes)como compromisso com projeto soci-al, político e ético que contribua paraa consolidação de uma nação sobe-rana, democrática, justa, inclusiva eque promova a emancipação dos in-divíduos e grupos sociais, atenta aoreconhecimento e à valorização dadiversidade e, portanto, contrária atoda forma de discriminação;III – a colaboração constante entre osentes federados na consecução dosobjetivos da Política Nacional de For-mação de Profissionais do Magistérioda Educação Básica, articulada entreo Ministério da Educação (MEC), asinstituições formadoras e os sistemase redes de ensino e suas instituições;IV – a garantia de padrão de qualida-de dos cursos de formação de docen-tes ofertados pelas instituições forma-doras;V – a articulação entre a teoria e aprática no processo de formação do-cente, fundada no domínio dos co-nhecimentos científicos e didáticos,contemplando a indissociabilidadeentre ensino, pesquisa e extensão;VI – o reconhecimento das institui-ções de educação básica como espa-ços necessários à formação dos pro-fissionais do magistério;VII – um projeto formativo nas insti-tuições de educação sob uma sólidabase teórica e interdisciplinar que re-flita a especificidade da formação do-

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cente, assegurando organicidade aotrabalho das diferentes unidades queconcorrem para essa formação;III – a equidade no acesso à forma-ção inicial e continuada, contribuin-do para a redução das desigualdadessociais, regionais e locais;IX – a articulação entre formação ini-cial e formação continuada, bemcomo entre os diferentes níveis e mo-dalidades de educação;X – a compreensão da formaçãocontinuada como componente essen-cial da profissionalização inspiradonos diferentes saberes e na experiên-cia docente, integrando–a ao cotidia-no da instituição educativa, bemcomo ao projeto pedagógico da insti-tuição de educação básica;XI – a compreensão dos profissionaisdo magistério como agentes formati-vos de cultura e da necessidade deseu acesso permanente às informa-ções, vivência e atualização culturais.(BRASIL, 2015b)

Especificamente voltado ao delineamento da for-mação continuada de professores, o capítulo VI da Re-solução, em seu artigo 16, compreende tal formaçãocomo composta pela dimensão coletiva, envolvendo ati-vidades de extensão, grupos de estudos, reuniões peda-gógicas, cursos, programas e ações, tendo como princi-pal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e abusca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético epolítico do profissional docente (BRASIL, 2015b).

Ademais, entende–se por formação continuada(art. 17) atividades formativas e cursos de atualização,

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extensão, aperfeiçoamento, especialização, mestrado(acadêmico ou profissional) e doutorado, os quais adici-onam novos saberes e práticas, consoante às políticas egestão da educação, à área de atuação do profissional edas instituições de educação básica em suas diferentesetapas e modalidades. (BRASIL, 2015b).

Delimitado os espaços formativos institucionais,as DCNS de 2015, estabelecem que se defina comoocorrerá a formação continuada dos profissionais domagistério da Educação Básica articulando–se a institui-ção formadora ao planejamento estratégico do FórumEstadual Permanente de Apoio à Formação Docente,aos sistemas e redes de ensino e às instituições de Edu-cação Básica.

Na contramão das proposições das DCNs 2015,segundo Freitas (2016), já há rumores dentro do gover-no de que as diretrizes serão revogadas6, aspecto quecoaduna a percepção de que, muitas vezes não se efeti-va as políticas de caráter progressista, que no objeto denossa presente análise seria a compreensão mais amplada formação inicial e continuada de professores. Silva(2015) enfoca a contradição a ser enfrentada pelos edu-cadores entre as tendências que caminham tanto nosentido da profissionalização, quanto da desprofissiona-lização docente.

Percebe–se de forma geral, incompatibilidade en-tre o proposto historicamente pelos movimentos educa-cionais e o efetivado pelas reformas. Dentre outras evi-dências, podemos notar que as políticas educacionaismais amplas e progressistas são rapidamente transfor-6 “Era de se imaginar que a ida dos reformadores empresariais para o mi-nistério levasse a esta decisão – como ocorreu com outras mais recente-mente. É época de retrocesso. A nova equipe não tem nem condições (pornão ser da área educacional) e nem interesse em estabelecer diálogos am-plos com a área da educação” (FREITAS, 2016, s/p).

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madas em programas e ações aligeirados e sem a ampli-tude almejada. Um exemplo da incongruência da lógicaapresentada nas DCNs de 2015, a título de exemplo, éo, programa de (re)certificação dos professores em quena primeira, as DCNs de 2015, temos a ação do Estadocomo propositor e implementador de ações para a for-mação de professores e a segunda como mero avaliadordo produto final.

Nas palavras de um de seus porta–vozes (MEL-LO, 2000, p. 33)7 o Sistema Nacional de Certificação eFormação Continuada de Professores “é um processonecessário para atestar que um professor está apto a en-sinar”.

De acordo com Sheibe (2003, p. 10) a ideia deum sistema de certificação, acima referido, assumidopelo MEC como ação de valorização docente, foi anali-sada por educadores e entidades da área como meio decriar “um clima de individualização de responsabilidadesobre cada professor, acirrando a competitividade na es-cola”. Ou seja, além de fortalecer a lógica da formaçãocomo responsabilidade individual do professor, a insti-tuição de um modelo de premiação do professor, peloseu desempenho no exame, reafirma a cultura de avali-ação assentada no paradigma classificatório, excludente,pois desconsidera o contexto no qual ocorre o trabalhodo(a) professor(a), nega–se as dimensões em que sãoforjadas a prática pedagógica. Freitas (2003, p. 1114)adverte que isso contribuirá, certamente, para instalaruma concepção de trabalho docente de caráter merito-crático, para instaurar/acirrar o clima de ranqueamento

7 Em 2000, divulga–se um relatório específico sobre a situação dos docen-tes no Brasil, intitulado Brazil: teachers development and incentives: a stra-tegic framework. (Brasil: desenvolvimento de professores e incentivos: umquadro estratégico) (Tradução livre)

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e competitividade”. Essa cultura de avaliação meritocrática elege a

competição e esforço individual como molas propulsorasda qualidade educacional e, a nosso ver, vai de encon-tro ao defendido pelos profissionais e estudiosos daárea, pois fortalece o círculo vicioso da avaliação defen-dida pelas reformas políticas neoliberais. Ademais, trans-fere aos (as) professores(as) a responsabilidade por seudesenvolvimento profissional, distanciando–se da ideiade formação continuada como um direito defendidopela LDB n. 9394/96 e presente nas DCNs de 2015, as-pecto visível pela pressão sofrida pelo governo que o fezrecuar da implementação do Exame Nacional de Certifi-cação de Professores como anunciado.

Tais percursos se aproximam da perspectiva de-nunciada por Freitas (2012, p. 15) como a passagem daregulação da mão do Estado para a mão do Mercado,em que as políticas regulatórias em vez de se voltarempara a efetivação de formas mais democráticas e amplasde políticas educacionais, são vistas como áreas estra-tégicas para a privatização do público. Assim, “ao priva-tizar, o Estado se desresponsabiliza por uma gama deserviços e transfere o controle para os mecanismos deregulação do mercado”.

Mello (2000), na época relatora do Banco Mundi-al (BM) no Brasil, defende que se deveria limitar o in-gresso na carreira aos professores (re)certificados, comoforma de recrutar os ‘melhores candidatos à docência’,estratégia também atrelada à pretensão posta pelo Ban-co Mundial (BM) de se vincular os aumentos salariaisdos docentes ao seu desempenho nas avaliações – reco-mendação da reformulação dos Planos de Carreira deestados e municípios (DELANNOY; SEDLACEK, 2000)

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e presente, enquanto lógica, no Plano Nacional de Edu-cação (2014–2014).

Segundo Torres (1996), o pacote de reformaseducativas proposto pelo BM, por meio do Banco Inter-nacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)7,contém os seguintes elementos:

1. A prioridade depositada sobre a educação bá–sica; 2. A melhoria da qualidade (e da eficiência) daeducação como eixo da reforma educativa, dosobjetivos e metas propostos pelo próprio equipa-mento escolar; 3. A prioridade sobre os aspectos financeiros eadministrativos da reforma educativa; 4. Descentralização de instituições escolares, asquais são responsáveis por seus resultados; 5. Convocação para uma maior participação dospais e da comunidade nos assuntos escolares; 6. Impulso do setor privado e organismos não–governamentais (ONGs) como agentes ativos noterreno educativo, tanto nas decisões como naimplementação;7. Mobilização e alocação eficaz de recursos adi-cionais para a educação; 8. Enfoque setorial no ensino fundamental;9. Definição de políticas e prioridades baseadasna análise econômica.

7 Segundo informações do site de Relações Exteriores do Brasil, o BancoMundial é uma organização internacional que surgiu da Conferência deBretton Woods (1944). O nome oficial da instituição era “Banco Internaci-onal para Reconstrução e Desenvolvimento” (BIRD), mas com sua capitali-zação mudou gradualmente seu foco e sua estrutura tornou–se mais com-plexa e deu origem a outras instituições – que hoje conformam o grupoBanco Mundial.

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Interessante observar, portanto, que as medidasadotadas pelas políticas de avaliação e valorização do-cente estão voltadas às políticas educacionais conveni-entes aos interesses do capital internacional, aspecto quese apresenta, em perspectivas, de forma oposta nasDCNs de 2015, o que nos ajuda a entender o porquêdos rumores de sua revogação.

Diante desse cenário de incompatibilidade de vi-sões entre as proposições das DCNs de 2015 e o deseja-do pelos tecnocratas a partir dos condicionantes do BM,pode–se ver que a disputa é pela concepção de educa-ção posta, em que, por um lado, se luta por uma visãomais democrática e voltada para a observação da edu-cação como direito e, de outro, para uma educação res-trita ao papel de reproduzir a força de trabalho para ocapital, ressaltando a necessidade de o país produzir umnovo tipo de professor nos moldes desejados pelas inici-ativas pautadas nas diretrizes neoliberais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde as primeiras lutas pela democratização daeducação brasileira se reconhece como indica Freitas(2007), a necessidade de uma política pública abrangen-te de formação e valorização dos profissionais da educa-ção, articulando a formação inicial e continuada, assimcomo as condições de trabalho, salários e carreira.

Araújo C., Araújo e Silva (2015, p. 59), destacamque a formação continuada de professores é uma te-mática que tem sido tratada de forma ampla na literatu-ra nacional, contando com um movimento de discussãoe reflexão que, todavia, não abarca em si uma únicacorrente epistemológica, “emergindo das diversas con-cepções de educação e sociedade presentes na realidade

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brasileira”, dentre as diferentes perspectivas estão, emdecorrência delas, diferentes formas de se ver e valorizaressa modalidade de formação de professores.

Como debatido, nacionalmente o Ministério daEducação (MEC) propõe políticas que se voltam para aformação inicial e continuada de professores, tendo sepreocupado em implementar mudanças nas práticas ins-titucionais e curriculares, políticas essas referenciadas nalógica neoliberal do BM e propositoras de um modelode formação de professores que não responde, de formacontundente, aos desafios da real democratização da so-ciedade brasileira, comprometidas, em muitos casos,com uma capacitação aligeirada e pouco voltada à for-mação mais ampla dos educadores.

A configuração da formação de pro-fessores em nosso país respondeu aomodelo de expansão do ensino supe-rior implementado na década de1990, no âmbito das reformas do Es-tado e subordinado às recomenda-ções dos organismos internacionais.(FREITAS, 2007, p. 1208).

Defende–se que as novas Diretrizes CurricularesNacionais para a formação inicial e continuada dos Pro-fissionais do Magistério da Educação Básica estabeleci-das pela Resolução CNE/CP nº 2/2015, parecem, positi-vamente, na contramão do proposto pelas DCNs de2002 e por outras iniciativas governamentais para for-mação docente, referenciadas neste texto. Corresponde,a nosso ver, a possibilidade de refletir de forma oportu-na partes importantes da luta do movimento pela forma-ção dos profissionais da educação, como bem pontuaAguiar (2015), já que ao articular a formação inicial coma formação continuada, sem que a última se configure

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apenas como treinamento de professores em exercício,assume uma perspectiva mais ampla e contextualizadada educação, dentro de uma concepção em que a for-mação de professores garanta a construção de um pro-fissional que possa efetivamente participar da produçãoe difusão do conhecimento.

Todavia, assim como nem sempre a concepçãodefendida na literatura e pelo movimento de educadoresé aquela assumida pela política pública, quando esta éefetivamente assumida, nem sempre as vitórias conquis-tadas são efetivadas em todos os âmbitos necessários oupermanecem como referência, como já apontamos acer-ca de setores do governo já comentaram que as DCNs(2015) em seu formato atual correm o risco de ser revo-gadas.

Nosso argumento ancora–se nas ações educacio-nais, do atual governo, as quais estão sendo geridas portecnocratas (reformadores empresariais), pois estamosem um período de recuo profundo nas políticas educaci-onais, a exemplo, da Medida Provisória (MP) nº 746, de22 de setembro de 2016 que Institui a Política de Fo-mento à Implementação de Escolas de Ensino Médio emTempo Integral, os encaminhamentos dados nessa MPsinalizam indícios de revogação das DCNs de 2015, esta‘nova’ equipe do Ministério da Educação, não indica in-teresse em estabelecer diálogos amplos com a área daeducação.

De forma geral e a partir de uma análise históricaque explica o que está em jogo quando, por exemplo, seameaça a continuidade das DCNs de 2015, podemosrecuperar Freitas (2005 apud ARAÚJO C.; ARAÚJO;SILVA, 2015) quando observa que a ênfase na forma-ção continuada de professores se manifesta tanto comodecorrente da luta dos profissionais, quanto da racionali-

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dade econômica que reivindica a eficiência do ensinopúblico. Aspecto que impacta de maneira direta a formacomo se efetivará, ou não, a democratização da educa-ção no país, já que ao se abrir mão de uma propostamais progressista por outra marcada pela racionalidadeeconômica gerará uma formação aligeirada e voltadaapenas para a atenção ao evidenciado como básico,não abarcando a preocupação com uma formação maisampla, o que se reverterá em uma ação na EducaçãoBásica com os mesmos delineamentos e consequenteparalisia em processos que poderiam levar à efetivaçãoda almejada democratização.

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CAPÍTULO IXTENDÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Flávia Sueli Fabiani Marcatto

INTRODUÇÃO

A formação de professores e, sobretudo, a quali-dade dos processos formativos constitui um tema queatrai a atenção de professores, pesquisadores e gestores,sendo considerada um dos fatores que pode contribuirpara a melhoria da educação e também favorecer a mo-bilidade social.

O processo de educação escolar deve permitirque os estudantes sejam conduzidos para além daquiloque seria o seu destino social a priori, ou seja, um pro-cesso inclusivo onde todos estão na escola e que todospossam, independente da sua condição, aprender na es-cola. O processo de educação deve também propiciarcondições aos educandos de minimizar qualquer formade opressão, discriminação e consequentemente de de-sigualdade. É um discurso fácil que a educação favorecea transformação da sociedade, que somente através delapodemos ter um país menos desigual, mas esbarramossempre na complexa situação em que se encontra aeducação no país.

Considero que uma das questões elementares,dentre outras, que a valorização da formação de profes-sores inicial e continuada é um ponto crucial a ser consi-derado quando se deseja promover melhorias na educa-ção. E dentro deste tema o ponto de partida deve ser oestabelecimento de um espaço novo de articulação entre

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a universidade e a escola. Não um espaço no tempo elugar. Um espaço que permita a articulação de uma ma-neira que não favoreça somente a descrição e a refle-xão. Este espaço novo deve ser produtivo, incentivar no-vas possibilidades. Para abrir novas possibilidades é pre-ciso romper com o isolamento de culturas.

Existe uma política bicultural entre e a universida-de e a escola, de um lado a academia produz e a escolaaplica. Na escola existe o pensamento, que a academiaproduz sem considerar o contexto da escola, ou seja,não é possível aplicar.

Este novo espaço na formação deve oferecer aoportunidade para trocar e negociar papéis, tensões demaneira próxima de forma a (re)imaginar e (re)construirnossos papéis como educadores. Ele é a oportunidadepara questionar as categorizações estabelecidas de cultu-ra e identidade. É importante para nos conhecermoscomo profissionais nos apoiando mutuamente na análi-se de nossas crenças e valores. Permite acima de tudotransformar a formação, pois os participantes estarão in-formados sobre necessidades da formação inicial e con-tinuada.

Quando valorizamos o processo de formação deprofessores iniciamos o processo de redução de desi-gualdades. Todos reconhecem a importância do profes-sor, poucos reconhecem a importância da formação ini-cial e continuada do professor e pouco se discute que noâmbito da formação se estabeleça um novo espaço, en-tre a universidade e a escola, em tempo real, que favo-reça a reflexão e a produção dentro da formação iniciale continuada de professores

O Parecer nº 9/2001, que trata das DiretrizesCurriculares Nacionais para a Formação de Professoresda Educação Básica, introduziu um conjunto de princí-

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pios, fundamentos e procedimentos a serem observadosna organização institucional e curricular de cada estabe-lecimento de Ensino Superior, através das ResoluçõesCNE/CP nº 1/2002, que instituiu as Diretrizes Curricula-res Nacionais para a Formação de Professores da Edu-cação Básica, e a CNE/CP nº 2 /2002, que instituiu aduração e a carga horária dos cursos de licenciatura, po-deria ter se constituído como ponto de partida para umaagenda que favorecesse a democratização da formação.

A Prática como componente curricular, aparecenestas diretrizes, com carga horária definida e obrigató-ria e com a orientação de que deveria promover a pro-blematização das questões da escola de educação básicae deste modo permitir no contexto da formação inicialum equilíbrio entre a formação no ensino superior, e aformação para o mundo do trabalho do futuro profes-sor, diminuindo a fragmentação do currículo na univer-sidade.

O professor recém-formado, que durante seu cur-so de graduação, não teve oportunidade de refletir eproblematizar o seu mundo de trabalho, ao se depararcom as exigências impostas ao trabalho docente, sejapelas políticas de educação e gestão, seja pelas deman-das da comunidade escolar, quer seja ainda, pelas exi-gências do trabalho com crianças e jovens, que requersensibilidades, conhecimentos, afetividade e acompa-nhamento dos percursos da sociedade moderna, nãorestam dúvidas que todo este contexto expõe o jovemprofessor a uma situação complexa e de desequilíbrio.

O estágio supervisionado não tem conseguidoabarcar toda esta complexidade, e evidenciar toda a di-nâmica da comunidade escolar.

Não refletir e problematizar sobre a Prática, du-rante todo o percurso da formação inicial, favorece uma

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visão sequenciada, etapista, e hierarquizada do curso.O aluno estrutura o curso da seguinte forma: disciplinasteóricas, disciplinas pedagógicas e estágio. As disciplinasteóricas isoladas de um lado, no outro polo as discipli-nas pedagógicas que faz sentido para a etapa seguinteque é o estágio. Essa estrutura descaracteriza a forma-ção inicial. A Prática como componente curricular tem oobjetivo de romper com esta estrutura fragmentada docurrículo dos cursos de formação de professores.

De dentro para fora da formação inicialde professores

O texto das diretrizes orienta que todas as disci-plinas que constituem o currículo de formação e nãoapenas as disciplinas pedagógicas deverão ter sua di-mensão prática. É essa dimensão prática que deve sertrabalhada tanto na perspectiva da sua aplicação cotidi-ana, quanto na perspectiva da sua didática.

Os modelos de formação docente fragmentam oprocesso formativo dando a falsa impressão de que osfuturos professores precisam se apoderar da teoria paraaplicá–la na prática.

Segundo Franco (2008), o sentido de formaçãoprática que acompanha os cursos de formação de pro-fessores não objetiva libertar o sujeito para que se apro-prie de suas circunstâncias e perceba as possibilidadesde criar seu fazer em sintonia com os sentidos de suaexistência histórica. Esse sentido impregnou os procedi-mentos utilizados no processo formativo e a prática soba forma de estágio supervisionado de maneira que sepermaneça não estabelecendo relações de sentido entreo ser e o fazer, mas mesmo assim, aprenda a reproduzirum fazer considerado necessário. São complexos os ca-

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minhos que organizam a lógica das práticas, e percebique essa lógica não muda por decreto, mas talvez mudepor compreensão, por confronto ou por superação.(FRANCO, 2008, p. 112)

Por outro lado, as Diretrizes Curriculares Nacio-nais deixam uma lacuna ao não orientar de maneira cla-ra, como devem ser conduzidas as atividades de Práticade Ensino e Estágio Supervisionado, levando estas disci-plinas a serem desenvolvidas sem a mesma valorização,o mesmo cuidado, o mesmo planejamento, e o mesmoacompanhamento das outras disciplinas do curso. (FIO-RENTINI e CASTRO, 2003, p.153)

O Parecer CNE/CP, nº 9/2001, afirma que aprática como componente curricular deve ser planejadaquando da elaboração do projeto pedagógico e seuacontecer deve se dar desde o início da duração do pro-cesso formativo e se estender ao longo de todo o seuprocesso. Assim são 400 horas de práticas, definidas naResolução CNE/CP, nº 2/2002, durante todo o decorrerdo curso que objetivam uma maior articulação entre ateoria e a prática na formação do professor.

A Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, man-tém a prática como componente curricular, e avança emrelação à Resolução de 2002, ao definir princípios, fun-damentos, dinâmica formativa e procedimentos a seremobservados nas políticas, na gestão e nos programas ecursos de formação, bem como no planejamento, nosprocessos de avaliação e de regulação das instituiçõesde educação que as ofertam. Ainda esta Resolução de2015, tem foco na colaboração entre as instituições e ossistemas de ensino – políticas articuladas a EducaçãoBásica/IES – Formação Inicial e Continuada e Centrosde Formação (Estadual e Municipal) – Formação Conti-nuada. Na Resolução de 2002 o foco é a organização

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curricular para a formação de professores, nas institui-ções de ensino superior. Deste modo a legislação em vi-gor avança no sentido que favorece o estabelecimentode novos espaços de colaboração e articulação entreeducação básica e ensino superior.

Um primeiro olhar sobre as orientações das dire-trizes do CNE deixa claro, como deve acontecer a orga-nização dos cursos quanto à inserção das disciplinas, oque de certa forma foi acontecendo nas Licenciaturas. Oque causa discussão, incertezas, diversidade de interpre-tações é o que é prática e a importância da prática parao professor.

Enfatizar somente que os alunos dos cursos deLicenciatura não têm significativa formação não é maisaceitável, em sua grande maioria, são oriundos de esco-las públicas ou até mesmo de cursos supletivos e nemsempre tiveram uma formação adequada para atenderas expectativas do professor do ensino superior. Consi-derando minha experiência, o aluno que busca a Licen-ciatura em Matemática, por exemplo, gosta de mate-mática, porém aquela que ele conhece, normalmenteensinada na educação básica, cheia de fórmulas e cálcu-los. Outra característica é que esse aluno em sua maiorianão pretende ser professor, pois afirma que não gostade ser professor e que esta é uma profissão que não de-seja exercer.

Os futuros professores dominam o conhecimentomatemático, a forma com que aprenderam, com umarelação marcada pela racionalidade técnica, ou seja, oconhecimento que julgam necessitar para ensinar é tidocomo o que receberão na formação inicial, hipotetica-mente suficiente para o seu desempenho e consideramque o que não foi aprendido na formação inicial seráaprendido quando estiverem no exercício da profissão.

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Deste modo o grande desafio para os cursos deformação de professores é promover situações para queeles se apropriem de conhecimentos necessários parauma atuação profissional de qualidade.

O avanço em áreas como a Educação Matemáti-ca ampliou a quantidade de pesquisas que podem cola-borar com o fazer do professor em sala de aula. Nos últi-mos 40 anos, educadores matemáticos têm contribuídocom estudos que investigam fatores que influenciam osprocessos de ensino e aprendizagem de matemática. Aquestão a ser considerada é como incorporar na forma-ção inicial de professores as diversas temáticas, tendên-cias metodológicas e de pesquisa que a área de Educa-ção Matemática tem desenvolvido.

Os futuros professores sustentam sua atuação naEducação Básica em conhecimentos que foram construí-dos, reformulados e transformados no decorrer dos cur-sos de graduação que frequentaram. Portanto, observoque a formação do professor precisa alcançar domíniosde conhecimentos em que os traumas ou lacunas dos li-cenciandos sejam superados e não sejam transferidospara seus alunos.

Quando se fala em formação do professor umatendência nos cursos de licenciatura é hierarquizar a teo-ria sobre a prática. É necessária uma formação ondenão se estabeleça hierarquias. A dimensão prática devedeixar de ter um caráter essencialmente acadêmico nosentido que se aprende técnicas pedagógicas no ensinosuperior para posteriormente se aplicar estas técnicas naescola.

Estudo realizado por Candau e Lelis (1999) mos-tra visões distintas de conceber a relação teoria e práticaque se explicitam nos currículos de formação de profes-sores no Brasil. Segundo as autoras, a relação entre teo-

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ria e prática pode ser fundamentada em dois esquemas:a visão dicotômica e a visão de unidade. A primeira vi-são está centrada na separação entre teoria e prática,com ênfase na total autonomia de uma em relação à ou-tra. Ainda dentro desta visão existe uma mais extremis-ta, denominada dissociativa, na qual a teoria e a práticasão componentes isolados e até mesmo opostos.

Na visão de unidade, teoria e prática são compo-nentes indissociáveis da “práxis” definida como ativida-de teórica e prática que tem um lado ideal, teórico e umlado material, propriamente prático. A visão de unidadeentre teoria e prática deveria ser trabalhada em todos oscomponentes curriculares. O ‘que’ e o ‘como’ ensinardevem estar articulados ao ‘para quem’ e ‘para que’ en-sinar. (CANDAU e LELIS, 1999).

Fávero (2011) também defende que a relaçãoentre os dois polos, teoria e prática, tem–se apresentadono decorrer de nossa história, sob duas formas: uma di-cotômica, ou seja, em dois planos opostos e outra dia-lética ou de unidade. Na concepção dicotômica a uni-versidade favorece a construção de conhecimentos so-bre a formação de professores acumulados ao longo dahistória. A teoria é vista e pensada como um conjuntode verdades absolutas e universais. Por outro lado estamesma concepção pode, como um pêndulo, tender aprivilegiar a formação prática. Essa prática é vista comose tivesse sua própria lógica, independente da teoria.(FÁVERO, 2011, p.69)

Já segundo a concepção dialética, teoria e práti-ca são consideradas o núcleo articulador da formaçãode professores, quando trabalhadas de forma integrada,se constituindo uma unidade indissociável. A teoria nãose apresenta como um conjunto de regras e normas. Éformulada e trabalhada a partir do conhecimento da re-

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alidade concreta. Quanto à prática, ela é o ponto de par-tida e, também, de chegada. (FÁVERO, 2011, p.69)

A afirmação conhecida de que ninguém se torna-rá professor apenas porque “sabe sobre” os problemasda profissão, por ter estudado algumas teorias a respei-to, é corroborada por Clareto e Oliveira (2010) que pro-blematizam a noção de “experiência” na formação deprofessores como possibilidade de enfrentamento da di-cotomia teoria e prática.

Pode–se compreender a experiência de diferen-tes maneiras, segundo Clareto e Oliveira (2010).

[…] como experimento controladoou controlável, como algo que se ad-quire com o tempo, como vivênciacotidiana, como a prática de algo,como momentos vividos, como algoque se dá no interior do sujeito e serefere a uma vivência que se dá noexterior do sujeito […].(CLARETO eOLIVEIRA, 2010, p. 72)

Schön (2000) resgata a noção de “experiência” ede reflexão para criar o seu conceito de professor reflexi-vo, na tentativa de superar a dicotomia teoria e práticapresente nos cursos de formação de professores. Reco-nhece nesse dualismo um dos motivos para a crise doconhecimento profissional de sua época. A teoria não dáconta de abarcar as demandas específicas das profis-sões. Por outro lado, a prática tem por objetivo fazercom que os profissionais solucionem seus problemas apartir de meios técnicos mais apropriados, para propósi-tos específicos.

No desenvolvimento de suas ideias sobre o pro-fessor reflexivo, Schön (2000) tem como objetivo proporàs instituições responsáveis pela formação inicial de pro-

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fessores que se voltem para uma educação prática den-tro da perspectiva da reflexão–na–ação. Desta formapara ele a competência profissional não está na aplica-ção de técnicas e teorias e sim observada durante o seupróprio fazer, através de uma prática reflexiva.

Concepções de aprendizado docente

Ao considerar as várias iniciativas relacionadas àformação de professores, Cochran–Smith e Lytle (1999)nos fornecem um esquema teórico onde tratam das con-cepções de aprendizado de professores. As autoras de-fendem três diferentes concepções de aprendizado deprofessores em formação inicial que sustenta a maioriadas ações de formação de professores atuais. Estas trêsconcepções derivam de ideias diferentes sobre conheci-mento e prática profissional, e sobre como estes elemen-tos se relacionam no trabalho do professor.

A primeira concepção denominada de conheci-mento para a prática baseia–se na compreensão de quea relação entre conhecimento e prática pode ser pensa-da como conhecimento para a prática. Esta é uma dasconcepções que mais prevalece na formação de profes-sores, se fundamenta na ideia de que saber mais, isto é,mais conteúdo, mais teorias sobre educação, mais peda-gogia, mais estratégias de ensino, levam a uma práticamais efetiva. O conhecimento para ensinar consiste noque é chamado de conhecimento formal considerandoas teorias gerais e descobertas de pesquisa de tópicosfundamentais e aplicados que juntos constituem os do-mínios básicos do conhecimento sobre ensino, que oseducadores chamam de base de conhecimento.

Os domínios básicos incluem: o conteúdo da ma-téria, o conhecimento sobre as bases disciplinares da

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educação, desenvolvimento humano, organização desala de aula, pedagogia, avaliação, contexto social e cul-tural da escola, e conhecimento da profissão de profes-sor. Professores habilidosos têm conhecimento de suasdisciplinas e das estratégias de ensino mais eficazes paracriar oportunidade de aprendizado para seus alunos. Osfuturos professores aprendem este conhecimento pormeio das experiências de formação que conduzem àbase de conhecimento. Desta maneira o ensino melhoraquando os professores colocam em prática o que adqui-rem com os especialistas fora da sala de aula.

A relação de conhecimento para a prática depen-de do pressuposto de que o conhecimento que os pro-fessores devem ter para ensinar é produzido essencial-mente por pesquisadores nas universidades, nas váriasdisciplinas. Isto inclui conhecimento do conteúdo a serensinado, teorias de educação, modelos de análise, bemcomo estratégias avançadas e práticas eficientes de ensi-no de diversas disciplinas.

Implícita nesta relação de conhecimento para aprática está uma imagem de prática como sendo: como,quando e o que, os professores fazem com a base de co-nhecimento formal no dia a dia da sala de aula. Incluí-dos aí estão de que forma os professores organizam suasaulas, unidades de estudo, atividades e materiais usadospara cada grupo de estudantes, a sequência dos conteú-dos de uma disciplina, e o modo pelo qual se estruturamaulas e interações na sala, bem como os métodos deavaliação.

Ensinar é, portanto, entendido como um proces-so de aplicação de um conhecimento recebido em umasituação formal: os professores implementam, traduzem,usam, adaptam e colocam em prática o que aprenderamda base de conhecimento. O conhecimento que faz do

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ensino uma profissão vem de autoridades de fora daprofissão propriamente dita.

A imagem de prática na primeira concepção deaprendizado de professores, portanto, é uma imagem deconhecimento para o uso – os professores são usuáriosaptos, não geradores.

A segunda concepção defendida por Cochran–Smith e Lytle (1999) é conhecimento na prática. A ênfa-se desta concepção está na reflexão do professor sobresua atuação na sala de aula. Este conhecimento é ex-presso na arte da prática, nas reflexões do professor so-bre a prática, nas investigações sobre a prática e nasnarrativas sobre a prática. Segundo as autoras, o pressu-posto básico desta concepção é que o ensino é, até certoponto, um artesanato incerto e espontâneo, situado econstruído a partir das particularidades da vida cotidiananas escolas e salas de aula.

O conhecimento que os professores utilizam paraensinar se manifesta em ações e decisões que eles to-mam à medida que procedem. Este conhecimento é ad-quirido por experiência e na reflexão sobre tal experiên-cia. No dia a dia os professores experientes escolhem es-tratégias, organizam rotinas de sala de aula, criam pro-blemas, estruturam situações, tomam decisões e reconsi-deram seu próprio raciocínio.

Dentro desta perspectiva de conhecimento naprática, os formadores colocam e constroem problemasa partir da incerteza e complexidade das situações práti-cas cotidianas, e dão significado a estas situações ao co-nectá–las com situações anteriores, bem como com umavariedade de outras informações. Subentende–se, por-tanto, que o conhecimento é fundamentalmente práticoe que os professores são geradores do próprio conheci-mento.

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Portanto, a primeira concepção de prática é umcampo de aplicação e a segunda é um campo de gera-ção de demandas e definição de teorias a serem estuda-das.

A terceira concepção de aprendizado de profes-sores apresentada por Cochran–Smith e Lytle (1999) é oconhecimento da prática. Este conhecimento não seapoia sobre a distinção entre o conhecimento formal e oprático. A concepção de conhecimento da prática tam-bém não entende que existem dois tipos distintos de co-nhecimento de ensino, um formal, que é produzido deacordo com as convenções da pesquisa social, e outroque é prático, produzido durante a atividade de ensino.

Para Cochran–Smith e Lytle (1999), a ideia doconhecimento da prática é que:

[…] através da investigação, os pro-fessores ao longo de sua vida profis-sional – de novato a experiente –problematizam seu próprio conheci-mento, bem como o conhecimento ea prática de outros, assim se colocan-do em uma relação diferente com oconhecimento. […] Ela se baseia, aocontrário, em ideias fundamental-mente diferentes: que a prática émais que prática, que a investigaçãoé mais que a concretização do co-nhecimento prático do professor, eque entender as necessidades de co-nhecimento do ato de ensinar signifi-ca transcender a ideia de que a dis-tinção formal–prático engloba o uni-verso dos tipos de conhecimento(p.273–274).

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Importante enfatizar que o conhecimento daprática não significa dizer que a atuação e reflexão doprofessor na escola básica fornecem todo o conhecimen-to necessário para melhorar a prática, e muito menosque o conhecimento gerado por pesquisadores nas uni-versidades não tem utilidade para os professores. Opressuposto desta concepção é de que professores queestão estudando geram um novo tipo, ou um tipo suple-mentar, de conhecimento formal sobre práticas compe-tentes de ensino, quando estão dentro deste contexto. Etambém não se pode afirmar que eles geram e codificamum novo corpo de conhecimento prático baseado empadrões epistemológicos diferentes, mas sim derivadosdaqueles do conhecimento formal. (COCHRAN–SMITHe LYTLE, 1999)

A concepção de conhecimento da prática partedo pressuposto de que o conhecimento que os professo-res devem ter para ensinar surge da investigação siste-mática do ensino, dos estudantes, do aprendizado, doconteúdo, do currículo e da escola. Este conhecimento éconstruído coletivamente dentro de comunidades locais,através de parcerias entre universidades e escolas.

Nóvoa (2011) nos chama atenção para a necessi-dade dos professores terem um lugar predominante naformação dos seus colegas. Só haverá mudança signifi-cativa se a “comunidade dos formadores de professo-res” e a “comunidade dos professores” se tornarem maispermeáveis e em ligação estreita. Ele acrescenta ainda,exemplificando, que os médicos e os hospitais–escolapossam nos servir de inspiração no modo como a pre-paração está concebida nas fases de formação inicial, deindução e de formação em serviço. (p.18)

É preciso passar a formação de pro-fessores para dentro da profissão. Na

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verdade, não é possível escrever tex-tos atrás de textos sobre a praxis e opracticum, sobre a phronesis e a pru-dentia como referências do saber do-cente, sobre os professores reflexivos,se não concretizarmos uma maiorpresença da profissão na formação.(NÓVOA, 2011, p. 19)

As propostas teóricas só fazem sentido se foremconstruídas dentro da profissão, se contemplar a necessi-dade de um professor, se forem apropriadas a partir deuma reflexão dos professores sobre o seu próprio traba-lho. Para isso é necessário que os professores tenhamcondições que lhe permitam ir mais longe. O trabalho deformação deve estar próximo da realidade escolar e dosproblemas sentidos pelos professores.

O que significa ser professor nos dias de hoje di-ante da Revolução de “todos na escola”, Revolução daInformação, Revolução da Comunicação, em especialna forma de comunicação de um com o outro. Qual opapel da educação neste contexto? Quais são as funçõesda escola? O que é profissionalismo docente?

Nóvoa (2011) propõe um tratado baseado no ar-gumento de que é necessária uma formação de profes-sores construída dentro da profissão. Para isso esclarececinco propostas de ação: Práticas, Profissão, Pessoa,Partilha e Público.

No que diz respeito à prática, Novoa afirma queo debate educativo tem sido desde muito tempo marca-do pela dicotomia teoria e prática e que não houve umareflexão que colaborasse com a transformação da práti-ca em conhecimento.

A exposição de casos concretos e o desejo de en-contrar soluções que permitam resolvê–los, pode nascer

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da prática, de situações reais, são “práticos”, porém sópodem ser resolvidos através de uma análise teórica. Aformação inicial de professores ganharia muito se fosseorganizada, preferencialmente, em torno de situaçõesconcretas, de insucesso escolar, de problemas escolaresou de programas de ação educativa.

Deve–se dar a devida importância a um conheci-mento que vai além da “teoria” e da “prática” e que re-flete sobre o processo histórico da sua constituição, asexplicações que prevaleceram e as que foram abando-nadas, o papel de indivíduos e de contextos, as dúvidasque persistem, as hipóteses alternativas, etc. Para serprofessor não é suficiente ter o domínio sobre determi-nados assuntos, é preciso compreendê–los em todas assuas dimensões.

A procura por um conhecimento pertinente não émera aplicação prática de uma teoria qualquer, mas simalgo que exige sempre um esforço de reelaboração, oconceito de transformação deliberativa, de modo que otrabalho docente não se traduz em uma mera transposi-ção, pois supõe uma transformação dos saberes, e obri-ga a uma deliberação, isto é, a uma resposta a dilemaspessoais, sociais e culturais. (NÓVOA, 2011, p. 53)

É preciso destacar, a responsabilidade profissio-nal na formação de professores, diante da necessidadede mudanças nas rotinas de trabalho, mudanças pesso-ais, coletivas ou organizacionais. A inovação é funda-mental para o processo de formação.

Para a ação, nomeada por Nóvoa (2011), deProfissão propõe devolver a formação de professoresaos professores, defendendo conceder aos professoresmais experientes um papel central na formação dos maisjovens.

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A ação, denominada por este mesmo autor, Pes-soa defende tanto o registro de experiências quanto asde práticas profissionais. E acrescenta que a formaçãonão se esgota em matrizes curriculares científicas oumesmo pedagógicas, mas se define a partir de referên-cias pessoais contribuindo para formar nos futuros pro-fessores hábitos de reflexão e auto–reflexão.

A Partilha pressupõe a valorização do trabalhoem equipe e o exercício coletivo da profissão, reforçan-do a ideia da escola como o lugar da formação dos pro-fessores, como o espaço da análise partilhada das práti-cas, enquanto rotina sistemática de acompanhamento,de supervisão e de reflexão sobre o trabalho docente.Em segundo lugar a ideia da docência coletiva.

Não há respostas feitas para o con-junto de dilemas que os professoressão chamados a resolver numa esco-la marcada pela diferença cultural epelo conflito de valores. Por isso, étão importante assumir uma éticaprofissional que se constrói no diálo-go com os outros colegas. (NÓVOA,2011, p.58)

Na última ação, denominada pelo autor citado,Público, reforça a importância da presença pública doprofessor, sua capacidade de intervenção no espaço pú-blico da educação e a exigência de uma grande capaci-dade de comunicação dos professores.

Por sua vez, Zeichener (2010) defende a ideiado terceiro espaço na formação de professores, que vemdo hibridismo onde indivíduos extraem de discursos va-riados elementos para fazer sentido ao mundo. O tercei-ro espaço pode ser interpretado como uma confluência

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de espaços de formação, portanto ele rejeita os polosque se opõem.

Terceiros espaços envolvem uma re-jeição das binaridades tais como en-tre o conhecimento prático profissio-nal e o conhecimento acadêmico, en-tre teoria e a prática, assim como en-volve a integração, de novas manei-ras, do que comumente é visto comodiscursos concorrentes em que umaperspectiva do isso ou aquilo é trans-formada num ponto de vista do tantoisso quanto aquilo. (ZEICHNNER,2010, p. 486).

O conceito de terceiro espaço diz respeito à cria-ção de espaços híbridos nos programas de formação ini-cial de professores que reúnem professores da EducaçãoBásica e do Ensino Superior, e conhecimento práticoprofissional e acadêmico em novas formas para aprimo-rar a aprendizagem dos futuros professores. Os terceirosespaços reúnem o conhecimento prático ao acadêmicode modos menos hierárquicos, mais reflexivos e produti-vos tendo em vista a criação de novas oportunidades deaprendizagem para os professores em formação inicial econtinuada.

As parcerias entre escolas e universidades na for-mação de professores, em espaços híbridos, ganhariamum incentivo, com posições igualitárias para os envolvi-dos, diferentemente do que acontece nas parcerias con-vencionais entre universidade e escola.

A criação de terceiros espaços na for-mação de professores envolve umarelação mais equilibrada e dialéticaentre o conhecimento acadêmico e o

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da prática profissional, a fim de darapoio para a aprendizagem dos pro-fessores em formação. (ZEICHNER,2010, p. 487)

A visão dicotômica quando estabelecida na for-mação inicial impõe espaços distintos para a teoria e aprática que são entendidas como autônomas. O espaçoda teoria é entendido como formação docente na uni-versidade e o espaço da prática é a atuação do futuroprofessor na escola. Neste sentido se faz necessário queo espaço de formação promova encontros dialógicospara que aconteça uma transformação mutua de identi-dades, preservando as características que cada um tem,permitindo que universidade e escola estabeleçam umacomunidade profissional, híbrida, em tempo real e quetenha sua identidade, que possibilite ao licenciando ob-servar e sistematizar em tempo real a escola e a partirdaí produzir um discurso sobre o exercício da profissãodocente.

Este espaço híbrido é como na genética, ou seja,uma nova característica que confere vantagem na sobre-vivência, sem tirar sua característica principal. É umaformação na prática de dentro para fora. (MARCATTO,2012)

Desfazendo o isolamento entre o espaçode formação e o espaço de atuação pormeio do PIBIB

Entendo que é necessário desfazer o isolamentoentre o espaço de formação e o espaço de atuação e es-tabelecer um novo espaço dentro da formação, híbridoque permita em tempo real a interação dos conhecimen-tos considerados saberes produzidos pela pesquisa aca-

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dêmica, os saberes da universidade e os saberes produ-zidos pela experiência docente, o conhecimento da edu-cação básica.

Portanto, a prática como componente curriculardeve ser concebida como um espaço híbrido dentro daformação inicial do aluno de licenciatura que considereos aspectos instrucionais, conceituais, avaliativos, forma-tivos, cognitivos, culturais, éticos e políticos da educaçãobásica. É uma imersão, no contexto, na cultura da esco-la, compreendendo e problematizando situações de for-ma autônoma, mas considerando ambos os saberes.

Um importante passo foi dado na direção da for-mação de professores no Brasil. Com o objetivo de in-centivar e valorizar o magistério, aprimorar o processode formação inicial de docentes para a Educação Básicao Ministério da Educação criou, em 2007, o ProgramaInstitucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID,que tem contribuído para a integração entre teoria eprática. Em 2009, o PIBID passa a integrar a Diretoriade Educação Básica (DEB), na CAPES (Coordenaçãode Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior1).

De acordo com a agência financiadora do pro-grama alguns objetivos são: elevar a qualidade da for-mação inicial de professores nos cursos de licenciatura,promovendo a integração entre educação superior eeducação básica; inserir os licenciandos no cotidiano deescolas da rede pública de educação, proporcionando–lhes oportunidades de criação e participação em expe-

1 Concepção de avaliação sustentada por índices (Conceito Preliminar deCursos CPC, Indicador de Desempenho Esperado e Observado –IDD, e oÍndice Geral dos Cursos – ICG) de desenvolvimento pautados por indica-dores quantitativos que permitam a elaboração de "ranking", tem colabora-do para desvirtuar os princípios defendidos pelo SINAES, tendo em vista ouso desses indicadores para a comparabilidade e ranqueamento das insti-tuições (MENDES, 2011).

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riências metodológicas, tecnológicas e práticas docentesde caráter inovador e interdisciplinar que busquem a su-peração de problemas identificados no processo de ensi-no–aprendizagem; incentivar escolas públicas de educa-ção básica, mobilizando seus professores como coforma-dores dos futuros docentes e tornando–as protagonistasnos processos de formação inicial para o magistério; econtribuir para a articulação entre teoria e prática neces-sárias à formação dos docentes, elevando a qualidadedas ações acadêmicas nos cursos de licenciatura.

O Relatório de Gestão 2009–2011 da DEB/CA-PES – Diretoria de Educação Básica caracteriza o PIBIDcomo programa que “articula três vertentes: formaçãode qualidade; integração entre pós–graduação, forma-ção de professores e escola básica; e produção de co-nhecimento” e que apresenta a mesma “linha de açãomarcada pela continuidade dos programas e pela identi-dade de visão política dos titulares da DEB sobre a rele-vância social da carreira do magistério da educaçãobásica”. (DEB/CAPES, 2011, p.1–2)

A Diretoria de Formação de Professores para aEducação Básica – DEB/CAPES, no Relatório de Gestão2009–2013, observa que o PIBID tem como propostaoferecer bolsas de iniciação à docência aos licenciandosque “exerçam atividades pedagógicas em escolas públi-cas de educação básica”, aos professores da educaçãobásica que participam da formação destes alunos, e aosprofessores das IES que coordenam e acompanham asatividades dos alunos. (DEB/CAPES, 2013)

Neste relatório ainda são apresentados os princí-pios do programa, que contribui “para a aproximaçãoentre universidades e escolas”; “para a integração entreteoria e prática” e para a “melhoria da qualidade da

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educação brasileira”, e impactos importantes já percebi-dos pelas instituições envolvidas.

Cunha e Marcatto (2016, p.4) descrevem osprincípios do PIBID como

[…] ideias para o estreitamento darelação entre as instituições de for-mação dos futuros professores e asescolas de educação básica, locaisnos quais estes professores trabalha-rão; um estreitamento também entrea teoria e a prática; valorização nãosó dos saberes produzidos na e pelaacademia, mas também os saberesdos professores que estão na escolade educação básica; foco na realida-de da escola e da educação, buscan-do em casos concretos e nas situa-ções acontecidas dentro das escolas,através de pesquisa e investigação,propostas para a resolução dos pro-blemas e inovações para o ensino; etambém, crença no diálogo e no tra-balho coletivo como formas de reali-zar a profissão com responsabilidadesocial.

Para além dos objetivos e princípios, pressupos-tos teórico–metodológicos que pautam o PIBID comoum programa que objetiva um processo de modificaçãoe (re)construção de uma nova cultura educacional arti-culando teoria–prática, universidade–escola e formado-res–formandos, e que tem como eixo orientador da for-mação a interação de diferentes saberes sobre a docên-cia.

Os relatórios de gestão produzidos pelaDEB/CAPES, em 2009 e 2013, observa–se impactos do

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PIBID, nas escolas de Educação Básica, nos seus docen-tes e nos cursos de Licenciatura participantes. Para asescolas de Educação Básica os impactos que vão desdea revitalização e potencialização do uso dos espaços es-colares até a valorização do magistério da EducaçãoBásica.

Nos cursos de Licenciatura, as contribuições sãoa articulação teoria–prática, Formação de um novo es-paço de formação reflexivo e produtivo e muito impor-tante a diminuição da evasão nos cursos, e alteração deprojetos pedagógicos dos cursos de formação de profes-sores.

O programa foi submetido a uma avaliação porconsultores externos, em 2013, na qual todos os seg-mentos envolvidos foram ouvidos onde foi possível ob-servar na visão dos envolvidos no programa, um aper-feiçoamento da formação inicial de docentes para aeducação básica. Destaque também dos Licenciandosque participam deste Programa que declaram que o PI-BID está contribuindo fortemente para sua formaçãoprofissional em função de propiciar contato com a reali-dade escolar, com a sala de aula e os alunos, possibili-tando–lhes conhecer de perto a escola pública e os desa-fios da profissão docente. (DEB/CAPES, 2013)

O PIBID se apresentada como uma política insti-gadora de formação inicial engajada com a realidade daescola de educação básica. (CUNHA e MARCATTO,2016). O Programa favorece o espaço híbrido para odesenvolvimento da prática, em tempo real, entre a uni-versidade e a escola de educação básica. O PIBID forta-lece uma visão mais holística da formação de professo-res, explorando como os professores da Educação Bási-ca e professores da Academia podem usar o potencial

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de ambos e os recursos para criar situações de ensino–aprendizagem.

O programa de iniciação à docência promove,portanto, a inserção de estudantes de licenciatura nocontexto das escolas públicas desde o início da sua for-mação acadêmica para que desenvolvam atividades di-dático–pedagógicas sob orientação de um docente docurso de licenciatura e de um professor da educaçãobásica, ou seja, com a participação de um professor ex-periente que vivencia a escola, ambos problematizandoe contextualizando as questões que envolvem o fazerdocente. O que seria, segundo Nóvoa (2011), devolverà profissão a formação dos futuros professores, de den-tro para fora.

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CAPÍTULO XEDUCAÇÃO PERMANENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS

EM SAÚDE: UM OLHAR BIOÉTICO

Luiz Roberto Martins Rocha

INTRODUÇÃO

Em um momento em que o sistema público desaúde brasileiro está sendo ameaçado, questionado edesafiado, o presente texto tem a intenção de contribuircom o processo de tomada de decisão quanto aos ru-mos de nossas políticas públicas no campo da saúde.

Inicialmente, a intenção é dar destaque aos temasprincipais constantes das quinze Conferências Nacionaisde Saúde no Brasil, entre 1941 e 2015. Tais destaquesvisam detectar as principais questões abordadas e deba-tidas nas últimas sete décadas no campo da saúde públi-ca no Brasil.

Há, também, o objetivo de se identificar quais ostemas que se tornaram recorrentes ao longo dos anosem uma perspectiva histórica das políticas públicas desaúde no Brasil. A identificação dos principais temasvisa favorecer um exercício reflexivo quanto ao passadoe ao futuro de uma nação em um campo fundamentalcomo o da saúde, em particular no âmbito do processode ensino e de aprendizagem proposto pela EducaçãoPermanente em Saúde (EPS). Visa também refletir sobreo que está acontecendo e sobre o que precisa ser trans-formado.

Por fim, em uma perspectiva bioética, busca–seconstruir uma correlação entre os temas identificados e a

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“ética da responsabilidade pública”, que segundo (GAR-RAFA (2005), diz respeito ao papel e aos deveres dosEstados democráticos frente a temas universais como acidadania e os direitos humanos.

À guisa de introdução, destacam–se os delinea-mentos pedagógicos e os desafios da vertente intituladacomo “Educação Permanente em Saúde”, doravante re-gistrada como EPS, adotada no campo da saúde coleti-va/pública.

Educação permanente em saúde (EPS)

A EPS pode ser compreendida como processoeducativo que coloca o cotidiano do trabalho – ou daformação – em saúde em análise. (CECCIM, 2005)

Para a consolidação da EPS, novos arranjos enovos acordos devem ser constituídos, de acordo comMERHY & FEUERWERKER (2011). Os autores afirmamque nos anos 1960, Pierre Furter (1971 – 1994) foi umdos educadores a trabalhar fortemente na construçãodessa ideia. O caráter transformador da EPS, então,deve ser destacado:

A educação permanente em saúde(EPS) tem como objeto de transfor-mação o processo de trabalho, orien-tado para a melhoria da qualidadedos serviços e para a equidade nocuidado e no acesso aos serviços desaúde. Parte, portanto, da reflexãosobre o que está acontecendo no ser-viço e sobre o que precisa ser trans-formado. (RIBEIRO; MOTTA, 1996)

A formação para a área da saúde é tema de pu-blicação de CECCIM & FEUERWERKER (2004) em que

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reafirmam que a EPS deve ter como objetivos a trans-formação das práticas profissionais e da própria organi-zação do trabalho. Enfatizam que a EPS deve estrutu-rar–se a partir da problematização do processo de traba-lho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado àsvárias dimensões e necessidades em saúde das pessoas,dos coletivos e das populações.

A EPS parte dos incômodos vivenciados com arealidade vivida em ato e conta com os saberes préviosde cada sujeito, tornando possível e necessária umaaprendizagem chamada significativa (SLOMP JUNIOR;FEUERWERKER; LAND, 2015). Os autores incluem obrasileiro Paulo Freire como ativo formulador de refe-renciais teóricos constituintes da EPS. Os pesquisadoresafirmam, ainda, que:

“Essa nova vertente de EPS parte daperspectiva de que, se saúde se pro-duz em ato, tais atos de saúde sãoconcretizados pelos trabalhadoresquando de posse das três formas detecnologias em saúde: as duras (ins-trumentos, medicamentos, equipa-mentos, tudo que resulta do trabalhomorto); as leve–duras (conhecimen-tos técnicos estruturados) e as levesou relacionais, aquelas que conferema ‘vida’ propriamente dita a esse tra-balho tão peculiar, que é vivo eacontece em ato, produtor (ou inter-ditor) do cuidado.” (SLOMP JUNI-OR; FEUERWERKER & LAND,2015)

Em recente publicação, GIGANTE & CAMPOS(2016) discutiram as inter–relações dos relatórios dasConferências Nacionais de Saúde com as propostas

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apresentadas em documentos oficiais do Sistema Únicode Saúde referentes à formação e desenvolvimento derecursos humanos. Os autores desenvolveram o estudodo tipo exploratório buscando relacionar os relatórios àincorporação de novos referenciais pedagógicos pauta-dos pelas metodologias ativas de ensino–aprendizagem.Concluíram que há correlação entre as reivindicaçõesque emergem de necessidades sociais identificadas naconstrução do Sistema Único de Saúde e as propostasinscritas nas legislações pertinentes.

A concretização da EPS na legislação brasileirapode ser verificada na Portaria GM/MS Nº 198, de 13de fevereiro de 2004, que institui a Política Nacional deEducação Permanente em Saúde como estratégia doSistema Único de Saúde para a formação e o desenvol-vimento de trabalhadores para o setor. (BRASIL, 2004)

Destacada a importância da educação perma-nente no campo da saúde, especialmente no que con-cerne ao seu caráter transformador da realidade, o focopassa a ser a identificação de quais foram os temas e osprincipais enunciados constantes das Conferências Naci-onais de Saúde no Brasil em 74 anos de história das po-líticas de saúde no Brasil.

Temas principais constantes das Confe-rências Nacionais de Saúde no Brasil.

As Conferências de Saúde foram instituídas cum-prindo o disposto no parágrafo único, do artigo n.º 90,da Lei n.º 378, de 13 de janeiro de 1937.

A 1ª Conferência Nacional de Saúde, em 1941,foi convocada pelo Presidente da República, GetúlioVargas, e organizada pelo Ministério da Educação e daSaúde.

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Os temas centrais da 1ª Conferência foram: 1.Organização sanitária estadual e municipal; 2. Amplia-ção e sistematização das campanhas nacionais contra ahanseníase e a tuberculose; 3. Determinação das medi-das para desenvolvimento dos serviços básicos de sane-amento; 4. Plano de desenvolvimento da obra nacionalde proteção à maternidade, à infância e à adolescência.(FIOCRUZ, 2016)

A 2ª Conferência Nacional de Saúde foi no go-verno Gaspar Dutra, realizada em 1950. O tema centralfoi a legislação referente à higiene e segurança do traba-lho. Os principais temas abordados foram: 1. Prestaçãode assistência médica sanitária e preventiva para traba-lhadores e gestantes; 2. Malária. (MAUAD; GRECO,2004)

A 3ª Conferência Nacional de Saúde, em dezem-bro de 1963, foi convocada pelo Presidente da Repúbli-ca João Goulart, e organizada pelo Ministério da Saúde,abordando a proposta efetiva de descentralização dasaúde em um contexto da criação do Ministério. (MAU-AD; GRECO, 2004)

Temas tratados na 3ª Conferência: 1. Situaçãosanitária da população brasileira; 2. Distribuição e coor-denação das atividades médico–sanitárias nos níveis fe-deral, estadual e municipal; 3. Municipalização dos ser-viços de saúde. 4. Fixação de um plano nacional de saú-de. (FIOCRUZ, 2016)

Recursos humanos para a saúde foi o tema prin-cipal da 4ª Conferência Nacional de Saúde, tendo comoquestão central a identificação do perfil profissional ne-cessário à solução dos problemas de saúde do país, comênfase na educação sanitária. A 4ª Conferência foi reali-zada em agosto de 1967, na ditadura do governo militarde Castelo Branco, (MAUAD; GRECO, 2004)

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A 5ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasí-lia, em agosto de 1975, foi convocada pelo PresidenteErnesto Geisel. Foram os principais temas abordados: 1.Implementação do Sistema Nacional de Saúde; 2. Pro-grama de Saúde Materno–Infantil; 3. Sistema Nacionalde Vigilância Epidemiológica; 4. Programa de Controledas Grandes Endemias; e 5. Programa de Extensão dasAções de Saúde às Populações Rurais. (CONSELHONACIONAL DE SAÚDE, 2011)

Ainda no governo militar de Geisel, em agosto de1977, em Brasília, foi realizada a 6ª Conferência Nacio-nal de Saúde. Foram temas centrais da 6ª ConferênciaNacional: 1. Situação do controle das grandes endemi-as; 2. Operacionalização dos novos diplomas legais bási-cos aprovados pelo governo federal em matéria de saú-de; 3. Interiorização dos serviços de saúde; e 4. PolíticaNacional de Saúde. (FIOCRUZ, 2016)

A última conferência realizada no período da di-tadura militar foi em março de 1980, convocada peloPresidente João Figueiredo. A 7ª Conferência Nacionalde Saúde tratou da regionalização e organização dosserviços de saúde nas Universidades Federais e da arti-culação dos serviços básicos com os serviços especializa-dos no sistema de saúde. (MAUAD; GRECO, 2004)

O momento maior da história das Conferênciasde Saúde no Brasil, até a presente data, foi a 8ª Confe-rência Nacional de Saúde, iniciada em uma segunda–feira, 17 de março de 1986, com a presença do Presi-dente José Sarney, no Ginásio de Esportes de Brasília.

De acordo com LUZ (1994), a intensa movimen-tação da sociedade civil teve um papel muito importantepara a aceitação, na política oficial, das propostas da 8ªConferência Nacional de Saúde, em grande parte con-substanciadas no SUS.

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A 8ª Conferência teve como presidente da comis-são organizadora o médico Sérgio Arouca, que haviasido empossado como presidente da Fundação OswaldoCruz (Fiocruz) em maio de 1985. Importante registrarque:

No Brasil de 1986, a tônica era asaúde. Conhecida afetuosamente pe-los militantes da reforma sanitáriapela alcunha de “oitava”, aquelaconferência reuniu em Brasília maisde quatro mil delegados de todas asregiões e classes sociais, em jornadasque avançavam pela madrugada echegavam a se prolongar por até 14horas. O que meses antes pareciamais uma das “loucuras” – é assimque os mortais comuns veem as idei-as dos idealistas – de Arouca se tor-nara realidade: a CNS conseguiapela primeira vez em quase 45 anosde história ser verdadeiramente po-pular. Sim, porque da primeira (em1941) à sétima (em 1980), os deba-tes se restringiam às ações governa-mentais, com a participação exclusi-va de deputados, senadores e autori-dades do setor. A intenção de Aroucaera a de abrir mesmo, e assim ouviras incontáveis experiências na áreaque existiam Brasil afora. Reunir bra-sileiros para saber e discutir como vi-vem esses brasileiros, quais as suascondições de saúde, que melhoriasalmejam. Deixar de contar a saúdepelos números e passar a enxergar ci-

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dadãos. (FIOCRUZ. BVSAROUCA,2016)

Foram temas centrais da 8ª Conferência Nacionalde Saúde: 1. Saúde como direito; 2. Reformulação doSistema Nacional de Saúde; e 3. Financiamento setorial.

Em agosto de 1992, foi realizada a 9ª Conferên-cia Nacional de Saúde, intitulada “Municipalização é ocaminho”, convocada pelo presidente Fernando Collor.Foram temas centrais da 9ª Conferência: 1. Descentrali-zação e municipalização com implantação dos Conse-lhos de Saúde e a definição de sua composição; 2. Defi-nição da destinação orçamentária para a saúde de 10 a15% do orçamento total dos municípios, estado e Uni-ão; 3. Democratização da informação e comunicaçãoem saúde como instrumentos para o controle social doSUS. (MAUAD; GRECO, 2004)

A 10ª Conferência Nacional de Saúde foi convo-cada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e rea-lizada em setembro de 1996, em Brasília. Temas princi-pais: 1. Saúde, cidadania e políticas públicas; 2. Gestãoe organização dos serviços de saúde; 3. Controle socialna saúde; 4. Financiamento da saúde; 5. Recursos hu-manos para a saúde; e 6. Atenção integral à saúde. (FI-OCRUZ, 2016)

Em dezembro de 2000, realizou–se a 11ª Confe-rência Nacional de Saúde, também convocada pelo Pre-sidente Fernando Henrique. Foi realizada em Brasília,com o seguinte tema: Efetivando o SUS: acesso, quali-dade e humanização na atenção à saúde com controlesocial. (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2011)

A 12ª Conferência Nacional de Saúde, chamadade Conferência Sergio Arouca, foi realizada em Brasília,convocada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,com o seguinte tema central: Saúde direito de todos e

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dever do Estado, o SUS que temos e o SUS que quere-mos.

Foram eixos temáticos da 12ª Conferência: 1. Di-reito à saúde; 2. A Seguridade Social e a saúde; 3. A in-tersetorialidade das ações de saúde; 4. As três esferas degoverno e a construção do SUS; 5. A organização daatenção à saúde; 6. Controle social e gestão participati-va; 7. O trabalho na saúde; 8. Ciência e tecnologia e asaúde; 9. O financiamento da saúde; 10. Comunicaçãoe informação em saúde. (FIOCRUZ, 2016)

A 13ª Conferência Nacional de Saúde, tambémconvocada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foiem novembro de 2007, em Brasília, no Expo BrasíliaParque da Cidade. Apresentou como tema central: Saú-de e qualidade de vida, políticas de estado e desenvolvi-mento. Os três eixos temáticos foram: 1. Desafios para aefetivação do direito humano à saúde no Século XXI:Estado, sociedade e padrões de desenvolvimento; 2. Po-líticas públicas para a saúde e qualidade de vida: o SUSna Seguridade Social e o pacto pela saúde; 3. A partici-pação da sociedade na efetivação do direito humano àsaúde. (FIOCRUZ, 2016)

A 14ª Conferência Nacional de Saúde foi emBrasília, no período de 30 de novembro a 4 de dezem-bro de 2011, no Centro de Convenções Ulysses Guima-rães. Intitulada “Todos usam o SUS! SUS na SeguridadeSocial, Política Pública e Patrimônio do povo brasileiro”,foi convocada pela Presidente Dilma Rousseff.

Além das ações de saúde, a 14ª Conferência Na-cional apresentou a seguinte característica:

Inovou o seu conteúdo principalmen-te nos temas relacionados à segurida-de social. Esse tema é abordado deforma significativa trazendo para o

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centro de discussão as particularida-des sobre o direito previdenciário so-cial. Além disso, são retomados os te-mas ligados à participação social nocontrole do sistema de saúde e nagestão, buscando consolidar as pro-postas apresentadas durante o pro-cesso de construção do Sistema Úni-co de Saúde. A conferência aponta arelevância no processo de fortaleci-mento dos conselhos de saúde e anecessidade de integrar o cidadão nocontrole social. (ANDRADE et al.,2013)

Com o título “Saúde pública de qualidade paracuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro”, a15ª Conferência Nacional de Saúde foi realizada em de-zembro de 2015, em Brasília, no Centro de ConvençõesUlysses Guimarães. Convocada pela Presidente DilmaRousseff, apresentou como principais temas:

Saúde pública como direito de cida-dania, em contraposição à mercantili-zação e privatização. Saúde públicade qualidade, visando à superaçãodas desigualdades, entre diferentespopulações e regiões, à organizaçãoe à humanização nos serviços de saú-de de modo a atender as necessida-des dos usuários e ampliar o acesso.Cuidar bem das pessoas mediante arealização e a valorização do traba-lho multiprofissional e interdiscipli-nar, a transformação das práticas desaúde, bem como a superação de ini-quidades que afetam de forma dife-renciada a população brasileira, a

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exemplo do racismo, sexismo e into-lerância às diversidades; reafirman-do, assim, a saúde como direito fun-damental do povo brasileiro, pilar es-truturante da cidadania e do desen-volvimento da nação.(CONSELHO NACIONAL DE SAÚ-DE, 2015)

Temas principais constantes das quinzeConferências Nacionais de Saúde noBrasil.

Foram identificados 11 (onze) principais temascentrais entre as quinze Conferências Nacionais de Saú-de.

No QUADRO 1 abaixo, constam apenas os te-mas centrais citados em três ou mais Conferências.

Compreendendo a importância da EducaçãoPermanente em Saúde para a melhoria contínua de nos-sa política pública setorial, tendo sido identificados osonze temas mais relevantes e apontados os temas que se

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repetiram ao longo dos setenta e quatro anos de Confe-rências Nacionais de Saúde, surge o desafio de buscar areflexão sobre o que está acontecendo e sobre o queprecisa ser transformado.

Mas, refletir com a utilização de qual matriz expli-cativa? Refletir com a utilização de quais referenciais te-óricos?

A bioética e o bioetoscópio.

Em uma sociedade marcada pela tomada de de-cisão fundamentada prioritariamente em referenciaiseconômicos, dentro de princípios tecnocráticos, o refe-rencial proposto aqui será o da “Bioética”, que foi assimdefinida na Declaração sobre o futuro da Bioética em2011:

Um campo verdadeiramente abertode encontro e diálogo de várias ciên-cias e profissões, visões e perspecti-vas de mundo, que foram reunidaspara articular, para discutir e para re-solver questões éticas relacionadas àvida como um todo.(DECLARAÇÃO DE RIJEKA, 2013)

SCHRAMM (2002) apresenta a Bioética comouma ferramenta teórica e prática útil para entender con-flitos, fazer convergir soluções propostas e proteger aspopulações e os indivíduos envolvidos. Voltamos aquiao tema da ‘Ética da Responsabilidade”, que, segundoGARRAFA (2005), diz respeito ao:

Papel e aos deveres dos Estados de-mocráticos frente não só a temas uni-versais como a cidadania e os direi-tos humanos, mas, também, com re-

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lação ao cumprimento das cartasconstitucionais de cada nação, princi-palmente nos capítulos referentes di-retamente à saúde e à vida das pes-soas.

Estamos tratando, portanto, da instauração dosujeito ético, que, de acordo com RODRIGUES (2001),só pode ocorrer pela aquisição do mais alto grau deconsciência de responsabilidade social de cada ser hu-mano e se expressa na participação e na solidariedade.

Faz–se necessário, então, buscar ampliar a nossacapacidade de análise a respeito da complexa conjuntu-ra atual de nossa sociedade para poder aumentar a nos-sa capacidade de atuar em mundo marcado pelas incer-tezas.

No presente texto, estamos propondo a utilizaçãode um novo instrumento para esse fim. Um instrumentovivo criado por PESSINI (2015) denominado “bioetos-cópio”. Sim, um neologismo para propor um novo olharou, como nos estimula o autor, uma chave hermenêuti-ca que nos descortina um novo horizonte interior doedifício desconhecido, um castelo fortificado que repre-senta o mundo em que vivemos.

Os cientistas empregam o telescópio, o otoscó-pio, o estetoscópio e o endoscópio. Propomos aqui oemprego do bioetoscópio para juntar as coisas e as idei-as, para permitir maior sensibilidade ao olhar, para de-fender a vida. PESSINI (2015) nos estimula a conjugar overbo “bioeticalizar” e afirma que:

O bioetoscópio somente será um ins-trumento eficaz e revelador de co-nhecimento libertador quando for aexpressão de valores genuinamentehumanos, como solidariedade, justi-

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ça, equidade, paz, respeito e com-preensão pelo outro, dos diferentes eda diversidade humana, entre outros,responsavelmente assumidos na vidae no exercício de todo e qualquerprofissional de qualquer área do co-nhecimento e/ou serviço humano es-pecializado nos diversos âmbitos datecnociência e na área de cuidadosde saúde. […] Alguém já disse que oséculo XXI será ético ou nós nãoexistiremos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil é a 9ª maior economia do mundo: 1,77trilhão de dólares foi o nosso Produto Interno Bruto em2015 (FUNAG, 2016). Por outro lado, o Relatório Glo-bal de Competitividade 2016–2017, publicado recente-mente pelo Fórum Econômico Mundial em parceria coma Fundação Dom Cabral, aponta que o Brasil chega àsua pior posição competitiva em 20 anos, estando na81ª posição entre 138 países, em um ranking que apon-ta o nível de produtividade dos países. (FDC, 2016)

O Brasil apresenta uma das 12 maiores taxas dehomicídios por 100 mil habitantes, em comparação comuma lista de 154 países. O Brasil registrou 59.627 homi-cídios em 2014. (IPEA, 2016)

Mais de 1,3 milhão de brasileiros deixaram de terplanos de assistência médica entre março de 2015 emarço de 2016, segundo dados da Agência Nacional deSaúde Suplementar. (EBC, 2016)

São informações e indicadores que nos levam aindagar e refletir a respeito da desigualdade social emnosso país. Como pode a 9ª maior economia do mundo

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viver em um cenário de profunda instabilidade econô-mica e social? O que nos leva ao grave momento de in-certezas no campo as políticas públicas de saúde?

Ao mergulharmos na história das ConferênciasNacionais de Saúde, foi possível compreender a constru-ção da cidadania. Detectamos onze temas de relevânciasocial que foram debatidos e tratados em espaços demo-cráticos. Os tempos da redemocratização do nosso Bra-sil, em especial da Oitava Conferência Nacional de Saú-de em 1986, foram marcos significativos no debate daquestão social em nossa nação.

Vamos, então, aos armários de nossa existênciacidadã e busquemos os nossos bioetoscópios. Precisa-mos enxergar a realidade dos fatos com o olhar da defe-sa da vida. Vamos aos referenciais bioéticos. Ao ladodas imprescindíveis análises da tecnocracia, precisamosreincorporar valores que estão escondidos na prática de-cisória na atual conjuntura das políticas públicas brasilei-ras. Precisamos defender a vida.

REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO XIPROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NO CON-TEXTO DE UMA NOVA GESTÃO DA EDUCAÇÃO

PÚBLICA: A ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

Neide Pena Cária Scheilla Guimarães de Oliveira

INTRODUÇÃO

A discussão em relação à profissionalização domagistério, embora não seja uma coisa nova na áreaeducacional, pode ser considerada atualmente recorren-te, tanto em nível nacional como internacional. Isso por-que se trata de um dos temas que vem ganhando espa-ço nas pesquisas em educação, nas revistas e periódicos,bem como em eventos científicos, especificamente apósa publicação da Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (LDBEN), n.º 9394/1996, que elevou os pro-fessores à categoria de trabalhadores da educação e aostatus “profissional”.

No início do século XXI, a partir da EmendaConstitucional (EC), nº 53/2006, os professores foramtambém afirmados como “profissionais do ensino”, noart. 206, inciso V, da Constituição Federal (CF), de1988, “que inclui, entre os princípios que devem servirde base ao ensino ministrado, à valorização dos profissi-onais do ensino, denominação que, nesse momento, éempregada em lugar da designação ‘educador’”, comoanalisado por Weber (2003, p. 1131). Com a denomi-nação de “profissional”, o Estado oficializava o caráter

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profissionalizante da docência, como destaca o referidoautor e corroborado pelos autores deste texto. Este texto parte do pressuposto de que há umadécada o professor foi elevado à categoria de trabalha-dor da educação e confirmado como profissional daeducação ou profissional do ensino nos principais instru-mentos legais que regulamentam e regulam a profissãodocente, como a Constituição Federal de 1988 e a LD-BEN, entre outros, não obstante, até hoje, grande partedos professores não perceberam e nem questionam es-sas mudanças. Eles continuam se autodenominando“educadores” e, nesta condição, não percebem que es-tão no centro de um processo de mudança na profissãodocente, que faz parte de um novo modelo de gestão daeducação pública que vem sendo implantado desde o fi-nal da década de 1990, considerada “década da Refor-ma”. Também, no nível acadêmico, embora o tema es-teja sendo bastante abordado sob diversos enfoques e,cada vez mais, ocupando espaços em eventos científi-cos, revistas e periódicos, uma investigação recente querealizou o Estado da Arte sobre o tema “profissionaliza-ção docente” no banco de dados da CAPES, no períodode 2006 a 2016, apontou que os pesquisadores explo-ram múltiplas questões e fatores relativos ao tema, quesão também problemáticos e constituem, historicamente,verdadeiros desafios na constituição da profissão docen-te, mas não há problematização e nem questionamentosrelativos ao status “trabalhador da educação” e à adjeti-vação “profissional”. Sabendo–se que, tradicionalmente,o termo “profissional” é uma forma de adjetivação dostrabalhadores da área empresarial, como já analisadopor Nóvoa (1991), essa alteração na identidade daque-les que se dedicam ao ensino merece mais atenção,

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principalmente levando em o contexto em que isso vemse dando.

Além disso, evidencia–se nas pesquisas uma ten-dência em considerar que o processo de profissionaliza-ção se constitui na luta de um grupo ocupacional paraser reconhecido, respeitado, valorizado e se estabelecercomo uma profissão, tendo a formação docente lugar dedestaque no processo de profissionalização. Vale aindadestacar que, mesmo as teses e/ou dissertações que co-locam em discussão ou abordam a questão da identida-de docente, em específico, não o faz trazendo ao debatea problematização que, ora estamos colocando nestetexto, a saber: o que é ser profissional na área da educa-ção? Neste texto, o objetivo é trazer ao debate e fazerprovocações sobre a profissionalização do magistério nocontexto de um novo modelo de gestão pública do Esta-do brasileiro em processo de implantação, com reflexosdiretos em todas as áreas, inclusive a educação. Trata–se do modelo de administração gerencial (BRASIL,1995), que vem sendo implantado desde a publicaçãodo Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado(1995), segunda gestão do Governo Fernando HenriqueCardoso (FHC). Segundo FHC, a reforma é inspiradaem modelos internacionais, na qual um dos pilares dareorganização da máquina estatal é a política de profissi-onalização do setor público. Como argumentado porBresser–Pereira (1997) e como expresso nas palavras deFHC (1995, p. 7):

É preciso reorganizar as estruturas daadministração com ênfase na quali-dade e na produtividade do serviçopúblico; na verdadeira profissionali-zação do servidor, que passaria a

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perceber salários mais justos para to-das as funções.

A intenção deste texto é, também, propiciar infor-mações sobre a tendência de profissionalização dadocência, uma vez que são os profissionais da educaçãoos principais atores envolvidos neste processo, de formaconsciente ou não. Nessa direção, optamos pela pers-pectiva sociológica, especificamente a Sociologia dasProfissões, buscando amparo em teóricos deste campo.O texto não se trata de uma análise crítica, mas, sim, deum texto analítico–descritivo com ênfase em aspectosconceituais referentes ao construto “profissional” e seuscorrelatos “profissionalização”, “profissionalismo” e“profissionalidade”. O foco é privilegiar a categoria“profissional”, atribuída aos trabalhadores da educaçãocomo uma nova política de gestão da educação e daformação para a profissão, tendo como princípio queelas estão em consonância com o modelo gerencial danova administração pública. Este estudo originou–se de um minicurso que en-volveu a referida temática por ocasião do I Congressode Educação do Vale do Sapucaí (CEVS), que ocorreuna Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), organiza-do pelo Mestrado de Educação, no corrente ano, com otema: “Desafios à Democratização da Educação no Bra-sil Contemporâneo”. Com o título “Profissionalização domagistério: relações entre o trabalho docente, gestão eorganização do trabalho educativo”, no eixo Políticas deEducação e Gestão, o minicurso procurou trazer ao de-bate os resultados de uma pesquisa para dissertação demestrado, particularmente de uma pesquisa Estado daArte, já mencionada neste texto, além de resultados deuma pesquisa de iniciação científica (com financiamentoda FAPEMIG), que investiga as contribuições da forma-

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ção continuada para o desenvolvimento profissional.Foram abordadas as mudanças que vêm ocorrendo naspolíticas educacionais dos últimos anos e como elas têmrepercutido na profissão docente, no trabalho educativoe nos modos de gestão da escola, incluindo aí as políti-cas de formação e acesso à carreira docente, a políticade metas e de avaliação de desempenho de alunos eprofessores, bem como a responsabilização por resulta-dos. Contando um público diversificado, entre eles, di-retores de escola, supervisores, professores de educaçãobásica e superior, graduandos de licenciatura e um poli-cial, procuramos encaminhar a discussão no sentido defazê–los perceber que está em movimento uma mudan-ça na organização e gestão da educação pública e queeste modelo de gestão implantado nos últimos anos seinsere em um espectro de mudanças mais amplas orien-tadas pelo Plano de Reformas do Aparelho de Estado. Ao final do minicurso, a partir de uma dinâmicaaplicada e das manifestações discursivas dos participan-tes, observamos que os profissionais da educação sen-tem uma tensão no ambiente escolar, percebem mudan-ças na forma de gestão da escola e do trabalho que exe-cutam, mas não têm conhecimento mais amplo sobre ocontexto que ampara essas mudanças. Há indícios deaceitação e conformação, mas também de resistência eindignação, quanto a alguns aspectos da nova forma degestão da educação, com críticas principalmente no quese refere à falta de valorização e de reconhecimento dacarreira docente pelos governantes, pela sociedade e,até mesmo por alguns profissionais da educação. Daí aimportância da apresentação de alguns aspectos concei-tuais entorno da teoria gerencial que passamos a apre-sentar.

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A teoria gerencial: da empresa à escola

Neste tópico, abordamos alguns aspectos da cha-mada Teoria Gerencial, incluída no Plano da Reformado Aparelho de Estado (BRASIL, 1995) com a finalida-de de introduzir o modelo de gestão empresarial na ad-ministração pública do Estado brasileiro, inclusive naeducação, seguindo a mesma tendência de modelos in-ternacionais e orientada pelos organismos multilaterais.Como justificado por Bresser–Pereira (1998), o novomodelo de gerenciamento proposto para o setor educa-cional, por meio da chamada Reforma, se funda emprincípios da “moderna administração”, amplamenteutilizado, com êxito, na administração pública em diver-sos países desenvolvidos e em desenvolvimento paraadequação ao novo modelo de economia mundial. No caso, quanto a esse novo modelo, Bresser–Pereira e FHC se referem ao neoliberalismo como Ad-ministração Moderna. Assim, acabe explicar o conceitode Administração Moderna e, para isso, recorremos aum dos principais teóricos da Administração Contempo-rânea: Peter Drucker. Segundo o autor, a administraçãocontemporânea é voltada para o foco e atendimento demetas e de resultados estabelecidos pela instituição(DRUCKER, 2012), o que vai ao encontro do que é pre-conizado no próprio documento do Plano da Reformasobre a administração gerencial, como pode ser obser-vado no recorte textual, a seguir:

[…] é baseada em conceitos atuaisde administração e eficiência, voltadapara o controle dos resultados e des-centralizada para poder chegar ao ci-dadão, que, numa sociedade demo-

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crática, é quem dá legitimidade àsinstituições e que, portanto, se torna“cliente privilegiado” dos serviçosprestados pelo Estado (BRASIL1995, p.7).

Conforme teorizado por Drucker (2012), a admi-nistração contemporânea é um fenômeno universal domundo moderno, em que a tarefa primordial da admi-nistração é definir resultados para a organização, sendoesta a responsabilidade de todo gestor. Ele ressalta queum dos papéis fundamentais do administrador é assumiruma função educacional, proporcionando aos demaisuma visão diferente e habilidades para desempenhá–la.Nesse quadro, as organizações precisam estar em cons-tantes mudanças por exigências de um mercado total-mente competitivo e que exige altos desempenhos nastomadas de decisões. Desta forma, pelo novo paradig-ma apresentado por Drucker, a administração deve defi-nir os resultados que espera alcançar e depois organizaros recursos da organização visando obter esses resulta-dos. É a visão e a responsabilidade moral com os resul-tados que, em última instância, define o administrador.

Na área educacional, essa filosofia de administra-ção chega num momento em que as escolas, os especia-listas de educação, os gestores se debruçavam sobre im-portantes desafios no que se refere à redemocratizaçãoda educação, à superação do fracasso escolar e à me-lhoria da qualidade de ensino. Assim, a compreensão dafilosofia do gerencialismo, em seu campo de origem,que é a administração empresarial, ajuda a entender asmudanças que vêm ocorrendo nos últimos anos nas po-líticas de gestão da educação e da carreira docente, queé o propósito deste texto. No entanto, mais importantedo que entender as táticas reformistas é perceber as cer-

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tas articulações, algumas práticas organizacionais e tiposde interação por meio das quais as mudanças e as rees-truturações vêm sendo facilitadas, garantindo “aceitabili-dade política”, como analisado por Ball (1990, p. 38),citado por Maguire e Ball (2011, p. 176), inclusive pormeio de mecanismos discursivos, apresentados via ins-trumentos legais.

Outro ponto muito importante foi discutido porKrawczyk (2010, p. 62), o que ela classificou como para-doxo, que se refere “ao fato de que as preocupaçõesque rondam essa reforma pouco têm a ver com ques-tões propriamente educativas e muito mais com a buscada nova governabilidade da educação […]”. Como rela-tado por Krawczyk (2010, p. 61), analisando as reformasdo Brasil e da América Latina como uma nova governa-bilidade na educação,

A Reforma Educacional em curso naAmérica Latina é, sem dúvida, umelemento importante das transforma-ções que vem ocorrendo no âmbitoda economia, das instituições sociais,culturais e políticas, quanto à nature-za das relações entre esses diferentesníveis, tendo como eixo central areestruturação do Estado e a organi-zação e a gestão do sistema educati-vo e da escola.

No caso do Brasil, assim como em diversos paí-ses, seguindo orientações de organismos multilaterais,como o Banco Mundial, UNESCO e a Organização paraa Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),o modelo gerencial chega ao cenário da administraçãopública no bojo da chamada Reforma do Aparelho doEstado (BRASIL, 1995), sendo justificado como sendo o

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modelo de eficiência e eficácia na gestão, capaz de su-perar a crise econômica do Estado.

Também é com o nome de Reforma que as mu-danças chegam à gestão da educação pública. Tais mu-danças têm sido analisadas como “Nova Gestão Públi-ca” (NGP) no Brasil por alguns autores, como Oliveira(2015) e, com esta mesma denominação, em nível inter-nacional, por autores como: Astiz (2015), na Argentina;Falabella (2015) no Chile; Verger, Curran e Parcerisa(2015) em Catalão; Derouet, Normand e Pacheco(2015), na França; Hall e Gunter (2015), Inglaterra; Gri-maldi e Serpiere; Taglietti (2015), na Itália; Moller eSkedsmo (2015), na Noruega; Maroy, Mathou, Vaillan-court e Voisin (2015), em Quebec. Ainda como “NovoGerencialismo” por Gewirtz e Ball (2011), no Reino Uni-do, e como “reforma e reestruturação” nos Estados Uni-dos (MARGUIRE; BALL, 2011; RAVITCH, 2011).

No caso de Portugal, a reforma foi amplamentequestionada e discutida, como analisado por Barroso(2009). Segundo o autor, houve mudança no perfil dagestão escolar que passou a se alinhar ao paradigma daterritorialização das políticas educativas, com a recom-posição do papel do Estado na regulação da educação ecom as novas formas de governança; as anomias das re-lações docentes foram subjugadas pelos índices de men-surações externos.

É ponto comum entre os citados pesquisadoresque o novo modelo de gestão, atualmente disseminadoem nível global, introduz a perspectiva da mudança or-ganizacional e cultural da administração pública no sen-tido de uma administração voltada para racionalidadetécnica, foco em resultados, eficácia, regulação e contro-le. É possível observar que essas são as principais carac-terísticas do modelo de administração das empresas e

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organizações contemporâneas, como preconizado porPeter Drucker (2012).

Segundo o autor, durante os últimos 75 anos,pelo menos, a sociedade, em todos os países desenvol-vidos, se converteu em sociedade de instituições, deline-ando um novo cenário de produção capitalista. Todasas principais tarefas sociais seja o desenvolvimento eco-nômico ou a assistência médica, a educação ou a prote-ção do meio ambiente, a busca de conhecimentos, oudefesa nacional, são hoje confiadas a grandes organiza-ções. O desempenho da sociedade moderna – se não asobrevivência de cada indivíduo – depende, em propor-ções crescentes, da performance dessas instituições(DRUCKER, 2012).

O autor se refere à administração “eficiente eprofissional” diante uma sociedade que se transformouem “sociedade dos empregados”; cidadãos de hoje, quesão tipicamente empregados e dependem desses empre-gos, pois lá trabalham e lá encontram seu sustento; nelasse integram para exercer uma função útil na sociedade etambém para as realizações pessoais. Com isso, o autorressalta a função social de toda administração uma vezque o emprego se tornou condição essencial para o mo-delo de produção capitalista vigente e, talvez até umacondição de cidadania. O autor procura salientar que aadministração ou a gestão é atividade profissional, inde-pende de propriedade, de hierarquia ou de poder, sen-do “uma função objetiva que deve fundamentar–se naresponsabilidade pelo desempenho” (DRUCKER, 2012,p. 11).

Por fim, cabe destacar alguns recortes textuais dodocumento da Reforma (BRASIL, 1995) em que Bres-ser–Pereira (1997) frisa que a crise econômica do Esta-do se deve ao modelo de gestão adotado ao longo dos

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anos, considerada “burocrática, rígida e ineficiente”,como revelam alguns recortes textuais retirados do do-cumento da Reforma (BRASIL, 1995):

[…] Considerando esta tendência,pretende–se reforçar a governança –a capacidade de governo do Estado– através da transição programadade um tipo de administração públicaburocrática, rígida e ineficiente, volta-da para si própria e para o controleinterno, para uma administração pú-blica gerencial, flexível e eficiente,voltada para o atendimento do cida-dão (p. 13). A eficiência da administração pública– a necessidade de reduzir custos eaumentar a qualidade dos serviços,tendo o cidadão como beneficiário –torna–se então essencial. A reformado aparelho do Estado passa a serorientada predominantemente pelosvalores da eficiência e qualidade naprestação de serviços públicos e pelodesenvolvimento de uma cultura ge-rencial nas organizações (p. 16). A reforma do aparelho do Estado noBrasil significará, fundamentalmente,a introdução na administração públi-ca da cultura e das técnicas gerenci-ais modernas (p. 18).

Para compreender este enfoque da Reforma,como apresentado por Bresser–Pereira (2007), cabe re-tomar que o modelo gerencial é, tradicionalmente, ca-racterístico das organizações ou empresas do mercado,também tratado como, simplesmente, gestão empresari-

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al, que foi idealizado como capaz de superar a crise eco-nômica do Estado. Como analisado por Tommasi(2009), no Brasil, como em outros países, as mudançasno modelo de gestão pública da educação são tomadascomo condição para melhorar também os resultados daeducação, principalmente pelos organismos internacio-nais que passaram a fazer imposição aos países em de-senvolvimento, como o Brasil e outros da América Lati-na, para implementar reformas em seus países. A autoraenfatiza que o impacto dos bancos multilaterais nas po-líticas educacionais significa menos pelo que representao investimento financeiro desses organismos, em deter-minados projetos, e “mais pela imposição das temáticasprioritárias e de uma abordagem economicista que influ-enciam as políticas educacionais do país” (TOMMASI,2009, p. 195).

Merece ilustrar que o primeiro estado brasileiro aaderir a esse modelo foi Minas Gerais, iniciado na déca-da de 1990. Por isso, optamos por apresentar algumascaracterísticas da gestão da educação no estado nos últi-mos anos como um exemplo de administração gerencialno Brasil. Sob a influência da Conferência Mundial so-bre Educação Para Todos – realizada em Jomtien(1990), a política educacional do estado assumiu a pro-posta de mudar a realidade educacional existente, queera considerada de fracasso, em vista da comparaçãocom outros Estados do Brasil. O novo programa de ges-tão na área educacional procurou aproximar a gestãoescolar ao modelo de gestão empresarial que deu ori-gem ao plano denominado Proqualidade (Decreto n.º33.423, de 03 de março de 1994), respaldando–se nosprincípios teóricos do Controle da Qualidade Total, daadministração japonesa, sob a coordenação da Funda-ção Cristiano Ottoni (FCO), em parceria com o suporte

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da Faculdade de Engenharia da UFMG e da JUSE (Uni-on of Japanese Scientists and Engineers).

Desde a década de 1990, o então governo HélioGarcia (1991–1994), aderindo às medidas exigidas peloBM para receber recursos do mesmo para desenvolvi-mento de projetos em educação no estado, passou aadotar o modelo gerencial na educação. Os projetoscontemplavam o processo de avaliação e de concorrên-cia e os critérios de qualidade, racionalidade econômicae de produtividade (SEE/MG, 1993, p. 3). No governode Eduardo B. Azeredo (1995–1998), deu–se continui-dade ao programa de qualidade. Com o lema: “Minasaponta o caminho”, a proposta educacional desse Go-verno respaldava–se no discurso de autonomia para asescolas, fortalecimento da direção, descentralização ad-ministrativa, avaliação de resultados, profissionalizaçãode professores e especialistas de ensino, promoção daarticulação do Estado com os municípios, implementa-ção de programas financiados pelo Banco Mundial (“Mi-nas aponta o caminho”, SEE/MG).

Na gestão Aécio Neves (2003), procurou–se cum-prir o compromisso assumido com os princípios do Pro-qualidade, com a proposta de fazer Reforma GerencialMineira, por meio de uma política denominada “Cho-que de Gestão”. A principal diretriz do programa do Go-verno era atingir o equilíbrio fiscal do executivo mineiroque ficou conhecido como “déficit zero”, com reduçãode despesas, reorganização e modernização do aparatoinstitucional do Estado, busca e implementação de no-vos modelos de gestão. Esta reforma teve o objetivo de“dar ao Estado modernidade, agilidade e eficiência,adequando–se aos novos tempos e, ao mesmo tempo,procurando garantir transparência aos atos e ações dogoverno” (Mensagem do Governador à Assembleia,

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2003). Nas palavras do Governador Aécio Neves, era oinício da modernização do conceito de Estado: “[…]todo o arcabouço legal do projeto estruturador “Choquede Gestão” foi constituído a partir de um novo paradig-ma que prevê o alinhamento entre o desenvolvimentode pessoas, objetivos organizacionais e avaliação dos re-sultados das políticas públicas” (MENSAGEM DO GO-VERNADOR À ASSEMBLÉIA, 2004, p.14).

Na segunda gestão do Governo Aécio Neves(2006–2010), deu–se continuidade ao programa demodernização da gestão com a implementação do pro-grama denominado “Acordo de Resultados”, que tinhacomo proposta direcionadora reduzir despesas e reorga-nizar e modernizar o aparato institucional do Estado.Sua principal característica era ser um instrumento ge-rencial, com o alinhamento das instituições, a partir dapactuação de metas e indicadores para o alcance dosobjetivos organizacionais, em sintonia com os objetivosexpressos na agenda do governo.

O programa “Estado para Resultados” tinhacomo principais objetivos o equilíbrio fiscal, a definiçãoe cumprimento de metas, a solidificação das conquistasque devem ser apropriadas pela sociedade e a criaçãode um ambiente de desenvolvimento e sinergia com osetor privado. Na educação, o programa refletiu na ên-fase ao processo de planejamento, definição de ações emetas, avaliação de desempenho, pagamento por bônusagregado à delimitação de resultados a alcançar, basea-dos na meritocracia, ou seja, com premiação pelo cum-primento das metas e sansão/punição para o não cum-primento.

Previsto como primeira etapa do “Acordo de Re-sultados, foi criado o Plano Mineiro de DesenvolvimentoIntegrado (PMDI) 2007–2023”, elaborado pelo Conse-

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lho de Desenvolvimento Econômico e Social que prevêas estratégias de desenvolvimento para o Estado de Re-sultados. O PMDI tem dois pilares: a qualidade fiscal, oque significa gastar bem os recursos do Estado, e a qua-lidade e inovação na gestão pública. Nas palavras dopróprio Governador Aécio Neves, “o pilar fundamentalda segunda geração do Choque Gestão é o aprofunda-mento de uma obsessiva busca pelo Estado de Resulta-dos” (PMDI, 2007–2023).

O governador Antonio Anastásia, gestão (2011–2014), que coordenara a implantação do choque degestão, deu sequência à terceira fase do programa“Choque de Gestão”, por meio do programa denomina-do “Terceira Onda”, cujo plano de gestão era voltado àspolíticas públicas e à participação do cidadão. Os pilaresdo seu modelo de gestão eram a transparência, o esta-belecimento de prioridades claras, o engajamento da so-ciedade civil e a participação com qualidade. Desde oinício reforçou o modelo de Estado gerencial com umagestão baseada em metas e indicadores e incentivo àparticipação do setor privado na prestação e na admi-nistração do serviço público. Inserida no escopo das mu-danças do modelo de gestão, a efetivação de parceriasdo Estado com empresas privadas passou a ser incenti-vada em todas as áreas, inclusive educação.

Atualmente, com a mudança da nova gestão(Fernando Pimental), não se observa alterações de im-pacto no modelo de gestão pública em andamento,mas, na área educacional, houve interrupção abrupta doPrograma “Reinventando o Ensino Médio”, implemen-tado na gestão anterior com o objetivo de enfrentar oproblema da evasão escolar e melhorar a qualidade deensino no nível médio, desde 2012 como plano piloto,e, como política obrigatória, em todas as escolas estadu-

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ais a partir de 2014. O programa tratava–se de uma pro-posta profissionalizante e, uma vez interrompido, o ensi-no médio voltou ao seu modelo tradicional. Até o mo-mento, não se observa alterações que merecessem des-taque na política educacional do estado.

Contextualizando a profissionalizaçãodo magistério

De início cabe perguntar quem são atualmente osprofissionais do magistério da educação básica para oMEC? Conforme a mais recente normatização da forma-ção para o magistério, a Resolução n.º 2, de 1º de julhode 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionaispara a formação inicial em nível superior (cursos de li-cenciatura, cursos de formação pedagógica para gradua-dos e cursos de segunda licenciatura) e para a formaçãocontinuada:

Os profissionais do magistério daeducação básica compreendemaqueles que exercem atividades dedocência e de gestão educacionaldos sistemas de ensino e das unida-des escolares de educação básica,nas diversas etapas e modalidades deeducação (educação infantil, ensinofundamental, ensino médio, educa-ção de jovens e adultos, educaçãoespecial, educação profissional e téc-nica de nível médio, educação esco-lar indígena, educação do campo,educação escolar quilombola e edu-cação a distância), e possuem a for-mação mínima exigida pela legisla-

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ção federal das Diretrizes e Bases daEducação Nacional (BRASIL, 2015).

Por se tratar de diretrizes para a formação de pro-fissionais do magistério o que, na perspectiva tratadapelo MEC, inclui todos aqueles que pretendem exerceratividades de docência e de gestão educacional (BRA-SIL, 2015), é importante retomar alguns aspectos da his-tória da profissão docente para salientar que a funçãode ensino, historicamente, assumiu variadas formas e es-tatutos, porém, o surgimento de um grupo estruturadodestinado a assumir especificamente essa função nascecom a modernidade, a partir do século XVIII (NÓVOA,1995).

Para o autor, a visão de ensinar está associadatanto a transmitir um saber quanto a fazer alguémaprender e, neste último sentido, ensino e aprendizagemconstituem par inseparável, definindo a atividade doprofessor. Ao longo do tempo, ensinar, ou, para algunsautores, educar, é o que tem distinguido o professor deoutros profissionais é a especificidade de sua função. Éimportante considerar as questões históricas e conceitu-ais que percorrem a ideia de ensino que marcaram aprofissão docente, porém, essa indefinição da funçãodocente e, principalmente, devido ao gesto político deincluir a categoria “gestão” como parte integrante daformação para a docência, não deve ser interpretada demodo neutro.

Se retomarmos as características do novo modelode gestão pública – gerencial –, em implantação tam-bém na educação, voltada para resultados, eficiência eeficácia (já discutido neste texto), é possível inferir queessas e outras orientações legais para educação, publica-das nos últimos anos evidenciam, de modo concreto,uma nova política de formação de profissionais para

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atuar na profissão docente voltada para esse mesmofoco. Tais orientações delineiam uma reconfiguração dacarreira docente: o professor como profissional; o gestorcomo profissional, e, da mesma forma, os demais técni-cos que ocuparem alguma função ou atividade no cená-rio escolar.

Assim exposto, passamos a explorar o que cons-tituiu um dos principais objetivos deste texto que é cha-mar a atenção para a necessidade de compreender osignificado do construto “profissional” para, assim, po-der vislumbrar os sentidos que o termo carrega para ocenário educacional, em conjunto com seus correlatos“profissionalização”, “profissionalidade”, “profissionalis-mo”. Sem desconsiderar contribuições de outros auto-res, que também têm discutido o tema profissionalizaçãodo magistério ou profissionalização docente, os concei-tos de profissão, profissional, profissionalização, profissi-onalismo, profissionalidade, a perspectiva aqui adotadaé a sociológica, com amparo teórico em Eliot Freidson(1998), que é um dos principais pesquisadores a estudaro tema profissão na área educacional.

Professor emérito de Sociologia na New YorkUniversity, onde se aposentou em 1993, pesquisadordedicado à Sociologia das Profissões, primeiramente naárea da Medicina e Advogacia, desde o início de suacarreira, Freidson perseguiu questões relacionadas à au-tonomia profissional como um atributo relevante para opoder de uma profissão, como descrito por Maria daGlória Bonelli na introdução da tradução de uma dasprincipais obras do pesquisador – “Renascimento doProfissionalismo” (1998), tomado como amparo teóriconeste estudo.

Bonelli (1998) relata um pouco de sua trajetóriaacadêmica e em pesquisa na área de Sociologia e da

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Sociologia das Profissões e frisa que os estudos e Freid-son revelaram que as mudanças sociais e econômicasdas últimas décadas do século XX e a valorização do co-nhecimento tendem a reforçar o profissionalismo, à luzda lógica das competências nas empresas e na educa-ção.

Dedicando–se à pesquisa na área das profissõesdesde a década de 1970, Freidson articula as mudançasdo século XX e a evolução de um novo capitalismo quese delineou acompanhado de novas formas de organiza-ção do trabalho no pós–guerra, diante do desenvolvi-mento tecnológico e o movimento contínuo de reorgani-zação das empresas, denominado por alguns autores deneoliberalismo1 (ANDERSON). Seus estudos revelamque as mudanças sociais e econômicas das últimas dé-cadas do século XX e a valorização do conhecimentotendem a reforçar o profissionalismo, independentemen-te da área, à luz da lógica das competências nas empre-sas e na educação.

Ao interesse deste, foram recortados alguns con-ceitos mais genéricos da ampla discussão apresentadapor Freidson sobre a profissão e sua evolução ao longoda história. Para este estudo, selecionamos, então, ovínculo da profissão com Estado e com a autoridadepelo conhecimento especializado para junto trazer o atri-buto “profissionalismo” vinculado à profissão, que hoje

1 Para Anderson (2007, p. 9), os teóricos do neoliberalismo, principalmenteFriedrich Hayek, em sua obra “O Caminho da Servidão”, de 1944, a desi-gualdade social e a econômica são fatores importantes e positivos para omercado e acabam vitalizando a concorrência e, dessa forma, fortalecendoa liberdade do cidadão. Ele identifica o neoliberalismo como uma forma detransformação no modus operandi do capitalismo durante a década de1970 como consequência direta da alavancagem da produção industrial dadécada de 1960, pois, a demanda por serviços e o crescente aquecimentodo mercado financeiro, resultaram numa fase pós–industrial dos mercadose no estreitamento da sua relação com as empresas.

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em dia ganha destaque como atributo do professor, mascomo aponta o próprio Freidson (1998, p. 214), na áreaeducacional, o debate sobre o profissionalismo é obscu-recido por suposições indeterminadas e por usos incoe-rentes e incompletos, o que dificulta uma construção te-órica sobre o tema e, até mesmo, definições nesta área.

Aspectos conceituais relacionados aostatus profissional

É preciso considerar que a profissionalização domagistério representa uma tendência a partir das últimasdécadas do século XX, ganhando ênfase na década de1980, quando é lançado nos Estados Unidos o projetode profissionalização do ensino (TARDIF, 2013) comtrês objetivos: melhorar o desempenho do sistema edu-cativo; passar do ofício à profissão e construir uma basede conhecimento (Knowledge base). Seguindo modelosinternacionais, no Brasil, as reformas e programas edu-cacionais das duas últimas décadas seguem a mesmatendência dos demais países, pautando–se num proces-so de reestruturação do Estado que envolve realinha-mento das relações entre Estado, cidadania, economia eformas de organização como parte de um processo maisabrangente de reestruturação do capitalismo no âmbitoglobal (DOURADO, 2003).

O conceito de profissão no cenário do capitalis-mo moderno, pós–revolução industrial, ou neoliberal,na percepção de Freidson (1998, p. 40) faz parte da es-trutura da divisão de trabalho, como sendo generica-mente uma ocupação, distinta das demais pelo “conhe-cimento e competência especializados necessários paraa realização de tarefas diferentes numa divisão de traba-lho”. O que distingue, portanto, uma profissão da outra

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“é o conhecimento e competência especializados neces-sários para a realização das tarefas diferentes numa divi-são de trabalho, a profissão é genericamente uma ocu-pação e certamente não é uma classe.” O que caracteri-za as ocupações umas das outras é o status profissional,mas qualquer que seja a forma de definir “profissão” elaé, antes de tudo e principalmente, um tipo específico detrabalho especializado.

Esses conhecimentos e essa competência são ad-quiridos ao longo de uma educação de nível superior,que é pré–requisito para o exercício da profissão, ouseja, o curso superior é “o credenciamento”, que é con-dição de acesso exclusivo ao mercado de trabalho(FREIDSON, 1998, p. 40). Nesse entendimento, a defi-nição da profissão pode assim, referir–se mais à maneiracomo os poderes existentes na sociedade e nas organi-zações produtivas estão propensos a classificar os em-pregos do que à natureza dos próprios empregos e à ex-periência de trabalho daqueles que os ocupam. Assim,tanto o ofício como a profissão são espécies de trabalhoespecializado, a diferença está no tipo de conhecimentoe qualificação que os indivíduos empregam no exercíciodo julgamento. Seriam ofícios “[…] aquelas especializa-ções criteriosas baseadas principalmente na experiênciae no treinamento prático extensivo que empregam co-nhecimentos, sobretudo práticos” (FREIDSON, 1996, p.5) e a profissão pode assim, referir–se “mais à maneiracomo os poderes existentes na sociedade e nas organi-zações produtivas estão propensos a classificar os em-pregos do que à natureza dos próprios empregos e à ex-periência de trabalho daqueles que os ocupam” (FREID-SON, 1998, p.153).

Isso, como analisado por Freidson (1998) levou àconstituição de identidades ocupacionais distintas para

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atender as demandas do mercado, sendo a sociedadeque determina quem é profissional e quem não o é.Além disso, a forma como as pessoas se veem por meiode suas atividades e realizam seu trabalho é que vai de-terminar o comportamento denominado “profissional”ou não, mas não se trata de uma explicação tão simples,uma vez que não existe uma única perspectiva de análi-se.

No entendimento de Freidson (1998), a autorida-de do conhecimento é decisiva para o profissionalismo,visto que os chamados “profissionais”, no decorrer dahistória, eram reconhecidos por seus conhecimentos ecompetência no desempenho de tarefas de grande valorsocial. Esses profissionais apresentavam uma atitude es-pecial de compromisso e preocupação com seu traba-lho, eram separados de outros tipos de profissionais.Nesse contexto, “profissionalismo” era compreendidocomo um conjunto de características e capacidades es-pecíficas da profissão (FREIDSON, 1996), a exemplo domercado livre e da burocracia, representando um méto-do de organização do desempenho no trabalho.

É possível observar diante dos fundamentos apre-sentados que a questão fundamental que embasa as dis-cussões sobre o profissionalismo, na atualidade, é comose deveria organizar e controlar o trabalho daqueles que,agora, chamamos de profissionais bem como o compor-tamento desses. Referindo–se ao profissionalismo comoum tipo “ideal” Freidson procura, a partir deste concei-to, analisar os órgãos e os recursos exigidos para que oprofissionalismo se estabeleça. O autor trata o tipo idealcomo “um conjunto constante de características e os ór-gãos e recursos como varáveis que interagem” (FREID-SON, 1996, p. 2). O autor relaciona os elementos princi-pais do profissionalismo: a) a produção de saber abstra-

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to, com monopólio sobre uma área especializada do co-nhecimento; b) a autonomia profissional para realizar di-agnósticos; c) o controle do mercado por meio do cre-denciamento; d) obtenção das credenciais no ensino su-perior.

Com o exposto, as profissões são consideradasocupações em que se desenvolve um tipo de trabalhoespecializado e há uma especialização criteriosa teorica-mente fundamentada. Esses fundamentos justificam por-que ênfase é dada à necessidade de uma formação sóli-da para a constituição da profissão docente. No entanto,o fator “conhecimentos especializados” é apenas umafaceta do profissionalismo como demonstrado neste tex-to. O profissionalismo vai além de conhecimentos e for-mação devido ao seu vínculo com o Estado.

Como ressalta Freidson:

A variável mais importante para oprofissionalismo é o Estado. O únicorecurso intrínseco a uma ocupação éseu corpo de conhecimentos e quali-ficações, e, embora este possa serchamado de capital humano e cultu-ral, certamente não tem o poder docapital econômico ou político. As ins-tituições do profissionalismo não po-dem ser estabelecidas ou mantidassem o exercício do poder do Estado,pois o controle ocupacional da pró-pria divisão do trabalho, do própriomercado de trabalho e do modo deensino vai contra o interesse tantodos consumidores individuais comodas empresas (FREIDSON, 1996, p.4).

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Como crítica ao profissionalismo, Freidson(1998) aponta alguns modelos de organização de traba-lho: um defendido pelos neoclássicos, no sentido da li-berdade individual, tanto do trabalhador que ofereceseu trabalho quanto do consumidor que decide o quequer comprar. O outro modelo refere–se à ordem, efi-ciência e ampla utilidade como barreiras à construçãode um sistema, e o outro modelo que defende um idealigualitário para todos os trabalhadores coletivamente.

Na percepção do autor, a relação entre esses doiscampos – profissionalismo e Estado – se dá de formacomplexa e ambígua, não permitindo definir se há umadeterminação de um sobre outro, mas, sim, que há umainterdependência, conflituosa ou não, entre esses cam-pos. Na realidade, existe uma separação, ou oposição,entre a forma burocrática de organização do trabalho ea forma profissional. Isso ocorre porque o que é intrínse-co a uma profissão é seu corpo de conhecimento e suasqualificações, porém, para poder exercer monopólio so-bre uma área no mercado de trabalho é necessário àação legitimadora do Estado.

Em sua análise com relação à profissionalizaçãoda docência Freidson (1998, p.61), ressalta que, na soci-edade contemporânea e complexa como a nossa, asocupações chamadas de “profissões” apresentam–secom o conceito equivocado e sem uma definição clara,representado apenas, como mais uma ocupação e nãocomo “status legal de profissão”. Sendo um conceito po-pular, entende–se que, para cada particularidade, oupara cada povo, a conotação deste termo é singular esua constituição é intrínseca à sociedade, se aplicandoem seu tempo e espaço. De modo geral, o uso mais am-plo e geral da palavra “profissão” é construído sobre adistinção entre “profissional” e “amador” em sua rela-

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ção com o conceito de “trabalho” e de “mercado”(FREIDSON, 1998, p. 148).

Cabe apresentar como Freidson (1998, p. 148)distingue esses termos: “amador” é aquele que realizaum dado conjunto de tarefas sem uma preocupaçãoconsciente e calculada com seu valor de troca de merca-do, e o “profissional” é aquele que as realiza numa trocade mercado contratada pela qual ele ganha a vida.Como explica o autor, “nesse uso, realizar um trabalhovinculado ao mercado para viver é vocação profissional,ao passo que realizar um trabalho desvinculado do mer-cado é passatempo de amador.” (FREIDSON, 1998,p.148).

Já a atividade profissional ou tarefa realizada demodo formal, como pontua Freidson (1998), são enten-didas como trabalho, regulado com um valor de troca,independentemente de ser “profissional” ou “amador”;isto porque para diferenciar o profissional do amadornão basta averiguar a competência ou o esforço físicodespendido para a realização de qualquer trabalho,pois, ambos os termos envolvem as relações sociais e oque diferencia aquele que realiza a tarefa “profissional”ou “amadora” é sua relação com o Estado e o mercado.Assim, ele deixa claro que o prestígio de uma profissão éuma delegação dada pela sociedade, ou pela clientelaou pelo Estado.

No entendimento de Freidson (1998, p. 149), omercado constitui a essência das sociedades industriais,incidindo no grande número de pessoas que antes reali-zavam tarefas, seja para o uso pessoal ou por voluntaria-do. Considerando a expansão da industrialização e datransformação capitalista para o mundo, o autor apre-senta a distinção de “profissional” e “amador”, comocategorias gerais de “trabalho” e “ocupação”, respecti-

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vamente, sem estabelecer tipos de trabalho ou tipos deocupação. E, embora ele considere esse uso restrito, otoma para dar um significado à profissionalização comosendo “o processo pelo qual parcelas crescentes da po-pulação vêm a fazer parte da força de trabalho definidaoficialmente […]”. Dessa forma, no contraponto, vaiocorrer o inverso: um número cada vez menor de mem-bros de uma população vem a realizar atividades apenaspelo prazer de sua realização, ou pelos benefícios queelas proporcionam ou ainda pela admiração e gratidãodos outros, “e mais e mais pessoas vêm a realizá–laspela renda que propiciam”. Portanto, é a transformaçãocapitalista do mundo que estimula a profissionalização.

Por outro lado, o próprio autor pondera a dificul-dade de expressar uma projeção ou prever um futurosobre os rumos dessas conceituações ao entorno da pro-fissionalização em face das mudanças sociais e econômi-cas do mercado e da população, como já ocorreu em al-guns países diante de crises econômicas, em que umaparcela significativa da população entra no grupo dosdesempregados ou subempregados. Com isso, essaspessoas deixam de ser profissionais, mas também nãosão amadores, como explica Freidson (1998). Além dis-so, há outras situações que envolvem aqueles que prefe-rem trabalhar por conta própria, independente das moti-vações. Assim, sobre a questão da profissionalização oautor conclui:

As tendências são, em suma, muitocomplexas. O que podemos dizer dofuturo não pode ser previsto realisti-camente com base em alguma noçãosimples de que se pode tornar umuniverso finito de tarefas e projetaruma tendência de sua “profissionali-

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zação”. Algumas tarefas desaparece-rão totalmente, outras se fundirãonovas combinações, outras retorna-rão a amadores que trabalham sozi-nhos ou com outros, e outras deixa-rão as mãos de amadores e serãoprofissionalizadas (FREIDSON, 1998,p. 149–150).

Com o exposto, ele destaca que “falar no proces-so de profissionalização exige que se defina a direção doprocesso e o estágio final de profissionalismo para oqual uma ocupação pode estar caminhando. Sem algu-ma definição de profissão, quase não tem sentido o con-ceito de profissionalização”. Considerando esse contextoe ainda a questão da proletarização dos trabalhadores,Oliveira (2010, p. 23), recorrendo às palavras de Nóvoa(1993), conclui que “a profissionalização aparece comouma saída defensiva dos trabalhadores da educação aosprocessos de perda de autonomia no trabalho”, pois, nodizer no entendimento de Nóvoa (1993, p. 23), ao me-lhorarem o seu estatuto, elevam os seus rendimentos eaumentam o seu poder e autonomia.

Portanto, para compreender as questões que per-passam qualquer profissão, inclusive a docência e suaprofissionalização, bem como o profissionalismo da pro-fissão, não basta apenas examinar a lógica interna deuma profissão, se estiverem ausentes dessa análise ele-mentos exteriores que, de alguma forma, possam influ-enciar a própria lógica profissional, sendo esta entendidacomo as ações dos indivíduos e grupos envolvidos emum determinado campo profissional ou ocupacional, emum determinado contexto.

No caso da profissionalização docente, olhandopela perspectiva sociológica, Freidson (1998) destaca

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que uma classe específica de profissionais é um segmen-to da força de trabalho que é definida por duas caracte-rísticas: critério educacional e critério competência espe-cial, portanto, as exigências vão além de amor ao quefaz. Há alguns anos, especificamente desde meados dadécada de 1980, a instituição escolar vem sendo desafi-ada pelas novas exigências do mercado e da sociedade,exigindo do professor, como qualquer profissional, com-petências que vão além de títulos ou apenas conheci-mentos da experiência ou acadêmicos.

Como exemplo desta complexidade, vale apre-sentar as conclusões de Tardif (2013), analisando trintaanos do movimento de profissionalização nos EstadosUnidos. O autor frisa que profissionalização docente ori-gina–se do meio empresarial, nos Estados Unidos, ga-nhando amplo espaço nas discussões acadêmicas e naspesquisas, a partir da década de 1980, com o projeto deprofissionalização do ensino e a nova denominação atri-buída ao professor como “profissional da educação”, noâmbito de um plano de reforma.

[…] desde o lançamento do movi-mento de profissionalização na déca-da de 1980, desenvolveu–se um vas-to campo internacional de pesquisavisando definir a natureza dos conhe-cimentos que sustentam o ato de en-sinar, bem como promover aquelesque são úteis e eficazes para a práticado ensino (TARDIF, 2013, p. 562).

De acordo com o autor, o movimento da profissi-onalização, se expande aos países anglo–saxões e à Eu-ropa e, finalmente, à América Latina, inclusive no Brasil(década de 90), chegando junto com o movimento dareforma educacional e o discurso da qualidade, aliado à

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questão da competência profissional. No entanto, comorelata Tardif (2013), nos Estados Unidos, o movimentoconfrontou–se com diversos fatores que bloquearam odesenvolvimento da profissionalização docente, taiscomo, a questão da valorização da profissão (entenda–se salário dos professores), condições de trabalho, for-mação, desvalorização social da profissão, falta de auto-nomia, falta de atração para a profissão, fragmentaçãoda profissão etc. Ele conclui que a idade da profissão émuito recente para os professores se comparada com atrajetória história da vocação e o ofício, e ainda está emgestação. Contudo destaca o autor:

[…] essa gestação não ocorre no vá-cuo, pois ela se opõe às velhas for-mas, à vocação e ao ofício que per-manecem, especialmente na AméricaLatina, onde continuam muito pre-sentes em diversos países. Resulta daíuma questão de grande importância:entre a vocação e o ofício e a profis-são, para onde se dirige o ensinocontemporâneo?

É possível dizer que essa condição não tem sidodiferente no Brasil, haja vista as prerrogativas do planoda reforma do Estado brasileiro e as políticas educacio-nais adotadas nas últimas décadas, porém, sem envolvi-mento e conscientização dos profissionais da educação.Como observado durante o minicurso, muitos nem sa-bem do que se trata e alguns apenas ouviram falar queagora são profissionais da educação e trabalhadores daeducação, como apresentado a seguir.

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Ser profissional na percepção de profissi-onais da educação

O minicurso que deu origem a este capítulo é fru-to de resultados de uma pesquisa para dissertação demestrado e de discussões empreendidas no Grupo dePesquisa em Educação e Gestão (GPEG), do mestradoem educação da Universidade do Vale do Sapucaí (Uni-vás) e foi realizado no I Congresso de Educação do Valedo Sapucaí (CEVS). O grupo se compunha de gestores,professores, supervisores, formandos de pedagogia, en-fim, todos profissionais da educação e apenas um erapolicial. Durante o minicurso foi solicitado aos partici-pantes que completasse a seguinte frase: “Ser profissio-nal é…”.

As respostas foram organizadas e analisadas apartir da análise de conteúdo com amparo em Bardin(2009) e, após a análise, foram obtidas as seguintes ca-tegorias: amor; indefinição, reconhecimento, competên-cia, valores, atitudes. Essas respostas contribuíram parafazer delineamento básico da percepção dos participan-tes com relação ao professor profissional. Observamosque a categoria “amor”, “indefinição” e reconhecimentoprevalecem na fala dos participantes. Embora alguns te-nham se referido, de alguma forma, a sentidos que seremetem à ideia de profissionalismo como trabalhadapor alguns autores, como Guathier, Nunes e Ramalho(2003), Tardif (2002, 2013) ligada à competência técni-ca, nenhum participante demonstrou uma ideia maisampla que evidenciasse algum conhecimento sobre onovo perfil de profissional, como a trazido por Freidson(1998) e a perspectiva gerencial em que resultados, efi-ciência e eficácia são princípios basilares de toda ativida-de profissional.

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No entendimento de Núnez, Ramalho e Guathier(2003), a profissionalização é um movimento ideológicona medida em que repousa em novas representações daeducação e do ser do professor no interior do sistemaeducativo. Segundo os autores essa ideologia apresen-ta–se sobre dois aspectos: o interno, que é denominadode profissionalidade e o externo, denominado profissio-nalismo. A profissionalidade está ligada à competênciapara a atividade profissional e o profissionalismo está li-gado à questão de poder e autoridade, face ao público eàs outras profissões ou grupos ocupacionais.

Nesse sentido, sem entrar no mérito se é o me-lhor modelo ou não, cabe destacar os efeitos de sentidodo histórico da profissão docente na constituição daidentidade da profissão e os vieses diferentes que são to-mados para interpretar o movimento de sua profissiona-lização. Como analisa Nünes, Ramalho e Guathier(2003), a profissão docente é um processo contínuo edescontínuo ao longo da história da docência e movi-mento da profissionalização é muito recente. Conside-rando ainda os fundamentos teóricos apresentados nestetexto sobre o que constitui uma profissão e o lhe dáprestígio, autoridade e poder, como teorizados porFreidson (1998), evidencia–se o quadro de complexida-de e abrangência em torno da questão da profissionali-zação do magistério.

A questão da identidade docente tem sido objetode estudo nos últimos anos e apresentada como um fa-tor determinante não somente na discussão em torno daprofissionalização, mas, da própria profissão, uma vezque estão envolvidas outras questões que fazem partedeste entorno, tais como: a própria formação para aprofissão, as condições do exercício da atividade profis-sional, a autoimagem, o reconhecimento da profissão,

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as representações que os professores fazem de si mes-mos, entre outros. Como teorizado por Nóvoa (2008, p.16) “A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é umespaço de construção de maneiras de ser e estar na pro-fissão” e relaciona–se com uma evolução que foi impon-do a separação entre o “eu pessoal” e o “eu profissio-nal” desses sujeitos.

Sem entrar no mérito dos detalhes e nas condi-ções em que este processo dicotômico foi se dando aolongo dos anos, pesquisas têm mostrado que existe umacrise de identidade dos professores, o que influencia noprocesso autoimagem dos profissionais da educação e,por consequência, no modo conceber o profissionalismona carreira docente. Embora exista uma aceitabilidade,o processo de ressignificação do processo não se tratade algo simples, o que é agravado pelas múltiplas inter-pretações que este processo vem recebendo, indepen-dentemente, da adesão ou não à ideologia gerencial.

Por fim, ressaltamos que a profissionalização domagistério deve ser compreendida como um processode construção histórica e, por isso, varia com o contextosocioeconômico e político a que está submetido. ComoOliveira (2010), compreendemos que o desenvolvimen-to da noção de profissionalização deve ser compreendi-do como resultado de uma forma específica de organiza-ção do Estado, que é a forma racional–burocrática2 deestruturação dos serviços públicos, sendo o estatuto fun-cional por meio do qual os trabalhadores da educaçãosão transformados em servidores públicos e, portanto,funcionários do Estado, o ponto fulcral em que se esbar-ra a profissionalização do magistério. Como analisa Oli-veira (2016), retira–lhe a autonomia e autocontrole so-

2 Sobre a forma racional burocrática ou burocracia ver estudos de Max We-ber.

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bre seu ofício. No entanto, é preciso ressaltar que estanão se trata de uma interpretação única. Consideramosque essa questão da autonomia é fator muito importantetanto para uma reconfiguração da profissão docentecomo para a profissionalização do magistério, mas nãohá espaço neste texto para tratar sobre o tema no mo-mento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é possível apresentar conclusões finais sobreo que ainda não está definido, como é caso da discus-são entorno da profissionalização do magistério e daprópria profissão docente. Levando em consideraçãoque no centro dos modelos de nova gestão da educaçãopública, em nível nacional e internacional, o que estáem jogo é a garantia do direito constitucional do aluno,como cidadão, a uma educação de qualidade. É, en-quanto bem público numa sociedade democrática, queprecisamos olhar para as reformas educativas e para onovo modelo de gestão para resultados; como uma po-lítica para promover um direito social e bem públicocom responsabilidade de todos. Corroboramos Oliveira(2015, p. 641) que assim defende ao analisar o novomodelo de gestão pública no Brasil: “[…] como tal, nãopode ser regulada como mercadoria, produto ou resulta-do passível de mensuração entregue a especialistas emmediação e números”.

Temos consciência de que, no Brasil, ainda nãoencontramos a fórmula ideal de educação, haja vista oseu próprio histórico, e que não há um único modelo deeducação ideal para todos. No entanto, cabe questionarse o modelo gerencial na educação, como apresentadoneste texto, que almeja reduzir gastos públicos muito

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mais do que implementar novas estratégias pedagógicas,que estimula a mercantilização da educação e a compe-tição com foco em resultados quantitativos, são o me-lhor caminho. Embora como analisado por Moller eSkedsmo (2015, 781), no âmbito internacional, pesqui-sadores apontem que as reformas que se propagaramna década de 1990, que visaram introduzir estratégiaspara renovar a gestão da educação pública, “tiveram emcomum o ethos empresarial”, é importante não conside-rar essa transposição de forma linear, da empresa para aescola. Também não podemos desconsiderar as mazelashistóricas da educação pública e nem responsabilizar osprofissionais da educação pela recuperação de anos deatraso na educação. Entretanto, considerando os aspec-tos teóricos apresentados por Freidson (1998) no que serefere à adjetivação “profissional” e as manifestaçõesdos professores apresentadas neste texto, vale destacar anecessidade da profissionalização do magistério comoum movimento de valorização da carreira docente.

O que procuramos mostrar, neste texto, é que aquestão da profissionalização do magistério está intrinse-camente imbricada com o movimento histórico e políti-co da educação e da profissão docente e que as refor-mas educativas se amparam no novo modelo capitalistado mundo produtivo. Cabe aos profissionais da educa-ção observar como essa lógica gerencial aplicada à ges-tão da educação pública vem progressivamente alteran-do as políticas pedagógicas e administrativas da escola,incluindo uma reestruturação do trabalho educativo, re-definição da identidade docente com novas diretrizes deformação para o exercício da profissão, bem como deatuação profissional.

É preciso também compreender que este proces-so de mudança não cai do céu e nem se dá aleatoria-

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mente. Ao contrário, trata–se de políticas orquestradas,em coerência com os princípios e propósitos do novomodelo de gestão pública, justificado pela necessidadede políticas de ajustes fiscais e de estabilização, diantede um novo modelo de produção capitalista. É neste ce-nário que a educação foi transformada em serviço pelaOCDE, na década de 1990, em conjunto com outros or-ganismos multilaterais, colocando como prioridade a re-forma dos sistemas educativos a fim de rever o lugar dasinstituições encarregadas de produzir conhecimento e in-formação para o mundo técnico–científico.

Desde então, existe um processo gradativo detransformação da educação em mercadoria e da escolaem organização/empresa, com ênfase no processo degestão que se ampara em quatro pilares: a) melhoria daeficácia da atividade administrativa; b) melhoria da qua-lidade na prestação de serviços públicos; c) diminuiçãodas despesas públicas; d) aumento da produtividade naadministração do Estado (SOUZA, 2010). Nesses princí-pios gerenciais ou administrativos também se orientamas organizações contemporâneas e, assim, também de-vem ser compreendidos como critérios de organizaçãodo trabalho educativo escolar por todos os profissionaisque nela atuam o que não significa aceitá–lo.

De modo concreto, no caso, por exemplo, o dire-tor escolar é gestor e os professores os trabalhadores eprofissionais prestadores de serviço e o cidadão o clientee consumidor dos serviços públicos. No aspecto pedagó-gico, a administração para a eficácia pedagógica se ma-terializa na preconização de metas estabelecidas para al-cançar os resultados propostos, no treinamento e aplica-ção de testes; na avaliação de desempenho dos profissi-onais da educação e dos estudantes; em uma gestãovoltada para a responsabilização, monitorização, terceiri-

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zação de serviços públicos ao setor privado e avaliaçãopor meio da mensuração de resultados e do desempe-nho dos profissionais da educação. Tudo isso pode serinserido no chamado processo de mercantilização daeducação, no qual o espírito da gestão democrática, en-quanto política pública torna–se também política decompetição e segregação.

Por fim, cabe frisar que, nesse movimento deuma nova gestão da educação pública, não apenas noBrasil, desde o início do século XXI (OLIVEIRA, 2015),novas exigências e diretrizes passam a organizar a for-mação para o exercício da profissão, com reconfigura-ção dos saberes da profissão, das habilidades e sensibili-dades, bem como potencializa–se uma ressignificaçãoda profissão docente, em todos os níveis. O que está emquestão como norte da profissão é um novo perfil dedocente (agora, um trabalhador, um profissional) e tam-bém de um novo aluno (agora cliente), consoantes comos imperativos da nova ordem mundial.

É nesse contexto que ganha ênfase ao discursoda profissionalização do magistério, com incentivo à car-reira docente e ao desenvolvimento profissional, eviden-ciando um grande enfoque na formação inicial e conti-nuada dos professores e de gestores como forma de ga-rantir a competência e a performance profissional na di-reção de produzir melhores resultados. Como nos paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento, no Brasil, a lógicagerencial vem alterando as formas de organização e ges-tão das escolas, tendo a ideia subjacente que a institui-ção educativa pública não é diferente dos empreendi-mentos que visam lucros. Assim, embora seja uma dis-cussão complexa, trata–se de um tema que precisa serdiscutido entre os profissionais da educação.

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OS AUTORES

Carla Helena Fernandes Universidade do Vale do Sapucaí– UNIVÁS/ Pouso Ale-gre–MG

Tem graduação em Pedagogia pela UFMS – Universida-de Federal de Mato Grosso do Sul, especialização emPsicopedagogia, Mestrado em Educação pela UCDB –Universidade Católica Dom Bosco, e Doutorado emEducação pelo Programa de Pós–Graduação da Facul-dade de Educação da UNICAMP. Como pesquisadora,se volta ao estudo e à investigação da formação de pro-fessores, das concepções e práticas pedagógicas e da in-clusão escolar de alunos com deficiência nas escolas deensino regular. É professora do Mestrado em Educaçãoda UNIVÁS – Universidade do Vale do Sapucaí, emPouso Alegre – MG. Como pesquisadora participa dosseguintes grupos de estudo e pesquisa: GPEG – Grupode Pesquisa em Educação e Gestão, da UNIVÁS, GE-PEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em EducaçãoContinuada, da Faculdade de Educação da UNICAMP,e do GREEFA – Grupo de Estudos Escola, Formação eAlteridade, do Departamento de Educação da UNESP –Rio Claro, onde realiza Estágio Pós–Doutoral. Correioeletrônico: [email protected]

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Eliete Aparecida de GodoyPontifícia Universidade Católica de Campinas– PUC-CAMP

Professora doutora em Educação pela Universidade Es-tadual de Campinas. Docente da Faculdade de Educa-ção da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Gênero,Raça/Etnia e Geração da Universidade Federal da Ba-hia. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas emAprendizagem e Desenvolvimento na Perspectiva Cons-trutivista da Universidade Estadual Paulista Júlio deMesquita Filho. Correio Eletrônico: [email protected]

Flávia Sueli Fabiani MarcattoUniversidade Federal de Itajubá–UNIFEI

Possui graduação em Matemática Licenciatura pelaUNESP/ IBILCE – SJRP (1995) ; Mestrado em Educa-ção Matemática pela UNESP/ IGCE – Rio Claro (1998)e Doutorado em Educação Matemática pelaUNESP/IGCE – Rio Claro. Tem experiência em Mate-mática, com ênfase em Educação Matemática. É docen-te do Instituto de Matemática e Computação da Univer-sidade Federal de Itajubá, e também do programa deMestrado Profissional em Ensino de Ciências da UNIFEI.Cumpriu mandatos como Diretora de Pós–Graduação,Pesquisa e Extensão, Diretora de Graduação, Coorde-nadora de curso de graduação em Matemática e Coor-denadora de curso Pós–Graduação em Educação Mate-mática (Latu sensu). Coordenou ainda vários cursos deFormação Continuada de professores de Matemática. É

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Coordenadora Institucional do PIBID–UNIFEI. O focode suas pesquisas envolve Formação de Professores eParceria Universidade Escola. Correio Eletrônico: [email protected]

Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz MendesUniversidade do Vale do Sapucaí– UNIVÁS/ Pouso Ale-gre–MG

Graduada em Pedagogia (1986). Especialista em Infor-mática na Educação e Mestrado em Educação (2002),cursados na Universidade Federal de Pernambuco(UFPE). Doutora em Educação (2011) na área de avali-ação e formação de professores, UNICAMP. Professorae Diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Uni-versidade Católica de Campinas (Gestão Fev/2010 – Ja-neiro 2014). É docente no curso de mestrado da Univer-sidade do Vale do Sapucai (Univas) e docente da Facul-dade de Educação da Unicamp, no Departamento deEnsino e Práticas Culturais. Colabora como pesquisado-ra no Laboratório de Observação e Estudos Descritivos–LOED– Faculdade de Educação da Unicamp, pesquisafinanciada pelo Observatório da Educação / CAPES –desenvolve pesquisa em Avaliação Institucional na edu-cação básica da rede municipal de Campinas. Atual-mente exerce é membro da coordenação, na área deavaliação, do Curso de Especialização em Docência emSaúde, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Correio eletrônico: [email protected]

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Giovane José da SilvaInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia doSul de Minas Gerais–IFSULDEMINAS

Graduado em Filosofia pela Faculdade Católica dePouso Alegre, bacharel e licenciado em História pelaUniversidade Federal de Viçosa (UFV). Mestre emHistória pela Universidade Federal de São João Del Rey(UFSJ). Doutor em História pela Universidade FederalFluminense (UFF). Dedica–se ao estudo da História daHistoriografia e do Ensino de História, com ênfase naRepública, atuando principalmente nos seguintes temas:a escrita e o ensino de história na República;catolicismo, intelectuais católicos e escrita da história. Éprofessor efetivo do Instituto Federal de Educação,Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais,IFSULDEMINAS. É professor e pesquisador daEducação a Distância e Novas TecnologiasEducacionais, atuando na gestão da educação adistância no IFSDULDEMINAS. Correio eletrônico:[email protected]

Iara Félix Pires VianaSecretaria Estadual de Educação de Minas Gerais – SEEMG – Belo Horizonte/MG

Geógrafa, professora Mestre em Lazer, Cultura e Educa-ção pela Universidade Federal de Minas Gerais. Supe-rintendente na Secretaria Estadual de Educação de Mi-nas Gerais. Integrante do Grupo de Pesquisa NEPP-COM (Núcleo de Estudo e Pesquisa do PensamentoComplexo) – Grupo de Estudos Teoria e Histórico–Cul-tural FAE/UFMG. O Núcleo é uma estrutura criada a

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partir da vinculação ensino–pesquisa–extensão promo-vendo o debate relativo às articulações entre o Pensa-mento Complexo e as questões relativas ao Lazer e gru-pos sociais vulneráveis no âmbito da inter e da transdis-ciplinaridade. Correio eletrônico: [email protected]

Joarle Magalhães SoaresInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia doSul de Minas Gerais

Mestre em Linguística pela Universidade de Franca(2014), tendo defendido a dissertação “Informação cominformalidade: diálogo e interação no Jornal Hoje”. Pos-sui graduação em Comunicação Social (habilitação Jor-nalismo) pela Universidade Federal de Juiz de Fora(2007). É especialista em Criação e Produção em Rádioe TV pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni–BH (2009). É servidor público do Ministério da Educa-ção. Ocupa a função de Chefe de Gabinete e o cargo dejornalista no Instituto Federal de Educação, Ciência eTecnologia do Sul de Minas (IFSULDEMINAS), na cida-de de Pouso Alegre (MG). Já trabalhou como repórterdo jornal Tribuna de Minas, em Juiz de Fora (MG), e nojornal JF Hoje, onde exerceu as funções de repórter eeditor. Correio Eletrônico: [email protected]

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José Luís SanfeliceUniversidade do Vale do Sapucaí–UNIVÁS – Pouso Ale-gre/MG

Bacharel e Licenciado em Filosofia , Mestre em Filosofiada Educação e Doutor em Educação pela Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo (PUC–SP). Livre Do-cência em História da Educação (2001) e Professor Titu-lar (2006) na Universidade Estadual de Campinas (UNI-CAMP), onde atuou como docente de 1981 a 2012.Aposentado e Professor Colaborador da UNICAMP2013–2016. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pes-quisa História, Sociedade e Educação no Brasil – HIS-TEDBR e membro do Conselho Editorial da RevistaHISTEDBR on–line. Foi Diretor Associado e Diretor daFaculdade de Educação da UNICAMP no período de1988 a 1996. Atua em História da Educação, Históriadas Instituições Escolares e Política Educacional. Atuacomo docente e Coordenador do Curso de Mestrado emEducação na Universidade do Vale do Sapucaí (UNI-VÁS – MG), desde agosto de 2014.Correio Eletrônico: [email protected]

Luana Costa AlmeidaUniversidade do Vale do Sapucaí– UNIVÁS/ Pouso Ale-gre–MG

Doutora em Educação na área de Ensino e Práticas Cul-turais pela Universidade Estadual de Campinas–Uni-camp (2014), com período de estágio na UniversidadeAutônoma de Barcelona–Espanha, ambos com financia-mento da FAPESP; mestre em Educação na área de En-sino, Avaliação e Formação de Professores (2008) e gra-

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duada em Pedagogia (2004), ambos pela Unicamp. Fezpós–doutorado no Centro de Estudos da Metrópole–CEM/Cebrap, com financiamento da FAPESP (2014 /2015). Atualmente atua como Professora do Mestradoem Educação da Universidade do Vale do Sapucaí–Uni-vás e como Professora Doutora em RTP na Faculdadede Educação–Unicamp, no Departamento de Ensino ePráticas Culturais–DEPRAC. É pesquisadora colabora-dora no Laboratório de Observação e Estudos Descriti-vos–LOED da Faculdade de Educação da Unicamp, emprojeto financiado pelo Observatório da Educação–CA-PES. Participa do Comitê Editorial da revista Educação& Sociedade. Correio Eletrônico: [email protected]

Luciana Cristina Salvatti CoutinhoUniversidade Federal de São Carlos/ Sorocaba–SP

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Es-tadual de Campinas (2002). É Doutora em Educaçãopelo Programa de Pós–Graduação da Faculdade deEducação da Unicamp. Possui pós–doutorado em Edu-cação pela Universidade do vale do Sapucaí – UNIVAS,pelo PNPD/CAPES. Atualmente é professora Adjunta doDepartamento de Ciências Humanas e Educação daUFSCar, campus Sorocaba, pesquisadora do Grupo deEstudos “História, Sociedade e Educação no Brasil” –HISTEDBR – GT Unicamp, pesquisadora do NEPHE,Núcleo de Estudos e Pesquisas Ética, Política e Históriada Educação, da UNIVÁS. Correio eletrônico: [email protected]

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Luiz Roberto Martins RochaUniversidade do Vale do Sapucaí–UNIVÁS

Doutor em Ciências pelo Programa de Pós–Graduaçãoem Cirurgia Plástica da Escola Paulista de Medicina –Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP (2010).Possui Mestrado em Odontologia, área de concentraçãoSaúde Coletiva, pela Universidade Federal de Minas Ge-rais – UFMG (2003). Especialização em Recursos Hu-manos para a Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pú-blica – FIOCRUZ (2000). Especialização em Saúde Pú-blica pela Universidade de Ribeirão Preto (1999). Gra-duou–se em Odontologia pela Universidade Federal deMinas Gerais (1986). Atualmente, na Universidade doVale do Sapucaí (UNIVÁS), é diretor de Educação aDistância e Assuntos Acadêmicos, docente do Mestradoem Bioética e docente do curso de Medicina. Correioeletrônico: [email protected]

Marcelo BregagnoliInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais– IFSULDEMINAS

Possui graduação em Licenciatura em Ciências Agrícolaspela UFRRJ (1995), Mestrado em Fitotecnia pela UFRRJ(2000) e Doutorado em Agronomia pela ESALQ/USP(2006). Tem experiência na área de Educação, comênfase em Ensino Profissionalizante e publicações nosseguintes temas: culturas anuais, cafeicultura, fertilidadee sustentabilidade. Foi pró–reitor de pesquisa, pós–graduação e inovação (2010/2014) e é Reitor eleito doInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia doSul de Minas Gerais, no mandato de 2014/2018. É

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conselheiro da FIEMG, ANATER, Membro da Câmarade Educação do Campo do CONIF. Correio Eletrônico:[email protected]

Neide Pena CáriaUniversidade do Vale do Sapucaí–UNIVÁS

Doutora em Educação, Currículo (PUC/SP). Mestradoem Linguística com ênfase em Análise de Discurso (linhafrancesa). Graduação em Pedagogia. Atua como docen-te e Pesquisadora do Programa de Mestrado em Educa-ção da Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), Pou-so Alegre/MG. Coordenadora do Curso de Especializa-ção em Gestão Educacional (Univás). Líder do Grupode Pesquisa em Educação e Gestão (GPEG). Membrodo Comitê de Ética e Pesquisa da Univás. Correio Ele-trônico: [email protected]

Sarah Maria de Freitas Machado SilvaUniversidade do Vale do Sapucaí– UNIVÁS (Bolsista PNPD/CAPES)

Doutora em Educação no Departamento de Filosofia eHistória da Educação pela Universidade Estadual deCampinas FE/Unicamp/SP (2015) – Mestre em Educa-ção pela Universidade Federal de UberlândiaFACED/UFU/MG (2008) – Especialista em Metodologiasde Ensino: qualificação e aperfeiçoamento do magistériopela Universidade Federal de Uberlândia FACED /UFU / MG (2005) Licenciatura plena em Educação Físi-ca pela Universidade Federal de Uberlândia FAEFI /UFU / MG (2002). Magistério – 1994–1996. Correio Ele-trônico: [email protected]

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Scheilla Guimarães de OliveiraUNIS/Varginha–MG

Graduação Pedagogia; Especialização em Psicopedago-gia, Teoria Psicanalista e Informática na Educação. Cur-sa Mestrado em Educação na Universidade do Vale doSapucaí (Univás). Formação em Método Csi – CoachingIntegral Sistêmico. Atua como Supervisora Pedagógica,no Colégio Santos Anjos de Varginha/MG. É professorano Curso de Pedagogia (UNIS/VARGINHA). CorreioEletrônico: [email protected]

Sônia Aparecida Siquelli Universidade do Vale do Sapucaí– UNIVÁS

Doutora em Educação pela Universidade Federal deSão Carlos–UFSCar, Mestre em Educação pela Pontifí-cia Universidade Católica de Campinas–PUCCamp, Pe-dagoga e Especialista em Educação pelo Instituto de En-sino Superior de Mococa–IESMoc. Docente do Mestradoem Educação e do Mestrado em Bioética, ambos pelaUniversidade do Vale do Sapucaí – Univás, Pouso Ale-gre/MG. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobreÉtica, Política e História da Educação Brasileira–NEP-HEB e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas emFundamentos da Educação pela Universidade Federalde Uberlândia–UFU. Coordenadora do Centro de Estu-dos e Pesquisas em Educação da Univás– CEPEDU.Correio eletrônico: [email protected]

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Esperamos que esse livro contribua para o debate políti-co e filosófico sobre a educação. Afirmamos que casoseja infringido qualquer direito autoral, imediatamente,retiraremos a obra da internet. Reafirmamos que é veda-da a comercialização deste produto.

Título Desafios à democratização da educação no Brasilcontemporâneo.

Organizadores José Luis Sanfelice e Sônia Aparecida SiquelliRevisão Lurdes LucenaPáginas 308Formato A51a Edição Dezembro de 2016

Navegando PublicaçõesCNPJ – 18274393000197

[email protected]

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