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Jornalismo investigativo

Leandro Fortes

http://groups.google.com.br/group/digitalsource

Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente.

Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.

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COLEÇÃO COMUNICAÇÃO

Coordenação

Luciana Pinsky

A arte de fazer um jornal diário

Ricardo Noblat

Assessoria de imprensa

Maristela Mafei

Jornalismo científico

Fabíola de Oliveira

Jornalismo cultural

Daniel Piza

Jornalismo investigativo

Leandro Fortes

Jornalismo de rádio

Milton Jung

Jornalismo de revista

Marília Scalzo

Jornalismo de TV

Luciana Bistane e Luciane Bacellar

Jornalismo digital

Pollyana Ferrari

Jornalismo econômico

Suely Caldas

Jornalismo esportivo

Paulo Vinícius Coelho

Jornalismo internacional

João Batista Natali

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Copyright(c) 2005 Leandro Boavista Fortes

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

Diagramação: Gustavo S. Vilas Boas Projeto de capa: Marcelo Mandruca

Capa: Antônio Kehl Revisão: Lilian Aquino

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fortes, Leandro

Jornalismo investigativo / Leandro Fortes. — São Paulo : Contexto, 2005. — (Coleção

comunicação)

ISBN 85-7244-286-3

1. Jornalismo — Objetividade 2. Jornalistas Brasil — Entrevistas 3. Reportagens investigativas

4. Repórteres e reportagens I. Título. II. Série.

05-2722

CDD-070.43

índices para catálogo sistemático:

1. Jornalismo investigativo 070.43

Editora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky

Rua Acopiara, 199 — Alto da Lapa

05083-110-São Paulo-sp

pabx: (11) 3832 5838

[email protected] www.editoracontexto.com.br

2005

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A meu pai, Gerardo, que sempre alimentou meus sonhos; e Sônia, amiga-

mãe de todas as horas.

O jornalismo é o exercido diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter.

Cláudio Abramo,

jornalista brasileiro (1923-1987),

'Trabalho pelo olfato.

Quando sinto algo fedendo, vou atrás.

Drew Pearson,

jornalista americano (1897-1969)

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SUMARIO

INTRODUÇÃO CAPÍTULO I Investigando o conceito

Watersheik Marca registrada Investigativo, ma non troppo À sombra de Watergate Ética e circunstância Jornalismo investigativo s/a Caso Verdial

CAPITULO II O caminho das pedras 35

Jornalismo investigativo passo a passo Pitacos, dicas & sugestões (de quem entende) O Caso LBA

CAPÍTULO III No fio da navalha 53

Os meios, o fim – e o off no meio Missão e omissão O off partido

CAPÍTULO IV Ossos do ofício (e que ofício!)

Investigação dá trabalho e pode ser arriscado O Caso Tim Lopes

ARTIGOS 77 Sem investigação não há jornalismo Ricardo Noblat Considerações sobre uma investigação Cláudio Júlio Tognolli

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Excesso de impunidade Andrei Meirelles Encruzilhada Diego Escosteguy Eram os repórteres investigativos? Xico Sá

ANEXOS Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros Princípios Internacionais da Ética Profissional no Jornalismo Caso LBA

BIBLIOGRAFIA COMENTADA

SITES COMENTADOS

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INTRODUÇÃO

À primeira vista, o termo "jornalismo investigativo" dói no ouvido, soa

redundante. Afinal, todo o blablablá acadêmico sobre a atividade jornalística bate, desde sempre, na tecla do se-é-jornalismo-tem-queser-investigativo. Entre os jornalistas formados antes do fenômeno do fax e da internet, entre os quais estou incluído, esse senso comum tem força de verdade inexorável. De fato, até o surgimento das facilidades das ferramentas eletrônicas de busca, toda apuração, por mais simples que fosse, tomava ares de investigação. Hoje, se o repórter tem dúvidas sobre a grafia de "Juscelino Kubitschek", basta entrar no site do Google e tascar: "JK Brasília". Pronto, uma centena de documentos vai surgir na tela com o nome do fundador da capital federal. Em tempos idos, o mesmo repórter teria que ir fuçar nos arquivos da redação, procurar em jornais antigos, enciclopédias, almanaques, consultar sábios de plantão para achar a informação desejada. Até o início da década de 1990, para conseguir dados e estatísticas, os jornalistas tinham que se deslocar fisicamente às fontes, revirar registros, debruçar-se sobre planilhas. Atualmente, o que não está em páginas da internet pode ser enviado por fax ou e-mail pelas assessorias.

Aos poucos, portanto, a investigação deixou de ser um simples preceito

para se transformar, graças à modernidade, em uma área de crescente especialização. Virou um nicho, uma marca e um símbolo de status dentro do jornalismo brasileiro.

De certa forma, para se compreender a extensão dessa novidade é

preciso libertar-se da concepção simplista, embora essencialmente verdadeira, de que todo jornalismo é investigativo. Essa não é uma verdade absoluta, nem mesmo para casos carimbados com a marca. Muitas das reportagens vendidas ao público como fruto de jornalismo investigativo — denúncias bombásticas, flagrantes de corrupção, escândalos políticos — não passaram nem perto de uma investigação. Foram entregues prontas ao repórter, como naco compartilhável das estruturas de poder da República que cabem,

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supostamente por direito, às redações brasileiras. Rendem bons furos, bons prêmios, mas nada têm a ver com jornalismo investigativo.

Este livro trata de um fenômeno didaticamente organizado, mas ainda

carente de regras e compreensão geral. A reportagem, de fato, não prescinde de investigação. Mas jornalismo investigativo é algo mais complexo, trabalhoso e perigoso. Não se assemelha com a rotina natural das redações. Exige talento, tempo, dinheiro, paciência e sorte.

No Brasil, o boom da investigação jornalística teve que esperar o fim da

ditadura militar (1964-1985) para acontecer. Durante os 21 anos de rodízio de generais no Palácio do Planalto, a imprensa brasileira ficou, em maior e menor escala, sufocada pela censura e pela força da repressão. Vivia, aqui e ali, de iniciativas pontuais. Com a redemocratização do país, em 1985, os jornalistas começaram a respirar, a fugir do noticiário oficial e, finalmente, a buscar a melhor notícia — aquela que está escondida.

Foi na Era Collor, no entanto, que os métodos de investigação tornaram-

se organizados dentro das redações. Os sucessivos escândalos ocorridos entre 1990 e 1992, durante a gestão do presidente Fernando Collor de Mello, resultaram em uma febre investigatória francamente disseminada na imprensa nacional. Pode-se dizer que o impeachment de Collor é o marco zero do jornalismo investigativo no Brasil. A partir dele, jornalistas e donos de empresas de comunicação viram-se diante de uma nova e poderosa circunstância, com conseqüências ainda a serem dimensionadas.

A criação da Associação Brasileira de jornalismo Investigativo (Abraji), em

2002, foi um salto evolutivo nesse processo. É uma instituição de jornalistas, desvinculada dos diversos interesses das empresas de comunicação. Associações desse tipo estão espalhadas pelo mundo todo, das Filipinas à Dinamarca, com o objetivo comum de sistematizar práticas e conhecimentos ainda dispersos do jornalismo investigativo. Tratam, principalmente, da utilização de meios eletrônicos como fonte de consulta e pesquisa para a investigação. Falam, portanto, de tempos que chegam e outros ainda por vir. Não há como ignorá-las.

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CAPÍTULO I

Investigando o conceito

WATERSHEIK Na primeira vez que me meti em uma investigação jornalística, o centro

de toda a atividade era um cão. Um cocker spaniel de um ano de idade. Naquele ano de 1986, eu tinha 20 anos de idade e apenas três meses de profissão. Até então, minha experiência como repórter consistia em descrever as ações banais do cotidiano de Salvador, onde ainda engatinhava no curso de jornalismo da Universidade Federal da Bahia. Antes de investigar as estrepolias do cocker, meu trabalho resumia-se a retratar o mau estado das praças da cidade, a movimentação das lideranças comunitárias das favelas, a contar os mortos das chuvas de inverno e a fuçar na lama e nos preços das frutas e dos mariscos oferecidos na Feira de Água de Meninos, na Cidade Baixa.

Na redação da Tribuna da Bahia, na reta do Mercado das Sete Portas, eu

era o único estagiário em atividade de então. Portanto, alvo fácil e previsível das pautas menores e aborrecidas. Dividia minha rotina entre o orgulho de estar entre jornalistas de verdade e o enfado de reproduzir as ações mais primárias do dia-a-dia, o que, mais tarde, revelou-se ser a minha escola essencial na profissão. Numa tarde qualquer, eu já havia feito uma matéria sobre mudanças de babalorixás em terreiros de candomblé e a sujeira generalizada dos mercados de Salvador e, como era de costume, aguardava novas ordens do chefe de reportagem enquanto folheava jornais na pequena biblioteca da Tribuna. Em meados dos anos 80, muito antes da internet, era assim que os jornalistas gastavam o tempo livre dentro das redações. Foi quando o caso do cachorro sobrou para mim.

Uma comissão de moradores de um prédio em Nazaré, bairro de classe

média baixa de Salvador, baixou na redação da Tribuna com um abaixo-

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assinado contra o condômino do nono andar, um fiscal da prefeitura que mantinha um cachorro histérico dentro do apartamento. O dono do cão ignorara os apelos dos vizinhos, e uma circular interna, retirada em assembléia, exigia o fim da barulhada. O danado do bicho, diziam, latia noite e dia. Tinha tudo para ser uma das notícias de terceira mão que cabiam por hierarquia natural ao estagiário da redação, coisa para virar uma notinha pitoresca de pé de página com o fato e o anúncio da possibilidade de processo judicial com base na lei do silêncio etc, etc, etc. Eu já estava me ajeitando em frente a uma velha Remington de teclas capengas para escrever a coisa quando o chefe de reportagem rondou a minha mesa e ordenou: "investiga essa história". Isso! — pensei —, meu sonho de Watergate estava, naquele momento, cristalizado numa primeira função investigativa cuja premissa era saber, no meio da tarde, porque infernos o cachorro do fiscal latia tanto.

A primeira e mais lógica tese — típico erro que qualquer jornalista

comete por preguiça de sair da redação, inexperiência ou inépcia — era a de que, sendo um cão, era de se esperar que ele latisse, ainda mais preso em um apartamento às vésperas do verão baiano. Não havia o que investigar, portanto. Por que não me deixavam cobrir política na Assembléia Legislativa? "Vai logo, menino". Eu fui. Um fotógrafo foi destacado para me acompanhar, com a ordem explícita de fotografar o cão, é claro. Entrevistar o dono, entrar na casa, chegar ao cachorro e descobrir as razões de seu tormento eram, então, minhas primeiras ações de jornalista investigativo. Olhando de longe, passados quase 20 anos, parece um ato prosaico, mas hoje percebo que aquilo encerrou um ensinamento tão básico como precioso para meu entendimento pessoal da atividade jornalística. Naquele dia, aquele cão seria o meu guia.

O endereço deixado pela comissão nos levou a um prédio feio, de

pastilhas amarelas escurecidas pela fumaça dos carros que iam e vinham pela avenida Joana Angélica. Eu e o fotógrafo descemos em frente à portaria e nossa primeira impressão foi a de que o zelador, postado atrás de uma mesa repleta de correspondências, não nos deixaria entrar. Ledo engano: o homem não agüentava mais a polêmica em torno do cachorro, cobrado que era pelos moradores, diariamente, para tomar providência. Foi ele que nos deu a primeira pista do caso: o cachorro não ficava no apartamento, mas em uma espécie de cobertura usada como área de serviço pelo fiscal do nono andar. E nem sempre o bicho vivera por lá. Tinha sido trazido de um sítio, próximo a Arembepe, que fora vendido pouco mais de três meses antes pelo dono do animal. "De lá para cá, é esse rebuliço", concluiu o porteiro. "O desgraçado late dia e noite". Subimos ao nono andar e tocamos a campainha do apartamento

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da discórdia. Nem o fiscal nem a família dele estavam em casa. Quem nos recebeu à porta foi uma empregada negra, de lenço azul na cabeça, desconfiada como um gato embarcado. A presença de um repórter imberbe e um fotógrafo de máquina em punho era uma senhora quebra de rotina para aquela mulher. Convencê-la a nos deixar entrar no apartamento demandou uns vinte minutos de conversa mole.

— O dono da casa não está. — E o cachorro? — Está lá em cima. — Então, a gente dá uma olhada nele e vai embora. — Sem a presença do dono da casa o senhor não pode entrar. — Só quero saber por que o cachorro faz tanta zoada. — Ele hoje até que está quieto. — Mas eu sou da imprensa, e o síndico vai processar todo mundo que é

responsável pelo barulho, a senhora inclusive. — Ai, meu Deus! Entramos. A escada que levava à cobertura ficava na cozinha. A

empregada foi matraqueando atrás, resmungando da má sorte e da dor de cabeça que aquele cachorro danado vinha dando desde que chegara ao prédio de Nazaré. Fomos recebidos pela luminosidade do sol da Bahia, tanto que tive que esperar os olhos se acostumarem até perceber no fundo da cobertura (na verdade, uma laje imunda) a figura malhada de um cachorro. Amarrado ao encanamento metálico de um tanque de lavar roupa, um cocker spaniel branco e preto começou a se esgoelar e a mostrar os dentes. A empregada estremeceu de raiva. "Cala a boca, Sheik!". Então era esse o nome do cão: Sheik. Ele não latia. Gania feito um lobo raivoso e se embolava na coleira em volta do cano do tanque. Criado solto em um sítio, não conhecia as regras do cativeiro e, a cada volta que dava em torno de si, distanciava-se mais e mais das vasilhas de água e comida. Bingo.

— Esse cachorro está é com sede. Tem que afrouxar a coleira. — Eu é que não meto a mão nessa criatura. — E quem mete? — A filha do dono. — E cadê ela? — Só chega da faculdade à noite.

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Eu, com a coragem dos 20 anos, fui chegando perto do bicho, devagarinho, pé ante pé, até deixar ele cheirar a minha mão. Sheik ficou ali, com o toco de rabo entre as pernas, os olhos grudados em mim. Com cuidado, soltei a amarra principal da coleira e fui desenrolando a correia até distendê-la por completo. O cachorro percebeu o relaxamento da prisão e se projetou, sôfrego, sobre a tigela de água. Esqueceu-se de mim e ficou matando a sede até a última gota de água. Depois, voltou-se para a minha direção e saltou amistosamente. A foto com o cocker pendurado no meu braço ficou estampada na primeira página da Tribuna da Bahia no dia seguinte. Sheik, o cão histérico do prédio de Nazaré, era só o protagonista infeliz, mas não resignado, de um drama comezinho que, naquele dia, me encheu de orgulho profissional.

O caso estava encerrado. Quer dizer, nem tanto. No outro dia, logo pela

manhã, o fiscal da prefeitura, acompanhado da mulher e da filha, entrou — ele sim, histérico — na redação da Tribuna, pedindo explicações. Ameaçou todo mundo, disse que iria processar o jornal por invasão de domicílio e exigiu minha presença. Felizmente, não era o meu turno. Naquela hora, eu estava na faculdade, aprendendo teoria, com a edição do dia debaixo do braço e um sorriso bobo na cara. Passei a gostar de verdade da profissão.

MARCA REGISTRADA

Naquele tempo, eu não sabia, mas os anos vindouros iriam me mostrar

que, normalmente utilizado para agregar glamour à profissão, o termo "jornalismo investigativo" é muito mais uma marca do que um conceito. É consenso razoável entre os jornalistas que o ofício de se publicar notícias é, por si só, o resultado de atividade investigativa que demanda, em graus diferentes, um processo de apuração. A investigação, portanto, é parte da engrenagem que vai da pauta até a veiculação da notícia. O jornalista Eugênio Bucci, um dos mais conceituados pesquisadores da imprensa em atividade no Brasil, presidente da Radiobrás, define o jornalismo investigativo como uma "modalidade especializada" que teria se desenvolvido dentro do ofício a partir de uma imposição da burocracia e de muitas das máfias nacionais que colocaram sobre o direito de informação uma cortina de fumaça — maligna e maliciosa — capaz de barrar o direito de saber de todo cidadão. Bucci confessa ter dificuldade em aceitar o jornalismo investigativo como um gênero autônomo, ou mesmo como um conceito demasiadamente importante. "Jornalismo investigativo é, antes de tudo, jornalismo", simplifica. O que

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caracteriza essa modalidade, continua, é o objeto da pauta, o método de apuração, a forma e o conteúdo finais com que a reportagem se apresenta.

Na definição de Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de S.Paulo e

presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o termo "jornalismo investigativo" causa, de fato, certo desconforto. A atividade, diz Beraba, tornou-se uma qualificação específica para as reportagens de mais fôlego, de maior investimento de apuração. Aquela que exige mais tempo e paciência para pesquisas, entrevistas, observação direta, checagem e rechecagem — a busca obsessiva por documentos e provas.

De fato, o que dá conotação investigativa ao todo nada tem a ver com a

rotina do noticiário, mas com a perspectiva de coroá-lo com momentos de grande diferença — função que já foi primordialmente ligada ao furo, mas que cada vez mais está conectada a ações diferenciadas em áreas específicas do espaço público, no caso de reportagens relativas a políticas de governo e/ou da vida funcional/pessoal dos agentes públicos. Nesse quadro, o crescimento dos noticiários on-line resultou em uma perspectiva mais veloz — e feroz — das apurações de cunho eminentemente investigativas, fazendo com que boa parte dos veículos de comunicação com interface on-line (leia-se todos os grandes jornais e revistas do país) passas sem a lançar mão de seus sites para viabilizar a publicação exclusiva de matérias de investigação e, assim, garantir a exclusividade e o status da notícia em primeira mão. Além de, é claro, otimizar os investimentos da redação naquela pauta.

Quando o cocker Sheik latia nervosamente no prédio de Nazaré, os

mecanismos de investigação da notícia passaram a se reproduzir em cadeia por meio de um paradigma característico do jornalismo, que foi da insatisfação de uma comunidade em busca de um canal mais rápido de solução, no caso, a pauta encaminhada ao estagiário da Tribuna da Bahia. Daí ao emprego de técnicas próprias do jornalismo investigativo dentro de um discurso jornalístico muito peculiar foi um pulo. O jornalista Marcelo Canellas, da tv Globo, é um especialista em fazer esse tipo de adaptação. Ao contrário de outros repórteres da TV brasileira, Canellas notabilizou-se por fazer investigações que nada tem a ver com as tradicionais denúncias de cunho político-policial. É um repórter que esmiuça as brechas da sociedade e da cultura brasileira, uma atividade essencialmente investigativa que, segundo ele mesmo, não prescinde do cotejo, do exame das contradições e da pesquisa. "Para mim, jornalismo investigativo é um conceito que tem um vício de origem: a redundância", diz Canellas. O mesmo modelo se repete em níveis diferentes em todos os jornais

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do mundo, não obstante as óbvias diferenças de temas e abordagens, com maiores ou menores conseqüências para as comunidades envolvidas, sejam elas vizinhos de um edifício de Salvador ou contribuintes de todo o país. Continua Marcelo Canellas: "Os fatos, os acontecimentos, os fenômenos — ou seja lá que nome queiramos dar à matéria prima de nossa profissão não aparecem diante de nós como algo íntegro e totalizado. O processo do conhecimento pressupõe a coleta desses fragmentos da vida e sua conexão com antecedentes e conseqüências para que o fato seja apreendido na sua totalidade."

INVESTIGATIVO, MA NON TROPPO

A experiência brasileira tem mostrado que o grau de relevância dos

veículos de comunicação, com conseqüências no fluxo de receita publicitária, mantém-se na relação direta entre a manutenção de interesses econômicos e as grandes reportagens, sobretudo as que resultam em mudança de cenário político. O fato, no entanto, é que nem todas são de natureza investigativa, ou pelo menos não se enquadram no modelo clássico da investigação primária — a pauta, a investigação, a notícia. Ainda assim, os veículos e, principalmente, os jornalistas, tendem a imprimir às matérias de grande relevância o selo dourado do jornalismo investigativo. Não é por outra razão que o conceito de investigação jornalística no Brasil está atrelado a escândalos e denúncias, quando se sabe que a maioria dessas matérias nasce do repasse puro e simples de informação, muito mais um mérito das fontes do que, propriamente, do repórter. O que antes era a busca pelo furo passou a ser uma corrida, às vezes, desenfreada pelo rótulo. E também por outros motivos, inclusive uma colocação honrosa — e bem remunerada — dentro de um mercado de trabalho fechado e cada vez mais restrito das redações.

Pesquisador que conhece todos os lados do balcão, o professor e

jornalista Nilson Lage reconhece no jornalismo investigativo uma atividade de ânimos arrefecidos. Ou seja: continua existindo, mas já não é mais tão investigativo assim. Lage acredita que essa descaracterização é resultado, primeiro, da profissionalização das fontes. Argumento bem colocado pelo professor, porque parte dessa culpa é da própria categoria. A profusão de assessores de imprensa e, atualmente, de dubles de jornalistas-consultores terceirizados a peso de ouro por políticos e grandes empresários criou um ambiente, de fato, exageradamente profissionalizado de condução de pauta, apuração e, em alguns casos, de edição do material jornalístico. Noam

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Chomsky, professor do Departamento de Lingüística e Filosofia do renomado Massachusetts Institute of Technology (mit), fez um levantamento sobre as relações da mídia americana e o poder nos Estados Unidos e chegou a um número aterrador. Os dados, publicados no livro A manipulação do público, revelaram a existência de mais de 20 mil agentes de relações públicas e assessores de imprensa trabalhando em território americano com o único objetivo de distorcer notícias ainda no nascedouro para beneficiar seus patrões e financiadores. Desconheço pesquisa semelhante que tenha sido feita no Brasil, mas basta trabalhar seis meses em uma redação brasileira — qualquer uma — para perceber que esse modus operandi é universal. Há sempre um assessor de imprensa tentando interferir nas reportagens investigativas, sobretudo as de conteúdo bombástico, de modo a proteger seus chefes ou, simplesmente, manipular as informações de maneira a deixá-las mais brandas. E isso vale para políticos, magistrados e representantes de grandes corporações.

Outro lado da moeda, é pecado comum a muitos repórteres aceitar que,

em graus diferentes, a fonte mantenha certo poder de condução sobre o material apurado quando dela emana, primariamente, a informação-chave da matéria. Fugir desse cativeiro é parte do esforço ético a ser empreendido individualmente por cada profissional, embora isso ainda passe longe da política geral das redações.

Ser independente da fonte é um desafio clássico e já bastante conhecido.

Trata-se de não permitir que a proximidade necessária entre o repórter e sua

fonte se transforme na cooptação do repórter pela fonte: sem notar, o primeiro

começa a adotar os pontos de vista da segunda, começa a usar o seu linguajar e

a desenvolver espontaneamente raciocínios que não são próprios nem do

veículo em que ele trabalha nem do público ao qual ele se dirige, mas dela,

fonte. (Eugênio Bucci, Sobre ética e imprensa)

Outro aspecto mencionado pelo professor Nilson Lage como fator de arrefecimento do poder investigativo do jornalismo é a organização de grupos interessados em utilizar a imprensa para fins políticos e econômicos, de promoção pessoal, partidária ou, simplesmente, institucional-ideológica — como o fazem, exemplifica Lage, alguns procuradores da República. Isso, aliás, é uma discussão que está no epicentro de todas as crises e glórias do jornalismo brasileiro dos dias atuais, tocado diretamente pela análise expressa anteriormente por Eugênio Bucci. A aproximação de jornalistas com procuradores, ou em maior escala, da imprensa com o Ministério Público, modificou o caráter investigativo da reportagem no país. Por um lado,

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consolidou uma parceria cujo poder e amplitude jamais se viu antes no Brasil. E "antes", apenas para localizar os fatos no tempo, significa dizer anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, embora essa aliança de interesses e métodos tenha engatinhado pelos primeiros anos da década de 1990 até se consolidar, mais adiante, às vésperas do Terceiro Milênio. Houve, por assim dizer, um processo mútuo de mimetismo tanto nos métodos como nos objetivos, ao ponto de jornalistas e procuradores acabarem brigando, embora em ringues diferentes, pelo mesmíssimo direito de tocar investigações até então de perfil exclusivamente policial.

À SOMBRA DE WATERGATE Uma das maiores dificuldades da investigação jornalística reside,

justamente, nas bases éticas de uma atividade que tende a se misturar com uma atividade muito mais próxima do trabalho policial do que, propriamente, do jornalismo. Muito se discute sobre o comportamento do jornalista diante das circunstâncias de uma matéria que exige infiltração, dissimulação e, não raras vezes, doses exageradas de perigo. A utilização de câmeras e gravadores escondidos suscita toda sorte de debate entre estudiosos da mídia, o público e os agentes da Justiça. Desse debate constante retiram-se mais dúvidas do que respostas, normalmente porque partem de uma avaliação do resultado, e não da ação em si. A tentação de se descobrir a verdade, ou dela se apropriar como trunfo, pode levar as redações a optarem por todo tipo de meio investigativo, legal ou não, graças à velha máxima de que os fins justificam o meio.

A flexibilidade da conduta ética, porém, tem provocado mais confusão

do que bons resultados, razão pela qual a mídia nacional transformou-se em fórum permanente das suas próprias idiossincrasias. Os fundamentos dessa discussão tem variáveis múltiplas, que podem tanto estar nas diferentes estruturas das empresas como na relação entre as gerações de jornalistas que dividem espaço nas redações. Nesse aspecto, a história recente do país prospecta-se por inteiro no quadro geral dessa discussão e de uma maneira simplista pode ser dividida em três macrocategorias: os jornalistas que viveram a ditadura militar (1964-85), os que começaram a trabalhar nos anos imediatamente subseqüentes a ela e aqueles que vão chegando e sendo divididos pela resultante dialética das duas escolas anteriores. Entre eles, um mundo convulsionado pela política e pela economia, pela mudança brusca dos interesses das corporações da mídia e pela luta selvagem por uma posição de destaque dentro do mercado de trabalho. A este último aspecto aceitou-se

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chamar de "concorrência interna", nome simpático para uma luta entre pares que, mais do que qualquer outra atividade dentro das redações, brande a marca do jornalismo investigativo, ou do que se convencionou chamar assim, para se impor como símbolo máximo de status dentro dos veículos de comunicação.

Essa disputa pela primazia da artilharia de escol, além de movida pela

vaidade e pela felicidade de um bom contracheque, tem, por assim dizer, um lado de pureza profissional — e esse é o ponto em que o conceito de jornalismo investigativo ultrapassa as picuinhas internas das redações e ganha mundo. E quando a avaliação dos resultados, sendo positiva, garante à atividade jornalística um tipo de credibilidade que poucas instituições têm. Graças à substância saudável que se expele de meio tão conflituoso é que, bem ou mal, a imprensa vem desenvolvendo um efeito altamente benéfico para o exercício do poder no Brasil. Refiro-me ao efeito direto da vigilância e, por que não dizer, do medo que a investigação jornalística impõe aos agentes públicos, principalmente àqueles que se utilizam do espaço governamental para se locupletarem por meio de corrupção e tráfico de influência. Não por outra razão que o ápice da atividade investigativa do jornalismo brasileiro se deu durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello (1990-92). Empossado depois de um longo jejum eleitoral de 25 anos imposto pela ditadura, Collor foi defenestrado do Palácio do Planalto graças a uma rara confluência entre as discordâncias do poder político de então e a abertura que os meios de comunicação deram às denúncias de corrupção que envolviam não apenas o presidente, mas a primeira-dama, parte dos ministros e figuras de sua entourage de campanha, notadamente seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, o PC, morto em condições nunca esclarecidas, em 1996. A Era Collor colocou em movimento um conjunto difuso de regras que, guardadas as proporções, reproduziu dentro das redações brasileiras o mesmo clima de exaltação profissional deflagrado, trinta anos antes, pelo Caso Watergate.

Apenas para lembrar, trata-se do episódio de escuta ilegal na sede do

partido democrata dos Estados Unidos, no Edifício Watergate, em Washington, por gente ligada ao governo republicano de Richard Nixon. O caso abalou a história americana e provocou a renúncia de Nixon. Foi fruto do trabalho de dois repórteres do jornal The Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein. Cinco pessoas foram presas no edifício com material eletrônico de espionagem. O grupo que invadiu a sede do Partido Democrata era formado por ex-membros da CIA (Agência Central de Informações). Esses ex-agentes haviam participado de outras operações secretas durante o governo de John

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Kennedy. A espionagem foi comandada por Gordon Liddy, ex-agente da CIA, e pelo diretor de segurança do comitê para reeleição do presidente, James McCord. O plano tinha por objetivo montar uma fonte de vazamentos de informações — daí os integrantes terem recebido o apelido de "encanadores". Entre os invasores estavam os ex-agentes Bernard Barker e Eugênio Martinez, que haviam participado de operações para a deposição do regime comunista de Fidel Castro, em Cuba. Os mandantes instalaram um posto de comando em um quarto de hotel do outro lado do edifício, onde ficava a sede do partido. Na madrugada de 17 de junho de 1972, cinco meses antes das eleições presidenciais, os invasores foram denunciados pelo vigia do prédio. Foram pegos fotografando documentos e checando aparelhos de escuta instalados anteriormente. O fato foi abafado por falta de provas e a mídia deu pouca atenção ao caso. Somente o The Washington Post, dirigido pela empresária Katharine Graham, aprofundou-se nas investigações, a partir de pistas deixadas pelos "encanadores". Bob encontrou no edifício uma caderneta de um dos invasores. Nela, o repórter achou o nome do assessor da Casa Branca e a escrita "W. House". As informações mais importantes foram dadas a Woodward, por uma fonte segura da Casa Branca, que ficou conhecida como "Garganta Profunda".

A sombra de Watergate paira como um emblema sobre as redações do

mundo todo. Não é diferente no Brasil. Durante o governo Collor essa ascendência simbólica tornou-se fato e alimentou uma geração inteira de jornalistas, a maioria com menos de trinta anos de idade e pouco tempo de profissão. Essa geração, de onde saíram tanto embustes como profissionais brilhantes, deu cara e tamanho ao conceito de jornalismo investigativo no país, ao ponto de proclamá-lo, sem fazê-lo formalmente como um tipo de especialização dentro da profissão.

ÉTICA E CIRCUNSTÂNCIA O resultado desse salto evolutivo tornou-se um dilema ético e colocou as

redações brasileiras diante de um mundo tão novo quanto perigoso. Antes de tudo, a especialização investigativa gerou demandas próprias,

rápidas demais e desprovidas de regras preestabelecidas. Gerou, ainda, uma busca irremediavelmente feroz por trunfos jornalísticos ligados às denúncias de governo, o que mais tarde passou a ser designado — normalmente, pelos atingidos — de "denuncismo" da imprensa.

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Cabe aqui um esclarecimento rápido. A classificação do caráter

"denuncista" de certos grupos de imprensa tem relação própria com as linhas editoriais de cada redação e, em alguns casos, é fruto de estratégias deliberadas de mercado, nem sempre baseadas na ética e na boa-fé jornalística. Vale dizer, no entanto, que o termo "denuncismo" acabou por incorporar-se ao discurso das nomenclaturas políticas brasileiras, geralmente as da situação, como reação mal estudada à ação fiscalizatória da imprensa. De tal forma que a expressão, mesmo quando usada com propriedade, vem eivada de um efeito denotativo claramente revestido de um componente hipócrita. Chamar a imprensa de "denuncista" virou moda entre os poderosos do país, sobretudo quando pegos com a boca na botija e com as calças nas mãos. Vamos adiante.

A superexaltação ao jornalismo investigativo, então, mostrou-se uma

faca de dois gumes afiadíssimos. Por um lado, passou-se a mapear e descortinar diversas estratégias de corrupção. Um passo fundamental dessa evolução foi a desconstrução dos esquemas montados por PC Farias no governo Collor, além do desmembramento de estruturas paralelas corrompidas do Congresso Nacional e do alto empresariado nacional — sobretudo a das empreiteiras. Por outro lado, a luta interna e externa de jornalistas e redações resultou em um conflito geral de interesses e métodos que precisaram ser urgentemente regulados, sob o risco de o Jornalismo — com "j" em caixa alta — ser atirado abismo abaixo pela corrida desenfreada por cabeças de ministros e pela degola política em geral. Isso significa dizer que, na ânsia de fincar estacas de pau no coração da vampiragem nacional, as redações brasileiras começaram a perceber que já ia tarde uma discussão mais bem apurada sobre os limites dessa caçada. E mais ainda: sobre os objetivos reais dessa consumição. Nesse ponto, todos — jornalistas, fontes e patrões (salvo as exceções esperadas) — passaram a concordar em pelo menos um ponto: a premissa básica: toda investigação jornalística tem que ser a ética. Mas que diabos é ética? Ou melhor, o que é ética jornalística? Vamos lá.

O Código de Ética do Jornalismo Brasileiro (ver Anexos) existe, está no

papel, mas não ajuda muito. Foi aprovado em 29 de setembro de 1985 pela Federação Nacional dos Jornalistas a partir de uma discussão levada a cabo pela categoria. É um texto de formato burocrático, sem charme ou beleza de estilo, com jeitão de lei, enumerado a partir de artigos, incisos e parágrafos. Mas, deixando a forma de lado, concentremo-nos em seu conteúdo, mas especificamente no que concerne ao nosso foco de estudo. No artigo nove,

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inciso "f", lê-se como dever de todo jornalista: "Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar informação". Outros incisos e outras letras, atrás e adiante, falam em defesa do livre exercício da profissão, da defesa dos direitos humanos, do "prestígio" à democracia e, finalmente, do respeito do direito à privacidade dos cidadãos. No mais, trata-se de um código carregado de obviedades e circunlóquios sobre o que supostamente pode ou não pode um jornalista fazer, além dos trâmites e punições a ele reservado no caso da quebra de algumas regras. Não lembro de um só caso que foi apreciado, tramitado e punido a partir desse código. Mas, dentro de uma discussão teórica, como é o caso, é possível tê-lo como um paradigma primário para início de discussão.

Como modelo de melhor compreensão, no entanto, vale citar um texto

melhor elaborado e, mais ainda, fragmentado em subdivisões montadas a partir de pensamentos e conceitos libertos da frieza de dogmas legislativos. É o chamado "Cânones do Jornalismo", documento adotado pelo Comitê de Ética da American Society of Newspapers Editors (Asne), em 1922, aqui citado a partir de uma reprodução feita por Eugênio Bucci em seu Sobre ética e imprensa. Ao contrário do código brasileiro, trata os jornalistas como parte do gênero humano, reconhecendo-lhe direitos e fraquezas, sem deixar de mostrar-lhe o norte, não pela obviedade das normas, mas pela ótica irrefutável das relações humanas. É um texto antigo, mas surpreendentemente atual, que encerra um estilo breve e extremamente belo. Em alguns momentos, é de uma sinceridade constrangedora. Basta ler o prólogo sobre a razão de ser da profissão:

A função primária dos jornais é comunicar à raça humana o que seus

membros fazem, sentem e pensam. O jornalismo, portanto, exige de seus

praticantes o mais amplo alcance de inteligência, de conhecimento e de

experiência, assim como poderes naturais e treinados de observação e

raciocínio. As suas oportunidades como cronista estão indissoluvelmente ligadas

a suas obrigações como professor e intérprete.

Em outros momentos, peca por um certo romantismo demodê. "Um

jornal não pode escapar da condenação por insinceridade se, enquanto professando alto propósito moral, proporciona incentivos à baixa conduta, tais como são encontrados em detalhes de crimes de vício [...]", descreve o tópico intitulado "Decência".

Senão, vejamos. Entre os pontos abordados pelos cânones, um deles,

intitulado emblematicamente de "Jogo Limpo", discorre sobre uma distorção

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do jornalismo que, no Brasil, norteia-se por surtos: a da utilização pouco criteriosa do off — ou seja, da informação sem fonte revelada — como sustentáculo de matérias e reportagens, estas sim, supostamente investigativas. Em muitos casos, justamente como parte da sanha competitiva interna e externa das redações, o leitor brasileiro vê-se diante da publicação pura e simples da pauta, numa inversão definitiva dos caminhos da notícia. Em certas oportunidades, apenas para se ter a garantia da exclusividade ou da rápida comprovação de teses de origem não raras vezes duvidosas, publica-se não a comprovação dos fatos, mas os extratos indefinidos de uma apuração inacabada — isso quando iniciada. Diz o cânone em questão:

Um jornal não deve publicar acusações não oficiais afetando reputa,... cão

ou caráter moral sem proporcionar a oportunidade de o acusado ser ouvido; a

prática correta exige a concessão de tal oportunidade em todos os casos de

acusação séria tora de procedimentos judiciais.

Em suma: checar e ouvir são preceitos éticos essenciais. Tales Faria, jornalista carioca moldado no submundo da política, diretor

de redação da revista IstoÉ em Brasília, acredita que a investigação jornalística tem, antes de tudo, de esclarecer algumas dúvidas: para quem ela está sendo feita? Para o cidadão-leitor ou para a manutenção do status quo? "Vejo o jornalismo, antes de tudo, como uma atividade revolucionária", diz Tales. "Numa sociedade onde, mais e mais, informação significa poder, levar informação ao povo é levar poder, e distribuir poder é distribuir renda. Então, nós, repórteres, estamos aqui presos à ética da distribuição de informação ao povo, contra o status quo". Utopias à parte, a função idealizada do jornalismo é exatamente a de democratizar as informações a partir de uma decodificação isenta de seus significados, liberta de preconceitos e pressões, embora a vida real teime em impor todo tipo de obstáculo ao conjunto de procedimentos dessa atividade, cujo caráter intelectual está cada vez mais atrelado ao campo comercial, ou aprisionado por ele, tanto faz.

Nesse contexto, o jornalismo investigativo tem se imposto, primeiro,

pela força de uns poucos profissionais realmente credenciados para o ofício, depois, pelo poder de coerção positiva que certas notícias impõem à auto-estima das redações, dos jornalistas e, não raras vezes, dos patrões. Reportagens de grande valor jornalístico transformam-se, ao longo do tempo, em marca dos grandes jornais, referências históricas e registros da memória das empresas envolvidas. Mesmo os patrões mais reticentes de veículos notadamente venais tendem a se curvar ao poder de uma notícia avassaladora,

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até porque os que não se curvam acabam pagando por isso, em dinheiro ou em reputação, muitos dos quais relegados, com toda justiça, ao lixo da História.

JORNALISMO INVESTIGATIVO s/a É curioso notar que a aura nobiliárquica imposta às redações pela marca

do jornalismo investigativo tem se agregado aos créditos jornalísticos, já excessivamente divididos em títulos abundantes (repórter-especial, subeditor-adjunto, editor-assistente-sênior, editor-executivo, e por ai vai), não nos expedientes, mas nas biografias. Tasca-se lá essa tarja vaidosa de "jornalista investigativo". Como se fosse possível a um repórter dedicar-se exclusivamente à investigação jornalística pura, ainda mais na época atual, com as redações reduzidas à metade, as pressões políticas a todo vapor e, mal dos últimos tempos, sob a ameaça de uma indústria crescente de ações judiciais que têm encontrado campo fértil em diversos guetos do Poder Judiciário, sobretudo os estaduais, onde há forte indisposição de grupos de magistrados com a imprensa.

Um levantamento feito pelo site Consultor Jurídico

(www.conjur.com.br), em 2002, mostrou que para um universo de 2.783 jornalistas pesquisados à época, havia 3.342 ações judiciais movidas, em todo o país, contra as Organizações Globo (emissoras, jornais e revistas), editoras Três e Abril, além dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. De acordo com o levantamento, a maior parte dos processos é impetrada por juízes, promotores, advogados e políticos. Juízes e advogados são os profissionais que mais ações vencem contra jornais e jornalistas. Ressalve-se que as empresas são mais acionadas do que os profissionais que nela trabalham. O estudo do Consultor Jurídico demonstrou uma predominância absoluta de ações cíveis de cunho indenizatório. Do total de processos pesquisados, apenas 150 (4%) eram de natureza criminai. A um valor médio de R$ 20 mil, o conjunto de todas essas ações, se fossem vencidas por seus impetrantes, resultaria em um pagamento de aproximadamente R$ 65 milhões pelos veículos processados.

Mas, voltando ao título ostentado cada vez mais como graduação

prática, o "jornalista investigativo" passou a ser visto, dentro e fora da profissão, como uma espécie de entidade pronta para revelar os segredos da nação, sejam eles arquivos da ditadura ou os bastidores da demissão de um ministro qualquer. Dessa casta de cunho quase policial desprenderam-se entidades corporativas, organizações de jornalismo investigativo com objetivo

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de sistematizar as condutas e manter uma troca aparentemente objetiva de idéias — e ideais — voltadas ao tema. Trata-se de um fenômeno mundial voltado para a disseminação de dicas, manuais e procedimentos acompanhados, em alguns casos, de palestras, cursos e bolsas de estudo.

No Brasil, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mantém um sistema virtual de troca de informações e divulgação de notícias centradas no modelo de jornalismo investigativo. Foi criada em 2002, no rastro de entidades semelhantes montadas em países tão distintos como Estados Unidos e Filipinas, com o mesmo objetivo: incentivar e fortalecer a investigação jornalística, disseminar o assunto entre jornalistas e estudantes de comunicação, além de manter fóruns abertos para a discussão constante do tema.

A Abraji aceita jornalistas, professores e estudantes de comunicação

interessados em jornalismo investigativo e técnicas de reportagem, incluídos aí produtores de tv e rádio. Assessores de imprensa também são aceitos, desde que não haja conflito de interesses entre sua atividade profissional e sua participação na associação. Mas deixa-se a cargo do interessado avaliar o conflito de interesses. O jornalista Ricardo Kotscho, ex-assessor de imprensa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, esteve na reunião em que a Abraji foi criada, mas nunca se tornou sócio. A Abraji é uma associação que se pretende independente, apartidária, não sindical e não acadêmica, mantida pelos profissionais de imprensa.

Institucionalmente, a Abraji disponibiliza informações sobre técnicas de

reportagem, uso de ferramentas de informática como internet, planilhas e bancos de dados, para aprofundar a apuração. A associação mantém um site, atualizado com freqüência. Quinzenalmente, os sócios recebem o boletim Apuração, com notícias sobre a Abraji e sobre jornalismo investigativo. No período que antecedeu as eleições de 2002, a entidade manteve uma seção no site com dicas Para a cobertura das eleições, incluindo algumas reportagens consideradas exemplares, além de entrevistas com seus respectivos autores. O site mantém um banco de dados sobre o crime organizado e programas para calcular percentagens e converter pesos e medidas — mas o material é exclusivo para assinantes. Também oferece cursos e palestras sobre técnicas jornalísticas em redações e faculdades. Por meio de um convênio com o Instituto Prensa y Sociedad (IPYS), mantém sob monitoramento todos os casos de violência contra a imprensa e jornalistas no país e no mundo.

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Uma lista de discussão pública por onde circula todo tipo de informação possível, de dicas de fontes a debates sobre obrigatoriedade do diploma e ética jornalística, também é mantida pela Associação. Sobre temas, a Abraji tem uma abordagem bastante instrumental. Evita divulgar notas aleatoriamente, mas somente quando o assunto requer abrangência de discussão, como no caso da quase expulsão do jornalista americano Larry Rohter, do The New York Times, que escreveu sobre o gosto do presidente Lula pela cachaça. "Nossa atuação ocorre principalmente no sentido de dar ferramentas para que os jornalistas façam reportagens mais aprofundadas. Nosso conceito de jornalismo investigativo é amplo: é todo tipo de reportagem que demande uma apuração mais complexa. Ou seja, não é privilégio de alguns jornalistas iluminados. Qualquer repórter, dispondo de boas técnicas de reportagem, pode transformar até assuntos corriqueiros em uma investigação", diz Marcelo Soares, gerente executivo da Abraji.

Boa parte do suporte financeiro da entidade está baseado em doações

do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e da Fundação McCormick-Tribune. Ambas são organizações não governamentais dos Estados Unidos. A Centro Knight é dirigida pelo jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves, na Universidade do Texas, onde leciona. As verbas da McCormick-Tribune são investidas em atividades da Abraji, além de pagar os custos de escritório (aluguel, telefone, deslocamentos etc). A associação continua atrás de outras fontes de financiamento e mantém proximidade com a Investiga tive Reporters and Editors (IRE), dos EUA — modelo de praticamente todas as associações de jornalismo investigativo no mundo. As associações reúnem-se na Global Investigative Journalism Network, da qual a Abraji faz parte. Também é próxima do Centro de Periodistas de Investigación (CPI), do México. Antes da criação da Abraji, era o CPI que fazia cursos de técnicas jornalísticas em redações brasileiras. A Abraji também lidera o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, que reúne 18 entidades da sociedade brasileira.

Existem pelo menos oito grandes organizações de jornalismo

investigativo no mundo. A maior delas está nos Estados Unidos e tem o nome mais óbvio possível: Investigative Reporters and Editors (Repórteres e Editores Investigativos), citada anteriormente. Fundada em 1975, a ire tem mais de quatro mil afiliados de 27 países. Sua base é a Faculdade de Jornalismo da Universidade do Missouri, onde são promovidas conferências, distribuição de prêmios, direção de workshops de treinamento, além de oferecimento de recursos sobre metodologia investigativa, dados sobre liberdade de informação e uso da informática como ferramenta de reportagem.

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A IRE surgiu não para assimilar uma marca ou fortalecer uma casta, diga-

se a bem da verdade. A entidade foi fundada como reação à extraordinária máquina de produzir distorções e mentiras montada pelo governo dos Estados Unidos ao longo da Guerra do Vietnã. Mas foi o assassinato de um de seus fundadores, o jornalista americano Don Bolles, em 1976, que deu à ire uma imagem universal de instituição de defesa dos princípios da liberdade de imprensa e, mais adiante, de modelo aplicado de organização de jornalistas. Bolles trabalhava para o Arizona Republic, principal jornal diário da cidade de Phoenix. Tinha em mãos uma pauta de risco: investigava grilagem de terias promovidas pelo crime organizado da região. Um dia, o repórter entrou no carro para voltar do trabalho para casa e, assim que girou a chave na ignição, a explosão de uma bomba o matou.

Após o assassinato de Bolles, a IRE mobilizou-se nacionalmente e

conseguiu formar uma força-tarefa de 38 jornalistas de 28 jornais e redes de televisão americanas.

Juntos, passaram a conduzir uma investigação em massa no Arizona. O fizeram não apenas para achar o assassino de Don Bolles, mas para fazer a América saber que havia fontes de corrupção tão arraigadas no país que os criminosos do Arizona se achavam no direito de mandar um jornalista pelos ares no centro da cidade, à luz do dia. A outra intenção era a de mostrar aos chefões do crime organizado que toda vez que eles matassem um jornalista não haveria silêncio na imprensa, mas muito barulho — e as reportagens, ao invés de cessarem, passariam a vir com maior intensidade. "Nós deixamos a máfia saber que matar jornalistas era extremamente ruim para os negócios", explica David Kaplan, diretor da IRE. "Criamos o nosso próprio seguro de vida". A investigação conjunta, batizada de Projeto Arizona, resultou em uma serie de 23 reportagens que saíram em jornais de todos os Estados Unidos e ganhou vários prêmios de jornalismo.

A atuação da ire acabou sendo responsável direta pela fundação, em

1996, do Centro de Periodistas de Investigación (Centro de Jornalistas Investigativos), com sede na Cidade do México. Entre outras facilidades, a entidade disponibiliza bancos de dados em espanhol que incluem arquivos de matérias e links na internet. Entre os americanos há ainda, o Fund for Investigative Journalism (Fundo para Jornalismo Investigativo), com sede em Washington, que distribui bolsas de US$ 500 a US$ 10 mil para repórteres no mundo todo, alem de uma espécie de rede de proteção baseada na troca de informações entre veículos de comunicação em todo o planeta. Desde que foi

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criado, em 1969, o FIJ ajudou a financiar mais de 700 matérias, alem de cerca de 50 livros-reportagem. Fora dos EUA, há organizações na Suécia, como a Gravande Journalister (Associação Sueca de Jornalistas Investigativos), com sede em Estocolmo, mas que congrega profissionais de toda a Escandinávia. Mesma atuação tem a Danish Association for Investigative Journalism (Associação Dinamarquesa de Jornalismo Investigativo), de Copenhagen. Destoando de tudo e de todos, está o Philippine Center for Investigative Journalism (Centro Filipino de Jornalismo Independente), fundado em 1989 por jornalistas locais. Em meio à histórica instabilidade política filipina, a criação da PCIJ foi uma alternativa de consolidação de uma associação de meios de comunicação independentes e sem fins lucrativos. Com sede em Manila, a organização financia projetos investigativos, publica livros e revistas, além de dirigir seminários de treinamento para jornalistas.

Essa gana associativa é um fenômeno que atinge, notadamente, as novas

gerações de jornalistas. Jogados impiedosamente na arena do mercado editorial, e cada vez mais adestrados em cursinhos intensivos organizados pelas grandes empresas jornalísticas, os novos profissionais de imprensa acabam chegando às redações não mais como focas, mas como ariranhas. As alegres turbas de novos repórteres que tradicionalmente mantinham a pureza essencial da profissão com sua providencial inexperiência estão sendo substituídas por uma geração previamente estressada e, por isso mesmo, menos paciente e solidária. A busca por uma identidade "investigativa", por assim dizer, tende a não ser uma procura profissional intuitiva, feliz, mas uma espécie de demarcação de terreno, que até os anos 90, caracterizava-se por interesses pessoais voltados para áreas de cobertura como política, economia, cultura, meio ambiente, nacional, polícia etc. O jornalismo investigativo, ao contrário das subespecializações que decorreram das editorias tradicionais, acabou por se sobrepor a todas elas, ditando normas, criando procedimentos, gerando castas e, principalmente, virando sinônimo de sucesso profissional.

Esse conjunto de novos procedimentos é resultado, ainda, da enorme

quantidade de informações que são disponibilizadas para a sociedade pelos diversos meios de distribuição — do relase de jornal comunitário às milhões de páginas da internet. Um cálculo da IRE afirma que a quantidade de informações dobra a cada cinco anos, desde o final de década de 1990. Esse quadro obrigou aos jornalistas, sobretudo aqueles ligados à atividade investigativa, a criar métodos capazes de garantir uma seleção correta das informações, além de instrumentos racionais de avaliação, análise e comunicação. A profusão de novas tecnologias permitiu uma ampla capacidade de análise informatizada e

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um acesso quase irrestrito dos jornalistas a bancos de dados de estatística, aumentando consideravelmente seu poder de fogo. Essa circunstância fortaleceu muito as possibilidades de se contar bem uma história, de modo a garantir que a graça e a beleza de um texto não prescindam, necessariamente, da obrigação da objetividade, uma aproximação crescente do jornalismo com a sistemática do conhecimento científico — coleta, análise de dados e busca disciplinada pela verdade. Uma responsabilidade compartilhada que abre caminhos para diversos métodos investigativos direcionados para o bem do leitor, e não para a vaidade exclusiva dos jornalistas, além de poder ser reproduzida como modelo.

Quanto mais pontos, então, em qualquer acontecimento possa ser fixado,

objetificado, medido e nomeado, há mais pontos em que pode ocorrer a notícia.

(Walter Lipmann, jornalista americano)

CASO VERDIAL A história do espião português Tiago Verdial entrou para o anedotário da

Abraji, mas virou um emblema interessante por ser, justamente, uma malandragem cometida contra um grupo de jornalistas dedicados — sistemática e didaticamente — ao jornalismo investigativo.

Tiago Verdial participava da lista de discussões da Abraji quase desde seu

início. E era um bom participante: debatia, passava informações interessantes. Graças ao anonimato permitido pela lista, ninguém na associação desconfiava que aquele cioso usuário do sistema, tão cheio de interesses e medidas, era um espião contratado pela Kroll Associates, a maior firma de investigação privada do mundo. Estava a serviço da Brasil Telecom, telefônica controlada pelo grupo Opportunity, do empresário Daniel Dantas. A Kroll fora contratada para bisbilhotar a Telecom Itália. Motivo: a empresa queria munição para uma guerra judicial que trava com a companhia italiana. A espionagem esbarrou em membros do governo, prefeituras do PT e desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio, conforme revelou o repórter Márcio Aith, da Folha de S.Paulo, em meados de 2004. A Polícia Federal chegou ao português Tiago Verdial graças a escutas telefônicas. Nelas, o espião se arvorava de usar métodos ilegais para investigações.

No meio jornalístico e, em boa medida, fora dele, muita gente conhecia

os nomes de Marcelo Beraba, Cláudio Tognolli, Ricardo Noblat, e de outros

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participantes da lista do mesmo nível profissional. Mas havia muitos desconhecidos, entre estudantes, professores, freelancers, assessores de imprensa e sindicalistas, de todos os estados. "Isso não é ruim, mas é mais difícil identificar. Partíamos do princípio democrático de que o sujeito se identifica se achar necessário", diz Marcelo Soares.

E Verdial participava bastante da lista, mesmo sem ninguém saber direito

de onde falava o sujeito. Pela lista, ele acabou fazendo contato com alguns jornalistas, trocava informações com eles. Quando estourou o caso, peças foram juntadas. Por exemplo, um amigo de um dos associados, dono de um site sobre segurança de informática, puxou de seus escaninhos uma mensagem de meses antes em que se discutia um outro assunto. Na época, Verdial entrou na discussão apresentando argumentos favoráveis à venda da CRT (companhia telefônica do Rio Grande do Sul). Para tal, levantara suspeitas sobre uma transação de grande interesse da Telecom Itália.

Também Marcelo Beraba e José Roberto de Toledo, dirigentes da Abraji,

lembraram que Verdial os procurou em um seminário da associação em Londrina, em maio de 2003. Chamou a atenção da dupla o fato de o português ter se apresentado com crachá da Kroll pendurado no bolso da camisa (a velha piada do espião lusitano que usa crachá!). Na conversa, apresentou-se como namorado de uma jornalista carioca e disse que, embora trabalhasse na Kroll, estava interessado em trabalhar com jornalismo investigativo. Os diretores ficaram preocupados, explicaram a clara diferença entre jornalismo investigativo e espionagem. Mas não gravaram o nome do indivíduo — e ficou por isso mesmo. Um ano depois, Verdial apareceria nas investigações do repórter Márcio Aith.

Os diretores da Abraji tomaram algumas providências depois disso.

Primeiro, retiraram o nome de Tiago Verdial do cadastro de usuários da lista. Ele mandou um e-mail de protesto, mas a direção da associação achou por bem não responder. Depois, passaram a pedir identificação de cada usuário que mandasse e-mails. Em seguida, foi feita uma pesquisa dos nomes de todos os participantes da lista. A maioria foi identificada e novamente cadastrada. A última providência foi a de impedir que detetives particulares, mesmo que também jornalistas ou estudantes de comunicação, candidatem-se a membro da Abraji. "Houve alguns casos. Enviamos um e-mail polido, explicando que havia um claro conflito de interesses e que não poderíamos aceitar a filiação, mesmo declarando ser estudante de jornalismo", conta Marcelo.

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CAPITULO II

O caminho das pedras

JORNALISMO INVESTIGATIVO PASSO A PASSO "

No geral, as técnicas de jornalismo são muito parecidas em suas diversas

matizes, com alterações aqui e ali de método e circunstância. Grosso modo, o resultado final de uma reportagem, seja de jornal, rádio, TV ou internet, é fruto da apuração de um fato pelo repórter a partir de fontes diversas, documentais ou pessoais. O que diferencia o jornalismo investigativo dos demais setores da atividade são as circunstâncias, normalmente mais complexas, dos fatos, sua extensão noticiosa e o tempo de duração que, necessariamente, deve ser maior, embora quase sempre exercido sobre pressão. Dividindo em fases, seria alguma coisa assim:

Pesquisa minuciosa de cada nuança dos fatos feita com os olhos críticos

que deve ter todo bom repórter. No caso Watergate, os jornalistas do The Washington Post saíram-se melhor porque deram importância a uma notícia — e a detalhes dela — que os colegas de outros jornais tinham desprezado. Então, o olho do repórter investigativo tem que suplantar a pura curiosidade, assumir um quê de detetive mesmo. Uma dica importante, nesses casos, é fugir das fontes oficiais e óbvias. A maior parte das boas matérias investigativas da Era Collor, por exemplo, basearam-se em depoimentos de secretárias e motoristas dos envolvidos. Além disso, nunca deixe de lado uma informação apenas porque seu chefe não deu atenção a ela. O exercício do poder nas redações inclui um certo desprezo blasé às informações de aparência feérica, às notícias que fogem ao mundinho fechado da política e da economia, ou que pareçam, simplesmente, teorias conspiratórias. Leve sua loucura até o fim. Pesquise na internet cada nome encontrado. Cada empresa citada em uma investigação policial pode ser um ninho de fontes esquecidas, mas preciosas.

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As juntas comerciais das cidades também são fontes poderosas de informação. Podem ser consultadas, a um custo baixo, para verificação de participação de pessoas em sociedades empresariais e patrimoniais que muitas vezes fazem um elo fundamental entre duas ou mais informações previamente apuradas. No caso de políticos, discursos e projetos de lei trazem, muitas vezes, incongruências e intenções capazes de explicar o contexto de uma investigação. Um deputado acusado de narcotráfico ou participação no jogo do bicho pode movimentar sua vida parlamentar em favor dessas duas atividades, ou colocar-se estranhamente contra qualquer coisa que diga respeito ao assunto. O olho do repórter é que vai descobrir por entre qual brecha se pode chegar à notícia.

Paciência e concentração, porque uma boa investigação é demorada e,

normalmente, recheada de documentos, dados, estatísticas, legislações e códigos de onde se tira o extrato necessário para a notícia. Muitas vezes, não é de uma fonte ou de um documento que se obtém a informação, mas do cruzamento de vários deles. Os dados estatísticos devem ser lidos com cuidado, pois escondem tratamentos técnicos e avaliações que passam despercebidos pelos leigos. Melhor compartilhá-los com quem entende do assunto. O ideal é que seja alguém da redação. Senão, vale procurar alguém da área, desde que seja da confiança do repórter, para evitar vazamentos.

Insistência e perseverança, seja a partir de informações fragmentadas,

seja a partir da própria intuição. Algumas coisas "cheiram" a notícia, sobretudo as que são deliberadamente ocultadas por autoridades públicas. Vale lembrar uma velha máxima jornalística, definitivamente aplicável à reportagem investigativa: "notícia é tudo aquilo que alguém, em algum lugar, quer manter escondido. O resto é propaganda". Não espere colaboração de quem estiver sendo investigado, nem do grupo de interesse ao qual ele pertence. Informações passadas por assessores de imprensa, por mais simplórias que possam parecer, devem ser checadas com cuidado. Normalmente, elas são obviamente construídas para salvaguardar o assessorado. Buscar o outro lado é o antídoto natural para esse tipo de situação.

Atenção especial a todos os tipos de documentações disponíveis,

inclusive as públicas. Relatórios anuais de empresas, certidões, registros de imóveis, contratos, processos judiciais transitados em julgado, sites de internet, cadernos de revistas e jornais, tudo isso pode trazer informações surpreendentes em uma investigação jornalística. O jornalista Hélio Fernandes, dono e editor-chefe da Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, costuma repetir

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que o melhor jornalismo investigativo está no Diário Oficial. Exageros à parte, Fernandes refere-se a um manancial pouco explorado — ou explorado por poucos — de notícias que estão normalmente cifradas na linguagem árida e burocrática das publicações oficiais dos poderes da República. Conheço alguns jornalistas que sabem manipular e arrancar notícias formidáveis de diários oficiais. Um deles, Gustavo Krieger, quando chefe de redação da sucursal de Brasília do jornal do Brasil, deparou-se com um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) publicado em uma edição do Diário Oficial da União de 2001. Nele estava registrada uma viagem de 23 dias de uma equipe do tribunal chefiada pelo ministro Valmir Campello.

O grupo percorreu embaixadas e consulados brasileiros na Austrália, Nova Zelândia e África do Sul com tudo pago, obviamente, pelo contribuinte brasileiro. O objetivo oficial do giro foi o de fiscalizar os investimentos do Ministério das Relações Exteriores, apontar falhas de burocracia e necessidade de obras físicas nos prédios ocupados pelos diplomatas brasileiros. Apenas em diárias, a turnê tinha consumido R$ 68,4 mil. De cara, pelo tipo de viagem, pelo custo e pelo número de dias envolvidos, Krieger percebeu que ali tinha alguma coisa fora do lugar. No mínimo, cheirava a farra com dinheiro público. Quando ele me chamou no "aquário" onde ficava instalado, foi logo me passando a edição do n.o. devidamente marcada no ponto da notícia. "Investiga isso para mim e vê se tem alguma pilantragem aí". Tinha. Assim que comecei a ler o relatório de viagem, uma coisa logo me chamou a atenção. As análises política e econômica de cada país auditado tinham um texto que me era muito familiar. A da África do Sul, por exemplo, começava com uma retrospectiva histórica assim: "Os europeus chegam ao país em 1487, quando o navegador Bartolomeu Dias contorna o Cabo da Boa Esperança." A utilização do tempo verbal no presente do indicativo revelava, claramente, que aquele texto havia sido retirado de alguma linha de tempo, provavelmente de uma enciclopédia. Então, me deu um estalo na cabeça. O Almanaque Abril! Havia um exemplar na redação e, sem muito trabalho, procurei onde estavam as indicações da África do Sul. Localizei na página 102: "Os europeus chegam ao país em 1487, quando o navegador Bartolomeu Dias contorna o Cabo da Boa Esperança". O mesmo padrão de cópia se repetia ao longo de todo o relatório. Chamado à responsabilidade, o ministro Campello jogou a culpa para baixo. Disse que o plágio deveria ter sido "erro de algum técnico". No dia seguinte, OJB estampou na primeira página o sugestivo título: "TCU faz auditoria de almanaque".

Entrevistas, muitas entrevistas, com o objetivo de obter o maior número

possível de informações, contrapontos, críticas, pistas e, sobretudo, contradições dentro da apuração. Lembrar sempre de gravar cada uma delas e

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guardar as fitas em local seguro. Um dos maus hábitos preferidos de quem é flagrado por um repórter é mandar cartinha para a redação dizendo que não disse o que disse. E quanto mais poderoso é o entrevistado, mais vulnerável se torna o repórter. Então, nada de confiar na palavra alheia nesses casos. Gravador neles.

Conhecimento policial básico. Veja bem: não significa manter em casa

um laboratório de análise papiloscópica, nem um kit com lupa, algemas e pistola. Mas é de grande valia entender alguma coisa sobre investigação policial, seleção de pistas, análise de provas e indícios. Significa dizer que o repórter deve prestar atenção tanto às informações oficiais como àquelas que ele mesmo irá, obrigatoriamente, coletar durante a apuração. A partir daí, tudo passa a ser uma questão de foco. Esse tipo de cobertura, a policial, não deve ser feita de forma empírica, tanto que é um dos setores mais especializados da imprensa no mundo todo. Sua excelência advém da convivência com boas fontes policiais, promotores, procuradores e magistrados, o que tende a criar uma relação positiva do repórter com os meandros desse tipo de notícia. Faz, por exemplo, com que o jornalista passe a trabalhar sobre hipóteses plausíveis e aprenda a se safar de falsas pistas e manipulações de fontes inescrupulosas. O jornalista e professor Cláudio Júlio Tognolli, um dos mais ativos repórteres investigativos do Brasil, recomenda o estudo de Ministério Público, denúncias, criminologia, perícia criminal e criminalística. Criador da primeira cadeira de jornalismo investigativo do país, ele afirma que quanto mais conhecimento técnico, mais fácil se torna cercar a notícia por todos os lados. Ele conta um caso ilustrativo. Em 11 de junho de 1998, Patrícia Ágio Longo foi encontrada morta a tiros em casa. O principal suspeito era o marido dela, o promotor Igor Ferreira da Silva. Uma coisa chamou a atenção de Tognolli: Igor demorou para entregar o paletó ao Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo. "Então eu soube imediatamente que ele era culpado", diz o jornalista. Mas como? "Para fugir ao exame residuográgico o sujeito precisa limpar o corpo ou os objetos com vinagre, porque daí transforma o chumbo em oxido de enxofre, que é solúvel em água. Como ele já tinha sido delegado, tinha essa informação".

Curiosidade e desconfiança. Essas duas características da alma humana

devem sempre andar juntas durante uma cobertura jornalística que envolve investigação. Quanto mais pesado o assunto, mais curioso e desconfiado deve ser o repórter. A curiosidade é que leva o homem a olhar um buraco escuro no chão. A desconfiança é o que o impede de meter a mão sem antes pesquisar o que tem dentro. Em 1983, uma das mais importantes revistas alemãs, a Stern,

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publicou com grande estardalhaço um diário falso do ditador Adolf Hitler, uma "barriga" histórica. Os repórteres da revista confiaram plenamente em uma fonte que se dizia especialista em assuntos do Terceiro Reich, mas que era, de fato, um falsário de primeira linha. Já o lendário repórter brasileiro Octávio Ribeiro, o Pena Branca, — conseguiu localizar e entrevistar, em lugar nunca revelado da fronteira oeste do Brasil, o ex-cabo da Marinha José Anselmo dos Santos. Conhecido como Cabo Anselmo, o militar foi responsável, via traição, pela dizimação de uma parcela considerável da esquerda brasileira engajada na luta armada durante o período mais violento da ditadura militar, entre 1968 e 1972. Para confirmar a veracidade do que escreveu, Pena Branca solicitou — e obteve — da direção do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, exame papiloscópico da contraprova apresentada por Anselmo: um bilhete assinado de próprio punho recheado de impressões digitais.

Discrição. O movimento silencioso de um bom repórter pode ser, muitas vezes, a chave de uma reportagem de sucesso. Assim como devem ser calculadas as investidas do repórter junto às fontes de forma a preservar o sigilo da apuração. Vale lembrar que o distanciamento da notícia é uma boa maneira de se resguardar de reações desconfortáveis, sobretudo no caso de denúncias. O jornalista investigativo deve, na medida do possível, caminhar pela sombra, ser pouco conhecido, não se deixar fotografar, falar o mínimo possível ao telefone (para evitar os grampos) e manter uma relação estritamente profissional com as fontes. O repórter não precisa — na verdade, não deve — inserir-se socialmente na vida das fontes, e vice-versa.

Checar, checar, checar. E checar outra vez, toda vez que a informação

lhe parecer estranha, imprecisa, inconsistente ou óbvia demais. Faz parte do bom jornalismo, sobretudo quando se trata de notícia sensível, abortar uma reportagem, por mais doloroso que seja, se ela tem falhas ou incongruências apresentadas na apuração. Uma única dúvida durante a apuração pode resultar em tragédias de todo o tipo, seja um sobrenome errado, seja uma foto de personagem errado. Essa dica vale para releases. Muitos desses textos repassados às redações por assessorias contêm erros de informação e, em alguns casos, não passam de trotes. Nos anos 90, o Correio Brasiliense noticiou a sensacional descoberta do mico-leão-prateado na Mata Atlântica brasileira. Era uma brincadeira de 1° de abril enviada por fax, com timbre do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ninguém se preocupou em checar a veracidade da informação. Coisas desse tipo

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contribuem sensivelmente para o desemprego de jornalistas. Portanto, cuidado.

Liberte-se de preconceitos. Nunca parta de princípios pessoais,

religiosos, ideológicos ou coisa que o valha para definir o rumo de sua apuração. A boa notícia pode ser retirada de qualquer contexto, ainda que, inicialmente, a circunstância não lhe pareça favorável e os fatos, críveis. Na mais emblemática tragédia da imprensa brasileira, a mídia paulistana denunciou, em março de 1994, seis pessoas por envolvimento no abuso sexual de crianças da Escola Base, no bairro Aclimação, em São Paulo. Baseou-se em fontes oficiais (polícia e laudos médicos) e em pessoas próximas às crianças (pais de alunos). O fato simplesmente não existiu, mas a mídia, em vários momentos e veículos, exagerou e liquidou projetos profissionais e pessoais dos acusados, todos mais tarde inocentados. Houve um jornal que não entrou na cobertura: o Diário Popular. Por isso, recebeu acusações de estar de "rabo preso" com a escola e os envolvidos e de ocultar informação de interesse público. Por outro lado, o sensacionalista Notícias Populares estampou uma manchete em que se lia: "Professor ensinava a transar". No SBT, um comentarista do extinto Aqui, Agora chegou a pedir a pena de morte aos acusados. Diversos veículos de comunicação país afora ampliaram um escândalo sexual que jamais existiu. A sucessão de erros valeu-se de muitas fontes, a maioria movida pela vaidade: o que vale tanto para os policiais envolvidos como para os jornalistas que embarcaram em todo tipo de versão sem fazer a checagem necessária.

A tragédia foi incrementada, em grande parte, pelo julgamento

apressado e preconceituoso dos jornalistas envolvidos na cobertura por conta do tema em questão: abuso sexual de crianças. É um crime horrível, que choca a sociedade e atinge, sobretudo, aqueles que são pais. E os jornalistas, apesar de teses em contrário, fazem parte do gênero humano, sendo, portanto, vulneráveis a esse tipo de informação. Com a ajuda de agentes policiais embevecidos pelos holofotes, diversos repórteres embarcaram na denúncia grotesca e vazia do caso, certos de que poderiam assim fazê-lo por estarem tratando, supostamente, de maníacos sexuais. Erraram feio e destruíram a vida e a reputação de pessoas honestas. Embarcar simplesmente nas teses da polícia é uma forma perigosa de preconceito e caminho quase sempre certo para uma trapalhada jornalística.

Arquivos bem organizados com informações pertinentes ao tema da

reportagem também fazem diferença crucial na hora da formulação do texto.

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Principalmente porque, quanto maior a reportagem, maior a necessidade de contextualização daquilo que se escreve. Salvo raríssimas exceções, os jornalistas são desorganizados por natureza. Uma boa solução é separar todos os documentos, textos e anotações por pastas ou envelopes grandes. Depois, é só identificá-los è guardá-los em um lugar que possa ser acessado com facilidade. Não adianta fazer esses esforços de organização e depois encaixotar tudo na garagem do prédio ou na despensa do sítio.

Frieza, objetividade e precisão. Aquele político ladrão, aquele pastor

safado, aquele padre pedófilo, aquele juiz corrupto, toda essa gente horrível, você sabe, é fonte inesgotável de notícia, principalmente quando se fala de jornalismo investigativo. O segredo para desmascará-los não está em partir para cima deles como cão raivoso. É tratá-los, na medida do possível, com respeito. Não tem nada melhor — e incontestável — do que uma matéria que trata um pilantra de maneira respeitosa. "O extrato bancário apresentado pela polícia demonstra que o deputado Fulano de Tal movimentou R$ 1 bilhão em paraísos fiscais." Precisa dizer que é ladrão? O leitor sabe decodificar muito bem uma informação desse tipo, desde que ela seja precisa, objetiva e honesta.

Lealdade ao leitor é a razão de toda a atividade jornalística. Toda

investigação levada a cabo por um repórter deve ter como fundamento o interesse coletivo, a ética humana, a preservação da democracia e todas essas coisas bonitas que fazem da profissão motivo de orgulho para quem a exerce com paixão e destemor. Repórter que só faz o que o patrão manda, incapaz de se contrapor a ordens absurdas ou desmandos editoriais, está na profissão errada. O resultado positivo de uma matéria investigativa é, necessariamente, compartilhado com toda a sociedade.

Coragem e responsabilidade, duas coisas que podem viver separadas,

mas que juntas se tornam uma blindagem característica de todo grande repórter. Jornalismo investigativo é, por natureza, uma atividade de risco. É o tipo de coisa que mexe com grandes interesses, com corporações poderosas, com crime organizado, com policiais corruptos, com todo tipo de gente que quer ver qualquer coisa na frente, menos um jornalista abelhudo fazendo perguntas e fuçando para lá e para cá. Enfrentar essas máfias é um ato de grandeza profissional, mas se entregar a isso de qualquer jeito é a maneira mais fácil de se meter em encrenca. Não vale a pena, sob razão alguma, correr risco de morte para tocar uma pauta. O bom repórter é corajoso, mas não é

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burro. O herói, dizia o impagável Stanislaw Ponte Preta — alterego do jornalista Sérgio Porto — é o cabra que não conseguiu correr.

Respeito às fontes é uma das chaves da profissão e uma das razões da

longevidade dos bons repórteres, principalmente os que cobrem as áreas policiais e militares. Quando uma fonte fala em off, em off deverá estar a informação passada por ela. O repórter não pode ser pressionado pelos seus chefes para abrir suas fontes em hipótese nenhuma. Passadas mais de três décadas, o mundo ainda se pergunta quem era a tal "Garganta Profunda" que supria Bob Woodward no Caso Watergate. Na verdade, cada jornalista tem o direito, previsto pela Constituição Federal, de preservar suas fontes. Normalmente, quando um repórter abre uma fonte em off, vira um pária entre todas as outras.

Clareza e simplicidade devem pautar a construção do texto e sua edição final, para que o resultado de uma apuração tão trabalhosa como a de uma investigação jornalística não termine em um emaranhado de nomes, números, vocábulos e expressões ininteligíveis. O leitor quer ler uma boa notícia, e não apreciar a capacidade dedutiva e o brilhantismo intelectual do repórter.

PITACOS, DICAS & SUGESTÕES (DE QUEM ENTENDE)

Há alguns anos, o jornalista americano John Hatcher publicou no site do

Poynter Institute um artigo com 23 conselhos que o autor considera a melhor de todas as dicas para jornalistas melhorarem seus textos. Ele é diretor do Centro de Jornalismo Comunitário (Center for Community Journalism) e colunista do jornal Daily Messenger (Nova York, EUA). Para produzir as tais dicas, Hatcher colocou o tema em uma lista de discussão na internet para jornalistas no site do Poynter Institute. Recebeu dezenas de respostas. A partir daí, foi filtrando as dicas que chegavam, anulando as redundâncias e reunindo em assertivas únicas as informações iguais ou parecidas. Acabou chegando a um universo de 23 sugestões úteis para jornalistas escreverem bons textos. Para dar caráter científico ao trabalho, o autor reuniu alguns jornalistas profissionais e os organizou em grupos. Cada grupo recebeu uma pilha de jornais. A idéia era testar as dicas em textos escolhidos de forma aleatória. Ao final, os grupos votaram e escolheram o que eles chamaram de A Grande Dica. Eis-la:

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Leia o primeiro parágrafo de um artigo. Agora, pergunte a si mesmo: essa frase lhe incentiva a ler a próxima frase e o restante do texto?

Abaixo, as 23 dicas consideradas mais importantes para melhorar o texto

jornalístico, segundo a pesquisa de Hatcher. Um bom texto tem:

informações precisas;

construção interessante de frases;

escolhas apropriadas das palavras;

passagens claras;

adjetivos e advérbios bem colocados;

estrutura das orações coerente (paralela) quanto ao tempo dos verbos e número;

seqüência correta de tempos verbais;

gramática correta;

pontuação e ortografia corretas.

O grande teste para o lead Leia o lead de um artigo. Agora pergunte, essa frase te incentiva a ler a

próxima frase e o restante do texto?

Encontrando o enfoque Todo texto aborda alguma coisa. Os melhores textos possuem um

enfoque e um ponto. Tente estas perguntas: Quais são as novidades, as notícias? Qual é o assunto do texto? Qual informação me surpreendeu? O que me surpreenderá como leitor e espectador? O que meu leitor necessita saber?

Linguagem ativa

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Todos falam que você deve escrever utilizando a "voz ativa". Alguém já

te ensinou a fazer isso? Aqui vai uma sugestão: tente analisar um texto e sublinhe todos os "são", "é", "eram" e "foi". Só valem as formas do verbo "ser" que estiverem seguidas por um outro verbo no particípio, como "foi feito" ou "é realizado". Agora encontre um meio para reescrever a frase com um verbo mais forte. Dica: o verbo mais forte é o próprio verbo que está depois do verbo ser.

Edite seu próprio texto É quase impossível editar seu próprio texto. Mas ao menos tente.

Imprima uma cópia de seu artigo e inicie a leitura do final. Isso deveria te ajudar a examinar o texto com uma visão mais fresca. Encontrou qualquer erro ou frases esquisitas?

Destacando as áreas mais problemáticas Analise um artigo e circule todos os períodos, utilizando um marcador de

texto. Agora observe o padrão dos períodos — buscando pelas áreas em que você encontra as sentenças mais extensas. Veja se esse recurso te ajuda a identificar frases que possam ser muito longas. Tipicamente, nas frases mais longas você encontra os erros gramaticais, preposições desnecessárias e outros empecilhos para o bom texto. Veja se o texto possui um bom equilíbrio entre as frases longas e curtas.

Mostre-me os detalhes Mostre, não descreva apenas. (Porém, você deverá apresentar

adequadamente os detalhes para ter sucesso nessa tarefa.)

Encontrando a frase que descreve a idéia principal do texto Sublinhe a frase que descreve a idéia principal do texto, coloque em

negrito ou entre parênteses e retorne a essa frase para se certificar de que a história que você está escrevendo sustenta aquela idéia.

Atenção com as citações

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Atenção com as aspas e citações. Certifique-se de que toda citação incluída vale a pena ser utilizada. Senão utilize paráfrases (cite as idéias não literalmente).

Omita palavras desnecessárias Atenção com as palavras de que você não necessita. Observe se

construções como "com o objetivo de" e semelhantes adicionam palavras sem idéias novas ou conteúdo.

Quanto vale o texto? Você pagaria o preço do seu jornal amanhã pelo texto que está

escrevendo?

Seus lábios estão se movendo? Leia seu texto em voz alta. Você escutará frases estranhas e saberá se

uma frase é muito longa ou difícil para ser lida.

Buscar e eliminar Buscar e destruir. Após o primeiro rascunho, faça uma busca no texto

pelas palavras "fracas" (lá, isso etc), verbos "fracos" e advérbios (procure os sufixos "mente") ou outras frases ou palavras que você tende a utilizar como uma "muleta", e altere-os para algo mais forte.

Vendo o lado positivo Converter fatos negativos em positivos. Descubra uma maneira de dizer

o que é, em vez do que não é. Dizendo o que é geralmente é mais curto, claro e mais direto (é óbvio que algumas vezes você quer quebrar essa regra). Procure as palavras "não" e "não foi" (ou "não é") e veja se faz sentido reescrevê-las.

Exemplos: "O filme não estava encantando e a maior parte das pessoas não ficou

até o final." Mude para: "O filme estava tedioso e as pessoas foram embora cedo."

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Adjetivo: a criança com a faca de cozinha na mão Aplique adjetivos com a mesma parcimônia com que você daria uma faca

a uma criança. Os adjetivos geralmente implicam julgamentos de valores subjetivos que a história relatada pode ou não passar (e que os leitores irão interpretar de sua própria maneira).

Sobre quem é a história? Nunca suponha que a visão oficial é o forte da história. É essencial que os

repórteres considerem de quem é a história. Um exemplo: "o prefeito John Higgins irá se desculpar à mulher que ele expulsou de uma reunião pública para amenizar o longo e caro processo movido contra ele, afirmou o escritório de advocacia da cidade". Contada de outro ponto de vista: "após dois anos de luta contra a prefeitura, Rita Moore está para conseguir o que queria, um pedido de desculpas formal do ex-prefeito John Higgins".

Leia!

Leia bons escritores. Leia! Resuma sua história em uma palavra. Associe um tema de uma só palavra à sua história — por exemplo,

ambição, monopólio, confiança, fome etc. — para manter você concentrado no tema.

Detalhes, detalhes Inclua no texto os detalhes que mostram que o repórter não prestou

atenção somente no que foi dito mas também em como e onde foi dito.

A procura por um jargão Leia um artigo e assinale todos os jargões, palavras usadas por

autoridades, policiais e jornalistas de esportes que podem não ter sentido algum para os leitores comuns. Olhe essas palavras e veja se consegue uma maneira de traduzi-las para o leitor.

Escreva em "tempo real"

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Escreva enquanto você apura a notícia. Não espere até ter todas as informações reunidas para começar uma história. Não insista em escrever o kad primeiro. Algumas vezes o processo de escrita trará o melhor kad. Escreva sem anotações. A história deve estar em seu coração e na sua cabeça. Só olhe as anotações para checar os fatos.

Antes de escrever Organize as anotações e informações, desenvolva um sistema bom para

você. Você pode utilizar canetas de cores diferentes, estrelas, o que for. Escreva partes da história ou pontos importantes antes de começar a escrever para não esquecer elementos que você quer incluir.

Dê uma volta A menos que você esteja quase na hora de entregar o texto, dê uma

volta se estiver encalhado. Se isso não for possível, levante e ande um pouco enquanto trabalha, relaxe e deixe sua mente viajar com a história.

O jornalista Leão Serva, do Ultimo Segundo (ic;), deu-se ao trabalho de

procurar jornalistas brasileiros para pedir-lhes uma ajuda complementar. Ou seja, dicas de profissionais da terrinha que contribuíssem ou complementassem as regras de Hatcher. Entre os ouvidos, jornalistas dos diários Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Diário de S.Paulo e Correio Brasiliense, escritores, profissionais de rádio e revista, um diretor de escola de jornalismo, além de dois colunistas do IG. Algumas contribuições contêm explicação sobre a origem ou razão para justificar a sugestão. Outras são duramente substantivas.

Abra os olhos. É incrível como os fatos mais importantes, interessantes e inéditos estão

ao alcance da vista de todos, e como só um bom jornalista é capaz de enxergá-los. (Marcelo Coelho)

Jamais acreditar piamente nas palavras ou informações de quem quer

que seja. (Alberto Helena Jr.)

Ouvir mais e falar menos.

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Jornalista gosta de ser bem informado. E, sobretudo, mostrar isso aos outros. Mas isso pode se converter em ruído na comunicação. O jornalista Elio Gaspari uma vez me disse que o melhor repórter é o mais burro: porque pergunta mais e ouve mais que o jornalista falastrão. Falar muito impede a fluência e escoamento do monólogo. Uma vez o repórter Carlos Maranhão disse que teria de perguntar para Bruna Lombardi, numa entrevista para Playboy, quando e com quem ela perdera a virgindade. Ele adotou a técnica do silêncio: mostrou-se tímido, acabrunhado. Fez com que ela se preocupasse com ele. E, nesse vão, Maranhão meteu a pergunta. Ela respondeu com alegria, descontraída, e com muitas informações. É a técnica do silêncio que dá espaço para o entrevistado se projetar no entrevistador. Saber ficar calado é uma arte, aquilo que os taoístas chamam de Wu-wei, ou não-ação. (Cláudio Tognolli)

Escrever muito bem. (Ricardo Noblat)

Aprender o máximo sobre o assunto antes de sair para a missão. Só se entende o que se sabe, só se vê o que se conhece. (Nahum

Sirotsky)

Curve-se e rasteje, se necessário, para conseguir sua entrevista. Mostre-se disponível a qualquer hora e local. Carregue a mala do sujeito

se preciso. Não tenha vergonha de nada. Minha dica é de terceira mão e não é de minha autoria, mas eu a incorporei como se fosse. Ela foi capturada pelo Ricardo Setti durante uma palestra dada anos atrás por John Brady (ex-editor do Writer's Digesle ex-assistente do diretor editorial da Warner Bros. Records), intitulada "Dicas e técnicas para melhorar sua habilidade e tirar o máximo de seus entrevistados". (Fernando Morais)

Ler sempre e escrever muito; ou, se preferir, ler muito e escrever

sempre. (Luiz Egypto) Jornalista não precisa saber nada, só precisa saber quem sabe, seja uma

fonte, seja uma documentação. (Renato Pompeu) Você é pago para contar histórias com começo, meio e fim.

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Seja curioso à exaustão. Não tenha vergonha de perguntar. Caso contrário, mude de profissão. (Sandro Vaia)

Antes de dormir, pergunte a você mesmo se naquele dia ajudou a

humanidade. (Alberto Dines)

O CASO LBA

O jornalismo no Brasil produziu inúmeras e grandiosas matérias

investigativas, muitas das quais responsáveis por mudanças históricas de grande importância para o destino do país e da sociedade brasileira. Listá-las aqui, embora fosse um ato de reconhecimento e justiça, seria, no caso deste livro, uma ação contraproducente. Por isso, selecionei uma reportagem que, por sua amplitude noticiosa e pelos métodos utilizados, concentra, a meu ver, todas as qualidades relevantes de uma boa investigação jornalística. A matéria em questão (ver Anexo, "Caso JSA") foi apurada e escrita pelo jornalista Mário Rosa, então repórter da sucursal de Brasília do Jornal do Brasil, quando este contava 26 anos de idade. Em 1991, Mário comprovou que verbas públicas destinadas aos miseráveis do sertão alagoano acabavam no bolso da família Malta, sobrenome de solteira de Rosane Collor, então primeira-dama do país. Rosane presidia a Legião Brasileira de Assistência (LBA), órgão assistencialista do governo federal, atualmente extinto. O dinheiro desse órgão era enviado a entidades beneficentes de fachada. A reportagem do JB, baseada em uma apuração impecável e em um texto brilhante, tornou-se o ponto de partida do festival de denúncias que iriam, dali a pouco mais de um ano, resultar no impeachment do presidente Fernando Collor.

Antes de mais nada, Mário Rosa foi o primeiro repórter a descobrir e a

utilizar uma ferramenta de investigação que, dali por diante, iria se popularizar a ponto de ser banalizada: o Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), uma espécie de cadastro de despesas da administração federal em que, com paciência e alguma especialização, é possível identificar os caminhos (e descaminhos) dos gastos do governo federal. Todas as contas dos ministérios estão nos computadores do SIAFI, mas é necessária uma senha para verificar os dados. Mário conseguiu essa informação de um funcionário deficiente físico, que se negara a dá-la de início, mas a digitou lentamente, na frente do repórter, no terminal de um computador com acesso a essa rede de detalhes das finanças públicas. O repórter guardou na cabeça os números teclados pelo servidor. A reportagem saiu numa época em que o JB negociava dívidas com o Banco do Brasil e o seu diretor presidente, Nascimento Brito, dizia-se amigo de

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PC Farias. Ainda assim, a partir dela intensificou-se o noticiário contra Collor, a ponto de O Globo, principal concorrente do JB no Rio de Janeiro, publicar na primeira página uma caricatura assinada por Chico Caruso mostrando Rosane com uniforme de presidiária. Graças à reportagem, Mário Rosa ganhou o Prêmio Esso daquele ano, na categoria de Informação Política.

Cito aqui a matéria em questão porque, didaticamente falando, é uma reportagem emblemática do ponto de vista da investigação jornalística. Analisando-a ponto a ponto, temos um procedimento compartimentado de apuração, seleção de fatos, resumo de documentos, entrevistas, paciência, perseverança, senso de oportunidade e faro jornalístico. Trata-se de jornalismo investigativo por excelência. Assim, vejamos.

Ponto de partida — Em julho de 1991, Mário Rosa, repórter da sucursal

de Brasília do JB, foi informado da existência de um orçamento secreto de US$ 65 milhões da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), órgão criado no governo Collor para suceder o famigerado Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura militar. O dinheiro seria usado no financiamento de pesquisas nucleares. O assunto rendeu uma matéria sem maiores repercussões, mas apresentou ao repórter o mundo escondido por trás do SIAFI. A partir daí, Mário passou a procurar funcionários dos ministérios que tinham senha de acesso ao sistema.

Pesquisa — De posse de uma senha, conseguiu acessar o sistema a partir

de um computador instalado no gabinete do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Ao longo de vários dias foi se familiarizando com a linguagem do Siafi até compreender como funcionava a rede de informações sobre as verbas federais. Um dia, deparou-se com as contas da LBA, presidida por Rosane Collor. Descobriu que o órgão, que possuía 9,4 mil funcionários, contava com um orçamento de US$ 1 bilhão ao ano.

Associação — Ao sistematizar o acesso específico às contas da LBA, o

repórter notou que os proprietários de algumas empresas fornecedoras da entidade e outras prestadoras de serviço a populações carentes em Alagoas, estado natal de Rosane, tinham o sobrenome Malta — raiz familiar da primeira-dama situada nos pequenos municípios de Canapi e Mata Grande.

Apuração — Mário Rosa imprimiu toda a documentação relativa à LBA e

partiu para campo. Foi a Alagoas visitar o reduto dos Malta. Uma das firmas detectadas por ele no SIAFI, a Associação Pró-Carente, tinha como sede um

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casarão caindo aos pedaços. Uma outra, que constava oficialmente como empresa de carros-pipas para distribuição de água aos flagelados da seca, era, na verdade, a Construtora Malta. As verbas, como se pôde constatar nos documentos apurados pelo repórter, eram repassadas sem licitação graças a um artifício burocrático: eram declaradas obras assistenciais de urgência. Ao todo, US$ 11 milhões haviam saído dos cofres públicos em direção aos bolsos da família de Rosane Collor.

Repercussão — A reportagem, por ter sido toda fundamentada em

documentos oficiais, escrita com objetividade e sem juízo de valor, desencadeou uma poderosa crise de governo sem que, no entanto, nem o repórter e nem o jornal tivessem sido atingidos por represálias judiciais.

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CAPÍTULO III

No fio da navalha

OS MEIOS, O FIM — E O OFF E O MEIO Polêmica intrínseca à questão do jornalismo investigativo: até onde é

permitido ao repórter dissimular atitudes, usar gravadores escondidos, microcâmeras, passar-se por outra pessoa, adotar outra identidade e, de fato, violar leis? O fato é que essa questão tem dois tratamentos, e em ambos deve-se valer do princípio da honestidade de quem faz, das circunstâncias da reportagem, da intenção da pauta e dos limites que o bom senso e a ética impõem. Dentro de uma visão purista e legalista, há jornalistas, muitos dos quais arrependidos de terem se valido de artimanhas do tipo em tempos idos, que defendem a exclusão pura e simples dos recursos citados acima. Outros, normalmente os que ainda estão no frontan batalha diária pela melhor notícia e, principalmente, na guerra permanente do mercado de trabalho das redações, preferem relativizar a discussão — inclusive para afastar de sua rotina, já penosa e estressante pela natureza do trabalho a que se dedica, o elemento avassalador da culpa.

Em seu livro A arte de fazer um jornal diário, o jornalista Ricardo Noblat

faz uma reflexão personalíssima sobre o tema, não sem antes admitir já ter se passado por um major da Polícia Militar, ao telefone, para arrancar informações de um gerente de hotel. Diz Noblat:

Porque sou jornalista e porque vivemos em uma democracia estou liberado para valer-me de qualquer recurso que assegure à sociedade o direito de tudo saber? Posso roubar documentos, mentir, gravar conversas sem autorização, violar leis? Onde está escrito que disponho de tais prerrogativas? Quem me deu imunidade para rasgar códigos que regulam o comportamento das demais pessoas?

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O assunto é abordado ainda pela jornalista americana Janet Malcom, autora do livro 0 jornalista e o assassino, em uma citação devastadora:

Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para

perceber o que está acontecendo sabe que o que faz é moralmente

indefensável. Ele é urna espécie de confidente que se nutre da vaidade, da

ignorância ou da solidão das pessoas. [...] Os jornalistas justificam a própria

traição de várias maneiras. [...] Os mais pomposos falam de liberdade de

expressão e do "direito do público saber"; os menos talentosos falam sobre a

Arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida.

A discussão fundamental sobre esse ponto tão caro, sobretudo, a

jornalistas investigativos, mexe não apenas com a rotina, mas com a cultura do jornalismo brasileiro, um pouco pela fartura de exemplos, muito pela condescendência de chefes e patrões em relação a esses métodos. É claro, quando resultam em furos e prêmios, não em processos judiciais ou tragédias, como foi o caso de Tim Lopes, da TV Globo, que trataremos mais a frente. O que não se pode, melhor, não se deve, é relegar essa polêmica a um embate entre sacrossantos e demônios, como se a subversão de algumas normas não estivesse na raiz do sucesso de grandes reportagens ou de importantes investigações policiais. Acontece todo o tempo. Pode-se limitá-la, organizá-la, vigiá-la, mas não detê-la. É muito importante que o discurso ético não seja atropelado pela hipocrisia ou, pior ainda, pelos interesses de um e outro encastelado no poder de plantão. Não é o caso aqui de se defender práticas ilegais ou coisa que o valha, mas parte da discussão sobre a criação de um Conselho Federal de Jornalismo para "orientar e fiscalizar" a imprensa brasileira é resultado, justamente, da ação corajosa e, às vezes, subversiva, de muitos repórteres brasileiros. Alguns, inclusive, subversivos o bastante para romper a barreira das cautelas editoriais das empresas de comunicação para as quais trabalham. Apenas para ficarmos em um exemplo que muito gosto, voltemos ao Caso da LBA. Mário Rosa foi a Alagoas e lá, apesar de apresentar-se como repórter, não abriu para a malta dos Malta que estava correndo atrás de corrupção. Disse que estava fazendo uma matéria sobre a seca. A reportagem, que viria a ser o início da derrocada de Fernando Collor, foi publicada no Jornal do 'Brasil, cujo dono, Nascimento Brito, alardeava ser "amigo pessoal" do ex-tesoureiro PC Farias. Foi um típico arrombamento de porta, portanto.

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MISSÃO E OMISSÃO É claro que um crime não compensa a efetivação de outro, mas há de se

colocar certas coisas na balança. Dois exemplos para se dar praticabilidade a essa questão. O primeiro deles me diz respeito e já foi abordado em outro livro de minha autoria, Cayman: o dossiê do medo, publicado em 2002. Trata-se de como omiti minha identidade de jornalista para chegar a uma informação e, depois, identificado como repórter, menti para salvar minha pele. Eis o relato:

Por volta das 16 horas do dia 22 de março de 2001, o jornalista Gustavo

Krieger, editor da revista Época em Brasília, foi ao Congresso Nacional conversar com o também jornalista Fernando César Mesquita. Era uma visita obrigatória a todos os repórteres que cobriam política em Brasília. Mesquita era assessor do então poderoso presidente do Senado Federal, Antônio Carlos Magalhães, do PIL da Bahia, e, por isso mesmo, uma boa fonte de notícia. Naqueles dias, o gabinete de ACM fervilhava por conta da briga do velho coronel baiano com o senador Jader Barbalho, do PMDB do Pará. De lá, vazavam inúmeros documentos referentes a fraudes na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia atribuídas ajader, candidato à sucessão de ACM na presidência do Senado. Mesquita dispunha os vazamentos de forma organizada, pautada por sua longa experiência de convívio com o poder e com a imprensa. Ex-diretor da sucursal de Brasília de O Estado de S.Paulo na década de 1980, foi assessor do ex-presidente José Sarney, maranhense como ele, que o nomeou primeiro presidente do Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e, em seguida, governador do território de Fernando de Noronha, antes da incorporação do arquipélago ao estado de Pernambuco. Gustavo Krieger fora ao gabinete de Fernando César Mesquita disposto a conseguir uma boa história exclusiva. Encontrou o assessor animado.

— Estou investigando uma bomba capaz de derrubar o governo — disse

Mesquita. — E, pior, a sua concorrente está atrás. Krieger reagiu com impaciência e pressionou o assessor até que ele desse

ao menos uma pista sobre o assunto. Mesquita passou-lhe, então, o texto de um e-mail, antes tomando o cuidado de rasgar o remetente no alto da página e jogá-lo na cesta de lixo próxima à porta. O papel trazia uma transcrição de fitas atribuídas ao grampo do BNDES, a maior parte reproduções fiéis de trechos anteriormente divulgados pela imprensa. A novidade estava na última parte do e-mail, supostamente uma conversa entre o então presidente Fernando

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Henrique Cardoso e o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Mesquita não deixou Krieger tirar cópia do documento, mas ele memorizou as partes mais importantes e, na noite daquele mesmo dia, enviou um relatório ao jornalista Eumano Silva, chefe da sucursal da Época em Brasília. O editor despediu-se, fez menção de que iria embora imediatamente mas esperou o assessor se distrair para, então, catar no lixo o endereço rasgado por Mesquita. Era [email protected], um endereço eletrônico aberto em nome de "Clark Kent" e montado só para mandar informações para o senador Antônio Carlos. O resumo do que estava ali, segundo Gustavo Krieger, era o seguinte:

— Fernando Henrique abre a conversa comentando a divulgação do

Dossiê Cayman: "É muito grave", diz. "Já falei por aqui que os papéis são falsos."

— Mendonça diz que é coisa de Paulo Maluf para prejudicar Covas e

acrescenta: "Mas eles não sabem de nada." — "Eles chegaram perto", diz o presidente, e completa: "Eu não queria

botar o Chelotti (Vicente Chelotti, então diretor-geral da Polícia Federal) nisto, estou preocupado com a mulher."

— "A do Motta?", pergunta Mendonça de Barros. — "E", responde Fernando Henrique. "Ruth a procurou", referindo-se, se

a gravação for mesmo verdadeira, a um suposto encontro da primeira-dama Ruth Cardoso com a viúva de Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações de FHC, já falecido), Wilma.

Logo depois, ainda segundo relato de Gustavo Krieger sobre o que estava

no e-mail mostrado por Fernando César Mesquita, o ministro Mendonça de Barros assegura que as coisas estavam sendo resolvidas por uma pessoa de nome "Roberto". A Krieger, Mesquita disse que se tratava de Roberto Amaral, ex-diretor da construtora Andrade Gutierrez. Trata-se de uma figura conhecida nos meios políticos brasileiros. Celebrizou-se por emprestar jatinhos a candidatos poderosos e contribuir com polpudas doações para campanhas de interesse da empreiteira. Oficialmente, estaria morando na Suíça quando da menção de seu nome pelo ex-ministro. Em seguida, Mendonça de Barros, também conhecido pelo apelido de "Mendonção", comenta que alguém poderia ter vazado a informação sobre a conta para a imprensa. "Mas não foi ninguém de lá (provavelmente se referindo ao paraíso fiscal de origem), eles

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são muito discretos." E acrescentou: "Lá nós somos só um amontoado de letras e números."

Fernando Henrique reforça sua preocupação e repete: "Eu não queria

botar o Chelotti nisto." As fitas a que o e-mail enviado ao gabinete de Antônio Carlos Magalhães

se referiam estariam supostamente sendo vendidas por pessoas da comunidade de informações, arapongas do antigo SNI, que, uma vez absorvidos pela Abin, estariam tirando a barriga da miséria depois dos anos de ostracismo impostos pelo regime democrático. O lote de fitas também envolveria o ex-presidente da Petrobras, Joel Rennó, e o presidente da Marítima, Petróleo e Engenharia, German Efromovich, empresa responsável pela encomenda da plataforma p-36, que acabara de naufragar, em 20 de março de 2001, na Bacia de Campos, dando um prejuízo de R$ 1 bilhão ao Tesouro Nacional. Gustavo Krieger apurara que, no dia seguinte, uma sexta-feira, ACM mandara um interlocutor procurar um contato dos arapongas na Bahia. Avisado pelo chefe da sucursal, o diretor de redação da Época em São Paulo, o jornalista Augusto Nunes, ligou pessoalmente para a assessora Ana Tavares, também jornalista e auxiliar de absoluta confiança de Fernando Henrique. Por intermédio dela, Nunes conseguiu falar com o presidente, que, por sua vez, negou o conteúdo do e-mail passado para ACM. Em sua edição do dia 26 de março de 2001, a revista Época publicou uma matéria intitulada "O guichê dos falsários". Tratou do e-mail mostrado a Krieger por Fernando César Mesquita, mas seu conteúdo, por não ser confirmado, não foi revelado aos leitores. Publicaram-se apenas as respostas dos que foram citados na suposta gravação:

— Nunca houve essa conversa, e nem existe fita nenhuma — sentenciou

o presidente. Reação semelhante teve o ex-ministro Mendonça de Barros ao ser

procurado pela reportagem da Época. Demitido do cargo justamente por causa das fitas do BNDES, Mendonção pôs-se a rir antes de responder:

— Naquele tempo, eu nem tinha ouvido falar em Dossiê Cayman —

garantiu. Krieger ainda conseguiria descobrir o nome do intermediário dos

arapongas em Salvador, razão pela qual eu fui enviado à capital baiana já na

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terça-feira, dia 27 de março. O contato chamava-se Yolanda Santana Lopes, ex-chefe do setor de pessoal das Voluntárias Sociais da Bahia. Entre 1990 e 1994, foi diretamente subordinada a Teresa Mata Pires, filha do então governador do estado, Antônio Carlos Magalhães. Pobre, falastrona e de aparência macilenta, Yolanda só entrou nessa história porque tinha um parentesco afetivo com o principal negociador da gangue das fitas, o detetive de segunda categoria Luiz Alberto Moura, da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Para mim, ela dissera que o "primo" chamava-se Jorge Moura. Os dois haviam passado parte da infância juntos, na década de 1970, no interior do Rio, e Moura, quando precisou de alguém que pudesse chegar a ACM — potencial comprador do material —, lembrou-se da "prima" distante.

Encontrei Yolanda Lopes vivendo, gorda e desempregada, num

apartamento de dois cômodos no Barbalho, bairro de classe média baixa de Salvador. Ela esperava ganhar R$ 300 mil num negócio que tinha a pretensão de render R$ 32 milhões. Fingi ser emissário de um grupo de políticos, o que de pronto foi interpretado por Yolanda como um sinal de que eu, na verdade, estava falando em nome de ACM. Depois de dois dias, e ao cabo de uma tensa negociação por telefone com Alberto Moura, consegui convencer Yolanda a embarcar comigo num vôo para o Rio de Janeiro, onde, no saguão de desembarque do Galeão, nos esperaria o "primo" das fitas.

A pretexto de fazer uma merenda, levei Yolanda para comer coxinhas

numa lanchonete do aeroporto de Salvador e, antes de embarcar, pedi a ela que me contasse tudo o que tinha me dito antes no apartamento do Barbalho. Com um gravador escondido na bolsa onde levava um notebook, registrei o depoimento, inclusive as conversas que ela contou ter tido com dois emissários de Antônio Carlos Magalhães pouco antes de minha chegada. Um deles era o coronel Cristóvão Rios, chefe da Casa Militar do governador baiano César Borges, também do PIL. O outro era um homem de meia-idade apresentado a Yolanda apenas pelo primeiro nome: Emílio. A dupla tinha sido mandada ao Barbalho para verificar a veracidade das fitas e, é claro, a viabilidade do negócio. Ao perceberem do que se tratava — e do valor cobrado —, avisaram ACM dos riscos e nunca mais deram as caras por lá. Foi por isso que, quando me viu, Yolanda imaginou que eu era uma terceira pessoa negociando em nome do senador. Antes de embarcar para o Rio, telefonei para Eumano Silva e pedi que Gustavo Krieger também estivesse no Galeão. Minha idéia era apresentá-lo a Yolanda e Alberto Moura como especialista em eletrônica, alguém capaz de identificar a qualidade das fitas, ou qualquer coisa desse tipo. Eu só não queria arriscar minha pele sozinho. Contava com Krieger para me

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ajudar a chegar a um desfecho tranqüilo porque, ao aceitar negociar com Moura, aquela investigação tornara-se inevitavelmente perigosa. Foi uma decisão acertada. Quando cheguei na sala interna de desembarque, liguei o celular e verifiquei que tinha um recado dele na caixa de mensagens. Amigo de longa data, Krieger tentou parecer tranqüilo ao passar um recado angustiado:

— Mane, o cara que está lhe esperando no aeroporto já sabe que você é

da Época. O negócio agora é fingir que a revista está interessada em comprar as fitas.

Enquanto eu voava em direção ao Rio, com Yolanda absolutamente

deslumbrada em sua primeira viagem de avião, Alberto Moura entrou em contato com o gabinete de Antônio Carlos Magalhães em Brasília. Contou a Fernando César Mesquita o que estava acontecendo na Bahia, inclusive que Yolanda tinha embarcado com um misterioso emissário que se apresentara apenas como "Léo", mas que na verdade se chamava Leandro. Ele sabia meu nome por conta de uma falha infantil cometida por mim no apartamento do Barbalho. No segundo dia de conversa, deixei meu celular em cima da mesa da sala enquanto negociava com Yolanda o encontro com Moura no Rio. Por causa disso, ela pôde ver meu nome estampado na tela de cristal líquido do aparelho tempo o bastante para decorá-lo e, menos boba do que eu imaginava, passou de pronto essa informação para o "primo" carioca. Mesquita, mesmo sabendo que, naquela circunstância, colocaria minha vida em perigo, passou minha ficha completa para Moura. Krieger acabou sabendo do fato pelo próprio assessor e, vestido sinistramente de preto no desembarque do Galeão, esperava por mim com um plano alternativo na cabeça. Antes de ir ao meu encontro, o editor passou na redação da sucursal da revista em Botafogo para se juntar a um fotógrafo e uma repórter que iriam se passar por turistas no saguão do aeroporto, forma encontrada para flagrar Moura e Yolanda sem dar bandeira. O equipamento foi instalado dentro de uma bolsa e registrou umas poucas cenas fora de foco, mas suficientes para ilustrar bem a reportagem — aliás, a capa da edição do dia 2 de abril de 2001.

Fiquei nervoso com o fato de ter sido desmascarado em pleno vôo,

embora Yolanda ainda não soubesse que eu era jornalista. Sequei o suor da testa e fui com ela até o ponto combinado. Dei de cara com Krieger, apresentado friamente a Yolanda, e juntos fomos ao encontro de Jorge, ou melhor, Alberto Moura. Era uma figurinha miúda, visivelmente nervosa e amedrontada com a situação. Usava óculos escuros, camisa social branca amarrotada e aberta no peito, a toda hora demonstrando reações paranóicas

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típicas de quem acha que está sendo seguido ou gravado. Com a mesma bolsa usada no caso de Yolanda, consegui, de fato, gravar parte dessa conversa inicial, mas ele já sabia que eu era repórter. Quando percebeu que meu carrinho de bagagem estava muito próximo, disse que não iria mais falar nada até eu removê-lo dali. Aos poucos, fomos tranqüilizando Moura, e em meia hora ele já tinha como certa a disposição da revista Yipoca de comprar as tais fitas com os supostos grampos do bndks. Yolanda nem saiu do Galeão, mandada de volta pelo "primo" no primeiro vôo para Salvador. Com Moura, foi marcado um novo encontro, mais para o final da tarde, num hotel de Copacabana. Krieger havia trazido de Brasília um pequeno gravador digital e no quarto do hotel onde nos hospedamos, ajudei-o a amarrar cuidadosamente, com fitas de esparadrapo, o equipamento em seu pulso esquerdo. Assim, com um gravador escondido pela manga comprida de uma camisa absolutamente inadequada para a estação — pleno verão carioca! —, ele entrou comigo num táxi rumo ao calçadão em frente ao Sofitel, luxuoso hotel do Posto 6 de Copacabana, onde Moura nos aguardava.

Sem óculos, o "primo" de Yolanda assemelhava-se muito ao ator

americano Tom Hanks, só que reduzido a 1,60m. Fomos encaminhados à piscina do hotel, no mezanino do prédio, onde uma outra figura, que se identificou como Antônio, pinta de policial, nos esperava cheio de mistérios e ameaças. Mandou que tirássemos as baterias de nossos celulares porque, grande entendido que era em espionagem, sabia da possibilidade de ser gravado por microequipamentos escondidos. O que ele não sabia era que, a partir daquele momento, estava sendo grampeado pelo gravadorzinho digital amarrado ao pulso de Krieger. Moura fez uma ligação num celular clonado, segundo ele mesmo fez questão de frisar, e passou o aparelho ao jornalista. Do outro lado, um dos arapongas envolvidos no grampo iria rodar algumas passagens à guisa de amostra. Eram trechos nos quais, supostamente, ouviam-se as vozes do ex-presidente da Petrobras, Joel Rennó, do presidente da Marítima, German Efromovich, e do assessor do Palácio do Planalto e ex-governador do Rio Wellington Moreira Franco. Não tratavam de nada específico, e Alberto Moura explicou por quê:

— E uma amostra. As bombas, só para quem pagar o preço. Dizem que é

caro, mas qual é o preço do impeachment? A reportagem, que também teve a colaboração de Pollyana Ferrari,

coordenadora da edição on-line da Época, da sucursal do Rio, serviu como base para uma investigação da Polícia Federal que resultou, no dia 27 de julho de

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2001, na prisão de Luiz Alberto Moura, no Rio de Janeiro. Posto em liberdade, prometeu só falar em juízo. Até lá, todas as informações referentes ao e-mail apresentado por Fernando César Mesquita a Gustavo Krieger são suposições. Verossímeis, mas suposições."

O OFF PARTIDO O outro caso diz respeito a uma decisão polêmica que envolveu um dos

grandes repórteres brasileiros, o gaúcho Luiz Cláudio Cunha, da revista IstoÉ e, novamente, Antônio Carlos Magalhães. Antes, uma rápida apresentação de Luiz Cláudio, com quem já tive a oportunidade e o prazer de trabalhar em pelo menos três ocasiões: nas sucursais de

O Estado de S.Paulo e Zero Hora, onde ele, em ambas, foi diretor; e na sucursal de O Globo, onde era o responsável, em Brasília, pela Coluna do Swann. Antes disso, Luiz Cláudio havia sido um dos fundadores do Coojornal, experiência inédita de um jornal alternativo em regime cooperativo, produzido e gerido por jornalistas. Também foi chefe da sucursal da revista Veja em Porto Alegre, além de uma passagem pelo Jornal do Brasil. Em 1979, durante a ditadura militar, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a reportagem "O seqüestro dos uruguaios", publicada na Veja. Nela, reconstrói a partir de documentos e depoimentos o desaparecimento de Lílian Celiberti e Universindo Diaz, casal seqüestrado de um apartamento em Porto Alegre por militares uruguaios, com a ajuda de agentes do dops do Rio Grande do Sul. Trata-se, portanto, de um profissional admirado e bem quisto entre colegas e fontes — mas que um dia ousou abrir uma informação em off. E não qualquer informação.

Em fevereiro de 2003, o repórter revelou publicamente que o senador

Antônio Carlos Magalhães era o responsável por um megaesquema de escutas ilegais de telefones da Bahia. Os grampos atingiam adversários políticos de ACM e também uma amante e o marido dela. Surpresos ficaram só os que nunca viveram na Bahia, mas não é isso que vem ao caso. O senador, pessoalmente, havia informado Luiz Cláudio Cunha da existência dos grampos, mas o fez dentro de uma norma muito utilizada por certas fontes: dentro dos limites restritos de seus próprios interesses. Uma investigação da Polícia Federal iria demonstrar que era ACM o principal suspeito de ter ordenado, a partir da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, o grampeamento geral. Ciente disso, Luiz Cláudio "abriu", como diz o jargão jornalístico, o off de ACM — e, ato contínuo, trouxe à baila uma discussão desde sempre desconfortável

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para a imprensa. Afinal, quais são os limites da informação dada em off dentro de uma investigação jornalística? Com a palavra, o próprio Luiz Cláudio. "O off em qualquer circunstância, é uma decisão solitária, crucial e exclusiva do repórter". No caso, e em resumo, ele decidiu revelar a fonte de informação para não ser cúmplice de um ato criminoso. Foi a primeira vez que se meteu nesse dilema e, costuma dizer, espera que tenha sido a última.

A decisão de Luiz Cláudio provocou frisson na categoria. Ele foi criticado

publicamente por jornalistas do gabarito de Jânio de Freitas, da Folha de S.Paulo. Em um artigo intitulado "O grampo acabou com o grampo", assinado pelo jornalista Alberto Dines e veiculado no site Observatório da Imprensa, assim foi tratado o assunto:

[...] O senador Antônio Carlos Magalhães, apelidado com toda a justiça de Rei

do Grampo, mais uma vez enredou-se numa gravação telefônica. Um dos

principais fornecedores de fitas, responsável pelo denuncismo irresponsável que

tomou conta da imprensa brasileira e colocou-a a reboque desinteresses

políticos mais escusos, está definitivamente envolvido no caso do megagrampo

baiano. Os repórteres recusaram manter em off uma confissão inequívoca:

publicaram o que ouviram e de quem o ouviram. Não poderiam compactuar com

uma ilegalidade admitida pelo próprio autor. E ainda gravaram a conversa em

que o senador confirma a declaração anterior. Um grampo acabou com a Era do

Grampo. li, de quebra, acabou com a matéria "soprada". O off tem limites. O

jornalista está comprometido com a sua consciência e seus princípios morais e

não com os interesses do entrevistado. A Era do Grampo estendeu-se ao longo

de cinco anos porque os jornalistas que recebiam as fitas (alguns da própria

IstoÉ) aceitavam manter em sigilo os nomes dos fornecedores da ilicitude. Graças

a Luiz Cláudio Cunha e Weiller Dinrz (o outro repórter da IstoÉ que assinou as

matérias dos grampos), políticos, autoridades ou bandidos vão pensar duas vezes

antes de distribuir com tanta generosidade o teor das gravações que mandavam

fazer (ou recebiam de terceiros). E pensarão dez vezes antes de fazer

declarações irresponsáveis imaginando-se protegidos pelo off. Abril de 2003 vai

marcar a despoluição das relações entre a mídia e o poder. O jogo brasiliense

será mai s limpo. O pacto de silêncio, a omertá (lei do silêncio imposta pela máfia

na Itália), foi rompida: bandidos de um lado, jornalistas de outro.

É senso comum dizer que a decisão de se quebrar um off é do repórter,

mas todos sabemos na profissão que não é bem assim. As pressões de chefia, dos donos da mídia e, em última instância, dos departamentos jurídicos dos veículos, também podem contar. E muito.

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Segundo o jornalista Ricardo Setti, da Editora Abril, a expressão off (abreviatura de off the recora) tem servido no Brasil para abrigar, sob o mesmo conceito, pelo menos três situações diferentes em que a fonte real da informação não aparece. A mais comum é o que americanos e britânicos chamam de notjor attribution: as informações, inclusive citações entre aspas, podem ser publicadas, mas a fonte que as forneceu não deve ser mencionada pelo nome. O segundo conceito é o de deep background: o sentido geral das declarações pode ser usado, mas não se publicam declarações entre aspas nem se identifica a fonte. (Há também a situação em que o jornalista pode informar sobre um assunto com base em informações de uma fonte, mas não está autorizado a fornecer indicação sequer indireta sobre quem é ela ou de que as informações vieram dela.) Por fim, vem o off the record, que curiosamente, pontua Setti, tem um significado quase oposto ao adquirido por aqui: as informações devem ser usadas apenas e tão-somente para ajudar o repórter a compreender o quadro geral de um fato, mas não serão incluídas em sua reportagem.

A jornalista Dora Kramer, respeitada colunista política da imprensa

brasileira, dedicou uma coluna inteira ao caso Luiz Cláudio Cunha na edição de 4 de abril de 2003 de O Estado de S.Paulo. Nela, criticou a tropa de defesa de ACM, formada por senadores baianos do PFL, que teria embarcado na tese segundo a qual o instituto do off e o sigilo da fonte é um pressuposto sagrado e inquebrantável do princípio da liberdade de imprensa. Assim falou Dora:

[...] Lista bastante claro: a preservação do sigilo da fonte de informações é um

direito e, portanto, uma prerrogativa que o jornalista tem de recorrer ou não a

ele, e até de abrir mão dele, quando há imperativos que justifiquem. A mentira,

por exemplo, é um deles. Quando se publica uma informação cuja origem se

revela mentirosa, fica ao juízo do profissional revelar ou não a autoria. A fim, até,

de preservar a verdade e garantir lisura ao direito coletivo à informação. [...] Se

se constitui um crime o uso jornalístico de material obtido de forma ilícita — e

esta é uma discussão que a Imprensa adia, mas não poderá fazê-lo por mais

tempo —, é óbvia a ilicitude também de se fazer uso de uma prerrogativa legal

para acobertar uma ilegalidade de origem semelhante [...].

Essa questão está diretamente ligada à discussão geral sobre a liberdade

de imprensa, e não somente no Brasil. Boa parte das ações judiciais impetradas contra veículos e jornalistas no mundo todo tem como objetivo primordial obrigar os profissionais a abrirem suas fontes.

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Recentemente, Jim Taricani, 55 anos, repórter americano da emissora wjar, afiliada da NBC, foi condenado a seis meses de prisão domiciliar por não revelar quem lhe entregou uma fita em que um político aparece recebendo mil dólares de propina. Taricani declarou que a sentença era um assalto ao jornalismo. O juiz federal Ernest Torres, no entanto, declarou que o assalto no momento era contra a lei e o sistema judiciário dos EUA. Segundo o magistrado, a única coisa que o impediu de mandar o jornalista para a cadeia foi sua saúde precária. Taricani passou por um transplante do coração em 1996 e é portador de um marcapasso desde 2001. Durante os seis meses da sentença, o jornalista ficou impedido de usar a internet, só pôde sair por motivos médicos, e só tinha permissão de receber visitas entre 14 e 16 horas, ou entre 18 e 20 horas. A origem do processo é uma fita que mostra Frank Corrente, um assessor do ex-prefeito Vincent Cianci, aceitando propina de um informante do FBI que fingia ser um empresário corrupto. A cena faz parte de uma operação anticorrupção do i;bi, que levou Cianci a cinco anos de cadeia. O filme foi mostrado pela WJAR, em fevereiro de 2001, dois meses antes de Cianci ser indiciado, mesmo existindo uma ordem judicial determinando que as fitas referentes à operação ainda não poderiam ser liberadas. Os promotores gastaram três anos tentando descobrir a fonte do vazamento até que Joseph Bevilacqua, um advogado de defesa, revelou ter dado a fita a Taricani.

Jim Taricani defendeu sua decisão de exibir a fita por considerar que

revelar informações ao público é sua obrigação. Na opinião do promotor Marc De Sisto, o jornalista estava apenas tentando melhorar os índices de audiência do jornal. A condenação de Taricani esquentou a discussão sobre o uso de fontes anônimas por parte da imprensa. Frank Smyth, do Comitê de Proteção aos Jornalistas dos UVA, disse que a decisão coloca em risco a obtenção de informações. O grupo Repórteres sem Fronteiras declarou que a decisão prejudica o direito dos americanos à informação e está pressionando o Congresso para aprovar uma lei apresentada pelo senador Christopher Dodd que impediria qualquer jornalista de ser pressionado, política ou juridicamente, a revelar suas fontes. A organização defende que sem a garantia de anonimato, ninguém vai procurar um repórter para revelar informações importantes. Taricani é apenas um dos casos envolvendo jornalistas chamados a depor no judiciário americano. Na opinião do juiz Torres, um repórter não pode invadir a casa de uma pessoa para obter informações ou violar a lei de qualquer outra forma para conseguir uma história. Considerando que o caso Watergate só existiu graças a uma fonte anônima, essa é uma longa discussão

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Em 2004, Judith Miller, do The New York Times, e Matthew Cooper, da revista Time, acabaram condenados por não terem revelado as fontes que vazaram o nome de uma espiã da CIA, a Agência Central de Inteligência dos EUA. Judith foi condenada a pena de 18 meses de prisão por se recusar a testemunhar perante um grande júri. O caso em questão visa descobrir quem informou ao colunista Robert Novak a identidade da agente secreta da CIA Valerie Plame, mulher do ex-embaixador americano Joseph Wilson. O casal viajou à África a pedido do governo dos EUA para investigar se o Iraque teria tentado comprar material radioativo ali, mas não conseguiu as provas que George W Bush tanto queria. No ano anterior, Wilson escreveu artigo em jornal criticando Bush por ter dito que Saddam Hussein tentou obter urânio no Niger. Uma semana depois, o colunista Robert Novak revelou que Valerie era agente secreta, deixando a impressão de que o vazamento da informação fora uma represália da Casa Branca.

Judith, que nunca escreveu matérias sobre a agente secreta, foi

solicitada a comparecer ao tribunal para descrever qualquer conversa que tenha tido com funcionários do governo. O juiz Thomas Hogan decidiu por uma sentença de prisão ao repórter da revista Time Matthew Cooper pelo mesmo motivo. Cooper, que escreveu um artigo em que dizia que "alguns funcionários do governo" haviam identificado a agente da CIA, chegou a testemunhar sobre suas conversas com Lewis libby, chefe de gabinete do vice-presidente americano Dick Cheney. Judith negou-se a testemunhar. Depois do testemunho de Cooper, o promotor o intimou novamente, exigindo que ele identificasse outras fontes. Dessa vez, Cooper se recusou a comparecer ao tribunal com base na Primeira Emenda da Constituição dos Eua, que prevê liberdade de expressão para os cidadãos americanos.

O promotor Patrick Fitzgerald decidiu, ainda, forçar Judith a revelar seus

contatos com funcionários governamentais — mesmo sem ela ter escrito alguma matéria sobre a controversa publicação da identidade da agente da CIA. Fitzgerald já havia intimado a repórter a liberar seus registros telefônicos em uma investigação anterior. Novak, o colunista que primeiro tornou público o nome de Valerie Plame, não sofreu nenhuma intimação ou ameaça. Ele permaneceu estranhamente em silêncio sobre as sentenças de prisão recebidas por seus colegas — que as enfrentam simplesmente por defenderem princípios que também o protegem. O juiz Hogan determinou que o direito de um repórter em proteger a identidade de suas fontes não existe perante o grande júri. Nem os repórteres condenados e seus advogados puderam ter acesso aos documentos do promotor Fitzgerald.

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Cláudio Tognolli, um dos fundadores da Abraji, garante que o termo

"jornalismo investigativo" tem que ser realmente resgatado porque há sempre o perigo de os repórteres se fiarem apenas em relatos de fontes oficiais. "Muita gente confia nessa história de copiar boletim de ocorrência e falar que aquilo é resultado de uma investigação, quando, na verdade, isso é uma grande mentira. Ou você vai investigar o que apurou, ou você fica atrás da polícia", afirma. Confiar em uma única fonte, sobretudo em off, é, normalmente, um risco profundo da atividade jornalística.

Em 1998, a rede de TV CNN, dos Estados Unidos, teve que reconhecer

publicamente uma das maiores "barrigas" da história da imprensa mundial porque, justamente seu repórter mais importante, o jornalista Peter Arnett, agiu de forma negligente em uma apuração relativa a fatos gravíssimos. Arnett, famoso por ter sido testemunha solitária dos ataques americanos a Bagdá durante a Guerra do Golfo (1991), levou ao ar uma reportagem com informações supostamente bombásticas sobre uma operação militar de 1970, durante a Guerra do Vietnã — conflito que ele também cobriu como correspondente. A notícia dava conta de uma certa Operação Tailwind (Vento de Cauda) montada pelo exército dos rua para exterminar desertores americanos no Laos. Cercados por tropas do Vietnã do Norte, as forças especiais encarregadas da operação teriam se safado usando gás sarin — substância extremamente letal — contra os inimigos. Nunca antes se havia cogitado a existência de desertores, muito menos a utilização, no Vietnã, de gás venenoso, cujo uso é considerado crime de guerra. Acuada por desmentidos de combatentes veteranos, a CNN viu-se obrigada a contratar uma equipe independente para investigar a reportagem. Descobriu-se que as informações não se sustentavam. A única fonte de Arnett tinha sido um almirante de 87 anos, aposentado e recolhido a um asilo.

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CAPITULO IV

Ossos do ofício (é que ofício!)

INVESTIGAÇÃO DÁ TRABALHO E PODE SER ARRISCADO Preguiça e jornalismo não combinam. O jornalismo não é,

definitivamente, uma profissão para preguiçosos, muito menos para covardes. Tampouco precisa ser um sacrifício, embora seja comum a muitos jornalistas encarar o ofício como um sacerdócio enlouquecido, sofrido, recompensado apenas com a plena exaustão do corpo e da mente — mas isso há em todo canto. Mas, no caso da investigação jornalística, o trabalho é sempre intenso, misto de suor e paciência, mesmo quando a luta cotidiana pela notícia requeira o cumprimento de prazos. Mas corre-se tanto contra o tempo como a favor da verdade, e é nesse equilíbrio que reside o bom resultado de uma investigação. Em alguns casos, a disposição de se fazer uma boa reportagem incorre em uma mudança radical de rotina, principalmente se a empreitada envolver um projeto pessoal de investigação, ainda que sob vários riscos.

Em abril de 2000, fui mandado pela revista Época à Flórida para fazer

uma matéria sobre lavagem de dinheiro e a colônia brasileira em Miami. Por duas semanas, iniciei um aprendizado sobre o comportamento das fontes nos Estados Unidos e, sem saber, abri uma frente investigativa que, um ano depois, iria me jogar no caldeirão de um dos mais intrigantes escândalos da República — o caso do Dossiê Cayman. Tratava-se de uma papelada fria, preparada por três falsários brasileiros, que insinuava a existência de uma empresa com conta clandestina no Caribe, a ch, j & T, cujos donos seriam o então presidente Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros Sérgio Motta e José Serra e o ex-governador de São Paulo Mário Covas, todos do PSDB. Pouco mais de um ano depois, desembarquei novamente em Miami com a missão de começar a montar um quebra-cabeça cuja peça inicial era uma lista de doze nomes — onze brasileiros e um americano — produzida pela Polícia Federal. Era uma

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informação secreta que incluía uma agenda de atividades policiais-diplomáticas das autoridades envolvidas no inquérito do Dossiê Cayman. Da lista constava a presença direta de um representante do Ministério da Justiça, obviamente para garantir o controle do Palácio do Planalto sobre as investigações.

No dia 9 de maio de 2001, uma quarta-feira ensolarada da Flórida, me

instalei em um quarto do Double Tree Hotel, em Coconut Grove, e fui me deitar um pouco para pensar no que fazer com aquela lista de oitivas (termo policial para depoimentos) programadas por delegados da Polícia Federal. Um dos documentos era um cronograma de viagens, enviado ao Ministério Público, que previa as missões em Washington, Nassau e Miami dos policiais. De acordo com a programação, os delegados deveriam deixar as Bahamas no mesmo dia 9 de maio em que cheguei à Flórida, mas houve algum atraso em Nassau, e achei por bem tentar falar com eles nas Bahamas. De Miami, liguei para a Divisão de Comunicação Social da Polícia Federal em Brasília e pedi um contato com os delegados em Nassau. Logo fui informado de que não existia uma autorização formal para fornecer o número do telefone de onde os federais estavam hospedados. Por conta própria, demorei um dia para descobrir que a equipe da PF estava no Towne Hotel de Nassau, e me bastou uma ligação para a recepção do lugar para confirmar a informação. Tentei, sem sucesso, falar com eles. Deixei o número de meu telefone com um escrivão, mas desde cedo percebi que os federais tinham sido orientados por seus superiores a não atender jornalistas, decisão tomada pelos delegados para salvaguardar a investigação e evitar o vazamento das informações recolhidas até então — que não eram poucas.

Minha principal preocupação era descobrir o que significavam aqueles

nomes da lista, qual a participação de cada um na trama do Dossiê Cayman e, é claro, o que a polícia pretendia fazer em Miami. Em mais de dez anos de cobertura militar e policial, aprendi que a melhor forma de se aproximar de uma fonte, seja delegado ou general, é ter em mãos uma informação capaz de catalisar uma relação de confiança entre as partes. Eu acreditava que, uma vez em Nassau, poderia estabelecer com os delegados um diálogo profissional de maneira a manter um canal de troca de informações baseado no mesmo objetivo: descobrir a verdade sobre o tal dossiê. Enquanto imaginava como iria abordar os delegados, pensei em uma forma de ir adiantando o trabalho a partir da lista elaborada pela polícia. O rol de nomes incluía telefone e endereço de alguns investigados e escolhi falar com aquele que me pareceu estar mais perto do meu hotel. Tratava-se de Honor Rodrigues da Silva, cujo escritório ficava numa torre do Grand Bay Hotel, na rua ao lado, onde ele

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tocava uma empresa de prestação de serviços de informática, a ITS. Liguei_para ele logo depois do almoço, após a tentativa frustrada de falar com os policiais em Nassau. A secretária me atendeu e, identificando-me como repórter da Época, fui transferido para o empresário. Após um diálogo tenso, marquei uma conversa no amplo escritório de Honor. A secretária pediu que eu esperasse um pouco e, em instantes, já me guiava até onde o empresário me esperava. Mostrei-lhe a lista que tinha trazido a Miami, querendo saber se eram nomes do conhecimento dele. Honor já havia sido avisado por um informante da presença dos policiais federais em Miami, mas desconhecia quem eram exatamente as pessoas procuradas por eles. No fundo, tinha esperanças de que a Polícia Federal nunca chegasse a seu nome e de seus sócios na empreitada do dossiê — os também brasileiros João Barusco e Ney Santos. João, que estava na sala ao lado, foi convidado a participar da conversa, mas ficou a maior parte do tempo calado, observando de longe aquele antigo jogo de malandragem disputado entre o repórter que quer muito saber e a fonte que nada quer ver publicado. Honor e João negaram tudo, mas, por insistência minha, aceitaram almoçar comigo no dia seguinte, desta feita com a presença de Ney Santos, uma reunião em que eu pretendia arrancar, no mínimo, algumas contradições, porque, desde o primeiro minuto, tive certeza de que aquela dupla estava mentindo.

Com as informações obtidas junto à Polícia Federal, e depois de ter

produzido uma capa sobre o assunto para a revista Época, parti para uma investigação pessoal que, pouco menos de um ano depois, iria resultar no livro-reportagem Cayman: o dossiê do medo, lançado em 2002. Para tal, embarquei em uma viagem de quase vinte dias à Jamaica onde o trio foi se esconder — e a Miami, onde colhi depoimentos dos envolvidos e botei as mãos em alguns documentos do FBI. Os brasileiros alugaram uma casa no Rondei Village, pequeno resort localizado na cidade de Negril, um paraíso exclusivo de turistas ao norte da Jamaica, onde também me hospedei, por doze dias. Nos primeiros dias, houve um clima de desconfiança no ar, muito porque os três começaram a temer pelas conseqüências judiciais de seus depoimentos. Honor pretendia, antes de confessar ser o dono da ch, j & r, fazer uma última consulta a um advogado. Logo descobri que o Dossiê Cayman era um golpe entre malandros transformado num escândalo público de bastidores inacreditáveis Com um notebook armado sobre uma mesa de plástico na sala da casa, exposto ao ataque incessante de muriçocas jamaicanas imunes a repelentes, esbocei as primeiras páginas do livro e iniciei o processo de transcrição das entrevistas gravadas.

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Boa parte desse trabalho inicial foi feito nos quatro dias em que fiquei sozinho na Rondei Village, uma vez que, para renovar o visto de turismo na Jamaica, o trio teve que se ausentar da ilha, condição para garantir uma nova entrada no país com prazo atualizado de estada. João e Honor foram para Cuba, a vinte minutos de vôo de Montego Bay, aeroporto mais próximo de onde estávamos, e Ney voltou para Miami. Da Jamaica, embarquei para Miami, onde tive uma última conversa com João e Ney, já que Honor deixara Montego Bay em direção a Londres, na Inglaterra. De lá, fugiria para o México, onde acabaria sendo preso por nove meses, até ter sua deportação negada pelo governo mexicano. Em Brasília, mergulhei em dias atolados de entrevistas e documentos. Ao todo, a investigação e a redação o livro me tomaram três meses de uma jornada diária média de oito horas em frente ao computador — e ao lado de quase mil páginas de documentos, boa parte em inglês.

O CASO TIM LOPES

A disposição pessoal em investigar, por incorrer em riscos, deve ser

pautada pelo bom senso e pelo conselho dos amigos, para aqueles que os têm, é claro. A busca enlouquecida pela verdade, por mais digna e respeitável que seja, não pode tomar o lugar da responsabilidade profissional, muito menos expor um repórter à sandice de criminosos.

O chamado Caso Tim Lopes é absolutamente emblemático porque, além

de envolver a morte de um jornalista investigativo clássico, serviu para catalisar uma discussão que, agora é possível perceber, gemia de necessidade. Repórter com longo histórico de reportagens investigativas, Tim era um profissional amado pelos colegas e respeitado por sua integridade profissional. Em 2001, à frente de uma equipe da Tv Globo, conquistara o primeiro Prêmio Esso de Telejornalismo graças a uma série de reportagens intitulada "Feira de Drogas". Sua última reportagem na televisão havia sido uma outra série sobre os maus-tratos que pacientes recebiam em clínicas de recuperação de drogados — um trabalho de meses de apuração, durante os quais Tim se internou em diversos estabelecimentos para provar, sentindo o problema na própria pele, o péssimo tratamento dado às vítimas.

Tim Lopes era um tipo brasileiro, mulato, uma cara popular que o

permitiu se infiltrar nas obras do metrô do Rio, na década de 1970, e desnudar a vida negreira que levavam os operários que viviam e morriam no subsolo das noites cariocas. A aparência mestiça lhe deu estímulo e coragem para estar,

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como jornalista, na trincheira da miséria urbana, pioneiro que foi em impor, pela rotina do trabalho, um senso de responsabilidade social na execução da pauta. Foi por essa razão, entre outras de tamanho igual, que o assassinato de Tim Lopes, aos 51 anos, por traficantes do Rio de Janeiro, mobilizou a consciência da classe dos jornalistas brasileiros. De uma hora para outra, as redações brasileiras passaram a discutir os limites da investigação jornalística, os riscos, a relação custo-benefício da ousadia — ou da ambição — dos repórteres.

O primeiro e obrigatório passo para entender o Caso Tim Lopes e dele

tirar lições importantes é nunca agregar valor moral ao ato em si. Tim correu o risco que achou que deveria correr. Ele sentia o apelo das pessoas das favelas, das mães desesperadas que viam o movimento diário de uma feira de drogas no caminho das crianças, muitas das quais levadas por traficantes para azeitar a máquina de abusos sexuais montadas nos bailes funks do Rio. Tinha experiência e conhecimento do que fazia, mas foi ingênuo ou auto-suficiente o bastante ao pensar que poderia sair ileso de uma incursão solitária, quixotesca mesmo, ao coração de uma favela carioca dominada pelo crime organizado.

Certamente, Tim Lopes foi vítima do que o escritor colombiano Gabriel

Garcia Márquez definiu como "uma paixão insaciável" pelo jornalismo. Mas não só. A omissão do Estado, incapaz de garantir a segurança dos cidadãos, empunhou a espada dos traficantes de drogas que retalhou o corpo de Tim. Quem lhe aplicou o golpe fatal, contudo, foi um conceito de jornalismo que degrada a profissão e pode até matar jornalistas. (Ricardo Noblat, A mie de fazer um jornal diário)

O conceito em questão é aquele em que, em nome da verdade — ou da

vaidade — encontram-se jornalistas dispostos a expor a vida a enormes riscos, com a tácita concordância de dirigentes de redação. Tim Lopes subiu o morro munido de uma minicâmera oculta que, sabe-se, não era sua. Acabou sendo preso, barbaramente torturado, morto e, em seguida, teve seu corpo incinerado em meio a pneus. Instada a se pronunciar sobre a morte de Tim, a Rede Globo divulgou uma nota onde ressaltava as qualidades do repórter, dos bons serviços prestados pelo jornalismo investigativo à sociedade, mas passando apenas de leve sobre a responsabilidade, ainda que indireta, da empresa sobre a ação do jornalista. Assinada por Carlos Henrique Schroder, diretor da Central Globo de Jornalismo, a nota, a certa altura, diz o seguinte:

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[...] O jornalismo investigativo tem prestado um inestimável serviço ao país,

com a denúncia contundente de crimes, corrupção, prevaricação de autoridades

e serviços mal prestados aos cidadãos. Seja usando as técnicas usuais da

apuração jornalística ou se valendo de aparatos eletrônicos, como uma

microcâmera de vídeo, no caso da Globo, microcâmeras fotográficas, ou

microgravadores, no caso dos jornais, revistas e emissoras de rádio, grande parte

da imprensa brasileira tem se dedicado a esse trabalho. Um trabalho que

ressalta, talvez, o lado mais nobre da do jornalismo: empenhar-se com

tenacidade, mas dentro de limites rígidos que minimizem os riscos, para revelar

os lados obscuros de nossa sociedade. O único objetivo é torná-la mais humana e

mais justa. Nós temos certeza de que mesmo diante deste atentado, a imprensa

brasileira não abrirá mão do seu papel. Nós, da Globo, continuaremos firmes

neste propósito [...].

Para Marcelo Canellas, companheiro de Tim Lopes na TV Globo, é

possível que ele tenha sido traído pela sua autoconfiança. Também acredita que a morte do repórter serviu como ponto de partida para uma discussão mais séria sobre uma política de segurança nas redações. "O fato é que Tim usava o ouro da nossa profissão, a objetividade jornalística, para dar voz ao mais estropiado dos interlocutores. O que ele estava fazendo quando foi apanhado pelos bandidos era uma legítima atividade jornalística: denunciar uma arbitrariedade contra uma população pobre", diz Canellas. Tales Faria, que foi chefe de Tim Lopes na sucursal do Rio da Folha de S.Paulo, também aponta uma certa fragilidade na atuação das chefias em casos semelhantes. "Seus chefes, é claro, sabiam dos riscos que ele corria. Mas não sei dizer se não cometeria o mesmo erro", avalia. "Tim sempre trabalhou daquela forma e era um mestre no que fazia. Estava na favela enfrentando criminosos em defesa da cidadania."

Por fim, uma análise apocalíptica do professor Nilson Lage:

Tim se arriscou demais. Ficou manjado. Mas o que dói é saber que o sacrifício

de um homem desses vale muito pouco para uma sociedade que está se lixando

para o que se passa fora das muralhas de seus condomínios, onde o pó, o skunk

e o ecstasy entram em porta-luvas e até na mala dos carros de luxo. Quando

entrar na caçamba das camionetes, aí desaba o novo império romano e começa

a nova idade média fundamentalista.

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ARTIGOS Os textos que se seguem foram escritos, a pedido do autor, por

jornalistas de perfis e gerações diferentes. Embora tratem do mesmo tema (jornalismo investigativo), são visões distintas e multiopinativas sobre o assunto. Abrangem e tangenciam, com maior ou menor intensidade, as muitas vertentes dessa atividade ainda pouco estudada e menos ainda compreendida, pelo menos no Brasil. Algumas opiniões são de caráter essencialmente pessoal, e é bom que assim sejam, porque uma das características do bom jornalista é nunca perder o foco sobre o mundo que o cerca, embora viva em uma profissão basicamente calcada em doutrinas factuais e objetivas. Outras, pelo bem e pelo prazer da leitura, misturam dados, informações e conhecimento histórico-acadêmico com experiências pessoais.

É o caso de Ricardo Noblat, um dos mais importantes jornalistas

brasileiros da atualidade, testemunha física e emocional de grande parte dos acontecimentos históricos que moldaram, nos últimos quarenta anos, a vida nacional. Concentra em si uma definição poderosa — ademais, compartilhada por quase todos os jornalistas consultados por mim —, de que a investigação é a base de qualquer jornalismo, mas com a ressalva de que ela tem seus próprios níveis, formas e circunstâncias. E exige muito trabalho. Quem teve a oportunidade de trabalhar com Noblat sabe exatamente do que ele está falando. Mesmo quando se deleita em contar, pausada e pernambucanamente, os muitos casos vividos por ele ao longo de quase quatro décadas de profissão, o pano de fundo das aventuras é sempre o mesmo: a busca exaustiva pelo fato concreto, inquestionável. O faz pela sua óbvia vaidade profissional, mas também, e principalmente, pelo orgulho nato de repórter e, no fim das contas, pelo bem do leitor — uma de suas obsessões e um de seus dogmas preferidos.

O texto de Cláudio Tognolli mistura um vasto conhecimento científico e

acadêmico — característica pessoal de um intelecto marcado por teses e contradições — com a alma juvenil de um grande repórter. Pioneiro no ensino de jornalismo investigativo no Brasil, Tognolli faz parte de um grupo de jornalistas que iniciou — e ainda dá andamento — a sistematização das normas e conceitos dessa atividade. E um crítico impiedoso do sistema burocrático da mídia, sobretudo de fenômenos recentes ligados ao que chama de "o meio como fim". Critica, diretamente, os chamados repórteres "fiteiros", meros reprodutores de chantagens alheias, como antes faziam — e muitos ainda fazem — jornalistas que copiavam os boletins de ocorrência das delegacias de polícia país afora. O texto de Tognolli coloca a nu a poderosa indústria de

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indenizações que se montou no Poder Judiciário como contraofensiva a reportagens investigativas, o que ele cita como "fúria legiferante" contra jornalistas brasileiros. Agrega à discussão sobre o tema um fator da modernidade ainda pouco explorado, a pesquisa virtual, não como apenas uma curiosidade tecnológica a ser usada aqui e ali, mas como ferramenta essencial e duradoura de qualquer investigação que se pretenda séria neste início de século XXI.

Andrei Meirelles é o um dos repórteres mais desorganizados do mundo,

quanto a isso ninguém tem dúvida. Pilhas de documentos o perseguem por todo canto, derramam-se sobre sua mesa de trabalho, acomodam-se a seus pés, invadem armários, gavetas, escaninhos, pastas, arquivos, crescem como trepadeiras pelas redações por onde passa. Por isso mesmo, nada do que tem precisa de chaves ou cadeados para ser guardado: só Andrei é capaz de localizar-se nessa barafunda. Normalmente o faz com a cabeça, um processo solitário de relação mental com as fontes que lhe passaram processos, fitas e relatórios — e assim, caoticamente, tornou-se um dos jornalistas mais premiados do país. No artigo escrito por ele, é possível estabelecer um parâmetro histórico simples entre dois tempos — o fim da ditadura militar e os dias atuais — a partir de sua visão particular de mundo. Também é singular perceber que Andrei encara o jornalismo investigativo como uma evolução natural da velha reportagem policial, mas com cores mais fortes: uma atividade que se voltou para o crime de colarinho branco, contra a alta corrupção de governo, um olho permanente sobre os atos da autoridade pública. Não por outra razão, vê, também com naturalidade, a migração ostensiva de repórteres que antes viviam nas mesas de delegados para os gabinetes de procuradores do Ministério Público e de deputados e senadores metidos em Comissões Parlamentares de Inquérito — searas que conhece como poucos.

Pedi a Diego Escosteguy (se pronuncia "escostégui") que escrevesse para

este livro por duas razões. Primeiro, por ser ele um obcecado pelo tema. Mas, principalmente, por ele se destacar, em muitos sentidos, dentro de uma novíssima geração de repórteres da capital federal. Formado, em 2003, pela Universidade de Brasília, Diego apresentou como trabalho final de graduação um site de jornalismo investigativo denominado "O Perdigueiro", uma compilação de clicas e de outros sites para o exercício da atividade investigativa dentro da reportagem. Com a impetuosidade natural — e bem-vinda — de seus 22 anos, ele faz uma avaliação crua, ora amarga, ora otimista, dos cenários colocados à disposição dos jornalistas novatos que pretendem se enveredar pela reportagem investigativa. Fala, sobretudo, da miopia editorial

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das empresas jornalísticas e da crescente opção mercantilista dos jornais e revistas por matérias declaratórias, superficiais e voltadas quase que exclusivamente para tolices comportamentais em detrimento da investigação — uma atividade mais cara, mais demorada, mas, por isso mesmo, um produto verdadeiramente melhor.

Xico Sá é, reconhecidamente, um dos mais brilhantes textos jornalísticos

do país. Caso raro de repórter talentoso com habilidade inesgotável com as letras. Raro e em extinção, bem entendido. É gente da estirpe de Joel Silveira, Rubem Braga e Samuel Wainer, representantes de uma geração que deu nome, cor e graça ao jornalismo brasileiro nas primeiras décadas do século xx. Xico pulou a cerca do século xxi, pois. Fez carreira na reportagem fazendo todo tipo de investigação, mas sem o alarde habitual que a vaidade praticamente impõe a este tipo de atividade, sobretudo nos redutos da chamada grande imprensa. Aqui, delicia-se em massagear muitas das feridas do jornalismo, pontuando como dúvidas as verdades que se escondem sob os tapetes das redações. É um texto simples e rápido, mas cheio de um tipo de honestidade recheada de sarcasmo, ironia e, mais do que tudo, sabedoria que só a experiência da reportagem dá. Um pau na hipocrisia, por assim dizer.

SEM INVESTIGAÇÃO NÃO HÁ JORNALISMO

Ricardo Noblat Embora consagrada, acho redundante a expressão "jornalismo

investigativo". Ou "jornalismo de investigação". Porque todo jornalismo pressupõe investigação.

Uma vez, nos anos 70 do século passado, acompanhei durante duas

semanas o capuchinho italiano Frei Damião por terras de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Ele era uma espécie de padre Cícero Romão Batista reencarnado. Decorara uma dúzia de sermões em português desde que chegara da Itália e os repetia em todos os lugares. Ameaçava os pecadores com as chamas do inferno. Condenava a pílula anticoncepcional e desancava com a minissaia. Tinha fama de milagreiro. Atraia multidões de desesperados.

Eu trabalhava na revista Manchete. E ela encomendara um perfil do

frade.

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Pois bem: o perfil me deu menos trabalho do que a cobertura da primeira noite do velório de Frei Damião que eu faria para o jornal Correio Brasiliense, quase 30 anos depois. Não meço o trabalho, no caso, pelo número de horas que gastei — mas pelo número de pessoas que ouvi e pelo esforço de imaginação que fiz. Principalmente pelo esforço de imaginação. Foi moleza seguir Frei Damião durante duas semanas e contar o que viera rica a variedade de situações e de personagens. Foi duro produzir um texto atraente sobre o que ocorreu num período de 12 horas dentro de uma basílica no Recife, onde jazia o corpo do frade, e na praça defronte, onde se aglomeravam algumas centenas de peregrinos. Quando a imaginação está a serviço da ficção, creio que é mais fácil se valer dela. Mas quando está a serviço do relato de um fato, não.

A imaginação no jornalismo serve para que você tente enxergar além do

óbvio. Para que você diga mais sem dizer demais. É perigosa, se mal usada. Requer muito cuidado. Cito outro exemplo para reforçar o que quero dizer.

Ainda nos anos 70, quando eu era repórter da sucursal do Jornal do Brasil no Recife, o então prefeito de Caruaru, Drayton Nejaim, seqüestrou a própria mulher, a deputada Aracy Nejaim. Surrou-a com uma pá e fugiu com ela. Foi um escândalo nacional. Que mobilizou toda a mídia, Polícia Federal e diversos governos estaduais. Dali a duas semanas, Aracy reapareceu no Recife. E Drayton sumiu aos cuidados de seus advogados. O jornal me encarregou de tentar encontrá-lo. Rodei muito a bolsinha para conseguir. E foi pura sorte ter conseguido. O jornal publicou como título: "JB localiza Drayton Nejaim". Tive minhas poucas horas de glória.

Muito bem. Mas meu esforço de reportagem para entrevistar Drayton foi

menor, muito menor do que o esforço que fiz para confirmar a suspeita de que as fotografias publicadas em outubro de 2004 pelo Correio Brasiliense como se fossem do jornalista Vladimir Herzog, nu e humilhado, não eram dele. Soube que poderiam não ser dele por uma antiga fonte de informações que tinha na área de inteligência do governo. Primeiro, a fonte me disse que as fotos eram de um padre que havia sido torturado pelo extinto Serviço Nacional de Informações — mas que não sabia o nome dele. Depois me disse que o padre se chamava Alípio de Freitas — um preso político dos anos 70.

Registrei o número de pessoas que procurei por telefone tentando

confirmar a informação antes de publicá-la no meu blog: exatas 42. De padres e bispos de Pernambuco a ex-padres e freiras do Rio, São Paulo e Brasília. Tudo

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isso só para localizar o ex-padre Alípio, que mora perto de Lisboa, mas que eu não sabia onde morava. Uma vez que Alípio me disse que o homem das fotos não era ele, voltei a consultar parte das 42 pessoas que tinha procurado antes — e entrevistei mais 11. Foi quando consegui "fechar" a história de que o homem das fotos era um padre canadense.

Então, meus caros, denunciar um escândalo ou um erro, contar a história

de um acidente de carro ou de uma eleição fraudada, exige investigação. E exaustiva, muitas vezes. Claro, se quisermos fazer bom jornalismo...

Ricardo Noblat, trabalhou nos maiores veículos de comunicação do país,

entre eles O Globo, Manchete, Veja, IstoÉ, jornal do Brasil e Jornal do Comercio. Entre 1994 e 2002, dirigiu a redação do Correio Brasiliense, período em quem mudou radicalmente a forma e o conteúdo do jornal. Para muito melhor, diga-se de passagem. Em seguida, tornou-se diretor de redação do jornal A Tarde, de Salvador. E autor de A arte de fazer um jornal diário (Editora Contexto). Atualmente, é titular do Blog do Noblat (noblat.bKg.com.br), de caráter noticioso.

CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA INVESTIGAÇÃO Cláudio Júlio Tognolli Data de 1951 artigo do genial Paulo Rónai a tratar de chavões, intitulado

"Anatomia do lugar-comum". Seriam formas de se expressar tão novidadeiras, esses clichês, notou Rónai, que se impuseram de vez. Victor Hugo, por exemplo: largou tanto em suas páginas metáforas como ruisselant depierreries (jorrante de pedrarias) que tal metáfora, em sua época, passou para a bocarra do vulgo. Morreu, de pronto. O niilismo coquete que se impôs ao chamado jornalismo investigativo traz muito desse defeito, com tantas e tamanhas doses de octanagem hipócrita: já que desde a morte de Tim Lopes, há dois anos, jornalismo investigativo virou moda, seu duplo, seu doppelganger, justamente, é a troca do melhor do que mais dele se aproxima. Ou seja: o duplo do jornalismo investigativo em estado quimicamente puro virou a cópia de boletins de ocorrência, de sentenças de juizes e de denúncias de promotores e de procuradores.

Documentos que, no melhor do jornalismo investigativo, deveriam ser

pontos de partida, viraram pontos de chegada. Mal sabem os repórteres que um dos axiomas mais adotados pelo nosso Ministério Público, in illo tempore, é

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naturalmente o in dúbio pro soáetate — ou, melhor dizendo: na dúvida, condene.

Ao adotarmos denúncias como ponto de partida, estamos obviamente

abarcando todos os limites de realidade tangível impostos pelo promotor ou procurador: os limites de quem será medido pelo número de denúncias que oferecer, da mesma forma que repórteres costumam ser derrisoriamente medidos pelos furos que costumam dar. O chavão da vez virou confundir gente que copia boletins de ocorrência com jornalistas investigativos.

Há pouco tempo, por exemplo, quando um deputado famoso esteve

foragido da lei, um copiador de boletins de ocorrência colocou numa rádio que o fulano estava foragido na cidade de Lins, no interior de São Paulo. Detalhe: no jargão policialesco dos boletins de ocorrência, "Lins" é um reducionismo a significar "local incerto e não sabido". A cidade de Lins nunca abrigou tantos foragidos. Consta que pelo menos uma vez por mês, em algum lugar do Brasil, alguém publica ou põe no ar que algum procurado da lei está "homiziado na cidade de Lins".

Direitos subjetivos Duas observações, que transbordam as franjas citáveis da crítica de

mídia, possam talvez dar maior dimensão ao fenômeno. Vêm da música e foram cunhadas pelo talvez maior pianista do século 20: Vladimir Horowitz. Primeira: "Mozart é fácil demais para principiantes, difícil demais para especialistas". Jornalismo investigativo tem se mostrado difícil demais para especialistas. Pelo menos é o que mostram as estatísticas. Os últimos casos mais clamorosos noticiados com singular estardalhaço brotaram de investigações pré-preparadas por canalhas de plantão, por gente que vendeu fitas a peso de ouro ou por promotores/procuradores de ofício: seja o caso favela Naval, seja o caso Waldomiro Diniz, sejam as últimas acusações produzidas pelo Ministério Público Estadual de São Paulo contra Paulo Maluf. Outra frase de Horowitz: "Quando deixo de estudar um dia, eu sinto a diferença; quando deixo dois, a crítica sente a diferença; quando deixo três, o público sente a diferença".

Nosso tresnoitado jornalismo investigativo tem deixado de apurar, a

ponto de crítica e público terem sentido a diferença. Quando se fala de crítica, não se pontua obviamente a crítica de mídia: estamos falando dos tubarões da advocacia, que de cinco anos para cá empertigaramse naquilo que se

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convencionou chamar de "fúria legiferante". Já há alguns anos recomenda-se que pessoas "investigadas" por repórteres sejam processadas não pela lei de imprensa, com ceitil irrisório e prazo de prescrição baixíssimo se comparada aos prazos e preços a serem pagos numa condenação cível. A essa indústria de indenizações — que o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, chama de "uma grande loteria" — foram acrescentados rótulos importantes. A Segunda Turma do STF negou, em junho de 2004, seguimento ao recurso extraordinário interposto pelo jornal O Dia contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que se discutia o prazo final para ajuizar ação por danos morais.

Segundo o STF, o jornal sustentava a negativa de vigência do artigo 5o,

inciso v, da Constituição Federal, que assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem pelo acórdão do TJ fluminense que entendeu não ter sido recepcionado o artigo 56 da Lei de Imprensa pela Constituição Federal. Alegou, ainda, que o exame referente à recepção ou não, pela Constituição, do artigo da Lei de Imprensa seria matéria própria, exclusiva do STF. Afirmou, também, que o prazo estabelecido pela Lei de Imprensa de três meses para o ajuizamento da ação de indenização por dano moral seria compatível com o regramento constitucional que assegura a indenização por dano moral.

O ministro relator Carlos Velloso, do STF, ressaltou que a discussão

presente no recurso extraordinário é a questão da recepção ou não do artigo 56 da Lei de Imprensa pela Carta Magna. Velloso registrou que o acórdão recorrido decidiu que a referida norma, que estabelece ser de três meses o prazo decadencial para a ação de indenização por dano moral, contado a partir da data da publicação ou transmissão ofensiva, não foi recepcionada pela Constituição de 1988, de acordo com o artigo 5 °, incisos v e x. O ministro relator entendeu que a Constituição abriu caminho para melhor tratar as situações que ferem a honra das pessoas, excluída a existência da limitação imposta pelo artigo 56 da Lei de Imprensa, que restringe a responsabilidade civil da empresa que explora o meio de informação ou de divulgação.

O ministro considerou o fato de que o sistema da Lei de Imprensa

compunha, no seu tempo, até 1988, um cenário excepcional de condenação por danos morais. Porém, a Constituição de 1988 cuidou dos direitos subjetivos, privados ou, ainda, direitos relativos à integridade moral nos incisos v e x do artigo 5o. Velloso entendeu que não poderia a ação, em que se pede a

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indenização, sujeitar-se ao prazo de três meses previsto no artigo 56 da Lei de Imprensa. A Turma o acompanhou à unanimidade.

Trocando em miúdos: nem os apoucados três meses de prescrição, de

que se valiam até hoje os repórteres investigativos, estão sendo mais garantias de um não-processo. Não é para menos que há mais processos contra os grandes grupos jornalísticos do que jornalistas nas suas redações.

Estão as raízes do jornalismo investigativo entranhadas num hoje

obscuro jornal, mesmo a título de quem estuda história de mídia, intitulado PM, jornal de esquerda que muito estardalhaço causava na Nova York dos anos 1940. A profissão de fé que era escrever no PM— de poucos dólares por mês e muito credo no jornalismo como missão — tinha como axioma a frase que se estampava na epígrafe da primeira página: We are against the people Who push other peopk around (Somos contra as pessoas que dão rasteiras em outras pessoas).

Eis que o jornalismo investigativo copiador de boletins de ocorrência se

defronta com um novo inimigo, nesse novo mundo de loterias legiferantes: ele próprio, que nunca deu tantas rasteiras como tem dado nele mesmo.

Uma saída Há pelo menos dez anos o ire (Investigative Reporters and Editors),

espécie de sindicato dos jornalistas investigativos dos EUA, promove anualmente cursos sobre jornalismo investigativo via internet. Num desses cursos, há cinco anos, este repórter torceu o focinho diante das dicas (hints) dadas pelos ministrantes. Em síntese: pelo menos 10 reportagens ganhadoras do Prêmio Pulitzer referiam e tinham sido feitas, quase por completo, com a ajuda dos sites de busca Google (www.google.com) e Alltheweb (www.alltheweb.com). Na época, acreditar nisso parecia uma impossível petição de princípios.

Hoje, vem a certeza: ninguém pode investigar um caso sem antes ter

passado pelo menos duas horas em um desses sites de busca. Se você lembrar da clássica frase de Albert Einstein ("toda a teoria deve ser livremente inventada"), está no caminho certo: a investigação via internet deve ser um sonho dirigido, um delírio controlado. Divagar e sempre (com "i" mesmo).

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Estamos falando do caso Washington Olivetto. Como investigar o caso via net? Em 2002 noticiamos em primeira mão na Rádio Jovem que o seqüestrador Maurício Norambuena havia estado em São Paulo em 1997, depois de sua fuga de prisão de segurança máxima no Chile, trazido para cá pelas mãos das irmãs Shannon, celebridades internacionais do terrorismo do ira. O caso só veio repicar na mídia tempos depois, na Folha de S.Paulo e, sobretudo, em O Globo — que em chamada de primeira página de uma edição de domingo vendeu a história como exclusiva. O pessoal do ire costuma referir que, ao se fazer essas cars (computer assisted reporfs), fica bem citar a fonte, ou seja, a página da internet de que foi retirada a informação, dando inclusive o endereço. Isso não acontece na mídia brasileira, que prefere atribuir o trabalho à obra e graça das famosas "altas fontes".

Quem vazou? O segredo para a investigação via net é que não há segredo: só desvio.

No caso Olivetto, em livre teoria, o primeiro caminho é digitar o nome do seqüestrador (Norambuena) seguido, é óbvio, do vocábulo "and" e, em seguida, da palavra que lhe der na veneta. No caso, acha-se o passado pregresso de Norambuena digitando seu nome mais a palavra Canadá — vinda de uma livre alusão aos seqüestradores canadenses de Abílio Diniz. Fazendo isso, surgem inclusive indícios ainda não publicados na mídia: quando foragido, Norambuena mandou e-mails conclamando rebeldes presos, em todo o mundo, a promoverem arruaças em seus presídios.

A pesquisa no Google com "norambuena and Canadá" revela também

que tal e-mail foi lastreado por uma junta progressista da Nicarágua (onde se encontraram os dez seqüestradores de Abílio Diniz) e por corporação que se auto-intitula "antiimperialista" denominada "Arm your spirit", de Toronto — onde moram dois dos seqüestradores de Abílio Diniz, Christine Gwen Lamont e David Robert Spencer. As relações, na consulta à net (portanto, a investigação), são de livres associações, como gostava de falar o tio Freud.

E se o seu delírio for mais longe, digite por exemplo "norambuena and

película", e verá que Maurício Norambuena foi personagem de um filme de três horas rodado no Chile — o que certamente renderia, pelo menos, um "box diferencial" na publicação.

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E por aí vai. Alguém se lembra do polêmico delegado Armando Bello, do caso Sílvio Santos versus Fernando Dutra Pinto? No auge das investigações, a Corregedoria de Polícia Civil de São Paulo, atenta a seus rigores instrumentais, não divulgava a ficha funcional do delegado. Bastou uma ida ao Alltheweb e, ainda na teoria do delírio, digitar "Bello and fuga". Eis que surge uma reportagem do Estado de S.Paulo, de 13 de maio de

1997, revelando que Bello era investigado por supostamente ter facilitado a fuga do maior traficante do Brasil, Antônio da Motta Graça, o Curica, preso há seis anos com uma tonelada de cocaína, em Tocantins. A Corregedoria logo quis saber de onde tinha "vazado" a ficha do Bello... Alguém se lembra do famoso "Professor Leonardo", que pôs a bomba no avião da TAM num vôo entre São José dos Campos e São Paulo? O Instituto de Criminalística de São Paulo mantinha o caso em sigilo. Só divulgava o nome de um dos componentes de que fora feita a bomba. Bastou uma ida ao velho Google e digitar o nome do componente. Eis que surge uma página hoje proscrita pelo FBI, mas ainda vigente, em caráter itinerante (cada semana muda de endereço), chamada "The Terrorist Handbook" ou "The Anarchist Cookbook". Lá era dito que apenas dois tipos de bomba caseira poderiam ser feitos com o tal elemento que o professor usara. No outro dia, isso nos rende uma página no jornal da Tarde, coisa do tipo "Saiba como a bomba foi feita". E, em seguida, telefonemas de um chefe da Criminalística querendo saber quem havia "vazado" as investigações. Quem iria acreditar que a "reportagem investigativa" veio da internet? O estatuto da investigação via net, como se vê, é o estatuto do delírio controlado.

Outro caminho Há caminhos mais racionais, no entanto. Numa segunda-feira, 25 de

novembro de 2002, estiveram reunidos, em lima, sob os auspícios da Unesco e do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru, jornalistas de toda a América Latina para discutir o jornalismo investigativo praticado no continente no Seminário Internacional Periodismo de Investigacion en America Latina. O clímax das apresentações ficou com o veterano repórter investigativo Gerardo Reyes, do El Nuevo Herald (a versão em castelhano do TheMiamiHerald), que em 2001 levou o maior prêmio de jornalismo em língua inglesa do mundo, o Pulitzer. Sem negar qualquer passo no chamado caminho das pedras, Gerardo Reyes deu ao Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br) uma rica lista dos sites de busca e bases de dados (ver "sites", adiante) que, segundo

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ele, podem até fazer com que um jornalista dê furos internacionais sem sair de casa.

Vale lembrar que os casos mais clamorosos do jornalismo investigativo brasileiro dos últimos dez anos tiveram investigações num dos países cujos sites sugeridos por Reyes cobrem. Isso vale para os casos do juiz Lalau, de Ricardo Teixeira e Eurico Miranda, de PC Farias e de Collor. Vale lembrar, ainda, que pelo menos nove prêmios Pulitzer nos últimos oito anos nasceram de pesquisas na internet — ou aquilo que os americanos chamam de cars (cumputer assisted reports).

Cláudio Júlio Tognolli, foi repórter da Folha de S.Paulo, do Jornal da Tarde

e da rádio CBN. É criador da primeira cátedra de jornalismo investigativo do Brasil, nas Faculdades Integradas Alcântara Machado — fiam, em São Paulo. Também é um dos fundadores e dirigentes da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo — Abraji. É professor de jornalismo da Universidade de São Paulo — USP.

EXCESSO DE IMPUNIDADE Andrei Meirelles A cobertura pelo The Washington Post do Caso Watergate causou grande

impacto na imprensa mundial. Aqui no Brasil, o efeito foi retardado pela ditadura militar, que reprimia toda e qualquer investigação jornalística sobre os podres do regime. A volta gradual da democracia coincidiu com uma mudança no perfil das redações, com o aumento da presença de jovens da classe média formados em faculdades de jornalismo. Houve uma renovação no jornalismo de resistência à ditadura militar, que teve como marco a cobertura da campanha pelas "Diretas, Já". O País já era outro e a imprensa também. Alguns escândalos pipocavam aqui e acolá, mas eram secundários num trabalho que focava mais os bastidores da política.

A mudança para valer começou depois da promulgação da Constituição

de 1988. Até então, o Ministério Público era o que é hoje a Advocacia-Geral da União, um órgão subordinado a governos. A nova Constituição assegurou a liberdade de imprensa e abriu a possibilidade de o MP virar um instrumento da sociedade. Jornalistas e procuradores tiveram oportunidade de exercitar a liberdade conquistada, especialmente a partir do governo Fernando Collor. Surgiu, por sua vez, uma verdadeira gincana na grande imprensa, a versão

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tupiniquim do chamado "jornalismo investigativo". Aqui, cabe um parênteses. O que é jornalismo investigativo?

Jornalismo investigativo é um conceito controvertido. Por exclusão, não

se trata apenas de uma nova e mais charmosa roupagem para a velha reportagem policial, no passado uma grande escola de jornalismo. Por várias razões. Destaco duas. Primeira, a mudança de foco, voltada para o chamado crime do colarinho branco, para a corrupção nas diversas estruturas de poder. A outra é o perfil das fontes — em vez de delegacias de polícia, os melhores informantes para esse novo tipo de cobertura migraram para o Ministério Público, nos Parlamentos com suas CPIS e na Polícia Federal.

Mas o que é, insisto, jornalismo investigativo? Uma de suas serventias é

a tipificação do trabalho dos repórteres investigativos? Aí há um problema: investigar, averiguar, checar, apurar deve ser o método de trabalho de todos os repórteres, em qualquer campo de atuação. O conceito, portanto, é inadequado e impreciso.

Mas o fato é que existe um grande campo de atuação jornalística,

qualquer que seja" nome dado a ele, que é a cobertura mais aprofundada dos poderes, mostrar os podres. Assim, o jornalismo pode cumprir um dever essencial junto à sociedade — fiscalizar os poderes. Isso incomoda os poderosos. A pretexto de que há denúncias feitas pela imprensa e Ministério Público consideradas irresponsáveis, malfeitas, injustas, e até manipuladas, faz-se uma pressão muito forte pela adoção de leis de mordaça. Há também um questionamento sobre o jornalismo de denúncia, o "denuncismo", que seria um modismo. Tudo a favor de que "excessos" sejam punidos. O que não dá é para achar que a solução é tirar o sofá da sala. Não há excesso de investigações sobre corrupção no Brasil. Pelo contrário, o excesso continua a ser de impunidade.

Andrei Meirelles, é editor da revista Época em Brasília. Recebeu dois

prêmios Esso e dois Embratel de jornalismo por conta de matérias contra podres poderes. Denunciou a extensão do crime organizado no Espírito Santo e desvendou os bastidores do caso de violação do painel eletrônico do Senado Federal. Revelou as fitas do Caso Waldomiro Diniz, considerado, até aqui, o maior escândalo do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

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ENCRUZILHADA Diego Escosteguy Entendido como a produção de reportagens que combinam denúncia e

apuração em níveis excepcionais, o jornalismo investigativo enfrenta um péssimo momento no Brasil. É uma crise de conteúdo, de parâmetros éticos e do próprio valor mercadológico desse tipo de notícia. Nos últimos anos, rareiam as matérias que, por sua excelência e primor, causam impacto nos leitores e na opinião pública. No Brasil, os motivos para a escassez de boas reportagens investigativas estão umbilicalmente ligados à crise do jornalismo de uma forma geral que por sua vez deve boa parte de seus problemas às dificuldades econômicas dos últimos anos e à incompetência das empresas de comunicação em lidar com elas.

É evidente que esse cenário não se deve apenas à falta de capital. Mas o

fato é que jornalismo investigativo custa caro às empresas. Bem feito, exige tempo, investimentos, viagens, trabalho em equipe. Ou seja: muitos repórteres para uma mesma investigação durante um período geralmente longo — sinônimo de prejuízo para redações que mal conseguem tocar o dia-a-dia das matérias declaratórias e superficiais. Diante das dificuldades de caixa, e míopes para os benefícios desse tipo de jornalismo (inclusive mercadológicos), as empresas resolveram cortar os investimentos e demitir repórteres de primeira linha. O resultado está aí, para ser lido nos jornais e visto nas televisões.

O problema de grana diz muito, mas não explica tudo. De um modo

geral, parece haver uma suave mas consistente opção por matérias mais leves e humanas, após o fenômeno da explosão do jornalismo investigativo nos anos 90. Na década passada, em grande medida por causa do governo Collor, as redações aprenderam a investigar. Estabeleceram esse tipo de jornalismo como uma das linhas editoriais e estreitaram laços com o Ministério Público, que despontava como fiscal do Estado e para o Estado. O que antes era um esforço restrito a espasmos de produção tornou-se uma política sistemática das revistas (principalmente) e dos jornais (em menor grau).

Frutos não tardaram, e foram muitos. Independentemente de análises políticas e sociológicas que intentam maquiar a história, o fato é que Collor caiu por causa de investigações conduzidas pela imprensa — em países com liberdade de expressão, há poucos paralelos desse tipo. Ministros e altas autoridades do governo Fernando Henrique Cardoso também foram derrubados às pencas. Grandes corporações foram expostas, quadrilhas,

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desbaratadas e criminosos, presos. O impacto político, social e eleitoral desses trabalhos, ainda a ser analisado por historiadores e sociólogos, não pode ser menosprezado.

Mas está sendo. E pior: por quem os produziu. Hoje, o maior inimigo do

jornalismo investigativo não está no crime organizado, no governo, no Congresso ou no Judiciário. Está na grande imprensa, que o maltrata cotidianamente: tanto quando decide não o fazer, como quando o faz de forma malfeita. A opção deliberada pelo abandono do jornalismo investigativo corresponde à piora na qualidade dos profissionais presentes nas redações, ao crescimento do conservadorismo na escolha de pautas, à falta de criatividade e de originalidade na edição e, mais grave, à perda de credibilidade da imprensa perante a sociedade.

Nesse contexto, fica claro que começa a vicejar em setores da imprensa e

da Academia um discurso conservador, para não dizer reacionário mesmo, sobre o papel não apenas da reportagem investigativa, mas do próprio jornalismo. Antes percebida dentro de uma visão romântica de j ornalismo "heróico" e de "resistência", a reportagem investigativa passou a ser encarada como "denuncismo" ou qualificada como "jornalismo fiteiro". É um truque retórico banal e raso, mas que cola. Tomam-se exemplos de jornalismo investigativo malfeito (eles existem, claro) e generaliza-se, nas entrelinhas, que todo tipo de investigação na imprensa é mal-intencionada e ruim. É o que se chama, em sociologia, de "indutivismo ingênuo", conceito há muito superado. Funciona assim: pega-se um caso concreto e, partindo dele, infere-se que todas as demais situações similares seguirão o mesmo padrão.

Além de rasos, são argumentos desonestos. Ao invés de buscar correções

de rumos, busca, na verdade, coibir o jornalismo investigativo. Segundos os áulicos que apregoam o "denuncismo" na imprensa brasileira, a maior parte das reportagens investigativas não passam de acusações infundadas (no melhor dos casos) ou instrumentos de chantagem da mídia (na mais paranóica das hipóteses) .Essa mesma turma resume o jornalismo investigativo à coleta e reprodução de fitas, daí o tal "jornalismo fiteiro". São idéias que não resistem a um olhar mais atento.

Quando se fala de "denuncismo", não se diz nada. É um termo

absolutamente vazio, oco, pura retórica. Afinal, o que é "denuncismo"? São acusações sem provas, consistência ou correspondência com a realidade? Quer dizer que todas as reportagens feitas nos últimos anos são facciosas? Então

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estamos no País das Maravilhas ou em alguma novela de Kafka — e temos todos que mudar de profissão.

A balela de "jornalismo fiteiro" não é desonesta como o "denuncismo",

mas revela uma ignorância profunda sobre os métodos do jornalismo investigativo. Uma gravação de áudio ou vídeo nunca é auto-explicativa, embora geralmente revele muito. É um documento como qualquer outro. No bom jornalismo investigativo, pode ser um excelente ponto de partida — nunca um fim em si mesmo. Analisado o conteúdo da fita e verificada sua autenticidade, o repórter tem que investigar o que é dito nela e o significado daquilo. Outro detalhe importante: na maioria das vezes, a fita obtida pelo repórter foi produzida com autorização judicial e consta de inquéritos da Polícia Federal e do Ministério Público. Será ela então diferente de qualquer relatório, despacho e depoimento que esteja no processo? Qual o problema de ser utilizada, caso seja verídica e de interesse público? São perguntas que o discurso reacionário do "jornalismo fiteiro" não comporta.

Ao fim e ao cabo, o principal perigo desses argumentos, cada vez mais

martelados na Academia e por algumas estrelas do jornalismo, está no ataque implícito aos valores que vinham conduzindo o jornalismo brasileiro após o fim da ditadura militar. São idéias caras à esquerda, como a busca por uma sociedade menos desigual, o combate ao autoritarismo e a valorização da ética no espaço público. Afinal, que tipo de jornalismo queremos fazer no Brasil, país cruelmente desigual e violento, onde boa parte da população ainda vive na miséria? Ou subitamente viramos uma Noruega tropical, com preocupações restritas a tipos de dietas e crises de relacionamentos amorosos? Quem perde com isso é um tipo muito particular de jornalismo, que tenta se pautar pela fiscalização do poder, pelo exercício da crítica e pelo trabalho implacável de reportagem.

Fosse tudo isso pouco, os jornalistas investigativos ainda enfrentam

problemas de método e novos questionamentos éticos. Ao mesmo tempo em que deu impacto e força às matérias, a parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal desobrigou os repórteres, em muitos casos, de boa parte do trabalho de campo. Em maior ou menor grau, isso levou a um acomodamento dos jornalistas, que estão tendo menos iniciativa de fuçar pautas e elaborar investigações de cunho próprio. Parece faltar faro.

Sem dúvida, a internet colabora para isso. Embora seja uma ferramenta

poderosa de investigação e pesquisa, permite menos gasto de sapato dos

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repórteres. O pior é que, embora confiem à internet razoável parcela de sua apuração, os jornalistas investigativos ainda não sabem tirar proveito de tudo que ela pode oferecer. A maioria se contenta com uma rápida pesquisa no Google, negligenciando o potencial da rede para busca em tribunais, juntas comerciais e outros valiosos bancos de dados. Mesmo mal aproveitada, é fato que a internet traz novas questões éticas para os repórteres. Afinal, se bem manuseada, a rede permite acesso à privacidade de pessoas e empresas, o que torna urgente e necessário o debate sobre os limites do jornalista na busca por informações na rede.

Há, ainda, excessos no uso do off, recurso que, no Brasil, significa não

citar a fonte da informação. No jornalismo investigativo, o uso do off é ainda mais delicado, tendo em vista estar agregado a matérias de denúncia. Deveria ser, portanto, utilizado somente em situações específicas, como na descrição de bastidores políticos. Num bom trabalho de investigação, só vale como recheio. Por uma questão ética e de responsabilidade, não se pode fazer acusações em off, sem provas. O que sustenta uma reportagem de investigação são documentos e entrevistas em on.

Embora fundamentados no bom senso, esses critérios são recentes — e,

infelizmente, nem sempre cumpridos. Para se ter uma idéia de como o bom jornalismo investigativo tem ficado rigoroso, o caso mais notório do século passado não passaria hoje pelo crivo de editores responsáveis. As reportagens dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do The Washington Post, sobre o caso Watergate, que derrubaram o presidente americano Richard Nixon, eram, em sua maioria, baseadas em informações em off.

Mais grave do que as dificuldades e problemas éticos do jornalismo investigativo hoje é o seu futuro, ou melhor, a falta de perspectiva de que se faça algo do tipo no longo prazo. Os jovens que são despejados no mercado de trabalho não têm idéia de como fazer esse tipo de reportagem — e boa parte não quer saber mesmo. A maioria dos cursos de jornalismo não tem disciplinas que ao menos discutam o assunto. Em vez de lecionar técnicas de jornalismo investigativo e debater problemas éticos da profissão, as faculdades concentram-se em alienar os estudantes com o lixo pseudo-sociológico de estudos de comunicação e "pós-modernidade". Ao invés de seduzirem os alunos com as belezas e os momentos fantásticos que eles poderão viver na profissão, os professores preferem insistir na visão amargurada e parcial das agruras do ofício. O jornalismo é os dois, e por isso é apaixonante.

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Mesmo os estudantes que insistam em seguir esse caminho terão dificuldades. O foca que consegue vaga em redação é, normalmente, submetido a um salário baixo e a subserviços durante muito tempo. Por essas razões, há um fenômeno recente de repórteres jovens que não conseguem ficar mais do que quatro, cinco anos em redação. Sem chance de ao menos trabalhar na mídia, nem cogita se empenhar em atividades de investigação jornalística. Produz-se um pensamento inquietante: se os repórteres que começam a trabalhar hoje têm uma vida útil de apenas cinco anos, quem fará esse tipo de matéria no futuro? É um problema a ser pensado pelas chefias das redações brasileiras.

Diego Escosteguy, é repórter da sucursal de Brasília da revista Época. Foi

também repórter do jornal do Brasil na capital federal e colaborador da coluna Informe JB. É criador do site "O Perdigueiro", de jornalismo investigativo.

ERAM OS REPÓRTERES INVESTIGATIVOS? Xico Sá Quem nasceu primeiro: o jornalismo investigativo ou o garganta

profunda, o famoso "deep throat" dos... gates do mundo inteiro? Quem nasceu primeiro: a denúncia pronta entregue em um envelope na

porta da redação ou o mito do repórter detetivesco à sombra dos filmes de Hollywood?

Por que tanto orgulho dos "documentos obtidos" — como grafam certas casas gutenberguianas —, se os documentos obtidos foram entregues por mãos beijadas e interesseiras?

Quem nasceu primeiro: o dossiê fabricado pelas profissionalíssimas

assessorias de imprensa — em momentos arrojados de disputas políticas — ou os velhos casos prescritos até mesmo pelo Google?

Quem nasceu primeiro: o promotor ou o promovido? Quem nasceu primeiro: o sopro irresponsável do deputado da CPI ou o

medo do repórter diante do furo?

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Por que muitas vezes o jornalismo investigativo é tão adivinhatório no jornal quanto o horóscopo do dono?

Perguntar não ofende: as notas fiscais frias das despesas do repórter

investigativo agüentariam quantos minutos de auditoria? A contabilidade do jornal mais denuncista/udenista do país resistiria a

quantas perguntas dos fiscais da Receita? Por que o "pescoção", como é chamado o forno carvoeiro das

madrugadas e horas extras não-pagas de jornal, nunca rendeu manchete como trabalho escravo?

Por que cada jornal e/ou revista têm uma lista de intocáveis e mesmo

assim mandam os seus "repórteres investigativos" perderem tempo atrás dos ditos?

Por que quanto maior a fraude do escândalo menos dinheiro dispõe o

veículo de imprensa para a investigação? É legítimo o repórter se passar por outro, duble de corpo, para checar

uma fraude? O interesse público justifica os meios? Por que se investiga tanto e tão pouco se publica? Xico Sá, prefere a sátira à investigação, mas bate bola nas duas áreas. Foi

repórter, sempre investigativo, de futebol, cidades, política e polícia, o que lhe rendeu prêmios como o Esso, Folha e Abril. Nessa lida, passou pelo jornal do Commercio, Veja, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo. Entre os seus principais furos, cita a descoberta do paradeiro de PC Farias, localizado em Londres e depois na Tailândia, em 1993. É colunista das revistas da Folha e Bravo!, além repórter do site No mínimo, entre outras publicações.

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ANEXOS

CÓDIGO DE ÉTICA

DOS JORNALISTAS BRASILEIROS O Congresso Nacional dos Jornalistas Profissionais aprova o presente

código de ética:

O Código de Ética dos Jornalistas fixa as normas a que deverá subordinar-se a

atuação do profissional nas suas relações com a comunidade, com as fontes de

informação e entre jornalistas.

Do Direito à Informação Art. 1o — O acesso à informação pública é um direito inerente à

condição de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de interesse.

Art. 2o — A divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos

meios de divulgação pública, independente da natureza de sua propriedade. Art. 3o — A informação divulgada pelos meios de comunicação pública

se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.

Art. 4o — A apresentação de informações pelas instituições públicas,

privadas e particulares, cujas atividades produzam efeito na vida em sociedade, é uma obrigação social.

Art. 5o — A obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação

e a aplicação de censura ou autocensura são um delito contra a sociedade.

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Da Conduta Profissional do Jornalista Art. 6o — O exercício da profissão de jornalista é uma atividade de

natureza social e de finalidade pública, subordinado ao presente Código de Ética.

Art. 7o — O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade

dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.

Art. 8o — Sempre que considerar correto e necessário, o jornalista

resguardará a origem e a identidade de suas fontes de informação. Art. 9o — É dever do jornalista: • divulgar todos os fatos que sejam de interesse público; • lutar pela liberdade de pensamento e expressão; • defender o livre exercício da profissão; • valorizar, honrar e dignificar a profissão; • opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender

os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem; • combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial

quando exercida com o objetivo de controlar a informação; • respeitar o direito à privacidade do cidadão; • prestigiar as entidades representativas e democráticas da categoria. Art. 10 — O jornalista não pode: • aceitar oferta de trabalho remunerado em desacordo com o piso

salarial da categoria ou com tabela fixada pela sua entidade de classe;

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• submeter-se a diretrizes contrárias à divulgação correta da informação; • frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre

debate; • concordar com a prática de perseguição ou discriminação por motivos

sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual; • exercer cobertura jornalística, pelo órgão em que trabalha, em

instituições públicas e privadas onde seja funcionário, assessor ou empregado.

Da Responsabilidade Profissional do Jornalista

Art. 11 — O jornalista é responsável por toda a informação que divulga,

desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros. Art. 12 — Em todos os seus direitos e responsabilidades, o jornalista terá

apoio e respaldo das entidades representativas da categoria. Art. 13 — O jornalista deve evitar a divulgação dos fatos: • com interesse de favorecimento pessoal ou vantagens econômicas; • de caráter mórbido e contrários aos valores humanos. Art. 14 — O jornalista deve: • ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto

de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas;

• tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações

que divulgar. Art. 15 — O jornalista deve permitir o direito de resposta às pessoas

envolvidas ou mencionadas em sua matéria, quando ficar demonstrada a existência de equívocos ou incorreções.

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Art. 16 — O jornalista deve pugnar pelo exercício da soberania nacional, em seus aspectos político, econômico e social, e pela prevalência da vontade da maioria da sociedade, respeitados os direitos das minorias.

Art. 17 — O jornalista deve preservar a língua e a cultura nacionais. Aplicação do Código de Ética Art. 18 — As transgressões ao presente Código de Ética serão apuradas e

apreciadas pela Comissão de Ética. § Io — A Comissão de Ética será eleita em Assembléia Geral da categoria,

por voto secreto, especialmente convocada para este fim. § 2° — A Comissão de Ética terá cinco membros com mandato coincidente com o da diretoria do Sindicato.

Art. 19 — Os jornalistas que descumprirem o presente Código de Ética

ficam sujeitos gradativamente às seguintes penalidades, a serem aplicadas pela Comissão de Ética:

• aos associados do Sindicato, de observação, advertência, suspensão e

exclusão do quadro social do sindicato; • aos não associados, de observação pública, impedimento temporário e

impedimento definitivo de ingresso no quadro social do Sindicato. Parágrafo Único — As penas máximas (exclusão do quadro social, para os

sindicalizados e impedimento definitivo de ingresso no quadro social para os não sindicalizados) só poderão ser aplicadas após referendo da Assembléia Geral especialmente convocada para este fim.

Art. 20 — Por iniciativa de qualquer cidadão, jornalista ou não, ou

instituição atingida, poderá ser dirigida representação escrita e identificada à Comissão de Ética, para que seja apurada a existência de transgressão cometida por jornalista.

Art. 21 — Recebida a representação, a Comissão de Ética decidirá sua

aceitação fundamentada ou, se notadamente incabível, determinará seu arquivamento, tornando pública sua decisão, se necessário.

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Art. 22 — A aplicação da penalidade deve ser precedida de prévia audiência do jornalista, objeto de representação, sob pena de nulidade.

§ 1° — A audiência deve ser convocada por escrito, pela Comissão de

Ética, mediante sistema que comprove o recebimento da respectiva notificação, e realizar-se-á no prazo de dez dias a contar da data de vencimento do mesmo.

§ 2 ° — O jornalista poderá apresentar resposta escrita no prazo do

parágrafo anterior ou apresentar suas razões oralmente, no ato da audiência. § 3o — A não observância, pelo jornalista, dos prazos deste artigo

implicará a aceitação dos termos da representação. Art. 23 — Havendo ou não resposta, a Comissão de Ética encaminhará

sua decisão às partes envolvidas, no prazo mínimo de dez dias, contados da data marcada para a audiência.

Art. 24 — Os jornalistas atingidos pelas penas de advertência e

suspensão podem recorrer à Assembléia Geral, no prazo máximo de dez dias corridos, a contar do recebimento da notificação.

Parágrafo Único — Fica assegurado ao autor da representação o direito

de recorrer à Assembléia Geral, no prazo de dez dias, a contar do recebimento da notificação, caso não concorde com a decisão da Comissão de Ética.

Art. 25 — A notória intenção de prejudicar o jornalista, manifesta no

caso de representação sem o necessário fundamento, será objeto de censura pública contra o seu autor.

Art. 26 — O presente Código de Ética entrará em vigor após

homologação em Assembléia Geral de jornalistas, especialmente convocada para este fim.

Art. 27 — Qualquer modificação deste Código somente poderá ser feita

em Congresso Nacional de Jornalista, mediante proposição subscrita no mínimo por 10 delegações representantes de Sindicatos de Jornalistas.

Rio de Janeiro, Setembro de 1985

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PRINCÍPIOS INTERNACIONAIS DA ÉTICA PROFISSIONAL NO JORNALISMO

Organizações internacionais e regionais de jornalistas profissionais,

representando 400 mil jornalistas cm atividade cm todas as partes do mundo, têm realizado, desde 1978, encontros consultivos sob os auspícios da Unesco.

O segundo encontro consultivo (Cidade do México, 1980) expressou seu

apoio à Declaração de Princípios Fundamentais da Unesco referente à Contribuição dos Meios de Comunicação de Massas para Fortalecer a Paz e a Compreensão Internacional, para a Promoção dos Direitos Humanos e para se opor ao racismo, ao Apartheid (antigo regime racista da África do Sul) e à incitação à guerra. Além disso, a reunião adotou a "Declaração do México" como um grupo de princípios que representam áreas comuns de existência de códigos nacionais e regionais de ética jornalística assim como provisão relevante contida em vários instrumentos internacionais de natureza legal.

O quarto encontro consultivo (Praga e Paris, 1983) notou o valor

duradouro da Declaração da Unesco, na qual é declarado que "o exercício da liberdade de opinião, expressão e informação, reconhecido como uma parte integrante dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, é um fator vital no fortalecimento da paz e da compreensão internacional". Além disso, a reunião reconheceu o papel importante que a informação e a comunicação desempenham no mundo contemporâneo, ambas nas esferas nacional e internacional, com uma responsabilidade social crescente colocada nos meios de comunicação de massas e jornalistas.

Na base, os princípios seguintes de ética profissional no jornalismo foram

preparados como uma área de concordância internacional e como uma fonte de inspiração para códigos de ética nacionais e regionais. Pretende-se que esse grupo de princípios seja promovido autonomamente por cada organização profissional através de meios e significados mais adequados a seus membros.

Princípio I — O Direito das Pessoas de Retificar Informação As pessoas

têm o direito de adquirir um quadro imparcial da realidade por meio de informação precisa. Elas também têm o direito de se expressarem livremente por meio dos diversos meios de comunicação.

Princípio II — A Dedicação do Jornalista à Informação Precisa e Imparcial.

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A primeira tarefa do jornalista é garantir o direito das pessoas à informação verdadeira e autêntica por meio de uma dedicação honesta para realidade imparcial. Isso sem causar distorção, com desenvolvimento apropriado da capacidade criativa do jornalista, de forma que o público seja provido com material adequado para facilitar a formação de um quadro preciso e compreensivo do mundo.

Princípio III — A Responsabilidade Social do Jornalista Informação em

jornalismo é compreendida como bem social e não como uma comodidade, o que significa que os jornalistas não estão isentos de responsabilidade em relação à informação transmitida. E isso vale não só para aqueles que estão controlando a mídia, mas, em última instância, para o grande público, incluindo vários interesses sociais. A responsabilidade social do jornalista requer que ele ou ela ajam debaixo de todas as circunstâncias em conformidade com uma consciência ética pessoal.

Princípio IV — A Integridade Profissional do Jornalista. O papel social do jornalista demanda que a profissão mantenha padrões

altos de integridade, inclusive o direito do jornalista recusar um tipo de trabalho que seja contra a sua convicção pessoal ou de descobrir fontes de informação, como também o direito de participar na decisão-fabricação do meio no qual ele ou ela são empregados. A integridade da profissão não permite que o jornalista aceite qualquer forma de suborno ou a promoção de qualquer interesse privado que vá de encontro ao bem-estar geral. Igualmente, faz parte da ética profissional respeitar a propriedade intelectual e, em particular, o plágio é condenável.

Princípio V — O Acesso e a Participação do Público A natureza da

profissão demanda que o jornalista promova o acesso da informação ao público e a participação do público na mídia, inclusive o direito de correção ou retificação e o direito de resposta.

Princípio VI — Respeito à Privacidade e à Dignidade Humana Uma parte integrante dos padrões profissionais do jornalista é o respeito ao direito de privacidade do indivíduo e à dignidade humana, de acordo com o que está previsto na lei nacional e internacional relativa à proteção dos direitos e da reputação de outros, proibindo, inclusive, a calúnia e a difamação.

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Princípio VII — Respeito ao Interesse Público Os padrões profissionais do jornalista determinam respeito à comunidade nacional, suas instituições democráticas e sua moral pública.

Princípio VIII — Respeito aos Valores Universais e à Diversidade Cultural

Um verdadeiro jornalista zela pelos valores universais de humanismo, principalmente pela paz, democracia, direitos humanos, progresso social e liberação nacional, com respeito ao caráter distintivo, valor e dignidade de cada cultura, como também o direito de cada pessoa escolher e desenvolver livremente seus sistemas políticos, sociais, econômicos e culturais. Assim, o jornalista participa ativamente na transformação social para a melhoria democrática da sociedade e contribui de forma coletiva através do diálogo para um clima de confiança nas relações internacionais. Além disso, conduz à paz e à justiça em todo lugar, ao desarmamento e ao desenvolvimento nacional. Faz parte da ética da profissão que o jornalista esteja atento às providências pertinentes contidas nas convenções, declarações e resoluções internacionais.

Princípio IX — Eliminação da Guerra e de Outros Grandes Males que

Confrontam a Humanidade O compromisso ético com os valores universais do humanismo pede que

o jornalista se abstenha de qualquer justificação para, ou incitação, para guerras de agressão e corrida armamentista, especialmente em relação a armas nucleares, e a todas as outras formas de violência, ódio ou discriminação, especialmente racismo, apartheid, opressão de regimes tirânicos, colonialismo e neocolonialismo, como também outros grandes males que afligem a humanidade, como pobreza, desnutrição e doenças. Dessa forma, o jornalista pode ajudar a eliminar a ignorância e o desentendimento entre os povos, fazer com que os nacionalistas de um país sejam mais sensíveis em relação às necessidades e desejos dos outros, assegurar o respeito aos direitos e à dignidade de todas as nações, todos os povos e todos os indivíduos sem distinção de raça, sexo, idioma, nacionalidade, religião ou convicção filosófica.

Princípio X — Promoção de uma Nova Ordem Mundial de Informação e

Comunicação O jornalista opera em geral no mundo contemporâneo dentro da

armação de um movimento para novas relações internacionais e ordem de informação, em particular. Essa ordem nova, entendida como parte integrante

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da Nova Ordem Econômica Internacional, é dirigida a descolonização e democratização do campo de informação e de comunicação, nacional e internacionalmente, com base na coexistência pacífica dos povos, com pleno respeito a sua identidade cultural. O jornalista tem a obrigação especial de promover o processo de democratização das relações internacionais no campo da informação, em particular salvaguardando e nutrindo relações pacíficas e amigáveis entre os Estados e os povos.

Esta declaração foi emitida pela quarta reunião consultiva de

organizações internacionais e regionais de jornalistas profissionais, que teve lugar em Praga e Paris em 1983 e a qual assistiram representantes das seguintes organizações: Organização Internacional de Jornalistas, Federação Internacional de Jornalistas, União Católica Internacional da Imprensa, Federação Latino-Americana de Jornalistas, Federação Latino-Americana de Trabalhadores de Imprensa, Federação de Jornalistas Árabes, União de Jornalistas Africanos, Confederação de Jornalistas da ASEAN.

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CASO LBA Integra da reportagem publicada no Jornal do Brasil em 26 de agosto de

1991.

Rosane sai sob suspeita da LBA Mário Rosa

Canapi, AL - Ao se afastar nesta sexta-feira da presidência da Legião

Brasileira de Assistência, a primeira-dama Rosane Collor deixará um rastro de irregularidades relacionadas à sua gestão. De acordo com documentos reservados que registram a contabilidade da LBA, ela autorizou o pagamento de serviços não prestados a empresas e entidades controladas por seus familiares, distribuiu maciçamente verbas públicas às vésperas das eleições do ano passado e destinou mais de 80% do orçamento da USA de Alagoas para o pagamento de despesas feitas sem licitação.

Entre os aspectos mais curiosos da aplicação do orçamento da LBA estão

os nomes de seus beneficiários. A documentação oficial revela, por exemplo, que a Locadora Neto teve aberto em seu favor um crédito de Cr$ 41 milhões às 17h08 do dia 4 de março último - cerca de Cr$ 59 milhões em valores de hoje. O repasse, que consta do empenho 91 NE 0025, foi justificado como "atendimento à população do sertão de Alagoas atingida pela seca através do fornecimento de água através de carro-pipa".

Criada há pouco mais de um ano, a Locadora Neto tem como atividade

principal o transporte de terras na barragem de Xingó e seu proprietário é o irmão mais velho de Rosane, Pompilho Brandão de Alcântara Neta "A locadora é do Pompilho", disse ao Jornal do Brasil, no último sábado, o irmão mais novo de Rosane, João Malta. Indagado sobre se a empresa atua no ramo de fornecimento de água, João Malta disse o seguinte: - Nós não distribuímos água.

Outra curiosidade em relação à Locadora de Neto é sua localização. O

endereço da empresa aparece registrado nos computadores da LBA à rua Joaquim Tetê, sem número. No local está a casa onde moram os pais da primeira-dama, João Alvino e Rosita Malta. Pela nova numeração da prefeitura, a casa agora fica no número 417. Equipada com uma antena parabólica, a "sede" da locadora Malta também consta do cadastro da prefeitura de Canapi, de quem a empresa obteve um alvará em agosto do ano passado.

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"Nunca vi nenhum carro da locadora distribuir água por aqui",

testemunha o prefeito de Canapi, Mauro Fernandes da Costa. "Não existe nenhuma empresa no Estado que atue na distribuição de água", afirma o chefe do gabinete militar do governo de Alagoas, coronel Manoel Marques, responsável pelo trabalho oficial de combate à seca. Marques explica que o governo estadual paga Cr$ 300 mil para que um dos 100 carros-pipa de Alagoas trabalhe durante um mês. Se a Locadora Neto dispusesse de cinco desses veículos seriam necessários 39 meses de trabalho para que desse sua contrapartida para o dinheiro obtido do governo.

A Locadora Neto não é a única empresa aquinhoada com recursos da

LBA. Em 31 de dezembro do ano passado, através do empenho 90 NE 1030, a Construtora Malta obteve um crédito de Cr$ 15,3 milhões — Cr$ 35 milhões em cruzeiros de hoje — para "o fornecimento de água para o sertão deste estado através de carro-pipa". A leitura do registro da construtora na Junta Comercial de Alagoas revela que ela foi criada para "exploração por conta própria do plano de compra e venda de material e serviços de planejamento, obras, incorporações e construção civil em geral" — ou seja, ela não está habilitada para se estabelecer na distribuição de água.

Na Junta Comercial, descobre-se que a Construtora Malta pertence a

Esmeralda Malta Brandão, cunhada e prima do pai da primeira-dama. Esmeralda também é mãe do atual secretário de Indústria e Comércio de Alagoas, Eraldo Malta. Como a Locadora Neto, a Construtora Malta não está onde deveria. Seu endereço é a rua Eustáquio Malta, número 34, em Mata Grande. De fato, a casa pertence a Esmeralda, mas hoje abriga a Associação Beneficente Frei Damião.

"Pró-Carente" — "Minha mãe nunca distribuiu água. Temos apenas uma

construtora", disse Eraldo Malta ao jornal do Brasil, no último sábado. Tanto no caso da Locadora Neto, como no da Construtora Malta, os créditos foram abertos sem que fossem realizadas licitações. Para isso, a LBA de Alagoas alegou o artigo 22 do decreto-lei 2.300, a norma jurídica que define como devem ser feitas as aquisições do governo. O artigo 22, em seu inciso quarto, define que as licitações são dispensáveis "nos casos de emergência, quando caracterizada a urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança das pessoas, obras, equipamentos e outros bens públicos e particulares".

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Em 3 de dezembro do ano passado, às vésperas do segundo turno das eleições de Alagoas, realizado em 20 de janeiro último, o então governador do Estado, Moacir Andrade, assinou o decreto 34.580, que colocava 39 municípios em "estado de emergência" — entre os quais, Canapi, Inhapi e Mata Grande, o triângulo político da família da primeira-dama. Foi com base neste decreto que as empresas da família de Rosane puderam ser dispensadas de participar de concorrência pública e obter diretamente dos cofres da lba Cr$ 94 milhões, em valores atuais. O ex-governador Moacir Andrade ocupa hoje a Secretaria Nacional de Irrigação, vinculada ao Ministério da Agricultura.

A rede que vincula a LBA de Alagoas e a família da primeira-dama possui

também sua dimensão na área pública. No último dia do ano passado, a Associação Pró-Carente de Canapi teve aberto em seu favor um crédito de Cr$ 30 milhões — cerca de Cr$ 68 milhões atualizados. O repasse foi justificado à época para "o incentivo de oportunidade de trabalho e geração de rendas" e está detalhado no empenho 90 NE 1078. Às 11hO7 de 9 de maio último, a mesma associação obteve outro crédito para "a implantação de micro unidades produtivas para o desenvolvimento da região", oficializado pelo empenho 91 NE 0213. No total, a Pró-Carente recebeu quase Cr$ 110 milhões em valores atualizados.

Em termos relativos, esse montante não chega a ser expressivo quando

comparado com o orçamento de uma grande metrópole brasileira, embora nenhum centavo tenha passado por algum procedimento licitatório. O valor recebido pela Pró-Carente torna-se relevante caso se saiba que a arrecadação municipal de Canapi foi de apenas Cr$ 150 mil nos últimos dois meses — para obter com tributos o que a Pró-Carente ganhou da LBA, a prefeitura precisaria de 122 anos. A pobreza da região é tanta que a prefeitura só sobrevive graças ao repasse de recursos do governo federal.

Cestas básicas — Como a Locadora e Construtora familiares, a Pró-

Carente tem um vínculo de sangue com a primeira-dama. A Associação não está registrada na Prefeitura e o que se sabe em Canapi é que ela foi criada no ano passado. Sua primeira chefe foi Maria Auxiliadora Brandão, a "Dora", esposa do irmão de Rosane, Pompilho, o dono da Locadora Neto. Nos últimos meses, a Pró-Carente passou a ser dirigida por Walter Silva, motorista de confiança da mãe da primeira-dama, Rosita. Há outra semelhança entre a Associação e as demais empresas da família.

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Nos documentos oficiais da LBA, a Pró-Carente está instalada no número 2 da Rua Joaquim Tetê. Nesse local, existe uma construção de quase 30 anos de idade, desocupada há dez, e cuja uma das alas desabou no ano passado. "Moro aqui desde criança, já ouvi falar dessa associação, mas sinceramente não sei onde ela está instalada e se ela faz alguma coisa", diz o vereador José Silva. Outra generosa contribuição para a Pró-Carente foi dada 'em 28 de dezembro do ano passado, quando a ministra da Ação Social, Margarida Procópio, liberou Cr$ 13 milhões (Cr$ 30 milhões atuais) para a "construção e implantação de pequenas fábricas comunitárias". "Não tenho conhecimento de que nenhuma fábrica comunitária tenha sido aberta no município", informa o prefeito Mauro Fernandes.

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O repórter Luiz Cláudio Cunha revelou publicamente, em matéria publicada na revista IstoÉ, que o senador Antônio Carlos

Magalhães era o responsável por um megaesquema de escutas ilegais de telefones na Bahia.

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O senador, pessoalmente, revelou ao repórter a existência dos grampos,

mas o fez em off. Após a repercussão e o envolvimento da Polícia Federal, o jornalista decidiu revelar a fonte para não ser cúmplice de um ato criminoso.

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A partir de um relatório de auditoria publicado no Diário Oficial,

descobriu-se que as contas do TCU estavam superfaturadas e que parte do texto do relatório era cópia do de um almanaque.

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BIBLIOGRAFIA COMENTADA

LIVROS BUCA, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das

Letras, 2000. Ótimo estudo sobre os limites e os descaminhos da imprensa brasileira a partir da apresentação de temas, discussões e conceitos relacionados à ética dentro do jornalismo.

ECO, Umberto. Cinco escritos morais. Rio de Janeiro: Record, 1998.

Crítica sobre o papel da imprensa na história recente da Itália, mas de valor universal, a partir dos devaneios dos jornalistas e da influência dos políticos sobre as decisões editoriais das empresas.

CHOMSKY, Noam; Herman S., Edward. A manipulação do público. São

Paulo: Futura, 2003. Um vasto tratado sobre política e poder econômico no uso da mídia, sobretudo no que diz respeito ao direcionamento da atividade jornalística para o cumprimento de tarefas ideológicas e/ou de interesses escusos.

BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. Rio de Janeiro:

Record, 2003. Fruto de sete anos de trabalho, o livro é uma aula de jornalismo investigativo cujo tema é a violência policial em São Paulo. Imprescindível.

CONTI, Mario Sérgio. Notícias do Planalto. São Paulo: Companhia das

Letras, 1999. É um calhamaço de leitura absolutamente leve. Fundamental para se entender o fenômeno da investigação jornalística durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello.

WAINER, Samuel. Minha razão de viver. Rio de Janeiro: Record, 1987.

Coordenado pelo jornalista Augusto Nunes, o livro é o resultado da compilação de vários depoimentos de Samuel Weiner (1912-1980), fundador do jornal Última Hora. Trata-se de uma declaração de amor ao jornalismo, mas também expõe as entranhas das relações entre a imprensa e o poder na primeira metade do século XX.

FORTES, Leandro. Cayman: o dossiê do medo. Rio de janeiro: Record,

2002. Para exemplo de investigação jornalística movida por iniciativa pessoal e vaidade profissional.

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ARTIGOS ARGOLO, José A. Caminhos para a investigação jornalística. Lumina.

Revista da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em <http://www.facom.ufjf.br/lumina/R4-Argolo-HP.doc>.

BERABA, Marcelo. Motivos para se criar um IRE brasileiro. Disponível em

<http:// www.abraji.org.br>. SERVA, Leão. Jornalistas sugerem suas dicas para escrever bem e ser um

bom jornalista. Disponível em <http://www.tognolli.com>. TOGNOLLI, Cláudio Júlio. Jornalismo investigativo: na descoberta, a

semelhança. Disponível em <http://www.tognolli.com>. GRIZOTTI, Giovani. O relacionamento entre repórteres e fontes no

jornalismo investigativo: análise de caso. Disponível em <http://www.tognolli.com>. WAISBORD, Silvio. Por que a democrata necessita de jornalismo

investigativo. Disponível em <http://usinfo.state.gov/journals/itgic/0401/ijgp/ig0404.html>. PANTALEÃO, Juliana Fogaça. Jornalismo investigativo e seus limites

constitucionais. Disponível em <http://www.datavenia.net>.

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SITES COMENTADOS A lista a seguir foi elaborada a partir de consultas feitas em diversas

fontes, mas sobretudo nos sites da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos, Associação Nacional dos Jornais e Observatório da Imprensa. O rol de sites internacionais contou, em parte, com um trabalho de sistematização de endereços eletrônicos levado a cabo pelo jornalista americano Gerardo Reyes, editor do EINuepo Hera/d, a versão em castelhano do jornal Miami Hera/d, da Flórida. Trata-se, portanto, de um guia com muitos dos caminhos utilizados por jornalistas investigativos do Brasil e do mundo.

SITES NACIONAIS

O Perdigueiro www.operdigueiro.com.br Desenvolvido pelos jornalistas Diego Escosteguy e Ricardo Ramos, tem

explicações sobre meios de pesquisa e chama atenção para fontes que a princípio poderiam parecer óbvias, mas poucos usuários lembram de consultar, como o site do Ministério Público. O cadastro de usuário permite compor uma lista personalizada de links favoritos.

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo www.abraji.org.br Site da entidade criada por um grupo de jornalistas brasileiros

interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre as de caráter investigativo.

Américas Repórter www.americasreporter.com.br Site que apresenta reflexões sobre temas relevantes para a América do

Sul, na perspectiva dos interesses do Brasil no continente e no Atlântico Sul.

Bússola Internética www.geocities.com/mssilva

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Idéia baseada no CyberTimes Navigator, do New York Times, que busca reunir as melhores fontes possíveis para encontrar imediatamente dados sobre qualquer assunto na internet.

Observatório da Imprensa www.observatoriodaimprensa.com.br Site criado e mantido por uma equipe comandada pelo jornalista Alberto

Dines. É o mais importante fórum de discussão da imprensa brasileira. É possível encontrar artigos, reportagens e links sobre as diversas áreas do jornalismo, inclusive o investigativo.

Associação Nacional dos Jornais www.anj.org.br Traz diversas informações e links sobre a atividade jornalística no Brasil,

desde os números de circulação dos jornais até os relativos a mortes, perseguições e processos contra jornalistas brasileiros.

SITES INTERNACIONAIS

Search Systems www.searchsystems.net Oferece a maior quantidade de bases de dados públicas dos Estados

Unidos. Foi fundado em 1990. Há cerca de 1,4 mil bases de dados gratuitas, inclusive com informações de outros países. As bases mais úteis são aquelas que oferecem a lista de empresas registradas em cada estado americano com o nome dos seus sócios.

Lexis Nexis www.lexis.com É uma super base de dados, mas é caro para ser adotado por pessoas

físicas, sendo mais utilizado por empresas: custa de US$ 3,5 mil a US$ 5 mil por ano.

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É uma ferramenta que começou como um serviço de apoio a advogados dos Estados Unidos e, com o passar do tempo, converteu-se numa enorme empresa de administração de informações sobre pessoas, empresas e arquivos. Entre outras coisas, contém arquivos de mais de 500 publicações de todo o mundo, além de transcrição de programas de rádio e de televisão. Mantém os registros de propriedades, sociedades e negócios dos Estados Unidos, carteiras de motorista, localizadores de processos judiciais, ações penais de falências estaduais e federais dos EUA, e informes apresentados à Securities Exchange Comission (correspondente americano da Comissão de Valores Mobiliários brasileira) por empresas que têm ações nos mercados de valores. Também contém transcrições de debates do Congresso dos EUA e registro de diversas profissões.

PACER — Public Access Court Records www.pacer.psc.uscourts.gov Contém a história dos processos civis e penais de quase todas as cortes

dos EUA. Oferece os nomes e os telefones dos advogados e dos funcionários encarregados dos casos nas cortes. Algumas dessas cortes oferecem, além disso, a vantagem de um histórico: ali figuram os textos completos da acusação, as declarações juramentadas de agentes federais e algumas provas oferecidas pela promotoria. O custo da consulta é alto, no entanto: 70 centavos de dólar por página

Miami Dade Property Appraiser www.co.miami-dade.fl.us/pa/ É um site de busca de propriedades de Miami, onde há muitas empresas

de fachada abertas, por exemplo, por brasileiros envolvidos em evasão de divisas. A ficha da propriedade contém dados específicos e dá possibilidade de ver sua localização precisa em fotografias aéreas da cidade.

Broward County Apraiser www.bcpa.net Permite ao usuário verificar o valor de uma propriedade nos eua, o

histórico de compra e venda, os nomes de seus proprietários e outros dados importantes para uma investigação jornalística. Requer, no entanto, o nome do proprietário.

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Florida Department of State www.dos.state.fl.us E uma base de dados que contém as sociedades criadas na Flórida nos

últimos dez anos. Traz também os nomes dos sócios, a localização e o nome do advogado que criou a companhia.

Registro Público do Panamá www.registro-publico.gob.pa Foi criado pelo governo do Panamá para dar transparência aos registros

de sociedades criadas no país, conhecido paraíso fiscal do planeta.

Registro Público de Curaçao www.curacao-chamber.an . Foi criado com o mesmo objetivo do site do Panamá.

The Journalists Toolbox www.journaliststoolbox.com E uma compilação de diversos sites de jornalistas — e de diversas bases

de dados — criada para garantir um troca gratuita de informações entre repórteres dos EUA e de outros países.

SEC — us Securities & Exchange Comission www.sec.gov E o site oficial da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos.

Qualquer empresa nacional ou internacional que queira pôr suas ações à venda na Bolsa de Valores de Wall Street deve registrar-se nessa entidade e a ela reportar todas as informações que possam afetar sua estabilidade. O site tem um buscador próprio, denominado "Edgar", que permite encontrar a empresa pelo seu nome ou o de seus diretores. Está sempre atualizado porque, a cada três meses, quem investiu na Bolsa de Nova York tem, por lei, que colocar on line os nomes dos novos acionistas.

GAO — General Accounting Office www.gao.gov

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O GAO é o escritório de investigações do Congresso dos EUA. É o equivalente, no Brasil, à Controladoria Geral da União. Tem como missão promover investigações das dependências federais a pedido de qualquer congressista americano. Várias das pesquisas se concentram em programas dos Estados Unidos que afetam muitos países — tais como defesa, segurança e combate às drogas.

Landings www.landings.com É uma base de dados muito completa sobre aviação, com informações de

registro de pilotos e de aeronaves. Contém registros de aeronaves dos Estados Unidos, Austrália, Bahamas, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, Reino Unido e outras não oficiais de Aruba, Áustria, Brasil, Canadá, Ilhas Cayman, Colômbia, Venezuela, Suíça e outros países.

Escritório do Foreign Assets Control www.treas.gov/offices/enforcement/ofac Este escritório do Departamento do Tesouro americano mantém uma

lista dos países e pessoas com as quais nenhum indivíduo dos EUA pode manter negócios.

Money Laudering Alert moneylaundering. com É um site especializado em leis, tendências e casos relacionados com a

lavagem de dinheiro. É dirigida pelo ex-procurador federal da Flórida Charles Intriago, de origem equatoriana. Algumas notas do site são gratuitas e outras requerem assinatura. Há uma versão em espanhol.

Boletim Narco News www.narconews.com Contém, em inglês e espanhol, informações sobre escândalos de

narcotráfico que envolvam países latinos. Foi o primeiro a colocar na rede os antecedentes que a agência antidrogas dos rua, a df.a, tinha sobre Pedro juan Moreno, um dos colaboradores mais próximos do presidente Uribe, da Colômbia.

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Arquivo da Segurança Nacional www.hfni.gsehd.gwu.edu Trata-se de uma organização não-governamental fundada em 1985 por

um grupo de jornalistas e acadêmicos que havia obtido documentos do governo dos Estados Unidos por meio da Lei do Direito à Informação e queria buscar uma instituição depositária dessas informações. Com o passar dos anos, o Arquivo se converteu na maior biblioteca do mundo sobre documentos que deixaram de ser confidenciais. Está localizado no sétimo andar da Biblioteca Gelman da Universidade George Washington, na capital dos iíua. O sistema guarda cerca de 90 mil documentos que eram secretos e outros 20 mil obtidos por peticionários, sobre assuntos internacionais. O arquivo tem entre suas entradas o dossiê dos desaparecidos na Guatemala, documentos sobre o papel da CIA no Chile, sobre o programa de armas nucleares e sobre os espiões soviéticos na América Latina.

Federação dos Cientistas dos EUA www.fas.org É o site de uma entidade que se dedica a seguir o mercado mundial de

armamentos leves e pesados. Trata da venda de armas e estuda as ameaças nucleares. Há, ainda, documentos relativos ao papel militar dos kua na América Latina. A FAS foi fundada em 1945 por membros do Projeto Manhattan, que produziram a primeira bomba atômica. O site tem à disposição do usuário a versão eletrônica de um boletim de notícias sobre o tema Monitor de Venda de Armas.

Info USA www.infousa.com " E apontado como o mais completo diretório de empresas americanas.

Tem uma base de dados de 12 milhões de negócios nos EUA e Canadá. Inclui vendas de empresas, qualificações de crédito e nomes de diretores. Para alguns serviços, requer subscrição.

Mother Jones www.motherjones.com

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Mantém uma coletânea de artigos de jornalistas investigativos, nos quais se analisa a relação dos EUA com cada país da América Latina em termos de armamentos.

Military City www.militarycity.com Índice completo da internet sobre atualidades e arquivos das Forças

Armadas dos EUA. Localiza militares americanos em qualquer parte do mundo, traz informações e fotos de equipamentos de guerra. Tem disponível uma biblioteca e oferece até mesmo um arquivo de sons de armas em operação.

Center for Investigative Reporting www. muckraker.org Fundada em 1977 em São Francisco, com sede na Califórnia, o Center for

Investigative Reporting (CIR) é uma organização de reportagem dedicada à cobertura independente e em profundidade de questões sociais. O grupo trabalha com importantes programas jornalísticos de televisão, jornais e revistas, publica manuais de reportagens e dirige workshops em técnicas Investigativas.

Centro de Periodistas de Investigacion investigacion.org.mx Fundado co-m a ajuda do ire em 1996, o Periodistas de Investigacion

possui agora associados por toda a América Latina. O grupo, com sede na Cidade do México, oferece workshops sobre reportagens Investigativas e com assistência do computador e também recursos em espanhol que incluem banco de dados, arquivos de matérias e links na internet.

Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos www.icij.org Uma rede de mais de 80 repórteres em 40 países, a ICIJ oferece um

prêmio anual de US$ 20 mil.

Danish Association for Investigative Journalism www.fuj.dk

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Este grupo, com sede em Copenhagen, patrocina conferências e oferece recursos para reportagens investigativas, com assistência do computador. A associação também sido um patrocinador essencial, juntamente com a ire, da Conferência Global em Jornalismo Investigativo.

Fundación para un nuevo Periodismo Iberoamericano www.fnpi.org Fundação para um novo jornalismo iberoamericano, de Gabriel Garcia

Márquez, Prêmio Nobel de Literatura. A seção "Biblioteca" traz alguns textos do escritor e jornalista colombiano.

Föreningen Grävander Jounalister ou GRÄV www.fgj.se A associação sueca de jornalistas investigativos, com sede em Estocolmo.

A Grävande Journalister dirige conferências que atraem centenas de jornalistas de toda a Escandinávia. O grupo também oferece seminários de treinamento e publica manuais e reimpressões de reportagens investigativas.

Instituto Prensa y Sociedad do Peru www.ipys.org Prestigiada sociedade de jornalistas latino-americanos independentes,

com sede em lima.

Investigative Reporters and Editors www.ire.org Com mais de 4 mil membros de 27 países, o Investigative Reporters and

Editors (IRE) é a maior associação de jornalismo investigativo do mundo. Com base na Faculdade de Jornalismo da Universidade do Missouri, o ire promove conferências, distribui prêmios, dirige workshops de treinamento e oferece recursos sobre metodologia investigativa, liberdade de informação, reportagens com assistência do computador, entre outros.

Philippine Center for Investigative Journalism www.pcij.org

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Uma agência de meios de comunicação independente e sem fins lucrativos, especializada em reportagens investigativas, o Phillippine Center for Investigative Journalism (PCIJ) foi fundado em 1989 por jornalistas filipinos. Com sede em Manila, o PCIJ financia projetos investigativos para a mídia impressa e transmissível, publica livros e revistas e dirige seminários de treinamento para jornalistas.

Poynter Institute www.poynter.org O Poynter Institute é uma escola para jornalistas, para futuros jornalistas

e para professores de jornalismo.

World Press Institute www.worldpressinstitute.org Instituto liderado por John Ullmann, ex-diretor executivo da IRE.

http://groups.google.com.br/group/digitalsource

http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros

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