jornalismo comunitário: o desafio das mídias alternativas ... · estudantes trouxe para a sala de...

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Jornalismo Comunitário: o desafio das mídias alternativas na democratização da comunicação. Autora: Célia Trindade Amorim 1 O universo do jornalismo comunitário sempre foi desafiador. Como ministrar uma disciplina para alunos acostumados com o discurso e as práticas das mídias convencionais? Ou, utilizando a expressão Marcusiana, com o discurso unidimensional? Ao apresentar a disciplina Jornalismo Comunitário para alunos do 5º semestre Vespertino e Noturno da Faculdade de Estudos Avançados do Pará (FEAPA) 2009/A, os discentes foram informados, no primeiro dia de aula, que teriam que investigar, in loco, uma mídia produzida por uma comunidade de Belém do Pará. Uma parte considerável da classe comentou que não tinha contato com um fenômeno de Doutora em Comunicação e Semiótica Faculdade de Estudos Avançados do Pará. (FEAPA) - Pará Resumo: Este artigo faz uma reflexão sobre o universo do chamado jornalismo comunitário. Um campo da Comunicação ainda pouco explorado pela academia. Apresenta-se o desenvolvimento do plano de ensino da disciplina Jornalismo Comunitário para alunos do 5 º semestre do Curso de Jornalismo da Faculdade de Estudos Avançados do Pará (FEAPA). O objetivo foi proporcionar aos discentes fundamentação teórica do jornalismo para que pudessem conhecer, in loco, o processo de construção das mídias produzidas pelas comunidades de Belém do Pará. A pesquisa de campo realizada pelos estudantes trouxe para a sala de aula diversas possibilidades de comunicação alternativa produzidas pelos populares para dar voz a seus problemas e anseios. Essas mídias expandem a informação para além dos limites hegemônicos do discurso da mídia oficial. Trata-se do paradigma relacional, a comunidade como co-arquiteta do processo comunicativo, diferentemente do paradigma informacional – emissor e receptores ideais. Este modelo não consegue responder sozinho aos desafios da comunicação. Palavras-chave: Jornalismo comunitário. Mídia Alternativa. Comunicação. 1 - Introdução 1 Jornalista. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, profª da disciplina Jornalismo Comunitário e Coordenadora do Curso de Comunicação Social da Faculdade de Estudos Avançados do Pará. (FEAPA).

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Page 1: Jornalismo Comunitário: o desafio das mídias alternativas ... · estudantes trouxe para a sala de aula diversas possibilidades de comunicação alternativa produzidas pelos populares

Jornalismo Comunitário: o desafio das mídias alternativas na democratização da comunicação. Autora: Célia Trindade Amorim1

O universo do jornalismo comunitário sempre foi desafiador. Como ministrar

uma disciplina para alunos acostumados com o discurso e as práticas das mídias

convencionais? Ou, utilizando a expressão Marcusiana, com o discurso unidimensional?

Ao apresentar a disciplina Jornalismo Comunitário para alunos do 5º semestre

Vespertino e Noturno da Faculdade de Estudos Avançados do Pará (FEAPA) 2009/A,

os discentes foram informados, no primeiro dia de aula, que teriam que investigar, in

loco, uma mídia produzida por uma comunidade de Belém do Pará. Uma parte

considerável da classe comentou que não tinha contato com um fenômeno de

Doutora em Comunicação e Semiótica Faculdade de Estudos Avançados do Pará. (FEAPA) - Pará Resumo: Este artigo faz uma reflexão sobre o universo do chamado jornalismo comunitário. Um campo da Comunicação ainda pouco explorado pela academia. Apresenta-se o desenvolvimento do plano de ensino da disciplina Jornalismo Comunitário para alunos do 5 º semestre do Curso de Jornalismo da Faculdade de Estudos Avançados do Pará (FEAPA). O objetivo foi proporcionar aos discentes fundamentação teórica do jornalismo para que pudessem conhecer, in loco, o processo de construção das mídias produzidas pelas comunidades de Belém do Pará. A pesquisa de campo realizada pelos estudantes trouxe para a sala de aula diversas possibilidades de comunicação alternativa produzidas pelos populares para dar voz a seus problemas e anseios. Essas mídias expandem a informação para além dos limites hegemônicos do discurso da mídia oficial. Trata-se do paradigma relacional, a comunidade como co-arquiteta do processo comunicativo, diferentemente do paradigma informacional – emissor e receptores ideais. Este modelo não consegue responder sozinho aos desafios da comunicação. Palavras-chave: Jornalismo comunitário. Mídia Alternativa. Comunicação.

1 - Introdução

1 Jornalista. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, profª da disciplina Jornalismo Comunitário e Coordenadora do Curso de Comunicação Social da Faculdade de Estudos Avançados do Pará. (FEAPA).

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comunicação desta natureza. Outros, em número menor, enfatizaram desconhecer tal

mídia.

A revelação discente não causou surpresas. Afinal, boa parte dos estudos

nacionais e internacionais em Comunicação/jornalismo prioriza objetos da chamada

grande imprensa, jornais e revistas de grande visibilidade, incluindo as mídias mais

sedutoras como as rádios e TVs comerciais, e a “menina dos olhos” do século XXI, a

rede mundial de computadores. Não por acaso o professor e pesquisador do jornalismo

brasileiro, José Marques de Melo, no 3º Encontro Nacional sobre História da Mídia

(Novo Hamburgo, RS, 2005), enfatizou a necessidade de se introduzir o estudo das

mídias alternativas na agenda dos pesquisadores midiáticos, fascinados, em sua maioria,

“pelo protagonismo das grandes empresas nacionais”2

2 Esta fala de José Marques de Melo foi extraída do CD-ROM do III Encontro Nacional de História da Mídia da Rede Alfredo de Carvalho, realizado na cidade de Novo Hamburgo, em 2005. Consultar o endereço eletrônico www.redealcar.jornalismo.ufsc.br.

.

No âmbito internacional, o pesquisador inglês John Downing, autor de Mídia

Radical: Rebeldia nas comunicações e movimentos sociais (2002), de forma mais

incisiva, argumenta:

A profunda desigualdade entre as abordagens correntes aos meios de comunicação se deve precisamente à recusa em se levar a sério a persistência histórica e a disseminação geográfica da mídia radical alternativa. Embora o alcance dessa mídia, na aurora do século XXI, seja mais amplo do que nunca – exigindo, por isso mesmo, nossa atenção analítica – esses meios de comunicação não são, de forma alguma, recentes na cultura e na política. A questão é que só a pouco tempo eles entraram na pauta da teoria e dos estudos oficiais, que têm uma predileção pelo que parece óbvio e fácil de verificar (DOWNING, 2002, p. 21).

Afora isso, há o preconceito quando se lida com os meios de comunicação que

não fazem parte do circuito do jornalismo tecno-informacional moderno, ou seja, de

expressão hegemônica tanto nas academias quanto nas mídias. O historiador brasileiro

Werneck Sodré afirma, por exemplo, que “aqueles que se ocuparam em estudar a

imprensa brasileira antiga julgaram o pasquim pelas suas aparências apenas, pelo que

apresentava de exterior e formal, e condenaram-no como manifestação espúria, sem

significação, marginal”. (SODRÉ, 1999, p. 174).

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Atton, citado por Downing, introduz uma perspectiva coerente nesta

problemática ao observar que muitas destas pequenas mídias jamais estabeleceram para

si as metas de sucesso que seus críticos parecem admitir como universais: longevidade,

lucratividade, estabilidade e venda de noticiários em cadeia. (2002, p. 491).

O Plano de Ensino apresentado nos dias 04/05 de fevereiro às Turmas do 5º

semestre da FEAPA teve como principal objetivo proporcionar aos graduandos do

Curso de Comunicação Social fundamentação teórica do jornalismo para que pudessem

conhecer in loco o processo de construção das mídias produzidas pelas comunidades de

Belém do Pará. Nesta perspectiva, o plano estava dividido em três grandes etapas. A

primeira delas trabalhou o referencial teórico por meio de leituras sobre Mídia Radical

Alternativa: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais, de John Downing

(2002), Características do Jornalismo Comunitário, de Pedro Celso Campos (2009), e a

pesquisa de doutorado de Célia Trindade Amorim, intitulada Jornal Pessoal: Uma

metalinguagem Jornalística na Amazônia (2008). Todos os três textos focalizam o

universo de pequenas mídias que expressam uma visão alternativa às políticas,

prioridades e perspectivas hegemônicas. O de Downing possibilitou aos alunos um

olhar estrangeiro sobre o fenômeno, o de Pedro Celso Campos centrou-se no universo

de São Paulo e a pesquisa de Célia Trindade Amorim focou tal experiência de

comunicação na Amazônia.

Frente a esta preparação, que culminou com a apresentação de seminários,

resumos e a 1ª Nota de Desempenho Acadêmico sobre os textos em questão, iniciou-se

a segunda etapa: a pesquisa de campo com a proposta de fazer com que os alunos

deixasse os muros da FEAPA e passassem a investigar, in loco, o modus operandi de

uma mídia produzida por uma determinada comunidade. As mídias poderiam ser as

diversas possibilidades de comunicação desenvolvidas pelos populares: informativos,

jornais, rádios, blogs, dentre outras. Alguns alunos se sentiram desafiados, outros

manifestaram preocupação em não encontrar um veículo de comunicação alternativo

que, a partir daquele momento, passava a ser o objeto de estudo de cada equipe.

Para pesquisa de campo, algumas diretrizes foram traçadas. A idéia era fazer

com que o alunado observasse tal fenômeno de comunicação sem grandes

interferências, registrasse como a comunidade se apropria de um meio de comunicação

para dar voz a seus problemas e reclamos, já que a mídia tradicional não consegue dar

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respostas plenamente satisfatórias para tais questões. Tal atividade tratou-se de um

estudo de caso por considerar que este é utilizado como estudo inicial de problemas

pouco conhecidos [...] “pesquisa descritiva por caracterizar-se basicamente por

observar, registrar, classificar e analisar dados, fatos ou fenômenos sem manipulá-los”.

(OLIVEIRA, 2008, p. 97).

Desse modo, os discentes foram a campo para observar a linha editorial, a pauta,

a temática, o relacionamento com as fontes de informação, a relação jornalismo e

publicidade, a linguagem, etc. Mas um item era fundamental: saber se a mídia

investigada contribuía como meio de transformação social, ajudava a comunidade a

construir a sua própria cidadania, lutando por causas coletivas. Eis a hipótese inicial

perseguida por todos. Além da observação direta, os alunos utilizaram como técnica

para obtenção dos dados a entrevista com os responsáveis pelo veículo alternativo, com

a orientação de não censurar os construtores da mídia. Estes precisavam se expressar

sem problemas.

A terceira e última etapa do plano de ensino centrou-se nos resultados da

pesquisa, com apresentação de seminários, relatório de pesquisa, a 2ª Nota de

Desempenho Acadêmico, além da produção de vídeos apresentados por duas equipes da

Turma 5JNN1 (Noturno)3

Os discentes da Turma 5JNN1 apresentaram várias possibilidades de

comunicação alternativa. Os objetos de pesquisa foram a Rádio Erê, localizada no

bairro da Pedreira, o jornal Cururu – o jornal que paga o sapo - do bairro do Satélite; a

Rádio Publicitária Som Brasil, do bairro da Cabanagem, esta escolhida por ser próxima

à Faculdade, a Belém FM 104, 9, da Marambaia; e o blog Cufa (Central Única das

. Nesta fase, vários alunos ampliaram a leitura com a

introdução de novos textos por eles escolhidos para que pudessem entender as

especificidades da mídia investigada.

Assim, os alunos das Turmas 5JNV1 (Vespertino) trouxeram para a sala de aula

a experiência alternativa de quatro rádios localizadas em bairros periféricos de Belém.

Rádio Comunitária Cidadania FM, localizada no bairro da Terra Firme; a Rádio

Apocalipse, que funciona no Império Amazônico; a Belém FM 104,9, localizada no

bairro da Marambaia, e a Rádio Publicitária São Brás, no bairro do mesmo nome.

3 5JNV1 E 5JNN1 – Referem-se às Turmas do 5º semestre Vespertino e Noturno do Curso de Jornalismo da Faculdade de Estudos Avançados do Pará (FEAPA).

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Favelas), este de dimensões regional ([email protected]) e nacional

(http://www.cufa.org.br)

Eis alguns resultados da pesquisa que não se esgotam nesta comunicação

científica: Há uma multiplicidade de meios produzidos pelos populares em Belém do

Pará que ajudam a ampliar e a fortalecer a democratização da comunicação. São espaços

midiáticos alternativos que têm como pauta os problemas e anseios da população, numa

inversão de pauta contrária à estrutura da mídia convencional brasileira centrada nas

mãos de políticos e famílias com forte tendência monopolista.

Na sua maioria, as mídias alternativas investigadas em bairros periféricos de

Belém do Pará expandem a informação para além dos limites hegemônicos do discurso

da mídia oficial, com a participação direta da comunidade. Trata-se do paradigma

relacional, a comunidade como co-arquiteta do processo comunicativo, diferentemente

do paradigma informacional – emissor e receptores ideais. Este modelo não consegue

responder sozinho aos desafios da comunicação. O paradigma relacional, usando o

raciocínio de Downing, propõe a democracia do processo de comunicação

reconhecendo “a audiência ativa como aquela que elabora e molda os produtos da

mídia, e não apenas absorve passivamente suas mensagens, proposta radicalmente

oposta à ideologia da mídia comercial” (2002, p. 38-83).

A Rádio Cidadania FM, por exemplo, que existe há 18 anos na Terra Firme, um

dos bairros mais violentos de Belém, foi objeto de pesquisa da equipe de Cássio Ribeiro

e Jorge Afonso, Turma 5JNV1. A mídia investigada dá voz à população do bairro de

forma pluralista e permite com que os próprios moradores sejam sujeitos do processo

comunicativo. Os estudantes identificaram que a Cidadania FM critica os problemas

sociais da Terra Firme como prostituição infantil, preconceitos contra classe social, falta

de saneamento básico, aumento da criminalidade, dentre outros assuntos, que ora são

discutidos ora produzidos para serem noticiados pelos populares.

A equipe liderada por Augusto Gamboa e Lais Martins da Turma 5JNN1 pôde

constatar que a Rádio Erê, do bairro da Pedreira, é aberta a participação da população.

“São programas, denúncias, recados, anúncios populares”, afirmou a equipe em

relatório de pesquisa.

Já a Rádio Apocalipse, do Império Amazônico, objeto de estudo da equipe de

Maylene Tieli e Andressa Ferreira (5JNV1), focaliza sua programação em músicas,

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serviços de utilidade pública, documentos achados e perdidos, denúncias de moradores

do bairro, finalizando com a leitura da palavra da Bíblia.

A Rádio Publicitária Som Brasil, da Cabanagem, área oriunda de invasão de

terra e que hoje se transformou em bairro de Belém, da equipe de Adisson Souza e

Kelves Rodrigues (5JNN1), trabalha especificamente com anúncios comerciais a preços

populares. A receita mensal chega a R$ 180,00. Adisson Souza observou que a

publicidade está centrada nos pequenos empreendimentos do bairro como padarias,

vendas de gás e açaí, carros de lanches, além de salões de beleza.

Apesar de ser uma rádio publicitária, a Som Brasil abre os microfones aos

populares da Cabanagem. “A única restrição imposta pelo proprietário Seu Santos,

como gosta de ser chamado Manuel Santos da Silva, é para não chamar palavrões e

ofensas pessoais no ar. Essa disponibilidade da rádio proporciona aos moradores espaço

para divulgação de reuniões de igrejas, campeonato de futebol, festas, bingos, anúncios

de falecimento, etc. não havendo cobrança pelas comunicações”, destaca a equipe em

relatório de pesquisa.

Ao contrário da mídia anterior, a Rádio Publicitária São Brás, da equipe de

Andrezza Anaice e Vanessa Bendelak, Turma 5JNV1, é totalmente publicitária. E não

possui apoio da comunidade do bairro, que a tem como um transtorno sonoro. Andrezza

Anaice observou que a rádio tem convênio com um grande jornal paraense e todos os

dias faz a leitura desse único jornal. Em discussão em sala de aula, alunos e docente

chegaram à conclusão de que a rádio não tem apoio dos populares porque é meramente

repetidora da mídia oficial, que insiste em um noticiário elitizado.

O Jornal Cururu, do bairro do Satélite, intitulado o jornal que paga o sapo,

existe desde 1999 e conta com a ajuda de populares com sugestões de pauta e

denúncias. “O periódico não contava com publicidade, mas pelas dificuldades

enfrentadas, começou a fazer anúncios de comerciantes que moram no próprio

conjunto: donos de mercearias, açougues, escolas e outros estabelecimentos”, observou

a equipe de Jucilene Nascimento, Jaqueline Cabral e Bruno Pinheiro da 5JNN1. De

acordo com os estudantes, o grupo do Cururu faz não só a produção do texto como

também todo o processo jornalístico, sem que haja nenhuma remuneração, trabalhando

apenas pelo prazer de comunicar uma informação que deve ser de interesse da

coletividade.

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A Central Única das Favelas do Pará - CUFA PA foi o blog pesquisado pelo

Aluno Thalles Pluget. De acordo com sua investigação, a CUFA Pará promove, desde

setembro de 2008, projetos que contribuam para o desenvolvimento socio-cultural de

crianças e jovens de bairros periféricos. A linguagem é por meio do movimento hip hop,

esportes, blog e TV on line. Thalles Pluget enfatizou que a Central Única das Favelas

existe nacionalmente desde 1999 no Rio de Janeiro e em outros 25 Estados brasileiros,

além do Distrito Federal.

2 - Legalização x Pirataria

Abriu-se um campo de discussão em sala de aula no que diz respeito à

legalização das rádios comunitárias, objeto de pesquisa da maioria dos estudantes. A

Rádio FM 104, 9 do bairro da Marambaia foi objeto de estudo tanto da equipe de

Honório Pinto, do turno da tarde, quanto da equipe de Elma Barbosa, do turno da noite.

De acordo com a pesquisa dos discentes, com exceção da FM 104,9, nenhuma rádio

comunitária em Belém do Pará é legalizada. Todas são consideradas “piratas”. Este

dado foi bastante relevante para a análise, pois o objetivo da pesquisa não era saber se a

mídia era legalizada ou não, mais sim se contribuía na construção da cidadania.

Por esta proposta, a Rádio FM 104,9 apesar de ser legalizada, não foi

considerada uma mídia a serviço da comunidade e para a comunidade de acordo com a

equipe de Elma Barbosa e Gleidson Gomes. A rádio possui o status de comunitária

apenas para ter as benesses da legislação 9.612/98 que estabelece o Serviço de

Radiodifusão Comunitária, regulamentada pelo decreto 2.615/98. Na realidade, “a rádio

da Marambaia adota o modelo empresarial da mídia oficial, possui 15 funcionários e

pouco contribui com os moradores do bairro” revelou em relatório de pesquisa a equipe

de Elma Barbosa. Além disso, “a cobertura restrita a 1Km por legislação a partir da

antena transmissora para as rádios comunitárias não é respeitada, já que a FM 104,9

alcança em média 4km”.

A equipe de Honório Pinto, em seminário, considerou a FM 104, 9 como a

serviço da cidadania. Entretanto, em sua 2ª Nota de Desempenho Acadêmico, ponderou

e disse que os alunos não puderam constatar se é dada liberdade para a comunidade

quando o assunto é contrário aos interesses da administração do veículo e seus

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anunciantes. “Seria interessante realizar a pesquisa também em período eleitoral para

monitorar a programação a fim de constatar se realmente os microfones continuam

abertos à comunidade”.

3 - Histórias de sobrevivência e tensão

A luta por espaços alternativos de comunicação não é fácil. A história das mídias

alternativas seja brasileira ou de outros países é permeada por conflitos e tensões.

Muitas das mídias investigadas pelos alunos já sofreram sanções por parte do poder do

Estado por não estarem legalizadas. A equipe de Augusto Gamboa, que apresentou a

Rádio Erê - prefixo 101,7 - observou que “há 13 anos a Erê vem lutando pela

legalização e não consegue. O pedido de autorização para funcionamento já foi

repassado à Agência Nacional de Telecomunicações, mas até hoje nada foi resolvido. A

ação chegou a caducar e ser arquivada”. A programação da Erê, de acordo com os

estudantes, é levada ao ar no horário das 18 às 22 horas para escapar das ações de

fiscalização por parte da Polícia Federal e por problemas financeiros. A Rádio

Cidadania FM, assim como a Rádio Apocalipse, também já foram censuradas com

apreensão de equipamentos, ficando fora do ar por meses.

Neste momento, é oportuno o pensamento de Downing, que abre espaço em sua

obra para falar das repressões, por parte do Estado, que muitas vezes sofrem os ativistas

da mídia radical alternativa como execução, cárceres, tortura, agressões fascistas,

bombardeio de estações de rádio, ameaças, vigilância policial e táticas de intimidação.

Dessa forma, o pesquisador reitera:

A história da mídia radical, como o próprio Gramsci só a duras penas descobriu em sua própria vida, é quase sempre uma história de sobrevivência e tensão perante a hostilidade veemente e às vezes mortal das autoridades. Inserir a mídia radical alternativa nesse contexto mais amplo do poder do Estado, da hegemonia e da insubordinação é um passo necessário para entendê-la. Precisamos estar atentos para as múltiplas formas de poder e subordinação, que com freqüência se encontram entrelaçadas; para a centralização da cultura como o campo no qual se travam as lutas por liberdade e justiça; e para a atuação poderosa das estratégias microssubversivas (DOWNING, 2002, p. 54).

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Guardadas as devidas exceções, a maioria das mídias investigadas pelos alunos

do Curso de Jornalismo da FEAPA desempenha uma função social de contribuir com a

cidadania, lutando por liberdade e justiça. A linguagem é coloquial, sem formalismo,

uma linguagem de aproximação, com temática que privilegia o universo de cada bairro,

mas sem se desconectar do que acontece no mundo globalizado. Não possui fins

lucrativos. O lucro é o social, pois a mídia é um produto da coletividade. Verificou-se

também que a comunidade constrói e reconstrói as suas mídias. À maioria de caráter

efêmero, uma característica desse tipo de veículo.

Registra-se também que as mídias alternativas, sem querer idealizá-las, como

alerta Downing, são essenciais à democracia. Além de expandir o âmbito das

informações, da crítica, são mais sensíveis do que a mídia oficial às vozes e problemas

dos excluídos. E, com muita freqüência, como argumenta o estudioso, toma à frente

“discussões de questões que só mais tarde receberão atenção da mídia oficial [...] e não

precisa censurar-se para atender aos interesses dos mandachuvas da mídia, do

entrincheirado poder estatal e das autoridades religiosas” (DOWNING, p. 2002, p. 81).

Diante do exposto, observa-se que apesar da grande resistência aos meios

alternativos, aos pequenos veículos de comunicação, eles entraram na pauta da teoria e

dos debates acadêmicos. Os estudos têm sido fecundos e abrem perspectivas

importantes para se entender um fenômeno que de modo algum é recente na cultura e na

política.

Especificamente, o trabalho desenvolvido com os alunos de Jornalismo da

FEAPA fortalece o campo da Comunicação, especificamente o chamado Jornalismo

Comunitário, ainda pouco explorado e carente de pesquisa científica. O plano de ensino

desenvolvido neste semestre 2009A foi o ponto de partida para o mapeamento das

pequenas mídias em Belém do Pará. A proposta final do semestre foi impulsionar uma

reflexão crítica aos alunos, pois o jornalismo, seja aquele praticado nas mídias

alternativas ou nas oficiais, tem o dever para com a cidadania, com a causa pública,

enfim, com a democratização da comunicação.

Participaram da pesquisa os alunos da Turma 5JNV1: Adalberto Aquino, Aila

Cunha, Andressa Ferreira, Andrezza Anaissi, Cássio Ribeiro, Cláudia Nogueira, Diego

Beckman, Diego Monteiro, Honório Neto, Jorge Afonso, Marcelo Duarte, Maria

Leilane de Souza, Mylene Tieli Soares, Patrick de Campos, Raimunda Graciete Silva,

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Sarah Loami da Silva, Talita Xavier e Vanessa Bendelak. Turma 5JNN1: Adisson

Santos, Adriana Macedo, Aline da Silva, Augusto Gamboa, Bruno Pinheiro, Cíntia

Barroso, Denislea Joseph, Elma Barbosa, Giovane da Silva, Gleidson Gomes, Hannan

Fernandes, Jaqueline Cabral, Jucilene do Nascimento, Kamila Dias Santos, Karina

Nunes, Kelves Gonçalves, Lais Martins, Lúcia de Oliveira, Luiz Belém, Sonia Maria da

Silva, Thales Pugget e Yorrana Suilan Barbosa.

Aos alunos da FEAPA, o meu agradecimento pelo empenho e determinação em

desbravarem este fascinante campo da Comunicação.

Referências Bibliográficas

AMORIM, Célia Regina Trindade Chagas. Jornal Pessoal: Uma metalinguagem jornalística na Amazônia. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2008. DOWNING, John. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Senac, 2002. MARCUSE, Herbert. Ideologia da sociedade industrial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. OLIVEIRA. Valéria Rodrigues de. Desmitificando a pesquisa científica. Belém: EDUFPA, 2008. WERNECK SODRÉ, Nelson. História da imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. Sites: CAMPOS, Pedro Celso. História do Jornalismo Comunitário. Disponível em http://webmail.faac.unesp.br/~pcampos/HISTORIA%20DO%20JORNALISMO%20COMUNITARIO.htm. Acesso em 08.02.2009. ENCONTRO NACIONAL DA REDE ALFREDO DE CARVALHO, 3., 2005, Novo Hamburgo, RS. Anais Eletrônicos... Novo Hamburgo, RS, 2005. Disponível em http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br. Acesso em 05.05.2009.