jornalismo alternativo
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Monografia: Jornalismo Alternativo. Autor: Otávio de Barros Belo. Dezembro de 2003.TRANSCRIPT
CENTRO UNIVERSITÁRIO DO SUL DE MINAS – UNIS-MG INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS – ICHSA
CURSO DE JORNALISMO
Otávio de Barros Belo
JORNALISMO ALTERNATIVO A Notícia Vista de Outro Ângulo
VARGINHA 2.sem.2003
JORNALISMO ALTERNATIVO: A Notícia Vista de Outro Ângulo
Otávio de Barros Belo
Centro Universitário do Sul de Minas – 8o Período de Jornalismo
Marco Schneider
Orientador
Varginha
2003
JORNALISMO ALTERNATIVO: A Notícia Vista de Outro Ângulo
Otávio de Barros Belo
Monografia submetida ao corpo docente do curso de Jornalismo do Centro
Universitário do Sul de Minas – UNIS-MG, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo.
Aprovada por:
Prof._________________________ - Marco Schneider
Orientador
Prof._________________________ - Terezinha Richartz
Prof._________________________ - Ovídio Motta Peixoto
Varginha
2003
Belo, Otávio de Barros.
Jornalismo Alternativo: A Notícia Vista de Outro Ângulo / Otávio de Barros
Belo. – Varginha, 2003.
viii, 34 f.
Monografia – Centro Universitário do Sul de Minas – UNIS-MG, Instituto de Cências
Humanas e Sociais Aplicadas – ICHSA, 2003.
Orientador: Marco Schneider
1.Comunicação 2. Jornalismo I. Schneider, Marco (Orient.) II. Centro Universitário do
Sul de Minas. Instituto de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. III. Título.
À minha família, pelos quatros anos em que estive ausente: Rosane, Flávio, Thomas,
Nathan, Danthe.
Agradeço, verdadeiramente, ao Prof. Marco Schneider, orientador que mostrou-me a
importância do rigor científico e de quem pude recolher as melhores sugestões para o
enriquecimento deste trabalho.
RESUMO
BELO, Otávio de Barros. Jornalismo Alternativo; a notícia vista de outro ângulo.
Orientador: Marco Schneider. Varginha : UNIS-MG/ICHSA, 2003. Monografia.
Análise do papel desempenhado por veículos que atuam com alguma forma
de jornalismo alternativo, em contraponto à atuação da mídia de massas, ou grande
imprensa. Análise histórica dos momentos em que a imprensa esteve submetida a alguma
forma de abuso de poder, períodos em que as publicações de caráter alternativo tiveram
motivação para surgirem. Definição do conceito de jornalismo alternativo, seu perfil
histórico e suas características editoriais. Análise conjunta do jornalismo praticado pela
grande imprensa com o jornalismo dos veículos alternativos, elencando-se os desafios, as
conquistas, as qualidades e as deficiências de cada um deles.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
2. FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA .................................................................... 11
3. A MÍDIA DE MASSAS (OU GRANDE IMPRENSA) ................................................... 13
3.1. Os Monopólios de Informação .................................................................................. 13
3.2. A Corrida Contra o Tempo ....................................................................................... 14
3.3. A Notícia Como Espetáculo ..................................................................................... 15
3.4. A Mídia Amordaçada ............................................................................................... 18
4. JORNALISMO ALTERNATIVO ................................................................................... 22
4.1. A Busca de um Conceito .......................................................................................... 22
5. ASPECTOS HISTÓRICOS ............................................................................................. 26
5.1. História da Imprensa Brasileira Começa com um Jornal Alternativo ......................... 26
5.2. Regime Militar Torna-se Solo Fértil Para a Imprensa Alternativa: O Pasquim,
Movimento, Opinião ........................................................................................................ 27
5.3. Anos 90: Imprensa de massa enfraquece jornalismo alternativo, ............................... 29
mas Caros Amigos faz o contraponto............................................................................... 29
6. ASPECTOS EDITORIAIS .............................................................................................. 30
6.1. Linguagem ............................................................................................................... 30
6.2. Estrutura financeira .................................................................................................. 30
6.3. Marca Pessoal do Proprietário .................................................................................. 31
6.4. Perfil dos Leitores .................................................................................................... 31
6.5. A busca da liberdade de imprensa ............................................................................. 32
6.6. A Sobrevivência do Jornalismo Alternativo .............................................................. 33
6.7. Jornalismo Alternativo e Poder Político .................................................................... 34
6.8. Contradições e Dificuldades ..................................................................................... 35
6.9. A Favor dos Alternativos .......................................................................................... 36
6.10. Uma Justificativa Necessária .................................................................................. 37
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 40
7.1. Nada de Maniqueísmo .............................................................................................. 40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 45
ANEXO 1 ........................................................................................................................... 47
ANEXO 2 ........................................................................................................................... 48
ANEXO 3 ........................................................................................................................... 50
1. INTRODUÇÃO
Uma das várias funções do jornalismo é contribuir para que as pessoas
compreendam a realidade em que vivem. Nas palavras de Jorge Cláudio Ribeiro (1994,
p.9), “uma das características mais constantes do jornalismo é seu radical enraizamento
no cotidiano, o que lhe confere diferentes características, de acordo com as sociedades e
as fases históricas em que é realizado”. Através da atividade jornalística, a construção
da história da humanidade ocorre diariamente. A essência das relações entre o Estado e
a população, e entre as instituições públicas ou privadas e os cidadãos, encontra-se
presente nas publicações da imprensa, que existe para interpretar, decodificar através de
contextualizações e transmitir ao público de forma compreensível, o que acontece de
mais relevante no cotidiano. Portanto, uma atividade primordial para o desenvolvimento
de uma comunidade ou de uma nação.
No entanto, não é possível isolar o papel da imprensa, deixando de lado os
diversos mecanismos de poder, de aparelhagem tecnólogica e de jogo de interesses em
que ela está inserida.
O objetivo do presente trabalho é investigar e detalhar a forma de atuação do
jornalismo alternativo em contraponto ao papel desempenhado pela grande imprensa.
Através de abordagens históricas e de forma e conteúdo, buscou-se responder à seguinte
questão: “O jornalismo alternativo preenche as lacunas de informação deixadas pela
grande imprensa?”.
Acredita-se, por hipótese, que a grande imprensa, ou mídia de massas, seja
movida por interesses variados, como financeiros e econômicos, políticos, comerciais.
Da mesma forma, imagina-se que exista alguns setores da imprensa que fazem um
10
jornalismo independente, com preocupações que vão além do mero desejo de gerar
lucros. Esses, os dois pontos que formaram a base deste trabalho.
As análises aqui desenvolvidas justificam-se pelo fato de a grande imprensa,
em sua evolução, ter colocado interesses políticos, econômicos e financeiros acima de
seu compromisso com a verdade e com a ética jornalística. E, também, pela necessidade
de se investigar se existem publicações que fogem à massificação imposta pela mídia,
que tragam a público discussões para além da efemeridade do noticiário dos grandes
veículos de comunicação de massa.
2. FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA
A base do presente trabalho foi a pesquisa bibliográfica, em que se buscou a
comparação de elementos históricos, políticos e econômicos, desde 1808, início da
imprensa brasileira, até os dias atuais.
Ainda que se investigasse as faces do jornalismo brasileiro, a leitura de autores
estrangeiros foi inevitável, para a interpretação de definições de caráter universal, bem
como para uma verificação do papel da mídia em termos globais.
A intenção deste trabalho não foi a de recontar a história da imprensa, mas, sim,
identificar em vários momentos da história o surgimento de veículos alternativos, as
razões pelas quais existiram, a maneira como atuaram os mais representativos, e a
avaliação de sua real importância para o enriquecimento da atividade jornalística.
Optou-se, nas descrições históricas, o uso de citações literais em vez de se trabalhar
com a reconstrução de textos.
Para uma construção da forma de atuação da imprensa nos dias atuais, utilizou-
se artigos da internet, de sites de referências em jornalismo, como Observatório da
Imprensa e Instituto Gutemberg. A rede mundial de computadores foi usada também
para a identificação de diversas publicações eletrônicas de caráter alternativo, que estão
enumeradas no Anexo 1.
Como forma de “sentir” a essência do atual jornalismo alternativo, foram
adquiridos e lidos, exemplares da revista Caros Amigos e Carta Capital, e dos jornais O
Pasquim 21 e Correio da Cidadania.
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Na tentativa de se ouvir a voz de alguém que edita um veículo alternativo, foi
encaminhada uma entrevista, através de correio eletrônico, para o jornalista da revista
Caros Amigos, José Arbex Jr. Sua opinião sobre o assunto consta do Anexo 3.
Foram de incalculável valia as sugestões, críticas e análises, sempre abrangentes
e com sólida base teórica, do orientador Marco Schneider, que procurou mostrar os
melhores caminhos para se avançar na pesquisa, em especial no quesito de se definir, de
forma plena, o conceito de jornalismo alternativo, e na necessidade de se conhecer a
fundo as relações de poder entre capital, estado e aparelho ideológico.
Não poderia deixar de registrar, também, as impressões pessoais que pude
incorporar ao trabalho, fruto de conhecimento empírico, de aguçado senso de
curiosidade e de leitor compulsivo, que desenvolvi principalmente a partir do início da
graduação.
3. A MÍDIA DE MASSAS (OU GRANDE IMPRENSA)
3.1. Os Monopólios de Informação
Nestes primeiros anos do século XXI, percebemos uma complexa rede de
relações que se apossou da mídia1. Se antes os veículos impressos se diferenciavam
totalmente da televisão ou do rádio, cada um com linguagem própria, hoje, com a
internet, a convergência de mídias já não permite diferenciar para qual veículo seguirá
determinado conteúdo. Qualquer conteúdo pode, com as técnicas atuais, ser adaptado
para qualquer veículo. Esse fator agravou ainda mais a indesejável concentração da
informação jornalística nas mãos de alguns grandes grupos empresariais.
Isso não é privilégio do Brasil. Está ocorrendo em escala mundial. A lógica do
capitalismo, leia-se “lucro em primeiro lugar”, com o avanço tecnológico que trouxe o
tráfego da informação para o menor tempo possível, colocou a imprensa sob a
responsabilidade das grandes corporações.
No Brasil, a grande imprensa, aquela com abrangência nacional, que Ignácio
Ramonet chama de imprensa de referência2, está ligada aos seguintes grupos
empresariais: Editora Abril, que tem na revista Veja sua principal marca; Organizações
Globo, cuja vedete e principal empresa do grupo é a TV Globo; Grupo Folha, com o
jornal Folha de S. Paulo; e Grupo OESP, que publica o jornal O Estado de S. Paulo.
Essas empresas, com publicações que abrangem veículos impressos, rádio, televisão e
1 Nesta monografia, o termo mídia, sempre que citado sem especificação, estará se referindo aos meios de
comunicação de massa com sede no Brasil, classificados como veículos da grande imprensa, ou seja,
aqueles ligados aos grandes grupos de comunicação, como: Grupo Abril, Organizações Globo, Grupo O
Estado de S. Paulo, Grupo Folha).
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internet, são as responsáveis pela maior parte da informação jornalística do país. Além
desses, em um segundo escalão, estão o Grupo RBS, no Sul, a EPTV, no interior de São
Paulo e Sul de Minas, o Sistema Brasileiro de Televisão(SBT), Rede Bandeirantes,
Jornal do Brasil, e os Diários Associados, que editam o jornal Estado de Minas e
Correio Braziliense.
Esses veículos fazem com a notícia o que Cremilda Medina definiu como
“produto à venda” (MEDINA, 1978). Eles operam em escala industrial, com
sofisticados sistemas de padronização, cujo maior símbolo é o lide importado dos
Estados Unidos.
No grande esquema industrial concebido pelos donos da empresas de lazer, cada um constata que a informação é antes de tudo considerada como uma
mercadoria, e que este caráter prevalece, de longe, sobre a missão
fundamental da mídia: esclarecer e enriquecer o debate
democrático.(RAMONET, 1999, p. 8)
3.2. A Corrida Contra o Tempo
Os profissionais dessas empresas de comunicação trabalham como em uma linha
de montagem, com tempo cronometrado para entregar as matérias, às vezes várias em
um único dia. Porque o jornal ou a revista tem um horário de fechamento para cumprir e
um número determinado de páginas para preencher. Assim, o elenco da grande empresa
jornalística vai à caça da notícia, com a obrigação de encontrá-la no menor tempo
possível e colocá-la numa embalagem atraente para estar, sem atrasos, na mesa do leitor
na manhã seguinte. No rádio e na tevê, a urgência da notícia é ainda maior. O jornal
estará no ar nas próximas horas. O tempo é ainda mais corrido. A notícia tem que ser
preparada com uma rapidez muito maior, pois já existe um tempo marcado para aquela
matéria ir ao ar. E o que dizer da internet? A notícia ainda está acontecendo e os
primeiros registros jornalísticos já precisam estar disponíveis na rede mundial de
computadores.
A empresa jornalística exige esse comportamento ágil porque, como qualquer
empresa comercial, ela visa o lucro. Precisa de resultados positivos em seus balanços.
2 ”Por ocasião do acidente mortal de Diana, o que aconteceu foi uma espécie de curto-circuito midiático,
o repentino acesso de um personagem people de folhetim, de telenovela, ao status de personagem digna
da imprensa séria e de referência.”(grifo meu)(RAMONET, 1999, p. 13).
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Esse resultado é fruto do departamento comercial que vende a notícia através da
publicidade, maior fonte de receita da mídia. Ou seja, embora os veículos de imprensa
tenham como matéria-prima a informação, no momento em que a publicam, os donos da
empresa exigem a certeza de que aquela informação não irá comprometer o
relacionamento com os anunciantes.
Então como dizer que a notícia não se tornou, de fato, um produto à venda? Pior
que isso, a mídia, exatamente como prenunciava Gui Debord em 1968, transformou a
sociedade em um grande espetáculo:
A alienação do expectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de
sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele
contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens
dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu
próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo
aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro
que os representa por ele. É por isso que o expectador não se sente em casa
em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte.(DEBORD, 1997, p.
24)
A mídia, desde aquela época, hoje mais ainda, com a já mencionada
convergência de mídias proporcionadas pela revolução tecnológica, que tornou-se real
com a internet, conseguiu verdadeiramente criar uma realidade paralela à vida real.
A transposição da realidade imediata e de detalhes criticados como insignificantes pode ser atacada de pseudo-relato, na medida em que todo
relato não é mais a realidade, contingência de qualquer expressão
humana.(MEDINA, 1988, p. 114).
O principal modelo do futuro das comunicações é o êxito – real – da
Internet, essa rede mundial de computadores que, ligados entre si por
modens doravante sistematicamente integrados, podem dialogar e trocar
informação. [...] a Internet constitui um modelo de convivialidade telemática
cada vez mais ameaçada pelos apetites econômicos de grandes grupos
industriais e midiáticos que estão de olho nos quase 140 milhões de usuários conectados, pessoas fascinadas com um ciberespaço imaterial.(RAMONET,
1999, p. 8)
3.3. A Notícia Como Espetáculo
Cada um de nós possui o seu conhecimento de mundo, formado através do
contato com outras pessoas, com a família, através da escola, e através dos veículos de
comunicação. No entanto, a mídia tornou-se tão forte, tão envolvente e poderosa, com
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uma abrangência tão grande, que ela praticamente dita sobre o que as pessoas vão tratar
no dia-a-dia, como se aquilo que não está na televisão, ou nos jornais, não existisse. As
pesquisas sobre os meios de comunicação de massa tratam o assunto sob a ótica de duas
hipóteses, a do agenda setting, ou agendamento, e a da espiral do silêncio:
O agenda setting e a espiral do silêncio são duas faces de uma mesma
moeda. Ambas trabalham com a perspectiva massificante sob a égide da
imposição dos mass media sobre os indivíduos. Porém, o agenda setting
detecta tal massificação na migração dos temas mediáticos enquanto temas
ou agenda do público, quer dizer, os temas mediáticos se tornam conversa
no dia-a-dia. Já a espiral do silêncio apreende a massificação pelo
enclausuramento dos indivíduos no silêncio, quando estes têm opiniões
diferentes destas veiculadas pelos mass media.(FERREIRA, 2001, p. 111)
As pessoas passam cada vez mais tempo conectados a algum tipo de mídia. Isso
acaba por condicionar a forma como as pessoas enxergam o mundo, isto é, os conceitos
caminham para uma convergência. Todos passam a falar no mesmo tom. Temos, então,
a constatação inquestionável de que a cultura de massa fez com que as pessoas pensem
de forma semelhante. A indústria cultural transformou a realidade das pessoas na
realidade do espetáculo. “Com o termo indústria cultural, Adorno se propõe a explicar a
arte consumida pelas massas, uma mercadoria que não é mais produzida pelo trabalho
artesanal, mas conforme o modelo da manufatura e de grande indústria.”(MUSSE,
2003, p. 13)
A própria notícia passou a receber tratamento de espetáculo, como na colisão
dos aviões contra as torres gêmeas do World Trade Center, em 2001, e transmitida ao
vivo para os quatro cantos do planeta. O mundo ficou pequeno, extremamente pequeno,
com a força dos meios de comunicação. Qualquer acontecimento, em qualquer lugar do
mundo, pode ser mostrado ao vivo para qualquer região do globo. O desenrolar do
seqüestro do empresário Silvio Santos, dono do SBT, conseguiu prender, durante quase
todo um dia, milhões de pessoas junto à tela do televisor. É o exemplo real da notícia-
espetáculo, da notícia-produto. Logicamente, esse tipo de notícia agrada o público
porque o faz sentir-se próximo no tempo e no espaço com aquele personagem da mídia
em um evento inusitado da vida real.
Na véspera do “11 de Setembro”, morreu o prefeito de Campinas, Antonio Costa
Santos, o Toninho do PT, assassinado. A mídia noticiou, mas a força da notícia dos
atentados nos Estados Unidos, espetacular em todas as suas angulações, foi tão
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grandiosa que, embora a notícia nacional estivesse muito mais próxima, a morte do
político brasileiro pareceu assunto de menor importância.
O tratamento desproporcional entre os dois crimes é um exemplo de como a
grande imprensa brasileira está quase toda ela voltada para um único objetivo: o da
$AUDIÊNCIA$. Esse é o retrato do poderio da mídia de massas hoje, que aumentou a
partir dos anos 90, com os grandes avanços tecnológicos (internet, comunicação via
satélite, telefonia celular) e se consolidou nestes primeiros anos do terceiro milênio,
movida pela economia de mercados, neste mundo digital e supostamente globalizado.
Supostamente, porque não se pode chamar de globalização absoluta em todos os
aspectos da vida humana, se levarmos em conta as enormes desigualdades sociais
existentes entre países ricos e pobres. Ou seja, é globalizado para aqueles que têm poder
aquisitivo para participar dessa globalização, que acaba por se restringir ao contexto
meramente econômico.
Ignacio Ramonet descreve como o mundo tornou-se extremamente complexo e a
mídia absurdamente simplista, ou simplificada, ou massificada:
Agora, as informações devem ter três qualidades principais: serem fáceis,
rápidas e divertidas. Assim, paradoxalmente, os jornais simplificam seu
discurso no momento em que o mundo, transformado pelo fim da guerra fria
e pela globalização econômica, complexificou-se consideravelmente.
Este desvio entre o simplismo da imprensa e as novas complicações da
vida política extravia muitos cidadãos que não encontram mais, nas páginas de seu jornal, uma análise diferente, mais profunda, mais exigente do que
aquela que o telejornal apresenta. Esta simplificação é mais paradoxal ainda,
porque o nível de educação global de nossas sociedades não deixou de
crescer.(RAMONET, 1999, p. 137)
Assim como na indústria cultural existem produtos feitos na medida certa do
gosto popular, na atividade jornalística da grande imprensa de massas, a notícia é
trabalhada para ser vendida, é um produto tratado comercialmente como qualquer
qualquer outro bem de consumo. A notícia é dada dentro de formas padronizadas, que
não exigem quase nenhum esforço de quem lê. A camisa-de-força do lide, em que as
principais informações estão no primeiro e segundo parágrafos do texto, faz com que o
leitor não tenha que pensar. A matéria de fácil compreensão, com os elementos textuais
em uma ordem direta, não contribuem para a criação de uma consciência crítica, mas
tão-somente equivale à maneira veloz e superficial do noticiário da televisão, com sua
linguagem regida predominantemente pelas imagens. ”A mídia, sacrificando-se à
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ideologia do direto, do ao vivo, do instantâneo, reduz o tempo da análise e da
reflexão.”(RAMONET, 1999, p. 61)
As pautas das redações buscam o fato sensacional, inusitado, espetaculoso. Os
temas que mais vendem são aqueles que envolvem escândalos, autoridades,
celebridades. O mundo do espetáculo foi transportado para os jornais em forma de
notícia, quando na época dos folhetins o espetáculo restringia-se ao campo da ficção. A
mídia, na visão de Ignácio Ramonet, ganhou status não de quarto poder, mas de
segundo poder, pois ”na realidade, o primeiro poder é hoje claramente exercido pela
economia. O segundo[...] é midiático, [...] de modo que o poder político só vem em
terceiro lugar”(RAMONET, 1999, p. 40)
3.4. A Mídia Amordaçada
Podemos, na história da imprensa brasileira, alinhar três momentos em que a
informação jornalística sofre algum tipo de interferência, em que o jogo entre o poder
político e o poder econômico faz com que a notícia chegue ao público moldada por
interesses maiores do que o de informar com independência e ética:
1) O PODER DA MÍDIA SUPERA O PODER DO ESTADO - O poder
econômico, hoje, no Brasil, somado ao poder dos meios de comunicação de
massa supera o poder do Estado. As ações governamentais, necessariamente,
têm que levar em conta o dinamismo e o rumo dos mercados financeiros. As
publicações da mídia de massa passam, obrigatoriamente, pelo crivo do
capitalismo, da economia de mercados, do mundo economicamente globalizado
em que as empresas, em sua imaterialidade, valem mais do que as pessoas. A
ótica com que a grande imprensa noticia é a ótica do neoliberalismo, do grande
capital, das megacorporações comerciais, industriais e financeiras.
[...] é o que o jornalismo de hoje faz: quase tudo se traduz em índices, seja o
desemprego, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza ou o futebol.
O jornalismo perdeu a perspectiva do humano. A meu ver, é o mesmo que
perder a perspectiva da verdade. As estatísticas podem ter precisão
inquestionável e até ser indispensáveis para a compreensão dos contextos.
Mas a verdade do desemprego não está nos índices do governo ou nos
estudos frios da ciência e do empresariado. A verdade do desemprego está
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no drama do desempregado de hoje e nos medos do desempregado de
amanhã.
Os jornais e os jornalistas, porém, não têm essa perspectiva.
A leitura de qualquer jornal diário confirmará que o mundo representado no
noticiário é um mundo institucionalizado. Os personagens das notícias e
reportagens não são pessoas, mas representantes de instituições. Em vez de
atuarem como sujeitos, agem como objetos. (CHAPARRO, 1997)3
Cabe esclarecer que o papel da imprensa sempre repetiu o discurso do
capitalismo; hoje, porém, com os avanços tecnológicos que permitem o tráfego de
informações em altíssima velocidade, os efeitos do aspecto econômico sobressaem mais
do que em qualquer época:
Há um século, o conflito entre a imprensa e o poder é uma questão de
atualidade, mas toma uma dimensão inédita hoje, porque o poder não é mais
identificado só ao poder político (o qual, além disso, vê suas prerrogativas
roídas pela ascensão do poder econômico e financeiro) e porque a imprensa,
os meios de comunicação de massas não se encontram mais,
automaticamente, em relação de dependência com o poder político; o inverso é quase sempre o caso. Pode-se até mesmo dizer que o poder está
menos na ação do que na comunicação.(RAMONET, 1999, p. 39)
2) O PODER DO ESTADO SUPERA O PODER DA MÍDIA - na época do
Regime Militar(1964-1984), o Estado detinha o controle quase total sobre a
mídia, com a imposição da censura prévia, em que ditava o que devia ser
publicado.
O AI-54 impõe total controle dos meios de comunicação de massa,
sujeitando jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, livro, cinema,
teatro, música, disco e todas as formas de expressão do pensamento à
censura prévia. O presidente da República tem o poder de intervenção nos
Estados e municípios, de suspender ou afastar de suas funções funcionários
civis e militares, de confiscar bens, confinar e expulsar pessoas, cassar
mandatos, invadir domicílios, suspender direitos políticos.(BAHIA, 1990, p.
313)
O mesmo ocorreu nos anos da ferrenha ditadura Vargas(1937-1945), em que
através do Departamento da Imprensa e Propaganda (DIP) fazia sempre valer a versão
oficial do governo a respeito de qualquer assunto. A história da imprensa brasileira
[...] registra, com o Estado Novo, um dos mais lamentáveis episódios da
história do periodismo latino-americano. É quando se dá o advento da
3 http://www.igutenberg.org/cobert19.html.
20
censura, [...], a partir de 1939, estruturada no Departamento de Imprensa e
Propaganda.(BAHIA, 1990, p. 300).
3) O PODER DO ESTADO E O PODER DA IMPRENSA SE CONFUNDEM (1808-
1822) - Nos primórdios da história da imprensa brasileira, quando D. João VI chegou ao
país em 1808 e instalou a Imprensa Régia que passou a publicar o jornal a Gazeta do
Rio de Janeiro, imprensa e Estado eram a mesma pessoa. O Estado publicava o que
queria, da forma que desejava, em um jornal de sua propriedade. Os atos oficiais davam
o tom da publicação. A linha editorial do jornal era a de representar o Brasil como um
paraíso dos trópicos, onde não havia pobreza, exploração ou qualquer tipo de problema
social. "A diferença entre o Correio (Braziliense) e a Gazeta (do Rio de Janeiro) não é
só de datas, já notara um leitor eminente, John Armitage: o Brasil visto pela Gazeta
`deveria ser considerado como o paraíso terrestre, onde nunca se havia expressado
nenhum queixume`."(BAHIA, 1990, p. 24)
O que existe de comum nesses momentos da história é que de alguma forma a
informação não está isenta de interesses, no mínimo, suspeitos, com a intenção de
manter um determinado status quo.
No primeiro caso, a imprensa dos dias atuais tende a repetir a lógica do
neoliberalismo, da economia de mercados, do incentivo ao consumo, sem levar para o
noticiário, de forma esclarecedora e consistente, os inúmeros problemas sociais da
maioria da população. Os temas que envolvem aspectos sociais quase sempre só
ganham destaque sob o enfoque da denúncia.
Nos dois períodos de autoritarismo (Estado Novo e Regime Militar), sob a
censura e sem a força do poder econômico de hoje, a imprensa adotava uma atitude de
apatia, limitando-se a noticiar de forma a não ferir o poder ditatorial e, assim, colocar
em risco a sua sobrevivência.
O reinado de Portugal no Brasil desejava tornar-se vitalício e, assim, usava a
máquina estatal para divulgar, através da Gazeta do Rio de Janeiro, os atos
4 Ato Institucional nº 5, baixado pelos militares em 13 de dezembro de 1968, que, entre outras medidas,
fecha o Congresso Nacional e determina a censura prévia a toda e qualquer forma de expressão.
21
administrativos da Corte e colocar o Brasil, sob a ótica do Império, como o melhor país
do mundo.5
A questão que agora se apresenta é: o jornalismo é capaz de se desvencilhar
dessas formas, implícitas ou explícitas, de abusos de poder? O jornalismo deve limitar-
se a testemunhar os acontecimentos ou deve, além disso, propor idéias que visem o
bem-estar comum e a construção de uma sociedade minimamente igualitária?
A responsabilidade moral do jornalismo se ampara no uso pleno da
liberdade de informar e no respeito completo aos direitos do cidadão num
Estado pluralista, cuja essência está na dupla natureza de falar e de ser
ouvido. A liberdade de expressão se define moralmente pelo princípio comum de que é tão útil a quem a veicula como a quem a consome, um e
outro detentores do mesmo privilégio de emitir e de receber.(BAHIA, 1990,
p. 220)
A abordagem dos aspectos relacionados à pessoa humana deve ganhar mais
espaço na mídia, ou o mundo moderno obriga a imprensa a levar para o noticiário, em
sua maior parte, apenas o que existe de mais importante no mundo econômico-
empresarial-neoliberal?
O jornalismo não pode nem deve rejeitar a quantidade avassaladora de
notícias que o mundo institucionalizado produz. Essa é a engrenagem da
atualidade, quer se goste ou não. Mas os jornais têm de arranjar tempo,
espaço e competência para fazer a descoberta e o desvendamento dos
efeitos. Por esse caminho se humanizará a narração jornalística e será
alcançada a pedagogia da explicação. A capacidade jornalística de
apreender, desvendar e relatar as conseqüências dos acontecimentos dará aos
efeitos força de causa, para as transformações que interessam ao aperfeiçoamento da sociedade humana. Na competência e na arte de lidar
com os efeitos[...], a ação jornalística adquire instância da causa, porque
produzirá coisas novas, transformadoras. (CHAPARRO, 1997)6
Quem nunca ouviu falar em Echelon; quem nunca ouviu falar de nomes
como Hipólito da Costa, Jaguar, Ziraldo, Raimundo Pereira; quem nunca soube da
existência de publicações como O Pasquim, Movimento, Caros Amigos, talvez aprecie
conhecer o jornalismo alternativo.
5 Nos demais momentos da história da imprensa brasileira, as empresas de comunicação, de alguma
maneira, ainda estavam buscando a sua identidade ou o país estava vivendo alguma grande
transformação social ou política (como, por exemplo, os períodos que sucederam a Independência, a
proclamação da República, o Governo JK e a reabertura política, em 1984). Assim, a imprensa não sofria,
de forma tão evidente, a interferência direta de fatores alheios à essência da atividade jornalística. 6 http://www.igutenberg.org/cobert19.html.
4. JORNALISMO ALTERNATIVO
4.1. A Busca de um Conceito
Diz, textualmente, a Grande Enciclopédia Larousse Cultural:
Alternativo adj. 1. Que se diz ou que ocorre com alternação; 2. Que se pode escolher em vez de outro: caminho alternativo; 3. Diz-se das técnicas,
formas de energia, tecnologias, etc., pouco poluidoras, que preservam o
meio ambiente e não exigem instalações gigantescas. // Fotografia
alternativa, diz-se dos processos não convencionais de impressão
fotográfica. // Imprensa alternativa: “é a manifestação, sob a forma de
jornal, revista, folheto ou panfleto, dos setores da sociedade sem acesso à
imprensa tradicional(...)” (ABI).” (Volume I, p. 221)
O que a Associação Brasileira de Imprensa coloca como imprensa tradicional é
o conceito que anteriormente descrevemos como mídia de massas ou grande imprensa.
Rivaldo Chinem afirma que “o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda
acrescentou, na segunda edição de seu Novo Dicionário, a definição do termo
`alternativo` como algo `que não está ligado aos interesses ou tendências políticas
dominantes: imprensa alternativa`.(CHINEM, 1995, p. 8)
Juarez Bahia, ainda que não se atenha à definição do termo, faz referência aos
jornais alternativos da seguinte forma:
Já, então (1852), a consciência de emancipação nacional mobiliza o Brasil
de ponta a ponta. A imprensa é o elemento que faltava na composição de
forças, de anseios e de aspirações voltados para a independência, para um ato de afirmação de autonomia. Nela o jornal político se projeta, seja em
veículos efêmeros, alternativos(grifo meu), seja nos estáveis,
regulares.(BAHIA, 1990, p. 35)
23
O trabalho “Estado da Arte em Pesquisa em Jornalismo no Brasil: 1983-1997”7,
realizado por pesquisadores8 da PUCRS, traz a seguinte denominação: “Jornalismo
Alternativo: inclui a atividade jornalística realizada fora do âmbito da grande empresa
jornalística e que possui público específico.”
Bernardo Kucinski, que participou de jornais alternativos da época do regime
militar, descreve em seu livro Jornalistas e Revolucionários. Nos Tempos da Imprensa
Alternativa que:
[...] o radical de alternativa contém quatro dos significados dessa imprensa:
o de algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre
duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saida para uma situação
difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos anos 60 e 70, de
protagonizar as transformações sociais que pregavam (KUCINSKI, 1991, p.
XIII)
Nota-se, portanto, que o termo alternativo remete a uma segunda opção em
relação a alguma coisa. Porém, não simplesmente a uma opção semelhante àquela a que
faz concorrência. Alternativo conduz à idéia de que a outra escolha faz oposição à
primeira. Ou seja, existe, em tese, uma situação “A”, que chamaremos de convencional,
tradicional, aceita por uma grande maioria da população. Seria essa a situação do
consenso geral. E existe, por oposição, uma situação “B”, a situação alternativa, que
pressupõe outros valores e outras formas que, em algum momento, podem negar,
contradizer, complementar ou criticar a situação tradicional.
Para anexarmos o termo alternativo ao jornalismo, evidentemente que se faz
necessário um abordagem mais aprofundada, dada a natureza mutacional da atividade
jornalística, conforme se analise tempo e espaço, interesses políticos, econômicos ou
ideológicos. Como já dito, o jornalismo tem por objetivo interpretar a realidade e levar
ao público essa interpretação. Numa análise desprovida de contextos, na frieza do
termo, seria uma atividade pura e despretensiosa, cujo maior interesse seria informar o
leitor, o telespectador, o ouvinte. Sob esse ângulo, não se exigiria um termo que o
complementasse porque sua função primordial, a de levar a verdade dos fatos ao
público, estaria implícita e explícita na prática jornalística.
7 Disponível em: www.intercom.org.br/papers/xxii-ci/gt03/03p08.PDF. Acesso em: 27/09/2003.
8 Manuel Luís Petrik Pereira - Estudante de Jornalismo/PUCRS, Pesquisador PIBIC/Fapergs 1998-1999
24
No entanto, por se tratar de atividade que traz em seu exercício toda a
complexidade das relações humanas, do convívio social, em que vários interesses
determinam a maneira pela qual determinada ação é conduzida, o jornalismo, em sua
evolução, ganhou classificações que serviram para especificar de que tipo de jornalismo
falamos. Como uma especialização da atividade: jornalismo político, jornalismo
econômico, jornalismo científico, jornalismo acadêmico, jornalismo alternativo.
Em sua evolução, a imprensa ganhou contornos de atividade industrial e
começou a produzir conteúdo para difusão em grande escala, e, por isso, passou a ser
chamada de grande imprensa. Os interesses econômicos, a sobrevivência das grandes
empresas de comunicação, ditam as regras do fazer jornalístico. Com isso, a
interpretação do fato, que em teoria deveria ser imune a qualquer tipo de interesse, é
feita de forma a não ferir interesses diversos e, assim, colocar em risco a empresa
jornalística. Por isso, reproduz em suas matérias a ordem econômica e política
dominantes. O oposto desse tipo de jornalismo é o que classificamos de jornalismo
alternativo.
Dessa forma, podemos, conceituar jornalismo alternativo como aquele tipo
de jornalismo que:
1) não faz parte da grande imprensa;
2) não está ligado a grande grupos ecônomicos e, portanto, teoricamente,
defende idéias que valorizam mais o aspecto humano e de cidadania em vez do aspecto
comercial, financeiro ou capitalista;
3) possui um público específico e menor que o da grande imprensa;
4) possui natureza crítica;
5) defende valores nacionalistas;
6) combate todas as formas de abuso de poder; e
7) zela pela liberdade de imprensa e de expressão.
O jornalismo alternativo pressupõe a existência de uma ou mais forças
dominantes, que pode ser política, econômica, militar, ideológica. Notaremos, na análise
Jacques A. Wainberg - Doutor em Jornalismo/PUCRS, Pesquisador CNPq
25
histórica, que os períodos de menor liberdade de expressão são os que mais contribuem
para o nascimento dos veículos alternativos. Foi assim na inauguração da imprensa no
Brasil, em 1808, quando as autoridades imperiais queriam um país livre de qualquer
pensamento revolucionário. Foi assim no regime militar, em que a censura tentou calar
todas as vozes que a ela se opunham.
5. ASPECTOS HISTÓRICOS
5.1. História da Imprensa Brasileira Começa com um Jornal Alternativo
Em 1808 a imprensa surge no Brasil, com a vinda da Família Real e a
instalação das primeiras tipografias. D. João VI, fugido de Portugal, inaugurou a
Imprensa Régia que editava o jornal Gazeta do Rio de Janeiro: era o jornal oficial da
Coroa. Seu conteúdo era feito pelo atos administrativos da Corte. Suas páginas
colocavam o país como o melhor lugar do mundo, onde não existia nenhum tipo de
problema social ou econômico.
Embora a Gazeta tenha circulado primeiro, foi o Correio Braziliense, de
Hipólito José da Costa, que inaugurou a imprensa no Brasil, com sua primeira edição,
datada de 08 de junho de 1808. Circulou no Brasil cerca de seis meses depois desta data,
já que era produzido em Londres e enviado para o Brasil de navio. O jornal fazia
oposição explícita às questões registradas pela Gazeta. Se o jornal da Coroa limitava-se
a publicar o que convinha ao Império, o Correio Braziliense era um divulgador de
idéias, de valores, de opiniões. Seu objetivo era mostrar ao povo que o Brasil não era
aquele paraíso que a Gazeta fazia crer.
Temos, assim, o primeiro jornal alternativo do Brasil.
De um lado estava o poder econômico e politico do Império, que queria um
Brasil escravizado, uma população explorada e dependente de Portugal, para onde
seguia grande parte de nossas riquezas. A força desse poder era transportado para as
páginas da Gazeta do Rio Janeiro. O jornal era a voz do Rei e zelava pela manutenção
de uma ordem dominante, sem espaço para o debate de idéias ou ideais revolucionários.
27
De outro lado, com recursos financeiros infinitamente menores e sem
expressiva representação política, Hipólito da Costa editava o Correio Braziliense.
Quem quisesse saber o que Gazeta deixava de informar, tinha que ler o Correio. Para a
época, as idéias de Hipólito da Costa eram consideradas incendiárias, já que ele
luta no Correio por princípios liberais e democráticos, contra as práticas
obscurantistas e despóticas. Defende mudanças substanciais no sistema político, administrativo, econômico e social vigente no Brasil e em
Portugal. Quer a emancipação de seu país, não por métodos violentos, mas
por meios legais.(BAHIA, 1990, p. 27)
No período em que circulou (1808-1821), o Correio foi uma voz de
oposição, um palco de debates para questões de interesse nacional que a Gazeta insistia
em omitir. O jornal de Hipólito da Costa, como se observará também em outros
alternativos, foi vorazmente perseguido pela Coroa portuguesa. A Corte buscou de todas
as formas calar a voz de seu editor para que pensamentos divergentes das autoridades
imperiais não aflorassem. Em 1822, o Brasil torna-se independente de Portugal. O
Correio, que durante treze anos colocara em discussão temas polêmicos e ideais
revolucionários, deixa de circular. Extingue-se a razão principal de sua existência, que
era difundir críticas e opiniões de valorização do país. Não havia mais uma grande
força, até então personificada nas autoridades da Coroa, contra quem devesse lutar.
Percebemos, assim, que o jornal alternativo simboliza a luta do mais fraco
contra o mais forte. Enfraquecido o mais forte, o mais fraco perde a razão de ser ou de
existir.
Mas ao Correio Braziliense soma-se uma lista enorme de outros pequenos
jornais de oposição. Foi a época dos panfletos, ou imprensa panfletária, que se estendeu
até a República. Com as transformações trazidas pela independência surgem novos
ideais: a abolição da escravatura, transformação do Império em República, entre outros.
5.2. Regime Militar Torna-se Solo Fértil Para a Imprensa Alternativa: O Pasquim,
Movimento, Opinião
Os anos sombrios da ditadura militar Militar trouxeram ao País censura,
perseguições, atentados a bomba contra bancas de jornais e contra redações, prisões,
28
exílios, mortes. Mas trouxeram também um grito veemente contra o autoritarismo do
regime: a imprensa alternativa.
Ao sair da prisão, Ziraldo começou a pensar em uma publicação que fosse
independente dos interesses de empresas como as que mantinha Manchete,
Globo, Estadão, Folha e outros. O Pasquim foi criado em julho de 1969.[...]
O Pasquim não era um jornal político, era apenas um jornal debochado, de
contestação, indignado, que queria sair do sufoco, um jornal que não
suportava mais ver os outros jornais como a primeira página do Jornal do
Brasil, cheia de insinuações e legendas, e o censor dentro da redação.(CHINEM, 1995, p. 42)
O Pasquim era feito olhando-se para Jaguar, um humorista puro por
excelência, para o riso que ele daria ou não. Foi Jaguar quem descobriu que
Paulo Francis escrevia `inserido no contexto` e fez piada em cima; ele
descobria as `pérolas` e debochava. Jaguar sempre dizia que tinha
mentalidade de 15 anos de idade. Às vezes se olhava no espelho e via aquele
velho careca e levava um susto porque por dentro ainda era um
irresponsável.(op. cit., p. 52)
No dia 23 de outubro de 1972 Opinião chegou às ruas. Fernando Gasparian9
acreditava estar fazendo, a partir daquela data, um jornal para durar cem anos, um jornal que, depois de um investimento inicial, deveria ser auto-
sustentável por meio das vendas em bancas. [...] Opinião não iria fazer
política, não faria propaganda de movimentos políticos nem preservaria a
imunidade de grupos ou igrejinhas, no entender de Raimundo (Rodrigues)
Pereira10.[...] Opinião funcionou como um canal de comunicação entre
intelectuais e jornalistas perseguidos pelo regime militar e seu público,
devolvendo o direito de expressão aos pesquisadores expurgados das
universidades. O jornal publicava a discussão das tarefas possíveis para uma
oposição nas condições de autoritarismo extremo. [...] Antecipou-se aos
jornais diários na defesa do consumidor e do meio-ambiente. Provocou uma
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre abusos na comercialização de medicamentos e projetou, em termos nacionais, críticos, escritores e
ensaístas. (op. cit., p. 58)
Os cinco princípios para o jornal Movimento11 foram escritos no folheto do
lançamento, número zero, em junho de 1975. Raimundo Pereira destacou o
coletivo de 16 pessoas, a importância do conselho editorial e um programa
mínimo semelhante ao Opinião, mas voltado a um público mais
amplo.[...]Movimento uniu várias correntes da esquerda, atraindo tanto
militantes que haviam se afastado da luta armada em grupos novos que se
animavam com o surgimento do novo jornal, vendo nele um espaço em que
seria possível o exercício da ação política em um plano mais geral.(op. cit.,
p. 72-73)
9 À época, empresário do setor têxtil (América Fabril). 10 Editor do jornal Opinião, que havia atuado em jornais como Folha da Tarde e O Dia e na editoria de
ciência, política e artes e espetáculos da revista Veja. Ele foi convidado para editar Opinião pelo
empresário Fernando Gasparian, por indicação de Bernardo Kucinski.
29
5.3. Anos 90: Imprensa de massa enfraquece jornalismo alternativo,
mas Caros Amigos faz o contraponto
A idéia da revista (Caros Amigos12) surgiu da necessidade que sentimos de
ter uma voz que destoasse do discurso da grande mídia, que discutisse a globalização. Por outro lado, pensando pelo lado técnico, achávamos que
tinha que haver alguma coisa mais jornalística. Porque, há quatro anos,
quando a revista surgiu, o que se dizia é que as pessoas estavam parando de
ler, que, na sociedade da imagética, o lance era fazer textos curtos, com
muitas fotos, ilustrações e infográficos. Influências, no jornal, da escola do
U.S. Today, americano, e, do lado da revista, o sucesso da Focus alemã e da
influência da Escola de Navarra. Nós, ao contrário, fizemos uma revista que
revaloriza o texto, porque há muitos leitores que querem ler coisas
inteligentes, que os façam pensar criticamente o país. Queremos fazer a
revista crescer. Por que não ter uma editora que não seja de direita no país?
É claro que não vamos ter ajuda do BNDES, etc., mas vamos tentar, temos esse sonho. John Lennon disse que o sonho acabou. Mas eu acho que não:
um sonho sonhado por muitos vira realidade. (ARAÚJO, 2003)13
O jornalismo alternativo, como visto, muda sua forma de acordo com a época.
Cada momento da história, com seus contornos políticos e econômicos, fazem nascer
um tipo diferente de oposição.
O que fica muito evidente é que o jornalismo alternativo combate alguma forma
de abuso de poder. Ele quer chamar atenção para algo que os interesses dominantes
querem esconder ou, de outra forma, não pretendem divulgar. O veículo alternativo
surge na imensa arena de debates do jornalismo como uma espécie de GRITO a favor
de uma nova idéia.
11 O jornal nasceu após desentendimentos entre o editor Raimundo Pereira e o empresário Fernando
Gasparian a respeito dos rumos do jornal Opinião, que ambos dirigiam. 12 Publicação mensal da editora Casa Amarela, lançada em 1998, que reúne jornalistas e intelectuais, com
tiragem média de 55 mil exemplares mensais, entre os quais: Sérgio de Souza, editor, Marina Amaral,
editora executiva, José Arbex Jr., editor especial, e Wagner Nabuco de Araújo, diretor comercial. 13 http://comcult2002.sites.uol.com.br.
6. ASPECTOS EDITORIAIS
6.1. Linguagem
Nos alternativos, a linguagem empregada varia bastante de um veículo para
outro, de acordo com sua identidade e com os objetivos ideológicos. Notamos, todavia,
que alguns traços são comuns aos veículos alternativos. O humor e a irreverência são
uma marca nesse tipo de jornalismo. Grande exemplo disso foi O Pasquim, um jornal
que verdadeiramente “fazia piada” com os militares e o regime que defendiam.
Enquanto a imprensa tradicional segue padrões de forma e conteúdo, os
alternativos tendem a ser mais informais, mais livres, mais criativos.
Os alternativos, em tese, não medem palavras para dizer o que querem. Não
formatam a informação para deixar de agredir a quem quer que seja.
6.2. Estrutura financeira
É comum aos alternativos possuírem uma estrutura financeira de poucos
recursos. Normalmente, o retorno vem através da venda dos exemplares, já que, por sua
linha de atuação, ao se colocarem na oposição às forças dominantes, a publicidade tem
valor simbólico.
Essa escassez de recursos é um dos fatores que marcam a efemeridade dos
alternativos. Possuem vida relativamente curta, se comparada aos grandes veículos da
imprensa tradicional, algumas delas, como O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, já
com mais de 100 anos de existência.
31
Essa efemeridade se explica pelo fato de que cada veículo alternativo cumpre
um papel no decorrer da história. Eles surgem exatamente da necessidade de se fazer
oposição a um sistema que de alguma forma não atende às regras para uma sociedade
minimamente justa e igualitária.
6.3. Marca Pessoal do Proprietário
A primeira coisa que se observa na análise dos veículos alternativos é que eles
trazem, em sua forma e conteúdo, a marca de seu editor, ou de seu proprietário. A marca
pessoal do dono do jornal tem fundamental importância porque, neste caso, o veículo
representa a voz do dono. Na grande imprensa também, mas não de forma tão explícita.
Os grandes veículos seguem padrões e regras do sistema industrial de produção de
notícia. Os alternativos, ao contrário, tentam aumentar o alcance, através do jornal, das
idéias ou ideais de seu idealizador.
Isso fica muito claro quando se volta para os alternativos da época do Regime
Militar. Todas as prisões tinham alvo certo: os donos do jornal, os editores, os
jornalistas mais influentes. Como lembrar do Correio Braziliense sem se referir a
Hipólito José da Costa? Como lembrar de Opinião e Movimento sem que o nome de
Raimundo Pereira seja lembrado?
Porque enquanto a imprensa tradicional funciona como uma grande lente
que registra em grande escala os acontecimentos do dia-a-dia, o veículo alternativo
existe como um propagador de idéias. A interpretação do fato passa ser mais importante
do que o fato em si. Por essa razão, o estilo do dono do jornal, ou de seus editores, fica
tão evidente.
6.4. Perfil dos Leitores
O leitor que normalmente lê publicações consideradas alternativas, também lê
as da grande imprensa. Porque os veículos alternativos não se sobrepõem aos grandes
veículos; eles têm por função cobrirem determinadas lacunas deixadas pela grande
imprensa.
32
Os alternativos não chegam aos leitores, mas estes é que vão atrás. Ao contrário
dos veículos da grande imprensa, que são encontrados sem esforço em qualquer local
público, como escritórios, consultórios, hotéis etc.
É lógico que essa obrigatoriedade de que o leitor seja o sujeito da ação (de
buscar o jornal) irá variar de uma época para outra. Na apogeu do sucesso dos
alternativos, nos anos 60 e 70, eles eram disputados nas bancas e passados de mão em
mão para leitura. Prova disso foi o sucesso estrondoso de O Pasquim que chegou a
vender mais de 200 mil exemplares por edição.
O número de leitores também merecem uma análise. Os alternativos, por serem
direcionados a um público específico, possuem tiragem bastante reduzida em
comparação com os grandes veículos. Isso decorre do fato de terem um público restrito
que, ativamente, procura publicações dessa natureza. Faz parte desse público o leitor
curioso, crítico, bem informado.
As publicações alternativas dependem do desejo consciente do leitor em buscar
esses veículos. Porque esse público, mais exigente e crítico por natureza, não se
contenta com a superficialidade da tevê nem com a voz uníssona dos veículos da grande
imprensa. Ele quer pensar diferente, porque sua consciência crítica precisa de um palco
de debates em que as idéias sejam mais amplas.
6.5. A busca da liberdade de imprensa
Até que ponto o jornalismo alternativo é o que mais se aproxima da liberdade de
imprensa?
O principal foco do jornalismo alternativo, em tese, é o de fazer um jornalismo
realmente livre de qualquer tipo de pressão, seja ela do poder econômico, do poder do
Estado, ou de qualquer outro.
Se a imprensa tradicional tende a seguir os padrões ditados pelo poder,
invariavelmente em algum momento ela se submeterá a esse poder. A submissão ao
poder colocará de lado a liberdade de imprensa que se confunde com a liberdade de
empresa. O patrão determina o que vai ser publicado. O jornalista não possui recursos
para contrariar o dono do jornal. Afinal, ele é apenas um empregado e como tal cumpre
33
ordens. Ou seja, a liberdade de imprensa limita-se àquilo que o proprietário da empresa
considere “publicável”. Se a informação jornalística de alguma maneira contiver o risco
de comprometer os interesses comerciais da empresa, certamente ela será trabalhada
para que aquele risco seja minimizado. O empresário da comunicação terá, então, duas
escolhas: a de não publicar ou de divulgar parcialmente. Do lado dos veículos
alternativos, pela própria estrutura financeira reduzida, a informação jornalística tende a
ser mais transparente, o que faz com que os fatos tenham um tratamento mais analítico e
de reflexão. Não existe a pressão comercial para ditar a forma como determinada notícia
ser tratada.
No jornalismo alternativo, as diversas funções da redação acabam por se
confundir e a liberdade de imprensa é, teoricamente, maior. O jornalista do alternativo
atua também como dono, e assume, nos estilo do texto e nas idéias que defende, a
identidade do veículo.
Há que se fazer uma distinção entre jornalismo alternativo e a conceituação
histórica de imprensa alternativa, expressão que designa especificamente a imprensa de
oposição e resistência que atuou nos anos do regime militar(1964-1980).
O jornalismo alternativo, defendido neste trabalho como uma forma de atividade
jornalística que busca a valorização do debate de idéias em vez de um discurso que
repete os interesses econômicos ou políticos dominantes, possui uma abrangência
maior e não assume a face pejorativa que em alguns momentos caracteriza a imprensa
alternativa da época da ditadura. Talvez por essa razão o jornalista José Arbex Jr.
posicione-se claramente contra o uso do termo alternativo(vide anexo 3).
Ainda que originalmente a palavra se refira a algo ligado a alguma forma de
resistência, de contracultura, de radicalismo exacerbado contra uma forma massificante
de expressão, o jornalismo alternativo incorpora uma definição mais ampla do termo.
Nele não está contido apenas o fazer jornalístico que critica, que satiriza, que ironiza,
mas, além disso, propõe idéias em estilo sério, analítico, interpretativo, de valorização
da cidadania.
6.6. A Sobrevivência do Jornalismo Alternativo
34
Umas das questões fundamentais para se entender por que os jornais
classificados como alternativos tiveram vida curta na história da imprensa brasileira é
analisar a sua base de sustentação financeira.
Os veículos alternativos nunca tiveram recursos financeiros suficientemente
grandes para competir com a grande imprensa. O Correio Braziliense, de Hipólito José
da Costa, recebia apoio financeiro da Coroa Britânica, mas nem assim conseguia
competir em estrutura econômica-financeira com os da Coroa Portuguesa, que mantinha
o jornal Gazeta do Rio de Janeiro. Os alternativos do regime militar, em sua ampla
maioria, também não tinham suporte financeiro, sendo que uma das poucas exceções foi
o jornal Opinião, que foi mantido pelo empresário Fernando Gasparian. Fora isso, os
veículos tentavam se manter com a venda de assinaturas ou em bancas de jornais. O
Pasquim, por exemplo, chegou a vender mais de 200 mil exemplares em sua fase de
ouro. Foi dos poucos casos de comprovado sucesso do jornal alternativo como empresa.
No entanto, por divergências de idéias entre seus editores, que, em última instância, não
davam a mínima para o fator negocial, o jornal gradativamente foi perdendo audiência e
não pôde solidificar o êxito financeiro.
Percebemos, assim, que o jornalismo alternativo definitivamente é movido
muito mais por idéias e ideais do que por fins econômicos e financeiros. Essa
característica inata decreta a efemeridade dos veículos alternativos, que surgem e
desaparecem conforme existam idealistas contrários às forças dominantes em cada
momento da história.
6.7. Jornalismo Alternativo e Poder Político
No decorrer da história dos veículos considerados alternativos nota-se que a
oposição ao poder político e ao poder do Estado foram um ponto em comum entre eles.
O Correio Braziliense se opunha ao Reinado de Portugal no Brasil, defendendo, sim, a
Monarquia, porém que o Brasil deixasse de ser apenas um fonte de exploração
comercial. O Pasquim, Movimento, Opinião, e tantos outros, eram o sìmbolo da
resistência ao autoritarismo dos militares.
Ou seja, a existência dos alternativos decorre da existência de uma força
contra a qual se opor. Nesse quesito, o poder político ou o poder do Estado foram os
35
grandes adversários. O abuso do poder, a falta de liberdade, a imposição da censura
eram fatores que contribuíam para o nascimento dos jornais alternativos.
Esse caráter político que na grande imprensa de hoje fica nas entrelinhas dos
textos do noticiário, aparece com maior clareza nos alternativos. Em primeiro lugar
porque, como já dito, os alternativos têm caráter pessoal, isto é, em geral os textos são
assinados. O leitor sabe quem está falando. A grande imprensa, ao contrário, posiciona-
se junto ao público através da impessoalidade dos editoriais e dos artigos de opinião
que, embora assinados, praticamente repetem o pensamento da empresa. Daí surge a
desconfiança por parte do leitor de que a mídia nem sempre diz toda a verdade. Não que
ela minta. Mas a mídia molda a informação de acordo com suas convicções políticas ou
econômico-financeiras. Os alternativos, longe de incorporarem o utópico jornalismo
desprovido de qualquer tipo de interesse, fazem o contraponto do discurso da mídia.
Aquilo que a grande imprensa não diz, como forma de não comprometer suas relações
com o poder ou com as verbas publicitárias, os veículos alternativos publicam.
6.8. Contradições e Dificuldades
Por sua fragilidade financeira, nota-se a primeira grande desproporção de forças
entre os veículos alternativos e os da grande imprensa, tanto no aspecto de estrutura
material como na composição de seus quadros de profissionais. Somente a grande
imprensa possui condições para contratar os melhores jornalistas e pagar salários
elevados.
O jornalismo alternativo não reúne condições de concorrer com a grande
imprensa. Os alternativos, com sua periodicidade semanal ou mensal, têm muito pouca
representatividade frente aos grandes jornais diários, às grandes revistas semanais, ou
aos telejornais com audiência de milhões de expectadores. A revista Caros Amigos, um
dos representantes do atual jornalismo alternativo, tem tiragem média de 55 mil
exemplares por mês. O jornal Folha de São Paulo a cada domingo edita em média 400
mil exemplares. A grande imprensa é esmagadoramente superior aos veículos
alternativos.
A favor do poder de fogo da grande imprensa brasileira estão os graves
problemas sociais do país, onde a maioria da população, por questões de falta de acesso
36
à educação e falta de recursos, não lê jornais nem revistas e tem com principal fonte
para se manter informado a televisão. Esta, com sua superficilidade no tratamento dos
temas pautados em seus telejornais, não é capaz de contribuir para o nascimento de uma
consciência crítica.
6.9. A Favor dos Alternativos
Existe, porém, um fator preponderante que está colocando em xeque essa
supremacia da grande imprensa.
Expandem-se, hoje, variadas formas de comunicação proporcionadas pela
internet. Na rede mundial de computadores circulam informações alternativas em uma
velocidade nunca antes imaginada, que, em alguns casos, conseguem superar a agilidade
das mídias convencionais. A eclosão da notícia do relacionamento comprometedor entre
o então presidente americano Bill Clinton e a estagiária da Casa Branca, Mônica
Lewinski, deu-se primeiramente através de um site na internet. Depois a mídia foi atrás
apurar a veracidade das informações.
Tudo começou quando um certo Matt Drudge enviou pelo seu site na
Internet, The Drudge Report, o conteúdo das conversas telefônicas gravadas
pela amiga-denunciante de Monica Lewinsky, Linda Tripp. A revista
Newsweek havia hesitado em difundir essas conversas, pedindo mais um
tempo para verificar a informação, precaução que o próprio Matt Drudge
não tomou. De modo que a irrupção da notícia na esfera da Internet enlouquecer a imprensa escrita que, para entrar na corrida, pôs-se a cercar
por todos os lados os furos de reportagem com um único objetivo em mente:
não se deixar distanciar pela Internet. (RAMONET, 1999, p. 14)
Na recente segunda Guerra do Golfo, em que a mídia americana tornou-se porta-
voz do Governo americano, eram os blogs14
que faziam o contraponto às notícias
oficiais e mostravam a verdadeira face de terror da guerra.
É um grande problema a questão da credibilidade das informações
disponibilizadas na internet. Não se pode confiar nelas cegamente, sem antes comparar
14 Tipo de serviço disponibilizado por grandes portais de internet, que funcionam como um diário onde
qualquer pessoa pode tornar público notícias, informações ou simplesmente um relato pessoal.
37
com outras fontes. Entretanto, ainda que essas informações sejam pouco confiáveis, essa
facilidade de comunicação de baixo custo contribui para que a mídia, ainda que de
forma tímida, preocupe-se com o tom de seu discurso. Pois ela não pode correr o risco
de publicar uma informação que, mais tarde, seja desmentida pelo universo paralelo do
mundo virtual.
Será o começo da quebra do paradigma de que aquilo que não sai na grande
imprensa simplesmente não existe? Já existem fatos que ganham repercussão única e
exclusivamente através da internet. O Relatório Alfa15
, exemplo de alternativo na
grande rede mundial, registrou em seu site um caso explícito de censura envolvendo a
Fiat Automóveis, que a grande imprensa simplesmente ignorou. Um cliente da empresa,
descontente com o tratamento recebido, criou um site de protesto16
, com o slogan “Fui
Iludido Agora é Tarde” (mesmas iniciais da montadora de automóveis). No site, ele
colocou fotografias suas, em que, vestido de palhaço, buscava chamar a atenção para a
forma desrespeitosa com que a Fiat negava-se a resolver o seu problema. A direção da
Fiat, usando de seu poderio econômico, exigiu que o provedor retirasse o site do ar. O
cliente insatisfeito havia hospedado uma cópia do site em um provedor fora do Brasil.
Do contrário, a empresa teria ganho a guerra de ocultamento do fato. O caso ficou
restrito ao mundo virtual e não chegou à grande imprensa. Mas demonstrou que a
internet pode ser uma poderosa arma de defesa contra qualquer forma de abuso de
poder.
6.10. Uma Justificativa Necessária
Como dissemos no início deste trabalho, o objetivo aqui foi mostrar os
momentos em que o jornalismo alternativo apareceu de forma mais evidente. Ainda que
recorrêssemos aos aspectos históricos da imprensa brasileira, não tivemos a pretensão
de recontar a história do jornalismo brasileiro. Ainda que da leitura da presente pesquisa
fique a impressão de que períodos importantes foram deixados de lado, registramos,
mais uma vez, que nosso objetivo principal foi chegar a um conceito, o mais abrangente
possível, do que seja o jornalismo alternativo. Na busca desse conceito, notamos que os
15A matéria completa, inclusive com a cronologia dos fatos, está disponível em
http://www.relatorioalfa.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=245. Acesso: 09 nov.2003.
38
momentos mais propícios para o surgimento de veículos alternativos foram quando a
liberdade de imprensa e expressão foi barrada pela força do poder. Daí a razão de
elencarmos os três momentos da história do jornalismo no Brasil em que a censura ou a
autocensura motivaram o nascimento de veículos de oposição, exatamente os
alternativos.
Apesar disso, registramos, a seguir, algumas observações que, por uma questão
metodológica, não fizeram parte do presente trabalho, mas que de alguma forma contêm
elementos de caráter alternativo:
A partir da Independência, em 1822, surgiram inúmeros pequenos jornais de
oposição, que foram chamados de pasquins ou de imprensa panfletária, efêmeros em
sua maioria. Um dos nomes mais importantes desse período foi o de Cipriano
Barata, que editou vários jornais com o título Sentinelas da Liberdade. Ele foi um
dos pioneiros na luta pela liberdade de imprensa.
Do início do século XX, logo após a Proclamação da República, fase em que a
imprensa consolidou-se como empresa, e com a chegada dos imigrantes europeus,
concorreram com a imprensa tradicional (O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil)
a que ficou conhecida como imprensa operária. Representava a voz dos
trabalhadores na reivindicação de melhores condições de trabalho. Também eram
efêmeros e sem periodicidade definida, devido à falta de recursos financeiros. Com
a chegada de Getúlio Vargas ao poder, esse tipo de imprensa se acaba
definitivamente.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) foi fundada em 7 de abril de 1908, pelo
jornalista Gustavo Lacerda. Seu objetivo seria a de defender a liberdade de
expressão e os interesses da classe.
Durante o Estado Novo, a censura prévia foi imposta de forma muito austera e,
praticamente, não houve nenhum veículo jornalístico capaz de impor uma
resistência duradoura. Julio Mesquita Filho e Paulo Duarte fizeram 21 números do
jornal Brasil, em que atacavam Getúlio Vargas. Acabaram presos e exilados. O
16 www.maritonio.com.br.
39
próprio jornal O Estado de São Paulo sofreu intervenção por parte do Governo, por
negar-se a fazer propaganda do regime.
Em 1938, Samuel Wainer tentou se opor ao regime com o semanário Diretrizes. Em
1951, com o patrocínio do Presidente Vargas, lançou o jornal Última Hora, um dos
marcos na história da imprensa brasileira.
No Governo de Juscelino Kubitschek, em que, segundo registros da ABI, foi o
período em que houve maior liberdade de expressão no País, surgiu em Belo
Horizonte o jornal O Binômio, editado por José Maria Rabelo. Era uma crítica bem
humorada ao slogan de Juscelino: “Binômio energia e transporte”.
A Tribuna de Imprensa, de Hélio Fernandes foi o jornal mais censurado do país.
Sofreu censuras e intervenções durante 10 anos, sem interrupção. Helio Fernandes
foi preso, processado e cassado.
Wladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura, morreu, asfixiado em uma
cela, em outubro de 1975. Apesar de todas as evidências de que fora torturado, a
versão oficial do regime passava a notícia de que o jornalista havia se suicidado.
Após o regime militar, o jornalismo alternativo enfraquece e a grande imprensa
passa criar seus próprios espaços alternativos.17
17 Da abertura política ao momento atual, a imprensa passa por significativas transformações,
principalmente com o advento da mídia internet. Nesse contexto, a maioria das obras consultadas
enfocam a atuação da grande imprensa, condenando seus abusos e sugerindo mudanças, sendo que, nessas
obras, abordagens com enfoque no jornalismo alternativo foram bastante escassas. Por essa razão, as
análises contidas neste trabalho, relativamente ao período pós-ditadura, trazem uma abordagem mais
aprofundada da atuação da grande imprensa do que do papel exercido por veículos alternativos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7.1. Nada de Maniqueísmo
O que se buscou no presente trabalho foi demonstrar que o jornalismo, ético e
desinteressado em sua concepção, possui diversas faces. As duas principais e que se
opõem são a do jornalismo da grande imprensa e a do jornalismo alternativo.
Propositadamente, iniciamos com a forma de atuação da mídia, mostrando o seu
“lado mau”, de tratar a informação como mercadoria, de repetir a força política e
econômica dominantes. A seguir, reconstituímos a trajetória histórica do jornalismo
alternativo, com suas fraquezas, com os ideais às vezes revolucionários de seus
idealizadores, colocando-o como o “lado bom” e puro do jornalismo.
Todavia, seria de extrema inocência tratá-las maniqueistamente. Ambos os tipos
de jornalismo são movidos por interesses, até porque jornalismo 100% desinteressado é
apenas uma utopia, que um dia como calouro no curso de jornalismo acreditei que
pudesse existir.
Jornalismo representa relações humanas e como tal foge totalmente a qualquer
tipo de predeterminação. Prova disso é como a forma de fazer jornalístico se altera
enormemente em cada período da história. As pesquisas em comunicação abrangem as
mais diversas correntes, que ora convergem, ora divergem, ora se contradizem. O
jornalismo do presente só poderá ser melhor entendido quando for passado e todas as
contextualizações puderem ser analisadas.
O jornalismo alternativo não é a “salvação da lavoura”. Ainda que de alguma
forma esteja mais próximo do que qualquer outro da essência do amplo conceito de
41
jornalismo, é apenas uma pequena parte da já fragmentada tentativa de interpretação de
realidade. Traz em seu estilo o de seus idealizadores e pode, por isso, ser também
interpretado mais como um palco de debates de uma forma de pensar do que
propriamente uma forma de jornalismo imparcial. Talvez fira o pré-requisito de se ouvir
os dois lados, ou vários lados, mais do que qualquer outro.
A grande imprensa não é o “anti-cristo” da história da humanidade. Programas
como Roda-Viva, da TV Cultura, Observatório da Imprensa, da TVE-Rio, são a prova
de como a televisão também possui seus “espaços alternativos”. A participação do
jornal Folha de São Paulo na campanha das Diretas-Já foi fundamental para
redemocratização do país, depois de 20 anos de regime autoritário. A revista Istoé,
quando divulgou entrevista com o motorista Eriberto França18
, contribuiu de maneira
exemplar para a queda do presidente Fernando Collor de Melo. Com toda a
massificação que a mídia impõe sobre o público, é inconcebível a existência de uma
sociedade democrática sem a atuação de uma grande imprensa.
Este trabalho não pretende assumir uma posição contra a grande imprensa e a
favor do jornalismo alternativo, ou vice-versa, ainda que corra o risco de parecer estar
“em cima do muro”. Ao longo da pesquisa, o que observamos é que todo jornalismo é
movido por interesses. Existem estudos19
sobre a verdadeira independência jornalística
de Hipólito José da Costa no Correio Braziliense. Mas a origem e a ascensão
vertiginosas, com capital estrangeiro, da Rede Globo de Televisão, através de milionário
acordo entre o jornal O Globo e o Grupo Time-Life, nunca foram de fato esclarecidas ao
grande público. Assim, o jornalismo, que se presta a informar sobre tudo o que
teoricamente é notícia, possui a sua própria história, feita de glórias e abismos, de
contradições e revelações, de vilões e de heróis, mas uma história que os veículos não
podem relatar com isenção, porque são seus personagens principais. Dessa forma, não
existe uma fórmula que possibilite mapear, de forma conclusiva e definitiva, os diversos
18 Informações sobre o episódio, que levou à abertura de processo de impechmeant do presidente
Fernando Collor, estão disponíveis em http://www.terra.com.br/istoe/confere/index_confere.htm. Acesso
em: 09 nov. 2003. 19 Existem pesquisas que colocam em debate a verdadeira fonte de recursos com que Hipólito da Costa
editava seu jornal, conforme pode-se verificar na matéria “Hipólito da Costa na corte de Dom João”,
disponível em http://www.igutenberg.org/biblio21.html, acesso em: 09 nov. 2003. Há indícios de que
além de receber apoio financeiro do governo britânico, ele tenha sido patrocinado também pela Coroa
Portuguesa. Tanto que em 1823 ele era cônsul geral do Brasil em Londres.
42
tipos de fazer jornalístico, porque isto envolve um sem-número de relações e
motivações que possibilita enfoques diversos, conforme o autor se decida a se
posicionar de um ou de outro lado.
Então, para a pergunta inicial “O jornalismo alternativo preenche as lacunas de
informação deixadas pela grande imprensa?”, a resposta é NÃO. Faz-se necessário
registrar que no começo da pesquisa a idéia era de que exatamente o oposto ocorria.
Imaginávamos o jornalismo alternativo como algo isento de qualquer forma de
interferência externa e, portanto, que detinha a verdade absoluta sobre qualquer assunto.
Seria como uma força desvinculada do contexto social, como uma câmera colocada no
topo do mundo descrevendo para o público a “realidade da vida real que se passava lá
em baixo”. Um jornalismo utópico que contribuiria para a construção de uma nova
sociedade brasileira.
Mas, definitivamente, não. Primeiro, porque o público dos veículos
alternativos, em sua maioria, já possui uma conscientização e um senso crítico para os
quais o jornalismo alternativo não faz outra coisa senão o de sedimentar idéias e,
eventualmente, servir de palco de debate dessas idéias. Em segundo lugar, a audiência
desses veículos é muito pequena para provocar uma ampla discussão sobre os
problemas que traz à tona. E, por fim, eles não têm estrutura material, suporte financeiro
nem recursos humanos para moldarem seu estilo jornalístico e, assim, colocar
jornalistas nos eventos mais importantes do dia-a-dia. Tanto assim, que em nenhum
momento da história houve um grande jornal alternativo diário, mas tão-somente
publicações semanais ou mensais. Em conseqüência, os alternativos acabam por utilizar
a grande imprensa como fonte, tratando apenas de oferecer nova angulação e
complementando informações.
Bernando Kucinski20
afirma que em determinado momento a imprensa
alternativa dos anos 60 tornou-se dominante. Mas nem assim podemos dizer que os
alternativos preenchem as reticências deixadas pela grande imprensa. Em muito casos,
quem não lê primeiro a grande imprensa, não consegue entender o que querem dizer os
alternativos, pois a linguagem de O Pasquim, por exemplo, através dos cartuns, das
20 Professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP, autor do livro Jornalistas e
Revolucionários-Nos Tempos da Imprensa Alternativa, em que, com rigor científico (foi inicialmente sua
43
charges, da sátira, exige um prévio conhecimento do fato, que só a grande imprensa
pode representar. Retire-se a grande imprensa e o jornalismo alternativo desaparece.
O mais comum, o mais corriqueiro, é que a pauta da imprensa alternativa
fosse (na época do regime militar) calcada nas notícias da grande imprensa.
O que se esforçava por ser alternativo era o ângulo de abordagem da
matéria, os informantes ouvidos em off, a orientação oposicionista da análise
e da interpretação, e, naturalmente, o posicionamento ideológico e político diante do assunto tratado, que se refletia nos títulos, nas fotos, nas charges e
nos editoriais. Mas a base, a matéria-prima dos textos jornalísticos, era, na
maior parte dos casos, constituída pelas informações veiculadas pela própria
imprensa burguesa que se pretendia combater com uma imprensa alternativa.
E isso, inevitavelmente, comprometia a qualidade, o nível, o alcance de boa
parte do material da imprensa alternativa. (ABRAMO, 2003)
Em suma, é desejável a existência de um jornalismo alternativo que faça um
contraponto à mídia de massas. Comprova-se que historicamente ele surge, alternando
momentos de força com momentos de ostracismo que o levam à extinção. No entanto,
ele apresenta-se como um complemento ao que publica a grande imprensa, sem a
pretensão de se equiparar a ela, até porque empresarialmente mostrou-se um fracasso.
Paradoxalmente, essa força de seu fracasso empresarial é que move o
jornalismo alternativo hoje. O inimigo personificado na figura do Rei, na época da
Monarquia, ou na silhueta dos militares, na ditadura, não existe mais. O adversário dos
alternativos de hoje está na complexidade do capitalismo em atividade que se incorpora
à economia de mercados, estes movidos pelas megacorporações empresariais, e ganha
voz através da grande imprensa. O adversário dos alternativos de hoje não têm rosto, é
um inimigo invisível. A seu favor está o livre trânsito de informações, de uma forma,
veloz e de baixo custo, jamais vista, que tornou-se real com a internet e se expande a
cada dia.
Por fim, talvez a maior barreira entre o jornalismo alternativo e o da
imprensa tradicional seja a barreira econômica, que coloca a classe dos menos
favorecidos de um lado, e a classe que detém o poder aquisitivo de outro. O jornalismo
alternativo tem a força das idéias, do debate, da voz de intelectuais e pensadores, mas
não têm recursos suficientes para “saltar o muro” e chegar até a classe de baixo poder
econômico, de quem acaba por se fazer porta-voz. A grande imprensa, de outro lado,
tese de mestrado), traça toda a trajetória da imprensa alternativa no período da ditadura militar(1964-
1980).
44
possui todos os recursos (financeiros, econômicos, intelectuais) para formar a
consciência de toda a população, inclusive a das classes menos favorecidas, mas não
possui a VONTADE para fazê-lo, pois, estando ao lado da classe que detém o poder,
político ou econômico, tem garantidas a sua sobrevivência como empresa e a sua
proximidade com os centros de poder.
...
Echelon21: “Talvez você não saiba, mas é perfeitamente possível que todas as
suas mensagens por telefone, e-mail e/ou fax estejam sendo interceptadas por
um gigantesco sistema eletrônico de espionagem – o assim chamado Echelon –
e enviadas a um centro de informação situado nos Estados Unidos.[...]O
Echelon, segundo afirma o jornal britânico The Independent, é capaz de
produzir pelo menos 3 bilhões de interceptações diárias. Os computadores
empregados pelo sistema, chamados dicionários, são capazes de examinar, decodificar e filtrar quantidades imensas de mensagens alfanuméricas. Grupos
de mensagens que contenham certas palavras-chaves são imediatamente
encaminhadas a órgãos específicos da NSA22”.(ARBEX, 2000, p13)
21 A definição do sistema de vigilãncia global, chamado Echelon, foi aqui colocado como exemplo de
típica informação tratada exclusivamente por veículos alternativos. 22 Abreviação de National Security Agency, a agência norte-americana de segurança nacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ABRAMO, Perseu. Imprensa alternativa: alcances e limites. Disponível em:
<http://www.fpabramo.org.br/perseu/imprensa_alternativa.htm>. Acesso em:
28/09/2003.
ARBEX JR., José. Echelon, um megassistema eletrônico dos EUA, patrulha o mundo.
Caros Amigos. São Paulo, Ano IV, nº 41, ago. 2000, p. 13.
ARAÚJO, Wagner Nabuco Araújo. Caros Amigos: Receita de Jornalismo Alternativo.
Disponível em: <http://comcult2002.sites.uol.com.br>. Acesso em: 18 set. 2003.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. 4. ed. São
Paulo: Ática, 1990.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do jornalismo: buscas práticas para uma
teoria da ação jornalística. São Paulo: Summus, 1994.
CHAPARRO, Carlos. Os efeitos podem tornar-se causa. Instituto Gutenberg. Boletim
nº 19, nov.-dez. 1997. Disponível em: <http://www.igutenberg.org/cobert19.html>.
Acesso em: 09 nov. 2003.
CHINEM, Rivaldo. Imprensa alternativa: jornalismo de oposição e inovação. São
Paulo: Ática, 1995.
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imprensa brasileira. São Paulo: Siciliano, 1991.
DEBORD, Gui. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do
espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DINES, Alberto. O papel do jornal. 4. ed. São Paulo: Summus, 1986.
46
FERREIRA, Giovandro Marcus. As origens recentes: os meios de comunicação pelo
viés do paradigma da sociedade de massa. In: HOHLFELDT, Antônio; MARTINO,
Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga(Org). Teorias da Comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes,
2001.
GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. Nova Cultural Ltda, 1998.
HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Tchê! Editora Ltda.,
1987.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários. São Paulo: Escrita, 1991.
MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda. 2. ed. São Paulo: Summus, 1988.
MUSSE, Ricardo. Indústria Cultural. Folha de São Paulo, São Paulo, 31 ago. 2003.
Mais!, p. 13.
RAMONET, Ignácio. A tirania da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1999.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo? 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
47
ANEXO 1
Principais veículos alternativos consultados durante a realização deste trabalho:
1. Revista:
a) Caros Amigos(versão on-line disponível em www.carosamigos.com.br )
b) Carta Capital (versão on-line disponível em www.cartacapital.com.br )
2. Jornal:
a) O Pasquim 21 (versão on-line disponível em www.opasquim21.com.br )
b) Correio da Cidadania (versão on-line disponível em www.correiocidadania.com.br )
3. Internet:
a) Mídia Independente(www.midiaindependente.org)
b) Revista Novae (www.novae.inf.br)
c) Relatório Alfa (www.relatórioalfa.com.br)
d) Observatório da Imprensa (www.observatóriodaimprensa.com.br)
4. Televisão
a) TV Cultura (endereço na internet: www.tvcultura.com.br)
b) TVE Rio (endereço na internet: www.redebrasil.tv.br )
c) Rede Minas (endereço na internet: www.redeminas.com.br )
5. Rádio
a) Rádio Muda (endereço na internet: www.radiomuda.hpg.com.br )
48
ANEXO 2
Íntegra de entrevista encaminhada, por e-mail, ao jornalista José Arbex Jr.
De: Otávio de Barros [mailto:[email protected]] Enviada em: Sábado, 13 de Setembro de 2003 12:21 Para: [email protected] Assunto: Pesquisa
------------------------------------
À revista Caros Amigos
1) Qual a principal motivação que levou à criação da revista(econômica, política, ideológica etc)? O que
determinou o seu formato e desenho gráfico, em que se valoriza o texto e se utiliza somente imagens em
preto-e-branco?
2) Como você classifica o jornalismo feito pela Caros Amigos? Em que se diferencia do da grande
imprensa?
3) Quais são os valores defendidos pela revista?
4) A Caros Amigos é uma revista partidária? Qual o seu posicionamento político durante o governo FHC?
E agora, com Lula?
5) Qual a ligação entre a revista e o Movimento dos Sem-Terra? Isso não ofusca a isenção jornalística?
Em que essa ligação difere daquela feita pela imprensa na eleição de Fernando Collor? 6) Como a Caros Amigos sobrevive financeiramente? Já correu o risco (ou pode vir a correr) de parar de
circular?
7) Em algum momento a revista teve, ou poderá vir a ter, grande repercussão como teve a Istoé no
Governo Collor, com o caso do motorista Eriberto?
8) A Caros Amigos não é uma revista séria demais, pelo tipo de linguagem que usa? Ou, de outra forma,
o humor e a irreverência não fazem falta à revista?
9) Qual a relevância social do jornalismo praticado pela Caros Amigos?
10) A revista preocupa-se com a questão da audiência? O leitor faz o conteúdo ou é o contrário?
11) A Caros Amigos, em sua opinião, é o único veículo alternativo atualmente em circulação no Brasil?
Ao jornalista José Arbex Jr
1) Como jornalista, o que é, para você, jornalismo alternativo? 2) Ele existe de fato no Brasil de hoje ou ainda é uma força muito frágil em comparação ao jornalismo da
grande imprensa?
3) Quais veículos você consideraria como alternativos, em todos os tempos e em todos formatos?
4) Correio Brasiliense e O Pasquim, em suas épocas, foram oposição a uma força dominante que tinha
uma personificação(No Império, a família real, a corte etc; na ditadura, os militares). O (neo)-liberalismo
econômico, a globalização, a economia de mercados, hoje, não têm rosto. É possível, ainda assim, fazer
jornalismo de oposição, de conscientização? Se sim, contra quem?
5) Você acha que vivemos o auge da "sociedade do espetáculo" que Guy Debord descreveu há mais de 30
anos, quando a internet nem existia e a mídia não tinha ainda a força que tem hoje?
6) O mundo real, em sua opinião, é melhor ou pior do que esse que a tevê mostra? Você acha que a
"realidade real" está cada dia mais longe de nós, já que cada vez ficamos mais tempo "conectados" à
realidade fragmentada criada pela mídia? 7) Por que você deixou a grande imprensa, sinônimo de "glamour"(sei que não é bem assim) e vitrine,
para se dedicar a um jornalismo direcionado a uma audiência mais seleta, porém com uma audiência
infinitamente menor?
8) Qual o lado bom da grande imprensa? Em sua opinião, quais são os melhores veículos da grande
imprensa, do ponto de vista da preocupação com os valores sociais?
9) Temas como Echelon, Plano Colômbia, não fazem parte da pauta da grande imprensa. Existe mesmo
uma "agenda oculta"?
10) Os Estados Unidos possuem ingerência(política, econômica, militar etc) no Brasil?
49
11) Como você avalia a cobertura mundial dos atentados do "11 de setembro" e as guerras que se
seguiram, contra Afeganistão e Iraque?
12) Foi a mídia que matou a princesa Diana?
14) As publicações sobre ufologia são sérias ou simples ficção?
15) Em sua opinião, o melhor ou o jornalismo ideal é aquele que assume claramente uma posição ou
aquele que "dá voz" a todas as opiniões?
16) No site www.midiasemmascara.org.br há um artigo, assinado por Sandro Guidalli, que diz "Uma
característica pontiaguda dos textos do jornalista José Arbex Jr. é o ódio com que eles são
escritos."(disponível em http://www.midiasemmascara.org/materia.asp?cod=166) Conhece o site, o autor?
Sabia desse artigo? Pode comentá-lo?
17) Qual o melhor dos melhores trabalhos que o jornalista José Arbex Jr. teve o privilégio de realizar/viver/registrar para a história?
Ao professor José Arbex Jr.
1) Por que os cursos de jornalismo são tão ruins?
2) Por que as universidades estão tão distantes das redações?
3) O diploma é essencial?
4) Li uma entrevista sua, em que você diz que jornalista tem que ter cultura, o que significa ler, ler, ler...
Isso pesa muito mais do que a prática jornalística?
5) Embora a internet tenha, de certa forma, trazido a democratização da informação, a
credibilidade/confiabilidade é um grande problema. Você acha que os veículos que só existem na internet
(Revista Novae, Relatório Alfa, Midia Independente) são confiáveis? Ou a credibilidade nada tem ver
com o suporte, mas sim com o emissor? 6) O mundo seria melhor ou pior sem a mídia?
7) Como você imagina o universo da comunicação(o ensino, a mídia, o jornalista) em 2023?
8) Qual o "momento mágico" da imprensa no Brasil?
------
50
ANEXO 3 Comentários do Jornalista José Arbex Jr. sobre jornalismo alternativo.
De :
josé arbex jr <[email protected]>
Para :
Otávio de Barros <[email protected]>
Assunto :
RES: RES: Pesquisa
Data :
Mon, 6 Oct 2003 19:58:33 -0300
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caro otavio
seguem alguns comentários
1. não gosto do termo "alternativo", pois ele está carregado
de uma conotação pejorativa e excessivamente ideológica,
herdada dos anos 60 e 70. confunde-se "alternativo" com
"nanico", "radical", "esquerdista", quase que alucinado.
2. prefiro o termo independente (do grande capital, dos
partidos políticos etc.).
3. hoje, o desenvolvimento tecnológico permite uma profusão
de veículos independentes, ao mesmo tempo em que as
informações estão disponíveis (internet, tvs internacionais
a cabo etc.). além disso, existe um movimento cada vez mais
forte, e creio que irreversível (apesar da repressão
governamental) de instalação de rádios e televisões
comunitárias e livres.
4. o problema, então, é analisar, selecionar e colocar a
quantidade quase infinita de informações disponíveis segundo
uma perspectiva coerente e interessante: não apenas as
informações propriamente políticas e sociais, mas também as de caráter cultural.
5. alguns veículos já são bem conhecidos por fazerem isso,
numa perspectiva popular e/ou libertária: caros amigos,
brasil de fato, reportagem, centro de mídia independente; a
rede abraço (rádios comunitárias) também conquistou um bom
espaço de organização e luta. mas tudo isso ainda é muito
insuficiente. é preciso multiplicar os veículos
independente, torná-los parte orgânica da luta pela
organização autônoma do povo.
6. no passado, os veículos não tinham essa natureza. ou eram
51
estritamente partidários (jornais clandestinos editados por
grupos e partidos), ou eram, no máximo, muito restritos a
determinados grupos de intelectuais (em tempo, movimento).
houve uma experiência mais "aberta", mas igualmente
intelectualizada, que foi o pasquim. agora, parece que se
dissemina, cada vez mais, a idéia de que os próprios
movimentos sociais e comunidades devem produzir os seus
próprios veículos, o que é muito bom e não entra em
contradição com outras experiências, como a caros amigos.
acho que é isso.
abraços