jornadas de junho.br.com: mídia, jornalismo e redes sociais 2014

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Trabalho Coletivo - Mestrado Profissional em Jornalismo - PPJ/UFPB - Organizado por Claudio C. Paiva & Thiago Soares - Turma da disciplina Jornalismo Digital - 2013.2

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Protestos.com.br: perspectivas e análises da mobilização nas ruas e redes sociais

COLETIVO PPJ/UFPB

Cláudio C. Paiva e Thiago Soares Organizadores

Editora UFPB

2014

2

SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................... 4

Corpo e discurso no Movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta, estratégias enunciativas do JN e crítica nas redes sociais ......... 7

As rotinas produtivas e as experiências da TV Cabo Branco na cobertura dos protestos em João Pessoa ................................. 36

O Radiojornalismo da CBN nos Protestos em João Pessoa: Relatos de Cobertura ............................................................. 71

Convergência de conteúdo e uso do Facebook na cobertura da “voz das ruas” pela Agência Brasil ........................................ 93

A rua é a maior arquibancada do Brasil. Publicidade e agendamento do jornalismo na capa do Diário de Pernambuco ........................................................................................... 120

Cobertura ao vivo das manifestações populares - Tecnologias móveis, mídias independentes e jornalismo ......................... 139

Sobre o que se protesta mesmo? .......................................... 169

Vândalos ou ativistas: cobertura jornalística dos protestos ... 186

Cândida Nobre

Amanda Evangelista | Virgínia Sá Barreto

Roberta Matias | Virgínia Sá Barreto

Edileide Bezerra | Olga Tavares

Angélica Carneiro | Sandra Moura

Maria Helena Monteiro | Thiago Soares

Thiago Almeida | Cláudio C. Paiva

Jonara Siqueira | Thiago Soares

Hallita Avelar | Hildeberto Barbosa Filho

3 Ciberativimo nos protestos do Brasil - Hashtags como agregadores de informação em redes sociais ........................ 202

Redes Sociais e Agendamento do Jornalismo ...................... 221

“Não é por 20 centavos!”: cultura dos memes e viralização . 236

A Revolta do Vinagre: Humor nos Protestos do Brasil ........ 262

Jornalismo e transmídia: estratégias para um debate ............ 283

Mea Culpa e autorreferencialidade na cobertura dos protestos no Brasil ............................................................................. 299

Mariah Araújo | Pedro Nunes

Sinaldo Barbosa | Joana Belarmino

Evaniene Mascena | Cláudio C. Paiva

Andréa Mesquita | Joana Belarmino

| Valter Araújo | Joana Belarmino

Rackel Guimarães | Thiago Soares

4

Apresentação

O ano de 2013 apresentou o Brasil em nova perspectiva.

Em junho, o país do futebol foi palco da Copa das

Confederações, todavia o espetáculo principal não aconteceu

dentro dos estádios, mas fora dele. Ruas e redes foram tomadas

por manifestantes e o jogo foi comandado por uma multidão de

inconformados com o status quo. Esta partida sem capitães ou

juízes não possuía pauta uníssona de reivindicação, mas à

imagem e semelhança das redes sociais, apresentava uma

miríade de discursos que apontavam para as mais variadas

direções, do transporte público e ocupação da cidade à

educação, respeito às minorias e crítica a propostas de emendas

constitucionais.

Neste contexto, o campo jornalístico enfrentou o que

talvez possa ser considerado o seu máximo desafio: tornar

inteligível a polifonia e a policromia das vozes e imagens

compartilhadas pelos indivíduos no tecido social que agora

incorpora a malha das ruas e das redes digitais.

Este e-book reúne diversos olhares de pesquisadores em

Jornalismo empenhados na analise dos chamados Manifestos

de Junho. São reflexões sobre a cobertura e as rotinas

5 produtivas das diversas mídias: rádio, televisão e internet,

considerando as funções massivas e pós-massivas.

À luz das teorias do jornalismo como o agendamento,

passando pelas operações discursivas do corpo, da linguagem

humorística dos memes, da linguagem publicitária como

produção de sentido e as mais recentes contribuições

acadêmicas sobre a estrutura transmídia dos conteúdos, o leitor

é convidado a ampliar o debate e compreender o fenômeno que

se espraia e se consolida como reflexo do sentimento da

contemporaneidade.

Ademais, há a preocupação em refletir sobre os

elementos da estrutura e mobilidade da rede como a utilização

de smartphones e tablets e compartilhamento de hashtags

capazes de organizar melhor as informações a serem

recuperadas na memória cibernética. Deparamo-nos com a

emergência dos novos modos de fazer jornalismo a partir do

coletivo Mídia Ninja e o impasse da mídia tradicional que ora

compreende e apropria-se das novas dinâmicas do seu público

ora minimiza os danos à sua imagem fazendo o mea culpa.

Esta obra organizada pelo Programa de Pós-Graduação

em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba tomou para

si o desafio de compreender melhor um período recente, porém

emblemático da História brasileira. É leitura instigante para

6 estudantes e profissionais da área de Comunicação que desejam

captar o espírito de seu tempo.

Cândida Nobre

7 Corpo e discurso no Movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta, estratégias enunciativas do JN e crítica nas redes sociais

Amanda Falcão EVANGELISTA1 Virgínia SÁ BARRETO2

Introdução

Dentre todas as teorias desenvolvidas para tentar

explicar porque a comunicação é o que é, em especial o

produto noticioso, a Teoria do Espelho é a mais contestada,

tanto pelos pesquisadores quanto pelos profissionais do

jornalismo. Há muito tempo a ideia de que as notícias são a

representação fiel da realidade caiu por terra. Sabe-se hoje que

é praticamente impossível – para não se dizer impossível -

dissociar a prática jornalística da subjetividade.

Mesmo que todos os ângulos da notícia sejam

abordados, contar um fato significa escolher quais informações

devem ser divulgadas - ou não -, e faz parte de um processo

interno, pessoal, subjetivo, e que por isso, torna tão difícil a

notícia, através de imagens, falas (discurso), gestos,

1 Jornalista e mestranda do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional; UFPB. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Ciências da Comunicação, professora do Mestrado em Jornalismo Profissional; UFPB. Orientadora. E-mail: [email protected]

8 entonações, e até mesmo as cores que compõem o cenário e as

vestimentas. Para Marcondes Filho (1988), o “DNA” que a TV

carrega pode explicar a busca pela atuação, mesmo fora das

novelas:

No começo da televisão brasileira, no início dos anos 50, o que se fazia era um rádio televisionado, pois a TV ainda não havia conquistado sua linguagem. A influência do circo sobre a TV brasileira é vista não apenas pela presença dos palhaços ou do homem do auditório, mas também pelo estilo circense de alguns animadores, como Chacrinha, Silvio Santos, Bolinha (MARCONDES FILHO, 1988, p. 43).

O rádio também foi outra fonte da qual a televisão

brasileira se nutriu. Na década de 50, ao trazer a primeira

emissora de televisão para o Brasil, a Rede Tupi de São Paulo,

PRF-3, Assis Chateubriand, então dono de uma rede de jornais

e emissoras de rádio chamada de Diário dos Associados

(constituído por cinco emissoras de rádio, 12 jornais e uma

revista), convidou alguns de seus funcionários da rádio para se

aventurarem no novo meio. A locução e o poder de improviso

foram alguns dos elementos que fizeram com que os jornalistas

se saíssem bem na empreitada. Mas, acostumados com a

9 ausência de imagens, os profissionais não tinham noção de

movimentos e espaço, algo que só foi mudando com o tempo.

Santaella (2004, p. 80) acredita que o surgimento da

videoarte e das videoinstalações nos, anos 70, impulsionou a

atração da arte pelo corpo humano.

Hoje, diante de tecnologias que possibilitam interação e

alta qualidade da imagem, os jornalistas continuam se

redescobrindo. Presenciamos a era de decadência do

teleprompter. Cada vez mais, assim como os atores, os

jornalistas precisam entender seu texto, saber o que dizer,

como dizer, além de se preocupar com figurino adequado,

impostação de voz e “driblar” os empecilhos da “cobertura ao

vivo”.

O interesse pela performance dos atores não constitui um abandono pelo trabalho dos meios jornalísticos em si. Pelo contrário, enseja a emergência de uma complexificação do trabalho de produção de sentido realizado no âmbito da comunicação midiática, e na qual a atividade enunciativa dos atores e suas próprias identidades sofrem mutações muito complexas. (FAUSTO NETO, 1988, p. 265)

Várias dessas mutações atuais decorrem com o advento

da TV digital. Cenários, cores, maquiagens, e principalmente

10 figurinos, pois “os corpos são socializados pelas roupas que

vestem” (SANTAELLA, 2004, p. 121), estão sendo repensados

no telejornalismo, assim como em telenovelas, filmes e

comerciais. A ideia é simular o real com uma precisão ainda

maior, pois se o telespectador não acreditar no que está vendo,

também não receberá com confiança as informações

absorvidas. É o que Santaella (2004, p.10), ao citar Ihde

(2002), classifica como terceira dimensão do corpo: a das

relações tecnológicas, das simbioses entre o corpo e as

tecnologias. Porém, para a autora, estes avanços tecnológicos,

atrelados aos corpos, podem causar confusões sobre a

delimitação da fronteira entre real e o fictício:

O que as novas tecnologias colocam em movimento, o que elas transformam são as “fronteiras do humano”. Essa transformação se revela sob vários pontos de vista: os limites que definem o que é propriamente humano e o que os diferencia dos não-humanos (natureza / artifício, orgânico / inorgânico); “os limites que o habitam e o constituem (matéria / espírito) e os limites que diferenciam a experiência imediata e suportada por sua corporeidade biológica, natural e territorial e a experiência mediada por artefatos tecnológicos (presença / ausência, real / simulacro, próximo / longíquo)”. (BRUNO, 1999, apud SANTAELLA, 2004, p. 29).

11

O que o mercado da comunicação procura é atenuar a

fronteira entre o real e o simulacro, e se valer dos artifícios

tecnológicos para assim, através do artificial, transportar uma

veracidade. É o que acontece nos telejornais. O protagonismo

noticioso, por mais teatral que seja, busca representar o real

para informar, e mais que isso, instruir no público valores

como: credibilidade, compromisso com a informação,

idoneidade, etc. Mais do que nunca, o jornalista de TV precisa

usar o recurso da atorização para cativar o público, e assim,

ganhar fidedignidade.

O noticiário da atualidade constrói pequenas novelas diárias ou semanais cujos protagonistas são tipos de vida real absorvidos por uma narrativa, que funciona como se fosse ficção. Programas jornalísticos na televisão desenvolvem-se como se fossem filmes – de ação, de suspense, de romance de horror. O telejornalismo disputa mercado não apenas com outros veículos informativos, mas também com opções de lazer. Precisa ser envolvente, divertido, leve, colorido, ou perde o público sedento de novas sensações. [...] A realidade que interessa, para um (jornalismo com base nos fatos) e para outro (entretenimento com base na ficção), é a realidade espetacular, uma realidade que se confecciona para seduzir e emocionar a plateia. (BUCCI, 2000, p. 142).

12

A composição do ator não se limita apenas ao físico.

Tão ou mais importante que a estética na TV é saber o que

dizer e como dizer. As operações enunciativas compõem as

narrativas midiáticas e dão sentido à notícia. Uma entonação

usada de forma incorreta pode trazer um significado totalmente

diferente do que se pretendia. Não se pode noticiar uma

enchente com ares de alegria, como quem informa que o Brasil

goleou a seleção da Argentina na final da Copa do Mundo. O

“tom” que se traz na notícia é um dos elementos primordiais na

construção dos sentidos. Os jornalistas atuam como dispositivo

de operação de sentidos (FAUSTO NETO, 2012). Os corpos

jornalísticos, na forma de signos, dão sentido “ao que se quer

dizer” e quais efeitos pretendem causar no telespectador.

Diante deste cenário, analisaremos aqui a corporeidade

discursiva de Patrícia Poeta na edição do Jornal Nacional do

dia 17 de junho, dia em que saiu em defesa da TV Globo, após

a emissora ser alvo de crítica dos manifestantes que

participavam do protesto do “Passe Livre” e que desaguou em

outras reivindicações. As críticas se fundamentavam no

discurso de que a mídia, em especial a TV Globo, apontava os

manifestantes como vândalos e distorcia o caráter

reivindicativo do movimento.

13

Além do editorial lido por Patrícia Poeta em defesa da

Rede Globo, abordaremos aqui também as primeiras

informações do JN sobre as manifestações; a cobertura do JN

do dia 17 de junho, fazendo um levantamento do que mudou no

discurso do telejornal após as reivindicações do público, além

do tempo destinado às manifestações; bem como o movimento

“anti-Globo” que se disseminou na internet e foi transportado

para as ruas.

Tudo começou com 20 centavos

A primeira notícia que o Jornal Nacional exibiu sobre

as manifestações foi ao ar no dia 10 de junho de 2013. O link

ao vivo, feito pelo repórter André Trigueiro, durou pouco mais

de um minuto e foi feito a bordo do “Globocop”, helicóptero da

Rede Globo utilizado para a produção de imagens aéreas. Em

sua fala, o repórter relatou a situação em uma das principais

avenidas do Rio de Janeiro, a Presidente Vargas, que ficou

interditada pelos manifestantes que depredaram algumas lojas.

A segunda notícia que o JN divulgou acerca das

manifestações nas ruas foi ao ar dois dias após a exibição da

primeira divulgação, ou seja, em 12 de junho de 2013. A

cabeça da matéria foi lida por Patrícia Poeta e relatou o

14 protesto no centro de São Paulo contra o aumento da tarifa do

transporte público. O começo da matéria trouxe manifestantes

com os rostos cobertos, gritando “a cidade é nossa” e cenas de

um dos participantes pichando um ônibus. A ideia era trazer

nos primeiros minutos o clima de “guerra civil” causado pela

população.

[...] as parcelas de real não correspondem a seleções arbitrárias: é o que fica enquadrado, é o movimento das câmeras, é o trabalho de edição e sonoplastia, que determinam o que e como vai ser mostrado. Nessa perspectiva, está-se frente a uma construção de linguagens, não mais o real, mas a uma realidade discursiva. (DUARTE, 2007, p. 11)

Com detalhes, o repórter Fábio Turci informou que 85

(ênfase no número) ônibus, agências bancárias e a estação de

metrô haviam sido danificados pelos manifestantes que foram

adjetivados como vândalos (mais uma ênfase oral). “Uma

batalha nas ruas”, “Nem os ônibus escaparam de um protesto

que era pelo transporte público”, “A Avenida Paulista e o

centro de São Paulo amanheceram assim, com as marcas do

vandalismo de ontem à noite”, foram algumas das expressões

usadas pelo jornalista para caracterizar o clima encontrado na

manifestação. As palavras em destaque foram as mesmas que

15 tiveram ênfase na fala do repórter. Para reforçar o “pesadelo”

que foi o movimento, Fábio Turci gravou depoimentos de civis

que não participavam da manifestação, mas que passavam pelo

local na hora do acontecimento.

Sonora - Entrevistado 1

“Milhares de pessoas estão voltando do trabalho, depois de um dia cansativo, em baixo de chuva, e passar por esse pânico. Eu tô aqui sem saber pra onde vou correr.”

Sonora - Entrevistado 2

“Não dava pra ir pra frente, nem pra trás. Fiquei preso aqui.”

Indignação, tristeza, revolta, foram alguns dos

sentimentos expostos através das entrevistas concedidas pelos

cidadãos que não participavam do protesto contra o aumento

das tarifas. Na mesma reportagem, o repórter ouviu autoridades

como funcionários do Ministério Público, prefeito e

governador de São Paulo, além da OAB. Em entrevista, todos

repudiaram o acontecimento.

OFF- Fábio Turci “Hoje em Paris, o prefeito de São Paulo e o governador condenaram o vandalismo.”

16 Sonora -Geraldo Alckmin(Governador de SP)

“[...] Precisa ser investigado pra identificar a origem disso [dos atos de vandalismo], e devem ressarcir ao erário público, pois isso é patrimônio de todos.”

OFF- Fábio Turci (Repórter) “Para a OAB, o que aconteceu ontem em São Paulo passou dos limites.”

Sonora -Marcos da Costa (Presidente OAB) “As pessoas se reúnem para mostrar uma indignação, no caso do aumento de ônibus. Agora, tem um limite. Então, quando o movimento passa a violar patrimônios [...] ou prejudicar os direitos de ir e vir das pessoas, ele ultrapassou os limites dele.”

Santaella (2004, p.19) lembra que, em uma de suas

obras, Foucault arrematou a ideia de que o corpo não só recebe

sentido pelo discurso, mas é inteiramente constituído pelo

discurso. E é justamente o “modo de dizer” que constitui o

contorno do noticiário, influenciando inclusive na composição

do gênero jornalístico.

A seleção do(s) plano(s) da realidade sobre o(s) qual (is) se vai (vão) operar, aliada ao regime de crença proposto e ao tom, isto é, às inflexões conferidas à realidade a ser enunciada – seriedade, humor, ironia – etc., seriam os elementos definidores da promessa que fala Jost

17

(2003), veiculada pelo nome gênero. (DUARTE, 2007).

O tom em que se dá ao enunciado é carregado de

signos, responsáveis por dar sentido ao discurso. Em nenhum

momento da matéria foram ouvidos líderes do movimento.

Apesar de se mostrar imagens dos supostos “cabeças” do

“Passe Livre” em reuniões - durante a matéria de mais de três

minutos - as únicas referências aos manifestantes se limitaram

a imagens, e a maior parte retratava o confronto com a polícia.

As primeiras reportagens produzidas pelo JN

divulgaram as manifestações atreladas apenas ao aumento das

passagens, que subiram no início de junho de 2013 para R$

3,20 em São Paulo. Pouco depois, os jornalistas começavam a

divulgar que as reivindicações haviam se expandido, para áreas

temáticas como reforma política, Copa de 2014, educação,

saúde, etc., assim como outras cidades do país.

A maior parte das matérias exibidas pelo Jornal

Nacional sobre os protestos hostilizava os manifestantes,

muitas vezes atrelados aos atos de vandalismo, de forma

generalizada. E foi justamente a cobertura “distorcida”,

segundo os apoiadores dos protestos, que fez com que o

repúdio à emissora entrasse como uma nova pauta no

movimento que se chamou inicialmente de “Passe Livre”. Só

18 após a edição do dia 17 de junho, objeto de pesquisa deste

artigo, é que o discurso do JN muda diante do tratamento dado

aos manifestantes.

A cobertura das manifestações que ocorriam no país foi

tão intensa, que o JN disponibilizou em seu site, uma “ala”

especial com o nome “Protestos pelo Brasil”, trazendo os

vídeos que fizeram parte da cobertura completa do noticiário.

O dia em que Patrícia Poeta saiu em defesa da Rede Globo

A edição do dia

De toda a cobertura que a Globo fez dos protestos pelo

Brasil, o do dia 17 de junho, segunda-feira, foi o mais intenso,

principalmente no que se refere à programação do Jornal

Nacional. Patrícia Poeta entrou no ar já no início da noite, logo

após “Malhação”, no “Globo Notícia” e seguiu até o horário

habitual do JN. Neste mesmo dia, a programação da emissora

sofreu mudanças que causaram estranheza ao telespectador

acostumado com o padrão da empresa. Além de não exibir o

jogo da Espanha x Taiti, pela Copa das Confederações, a Globo

cancelou os capítulos das novelas “Flor do Caribe” e “Sangue

19 Bom”. Os jornais locais foram cancelados, só relatando os

protestos promovidos a nível local no dia posterior.

Trataremos a edição do JN da data em análise

juntamente com os fragmentos do Globo Notícia, por

entendermos que, nesta data em especial, o mininoticiário se

mostrou como extensão do Jornal Nacional.

A edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho dedicou

um pouco mais de 51 minutos de seu noticiário para a

cobertura das manifestações. Dos 22VTs exibidos, 11

abordavam os protestos espalhados pelo país, os outros traziam

informações sobre a Copa das Confederações, Guerra Civil na

Síria, SISU, dentre outros temas - a maioria sobre protestos

fora do país. Além disso, a edição extrapolou na quantidade de

“ao vivo”. Ao todo, foram feitos 22links, um número bem

acima do que tradicionalmente acontece nas edições. Todos os

“vivos” traziam informações sobre os protestos e aconteciam

no cenário das manifestações. “[...] a gravação ao vivo, a

transmissão direta, em tempo real, sempre funcionam como

garantia [...] dos efeitos de autenticidade e veracidade”

(DUARTE, 2007, p.13).

A duração das matérias exibidas também saiu da rotina

jornalística do JN. Alguns VTs chegaram a durar cerca de 3

minutos, quando o habitual é 1 e meio, no máximo 2 minutos.

20

A exaustão na cobertura do “Passe Livre” foi tal, que

Patrícia Poeta parecia estar perdida diante de tantas

informações sobre o mesmo tema, e Willian Bonner

desconfortado por estar longe da “bancada”, acompanhando

tudo de Fortaleza, onde entrava “ao vivo” trazendo

informações sobre a Copa das Confederações.

Segundo levantamento feito pela empresa Controle de

Concorrência3, entre os dias 17 e 26 de junho, o JN exibiu oito

horas de reportagens e transmissões dos protestos. Das 140

horas de exibição, somando as transmissões de todas as

emissoras abertas, 34 horas foram produzidas pela TV Globo.4

Diante da efervescência reivindicativa, a Globo se

sentiu obrigada a trazer de volta o âncora do JN. No dia

seguinte, 18 de junho, terça-feira, Bonner abria o JN trazendo

mais informações sobre a manifestação em São Paulo.

O foco da cobertura das manifestações se encontrava no

eixo Rio - São Paulo, além da capital Brasília. Porém, a edição

do dia 17 de junho trouxe uma nota coberta fazendo um

aparato geral dos protestos em outras cidades, como: Curitiba,

Belém, Porto Alegre, Fortaleza, Maceió e Vitória.

3Empresa que monitora inserções comerciais na TV para o mercado publicitário 4Cf. Blog Folha.com. Disponível em: http://migre.me/jCLO7. Acesso: 04.06.2014

21 As palavras de protesto contra a Globo e o editorial do JN

Em artigo publicado no site Observatório da Imprensa5,

Sylvia Moretzsohn escreveu: “tanto os jornais paulistas quanto

O Globo e as redes de televisão carregavam nas tintas contra os

atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se

infiltra em manifestações desse tipo”. O pensamento da

jornalista reflete bem o motivo de sentimento de revolta que os

manifestantes sentiram ao ouvir inúmeras vezes nos noticiários

a palavra “vandalismo”, em especial no Jornal Nacional.

Durante a cobertura das manifestações no país, os

noticiários em sua maioria hostilizavam os participantes em sua

totalidade, devido às ações de vandalismo praticadas por uma

minoria. Além disso, em seus discursos, repórteres e

apresentadores deixavam claro que a violência se dava

unilateralmente, e a polícia tentava apenas “manter a ordem”.

Esta situação causou revolta nos manifestantes, que

mostraram sua indignação dificultando o trabalho dos

repórteres de rua, levantando cartazes contra as emissoras e,

principalmente, disseminando na internet a imparcialidade das

empresas jornalísticas.

5 Cf. Site do Observatório da Imprensa, 15/06/2013, ed. 750. Disponível em: http://migre.me/jCM5X

22

A maior revolta se deu contra a TV Globo, por esta ser

uma empresa de maior força e disseminação da informação,

além de já carregar em sua história situações claras de

manipulação da informação6. O movimento de repúdio à TV

Globo, diante das manifestações que ocorriam, começou nas

redes sociais, principalmente no Twitter7e no Facebook8. As

hashtags #aglobonãomerepresenta e #abaixoaredeglobo

ficaram comuns nas twittadas de quem discordava da cobertura

da emissora. O mesmo aconteceu no facebook, em que

fanpages adjetivavam a Globo como manipuladora.

6 Para aprofundamentos, ver “A Síndrome da Antena Parabólica: Ética no Jornalismo Brasileiro” (Kucinsk, 1998). 7 Cf. www.twitter.com 8 Cf. www.facebook.com

Imagem 1: Twitter, 17.06.2013 Imagem 2: Facebook, 17.06.2013

23 Taxonomia no Twitter: #AGloboNãoMeRepresenta / FanPage

“Anti Globo” ganhou quase cinco mil curtidas no facebook

Como ressalta Alex Primo (2013, p.17) “não se pode

ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos

efeitos não eram possíveis em uma sociedade caracterizada

pela mídia de massa”. Sendo assim, as manifestações contra a

TV Globo indexadas através das taxonomias nas redes sociais

migraram para o cotidiano, ocupando cartazes de manifestantes

que iam às ruas contestar a cobertura da emissora. A

atualização contínua das “postagens” nas redes, como propõe

Correia (2010), potencializa a circulação no ciberespaço,

circulação esta que se transporta do campo virtual para o real.

A onda de revolta contra a emissora se espalhou

também para outras empresas de comunicação, que tiveram

carros queimados, repórteres impedidos de fazer a livre

cobertura, prédios depredados, etc. Mas o foco das

manifestações se voltou especificamente para a TV Globo, que

ficou adjetivada de “manipuladora”. Nas ruas, cartazes com

inúmeras mensagens “anti-Globo” traziam um desafio ainda

maior para os cinegrafistas, que além de se preocuparem com a

troca de munições entre polícia e civis, deviam evitar mostrar

imagens abertas com mensagens denegrindo a emissora.

24

Nas ruas, cartazes mostravam insatisfação com a cobertura da TV Globo. / Manifestantes depredam o prédio da emissora no Rio de Janeiro no dia 17 de julho.

A revolta com a cobertura que a Globo estava fazendo

diante das manifestações tomou proporções cada vez maiores.

Se para a imprensa a violência entre manifestantes e policiais

dificultava o trabalho, a revolta do povo contra jornalistas

praticamente os impedia de trabalhar. Fazer links “ao vivo”

durante os protestos, no meio da multidão, era um ato de

coragem. Muitos repórteres tentaram, mas tiveram que ser

interrompidos pelos âncoras que, em sua maioria, teciam

comentários de reprovação, quase sempre fazendo alusão à

liberdade de imprensa.

Imagem 4: Facebook, 17.06.2013 Imagem 3: Facebook, 17.06.2013

25

Durante o Jornal Nacional a cobertura foi feita, na

maior parte do tempo, longe da multidão, a bordo do GloboCop

- helicóptero da emissora dedicado à grandes coberturas. Em

terra, os repórteres faziam passagens em locais distantes do

aglomerado. E quando arriscavam a descer - em presença do

povo - retiravam a canopla do microfone, evitando assim,

mostrar o símbolo da emissora a que estavam subordinados.

Para preservar a integridade de profissionais, repórteres fazem

cobertura à distância da multidão e sem canopla. O uso do

helicóptero da emissora, o GloboCop, ajudou nos links ao vivo.

3.3. A defesa da Globo por Patrícia Poeta

O movimento “anti-globo” nas redes sociais e nas ruas

tomou proporções cada vez maiores. “As palavras de ordem” -

como foram adjetivados os gritos de repúdio dos manifestantes

Imagem 5: site Rede Globo Imagem 7: site Rede Globo Imagem 6: site Rede Globo

26 pelos funcionários da empresa - eram cada vez mais freqüentes,

e se disseminavam com tal força e rapidez que barreira alguma

poderia impedir. Impossibilitada de “calar a boca” dos

manifestantes, a estratégia da TV Globo foi colocar no

principal telejornal do país, o JN, uma nota de esclarecimento,

que, em defesa dos interesses da empresa, tomou características

de editorial. O texto, lido por Patrícia Poeta, durou pouco mais

de 20 segundos e tentou esclarecer para a população que ali

existia um “mal-entendido” por parte dos manifestantes, e que

a Globo estava apenas “cumprindo seu papel”, o de informar.

Quem deu o “gancho” para que o editorial entrasse no

ar, foi o repórter que durante uma tomada “ao vivo”, a bordo

do “Globocop”, trouxe informações sobre as manifestações na

cidade de São Paulo:

Repórter

“[...] Um outro grupo que saiu do Largo da Batata, por volta

das 5 horas da tarde, percorreu a Avenida Faria Lima,e nesse

caminho eles seguiram até a Avenida Luiz Carlos Berrini, que

fica muito perto da TV Globo, e nesse caminho foram gritando

palavras de ordem contra a TV Globo. Patrícia.”

27 Patrícia Poeta

“Olha, a TV Globo vem fazendo reportagens sobre as

manifestações desde seu início e sem nada a esconder. Os

excessos da polícia, as reivindicações do “Movimento Passe

Livre”, o caráter pacífico dos protestos e quando houve

depredações e destruição de ônibus. É nossa obrigação e dela

nós não nos afastaremos. O direito de protestar e de se

manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”.

Patrícia Poeta leu o editorial com ar de seriedade, e ao

citar os diversos ângulos abordados no telejornal - “excessos da

polícia, reivindicações do “Movimento Passe Livre”, caráter

pacífico dos protestos e depredações e destruição de ônibus” –

pontuou nos dedos a contagem dos temas, reforçando o sentido

de “diversificação” trazida pelo JN.

Imagem 8: site da Rede Globo

28

Ao usar a interjeição “Olha”, no início do editorial, a

apresentadora tenta agir sobre o espectador, o convidando para

a “conversa”, que – como mostra o seu linguajar – seria mais

informal, por isto, ele poderia ficar à vontade para escutá-la.

Patrícia Poeta também se vale dos movimentos do

corpo em outros momentos do editorial, com o objetivo de

reiterar seu discurso. Ao falar do compromisso da emissora

com a informação - “É nossa obrigação e dela nós não nos

afastaremos” - a apresentadora gestua negativamente com a

cabeça, ao mesmo tempo em que pronuncia enfaticamente a

palavra “não”, reafirmando que a TV Globo não deixará de

informar os cidadãos, mesmo diante da pressão do público.

Mesmo que de forma sutil, a gesticulação da

apresentadora atua em consonância com seu discurso,

assegurando que o receptor entenda o que se quer dizer.

É esse corpo que se faz representar e que também representa, não apenas como interpretação pura, mas até mesmo como simulacro. A arma do apresentador é a encenação da naturalidade, a simulação do - falso - imprevisto: que o faz parecer surpreso, agir como se não soubesse o que vai acontecer, fingir que improvisa falas e parentar intimidade com seus convidados (ROSÁRIO; AGUIAR, p. 3).

29

Assim como os signos corporais, o discurso de Patrícia

Poeta também tenta reconstruir a postura da emissora diante da

cobertura distorcida. A ênfase antes dada a palavras como

“vandalismo” e “confronto”, agora dão destaque a palavra

“pacífico”, e pela primeira vez, fala dos “excessos da polícia”.

Logo no início do texto, a apresentadora informa que a Globo

não tem “nada a esconder”, e reforça a informação ao dar

destaque à palavra “nada”.

Outra estratégia de defesa da Globo usada no editorial

do Jornal Nacional do dia 17 de junho diz respeito à ordem

dada as informações. Patrícia Poeta ao citar os diversos ângulos

trazidos no noticiário menciona em primeiro lugar os “excessos

da polícia”, algo pouco divulgado em outras edições e que

agora também ganha ênfase na fala da apresentadora. Só após

essa informação, ela cita as reivindicações do movimento e o

“caráter pacífico dos protestos”, que por sinal, foi usado de

maneira exaustiva nesta edição, contradizendo o que se

mostrava anteriormente no discurso usado pelo JN, ao atrelar

os manifestantes aos atos de vandalismo, e em confronto com a

polícia.

Só após pronunciar de maneira fatídica “os excessos da

polícia” e o “caráter pacífico dos protestos”, é que Patrícia

30 afirma também ter noticiado no JN “quando houve depredações

e destruição de ônibus”, porém, de maneira bem mais sutil,

sem alterações na voz, e por isso, sem dar destaque a este

fragmento de texto.

A apresentadora finaliza o editorial dizendo que “O

direito de protestar e de se manifestar pacificamente é um

direito dos cidadãos”, mostrando que a Globo reconhece os

direitos dos manifestantes, e que em contrapartida, esses

mesmos manifestantes devem entender que a emissora também

tem o direito de se manifestar livremente, porém, - mais uma

vez – ambos os lados devem agir “pacificamente”.

A locução tem que emitir uma impressão compatível com os conteúdos do que está sendo dito. Nesse ponto, os personagens recorrem a recursos teatrais, máscaras, modos de ser empáticos com o outro que lhes vê e ouve. Para tanto, há o recurso do uso da voz, da impostação, da dicção, da entonação e das pausas conjugadas à mímica facial e gestual. (BARRETO, 2011, p. 246).

Após ler o editorial, Patrícia Poeta lê a “cabeça” de

outra matéria sobre o movimento “Passe Livre” e outra vez traz

o caráter pacífico do movimento. Porém, ao falar sobre a

violência, destaca que esta ação diz respeito a um grupo

31 específico de manifestantes, não generalizando os participantes

dos protestos como em edições anteriores do JN.

Patrícia Poeta

“[...] segundo especialistas [a manifestação] reuniu 100 mil

pessoas. No fim do protesto um pequeno grupo agiu com

violência e atacou a assembleia legislativa do estado.”

Para a TV Globo, quanto mais o seu principal telejornal

tentasse amenizar a discórdia com o público, através de

estratégias de reconstrução da imagem dirigidas aos

manifestantes, melhor para a imagem da empresa, e assim,

talvez acalmasse os ânimos dos que repudiavam a emissora.

Além de trazer de modo excessivo a palavra

“pacificamente”, a edição do JN do dia 17 de junho ouviu pela

primeira vez os manifestantes, abrindo espaços no noticiário

para entrevistas com os líderes do movimento. O JN também se

valeu de falas “amigáveis” aos protestos para mudar o seu

discurso, a exemplo do governador de São Paulo, Geraldo

Alckmin, que na edição do dia 12 de junho - já mostrada neste

trabalho - afirmou que os manifestantes deveriam arcar com as

despesas das violações ao patrimônio público e privado. Já na

32 edição do dia 17 de junho, o JN traz uma entrevista com a

mesma fonte, onde o governador faz elogios aos manifestantes.

Sonora de Geraldo Alckmin “Quero aqui publicamente elogiar também as lideranças do movimento, a policia militar e a segurança pública.”

Conclusão

Verificamos durante a pesquisa que o noticiário se

estrutura, em sua dinâmica discursiva, a partir de

encadeamentos de dispositivos (FAUSTO NETO, 2012), sejam

físicos (gestos, vestes, cores, expressões faciais, etc.) ou

abstratos (o que se diz e como se diz). As construções tecno-

discursivas assumem um papel primordial na composição da

linha editorial de um telejornal. E foi se valendo dessas

construções que a TV Globo, através do JN, em especial na

figura de Patrícia Poeta – enunciadora aqui pesquisada – criou

estratégias de comunicação para mudar o composer de seu

discurso que, antes da pressão popular, mostrava em sua

cobertura noticiosa os vandalismos generalizados ligados ao

Movimento “Passe Livre”.

Após uma onda de protestos surgida nas redes sociais,

em especial no Facebook e Twitter, que migraram dessas

33 taxonomias virtuais para o cotidiano, tornando-se conteúdos de

diversos cartazes nas ruas, a TV Globo se viu obrigada a

esclarecer para o público que sua cobertura estava pautada na

parcialidade. A atitude da emissora gerou um editorial, lido por

Patrícia Poeta, que se valeu do recurso de “atorização” e das

estratégias enunciativas para levar a mensagem até o local mais

próximo possível do campo real, da não-ficção televisiva.

Resultando das pressões populares ou não, o fato é que

o JN mudou seu discurso. Palavras como “vandalismo”,

“baderna” e “confronto”, usadas com exaustão durante edições

anteriores ao dia 17 de junho – dia em que o editorial foi ao ar

– foram substituídas bruscamente por “protesto pacifico” e por

frases tais como “um pequeno grupo agiu com brutalidade”. O

discurso dos entrevistados também ajudou a emissora nas

estratégias de conciliação com o público. O governador de São

Paulo, Geraldo Alckmin, após afirmar que os manifestantes

iriam ressarcir o Estado e as empresas privadas devido às

depredações - no JN do dia 12 de junho -, deu uma entrevista

elogiando os manifestantes na edição do dia 17. Foi neste dia

também, que foram divulgadas as primeiras entrevistas dos

líderes do movimento. Antes, os manifestantes não tinham voz,

e só eram retratados durante confrontos com a polícia.

34

Então, verificou-se, como pensa Primo (2013), a

cibercultura transformou substancialmente a vida em vários

aspectos, e não podemos ignorar a força dos movimentos em

rede, pois foi o movimento de insatisfação com a TV Globo,

que fez a emissora mais importante do país mudar seu discurso.

Referências BARRETO, Virgínia de Sá. A encenação no telejornalismo: Jornalista ou ator? In: FAUSTO NETO, A. et. All. (Orgs.) Interfaces Jornalísticas: Ambientes, tecnologias e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. CORREIA, Ben-Hur. A circulação da informação jornalística no ciberespaço: conceitos e proposta de classificação de estruturas. In: SCHWINGLE, Carla; ZANOTTI, Carlos A. Produção e colaboração no Jornalismo Digital. Florianópolis: Insular, 2010. DUARTE, Elizabeth B.; CASTRO, Maria Lilia de. Comunicação Audiovisual: gêneros e formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007. FAUSTO NETO, Antônio. Cap. XIII – Transformações nos discursos jornalísticos – a atorização do acontecimento. In: MOULLIAUD, Maurice. O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: A vida pelo vídeo. São Paulo, Editora Moderna, 1988.

35 MORETZSOHN, S.D. “Muito além dos 20 centavos”. In: Observatório da Imprensa, 15/06/2013, ed. 750. Disponível em: http://migre.me/jCOqA. Acesso em: 04.06.2014 PRIMO, A. Interações em rede. Porto Alegre, Editora Sulina, 2013. ROSÁRIO, Nísia Martins do; AGUIAR, Lisiane Machado. Corpos televisivos: artifício e naturalidade na compensação de sentidos entre o masculino e o feminino. In: ATAS do Congresso da INTERCOM, 2005. Disponível em: http://migre.me/jCP3F. Acesso: 04.06.2014 SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: Sintoma de cultura. São Paulo, Paulus, 2004 TV ABERTA EXIBIU 140 horas de protestos em dez dias (Fabiana Futema). In: Blog Folha, 01.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jCOBn Acesso em: 04.06.2014

36 As rotinas produtivas e as experiências da TV Cabo Branco na cobertura dos protestos em João Pessoa

Roberta Matias9

Virgínia SÁ BARRETO

Introdução

O Brasil tem vivido momentos de protesto e

mobilização, deste o início de junho deste ano, mês no qual as

festas juninas, normalmente, pautam os telejornais do Nordeste

e quando a mídia nacional deveria estar voltada para a

cobertura da Copa das Confederações10, o que ganhou destaque

nos jornais impressos, nos telejornais, nas rádios de todo o

Brasil e nas redes sociais foram as manifestações e protestos

realizados em várias cidades brasileiras.

Tudo começou na primeira semana de junho. No dia 6,

representantes do Movimento Passe Livre (MPL)11 foram às

ruas, inicialmente em São Paulo, reivindicar a reversão do 9 Jornalista, editora da TV Cabo Branco e discente do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional da UFPB. Email: [email protected] 10 A Copa das Confederações ou Taça das Confederações é um torneio de futebol, organizado pela Federação Internacional de Futebol – FIFA, entre seleções nacionais. Antes de 2005 era realizada a cada dois anos e a partir dali, passou a ser feita a cada quatro anos. Os participantes são os seis campeões continentais mais o país-sede e o campeão mundial, com um total de oito países. Este ano o Brasil, a sede da competição e os gastos com o evento foram motivos dos protestos do mês de junho, pelo país. 11 MPL é formado por um grupo de pessoas para discutir e lutar por outro projeto de transporte para a cidade. Cf. site Movimento Passe Livre - S. Paulo - Por uma vida sem catacras. Disponível: http://saopaulo.mpl.org.br/. Acesso: 07.07.2013.

37 aumento da tarifa de ônibus e do metrô de R$ 3,00 para R$

3,20. Cerca de 150 jovens manifestantes ocuparam parte da

Avenida Paulista, no horário de rush. Era o início de um

movimento que, nos dias seguintes, atraiu os holofotes da

imprensa e se espalhou pelas principais cidades brasileiras.

A cobertura da imprensa, inicialmente, foi contra as

manifestações. Entre os dias 12 e 13, os grandes jornais do

país, como Folha de São Paulo, Estadão e O Globo

praticamente convocavam a polícia para conter os

manifestantes. Os pedidos foram atendidos e, no mesmo dia, o

que se viu no Rio de Janeiro e em São Paulo foi a violência da

polícia contra os manifestantes, que atingiu inclusive

jornalistas, que trabalhavam na cobertura dos protestos. De

acordo com o site Observatório da Imprensa, estaria aí a

“virada na cobertura” 12.

A partir de então, os jornais nacionais começaram a

mostrar as manifestações de outra forma. Elas foram crescendo

nas redes sociais, tomaram corpo e se espalharam pelo país

com momentos de beleza e de tensão. O que passamos a

acompanhar pelas emissoras de televisão, pelos jornais e pelas

redes sociais, foram protestos reunindo multidões vestidas de

12 Cf. “Uma virada na cobertura” (Luciano Martins Costa). In: site do Observatório da Imprensa, 04.06.2013, ed. 750. Acesso 08/07/2013

38 branco pelas principais ruas do país pedindo melhorias nos

transportes coletivos, mudanças no sistema de saúde, educação

de qualidade, contra a corrupção, contra o comportamento

abusivo de políticos, etc. Em contraponto, eram mostrados

também pequenos grupos revoltados, que quebravam prédios

públicos, enfrentavam a polícia, machucavam até quem não

estava participando do protesto.

Em João Pessoa, esse movimento só chegou às ruas no

dia 20 de junho de 2013. Mas, a abordagem do tema na TV

Cabo Branco, emissora afiliada a Rede Globo na capital

paraibana, foi iniciada no dia 18 de junho de 2013 e o

planejamento da cobertura para o dia da mobilização, também,

passou a ser tratado, a partir do início da semana do evento,

mudando as rotinas produtivas da redação de emissora, como

veremos a seguir.

TV Cabo Branco: Planejamento e cobertura das

manifestações de junho

As manifestações em João Pessoa ocorreram no dia 20

de junho de 2013, uma quinta-feira. De acordo com a Polícia

Militar, mais de 22 mil pessoas foram às ruas da cidade

protestar de forma pacífica e pedir redução no valor da

39 passagem dos ônibus, transporte público de qualidade, saúde e

educação para todos. Mas, o tema manifestações e os reclames

feitos pela comunidade, naquele momento, entraram em pauta

na TV Cabo Branco no início da semana.

O primeiro jornal do dia 18 de junho de 2013, o Bom

Dia Paraíba, trouxe em sua abertura um texto ilustrado com

imagens disponibilizadas numa rede social por Paola Janaína e

outras enviadas pela telespectadora Ângela Medeiros,

mostrando situações de descaso com portadores de deficiência

e com usuários do transporte coletivo da capital. As imagens

foram relacionadas com o momento de protestos, por melhorias

nos transportes coletivos e outros serviços. A apresentadora

Patrícia Rocha leu, no ar, o texto que segue abaixo:

A gente começa o Bom Dia Paraíba desta terça-feira com cenas de um absurdo. No momento histórico em que a população vai pras ruas, em que o Brasil se manifesta contra tantos maus serviços prestados, inclusive o transporte público, a gente se depara com essas cenas... SOLTA IMAGENS Essas imagens aí foram feitas na principal avenida de João Pessoa, a Epitácio. Se fala muito em acessibilidade, direitos iguais e espaço para todo mundo, mas nessa imagem aí, o deficiente precisou entrar no ônibus e o elevador estava aparentemente quebrado. O jeito foi subir os degraus sentado. Outro passageiro ajudou a subir a cadeira de rodas. O vídeo foi divulgado por Paola Janaína, em uma rede social. Ela relata

40

ainda que o deficiente ficou muito nervoso porque era o quarto ônibus que passava e ele não conseguia entrar. Fazia mais de uma hora que ele esperava no local, impedido de exercer o direito de ir e vir. Se pra subir foi assim, pra descer no local destinado deve ter sido uma situação parecida. A nossa telespectadora Ângela Medeiros também nos mandou esse material... SOLTA IMAGENS e disse que ela ontem esperou duas horas pelo ônibus que pretendia pegar porque os três que passaram estavam superlotados e ela estava com uma criança de um ano no colo, não dava para entrar. E mesmo diante dessas imagens ai, olha o que diz o chefe de tráfego da empresa de ônibus Marcos da Silva. Mailson Dantas informou que nenhum dos veículos com acessibilidade está quebrado ou com defeito. O problema é que foram contratados novos cobradores e que eles ainda estão em fase de treinamento para saber operar o elevador, que permite que os cadeirantes subam nos ônibus.

O telejornal seguinte, o JPB Primeira Edição, que vai ao

ar ao meio-dia de segunda a sábado, seguiu explorando o tema.

Na terça-feira, 18 de junho de 2013, o JPB abriu espaço para

discutir as manifestações, em curso no país com mais força

desde a semana anterior e para falar dos preparativos da

manifestação local, a ser realizada dois dias depois.

O JPB Primeira Edição tem, normalmente, 38 minutos

de produção, divididos em quatro blocos. De uma forma geral

41 o programa é preparado, diariamente, com dois ou três links13,

seis reportagens ou matérias14, uma média de quatro notas

cobertas15, além de seis notas peladas16 e de uma a duas

entrevistas de estúdio, estas últimas com duração média de três

minutos cada. Neste dia 18, o JPB Primeira Edição teve 37'34”

e aproximadamente 14 minutos foram dedicados ao tema

“manifestação nacional e local”.

A pauta do início da semana foi sugerida pela editora-

chefe do telejornal, Cristina Dias, e discutida na redação, num

primeiro momento, com as editores adjuntas, Roberta Matias,

Débora Cristina e Mirela Vasconcellos, além da chefe de

produção do turno da manhã, Cláudia Richelle. A ideia era

levar para o telejornal uma discussão mais aprofundada sobre

os fatos ocorridos nas cidades do Sudeste do país e, além disso,

trazer o tema para a realidade local.

A produção logo trouxe a informação de que o prefeito

de João Pessoa, Luciano Cartaxo, anunciaria no meio da manhã

a redução no valor da passagem de ônibus. A pauta chegou via

13 Quando o repórter mostra imagens em tempo real de determinado pondo da cidade e dá informações sobre um tema definido pelos editores do telejornal. 14 Forma como os jornalistas de televisão costumam chamar as reportagens mais longas com passagem e entrevistas, feitas pelos repórteres e que passam por edição de imagens e texto. 15 Textos lidos pelo apresentador e que são ilustrados na ilha de edição, com imagens ou arte, ou durante a exibição do telejornal. 16 Texto lido pelo apresentador e que não recebe ilustração com imagens nem arte.

42 e-mail, através da assessoria da Prefeitura de João Pessoa. Num

primeiro momento foi definido que uma equipe de externa17,

acompanhada do estagiário, Gilmar Lima, se deslocaria para

acompanhar a coletiva, marcada para 10h da manhã, e que essa

equipe gravaria sonora18 com o prefeito, explicando a decisão.

Também ficou definido que, para o estúdio, seriam

convidados um representante da Polícia Militar, um cientista

político e um especialista em segurança pública. Com eles

ficaria a discussão sobre as manifestações no Sudeste do país e,

também, os comentários sobre situações locais de descaso

público, mostradas com freqüência pelo telejornal do meio-dia

e que se encaixavam perfeitamente nos temas reclamados pela

população durante as manifestações.

Vale salientar que o estúdio da TV Cabo Branco

comporta, atualmente, no máximo três convidados para

entrevista, ao mesmo tempo. Normalmente, só se utiliza esse

número máximo de entrevistados no estúdio quando o tema é

muito relevante. Isso gera mais riscos de erros durante a

exibição do telejornal, considerando-se os microfones que

17 Equipe de televisão que vai à rua gravar imagens. Geralmente, é composta por cinegrafista, assistente e um repórter. Na TV Cabo Branco, em alguns casos, o repórter é substituído por um produtor ou por um estagiário da redação. 18 Entrevista gravada fora do estúdio.

43 precisam ser utilizados e os cortes de câmeras a serem feitos

em tais situações.

Para dar mais dinamismo à entrevista e agregar

conteúdo, foi decidido pela editora-chefe que, pouco antes e

durante a conversa no estúdio, seriam exibidas algumas

sonoras e imagens sobre temas, como: saúde, problemas com

transportes públicos e acessibilidade para usuários cadeirantes.

No caso foram selecionados para exibição o vídeo

disponibilizado por Paola Janaína, na rede social, exibido pela

manhã no Bom Dia Paraíba e as imagens enviadas pela

telespectadora Ângela Medeiros, que também tinham ganho

destaque no primeiro jornal daquele dia na emissora. A escolha

desse material foi planejada levando em conta a força das

imagens, naquele momento de mobilização por melhoria no

transporte público, e o fato delas terem sido usadas na rede

social e enviadas por uma telespectadora, via e-mail.

Em determinado momento da manhã foi sugerida a

possibilidade de colocar o prefeito ao vivo, no link19 do

telejornal, anunciando a redução no valor da tarifa de ônibus. A

ideia da editora-chefe era oferecer um material diferenciado

das outras emissoras. Uma entrevista ao vivo certamente

19 É quando o repórter entra ao vivo no telejornal, no momento exato que a entrevista está sendo feita, por exemplo.

44 renderia muito mais informações, teria mais qualidade técnica

e se destacaria do material que seria exibido pelas

concorrentes, a coletiva, com imagens e áudio poluídos. A

chefe de redação, Giulliana Costa, passou a buscar esse ao

vivo, entrando em contato com a assessoria do prefeito e com o

secretário de Comunicação da Prefeitura de João Pessoa.

A partir dessas definições, editores assistentes20

passaram a trabalhar nas ilhas de edição21 com materiais sem

ligação com as manifestações, mas que faziam parte do

telejornal, para evitar congestionamento de edição, nos

momentos finais de preparação do telejornal. Enquanto isso, as

informações iam chegando à redação e, dentro do que foi

planejado e do que ia se modificando a cada momento, a

editora-chefe do telejornal fechou o prelim22, definindo uma

ordem para exibição de todo o material que iria ao ar no JPB

Primeira Edição daquele início de tarde.

20 São os editores que auxiliam os editores-chefes de cada telejornal. Eles são responsáveis pela edição das reportagens nas ilhas de edição, pela correção dos textos dos repórteres e pelos textos que são lidos pelos apresentadores durante o telejornal. Além disso, auxiliam na indicação de pautas e definição de temas que serão abordados. 21 Local da emissora de televisão onde as reportagens são editadas e todas as imagens são preparadas para exibição nos telejornais. Atualmente a TV Cabo Branco possui quatro ilha de edição. 22 Prelim ou espelho do telejornal é a lista numerada das reportagens, notas cobertas e notas peladas, com tudo que será exibido dentro de uma ordem definida pela editora-chefe e sua equipe. É a capa do roteiro do telejornal.

45

O telejornal do meio-dia da TV Cabo Branco de 18 de

junho de 2013 começou com uma entrada ao vivo, com

participação do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo. Uma

das perguntas mais importantes naquele momento era se o

prefeito tinha tomado a decisão de reduzir o valor das

passagens para conter o movimento, previsto para o dia 20. A

indagação foi feita no vivo no JPB Primeira Edição, mas

Luciano Cartaxo negou. Disse que a redução já vinha sendo

pensada e que tinha relação com o corte de alguns impostos,

feito dias antes, pelo Governo Federal.

A entrada ao vivo do prefeito foi seguida por um outro

link com os estudantes, que estavam organizando a

mobilização do dia 20, imagens dos vídeos da internauta Paola

Janaína e da telespectadora Ângela Medeiros e com as

entrevistas de estúdio com o cientista político, Jaldes Menezes;

o coronel Euller Chaves, comandante da Polícia Militar e

Deusimar Guedes, especialista em segurança pública,

discutindo as manifestações ocorridas no Sudeste do país e a

expectativa para o movimento do dia 20, em João Pessoa. O

tema foi abordado durante 14 minutos, o que representou

37,83% do tempo total do programa jornalístico.

No mesmo dia, no jornal da noite, o JPB Segunda

Edição, que foi ao ar às 19h15, o tema manifestações e redução

46 das passagens de transportes coletivos teve três minutos dos 16,

abertos pela Rede Globo para o telejornal local. Ou seja,

18,75% do JPB. Para que possamos compreender melhor o

tempo dado por cada editor de telejornal ao tema manifestações

e redução da tarifa dos transportes coletivos no dia 18 de junho,

segue um quadro demonstrativo:

Mas, bem antes do jornal da noite do dia 18 ir ao ar,

ainda no início da tarde, ao final do JPB Primeira Edição, a

equipe de produtores e editores da TV Cabo Branco já

começou a pensar e a planejar a cobertura do dia 20 de junho

de 2013, como veremos em seguida.

Planejamento, véspera da manifestação e dia da cobertura

A tarde do dia 18 de junho foi de preocupação e início

do planejamento da cobertura do dia da mobilização. Durante a

Tempo total Tempo para o tema

% do tema no telejornal

Bom Dia Paraíba

48'07" 2'37" 5,00%

JPB 1 37'34” 14' 37,83% JPB 2 16' 3' 18,75%

47 entrevista ao vivo dos estudantes envolvidos com o

movimento, no JPB Primeira Edição, eles garantiram que

participariam à tarde de uma reunião, com a Polícia Militar,

para definir as ruas por onde os manifestantes iriam passar.

Porém, pouco tempo depois do fim do jornal, os estudantes

decidiram não mais participar dessa reunião e não divulgaram

o percurso completo do protesto.

Sabia-se que iriam concentrar os grupos em frente ao

Lyceu Paraibano, seguiriam para o Parque Solon de Lucena,

passariam pelo Palácio da Redenção e de lá iriam para a orla da

capital. Mas, não se sabia quais ruas exatamente. Em uma rede

social foi postada a informação que um grupo passaria pela

porta da TV Cabo Branco e isso gerou preocupação.

No mesmo dia, em São Paulo, um carro de uma

emissora de TV23 foi queimado. Além disso, jornalistas já

tinham sido hostilizados por manifestantes, inclusive

profissionais da Rede Globo24. Era preciso cuidar da segurança

dos profissionais e da emissora. A partir daí várias decisões

foram tomadas. 23 Cf. “Manifestantes tentam invadir e apedrejam Prefeitura de S. Paulo”. In: Globo.com, 18.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jCWFv. Acesso em: 15/07/2013. 24 Cf. “Caco Barcellos é hostilizado por manifestantes em São Paulo”. In: Último segundo. Portal ig.com.br. Disponível em: http://migre.me/jCXhv. Acesso em: 15/07/2013.

48 Normalmente à tarde a TV Cabo Branco trabalha com

três equipes de externa e à noite com mais duas. No dia da

manifestação a chefe de redação, Giulliana Costa, e a editora

regional de jornalismo, Tatiana Ramos, decidiram colocar,

inicialmente, quatro equipes à tarde. Além disso, teríamos

também um cinegrafista de moto, para trabalhar mais próximo

da polícia, e um motoboy para recolher com mais agilidade as

fitas de cada repórter na rua.

Na manhã do dia 19 de junho, a Rede Globo mostrou

interesse em ter a cobertura da manifestação de João Pessoa,

pediu o repórter de Rede25 e decidiu manter aberto, durante

todo o dia, o canal para ao vivo26. Normalmente este canal é

aberto quando temos algum material para gerar, ou seja, por

tempo limitado. Só em casos excepcionais a Rede abre o sinal

de vivo durante todo o dia.

Pelas redes sociais se observava um crescimento do

movimento em João Pessoa e, a partir daí, a editora regional de

Jornalismo e a chefe de redação acharam importante termos

imagens aéreas do movimento. Foi decidido que teríamos um 25 São repórteres preparados pela Rede Globo para entrar nos telejornais nacionais da emissora. No caso da TV Cabo Branco, Bruno Sakaue, Hildebrando Neto e Laerte Cerqueira foram preparados para essa atividade, porém, cada telejornal da Rede Globo pode solicitar o repórter que achar mais apropriado para ele e a emissora local, em alguns casos, indica outros repórteres para entradas nos telejornais da Rede. 26 Canal da Embratel para entradas ao vivo na Rede Globo.

49 helicóptero na cobertura com mais uma equipe, a quinta, esta

com o repórter de Rede, Bruno Sakaue e o cinegrafista

Alexandre Frazão. A TV Cabo Branco não tem helicóptero e a

editora regional de jornalismo precisou convencer a direção da

empresa a alugar e conseguir uma aeronave, na véspera do

movimento. Deu certo. As equipes ficaram distribuídas como

mostra o quadro abaixo:

Repórter Cinegrafista/Assistente Cobertura

Larissa Pereira Wellington Campos/Jardel Mangueira

Centro/Antes - Saída do Lyceu

e acompanhamento Zuila David Severino Ramos/ Raphael

Barbosa Manifestação vista

dos prédios do Centro e detalhes

Hildebrando Neto Sílvio Vieira Flashs ao vivo e concentração no

Lyceu Bruno Sakaue Alexandre Frazão/ Manifestação vista do

helicóptero e ao vivo para a Rede

Antônio Vieira Edvaldo Júnior Geral/outras pautas fora da

manifestação Sem reporter Walter Paparazzo Manifestação ao lado

da Polícia

Os horários dos editores de texto e de imagens também

sofreram modificação no dia do protesto em João Pessoa. Foi

decidido que uma das editoras assistentes do JPB Primeira

50 Edição, eu mesma, ao invés de entrar às 7h30 da manhã,

entraria às 13h. Na minha responsabilidade ficaram os flashs27

locais, que seriam ao vivo, e o apoio ao editor-chefe do JPB

Segunda Edição, Eisenhower Almeida. Giovana Rossini, outra

editora assistente do JPB Primeira Edição, que normalmente

trabalha a partir das 11h da manhã, no dia 20 foi deslocada

para trabalhar à noite. O objetivo era adiantar a edição das

reportagens do telejornal de meio-dia de 21 de junho. Dois

editores de imagens tiveram seus horários modificados para

atender a essas editoras.

Além de definir as equipes e as mudanças nos horários

do pessoal do jornalismo, a chefe de Redação, Giulliana Costa,

e a editora regional de Jornalismo, Tatiana Ramos, decidiram

pedir segurança para a equipe que ficaria no carro de ao vivo,

fazendo os flashes, em frente ao ponto de concentração.

Também ficou definido que as equipes trabalhariam em carros

alugados, sem a marca da emissora. Inicialmente, todos foram

para a rua com fardamento e canopla28 nos microfones. A Rede

Paraíba de Comunicação também contratou seguranças para

trabalhar na frente do prédio, onde funcionam a TV Cabo

27 Entrada do repórter, neste caso ao vivo, dando informações do local da manifestação. 28 É a parte do microfone, geralmente em formato de cubo, que recebe a marca da emissora de televisão.

51 Branco, o Jornal da Paraíba, o G1 Paraíba e as emissoras de

rádio FM Cabo Branco e CBN.

Ainda na tarde do dia 18 de junho, a editora regional de

Jornalismo da TV Cabo Branco recebeu um e-mail da Rede

Globo reforçando a recomendação sobre a abordagem do tema

manifestações. A partir daquele momento, era importante mais

cautela. Deveríamos informar o que iria mudar na rotina da

cidade, no dia da manifestação, mas tendo o cuidado para não

convocar o cidadão. A orientação da Rede fazia sentido, pois,

nas redes sociais muitos acusavam a Globo de instigar o

movimento e a violência no Sudeste.

Na realidade, em nenhum momento a afiliada de João

Pessoa recebeu orientação da Rede Globo para incentivar nem

para boicotar o movimento. O que deveríamos fazer era

informar o que fosse importante para o cidadão naquele

momento. Se ele iria ficar sem ônibus, quais as vias que seriam

interditadas e se haveria policiamento nas ruas, ou seja,

serviço, se havia quebra-quebra, e como a maioria dos

manifestantes tinha participado do protesto. No dia da

manifestação a cobertura deveria mostrar todos os lados e

assim foi feito.

Um fato curioso e inédito nessa cobertura: as emissoras

de televisão de João Pessoa (TV Tambaú, TV Correio da

52 Paraíba, TV Arapuan e TV Cabo Branco) decidiram concentrar

as Unidades de link29, num mesmo ponto, por receio de

represália dos manifestantes. A sugestão veio do editor de

jornalismo da TV Tambaú, que ligou para as outras emissoras.

A ideia foi aceita, como mostra a imagem:

Imagem postada no Facebook do jornalista Renato Félix

O comentário de um internauta chamou a atenção

naquele momento. Daslei Emerson Ribeiro Bandeira insinuou,

claramente, que os carros de link das emissoras seriam

queimados. Isso, aparentemente, gerou inquietação em quem

comanda as emissoras de comunicação na capital paraibana. Os

carros foram disponibilizados no Lyceu só durante as primeiras

29 Veículos preparados com antenas e equipamentos especiais para geração do sinal de ao vivo. Os repórteres que entram ao vivo nos telejornais ficam sempre próximos a essas unidades. No caso da TV Cabo Branco, além do cinegrafista, do assistente de externa e do repórter, mais um técnico de manutenção trabalha na unidade para garantir a exibição do ao vivo.

53 horas da manhã. Mas, durante a manifestação, apenas o carro

da TV Cabo Branco se manteve no ponto próximo ao local de

concentração dos manifestantes.

Outra informação curiosa: a postagem acima foi

retirada da página do Facebook do jornalista Renato Félix. Só

conseguimos a imagem porque a jornalista Giulliana Costa tem

como hábito fazer print das páginas que chamam a atenção

dela nas redes sociais.

No dia 19, o Bom Dia Paraíba, o JPB Primeira Edição e

o JPB Segunda Edição abriram espaços para os serviços e as

orientações sobre os protestos. Ao todo, foram cinco minutos

de informações nos três telejornais da TV Cabo Branco.

Já no dia 20, dos 45'47” do Bom Dia Paraíba apenas

dois minutos foram dedicados aos serviços da manifestação. Já

o JPB Primeira Edição, abriu pouco mais de seis minutos dos

40'10” do telejornal. Entre as notícias sobre o movimento

estava a pichação do Lyceu Paraibano. A escola estadual mais

antiga da cidade, ponto de concentração dos manifestantes no

protesto marcado para as 14h deste dia, amanheceu pichada.

Na manhã do dia 20 foram preparadas as pautas para

cada repórter e definido o que seria produzido para o JPB

Segunda Edição, o primeiro telejornal após a manifestação. Na

produção também houve mudança de horário neste dia. A chefe

54 de produção da manhã, Cláudia Richelle, que normalmente

trabalha até às 14h, ficou na redação até às 17h, para coordenar

a saída das equipes e acompanhar o que estava sendo feito e

acontecendo na rua. Já a chefe de produção da tarde, Keli

Farias, entrou às 17h, para dar seguimento ao trabalho de

Richelle e ficar até mais tarde na redação, dando cobertura às

equipes de externa.

Também estavam programadas para o mesmo dia

manifestações em Campina Grande, Patos e Sousa, no interior

do Estado. Essa cobertura foi organizada pela equipe da TV

Paraíba, sobre o comando da editora regional de jornalismo,

Tatiana Ramos. Tudo estava preparado para garantir uma boa

cobertura estadual das manifestações no telejornal da noite e do

dia seguinte.

Manifestação, hostilidade à imprensa, sem cobertura local

A tarde da manifestação começou com ligações falsas

para a redação dando informações sobre vandalismo, em uma

praça no bairro dos Bancários. Nada se confirmou. As

primeiras imagens que chegaram à redação dos manifestantes

foram feitas pelo cinegrafista Walter Paparazzo, no bairro de

Jaguaribe. Estudantes com faixas e gritando palavras de ordem

55 saíram desse, que é um dos bairros mais antigos da capital

paraibana, em direção ao local da concentração.

As imagens foram exibidas durante o primeiro flash ao

vivo do repórter Hildebrando Neto. Nesse ao vivo, que foi ao

ar dentro do primeiro intervalo comercial do Vídeo Show,

também foram exibidas imagens da câmera instalada no alto da

torre da TV Cabo Branco, que mostravam os primeiros

manifestantes chegando ao Lyceu Paraibano e a interdição do

trânsito de veículos na área próxima à escola.

Depois deste flash o mesmo repórter fez mais dois

flashes locais, um Nacional para o Globo Notícia e outros dois

para a Globo News. Hildebrando Neto ficou no carro do vivo,

numa plataforma montada especialmente para essas entradas. A

Unidade de ao Vivo, que durante toda a manhã estava bem em

frente a calçada do Lyceu, foi deslocada para o outro lado da

rua, para facilitar uma saída de emergência, caso houvesse

necessidade. Mas, nesse ponto tudo ocorreu tranquilamente. O

repórter e a equipe de técnicos trabalharam sem imprevistos.

Porém, pela quantidade de entradas ao vivo foi necessário

repassar a pauta do repórter, a matéria sobre a concentração,

para outro profissional. Esta foi apenas a primeira mudança no

planejamento para a cobertura daquele dia.

56

Quem assumiu a pauta de Hildebrando Neto foi a

repórter Zuila David, que inicialmente faria uma matéria do

alto dos prédios e dos detalhes da manifestação. Ela acabou

entregando para o JPB Segunda Edição uma reportagem sobre

a concentração e a saída dos manifestantes do Lyceu.

Larissa Pereira conseguiu concluir a matéria sobre o

fechamento das lojas do Centro da cidade, pouco antes da

manifestação, e seguiu para fazer o material sobre a

concentração. Só que esta pauta ela não conseguiu fazer. Desde

os primeiros momentos da chegada da equipe ao Lyceu

Paraibano, um pequeno grupo de manifestantes começou a

insultar a equipe da TV Cabo Branco. Por várias vezes, Larissa

Pereira, Wellington Campos e Jardel Mangueira tentaram

gravar entrevistas e fazer passagens30, mas foram impedidos.

No mesmo instante a repórter entrou em contato com a redação

e a chefia recomendou que ela fosse para outro ponto do

protesto e fizesse um pré-gravado31. O tempo exíguo não

permitia que fosse feita uma reportagem mais completa.

De nada adiantou a equipe mudar de lugar, pois, o

pequeno grupo de manifestantes seguiu e impediu os

profissionais de trabalhar, gritando insultos durante as 30 Parte da reportagem quando o repórter aparece no vídeo com alguma informação. 31 Quando o repórter faz uma passagem maior, resumindo o que aconteceu no local. Eventualmente, na hora da edição, são inseridas imagens e sonoras no material.

57 tentativas de gravações. Segundo Larissa, a equipe chegou a

ser encurralada, em frente ao Palácio da Redenção, por mais de

500 pessoas, que foram incentivadas pelo pequeno grupo

inicial a insultar e agredir os profissionais.

O cinegrafista e o assistente de externa receberam socos

nas costas e foram atingidos por garrafas plásticas, a repórter

escapou dessas agressões porque foi protegida pelos colegas.

“Naquele momento o meu sentimento era de terror. Temia que

eles estivessem com pedras, facas ou armas de fogo”, lembra

Larissa Pereira. Mesmo com muito medo, a equipe conseguiu

registrar parte da hostilidade sofrida e foi esse material que

acabou sendo levado para exibir no telejornal da noite.

A equipe de Larissa Pereira só conseguiu sair da

manifestação depois que a polícia interveio. Por segurança, os

profissionais voltaram para a emissora dentro de um carro da

Polícia Militar. Muito assustada e nervosa, a repórter precisou

ser retirada da cobertura. O cinegrafista e o assistente foram

orientados a tirar a canopla e a farda da empresa, e voltaram

para a rua com uma jornalista/produtora, que não costuma

aparecer no vídeo, para garantir a cobertura do protesto.

A mesma estratégia teve que ser usada com a equipe da

repórter Zuìla David, que também sofreu agressões verbais e

empurrões, durante o protesto. No momento que esses

58 profissionais desceram do prédio de onde acompanhavam a

manifestação, para fazer a cobertura no chão, um pequeno

grupo de manifestantes tentou impedir o trabalho deles, com

faixas contra a Globo e gritando insultos contra os

trabalhadores da TV Cabo Branco.

Zuila David ainda conseguiu fechar a reportagem sobre

a concentração dos manifestantes e outra, sobre a passagem

deles por ruas do centro até a chegada ao Palácio da Redenção.

Esta última matéria mostrava pequenos grupos quebrando

vidraças de um estabelecimento comercial e manifestantes

destruindo lixeiras públicas. As imagens da violência no

Centro foram registradas pelos cinegrafistas Severino Ramos e

Walter Paparazzo.

“Já vivi muita coisa nesses anos trabalhando nas ruas

como cinegrafista, mas nunca vi nada igual. Fomos agredidos

num momento que estávamos fazendo a nossa parte, a nossa

obrigação profissional”, relatou o cinegrafista Severino Ramos

que, junto com o assistente Raphael Barbosa e a repórter Zuila

David precisou da ajuda da polícia para sair da manifestação e

voltou para a sede da TV Cabo Branco dentro de um carro da

Polícia Militar. Por volta das 17h30 a equipe estava na

emissora. A repórter foi trocada por uma jornalista/produtora e

59 o cinegrafista junto com o assistente voltaram à rua sem farda e

sem a canopla.

Pelo que acompanhamos nas redes sociais e nos jornais

das outras emissoras, profissionais da imprensa de outros

veículos também foram hostilizados. Alguns foram xingados

com palavras de baixo calão, mas não tivemos notícia de

agressões físicas graves.

Neste momento, a chefe de redação decidiu mudar,

também, a pauta do repórter Antônio Vieira. Este, inicialmente,

estava designado para cobrir o cotidiano da cidade fora da

manifestação. Diante dos novos fatos, a equipe de Antônio

Vieira foi relocada para o Busto de Tamandaré, ponto da orla

da capital para onde os manifestantes estavam seguindo e

terminariam a manifestação.

Do alto, no helicóptero, o repórter de Rede Bruno

Sakaue e o cinegrafista Alexandre Frazão conseguiram

registrar a multidão que foi às ruas na capital paraibana, em 20

de junho de 2013. O vôo foi feito entre às 16h e às 17h30, para

garantir a segurança do pouso da aeronave. As imagens foram

um diferencial na cobertura da manifestação em João Pessoa, a

TV Cabo Branco foi a única a publicar essas imagens.

No início da tarde, a concorrência chegou a fazer uma

“brincadeira” ao vivo, no estúdio, garantindo que era a

60 primeira emissora a mostrar imagens aéreas da concentração da

manifestação. Enquanto o apresentador falava no estúdio e

mostrava imagens do alto, um áudio da hélice de um

helicóptero, em funcionamento, era ouvido ao fundo. Uma

terceira emissora mostrou o cinegrafista forjando as imagens

“aéreas” do alto de um prédio próximo à concentração, como

se estivesse em um helicóptero. Quando desfeita a farsa, a cena

ocupou as redes sociais chegando ao topo do twitter nacional,

naquele dia, e ganhando o Top Five de um programa de humor

na TV32, que premia os maiores absurdos dos programas de

televisão do país durante a semana, sempre às segundas-feiras.

Enquanto as equipes estavam nas ruas, na TV Cabo

Branco, tudo era acompanhado pelos editores, pelos produtores

e pela chefia de redação. As reportagens só começaram a

chegar depois das 17h e o editor-chefe do telejornal ia

modificando o prelim a cada nova mudança que a ocasião

exigia. Foi uma tarde tensa, todos preocupados com os colegas

nas ruas e com a qualidade do conteúdo que iria ao ar nos

flashs ao vivo e no telejornal. Além disso, outras manifestações

ocorriam pelo país naquela mesma tarde do dia 20 de junho e,

em alguns locais, houve violência.

32 Cf. “Helicóptero fajuto é o campeão do Top Five”. In: TV UOL.com.br. Disponível em: http://migre.me/jCZoj. Acesso em 15/07/2013.

61

O horário do telejornal da noite ia se aproximando e, a

cada momento, a Rede exibia mais imagens dos protestos pelo

país. Em um determinado momento, o coordenador de exibição

da TV Cabo Branco foi informado que a Rede Globo não iria

mais exibir a novela das seis horas, Flor do Caribe, para

continuar com a cobertura nacional dos protestos. Isso poderia

mudar o tempo do telejornal local e o editor-chefe do JPB

Segunda Edição foi avisado que tanto poderia haver um

aumento quanto uma redução desse tempo.

A partir daí os editores e as chefias da redação e do

jornalismo ficaram em alerta. Diante das imagens mostradas,

em várias cidades do país, todos compreenderam que a

exibição do telejornal local estava em risco e poderia ficar

comprometida, com um tempo bastante reduzido. Além disso,

a produtora de rede, Jô Vital, foi orientada pela editora regional

de Jornalismo a conseguir uma entrada ao vivo da Paraíba,

dentro da cobertura nacional das manifestações, que tinha

tomado conta da Globo33. Isso não aconteceu. A Rede não

abriu espaço para João Pessoa nesse horário.

33 Cf. “Globo abandona grade do horário nobre” (Nelson de Sá). In: Observatório da Imprensa, 25/06/2013, ed. 752.

62

O Editor-Chefe do JPB Segunda Edição fechou o

prelim, imprimiu o script34 e seguiu para a produção35 para

colocar o jornal no ar. A cada segundo chegava uma

informação nova da Rede Globo e a última delas surpreendeu

todos os envolvidos naquela operação de exibição do

telejornal. A Globo decidiu ocupar o tempo dos telejornais

locais de todo o país com a cobertura nacional da manifestação

e, excepcionalmente, numa situação que nunca se viu na

emissora, seguiu com essa cobertura até o Jornal Nacional

deixando de exibir, também, a novela das 19h, Sangue Bom.

Tudo, inclusive a comercialização da emissora, foi substituído

pela transmissão ao vivo.

O que segue abaixo é o depoimento do editor-chefe do

JPB Segunda Edição, Eisenhower Almeida, e que certamente

representa o sentimento dos editores-chefes dos telejornais

locais de todo o país que, naquele dia, prepararam um

telejornal local que não foi ao ar, em uma noite que os

telespectadores das cidades onde havia manifestações

esperavam ansiosos pela cobertura local:

34 Roteiro do telejornal que é impresso e entregue a todos os técnicos envolvidos na exibição do telejornal e ao apresentador. 35 Sala da TV Cabo Branco de onde o jornal é cortado e exibido para chegar à casa do telespectador.

63

“Todo editor de fechamento sente um friozinho na barriga quando prepara um telejornal. E no dia das manifestações a preocupação era maior. Todas as pautas estavam voltadas para o evento. E não sabíamos ao certo o que iria acontecer nas ruas. Depois das capitais do Sudeste, era a vez dos paraibanos protestarem. Montamos um esquema para garantir a cobertura total. Foi um corre-corre daqueles que muitos jornalistas gostam nas redações. Sempre em contato com os repórteres por telefone. A pressa em querer o off36. Repórter gravando texto num canto da rua para evitar ruídos (não tinha condições logísticas de voltar para a redação). A expectativa de que Bruno Sakaue conseguiria mesmo gravar um stand up37 do helicóptero. Bem... a tarde foi passando e tudo foi se encaixando. Aí soubemos que a repórter Larissa Pereira foi hostilizada por manifestantes. Ela não tinha condições psicológicas de fechar mais um material para o jornal (ela já havia fechado um primeiro VT). E rapidamente encontrou-se a solução para dar o caso no jornal. Estava tudo certo até dentro do prazo, sem muitos atropelos. Eis que recebemos a notícia de que a novela das 6h havia sido interrompida para a transmissão das manifestações pela Globo. E que da transmissão ia direto para o jornal. Isso iria aumentar o tempo do jornal. Tínhamos material dos protestos em Campina Grande e em outras cidades do Estado para ajudar a preencher o fade38. Estávamos com a cobertura

36 Texto do repórter que faz parte da reportagem e que é revisado pelos editores antes de ser gravado. 37 Quando o repórter grava o texto aparecendo a maior parte do tempo no vídeo. Assim, passa todas as informações sem necessidade de gravar off. 38 É o espaço aberto pela Rede para exibição do telejornal e dos comerciais locais.

64

estadualizada do movimento. Aí, fomos informados que o fade havia diminuído, mas ainda ficamos com um bom tempo para dar a cobertura de João Pessoa. Os minutos foram passando e nada de a Globo abrir o fade, até que veio a notícia de que o jornal poderia não ser exibido. Pouco tempo depois a confirmação. Se aquele dia era histórico para o Brasil, também era para nós. Não havia JPB Segunda Edição naquela noite. Saí desolado do Controle Mestre,39 quando recebi a notícia. Confesso que até com vergonha de dar a notícia aos meu colegas. Pelo que me lembro, na verdade nem dei. Foi o coordenador da exibição quem confirmou para eles.” Eisenhower Almeida – Editor-Chefe do JPB Segunda Edição.

O sentimento de desolação do editor-chefe já tinha

tomado conta dos jornalistas que estavam na redação da TV

Cabo Branco, naquela noite. Ninguém queria acreditar no que

estava acontecendo. Uma grande operação foi montada durante

dias e, em um segundo, descobriu-se que nada iria ao ar no

telejornal de maior audiência da emissora.

Os telefones da redação não paravam. A cada instante

um telespectador ligava perguntando pelo telejornal, querendo

saber o que estava acontecendo. Coube a quem estava na

39 Local onde é feito o controle de tudo que é exibido pela emissora e no qual ocorre a comunicação entre a emissora local e o Controle Mestre Rede Globo.

65 redação explicar a decisão da Rede Globo e garantir que toda a

cobertura estaria nos telejornais do dia seguinte.

E foi exatamente isso que aconteceu. O Bom Dia

Paraíba do dia 21 de junho de 2013 trouxe a cobertura

completa da manifestação na capital e nos municípios

paraibanos. Dos 46'56” do tempo do telejornal, 24' foram

dedicados à cobertura das manifestações locais. Nos telejornais

seguintes a cobertura se repetiu com destaque.

No JPB Primeira Edição aquela era uma sexta-feira

especial, pois o jornal deveria ser totalmente transmitido de

Campina Grande, com atrações juninas e, unicamente, os fatos

mais relevantes da manhã. Era dia do “JPB São João”40, mas,

os fatos da quinta-feira, 20 de junho de 2013, superaram o que

estava programado e planejado para o dia 21. Dos 34'22”

abertos pela Rede para o JPB Primeira Edição, 17' reportaram

as manifestações da tarde do dia anterior.

E o JPB Segunda Edição encontrou uma forma

diferente de destacar a manifestação. O editor-chefe optou por

exibir clips41 com pouco mais de um minuto, cada, antes das

40 No mês de junho, todas as sextas-feiras o JPB Primeira Edição é transmitido de Campina Grande. São programas especiais, programados com antecedência e que valorizam as festas juninas dessa época. 41 Edição que reúne áudio e imagens, sem texto. O áudio pode ser o da imagem ou uma música e junto com as imagens transmitem uma mensagem determinada. No caso em questão, a participação dos paraibanos na manifestação em 20/13/2013.

66 duas passagens de bloco42, com imagens e áudios das

manifestações em João Pessoa. Antes da entrada dos clips foi

dada uma explicação ao telespectador. O texto antes da

primeira entrada foi o que segue abaixo.

Ontem, por causa da transmissão nacional das manifestações em várias capitais e cidades brasileiras, o JPB Segunda Edição não foi exibido. Para o jornal desta sexta-feira, nós separamos as melhores imagens e depoimentos gravados pelas equipes da TV Cabo Branco, desde o início da tarde até o término da caminhada, no Busto de Tamandaré. Veja a primeira parte agora.

E esta foi a forma encontrada pelos profissionais da TV

Cabo Branco para levar aos paraibanos as imagens e os fatos

daquele dia 20 de junho de 2013.

No dia seguinte, a gerência de Programação da Rede

Globo entrou em contato com a direção do jornalismo local e

pediu uma avaliação do que tinha ocorrido, como as pessoas

tinham recebido aquela decisão de exibir a cobertura nacional e

não deixar espaço para o telejornal local, para balizar futuras

decisões. A editora regional de jornalismo informou que a

repercussão tinha sido muito negativa e lembrou o grande

42 Momento em que o apresentador diz quais os destaques do bloco seguinte e entram os comerciais.

67 número de ligações e reclamações recebidas pela redação,

naquela noite, além da frustração dos profissionais envolvidos

na cobertura.

Conclusões

Como funcionária da TV Cabo Branco, com mais de 20

anos de casa, afirmo que a afiliada mobilizou-se, envolveu

vários departamentos e deu todo o apoio ao jornalismo para

que, no dia 20 de junho de 2013, fosse feita uma grande

cobertura das manifestações por melhorias no sistema de

transporte público e outros serviços. Recebemos tudo que

pedimos: do motoboy ao helicóptero.

Cada profissional chamado para trabalhar estava lá,

disposto a fazer o melhor e em alguns casos, arriscar a vida

para garantir uma cobertura de qualidade. Até quem não foi

chamado não se furtou ao trabalho, como o caso da

apresentadora e repórter Patrícia Rocha. Ela não foi convocada,

mas passou a tarde na empresa adiantando o prelim do

telejornal, a ser apresentado no dia seguinte, o Bom Dia

Paraíba, e ajudando a produção nos contatos com as equipes

que estavam na rua.

68

Na verdade era lá fora que Patrícia queria estar. Em

determinado momento da tarde ela virou para mim e disse

“Não sei como vocês aguentam ficar aqui dentro, enquanto

tudo está acontecendo lá fora. Eu quero ir pra rua!” Eu sorri e

disse: “Amiga, esta é nossa agonia diária. Sabemos que tudo

está acontecendo lá fora, há momentos em que desejamos ir lá

fora, mas compreendemos que é preciso ter alguém aqui

dentro, para organizar o que vem da rua e levar o melhor para

os telespectadores, em tempo e no prazo que temos, durante a

manhã ou à tarde, para deixar tudo pronto. Cada um faz a sua

parte e precisa administrar suas agonias. Acalme seu coração”.

Não consigo esquecer os rostinhos dos jornalistas mais

novos da redação, que em nenhum momento imaginavam que o

jornal poderia não ir ao ar. Para quem estava ali há muito

tempo, essa possibilidade passou a ser real quando observamos

o movimento de exibição da Rede Globo. Porém, mesmo os

mais antigos, diante dos fatos locais daquele dia, tinham a

esperança de que a Programação da Rede deixaria pelo menos

alguns minutos para as emissoras mostrarem os protestos das

suas cidades. Não foi o que aconteceu.

Como jornalista só pensava nos telespectadores fiéis,

naqueles que não paravam de ligar querendo uma explicação e

reclamando. Procurei dar ainda mais atenção a cada um que

69 atendi naquele dia. Como cidadã paraibana compreendia todos

eles. Era um momento histórico, a Paraíba tinha demorado para

entrar no processo das manifestações, mas entrou, e, naquele

dia, todos queriam ver como nosso povo tinha se comportado,

o que tinha acontecido naquela tarde, em cada canto da cidade

e do Estado onde houve protesto.

Confesso que, como jornalista e cidadã, me emocionei

ao ver na ilha de edição aquelas imagens. E foi lindo ver as

pessoas na rua de forma civilizada, pedindo o que é direito e

deveríamos ter desde sempre: saúde, educação, transporte

público. Além disso, observar que aquela multidão também

queria algo que acho fundamental para o país: mudanças no

comportamento dos políticos. Acredito que o recado das ruas

foi simples: se vocês não mudam, nós mudamos vocês. Claro

que não aceitamos, nem gostamos de ver as agressões físicas e

verbais aos nossos colegas, mas compreendemos que esse foi

um comportamento isolado e de uma minoria.

De maneira geral, a Paraíba deu exemplo de bom

comportamento na manifestação de 20 de junho de 2013. Uma

imagem marcante do que falamos aqui foi a de cidadão

distribuindo rosas com os policiais que trabalhavam, para dar

segurança a todos. Segundo balanço da Polícia Militar, nenhum

incidente grave foi registrado durante os protestos.

70

Enquanto funcionária, não posso julgar a decisão da

Rede Globo de mudar toda a grade de programação e não

deixar espaço para as emissoras locais exibirem seus telejornais

naquele dia, mas, como cidadã, posso afirmar que o sentimento

da maioria dos paraibanos, naquele dia, foi de desrespeito. A

jornalista compreende o peso da cobertura nacional da

manifestação e a decisão tomada, por quem comanda a Globo,

mas, a paraibana gostaria muito de ter tido o direito de assistir

a cobertura local, com as imagens da minha cidade, no JPB

Segunda Edição, naquele dia histórico.

71 O Radiojornalismo da CBN nos Protestos em João Pessoa: Relatos de Cobertura

Edileide Oliveira BEZERRA43 Olga TAVARES

Introdução

Quando os protestos começaram em São Paulo,

acompanhamos as notícias principalmente pela televisão.

Inicialmente, causou certo estranhamento o fato de o motivo

divulgado pelos telejornais ser somente o preço das tarifas de

transporte público na capital.

É verdade que, meses antes, Porto Alegre tinha vivido

uma série de protestos violentos por conta do aumento das

tarifas, mas, no caso de São Paulo, o fato se prolongou e, como

um rastilho de pólvora, se espalhou para o Rio de Janeiro e

outras capitais, à medida que os dias passavam, tornando

algumas questões mais claras.

As manifestações tinham um quartel general nas redes

sociais. Assim, como quase tudo na internet, a matriz de

pensamento era completamente heterogênea. As tarifas foram

apenas o motivo inicial para a eclosão de uma série de 43 Mestranda do PPJ/UFPB; email: [email protected]; [email protected] (orientadora)

72 insatisfações. Corrupção, cura gay, saúde, educação,

mobilidade, PEC 37, PEC 33, enfim, tudo aquilo que parecia

injusto aos olhos da população. Esta diversidade, sim,

justificava a proporção das manifestações.

O fato é que a onda de protestos nas ruas e avenidas

importantes das principais cidades brasileiras, organizada pelo

Movimento Passe Livre, com o lema “não é por centavos, mas

por direitos”, entrou para a história da democracia brasileira no

século XXI. Transformou-se em um marco histórico para a

ciberdemocracia ao levar às ruas, quase que simultaneamente,

milhares de brasileiros, especialmente jovens estudantes,

inquestionavelmente mobilizados nacionalmente, por meio da

computação social e suas redes de mídias sociais.

Levy (2010) afirma que, no tocante aos efeitos sobre a

democracia, essa nova realidade, metamorfose da esfera

pública, afeta positivamente a capacidade de aquisição de

informação, de expressão, de associações e de deliberação dos

cidadãos.

Segundo este autor, A computação social aumenta as possibilidades da inteligência coletiva e, por sua vez, a potência do “povo”. Outro efeito notável dessa mutação da esfera pública é a pressão que ela exerce sobre os administradores estatais e sobre os governos para

73

mais transparência, abertura e diálogo. (LÉVY, 2010, p.14) (grifo do autor)

Corroborando com essa linha de raciocínio, Primo

(2013, p.17) ressalta que, com a “emergência das tecnologias

de comunicação e informação a liberdade de expressão dos

cidadãos pode ser potencializada via mídias digitais”. Um

exemplo são esses protestos que ganharam proporções

gigantescas em nível nacional, a partir de práticas de

ciberativismo, sendo assim uma verdadeira prova da força dos

meios digitais, no aspecto de articulação, mobilização e ações

políticas, como bem coloca este autor. A rigor, não há como deixar de reconhecer a importância política da liberdade de expressão promovida pelas interfaces fáceis e baratas (ou gratuitas) dos meios digitais. Nem tampouco pode-se ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos efeitos antes não eram possíveis em uma sociedade caracterizada pela mídia de massa. (PRIMO, 2013, p.17)

Por outro lado, vale lembrar que nem mesmo o

imediatismo da rede mundial de computadores superou a

agilidade do rádio no que se refere à cobertura jornalística.

O rádio brasileiro, principalmente as estações que

dispõem de departamentos de jornalismo, um exemplo disso,

são as rádios All News, emissoras 100% notícias, utilizando-se

74 também da praticidade das tecnologias móveis, possibilitou

acompanhar de perto os protestos ocorridos nas principais

cidades do país, exercendo, plenamente, uma das principais

características no fazer jornalístico em rádio: o imediatismo.

Este artigo tem por objetivo relatar a experiência dos

jornalistas da CBN na cobertura dos protestos de rua

acontecidos em João Pessoa.

Emoção nas ondas do rádio

Um episódio que pode comprovar a presença marcante

dos repórteres das rádios nas manifestações, direto dos locais

das passeatas, foi vivido por Genilson Araújo, da CBN Rio,

quando narrou, ao vivo, os confrontos entre a polícia e

manifestantes no entorno do Maracanã, na tarde do domingo,

16 de junho de 2013, com entradas durante a transmissão do

jogo México e Itália, pela Copa das Confederações. De acordo

com o radialista, a manifestação seguia de forma pacífica até a

ação do batalhão de choque, que tentou dispersar cerca de 500

pessoas, com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Na

CBN João Pessoa, nos momentos de análises dos protestos,

esse relato foi reprisado e pudemos perceber a emoção e até o

choro do repórter:

75

Não houve, por parte, pelo menos dos estudantes, qualquer ato de agressividade. Eles paravam quando a polícia fazia bloqueio e tentavam por outra via e assim faziam. Quando, de repente, apareceu um grupo do batalhão de choque, disparando bombas de efeito moral, com cachorros e bombas de gás lacrimogêneo, dispersando essas pessoas.3

A narrativa de Genilson Araújo ganhou clima de tensão

no momento em que ele tentava convencer os policiais a

pararem com a investida porque havia crianças no local. Sem

perceber que estava no ar, o radialista discutiu com a polícia e,

rapidamente, foi parada a transmissão. Pouco tempo depois,

ainda na zona de conflito, o repórter voltou ao vivo para

explicar a situação. Estamos aqui em uma batalha que só tem um lado atacando, que é o lado do batalhão de choque. Não satisfeitos em afastar os manifestantes do entorno do Maracanã, alguns pelotões permanecem acompanhando os manifestantes que buscaram refúgio na Quinta da Boa Vista, tradicional área de lazer aqui no Rio de Janeiro. Muitas crianças, muitas pessoas idosas. Os policiais ameaçaram entrar com bombas de gás lacrimogêneo quando receberam apelos dos jornalistas para que não entrassem. Eles acabaram acatando.44

44 Cf. Reporter da CBN chorando ao vivo. In: [Audio CBN/RJ]. Disponível em: http://migre.me/jD2BO. Acesso: 04.06.2014

76

O relato de Genilson, por meio das tecnologias móveis,

com a utilização do celular, ampliou a sua presença no palco

dos acontecimentos, mostrando o quanto o repórter é

imprescindível na emissão da mensagem radiofônica.

No que se refere ao imediatismo no campo jornalístico,

Traquina (2013, p. 35) considera as notícias um ‘bem

altamente perecível’, e que, por isso, necessitam de velocidade,

evitando a deterioração do valor da informação. Para tanto,

“em termos logísticos, o valor do imediatismo leva ao reforço

da importância da capacidade performativa dos jornalistas de

uma empresa na montagem da cobertura”.

As redes nacionais de rádio tiveram papéis importantes

na cobertura dos protestos, em algumas cidades do Brasil,

realizando giros de notícias ao vivo, entre as praças que

compõem essas cadeias, repassando informações de todos os

locais com manifestações, como foi o caso da Central

Brasileira de Notícias (CBN) que, em vários momentos,

acionou, durante os protestos, as equipes que, por telefone

celular, relataram os episódios. Mas antes de prosseguir com

narrativa dos relatos de cobertura dos protestos, é importante

entender a estrutura básica da rádio CBN João Pessoa.

77 CBN João Pessoa

Intercalados com os programas nacionais, a CBN João

Pessoa tem dois programas de produção jornalística local, o

CBN João Pessoa, de segunda à sexta-feira, das 9h às 12h,

abordando os principais assuntos da atualidade, em áreas

diversas, como política, saúde, economia e cultura. O programa

apresenta, diariamente, reportagens externas e entrevistas em

estúdio, além de colunas e quadros com temas variados.

Já o programa CBN Cotidiano, de segunda à sexta-feira,

das 15h às 17h, aborda, como o próprio nome sugere, assuntos

que se relacionam ao cotidiano do ouvinte, por meio de

entrevistas e colunas. Nesses dois programas, a CBN João

Pessoa procurou fazer um trabalho com informação e prestação

de serviço, abordando assuntos relacionados ao protesto, na

cidade de João Pessoa, desde o início da semana de

mobilização, do período de 17 a 20 de junho de 2013.

Entre as pautas, inserem-se:

Registro do anúncio do Prefeito de João Pessoa, Luciano

Cartaxo, sobre a redução da tarifa do transporte público da

capital. Esta medida repercutiu nacionalmente com entrada

ao vivo da repórter local na CBN nacional;

Participação do presidente da Associação das Empresas de

Transporte Coletivo de João Pessoa (AETC-JP), Mário

78

Tourinho, que falou sobre a redução da tarifa de ônibus,

provocada pela onda de protestos;

Entrevista, por telefone, com um dos estudantes da comissão

organizadora do movimento Passe Livre em João Pessoa,

Israel Lucena;

Cobertura na reunião entre representantes de Secretarias dos

governos estadual e municipal, para discutir e traçar,

conjuntamente, estratégias e plano de ação para garantir a

segurança e a mobilidade dos cidadãos e dos integrantes do

movimento, durante protestos;

Entrevista com o representante da Polícia Militar da Paraíba,

que apresentou detalhes sobre o plano de ação da PM,

previsto para o dia da manifestação;

Mesa redonda sobre os protestos desencadeados pelo

Movimento pelo Passe Livre (MPL) paulista, que ganharam

uma dimensão nacional e internacional. Para conversar sobre

essa verdadeira “revolução” social, nós recebemos, no

estúdio, o antropólogo Wallace Ferreira; o cientista político

Ítalo Fittipaldi; coordenador de mídias digitais da Rede

Paraíba de Comunicação, Ricardo Oliveira, e o advogado e

coordenador do Movimento nas Ruas, de combate à

corrupção, advogado Marcos Pires.

Participação do presidente do PT em João Pessoa, Antônio

Barbosa, analisando os protestos;

79

Entrevista com o especialista em mídias digitais e redes

sociais, Xhico Raimerson, que analisou a força das redes

sociais, principais ferramentas utilizadas na divulgação dos

protestos pelo país;

Análises diárias dos principais assuntos que constavam na

agenda midiática referente aos protestos, com os jornalistas

comentaristas do quadro da CBN JP;

Entrevista com o professor universitário, doutor em

sociologia, Adriano de León, que analisou os protestos.

Estrutura de cobertura No dia da mobilização, 20 de junho de 2013, a

reportagem da rádio CBN João Pessoa, ao vivo, entrevistou o

diretor de Operações da Secretaria de Mobilidade Urbana

(SEMOB), Cristiano Nóbrega, que anunciou o esquema de

trânsito e o suposto trajeto dos manifestantes.

Nesta data, também ao vivo, entrevistou o Presidente da

Ordem dos Advogados do Brasil, na Paraíba, Dr. Odon

Bezerra, que anunciou o apoio da OAB-PB ao protesto.

Acrescentou que disponibilizaria um plantão extraordinário

com, pelo menos, vinte advogados, para fazer a defesa de

algum participante do protesto, caso fosse necessário, mas

nunca, dos vândalos.

80

Outra participação, com entradas ao vivo da

reportagem, foi do vice-presidente da Câmara de Dirigentes

Lojistas de João Pessoa (CDL), que sugeriu aos comerciantes o

fechamento das lojas do Centro de João Pessoa, às três horas da

tarde, uma hora antes do horário programado para a

concentração do protesto.

A produção dos conteúdos da programação local conta

com uma equipe formada por uma editora-chefe, Verônica

Guerra; dois âncoras/apresentadores que são Edileide Vilaça e

Bruno Filho; duas produtoras, Michele Sousa e Adriana Costa;

dois repórteres, Larissa Pereira e Herbert Araújo, ambos

também exercem a mesma função na TV Cabo Branco, afiliada

da Rede Globo, empresa pertencente ao mesmo grupo de

comunicação ao qual está inserida a CBN, tanto em nível

nacional como em local. Exatamente nesse contexto, surgem as

marcas de convergência profissional e de conteúdo entre os

meios de comunicação do grupo.

Embora cada uma das emissoras se configure como uma empresa com departamento comercial e faturamento próprios, são desenvolvidas algumas iniciativas pontuais de colaboração em relação à reutilização de conteúdo e à presença de profissionais de outros veículos do grupo, caracterizando iniciativas, ainda que modestas, de

81

convergência profissional e de conteúdo. (LOPEZ, 2010, p. 93)

Em suma, a emissora na capital paraibana fez uma

cobertura modesta, porém com condições técnicas de ter

repórteres no meio das mobilizações, realizando vários flashes

ao vivo para a CBN local e nacional.

O dia em que João Pessoa parou

Para trazermos os relatos dos profissionais da CBN que

cobriram as manifestações em João Pessoa, é preciso entender

o processo de convergência profissional. Nos dias atuais, não

basta que o jornalista saiba elaborar textos, ele precisa estar

apto para atuar também em diferentes meios e ser, muitas

vezes, um profissional multimídia. No caso da Rádio CBN, os

dois repórteres da emissora também são contratados pela

emissora de televisão, TV Cabo Branco, do mesmo grupo de

mídia no estado da Paraíba, a Rede Globo. Em João Pessoa,

ambas emissoras participaram da cobertura dos protestos locais

e, em vários momentos, verificou-se a interação de

profissionais, a convergência de estratégias e conteúdos.

Para Kischinhevsky (2009), o profissional de imprensa

é uma das vítimas do processo econômico, social, político e

82 cultural que conhecemos por convergência. Assim, hoje, o

mercado exige profissionais ágeis e multimídias.

Nessa perspectiva de repórter convergente, Larissa

Pereira, ao mesmo tempo, fazia cobertura para TV Cabo

Branco, na tarde dos protestos na quinta-feira, 20 de junho de

2013, a convite da CBN nacional e, simultaneamente,

participou ao vivo com informações para todo Brasil.

Já na “Era de Ouro do rádio”, era possível encontrar

iniciativas de compartilhamento de produções e de

profissionais entre as emissoras do mesmo grupo de

comunicação, como acontecia com cantores e radioatores

(FERRARETTO, 2001).

Os protestos que, para muitos, era sinônimo de

democracia, para a repórter da CBN foi “terror em cobertura

jornalística de evento contra a democracia”.

Parecia ser uma quinta-feira incomum. No fim do

expediente na rádio, a repórter comentou com os colegas de

redação a sua preocupação em cobrir a mobilização à tarde, já

como repórter da TV Cabo Branco. Estava temerosa sim, por

tudo a que assistia na programação nacional. Atos de vândalos

e arruaceiros, mas, principalmente, a forma agressiva com que

centenas de manifestantes tratavam as equipes de imprensa,

principalmente jornalistas de televisão. Ela parecia prever que

83 a violência, no Sul e no Sudeste do Brasil, se repetiria em João

Pessoa. Foi exatamente assim.

Para esta cobertura usamos carros alugados, sem identificação, para evitar depredações. Mas acreditamos que não haveria agressão à equipe e entendemos que deveríamos cobrir tudo com uniforme da empresa e com a canopla da emissora no microfone. Assim foi feito. Mas, logo que nós chegamos à concentração do protesto, em frente ao Colégio Estadual Lyceu Paraibano, no centro da capital paraibana, ouvimos vaias, palavrões e gritos com pedidos que nós saíssemos.

De acordo com a repórter, a equipe recuou, afastando-se

dos grupos mais exaltados e tentaram continuar o trabalho. Mas foram impedidos todas as vezes que começava a gravar entrevistas ou passagens.

Poucos metros depois do início da passeata, fomos encurralados por um grupo de aproximadamente, dez pessoas. Elas usavam máscaras de gás e do personagem “V de Vingança”. Com desenhos obscenos, gritavam para que nós saíssemos do protesto. Estes manifestantes repetiam que não éramos bem-vindos e ameaçaram quebrar o nosso equipamento se não saíssemos e se houvesse insistência em permanecer lá seríamos agredidos. Por pouco não agrediram nossos entrevistados, entre eles, idosos. Recuamos mais uma vez, sempre ouvindo agressões verbais e ameaças.

84

Depois de mais de uma hora de tentativas em produzir a reportagem sem sucesso, a equipe de reportagem esperou a multidão se afastar e voltou ao Palácio da Redenção, na Praça João Pessoa, para recomeçar a gravar. Tentativa inútil.

O mesmo grupo percebeu e, mais uma vez, se voltou contra a equipe. Os outros manifestantes perceberam e acompanharam os mais revoltos contra nós. Fomos empurrados por, pelo menos, quinhentas pessoas. Quatro ou cinco manifestantes pediam para não nos agredirem. Acompanhando dos colegas de equipe, recuamos mais uma vez. Mas não conseguimos nos livrar da multidão. Ficamos encurralados novamente, mas, desta vez, o grupo ganhou força, e aproximadamente mil pessoas nos seguiram.

Ainda de acordo os relatos, esse verdadeiro arrastão -

conta a jornalista - passou em frente a um batalhão de

aproximadamente 20 homens da Polícia Militar, mas os

homens da segurança pública não entenderam que a repórter

estava sofrendo ameaças. Não conseguiram sequer parar para

pedir ajuda porque estavam sendo empurrados pela multidão.

Até que colegas de profissão, fotógrafos, cinegrafistas e

repórteres de outras emissoras fizeram uma espécie cordão de

isolamento. Eles fotografaram e filmaram todo o tempo na

tentativa de inibir qualquer tentativa de agressão física.

Meus colegas de equipe levaram socos nas costas, garrafas de plástico na cabeça, e eu me livrei

85

porque fui protegida por eles. Naquele momento, o meu sentimento era de terror. Temia que eles tivessem pedras, facas ou armas de fogo. Caminhamos, empurrados pela multidão, da Praça João Pessoa até o Ponto de Cem Réis. Lá nos deparamos com uma equipe de três policiais militares que conseguiram dispersar a multidão. Poucos ainda nos rodeavam, gritavam palavrões e ameaçavam nos agredir. Temia pela minha vida e pela vida dos meus colegas, sem contar as agressões ao direito fundamental de ir e vir e à liberdade de imprensa.

A repórter e sua equipe de trabalho só conseguiram se

livrar daquele terror quando entraram na viatura da Polícia

Militar. A PM os levou até a sede da TV Cabo Branco, no

bairro de Tambiá, em João Pessoa.

Registramos tudo com a nossa câmera e a repressão foi ao ar em todos os nossos telejornais. Eu relatei aos colegas de redação que não tinha mais condições psicológicas de voltar ao protesto. Fui compreendida e liberada do expediente de trabalho. De minha equipe, cinegrafista e assistente voltaram, mas sem farda, com microfone sem canopla, como faz a rede, e com um produtor desconhecido do grande público. Só assim conseguimos cobrir o evento.

Depois de toda essa experiência, Larissa Pereira

desabafa: “Lamento imensamente que, apesar de tudo isso, não

86 recebemos apoio ou qualquer nota de solidariedade que seja,

dos representantes da categoria, a exemplo do Sindicato dos

Jornalistas e da Associação Paraibana de Imprensa, API”.

O repórter que estava de plantão para transmitir

exclusivo para CBN João Pessoa, Herbert Araújo, relatou que o

primeiro grande protesto tomou as ruas da capital paraibana de

forma impressionante. A heterogeneidade verificada nas

manifestações em todo o Brasil se repetiu. Funcionários

públicos protestando contra o Governo do Estado; Movimento

Passe Livre pedindo isenção para estudantes e desempregados;

aposentados falando da defasagem dos vencimentos, enfim,

uma miríade de demandas. A manifestação ocorreu de forma

predominantemente pacífica, a despeito de bombas que

explodiram eventualmente no meio da multidão. O que

realmente chamou a atenção foi a hostilidade de grupos

isolados contra a imprensa. Sobravam cartazes anti-Globo, é

verdade, mas, em determinado momento, os profissionais que

trabalhavam passaram a ser hostilizados.

Acompanhei o momento em que um grupo hostil cercou a colega Larissa Pereira que também atua na CBN JP. As frases eram agressivas, em certo momento ela chegou a ser empurrada. Flagrei o instante em que, “protegido” pela multidão, um desses manifestantes atirou uma lata de cerveja

87

que atingiu a câmera do cinegrafista Wellington Campos. Mas esta agressividade não ficou restrita às afiliadas da Globo. Houve coros agressivos contra apresentadores de outras emissoras.

Herbert Araújo não passou por este tipo de situação,

mas, analisou o que aconteceu: Se os manifestantes queriam passar um recado aos governos, a imprensa deveria ser considerada uma aliada. Claro que pode ser questionado o modo como as empresas trataram do assunto; mas, se observarmos com isenção, veremos que os excessos iniciais da polícia contra a população em São Paulo só foram contidos por conta da atuação dos colegas jornalistas. Nas demais cidades onde houve manifestações, esta violência não se repetiu com a mesma força, a princípio, provavelmente, por causa dos olhos da imprensa, presentes o tempo todo. Os meios de comunicação, na maioria, serviram como amplificadores das reivindicações e também como escudo contra os excessos das forças de segurança.

A CBN, conhecida como “A rádio que toca notícia”, é

uma emissora do Sistema Globo de Rádio (SGR), presente nas

principais cidades brasileiras, através de suas 31 afiliadas e

quatro emissoras próprias (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e

Belo Horizonte).

Na Paraíba, a rádio CBN João Pessoa é transmitida em

duas frequências, AM 920 MHz (amplitude modulada) e FM

88 101,7 MHz (frequência modulada), sob o domínio da Rede

Paraíba de Comunicação. Assim como no Brasil, na Paraíba,

além de ser pioneira é a única rádio no modelo All News.

Ressaltando a importância dessa modalidade de rádio,

Ferraretto (2001) e Meditsch (1999), In. Lopez (2010, p. 63)

explicam que “Há uma tendência, à potencialização da

informação no rádio e ao surgimento de emissoras 100%

notícias. A cada dia mais os sujeitos se informam pelo rádio,

aproveitando suas características centrais, como o imediatismo,

a proximidade e a mobilidade”.

Considerações finais

A onda de manifestações e protestos populares que

tomou conta do Brasil em junho de 2013, inicialmente por

causa do reajuste das tarifas de ônibus em cidades do Sudeste e

depois se transformou em grandes mobilizações populares,

escancarou, além da insatisfação e desejo de mudança por parte

da população, as diferentes características dos meios

tradicionais de difusão da informação.

Em tempos de jornalismo participativo, colaborativo e

cidadão, a atuação de uma rádio que se atém, primordialmente,

aos fatos, informando e promovendo a interação com o

89 ouvinte, inclusive através das redes sociais, tem um papel

fundamental na construção da democracia e da preservação da

liberdade de expressão.

Para concluir este trabalho de relato empírico, nada

mais justo e pertinente que captar a impressão dos ouvintes

mais assíduos da rádio CBN João Pessoa sobre a cobertura

jornalística feita pela emissora, durante os protestos na capital

da Paraíba. Essa dinâmica realizou-se com os

ouvintes/internautas que acompanham a rádio online, e

interagem pelas redes sociais com a âncora do programa

matinal, Edileide Vilaça. Entre as opiniões recebidas,

registramos a de Gustavo Sousa, diretor de marketing da escola

de idiomas CNA:

O rádio, mesmo sendo mais antigo que a televisão ou a internet, se mostrou o meio mais preparado para lidar com a atualidade dos protestos. Ágil para estar presente rapidamente onde acontecia a notícia e, ao mesmo tempo, profundo para conseguir entrevistas e debates em primeira mão, seja por telefone, seja em estúdio, tanto com analistas, como com os próprios protagonistas das manifestações. No caso da cobertura feita pela rádio CBN de João Pessoa, outro ponto positivo foi o fato de a emissora pertencer a uma rede nacional, de modo que os ouvintes tiveram acesso constante ao que acontecia na nossa cidade e em

90

vários outros estados do Brasil de forma praticamente simultânea.

O trabalho dos repórteres e, principalmente, de âncoras

e comentaristas foi fundamental para auxiliar na compreensão

do momento, pois, além de democratizar o fazer jornalístico,

abriu mão de ser a única voz, permitindo a seus ouvintes não

apenas opinarem, mas também contribuírem com novas

informações sobre os acontecimentos pelo país, com a

agilidade e precisão características do fazer radiojornalismo.

O rádio possibilita acompanhar os fatos no momento

em que estão acontecendo e noticiá-los, ainda se desenrolando.

E foi assim com a CBN João Pessoa quando todos os fatos

relacionados aos protestos foram transmitidos no instante em

que ocorreram.

O aparato técnico utilizado pela equipe de externa

constou de celulares, além do carro de reportagem. Os

repórteres narravam pela Unidade de campo Tieline

Commander, que é usada para transmissão externa ao vivo,

com qualidade de som de estúdio. O equipamento é acoplado

ao iPhone e os repórteres podem usá-lo para enviar áudio de

alta qualidade, com delay de áudio mínimo e ainda podem

gravar uma reportagem ou transmiti-la ao vivo e gravar

simultaneamente. Não precisa ter conhecimento técnico para

91 conectar e transmitir ao vivo, tudo é simples e menos complexo

do que a televisão, por exemplo.

Deve-se levar em conta que toda informação no rádio é

transmitida pela fala. Isso implica uma narrativa carregada de

emoções, especialmente em eventos desta natureza, que

começa na entonação até os silêncios que fluem a partir do

contato direto do jornalista com o palco da ação.

Com relação às marcas de convergência profissional e

de conteúdo, uma das ações comuns às rádios é o

compartilhamento de produção, principalmente no que diz

respeito às coberturas em que ação é pertinente a outros meios

de comunicação do mesmo grupo comunicacional,

possibilitando a colaboração e a utilização de profissionais e

produções jornalísticas.

Referências

KISCHINHEVSKY, Marcelo. O rádio sem onda: convergência digital e novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: Publisher, 2007. LOPEZ, Débora C. Radiojornalismo hipermidiático: tendências e perspectivas do jornalismo de rádio all News brasileiro em contexto de convergência tecnológica. LabCom Books 2010. Disponível em: http://www.livroslabcom.ubi.pt/book/24. Acesso em: 3/7/2013

92 LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. PRIMO, A. Interações mediadas e remediadas: controvérsias entre as utopias da cibercultura e a grande indústria midiática. In. PRIMO, Alex (Org.). Interações em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. TAVARES, M. Manual de redação CBN. São Paulo: Globo, 2011. TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo: A tribo jornalística, uma comunidade interpretativa transnacional. v.2. Florianópolis: Insular, 2013.

93 Convergência de conteúdo e uso do Facebook na cobertura da “voz das ruas” pela Agência Brasil

Angélica Gomes de Oliveira Lúcio CARNEIRO45 Sandra MOURA

Introdução

Junho de 2013 vai ficar marcado no Brasil pela

sucessão de centenas de protestos que ganharam as ruas do

país. A partir de manifestações iniciadas em São Paulo pelo

Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento de R$ 0,20

na tarifa de transporte público, a revolta da população ganhou

corpo contra a corrupção, os recursos públicos investidos na

construção de estádios para o campeonato mundial de futebol

de 2014, além da falta de investimentos em saúde e educação,

dentre outros apelos feitos pelos manifestantes, em especial os

jovens - que foram o grosso dos protestos.

Neste artigo, nossa análise recai sobre a cobertura feita

pela Agência Brasil, da Empresa Brasileira de Comunicação,

sobre os protestos ocorridos no Brasil, entre 17 e 26 de junho

de 2013. O período selecionado marca o auge das

mobilizações, notadamente conceituado pela presidente da

45 Email: [email protected]; [email protected]

94 República, Dilma Rousseff, como “a voz das ruas”. Como

hipótese, trabalhamos com o conceito de comunicação pública

e transparência governamental por meio das redes sociais, a

partir dos dispositivos que possibilitam a convergência de

conteúdo. Para o estudo, realizamos o mapeamento das

postagens feitas no perfil da Agência Brasil na rede Facebook.

A “Revolta de Junho” (também chamada de “Primavera

Brasileira” e “Revolta do Vinagre”) nasceu a partir de

convocações feitas pelas redes sociais e conquistou mais e mais

adesão – não apenas pela importância das demandas, mas

principalmente pela forma truculenta como os manifestantes

foram tratados pelo aparato de segurança pública. Como

resposta às balas de borracha e bombas de efeito moral, os

jovens se fortaleceram no ciberespaço, e também ficaram mais

unidos nas ruas, utilizando como armas cartazes, faixas,

vinagre, mas também coquetel molotov, pedras, paus e fúria.

Das avenidas de São Paulo, os protestos se espalharam

para outras capitais, chegando a 438 cidades de todos os

Estados brasileiros no dia 20 de junho, segundo estudo feito

pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). O

levantamento aponta que quase dois milhões de pessoas

fizeram manifestações pela redução das passagens do

transporte público, contra os gastos com as obras da Copa do

95 Mundo de 2014, pelo aumento de recursos para saúde e

educação e ainda contrários à corrupção e à impunidade46.

Os atos públicos ficaram mais violentos, ampliando o

valor-notícia47 dos fatos e contribuindo assim para um maior

agendamento da mídia sobre o tema- até então não considerado

como assunto de primeira página para muitos veículos de

comunicação, nem sequer visto pelas autoridades públicas

como fenômeno de massa digno de atenção.

No caso específico dos protestos no Brasil, os meios de

comunicação consideraram três valores-notícia no que diz

respeito à importância: impacto sobre a nação e o interesse

nacional; quantidade de pessoas envolvidas no acontecimento;

relevância e significação do acontecimento quanto à sua

potencial evolução e conseqüência.

No período em estudo (17 a 26 de junho), as emissoras

abertas de TV veicularam cerca de 140 horas de transmissões

de protestos pelo Brasil e reportagens sobre o tema. A

informação faz parte de um levantamento realizado pela

empresa Controle da Concorrência, que monitora inserções 46Cf. “Quase dois milhões participaram de manifestações em 438 cidades”. In: Portal EBC – Agência Brasil, 21.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jD3m0. Acesso em: 04.06.2014 47 Antônio Hohlfeldt conceitua valores-notícia como um conjunto de elementos e princípios através dos quais os acontecimentos são avaliados pelos meios de comunicação de massa e seus profissionais em sua potencialidade de produção de resultados e novos eventos, se transformados em notícia.

96 comerciais na TV para o mercado publicitário, e foi divulgada

pelo jornal Folha de São Paulo, na coluna Outro Canal,

assinada por Keila Gimenez48.

Somente a Folha de São Paulo, entre 7 e 30 de junho,

publicou 198 páginas cuja reportagem principal era sobre as

passeatas. O jornal, que hoje detém a maior tiragem entre os

veículos impressos do mesmo segmento no Brasil, envolveu

185 profissionais no relato das manifestações de junho de 213 e

chegou a realizar um seminário interno (“País em protesto –

análise da cobertura”) para debater o assunto.

No mesmo período das veiculações feitas pela Folha de

São Paulo e considerando-se o mesmo critério, seu principal

concorrente local, O Estado de São Paulo, publicou 159

reportagens. No Rio de Janeiro, o jornal O Globo abriu espaço

para 158 matérias, dentro dessa mesma definição.

No Twitter, 80% dos links mais compartilhados49 nos

protestos eram de meios de comunicação brasileiros. Das

notícias que repercutiram nessa rede social, 37% dos links

eram de sites de jornais; 32% de portais; 11% de revistas; 14%

da mídia internacional e 5% de posts de blogs. 48 Cf. “TV aberta exibiu 140 horas de protesto em dez dias”. In: Outro Canal. Blog Folha, 01.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jD3B5. Acesso em: 04.06.2014 49 Número leva em consideração os 600 links mais populares nas principais hashtags do protesto entre 6 e 26 de junho, segundo reportagem veiculada pela Folha de São Paulo em 7 de julho/2013.

97

As manifestações que sacudiram o Brasil a partir de São

Paulo (ver quadro 1), aumentaram em 17 pontos percentuais o

tráfego no Facebook, segundo dados da pesquisa Hitwise50, da

Serasa Experian, divulgados pelo jornal Valor Econômico.

A pesquisa da Serasa Experian, ao contrário do que se

poderia imaginar, indica que a maior parte dos usuários da rede

social em junho era formada por jovens adultos, de 25 a 34

anos, que representaram 27,2% dos internautas. Já os de 18 a

24 anos responderam por 23,2% de audiência. Frente aos 70%

de participação do Facebook, as demais redes obtiveram em

junho os seguintes índices no volume de acesso: Youtube,

18,2%; Ask.fm, 1,8%; Twitter, 1,75%; e Orkut, 1,73%.

Quadro 1. Cronologia dos protestos no Brasil51

Marcos do levante popular

Dia O que houve

Início dos protestos por conta do aumento das

passagens

06 de junho

Primeiro protesto na capital paulista por conta do

aumento de R$ 0,20 na passagem de

ônibus

50 Nos últimos 13 meses, tendo como base julho de 2013, o Facebook vinha liderando com folga a participação em relação aos acessos nas redes sociais, chegando a mais de 65%. Em 13 de junho – quando São Paulo viveu episódios mais violentos, como a bala de borracha que atingiu a repórter do jornal “Folha de S. Paulo” –, a rede social atingiu seu pico no mêscom 70% de participação. 51 Cf. “Um ensaio sobre o mês de junho de 2013” (Rodrigo Ramthum). In: Observatório da Imprensa, 16.07.2013, ed. 755.

98 Críticas da imprensa e parte da opinião pública

13 de junho

Apesar do fato de que a imprensa já vinha criticando os protestos, a fala de Arnaldo Jabor é emblemática

Mudança no tom das manifestações (“Não é só por R$ 0,20”)

13 de junho

Quarto protesto em São Paulo (os três primeiros foram nos dias 6, 7 e 11), mas, ao contrário das manifestações anteriores, as cidades de Maceió, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Santarém e Sorocaba também registraram manifestações

Início da adesão popular em solidariedade aos manifestantes

17 de junho

A adesão sinalizada no dia 13 ganhou dimensão verdadeiramente nacional e levou às ruas centenas de milhares de pessoas, espalhadas por capitais como São Paulo (65 mil), Brasília (5 mil), Rio de Janeiro (100 mil), Belo Horizonte (30 mil), Fortaleza (50 mil), Vitória (ES) (20 mil), Curitiba (10 mil), entre outras, além de municípios de vários estados da federação

Tentativa de apropriação ou associação ao movimento por parte de grupos organizados, sindicatos, partidos e afins

19 de junho

Houve outras tentativas anteriores, mas a divulgação da nota, assinada pelo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão, convocando os militantes a saírem às ruas serve bem como marco para

99

essa apropriação Consolidação da adesão popular; seguida de posterior reflexão por parte dos mesmos e, como consequência, o início da inserção de demandas pessoais nos protestos

20 de junho

1,25 milhão de pessoas, de acordo com matéria do Portal G1, participaram de protestos em diversas cidades do país

Descaracterização do movimento inicial e consequente consolidação da apropriação, com a predominância de protestos bem organizados e com foco definido

1º de julho

Início das manifestações de caminhoneiros, bloqueando 22 rodovias federais, e organização das entidades de classe ligadas aos médicos brasileiros contra o plano do governo federal de liberar profissionais estrangeiros para atuarem no país

Redes sociais e mobilização

Da geração dos “Anos de Chumbo”52, passando pelo

“Impeachment de Collor”53 até os dias de vinagre como forma

de protesto nas ruas, há algo que diferencia esses movimentos

de combate no Brasil além das questões político-sociais

envolvidas: um novo estilo de se mobilizar por meio das novas 52 Termo que define o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil, compreendendo basicamente o fim de 1968, com a edição do AI-5, até o final do governo Médici, em março de 1974. 53 Movimento político ocorrido em 1992, com milhares de brasileiros nas ruas para pedir a saída do poder do então Presidente da República, Fernando Collor de Mello.

100 tecnologias, notadamente as redes sociais digitais. Ao

fenômeno que utiliza a internet para movimentos politicamente

motivados dá-se o nome de ciberativismo. (VEGH apud

SANTOS, 2011, p. 3).

André Lemos (2010) considera o desenvolvimento de

comunidades e redes sociais online como um dos maiores

acontecimentos dos últimos tempos, conceituando-o como

“uma nova forma de fazer sociedade”. As gerações mais jovens

veem nos blogs e microblogs, nos sotfwares sociais (como

Twitter e Facebook) e nos grupos de discussão online, dentre

outros, um espaço para a construção da ciberdemocracia,

conforme apontado por Lemos: O ciberespaço, cenário privilegiado da cibercultura, é em sua essência político e o futuro da Internet aponta para novas modalidades de emissão livre, de formas de compartilhamento de informação, de cooperação. O que se espera são mudanças globais da esfera política em direção a uma ciberdemocracia (LEMOS, 2010, p. 28).

O termo comunidade virtual define um grupo de

pessoas que estão em relação por meio do ciberespaço. As

relações virtuais, conforme aponta Lemos, contribuem para o

aumento geral das interações entre os humanos,

compreendendo aí os encontros tète à tète. “Hoje, com as

101 tecnologias móveis, estamos vendo o desenvolvimento de

comunidades em rede móveis usando SMS, voz e acesso a

Internet por redes 3G para manter um contato permanente e

reforçar ainda mais os vínculos sociais face a face”. (LEMOS,

2010, p. 104).

Os instrumentos do ciberespaço possibilitam a

formação de comunidades desterritorializadas, o que aumenta

a força das redes sociais no fomento aos fenômenos de

protestos virtuais. Tais comunidades unem as pessoas que se

interessam pelos mesmos temas e defendem as mesmas

bandeiras ideológicas, ainda que haja barreiras geográficas.

Como elo entre esse público, além das ideias em

comum, está a facilidade de se manifestar no ciberespaço, por

meio das ferramentas locativas (smartphones, palms, GPS) e

dos agregadores sociais, que incluem ferramentas de

publicação de mensagens, fotos, vídeos etc. Segundo dados do

Ibope Media, o Brasil contava com mais de 100 milhões de

internautas no primeiro trimestre de 201354. O número

representa um aumento de 9% em relação ao mesmo período

do ano anterior, considerando-se os 94,2 milhões de usuários

registrados no terceiro trimestre de 2012.

54 Cf. UOL notícia – Tecnologia, 10.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jD4Jq. Acesso em: 04.06.2014

102

O ciberespaço, desse modo, cria um novo ambiente de

interlocução discursiva, definido por Habermas (1984) como

”esfera pública”. Segundo o filósofo alemão, em citação de

Sousa (2012), nesse espaço as pessoas privadas assumem

posturas públicas, por meio da discussão argumentativa, mas se

inspiram no interesse coletivo para fazer críticas em relação à

esfera de poder. O ciberespaço, gerador dessa nova realidade de esfera pública, é caracterizado pela inclusão bem mais ampla que os meios anteriores, pela grande disponibilidade de informações, pelas possibilidades diversas de acesso a essas informações (mais independentes das mediações tradicionais) e pela sua facilidade de interações nos contextos além-fronteira (SOUSA, 2012, p.41).

Segundo Santos (2011), o ciberativismo chega ao Brasil

em meados de 1990, com o avanço da internet e a entrada de

ativistas políticos, sociais e ambientalistas na rede. “Para os

ciberativistas, o uso da internet é um meio de ‘driblar’ os meios

de comunicação tradicionais, que na maioria das vezes não

oferecem espaço para que a opinião pública se manifeste. Com

isso a rede se torna um espaço “público” em que os ativistas

podem se manifestar, otimizando o impacto de suas ideias”. Ora, o cibercidadão pode descobrir na rede uma pluralidade de proposições que ele não teria

103

jamais imaginado. (...) A principal vantagem da internet (composta tanto por funções massivas, quanto pós-massivas) em relação às mídias da democracia midiática (função unicamente massiva) da segunda metade do século XX (imprensa, rádio e televisão) é que ela permite a todos se expressarem sem precisar passar pelo poder do jornalista ou de outro mediador (LEMOS, 2010, p. 87-88).

Santos explica que o ciberativismo nasce com a entrada

de ativistas na rede e vem com uma proposta de

conscientização por meio da internet, mas não prescinde das

mobilizações reais. Em geral, reforça o autor, uma mobilização

que começa no mundo virtual acaba nas ruas, mas para isso não

basta o ciberativista; ao contrário, exige também a participação

do ativista “real” - de carne e osso, nas mobilizações que vão

além dos dispositivos tecnológicos.

As manifestações no Brasil têm semelhanças com

outros movimentos sociais, como a Primavera Árabe55, os

Indignados Europeus56 e o movimento Occupy Wall Street,

iniciado em setembro de 2011 em Nova York. Em todas essas

55 A onda de mobilizações que veio a ser denominada Primavera Árabe iniciou-se na Tunísia, em 2010, espalhando-se depois para o Egito, Líbia, Iêmen e Síria, dentre outros países árabes. 56 Na Europa, a ocupação das ruas pelos jovens começou em 2011. No ano seguinte, o dia 14 de novembro entrará para a História como o dia em que a Europa parou. Nessa data, ocorreram greves e manifestações contra o desemprego e as políticas de austeridade em 23 dos 27 países da União Europeia.

104 mobilizações, os participantes foram convidados/convocados

por redes de mídias sociais.

Para a cientista social Maria da Glória Gohn (2013),

deve-se agregar ao cenário das marchas e ocupações na

atualidade a atuação de coletivos de jovens que criam formas

próprias de atuação política por meio do ativismo direto. No

livro “Sociologia dos Movimentos Sociais”, a autora dá como

exemplo as flash mobs57, a atuação da comunidade

“Transparência Hacker”, do Wikileads,e do Anonymous (que

possui o subgrupo Anonymous Brasil), dentre outros.

Em relação ao Anonymous, Gohn faz um registro

curioso: a máscara utilizada como símbolo do grupo (a qual

retrata uma pessoa sorridente com um sorriso maroto e é

inspirada em Guy Fawkes58) tornou-se campeã de vendas para

o Carnaval de 2013 em São Paulo. Esse mesmo adereço foi

usado por muitos manifestantes nos protestos de junho

realizados na capital paulista e que depois se estenderam para o

restante do país.

57 As flashsmobs foram criadas pelo jornalista norte-americano Bill Wasik, que objetivava realizar uma manifestação de curtíssima duração, parecendo surgir do nada e esfumaçando-se, tal como havia começado. 58 Guy Fawkes foi um revolucionário cristão do século XVII que tentou explodir o Parlamento inglês em 5 de novembro de 1605. A máscara sorridente inspirada nesse personagem da história tem origem na criação de David Lloyd, autor do gibi HQ, que se transformou no filme V de Vingança, em 2006.

105 Conceito de convergência

O Manual de Jornalismo da Empresa Brasil de

Comunicação (EBC) - da qual a Agência Brasil faz parte-

estabelece normas para o aproveitamento do potencial de uso

dos conteúdos jornalísticos em diversas plataformas. O

documento foi lançado em abril de 2013 e sistematiza as

diretrizes éticas e técnicas que orientam o trabalho dos

jornalistas dos veículos da empresa.

Em relação ao trabalho realizado pelos diversos

veículos da EBC, a ideia expressa no manual é que, na

dinâmica de apuração, produção e veiculação de conteúdos,

devam ser considerados os potenciais de convergência,

multiprogramação, interatividade, acessibilidade, portabilidade,

interoperabilidade e mobilidade, não linearidade e

transdiciplinaridade das plataformas digitais. A internet é centro de gravidade dos processos de convergência, irradiação e roteamento. Nas transmissões pela web, os jornais e outros programas jornalísticos da EBC de televisão ou rádio, devem agregar mecanismos de interatividade. No espaço virtual, todas as áreas produtoras de conteúdo da EBC podem multiplicar sua significação (EBC, 2013, p. 78)

106

A produção de conteúdo multimídia é uma das quatro

dimensões da convergência de mídias, conforme conceituado

por Salaverría (2003). O autor destaca as dimensões

empresarial, tecnológica, profissional e comunicativa e, dentro

desta última, a produção de conteúdo multimídia. Já Domingos

et AL (2007) propuseram a análise da convergência em:

produção integrada, jornalista polivalente, distribuição

multiplataforma e audiência ativa (Apud RAMOS, 2010).

Segundo Salaverría (2003), a dimensão empresarial

trata da apropriação da internet pelos meios como plataforma

de divulgação e as estruturas organizacionais decorrentes disso,

como aquisições, fusões e sinergia entre grupos. Na dimensão

tecnológica, há a reconfiguração das rotinas e técnicas

jornalísticas em decorrência da adoção de novas tecnologias.

Na profissional, há mudanças profundas no trabalho dos

jornalistas, em decorrência das reestruturações empresariais e

tecnológicas, com a exigência de novos saberes e multifunções.

Por fim, existe a dimensão comunicativa, na qual surgem

possibilidades de linguagens para o jornalismo, com formatos

específicos para o ambiente digital e a configuração multimídia

(Apud AGNEZ, 2011).

Pelo conceito de convergência de mídias adotado pela

EBC (que pressupõe a articulação integrada entre os diversos

107 veículos), o uso da internet propicia a ampliação de conteúdos,

por intermédio de produção própria ou de links. A orientação é

que as publicações sejam complementadas com áudios, vídeos,

mapas, infografias etc. As transmissões ao vivo pela web

devem adotar ferramentas de interatividade online.

O objetivo da EBC, ao adotar a convergência de mídias,

é potencializar o alcance dos veículos, como rádio e TV,

disponibilizando os conteúdos jornalísticos na web e adotando

a mídia cruzada, com um veículo referenciando o outro.

Na articulação com os demais veículos, indica o manual

da empresa, a TV deve se articular com o rádio e com a web.

Essa linha de produção, no entanto, não é rígida, tampouco se

prende à linearidade e pode ter a hierarquia alterada, de acordo

com os fatos. “Significa que o veículo líder de uma cobertura

varia conforme as circunstâncias e ao longo do tempo e que os

cruzamentos entre as mídias ocorrem pelas possibilidades

tecnológicas e pelas circunstâncias” (EBC, 2013). No processo

de convergência de conteúdo, a EBC também prioriza o uso

das redes sociais, valorizando tais espaços como fonte de

informação e de interação com a sociedade.

108 “A voz das ruas” pela Agência Brasil

A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) foi criada em

2007, com o objetivo de fortalecer o sistema público de

comunicação, formado pelos canais TV Brasil, TV Brasil

Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional, além do

sistema público de Rádio – composto por oito emissoras. Tais

veículos distinguem-se dos canais estatais ou governamentais,

por apresentarem conteúdos diferenciados e, algumas vezes,

complementares aos canais privados.

O conteúdo divulgado pela Agência Brasil parte do

princípio de que jornalismo é um serviço público, conforme

conceitua o Manual de Jornalismo da EBC (2013):

Sem ele, a sociedade de uma nação, de um território ou de uma localidade não consegue exercer seus direitos de cidadania, pois os cidadãos e cidadãs não teriam meios de estar em todos os lugares e saber tudo que acontece de relevante e importante para as relações sociais, a formação de opinião e a intervenção nos processos decisórios que afetam seus interesses individuais e coletivo (EBC, 2013, p. 7).

A cobertura de movimentos sociais organizados, a

exemplo dos protestos de junho de 2013 no Brasil, é tratada em

um tópico específico do Manual de Jornalismo da EBC, sob o

109 título Sociedade civil e movimentos sociais organizados. A

orientação expressa no documento é que os movimentos sociais

devem ser percebidos como “objeto de pautas, merecedores de

espaço e abordagem digna, sem preconceito”. O manual

também alerta para o fato de que a invisibilidade de tais

movimentos é rejeitada.

Em se tratando de jornalismo, cada vez mais, a

credibilidade da informação deve ser tratada como um capital

social (Recuero, 2013), visto que hoje há uma infinidade de

fontes disponíveis no mundo virtual e todo mundo pode ser um

comunicador. Daí a importância do jornalista exercer a

profissão com foco na responsabilidade social.

No caso da Agência Brasil, a função social do

jornalismo alcança uma maior dimensão (tendo em vista o

direito dos cidadãos à informação e o fato de ser um órgão

público de comunicação), aliada ao desafio de convencer a

audiência de que a agência não faz jornalismo “chapa-branca”. A credibilidade jornalística está diretamente ligada às críticas recebidas, uma vez que são fundamentadas justamente no valor da informação prestada e na constatação de que a qualidade é possível. Por isso acreditamos que a existência de referenciais que orientem a prática e a produção das informações seja um fator essencial na perspectiva de qualidade do

110

jornalismo público (OUVIDORIA DA EBC, 2012).

Todo o conteúdo disponível no site da empresa está

publicado sob a Licença do Creative Commons 59 Atribuição

3.0 Brasil. Para reprodução do material, é exigido apenas que

seja dado o crédito à Agência Brasil. Logo abaixo de cada

matéria, há ícones indicativos de queas mesmas podem ser

compartilhadas, diretamente do site, por meio de blogs ou

redes sociais, como Facebook, My Space, Google, Twitter,

Orkut, Pinterest e Tumblr. A lista inclui mais de 300

possibilidades.

Ao facilitar a divulgação de informações pelos usuários

do site, a Agência Brasil valoriza o papel da internet como

formadora de opinião. Segundo Lemos (2010), a opinião

pública está sendo cimentada no cotidiano, em listas de

discussão, nos fóruns, blogs, microblogs e outros dispositivos

próprios às comunidades virtuais. “Atualmente, a blogosfera é

o melhor exemplo dessas ligações hipertextuais com

59 Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos criada em 2001 com o objetivo de democratizar e regular a troca e a utilização de conteúdos, flexibilizando as regras de copyright. Por meio de uma licença Creative Commons, qualquer pessoa pode determinar as regras de utilização dos próprios conteúdos. A licença adotada pela Agência Brasil, segundo a Ouvidoria do órgão, é a mais ampla proposta pela Creative Commons.

111 comentários, discussões e outras modalidades midiáticas

anexadas” (LEMOS, p. 85).

Apesar de constar no Manual de Jornalismo da EBC

que o jornalismo é um espaço público por onde são transferidas

informações relevantes, o processo de divulgação de

informações “tidas como negativas” para o governo federal,

por meio da Agência Brasil, não é tarefa fácil, pois encontra

barreiras na própria equipe palaciana. Muitas vezes, o veículo é

visto como “fogo amigo” pelos ocupantes dos principais cargos

na hierarquia da administração federal.

Como exemplo, lembramos que a busca da objetividade

jornalística foi criticada, em 2004, pelo então ministro-Chefe

da Casa Civil José Dirceu em um bilhete enviado ao também

ministro Luiz Gushiken (Secom60), ao dizer que o jornalismo

praticado pela Radiobrás significava “misto de ingenuidade e

na prática, mais uma emissora de ‘oposição’” (BUCCI, 2008).

O jornalista e professor Eugênio Bucci (2008, p 24)

defende que a comunicação pública seja exercida de forma

ética, livre da vassalagem aos governos de plantão. Essa

postura foi mantida, inclusive, quando Bucci ocupou o cargo

de presidente da Radiobrás: “Se não aceitamos que o

60 Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica.

112 automóvel do Estado sirva a fins privados, por que somos

tolerantes quando o desvio se dá com o microfone, as câmeras

ou as antenas?”.

Mapeando a cobertura no Facebook

No período de 17 a 26 de junho, a Agência Brasil fez

115 postagens em sua fan-page no Facebook (que possui 1.378

“curtidores”), das quais a maioria (85) se referia direta ou

indiretamente às mobilizações ocorridas no Brasil. Para este

estudo, foram considerados todos os links que tratavam

estritamente das manifestações de rua, bem como aqueles que

abordavam questões burocráticas da administração pública, do

Congresso Nacional ou de entidades representativas da

sociedade civil organizada. O maior número de postagens foi

registrado nos dias 20 (quando 2 milhõesde pessoas foram às

ruas) e 21 de junho.

Reforçando o que preconiza o Manual de Comunicação

da EBC, os posts continham fotos e links para matérias

disponíveis no site da Agência Brasil. As matérias divulgadas

tratavam dos protestos nas ruas, medidas do governo federal,

decisões do Congresso Nacional, atos violentos durante as

113 manifestações, repercussão das mobilizações em veículos

estrangeiros, posicionamento de entidades da sociedade civil

organizada, dentre outros.

Algumas vezes, ao longo do dia, uma mesma matéria

era divulgada várias vezes ou reforçada, com acréscimo de

novas imagens para galerias de fotos veiculadas anteriormente.

O número de postagens deveria ser maior no período analisado,

no entanto, no dia 17 foi feita apenas um registro e nenhum

post nos dias 18 e 19 61.

No site da Agência Brasil, foi criado um banner

indicativo da cobertura sobre as manifestações, com o título

“As Vozes das Ruas”. Ao contrário deste estudo, a Agência

Brasil trata como “Vozes das Ruas” apenas os fatos que tratam

diretamente das manifestações iniciadas com o movimento pela

redução das tarifas de ônibus em São Paulo. Decisões da

presidente da República Dilma Rousseff (como a proposta de

realização de um plebiscito sobre a reforma política e a

contratação de médicos estrangeiros), ou medidas aprovadas

pelo Congresso Nacional - durante ou após os protestos - não

eram divulgados com o banner citado anteriormente.

61 Segundo informações da Agência Brasil, não houve publicações nessas datas, pois o profissional responsável pela atualização do perfil ausentou-se do trabalho, devido a problemas de saúde, e a empresa não teve como substituí-lo.

114

Ao longo do recorte histórico, também foi possível

observar o uso de hashtags62 no perfil da Agência Brasil, como

#manifestantes, #Dilma, #plebiscito, #PEC37, #corrupção,

#Copa. O uso do caractere cardinal (#) permite relacionar um

assunto ou tema a uma única e simples palavra.

Nas notícias que enfocavam atos mais extremados dos

ativistas, a Agência Brasil não adotou a linha da grande mídia

que separou, na maioria das coberturas, protestos pacíficos de

manifestações com atuação de vândalos. Na cobertura realizada

pela Agência Brasil, os atos de vandalismo eram registrados,

mas o termo “vândalo” não chegou a ser utilizado pela

reportagem. Sempre se adotavam as expressões

“manifestantes” ou “ativistas”. Tal postura reforça as

orientações do Manual da EBC que, conforme citado

anteriormente, preza pela “abordagem digna, sem preconceito”

dos movimentos sociais.

Na matéria “PM será menos tolerante com violência em

manifestações radicais no Distrito Federal”, no entanto, um

termo pejorativo aparece, mas na fala de um entrevistado: “A

Polícia Militar vai endurecer a ação contra esses bandidos 62 Recurso símbolo do Twitter, a hashtag foi incorporada oficialmente ao Facebook no dia 12 de julho de 2013. A nova função transforma em links assuntos escritos com o jogo da velha (#) em mensagens na timeline. As hashtags facilitam a busca por links com o mesmo tema. Inicialmente, o recurso só foi disponibilizado em inglês, espanhol, turco e japonês.

115 travestidos de manifestantes. Não haverá tolerância de agressão

a policial. (...) Os bandidos que estiverem na manifestação

terão tratamento de bandido” (tenente-coronel da PM, Zilfrank

Antero).

Uma análise feita pela Ouvidoria da Agência Brasil63em

relação ao período mais intenso dos protestos de rua64 mostra

que houve referência às redes sociais em 10% das reportagens

publicadas pela Agência Brasil sobre as manifestações.

Conforme o levantamento, houve 45 referências às redes

sociais em 441 textos. A freqüência foi praticamente a mesma

nas matérias em que o passe livre ou Movimento Passe Livre

(MPL) foi citado: 11%, o que corresponde a 12 referências em

108 textos e oito referências em 75 textos, respectivamente.

Em relação à prática da convergência de mídia, são

perceptíveis as falhas na cobertura da Agência Brasil. Na

matéria sobre o programa semanal “Café com a Presidenta”,

por exemplo, que reproduziu o pronunciamento feito pela

Presidente Dilma Rousseff à nação, não há link para o vídeo,

nem sequer para o áudio. Ao contrário do que previa o Manual

63 “Coluna da Ouvidoria: As redes sociais: novas utilizações para velhos fins”. In: Portal EBC – Agência Brasil, 15.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jD4jy. Acesso em: 04.06.2014. 64 Os protestos mais intensos começaram em São Paulo na primeira semana de junho e terminaram no Rio de Janeiro no dia 30 de junho, data da disputa da final da Copa das Confederações no Estádio do Maracanã.

116 de Jornalismo da EBC, poucas matérias sobre os protestos de

junho, disponíveis no site da Agencia Brasil, foram

complementadas com recursos imagéticos ou de áudio.

O uso de galeria de imagens, porém, é o recurso mais

adotado. Como exemplo, temos a matéria “Manifestantes se

reúnem em Brasília para consolidar pauta de reivindicações”, a

convergência aparece por meio de um link para uma galeria de

imagens, com cinco fotos. O mesmo ocorreu com a matéria

“Crianças fazem protesto em frente ao Congresso Nacional”,

cujo link para galeria de imagens mostrava 19 fotos.

Em várias matérias da Agência Brasil há links para

outras reportagens, reforçando o recurso de criação de memória

da convergência de mídia, como o caso de “Protesto contra a

PEC 37, na capital paulista reúne 30 mil pessoas”, com a

indicação, ao final do texto, ‘Leia Também: “Gurgel:

manifestações influenciaram adiamento da votação da PEC 37”

e “Manifestantes protestam contra a PEC 37 em Brasília”.

Considerações finais

O exercício da comunicação pública, sem vícios que

promovam quem está no poder, é possível e tem no

117 ciberespaço - especialmente por meio das ferramentas sociais e

da convergência de mídias- um grande aliado.

Dado o histórico de “jornalismo chapa-branca”

introjetado pela opinião pública, no entanto, é necessário que

as barreiras sejam quebradas para que o conteúdo produzido

pelos veículos integrantes da EBC, em especial quando se trata

de movimentos sociais, tenha mais aceitação por parte dos

usuários das redes sociais. Lembrando que a fan-page da

Agência Brasil no Facebook possuía menos de 1.500

“curtidores”, durante a realização deste estudo.

Considerando-se que a internet é hoje um meio

tecnológico extremamente democrático, com uma maior

participação do net-cidadão (Poster, 2010)65, é necessário que

os atores da comunicação pública atentem para esse ambiente

(fértil em reivindicações e críticas) que estabelece novos

paradigmas para as relações políticas com o cidadão.

Desse modo, observamos que a Agência Brasil precisa

explorar, com mais frequência e eficácia, as possibilidades

oferecidas pela convergência de mídia, para que os preceitos

65Mark Poster explica que net-cidadão ou “netizen” (net + citizen) é o nome muitas vezes dado ao sujeito político constituído no Ciberespaço, em contraste com o cidadão da nação.

118 existentes no Manual de Jornalismo da EBC se concretizem em

práticas que estimulem a ciberdemocracia.

Referências

AGNEZ, L. F. A Convergência Digital na Produção da Notícia. Reconfigurações na Rotina Produtiva dos Jornais Tribuna do Norte e Extra. 2011. Dissertação. Mestrado em Comunicação. UFRN, 2011.

AS REDES sociais: novas utilizações para velhos fins. Agência Brasil. Brasília, 15 de julho de 2013. Disponível em: http://migre.me/jD5cL. Acesso em 16 jul. 2013.

BUCCI, E. Em Brasília, 19 horas – A guerra entre a chapa-branca e o direito à informação no primeiro governo Lula. Rio: Record, 2008.

EBC - Empresa Brasil de Comunicação. Manual de Jornalismo da EBC- Somente a Verdade. Brasília, 2013. Disponível em: http://migre.me/jD5lI. Acesso em 30 jun. 2013 DESAFIOS para o jornalismo da era da hiperconexão. In: Social Media – Blog de Raquel Recuero, 18.04.2011. Disponível em: http://migre.me/jD4yG. Acesso em 15 jul. 2013.

FOLHA debate cobertura de protestos de rua. Folha de São Paulo. Ano 93 , n. 30.776, p. 6-7 jul. 2013.

GOHN, M. G. Sociologia dos Movimentos Sociais. Cortez, 2013.

HOHLFELDT, A (organizador); MARTINO, L. C; FRANÇA, V. V. Teorias da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2010.

LEMOS, A; LÉVY, P.O futuro da internet – Em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paullus, 2010

119 NÚMERO de internautas no Brasil ultrapassa 100 milhões, segundo Ibope. UOL Notícias. São Paulo, 10.06.2013. Disponível em:

POSTER, M. Cidadania, mídia digital e globalização. In: Dênis de Moraes (org). Por uma outra comunicação – Mídia, mundialização cultural e poder. Rio de janeiro: Record, 2010. P. 315-336.

SANTOS, F. J. A. O ciberativismo como ferramenta de grandes mobilizações humanas: das revoltas no Oriente Médio às ações pacíficas do Greenpeace no Brasil. Disponível em http://migre.me/jD5zM. Acesso em: 17.06.2013

SOUZA, M.I. Cidadania e participação pública no ciberespaço. In: Atas do XXXIII Congresso de Ciências da Comunicação, 2010. Disponível em: http://migre.me/jD6jW.

UM ENSAIO sobre o Mês de junho de 2013. Observatório da Imprensa, 16.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jD6w. Acesso em 17 jul. 2013.

120 A rua é a maior arquibancada do Brasil. Publicidade e agendamento do jornalismo na capa do Diário de Pernambuco

Maria Helena Guerra MONTEIRO66 Thiago SOARES

Introdução

Uma música criada para ser um hit, mesmo que em

apenas 30 segundos de veiculação, uma geração pautada pelos

objetos de consumo, que se apropria das informações jogadas

no seu colo diariamente e, a partir daí, cria o seu próprio

repertório. A mistura de todas essas variáveis resultou em um

fenômeno observado durante a onda de manifestações que

aconteceu no Brasil, em junho de 2013. Dois dos bordões mais

utilizados em cartazes empunhados durante as passeatas e em

registros nas redes sociais foram retirados de campanhas

publicitárias lançadas em diferentes momentos, a da Fiat,

visando a Copa das Confederações; e a do uísque Johnnie

Walker, lançada em outubro de 2011.

De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de

relações públicas Grupo Máquina, entre os dias 19 e 21 de

junho a expressão #vemprarua teve mais de 160 mil menções 66 Mestranda PPJ;Email: Maria Helena Monteiro <[email protected]>; [email protected] (orientador)

121 nas redes sociais e #ogiganteacordou, cerca de 100 mil67. Mas

para chegarmos às razões que levaram a tantas menções, vamos

analisar primeiramente o processo de criação da campanha

“Vem pra rua”. Deteremos-nos na peça publicitária da

montadora de automóveis já que foi dela a expressão utilizada

na capa do Diário de Pernambuco, do dia 18 de junho, objeto

de estudo deste artigo.

A campanha Vem pra rua

A campanha foi criada pela Agência Fiat, um

conglomerado que une profissionais das agências Leo Burnett

TailorMade e AgênciaClickIsobar. Anunciada como o maior

investimento da montadora em comunicação no ano de 2013, a

campanha “Vem pra rua” foi veiculada pela primeira vez na

TV no dia 06 de maio, pouco mais de um mês antes da eclosão

dos protestos nas ruas do Brasil. O planejamento da ação

incluiu intervenções específicas para TV, rádio, mídia impressa

(figura 1) e internet. Apenas para filmagens, foram três dias,

com o envolvimento direto de 380 figurantes.

67 Cf. “Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fuis políticos”. In: Site da BBC Brasil, 25.06.2013. Disponível em <http://migre.me/jD6M1>. Acesso em: 02 de julho de 2013.

122

Figura 1

Em entrevista ao programa Reclame, exibido pelo canal

a cabo Multishow, a gerente de publicidade da Fiat, Malu

Antônio68, explicou que o conceito da campanha tinha como

objetivo vincular a imagem da empresa às comemorações pela

futura atuação da seleção brasileira na Copa das

Confederações. A história do 'vem pra rua', 'vem pra maior arquibancada do Brasil' faz todo o sentido porque, na verdade, as comemorações acontecem nas ruas. A gente sabe que a maioria das pessoas, 190 milhões de pessoas, vão comemorar nas ruas, como sempre foi. A grande festa é nas ruas. E a Fiat, de certa maneira, é a montadora que mais entende de rua, porque de cada quatro carros que se vende neste país, um é Fiat. Na verdade é um

68 Disponível in site YouTube: http://migre.me/jD6Uj. Acesso em 02 de julho de 2013.

123

movimento que tem uma música, que tem um clipe, que chama as pessoas para celebrar esse momento na rua. (MALU ANTONIO, 2013)

Para reforçar o caráter viral da música, a produtora “S

de Samba”, de propriedade do cantor Simoninha, ficou

responsável pela criação do jingle. A canção defendida pelo

cantor Falcão foi criada por encomenda pelo produtor Henrique

Ruiz Nicolau, a partir do briefing enviado pela agência, que

citava, especificamente, as expressões “vem pra rua” e “a rua é

a maior arquibancada do Brasil”.69 Também em entrevista ao

programa Reclame, o cantor e produtor Simoninha explicou

que a decisão de chamar o cantor Marcelo Falcão, vocalista da

banda O Rappa, foi tomada para trazer ineditismo à campanha. A gente acabou fazendo quatro ou cinco versões até chegar a essa versão definitiva. E depois chegando à versão definitiva, tinha uma questão: 'Será que não é legal trazer um nome diferente pra música? Não é legal ter um artista diferente?' Foi aí que eu tive essa sacada de chamar o Falcão, que é um cara que normalmente não canta em publicidade, um pouco diferente do usual. Não é um artista que as pessoas pensariam rapidamente para um campanha, para uma música que falasse de futebol. E casou super bem. O Falcão arrebentou. (SIMONINHA, 2013).

69 Cf. Blog Criativo, 06.06.213. Disponível em<http://migre.me/jD6YQ>. Acesso em: 02 de julho de 2013

124

A ação também consistia em produtos específicos para

o ambiente web, como a criação de um clipe, vinculado a um

hotsite criado especialmente para a campanha. Lá, além do

clipe, os usuários poderiam baixar o jingle estendido em mp3.

Em suas contas do Twitter e do Facebook, a montadora

incentivou o compartilhamento da canção. A primeira

postagem no Facebook corporativo voltada para o tema

aconteceu no dia 09 de maio e a última, utilizando o slogan, foi

no dia 11 de junho (figuras 2 e 3), menos de uma semana antes

do primeiro grande protesto realizado pelo Movimento Passe

Livre, em São Paulo, no dia 17 do mesmo mês70.

Figura 2

70 Tomamos o dia 17 de junho como referência ao primeiro grande protesto, pois houve mobilização organizada nas redes sociais que originou a presença de cerca de 300 mil pessoas nas ruas da capital paulista e em outras 12 cidades brasileiras.

125

Figura 3

A campanha da montadora ficou no ar até o dia 22,

quando foi substituída por uma peça com o ator Fábio Porchat.

Em um dado momento, houve a informação de que a Fiat

retiraria as peças do ar por temer problemas com associações às

manifestações populares, no entanto, durante o Festival de

Cannes, executivos da empresa se apressaram em desmentir a

afirmativa. Depois que a trilha sonora de sua mais recente campanha, "Vem Pra Rua", se transformou no hino do movimento que toma conta do Brasil, a Fiat parou de estimular compartilhamentos nas redes sociais.No ar há quatro meses, a campanha acaba neste sábado. Mas as ações nas redes sociais, que deveriam continuar por mais tempo, já foram reduzidas.A empresa parou de usar o símbolo de compartilhamento seguido do nome da campanha

126

(#VemPraRua), que passou a ser usado nas redes sociais para convocar amigos para os protestos."Criamos uma música pra chamar as pessoas para ir pra rua celebrar a Copa das Confederações, mas elas escolheram outros motivos para ir para a rua", diz o diretor de publicidade e marketing da Fiat no Brasil, João Batista Ciaco. (BARBOSA, 2013).

Com todas essas variáveis a favor, a campanha acabou

sendo apropriada pelo público e ressignificada em cartazes

levados às ruas durante os protestos e vídeos editados e

disponibilizados no YouTube utilizando a música do comercial

como trilha sonora para imagens captadas durante os protestos.

O jornal americano Financial Times, em artigo assinado pela

colunista Samantha Pearson, levantou a questão da natureza

mercadológica das atitudes dos manifestantes. Segundo o

artigo, “os slogans se converteram em um dos poucos

elementos a unificar os diferentes grupos que tomaram as ruas

de mais de 100 cidades no Brasil este mês.”71 Isso se daria pela

ausência de conexão dos manifestantes com os partidos

políticos existentes, o que os teria levado a assimilar as

expressões cunhadas na realidade da sociedade de consumo.

71 Cf. “Slogans em protesto revelam consumismo e alienação, diz Financial Times”. In: BBC Brasil, 27.06.2013 Disponível: http://migre.me/jD770. Acesso:02.06.2013.

127 A capa do Diário de Pernambuco

O Diário de Pernambuco é um periódico

pernambucano, fundado em 1825, no Recife. Atualmente, o

jornal tem 24.243 exemplares diários (de acordo com o registro

2012 do Instituto Verificador de Circulação - IVC) e pertence

ao consórcio Diários Associados, fundado por Assis

Chateaubriand. O DP vem passando, ao longo dos últimos

anos, por um processo de mudança no perfil das primeiras

páginas. Christiano Mascaro, editor de arte/ diagramação; e

Humberto Santos, editor de primeira página, tem adotado uma

postura mais leve e diretamente ligada ao que é discutido nas

redes sociais. Ícones pop, trocadilhos, fotos abertas em larga

escala, ilustrações e artes sobre imagens se tornaram uma

marca do jornal, ganhando destaque em sites especializados em

análise de primeiras páginas como o Mídia Mundo72, mantido

pelo jornalista Eduardo Tessler.

Para a capa do dia 18 de junho, os editores de primeira

página do periódico optaram por uma capa quase

monotemática, com manchete sobreposta em foto rasgada em

seis colunas (figura 4). O texto principal dizia “A nova

arquibancada do Brasil”. A agenda do dia deixava claro que o

72 Cf. <www.midiamundo.com>. Acesso em: 04.06.2014

128 assunto mais importante eram as manifestações, com a

ocupação da cúpula do Congresso Nacional pela população.

Mais ainda do que a primeira rodada de jogos da Copa das

Confederações. De acordo com o editor de primeira página,

Humberto Santos, em entrevista à autora, a escolha da

manchete teve como ponto de partida a relação entre futebol –

assunto ligado à Copa, alvo da indignação de muitos, por conta

dos altos custos para a realização do evento – e as ocupações

de espaços públicos pela população.

“Foi um dia complicado, principalmente para os editores de primeira página. Era uma coisa muito nova, todo mundo ainda muito confuso, Ninguém queria dar um passo em falso, não queríamos interpretar o que estava acontecendo, até porque não tínhamos parâmetro de comparação. Optamos por esperar as imagens, que seriam fornecidas pelo jornal parceiro Correio Braziliense, e acompanhar o desenrolar das ações”, contou (SANTOS, 2013) 73.

73 Entrevista concedida à autora por telefone, no dia 06 de julho de 2013.

129

Figura 4

A opção pelo tema pode ser explicada pela Teoria do

Agendamento. O limite da agenda se dá pela natureza do

veículo, neste caso, o papel, que é finito, tem horário rígido

para ser finalizado e entregue à gráfica, durando exatas 24h em

circulação. O que vai no papel precisa se manter “quente” e

relevante, apesar do conteúdo já estar desatualizado, digamos

assim, em relação às redes sociais, portais de internet, rádio e

televisão, mídias com uma natureza mais dinâmica. McCombs,

em seu livro A Teoria da Agenda, explica que é preciso

considerar a capacidade da agenda pública e a competição

entre os temas para ocupar um lugar nesta agenda, além do

130 período de tempo envolvido na evolução da agenda pública. O

caso que estamos estudando é um exemplo claro desta teoria.

Os dois assuntos mais relevantes do dia eram as manifestações

em grande parte do país, além da Copa das Confederações

(Recife era uma das cidades-sede e teve problemas graves de

mobilidade em seu primeiro jogo).

Para entender o sentido da palavra “relevância”,

tomamos emprestado o conceito criado por McCombs, para

quem a relevância é a condição definidora inicial da

necessidade de orientação. “A maioria de nós não sente

desconforto psicológico, nem necessidade de qualquer

orientação em numerosas situações, principalmente no âmbito

dos assuntos públicos, uma vez que não percebemos que estas

situações sejam pessoalmente relevantes” (McCOMBS, 2004,

p. 91). De acordo, então, com este conceito de relevância, nada

mais natural que os dois assuntos disputassem espaço na

agenda e, conseqüentemente, na capa do jornal. “A intensa competição entre os temas para um lugar na agenda é o mais importante aspecto deste processo. A qualquer momento há dezenas de temas disputando a atenção do público. Mas sociedade alguma e suas instituições podem prestar atenção a não mais do que alguns assuntos por vez. O recurso da atenção do público no noticiário e nossas inúmeras instituições públicas é muito escasso. Um dos insights mais antigos

131

sobre o agendamento era o tamanho restrito da agenda pública.” (MCCOMBS: 2004)

Ainda de acordo com Humberto Santos, a escolha da

capa não foi tão rápida como pode parecer, dado aos assuntos

envolvidos. A ideia passou por várias etapas de construção até

chegar ao seu formato final.

A primeira ideia era linkar com futebol, por conta da Copa das Confederações. A mobilização nas ruas não era por causa do futebol, pela primeira vez em muito tempo. Monitoramos os assuntos mais comentados nas redes sociais e percebemos que a campanha da Fiat era muito citada. Eu já tinha pensado em usar o termo arquibancada, porém optamos por utilizar o formato do slogan por já estar em domínio público, àquela altura. Quando fomos construir a manchete, ficamos em dúvida entre utilizar as expressões ‘verdadeira arquibancada’ ou ‘nova arquibancada’. Optamos pela segunda porque a ‘verdadeira’ poderia dar a impressão de tomada de partido para algo que ainda não sabíamos do que se tratava, explicou. (SANTOS, 2013).

A fala do editor do Diário de Pernambuco reforça o

mito da objetividade a todo custo no jornalismo. O culto aos

fatos, conceito tratado por Michael Schudson em sua tese de

doutorado. Segundo ele, o conceito de objetividade no

jornalismo não nasceu como negação da subjetividade, mas

132 como reconhecimento à sua inevitabilidade. Contrariando,

pois, toda a sua aplicação – e o que se convencionou chamar

senso comum da profissão - ao longo dos anos (TRAQUINA,

2012, p.137). Para Schudson, os jornalistas chegaram a

acreditar na suposta objetividade porque queriam, porque

precisavam, porque eram obrigados a procurar uma fuga das

suas próprias convicções de dúvida e incerteza. Em sua tese,

Schudson completa que a objetividade no jornalismo seria

apenas uma série de procedimentos que os membros da

comunidade interpretativa utilizam para assegurar uma

credibilidade como parte não interessada e se protegerem

contra eventuais críticas ao seu trabalho (TRAQUINA, 2012,

p. 141).

E a objetividade no jornalismo, considerada como um antídoto para a parcialidade, passou a ser encarada como a parcialidade mais insidiosa, dentre todas. Porque a reportagem ‘objetiva’ reproduzia uma visão da realidade social que se recusava a examinar as estruturas básicas do poder e do privilégio. Ela não era apenas incompleta, como sustentavam os críticos de 1930, mas distorcida. Representava uma conivência com instituições cuja legitimidade fora contestada. E havia uma intensa urgência moral nesta visão. (SCHUDSON, 2010).

133

E quando o jornalismo é relacionado diretamente à

publicidade, como é o caso do nosso objeto de estudo74, a

questão da objetividade é ainda mais cara aos repórteres.

Leandro Marshall, em seu livro O jornalismo na era da

publicidade, fala sobre a relação do jornalista pós-moderno e a

lógica de mercado, que inclui a publicidade e as relações

públicas como fatores determinantes para a escolha daquilo que

é notícia. Para Marshall, ao se assumir enquanto peça da

engrenagem da produção de notícias, o jornalista anula o seu

senso crítico e sua capacidade de reflexão. Permitindo-se,

apenas, o ato de submeter o lead e a pirâmide invertida à lógica

do mercado, defendendo, assim, o seu emprego, seu salário e a

sua sobrevivência (MARSHALL, 2003, p. 32).

Esta relação é tão tensionada, que aparece claramente

no caso em questão. Durante a entrevista realizada pela autora,

o editor do Diário de Pernambuco foi enfático em afirmar que a

escolha da manchete do dia 18 de junho não remetia à Fiat, e

sim às redes sociais.

74 No nosso caso, a publicidade entra como elemento de agendamento da manchete em questão. Não falamos neste artigo sobre relações publicitárias em conteúdo jornalístico.

134

Essa foi uma capa muito delicada, justamente por ter sido um dia muito importante na história recente. A nossa escolha se deu pela natureza do DP. Gostamos de dar uma pegada mais pop nas primeiras páginas, com referências tiradas das ruas, das redes sociais. O mote da Fiat partiu de lá, das pessoas compartilhando, e não da campanha publicitária propriamente dita. Esta capa foi agendada pelas redes sociais, certamente. Mas também foi fruto de um trabalho coletivo, de análise das imagens que tínhamos à mão. Se não houvesse aquela foto, a manchete não casaria. (SANTOS, 2013).

Vale salientar o peso colocado na imagem escolhida

para ilustrar a manchete. Na parte superior da dobra, vê-se uma

imagem rasgada em seis colunas. Na seqüência, outras três

imagens, também bastante abertas, terminam de compor o

conjunto dedicado ao tema. Restando apenas aos outros

assuntos um rodapé, em que foram inseridas quatro outras

chamadas. Outro fator decisivo para a imprensa hoje é a imagem. A concorrência entre o mundo impresso e o audiovisual (que seduz os jovens e abocanha o grosso da publicidade) leva a imprensa em geral a adotar a linguagem audiovisual. O jornal impresso transforma-se em nossa época em um festival de signos e ícones buscando atrair e estimular a atenção dos consumidores. A técnica é simples: quanto mais o jornal for parecido com um videoclipe, maior a eficácia do produto. Assim as notícias viram fragmentos, entremeados

135

de fotos, infográficos, tabelas, olhos, linhas de apoio, ilustrações, retrancas, etc. (MARSHALL, 2003)

Esta opção pelo design acaba por reforçar o processo de

hibridização pelo qual o jornalismo vem passando. Para se

tornar mais palatável ao leitor 2.0, que não tem tempo a perder

com textos e informações mais densas, que exigem reflexão, os

jornais impressos tem se tornado cada vez mais similares às

suas versões eletrônicas. Textos curtos, com, no máximo, 30

linhas, fotos grandes e coloridas e projetos gráficos que

privilegiam áreas de respiro nas páginas. Marshall define esta

nova fase do jornalismo impresso como jornalismo

transgênico, “pois ele cruza os cromossomos da informação

aos cromossomos da publicidade e reforma a roupagem das

informações, notícias, colunas, notas, manchetes, pautas, dos

olhos, das linhas de apoio, dos editoriais, das suítes, retrancas,

etc., alterando na essência a retórica do jornalismo. Mexe e

altera, inclusive, a linha editorial dos veículos e afeta a

mentalidade dos produtores de informação.” (MARSHALL,

2003, p. 120). Apesar da visão apocalíptica de Marshall, é

preciso ressaltar que a tendência de se ter um jornal

visualmente mais leve não é, necessariamente, prejudicial às

informações. Quando bem utilizados, os recursos visuais de

136 infográficos, fotos e espaços de respiro nas páginas

acrescentam valor ao texto, deixando alguns dados com

identificação mais direta, facilitando a apreensão do leitor à

informação que se quer passar. Além disso, uma capa

visualmente atraente chama a atenção tanto do leitor impresso,

quanto do usuário de redes sociais, que se acostumou a

compartilhar aquilo que referenda enquanto informação.

E a ideia tem se mostrado acertada. Ao menos para o

que se propõe, que é o aumento das vendas e geração de buzz

nas redes sociais. De acordo com o editor de primeira página

do Diario de Pernambuco, houve um aumento nas vendas do

jornal no dia 18 de junho em comparação ao restante da

semana, embora o dado não possa ser comprovado, já que a

aferição do IVC do referido mês ainda não foi oficialmente

divulgada. Com relação ao compartilhamento no Facebook, é

substancial o aumento do impacto que a edição teve. Foram

1.567 curtidas e 1.330 compartilhamentos da imagem

disponibilizada na página oficial do periódico (figura 5).

Comparando com a edição do dia anterior, 17 de junho, que

teve 85 curtidas, 54 compartilhamentos e tratava,

primordialmente, de futebol, a capa foi um sucesso (figura 6).

137

Figura 5

Figura 6

138 Referências BARBOSA, Mariana. Não temos nada a ver com os protestos, diz Fiat sobre campanha 'Vem Pra Rua'. Folha de São Paulo. 18 jun 2013. Disponível em <http://migre.me/jD7kt>. Acesso 02.07.2013. COSTA, Camilla. Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fins políticos. BBC Brasil. 25 jun 2013. Disponível em <http://migre.me/jD7p7>. Acesso: 02.07.2013. MARSHALL, Leandro. O jornalismo na era da publicidade. São Paulo: Summus Editorial, 2003. McCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda – a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. SCHUDSON, Michael. Descobrindo a Notícia – Uma história social dos jornais nos Estados Unidos. Petrópolis: Editora Vozes, 2010. SLOGANS em protestos revelam consumismo e alienação, diz FT. BBC Brasil. 27 jun 2013. Disponível em <http://migre.me/jD7v6>. Acesso em 02 de julho de 2013. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo Volume 1 – Porque as notícias são como são. 3 ed. Florianópolis: Insular, 2012.

139 Cobertura ao vivo das manifestações populares - Tecnologias móveis, mídias independentes e jornalismo

Thiago D’angelo R. ALMEIDA75

Cláudio C. PAIVA

Introdução

As manifestações populares que se espalharam pelo

Brasil como um rastilho de pólvora no mês de junho de 2013

na luta por melhorias no transporte público posteriormente se

transformaram em uma expressão massiva da indignação dos

brasileiros com as estruturas do sistema político, econômico,

social, inclusive, midiático. A agenda midiática (MCCOMBS,

2006), que inicialmente estava se arquitetando para embarcar o

país na “viagem futebolística” da Copa das Confederações, foi

reformulada a partir da agenda pública dos protestos76. As

insatisfações que inicialmente permeavam apenas os sites de

redes sociais (RECUERO, 2011) se proliferaram pelas ruas das

cidades, voltando as atenções dos meios de comunicação do

país e do mundo para as mobilizações populares.

75 Mestrando do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. E-mail: [email protected]; [email protected] (orientador). 76 Cf. “Análise: Globo abandona grade para transmitir 'manifestação tranquila' país afora”, In: Folha de S. Paulo, 21.06,2013. Disponível em: http://migre.me/gi6yr. Acesso em: 05.10.2013.

140

Antes da partida final da Copa das Confederações, no

dia 30 de junho de 2013, Galvão Bueno, apresentador da TV

Globo, comentava a respeito das belas imagens dos vários

cantos do Brasil, que se preparavam para acompanhar o que ele

classificou como “festa do futebol”. Na internet, no site

TwitCasting77, os internautas podiam acompanhar ao vivo

através da transmissão live streaming78 o som de bombas e

gritos de “sem violência” ecoando em meio aos ruídos da

multidão em conflito com a polícia do Rio de Janeiro, do lado

de fora do estádio Maracanã. Bombas de efeito moral, gás

lacrimogêneo e spray de pimenta são lançados tão próximos

quanto os olhos do internauta espectador podem alcançar.

A mídia NINJA79 – sigla para Narrativas

Independentes, Jornalismo e Ação – proporcionou via Web

77 Cf. http://twitcasting.tv/. Acesso: 04.06.2014 78 Live streaming é a transmissão ao vivo de dados via rede. Por meio desta tecnologia, informações multimídia podem ser facilmente distribuídas e acessadas em tempo real. A transmissão de vídeos por meio desta tecnologia possibilita a simultaneidade entre a realidade capturada pela mídia e a realidade do internauta espectador. Por meio do streaming (fluxo de mídia), as informações são reproduzidas assim que chegam ao usuário, em modelo semelhante ao rádio ou TV aberta, geralmente não sendo arquivadas por ele. 79 A mídia NINJA é o grupo responsável pela mídia independente Pós TV - canal de transmissão ao vivo pela internet - e integra o Circuito Fora do Eixo, rede (inter) nacional de cultura independente, formada em 2005 e que busca, por meio de estratégias político-econômicas alternativas, promover e fazer circular a cultura independente dentro e fora do país. A mídia NINJA utiliza de equipamentos como celulares, smartphones e notebooks para transmitir ações como protestos, debates, eventos musicais de forma alternativa aos modelos jornalísticos tradicionalmente concebidos. Esta rede de comunicação independente é uma das inúmeras iniciativas

141 uma maior aproximação dos internautas e os acontecimentos

do lado de fora estádio carioca na noite daquele domingo.

Depois de alguns minutos de transmissão realizada pela câmera

de Filipe Peçanha, “repórter-ninja” que cobria o protesto,

manifestantes e polícia entraram em conflito e o movimento

pacífico se tornou uma cena de guerra. O confronto aconteceu

no local onde a Polícia Militar fazia um isolamento para evitar

a aproximação dos manifestantes do estádio.

do gênero que estão surgindo pelo país e é formada por jovens – jornalistas ou não jornalistas - interessados em informar sem fins comerciais, com a proposta de mostrar os fatos de forma diferenciada dos formatos dos mass media, buscando a efetiva democratização da informação. Para entender mais sobre Pós TV, consultar: http://postv.org. Sobre a mídia NINJA e Pós TV nas manifestações, ler: “POSTV, de pós-jornalistas para pós-telespectadores” (Elizabeth Lorenzotti). In: Observatório da Imprensa, em 25/06/2013, ed. 752. Disponível em: http://migre.me/fvffY. Acesso em: 05.06.2014. Para saber mais sobre o cenário das novas mídias livres em ascensão no país, ver “Revolução compartilhada” (Mariana Claudino e Natasha Ísis). In: site Canal Ibase, 15.07.2013. Disponível em: http://migre.me/jECPw. Acesso em: 05.06.2014

142

Figura 1 - Record News em transmissão ao vivo do alto de um edifício Fonte: Reprodução

Naquele momento, enquanto a Record News exibia, no

intervalo do seu telejornal ao vivo, o mais novo depilador por

luz pulsada, as imagens da mídia NINJA só eram interrompidas

em caso de problemas com o sinal da internet ou quando era

necessário recarregar a bateria do equipamento de filmagem,

um iPhone 4. No momento da confusão que se desenrolava nas

proximidades do estádio Maracanã, a Record News abriu

espaço no telejornal para trazer ao telespectador imagens do

confronto, mas com um pequeno diferencial da exibição do

“ninja”: as imagens estão distantes, em um local alto

(possivelmente em edifício), acima dos manifestantes e

143 policiais, isoladas da fumaça das bombas de gás. Sem um

repórter próximo ao conflito, o apresentador do telejornal se

resumiu a narrar à distância o que as imagens já mostravam.

Podemos destacar, assim, uma peculiaridade desse

modelo alternativo de cobertura online: é ininterrupta e

geralmente se encontra imersa80 em tempo real no

acontecimento. Já a TV, que nas manifestações do mês de

junho de 2013 manteve-se afastada das aglomerações - seja

para se proteger das constantes “sabotagens” promovidas por

parte dos manifestantes81 ou para garantir planos de câmera

mais gerais dos eventos -, além de ter seu tempo e espaço

limitados, apresentou um olhar “de fora” do acontecimento,

suspenso em helicópteros ou no alto de edifícios.

80 Seja na elaboração do discurso ou de recursos audiovisuais, em alguns momentos, o jornalismo se apropria das técnicas do cinema e até mesmo dos games para construir suas narrativas. A experiência do cidadão-repórter que transmite e ao mesmo tempo interage com os fatos, de certa forma, tem relação com a proposta do “jornalismo imersivo”. No momento, não consideramos que a cobertura que estamos avaliando esteja enquadrada nesta tipologia jornalística, mas destacamos que a aproximação entre os fatos e o espectador produz uma intensa impressão de realidade e proximidade que se assemelha à concepção do immersive journalism. Disponível em: website Imersive Journalism. Disponível em: http://migre.me/jECX0. Acesso em: 05.06.2014 81 Na TV Globo, o programa Profissão-Repórter do dia 18 de junho buscou, a partir da perspectiva do repórter Caco Barcellos, retratar um pouco da problemática de cobrir estes eventos em meio às reações negativas da multidão. Cf. Profissão repórter – Manifestações, 18.06.2013. In: site YouTube. Disponível em: http://migre.me/jED3d. Acesso em 06.04.2014.

144

O pesquisador Antônio Brasil82 se posiciona sobre

novas possibilidades do jornalismo:

Temos que nos preparar para conviver com grandes, constantes e perigosas manifestações populares. Talvez uma possibilidade de inovação seja o “jornalismo imersivo”, aquele que ao invés de se distanciar dos fatos, de preferir “subir no telhado” ou embarcar em helicópteros e se afastar da realidade, procura “mergulhar” nos acontecimentos. Esse novo jornalismo procura aproximar o repórter dos fatos com atitudes diferenciadas, narrativas audiovisuais inovadoras e ferramentas profissionais mais específicas e apropriadas para cobrir uma nova realidade (BRASIL, 2013, online).

Outro diferencial é que a transmissão do “ninja” é

realizada por meio de um aparelho celular conectado a uma

rede móvel de internet, equipamento tecnicamente “inferior”83

ao aparato tecnológico profissional utilizado pela TV Record.

82 Cf. “Drones espionam protestos no Brasil” (Antonio Brasil). In: Observatório da Imprensa, 02.07.2013, ed. 753. Disponível em: http://migre.me/jE4mj. Acesso em: 05.06.2014 83 A iSight, nome da câmera de um iPhone 4, equipamento utilizado pelo “repórter-ninja” na transmissão, tem 5 megapixels e grava em HD (High-Definition ou Alta Definição) até 720p. Devido à dependência da qualidade da conexão com a internet para a realização da transmissão, a imagem pode ficar “pixelizada”, ou seja, bastante ruidosa, ocorrendo travamentos na exibição e possíveis interrupções mais longas. A imagem fornecida pela NINJA nestes eventos tem baixa definição, elemento que até já se tornou característica das suas transmissões. Já na TV Record, como a maioria dos canais de TV do Brasil, a imagem é captada e transmitida em alta definição e não depende de conexão com a internet, sendo conduzida por ondas

145

Figura 2 – Imagem “pixelizada” da transmissão da mídia NINJA: vídeo de baixa definição Fonte: Reprodução / Ao vivo no TwitCasting

O celular – aparato móvel classificado por Silva (2008)

como “dispositivo híbrido” – permite ao cidadão-repórter

produzir o material audiovisual e transmiti-lo em tempo real,

narrando os fatos in loco (SILVA, 2007, p.5). Esta produção-

reprodução é facilitada pela existência dos territórios

informacionais (LEMOS, 2007), interligados por meio da

comunicação ubíqua possibilitada pelas tecnologias móveis,

eletromagnéticas da fonte transmissora aos aparelhos receptores. Algumas câmeras utilizadas são Sony IMX ou XDCAM, equipamento profissional de gravação digital que permite a gravação e exibição com qualidade e velocidade.

146 como dispositivos (celulares, tablets, smartphones, iPads) e

redes (Wi-Fi, 3G, 4G84, bluetooth).

Como sabemos, a liberação do polo emissor da

informação (LEMOS, 2007) dá ao público a condição de

produzir informações. A pulverização destas expressões –

“mídias-poeira” ou mídias eu-cêntricas (RAMONET, 2012) –

estão representando necessidades (quais?) dessa nova

sociedade, ansiosa por participar mais ativamente da

construção das realidades? Estas transmissões alternativas –

geralmente proporcionadas por mídias móveis - podem

significar uma expressão do descontentamento do público com

a cobertura, com as abordagens e com os focos dados às

realidades cotidianas por parte da mídia tradicional85?

Nossa intenção é realizar uma avaliação inicial da

importância destas produções alheias ao mainstream midiático,

que oferecem ao público diferentes visões e uma multiplicidade

de interpretações dos protestos, e entender quais os impactos

destas coberturas amadoras no estudo (e prática) do jornalismo,

84 3G e 4G são tecnologias dos celulares que permitem navegação, download e upload em rede de alta velocidade. A 4G em 2013 ainda está com sinal limitado a algumas cidades do país e estará se expandindo até o final de 2013. 85 O conjunto dos principais veículos de rádio, TV e impressos do país e do mundo. No mundo, oito empresas globais de comunicação eram responsáveis em 2007 por 47% do faturamento somado das 70 maiores empresas de mídia em todo o mundo (COSTA, 2009, p. 238). Já no Brasil, alguns dos maiores veículos de comunicação são as organizações Globo, Record, Folha de São Paulo, para citar alguns.

147 que a cada dia recebe mais influências externas ao seu universo

de práticas e modelos, e assume um caráter mais

participativo86, cidadão (GILLMOR, 2004 apud SILVA, 2007,

p.2) ou colaborativo. Utilizaremos a cobertura dos “repórteres-

ninja” da manifestação do dia 30 de junho no Rio de Janeiro de

2013, como ponto de partida para tentar elucidar estes e outros

questionamentos, que afetam diretamente os aspectos

referentes ao papel do jornalismo na contemporaneidade.

Novas tecnologias e novas formas de produzir informações

As manifestações que se espalharam pelo Brasil no mês

de junho foram marcadas por uma imensa pluralidade de

expressões, uma fragmentação de reivindicações e também

uma massa indefinida de pessoas de vários segmentos sociais,

bandeiras políticas ou apartidárias que marcharam pelas ruas de

suas cidades sem a presença forte de uma liderança. Talvez

esta diversidade cultural exposta nos protestos seja um reflexo

86 Alguns pesquisadores defendem que a real intenção dos mainstream em se utilizar do jornalismo participativo é uma estratégia mercadológica de manter sua audiência e garantir fidelização da clientela. Há também a concepção do jornalismo participativo como uma expressão democrática, de horizontalização da produção de informações. Nós levamos em conta as duas considerações na avaliação desta tipologia jornalística.

148 da fragmentação e pluralidades apontadas por Hall (2006, p.18)

ao tratar das identidades dos sujeitos na pós-modernidade.

Pessoas externaram em cartazes, faixas, gritos e

atitudes, a sua crítica aos modelos político-econômico-

midiáticos tradicionais, que não mais representam a sociedade

brasileira, mais independente, protagonista da nova realidade.

Parte da população demonstrou sua fúria contra os grandes

veículos de comunicação, inserindo nos protestos gritos de

repúdio a emissoras, invadindo links ao vivo e destruindo

equipamentos das equipes de produção das maiores TVs do

país. Seria só vandalismo ou reflexo da insatisfação popular

com a imprensa?

Não entraremos no mérito da discussão sobre

vandalismo ou pacifismo, mas estes ataques ocorrem num

momento de paralela expansão das mídias independentes, das

coberturas amadoras realizadas por cidadãos-repórteres,

pessoas comuns que com os seus dispositivos eletrônicos

intervieram nas passeatas para exibir os fatos à sua maneira.

Silva (2007, p.1) aponta que "com a expansão dos

dispositivos móveis portáteis, verifica-se o surgimento de

novas práticas na cena urbana e no interior do ciberespaço".

Desta forma, compreendemos que tanto a forma de produzir e

transmitir como consumir informações vem se alterando neste

149 contexto de mobilidade informacional (LEMOS, 2007) e os

consumidores de notícias vem se tornando produsers (BRUNS,

2005 apud SILVA, 2007, p. 3) – fusão entre produtores e

usuários –, ou na nomenclatura de Islas (2007 apud BECKER,

p.102) prosumers, ou seja, produtores e consumidores. As

tecnologias abriram novos canais de informação para o

público, que agora assume o protagonismo midiático como

uma práxis cotidiana.

Com os “efeitos do deslocamento de ênfases da

‘sociedade dos meios’ para a ‘sociedade midiatizada’ ”

(FAUSTO NETO, 2011, p.17) potencializados pelo

desenvolvimento intenso das novas tecnologias de informação

e comunicação (NTICs), mais especificamente pela expansão

das tecnologias da informática e telefonia móvel, a sociedade

contemporânea se encontra mergulhada em um caldeirão de

transformações não só no âmbito das técnicas em si, mas

também nos contextos sociais.

As possibilidades interativas (PRIMO, 2011) entre os

atores no ciberespaço provocadas pela Web 2.0 intensificam as

relações sociais no ambiente virtual, que são causa e

consequência do compartilhamento de texto, imagens, áudio e

vídeo por meio de dados, seja através de espaços como o

150 Facebook87 e YouTube88 ou de mídias de função pós-massiva89

como os blogs e microblogs, como o Twitter. Além destes sites

de redes sociais, há inúmeras outras plataformas colaborativas

que permitem a distribuição audiovisual em tempo real, como o

Twitcam90, TwitCasting, etc.

Nestes ciberambientes, os atores podem captar e

transmitir material audiovisual através de dispositivos móveis91

e ainda participar de discussões simultâneas à exibição por

meio de publicações de seus perfis do Facebook ou Twitter.

87 Site de rede social criado em 2004 para ser uma rede de contatos entre alunos de instituições de ensino dos Estados Unidos. Posteriormente, passou a abranger todos os setores da sociedade e se propagou pelo mundo. O Facebook funciona através de perfis e comunidades. Em cada perfil é possível acrescentar módulos de aplicativos (jogos, ferramentas etc.) (RECUERO, 2009, p.184). Em 2013, o site ultrapassou a marca de 750 milhões de usuários em todo o mundo. Para saber mais, consultar: “Facebook tem 751 milhões de usuários em plataformas móveis”. In: Olhar Digital UOL.com, 03.05.2013. Disponível em: http://migre.me/jEEe9. Acesso: 05.06.2014. 88 YouTube é um site de compartilhamento de vídeos criado em 2005, cuja finalidade é oferecer aos internautas um espaço para carregar, assistir e compartilhar vídeos caseiros ou materiais diversos, como shows, programas de TV, clipes musicais, etc. – desde que não infrinjam as leis de direitos autorais. Cf. YouTube.com. Acesso em: 05.06.2014. 89 Ao contrário das mídias de função massiva, que são voltadas para a massa e não tem muito potencial de interação, Lemos (2007, p.5) defende que mídias de função pós-massiva “funcionam a partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação, ‘liberando o polo da emissão’” (LEMOS, 2007. In: TAVARES, 2013). 90 Cf. http://twitcam.livestream.com/ . Acesso em: 05.06.2014. 91 A pesquisadora Lucia Santaella se refere aos três paradigmas da imagem: o paradigma pré-fotográfico, fotográfico e pós-fotográfico. O desenvolvimento da infografia e as linguagens informáticas possibiliaram o desenvolvimento do terceiro paradigma. Atualmente, segundo ela, vivenciamos uma nova ordem visual (SANTAELLA, 1997, p.166).

151 Com isso, basta que se possua um celular, smartphone, tablet

ou qualquer aparelho com uma câmera e conexão a uma rede

sem fio, para poder compartilhar seus vídeos nas redes sociais

para que um sem-número de círculos sociais tenham acesso.

Rötzer (2011 apud SILVA, p.10) aborda a relevância do que

ele classifica como “segunda revolução digital”:

A Internet móvel, os smartphones, o princípio do always on [sempre ligado] e da Evernet [Internet omnipresente graças às novas tecnologias] invadiram as nossas vidas a uma velocidade fulgurante e não cessaram de transformar a nossa relação com o espaço partilhado. A revolução móvel está a ser ainda mais rápida do que a da Internet (RÖTZER, 2011, apud SILVA, p.10).

A mídia tradicional se encontra em dilemas econômicos

e estruturais, sentindo a necessidade de se estruturar de acordo

com as novas configurações do jornalismo contemporâneo.

Afinal, como produzir notícias para uma população que tem

acesso aos seus próprios canais de produção e

compartilhamento de informações e deseja interagir e

coproduzir junto aos media?

Enquanto o jornalismo participativo ainda é bastante

controlado pelo mainstream, que se apropriando dos direitos de

propriedade de conteúdo, filtra o que lhe é interessante e toma

152 posse dos direitos das produções amadoras através de contratos

ou termos de uso92, as mídias livres se espalham pela rede e

ocasionam uma multiplicação dos discursos, tentando

estabelecer uma efetiva democratização do acesso aos meios

horizontais de produção informativa e uma maior interação

com o público.

Os registros efetuados pelos integrantes das

manifestações pelo Brasil e disseminados pela internet

mostraram olhares diferentes dos enquadramentos mass-

mediáticos, que são ligados a interesses hegemônicos e que

apresentam interpretações convenientes à empresa midiática,

respeitando suas estruturações e, claro, intencionalidades.

Já na internet, a produção amadora - que não deixa de

possuir seus filtros e também ser, assim como a notícia93, mais

uma forma de construção da realidade (RODRIGO, 2009)

apresentou ao público registros que os meios de massa não

podem ou não pretendem exibir. De forma subjetiva e sem a 92 Fábio Malini (2008) classifica este processo como a lógica ou “modelo do tudo é meu”, recurso adotado nas experiências de jornalismo participativo pelos portais de notícias como o Globo Online e El Pais. O autor aponta que “assim, o pacto dos grupos tradicionais com os usuários se alicerça no sequestro da produção de linguagem social” (MALINI, 2008, p. 11). 93 A diferença entre o produto amador e a notícia é que esta é legitimada perante a sociedade, pois recebe a credibilidade quase automática do público que, através do contrato pragmático fiduciário (RODRIGO, 2009, p.48), subentende que o discurso midiático é, pois, verídico. Outros aspectos que tem o propósito de legitimar este contrato são os critérios de noticiabilidade e os valores-notícia bem avaliados por Traquina (2005).

153 influência dos critérios profissionais (e comerciais) que

embasam a atividade jornalística, os cidadãos-repórteres

encaram os confrontos a fim de oferecer aos internautas uma

cobertura exaustiva e com isso, são intermediários entre os

eventos e os espectadores.

Neste sentido, se enquadra mídia NINJA, cujos

registros são realizados a partir de dispositivos móveis como

um iPhone e provocam no público uma maior noção de

proximidade aos eventos registrados. Esta proximidade se dá

por conta dos registros, que além de serem feitos de muito

perto de onde a ação acontece, a câmera em primeira pessoa

insere nosso olhar diretamente nos fatos. Este ângulo

privilegiado que os narradores-cinegrafistas nos proporcionam,

estimula uma sensação de interação com os fatos, uma

aproximação virtual que, mesmo com as deficiências na

qualidade da imagem, se destaca em relação aos planos das

TVs, com maior qualidade, porém, mais distantes.

A mídia NINJA integra o movimento “midialivrismo” e

seus integrantes defendem que não precisam de veículos, pois

são os próprios veículos. Segundo o site Catraca Livre, “o

objetivo da iniciativa é construir uma rede de jornalismo

independente. A sugestão é que as pessoas ajam como

guerrilheiras e jornalistas, se colocando à origem dos fatos e as

154 fontes que, geralmente, ficam fora das reportagens dos mass

media” 94.

Midialivrismo, mobilidade e narrativas independentes

É possível admitir que a nova “arquitetura comunicacional” instalada pela midiatização, retira do ambiente jornalístico e de sua atividade discursiva, um lugar de centralidade que lhe era conferido na “sociedade dos meios”, afetando os mecanismos com os quais tematiza e discursa sobre instituições e os atores sociais (FAUSTO NETO, 2011, p. 24-25).

Esta descentralização a qual o pesquisador menciona é

uma referência da contemporaneidade, propiciada pela

expansão dos novos dispositivos sócio-técnicos (FAUSTO

NETO, 2011, p.17), que permitiram ao público assumir o papel

de produtor e emissor de conteúdos. Desta forma, por conta da

horizontalização comunicacional que acompanhou a Web 2.0 e

a popularização dos sites de redes sociais, o jornalismo vem

sendo induzido a compartilhar o seu espaço com a produção de

informações por amadores, os cidadãos-repórteres, que são

94 Em http://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/ninjas-do-jornalismo-travam-guerrilha-pela-liberdade-da-midia/

155 testemunhas oculares das realidades e também, agora,

narradores imediatos dos fatos.

“Midialivrismo” é um movimento que surge neste

cenário com o objetivo de propiciar meios de os diversos

segmentos sociais produzirem informação, de forma a

descentralizar o fluxo comunicacional-informativo, passando

do esquema unidirecional um-todos para o bidirecional todos-

todos (LEMOS, 2007, p.125). Na internet, são encontrados

vários canais de informação que integram o midialivrismo, a

exemplo do Canal iBase95, Olho da Rua96, além de rádios

comunitárias, publicações impressas e inúmeras mídias que

atuam fora da Web.

Por “midialivrismo”97, compreendemos um movimento

ativista em prol da comunicação contra-hegemônica, que é

realizada em contrassenso com a comunicação de massa e que

também busca abranger outros movimentos sociais que não são

contemplados – pelo menos não devidamente – pelos mass

media. A proposta dos midialivristas é propor espaços

alternativos de mídias livres para discussão dos temas e

fenômenos sociais de forma alternativa aos modelos midiáticos 95 Em http://www.canalibase.org.br/ 96 Em http://olhodarua.org/ 97 Para saber mais sobre “midialivrismo” vide vídeo “Ação e Meio Ambiente”. In: site YouTube. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=nKCw8FmqbaQ. Acesso em: 05.06.2014.

156 comerciais. O diferencial em relação ao modelo tradicional de

comunicação massiva é que qualquer pessoa pode desenvolver

uma mídia livre, ou seja, há uma disseminação do acesso e

produção midiática, em grande parte facilitada pelas NTICs.

Neste sentido, a Pós TV é uma das iniciativas que

buscam disseminar informações desligadas de interesses

mercadológicos e que transmitiu também em tempo real no

domingo dia 30 de junho, a ocupação da câmara de vereadores

de Belo Horizonte – transmissão que, inclusive, durou mais de

cem horas ininterruptas. Este projeto vem ganhando destaque

por meio da realização de coberturas interessantes de

movimentos sociais e de temas de caráter mais geral, como

coletivas de imprensa, círculos de debates e outros, como a

imersão realizada em onze aldeias Guarani-Kaiowá do Mato

Grosso do Sul, que culminou na própria consolidação da

iniciativa NINJA.

Castells (2006) nos elucida sobre este tipo de

experiência, e trata do fenômeno da “comunicação de massa

pessoal”. O autor observa que esta nova prática “é o controle

individual e a partilha coletiva da informação em mobilidade

com alcance planetário e a difusão imediata” (LEMOS, 2007,

p. 130-131). Desta forma, ele destaca que novos formatos

midiáticos estão despertando na sociedade novas práticas

157 políticas e possibilitando a realização de uma “rebelião crítica”.

Estas novas práticas sócio-político-comunicacionais oferecem

“à sociedade maior capacidade de controle e intervenção, além

de maior organização política àqueles que não fazem parte do

sistema tradicional” (CASTELLS 2006 apud LEMOS, 2007, p.

131).

Ou seja, o fenômeno da expansão de mídias livres como

a NINJA, a Pós TV e tantas outras, parece ser um reflexo de

aspectos como as tecnologias computacionais de mobilidade e

interação e os territórios informacionais – e a horizontalização

do fluxo informacional –, além das próprias influências da

globalização, da descentração de identidades (HALL, 2006, p.

34), da inteligência em rede, coletiva, dos anseios sociais por

mais participação, intervenção e ação98. A internet se

configura, portanto, em um excelente espaço para agregar as

atividades midialivristas99, que possuem, a partir da

multimidialidade e hipertextualidade, características da

comunicação em rede, além de permitir a instantaneidade e 98 O pesquisador Pierre Lévy afirma que a ideologia que comandou as manifestações nas ruas do Brasil é a da ”comunicação sem fronteiras, não controlada pela mídia” e destaca o desenvolvimento humano como combustível para as novas demandas. Cf. “Pierre Lévy comenta os protestos no Brasil”. In: Portal Globo.com. Disponível em: http://migre.me/jEFtM. 99 Para saber mais sobre as mídias livres no Brasil, ver mapeamento sobre Mídias Livres realizados pelo Itaú Cultural, em 2009. Cf. 10 movimentos atuais inevitáveis sobre midialivrismo. In: Onda Cidadã – Itaú Cultural, 21.05.2012. Disponível em: http://migre.me/jEFUm. Acesso em: 05.06.2014.

158 tempo real necessários a uma cobertura, além d as diversas

possibilidades interativas100 e colaborativas.

A NINJA exerceu, pois, um papel importante de

narrativa imersiva das manifestações. Os registros se

assemelham às cenas de ação cinematográfica e até mesmo

coberturas policiais em operações nas quais os repórteres e

cinegrafistas acompanham as operações com a câmera em

primeira pessoa, trazendo mais dramaticidade aos fatos e

imagens impactantes, agressivas, que mais que dialogam com o

espectador, resultando no classificamos provisoriamente como

“teleparticipação”: fazem dele um quase-participante da

realidade apresentada pelo repórter-cinegrafista.

100 Recentemente, foi lançada a Tomada, uma plataforma que agrega vídeos relacionados às manifestações gravados por cinegrafistas amadores e postados no Youtube. Boa parte do material é composta de registros de abusos cometidos pela polícia. Cf. Site Tomada TV. Disponível em: http://tomada.tv. Acesso em: 05.06.2014.

159

Figura 3 - Live streaming: câmera subjetiva aproxima o espectador dos acontecimentos Fonte: Reprodução/ Ao vivo no TwitCasting

O cidadão-repórter, ao tempo em que vivenciou a

experiência do conflito entre manifestantes e polícia, fez sua

narração a partir de sua subjetividade e de sua apreensão

imediata da situação. Desta maneira, contribui como um

narrador-personagem para explicar e transmitir os detalhes da

movimentação popular a partir de uma perspectiva que

praticamente nenhuma mídia do mainstream nacional se

propôs a fazer até então.

Por outro lado, o “jornalismo aéreo”, “helicopterizado”

que foi praticado pelas grandes redes de TV na cobertura não

apenas desta manifestação do dia 30 no Rio de Janeiro, mas do

160 conjunto de protestos que se desenrolou pelo país, se propôs

exaustivamente a narrar os fatos “de cima”, apenas dizendo em

palavras o que as imagens já falavam por si só.

Figura 4 - Telejornal da Globo News exibe do alto de um edifício imagens da manifestação Fonte: Reprodução/Ao vivo no site do canal GloboNews101

Se era perigoso ou difícil estar imerso na multidão, não

seria possível o jornalismo tradicional trazer ao debate público

as discussões mais profundas a respeito de um contexto maior

– político, social, econômico –, que vai além do maniqueísmo

acrítico (BUCCI, 2000) vândalo-manifestante pacífico? A TV

101 Em http://g1.globo.com/globo-news/

161 Cultura, com o Jornal da Cultura, cumprindo seu papel de

veículo “diferenciado”, propôs em vários momentos,

excelentes debates elucidativos com especialistas das áreas

humanas e sociais.

Figura 5 - Jornal da Cultura contou com especialistas para comentarem protestos

Fonte: Reprodução/ YouTube102

Estamos solicitando à imprensa algo complicado de se

conseguir, quando a pauta é conduzida pelo registro factual e a

simplificação das complexidades (RODRIGO, 2009) é

necessária para a compreensão da grande massa? Esta

discussão envolve as recentes demandas que surgem com os

novos mecanismos técnicos que estão reformulando a práxis

102 Cf. Jornal da Cultura, 14.06.2013. In: Youtube, 14.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jEGeE. Acesso: 05.06.2014.

162 jornalística e as estruturas mercadológicas da notícia. Portanto,

que perspectivas as novas tecnologias e o crescimento da

produção horizontal de informações irão oferecer à prática

jornalística e aos seus formatos mercadológicos?

Como as mídias independentes, as tecnologias móveis e

as possibilidades informativas provocadas pela Web ainda irão

influenciar este contexto? Entendemos que é um assunto

bastante amplo e que necessita maiores explanações, para que

possamos melhor avaliar estes novos movimentos pró-

democratização da informação, compreendendo seus formatos

e seus impactos na maneira de fazer jornalismo.

Considerações finais: e o jornalismo?

Este artigo se propôs a dar um passo inicial nos nossos

estudos das mídias livres que se expandem na internet,

tomando a NINJA como exemplo e objeto de estudo. As

mídias independentes estão reconfigurando as formas de

produzir, transmitir e consumir informações, a maneira de

construir as realidades, de ocupar e utilizar os espaços urbanos,

etc. Certamente, é um tema vasto que merece observações e

conceituações mais aprofundadas. Iniciamos a discussão a fim

de melhor entendermos estes fenômenos contemporâneos,

163 inclusive avaliando as suas influências na forma de fazer

jornalismo, propondo questionamentos que podem e devem ser

elucidados em momentos posteriores.

Resumir contextos tão complexos em dicotomias e

maniqueísmos é uma das práticas que regem o jornalismo “que

já era assim há muito tempo”, porque “isso não é de hoje”.

Contudo, as realidades estão mais dinâmicas que nunca. A

Web 2.0 em breve dará a vez à Web 3.0 e a participatividade e

interação vão se ampliar entre os web-atores, com isso as

possibilidades de descentralização informacional se

intensificarão ainda mais. Assim, o jornalismo, que já se

encontra em uma reconfiguração de práticas, estéticas,

formatos e suportes, precisará se adequar às novas demandas,

pois como reforça Ramonet (2012):

Os cidadãos desconfiam de uma imprensa que pertence a um punhado de oligarcas, que já controlam amplamente o poder econômico e que, frequentemente, são coniventes com os poderes políticos (RAMONET, 2012, p.45).

Consideramos, desta forma, que as mídias livres, os

podcasts, os vídeos amadores postados diariamente no

YouTube e as fotos de câmeras digitais e celular são formas

subjetivas de cada prosumer contar um pouco sobre as

164 realidades que lhes envolvem. A internet está repleta destas

narrativas. São leituras imediatas das realidades, impressões

pessoais, cotidianas, etc. O jornalismo participativo, de certa

forma, pode atender às urgências da sociedade midiática, mas

até o momento, parece não ser suficiente. Ao jornalismo

tradicional, resta cumprir seu papel – dentro dos princípios

éticos da profissão, o compromisso com a verdade, a busca

pela objetividade, a informação como elemento provocador da

cidadania – e assim promover a informação que se transforma

em conhecimento e se modela na estrutura que viabiliza a

democracia.

Não pensamos que o jornalismo irá desaparecer.

Recuero (2009) aponta que em meio à enxurrada informacional

das redes sociais, é preciso a existência de um filtro, um

legitimador destas informações, que receba credibilidade

(SIGNATES in MOULLIAUD, 2012, p. 445) por parte da

sociedade e que, através da apuração e do compromisso social,

comprove o caráter verídico ou desminta uma informação

falsa. O jornalista, portanto, apenas tem sua posição redefinida:

de mediador absoluto da sociedade para mais um integrante da

malha informacional “costurada” diariamente na Web e demais

ambientes sociais.

165

Compreendemos que as mudanças não são exclusivas

ao campo jornalístico, mas abrangem todo o universo social.

Portanto, o jornalismo precisa reconhecer os novos panoramas,

mais plurais, complexos, as novas demandas informacionais,

políticas, econômicas da modernidade líquida (BAUMAN,

2009). Há novas formas de produzir, difundir e consumir

informações. Para sobreviver às transformações tecno-sociais

que estão fragmentando, pluralizando, desterritorializando,

globalizando, convergindo e hibridizando as realidades, o

jornalismo deve encarar a reestruturação das suas práticas de

produção, transmissão e comercialização da notícia.

Ao reconhecer e buscar se reestruturar, o jornalismo

deve buscar evitar a “pasteurização” dos fenômenos sociais,

que resulta em eternas dicotomias que resumem o discurso

midiático à eterna dualidade entre bem e mal, como se a

sociedade se dividisse apenas em vinho e vinagre. Com a

superação do jornalismo simplista, é possível pensarmos no

melhor aproveitamento das novas tipologias jornalísticas, no

aprofundamento dos discursos, na qualidade informacional, na

construção de valores e esclarecimento do público, pois num

mar de informação simplista e minimizadora, a sociedade tem

grandes chances de navegar rumo à desinformação.

166 Referências BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio: Zahar, 2003. BECKER, Beatriz. “Jornalismo audiovisual de qualidade: um conceito em construção”. In: Estudos em Jornalismo e Mídia. UFSC, 2009. Disponível em: http://migre.me/jEGeE. Acesso 25/06/2013. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. COSTA, Caio Túlio. Ética, jornalismo e nova mídia: uma moral provisória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. FAUSTO NETO, Antônio. Interfaces jornalísticas, tecnologias e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. LEMOS, André; PALÁCIOS, Marcos (eds.). As janelas do ciberespaço. Porto Alegre: Sulina, 2001. ___ “Cidade e mobilidade. Telefones celulares, funções pós-massivas e territórios informacionais”. In: Revista MATRIZES, nº 1, out./2007. Disponível: http://migre.me/jEJtW. Acesso 02/07/2013. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000. A REVOLUÇÃO será pós-televisionada (Elizabeth LORENZOTTI). In: Observatório da Imprensa, 10.07.2013; ed. 754. Disponível em: http://migre.me/jG7eo. Acesso em 11/07/2013. POSTV, de pós-jornalistas para pós-telespectadores (Elizabet Lorenzetti). In: Observatório da Imprensa, 25.06.2013; ed.752. Disponível em: http://migre.me/jG6UI. Acesso em 08/07/2013.

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169 Sobre o que se protesta mesmo?

Jonara Medeiros SIQUEIRA103 Thiago SOARES

O comum baseia-se na comunicação entre singularidades e se manifesta através dos processos sociais colaborativos da produção. (Antonio Negri e Michael Hardt)

Imerso em um cenário de construção de teias e novos

eixos desde junho de 2013, o Brasil vive um momento de

espetacularização do ativismo no ciberespaço e na rua,

reverberando para o mundo a sua identidade enquanto país cuja

população busca a garantia de liberdade de expressão e luta

pela conquista de direitos básicos para uma vida digna. Nessa

atmosfera, uma cadeia de demandas tece as bandeiras de

reivindicações colocando em pauta o aumento de passagens de

ônibus, os gastos exorbitantes para a realização da Copa do

Mundo, o repúdio ao projeto de cura gay, melhorias na saúde,

educação, entre outros.

Uma coisa é certa: vivemos hoje uma dessas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das

103 Email: [email protected]

170

representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos, em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado (LÉVY, 1993, p.17).

Diante da agenda das ruas, a imprensa comercial

nacional esteve em cheque, avaliada e questionada, quando as

redes sociais se transformaram no ambiente “mais

democrático” e em que se deu a circulação dos “reais”

personagens e “fontes” dos inúmeros protestos. Sendo assim,

os discursos traziam à tona a “verdade” e a “mentira”,

revelando um espelho coletivo, em que todos se encontram

como protagonistas do novo momento histórico. Mas será que

os conectados, em multidão, estão mesmo empoderados?

171

Imagem 1: Protesto“Não é por 20 centavos, é por Direitos”, São Paulo, 13 de junho de 2013, (Foto: Nelson Antoine/AP)

As transformações pelas quais a sociedade

contemporânea passa também impulsionam uma maior

apreensão e uso das tecnologias de informação e comunicação.

Elas marcam o início de uma nova época denominada

“sociedade da informação”, por Manuel Castells:

[...] um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura, como os personalizando ao gosto das identidades e humores dos indivíduos. As redes interativas de computadores estão crescendo exponencialmente, criando novas

172

formas e canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela. (CASTELLS, 2002, p.22)

Assim como no Brasil, manifestações explodem pelas

ruas de várias cidades no mundo. Sinalizam canais onde todos

desejam interagir: os dispositivos virtuais são armas que, em

lugar de apontar apenas, ressoam as ondas de gritos de

protesto. Logo, é importante compreender o conceito de mídia

radical, trazido pelo pesquisador John Downing. O autor faz

referência à discussão da mídia radical, baseada nos estudos de

Arato e Cohen sobre a esfera pública de Habermas (1962).

Segundo o autor, o jornalismo colabora com o fim da

esfera pública enquanto local de discussão dos temas

importantes, debates políticos, científicos e etc. Mas Arato e

Cohen, revelam a ideia de que os movimentos sociais fazem

renascer essa esfera, pois eles têm, em sua estrutura, a

necessidade de debater e de formar a sociedade para debater

tais temas. Diferente da mídia massiva convencional ou mídia

hegemônica, a audiência que Downing apresenta é uma

audiência ativa.

173

Imagem 2: Manifestante “fura” bloqueio policial com celular durante protesto nos arredores do Mineirão, em Belo Horizonte. (Foto:

Bernardo Salce)

Para Downing, não basta o consumo da mídia radical.

Quem vivencia uma relação de consumo com essa mídia

precisa estar em relação ativa com ela e pautando-a, ajudando

no processo de construção da mídia. A “audiência ativa é a que

elabora e molda os produtos da mídia, e não apenas absorve

passivamente suas mensagens” (DOWNING, 2002, p.38).

As mídias alternativas ou radicais estão comprometidas

em lançar um olhar diferente dos meios de comunicação

tradicionais. No caso das manifestações no Brasil, o Mídia

Ninja (coletivo Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação),

vem ganhando destaque ao disponibilizar (via Youtube) e no

174 seu site, ao vivo e sem cortes, imagens dos recentes protestos

que tomaram as ruas de várias cidades no pais. Eles apresentam

a realidade sem cortes ou livre dos enquadramentos por vezes

problemáticos que os veículos de comunicação privados

costumam executar, o que pode comprometer, dependendo da

linha editorial adotada, o exercício do próprio jornalismo.

Apesar do diferencial, a dinâmica da cobertura do

grupo lança mão de práticas coletivas, ao vivo, que são as

mesmas que orientam o jornalismo tradicional, como manter

distância dos fatos, imparcialidade, ouvir o outro lado e separar

opinião de informação. O desafio dessa mídia e o que a

diferencia é a abertura para as avaliações feitas por diversos

segmentos que questionam alguns valores (como

imparcialidade e separação entre opinião e informação).

Assim, percebemos uma via de mão dupla, onde

consumo/produção de cultura permite a emergência de uma

audiência ativa que pode e deve questionar as produções e,

inclusive, participar da elaboração das pautas e produtos de

mídia. É naturalmente uma mídia alternativa ao status quo.

Diferentemente do que ocorre nos eixos de produção da mídia

massiva comercial, em que existe apenas uma relação estreita

de consumo e manipulação em detrimento das necessidades do

175 público e de modo a atender aos ditames da comercialização

dos bens simbólicos.

Imagem 3: Em dia de jogo da Copa das Confederações no Mineirão, 200 mil pessoas foram às ruas em Belo Horizonte pelos serviços e planejamento de mobilidade urbana na cidade, redução da tarifa e contra as ações arbitrárias

envolvendo a Copa no país. Foto: Mídia NINJA

Downing relembra que a audiência ativa não tem a

necessidade de se apropriar de grandes veículos de

comunicação, pois a mídia radical, possui uma imensa

possibilidade criativa e formatos que vão desde um discurso até

as charges, vídeos e o teatro. Nesse sentido, ele lembra o

potencial estético e pedagógico dessas mídias, bem como seu

176 baixo custo. Apropria-se da discussão de Benjamin sobre a

reprodutibilidade técnica e sua utilização pela arte, pelo

público e, por conseguinte, pela mídia radical.

Em contraponto, a Folha de São Paulo104, em matéria

publicada em 04 de julho de 2013, intitulada “Jornalismo

domina rede social em protestos”, afirma que o noticiário

produzido por jornais, portais e TVs brasileiros dominou os

compartilhamentos em redes sociais durante os protestos que

pararam o Brasil em junho. Segundo a publicação, relatada

pelos jornalistas Marcelo Soares e Nelson de Sá, entre 06 e 22

de junho, links da mídia brasileira responderam por 80% dos

endereços de maior alcance nas principais hashtags das

manifestações no Twitter, coletados pelo site Topsy. Só 5%

eram postagens em blogs. No Facebook, embora não seja

possível analisar a composição dos links, a imprensa também

multiplicou seu alcance. Levantamento no site SocialBakers

mostra haver triplicado o volume de pessoas que comentam e

compartilham textos de jornais e revistas brasileiros no

período. Foi o que ocorreu com a página da Folha no

Facebook: de uma média de 200 mil interações diárias antes

104 Cf. Folha de S. Paulo. In: Agência Patrícia Galvão, 28.07.2013. Disponível: http://goo.gl/TFvrHR. Acesso: 05.10.2013.

177 dos protestos, o conteúdo do jornal saltou para quase 600 mil

interações de 20 a 22 de junho. Com 1,7 milhão de fãs, nos dias

do protesto o site do jornal viu mais do que dobrarem as visitas

originárias do Facebook.

Esse fenômeno levou os especialistas a compreenderem

que as reportagens de jornais e portais compartilhadas em

ferramentas como Twitter e Facebook tiveram o papel de

embasar informações, opiniões e críticas dos manifestantes.

Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre

Internet e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito

Santo, diz que os levantamentos confirmam estudos do seu

grupo: “As autoridades [informativas] têm se caracterizado por

ser da imprensa”. Com isso, os usuários de redes sociais usam

notícias para legitimar afirmações: "É um papel estratégico que

a imprensa ocupou".

Já Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight

para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas,

aponta a simbiose entre mídia social e jornalismo. “Apesar de

ter sido articulado fora da mídia tradicional, o movimento se

nutre do jornalismo. Este se torna ainda mais importante como

instância verificadora, para investigar e publicar fatos.”

O relatório sobre Jornalismo Digital de 2013, divulgado

na última semana de julho pelo Instituto Reuters, de Oxford,

178 revela que a população brasileira assume a dianteira mundial

no compartilhamento de notícias. Enquanto 44% dos

brasileiros trocam e comentam reportagens via mídia social, só

8% dos alemães e dos japoneses o fazem. Os espanhóis

chegam mais perto: 30%. Realizada pela YouGov, a pesquisa

ouviu 11 mil internautas de EUA, Reino Unido, França,

Dinamarca, Alemanha, Itália, Espanha, Japão e Brasil. Os

resultados "sugerem que a cultura de um país é o que define o

engajamento com as notícias on-line", segundo Nic Newman,

ex-estrategista digital da BBC e coordenador do relatório. A

cultura brasileira “é muito social” fora da rede, comenta

Newman, o que se reflete na comunicação colaborativa.

179

Imagem 4: Protesto contra a permanência do deputado federal Marco Feliciano

(PSC) na presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDH), Brasília; (CC BY-SA Myke Sena Cobertura Colaborativa

A imprensa teve outro papel nos protestos: o de validar

ou desmentir informações desencontradas disseminadas por

usuários das redes. De um falso Jô Soares anunciando duas

mortes em uma manifestação, no Facebook, ao alerta geral

sobre um golpe militar, no Twitter, os boatos se espalharam

sem controle naquele período. Outro boato dizia que a

presidente Dilma Rousseff havia declarado que desligaria a

internet se as manifestações prosseguissem. A origem deste

último foi identificada em sites de humor. Mas os demais se

180 perdem no emaranhado de versões que acabaram recebendo

acolhida em perfis do Facebook e contas do Twitter. Um deles

dizia que um dos depredadores da sede da Prefeitura de São

Paulo era a mesma pessoa que rasgou as cédulas de jurados na

apuração do Carnaval de 2012: Tiago Ciro Tadeu Faria.

Na realidade, o agressor era o estudante de arquitetura

Pierre Ramon Alves de Oliveira, como revelou a imprensa.

“Você vai descascando, descascando, e é como telefone sem

fio: lá atrás era outra coisa”, afirma Leonardo Sakamoto,

professor de jornalismo da PUC-SP. Ele chegou a postar em

seu blog no UOL105, empresa do Grupo Folha, que edita a

Folha, “os dez mandamentos para jornalista de Facebook e

Twitter”. O primeiro é “não divulgarás notícia sem antes

checar a fonte de informação”.

105 Cf. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br,

181

Imagem 5: Protesto “Não é por 20 centavos, é por Direitos”, São Paulo, 13 de junho de 2013. (Foto: CC BY-SA) NINJA

Ao estudar as produções desses autores, percebemos

que os receptores, cada vez mais, estão se afastando daquela

imagem de vítima de um suposto “complô da mídia”. É o que

Marcos Ianoni, em seu artigo “Sobre o Quarto e Quinto

Poderes”, adverte:

Dizer que a mídia veicula ideologia não significa dizer também que só haja dominação e não haja sujeito no processo de comunicação feito por meio dos mass media. Não se trata de ter uma visão apocalíptica do jornalismo e da indústria cultural, ou dogmaticamente frankfurtiana, até porque isso seria negar a dialética, o movimento

182

contraditório do real que atravessa inclusive a mídia106. (IANONI, 2005)

É certo que a comunicação dialógica se dá na existência

de uma relação entre sujeitos que pensam e problematizam sua

própria realidade, o que nos afasta da concepção condutista,

que previa um receptor inerte, apenas vítima dos programas

dos meios de comunicação. Hoje, percebemos, que inclusive

com a explosão do acesso à internet e as novas formas de

colaboração e produção utilizadas pelas mídias radicais ao

longo dos protestos de julho, como chama atenção Dominique

Wolton, que o receptor não é esse ser tão previsível, estático.

Impossível falar de vitória da comunicação sem falar daquele a quem ela se dirige: o receptor. Na realidade, o receptor complica tudo, raramente está onde o esperamos, compreendendo em geral, algo diferente do que lhe dizemos ou gostaríamos que compreendesse pelo som, pela imagem ou pelo dado. Ele é a caixa preta. (WOLTON, 1999, p.32)

Mesmo assim, ainda constatamos que, no Brasil, a

posição de sujeito fica muito comprometida quando

observamos a comunicação sendo utilizada como moeda de

troca política, ou mesmo, como um produto vendável em meio 106 Cf. INTERVOZES – Coletivo de Comunicação. Disponível em: http://migre.me/jH70A. Acesso: 17.06.2013.

183 a uma sociedade centrada na mídia (LIMA, 2006), onde o que

ocorre socialmente aparentemente só adquire conceito de real

quando é exposto, mesmo que de forma espetacular, pelos

meios de comunicação.

Todavia, o papel mais importante que a mídia desempenha decorre do poder de longo prazo que ela tem na construção da realidade através da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana – das etnias (branco/negro), dos gêneros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética (feio/bonito) etc. – e, em particular, da política e dos políticos (LIMA, 2006, p.55).

Mas, de qual comunicação estamos falando? Daquela

que busca o diálogo, ou a que trabalha para manter as pessoas

em sua ignorância ou obscurantismo, em meio à consolidação

de uma indústria de bens simbólicos?

Nos meios de comunicação não apenas se reproduz ideologia, mas também se faz e refaz a cultura das maiorias, não somente se comercializam formatos, mas recriam-se narrativas nas quais se entrelaça o imaginário mercantil com a memória coletiva. (MARTÍN- BARBERO, 2002, p.63).

184

Na verdade, a luta de todos e todas – com base em cada

especificidade – é para a efetivação de políticas públicas que,

de fato, busquem as reais condições de direitos garantidos,

levando em consideração a riqueza dessa diversidade e sua

importância para o pleno exercício da cidadania pela

população. Se o Brasil não ousar sair desse lugar de imposição

do pensamento e da tomada da palavra por poucos, correremos

o risco de continuarmos em incomunicação, como traduz

Eduardo Galeano:

Esse mundo sem alma que os meios de comunicação nos apresentam como único possível, os povos são substituídos pelos mercados; os cidadãos, pelos consumidores; as nações pelas empresas; as cidades pelas aglomerações; as relações humanas pelas concorrências comerciais. (GALEANO in MORAES, 2006, p. 150)

Referências CASTELLS, M. A sociedade em rede. S. Paulo: Paz e Terra, 2002. DOWNING, John D.H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Editora Senac, 2002. GALEANO, Eduardo. A Caminho da Sociedade da Incomunicação? In: MORAES, D. (Org). Sociedade midiatizada. Rio: Mauad, 2006.

185 HABERMAS, Jürgen (1989), Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. IANONI, Marcus. Sobre o quarto e o quinto poderes. In: www.intervozes.org.br/artigos/ianoni.pdf. Acesso: 17. 03.2005. Informativo INTERVOZES, nov. 2007. Disponível: http://migre.me/jG93v. Acesso: 24.06. 2013. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. MARTÍN-BARBERO, J. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, M. W. (org.) Sujeito: o lado oculto do receptor. S. Paulo: Brasiliense, 2002. WOLTON, Dominique. Pensar a comunicação. Lisboa: Difel, 1999.

186 Vândalos ou ativistas: cobertura jornalística dos protestos

Hallita Amorim Cézar Fernandes e AVELAR107

Hildeberto BARBOSA FILHO108

“Não é só pelos 20 centavos”

No dia 6 de junho de 2013, jornais impressos,

televisivos, radiofônicos e online começaram a noticiar aquela

que parecia ser apenas mais uma manifestação popular local.

Inconformados com um reajuste da tarifa do transporte urbano,

que passaria de R$ 3,00 para R$ 3,20, centenas de moradores

de São Paulo invadiram as ruas da cidade, em especial a

Avenida Paulista, com faixas e bandeiras de protesto.

O movimento na cidade se repetiu nos dias 7 e 11,

espalhando-se por outras grandes cidades brasileiras, como

Natal, Porto Alegre, Teresina, Maceió, Rio de Janeiro e

Sorocaba, no dia 13. De início, as manifestações foram

marcadas por intensa repressão da polícia, especialmente em

São Paulo e no Rio de Janeiro, que continha a população com

bombas de efeito moral, balas de borracha e spray de pimenta. 107Graduada no curso de Comunicação Social – Jornalismo e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]. 108 [email protected] (orientador).

187 Muitos manifestantes e até a própria imprensa, que fazia a

cobertura jornalística dos fatos, foi afetada, e alguns

profissionais chegaram a ser detidos provisoriamente.

Em texto publicado em sua página no Facebook no dia

14 de junho, a repórter do jornal Folha de S. Paulo Giuliana

Vallone relatou o momento em que fora atingida no olho por

uma bala de borracha vinda de um policial militar, no dia

anterior. Sua foto, coberta de sangue e com o olho inchado,

estampou os principais jornais do país.

Não vi nenhuma manifestação violenta ao meu redor, não me manifestei de nenhuma forma contra os policiais, estava usando a identificação da Folha e nem sequer estava gravando a cena. Vi o policial mirar em mim e no querido colega Leandro Machado e atirar. Tomei um tiro na cara. O médico disse que os meus óculos possivelmente salvaram meu olho. (VALLONE, 2013).

Após uma onda de conflitos entre manifestantes e

policiais nos primeiros dias de protestos, o movimento entrou

em uma “segunda fase” caracterizada pela intensa participação

popular e por posturas essencialmente pacíficas, inclusive por

parte da polícia. O aumento da cobertura jornalística, que

passou a defender os manifestantes das atrocidades cometidas

188 pelos policiais, deu credibilidade ao movimento, o que resultou

em uma maior atenção das autoridades e maior respeito entre a

própria população.

No dia 17 de junho, houve a chamada “White Monday”

(ou “Segunda-feira Branca”), quando os manifestantes

convidaram a população a ir às ruas vestindo branco em forma

de protesto. Quem ficou em casa também colaborou, exibindo

panos ou faixas brancas nas janelas. Nesse mesmo dia se deu a

ocupação da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, quando

ativistas subiram na rampa e no teto do Congresso Nacional.

Entre os dias 17 e 21, algumas cidades tiveram

protestos diários e outras começaram a se manifestar. Nessa

época a questão do transporte público começou a dar espaço

para outras reivindicações da população, como a qualidade do

serviço público de saúde, os investimentos em educação, o

combate à corrupção e a derrubada da PEC 37109.

Iniciada a Copa das Confederações no Brasil, no dia 15,

os manifestantes passaram a rondar os estádios com jogos da

seleção brasileira, situação que exigiu intensa participação da

polícia para evitar prejuízos ao evento. Na ocasião, a população 109 Proposta de Emenda Constitucional que previa limitar o poder de investigação criminal às Polícias Civil e Federal. Nesse caso, organizações como o Ministério Público não poderiam mais exercer esse papel.

189 questionava os altos gastos com infraestrutura para a

competição, dinheiro esse que deixara de ser investido em

outros setores, bem como o montante possivelmente desviado

pelas autoridades. Na abertura do evento, a presidente Dilma

Rousseff foi vaiada pelos torcedores.

Ao longo do mês seguinte, o movimento foi se tornando

mais esporádico, com protestos isolados principalmente em

São Paulo e no Rio. Entre as vitórias é possível citar a redução

do preço das passagens em várias cidades brasileiras, a queda

da PEC 37 e a aprovação, no Senado, de um projeto que torna a

corrupção um crime hediondo.

Os protestantes segundo a cobertura jornalística

Ao longo do mês de junho, os protestos se tornaram

mais intensos em todo o país, quando foi possível perceber, por

parte da própria população e de alguns veículos de

comunicação, uma mudança de postura com relação ao atores

envolvidos nos movimentos. Antes vistos como “arruaceiros”,

os manifestantes começaram, pouco a pouco, a conquistar a

confiança de setores da sociedade civil e da imprensa, ao

repreenderem atitudes dos governantes, muitas vezes aceitas

passivamente pela população acomodada.

190

Além da mudança de postura com relação aos

manifestantes, o recorte feito pelos veículos de comunicação

hegemônicos, priorizando muitas vezes os atos de violência,

passou a mostrar e até enfatizar em seu texto o caráter pacífico

das manifestações na maior parte dos momentos. Esse aspecto

foi abordado em matéria da edição de julho da Revista

Imprensa.

Inicialmente, a linha editorial de algumas publicações deu ênfase aos atos de vandalismo que destoavam do ritmo das reivindicações. Após a manifestação do dia 13 de junho, em São Paulo, marcada pelos excessos da Polícia Militar, a cobertura mudou, sobretudo porque muitos jornalistas saíram feridos. (PACETE, 2013, p. 42)

Outra situação recorrente ao longo dos dias em que se

desenrolaram as reivindicações foram mudanças claras de

posição por parte de alguns jornalistas brasileiros de renome.

Inicialmente contrários às manifestações populares, os

profissionais em questão criticaram veementemente a iniciativa

popular, chegando a classificar o movimento de “baderna”.

Em uma abordagem claramente tendenciosa, o

apresentador José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes,

questionou o público a respeito dos protestos, generalizando ao

tomá-los como “atos violentos” e parecendo não acreditar na

191 opinião contrária dos telespectadores. “Eu acho que o protesto

tem que ser pacífico, não pode ter depredação, não pode

impedir via pública e [o movimento] joga esses caras contra a

população, porque já tem muita gente revoltada contra essas

pessoas que estão fazendo esse tipo de protesto violento”

(DATENA, 2013).

O caso do apresentador José Luiz Datena foi apenas

mais um entre os momentos mais emblemáticos da cobertura

jornalística dos protestos de junho de 2013. No desenrolar dos

acontecimentos, não foi difícil encontrar jornalistas (assim

como autoridades) mudando claramente de posição, trocando

um discurso de ataque aos manifestantes por outro de

compreensão ou até de apoio.

Muitas dessas mudanças de postura se deram após

intensas críticas por parte do público, assim como depois de

membros da própria imprensa terem sofrido represália violenta

e desproporcional de alguns policiais militares. Após fazer

declarações de total repúdio aos protestos, o jornalista Arnaldo

Jabor foi um dos que voltaram atrás no discurso, fazendo uma

autocrítica que foi transmitida em sua coluna na rádio CBN.

Errei na avaliação do primeiro dia das manifestações contra o aumento das passagens de São Paulo. Falei na TV sobre o que me parecia

192

um bando de irresponsáveis fazendo provocações por causa de 20 centavos. Era muito mais que isso, mas eu fiz um erro de avaliação. (...) Esse movimento (...) tinha toda a cara de anarquismo inútil e critiquei-o porque temia que tanta energia fosse gasta em bobagens, quando há graves problemas a enfrentar no Brasil. Mas a partir de quinta-feira, com a violência maior da polícia, ficou claro que o Movimento Passe Livre expressava uma inquietação que tardara muito no Brasil (Jabor, 2013).

Partindo para o telejornalismo, o canal GloboNews,

responsável por uma das coberturas mais completas do

período, pareceu seguir a mesma linha de tratamento com

relação aos manifestantes desde o início do movimento. No

entanto, há uma mudança de foco nas reportagens.

Analisando matérias exibidas pelo Jornal GloboNews

nos dias mais intensos de protesto, priorizando cidades grandes

como São Paulo e Rio de Janeiro, é possível perceber de início

o uso insistente da palavra “manifestantes” como forma de

definir os envolvidos na ação. Por outro lado, o que mais se

mostra ou se questiona nas reportagens das mídias corporativas

são os “tumultos” gerados nas ruas.

Em matéria do dia 7 de junho, a repórter Maria Júlia

Coutinho inicia seu texto enfatizando os transtornos causados

na noite anterior, antes de chamar a fala de uma entrevistada.

193 “A manhã foi para apagar as lembranças do tumulto de ontem à

noite. Izabel estava trabalhando quando começou o quebra-

quebra” (COUTINHO, 2013).

Ao final da reportagem, a jornalista volta a generalizar

o movimento. “Hoje cedo, muita gente ainda não entendia

como um protesto para reivindicar melhorias para a cidade

terminou em tanta destruição” (COUTINHO, 2013). Os

caracteres exibidos durante toda a reportagem também parecem

ser bem tendenciosos, ao mostrar apenas o lado negativo do

movimento (Figura 1).

Figura 1: matéria da GloboNews enfatiza lado negativo dos protestos.

194

Em vídeo do dia 17 de junho, por outro lado, o repórter

Rodrigo Carvalho enfatiza a atitude pacífica dos cerca de 100

mil manifestantes no Rio de Janeiro que, segundo ele, gritavam

“palavras de ordem, fazendo cobranças, um manifesto pacífico

sem nenhum enfrentamento com a polícia, nem nenhum tipo de

provocação” (CARVALHO, 2013). Fazendo uma clara

distinção entre ativistas e vândalos, o jornalista continua a

história relatando as ações de um grupo bem menor que,

naquele mesmo dia, depredou a Assembléia Legislativa do Rio

de Janeiro. Para ele, parecia tratar-se de dois movimentos

completamente diferentes (Figura 2).

Figura 2: jornalista enfatiza existência

de dois grupos diferentes de manifestantes.

195

Na tentativa de esclarecer a opinião pública e reforçar

sua posição diante dos protestos, especialmente na “segunda

fase” das manifestações, percebemos nos veículos de

comunicação dominantes o uso exagerado da palavra

“pacífico”, e outros termos similares, revelando a intenção da

parte de quem deseja anular e minimizar a natureza corajosa e

agressiva do movimento. Aliás, da parte das mídias

corporativas, é nítida a distinção feita, forjando, de um lado, a

representação midiática do grupo formado pelos manifestantes

e, do outro lado, a representação midiática do grupo formado

por indivíduos agindo com violência nas reivindicações.

Assim, a complexidade das forças e intensidades que agitaram

a manifestação social, foi obliterada nas reportagens feitas

pelos meios de comunicação de massa.

No banco de vídeos online do Jornal Nacional, por

exemplo, é possível perceber títulos como “São Paulo tem

manifestação pacífica nesta segunda-feira (17)”, assim como o

uso do termo “manifestantes radicais”, fazendo referência a

atos de vandalismo isolados retratados em uma reportagem do

dia 20 de junho. Entre as matérias deste dia, é possível

perceber mais um vídeo de violência, em que a palavra

“vândalos” é usada para representar um grupo de participantes

que depredaram uma cabine de polícia no Rio de Janeiro.

196

E no âmbito do jornalismo impresso, o jornal Folha de

S. Paulo deixou clara a sua mudança de posição em algumas

das manchetes escolhidas para retratar os acontecimentos.

Na publicação datada de 13 de junho, a manchete

“Governo de SP diz que será mais duro contra vandalismo” é

encabeçada pela foto de um policial impedindo ação de um

militante. A legenda da foto diz: “Ferido, policial militar

Wanderlei Vignoli agarra militante e aponta arma contra

manifestantes para evitar que fosse linchado no protesto de

anteontem em SP; um dia depois, ele disse que teve medo de

morrer ao ser cercado” (Figura 3).

Figura 3: em manchete de 13 de junho,

jornal enfatiza combate ao vandalismo nas ruas.

197

Na capa do dia seguinte, o posicionamento é diferente.

Após forte repressão da polícia, inclusive contra a imprensa, a

manchete do dia é “Polícia reage com violência a protesto e SP

vive noite de caos”, mostrando uma clara mudança de postura

do jornal, que troca os papéis de heróis e vilões. Na foto, a

imagem de um policial agredindo um casal que estava em um

bar na Avenida Paulista no momento do protesto. A mesma

edição traz uma matéria sobre o incidente com a repórter

Giuliana Vallone, atingida no olho por uma bala de borracha

durante a cobertura dos acontecimentos (Figura 4).

Figura 4: Folha de S. Paulo muda posicionamento

depois de reação violenta da polícia

198 Heróis ou bandidos? Avaliar com profundidade o posicionamento dos

principais órgãos de imprensa, durante os protestos realizados

no mês de junho de 2013, exigiria um estudo mais abrangente

de jornais impressos, revistas, sites, programas de rádio e

telejornais. Ainda assim, já é possível afirmar a existência de

uma clara dicotomia estabelecida entre os manifestantes

pacíficos e os vândalos (Figura 5).

Para Robert Karl Manoff (1986 apud TRAQUINA,

2002, p. 87),

a escolha da narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre (...) é orientada pela aparência que a ‘realidade’ assume para o jornalista, pelas convenções que moldam a sua percepção e fornecem o repertório formal para a apresentação dos acontecimentos, pelas instituições e rotinas. (MANOFF, 1986 apud TRAQUINA, 2002, p. 87)

Figura 5: Manchete do G1 Ceará distancia vândalos e manifestantes pacíficos.

199

Opinando sobre o assunto, o analista de mídia e

professor da USP Eugênio Bucci chegou a comentar que os

eventos daqueles dias nada mais eram do que uma reação tardia

daqueles que sofrem todos os dias nas mãos de quem ele

chama de “vândalos engravatados”.

É preciso considerar também que a rotina de muitas dessas pessoas é de agressão cotidiana. Vândalo é quem empurra a multidão para um transporte público como o de São Paulo. São os vândalos engravatados (...) Essa situação mais complexa talvez não tenha sido entendida na cobertura da mídia, embora seja muito difícil fazer uma avaliação universal e generalizante. (BUCCI apud FRAGA, 2013).

Seja qual for o direcionamento dado por cada empresa,

parece não ser equivocado afirmar que, como em tantos outros

momentos da história, os meios de comunicação de massa

agiram de formas diferentes de acordo com o andar dos

acontecimentos. A truculência dos policiais militares com a

própria imprensa e as fortes críticas por parte da população

(mais um resultado da força que o movimento foi ganhando

com o tempo) foram alguns dos fatores primordiais que

fizeram com que muitas empresas voltassem atrás em seus pré-

200 julgamentos, tomando uma postura aparentemente favorável ao

povo brasileiro.

Referências CBN. Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos. In: CBN. Globo.com, 17.06.2013. Disponível em: <http://migre.me/jG9at>. Acesso em: 16 jul. 2013. FRAGA, I. Protestos no Brasil acendem debate sobre qualidade da cobertura da grande mídia. In: Blog Jornalismo nas Américas, 2014. Disponível em: <http://migre.me/jG9fA>. Acesso: 17.07.2013. G1 – Portal de notícias da Globo. Manifestantes fazem novo protesto contra aumento do transporte público em São Paulo. Disponível em: <http://migre.me/jG9fA. Acesso em: 17 jul. 2013. G1 – o portal de notícias da Globo. Minoria de vândalos confronta polícia após protesto pacífico em Fortaleza. Disponível em: <http://migre.me/jG9fA>. Acesso em: 17 jul. 2013. G1 – O portal de notícias da Globo. Repórter da ‘Folha’ atingida por bala diz que óculos salvaram seu olho. Disponível em: http://migre.me/jH6sR. Acesso em: 15 jul. 2013. São Paulo tem manifestação pacífica nesta segunda-feira. In: G1 – o portal de notícias da Globo. Disponível em: http://migre.me/jH6ig. Acesso em: 17 jul. 2013. Protesto no Rio começa pacífico e termina com vandalismo na Alerj. In: G1 – O portal de notícias da Globo. Disponível em: http://migre.me/jH6a8. Acesso em: 08.06.2014. PACETE, Luiz Gustavo. Na corda bamba. Revista Imprensa, São Paulo, v. 26, n. 291, julho 2013.

201 TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002. WIKIPEDIA – a enciclopédia livre. Protestos no Brasil em 2013. In: WIKIPEDIA. A enciclopédia livre. Disponível em: http://migre.me/jH61e. Acesso em: 08.06.2014. YOUTUBE. Datena fala a respeito do protesto Passe Livre. In: YouTube, 17.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jH5Fl. Acesso em: 08.06.2014.

202 Ciberativimo nos protestos do Brasil - Hashtags como agregadores de informação em redes sociais

Mariah ARAÚJO110 Pedro NUNES111

Introdução

Ao propor uma discussão sobre a importância das

hashtags nas manifestações que dominaram o Brasil no mês de

junho de 2013, torna-se fundamental discutir o alcance social

das redes na web correlacionando esse alcance ao ambiente

midiático e jornalístico. Primo (2013) destaca que: “A rigor, não há como deixar de reconhecer a importância política da liberdade de expressão promovida pelas interfaces fáceis e baratas (ou gratuitas) dos meios digitais. Nem tampouco pode-se ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos efeitos antes não eram possíveis em uma sociedade caracterizada pela mídia de massa. As próprias práticas de ciberativismo comprovam a força dos meios digitais para articulação, mobilizações e ações políticas.”(PRIMO,2013, p.17).

110 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo. Mestrado Profissional UFPB, e-mail [email protected]. 111 Orientador do trabalho. Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo-Mestrado profissional UFPB. Email: [email protected]

203

Nesse sentido, deve-se reconhecer que as redes sociais

digitais, como o Facebook e Twitter foram os grandes ícones

dos movimentos que tomaram o Brasil em junho de 2013.

Pessoas conectadas puderam expressar e dar voz aos seus

interesses, expectativas e insatisfações através desses canais e

puderam ainda engajar outros atores sociais. Através das redes

as pessoas fizeram suas revoluções, e foi através delas também

que informações sobre os protestos foram disseminadas.

O jornalista e pesquisador Ricardo Oliveira, em artigo

publicado na coluna Cultura Digital, do Jornal da Paraíba,

mostra que dados divulgados pela Box1824 através da pesquisa

“O Sonho Brasileiro”, informam que o jovem no Brasil

acredita no país e em ações individuais como fator

transformador e vê a web como ferramenta de ação. Os

protestos realizados no país entram em consonância com esse

apontamento da pesquisa, pois mostram que os jovens

evoluíram e não mais se limitam a ocupar apenas as funções de

espectadores na sociedade; eles também encontram seu lugar

nas estratégias de luta e produção de conteúdos.

Para enxergarmos um pouco como este ativismo social

e produção de informação através da internet tem se

aproximado das funções do jornalista, examinaremos aspectos

contraditórios, que mostram o usuário da rede como “um quase

204 jornalista” e reconhecem a sua colaboração como uma legítima

fonte de informação.

O fim da profissão em 2020, como previu nos anos 90 o

professor e jornalista José Luiz Martinés, é um primeiro

aspecto da relação da informação com os interagentes da web.

O pesquisador previu que as novas tecnologias tornariam o

jornalismo desnecessário, e as pessoas não precisariam ou não

se interessariam por ele. Martinés ainda afirmou que as

próprias concepções de imprensa irão sumir ao mesmo tempo

em que desaparecerá o direito à informação de qualidade. Os

novos provedores de informação não serão propriamente

jornalistas no sentido clássico e histórico. (MARTINEZ-

ALBERTOS, 1997). Nessa perspectiva do autor, o lugar do

jornalista pode ser ocupado por amadores, mas com tempo

livre para produzir conteúdo, o que se assemelha ao que se viu

nas redes sociais durante as manifestações em junho no Brasil.

Essa análise de que a função de jornalista poderá ser

remediada por sujeitos sem formação profissional também é

discutida por Pinto (2000), que considera a multiplicação das

fontes uma complexificação da vida social, como conseqüência

do desdobramento das instâncias produtoras de discursos e

iniciativas:

205

“Assim, afirmar que a instância privilegiada de mediação social que o jornalismo constituía (e em boa medida ainda constitui) passou a ser disputada, a montante, por fontes organizadas e profissionalizadas que vieram complexificar os processos sociais de recolha e seleção (newsgathering e gatekeeping) das notícias e, por conseguinte, os processos de construção da própria realidade social”. (PINTO, 2000, p.282).

No entanto, os manifestantes atuantes nas redes sociais,

durante os protestos de junho são considerados apenas fontes para a produção jornalística. Para Recuero (2009):

“As redes sociais podem produzir, filtrar e reverberar informações que poderiam ser consideradas relevantes para seus grupos, baseada em percepções específicas de seus membros, que ativamente engajam-se na busca pelo capital social. Assim, ao mesmo tempo que fazem esse trabalho, as redes podem constituir-se em focos complementares do jornalismo...” (RECUERO, 2009, p.13).

Considerando-se as perspectivas apresentadas, podemos

afirmar que nesse aspecto, as redes sociais produziram

informação e também serviram de fonte para os jornalistas. Os

jovens em busca de mudanças e em ação nas redes sociais

usaram a web para divulgar informações sobre as

manifestações de forma mais rápida que muitos jornalistas,

propagaram seus ideais e ainda produziram conteúdo que

serviram de fonte para o jornalismo tradicional.

206

Depois de apontar pistas para os questionamentos em

torno das redes sociais digitais, os interagentes e os jornalistas

– questionamentos, que, aliás, estão longe de serem

respondidos com clareza, considerando-se a constante

remediação das práticas jornalísticas e midiáticas na web,

buscamos neste artigo discutir de forma introdutória o papel de

uma das ferramentas das redes sociais nos protestos: a hashtag.

Qual a função da hashtag nos discursos das

manifestações em junho? Qual a sua importância como

pensamento aglutinado? E por fim, o seu papel como

dispositivo de memória e conseqüentemente, de cognição, na

web e na práxis jornalística.

Discursos das Hashtags

Antes de questionar o papel da hashtag nas

manifestações de junho, é preciso definir o que são as hashtags

nas redes sociais.

No ciberespaço, para desempenhar seu papel social

usando a web, o usuário publica conteúdos e os agrupa através

de uma ferramenta chamada hashtag. A hashtag é um

“indicador de assunto, normalmente representado pelo sinal

207 “#” (jogo da velha) seguido da palavra indicativa do assunto.”

(RECUERO, 2009)

Em artigo publicado em seu site, a jornalista e

pesquisadora Raquel Recuero explica que nos protestos de

junho que tomaram o país, as hashtags funcionaram como

indício de organização da narrativa das manifestações. Quando

o usuário de uma rede social usou uma hashtag para publicar

um post, essa publicação rapidamente se tornou parte da

narrativa desses protestos por meio dessa ferramenta.

As informações entre os manifestantes foram trocadas

pelo Facebook e Twitter por meio das hashtags. No texto das

postagens, estas eram incluídas para que os assuntos pudessem

ser agrupados em torno de um tópico específico sobre os

protestos. Assim, quem reivindicava podia fazer a busca do

tema que mais se pareça com a voz que queria ecoar, com a

reivindicação que para ele deve ser reverberada, e aí, segue-se

uma nova mensagem direcionada. O uso das hashtags fez parte

da grande força que os protestos tiveram pelas redes sociais

digitais e até fora delas. Mas, é importante ressaltar que essas

“etiquetas”, não são usadas apenas por grupos engajados nas

transformações políticas, ou em períodos pontuais. Vários

setores da pesquisa científica, das artes e do marketing utilizam

a ferramenta para agrupar os assuntos por categoria, palavra-

208 chave e assim transformar os temas de interesse em hiperlinks,

que o usuário da rede social quer divulgar e indexar a

mecanismos de busca. Ou seja, as hashtags servem a várias

outras plataformas no mundo virtual e presencial. Nesse

sentido, observa-se que as hashtags estão presentes com seu

jogo da velha, no mercado publicitário, artístico, cultural e

social: os veículos de comunicação, por exemplo, podem assim

saber dos assuntos de interesse do leitor/ouvinte/telespectador;

o músico pode divulgar seu novo trabalho; o fã pode buscar

informações específicas sobre um show, final de campeonato,

lançamento de álbum, filme, livro; moradores de um mesmo

bairro podem trocar informações sobre os problemas comuns;

motoristas podem saber sobre os fluxos do trânsito. Enfim, a

possibilidade de discussão e busca propiciada pelo hiperlink da

ferramenta, otimiza o seu uso em diversas áreas. Mas, o que

nos contam essas hashtags dos protestos de junho?

1.1 Porque tantas hashtags

As movimentações online dos protestos foram

tomadas por inúmeras hashtags e nas ruas foram realizadas

inúmeras reivindicações. Se na rua, o movimento não era

orquestrado por uma única reivindicação, na web as hashtags

209 também eram sinônimo dessa multiplicidade de reclamações

por direitos.

O pesquisador Fabio Malini discutiu sobre a

movimentação online relativa aos atos em São Paulo no site da

Revista Galileu, e apontou que numa manifestação tão intensa

o convite na internet não foi feito apenas por uma hashtag. Os

movimentos no Brasil que se articularam no Facebook – site

que se tornou padrão de relacionamento social no país – pode

ilustrar a dinâmica rua/web:

“A dinâmica do Facebook ilustra curiosamente a articulação rua e rede. Há aqueles que estão presente na primeira; há aqueles que estão na segunda. Os primeiros enunciam; Os segundos anunciam. Os primeiros, de dentro da mobilização, relatam. Os segundos, de dentro da rede, espalham e comovem (...). Numa análise muito rápida do evento Terceiro do Ato (hoje já virou Quarto Ato), uma curiosidade: os post possuem, em geral, mais de duas linhas de texto. O que isso significa? Que os perfis estão emocionalmente engajados. Não há muito lugar para a “racionalidade habermasiana”, para teorizar. Só há lugar para a emoção n-1, ou seja, a emoção que deriva de um efeito dos nós da rede (n) que atravessam o perfil”. (MALINI, 2013).

Assim, as inúmeras hashtags refletem o momento

emocional do país e dos manifestantes. Nesse caso, mensurar e

210 detalhar toda a dinâmica das hashtags é o mais difícil. Numa

observação rápida percebe-se que estamos falando de inúmeras

hashtags que representam mobilizações e desejos diferentes.

Ainda remontando a demonstração de Malini, reconhecemos

que os retuítes comprovam o caráter emocional e desordenado

dos protestos. Isto se reflete diretamente nas hashtags, a

exemplo dos perfis sem muita visibilidade anteriormente e que

emergiram durante os protestos, como o caso de @choracuica,

retuitada 190 vezes com a frase: “não é mais sobre a tarifa: isso

ficou muito maior que a questão da tarifa.”.

O direito de se manifestar sobre qualquer causa parece

confirmar a hipótese de que as inúmeras hashtags refletiram as

inúmeras causas. O Portal EBC mapeou alguns exemplos das

hashtags mais usadas durante as manifestações no país em

notícia divulgada no site da Empresa Brasileira de

Comunicação. Na notícia, foi atribuído valor a cada hashtag,

como mostra a figura abaixo:

211

Percebe-se que a criação de uma hashtag, bem como o

contexto evocado por cada uma delas, consiste efetivamente

em uma reflexão das lutas sociais. Para compreender as formas

de utilização das hashtags, rastreamos a linha do portal de

notícias EBC e as descrevemos buscando investigar o papel das

hashtags e a sua importância na coordenação das estratégias

interativas dos manifestantes:

1- #VemPraRua: Hashtag de participação. Ela convida as pessoas a fazerem parte e incentiva quem está envolvido e quem não está com a onda de protestos;

2- #VemPraJanela: Segue a linha da primeira, convocando dessa vez quem está em casa ou no trabalho vendo as manifestações e não podem sair em passeata;

3- #OGiganteAcordou: Aborda a vontade crescente do povo brasileiro em se manifestar, comparando a acomodação de antes;

4- #OBrasilAcordou: Deriva da última hashtag #OGiganteAcordou, e critica o passado morno e parabeniza o presente ativista;

212

5- #AcordaBrasil: Essa convoca as parcela da população que ainda não decidiu se manifestar e não foi as ruas protestar;

6- #NãoÉPor20CentavosÉPorDireitos: É uma defesa a crítica de “muito barulho por nada” e da generalização dos protestos sem uma definição única.

7- #PasseLivre: Representa um dos movimentos sociais, o Passe Livre e é também uma reinvidicação;

8- #PEC37: Aborda a Proposta de Emenda a Constituição que propunha a saída do Ministério Público em investigações criminais;

9- #CopaPraQuem: Questiona os eventos esportivos que o Brasil vai sediar em detrimento a saúde e educação;

10- #ChangeBrazil: Hashtag que tenta dar cunho internacional aos protestos que tomaram o Brasil em junho de 2013;

11- #VdeVinagre: Aborda dois símbolos dos protestos: a alusão ao personagem do HQ V de Vingança , representando a luta por liberdade. O vinagre por sua vez está em contraponto a violência da polícia que usou bombas de gás lacrimogênico contra os ativistas;

12- #SemViolência : Hashtag auto explicativa, pedia o fim da violência tanto a polícia quanto aos manifestantes.

Para uma apreciação do valor das hashtags e sua

produção de sentido no âmbito das linguagens que informam

os protestos urbanos, é importante aqui descrever a apropriação

publicitária das hashtags nesse período. É que as duas hashtags

mais emblemáticas dos protestos (#VemPraRua e

#OGiganteAcordou) são advindas da propaganda, como

explica a jornalista Camilla Costa em reportagem escrita para o

site da BBC Brasil. Na reportagem, a jornalista discute com

especialistas as razões dessas apropriações, e mostra que as

frases de efeito criadas para as campanhas de marketing,

sintetizaram a comoção vivida em rede durante os protestos, e

213 por esse motivo foram usadas em forma de hashtags. Segundo

um levantamento da empresa de relações públicas GRUPO

Máquina, entre os dias 19 e 21 de junho a expressão

#VemPraRua teve mais de 160 mil menções nas redes sociais,

e a etiqueta #OGiganteAcordou aproximandamente 100 mil.

Esse dado mostra que o caráter de “chamada” das duas

campanhas foi eficaz na adesão social ao movimento porque

traduziu pleitos.

Ainda na reportagem de Costa, o cientista político

Marco Aurélio Nogueira explica que uma das formas de se ter

identidade é juntar a sua imagem certas marcas. Usar uma

hashtag ostra que se é participante de algo. O ator social pode

ser associado aquilo e encontrado. Não é preciso um grande

discurso, a pessoa já mostra através da hashtag o seu

pensamento, que está em concordância com aquele ali,

aglutinado.

Hashtags como formas de pensamento aglutinado

A tendência do modelo de rede social parece querer

isolar as pessoas, mas o que se vê – e os protestos pelo Brasil o

comprovam- é que as viagens no ciberespaço são de

ajuntamento social também. Entendemos que as hashtags

214 contribuem para essa aproximação social porque reúnem

temáticas comuns através da marcação do jogo da velha,

ajudando as pessoas a se encontrarem e a utilizarem a

ferramenta de maneira afirmativa - nesse caso específico -

como instrumento de protesto e ativismo online.

Os movimentos de junho de 2013 no Brasil emergiram

de uma rede temporal e espacialmente fluida, e diante disso, as

hashtags tiveram papel fundamental auxiliando nos encontros,

como ferramenta de busca, agregando as pessoas com as

mesmas vontades e expectativas. Os ciberativistas puderam se

reunir a partir das intencionalidades comuns, conjunção de

ideais e interesses afins. Através deste expediente forjaram

uma “forma nova” de espaço público, informacional, propício

aos debates, discussões e tomadas de decisões. Quando falamos

em “forma nova” reconhecemos o surgimento de um novo

ambiente comunicacional, em que a cultura de protestos pode

emergir a partir do uso social das tecnologias da informação.

Há quem superestime o uso das tecnologias e suas

hashtags como alavancas imprescindíveis para a força e o êxito

dos protestos; mas – por outro lado - não podemos subestimar

do papel afirmativo dos atores em rede, em carne e osso,

cumpre reconhecer os níveis de empoderamento social gerado

215 pela cognição coletiva conectada no ciberespaço, afinal a

tecnologia sozinha não faria todo o serviço.

Enfatizamos aqui, usando as compreensões de

Lévy(1999), que na verdade foi o uso feito pelos manifestantes

em cima dessas ferramentas que determinou o sucesso da

perpetuação dos protestos. Afinal “as tecnologias são produto

de uma sociedade e de uma cultura” e quem inventou as

tecnologias, as fabricou e interpretou foram os homens. Foi o

uso da tecnologia e suas ferramentas aliados ao desejo de

remediá-la em favor de um ideal , que provocaram a junção de

pensamentos que pôde coordenar os protestos. Portanto, vale

lembrar que “por trás das técnicas agem e reagem ideias,

projetos sociais, utopias, interesses econômicos, estratégias de

poder, toda a gama dos jogos dos homens em sociedade”

(LÉVY, 1999, p. 22-24), e sendo assim o uso do instrumento

tecnológico adequado para o momento (a hashtag, por que

proporciona a união do pensamento coletivo) é que deu força

as manifestações.

Os ciberativistas criaram a partir das hashtags, espaços

online e off-line adequados à discussão de suas temáticas, e,

além disso, possibilitaram a memória dos pleitos e de suas

conquistas.

216 Hashtag como memória na web

A primeira constatação que se pode fazer diante do uso

das hashtags nas redes sociais é a de que, o hiperlink criado

pela ferramenta serve de memória. Essa acumulação de

informações proporcionadas por esse instrumento em torno de

uma temática específica remete ao que tem sido feito no

Jornalismo Online. E esse fato, aproxima ainda mais os atores

sociais das funções de jornalistas citadas acima. MACHADO e

PALACIOS (1999) mostram que recorrer a informações

anteriores é uma técnica mais viável economicamente na Web

do que em outras mídias. A quantidade de informação

anteriormente produzida e disponível para o receptor da

mensagem e o produtor da mensagem é potencialmente muito

intensa no jornalismo.

Considerando esse princípio econômico, percebemos

que o manifestante encontrou na rede social uma maneira

economicamente viável de propagar suas lutas, e descobriu que

pode resgatá-las de maneira simples. A possibilidade de dispor

de espaço ilimitado para a disponibilização do material relativo

às manifestações facilitou a produção de informação e a

disseminação da mesma no espaço público.

217

Durante os protestos de junho que ocorreram no Brasil,

não só os ativistas tiveram acesso à memória das

reivindicações populares, mas os jornalistas também puderam

quantificar e qualificar a força dos apelos. As hashtags não

serviram apenas como bons condutores da memória social, mas

igualmente da memória jornalística, confundindo-se como

ferramenta geradora de notícia.

MACHADO e PALACIOS (2003) explicam que “não

apenas a informação de cunho estritamente jornalístico serve

como fonte de recuperação de dados e contextualização de

notícias”, a produção jornalística se vale de arquivos dispersos

em várias partes da Web, sejam esses dados de cunho

jornalísticos ou não. (MACHADO, PALACIOS, 2003, p.8).

Sendo assim, ao informar, registrar, rememorar,

reinformar e discutir, as hashtags ajudam na memória coletiva,

na cognição e na práxis jornalística; assim como o jornalismo

constitui um estoque da memória, as hashtags, ao seu turno,

também se tornam uma potente vetor da memória histórica.

Considerações finais

Este artigo discutiu como os ambientes interativos,

como as redes sociais, vêm permitindo um novo espaço de

218 lutas sociais, misturando o velho jeito de se fazer protestos

sociais e as possibilidades abertas pela tecnologia. Hoje, é cada

vez mais difícil se separar as modalidades de informação,

cognição e interação, de maneira conectada e desconectada. Os

dois territórios – online e off-line – têm se misturado e gerado

ações socialmente distribuídas dentro e fora da web.

Assim, a primeira consideração a ser feita sobre a

temática é que as redes sociais digitais não podem ser

desconsideradas pelos jornalistas, pois são vigorosas fonte de

informação. Deve-se estar atento ao que é reverberado nessas

redes, e é preciso reconhecer que os receptores as utilizam não

só como fonte de informação, mas positivamente também

assumem o papel de produtor da informação.

Outro resultado importante a ser apontado é que o uso

das hashtags serve para organizar e discutir temas na web e

contribui na hora do monitoramento. A funcionalidade da

ferramenta tecnológica, associada às estratégias desenvolvidas

pelos atores sociais fazendo uso da inteligência coletiva

conectada assegura o êxito da experiência, seja com relação aos

fins políticos, jornalísticos ou mercadológicos.

Por último, um dos insights que brota deste artigo -

como resultado de uma primeira, mas criteriosa investigação -

é o reconhecimento do valor da hashtag como vetor de

219 memória jornalística, pois serve como fonte na busca pelas

notícias. Através desse dispositivo é possível realizar pesquisas

sistemáticas e encontrar atores sociais que servem como fonte;

descobrir os temas mais discutidos e assim desvelar os nós, as

redes e os encadeamentos que conferem sentido à experiência

social dos protestos.

Enfim, a hashtag, é entendida assim como um

instrumento de real importância num mundo politicamente

integrado e conectado pelas mídias digitais de comunicação.

Referências COSTA,Camilla. Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fins políticos. In: BOCC. Biblioteca on line de Ciências da Comunicação. Disponível em: http://migre.me/jH5p0. Acesso em: 08.06.2014. KARAM, Francisco J. Castilhos. A ética jornalística e o interesse público. São Paulo: Summus, 2004. LÈVY, Pierre. Cibercultura. Rio de janeiro: Editora 34, 1999 LIMA, Luanda. #ProtestoBR: confira um mapa com as principais hashtags das manifestações. Disponível em: http://migre.me/jH5gD. Acesso em: 03.06.2013. MALINI, F. Análise: Porque o #protestoSP não teve uma, mas muitas hashtags. In: LABIC. Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura. Disponível em: http://migre.me/jH54c.

220 Acesso em: 03 de julho de 2013. MARTÍNEZ-ALBERTOS, J. L. (1997) – El Ocaso del Periodismo. Barcelona: Editorial CIMS. MACHADO, Elias & PALACIOS, Marcos (Orgs), Modelos do Jornalismo Digital. Salvador: Editora Calandra, 2003. OLIVEIRA, Ricardo. A política do like. In: Cultural digital. Jornal da Paraíba. Disponível em: http://migre.me/jH4HD. Acesso em: 03 de julho de 2013. O sonho Brasileiro (site). Disponível em: http://migre.me/jH4Ez. Acesso em: 08.06.2014. PINTO, Manuel. Fontes jornalísticas: contributos para o mapeamento do campo. In Comunicação e Sociedade, Vol 14 (1-2), 2000, 277-294, Braga: Universidade do Minho. PRIMO, Alex. Interações em rede / organizado por Alex Primo- Porto Alegre: Sulina, 2013. RECUERO, Raquel. “Redes sociais na internet. Difusão de Informação e Jornalismo. Elementos para discussão”. In: SOSTER, D. A; FIRMINO, F. (Org.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet / Raquel Recuero. – Porto Alegre: Sulina, 2009. (Coleção Cibercultura) 191 p. RECUERO, R. A mudança de agenda dos protestos no Brasil. Disponível em: http://migre.me/jH4rf. Acesso em: 08.06.2014.

221 Redes Sociais e Agendamento do Jornalismo

Sinaldo de Luna BARBOSA112

Introdução

Para muitos e historiadores e cientistas políticos,

junho de 2013 já pode ser considerado um marco na história do

Brasil, surpreendido por uma série de manifestações

organizadas principalmente por jovens, que surgiram através de

mobilização na rede social Facebook e foram agenciadoras de

pautas de toda mídia nacional, pedindo melhoras nos serviços

públicos do país. Longe de querer analisar as manifestações

sociais pela esfera político-econômica nacional, buscaremos

discutir a interferência do ciberativismo na sociedade e o

poderio das redes sociais como formadores de opinião pública

e ferramenta geradora de grandes movimentos populares.

As primeiras movimentações, oriundas do Estado de

São Paulo, tiveram início logo nos primeiros dias do mês de

junho e foram organizadas por jovens universitários do

112 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: [email protected].

222 Movimento Passe Livre. O principal mecanismo de

organização e divulgação dos atos contra o aumento,

considerado abusivo, das taxas do transporte público foi a rede

social de internet Facebook através da ferramenta de criação de

eventos. Não demorou para que os mecanismos de

compartilhamento e disseminação em rede fizessem com que o

movimento tomasse proporções grandiosas e ganhassem as

ruas de todas as capitais do Brasil e outras grandes cidades. As

manifestações passaram também a não só reivindicar valores

justos ao transporte público, mas tomou para si todos os

serviços básicos, a corrupção, pedidos de reforma política e

todas as causas sócio-político-econômicas que os manifestantes

propusessem.

As ruas do Brasil tornaram-se caldeirões efervescentes

como em poucos e decisivos episódios da história do país.

Desta vez, os jovens saíram de movimentos organizados na

internet e colocaram-se à disposição para “mudar o Brasil”. A

grande mídia, surpreendida tão quanto a sociedade e a classe

política, repentinamente viu-se quase que completamente

agendada pelos movimentos surgidos das redes sociais de

internet e posta em questionamento quanto aos paradigmas e

linhas editoriais em prática. Talvez, seja cedo para corroborar

com os cientistas políticos e historiadores que asseguram

223 termos passado pelas maiores manifestações populares da

história do país, mas é notadamente o principal episódio para

fazer um recorte historiográfico e pensar a influência das

tecnologias da comunicação e redes sociais digitais como

agenciadores do jornalismo. Algo que, até então, só tínhamos

visto no recente episódio conhecido como “A Primavera

Árabe”, inicialmente resultando na derrubada do presidente

egípcio Hosni Mubarak. Notadamente, viu-se em ambos os

casos, a retirada das manifestações da realidade virtual e

transportá-las para as ruas, através de grandes mobilizações.

Ciberativismo e difusão de informação nas redes sociais

Através da série de manifestações que se espalharam

por todo o país, vimos pela primeira vez a mobilização de

milhares de pessoas, jovens em sua maioria, através da internet

com o propósito de reforma no contexto social, possibilitando a

prática do chamado ciberativismo.

De acordo com Vegh (2003, p.71), ciberativismo é a

utilização da internet para organização e divulgação de

movimentos politicamente motivados. Eles são propostos com

o intuito de alcançar tradicionais metas ou lutar contra

224 injustiças que podem ocorrer na própria rede (GURAK,

LOGIE, 2003; MCCAUGHEY, AYERS, 2003).

O pesquisador André Lemos, em “Cibercultura,

Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea” assegura

que as novas tecnologias de comunicação e informação surgem

a partir de 1975, graças à fusão das telecomunicações

analógicas com a informática, o que possibilitou a veiculação

sob um mesmo suporte, o computador, de diversas formatações

de mensagens (2004, p.68).

Diz o autor ainda que

essa revolução digital implica, progressivamente, a passagem do mass media (cujos símbolos são a TV, o rádio, a imprensa e o cinema) para formas individualizadas de produção, difusão e estoque de informação. Aqui a circulação de informações não obedece à hierarquia da árvore (um-todos), e sim à multiplicidade do rizoma (todos-todos). (LEMOS, 2004, p.68).

De acordo com Santos (2011),

o ciberativismo chega ao Brasil em meados de 1990, com o avanço da internet e a entrada de ativistas políticos, sociais e ambientalistas na rede. Para os ciberativistas o uso da internet é um meio de “driblar” os meios de comunicação tradicionais, que na maioria das vezes não oferecem espaço para que a opinião pública se

225

manifeste. Com isso a rede se torna um espaço “público” em que os ativistas podem se manifestar, otimizando o impacto de suas ideias. Apesar de parecer muito simples, e de depender apenas de um clique, o ciberativismo - que nasce com a entrada de ativistas na rede -, vem com uma proposta de conscientização através da internet. Na maioria dos casos uma movimentação que começa na internet e acaba nas ruas. E para isso não basta apenas o ciberativista, mas o ativista “real” também. (SANTOS, 2011, p. 3).

O ciberativismo é capaz de oferecer um universo de

ferramentas e mecanismos responsáveis pela organização e

dinamização de causas sociais. Santos (2011), exemplificando

campanhas propostas por ONG’s, lembra que

com um clique é possível plantar uma muda de árvore no Brasil, assinar uma petição contra o desmatamento da Amazônia, enviar sua foto em uma campanha mundial contra o desarmamento ou organizar uma manifestação em praça pública de um milhão de pessoas (SANTOS, 2011, p. 4).

Para Henrique Antoun (2013),

Na história da militância política, a internet dos grupos de discussão vai inaugurar a política de vazamento como modus operandi para fazer chegar aos diferentes usuários de todo o mundo

226

as informações privilegiadas sobre a situação social de regimes políticos fechados, a crítica a poderes econômicos e militares num contexto de bipolaridade mundial ou mesmo ser a base de sustentação da articulação política de movimentos feministas, ambientalistas e estudantis, amparados em torno de instituições não governamentais para organizar suas lutas ou para vazar notícias que sofrem barreiras da censuras políticas e econômicas locais. O aparecimento do ciberativismo – numa versão hacker e comunitária - rompe com o próprio ativismo social que se realizava até então no campo da comunicação social. (ANTOUN, 2013, p.4).

O ciberativismo orquestrado pelo advento da internet e

somado ao potencial de disseminação de informação oferecido

pelos mecanismos das redes sociais de internet tem sido

frequentes as mobilizações que surgem no universo virtual,

tomam proporções grandiosas e ganham forma no mundo real.

Para Cláudio Paiva (2013), “hoje as redes sociais permitem o

enfrentamento do monopólio da comunicação pelas

corporações e grupos econômicos, gerando estratégias

sociocomunicacionais imprevistas” (PAIVA, 2013, p. 3).

Para Raquel Recuero (2009), as redes sociais são

ambientes de ampla circulação de informação, que por sua vez

são capazes de gerar mobilizações e conversações de potencial

227 interesse jornalístico. Sucintamente, podemos, então, dizer que

o material veiculado nos sites de redes sociais da internet,

desde que não já tenham sido publicados por perfis da grande

mídia, não deve ser considerado material jornalístico, mas, a

partir da investigação criteriosa de um jornalista as

informações ali contidas, com potencial jornalístico, podem

pautar veículos comunicacionais e tornar-se material

jornalístico.

O Agendamento do Jornalismo através das redes sociais

Como assegura Raquel Recuero (2009), é notório o

posicionamento das redes sociais de internet tendo papel de

produção, filtragem e reverberação de informação com

potencial jornalístico para determinados grupos e/ou indivíduos

baseados em critérios e percepções específicas. As redes

sociais, produtoras de elementos noticiosos, têm, então, um

importante papel para o jornalismo no que tange ao chamado

gatewatching. Elas, em si, de acordo com a autora, não

produzem notícias, mas elementos que podem ser noticiados.

Para a pesquisadora, “é preciso aprofundar os estudos

de como as práticas sociais de difusão de informação nas redes

228 sociais podem impactar as práticas jornalísticas e em que

medida as colaborações podem acontecer” (RECUERO, 2009,

p.13).

Sob essa perspectiva, observamos as maneiras pelas

quais os mass media são agendados pelos elementos noticiosos

oriundos das redes sociais de internet, no caso em estudo, pelas

manifestações organizadas nessas plataformas virtuais que

acabam por criar forma real e, desconsiderando seu teor sócio-

político, com grande potencial de fazer repensar os paradigmas

atuais da construção da notícia e do agendamento do

jornalismo tradicional.

Para Cláudio Paiva,

Os cidadãos, usando as mídias e redes sociais, participam das transformações na economia, sociedade e política. A informatização planetária é um processo aparentemente sem sujeito, mas na era da comunicação em rede, convém reconhecer o empoderamento dos cidadãos conectados, o surgimento do netativismo e ciberdemocracia, conforme demonstram as ações ético-políticas do Occupy, Wikileaks e Anonymous. (PAIVA, 2013, p.2).

A partir da aceitação do poderio das redes sociais de

internet na mobilização de manifestações sociais partimos para

o ponto em que o jornalismo dos mass media são pautados

229 pelos movimentos dessas redes tendo em vista que, como

indicam Cláudio Paiva (2013) e Raquel Recuero (2009), as

redes sociais oferecem a habilidade e competências que nos

possibilitam fazer filtragem, curadoria e monitoramento do

material postado.

Diante de grandes acontecimentos sociais, tomando

como exemplos as manifestações ocorridas no mês de junho

por todo o Brasil, o primeiro grande desafio, em termos

jornalísticos, dos mass media consiste em questões

operacionais em relação à verificação das informações. O

caldeirão efervescente de informações publicadas e replicadas

em fração de segundos em sites de relacionamento aparece

como um turbilhão de elementos muitas vezes com potencial

noticioso que compete ao jornalista apurar o que de fato pode

virar material jornalístico. Desta maneira, como afirma Zago

(2013), a incorporação das mídias digitais ao jornalismo altera

os mecanismos de produção de uma notícia.

Pouco ainda foi estudado acerca do agendamento do

jornalismo através das redes sociais de internet, mas os poucos

pesquisadores que se dedicaram a esse estudo, como VIS

(2012), BRUNO (2011), BRUNS & LIANG (2012) e

230 HERMIDA (2010; 2012) verificam a influência da internet em

pautar os tradicionais meios de comunicação nos dias atuais.

Teoria do Agendamento e Opinião Pública A Teoria do Agendamento, formulada por Maxwell

McCombs e Donald Shaw, tem suas bases firmadas no

conceito de opinião pública formado por Walter Lippmann. O

agendamento seria – nessa perspectiva teórica - o método pelo

qual a mídia é agenciadora da pauta, determinando o que deve

ou não ser noticiado (Teoria do Agendamento, McCombs) e

como tal pauta interferirá na opinião pública (Lippmann).

Teria, então, a mídia o poder de oferecer ao público o conteúdo

que este supostamente necessita. Pressupõe-se que as notícias

são assim porque os meios de comunicação nos dizem em que

pensar, como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados.

A Teoria do Agendamento assegura que os

consumidores de notícias tendem a considerar mais

importantes os assuntos veiculados na imprensa, sugerindo que

os meios de comunicação agendam nossas conversas. Em

suma, a mídia nos diz sobre o que falar, de certa forma,

pautando nossos relacionamentos.

231

A hipótese da agenda setting não defende que a

imprensa pretende persuadir. A influência da mídia nas

conversas dos cidadãos advém da dinâmica organizacional das

empresas de comunicação, com sua cultura própria e critérios

de noticiabilidade. De acordo com McCombs & Shaw, as

pessoas tem tendência para incluir ou excluir de seus próprios

conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem

do seu próprio conteúdo.

Os estudos relacionados à teoria o agendamento são

norteados pela confluência entre a agenda midiática e a agenda

pública. Para a teoria de McCombs, nossa rotina e nossas

conversas são pautadas pelo proposto pela mídia, que seleciona

o que julga importante e faz atingir a opinião pública.

Para Raquel Recuero, com o advento da mediação do

computador, diversos elementos modificaram o contexto do

jornalismo. “O lugar da mídia de massa, enquanto detentora do

poder de informação passou a ser questionado” (RECUERO,

2011, p. 5).

No que tange ao processo das manifestações no Brasil,

ficamos diante de um grande debate quanto aos verdadeiros

agenciadores de pauta, responsáveis pelo grande número de

manifestantes nas ruas das principais cidades do país e

232 formação da opinião pública quanto aos protestos. Talvez, a

partir do momento em que as manifestações eclodiram pelo

país e a grande mídia pautou diuturnamente seus veículos com

material sobre os protestos, tenha sido ela a principal

reverberadora e responsável pelo aumento dos movimentos.

Todavia, é inegável que a organização e divulgação inicial dos

primeiros atos no Facebook embasaram toda magnitude e

agendamento das manifestações.

Considerações finais

Com a efervescência das redes sociais de internet,

assistimos ao aumento da quantidade de notícias que são

construídas e pautadas sob os olhares dos jornalistas para perfis

de personalidades e veículos de comunicação. É comum

encontrarmos redações em que há jornalistas assumindo papel

de gatewatcher, monitorando as redes sociais e estão atentos

aos elementos noticiosos que possam ser aproveitados e

mobilizados pela imposição das manifestações dentro da

própria rede. O fluxo de publicações e replicações de

determinados conteúdos movimentam a pauta jornalística e

“abrem os portões” da redação.

233

Devemos considerar que não apenas a mídia, em

tempos de emergência do meio digital, é agenciadora de

pautas. Os mecanismos de aproximação e contato rápido com o

público fazem das redes sociais de internet um grande

agenciador midiático onde, apesar de ainda haver uma certa

resistência pelos meios de comunicação tradicionais, a grande

adesão da população aos veículos de comunicação digitais e

frequentes questionamentos aos veículos tradicionais tem feito

com que a perspectiva da Teoria do Agendamento se torne

mais democrática, considerando a participação do público nas

redes sociais de internet, a exemplo do contato gerado pelas fan

pages no Facebook e os trending topics no Twitter,

monitorador dos assuntos mais discutidos no momento.

Apesar do que muitos pensam e especulam, o

jornalismo enquanto instituição, com concessões de valores

que foram elaboradas na mídia de massa continuam

persistentes na mídia digital. Mesmo com uma participação

muito mais direta do público por parte dos veículos digitais,

ainda são os veículos e instituições jornalísticas tradicionais

que, de certa forma, asseguram a veracidade das notícias.

Exemplo disso é que apesar do turbilhão de material veiculado

pelas redes sociais, a segurança de uma informação, até mesmo

pelos membros das redes é validada pela posterior divulgação

234 da grande mídia. É a ela que os que os atores nas redes sociais

na Internet recorrem para legitimar, dar credibilidade,

organizar e filtrar informações para, talvez, o início de um

novo ciclo de reverberação de elementos noticiosos e notícias.

Referências ALSINA, M. R. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009. ANTOUN, Henrique. Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mídia. In: Revista Famecos, Porto Alegre, nº16, 2001. ANTOUN, Henrique e MALINI, Fábio. Ontologia da Liberdade na Rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia. Revista da Famecos, Porto Alegre/RS, v. 17, n. 3, 2010, p. 286-294. BRUNO, N. Tweet first, verify later? How real-time information is changing the coverage of worldwide cirsis events. Oxford: Reuters, 2011. BRUNS, A. Vom Gatekeeping zum Gatewatching: Modelle der journalistischen Vermittlung im Internet. Journalismus im Internet:107-128, 2009. GURAK, L. J. and LOGIE, J. Internet protests, from text to web. In: MCCAUGHEY, AYERS, M.D. (ed.).Cyberactivism: online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003. HERMIDA, A. Tweets and Truth: Journalism as a discipline of collaborative verification. Journalism Practice, v. 6, n. 5-6, p. 659-668, 2012.

235 LEMOS, André. Cibercultura, Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2008. 4ª ed. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Petrópolis: Vozes, 2008. MCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda. Petrópolis: Vozes, 2009.

PAIVA, C.C. O julgamento do mensalão e as redes sociais de interpretação. Pistas para uma hermenêutica da comunicação e cultura midiática compartilhada. Salvador: COMPÓS, 2013.

RECUERO, R. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2009. ______. Redes Sociais na Internet, Difusão de Informação e Jornalismo: Elementos para discussão. POA: Ed. Sulina, 2009. VEGH, S. Classifying forms of online activism: the case of cyberprotests against the World Bank. In: MCCAUGHEY, M., AYERS, M.D. (ed.). Cyberactivism: online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003. VIS, F. Twitter as a reporting tool for breaking news. Digital Journalism, v. 1, n. 1, p. 27-47, 2012. ZAGO, G. Da circulação à recirculação jornalística: filtro e comentário de notícias por interagentes no TwitterXXI Encontro Anual da Compós. Juiz de Fora, MG: Compós, 2012.

______ Jornalismo como sistema de alerta: integração entre mídia social e impressa na tragédia de Santa Maria

236 “Não é por 20 centavos!”: cultura dos memes e viralização

Evaniene Damião MASCENA113

Claudio C114. Paiva Introdução

Para entender a história das civilizações modernas é

preciso entender como as relações sociais perpassam pelas

relações de poder e suas mediações pelas mídias, que regulam,

absorvem e reconstroem as representações individuais e

coletivas. E nesse contexto, em que se mesclam as

representações individuais, sociais e midiáticas, inscrevem-se

as formas da Lei e o Desejo, Direitos e Deveres, o espaço

privado e a esfera pública, em suam, há todo um campo de

tensões sociais que precisa ser observado e interpretado.

Compreendemos a informação como um direito público

e como um fenômeno favorável à luta cotidiana pela liberdade,

democracia e cidadania. O jornalismo, desde a origem, surge

em defesa dos direitos sociais. A informação jornalística tem

utilidade pública, conferindo poder à sociedade, assegurando o

direito social à informação.

113 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo – Mestrado Profissional em Jornalismo. Email: [email protected]. 114 Email: [email protected] (orientador).

237

Apesar da supostas transparência e imparcialidade

jornalísticas, que assegurariam o direito à informação e o

acesso à cidadania, os poderes hegemônicos do Capital, do

Estado e das corporações midiáticas constroem as informações

de acordo com os seus interesses políticos e mercadológicos.

Logo, faz-se necessário um olhar analítico, crítico e

interpretativo sobre o modo de construção e divulgação das

notícias. Convém atentar para o fato de que a sociedade e a

cultura são construídas; caberia assim se formular

problematizações e questionamentos acerca da maneira como

as mídias modelam as noções de sociedade, cultura e política; é

preciso combater a “falsa representação” fabricada pelas

mídias e questionar também a “naturalização da cultura”

forjada pelas representações midiáticas. É preciso investigar as

dimensões do verdadeiro e do falso que estão presentes na

construção da realidade pelas mídias.

Os sistemas midiáticos (meios de informação e

comunicação) informam a partir dos objetivos e interesses de

quem os financiam. A informação é manipulada e

conseqüentemente os leitores, cidadãos, consumidores são

levados a forma uma “visão de mundo” a partir das mídias, que

dependem dos anunciantes e empresários.

238

Então, para entender a comunicação, o jornalismo e os

processos midiáticos é preciso enfrentar as relações

econômicas, políticas e sociais que os atravessam e os

predeterminam, notando – desde já – que tais relações vão se

modificar a partir do uso das tecnologias do jornalismo

colaborativo, principalmente com os dispositivos móveis.

A imprensa e os meios de comunicação nasceram

vinculados ao espírito democrático e favoreceram as lutas

sociais (notem-se os exemplos da Revolução Francesa,

Revolução Americana e entre nós, a Abolição da Escravatura).

Mas igualmente proliferaram num contexto mercadológico e de

liberalismo socioeconômico, no âmbito da sociedade e cultura

de massas. Ou seja, o jornal, o rádio e a televisão, floresceram

na era industrial e logo se constituíram em meios de

comunicação de massa, atrelados às vicissitudes do mercado.

Convém reter este conceito de “massa” também e

principalmente hoje, quando se discute a emergência dos meios

pós-massivos (como internet e celulares), que transfiguram os

modos de funcionamento dos mass media; e alteram também as

relações dos profissionais de comunicação com a sociedade, o

poder e os mercados. É importante compreender como os

atores sociais – fazendo uso dos novos dispositivos sociais de

informação, como a internet, o FaceBook e o Twitter -

239 mudaram o seu estatuto de receptores passivos, tornando-se

emissores ativos, e-leitores e colaboradores nos processos

comunicacionais, midiáticos e jornalísticos.

Em sintonia com a nova ordem mundial da informação,

na sociedade em rede – desde os anos 90 - vastas parcelas da

população têm-se integrado aos grupos de protesto do mundo

inteiro, expressando a necessidades de mudanças. As crises

econômicas, corrupção, desemprego, descaso do Estado, falta

de assistência social, concentração de riqueza são algumas das

razões que explicam o ressurgimento do ativismo social por

todo o planeta. Mas a mola propulsora dos movimentos sociais

e dos protestos urbanos é a informação, o que nos remete –

outra vez – à questão do controle da informação pelas

organizações midiáticas, Estado, empresários e donos das

mídias, que - conforme apontamos antes - deturpam as noções

de realidade política, econômica, social, etc.

Todavia, as formas e conteúdos das novas mídias e

redes sociais – conforme assinalamos – trazem novos

elementos que reconfiguram o estilo de manifestação

conhecida como ativismo social (de 1968 a 2013). Mudaram as

formas de utilização feitas pelos grupos de ativistas dos meios

de comunicação e do jornalismo. Havia a imprensa alternativa,

240 os pasquins, as radio piratas, havia “brechas” no sistema, mas

as relações ainda eram assimétricas e verticais. Hoje, de modo

inédito, há, desde o advento da internet e da Web 2.0 (com as

micromídias portáteis), instrumentos potentes de reivindicação,

denúncia e agenciamento das ações políticas; modificaram-se

os modos de produção, distribuição e compartilhamento das

informações jornalísticas, o que gerou empoderamentos aos

indivíduos e grupos sociais de protesto. E principalmente, com

a disseminação das “mídias livres”, hoje ocorre a ação direta

dos ativistas midiáticos.

Ativismo midiático Entre o Estado e o Capital, a partir das reivindicações e

lutas sociais, emerge o Terceiro Setor, exercendo o papel de

mediador, cobrando dos poderes dominantes a realização dos

direitos sociais, e mais do que isso, exercendo o direito à

informação e a coragem de criar alternativas para passagem do

livre fluxo da informação.

Os grandes conglomerados midiáticos no Brasil estão

sob o domínio da esfera privada e são concessões do Estado. E,

este, que deveria servir de regulador em favor da sociedade,

pois numa democracia representativa é quem a representa, se

241 agrega à iniciativa privada que o legitima (vide o exemplo do

Jornal Nacional, da Rede Globo).

Assim constroem-se forças manipuladoras de tempos e

espaços favoráveis às ideologias dominantes. Os discursos

midiáticos são cada vez mais sedutores, através de linguagens

publicitárias que remetem sempre ao imaginário do bem estar e

da felicidade. Do lado de fora da bolha discursiva midiática,

circulam os receptores, e-leitores e consumidores, desejos de

participar da construção da realidade e da sua representação

midiática. É nesse ambiente que vão surgir as mídias sociais,

com novas linguagens socioinformacionais, como os mêmes,

que traduzem a participação direta dos (ciber)cidadãos, nas

manifestações, por meio de imagens e escritas virais poderosas.

Do ativismo social mediado pela tecnologia, surge, com

legitimidade, o ativismo midiático turbinado pela conexão dos

atores em rede presencialmente e virtualmente.

Os mêmes dos ativistas disponibilizados no FaceBook,

por exemplo, constituem agenciamentos sociotécnicos e

comunicacionais, cuja força é similar às manchetes (fatos e

fotos) da mídia impressa e às bombásticas vinhetas jornalísticas

dos telejornais.

242

Os mêmes introduziram novas práticas informativas e

comunicativas no sistema midiático de maneira tão forte que

politizou uma esfera midiática habitualmente voltada para a

diversão e o entretenimento. O recurso sociotécnico-midiático

forjado pelos mêmes constituem modalidades de

contrainformação, em relação ao mainstream.

Brotou ma “massa livre na midiosfera” se apoderando

dos conteúdos produzidos pelos sistemas globais de

comunicação, reconfigurando-os, a partir de uma “astuciosa”

recontextualização, fazendo críticas e ironias a respeito das

informações pré-fabricadas. Mas, sobretudo, os ativistas

midiáticos constroem narrativas diferentes e livres do caráter

editorial das mídias clássicas, porque agem de maneira direta,

capturando vozes, frases, imagens e sons que fervilham nas

ruas, no calor dos acontecimentos.

As mídias livres batalham contra a falta de acesso e

transparência, contra a deturpação da informação real, é essa a

sua bandeira política. Há lutas, protestos e reivindicações na

rua, que são encampados pelos midialivristas, e parte desse

protesto é contra os conglomerados da comunicação e suas

estratégias de controle.

243

Trata-se de um novo contexto sociopolítico e

comunicacional que exige um olhar mais apurado, um exame

mais detido que possa explicar o sentido do fenômeno,

livrando-nos da compreensão ligeira e dos diagnósticos

apressados. Contudo, cabe desde já questionar a nova

modalidade deste fenômeno que tem sido visto como um estilo

de politização. Convém entender os novos processos de

“reapropriação”, a natureza da produção da informação em

ritmo acelerado e velocidade cibernética. É de bom presságio

analisar a nova circulação de informação que se propaga por

todas as conexões telemáticas, a partir dos memes nas redes

sociais. Faz-se necessário se examinar o caráter das

experiências sociocomunicacionais mais recentes, a

intencionalidade dos atores em rede, as formas cognitivas e

estéticas. É preciso problematizar a noção de “ativistas

midiáticos”, observando em que medida esta é pertinente para

se entender a ética que mobiliza os interagentes nas redes

sociais.

O espaço virtual apresenta uma pluralidade incrível no

que remete a processos de produção de sentido. Isto abrange

não apenas o meio de comunicação, a mídia, pois vai mais

além, encobre os vastos espaços e tempos que envolvem os

sujeitos, os objetos, o meio ambiente; é neste sentido que se

244 fala em “ecologia da comunicação”. Os novos dispositivos

sociotécnicos de informação geram reconfigurações, alterando

o relacionamento dos atores com o meio social, o meio natural

e cósmico. Agindo de maneira direta sobre os acontecimentos,

as mídias sociais, portáteis, locativas, apreendem os fatos e os

redistribuem através de uma inteligência coletiva conectada.

Deste modo, o ciberespaço modifica até mesmo as clássicas

noções de “representação social”; melhor seria se falar em

“apresentações do social”, no caso das mídias livres, pois suas

mediações estão muito próximas dos acontecimentos

históricos, intervindo diretamente das turbulências dos

protestos urbanos em tempo real (cf. Mídia Ninja).

A mediação dos acontecimentos e a sua reportagem no

contexto da comunicação colaborativa (em que se incluem os

ativistas midiáticos) solicitam uma analise mais cuidadosa no

que se refere às modalidades de participação dos atores,

cidadãos, nos distintos níveis presenciais e virtuais. Há por

exemplo os jornalistas na rua, fisicamente, no embate corpo a

corpo com os poderes instituídos, a polícia, os bandidos e

outras adversidades. Há os jornalistas (e formadores de

opinião) nas ruas, em pleno combate, a mercê das bombas de

gás e sprays de pimenta, mas que guardam a particularidade de

estarem conectados em rede sociotécnicas e informacionais

245 (guarnecidos de celulares, câmeras, microgravadores de som e

pen drives). E há os “jornalistas sentados”, “a salvo” em suas

células residenciais, mas também aparelhados com sofisticados

dispositivos socioinformacionais, devidamente plugados em

suas conexões ativistas, vigilantes e colaborativas, fazendo

denúncias, alertando e orientando os interagentes e sinalizando

estratégias de ação comunicativa e política.

As reconfigurações acontecem de forma distinta, no que

diz respeito ao ativismo midiático no ciberespaço. Muito

embora as duas “formas” de ativismo midiático (fora e dentro

do ambiente virtual) busquem a liberação de idéias e execução

de ações, faz-se necessário distinguir as duas modalidades de

“ação comunicativa”, entender as suas formas e sentidos, as

suas intenções, expectativas, estratégias e os seus objetivos.

Ciberativismo

Nas cibermídias, os processos de produção de conteúdo

acontecem em novos contextos, existe uma liberdade maior no

quesito comportamental e livres caminhos rumo à

interatividade. Esses aspectos acabam por influenciar não

apenas o processo de produção, mas o próprio conteúdo. Há ali

características de espaço e de tempo próprias. O que significa a

246 expressão “tempo é real”. As pistas nos levam a compreender a

natureza dessa nova ambiência midiática, observando que esta

existe, recebe, produz, divulga e virotiza mensagens em tempo

real. Tudo isso está aliado à convergência de dispositivos

móveis ligados a diversos “vasos comunicantes”. Por ali

circulam interferências positivas, que escapam ao controle ao

planejamento dos poderes hegemônicos. A informação se torna

líquida, em fluxo permanente e em veloz circulação e há

evidentemente o risco da quantidade superar a qualidade. As

experiências ativistas, empenhadas nos processos de cognição e

politização distribuídas, precisam estar vigilantes com relação à

qualidade da informação. Os analistas de mídia, os

especialistas em comunicação e os profissionais em jornalismo

são responsáveis pelo monitoramento da qualidade das

informações geradas pelos memes na internet.

Mídias, hipermídias e sociedade do espetáculo

A sociedade de massa do século XX, motivada pelo

consumo, já alcançava altos níveis de espetacularização do

“real” através de representações e uso dos meios de

comunicação e suas linguagens. Hoje, no ciberespaço, no

tempo da comunicação pós-massiva, das hipermídias, há um

universo ainda maior de possibilidades representativas que,

247 sem a devida atenção ou estrategicamente trilham o caminho

rumo ao espetáculo, porque a mídia é sempre estratégica para o

mercado e vende nacos de felicidade, que, espetacularizados

dão bons lucros; talvez a espetacularização midiática turbinada

pela telemática ganhe dimensões e alcance sem limites.

A espetacularização da vida real (pública e privada), da

informação, dos conteúdos, na internet também mudam, porque

os níveis de produção (e de reprodução) das cópias e

simulacros “do real” se multiplicam, porque a velocidade dos

fluxos informacionais – genericamente – não permitem uma

elaboração mais cuidadosa (que requereria mais tempo,

paciência e dedicação) dos internautas apressados e sob o

bombardeio de informações, e porque a maior parte dos

usuários tem se interessado pela dimensão do ciberespaço

voltada para a recreação e entretenimento, a mensagem rápida,

digestiva e descontraído, a informação em pacotes, prontos

para serem consumidos.

Entretanto, na sociedade em rede, nos tempos da

comunicação colaborativa, quanto se fala em ativismo

midiático, há que se considerar que mais importante que os

níveis “representação” são os níveis de “interação”, pois os

248 atores sociais se fazem presentes e atuam diretamente na

espessura dos acontecimentos.

Não há um único “responsável” na produção da

informação on line, garantindo a sua circulação; há sujeitos

interligados, atores sociais interconectados, interagentes em

rede, que atuam conjuntamente e conectadamente neste

processo. No ciberespaço a circulação se dá de forma tão

eficaz, principalmente pelo fator viralização, espalha-se como

vírus de maneira arborescente e rizomática, como indica Pierre

Lévy, tratando das “árvores do conhecimento” (LÉVY, ano).

Nesse novo cenário o contexto é de interação, em que o

ativismo midiático (e suas nuances politizadas), tratado pelos

analistas das cibermídias como ciberativismo, encontra

oportunidades reais de expressão. O ativismo midiático não se

estrutura como unidade, com liderança, em bases ideológicas

organizadas, como os grupos de ativistas tradicionais. O

ativismo hoje não tem sedes de representação, advém das

emanações sociotécnicas, cognitivas e midiáticas dos atores em

rede, muitas vezes sem rosto, mas com direito à voz. A ordem

é radicalizar e fazer valer o direito à liberdade de expressão e

isso se dá na mídia e para fora dela através de linguagens e

249 textos que ultrapassam as representações partidárias. (cf. Grupo

Anonymus).

Porém, o ativismo midiático, no espaço virtual se dá de

forma mais eficiente nas redes sociais, especificamente em

grupos de discussão criados com focos específicos.

A linguagem, sendo é um importante instrumento

cultural, é construída social e estrategicamente para representar

e unir idéias e comportamentos coletivos. E a linguagem no

ciberespaço, que significa uma nova escrita oralizada e uma

conversação escrita, apresenta traços cada vez mais interativos.

Essa interação incessante e manifesta, sobretudo, em redes

sociais consiste em experiência histórica, real; no seio da

cibercultura, emergem subculturas que atestam a pulsação

orgânica do coletivo.

Há formações discursivas que surgem de outros nichos

comunicantes e penetram no ciberespaço. Os memes

caracterizam exemplos fortes de uma formação discursiva, que

migra para os ciberambientes, causando efeitos de

protagonismo, na medida em que se tornam referências nas

mídias analógicas, radio, jornal, televisão; as imagens dos

protestos da Primavera Árabe, viralizadas nas redes, deram o

tom dos debates na imprensa tradicional e nas mídias

250 corporativas globais. Os memes propiciam também

deslizamentos (pois reconstroem os sentidos das reportagens;

note-se como os discursos dos jornalistas como Arnaldo Jabor,

no Jornal da Globo, se modificou após a publicação e

compartilhamento dos memes na internet, exibindo os

jornalistas agredidos pela polícia durante as manifestações de

junho de 2013, ocorridas em São Paulo.

Os memes: do termo ao protagonismo midiático O termo meme foi lançado por Richard Dawkins em seu

livro O gene egoísta (The selfish gene, 1976). Para Richard,

meme é unidade de informação cultural que é replicada de

pessoa para pessoa, de forma análoga ao gene. O memes são

assim “replicadores culturais”. Na mesma linha de raciocínio e

avançando no conceito, Susan Blackmore (1999) afirma o

papel dos memes enquanto força poderosa que molda nossa

evolução cultural através de ideias copiadas de individuo para

individuo pela imitação.

Para entender as causas e efeitos de sentidos dos

memes, é indispensável conhecer suas três características

principais: não têm poder de previsão; apenas se reproduzem e,

por definição, são passados adiante por imitação. Os memes, de

251 modo simplista, podem ser encarados como ideia,

comportamento ou habilidade passada adiante por imitação.

Historicamente, os memes teriam evoluído junto aos

genes, sendo passados de pai para filho, como ocorre na

evolução natural das espécies. Hoje, no ciberespaço, essa

concepção naturalista da evolução dos memes precisaria ser

repensada, pois “pulam” de um cérebro a outro, em segundos,

independentemente da distância.

O discurso em circulação nas redes resulta de uma

estratégia coletiva, de movimentos em redes. Trata-se de um

tipo de linguagem como prática social que se manifesta em

forma de texto e traz consigo elementos de mudança. O

discurso vem dotado de traços de cultura, identificação e

representação. E pelos processos de identificação e

representação no ciberespaço, entendemos o conhecimento

cotidiano como engrenagem da evolução cultural, assim, os

memes podem ser explicados dentro desse universo, como

padrões culturais e sociológicos.

Em plena atividade cultural na era da informação em

rede, convém reconhecer a pertinência da noção de inteligência

coletiva, que parte de idéias coletivas em busca de aparatos de

disseminação em veículos. Os memes, nessa ambiência virtual

252 e interativa, são vistos como fragmentos textuais, discursivos,

que geram informações diretas e minimalistas, abrindo

perspectivas dialógicas. A escolha dessa linguagem é

estratégica pois resulta de uma ação coletiva e a sua

disseminação (por definição) é coletiva.

Encontramos a presença dos memes em muitos

momentos políticos no Brasil, mas em outros contextos triviais,

cuja circulação e possibilidade de “imitação” eram

extremadamente reduzidas, diferentemente do contexto

configurado nos dias atuais, com a internet. Nesse espaço, o

que causa real sentido de representação se alastra de forma

viral. É comum lembrar dos memes como fragmentos textuais

e/ou figuras dotados de humor, mas vão além desses

fragmentos que se propagam de forma aleatória, sendo assim,

nem todos passam por processo viróticos, e a sobrevivência dos

memes se confunde com sua replicação.

Então, os memes devem ser entendidos como

representação ideológica das vozes, observando-se o

ciberespaço como ambiente cognitivo, e mais especificamente

as redes sociais. É exatamente o que os ativistas midiáticos,

imersos, no ambiente virtual e interativo, procuram:

253 possibilidades de representação de voz, liberdade quanto ao

direito de expressão.

Em junho de 2013, um processo incrível de virotização

se deu no ciberespaço, invadindo inclusive as mídias

tradicionais no Brasil, a partir da necessidade dos atores sociais

de representação e principalmente de ações afirmativas diretas.

Jornadas de junho e mobilização no ciberespaço

Motivados pelo aumento das tarifas de transporte

público, o Movimento Passe Livre (MPL) um movimento

social organizado, que defende a isenção de tarifas em

transportes públicos, fez parte da organização das

manifestações ocorridas em junho. Essa reivindicação é antiga,

e manifestações de protestos relativos ao tema são comuns no

Brasil, mas em 2013 algo novo aconteceu. Uma mobilização

“viral” conseguiu levar milhões de brasileiros, movidos por

insatisfações no âmbito social, aos possíveis ambientes de

interação, a fim de exposição estratégica de vozes em protesto.

Agora a mídia é confrontada por novas formas de

representação e agenciamento. A mobilização apresentou um

254 caráter espontâneo e se deu como forma determinante de

organização na internet. Era, sem resquícios de duvida,

importante que os brasileiros se manifestassem contra a bolha

de felicidade fabricada pela publicidade.

Surge uma nova geração politizada? De certo modo

sim, mas o ‘movimento’ consegue integrar outras gerações pois

os agenciamentos não se restringem aos jovens, e os protestos

têm uma pluralidade imensa de focos. Sem palavras de ordem

ou com todas as palavras de ordem possíveis, os agentes

sociais formulam – em rede - uma “expressão de ordem” já

consolidada: “Não me representa!”.

As coberturas iniciais acerca dos protestos nas ruas

foram feitas pela grande mídia, com imposições televisivas. Os

discursos jornalísticos vinculados à grande mídia eram tão

claramente manipuladores e controversos que fizeram aflorar

no peito dos atores sociais a indignação e o protesto.

Ativistas políticos, ativistas midiáticos, ciberativistas,

estudantes, militantes e não-militantes, partidários e sem

partido, donas de casa, profissionais, empregados e

desempregados, enfim, as vastas representações nacionais

foram atingidas. As redes de informação geraram no espaço

255 público, a sensação dos atores sociais de serem percebidos não

como cidadãos, mas como mercadorias midiáticas.

A grande mídia distorcia o que acontecia das

manifestações, já a cobertura engajada, guarnecida de

aparelhos sociotécnicos comunicantes, atenta às pulsações

orgânicas do “senso comum”, concedeu evidência e voz a

“sociedade”, evidenciando a as zonas de conflito. A mídia

alternativa contemporânea, expressa no conjunto de mediações

colaborativas independentes que compõem o ciberespaço,

expôs os nervos do sistema social em crise. Ratificando o seu

conceito de comunicação e ação afirmativa diferenciadamente

das mídias tradicionais, forjou a oportunidade para a circulação

de narrativas muito aproximas da realidade em carne e osso. A

nova mídia alternativa traz uma pluralidade imensa de

narrativas, orais, escritas, impressas, audiovisuais, abrindo

caminho para uma produção de sentido sem amarras,

encorajando a livre interpretação.

De fato, a função da mídia não é representar, mas

informar. Porém, a sociedade tem necessidades de

representações, (sobretudo de representações governamentais,

que têm obrigação de fazê-lo) e as encontra, através de

sistemas de linguagem, sobretudo nas mídias independentes.

256 As representações levam às formas de subjetividade,

sociabilidade, interações e agenciamentos diretos, afirmativos,

geradores de cidadania.

No que respeita às jornadas de junho, há uma

politização na internet, e não esqueçamos, esta é usada,

sobretudo, como ferramenta de cognição cognitiva conectada,

lugar de encontro que facilita a comunicação e processos

integrados de mobilização. A rua continua sendo o grande

lugar das manifestações de protestos, mas a internet também

passa a configurar uma ambiência factual, dinamizando os

protestos na rua.

A falta de foco por parte dos protestos urbanos é algo

incômodo; o seu sentido e direção são difusos; é preciso

encontrar o foco, mais articulação quanto ao alvo, pois a falta

de foco é sintoma de uma crise generalizada de confiança

institucional do país. A falta de foco ou todos os focos ao

mesmo tempo em vias de protestos podem confundir o caráter

reivindicador. Mas, ao mesmo passo, as jornadas de junho se

deram a partir de uma comoção (causada, sobretudo, pela

violência policial em SP).

As características de organização das manifestações de

junho as assemelham às características ciberativistas. Assim

257 como nas manifestações que ocorreram sem lideranças

organizadas e focos centralizados, no ciberativismo

ingressamos, igualmente, sem uma liderança preliminar. É

preciso reconhecer - insistimos - a ordem é fazer valer o direito

à voz, a representatividade de voz, à liberdade de expressão.

O uso das linguagens em rede, como forma de

representação ideológica de voz, especificamente o uso dos

memes, faz proliferar idéias e ideais como uma verdadeira

viralização, sobretudo nas redes sociais, em que o feedback e o

poder replicador são quase instantâneos. Metodologicamente,

destacamos alguns exemplos de memes dos protestos

relacionados às jornadas de manifestação de junho de 2013, no

Brasil, que posteriormente deverão servir como material

empírico para análise.

Sim, é pelos R$ 0,20 da passagem; Não é por R$ 0,20, é por direitos; Mãos ao alto! R$ 3,20 é um assalto; Somos os filhos da revolução. Acredite, não é só por R$ 0,20; R$ 3,20 só se for open bar R$ 0,20 toda revolução tem um estopim. Tá lindo, Brasil! R$ 3,20 só por teletransporte; "Acreditem" não é só por R$ 0,20”; Enfia os R$ 0,20 no SUS; Sem demagogia, R$ 0,20 foi o início da guerrilha!; Hoje busão, amanhã educação; Sim, é pelos R$ 0,20 das passagens; R$ 678 do salário mínimo; R$ 26.723,13 do salário de deputado e senador; R$ 30 bilhões da Copa; R$ 40 bilhões desviados; R$ 100 bilhões que faltam para a educação; R$ 300 bilhões que falta para a saúde #vamosmelhorar

258 Se é perigoso andar sem cinto no carro, por que temos que andar em pé no ônibus? (...) Ô, Haddad, que papelão, abraça o Maluf e aumenta o busão. (...) Ah, mas que vergonha, o busão tá mais caro que a maconha. (...) Não é mole não! Dormir com fome pra pagar a condução!(...) Ô, Fifa! Paga a minha tarifa!(...) Se a passagem não baixar, olê, olê, olá, eu vou protestar!(...) Foco na missão, contra o aumento do busão! (...) Haddad, seu bocó, o preço da passagem tá mais caro que o pó. (...) Catracas vão rolar!(...) Pula, sai do chão, contra o aumento do busão. (...) Vem pra rua, vem, contra o aumento A tarifa abaixou, mas o povo não calou. (...) País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde rico usa transporte público. (...) Governador, pode escolher, cai a tarifa ou cai você. (...) Se a tarifa não baixar, São Paulo vai parar. (...) Ô burguesia não se assuste não, é só um protesto contra o aumento do busão. (...) Transporte público pior que a Tim. Assim temos um repertório significativo dos discursos e

narrativas dos atores sociais, em nível minimalista, microfísico,

espontâneo e diversificado, constituído pelos memes em

circulação na midiosfera das redes, que revela a forma e o

sentido das manifestações recentes. Consiste em uma nova

linguagem qu traduz as formas da indignação e o protesto das

massas, em um contexto de comunicação pós-massiva.

Considerações finais

Mesmo com sistemas de comunicação e informação

tradicionais, “reputados” pelo padrão de qualidade, a sociedade

brasileira parece não fazer parte do processo de construção da

informação, assim como do processo de tomada de decisões. O

259 sentimento geral dos telespectadores, consumidores, cidadãos,

parece ser um mal-estar pelo fato de permanecer em posição

passiva, como parte integrante do circuito da mercadoria

midiática. Então, o ativismo midiático surge como tentativa de

‘apropriação’ de conteúdos transmitidos pelos conglomerados

midiáticos tradicionais, com o objetivo de reconfiguração

dessas informações, com as devidas contextualizações e

críticas sobre a mensagem inicial.

Com o surgimento de uma mídia alternativa, há novas

nuances no que se refere à produção de conteúdos, recriação

linguagens, modos de circulação, distribuição, consumo e

compartilhamento dos conteúdos. A partir da interatividade

gerada pelas tecnologias midiáticas colaborativas, surge o

ativismo midiático no ciberespaço, ou ciberativismo,

atualizando o processo de lutas pelo direito à liberdade de

expressão, bem como de representatividade de voz.

As manifestações ocorridas no Brasil, em junho de

2013, apresentam um caráter análogo (de “organização” social)

ao ciberativismo. Talvez, por essa simbiose, a sociedade

“organizada”, mas livre de lideranças, com anseios multifocais

tenha se identificado com o espaço virtual, não apenas como

instrumento de mobilização, mas entendendo o espaço

260 configurado com ambiência factual, e agora sim, colocando à

disposição dos ativistas, ferramentas de mobilização. Essas

ferramentas detêm seus poderes conforme podemos depreender

analisando as suas manifestações sob a forma de uma nova

linguagem, elaborada, construída e escolhida para atingir

objetivos determinados. Neste trabalho, com a devida

contextualização situacional, seguimos os rastros da linguagem

dos memes, como representações ideológicas de voz, de

expressão; ainda não se faz aqui uma análise. Entretanto,

procuramos mapear elementos, determinar um corpus empírico

à guisa de interpretação.

Para entender se esse fenômeno que se manifestou de

forma viral se deu a partir da inteligência das multidões,

mediante a escolha dessa linguagem de forma estratégica, é

preciso aprofundar algumas análises. Por enquanto

pressupomos que é importante dar voz e significados a esses

modelos de representação, concretizados através do memes das

redes sociais, pois estão atrelados fortemente aos

agenciamentos orgânicos e presenciais, e dão continuidade ao

processo sociocultural, cognitivo e político que se dá de forma

histórica e natural, nas ruas das grandes cidades.

261 Referências

ADYA, G; SIMONE, J; TARGINO, M. Midia e violência: dicotomia entre ética e prática jornalística. Revista de informação. Out./2013. Disponível em: http://migre.me/jH3V4. Acesso em: 08.06.2014 BLACKMORE, Suzan. O poder do meme. The Skeptic, EUA, 1997. Disponível em: < http://migre.me/jHWA5 >. Acesso em: 06.08.2013. FABIANO, Carlos de Souza. Memes: Formações discursivas que ecoam no ciberespaço. Vertice, v. 15, n. 1, 2013. Disponível em: http://migre.me/jH43h. Acesso em 31 de Jul. 2013. JOSE, Felipe de Xavier Pereira; PAOLEILLO, Francisco Jose. A subversão anônima: O Hackerativismo e a cultura da convergência. Atas do XVII Congresso da INTERCOM, 2012, Ouro Preto – MG. Disponível em: http://migre.me/jH46G. Acesso em: 08.06.2014. TAVERNARI, Mariana. Modelos de protagonismo e deslizamentos narrativos em memes na internet. INTERCOM, XXXVI, 2013, Manaus – AM. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/sis/2013/resumos/R8-1213-1.pdf>. Acesso em 01 de ago. 2013. TOLEDO, Leal Gustavo. Sobre a possibilidade de uma ciência dos memes. PUC – Rio de Janeiro. Revista Atler, n° 8, 2007. Disponível em: http://migre.me/jH4h0. Acesso em: 08.06.2014

262 A Revolta do Vinagre: Humor nos Protestos do Brasil

Andréa MESQUITA115

Joana BELARMINO Introdução

É comum ouvir em várias camadas sociais que o

“brasileiro é acomodado” e que aqui “tudo se resolve com

jeitinho”. No entanto, a história do Brasil tem registrado

importantes acontecimentos mostrando que “a paciência do

brasileiro tem um limite”. No século XX, a tolerância dos

brasileiros foi posta à prova e o resultado foi uma explosão de

grandes manifestações políticas que reuniram grandes

multidões no Brasil.

O marco inicial desses movimentos populares foi em

1940 com Revolta da Vacina, em que a população se rebelou

ante a obrigatoriedade da vacinação contra varíola. Na década

seguinte, com suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, a

população se revolta após a publicação da "carta-testamento"

de Getúlio, criticando seus opositores. Logo se instaurou um

clima de comoção popular, levando cerca três milhões de

pessoas às ruas do país. Em 1964, a “Marcha da Família” e a 115 Mestrando do Curso de Jornalismo Profissional da UFPB, email: [email protected]

263 “Marcha da Vitória” expressam o vigor das manifestações

populares na década de 60. Em 19 de março de 1964,

reuniram-se em São Paulo quase 500 mil pessoas na “Marcha

da Família”, um protesto contra o presidente João Goulart.

Poucos dias depois ele foi deposto e, em 2 de abril do mesmo

ano, cerca de 1 milhão de pessoas participaram, no Rio, da

“Marcha da Vitória” para saudar a queda de Goulart. Nos anos

80, mais um movimento popular, desta vez, o povo foi às ruas

para exigir eleições diretas para presidente da República. Em

1984, a grande bandeira era “Diretas Já”, movimento que

clamava pela redemocratização do país pós-golpe militar de

1964. As duas maiores concentrações ocorreram em abril, na

Candelária, no Rio, cerca de um milhão de pessoas e no Vale

do Anhangabaú, em São Paulo, o número estimado chegou a

1,5 milhão. No início da década de noventa, após uma série de

denúncias de corrupção, os “cheques fantasmas” assombraram

o Palácio do Planalto. As denúncias, envolvendo do Presidente

Fernando Collor e seu ex-tesoureiro de campanha, levaram os

“caras pintadas” às ruas de todo o país para exigir o

Impeachment do Presidente Collor.

O sistema dominante sempre teve o privilégio de ocupar

os espaços de comunicação para “explicar” à população suas

razões e apresentar propostas para apaziguar os ânimos. Em

264 revanche, à população só restava a manifestação. Ir às ruas,

levar bandeiras e reivindicações. Porém, faltavam os

instrumentos para efetivamente arregimentar os cidadãos e

tornar as manifestações representativas.

Atualmente, esses instrumentos estão na palma da mão

das crianças e adultos, manifestantes jovens e veteranos. À

disposição de todas as classes sociais, os instrumentos estão

disponibilizados pelas redes de várias mídias sociais. Hoje,

todos podem criar seus blogs, sites e perfis no Facebook.

As redes sociais digitais podem eleger e derrubar

governos e enfrentar regimes opressores, assim como, abrir as

portas do Palácio da Alvorada e do Congresso Nacional para

forçar o atendimento das reivindicações sociais. As

manifestações nas ruas exigem o reconhecimento dos direitos

fundamentais de todos os cidadãos (nas áreas de saúde,

educação, segurança pública, transporte, saneamento básico,

transporte público, moradia e emprego).

A primeira grande manifestação do século XXI no

Brasil foi convocada pelas redes sociais. A manifestação

explodiu da insatisfação diante do aumento das tarifas do

transporte público da cidade de São Paulo. Os manifestantes

ocuparam a Avenida Paulista, em 17 de junho de 2013, e

exigiram a revogação do aumento das tarifas. Esta data já

265 entrou para a história das lutas sociais. As ruas das principais

cidades do país tornaram-se cenários de manifestações que

excederam o protesto contra o aumento do valor da passagem

de ônibus, pois eram contra a corrupção dos políticos e

empresários desonestos, contra os altos gastos com a Copa do

Mundo, etc.

Este cenário de mobilização tem sido o palco para a

expressão da irreverência do povo brasileiro, por meio de

protestos bem humorados, irônicos e provocativos contra os

poderes hegemônicos do Estado e do Capital, os abismos e as

mazelas sociais.

Seguindo esta vertente humorística, o movimento, que

teve origem na série de passeatas contra os problemas dos

sistemas de transporte em São Paulo, passou a ser chamado de

“Revolta do Vinagre”, devido à proibição do uso de vinagre

nos protestos. O produto, que supostamente minimiza os

efeitos do gás lacrimogêneo, se tornou símbolo do famigerado

episódio de abuso do poder e truculência policial, serviu de

inspiração para os manifestantes que abusaram da imaginação,

para traduzir de modo irreverente a onda de manifestações que

vêm tomando conta do país.

266 Elementos para uma análise

Este trabalho apresenta uma seleção de publicações na

internet e postagens no Facebook que usam o humor para

demonstrar a insatisfação social diante do desprezo da classe

política, que ignora os reais problemas da sociedade brasileira.

O enfoque da pesquisa limita-se às postagens relacionadas com

a “Revolta do Vinagre”, como ficaram conhecidas as

manifestações do Brasil iniciadas em junho de 2013.

A “Revolta do Vinagre” ganhou as redes sociais e sites

de compartilhamento de conteúdo. E como não há limites para

o bom humor do brasileiro, foi criado, no Facebook, o evento

“Marcha pela Legalização do Vinagre” (Fig. 1), que já reúne

quase 30 mil confirmações de presença. Assim, no ciberespaço,

“manifestantes” fazem enquetes bem humoradas e postam

charges e fotos relacionadas aos protestos, e sempre referindo

ironicamente o vinagre como uma droga ilícita.

267

Fig.1

O vinagre ganhou fama do dia para a noite. O termo,

após ser um dos mais procurados no Google, entrou para a lista

do Wikipédia que tratou de registrar o verbete, “Revolta do

Vinagre” (Fig. 2), com a seguinte definição:

Os protestos no Brasil em 2013 são várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos das tarifas de transporte público, principalmente em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, mas que ganharam forte apoio popular depois da repressão violenta e desproporcional que foi promovida pelas policias militares estaduais contra as passeatas. (...) Os confrontos com a polícia levaram grande parte da população a apoiar as mobilizações e atos semelhantes rapidamente começaram a se proliferar em diversas cidades do Brasil e do exterior em apoio aos protestos, passando a abranger uma grande variedade de temas, como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má

268

qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional. (...) Em resposta às maiores manifestações populares realizadas no Brasil desde as mobilizações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo em 1992, o governo brasileiro anunciou várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes e o Congresso Nacional votou uma série de concessões, como ter tornado a corrupção como um crime hediondo, arquivado a chamada PEC 37 e proibido o voto secreto em votações para cassar o mandato de legisladores acusados de irregularidades. Houve também a revogação das tarifas nos transportes em várias cidades do país. As manifestações no Brasil seguem o mesmo processo de "propagação viral" de protestos em outros países, como a Primavera Árabe, Occupy Wall Street, nos Estados Unidos e Los Indignados, na Espanha.

Fig.2

Além do verbete do Wikipédia, foram feitos games em

alusão às manifestações. O jogo chamado“V de Vinagre” (Fig.

269 3) foi desenvolvido pala Flux Game Studio. Estrategicamente,

o jogador precisa fugir da polícia, que está tentando prendê-lo

por porte ilegal de vinagre. O game satiriza as prisões,

realizadas pela polícia de São Paulo, dos manifestantes

portadores de vinagre durante a passeata. Episódio, que virou

chacota na internet e tem gerado os mais diversos tipos de

piadas e memes. O personagem do “V de Vinagre” é um

manifestante mascarado, inspirado no filme “V de Vingança”.

O jogador, além de fugir da polícia, deve pegar o maior

número de garrafas de vinagre para acumular pontos. E ao ser

pego, o manifestante leva uma surra e depois recebe uma

classificação de maconheiro, desocupado ou vagabundo.

Fig. 3

270

A criatividade irreverente do povo brasileiro cresce com

a mesma velocidade das manifestações. A prova disso é o mais

novo “viral” publicado no canal do YouTube, o vídeo

intitulado “Reunião de Emergência”, (Fig. 4).

A epidemia dos protestos exigindo a revogação do

aumento das tarifas e a frase "não é só pelos 20 centavos"

espalhada por todo país, inspirou ao grupo de humor conhecido

como “Porta dos Fundos” a versão de uma suposta “Reunião de

Emergência” da “presidenta” do Brasil, com sua base de apoio.

Na reunião a “presidenta” chama a atenção dos presentes para a

necessidade de reduzir a roubalheira, dando um “tempo para o

povo se dispersar”, já que “em um mês”, ressalta, “tudo voltará

a ser como antes”, com o “Campeonato Brasileiro, Big

Brother...”. Os companheiros se revoltam, justificando o

comprometimento do dinheiro com a Copa do Mundo,

pagamento aos banqueiros e até despesas com "jatinho".

271

Em nenhum momento o vídeo faz referência ao nome

da Presidente, no entanto, o nível do diálogo de quem comanda

a reunião e a fala dos interlocutores não deixa dúvida que se

trata de uma referência a uma reunião política do alto escalão

do Governo Federal. A atriz com semblante ríspido e vestindo

terninho cor de rosa entra na sala de reunião (Fig.5) e

solenemente anuncia: "Bom, pessoal, chamei vocês aqui

porque a situação chegou num nível que a gente vai ter que

tomar uma atitude: a gente vai ter que... roubar menos.” “Como

assim roubar menos, presidenta?”, indaga um dos

companheiros. “Diminuir a roubalheira, por uns dois meses

pelo menos”, responde ela.

O vídeo já nas primeiras horas de exibição alcançou a

marca de 167 mil visualizações. Com muita ironia, mostra os

políticos assombrados e incrédulos com a motivação da

reunião. “Não dá para parar de roubar assim, do nada”,

Fig. 4

272 argumentou um deles. E a presidente responde irritada: “Eu

não falei parar, eu falei para diminuir o ímpeto”. Os ministros

não querem acreditar no que estão ouvindo. Mediante o

desespero dos companheiros, a presidente tenta argumentar:

“Gente, é só um corte de 20%”, e imediatamente é

interrompida: “Não é só pelos 20. É pelo que representa

moralmente!”.

O vídeo mostra uma visão do grupo sobre um dos

maiores problemas da política no Brasil: a corrupção. A

mensagem final indica quem está por trás das decisões do

governo do Brasil. Assim, após aceitarem estrategicamente a

diminuição dos “ganhos”, surgiu à pergunta que não quis calar:

“E quem é que vai falar pro Lula?”

Fig.5

273

Os episódios humorísticos que envolvem a “famosa”

Revolta do Vinagre também ganharam espaço nas redes

sociais. O Facebook, por exemplo, serviu de mural para

cartazes e faixas que mostram toda criatividade da nação

cansada dos abusos políticos. Os manifestantes chamam a

atenção aos protestos sem deixar de lado a seriedade e o foco

do movimento.

A seguir vamos conhecer as cinco postagens campeãs

de compartilhamentos retiradas do perfil pessoal do Facebook

do pesquisador, o qual possui um universo de apenas 100

contatos. O critério utilizado para selecionar as publicações foi

a relação com humor e o maior número de compartilhamentos.

Somando um total de 35.959 compartilhamentos, o

primeiro lugar no ranking de compartilhamento foi postagem

no perfil de Carol Barbosa, (Fig. 6) publicada em 20 de junho.

A publicação exibe um manifestante, de cara pintada com as

cores da bandeira do Brasil, e com uma máscara, que

acompanha o protesto portando um cartaz com a frase: “spray

de pimenta em baiano é tempero”. Nessa mensagem, carregada

de ironia, o manifestante mostra que continuará nas ruas

mesmo com a ação violente, da polícia, para dispersar os

manifestantes com o uso spray de pimenta e bombas de gás

lacrimogêneo. Assim como, apela para que os manifestantes

274 não se deixem intimidar pela reação truculenta de quem é

remunerado para proteger os cidadãos.

Fig. 6

O segundo lugar ficou para postagem no perfil “Humor

Inteligente” (Fig. 7), publicada em 20 de junho, que obteve

24.684 compartilhamentos. A publicação é uma charge com o

desenho de um gigante que se levanta do chão, por traz de uma

cidade. O gigante está pintado com as cores da bandeira

nacional e dividido em reivindicações populares e não com os

estados da federação. Na cabeça do gigante, a frase “20

centavos”, representa a reivindicação que deu início às ondas

de manifestações. A redução das tarifas de transporte público

275 da cidade de São Paulo. Aos pés do gigante, a imagem de uma

cidade que sente a falta de serviços básicos para a população.

A legenda da figura é uma indagação, “Será que agora

certas emissoras irão entender o motivo de irmos à rua?”. A

charge relata o despertar do povo brasileiro, antes adormecido

em meios aos descasos do governo. As motivações das

manifestações estão explicitas no corpo do gigante, que teve

inicio devido ao aumento abusivo das passagens de ônibus. O

grito das ruas foi tão alto que acordou o “gigante” e o

despertou para os problemas cruciais da população. A frase,

“20 centavos”, saindo da cabeça, representa a voz dos

brasileiros esclarecendo aos políticos que o motivo das

manifestações não é mais pelo aumento abusivo das passagens

de ônibus. Os “20 centavos” se transformaram em uma causa

histórica, que envolve o modelo político do país. Para

finalizar, a frase “Será que agora certas emissoras irão entender

o motivo de irmos à rua?" é uma crítica ao posicionamento da

imprensa (em especial a Rede Globo, pois fez-se questão de

frisar “certas emissoras”), por ocultar, num primeiro momento,

os verdadeiros motivos das manifestações, ao mesmo tempo

que apela para “manifestações pacíficas” como quem diga

“falem, gritem, vão as ruas” mas com nossa autorização.

276

Fig. 7

A medalha de bronze ficou com a postagem do perfil

“Sorrindo pra Vida” (Fig.8), publicada em 20 de junho, com

16.315 compartilhamentos. A charge mostra caricaturas do ex-

presidente Lula e da “Presidenta” Dilma Roussef. Eles estão

montados em uma motocicleta fugindo dos protestos. A

chamada da charge é a frase “Acelera Lula o povo Brasileiro

acordou”. Em nossa visão, a charge pode ser relacionada com

frase do ex-presidente “Nunca na história deste País”... A frase

antecede freqüentemente justificativas das atitudes do ex-

277 presidente e da atual. Na postagem, os dois fogem das

reinvindicações da população. Eles descobrem que a povo

começa a enxergar que nunca, na história deste país, se viu

tanta desfaçatez, corrupção, violência, descaso com a educação

e saúde pública. E, nunca na história deste país se viu tantos

programas oficiais de “compra de voto” tão descarados como a

Bolsa Família, Bolsa Escola, “Vale Gás”, “Vale Pão”, “Vale

Leite” e vale tudo para fugir para a Etiópia e ficar de costa para

o Brasil.

Com 15.858 compartilhamentos, a postagem no perfil

“Humor Inteligente” (Fig. 9), publicada em 20 de junho, ficou

com o quarto lugar da classificação. A publicação é um cartaz,

afixado em um poste que se encontra no percurso de uma

manifestação, que trás a frase “Se é perigoso ficar sem cinto no

carro, porque temos que andar em pé no ônibus? A indagação

Fig. 8

278 chama atenção de um assessório de segurança que pode evitar

algumas tragédias nos veículos particulares e ao mesmo tempo

questiona como é possível proteger os usuários do transporte

público se não lhes é dado nem o direito de viajar sentado. A

postagem chama a atenção do país para a situação da segurança

no transporte público. O número de acidentes com mortes nos

transportes urbanos é significativo. As condições do transporte

coletivo no Brasil é uma tragédia anunciada, representada pelos

ônibus sucateados, frota insuficiente, superlotação. É

verdadeiro desrespeito a vida.

Fig. 9

O quinto lugar entre as postagens mais visitadas está no

perfil “Humor Inteligente” (Fig. 10), publicada em 22 de junho,

279 com 13.607 compartilhamentos. O cartaz é uma janela de erro

de computador. A mensagem traz a frase “Reiniciar o Brasil

agora? A indagação chama a atenção para a necessidade de se

reconstruir Brasil. A mensagem de erro no sistema, em

“computanês”, deixa qualquer usuário irritado porque trava o

computador. Em geral, o computador quando trava precisa ser

reiniciado e em diversas ocasiões parte ou todo trabalho que

estava sendo executado precisa ser refeito. E é essa a impressão

que se tem da situação política e administrativa do Brasil. Está

tudo travado pelo descompasso dos políticos e governantes

com as necessidades da população. É o presidente do Senado

viajando de avião da FAB para assistir casamento de amigos. É

presidente da Câmara dos deputados viajando com amigos de

avião da FAB para ver jogo no Maracanã. O ex-presidente Lula

que corre do SUS e se interna no Hospital Sírio-Libanês. A

“Presidenta” pagando R$ 3.125,00 para se maquiar e falar aos

“brasileiros e brasileiras” (publicado na Folha, em 27 de

junho). Ora, se as autoridades que estão expostas a mídia todos

os dias gastam o dinheiro dos nossos impostos sem nenhum

critério. O Brasil está travado e precisa ser reinicializado. Com

uma classe política compromissado com as demandas da

sociedade. Com qualidade nos serviços públicos de saúde,

280 educação, saneamento básico, segurança e transportes. Essas

são as reivindicações da população nas ruas.

Fig. 10

É nesse tom bem humorado, orquestrado por milhares

de mentes críticas e irreverentes, que os manifestantes têm

conseguido chamar a atenção, reunir pessoas, angariar simpatia

e apoio da sociedade na luta por melhores condições de vida.

O estudo tratou do uso do humor na manifestação

denominada Revolta do Vinagre. Inicialmente, foi feito um

extrato das principais manifestações populares que ocorreram

no país no século XX. Em comum, foi constatado que essas

manifestações são motivadas pela insatisfação do povo com

ações ou falta de ações dos governos.

281

A navegação pelas redes sociais deixou claro que na

Revolta do Vinagre, o humor foi uma arma eficiente para

disseminar pensamentos e alertar a sociedade da urgência de se

mudar o atual modelo político do país. As redes sociais foram

utilizadas para postagem de jogos, vídeos, cartazes, frases e

eventos que marcaram a presença do humor, como elemento

catalisador, nestas manifestações.

Na pesquisa fez-se um recorte e analisou as 05 (cinco)

postagens mais populares que marcaram a Revolta do Vinagre,

publicadas no perfil do Facebook do pesquisador. Essas

postagens vistas por milhares de pessoas tinham em comum o

tom do humor e ironia e mostram como este gênero foi usado

de maneira extremamente eficiente na comunicação, na

mobilização e principalmente para despertar a sociedade para

os problemas do Brasil.

Ficou evidente que o humor, utilizado como

instrumento disseminador de ideais, serviu de alerta, a esse

povo sofrido, da urgência de se mudar o atual modelo político

do país. Modelo este que, segundo as publicações analisadas,

se encontra contaminado por uma “doença crônica e

contagiosa” chamada “corrupção”. E a “Revolta do Vinagre”

foi a senha para o “gigante acordar”.

282 Referências CLICK JOGOS. V de Vinagre. Disponível em: http://migre.me/jH1Sx. Acesso em: 22.06.2013. FACEBOOK. Perfil de Carol Barbosa. Disponível em: http://migre.me/jH2cx. Acesso: 01.06. 2013. FACEBOOK Perfil Humor Inteligente. Disponível em: http://migre.me/jH2As. Acesso: 01.06.2013. FACEBOOK. Perfil Humor Inteligente. Disponível em: http://migre.me/jH385. Acesso: 01.06.2013. FACEBOOK Perfil Humor Inteligente. Disponível em: http://migre.me/jH3ev. Acesso: 01.06.2013. FACEBOOK. Marcha pela legalização do vinagre. Disponível: http://migre.me/jH3iU. 01.06.2013. Protestos no Brasil em 2013. In: Wikipedia. Disponível: http://migre.me/jH3y4. Acesso: 08.06.2014 YOUTUBE. Reunião de emergência. Disponível em: http://migre.me/jH3FC. Acesso: 08.06.2014.

283 Jornalismo e transmídia: estratégias para um debate

Valter B. de ARAÚJO116 Joana BERLAMINO

Introdução

A proposta deste artigo é disponibilizar teorias sobre

transmídia e jornalismo e também levantar procedimentos que

instiguem debates quanto à narrativa transmidiática da

imprensa aos protestos dos milhares de jovens nas ruas dos

principais centros brasileiros (Revista Exame Online,

27/07/2013). Com o estudo busca-se também respostas a

indagações como: durante os protestos, quais meios de

comunicação convergiram, qual veículo foi mais importante na

narrativa transmidiática?

Analisando transmídia observa-se que muitas vezes esta

é confundida como uma simples estratégia de Marketing.

Entretanto, acompanha: a criação de novos dispositivos, os

quais são estruturados por uma mesma tecnologia, a

Tecnologia Digital; uma Cultura da Convergência, na qual os

116 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Mestrado Profissional em Jornalismo, PPJ/UFPB; Email: [email protected].

284 interatores se engajam nestes distintos meios para procurarem

mais informações a respeito de uma determinada história.

Por terem os protestos reconfirmado que “os fatos

podem se tornar narrativas transmidiáticas no futuro, caso os

usuários decidam fazer uma nave-mãe de alguma notícia que

teve grande repercussão”, como ressalta Tavares e

Mascarenhas (2013), esta tem sido também, a razão que nos

leva a fazer da narrativa transmidiática, nos momentos de

protestos nas ruas dos principais centros urbanos brasileiros,

nosso objeto de pesquisa, considerando, entretanto, de forma

específica, conceitos que lhes fazem referência, a exemplo:

“O que define efetivamente a narrativa transmidiática é o seu desenvolvimento em vários suportes eletrônicos, em textos que vão se expandindo com as diversas contribuições dos usuários/interatores. E que a narrativa transmidiática se fundamenta sobre os mesmos pilares da narrativa tradicional, no sentido de privilegiar o universo ficcional mesmo que ele tenha origem em acontecimentos reais. Ou seja, várias leituras da realidade podem ser reproduzidas pela ficção eletrônica, como fazem as telenovelas, as minisséries, os filmes” (2013, p.202).

Os manifestos contra a baixa qualidade dos serviços

públicos e corrupção, entre outros temas foram registrados de

285 forma muito presente pelos veículos de comunicação, os quais

fizeram uso da narrativa transmídia e jornalismo, conforme se

registra o exemplo extraído Revista Exame (27/07/2013) que,

ao fazer referência a primeira menção direta do Papa Francisco

aos protestos nos Brasil, apresenta link com fins de transmídia

ao fim da notícia.

Papa pede diálogo para fim de protestos Em discurso aos líderes culturais e empresariais do Brasil, Francisco disse que o diálogo construtivo é “fundamental para enfrentar o presente”. Rio de Janeiro – O Papa Francisco afirmou neste sábado que os líderes devem trabalhar sobre as questões levantadas pelos protestos no Brasil e pediu aos padres de todo o mundo que deixem sua zona de conforto para servir os mais pobres e necessitados. (...) Em discurso aos líderes culturais e empresariais do Brasil no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Francisco disse que o diálogo construtivo é "fundamental para enfrentar o presente", em sua primeira menção direta aos protestos. (...) Em junho, milhares de manifestantes tomaram as ruas das principais cidades do país para protestar contra a baixa qualidade dos serviços públicos e corrupção, entre outros temas. A maior parte dos manifestantes é composta por jovens. (Vide página EXAME.com. no Facebook).

286 Sabe-se, entretanto, que lançar mão de teorias sobre

transmídia e jornalismo faz-se, necessário buscar

embasamentos que ancorem este procedimento, hoje em dia,

tão comum. E, isto é possível por vias da contribuição advinda

da convergência, hipermídia e memória.

E, uma vez que a proposta central deste artigo é

apresentar procedimentos teóricos, voltados à narrativa

transmídia e jornalismo foi feito neste sentido, apropriações de

conceitos e algumas considerações importantes. Conforme

ressalta Soares e Martins (2011) “três aportes conceituais (as

noções de convergência, hipermídia e memória), servem de

suporte para tentarmos compreender como as narrativas

crosmídia e transmídia potencializadas graças à internet,

podem ser interessantes aparatos para se pensar o

webjornalismo e a possibilidade de novas maneiras de

construção noticiosa”. Este conceito apresenta-se em principio,

mas outras considerações nesta linha, são também registradas

neste estudo, conforme se segue:

Para os pesquisadores Antikainen et al, (2004), a

“convergência pode ser percebida nos conteúdos, nos

dispositivos terminais e nos sistemas de rede.” Na

comunicação costuma-se falar da convergência como sinônimo

da aglutinação de dispositivos aproximando-se à noção de

287 multimídia ou “multimeios” (SANTAELLA 2003), ou seja, ter

numa mesma ferramenta ou espaço, a aglutinação de várias

disposições midiáticas a exemplo de imagens, textos, vídeos,

link, etc. Neste caso, percebe-se que a internet se apresenta

como o ambiente que melhor se adéqua a esta incorporação e

aceitação a convergência de conteúdo. Esse fato é também

defendido por Soares e Martins (2011 p.152) ao afirmarem:

“A convergência de conteúdo, que tem a ver com a transposição de arquivos de um meio para outro, majoritariamente, do impresso, do rádio e da TV para a web. Como a convergência de conteúdo se tornou bastante comum entre os meios de comunicação, observa-se que o universo de práticas dos jornalistas acabou incorporando uma série de maneirismos e disposições desta natureza”.

A hipermídia – ou hipertexto – se refere a um espaço

que interliga textos por meio de elos associativos que

promovem uma navegação não-linear (ou alinear),

descentralizada e rizomática (FERRARI, 2007; LEMOS 2007;

SANTAELLA 2003 e 2007). Através do hiperlink, podemos

“interligar qualquer ‘documento’ (arquivo) da web, sejam estes

animações, vídeos, sons, gráficos, fotos ou páginas HTML

288 (virtuais)” (MOARGNOLIN, PEREIRA e SILVA, apud

PINHO 2003, P. 146).

O hipertexto nos traz uma pré-definição de fontes,

imagens, textos, além de possibilidades de entendimento de um

tema (FERRARI, 2007). É bom lembramos que eles são

predefinidos, como um norteador que indica “as rotas de

navegação do usuário“ (SANTAELLA, 2003).

E, finalmente, a memória. É importante observar que o

uso da memória no jornalismo não é específico da web, mas é

nesse meio que é armazenada e utilizada, mais fácil e

rapidamente. Pode-se perceber, em outros veículos, a memória

como artefato discursivo: na TV, com vídeos de reportagens já

exibidas ou produzidas anteriormente: no jornal impresso, com

a reutilização de fotos produzidas para outras notícias, entre

diversos outros exemplos.

289

Fonte: Google imagens

Ao levantar procedimentos sobre a narrativa

transmidiática observa-se que o surgimento foi preciso,

inclusive em relação à crossmídia. O pesquisador Jenkins

(2008) nomeou algo que já acontecia, mas que ainda não havia

sido estudado de forma sistemática. Segundo ele, a narrativa

transmidiática refere-se a uma nova estética que surgiu em

resposta à convergência das mídias – uma estética que faz

novas exigências aos consumidores e depende da participação

ativa de comunidades do conhecimento. Sendo mais explícito,

na transmídia, percebe-se, através de várias mídias, os

desdobramentos de uma temática. O autor ainda reafirma que

“uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos

suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de

290 maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de

narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor”

(JENKINS, 2008, p. 135).

Entretanto, um produto transmídia possibilita o

consumo, mesmo que o expectador não seja fã, ou melhor

“cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja

necessário ver o filme para gostar do game e vice-versa. Cada

produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um

todo” (JENKINS, 2008, p. 135). Portanto, é importante

esclarecer que, se um meio não traz complemento para o

produto de outra mídia, não existe, neste caso, narrativa de

transmídia, pois não há ampliação do tema ou assunto. Por

exemplo, quando...

Hollywood age como se tivesse apenas de proporcionar mais do mesmo, imprimindo um logotipo de Jornada nas Estrelas [Star Trek] (1966) em um monte de bugigangas. Na realidade, o público quer que o novo trabalho ofereça novos insights e novas experiências (JENKINS, 2008, p. 146).

Também se observa que “o conceito de transmídia

como ampliação, desdobramento ou mesmo complementação

de um assunto, esse estilo de narrativa se enquadra no âmbito

jornalístico. Ao contrário da crossmídia, que ensaia estudos no

291 jornalismo, a transmídia não possui o mesmo destaque na

área”, (SOARES e MARTINS, 2011). E, mesmo que a web

não seja primordial para a transmídia, ela parece ganhar mais

evidência neste meio; com as novas configurações da web,

entra em cena um espaço maior para publicação e longe das

amarras temporais, como o fechamento. O fato é que uma

matéria publicada em um meio pode ganhar contornos e

desdobramentos em outros. Quando um conteúdo transposto

traz hiperlinks para matérias mais antigas, esse fenômeno se

perfaz como narrativa transmidiática, pois há uma ampliação

da temática inicialmente abordada em outro meio. Ainda assim,

esses desdobramentos podem ocorrer de maneira mais tácita,

sem a publicidade do meio (crossmídia) e sem a característica

da convergência. Portanto, se definirmos transmídia como

ampliação, desdobramento ou mesmo complementação de um

assunto através de mais de uma mídia, essa narrativa se

enquadra no âmbito jornalístico, sobretudo na internet.

Percebe-se então, que no webjornalismo, a transmídia

pode ocorrer aliada à convergência dos materiais, valendo-se

de outras de suas características do meio, como a memória e a

hipermídia (MIELNICZUK, 2003; PALACIOS, 2002, 2003).

Johnson (2001, p.92) aponta que “o mundo online propicia

recursos que ajudam a sustentar a programação mais complexa

292 em outros meios de comunicação”. Como observa Soares e

Martins (2011) quando um conteúdo transposto (convergência)

traz hiperlinks para matérias mais antigas (memória), esse

fenômeno trata-se de uma narrativa transmidiática, pois há uma

ampliação da temática abordada antes em outro meio.

Fonte: Google imagens

Portanto, “se uma notícia tiver sido convergida de outro

meio para a web e trouxer links para outros textos, essa

ampliação de abordagens é considerada uma narrativa

transmidiática”. Os atos de protestos no Brasil ocorridos em

2013 exemplificam esta teoria (Revista Exame, 27/07/2013).

293

Também ressalta o autor Henry Jenkins (2008, p. 135),

que “uma história transmidiática se desenrola através de

múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto

contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. Assim,

plataformas de funções diferentes em sinergia trabalham

ambientes imersivos. Para o autor, uma narrativa

transmidiática, refere-se a uma nova estética que surgiu em

resposta à convergência das mídias – uma estética que faz

novas exigências dos consumidores e depende da participação

ativa de comunidades de conhecimento. “A narrativa

transmidiática é a arte da criação de um universo” (Jenkins,

2008, p. 47).

O entrelaçamento criado tanto pela crossmídia e

transmídia quanto pela aliança da convergência, memória e

hipermídia não torna necessariamente o conteúdo mais crítico.

Essas estratégias construtivas aumentam a polifonia, ampliam

uma temática abordada, atravessando até transversalmente

mais uma mídia. Esse alargamento do assunto pode acontecer

de maneira intratextual (direcionando as indicações para a

própria empresa) e para fora dela (intertextual). Além do mais,

essas informações adicionais possibilitam ao jornalista dispor

de uma pluralidade de visões no texto, desde as apreciações

294 oficiais (órgãos públicos, políticos, assessores, etc.) até as

alternativas, como blogs, sites independentes, entre outros.

E, como observa Tavares e Mascarenhas (2013) “O

jornalismo tem grande potencial transmídia, mas não o tem

para desenvolver narrativas como as ficcionais, fazendo uso

maior da convergência e de transmidiações sem

necessariamente possuir uma estrutura narrativa”.

Fonte: G1.com

Por essa razão, surge a cultura da participação (Shirky,

2011) que está na base das relações das gerações digitais

formadas nas redes sociais. E, no jornalismo, as ferramentas

que mais têm atendido a essa proposta são o Twitter e o

Facebook, que têm modificado a forma de divulgação das

295 notícias, reconfigurando o conteúdo, mostrando os novos

papéis adotados pelos jornalistas. Por outro lado, a web tem se

tornado o espaço privilegiado de participação nos universos de

produtos culturais como os filmes de George Lucas.

Henry Jenkins trata da história das produções artísticas

entre cultura tradicional, cultura de massa e cultura da

convergência. Para o autor, a cultura da convergência estaria

resgatando e transformando o papel da participação “popular”,

relegado durante o século XX com a mídia de massa. O autor

defende que a produção cultural sempre se baseia em algo já

produzido em maior ou menor grau. Leis e aparatos das

grandes corporações ignoram este fato ao rechaçar a

reapropriação feitas pelos usuários através de fan fictions, por

exemplo.

Esses novos compartilhamentos, promovidos através

das mídias sociais, que estão mudando também as relações

jornalísticas, impondo-lhes novas configurações, ainda estão

em fase embrionárias. Todavia, já estão em definitivo no

cotidiano da sociedade.

Finalizando, as teorias aqui expostas, dão margem às

seguintes afirmativas quanto à postura transmidiática da

imprensa, aos recentes protestos dos milhares de jovens nas

ruas dos principais centros brasileiros: tendo em vista a

296 facilidade de acesso, a instantaneidade em se passar a

informação, utilizando-se dos mais diversos dispositivos,

como, celulares, smarts fones, tablets, entre outros, a internet,

por meio das redes sociais, foi sem sombra de dúvida, o

veiculo que mais contribuiu na promoção da convergência,

com jornais impressos, revistas, rádio e televisão, na narrativa

transmidiática, entre outros veículos de comunicação.

Referências ABREU, J; BRANCO, V. A convergência TV-web; motivações e modelos, In: BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação. Covilhã, Portugal, 1999. Disponível em: http://migre.me/jH1t4. Acesso em: 15/07/2013. AGUIAR, L; MARTINS, A. Convergência e transmídia nos debates dos candidatos a governador da Paraíba: A Rede Paraíba de Comunicação nas Eleições 2010. In: IV Simpósio Nacional ABCiber, Rio de Janeiro 2010. Disponível em: http://migre.me/jH1oI. Acesso em: 15/07/2013. ANTIKAINEN, Hannele; KANGAS, Sonja; VAINIKAINEN, Sari, Three views on mobile cross media entertainment. In: VTT Information Technology, Research Report, 2004. Disponível em: http://migre.me/jH1lC. Acesso em: 18/07/2013. BATISTA, Rodrigo. A cibernotícia como reconfiguração da atividade jornalística no ciberespaço. In: NUNES, Pedro (Org.). Mídias digitais & interatividade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009, p 233-254.

297 CANAVILHAS, João, A internet como memória. In: BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, Portugal, 2004. Disponível em: <http://migre.me/jH0r0>. Acesso em 18/07/2013. CORREIA, Danilo; FILGUEIRAS, Lúcia, Introdução à mídia cruzada. In: Grupo de Estudos em interação do LTS, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: http://migre.me/jH0f8. Acesso em: 21/07/2013; FERRARI, Pollyana. A rizomática aventura da hipermídia. Uma análise da narrativa no ambiente digital. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2007. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. S. Paulo: Aleph, 2008. JOHNSON, S. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Zahar, 2001. LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2007. MIELNICZUK, Luciana. Jornalismo na web: Uma Contribuição para o estudo do formato da notícia na escrita hipertextual. Tese de Doutorado. Salvador, UFBA, 2003. Disponível em: http://migre.me/jGZBR. Acesso em: 08.06.2014. PALACIOS, Marcos. Jornalismo online, informação e memória: apontamentos para debate. In: Workshop de Jornalismo Online, 2002, Covilhã, Portugal. Disponível em: http://migre.me/jGZeB. Acesso: 29/07/2013. ____ “Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo online: o lugar da memória”. In: MACHADO, Elias & PALACIOS, Marcos (orgs.). Modelos do Jornalismo Digital. Salvador: Calandra, 2003. Disponível em: http://migre.me/jGYLb. Acesso em: 08.06.2014

298 PINHO, José. Jornalismo na internet: planejamento e produção da informação online. São Paulo: Summus, 2003. PAPA PEDE DIÁLOGO para fim de protestos no Brasil. In: Revista Exame Online, 27.07.2013. Disponível em: <http://migre.me/jGXOj>. Acesso em: 27/07/2013. SANTAELLA, L. Culturas e artes do pós-humano. Paullus, 2003. SHIRKY, Clay. A cultura da participação. Rio: Zahar, 2011. SOARES, Thiago e MARTINS, Allysson Viana, Entre convergências de meios e conteúdos: apontamentos sobre os conceitos de crossmídia e transmídia no webjornalismo. In: Interfaces Jornalísticas: ambiente, tecnologia e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. TAVARES, Olga, MASCARENHAS, Alan. Jornalismo e convergência: possibilidades transmidiáticas no jornalismo pós-massivo - Revista FAMECOS mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, v. 20, n. 1, pp. 193-210, jan./abr. 2013.

299 Mea Culpa e autorreferencialidade na cobertura dos protestos no Brasil

Rackel Cardoso Santos GUIMARÃES 117 Thiago Soares

Introdução: O gigante acordou e “balançou” o Brasil

Desde os “caras pintadas”, o Brasil não presenciava

uma cena como essa vivida em junho de 2013. Milhões de

brasileiros indo às ruas em diversas partes do país protestando

e “gritando” pelos seus direitos. O aumento de R$0,20 nas

passagens de ônibus coletivos urbanos em São Paulo foi o

estopim para a reunião de tantas pessoas nas ruas. Mas, “não

era só pelos vinte centavos”. A manifestação não tinha apenas

uma causa. A população clamava por um país mais justo, por

políticos honestos, por melhoras na qualidade de vida e no

serviço de saúde, educação e transporte, criticando os gastos

abusivos com a copa do mundo, contra a PEC 37, dentre tantos

outros descontentamentos e motivos para protestar.

As redes sociais na internet foram fundamentais para

esse acontecimento, pois através delas foi possível reunir

117 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Jornalismo - PPJ/ UFPB, email: [email protected].

300 multidões em praça pública, agendar horários e locais dos

protestos e mais pessoas, também conectadas, começaram

entender os motivos do movimento, compartilhar e aderir a ele.

Conscientizar as pessoas através dos meios eletrônicos online é

o que chamamos de ciberativismo, “- que nasce com a entrada

de ativistas na rede -, vem com uma proposta de

conscientização através da internet. Na maioria dos casos uma

movimentação que começa na internet e acaba nas ruas.”

(SANTOS, 2011. p. 3).

Para os ciberativistas o uso da internet é um meio de “driblar” os meios de comunicação tradicionais, que na maioria das vezes não oferecem espaço para que a opinião pública se manifeste. Com isso a rede se torna um espaço “público” em que os ativistas podem se manifestar, otimizando o impacto de suas idéias. (SANTOS, 2011. p. 3)

À frente das primeiras passeatas realizadas nesse

período no Brasil, estava o Movimento Passe Livre,

movimento social apartidário, formado por jovens, estudantes,

professores e pessoas que defendem a adoção da tarifa zero

para o transporte coletivo. Mas, a proporção que o evento

tomou, espalhando-se por todo o país, o deixou sem um

“cabeça” específico, o povo brasileiro tomou conta das ruas, ou

301 como eles preferiram dizer: “O Gigante Acordou” (frase muito

usada nas mobilizações online e presenciais).

Parte dos manifestantes aproveitou o momento para

externar sua revolta, e acabou vandalizando. Alguns grupos se

reuniram para quebrar vitrines de lojas, incendiar ônibus, fazer

pichações nas paredes de prédios públicos e cometer crimes.

Enquanto isso, o movimento seguia com sua luta nas ruas. A

polícia agiu com violência e bateu de frente com os vândalos

que também desafiava os policias.

A imprensa brasileira não poderia deixar de cobrir esse

evento histórico que mobilizou todo o país. Os primeiros dias

não foram fáceis. A generalização da mídia nas acusações de

vandalismo e as opiniões contrárias aos motivos da

manifestação levaram ao descontentamento dos ativistas e as

críticas nas redes sociais. A pressa por noticiar, analisar, sair na

frente do concorrente e acompanhar tudo o que se passava

pelas ruas fez com que vários “erros”118 fossem cometidos

durante a cobertura e muitos tiveram que se retratar e/ou mudar

o foco da cobertura. Sabendo os manifestantes que os

movimentos não tinham uma causa única, aproveitaram para

118 Neste caso, o uso da palavra erro se refere ao enquadramento que a mídia deu ao vandalismo no protesto, deixando de noticiar as principais causas da manifestação levando em conta apenas o aumento das passagens e, principalmente, generalizando os ativistas como vândalos.

302 tornar as “gafes” da cobertura jornalística nos primeiros dias do

movimento mais um motivo para protestar.

O que se viu nos primeiros dias dos protestos em São Paulo foi uma certa indiferença, carregada de desconfiança, tanto por grande parte da sociedade quanto pela imprensa, que aparentemente via as manifestações como um movimento que em nada se diferenciava de tantos outros já realizados na Cidade. Apenas no terceiro dia do protesto (11/6), quando houve violência de parte a parte, entre manifestantes e polícia, foi que a imprensa abraçou a cobertura com vigor. Ao dar manchetes aos estragos causados por malfeitores travestidos de manifestantes, generalizando as acusações, vários veículos foram alvo de críticas e protestos nas redes sociais. (SOARES, 2013).

Diante disso, analisaremos agora as “gafes” cometidas

por jornalistas, criticados pelos ativistas online e nas ruas.

Serão eles: o comentário de Arnaldo Jabor e as capas do jornal

Folha de São Paulo. Que exemplificam a “mea culpa” e o

“voltar atrás” e pedir desculpas do jornalismo frente às

demandas do público.

A viralização do comentário de Arnaldo Jabor Arnaldo Jabor é um conhecido jornalista, escritor e

cineasta brasileiro, comentarista no Jornal da Globo, telejornal

303 da rede Globo de televisão, além disso atua na rádio CBN, dois

grandes canais de comunicação do país com um bom número

de telespectadores e ouvintes.

No início dos protestos nas ruas de São Paulo, Jabor

teve seu espaço no Jornal da Globo (em 12 de junho de 2013)

para comentar sobre o movimento e fez uma crítica aos

manifestantes, afirmando que o protesto “não tinha causas”, e

os adeptos estavam com um “ódio violento contra a cidade,

sem motivos”, chamou os manifestantes de “filhos de classe

média” que não precisam daqueles vinte centavos. Defendeu os

polícias, chamando-os de “pobres que ganham muito mal”.

Também usou termos como “burrice”, “rancor” e “ignorância”,

associando o protesto as lutas na Turquia na praça Taksom,

sugerindo que deveriam lutar contra a aprovação da PEC 37 e

reafirmando que esse era um protesto sem causas. Finalizou o

discurso dizendo: “esses revoltosos de classe média não valem

nem vinte centavos”.

O comentário logo foi publicado na internet e viralizou,

recebendo críticas, palavras de ódio contra o comentarista e

contra a emissora. Jabor e a Rede Globo foram alvos de

julgamento nas ruas e na internet:

304

Um dos motivos que levou aos protestos contra a emissora foi uma análise veiculada no Jornal da Globo em 12/6, em que o colunista Arnaldo Jabor fez duras críticas aos manifestantes do Movimento Passe Livre, comparando-os ao PCC e chamando-os de ‘filhinhos de papai’ e ‘revoltosos de classe média’ (http://bit.ly/15ZzyIx). Cinco dias mais tarde, o colunista veiculou na CBN a coluna Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos (http://glo.bo/14cYBXr), em que faz um mea culpa por sua posição inicial em relação aos protestos. Ainda assim, a postura de Jabor foi criticada por grande parte dos manifestantes e também por alguns profissionais da imprensa. Em post publicado no Diário do Centro do Mundo, Kiko Nogueira comenta o caso. “O colunista Arnaldo Jabor fez um dos mea culpa mais espetaculares na história do jornalismo mundial, notável em dois aspectos: pela convicção e truculência do primeiro comentário, devidamente renegado; e pela velocidade da mudança de ideia”. (SOARES, 2013.)

Além de ser exibido em rede nacional pela emissora, o

comentário foi reverberado na internet, só no site do telejornal,

teve 533.066 visualizações, mas também foi publicado no

Youtube por diversos usuários, sendo assim imensurável o

número de pessoas que assistiram. A seguir, o vídeo foi alvo de

críticas nas redes sociais, como no Twitter119 (Imagem 1):

119 Twitter é uma rede de informação em tempo real que te conecta às últimas histórias, ideias, opiniões e notícias sobre o que está acontecendo no mundo. O

305

Imagem 1: As Hashtags120 #AbaixoRedeGloboPovoNaoéBobo e #Jabor chegaram a ficar nos Trends Topics 121, assuntos mais comentados do Twitter:

Twitter é composto por pequenas explosões de informação chamadas Tweets. Cada Tweet tem até 140 caracteres. Cf. https://twitter.com/about. Acesso em: 08.06.2014 120 Sintonizar uma hashtag (símbolo # + palavra) no Twitter é uma maneira prática de buscar o tópico ao qual a palavra se refere .e, principalmente, associar sua mensagem a outros tweets sobre o mesmo tema. Cf. https://blog.twitter.com/ 121 Trend Topics são gerados automaticamente por um algoritmo que tenta identificar os tópicos que estão sendo falado mais no momento. A lista Trends é projetado para ajudar as pessoas a descobrir em tempo real os assuntos mais comentados. Tópicos entram na lista de tendências quando o volume de tweets sobre o assunto em um dado momento é muito grande. Cf. https://blog.twitter.com/. Acesso em: 08.06.2014

306

Imagem 2 Também foi alvo de críticas nos cartazes criados pelos

manifestantes nas ruas, que publicaram suas fotos nas redes

sociais. No Instagram122, o internauta rsbonelli (imagem 3)

exibe a foto que tirou na rua, com um cartaz “Sei que não

representa a causa, mas tudo bem, pois #Jabor não me

representa também.”. A frase escrita no cartaz faz referência à

música “não existe amor em SP” do cantor e rapper brasileiro

Criolo, cuja letra faz uma crítica a cidade de São Paulo.

Imagem 3

Legenda da foto publicada no Instagram: Sei que não representa a causa, mas tudo bem, pois #Jabor não me representa também.

122 Instagram é uma maneira compartilhar os acontecimentos da vida com os amigos através de uma série de fotos. Você tira a foto de algum aparelho digital e, conectado a internet, pode mostrar para os amigos da sua rede. Cf. http://instagram.com/about/faq/. Acesso em: 08.06.2014

307

Cinco dias depois, mais precisamente em 17 de junho,

Arnaldo Jabor aproveitou seu espaço na rádio CBN, e

novamente no Jornal da Globo para se retratar. Reconhecendo

que criticou erradamente, faz seu discurso de mea culpa,

explicando que a primeira vista o movimento parecia uma

pequena provocação inútil, Jabor disse: “Temos democracia

desde 1985. Tudo acabava em pizza. De repente apareceu o

povo e uma juventude que estava calada desde 1992".

(JABOR, 2013a)

Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos: O Movimento Passe Livre tinha toda a cara de anarquismo inútil, e temi que toda a energia fosse gasta em bobagens, quando há graves problemas no Brasil. Mas desde quinta-feira, com a violência policial, ficou claro que há uma inquietação tardia. (JABOR, 2013b)

Da mesma forma que o primeiro vídeo, o segundo

comentário de Jabor foi publicado na internet, também muito

visualizado e compartilhado. Dessa vez, o jornalista aproveitou

o espaço na rádio CBN para se retratar, e seu comentário foi

publicado também no site da rádio onde recebeu 637

comentários. Porém, no site do Jornal da Globo, o segundo

vídeo teve menos acessos, foram 34.801 visualizações, contra

308 530.930 do primeiro, e mesmo assim a hashtag #Jabor voltou a

estar entre os assuntos mais comentados do Twitter no dia 17

de junho de 2013.

Esse fato mostra que o jornalismo opinativo pode ser

um caminho ambíguo para a imagem de uma empresa e de um

profissional. Na ânsia por fazer juízo acerca de determinados

acontecimentos, na velocidade do momento, acaba fazendo

com que o comentário seja apressado como o de Jabor.

Análise das capas do jornal Folha de São Paulo

O Jornal Folha de São Paulo também foi alvo de

diversas críticas por enfatizar o vandalismo em suas capas e

manchetes nos primeiros dias de protesto. É certo que houve

atos criminosos e de vandalismo durante as manifestações,

porém enquanto uma pequena parte do grupo realizava esse

quebra-quebra, um maior número de pessoas protestava

pacificamente pelas ruas, inclusive fugindo dos pontos onde

ocorriam as manifestações mais violentas. A polícia agiu com

violência durante os primeiros dias de protesto, pessoas

inocentes foram atingidas pelas bombas de efeito moral e balas

de borracha. Porém, a Folha resolveu focar suas manchetes, em

309 vários dias do movimento, justamente na violência,

descredibilizando o evento, defendendo a ação policial e

generalizando todos os ativistas como vândalos, afirmando que

estariam ligados a partidos políticos, e colocava apenas o

aumento das passagens como motivo da manifestação.

Logo nos primeiros protestos, quando o movimento

ainda ganhava forma, a capa da Folha de São Paulo traz uma

manchete no dia 07 de junho (Imagem 4) focando no

vandalismo e estragos causados. Ocupando quase metade da

parte superior da capa, com uma foto cuja legenda dizia que os

estudantes eram ligados a partidos políticos.

Imagem 4

310

No dia seguinte, 8 de junho de 2013, a Folha de São

Paulo traz novamente o protesto como manchete de capa

(Imagem 5). A capa trazia no centro uma foto junto a chamada

focando a violência e o vandalismo, além do medo dos

comerciantes da região por causa dos protestos.

Imagem 5

Após mais um protesto, a Folha continua enquadrando

suas matérias na violência provocada por alguns manifestantes.

No dia 12 de junho de 2013, o jornal ocupou quase toda a capa

com notícias enfatizando o protesto (Imagem 6), dessa vez

apontando protesto como o mais violento, e mais uma vez

voltando os olhos para o lado ruim do protesto.

311

Imagem 6

O enquadramento que a Folha de São Paulo deu em

suas reportagens sobre o protesto foi alvo de diversas críticas

na internet e nas ruas. O jornal só mudou o foco, após o quarto

protesto, em 14 de junho de 2013, a capa da Folha traz uma

manchete enfatizando a violência dos policiais no protesto

(Imagem 7). Na mesma edição, trouxe duas chamadas para

falar sobre os sete jornalistas do grupo Folha que foram

agredidos ou tiveram problemas com a violência policial,

mostrando ao foto da jornalista Guliana Vallone, com o olho

roxo por causa de uma agressão sofrida.

312

Imagem 7

Na ocasião, alguns artistas fizeram um movimento nas

redes sociais, publicando fotos com o olho roxo, para protestar

contra agressões sofridas pelos jornalistas. A exemplo da atriz

Fernanda Rodrigues (Imagem 8).

313

Imagem 8

Após ser alvo de várias críticas por causa do

enquadramento dado a suas manchetes, apenas na capa de 18

de junho, o jornal Folha de São Paulo deixa de afirmar que o

protesto é contra o aumento das passagens e usa o termo

“contra tudo” (Imagem 9), nessa edição as chamadas de capa

foram todas sobre o movimento, enfocando vários tópicos,

como os cartazes utilizados nos protestos.

314

Imagem 9

Já na capa do dia seguinte, 19 de junho, (Imagem 10)

após a sexta manifestação, o texto é mais específico e afirma

que a manifestação começou pacífica e alguns grupos

praticaram vandalismo. Nesse mesmo dia, a capa do jornal foi

novamente tomada de manchetes sobre as manifestações,

divididas entre relatos dos atos pacíficos e dos tumultos.

315

Imagem 10

Fernando Soares comentou no portal dos jornalistas:

Ao dar manchetes aos estragos causados por malfeitores travestidos de manifestantes, generalizando as acusações, vários veículos foram alvo de críticas e protestos nas redes sociais. A Folha de S.Paulo foi inicialmente um dos principais alvos, após sua capa do dia seguinte ao protesto (12/6) estampar a manchete Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista, e também publicar na mesma página a chamada para um texto a respeito das manifestações da Turquia com o título Polícia da Turquia reprime ativistas em praça de Istambul. (SOARES, 2013)

316 Segundo Colling, (2001, p. 95): “Produzir

enquadramento é selecionar alguns aspectos da realidade

percebida e dar a eles um destaque maior no texto

comunicativo, gerando interpretação (...)”. E foi justamente

isso que a Folha de São Paulo fez em sua cobertura nos

primeiros protestos, voltando o foco para o vandalismo e as

manifestações mais violentas, deixou de noticiar os protestos

dentro de seu contexto geral, cujo objetivo era mais abrangente

do que lutar contra o aumento de vinte centavos na passagem.

Considerações Finais

O “erro” de não mostrar os dois lados, a pressa por

noticiar e opinar tirando conclusões precipitadas sobre os fatos

podem levar jornalistas a cometerem “gafes” como as que

foram cometidas pela Folha de São Paulo e pelo comentarista

Arnaldo Jabor. Por causa dessas posições que tomaram ambos

foram alvo de críticas nas ruas e no ambiente virtual. Afinal,

vivemos em uma era onde a imprensa é cada vez mais “furada”

e “monitorada” pelos usuários das redes sociais, que estão

saindo na frente dos jornalistas e aproveitando o espaço para

criticar as da mídia.

317

Hoje, o público além de ter mais canais e fontes para

ouvir vários focos diferentes dos fatos, também podem

expressar sua própria opinião através das redes online, por isso

estão cada vez mais atentos e de olho na mídia. Na internet os

atores sociais podem além de monitorar, reverberar, ainda

criticar e causar inúmeras visualizações dos seus comentários e

conseguir novos adeptos até que viralize.

A mea culpa do jornalista Arnaldo Jabor se retratando

depois do comentário no Jornal da Globo, mostra a

ambigüidade da opinião no jornalismo. E foi um caso que

viralizou levantando inúmeras críticas ao jornalista.

Já o Jornal Folha de São Paulo utilizou da tematização

para generalizar e não mostrar os dois lados dos fatos. A

tematização ocorre no jornalismo quando fragmentos da

história são mais focados, e por isso, a Folha teve que voltar

atrás, que mudar o foco e mostrar o que estava acontecendo,

que na verdade não eram apenas atos violentos, que não era

“apenas pelos vinte centavos”. E foram bastante criticados no

ambiente virtual e também nas ruas.

Referências COLLING, Leonardo. Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limitados. Revista FAMECOS, nº 14. PUC-RGS, 2001.

318 JABOR, Arnaldo. “Arnaldo Jabor fala sobre novos protestos e ressalta força da juventude”. In: Jornal da Globo, 17.06.2013. Disponível em http://migre.me/jGCNy. Acesso em: 08.06.2014. JABOR, A. “Amigos, eu errei. É muito mais que 20 centavos”. In: Globo.com, 17.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jGCqp. Acesso: 24.06.2014. SANTOS, Fernando Jacinto Anchê. O ciberativismo como ferramenta de grandes mobilizações humanas: das revoltas no Oriente Médio às ações pacíficas do Greenpeace no Brasil. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 5 - Edição 1 – Setembro-Novembro de 2011. SOARES, Fernando. Múltiplos ângulos de um mesmo fato. In: Portal dos Jornalistas, 19.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jGD5b. 2013. Acesso em: 08.06.2014 Clipping Imagem 1 : https://twitter.com/search?q=%23jabor&src=typd Imagem 2: https://twitter.com/ Imagem 3: http://instagram.com/rsbonelli Imagem 4: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/07/2/ Imagem 5: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/08/2/ Imagem 6: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/12/2/# Imagem 7: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/14/2/ Imagem 8: http://migre.me/jHYiJ Imagem 9: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/18/2/ Imagem 10: http://acervo.folha.com.br/fsp/2013/06/19/2/#