j. j. canotilho (cord) direitos fundamentais sociais

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DIREITOS FUNDAMENTAIS - CANOTILHO

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  • 'A

    Editor Saraiva

  • C.620

  • Direitos Fundamentais Sociais

    COORDENAO: ]. ]. GOMES CANOTILHO

    rviAHCUS ORIONE GONALVES CORREIA RICA PAULA BAHCHA CORHEIA

    AUTOHES j.]. COMES CANOTILHO

    HICA PAULA BARCHA CORREIA fLAVIA PIOVESAN

    INGO WOLFGANG SAHLET MAHCUS ORIONE GONALVES COHHEIA

    WALTER CLAUDIUS HOTHENBUHG JOO LUIZ MOHAES ROSA

    THAS DE FIGUEIREDO FEDERIGHI ANA PAULA MAGENIS PEREIRA CAMILA GALVO TOUHINHO

    2010

    (\1. Editor~ ~ Saraava

  • (\1 ....... ~ V4 Saraiva

    Ruo llcnrlqun Sdmumnnn, 270, Cerqueim Csm - So Paulo- SP liP05413-909 :::2 l/ J ':L PAOX: 1111 361moo i.J ov i 5AUUR:0000055760B D 50{;? O 2'' ', d~ 0:30 fu 19:30,:: 11 o 11 V" [email protected] t\n ~ r! Amssa: wwwsmoivajur.rom.br

    FILIAIS AIMZDtlAS/ROIIDfitiiA/IUlRAIIWA!RE Rl!ll Cmta Aze~du, 56- Cenh~ fnne: (92) 363:M227 -Fnc (92) 3633-4782-MumM HAIUA/5IRGIPE Roo Aglipma !Mie!!, 23- BrolM fone: {71) 33815054 / 33015895 flll:{71)33D1.(!95V-Snlvudur BAURU (SO PAUlO) Rua lo\oml'rlhot {Iom, Z.S5/257- Cfnlrn Fnnc: !141 32J4.SM3-far: (14) mm01-Hmm~

    CIARA/PIAUI/IMRAU!!O ' AI'. fiJori1eM ~mes. 670- Jomniamga : fone: (fi5J 323&2323 I 3231!-1384

    Flll:(B5)323&133l-fmlll~zn DISTRJTD FIDERAl SIAjSUl nlliho 2 lnte fiSD- Setor da lrn!Urtria e Ahmtetimrotu Fnnc: (611 J344-292D/334Hm

    'fox: (61) J34H7D9-Htruifll : GOIAs/fD\lmtlS

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    Fro:: {621 322+3016-!inlfrnia : MATO GROSSO 00 SUVIMTO GROSSO

    Rua H di!Ju!Jw, ma -ntra Fone: (67) 33023632-Fox: (67) J3flz..!l112- lmpnlinmclu MIHAS GERAIS

    Rua ftlein l'nroiha, 449.:... tngninha ! Fona: {31) 342'Hl300-far. (Jl) 3429ii310-G~illllolizlinte PAR,\IMMI i T!llmmf

  • NDICE

    J. J. Gomes Canotilho O direito constitucional como cincia de direco- o ncleo essencial de prestaes sociais ou a localizao incerta da socia-lidade (contributo para a reabilitao da fora normativa da "constituio social")............................................................... 11

    I" Retrospectiva .............................................................................. li I A anlise estrutural da posio jurdico-prestacional....... 11 li Os direitos sociais e os "cam

  • Introduo .................................................................................... 37 A proteo jurdica relao homoaFetiva luz da Consti-tuio Federal......................................................................... 3 7

    1. O direito como regulador das relaes sociais- neces-sidade de dinamismo e evoluo- a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo................................................ 38

    2. O princpio constitucional da igualdade - proibio constitucional de discriminao em razo do sexo- ado-o de igual tratamento por parte da Administrao P-blica............................................................................. 38

    3. A proteo especial do Estado Famlia e o reconheci-mento, para fins previdencirios, de unio estvel entre homossexuais............................................................... 40

    II - A proteo do sistema de seguridade social em casos de unio homoafetiva .................................................................. 40 1. O direito Previdncia Social como direito fundamental. 40

    1.1. A Previdncia Social no plano infraconstitucional -Lei n. 8.213/91 ................................................. 40

    1.2. A Instruo Normativa n. 25/2000 do INSS e a dificuldade prtica de sua aplicao...................... 41

    1.3. A concesso do beneFcio previdencirio salrio--maternidade para o segurado adotante................. 43

    2. O direito sade como direito fundamental................ 45 III - A fora normativa da Constituio Federal......................... 51

    Flvia Piovesan

    Justiciabilidade dos direitos sociais e econmicos: desafios e pers-pectivas........................................................................................ 53

    Introduo........................................................................ 53 li Proteo dos direitos sociais e econmicos na Constitui-

    o brasileira de 1988 ..................................................... 53 III - Justiciabiliclade dos direitos sociais e econmicos nas Cor-

    tes brasileiras.................................................................... 57 1. Casos relativos ao direito sade................................... 58

    6

  • 7

    7

    1 .I. Casos relativos ao fornecimento de medicamentos e ao acesso assistncia mdico-hospitalar............. 58

    1.2. Casos relativos a tratamento diferenciado............ 60 1.3. Casos relativos responsabilidade por dano sa-

    de e ao alcance de contratos de seguros de sade 61 2. Casos relativos ao direito educao............................. 62

    2.1. Casos relativos ao ensino Fundamental................. 62 2.2. Casos relativos matrcula em instituies de en-

    sino superior e cobrana de mensalidades esco-lares...................................................................... 63

    IV - Justiciabilidade dos direitos sociais e econmicos nas Cortes brasileiras: desafios e perspectivas........................ 64

    Ingo Wolfgang Sarlet Segurana social, dignidade da pessoa humana e proibio de re-trocesso: revisitando o problema da proteo dos direitos funda-mentais sociais............................................................................. 71 I Consideraes introdutrias ............................................ 71 II Fundamentao e contedo da assim chamada proibio

    de retrocesso na ordem jurdico-constitucional brasileira. 74 1. Aspectos terminolgicos e conceituais: em busca de

    um consenso possvel .................................. ................ 7 4 2. Elementos para uma Fundamentao jurdico-consti-

    tucional de uma proibio de retrocesso, especialmen-te em matria de direitos sociais.................................. 82

    III - Parmetros para aferio do alcance do princpio da proi-bio de retrocesso em matria de direitos sociais, com destague para a dignidade da pessoa humana e o assim chamado "mnimo existencial".......................................... 93

    !V - Consideraes finais ........................................................ 106

    Marcus Orione Gonalves Correia

    Interpretao dos direitos fundamentais sociais, solidariedade e conscincia de classe .................................................................... 111

    - Introduo ........................................................................ 111

    7

  • li - Vcios de interpretao em matria de direitos sociais ..... 114 Ili - Algumas solues propostas ............................................. 125

    A) Direitos sociais e conscincia de classe .......................................... 126 B) O direito social na lgica da intensificao da solidariedade - en-

    quanto espao para a consolidao da conscincia da classe dos que vivem do trabalho ........................................................................... 139

    C) A interpretao e a aplicao do direito como indissociveis de seu aspecto cientfico- uma demonstrao a partir dos direitos sociais. A questo central do valor social do trabalho ................................. 142

    D) O princpio da igualdade como tcnica de efetivao dos direitos sociais- um elemento capital na consolidao de uma ttica ...... 150 D.l) Introduo - a igualdade como postulado indissocivel da

    solidariedade ......................................................................... !50 0.2) A isonomia como um dos elementos basilares das teorias da

    justia .................................................................................... !54 0.3) A igualdade como tcnica para otimizao de direitos sociais .. 158

    I. No direito civil.. ................................................................. 160 2. No direito processual civil ................................................. 162 3. Nos direitos sociais, em geral, e mais especificamente nos direitos do trabalho e previdencirio ..................................... 163

    Walter Claudius Rothenburg, Joo Luiz Moraes Rosa, Thas de Figueiredo Federighi, Ana Paula Magenis Pereira, Camila Galvo Tourinho

    Assistncia e previdncia social em conexo com os direitos fun-damentais: anlise de casos .......................................................... 173

    1. Introduo ...................................................................................... 173 2. Capacidade de trabalho parcial e incapacidade econmica total em

    relao assistncia social.. ............................................................ 175 3. Como aferir a carncia econmica nos beneFcios assistenciais: re-

    latividade do art. 20, 32 , da Lei n. 8. 742/93 (Lei Orgnica de As-sistncia Social) .............................................................................. 182

    4. Um salrio mnimo igual a um salrio mnimo: a possibilidade de cumulao do benefcio assistencial no Estatuto do Idoso (a analo-gia do art. 34, pargrafo nico, da Lei n. 10.741/2003) .................. 188

    8

  • 4 5 6

    J

    S. Converso entre benefcios previdencirios e assistenciais indepen-dentemente de pedido: tutela jurisdicional efetiva ......................... 192

    6. Menor sob guarda como dependente de segurado da Previdncia Social ..................................................................................... 198

    7. A educao no morre nunca: o afastamento do limite de 21 anos para a penso por morte ................................................................. 202

    S. A plebeia das provas: comprovao de tempo de trabalho exclusiva-mente por testemunhas, especialmente para o trabalhador rural.. .. 21 O

    9. Os casamentos resistem, mas resiste a penso por morte? .............. 213

    9

  • O DIREITO CONSTITUCIONAL COMO CINCIA DE DIRECO- O NCLEO ESSENCIAL

    DE PHESTAES SOCIAIS OU A LOCALIZAO INCERTA DA SOCIALIDADE (CONTHIBUTO

    PAHAA REABILITAO DA FORA NORMATIVA DA "CONSTITUIO SOCIAL")

    J. J. Gomes Canotilho 4

    Retrospectiva

    I-A anlise estrutural da posio jurdico-prestacional Ao fazermos o trabalho de casa para elaborar esta interveno, resol-

    vemos interrogar-nos sobre o acerto terico e dogmtico das nossas ante-riores incurses pelo tema da "socialidade estatal" e pela "constituio dos direitos econmicos, sociais e culturais". Temos de confessar que o resul-tado, em termos prticos, no animador. Resolvemos, por isso, revisitar o tema, desde logo porque se assiste a inquietantes regresses, nos planos doutrinrio, metodolgico e jurisprudencial, quanto concretizao dos princpios da socialidade nos estados de direito democrticos 1 Vejamos, per suma capita, as nossas anteriores posies sobre o problema. Em tra-balho intitulado "Tomemos a srio os direitos econmicos, sociais e cultu-rais"2, procuramos fazer um estudo analtico-estrutural sobre a "posio

    *Professor Catedrtico cla Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. 1 Veja-se numa incisiva discusso do problema no trabalho co\ectivo coordenado por l'vi. Bovcro, Quale LiberM. Dizionario m[nimo contra i fa]si libcrali, Roma-Bari, Laterza, !."!OO+. ~Publicado inicialmente no nmero especial do Boletim da Faculdade dt! Direito de Coimbm- Estu-dos em Homem1gem ao Prol: Doutor Antnio de Arruda Fcrrcr Correia, 1988, c rcpublicado no nosso livro Estudos sobre direito.rjimdameutais, Coimbra, 200.'J, p . .'J5 c s.

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  • jurdico-prestacional". O nosso objectivo era recortar uma posio jurdico--prestacio11al com a mesma densidade jurdico-subjectiva dos direitos de defesa. No entanto, e embora tenha sido reconhecido que o Estado, os poderes pblicos e o legislador esto vinculados a proteger e a garantir prestaes existenciais, a doutrina e a jurisprudncia abraaram uma posi-o cada vez mais conservadora: (i) as prestaes existenciais partem do mnimo para uma existncia minimamente condigna; (ii) so consideradas mais como dimenses de direitos, liberdades e garantias (direito vida, direito ao desenvolvimento da personalidade, direito ou princpio da digni-dade da pessoa humana) do que como elementos constitutivos de direitos sociais; e (iii) a posio jurdico-prestacional assenta primariamente em deveres objectivos, ]Jrima facie do Estado, e no em direitos subjectivos prestacionais derivados directamente da constituio.

    Tal como se poder ver na retrica argumentativa do Tribunal Cons-titucional Portugus no caso referente ao rendimento social de insero (Ac. 590/02), a jurisprudncia reconduz o direito ao rendimento social de inser-o ideia de "contedo mnimo do direito a um mnimo de existncia condigna" e acaba por colocar entre parnteses os prprios direitos econ-micos, sociais e culturais3 A metdica jurisprudencial tende a transformar-se em uma metodologia funcional de obteno de vencimento decisrio.

    II- Os direitos sociais e os "camalees normativos"

    Voltamos ao tema quase dez anos depois em trabalho intitulado "Me-todologia 'fuzzy' e 'camalees normativos' na problemtica actual dos direi-tos econmicos, sociais e culturais"4 Em tal estudo procuramos problema-tizar a dependncia legal dos direitos constitucionais sociais tendo em conta a "reserva de coFres financeiros". De certo modo, a nossa perspectiva dirigia-se no sentido de salvar a dimenso normativa da socialidade me-diante dois esquemas: (i) procurar novas vias para a "des-introverso" da socialidade estatal; e (ii) distinguir entre direitos coustiUtcionais sociais e polticas pblicas de realizao de direitos sociais. A linha ideolgica de fundo poderia ser resumida da seguinte forma: o carcter dirigente da

    ~ V~ja-se a crtica desse acrdilo em Jorge Reis Nmais, Os pril1cpios constitucioms estrutunmfes da RejJiblica Portuguem, Coimbra, ~00~. p. 67. I Este trabalho foi preparm.lo para um colquio em Madrid, promovido pela Universidade Carlos Ill, sobre Deredws econmicos, .wcialeseculturolt!.l', em B~/26 de abril de 1996. Est tambm publicado em Estudo sobre direitosfimdamenfls, cit., p. 93 s.

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  • constituio social no significa a optimizao directa e j dos direitos so~ ciais, antes postula a graduabilidade de realizao destes direitos. Gradua~ bilidade no signiFica, porm, reversibilidade social.

    O problema desta posio que ela foi rapidamente ultrapassada pela chamada "crise do Estado Social" e pelo triunfo esmagador do globalismo neoliberal. Em causa est no apenas a graduabilidade, mas tambm a reversibilidade das posies sociais.

    III- O direito poltica, o direito economia

    Quase na mesma altura do trabalho anterior, iniciamos a aprofundar as nossas dvidas sobre o tom e o do1n do nosso discurso 5 Comeou a ganhar centralidade metdica aquilo a que chamamos paradoxia da autos~ sujici11cia das normas jurdico-constitucionais, sobretudo o mperdiscHrso social em torno dos direitos fundamentais.

    Tratava-se, como bvio, de uma proposta de leitura crtica da "consti-tuio dirigente social". As crticas dirigidas por quadrantes culturais opostos ~pelos cultores da sociologia crtica e pelos adeptos da constituio, quadro rebelde a programas constitucionalizados -levaram-nos a considerar que as "polticas constitucionalizadas fecharam a comunicao com o direito respon-srivcl expresso na criao jurdica por meio de pactos e de concertao social, quer com o direito refle.~:ivo gerado na "rua", no "asfalto", no "emprego parale-lo", na "economia subterrnea". Em boa medida, a socialidade constitucional dirigente estava colocada sob a presso de dois antinormativismos: o das so-ciologias crticas e o dos tericos liberais. O compromisso constitucional possvel para manter a fora normativa da constituio social passava, a nosso ver, por uma leitura mais ps-positivista da socialidade estatal.

    IV- O local incerto da socialidade

    Voltamos recentemente ao tema dos direitos sociais e a socialida-de estatal6 e procuramos fazer o ponto da situao quanto constituio

    i; Cfr., precisamente, o trabalho "O tom c o dom na teoriajurfdico-constitucional dos direitos funda-mentais", in Estudos subn direitus.fillulmnwta, cit., p. 115 s. O texto inicial foi lido no Colquio ln-ternacirmal de Direito Crm.rtitucimllll realizado em Recife (~2/~H de agosto de 1996). r. Cfr. o trabalho de 2006, .m mws de Cmr.>tituirllo da Hejlli/Jlica: a sedimentallo dos direitos funda-

    13

  • portuguesa de direitos sociais. Os tpicos que salientamos foram os seguintes:

    1) C01IIiu1tao da crtica ideolgica "carta de direitos sociais" A carta constitucional de direitos sociais no mais do que um con-

    junto de preceitos sem determinabi\idade aplicativa, impositivos de polti-cas pblicas caracterizada pela mistura de "keynesismo econmico" e de "humanitarismo socializante".

    2) C0111estao do arqutipo ant-ropolgico A dimenso estruturante da socialidade andava ligada (e ainda se

    mantm) a uma coucepo maropolgica complexa, cujo centro o indivduo como pessoa, como cidado e como trabalhador. Esta "trindade antropol-gica", por mais ontologicamente radicada que seja, v-se confrontada com quatro deslocaes contextualizadoras: (i) acentuao da dignidade da pessoa como princpio fundante da sociedade, mas simultaneamente dcssubstantizador da autonomia jurdico-constitucional dos direitos sociais; (ii) desmbjectivizao regulatria conducente substituio da cidadania social pela cidadania do consumidor; (iii) dessolidarizao liberal empresarial relativLimente aos encargos sociais; e (iv) crtica da eficcia e eficincia dos servios pblicos sociais pelas correntes econmico-reguladoras da boa govemao.

    No colocaremos o discurso no plano do ideologismo, hoje obsessivo nos quadrantes liberais que procuram um "revisionismo" sem Fronteiras de Forma a purificar as "constituies" por meio da expulso dos direitos eco-nmicos, sociais e culturais. Interessa-nos mais a desconstruo do arqu-tipo antropolgico. Comecemos pela hipertrofia da dignidade da ]Jessoa huma11a.

    Aparentemente, o recurso dignidade da pessoa humana como prin-cpio ontoFenomenolgico Fundante da dignidade social da pessoa humana nada teria de problemtico. O desenvolvimento da personalidade ancorado na dignidade da pessoa ainda o fundL!mento mais inquestionvel das prestaes sociais a cargo do Estado. \VIas o "teste dxico" de jurisprudn-cia constitucional portuguesa aponta para o "esvaziamento solidarstico" desta estratgia discursiva do Tribunal Portugus. O leading case o Acr-do n. 509/2002 sobre o rendimento de insero social que veio alterar o

    mentais c o local incl!rto da Hocialidadc {texto indito), embora com leitura em Coimbra (Curso de Direi los Humanos) c em Sllo Paulo {Curso de Direito Social).

    14

  • anterior regime do rendimento mnimo garantido. O cerne argumentativo do Tribunal acabou por ser o da conformidade ou no do regime legislativo definidor do subsdio de insero social com o princpio jurdico-constitu-cional fundante da dignidade da pessoa humana. Este princpio postularia sempre um agasalho prestacional assegurador de uma existncia minima-mente condigna. A dignidade da pessoa s seria afectada se o regime jur-dico-legislativo no garantisse os "mnimos" da dignidade. O problema que a estratgia discursiva do Tribunal, sob a aparente solidez da dignidade da pessoa humana, acaba por proceder reduo eidtica da socialidade, colocando entre parnteses os direitos econmicos, sociais e culturais. Em toda a sua radicalidade, a orientao do Tribunal conduziria a este resulta-do desolador: no h direitos sociais autonomamente recortados, mas re-fraces sociais da dignidade da pessoa humana aferidas pelos stcmdards mnimos da existncia.

    A segunda deslocao da socialidade remete-nos para a problemtica da dessHhjectivao regulatria. De uma forma ou de outra. os figurinos do "sen,ice p11hlique'', francesa, e do "Daseinsvorsorge", alem, justificavam a existncia de servios garantidores de cidadania social e econmica quanto aos bens pblicos essenciais. Subjacente misso do Estado Social, estava a ideia dos "bens sociais" (sade, ensino, segurana, trabalho) como bens pblicos que s excepcionalmente podiam ser prosseguidos por priva-dos. A convergncia das polticas liberalizadoras (globais e europeias) e privatizadoras juntamente com a atribuio a entidades independentes da competncia regulatria conduzem a uma rotao de 360 graus na qualifi-cao desses bens. Agora so bens privados que s excepcionalmente devem ser prosseguidos por servios pblicos. A socialidade estatal um lugar incerto. Por um lado, a ideia de servios pblicos de interesse econmico geral uma frmula de manuteno do acesso a bens essenciais (energia, gua, telecomunicaes) no j na qualidade de cidaclo social, mas sim na qualidade de 11tente ou de consumidor. possvel que, em termos de efi-ccia e eficincia, o "novo modelo" seja mais transparente e racional, mas no lquido que l onde falha o mercado o Estado Social possa ser subs-titudo por um conglomerado de servios privados aqui e ali sensveis s responsabilidades sociais. Isto nos conduz ao terceiro teste da socialidade.

    Quem estiver atento s tendncias polticas e econmicas neoliberais facilmente compreender que o mercado de servios tende a preencher o espao social em domnios to sensveis como hospitais, estabelecimentos de ensino, sistemas de segurana social. A actual presso no sentido de transformar os servios pblicos em indstrias de sen1ios no deve neces-

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  • sariamente ser remetida para o campo dos malefcios econmicos do neo-liberalismo. Daremos dois exemplos, um relacionado ao direito sade e o outro, ao direito ao ensino.

    A Lei Constitucional n. 1/97 (4.!!. Reviso) acrescentou ao art. 642 (direito sade) em novo inciso onde se estabelece:

    i\rL 64!!, n. 3 "Para assegurar o direito il sade incumbe prioritariamente ao Estado: ( .. ) d)- Disciplinur e fisculizar as formas empresariais c privadas da medi-cina, articulando-as com o senrio nacional de smde, por Forma a assegu-rar, nas instituies de sade pblicas c privadas, mlequl/[los padnles de ejici11cia e qualidade". (griro nosso)

    Esse inciso consagra a expressa valorizao constitucional dos padres de eficincia e qualidade que, alm de estar em consonncia com as dispo-sies da Unio Europeia nas quais se estabelece como objcctivo a garantia de um uvel elevado ele proteco da sade humana, sugere o novo contexto do princpio ela ecoJZomicidade na prestao de senrios pblicos. Ademais, aponta para diferentes esquemas organizativos do servio pblico de sade como gesto empresarial c regime convencional e para sistemas especficos de monitorizao c controlo dos respectivos servios. Por sua vez, o elevado nvel de proteco pressupe a e .. Ycelucia e a govemao clnica ("clinicai governance") como veculo de qualidade clnica e como instrumento de excelncia assistencial. A progressiva especificao de padres de qualidade, recortados em termos de gesto, regulao, procedimento e controlo, acaba por ter incidncia materialmente positiva nos direitos dos doentes (direito autonomia e informao, liberdade de escolha, direito equidade no acesso, direito a tratamento em prazo clinicamente razovel com gesto racional e eficiente ajuste das listas de espera, direito participao democrtica dos doentes ou associaes de doentes na definio de escalas de prioridades e sua definio de perodos de espera clinicamente aceitveis). Devemos ter serenidade bastante para reconhecer que a optimizao dos direitos sociais no deriva s ou primordialmente da proclamao exaustiva do texto cons-titucional, mas da "good governance" dos recursos pblicos e privados afectados ao sistema de sade.

    O segundo exemplo relaciona-se com o direito ao ensino. O paradig-ma constitucional portugus do ensino assenta na centralidade de uma rede de estabelecimentos pblicos de ensino. fvlas a ideia de rede passou a ser interpretada por alguns sectores como rede de estabelecimentos de ensino,

    16

  • abrangente do ensino particular e cooperativo, em que reconhecido a todos os estabelecimentos de ensino uma dimenso pblica. O ensino , em todos os sectores- pblico, privado e cooperativo-, um sen,io ptH blico. bvio que essa interpretao s estar em conformidade com a Constituio se ela no implicar a neutralizao do imperativo constitucio-nal de criao da rede de estabelecimentos pblicos estatais de ensino pblico, pois essa a matriz republica1la de ensino constitucionalmente consagrado. Vale a pena, porm, aprofundar as deslocaes normativas de sentido insinuadas pelo conceito de rede, ampliada de servio pblico de ensino. Ao incorporar-se na rede, o ensino particular e cooperativo procu-ra, directa ou indirectamente, fomentar esquemas de concorrncia entre os vrios estabelecimentos de ensino qual no alheia a ideia de marhe-t.iug comercial. Esta concorrncia seria, de resto, um factor decisivo para aumentar a eficincia e a rentabilidade do ensino pblico, pois ela permi-tiria que os utentes directos do servio- as famlias- se convertessem em rbitros do mercado de emino por meio do exerccio do direito escolha de escola. Mais do que isso, ainda. A concepo jacobina de ensino, tradu-zida na unicidade e uniformidade da oferta escolar, seria substituda por um sistema plural marcado pela flexibilidade do sistema ed11catiro mais apto para a concretizao do livre desenvolvimertto dos jovens (combatendo-se, inclusive, de forma mais eficaz, os Fenmenos de abandono e de insatisfa-o escolar). Por ltimo, o esquema em concorrncia serviria de esteio prpria relegitimao do sistema de ensino mediante os mecanismos de avaliao c coJltrolo ex/emas indispensveis promoo de qualidade e eFiccia de toda a rede de estabelecimentos de ensino. bom de ver que o ncleo central das novas propostas se reconduz transformao de todo o sistema de ensino em uma empresa ed11cacioual, centrada em problemas da utilizao racional dos recursos e da gesto da qualidade. A teleologia intrnseca da liberdade de aprender e de ensinar pela escola pblica d lugar a uma outra compreenso finalstica. O direito escola o direito aprendizagem das lcges art.is de uma profisso inserida no mercado de tra-balho. Em termos mais analticos, dir-se-ia que o direito escola (i) o direito obteno de meios para estudar; (ii) o direito aprendizagem das leis da profisso; e (iii) o direito a resultados formativos em concorrncia com as exigncias da procura e da oferta do mercado de trabalho para jovens. O actual confronto de modelos - a ('universidade pblica republicana" e a "universidade privada livre"- demonstra, com e.xuberncia, que tambm nesse domnio a socialidade estatal j no o que era, embora continuemos fiis bondade da escola pblica republicana, livre, igual e laica.

    17

  • V-A "governance" do terceiro capitalismo e a constituio social

    Como o ttulo em epgraFe, redigimos um trabalho que se destinava a ser discutido em So Paulo em setembro de 2009. Por motivos pessoais, no nos foi possvel colocar a sua discusso no espao pblico. Como ver--se-, o campo da anlise retoma alguns passos dos itinerrios anteriores, mas procura tambm questionar o modelo de aco social universal insinu-ado pela "governance" do terceiro capitalismo.

    1. Colocao do problema

    Em substituio do Estado Social constitucionalmente conformado prope-se - umas vezes de forma sub-reptcia, outras vezes em termos abertamente frontais - que o terceiro capitalismo com a sua sociedade aberta conduz necessariamente a um corolrio lgico: a empresa privada, a actuar no mundo global, ser o nico sujeito capaz de responder a um modelo de aco social univcrsaF. A demonstrao dessa tese Feita de diversos modos e presta-se a vrias abordagens consoante a localizao dos problemas. Por uma questo de economia discursiva, partiremos aqui das seguintes proposies:

    ( l) o Estado Social o tipo de Estado que coloca entre os seus prin-cpios Fundantes e estruturantes o princpio da socialidade;

    (2) o princpio da socialidade postula o reconhecimento e a garantia dos direitos sociais; e

    (3) a garantia dos direitos sociais pressupe uma articulao do direi-to (de todo o direito, a comear pelo direito constitucional) com a economia intervencionista progressivamente neutralizada pela expresso do mercado global.

    Vejamos, ento, com mais pormenor, a sequncia destas proposies. Todos estaremos de acordo que o Estado Social- ou, melhor, o "modelo social" tal como ele, de forma diversa, ganhou substncia na Europa Oci-dental- ergueu os direitos sociais a dimenso estruturante da juridicida-de e da democracia. Por um lado, passadas que Foram as disputas sobre a

    7 Cfr. o perturbador livro cle Pictro Barccllona, Lu Spa:do del/a jmlitim, Honw: Editora Hiuniti, 1993, p. li.

    18

  • incompatibilidade entre Estado ele Direito e Estado Social ou, se preFerir-mos entre o princpio da juricliciclade e o princpio ela socialiclade, ganhou relativa estabilidade a compreenso constitucional do Estado como Estado de direito social. Por outro lado, o reconhecimento e a garantia dos direitos sociais passaram a dimenso estruturante do prprio princpio democrti-co. Com eFeito, a ideia de liberdade igual estrutura o princpio democrtico, dado que: (i) arranca do postulado inquestionvel (desde as primeiras de-claraes ele direito) de que os homens nascem livres e iguais em direitos; (ii) a liberdade e a igualdade comeam pela garantia dos direitos de liber-dade, e, dentre estes, dos direitos fundamentais da pessoa humana (direi-to vida, integridade fsica e pessoal, ao desenvolvimento da personali-dade, famlia); e (iii) a liberdade igual passa pela progressiva radicao de uma igualdade real ou substancial entre as pessoas.

    A articulao da socialidade com democraticidade torna-se, assim, clara: s h verdadeira democracia quando todos tm iguais possibilidades de participar no governo da polis8 Uma democr"acia no se constri com Fome, misria, ignorncia, analfabetismo e excluso. A democracia s um processo ou procediJJle11to jmto de pmticipao poltica se existir uma jusJ.ia distributiva no plano dos bens sociais. A juridicidade, a sociabilidade e a democracia pressupem, assim, uma base jusfunclamental incontornvel, que comea nos direitos fundamentais da pessoa e acaba nos direitos sociais.

    2. Os presmpostos econmico-financeiros do Estado Social Os direitos sociais so caros, j o dissemos. Algumas prestaes in-

    dispensveis efectivao desses direitos devem ser asseguradas pelos poderes pblicos de forma gratuita ou tendencialmcnte gratuita. Ora, o Estado Social s pode desempenhar positivamente as suas tarefas de so-cialidade se se verificar em quatro condies bsicas:

    (I) provises Financeiras necessrias c suficientes, por parte dos cofres pblicos, o que implica um sistema fiscal eficiente e capaz de assegurar e exercer relevante capacidade de coaco tributria;

    (2) estrutura da despesa pblica orientada para o financiamento dos servios sociais (despesa social) e para investimentos produtivos (despesa produtiva);

    11 A indissociabilidade de democracia c os direitos sociais tm sido postos em relevo por v;rios au-tores. Citaremos apenas A. B;lldassare, Dirittidellapemuw evalori costitu::.imwli, Torino: Giappiehelli, l!J97.

    19

  • (3) orcamenlo pblico equilibrado de forma a assegurar o controlo do dFice das despesas pblicas c a evitar que um dFicc elevado tenha refle-xos negativos na inflao e no valor da moeda; e

    (4) taxa de crescimento do rendimento nacional de valor mdio ou elevado (3% pelo menos ao ano).

    A verificao de todas as condies enumeradas coloca o Estado Social em reais dificuldades. Em primeiro lugar, o modelo social subjacen-te s premissas indicadas , dizem alguns, um modelo dos pases ricos. Em segundo lugar, mesmo nos pases ricos ela pode ser posta em causa por vrios motivos (desde o crescimento incontrolvel das despesas com alguns servios, como o de sade, passando pelo desequilbrio das obras pblicas regionais e locais, e terminando na existncia de dfices estruturais, como polticas de coeso econmica e territorial, como acontece com a integrao da ex-DDR na Alemanha Federal). por isso que desde os anos 1970 se insiste na crise fiscal do Est.ado e a partir da dcada de 90 do sculo passa-do o tema obsidiante o da s11stentabilidade do modelo social. As crticas ao Estado Social e s constituies programtico-sociais inserem-se neste contexto, insistindo uma significativa parte dos polticos e economistas inHuentes na reorientao das polticas das finanas e despesas pblicas. No banco dos rus est a clebre poltica do deficit. spemliug: endividamen-to do Estado com a finalidade de Financiar a despesa pblica, sobretudo a despesa social.

    3. O Estado Social como instrumento da incluso social

    A crise do Estado Social tornou-se, para muitos, um problema do ocaso da socialidade. Nas sociedades funcionalmente diferenciadas no h lugar para polticas de incluso. A chamada iudividualizao da sociedade signiFica precisamente o indeclinvel direito c o dever de cada indivduo colocar no seu plano de vida e conduo da existncia as responsabilidades que lhe cabem na luta pela sobrevivncia. Dito por outras palavras: o risco da vida tambm, e sobretudo, um risco individual'~. Ainda de outro modo, cada um deve assumir um papel activo para assegurar a sua incluso nos novos sistemas diferenciados da sociedade10 O problema o de que a di-

    ~Vejam-se as consideraes de Ulrich. Beck na sua conhecida obra sobre a sociedade tlc risco: Risikogesellschqjl, Fran]ifurt, I D8G, p. 115. w De uma !Orma incisiva, cfr. Bcdt/Bed\-Gernsheim (org.), Ri:;kmJte Freiheiten, Franl1furt/M, 19H+, Jl 12 S.

    20

    l I I

    I

  • ferenciao funcional individualizadora conduz a uma dependncia orga-nizativa mais forte. Individualmente responsvel dentro dos vrios sistemas funcionalmente diferenciados- famlia, trabalho, formao e qualiFicao, transporte, sade, consumo-, a pessoa corre sempre o risco de no ter possibilidade de incluso nos esquemas prestacionais dos vrios sistemas 11 [sso tanto mais quanto certo que a necessidade de incluso nos sistemas funcionais diferenciados comea muito cedo: o direito de nascer no se exerce em casa, mas na maternidade "includa" no sistema de sade; o desenvolvimento da criana no um problema de crescer nos braos da ama, mas de socializao nos jardins de infncia "includos" no sistema de ensino pr-escolar; o conhecimento e a informao comeam na escola e isto parte integrante do sistema de ensino.

    A liberdade igual interpretada neste contexto como a igual possibi-lidade de incluso em um sistema social diferenciado. A realizao deste princpio de igiJaldade de iJiclmo continua a colocar o n grdio da socia-lidade: a inclusividade pressupe justia quanto s possibilidades iguais de acesso. Como garantir esta justia? A resposta para muitos (nos quais nos inclumos) a reinveno do Estado Social. Os direitos sociais e os prin-cpios socialmente conformadores significam, no actual contexto, a legiti-mao de medidas pblicas destinadas a garantir a incluso do indivduo nos esquemas prestacionais dos sistemas sociais funcionalmente diferen-ciados!:!.. Mesmo que este Estado Social no seja mais, hoje, do que um simples "pendant" funcional de relaes subjectivas interpessoais, ele continua a ter a indeclinvel tarefa da incluso social politicamente pon-derada. f'vlas como poder o Estado Social continuar a desempenhar essa funo de incluso em um contexto global de progressiva carncia de meios financeiros? Como alicerar expectativas sabendo-se, partida, que muito difcil preencher os pressupostos da sua realizao? Na verdade, algumas das crticas mais persistentes contra o Estado Social e a constitui-o dos direitos sociais reconduzem-se a esta ideia bsica: eles aliceram expectativas normativas que no mais esto em condies de garantir. Isso pode ilustrar-se facilmente por meio de trs tpicos, hoje correntes na li-teratura "globalizadora":

    li E o prprio Ni!das Luhmann a salientar esse problema cle inclusilo. Cfi-. Potitischen Theorie im lfh{fillmttwt, !viUnchcn, 1981, p. ~5.

    ~~Nesse sentido, di-., por ltimo, Thorsten 1\ingreen, Da.r Srr::ialstaaL>jtrin'=i_/1 im europiiischen l':fiJS-srmgn!abmui, TUbingen, :!OO.'J, p. ~07: "a autorizailojurlclico-constitucional para a inclusilo clc vrios sistemas parciais sociais encontra-se no princpio do Eswclo Social".

    21

  • 1) O mercado global e a collcorrucia No h pacto de estabilidade e crescimento que escape lgica da

    captao de investimentos directos, nacionais e estrangeiros. Mas o Estado que os atrai tem de ser um Estudo garnlztido da concorrncia. As empresas privadas adaptam estratgias de deslocalizao, de poltica de investimen-to e de mo de obra tendentes a reduo dos custos de exerccio e maxi-mizao de lucros. O Estado, por sua vez, assume cumplicidade com estas estratgias mediante a criao de infraestruturas, benefcios fiscais c legis-lao laboral. As polticas pblicas optam por encaminhar os dinheiros pblicos para grandes investimentos infraestruturantcs (aeroportos, vias frreas, autoestradas) em vez de os desonerar para os servios garantidores da eFectivao de direitos sociais. Em quase todos os pases assiste-se substituio de servios pblicos por empresas de interesse econmico geral, muitas delas privatizadas.

    2) A reduo dm despesas pliblicm A reduo das despesas pblicas obriga a cortes oramentais c ao

    drstico emagrecimento do aparelho organizativo do Estado. Alguns, em termos puramente ideolgicos, combatem o Estado, empurrando-o para um Estado mnimo e subsidirio. Outros salientam a lgica econmica: o equilbrio do deficite oramental indispensvel criao de um clima atractivo para investimentos no compatvel com uma administrao pblica herdada do "Estado mximo".

    3) O calllrcio elect.rnico e as tmnsaces telelllticm O impacto sobre os cofres do Estado do incremento do comrcio

    clectrnico c das transaces telemticas permite uma fuga fiscal para os caminhos da anacionalidade intemtica relativamente qual o sistema tributrio nacional pouco pode fazer. Como se sabe, a evaso Fiscal anda de mos dadas, muitas vezes, com a fraude fiscal c a lavagem de dinheiro. Alm de impotente no combate s actividades ilcitas, o Estado Social v os seus recursos Fiscais em permanente retrocesso.

    Desafios metdicos c metodolgicos sustentabilidade normativa do Estado Social

    Um jovem constitucionalista brasileiro escreveu "que no h mais espao para optimismo metodolgico, isto , para a crena de que o rcsul-

    22

  • tado da interpretao constitucional depende pura e simplesmente do mtodo utilizado"13 Estamos de acordo. Mas o que se exige, hoje, do juris-ta que, sem deixar de ser um pessimista metodolgico, d positividade sua retrica e abra caminhos hermenuticas capazes de auxiliarem a ex-trinsecao do direito constitucional. Ora, a nosso ver, a "lloresta tem ca-minhos". necessrio descobrir os caminhos da floresta.

    I -A direco atravs do direito

    O primeiro ponto que merece nova suspenso reflexiva relaciona-se com o problema da ca1Jacidade de direco do direito constitucional. Se a "lgica dirigente" est hoje posta em causa, isso no significa que o direito tenha dei:x:ado de se assumir como instrumento de clireco de uma comu-nidade juridicamente organizada. A constituio pode ter dei'\ado de ser uma norma dirigente, mas no est demonstrado que no tenha capacidade para ser uma Jwmw directora. lVIesmo tendo em conta as crticas dirigidas contra o normativismo constitucional (a que atrs fizemos referncia), cremos que o direito continua a ser um instrumento fivel c incontornvel de comando em uma sociedade H. Este ponto de partida justifica, desde logo, a clarificao do conceito de direco. A simples convocao dogm-tica deste conceito para assumir um papel relevante na problemtica me-todolgica de concretizao do direito significa que no estamos em sinto-nia com as conhecidas teorias autorrcferenciais do direito. Como se sabe, vrias abordagens tericas tm tentado demonstrar a mudana de paradig-mas na compreenso do direito e da estabilidade. As frmulas lingusticas escolhidas so sugestivas, embora nem sempre contenham rigor e:%:plicati-vo: "direito ps-intervencionista", "direito regulatrio", "direito procedural" etc. Em comum, tm todas elas o chavo da insuFicincia, da ineficincia e da improdutividade do direito intervencionista. A isso acrescenta-se a chamada "dcalage" regulat.iva do normativismo: a crescente discrepncia entre os fins das normas e os resultados fcticos e jurdicos. Embora isso no seja sempre salientado, o comando normativo tambm considerado

    1!1 Cfr. Virgllio AfOnso da Silva, "Interpretao consritudonal e sincretismo metoclolgico", in Vir-gflio Afonso cln Silva (coord.), 11Jlerpretap1u cuustituciunal, Sllo Paulo, 2005, p. HS. H Cfr., por ltimo, Dictmar Braun, Die Polifische Steuenmg der !Vissensduifl, 1D97, p. ~g s.; Gunnar Fol\w Shuppert, "Selbstvcrwaltung, Selbststeuerung, Sc\bstorganization", in Archiv des i!ffeutlidwll Rechts, 1 H {IHBD), p. 127; c Florian Bed!er, J\oopemtive mtd f{unmzsualeStntkfuren in der Normsel!::1111g, TUhingcn, ~ooLi, p. IS s.

    23

  • como um modo clecisionista de resolver problemas a partir de um signiFica-do monocausal. Acresce que o modo normativo-intervencionista descura a necessidade de infomwo quer no momento do impulso regulativo quer na Fase de controlo. l\!las h mais. No que respeita s formas de interaco entre o estado e a sociedade, subsiste a dominncia da razo hierrquica, com completa indiferena e at ignorncia relativamente aos destinatrios. No admira, assim, que em muitos sectores (incluindo o campo dos pro-fissionais do direito) se venham acumulando imponentes Fundamentaes teorticas e tericas da perda de capacidade de direco e de comando por parte do Estado e do direito.

    Embora as teorias autorreferenciais tenham obrigado a reviso (por vezes dramtica) dos esquemas de direco do estado e do direito, enten-demos que possvel manter tendencialmente a ideia de direco: coman-do dirigido conformao, regulao, alterao intencional e finalstica de situaes polt~cas, econmicas, sociais e culturais por meio dos instrumen-tos jurdicos. A semelhana das teorias sistmicas, a direco no deve

    conceber~se como ordem autocrtica do Estado soberano juridicamente imposta, antes deve compreender esquemas mltiplos de mecanismos accionados por vrios actores sociais. nesta perspectiva que se orienta a anlise ueoinstitucioualista centrada nos vrios actores sociais e nos vrios instrumentos de direco. O conceito de direco , assim, um conceito analtico que engloba vrios meios ele clireco ao lado do direito (mercado, finanas, organizaes). Da que seja importante salientar a centralidade directora do direito em um Estado de direito democrtico, mas no a sua exclusividade, impondo~se mesmo a conjugao de vrios instrumentos de direco para que sejam obtidos os fins desejados. Em segundo lugar, a direco pressupe actores sociais mesmo que se reconhea - como sa~ lientam as teorias autopoiticas - a existncia de sistemas diferenciados dotados de uma dinmica prpria 15 Diversamente, porm, da autorrefen-cialidade sistmica, o institucionalismo centrado nos actores depende de urna direcilo poltico~social entendida como um sistema intencional e co-municativo de aco influenciadora da conformao de relaes sociais orientadas para o bem comum. O que absolutamente necessrio, neste modo de ver as coisas, dar centralidade regulativa aos sistemas de inte-raco sociais por meio dos seus actores individuais ou colectivos. A partir desse conceito analtico de direco, o institucionalismo centrado nos

    15 Cfr., por todos, Frit1. Sc\mrpt: bJ/emktion.~fonneu . -Jkteur.::mtrierter Jnstitulirmali.mws i11 tler Politik-Jorsdwng, Oph1dcn, 2000.

    24

  • actores defende uma "nova estatalidade", uma "nova arquitectura de Esta-do", em que se recortem novas formas institucionalizadas de cooperao e de comHnicao entre: (i) os actores sociais mais importantes e os interes-ses politicamente organizados; e (ii) o Estado e as organizaes polticas.

    li- Refraces metdico-metodolgicas

    Chegamos ao momento de perguntar pelo impacto praxeolgico desse esquema de direco no campo da interpretao e da concretizao do direito directivo-consUtucional. Antes de procedermos exemplificao prtica da metdica aplicadora, tentemos sintetizar algumas das dimenses a ter em conta:

    (1) as grandezas de referncia so as instituies (sistemas) ao lado dos esquemas tradicionais das relaes jurdicas e dos mecanismos jurdi-co-processuais e procedimentais;

    (2) relevncia dos novos modelos de direco, designadamente os modelos de mauagemeu-t- desenvolvidos pela cincia econmica no mbito do mercado e da economia privada (particularmente importantes para as questes da modernizao c eficincia dos mecanismos de direco);

    (3) pluralidade das regulaes jurdicas, tendo, sobretudo, ateno que a regulao dircctora pode convocar complexos normativos diversos como o direito dos contratos, o direito da lei, o direito da constituio, o direito europeu, o direito intemacional; c

    (4) mecanismos densificadores (boas prticas, excelncia de servios, standards) de normas de direco constitucionais.

    1. A determinao dos nveis essenciais de prest-aes sociais

    Os esquemas de racionalizao de prestaes sociais, no mbito dos direitos sociais (sade, segurana social, ensino), so o exemplo tpico de que a constituio social directora precisa de novos arrimos jurdico-dog-mticos. A sua anlise do modo como os juristas tm discutido o problema das prestaes sociais leva-nos a algumas concluses desconsoladoras. Em primeiro lugar, os anseios da constituio social vinculados s premissas tpicas do positivismo legalista mais no fazem do que repetir at exaus-to o crculo vicioso de qualquer positivismo. Em termos simples, o crcu-lo pode descrever-se assim: (i) as normas consagradoras dos direitos sociais, econmicos e culturais consagram o direito sade, segurana social, ao

    25

  • ensino; (ii) logo, todos temos direitos por via da constituio a todas as prestaes da sade, da segurana social e do ensino; e (iii) ento, a pol-tica do direito constitucionalmente conforme no campo destes direitos a que consagra a gratuitidade de todas as prestaes reclamadas pela neces-sidade de realizao desses direitos.

    Em sentido diametralmente inverso, os idelogos liberais partem das seguintes premissas: (i) os direitos sociais no so verdadeiros direitos, porque no possuem a dignidade de direitos subjectivos; (ii) as normas constitucionais consagradoras desses direitos so normas programticas que, em rigor, no deveriam estar no texto constitucional, pois as suas concretizaes dependem das polticas pblicas dos rgos polticos legi-timados para desenvolv-las; e (iii) os bens protegidos por essas normas so, em primeira linha, bem privados, cuja proteco s excepcionalmente deve ser confiada s entidades pblicas. bom de ver que no por sermos positivistas constitucionais que os direitos sociais so realizados pelos po-deres pblicos e no por insistirmos na mo invisvel que os problemas sociais deixam de existir, e, mais do que isso, so satisfatoriamente solu-cionados para todas as camadas da populao. De qualquer modo, impe-se discutir o modo como se assegura a direco jurdica- poltica da concre-tizao dos direitos constitucionais sociais. E j vimos que as recentes leituras jurisprudenciais portuguesas, a pretexto de reconhecerem o "mni-mo social" compatvel com o "mnimo de dignidade", esto a reforar indi-rectarnente o retrocesso social do Estado. Vamos tentar uma recentrao do problema com base na ideia central de clireco constitucional social. A ideia do direito como instrumento de direco ao lado de outros instrumen-tos (financeiros, organizatrios) , hoje, como dissemos, uma das premissas metodolgicas de institucionalismo jurdico. Essa perspectiva neoinstitu-cionalista mantm as tradicionais categorias jurdicas e hermenuticas mas introduz outras valncias normativas. Testemos a sua operacionalidade prtica.

    a) A icleia de "11cleo esseucial" Trata-se de uma categoria central da dogmtica jurdico-constitucio-

    nal do ltimo meio sculo. O recorte de um "ncleo essencial" de direitos, liberdades e garantias perFilava-se como o ltimo reduto de garantia contra as leis e as medidas agressivamente restritivas desses direitos. Hoje, pare-ce reconhecer-se que a determinao da essncia de um direito no ta-refa fcil, sobretudo quando eles se colocam perante os juzos de balance-amelltO de bens e direitos em caso de conflito. Por outro lado, defende-se, em alguns trabalhos, que a sua autonomia dogmtica acaba por ser residu-

    26

  • ul, dado que se trat
  • so especificadas e pormenorizadas as dimenses que asseguram a sua adequao. Se bem interpretamos as propostas multidimensionais, elas pretendem conseguir aquilo que as interpretaes- concretizaes dou-trinrias e jurisprudenciais clssicas - no conseguiram at agora: asse-gurar a eFectividade da disciplina constitucional ao nvel das prestaes sociais. A efectivao passa pelo recurso aos esquemas tradicionais de le-gislao e regulao porque se considera indispensvel uma lei e um regu-lamento de execuo. Aquela disciplinaria as prestaes, os destinatrios, os indicadores, o sistema informativo, os recursos financeiros, as aces estaduais de suporte, os programas de interveno extraordinria e o rem-dio para a inobservncia de standards. O regulamento, por sua vez, devia especificar a lista dos indicadores, individualizando, para cada um deles, o valor objectivo que as administraes devem respeitar.

    O que h de novo a tentativa de introduzir guicle-liues de boas pr-ticas ou de sta11dards possibilitadores de controlo e que, primariamente, diro respeito aos mecanismos de govemmzce c de accountability, mas que podero constituir tambm elementos de facto para a eventual jurisdicio-nalizao dos conllitos prestacionais. l\'las no s isso: perante a incon-tornvel presso dos custos dos servios de sade e consequentes polticas de racionalizao, a metodologia mais segura para a garantia dos direitos no a da subsuno positivista-constitucional, mas a de recortar o ncleo duro da subjectivizao dos direitos sociais1;.

    c) Do direito sazde aos direitos dos doentes Outra forma de dar efectividade direco normativo-constitucional

    do direito fundamental sade a de a metdica constitucional estar atenta aos outros instrumentos ele direco, designadamente os instrumen-tos reguladores e a carta de direitos dos utentes. Mesmo que se aceite a lgica sistmica da diFerenciao e autonomizao de sistemas- sistemas de sade, sistemas de segurana social-, a direco por meio do direito constitucional pode concretizar-se mediante boas prticas18 emergentes da

    17 A efectivid;ldl! da regulu~~ao do Lep assenta na individualizailo d

  • cli 11 ical govemauce. A qualidade dos servios de sade- quer sob o ponto de vista clnico quer do ponto de vista assistencial-, com a consequente uarantia dos direitos dos utentes, sobretudo dos doentes, pode resultar da ~bservncia dos padres tcnicos e humanos deFinidos em cdigos de boas prticas do que na execuo hierrquica de regulamentos c procedimentos administrativos. No foi a exegese da constituio e o platonismo subsun-tivo que permitiram individualizar os direitos elos H lentes (autonomia, infor-mao, vontade previamente manifestada, liberdade de escolha, privacida-de, acesso informao da sade, no discriminao e no estigmatizao, acompanhamento espiritual, primado da pessoa sobre a cincia e a socie-dade, direito de guei'Xa e reclamao, equidade no acesso, acessibilidade em tempo til) 19 Se o direito constitucional quiser continuar a ser um instrumento de direco e, ao mesmo tempo, reclamar a indeclinvel fun-o de ordenao material, s tem a ganhar se introduzir nos seus proce-dimentos metdicos de concretizao os esquemas reguladores e de direc-o oriundos de outros campos do saber (economia, teoria da regulao). E a concluso parece-nos clara: a governao clnica (cliuical govenwnce) um esquema de boas prticas concretizador do direito sade.

    d) Direco cousUt.uciOJwl e metdica de concreti:ao dos direitos sociais A metdica de concretizao por meio de instrumentos normativos e

    de instrumentos reguladores de boas prticas no significa que ponhamos de lado a metdica de concretizao judicial. O que os anteriores exemplos pretendem demonstrar que o direito constitucional como cincia de di-reco no pode ficar alheio a esquemas novos de concretizao. E no deb.:a de ser um bom "teste" metodologia jurdico-constitucional a carac-terizao, em sede judicial, do nvel essencial de prestaes sociais.

    O simples reconhecimento de um ncleo essencial de prestaes sociais, equivalente ao nlicleo essencial dos direitos, liberdades c garantias, impe uma reviso do cancter prestacionalmente dependente dos direitos sociais. Isso no tanto porque no seja juridicamente correcto, mas porque, de uma Forma ou de outra, todos os direitos- desde os direitos, liberdades e garantias pessoais aos direitos - apresentam dimenses caracterizada-mente regulativo-prestacionais. Lembramos to somente o direito de aces-so ao direito e tutela jurisdicional efectiva, o direito de participao na vida poltica (financeiramente, por exemplo, dos partidos e das campanhas elei-torais), da liberdade de ensino da religio (com professores pagos pelo Es-

    w Cfr. Hui Nunes, llegullllio tlil smid1~, Portu, ~005, p. H~ s.

    29

  • tado}. Em segundo lugar, se h um ncleo essencial de prestao, ento deve colocar-se o problema da aplicabilidade directa das normas constitu-cionais garantidoras das prestaes essenciais constitutivas desse ncleo20 Esgrimir aqui com as tradicionais ''reservas"- "reserva de lei" constitutiva das prestaes e "reserva do possvel" em termos econmicos e financeiros" - significaria que bastaria o legislador e todos os rgos responsveis pela concretizao Ficarem silentes, para se negar a existncia de um ncleo essencial de prestaes sociais. Afinal, a direco da constituio, ou melhor, da direco, dos direitos sociais constitucionalmente garantidor ficaria neu-tralizada pelas omisses legislativas e executivas. A "reserva de lei" transmu-ta-se em inimigo dos direitos sociais que, no Fundo, so dimenses consti-tutivas da igual dignidade social e da jmtia distribut-iva.

    bvio que os tribunais no podem ficar alheios concretizao judicial das normas directoras da constituio social. No pode impor-se metdica constitucional a criao de presmpostos de facto e de direitos claramente fora da sua competncia ou extravazando os seus limites jur-dico-Funcionais. Os tribunais no podem neutralizar a liberdade de confor-mao do legislador21 , mesmo em um sentido regressivo em pocas de escassez e de austeridade financeira. Isso significa que a chamada tese da "irreversibilidade de direitos sociais adquiridos" deve entender-se com ra-zoabilidade e racionalidade, pois poder ser necessrio, adequado e pro-porcional baixar os nveis de prestaes essenciais para manter o ncleo essencial do prprio direito sociaF2

    e} E o que dize/Jl os ju:es quem to ao 11vel esse11cial de prestaes socinis? As jurisprudncias comuns c constitucionais, ao ser confrontadas com

    o "direito ao mnimo existcncial"2\ orientaram a sua estratgia hermenu-tica no seguinte sentido: (i) o direito ao mnimo prestacional para uma existncia condigna um direito prestacional originrio fundado em um

    ~o A doutrina italiana tem aprofUndado o tema em trabalhos recentes: A. Giorgis, La autitula!::ioua-li!::!:llziolle dei diritti all'eqmtglitlll!:ll .m.r/au!:liiie, Napoli, 19DH, p. 87 s.; C. Salawr, Dal riamoscimeuto alfa ganwda d diritti socialt: Orientamenti e tccniche decisorie della Corte Costituzionalc italiana, lvlilano, 1 D9U.

    ~~ Cfr. Virgflio Afonso da Silva, Gnmdrechte mui geul!:gelwriJdw Sj,elrilume, Badcn-Badcn, ::!OO:J, p. JJj S. ~~ Cfr., por Ultimo, L i\lnssa Pinto, .. Conrenuro minimo cssenziale dei diritti costituzionalc c conce-one espansiva della Costituzione", in Diritti Pubblim, ~001, p. 109li s.

    ~'1 Cfr., para o caso portugus, Jorge Reis Novais, Os Jm"ndjliru e.lrulunmln, cit., p. :!91 s.; Jos Carlos Vieira de Andrade, Os direitosfimdanunlaiJ 11/l Coustituirtio Portuguesa de 1976, !!. ed., ~001, p. :171 s.

    30 l

  • direito fundamental da dignidade da pessoa; e (ii) os direitos, liberdades e garantias transportam uma dimenso objectivn conducente ressubjectivi-zao de posies prestacionais, configurando-se, assim, eles prprios em esquemas de garantia dos direitos sociais24 Temos dvidas quanto a este ponto de partida. Em primeiro lugar, com o uso e abuso do recurso dig-nidade da pessoa humana (de resto sendo problemtica a sua estrutura como direito autnomo) corre-se o risco de "dessubstantivar" todos os outros direitos, quer os de liberdade, quer os sociais. Em segundo lugar, mesmo quando no se convoca apenas a dignidade da pessoa humana e se apela para outros direitos e liberdades (ex.: direito vida, direito ao desen-volvimento de personaldade) insinua-se que h uma fwro prestaciOJml. geral inerente a todos os direitos negativos de liberdade. Em terceiro lugar, uma jurisprudncia aparentemente amiga da dignidade humana e das suas refraces sociais pode, afinal, ser uma jurisprudncia que cncapuada-mente se recusa a olhar de frente para o direito igual diguidade social (e no apenas dignidade da pessoa humana), o direito igHaldade distributiva, o direito ao desenvolvimento da personalidade, o direito a nveis esseuciais de prestaes sociais inerentes aos direitos sociais. O problema , afinal, nesse contexto o de saber se os juzes tm instrumentos metdicos e metodol-gicos para concretizarem a direco constitucional de direitos sociais15 . O limite que os tribunais constitucionais invocam, em geral, o de que no lhes pertence interferir nas polticas pblicas. Resta saber se o ecological approach da funo judicial no vai entrar decisivamente na extrinsecao dos direitos sociais. Aqui a resposta clara: o juiz participa na poltica porque desempenha um papel considerado adequado para assumir a cum-plicidade de partilhar os valores e interesses dos grupos e indivduos que perante ele reivindicam direitos e posies prestacionais negadas ou blo-queados pelos decisores poltico-representativos26 Isso obrigar a desen-volvimentos doutrinais que esto fora da economia deste trabalho.

    ~f Cfr. us trabalhos de \V. Neumann sobre a problcmiitica do mini mo g-.~ramido de existncia a partir da dignidade da pessoa humana: "MenschenwUrde unr.l psychischer 1\ranl\cit", in NVWZ, 1995, p. H~ s.; "Sozialstaat und Grundrecht~r.logmatil\", in DT'BL, 1997, p. 92 s. ~r. A doutrina mostra-se reticente. Cff., por exemplo, C. Salazar, Dal ricrmoscimeu/o al/n ganm:::li1 dei diritti soda!~ cit., p. 150; Wolfram Cremen, Frheitsgrundrechte, TUbingen, eoo:J, p . .'JO s. ~~~Veja-se este ecolo~::,riralajJjmJach em H. Jacob, "The governance of trialjudges", in Law lllul.mciety revzi.'1lJ, .'J 1, I, p . .'J s.

    31

  • O DIREITO DOS POBRES NO ACTIVISMO ]UDICIARIO

    ]. ]. Gomes Canotilho""

    Um tipo de activismo judicirio est relacionado com a "opo pelos pobres" na cincia do direito e na actividade jurisprudencial. No plano da cincia jurdica, um autor teve a corajosa ideia de desafiar a responsabili-dade social dos juristas e colocou a seguinte questo: " (ser) possvel uma opo pelos pobres na cincia do direito?"

    A "opo pelos pobres" exige, desde logo, um esclarecimento sobre as premissas ou os pontos de partida. Em primeiro lugar, o que so e quais so os pobres? Pobres so os proletrios no clssico sentido marxista da luta de classes? Pobres so os pobres de esprito no sentido bblico? Pobres so os excludos da sociedade de conhecimento? Pobres so os que vivem em "bairros" de lata? Pobres so os que vivem em pases pobres? Pobres so "os fracos e os oprimidos" desde os doentes, os perseguidos? Pobres so os que vivem no limite de uma existncia minimamente condigna? Pobres so os beneficirios de um rendimento social de insero? Essa catadupa de interrogaes aponta j para a indispensabilidade da clariFicao da cate-goria nuclear subjacente ao tratamento jurdico-dogmtico e dos direitos dos pobres. A nosso ver, se a cincia do direito quiser colocar os "pobres como sujeitos relevantes" nas construes terico-dogmticas, dever, desde logo, ultrapassar as pr-compreenses ou cosmovises meramente ideolgicas, religiosas e econmicas. Uma opo realista pelos pobres as-sentar em uma perspectiva inclusiva e dialgica, no devendo elimiuar nenhuma camada de excludos. Em segundo lugar, uma opo pelos pobres leva a srio todas as pessoas, tendo em conta a situao concreta. Por pa-lavras muito em voga na sociologia americana, o direito deve ter aberturas dialgicas para os rostos, os corpos, as almas, dos que enfrentam as difi-culdades da dor, da pobreza, do isolamento, da opresso, da ignorncia (pobres sem meios de subsistncia, doentes, perseguidos, discriminados, velhos, humilhados) 1 Em terceiro lugar, uma "opo pelos pobres" reivin-

    Profbsor Catednitko da Faculdade de Direito da Univ['rsidade clc Coimbra. 1 Cfr. Hob['rtDeinlmmmcr, 1st ['ine "Option furdie Armcn" in der Hcchtswissl'nschaft?, in Fur Rechts mui So=ialphilosophie, D:J (!:!OOi), p. 551 s.

    33

  • clicaria uma atitude crtica perante as desigualdades fcticas e jurdicas existentes. As "teorias da justia" sempre problematizaram os temas da li-berdade e da igualdade. E se hoje se insiste na ideia de respo11sabilidade individual pela Formao da personalidade e conduta na vida, tambm se eleve ter em considerao o facto de muitas pessoas no mundo no terem culpa de ter nascido pobres ou de ter cado na situao de ''fracos e opri-midos" (doena, desemprego involuntrio, catstrofes humanitrias). Em quarto lugar, e esta nota particularmente importante para os juristas, a "opo pelos pobres" aponta para o recorte dos princpios da solidariedade e do solidarismo e dos direitos sociais como regras jurdicas capazes de radicar pretenses a prestaes juridicamente accionveis. Convm lembrar que o direito, se quiser ser direito, tem de permanecer em dilogo com os problemas mais difceis da filosofia prtica. Diramos que as normas jur-dicas no so "tratados de razo pura", to pouco servem de declaraes de amor para quem quer que seja. Seria trgico, porm, que fossem cascas vazias de legalidade e de regulaes sem qualquer flego de vida e de im-pulso para a justia social. Chegados aqui; perguntar-se-: como credibili-zar uma "opo pelos pobres" em termos jurdica e cientificamente susten-tados? A resposta passa (i) por dar mais relevo a disciplinas que, de uma forma explcita, se preocupam com a pobreza, a segurana social, a sade e o emprego (direito social, direito da segurana social, direito da sade, direito do trabalho e do emprego); (ii) analisar com serenidade reflexiva, mas tambm com intencionalidade de justia, as normas que, directa ou indirectarnente, colocam em relevo os "fracos" nas relaes jurdicas (di-reito do trabalho, direito de arrendamento); (iii) dignificar o estatuto jur-dico de um nmero crescente de pessoas carecidas de protcco interna-cional (estrangeiros, exilados, imigrantes ilegais); (iv) estudar as normas de direito internacional, europeu e nacional que se destinam protcco da dignidade das pessoas; (v) dirigir o sistema fiscal e a fiscalidade no sentido de dar efectividade a uma redistribuio socialmente justa; (vi) apoiar e dinamizar esquemas de aco positiva (afirmative actious, quotas contra sub-representao de sexos) para neutralizar a perpetuao de excludos e iniciar a tendncia firme de incluso; e (vii) conferir a devida importncia aos estudos sobre direitos humanos e realar a vinculatividade jurdica das convenes internacionais a eles respeitantes. Alm disso, no plano estri-tamente teortico-.dogmtico, promove a articulao da racionalidade e cultura jurdicas com as teorias polticas da justia e da tica filosfica, alicerando uma metodologia com partilha de transversalidadcs cognitivas e criar os pressupostos cientficos da aquisio de competncias c de sa-beres na sociedade de inovao e de conhecimento. E quanto "opo

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  • pelos pobres" no mbito da actividade juridiciria? Essa pergunta os ma-uistrados respondero tambm, na sua maioria, que a costumagem juris-;rudencial no olha para os pobres. Talvez no seja desconhecido que um poderoso movimento- o chamado ecologicalapproach- pretende colo-car o problema dos pobres no mago da sua responsabilidade constitucio-nal e funcional. Partindo da verificao de que os poderes polticos com-petentes para a dinamizao de polticas pblicas de solidariedade e de socialidade permanecem indiferentes ou actuam em manifesta desconfor-midade com os princpios de justia, constitucionalmente plasmados, a magistratura judicial assume a sua accowztability e a sua responsive1zess para com os pobres ousando proferir sentenas de inequvoca conformao poltico-social. Temos manifestado as mais srias reticncias a esse activis-mo, por mais nobre que seja a sua intencionalidade solidria. Alm de se limitarem a sentenas casusticas - sobretudo no mbito de prestaes de sade- falta-lhes legitimidade para a apreciao poltico-judicial das dcsconFormidades constitucionais das polticas pblicas. Neste contexto, parecem-nos mais politicamente eficazes as manifestaes pblicas de "cidados difceis" contra as polticas da sade ou contra as polticas am-bientais do que o sistemtico recurso ao Poder Judicirio. Compreendemos a angstia do cidado brasileiro que consegue chegar aos Tribunais, in-cluindo o Supremo Tribunal Federal, reclamando "o mandado judicial para Fornecimento de 'Viagra' em nome da dignidade da pessoa humana", mas, por enquanto, a prudncia jurisprudencial no tem legitimidade para se transFormar em instncia com pensadora de disFunes humanas e sociais, como se de rgos politicamente responsveis se tratasse. fVlais uma vez, as normas jurdicas no so declaraes de amor.

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  • r A RELAO 1-IOMOAFETIVA E O DIREITO DE SEGURIDADE

    SOCIAL- UMA LEITURA A PARTIR DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS

    rica Paula Barcha Correia*

    Introduo

    O presente estudo tem como objeto o tratamento dado pelo Sistema de Seguridade Social aos companheiros homossexuais para fins de conces-so de benefcios previdencirios, tais quais a penso por morte, o auxlio--recluso e o salrio-maternidade, e das prestaes de sade.

    Embora tais relaes sejam cada vez mais considemdas como unio est;ivel, h uma lacuna a ser preenchida, em termos de rcgubmentao, em nosso ordenamento jurdico.

    Assim, a partir de uma anlise constitucional, passamos ao estudo do tema.

    I -A proteo jurdica relao homoafetiva luz da Constituico Federal , A Constituio Federal de 1988, cunhada como Carta Cidad, trou-

    xe para o seu bojo dispositivos hbeis promoo do bem-estar social, e declara como um de seus fundamentos a proteo dignidade da pessoa humana (art. I", lll).

    Conjugando~se o dispositivo constitucional acima mencionado com o que dispe o art. 52 do mesmo diploma legal, temos que todos so iguais perante a lei, proibindo~se a discriminao em razo do sexo.

    "Mestre c Doutora em direito prcvidenci1rio pela PUCSP, c autora de obras na rea. Diretora da Escola Paulista de Direito Social. Professora em cursos de ps~graduao em Direito.

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  • 1. O direito como reg21lador das relaes sociais- necessidade ele dinamismo e evol.Ho -a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo

    Sabemos que o direito vem para regular as relaes sociais. Para isso, ele deve ser dinmico e estar em constante evoluo, sob pena de deixar sem regulao e sua margem questes decorrentes da mutao das rela-es entre as pessoas que vivem n

  • que brasileiros e estrangeiros residentes em nosso pas n8o sofrero discri-minao de qualquer nuturcza3

    Por outro lado, um dos objetivos fundamentais da Hepblica Federa-tiva do Brasil a promoo do bem-estar de todos, sem preconceitos, dentre outros, em razo do sexo4

    Mencionada disposio constitucional carrega em seu bojo detcrmi-na8o de que homens e mulheres so iguais pemntc a lei.

    Desse modo, partindo da premissa de que o direito dinmico e est para regular as relaes sociais, deve ser prestigiada a opo sexual do ci-dudo, para fins de constituio de entidade familiar c consequentes refle-xos, em nosso caso, no direito de seguridade social.

    Como corolrio do princpio da igualdade, insere-se a proibio cons-titucional de discriminao em razo do sexo, no limitada tal valorao mera distino entre homens e mulheres.

    Entendemos, portanto, que no pode haver discriminao em mzo do sexo, seja o cidado homossexual, transexual ou no, sob pena de m-cula aos princpios constitucionais da igualdade c da proteo dignidade da pessoa humana.

    Destarte, uma vez constituda a sociedade civil entre pessoas do mesmo sexo (at que sobrevenha a legislao para expressamente reconhe-cer c autorizar essa unio), o( a) companhciro(a) homossexual em tais rela-es deve ser considerado(a) como dependente econmico presumido do( a) segurado( a) falecido( a) ou rccluso(a).

    Pelo princpio da igualdade, deve a autarquia previdenciria tratar de forma igual todos os dependentes de segurados, sob pena de discriminao em razo do sexo.

    Entender de forma contrria seria atentar contra a proteo consti-tucional dignidade humana c liberdade constitucional de escolha de sexo, concebida como direito fundamental ao desenvolvimento de personalidade.

    5 CF /88: "Art. 5~ Todos sao iguais perante n lei, sem distinao de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e OlOS estrangeiros residentes no Pafs a inviolabilidade do direito i1 vida, liberdade, ;i igualdade, ;i ~egurana c ;i propriedade ... XLI- a lei punir qualquer discrirniml\~ao atentatria dos direitos e liberdades fimdamcntais'. 'CF/8H: ':Art.~~~ Constituem objetivos fundamentais da Rcpltblica Federativa do Brasil:( ... ) IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, ra\a, sexo, cor, idndc c quaisquer outras formas de discriminao ...

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  • 3. A proteo especial do Estado famlia e o reconhecimento, para fins previdencirios, de ttnio estvel entre lzoHzossexuais

    Como anteriormente mencionado, o ordenamento jurdico brasileiro ainda no se adaptou s mudanas sociais ocorridas, como as que resultam na formao de novos modelos de entidade familiar.

    Entretanto, com base no disposto no art. 226, caput, e seu 3!!., da Constituio Federal, o Estado no pode, sob pena de discriminao, dei-xar margem de sua proteo a unio entre pessoas do mesmo sexo com o fim de constituir famlia.

    I!-A proteo do sistema de seguridade social em casos de unio homoafetiva

    1. O direito Previdncia Social como direito fundamental Heza o art. 62 da CF/88 que dentre os direitos sociais jnclui-se o di-

    reito Previdncia Social. Como anteriormente consignado\ os direitos sociais tambm so direitos fundamentais, tendo em vista que se encontram, na Constituio Federal, no mesmo Ttulo II, que trata dos direitos e ga-rantias fundamentais.

    Nos termos do art. 20 I da Carta Magna, a Previdncia Social atende-r cobertura de contingncias geradoras de necessidade decorrentes, dentre outras, da morte, cabendo aos dependentes do(a) segurado(a) falecido( a) o recebimento de penso previdenciria e o auxlio-recluso para os dependentes do( a) segurado(a) recluso( a) e a proteo maternidade.

    1.1. A Previdncia Social no plano infraconstitucional -Lei n. 8.213/91

    Com o advento da Lei n. 8.213/91, que disps sobre o Plano de Be-nefcios da Previdncia Social, h o reconhecimento do( a) companheiro( a) como dependente presumido do( a) scgurado(a).

    No direito previdencirio nota-se a mesma ausncia de disciplina legal apta a amparar o( a) companheiro(a) homossexual.

    "CORREIA, Marcus; CORREIA, rica. Curso tle direo da seguric/IJ(/e .wczid. L ed. So Paulo: Sarai-va, :mos.

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  • Todavia, a disposio contida no art. I 6 da Lei n. 8.2 I 3/91, que trata dos dependentes presumidos do( a) segurado( a), ao admitir em seu rol de dependentes presumidos o( a) companheiro(a), de certa forma, no exclui 05 homossexuais.

    Cabe ressaltar que o mencionado dispositivo legal, ao tratar clo(a) companheiro( a), no exige que o dependente seja exclusivamente oriundo de uma relao heterossexual, o que d ao intrprete a possibilidade de concesso do beneFcio de penso por morte ou auxlio-recluso, a partir do Fato de que a lei se refere to somente ao() companheiro(a). Inclui-se, portanto, o(a) companheiro(a) homossexual.

    1.2. A Instruo Normativa n. 25/2000 do INSS e a dificuldade prtica de sua aplicao

    Por fora da deciso exarada em ao civil pblica, que tramitou na 3!! Vara Previdenciria de Porto Alegre/RS, o INSS editou a Instruo Norma-tiva n. 25/2000 para regulamentar a concesso dos benefcios de penso por morte a auxlio-recluso ao( ) companheiro( a) homossexual.

    1bdavia, na prtica, o que se nota por parte da autarquia previdenci-ria a reiterada negativa de concesso de benefcios previdencirios em casos de unio homoafetiva sob o fundamento de ausncia de prova de dependncia econmica.

    Por meio de tais justificativas, o INSS, para no discriminar em razo do sexo, incorre em outra prtica, tambm de excluso, pois acaba por desconstitucionalizar direito social (cf. art. 6" da CF) do dependente Previdncia Social, direito este fundamental.

    Diante de tais prticas da Administrao Pblica, a esse cidado outra opo no h que socorrer-se do Poder Judicirio, o qual, consoante grande parte de suas decises, tem resgatado a cidadania e conferido a dignidade humana no trato da Administrao Pblica com seus administrados.

    Nesse sentido, confira acrdo do STJ abaixo transcrito:

    "RECURSO ESPECIAL N. 395.904-RS (2001/0189742-2) RELATOR: MINISTRO HLIO QUAGLIA BARBOSA RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL

    -INSS PROCURADOR: CARLOS DOS SANTOS DOYLE E OUTROS RECORRIDO: VITOR HUGO NALRIO DULOR

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  • ADVOGADO: FRANCISCO DA ROSA MALACO E OUTROS RECORRIDO: MINISTRIO PBLICO FEDERAL EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIRIO. PENSO

    POR MOlHE. RELACIONAMENTO 1-IOMOAFETIVO. POSSIBILI-DADE DE CONCESSO DO BENEFCIO. MINISTRIO PBLICO. PARTE LECTIMA.

    I -A teor do disposto no art. 127 da Constituio Federal, 'O Mi-nistrio Pblico instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime demo-crtico de direito e dos interesses sociais e individuais indisponveis.' fll casu, ocorre reinvindicao de pessoa, em prol de tratamento igualitrio quanto a direitos fundamentais, o que induz legitimidade da Ministrio Pblico, para intervir no processo, como o Fez. 2- No tocante violao ao artigo 535 do Cdigo de Processo Civil, uma vez admitida a interveno ministerial, quadra assinalar que o acrdo embargado no possui vcio algum a ser sanado por meio de embargos de declarao; os embargos in-terpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questes apre-ciadas no v. acrdo; no cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando da ndole do recurso apenas reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE lVIIHANDA, que a jurisprudncia consagra, arredando, sistematica-mente, embargos declaratrios, com feio, mesmo dissimulada, de infrin-gentes. 3 -A penso por morte : 'o benefcio previdencirio devido ao conjunto dos dependentes do segurado Falecido - a chamada famlia previdenciria- no exerccio de sua atividade ou no (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele j se encon-trava em percepo de aposentadoria. O benefcio uma prestao previ-denciria continuada, de carter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econmi-cas dos dependentes.' (Rocha, Daniel Machado da. Comentrios lei de benefcios da previdncia sociai/Daniel Machado da Rocha, Jos Paulo Baltazar Jnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p. 25 1). 4 - Em que pesem as alegaes do recorrente quanto violao do art. 226, 32 , da Constituio Federal, convm mencionar que a ofensa a artigo da Constituio Federal no pode ser analisada por este Sodalcio, na medida em que tal mister atribuio exclusiva do Pretria Excelso. Somente por amor ao debate, porm, de tal preceito no depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que no diz respeito ao mbito pre-videncirio, inserindo-se no captulo 'Da Famlia'. Face a essa visualizao,

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  • a aplicao do direito espcie se far luz de diversos preceitos consti-tucionais, no apenas do art. 226, 32 , da Constituio Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em anlise. 5- Dian-te do 3" do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu Foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a par-tir do modelo da unio estvel, com vista ao direito previdencirio, sem excluso, porm, da relao homoafetiva. 6- Por ser a penso por morte um beneFcio previdencirio, que visa suprir as necessidades bsicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistncia, h que interpretar os respectivos preceitos partindo da prpria Carta Poltica de 1988 que, assim estabeleceu, em comando especfico: 'Art. 20 l. Os planos de previdncia social, mediante contribuio, atendero, nos termos da lei, a: ( ... ) V- penso por morte de segurado, homem ou mulher, ao cnjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no 22 '. 7 -No houve, pois, de parte do constituinte, excluso dos relacionamentos homoafetivos, com vista produo de efeitos no campo do direito previ-dencirio, configurando-se mera lacuna, que dever ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8- Outrossim, o prprio INSS, tratan-do da matria, regulou, atravs da Instruo Normativa n. 25 de 07-06-2000, os procedimentos com vista concesso de benefcio ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinao judicial expedi-da pela juza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciria de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ao Civil Pblica n. 2000.71.00.009347-0, com eficcia erga amues. Mais do que razovel, pois, estender-se tal orientao, para alcanar situaes idnticas, merece-doras do mesmo tratamento. 9- Recurso Especial no provido".

    1.3. A concesso do benefcio previdencirio salrio--maternidade para o segurado adotante

    So direitos sociais c, portanto, fundamentais o direito sade, previdncia c assistncia social, e a proteo maternidade e infnciat.

    No contexto da proteo constitucional dada maternidade e in-fncia, destacamos os casos de adoo por segurado, na condio de homem solteiro ou integrante de casal homossexual masculino.

    H'"Art. G2 Silo direitos sociais a eucailo, a sadc, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a pr

  • Muitos so os casos de adoo por pessoas do sexo masculino e que, embora segurados do sistema previdencirio, no so beneficirios da li-cena-maternidade, tendo em vista que a disposio contida na lei de be-neFcios da previdncia social (Lei n. 8.213/91) remete-se, exclusivamente, figura feminina, conforme disposies abaixo transcritas:

    "Art. 71. O salrio-maternidade devido segurada da Previdncia Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com incio no perodo entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrncia deste, observadas as situaes e condies previstas na legislao no que concerne proteo maternidade. (Redao dada pala Lei n. 10.710, de 5-8-2003)".

    e

    "Art. 71-A. segurada da Previdncia Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoo de criana devido salrio-maternidade pelo perodo de 120 (cento e vinte} dias, se a criana tiver at 1 (um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criana tiver entre I (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criana tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade. (Includo pela Lei n. I 0.421, de 15-4-2002)".

    Entretanto, o texto constitucional em seu art. 20 l, I, prescreve que o sistema de previdncia social deve proteger a maternidade (o que inclui a relao entre a criana adotada e o segurado adotante}, no importando qual o sexo, se feminino ou masculino, da pessoa que adota.

    Nesse contexto, o Tribunal Regional do Trabalho da 15" Regio, em Campinas, concedeu licena-maternidade de trs meses a um funcionrio -pai solteiro- que adotou um recm-nascido. Ele obteve o mesmo di-reito que uma me adotiva no servio pblico conseguiria;.

    7 "Justia d~i licena-adoo por 90 dias a pai solteiro; deciso nbre precedente jurdico Publicidade da Agncia Brasil. O CSJT (Conselho Superior da .Justin do Trnbalho) reconheceu o direito licena de HO dias pela udoilo de uma criana ao servidor da Justia do Trabalho Gilberto Semensato. De acordo com o udvogado do Sindicato dos Servidores Pblicos Federais da Justia do Trabalho da 15! !legio, Mrio Trigilho, o exemplo servir como precedente para outros casos. A deciso1o fOi divulgada na Ultima sexta-feira (~7). 'A deciso foi normativa, abrangendo todos os servidores do TfiT e represenl~mdo um precedente para outros cnsos semelhantes. Prevaleceu o bom-senso e a proteo crian~~a. O adotante ser pai e me da criana. Nada mais justo', nfirmou o advogado. A Juta de Sernensato dura llUase um ano. Em maro de ~008, aps adotar uma criana, de quatro meses, ele pediu ao Tribunal Regional do Trabalho, da 15~ Regio de Campinas, o direito a trCs meses de licena. A Lei 8,112 concede o beneficio somente s servidoras e no aos homens. 'A deci-so abre uma discusso para a atualizullo da~ leis na sociedade moderna, para um novo conceito de

    famm~l. Espero que estimule mais homens a fazer a adoo', afirmou Semeosato. O artigo 208 da lei, que rege o funcionalismo pUblico federal, prev que exclusivamente as mulheres tenham direito a trs meses para adoo de crianas at um ano e de um ms com mais de um ano.

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  • Desse modo, desde que segurado da Previdncia Social, na condio de companheiro em unio estvel de pessoas do mesmo sexo, no caso em tela, do sexo masculino, em nome do princpio da igualdade e da proteo constitucional maternidade, tem o segurado direito ao pagamento do salrio-maternidade. Entendimento diverso incorreria em ofensa ao sobre-princpio da dignidade da pessoa humana ao ferir o disposto no art. 6.!!. do texto constitucional que garante ao cidado, dentre outros direitos sociais, agasalhados pelo manto da clusula ptrea, o direito previdncia social e a proteo maternidade.

    2. O direito sade como direito fundamental. O direito constitucional sade tem previso nos arts. 196 a 200 de

    nossa Carta Magna. O acesso s aes e aos servios destinados promo-o, proteo e recuperao da sade universal e igualitrio, sendo direi-to de todos e dever do Estado8

    Dessa forma, independentemente de contribuio para o sistema, denominado SUS (Sistema nico de Sade) pela CF 88, todo cidado em territrio brasileiro tem direito s prestaes de sade.

    Paralelamente aos servios prestados pelo SUS, h autorizao cons-titucional para que empresas privadas ofertem servios privados de sade, mediante adeso dos interessados aos planos de sade9

    Sendo assim, em nome do princpio da igualdade e da liberdade e do princpio da universalidade que rege o sistema de sade, no pode haver recusa no atendimento em razo da orientao sexual do usurio do SUS

    Foi com base nesta lei que o ento presidente do TRT de Campinas, juiz Luiz Carlos de Arajo, negou administrativnmentc a licl!na no primt!iro pt!dido, em 200/l. St!ml!nsalo, na ocasio, recorreu ;10 Tribunal Pleno que acollwu o pedido com I .'i votos favorveis I! quatro contrrios. O presidente ento recorreu ao CS.IT e pediu efeito suspensivo at que o recurso fOsse decidido. O qui! ocorreu, por unanimidade de votos, em maro dt! 200H. O relator do procl!sso, conselheiro do CSJT, Carlos Albt!rto Reis de Paula, reconheceu o direito com b;Jse no ECA (Estatuto da Criana c do Adolescente) e na Constituio Federal, que garantem 1l criana ter um perfodo de adaptao nova famllia"'. H Conforme o arL 196 da CF: 'f\ sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polfticns sociais c econmicas que vismn reduo do risco de doena c de outros agravos e ao acesso univl!rsal e igualit1irio iis iles e servios para sua promo~~iio, protc~~o e recuperao". 9Cf: '1\rt. 197. So de rt!levfmcia pblica as aes c servios de sade, cabendo ao Poder Pblico dispor, nos termos da lei, sobre sua regulanwntailo, fiscalizao c controle, devendo sua execuo ser !Ciw diretmncme ou 11travs de terceiros e, tamb~m. por pessoa fisica oujurfdica de direito privado"'.

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  • e da plano de sade, sob pena de ofensa ao princpio vetor de proteo dignidade da pessoa humana.

    No obstante, a discriminao em funo de orientao sexual tem sido objeto de aes judiciais visando a reparao e a aplicao das normas e princpios constitucionais violados.

    O primeiro caso que relatamos diz respeito recusa de plano de sade em incluir como dependente companheiro de unio estvel entre pessoas do mesmo sexo. O TRF da 4!!. Regio julgou a favor do autor, de-terminando empresa de sade a incluso do companheiro como depen-dente e beneficirio do plano de sade.

    Neste sentido, confira a deciso mencionada: "EMENTA: ( ... )UNIO ESTVEL ENTRE PESSOAS DOMES-

    MO SEXO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. VEDAO DO 32 DO ART. 226, DA CONSTITUIO FEDERAL. INCLUSO COMO DEPENDENTE EM PLANO DE SADE. VIABILIDADE. PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE, DA IGUALDA-DE, E DA DIGNIDADE HUMANA. ART. 273 DO CPC. EFETIVIDADE DECISO JUDICIAL. CAUO. DISPENSA.

    ( ... ) 6. A recusa das rs em incluir o segundo autor como dependente do

    primeiro, no plano de sade PAMS e na FUNCEF, foi motivada pela orientao sexual dos demandantes, atitude que viola o princpio constitu-cional da igualdade que probe discriminao sexual. Inaceitvel o argu-mento de gue haveria tratamento igualitrio para todos os homosse.xuais (femininos e masculinos), pois isso apenas refora o carter discriminatrio da recusa. A discriminao no pode ser justiFicada apontando-se outra discriminao.

    7. Injustificvel a recusa das rs, ainda, se for considerado que os contratos de seguro-sade desempenham um importante papel na rea econmica e social, permitindo o acesso dos indivduos a vdos benefcios. Portanto, nessa rea, os contratos devem merecer interpretao que res-guarde os direitos constitucionalmente assegurados, sob pena de restar inviabilizada a sua funo social e econmica.

    8. No caso em anlise, esto preenchidos os requisitos exigidos pela lei para a percepo do benefcio pretendido: vida em comum, laos aFeti-vos, diviso de despesas. Ademais, no h que se alegar a ausncia de previso legislativa, pois antes mesmo de serem regulamentadas as relaes concubinrias, j eram concedidos alguns direitos companheira, nas re-

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  • \aes heterossexuais. Trata-se da evoluo do Direito, que, passo a passo, valorizou a afetividade humana abrandando os preconceitos e as formali-dades sociais c legais.

    9. Descabida a alegao da CEF no sentido de que aceitar o autor como dependente de seu companheiro seria violar o princpio da legalidade, pois esse princpio, hoje, no mais tido como simples submisso a regras nor-mativas, e sim sujeio ao ordenamento jurdico como um todo; portanto, a doutrina moderna o concebe sob a denominao de princpio da juridicidade.

    1 O. Havendo comprovada necessidade de dar-se imediato cumpri-mento deciso judicial, justifica-se a concesso de tutela antecipada, principalmente quando h reexame necessrio ou quando h recurso com efeito suspensivo. Preenchidos os requisitos para a concesso da medida antecipatria, autoriza-se o imediato cumprimento da deciso. No caso em anlise, esto presentes ambos os requisitos: a verossimilhana verificada pelos prprios fundamentos da deciso; o risco de dano de difcil reparao est caracterizado pelo fato de que os autores, portadores do vrus HIV, j comeam a desenvolver algumas das chamadas 'doenas oportunistas', sendo evidente a necessidade de usufrurem dos benefcios do plano de sade. Ademais, para os autores o tempo crucial, mais do que nunca, o viver e o lutar por suas vidas. O Estado, ao monopolizar o poder jurisdicio-nal, deve oferecer s partes uma soluo expedita c eficaz, deve impulsio-nar a sua atividade, ter mecanismos processuais adequados, para que seja garantida a utilidade da prestao jurisdicional" (Des. Relatora: lvlarga Inge Barth Tessler, AC 96.04.55333-0/RS, THF4, Terceira Turma, data da de-ciso: 20-8-1998, publicada no D], 24-11-1998, p. 585).

    No tocante s prestaes pertinentes ao SUS, entendemos oportuno mencionar deciso que detennina Unio a incluso na tabela de proce-dimentos remunerados pelo SUS de cirurgias de readequao de sexo aos transexuais.

    "APELAO CVEL N. 2001.71.00.026279-9/HS HELATOR: Juiz Federal ROGER HAUPP RIOS APELANTE: MINISTRIO PBLICO FEDERAL APELADO: UNIO FEDERAL ADVOGADO: Luis Antonio Alcoba de Freitas EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUAL!Sfv!O. INCLU-

    SO NA TABELA SIH-SUS DE PROCEDIMENTOS MDICOS DE

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  • TRANSGENITAUZACO. PRINCPIO DA IGUALDADE E PROIBI-O DE DISCR!iVIINAO POR M