ismail xavier - paulo emílio e o estudo do cinema

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  • 7/30/2019 Ismail Xavier - Paulo Emlio e o estudo do cinema

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    Paulo Emilioe o estudo do CinemaI S M A I L X A V I E R

    O s estudos e as pesquisas em nivel universitrio constituem umdado relativamente recente da cultura cinematogrfica emquase todo o mundo. Em muitos pases, foi na dcada de ses-senta que a ampliao da cultura audiovisual e a ascenso do plo c o -mu n i ca es na sociedade encontraram ressonncia na academia. No en-tanto, a pesquisa do cinema tem tradio prpria, que vem das cine-matecas ou mesmo de certo esprito de cineclube que data da segundadcada do sculo.

    A experincia brasileira seguiu este padro, com a presena decineclubes nos anos 20, a fundao da Cinemateca Brasileira, em SoPaulo, nos anos 50, seguida da criao da Cinemateca do MAM do Riode Janeiro. As universidades chECAm ao cinema depois dos museus e,dentro delas, os estudantes se antecipam ssuas Escolas. Tal o caso doClube de Cinema criado na Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras,em 1940, como plo de estudos e debates, dentro do esprito formadorque marcou tais iniciativas desde o cinema mudo. Entre seus fundado-res, a figura chave Paulo Emilio Salles Gomes, o estudante de filosofiaque trouxe para a Faculdade a melhor tradio do cineclubismo emtemporada na Frana, tomou lies com Plinio Sussekind Rocha, ex-membro do Chaplin-Club (1928-31), do Rio de Janeiro, principal focoda teoria cinematogrfica do Brasil at ento. O Clube de Cinema assi-nala o plo da cinefilia na vida de Paulo Emilio e de seus amigos, dadoque talvez no tivesse a importncia que adquiriu no fosse contempo-rneo de outra iniciativa, esta de maior alcance, do mesmo grupo dejovens da Faculdade: a criao da revista de cultura C l i ma . Atravsdesta, Paulo Emilio fez valerseumaior empenho e experincia no debatepoltico, orientando pontos de vista, alm de escrever seus artigos sobrecinema, contribuindo para ampliaro leque de intervenes e estudos quedeu especial relevo Clima dentro da crtica brasileira, na literatura, noteatro, nas artes plsticas e no cinema. Nesse momento, comeam a seconfigurar as indagaes do grupo no plano da histria cultural, suapergunta pela formao dirigida aos vrios setores da cultura brasileira,seu empenho em consolidar, no terreno do ensaio e da pesquisa erudita,um esprito de atualizao herdado do Modernismo.

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    J neste perodo evidenciou-se a perspiccia de Paulo Emilio, aviso totalizante da conjuntura que sempre lhe permitiu pensar o cinemadentro da cultura, inserir a reflexo sobre a imagem nas questes maio-res do sculo. Alas seus vos mais decisivos na interpretao do fen-meno cinematogrfico e das relaes entre histria do cinema e culturapopular no Brasil ficaram adiados para os anos 50 e 60. Nova perma-nncia na Frana, entre 1946 e 1954, completou a formao do crticoe revelou a maestria do bigrafo vide os livros sobre Jean Vigo eAlmereyda. O contato estreito com a Cinemateca Francesa refinou opesquisador.

    De volta ao Brasil, consciente de que a presena de um arquivo defilmes era condio para levar os estudos do cinema no Brasil a novopatamar, viabilizando pesquisas e a constituio de uma memria nacio-nal, Paulo Emilio, juntamente com amigos militantes na crtica, comoAlmeida Salles, ou na USP, com Antonio Candido, funda a CinematecaBrasileira. Ganha impulso, a partir da, o trabalho de pesquisa do cinemabrasileiro, mas o salto maior nesta direo se d nos anos 60 quandoocorre a articulao entre o esforo museolgico e o trabalho universi-trio. Nesse sentido, se Paulo Emlio, como intelectual da gerao deClima, pea decisiva na afirmao da Cinemateca como centro for-mador de pesquisadores em So Paulo, seu esforo de organizao docampo se consolida quando seu estilo de trabalho encontra lugar naUniversidade. Ou seja, quando o que se esboara no Clube de Cinemacomo experincia de estudantes da Faculdade, ainda em pleno EstadoNovo, a ela retorna, nos anos 60, de Teoria Literria e Literatura Com-parada. Convidado por Antnio Cndido, Paulo Emilio, a partir de1966, orienta teses, forma pesquisadores atrados de diferentes camposdas cincias humanas e das letras. Seu poder aglutinador d vida pes-quisa cinematogrfica na USP antes que esta formalize o cinema comoesfera acadmica.

    Destaco aqui os aspectos de ressonncia institucional da ao dePaulo Emilio, ciente de que tal registro apenas nos d uma plida ima-gem da sua liderana, do seu estilo de ao, do impacto do crtico sobreseus contemporneos, do professor sobre seus alunos e colegas, seja naUniversidade de Braslia, quando da implantao da revolucionria ex-perincia interrompida pelo regime militar em 1965, seja na USP, emsua FFCL ou no curso de cinema da Escola de Comunicaes e Artescriado em 1967. A par da fora extraordinria de sua escrita que, cadavez mais, nos encanta e esclarece, Paulo Emilio presena porque mar-cou de forma notvel todos os que o conheceram. Singularidade queseus amigos de Clima captaram e expressaram como ningum ao traaro seuperfil (1).

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    Conhecimento, sensibilidade poltica e rara personalidade permi-tiram ao intelectual empenhado na articulao da pesquisa em nvelnacional, esforo de ateno s situaes concretas de que resultaram assnteses mais argutas de que dispomos,.snteses que, partindo do cine-ma, iluminaram aspectos fundamentais da cultura e da formao socialbrasileiras. Neste sentido, o que devemos a Paulo Emilio e a seus amigosda Faculdade a afirmao de um esprito de pesquisa ao mesmo temporigoroso e isento de compartimentaes estreitas, capaz de definir umprojeto de longo alcanceque fez convergir inclinaes particulares parauma investigao compreensiva da cultura em sua relao mais equili-

    Paulo Emlio

    brada entre os diferentes aspectos do trabalho intelectual histria,crtica e teoria. E creio ter evitado, naqueles que formou ao longo dosanos, o teoricismo, as adeses apressadas moda, criando, pelo contr-rio, uma tradio prpria capaz de conferir maior organicidade aos tra-balhos, num processo em que as novas geraes tm procurado fazer jusquela paixo pelo con cre to apontada por Gilda de Mello e Souza como otrao por excelncia de Paulo Emilio.

    O crtico de cinema de maior envergadura que o Brasil j tevedefine um captulo, da histria da Faculdade de Filosofia que assinala,por sua vez, a contribuio desta aos estudos do cinema. Com a criao

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    da ECA, o trabalho de Paulo Emilio e de pesquisadores formados naCinemateca e na prpria Faculdade orientou a implantao de um de-partamento que, no plano da pesquisa, dentre suas vrias tinhas, temdestacado um trabalho que d continuidade experincia iniciada narea de Teoria Literria.

    Notal Ver os textos de Antnio Cndido, Dcio de Almeida Prado e Ruy Coelho no livroPaulo Emilio: um intelectual n a linha de frente, organizado por Carlos Augusto Calil eMaria Teresa Machado (So Paulo, Brasiliense/Embrafilmc, 1986) e o texto de Gildade Mello e Souza, Paulo Emlio: a crtica como percia in O Baile das quatro artes

    e x e r c c i o s de leitura (So Paulo, Livraria Duas Cidades, 1980).

    Ismail Xavier professor do Departamento de Cinemada Escola de Comunicaese Artesda USP.