introdução ao existencialismo

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1 Seminário Arquidiocesano de São José Introdução ao Existencialismo Rio de Janeiro

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Seminário Arquidiocesano de São José

Introdução ao Existencialismo

Rio de Janeiro

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Sumário  

Introdução  ..............................................................................................................................................  3  1.  O  que  é  o  existencialismo?  .......................................................................................................................  3  1.1.  Existencialismo  e  existencialistas  ....................................................................................................................  3  1.2.  Filosofia  da  Existência  ...........................................................................................................................................  3  

2.  Fontes  do  Existencialismos  .....................................................................................................................  5  2.1.  O  Vitalismo  .................................................................................................................................................................  6  2.2.  A  Fenomenologia  .....................................................................................................................................................  6  

3.  Filósofos  da  Existência  ..............................................................................................................................  7  Sören  Aabye  Kierkegaard  (1813  –  1855)  ....................................................................................  8  1.  Vida  e  Obras  ..................................................................................................................................................  8  2.  As  condições  da  Existência  ...................................................................................................................  10  3.  Filosofia  Existencial  ................................................................................................................................  14  

Gabriel  Marcel  (1889  –  1973)  ........................................................................................................  15  1.  Vida  e  Obras  ...............................................................................................................................................  15  2.  Fontes  e  Influências  ................................................................................................................................  16  3.  Filosofia  da  Existência  ............................................................................................................................  16  3.1.  A  existência  Encarnada  ......................................................................................................................................  17  3.2.  A  Existência  do  mundo  e  dos  outros  ............................................................................................................  18  

Karl  Jaspers  (1883  –  1969)  .............................................................................................................  19  1.  Vida  e  Obras  ...............................................................................................................................................  19  2.  Por  que  um  Filosofia  da  Existência?  ..................................................................................................  20  3.  O  Filosofar  desde  a  Existência  Possível  ............................................................................................  21  4.  Esclarecimento  da  Existência  ..............................................................................................................  22  

Linha  Cronológica:  .............................................................................................................................  24    

 

           

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Introdução  

1.  O  que  é  o  existencialismo?  

1.1.  Existencialismo  e  existencialistas  

  “O   termo   existencialismo   designa   o   conjunto   de   tendências   filosóficas   que,   embora  divergentes   entre   si,   têm   em   comum   a   análise   da   existência   humana.   É   difícil,   contudo,  estabelecer  o  exato   sentido  que  os  diversos   filósofos  existencialistas  atribuem  a  essa  palavra.  Entretanto,   podemos  dizer   que  o   conceito   de   existência   é   tomado   como  algo  que   se   refere   à  condição    específica  do  homem  como  ser  no  mundo.  Existir,  então,  implica  estar  em  relação  com  outros   seres   humanos,   com   as   coisas   e   com   a   Natureza.   Relações   múltiplas,   concretas,  dinâmicas;  relações  possíveis  de  acontecer  ou  não.”    (Gilberto  Cotrim)  

  Um  das  maiores  dificuldades  no  estudo  de  existencialismo  é  justamente  o  fato  de  que  é  extremamente   difícil   definir   o   que   ele   realmente   seja.   Segundo   Aloys   Wenzl   “não   existe   o  Existencialismo  como  doutrina  comum;  existe  só  como  situação  filosófica  temporal”  (tirado  da  obra  de  Mário  Curtis  Giordani).     Justifica-­‐se   então   chamar   o   Existencialismo   de   conjunto   de   tendências   filosóficas.   De  fato   os   existencialistas   tem   em   comum   somente   o   fato   de   partirem   da   mesma   orígem,   a  Existência.     Também  existe  problemas  na  terminologia  utilizada  comumente.  De  fato,  com  exceção  talvez  de  Sartre,  os   filósofos  ditos  existencialistas  não  aceitavam  bem  serem  chamados  dessa  forma.  Isso  se  dá  talvez  pelo  fato  de  que  a  maioria  deles  não  permanece  nas  indagações  sobre  Existência,  mas   tende   a   tratar   de   outros   problemas   uma   vez   partindo   dessa   origem   comum.  Sobre  isso  Jean  Wahl  comenta  o  que  disse  Helmuth  Kuhn:    

“os   filósofos   da   Existência   não   se   atêm   à   Filosofia   da   Existência.   Essas   Filosofias   da  Existência   tendem   a   terminar   em   qualquer   coisa   de   diferente   delas   mesmas,   quer   seja   a  Ontologia  de  Heidegger,  o  Humanismo  de  Sartre,  a  teoria  da  Transcendência  de  Jaspers.  Cada  um  deles,  diz-­‐nos  Kuhn,  sai,  de  um  modo  ou  de  outro,  da  Filosofia  da  Existência  propriamente  dita”  (tirado  da  obra  de  Mário  Curtis  Giordani).  

1.2.  Filosofia  da  Existência    Apesar  de  muito  se  utilizar  o  termo  existencialismo,  os  grandes  Filósofos  da  Existência  e  

seus  comentadores  sempre  preferiram  o  termo  Filosofia  da  Existência.     Dessa  forma,  a  partir  de  agora  chamaremos  o  Existencialismo  de  Filosofia  da  Existência  e  existencialistas  de  Filósofos  da  Existência.     Apesar  de  partirem  do  mesmo  ponto,  para  cada  Filósofo  da  Existência  há  uma  Filosofia  da  Existência,  de  modo  que  a  única   semelhança  necessária  é  o   fato  de  partirem  da  condição  existencial   humana.   Aquilo   que   é   a   existência   humana,   entretanto,   é   algo   muito   bem  determinado   para   cada   um   deles,   do   modo   que   do   que   é   possível   deduzir   algumas  características  gerais  da  Existência:  

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a) Irracionalidade  Tendemos  a  entender  a  Filosofia  da  Existência  como  um  filosofia   irracional  e  voluntarista,  

fruto  dos  devaneios  mentais  dos  filósofos  do  século  XX.  Tal  concepção,  entretanto,  não  é  válida  uma  vez  há  de  fato  racionalidade  entre  os  pensadores  existenciais  e  nem  tudo  está  reduzido  à  vontade.    

A  irracionalidade  é  aqui  requerida  pelo  fato  de  que  a  Filosofia  da  Existência  apareceu  como  uma  reação  a  uma  tendência  racionalista  da  modernidade.  Este   irracionalismo  não  quer  dizer  que  o  Filósofo  da  Existência  não  use  ou  considere  aquilo  que  diz  a  razão,  mas  que  ele  não  aceita  que  ela  seja  capaz  de  abarcar  tudo.  É  uma  reação  ao  idealismo  de  Hegel.  

 b) Concretude/Historicidade  Ainda  contra  as  concepções  idealistas,  os  Filósofos  da  Existência  afirmam  a  concretude  do  

sujeito.   Ante   o   “Eu   Ideal”   surge   o   “Eu   Existencial”.   Aqui   pode-­‐se   perceber   a   preocupação  da  Filosofia  da  Existência  com  a  vida  concreta  do  homem.  Não  se  pretende   falar  de  um  homem  abstrato  e  ideal,  mas  vivo,  carnal,  real.  Um  homem  que  existe  de  fato,  fora  da  mente.  O  homem  é  ser  no  mundo,  um  ser  empírico  que  se  apresenta  tal  como  é.  Vão  ser  tratadas  dimensões  mais  carnais  do  ser  humano  que  durante  o  período  moderno  foram  deixadas  de  lado.  

Sendo  que  o  homem  é  um  ser  concreto,  ser  no  mundo,  o  sujeito  existencial  também  é  um  ser  histórico,  isto  é,  está  modo  muito  bem  determinado  empiricamente  pelo  contexto  do  qual  saiu.   Cada   um   de   veio   de   uma   realidade   bem   específica.   Ainda   que   alguns   contextos   serem  comuns  a  vários  sujeitos,  existe  uma  historicidade  que  é  própria  de  cada  indivíduo.  Só  eu  sou  realmente   eu,   de   modo   que   sou   um   ser   individualíssimo,   com   um   história   e   experiências  próprias.   Em   certo   sentido   sou   insubstituível.   Nunca   houve   ou   haverá   alguém   exatamente  como  eu  no  mundo.  Daqui  também  pode-­‐se  entender  um  dimensão  atualista,  de  modo  que  o  homem  nunca  é  um  ser  totalmente  acabado  e  pronto,  mas  deve  sempre  estar  desenvolvendo-­‐se.  

 c) Liberdade  Apesar   do   sujeito   já   nascer   num   contexto   histórico   determinado   ao   qual   ele  mesmo  não  

escolheu,  por  exemplo,   sua   família,   sua  nação,   sua   cultura  etc,   o  homem  é   verdadeiramente  livre.   Liberdade  aqui  não   significa   fazer   tudo  o  que   se  quer  e  quando  quer,  nem  se   reduz  ao  livre   arbítrio   que   permite   ao   sujeito   eleger   as   suas   ações.   A   liberdade   existencial   deve   ser  pensada  como  a  capacidade  do  homem  de  ser  a  origem  autêntica  de  seu  pensar  e  de  seu  agir.  Ele   não   só   escolhe   o   que   quer   fazer,   mas   tem   certeza   de   que   é   ele   mesmo   quem   escolhe.  Quando  pensa  e  age  autenticamente,  o  homem  intuitivamente  se  enxerga  como  aquele  que,  de  fato,  quer  pensar  e  quer  agir  daquela  forma.  

   

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d) Comunicabilidade  O   pensamento   existencial   presa  muito   pela   relação   dos   sujeitos.   Todo   o   “Eu   existencial”  

toma  consciência  de  sua  existência  mediante  o  diálogo  com  o  outro.  Esse  outro,  normalmente  chamado   de   “Tu”   ,e   é   muito   importante   na   Filosofia   da   Existência.   É   sempre   a   partir   da  comunicação  existencial  que  os  sujeito  crescem  no  conhecimento  de  si  mesmo.  Pode  acontecer  do  Eu  tratar  o  Tu  como  um  Ele,  isto  é,  como  um  outro  que,  apesar  de  ser  diferente  dos  objetos,  surge  como  alguém  distante  com  o  qual  não  tenho  nenhuma  relação  existencial.  

 e) Fracasso    O  fracasso  surge  nos  diversos  autores  existenciais  de  diversas  maneiras.  Lembremo-­‐nos  das  

grandes  máximas  exaustivamente  repedidas  de  Heidegger  e  Sartre.  Este  diz  que  o  homem  é  um  Ser  para  o  Nada,  aquele  que  é  um  Ser  para  a  Morte.  Apesar  de  tais  visões  mais  pessimistas,  há  autores  que  entendem  o  fracasso  como  o  lugar  onde  o  homem  encontra  seus  limites  e,  dessa  forma,  onde  é  levado  à  reflexão  do  que  está  mais  além  destes  mesmo  limítes,  isto  é,  levado  a  refletir  sobre  a  Transcendência.    

f) Uma  Filosofia  do  homem    Por  último  temos  que  entender  que  somente  homem  tem  realmente  existência.  A  força  que  

a   palavra   existência   possui   no   pensamento   existencial   é   tal   que   fica   impossível   atribuí-­‐la   ao  seres   inanimados   ou   aos   animais   irracionais.   O   que   justifica   isso   é   talvez   a   noção   do   sujeito  como   ser   consciente   de   si   e   do   outro.   Apesar   do   que   possa   parecer,   em   nenhum  momento  podemos  entender  que  aquilo  que  nos   rodeia  não  exista  de   fato,  mas  que  existência  em  seu  sentido  forte  é  atribuída  somente  ao  homem.  

 

2.  Fontes  do  Existencialismos  De  maneira  muito  especial,  apesar  de   todas  as  outras   influência  que  possam  ter  ocorrido  

sobre   o   pensamento   existencial   do   século   XX,   temos,   positivamente,   a   Fenomenologia   e   o  Vitalismo   como   suas   principais   fontes.   De   fato,   tanto   o   vitalismo   quanto   a   fenomenologia,  foram   teorias   que   juntas   operaram   a   grande   superação   do   pensamento   idealista,   e   que  permitiram   o   desenvolvimento   da   Filosofia   da   Existência.   Tal   pensamento,   entretanto,   é   de  fundamental  importância  para  entender  sobre  o  que  quer  falar  a  Filosofia  da  Existência,  afinal  foi   contra   ele   que   ela   surgiu.   Também   existe   certa   influência   do   pensamento  metafísico   na  medida   em   que   ele   vai   influenciar   tais   filósofos   na   busca   pelo   Ser.   As   poucas   linhas   que   se  seguem  não  pretendem  englobar  tudo  que  tais  correntes  filosóficas  foram,  pois  para  isso  seria  necessário  outro   curso   somente  para   falar  destes   temas,  porem  é  de  grande   importância   ter  uma   ideia   do   que   elas   são   para   melhor   entender   como   se   desenvolveu   o   pensamento  existencial.  

 

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2.1.  O  Vitalismo  Vitalismo,  ou  a  Filosofia  da  Vida,  é,  tal  como  a  Filosofia  da  Existência,  um  forma  de  pensar  

que   muito   se   afasta   das   concepções   idealistas   do   mundo.   Apesar   das   diferenças   entre   os  filósofos  vitalistas,  também  podemos,  tal  como  o  fizemos  com  a  Filosofia  da  Existência,  afirmar  algumas  características  gerais.  

Primeiramente  falamos  de  um  atualismo.  Aqui  presa-­‐se  de  maneira  muito  especial  a   ideia  de  movimento,  de  vir  a  ser.  Depois  temos  uma  visão  organicista  do  mundo  que  sempre  aparece  em  contraposição  com  o  mecanicismo  que  afirma  o  mundo  como  uma  máquina.  Falam  ainda  de  um   irracionalismo  que  exclui   conceito  a  priori  ou  apenas   ideais.   Em  quarto   lugar   também  pretendem  fugir  do  subjetivismo  exagerado,  de  modo  que  afirmam  uma  realidade  objetiva  que  transcende  o  sujeito.  Aqui   temos  a  grande  diferença  entre  a  Filosofia  da  Vida  e  a  Filosofia  da  Existência,  pois  apesar  de  ambas  serem  atualista,  a  primeira  supõe  certa  objetividade  do  sujeito  como   manifestação   de   um   corrente   vital,   já   o   atualismo   existencial   quer   enfatizar   a  subjetividade  do  homem.  Por  últimos  estes   filósofos   falam  de  um  pluralismo  em  oposição  ao  monismo  idealista.  

Pode-­‐se  ainda  distinguir  algumas  escolas  vitalistas.  A  mais  importante  é  o  bergsonismo,  que  tem   por   máximo   representante   Henri   Bergson;   há   ainda   o   pragmatismo   norte   americano   e  inglês   cujos   representantes   são   William   James   e   John   Dewey;   o   historicismo   de   Wilhelm  Dilthey;  a  filosofia  da  vida  alemã  com  diversos  pensadores  menores  como  Keyserling  e  Klages.  

Há  ainda  quem  considere  Nietzsche  uma  espécie  de  vitalista.    

2.2.  A  Fenomenologia  Fenomenologia  é  a  segunda  escola  que,   junto  ao  vitalismo,  completa  a  separação  entre  o  

século   XX   e   XIX.   Apesar   de   outros   filósofos   pretenderem   fazer   um   filosofia   do   objeto,   quem  institui  da  Filosofia  do  Fenômeno  foi  Edmund  Husserl.  

Podemos   falar   de   duas   características   importante   do   movimento   fenomenológico.  Primeiramente   há   o   método   descritivo   dos   fenômenos,   isto   é,   a   discrição   daquilo   que   se  apreende   imediatamente   pelos   sentidos.   Diferentemente   do   idealismo   do   século   XIX,   a  fenomenologia  não  pretende  partir  de  uma  teoria  do  conhecimento,  mas  já  dá  a  possibilidade  do   mesmo   como   algo   óbvio.   Por   outro   lado,   após   a   análise   profunda   dos   fenômenos,   a  fenomenologia  de  Bergson  se  volta  ao  conteúdo  essencial  dos  mesmo  através  também  de  uma  visão  imediata,  de  um  intuição  essencial.  Também  aqui  ocorre  o  rompimento  com  o  idealismo  que  não  acha  possível  qualquer  conhecimento  da  essência  das  coisas.  

Entre   os   grandes   fenomenólogos,   podemos   citar,   além   de   Husserl,   Max   Scheller   e   Edith  Stein.  

A   fenomenologia   foi   fundamental   à   Filosofia   da   Existência   uma   vez   que   os   grandes  pensadores  existenciais  utilizaram  do  método   fenomenológico  de  Husserl  em  suas  pesquisas,  porem  é  um  erro  enquadrar  este  filósofo  entre  os  Filósofos  da  Existência.  

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3.  Filósofos  da  Existência  Muitas  vezes  acontece  o  erro  de  estender  a  lista  dos  Filósofos  da  Existência  mais  do  que  se  

deveria.   De   fato   a   filosofia   da   Existência   se   preocupa   dos   problemas   da   condição   humana,  porem  não   se   reduz   a   isso,   afinal   é   um  problema  que   foi   discutido   em   todas   as   épocas.   Dai  surge   o   erro   de   querer   englobar   filósofos   como   Sócrates,   santo   Agostinho   e   Pascal   entre   os  Filósofos  da  Existência.  Há  ainda  quem  queira  chamar  de  Filósofos  da  Existência  pensadores  e  escritores  como  Unamuno  ou  Dostoievski,  porem  estes  também  não  são  Filósofos  da  Existência  ainda  que  seus  escritos  em  muito  influenciem  o  pensamento  existencial.  Por  último  também  é  um  erro  incluir  aqueles  que  falaram  da  Existência  num  sentido  clássico  no  grupo  dos  Filósofos  da  Existência.  

Filósofos   da   Existência,   propriamente   falando,   são   aquele   que   se   preocuparam   com   o  problema   da   Existência   numa   direção   filosófica   estrita   segundo   os   critérios   comuns   antes  abordados.    

Temos  então  como  os  grandes  nomes  da  Filosofia  da  Existência  os  filósofos  Gabriel  Marcel,  Karl   Jaspers,  Martin   Heidegger,   Jean-­‐Paul   Sartre   e,   certamente,   Kierkegaard   como   precursor  destes  todos.  Em  torno  deles  ainda  existem  alguns  filósofos  menores  como  os  franceses  Simone  de   Beauvoir   e  Merleau-­‐Ponty,   que   eram   ligados   a   Sartre,   e   os   Russos   Lev   Chéstov   e   Nikolai  Berdieav.                                        

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Sören  Aabye  Kierkegaard  (1813  –  1855)    

1.  Vida  e  Obras  Nasceu   em   5   de   maio   de   1813,   em  

Copenhague.   Seus   pais   eram   da   Jutlandia  ocidental.  Como  dose  anos  o  pai  de  Kierkegaard,  Michael   Pedersen   Kierkegaard,   foi   para  Copenhague  para  ser  aprendiz  na  casa  de  seu  tio.  Michael  pode  crescer  financeiramente  de  modo  a  ser   um   dos   principais   comerciantes   da   região.  Tendo  sua  primeira  esposa  morrido  em  1796  sem  lhe  deixar  filhos,  casou  com  uma  de  suas  criadas  Ana   Sörensdater   Lund.   Sua   nova   esposa   lhe   deu  sete   filhos   sendo   o   último   o   próprio   Sören  Kierkegaard.  Devido  ao  fato  de  seus  pais  já  serem  relativamente   velhos   ao   nascimento   de  Kierkegaard,   ele   mesmo   se   intitula   o   “Filho   da  Velhice”.   A   isso   ele   também   atribui   sua   débil  condição  física  e  seu  caráter  melancólico.  

Raramente   encontramos   escritos   de  Kierkegaard   falando   se   sua  mãe,   porem   a   figura  de  seu  pai  é  recorrente.  Reconhece  inclusive  que  

herdou  três  disposições  de  seu  pai,  a  criatividade,  a  dialética  e  a  melancolia  religiosa.  Também  foi  seu  pai  o  responsável  por  sua  dura  educação  religiosa  dentro  do  luteranismo  dinamarquês.  Foi  fortemente  iniciado  na  teologia   luterana  pietista  de  onde  vem  sua  consciência  de  pecado,  da   depravação   ingênita   do   homem,   da   distância   entre   Deus   e   as   criaturas,   e   da   redenção  apenas  pela  fé  no  Cristo.  

Kierkegaard  se   formou  aos  17  anos  como  o  melhor  aluno  de  sua  classe  e,  como  era  o  desejo  de  seu  pai,  começou  a  faculdade  de  teologia  na  universidade  de  Copenhague.  Durante  os  10  anos  que  deveria  passar  estudando   teologia,  percebe-­‐se  que  Kierkegaard  não   focou-­‐se  nessa  matéria,  mas  de  maneira  especial  na   literatura  e  na   filosofia.  Esteve  exposto  à   filosofia  grega  antiga  e  ao  hegelianismo  que  em  sua  época  dominava  as  universidades.  Ele,  entretanto,  desde   sua   época   de   estudos   universitários   já   parece   recusar   esse   pensamento   idealista   de  Hegel  mostrando  seu   talento   independente  e   reflexivo.  Nessa  época   também  desenvolveu-­‐se  sua  vida  social  completamente  diferente  do  tempo  que  passou  na  casa  de  seu  pai.  Foi  o  tempo  em  que  Kierkegaard  se  entregou  ao  prazeres  da  bebida  e  da  comida,  das  festas  e  reuniões.  É  o  chamado   período   estético   de   jovem   Kierkegaard.   Rapidamente   aquele   garoto   inteligente   e  sarcástico  passou  a  distinguir-­‐se  em  meio  aos  demais.  

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O  pai  de  Kierkegaard  via  com  muito  pesar  o  caminho  para  o  qual  seu  filho  marchava,  de  modo  que  preferiu  romper  a  comunicação  com  seu  filho  deixando  apenas  para  ele  um  mesada  para   seu   próprio   sustento.   Além   disso   Kierkegaard   também   dava   aulas   de   latim   para   poder  arcar   com   todos   os   seus   gastos.   Segundo   seu   irmão   mais   velho   foi   esse   o   tempo   em   que  Kierkegaard   rompeu   com   suas   praticas   religiosas,   ainda   que   seus   Diários   mantivesses  constantes  súplicas  a  Deus.    

Foi   a   morte   de   seu   pai   que   devolveu   Kierkegaard   para   a   vida   religiosa.   Como  homenagem  a  seu  pai,  com  quem  reconciliou-­‐se  poucos  meses  antes  de  sua  morte,  Kierkegaard  retoma  sua  carreira  religiosa.  

Em   1837   há   outro   acontecimento   que   muito   determinou   a   vida   e   os   escritos   de  Kierkegaard.  Ele  conhece  Regina  Olsen,   filha  do  conselheiro  de  estado  Terkel  Olsen.  Consegui  separá-­‐la  de  seu  primeiro  pretendente,  Augusto  Scheller,  e  ganhou  de  maneira  muito  especial  se  afeto.  Apesar  disso  não  se  considerava  digno  dela  devido,  entre  outras  coisas,  a  diferença  tão   grande   de   idade   entre   os   dois.   Em   1841   rompe   definitivamente   com   Regina   apesar   dos  protestos   da   jovem.   Durante   toda   sua   vida   nutriu   profundo   amor   por   ela,   tanto   que   muito  tempo  continuou  se  comunicando  com  Regina  através  de  seus  escritos  estéticos,  de  modo  que  eram  como  que  mensagens  cifradas  que  só  Regina  conseguia  ler.  No  entanto,  Regina  perdeu  as  esperanças   de   ter   Kierkegaard   de   volta   e   voltou   com   seu   primeiro   pretendente   com   o   qual  constituiu   sua   família.  Depois   disso   cortou   toda  e  qualquer   relação   com  o   filósofo   ainda  que  fosse   de   simples   amizade.   Kierkegaard  percebe  que  o   sacrifício   dessa   paixão  que  nutria   pela  jovem  o  ensinou  a  libertar-­‐se  de  sua  impetuosa  atividade  estética.    

Também  em  1841  passou  um  semestre  em  Berlim  onde  tomou  aulas  de  Schelling  que  a  princípio   o   interessaram,   mas   passaram   a   lhe   causar   repulsa   devido   ao   idealismo   de   seu  discurso.  Quando  voltou  para  Copenhague  dedicou-­‐se   inteiramente  a  sua  carreira  de  escritos  solitário  sem  preocupar-­‐se  com  trabalho  uma  vez  que  havia  herdado  a  grande  fortuna  de  seu  pai.  Durante  o  período  de  1845  e  1846  teve  grandes  batalhas  ideológicas  com  P.L.  Moeller  e  M.  Goldschimidt,   respectivamente   redator   e   diretor   do   semanário   “O   Corsário”.   Estes  multiplicavam  as  caricaturas  e  ironias  sobre  Kierkegaard  em  seu  jornal,  de  modo  que  o  filósofo  passou  a  ser  uma  figura  muito  conhecida  em  sua  cidade  não  por  seu  pensamento,  mas  por  sua  peculiaridade.  

Também   foi   Kierkegaard   um   grande   crítico   da   religião   oficial   dinamarquesa,   situação  que   levou  a  grandes  problemas  com  Mynster,  o  bispo  da  época  e   logo  mais  à   ruptura  com  a  igreja   dinamarquesa.   De   maneira   explicita   e   aberta,   Kierkegaard   fazia   fortes   críticas   ao  cristianismo  organizado  como  cristandade  contrapondo-­‐o  ao  cristianismo  puro  e  autêntico.  A  gota  d`água  foi  a  polêmica  com  Martensen,  um  teólogo  que,  na  morte  de  Mynster,  foi  fazer  um  elogio  fúnebre  que  muito  desagradou  Kierkegaard.  

Em  2  de  novembro  de  1855  Kierkegaard  é  levado  muito  mal  ao  hospital  e  morre  9  dias  depois,  num  domingo.  Suas  últimas  confidência  foram  ao  pastor  E.  Bosen,  que  fora  seu  grade  e  

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fiel  amigo  desde  a  infância.  A  grande  surpresa  foi  seu  funeral  que  todos  pensavam  que  seria  um  fracasso   devido   ao   tipo   de   vida   que   levava.   Apesar   da   visão   que   os   mais   velhos   tinham   de  Kierkegaard,  os  jovens  simpatizavam  de  maneira  peculiar  com  o  rebelde  da  Igreja  Luterana,  de  modo  que  seu  funeral  foi  um  triunfo   inesperado  e  espontâneo  segundo  o  testemunho  de  um  amigo.  

Kierkegaard   muito   escreveu   durante   sua   vida,   porem   suas   principais   obras   foram  publicadas   com   pseudônimos.   Entre   as   principais   obras   temos:   “Temor   e   Tremor”,   sob   o  pseudônimo  de  Johannes  de  Silentio;  “O  Conceito  da  Angústia”,  com  a  assinatura  de  Begrebet  Angest;   “Migalhas   Filosóficas”   e   “Postcriptum”,   como   João   Climacus;   “O   tratado   Sobre   o  Desespero”,   sob   o   nome   de   Anticlimacus.   Grande   parte   das   obras   de   Kierkegaard   estão  copiladas  na  obra  “Ou  Ou”,  publicada  tendo  como  autor  ele  mesmo.  

Além  de  suas  grandes  obras  há  os  escritos  dispersos  organizados  em  escritos  A,  B  e  C.  De  maneira  especial  enfatiza-­‐se  nos  escritos  A  que  constituem  seu  famoso  “Diário”.  Estes  são  escritos  que  acompanham  e  continuam  os  grandes  temas  de  todas  as  suas  grandes  obras.  

2.  As  condições  da  Existência  A   Filosofia   da   Existência   de   Kierkegaard   não   pode   de  maneira   alguma   ser   pensada   como    

uma  teoria  sobre  a  existência  ou  um  sistema  sobre  a  mesma.  Antes  de  mais  nada,  o  filósofo  fala  de  sua  própria  vida  e  vivencias,  daquilo  que  ele  mesmo  experimenta  enquanto  existente.  Dessa  forma,  para  precisar  a  natureza  de  sua  filosofia,  devemos  delinear  não  o  que  é  a  Existência  de  modo  geral  ou  universal,  pois  o  autor  sequer  aceitaria  algo  assim,  mas  as  condições  necessárias  para  falar  de  um  autêntico  existir.    

a) Existência  e  Subjetividade:  “Existir  é  escolher”  Desta   grande   máxima   do   autor   podemos   entender   a   relação   entre   a   Existência   e   a  

Subjetividade.  Esta  frase  significa  que  existir  é  não  só  fazer  escolhas,  mas  se  escolher,  de  modo  que  o  sujeito  não  escolhe  mais  que  a  si  mesmo.  Nesse  ponto  entendemos  o  sentido  existencial  dessa  escolha.    

Tudo  que  o  sujeito  escolhe  o  faz  em  referencia  a  si,  assim,  não  existe  escolhe  que  não  seja  subjetiva,  pois  é  o  sujeito  mesmo  o  referencial  de  cada  escolhas.  Ainda  que  o  sujeito  escolha  a  partir   de   critérios   muito   bem   objetivos,   aquilo   que   ele   escolhe   sempre   diz   respeito   a   ele  mesmo,  quer  dizer,  realiza  ele  como  existente.  Escolher  é  exercer  a  própria  subjetividade,  toda  escolha  externa  é  fruto  de  uma  escolha  interna.  

Devemos   ter   atenção   quanto   a   essa   questão   de   escolhas.   Como   isso   pode-­‐se   acabar  afirmando  que  o  homem  perde  seu  caráter  de  essência  fixa  tornando-­‐se  possibilidades  que  se  realizam  mediante  escolhas.  Daqui  se  pode  identificar  a  grande  máxima  do  Filosofia  Existencial  que  diz  que  a  Existência  precede  a  Essência.  Não  sei  se  podemos  afirmar  que,  para  Kierkegaard,  não  há  nada  de  objetivo  no   sujeito,  de  modo  que  ele   simplesmente  é  o  que  ele  escolhe   ser.  Afinal,  pensar  a  liberdade  existencial  não  pode  ser  um  esquecer-­‐se  da  mesmidade  do  sujeito.  O  

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indivíduo  é  histórico,  nasceu  numa  cultura  específica  na  qual  ele  não  escolheu.  Há,  claramente,  um  limite  para  as  escolhas  que  o  indivíduo  pode  fazer  de  si,  por  exemplo  o  fato  de  que  o  sujeito  não  é  capaz,  por  quaisquer  escolhas  que   faça,  de  mudar  o   seu  passado,   isto  é,  ele  não  pode  escolher  aquilo  que  ele  viveu,  ou  as  experiências  que  teve.  Outro  exemplo  é  que  é  impossível  ao  homem  escolher  não  escolher,  pois  assim  já  está  escolhendo.  

Kierkegaard   vai   dar   um  banho  de   água   fria   nos   adeptos  do   relativismo  quando  diz   que   a  escolha   existencial   não   pode   ser   uma   escolha   simplesmente   arbitrária.   Ele   diz   que   escolher  deve  ser  sempre  escolher  aquilo  que  é  infinito  e  eterno.  Para  o  filósofo  a  existência  autêntica  é  aquela  que  escolhe  a  Deus.    

Deus   é   a   máxima   subjetividade,   pois   qualquer   objetividade   o   limitaria.   Não   podemos  pensar,   todavia,   que   assim   estão   totalmente   excluídas   aquelas   características   do   Ser   Divino  dadas  com  tanta  genialidade  pela  escolástica.  Kierkegaard,  apesar  de  muito  falar  de  Deus  como  o  máximo  subjetivo,  afirma  que  o  a  subjetividade  do  Eterno  é  também  o  máximo  objetivo  dele  mesmo.   Assim,   tal   como   em   Deus   a   subjetividade   é   seu   máximo   objetivo,   nos   homens   a  objetividade  é  o  modo  como  se  apresenta  seu  interesse  subjetivo.  

A  subjetividade  em  Kierkegaard  nada  tem  a  ver  com  a  subjetividade  gnosiológica  hegeliana.  Também   não   nega   o   realismo   do   conhecimento   científico,   mas   é   a   atitude   existencial   do  homem  ante  seu  interesse  de  salvação  pessoal.  O  homem  que  vive  na  dispersão  e  finitude  das  objetividades  do  mundo,  deve  voltar-­‐se  para  sua  própria  subjetividade  que  o  conduz  ao  eterno,  a   Deus.   Deve   ser   objetivo   com   os   outros   e   subjetivo   consigo  mesmo,   e   ainda,   relacionar-­‐se  objetivamente   com   sua   subjetividade.  A   verdadeira   subjetividade   se  dá  quando  o  homem   se  coloca  em  relação  pessoal  com  o  divino.  

 b) Verdade,  Engajamento  e  Risco    Kierkegaard   afirma   que   a   verdade   é   a   subjetiva.   Isso,   entretanto,   deve   ser   muito   bem  

entendido  antes  de  injustas  acusações  contra  o  autor.  Podemos  ler  a  expressão  “a  verdade  é  subjetividade”  no  filósofo    como  uma  sentença  que  

não  é  tão  oposta  ao  princípio  tomista  de  que  a  verdade  é  adequação  do  intelecto  à  realidade.  Kierkegaard   mesmo   admite   que   existe   um   imperativo   do   conhecimento   assim   como   há   o  imperativo  moral,   de  modo   que   o   autor   aceita   que   haja   um   regra   objetiva   do   pensamento,  porem  a  subjetividade  da  verdade  deve  ser  entendida  em  seu  sentido  existencial  e  não  ideal.  

Em  nenhum  momento  Kierkegaard  nega  o  conteúdo  objetivo  da  verdade    e  muito  menos  afirma  que  a  verdade  é  produzida  pelo  sujeito,  porem  afirma  que  a  verdade  objetiva  de  nada  vale  para  o  homem  se  não  houver  um  adesão  pessoal  (e  dessa  forma  subjetiva  e  existencial)  a  essa   verdade.  Assim,   o   sujeito   não  deve   apenas   conhecer   especulativamente   a   verdade,   isso  não   parece   bastar,   mas   deve   estar   na   verdade.   A   verdade   não   precisa   apenas   ser   possuída  intelectualmente,  mas  faz  parte  dela  mesma  ser  quem  possui  o  sujeito.  Há  em  Kierkegaard  uma  identificação   da   verdade   com   a   vida,   isto   é,   a   verdade   deve   ser   vivida.   O   sujeito   ante   sua  

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verdade   existencial   deve   se   comprometer   como   ela,   esse   comprometimento   é   o   que  Kierkegaard  chama  de  engajamento.  

Com  a  noção  de  paixão,  que  para  Kierkegaard  é  o  máximo  da  subjetividade  e,  por   isso,  a  mais   perfeita   expressão   da   existência,   a   verdade   surge   como   um   drama.   Esse   drama   ocorre  quando  o   indivíduo,  percebe  o  estado  de  tensão  em  que  se  encontra  mediante  os   riscos  que  existem  quando  realizado  o  engajamento  pessoal  com  a  verdade.  

Verdade,   engajamento   e   risco   estão   necessariamente   ligados   e   devem   ser   entendidos  existencialmente.  A  existência  autêntica,  que  é  aquela  que  não  se  contenta  só  com  verdades  especulativas,  é  sempre  a  situação  existencial  onde  o  indivíduo  experimenta  esta  tensão  entre  risco   e   engajamento.   Uma   noção   depende   da   outra,   do   contrário   cada   um   delas   perde   seu  sentido  existencial.  

Assim,  temos  que  não  existe  verdade  subjetiva  sem  um  engajamento  com  esta  verdade  e  sem  riscos  decorrentes  desse  engajamento.  Assumir  uma  verdade  é  assumir  as  consequências  dessa  verdade,  é  viver  de  modo  conforme  a  essa  verdade.  

Para  Kierkegaard  a   fé  é  a  verdade  por  excelência.   Isso  porque  Kierkegaard  entende  que  é  onde   mais   age   a   paixão   e,   dessa   forma,   exige   o   mais   auto   ponto   de   subjetividade.   Aqui   é  necessário  cuidado,  pois  dessa  visão  Kierkegaard  vai  afirmar  o  paradoxo  da  fé,  de  modo  que  a  fé   aparece   absolutamente   oposta   a   razão.   Para   o   filósofo,   é   em   virtude   do   absurdo   que   o  homem  tem  fé.  Esse  paradoxo  vai  ser  muito  bem  explicitado  em  sua  obra  “Temor  e  Tremor”,  onde  o  filósofo  fala  da  situação  quase  trágica  de  Abraão  ante  o  pedido  de  Deus  para  que  mate  seu   filho   Isaac.   Nessa   passagem   se   encontra   o   dilema   entre   o   homem   ético   e   o   homem  religioso.  

Temos   que   ter   em   mente   que   de   nenhum   modo   a   doutrina   cristã   admite   um   total  separação   entre   fé   e   razão.   Ainda   que   realmente   distintos   um   do   outro,   nunca   são  contraditórios  entre   si.   Kierkegaard   realmente  apresenta  um  dificuldade  que  deve   ser   levada  em  conta  e  vista  com  cautela  por  aqueles  que  pretendem  se  aprofundar  em  seus  escritos.    

Para  dirigir  nossa  reflexão  podemos  pensar  o  cerne  do  problema  kierkegaardiano  entre  fé  e  razão  como  um  paradoxo  entre  a  razão  ética  e  a  razão  religiosa,  pois  foi  Deus  quem  inscreveu  a  lei  natural  no  coração  do  homem,  porem  também  foi  ele  quem  pediu  que  Abraão  transgredisse  tal   lei  para  prova-­‐lo  na   fé.  Apesar  da  dificuldade  trazida  pelo  pensamento  de  Kierkegaard,  de  modo   nenhum   podemos   pensar   o   dom   da   fé   como   algo   que   anula   a   lei   natural   que   Deus  inscreveu  no  coração  do  homem,  pois,  desse  modo,  afirmaríamos  um  Deus  contraditório.  De  maneira  contraria,  podemos  pensar  na  relação  entre  lei  natural  e  lei  divina  como  um  relação  de  submissão  daquela  a  esta,  de  modo  que  quando  a   segunda  contradiz  a  primeira   faz  parte  da  essência  da  primeira  aceitar  a  segunda.  Tal  pensamento,  no  entanto,  só  faz  sentido  a  partir  de  uma   visão   de   mundo   metafísica,   de   modo   que   a   dificuldade   que   Kierkegaard   apresentou  continua  vista  desde  o  ponto  de  vista  existencial.  

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Neste   curso   não   pretendemos   solucionar   de   forma   absoluta   o   problema   criador   por  Kierkegaard,   muito   menos   afirmar   que   todo   o   pensamento   do   autor   está   errado   por   causa  disso.  Muito  foram  os  que  ao  longo  dos  séculos  XIX  e  XX  trataram  desse  tema.  Para  nós,  basta  termos   a   consciência   dessa   visão   kierkegaardiana   para   lermos   e   falarmos   com   cautela   e  consciência  sobre  a  filosofia  do  autor.  

 c) Desespero  e  Angústia  O  homem  sendo  subjetivo,  isto  é,  sendo  aquele  que  exerce  a  escolha,  é  também  aquele  que  

se  engaja  com  aquilo  que  escolhe.  Ora,  todo  o  engajamento  traz  risco  e  devido  a  esses  riscos  o  sujeito  experimenta  a  angústia  e  o  desespero.  Assim,  pode-­‐se  dizer  que  é  impossível  ao  homem  fugir  do  desespero  e  da  angústia  um  vez  que  é  aquele  a  quem  os   riscos  de   suas  escolhas   se  apresentam.  Assim,  existir  é  necessariamente  estar  sob  a  angústia  e  o  desespero.  

Estas  duas  condições,  apesar  de  serem  muito  parecidas,  não  são  a  mesma  coisa.  A   angústia   relaciona-­‐se   com   o   pecado   e   Kierkegaard   sempre   o   faz   em   vista   do   pecado  

original  de  Adão.  Primeiramente,  a  angústia  surge  como  algo  anterior  ao  pecado,  pois  acontece  no   âmbito   na   inocência   original,   isto   é,   do   estado   do   homem   antes   do   pecado.   Entre   a  inocência  original  e  o  pecado  há  a  angústia  como  salto  de  um  para  outro.  

Kierkegaard  fala  da  inocência  original  como  ignorância  do  ser  do  homem,  isto  é,  ignorância  sobre  o  bem  e  o  mal  e,  acima  de  tudo,  sobre  a  liberdade  em  escolher  o  mal.  Podendo  escolher  o  mal,  a  liberdade  é  também  possibilidade  de  culpa.  Para  o  autor  não  foi  a  proibição  do  pecado  que  angustiou  o  homem,  mas  a  própria  liberdade  de  poder  escolher  o  pecado.  

Quando  o  homem  escolhe  o  mal  e  peca,  então  ele  se  sente  culpado.  Essa  culpa  é  a  angústia  enquanto   que   procede   do   pecado.   Além   disso   também   é   angústia   procedente   do   pecado   o  conhecimento  do  bem  e  do  mal   que  ocorre  mediante   a  perda  da   inocência  original.  A  partir  disso   o   homem   pode   angustiar-­‐se   em   relação   ao   mal   feito   ou   ao   bem   não   feito.   Quando  angustia-­‐se   em   relação   ao  mal   surge  o  deseja  de   acabar   com  a   realidade  do  mal   no  mundo,  isso,   todavia,   é   impossível   para   ele.   Na   angústia   ante   o   bem,   que   Kierkegaard   chama   de  angústia  demoníaca,  o  sujeito  vira  as  costas  ao  bem  e  perde  sua   liberdade.  Ele  passa  agora  a  viver  em  resistência  ao  eterno  e  permanece  sempre  na  exterioridade  do  temporal  e  finito.  

Quanto  ao  que  o  autor  chama  de  desespero,  podemos  dizer  que  se  trata  de  algo  similar  à  angústia  quanto  a  necessidade  de  pensar  o  desespero  em  sua  dimensão  existencial.  Porem  o  desespero  tende  a  dar-­‐se  em  uma  dimensão  mais  teológica.  

O  desespero,  em  sua  dimensão  existencial,  não  é  simplesmente  desesperar-­‐se  de  algo,  mas  desesperar-­‐se  de   si  mesmo.  O  homem  é   a   síntese   entre  o   finito   e   o   infinito,   o   temporal   e   o  eterno,  da  liberdade  e  da  necessidade.  O  desespero  existencial  é  aquilo  que  desestabiliza  essa  síntese.  É  um  enfermidade  do  espírito  humano,  do  eu  do  homem.  Se  a  angústia  é  a  vertigem  da  alma  ante  a  possibilidade  do  pecado,  o  desespero  é  a  vertigem  de  si  mesmo,  o  querer  desfazer-­‐se  de  si.  Isso  se  dá  com  a  rebeldia  do  homem  em  relação  ao  que  de  eterno  existe  nele.  

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A   situação   existencial   mais   importante   do   homem   é   a   de   estar   diante   de   Deus.   Ao  abandonar   isso   o   homem   experimental   um   desespero   que   está   fora   de   toda   a   ordem  emocional,  um  desespero  profundamente  enraizado  em  seu  espírito.  

O   desespero   acontece   em   relação   ao   finito,   ao   infinito,   à   possibilidade,   à   necessidade,   à  consciência,   à   inconsciência,   ao   terreno,   ao   eterno   e   finalmente   o   que   o   autor   chama   de  desespero   obstinado.   Esses   diversos   modos   de   desesperam   assinalam   a   crescimento   da  consciência  do  homem  em  sua  dimensão  espiritual.  O  homem  vai  se  reconhecendo  como  uma  existência   diante   de   Deus,   como   um   eu   teológico.   Sendo   um   eu   teológico,   uma   existência  diante  de  Deus,  o  homem  se  descobre  pecador.  As  faltas  humanas  só  são  pecados  por  serem  cometidas   diante   de   Deus.   Dessa   forma,   tal   como   a   angústia   o   desespero   se   relaciona   ao  pecado,  de  modo  que  se  diz  que  o  desespero  manifesta  e  supõe  o  mesmo.  

O  desespero,  entretanto,  prepara  o  sujeito  para  o  arrependimento  e  o  perdão.  Estes  são  os  caminhos  da  fé.  Ela  é  o  oposto  da  desordem  introduzida  pelo  desespero  pecaminoso,  de  modo  que  pode  reestabelecer  a  existência  humana  em  sua  relação  com  Deus.  

3.  Filosofia  Existencial  Para  Kierkegaard  a  filosofia  existencial  é  na  verdade  um  método  existencial,  de  modo  que  o  

pensar   filosófico  não  é  um   fim  em  si  mesmo,  mas  deve   sempre  estar   voltado  para  a  vida  do  sujeito.  Por  isso  que  fica  muito  complicado  tratar  o  que  é  a  existência  em  Kierkegaard,  e  mais  ainda   afirmar  qual   seja   a   filosofia   ou  o  método  existencial   por   excelência.   Para  o   autor   cada  método   de   encarar   a   existência   é   único   em   cada   sujeito.   Por   isso   que   falamos   aqui   não   da  existência  em  si,  mas  das  condições  ais  quais  a  mesma  está  encerrada.  

Kierkegaard  não   afirma  um  modo  de  existir   absoluto,   porem  vai   absolutizar   as   condições  sob  as  quais  todos  esses  modos  estão.  

Não  há  dúvida  de  que  existem  muito  problema  em  Kierkegaard  para  a   filosofia   cristã,  de  modo   que   não   se   pode   falar   dele   como   um   filósofo   cristão   no   sentido   estrito   do   termo.  Entretanto   seu   pensamento   é   de   fundamental   importância   para   os   demais   filósofos   da  existência.   Foi   Kierkegaard   quem   primeiro   abriu   as   portas   para   a   investigação   existencial   do  homem.  Num  tempo  em  que   reinava  a   filosofia   idealista  e  abstrata,  Kierkegaard  propôs  uma  filosofia   que   se   centrasse   na   concretude   do   sujeito.   Talvez   devido   ao   clima   idealista   de   sua  época  ou  ao  fato  de  ter  morrido  jovem,  no  século  XIX  o  autor  teve  pouca  força  e  notoriedade.  Somente  no  século   seguinte   seu  nome  ressurgiu  como  um  dos  mais   importantes   filósofos  da  história  da  humanidade  que  influenciaria  grande  parte  do  pensamento  do  século  XX.  

Apesar   das   dificuldades   que   seu   pensamento   tem   desde   o   ponto   de   vista   cristão,   é   de  fundamental   importância   o   estudo   serio   de   seus   escritos.   Tal   importância,   entretanto,   não  diminui   o   cuidado   que   o   estudante   de   filosofia   cristão   deve   ter   para   não   cair   em   situações  arriscadas   como   a   separação   absoluta   entre   fé   e   razão   ou   a   visão   do   pecado   como   algo  puramente  psicológico  e  subjetivo.    

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Gabriel  Marcel  (1889  –  1973)    

1.  Vida  e  Obras     Gabriel   Marcel   nasceu   em   Paris.   Seu   pai   era  embaixador,   diretor   de   Belas   Artes   e   da   Biblioteca  Nacional.  Como  viajava  constantemente  possuía  um  vasto  conhecimento  cultural  bem  como  contato  com  escritores  e   artistas.   Imbuído   de   ideias   agnósticas   não   batizou  Marcel.   Já   sua   mãe   morreu   quando   ainda   era   bem  pequeno  e  Marcel  foi  educado  por  seu  avô  e  sua  tia,  esta  era   judia,   mas   converteu-­‐se   ao   protestantismo.   Sua  educação  foi  marcada  por  um  rígido  moralismo.     Dedicou-­‐se  aos  estudos  de   filosofia  em  Sorbonne.  Foi   discípulo   de   Bergson   no   Colégio   da   França.   Além   do  interesse  pela  filosofia,  possuía  igual  interesse  pelo  teatro  e  pela  música.  Será  tão  bom  crítico  e  dramaturgo  quanto  filósofo.  

  Em  1908  se  forma  em  filosofia  com  uma  tese  sobre  os  a  metafísica  de  Coleridge  e  sua  relação  com  a  filosofia  de  Scheling.  Aos  20  anos  já  é  professor  de  filosofia,  porem  seu  principal  interesse  não  foi  o  magistério,  mas  a  produção  filosófica  e  literária.  De  maneira  especial  pode-­‐se   frisar   o   estudo   dos   neoidealistas   Bredley   e   Royce   aos   quais   vai   abandonar   em   prol   da  filosofia  da  existência.  Em  1919  se  casa  com  Jacqueline  Boegner.     Após  a  primeira  guerra,  Marcel  passa  a  participar  ativamente  da  cultura  francesa  e  tem  contato   com   católicos   como   Gilson,   Maritain,   Mauriac   e   Paul   Claudel.   Por   exemplo   de  conversão   desses   seu   amigos,  Marcel   torna-­‐se   católico   e,   em   23   de  março   de   1929,   pede   o  batismo.   Aqui   já   pensa   a   fé   como   sendo   essencialmente   uma   fidelidade.   Um   pouco   antes  abandona  o   idealismo  e  abraça  o  pensamento  existencial  para   responder  sobre  a  questão  de  Deus.  Sua  crença  em  Deus  determinou  profundamente  sua  filosofia.     Quanto  às  obras  de  Marcel  pode-­‐se   falar  de  duas   fases  distintas.  A  primeira  é   aquela  onde  o  autor  vai  delineando  sua  filosofia  da  existência.  Depois  vemos  Marcel  debruçar-­‐se  sobre  os   males   do   mundo   olhando   para   as   crises   sociais   e   para   a   civilização   cada   vez   menos  humanizada   e   mais   ateia.   Nesse   momento   suas   meditações   irão   se   afastar   um   pouco   da  temática  existência  e  assumirá  um  tom  mais  moralizante.  Marcel  pretende  restituir  a  filosofia  como  legítima  sabedoria.     Do  ano  de  1935  até  1973,  ou  seja,  durante  cerca  de  40  anos,  Marcel  recebia  todas  as  6ª  feiras  em  sua  casa  um  série  de  estudantes  de  filosofia  e  de  grandes  mestres  para  escutá-­‐lo  e  estar   com  ele.  Dessa   forma,  mesmo  não   sendo  por   vocação  um  mestre  universitário,  Marcel  tinha  muito  contato  com  jovens  filósofos  e   isso  fez  seu  pensamento  ser  conhecido  em  toda  a  França.  Hoje  é  um  dos  mais  famosos  pensadores  da  Europa.  

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  Morreu  no  dia  8  de  outubro  de  1973.    

2.  Fontes  e  Influências     Gabriel  Marcel   foi   um   filósofo  que  pode-­‐se   dizer   que  peregrinou  por   várias   correntes  filosóficas.  É  de  fato  complicado  determinar  suas  influências  e  suas  fontes,  porem  pode-­‐se  dizer  que  alguns  autores  tiveram  maior  importância  em  seu  itinerário  filosófico.     Num  primeiro  momento  temos  Marcel  formado  no  idealismo  pós  kantiano.  Sua  tese  de  graduação  foi  sobre  o  pensamento  de  Scheling  na  metafísica  de  Coleridge.  Depois  Marcel  passa  a   ser   um   grande   admirador   de   Bergson.   Por   último   temos   uma   fase   neoidealista   sobre   a  influência  de  Bradley,  mas  acima  de  tudo  Royce  e  sua  metafísica.     O  método   de  Marcel   foi   o  mesmo  método   compartilhado   por   praticamente   todos   os  existencialistas,  isto  é,  a  fenomenologia  de  Husserl.     De   maneira   especial   pode-­‐se   frisar   o   junção   da   filosofia   vitalista   de   Bergson   com   a  fenomenologia  de  Husserl  como  pensamentos  que  muito  marcaram  o  autor.  Deles  entendemos  a   repulsa   pelas   categorias   lógico   matemáticas   do   pensamento   objetivo,   e   o   recurso   a  interioridade  e  às   fontes   imediatas  da   vida  emocional   como   forma  de   iluminar  os  problemas  filosóficos.     Apesar   de   todas   essas   influências,   foi   a   sua   crença   em   Deus   que   o   conduziu   para   o  pensamento   filosófico  pelo  qual   ele   seria   reconhecido  em   toda  a  Europa.  Preocupado  com  o  problema  da  existência  de  Deus,  e  afirmando  que  é  Deus  o   fundamento  das   individualidades  finitas,   Marcel   percebe   que   só   pode   falar   sobre   a   questão   da   existência   de   Deus   se   antes  precisar  o  que  é  a  existência.  

3.  Filosofia  da  Existência     Ainda   que   de   maneira   dispersa,   Marcel   já   dirige   seu   pensamento   em   volta   dos  problemas   existenciais   desde   seu   Journal   Métaphysique.   Antes   mesmo   antes   de   Jaspers  começar  a  falar  na  Alemanha  dos  temas  existenciais,  Marcel  já  tinha  colocado  tal  discussão  na  literatura  francesa  de  seu  tempo.       Dentre  seus  principais  focos  de  indagação  destacam-­‐se:  -­‐A   Existência   concreta   e   singular:   pensada   em   oposição   ao   pensamento   idealista,   isto   é,  objetivante  e  abstrato.  -­‐A   experiência   imediata   da   consciência:   não   é   fruto   de   um   conhecimento   objetivo   ao  modo  idealista,  mas  de  um  conhecimento   imediato  e  original  quase  que   intuitivo  do  sujeito  quanto  sua  Existência.         Sem   perceber,  Marcel   vai   se   aproximando   daquela   filosofia   concreta   de   Kierkegaard,  ainda   que   não   tivesse   lido   suas   obras   nessa   época.   O   pensar   existencial   aparece   como   uma  oposição   ao   racionalismo   metafísica   racionalistas.   Percebe   que   a   filosofia   sumamente  

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especulativa,   isto   é,   voltada   apenas   para   as   ideias,   exclui   a   verdade   da   Existência   humana.  Contra   isso  Marcel   afirma   a   realidade  da   Existência   particular   e   a   unidade   entre   Existência   e  existente.  Esse  dado  é  completamente  intuitivo,  a  Existência  não  precisa  ser  demostrada,  mas  reconhecida.   Tanto   Existência   quanto   existente   são   dados   imediatos,   não   precisam   de  mediação.     Para  combater  o  objetivismo   idealista,  Marcel  afirma  a  Existência  como  uma  presença  absoluta  que  é  anterior  a  própria  distinção  de  sujeito  e  objeto.  Abandona  a  máxima  cartesiana  do  “penso  logo  existo”,  agora  diz-­‐se  somente  “eu  existo”.  

A   primeira   consciência   que   o   sujeito   tem   da   própria   existência   é   a   sua   consciência  corporal.   O   indivíduo   se   percebe,   se   sente,   como   um   corpo.   Percebendo   ser   um   corpo   o  indivíduo  se  percebe  como  um  existente.  Assim  ele  se  vê  como  um  existência  encarnada,  isto  é,  uma  existência   ligada  a  um  corpo.  Em  suma  o  homem  tem  consciência  de   si  mesmo  em  seu  corpo  

 

3.1.  A  existência  Encarnada     A   Existência   como   Existência   encarnada   é   o   ponto   central   da   filosofia   existencial   de  Marcel.    

O  conhecimento  que  diz  respeito  à  Existência  é  sempre  imediato  e  original.  Ora,  nada  é  mais  imediato  e  original  que  a  consciência  de  ser  um  corpo,  porem  deve-­‐se  entender  a  maneira  que   a   Existência   tem   de   se   relacionar   com   o   próprio   corpo.   Marcel   vai   contrapor   seu  pensamento  contra  dois  que  seriam  seus  extremos,  o  instrumentalismo  e  o  materialismo     Para  o  instrumentalista  o  corpo  é  apenas  um  instrumento  do  qual  a  Existência  faz  uso.  Isso   seria   reduzir   o   corpo   à   condição  de  um  objeto   estranho  ao  próprio   indivíduo.   Pensando  desse  modo  o   sujeito   não   pode  mais   falar   de   seu   próprio   corpo,  mas   de   um   corpo   entre   os  outros  do  qual  não  teria  nenhuma  intimidade.  Por  outro  lado  deve-­‐se  tomar  cuidado  para  não  cair   numa   visão   de   mundo   puramente   materialista   onde   se   reduz   o   sujeito   a   ser   apenas   o  corpo.  Sendo  a  Existência  algo  imaterial,  ela  passa  a  não  ser  nada  na  realidade.  

A  solução  de  Marcel  é  que  não  se  pode  pensar  a   relação  corpo  e  Existência  com  uma  concepção  dualista  onde  um  parece  ser  completamente  oposto  ao  outro.  Em  vez  do  dualismo,  Marcel   propõe   uma   dualidade,   isto   é,   a   real   distinção   de   existência   e   corpo,   mas   não   sua  separação  em  opostos.  Entre  existência  e  corpo  existe  uma  unidade  entitativa.    

Falar   de   unidade   entitativa   não   significa   falar   de   duas   substâncias   que   por   acaso   se  juntaram,  mas  do  corpo  e  da  Existência  como  um  só  substância.  Existência  e  corpo  não  se  unem  para   formar   o   indivíduo,   mas   o   corpo   já   é   um   prolongar-­‐se   da   Existência,   de   modo   que   o  indivíduo  é  os  dois.     Na  análise  existencial  de  Marcel,  a  Existência  encarnada  será  o  núcleo  de  uma  dialética  existencial  e  da  relação  da  própria  Existência  com  os  outros  e  com  o  mundo.        

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3.2.  A  Existência  do  mundo  e  dos  outros     O  conhecimento  sobre  a  Existência  do  mundo  e  dos  outros  também  não  se  obtêm  pela  via  da  objetividade  idealista,  mas  na  experiência  imediata  e  original,  isto  é,  naquela  experiência  do  próprio  corpo.  O  sujeito  olha  pra  realidade  com  os  olhos  daquilo  que  ele  é,  como  os  olhos  de  uma  Existência  encarnada.  Uma   inteligência  pura  ao  modo   idealista   jamais   consideraria    algo  como  Existência.  O  mundo  e  os  outros,  enquanto  Existência,  só  podem  ser  captados  mediante  aquele  sentimento  não  objetivo  que  se  dá  no  conhecimento  imediato  da  experiência  corporal.  O  corpo  passa  a  ser  a  condição  misteriosa  da  objetividade  em  geral.     O  sujeito  percebe,  a  partir  de  seu  corpo,  que  ele  mesmo  é  ser  no  mundo,  isto  é,  que  ele  está   presente   em  um  meio   físico.    O   reconhecimento  dessa   presença   assume  um   caráter   de  conhecimento   imediato.  O  homem,  quando   toma  consciência  de   si,   já  o   faz   como  um  ser  no  mundo,  este  passa  então  a  ser  anterior  a  qualquer  objetivação  racional.     Além  da   consciência   de   ser   um   ser   no  mundo,   o   sujeito   também  percebe,   através  da  experiência   existencial   da   encarnação,   a   presença   dos   outros.   O   primeiro   modo   dessa  experiência   é   a   oposição   radical   entre   aquilo   que   é   um   objeto   e   aquilo   que   é   um   outro.   O  primeiro  é  despersonalizado,  não  possui  subjetividade.  Já  o  segundo  aparece  um  complemento  para  a  própria  personalidade  do  sujeito,  uma  prolongação  de  suas  situações  subjetivas,  aquele  com  quem  o  sujeito  mantem  relações,  aquilo  que  se  pode  chamar  de  um  “Tu”.     Para  o  “Tu”  se  apresentar  como  uma  Existência  para  o  sujeito,  não  basta  a  sua  presença  física  ante  o  sujeito,  pois  existe  aquele  modo  de  estar  presente  sem  verdadeiramente  estar.  A  verdadeira   experiência   com   o   “Tu”   é   descrita   por  Marcel   na   teoria   dos   seres   anônimos   que  estão  no  mesmo  trem,  isto  é,  na  mesma  jornada.  Apesar  de  estarem  no  mesmo  espaço  físico,  não   existe   senão   um   relação   de   exterioridades,   até   que   algo   diferente   acontece.  Um   sujeito  descobre   um   interlocutor   com   quem   tem   experiências   comuns.   Aquele   que   era   um   “Ele”,  indiferente   ao   próprio   sujeito,   torna-­‐se   um   “Tu”   com   que   o   “Eu”   tem   uma   relação   de  comunicação.   O   “Tu”   e   o   “Eu”   são   agora   um   “Nós”,   uma   unidade.   O   outro   faz   o   sujeito  descobrir   a   si   mesmo.   O   sujeito   se   abre   ao   outro   a   partir   do   diálogo   e   do   reconhecimento  fraterno  do  outro  como  companheiro  de  destino.  Para  o  filósofo  não  há  como  pensar  o  outro  sem  ser  como  ou  Existência.     Em  suma,  a  Existência  encarnada  possui  duas  experiências  diferentes.  A  experiência  de  ser  um  ser  no  mundo  e  a  experiência  de  se  comunicar  com  outros  seres  no  mundo.  A  primeira  vai  permitir  reconhecer  a  existência  do  mundo,  a  segunda  a  existência  dos  outros.        

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Karl  Jaspers  (1883  –  1969)    

1.  Vida  e  Obras  Karl   Jaspers   nasceu   Oldenburg,   Alemanha,   de   um  

família   de   confissão   protestante.   Seus   pais,   entretanto,  encaravam  a  religião  como  uma  simples  instituição  social.  Desde  jovem  recebeu  um  educação  rigorosa  a  respeito  da  verdade,   do   dever,   do   trabalho   e   da   lealdade.  Quando   à  dimensão  religiosa,  Jaspers  cresceu  limitando-­‐se  a  cumprir  algumas  formalidade  exigidas.  Apesar  das  aulas  de  religião  que  tinha  na  escola,  Jaspers  nunca  às  levou  muito  a  serio,  sempre   ridicularizou   as   “histórias   do   pastor”.   Quando  ficou   mais   velho   disse   a   seu   pai   que,   por   respeito   a  verdade,   abandonaria   a   religião.   Seu  pai,   no   entanto,   diz  que   ele   tinha   que   honrar   o   dever   comunitário   com   as  instituições  sociais,  a  religião  era  uma  delas.  

A   primeira   etapa   de   sua   vida   juvenil   transcorreu  normalmente,   apesar   dos   problemas   que   tinha   com   a  

administração  da  escola  devido  a  seus  espirito  de   independência.  Além  disso   tinha  um  saúde  muito   frágil   que   acabou   fazendo   com   que   ele   vivesse   sempre   numa   grande   solidão.   Assim,  Jaspers   cresceu   em  meio   a   seus   livros   e   a   própria   natureza,   porem   com  pouco   contato   com  outras   pessoas.   Desde   jovem   foi   desenvolvendo   o   gosto   pelo   pensar   filosófico.   De   maneira  especial  cresceu  junto  ao  mar  que,  para  ele,  é  presença  do  infinito,  símbolo  da  transcendência  e  da   liberdade.  Seu  primeiro  contato  com  a  filosofo  foi  através  de  Spinoza,  de  quem  ele  tirou  a  consciência  do  universo  como  totalidade.  

Ao   18   anos,   Jaspers   descobre   que   possui   uma   doença   pulmonar   incurável   e   insuficiência  cardíaca.  Teria  que,  para   sobreviver  por  muito   tempo,  assumir  uma  vida  muito  estrita.  Dessa  maneira   o   autor   conhece   o   pessimismo   e   momentos   de   muito   desespero.   Tal   situação   de  enfermidade,  entretanto,  vai  lhe  ser  estimulo  para  o  filosofar.  Ela  mesma  será  interpretada  de  maneira  existencial.    

Em   1901,   inicia   os   estudos   de   jurisprudência   na   Universidade   de   Heildelberg   e   Munich,  pretendia   ser   advogado.   Como   a   ciência   jurídica   não   lhe   satisfaz,   Jaspers   resolve   tentar   ser  médico  e,  após  três  períodos  muda  seu  curso  para  medicina.  Em  1907  conhece  a  irmã  de  um  de  seus   colegas,   Gertrud   Mayer.   Ela   pertencia   a   uma   piedosa   família   judia   e   Jaspers   logo   se  apaixona  por  ela.  Uma  vez  formado,  ele  casa-­‐se  com  ela  e  recupera  o  otimismo  que  até  então  havia   perdido.   Será   com  ela   que,   aquele   garoto   que   cresceu   só   vai   entender   a   comunicação  existencial.  Gertrud  também  era  muito  apaixonada  pelo  saber  e  ajudou  mundo  seu  marido  em  

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suas   obras.   Também  é   a  Gertrud   Jaspers   que  nosso   autor   deve   o   fato   de   ter   se   aproximado  mais  da  bíblia.  A  fé  judia  de  Gertrud  transformou-­‐se  em  Jaspers  em  uma  filosofia  bíblica.  

Em   1910   Jaspers   conhece   o   método   fenomenológico   de   Russerl   e   os   escritos   e   Max  Webber.  Depois  de  3  anos  escreve  sua  grande  obra  “Psicopatologia  Geral”  e  depois  de  mais  1  ano  entra  em  contato  com  as  obras  de  Kierkegaard.  Em  1916  sob  à  cátedra  de  psicologia  de  sua  Universidade  e  depois  de  3  anos  escreve  “Psicologia  das  Concepções  de  Mundo”.  

Como   o   início   da   1ª   Guerra   começa   a   definir   o   que   seria   algo  muito   recorrente   em   sua  filosofia,  isto  é,  as  situações-­‐limites.  Em  1921  subiu  à  cátedra  de  filosofia.  Esta  é  a  primavera  de  suas  reflexões  sobre  a  realidade.  Mergulhou  nas  filosofias  de  Platão,  Plotino,  Nicolau  de  Cusa,  Descartes,  Spinoza,  Kant,  Scheling,  Hegel  e,  de  maneira  muito  especial,  Kierkegaard  e  Nietzsche.  Jaspers,   entretanto,   ignora   o   aristotelismo   e   a   escolástica.   Até   1937   pública   várias   de   suas  famosas   obras,   entre   elas,   “Situação   Espiritual   de   Nosso   Tempo”,   “Filosofia”,   Filosofia   da  Existência”,   “Razão   e   Existência”,   entre   outro.   A   partir   daquele   ano,   entretanto,   o   governo  nazista   informa  que  ele   vai   ter  que  abandonar   sua   cátedra  na   faculdade  por   ser   casado   com  uma  judia.  Mais  tarde  é  proibido  de  fazer  publicações,  porem  recusa  divorciar-­‐se  de  sua  esposa  e  então  os  dois  saem  da  Alemanha.  Só  em  1945,  após  o  fim  da  guerra,  o  governo  americano  lhe  restitui   sua   cátedra.   Fica   então   em   Heidelberg   até   1948   quando   vai   para   Basilea   onde   fica  ensinado  até  1961.  Após  isso,  aposentado,  Jaspers  vive  um  vida  tranquila  com  sua  esposa  até  26  de  fevereiro  de  1969.  

2.  Por  que  um  Filosofia  da  Existência?  As   vezes   é   difícil   entender   como   que   um   médico   e   cientista   como   Jaspers   acabou   se  

tornando   um   dos   maiores   pensadores   existenciais   do   século   XX.   De   fato,   fica   mais   fácil  entender  seu  pensamento  se  levarmos  em  conta  com  que  o  autor  está  dialogando  ao  escrever.  

Primeiramente  observa-­‐se  forte  influência  do  pensamento  kantiano  na  filosofia  de  Jaspers.  De   fato,   nosso   filósofo  olha  para  Kant   com  grande   respeito   e   admiração.  Muito  diferente  da  maioria  dos  pensadores  existenciais  que  simplesmente  pretendiam  superar  o  idealismo  iniciado  em  Kant,  Jaspers  pretende  um  diálogo  com  este.  Sem  desejar  abandonar  o  que  foi  dito  antes,  Jaspers  quer  encontrar  o  Ser  Absoluto  e  o  ser  em  si  das  coisas,  ainda  que  na  filosofia  kantiana  e  idealista  isso  seria  algo  impossível.  

Além   disso   muito   incomoda   nosso   autor   a   visão   cientificista   de   sua   época.   Ele   chega   a  afirmar  que  fizeram  da  ciência  um  superstição,  ou  ainda,  um  pseudociência.  Jaspers  não  admite  a   pretensão   dos   cientistas   de   afirmarem   coisas   sobre   o   homem   que   escapam   do   objeto   e  método  científico.  Em  sua  obra  Filosofia  da  Existência,  Jaspers  afirma  que,  com  o   idealismo  a  filosofia   deixou   de   dar   as   respostas   fundamentais   à   vida   humana   e   a   ciência   acabou   por  pretender  dizer  ao  homem  quem  ele  é,  de  onde  ele  veio  e  para  onde  ele  vai.  

Dialogando  com  tais  formas  do  pensar,  Jaspers  vai  tentar  colocar  a  ciência  em  seu  lugar  e  devolver  à  filosofia  seu  estatuto  de  um  pensamento  universal.  De  fato  do  conhecimento  do  ser  

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empírico,  ao  qual  as  ciências  empíricas  tem  acesso,  não  pode  ser  dado  como  conhecimento  de  todo  o  Ser,  pois  de  tal  forma  se  acabaria  reduzindo  o  Ser  a  algo  que  ele  não  é.  

Para   isso   Jaspers  vai   tentar  dar  um  resposta  existencial  ao  problema  do  conhecimento  de  ser  em  si  e  do  Ser  absoluto  para  recuperar  a  filosofia  como  a  disciplina  que  dá  conta  daquelas  perguntas  universais  sobre  o  homem  mesmo,  isto  é,  de  onde  ele  vem,  para  onde  ele  vai  e  qual  o  sentido  de  sua  vida.  

3.  O  Filosofar  desde  a  Existência  Possível  Para  chegar  o   ser  em  si  e  ao  Ser  absoluto,   Jaspers  entende  que  deve  ultrapassar  a   teoria  

kantiana   da   consciência.   Tal   teoria   diz   que   tudo   o   que   o   sujeito   conhece   é   aquilo   que   se  apresenta   como   um   objeto   à   sua   consciência   de   sujeito.   Isso   é   o   que   o   autor   chama   de  dicotomia  sujeito-­‐objeto.  Isso  significa  que  sempre  que  há  conhecimento  há  um  objeto  que  se  apresenta  a  um  sujeito.  Nessa  dicotomia   fica   impossível   falar  do   ser  em  si   da   coisas  e  muito  menos  do  Ser  Absoluto.  

Jaspers  entende  o  ser  em  si  como  o  ser  das  coisas  independente  de  ser  um  objeto  para  um  sujeito.  O  problema  é  que  sempre  que  se  tentasse  conhecer  esse  ser  em  si  imediatamente  ele  seria  convertido  num  objeto  e,  dessa  forma,  não  mais  se  estaria  conhecendo  o  ser  em  si,  mas  o  ser  objeto.  

O  autor  em  nenhum  momento  nega  a  necessidade  dessa  dicotomia  para  o  conhecimento,  porem  procura  dar  um  outro  modo  de  alcançar  esse  ser  em  si  que  não  seja  conhecer.  Para  isso  nosso  filósofo  vai  buscar  um  dimensão  do  sujeito  que  possa  dar  conta  dessa  tarefa.  

Para  Jaspers  o  sujeito  é  antes  de  mais  nada  um  acontecimento  único  e  irrepetível,  um  ser  específico   ao   qual   nenhum   outro   se   assemelha   É   um   existente   empírico,   um   ser   que   vive  empiricamente  no  mundo  e  que,  por  isso,  é  também  objeto  de  conhecimento  de  outros  sujeito  e   de   si  mesmo.  Apesar   dessa   irrepetitividade  do   indivíduo,   ele   também  possui   um  dimensão  que   é   igual   de   todo   e   qualquer   sujeito.   Pode   parecer   contraditório,  mas   não   é.  O   homem  é  irrepetível   enquanto  existente  empírico,  porem  é   igual   a   todos  os  outros  enquanto  que  uma  consciência   geral   para   a   qual   os   objeto   são.   Isso   explica,   por   exemplo,   o   fato   de   não   haver  confusão  entre  os  homens  no  conhecimento  das  coisas  empíricas.  Todo  o  homem  que  percebe  uma  cadeira  a  percebe,  empiricamente,  como  qualquer  outro  homem,  de  modo  que  todas  as  consciência  individuais  tem  algo  em  geral  que  permite  o  conhecimento  das  coisas.  

Existente   empírico   e   consciência   geral   são   as   dimensões   do   sujeito   que   estão   dentro   da  dicotomia  sujeito-­‐objeto,  de  modo  que,  apesar  de  ambas   terem  sua   importância  no   filosofar,  não  são  suficientes  para  alcançar  o  ser  em  si  das  coisas.  

Jaspers  então  afirma  uma  terceira  dimensão  do  sujeito.  Este  é  uma  incondicionalidade.  De  fato,  quando  o   indivíduo  pensa  e  age,  ele   se  percebe  como  origem  autêntica  desse  pensar  e  agir.   Não   é   outro   senão   eu   quem   pensa   o   que   pensa   e   quem   faz   o   que   faço.   Por   ser   essa  origem,  o  sujeito  entende  que  ele  é  mais  do  que  uma  simples  consciência  empírica  para  a  qual  

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tudo  se  apresenta.  Ele  não  tem  experiência  empírica  dessa  origem  que  ele  mesmo  é.  Aqui,  o  homem  se  descobre  como  uma  Existência  incondicionada.  

O   problema   é   que   a   Existência   não   pode   ser   objeto   de   nada,   pois   não   há   experiência  empírica  dela.  O  sujeito,  entretanto,  tem  plena  certeza  de  ser  uma  Existência  na  medida  que  é  essa  origem   incondicionada  de   seu  pensar   e   agir.   Assim,   para  não   afirmar   a   Existência   como  algo  que  é  ou  não  é,  pois  isso  já  seria  dar-­‐lhe  um  estatuto  empírico,  Jaspers  fala  da  Existência  do   homem   como   algo   que   se   exerce   plenamente   ou   se   exclui   totalmente.   Dessa   forma   o  homem  não  é  uma  Existência,  mas  uma  Existência  possível  de  exercer-­‐se  ou  não.  

Essa  terceira  dimensão  do  homem,  a  de  uma  Existência  Possível,  é  donde  o  autor  vai  partir  o  que  para  ele  é  o  verdadeiro  filosofar.  Sendo  ela   inobjetiva,  pode  dar  conta  do  que  também  não  se  faz  objeto,  isto  é,  do  ser  em  si.  

A  Existência  Possível  vai  romper  a  dicotomia  sujeito-­‐objeto  sem  anular  a  mesma.  O  ser  em  si  que  para  o  Existente  Empírico  é  um  fantasia  e  para  a  Consciência  em  Geral  é  um  limite,  aparece  como  algo  acessível  à  Existência  Possível.  

Esse  filosofar  a  partir  da  Existência  possível  vai  surgir  em  três  vias,  de  modo  que  cada  uma  delas  vai  cuidar  daquilo  que  o  autor  chama  de  Abrangente,  isto  é,  algo  que  sem  ser  sujeito  nem  objeto  abrange  os  dois.  Tal  noção  é  muito  parecida  com  aquilo  que  o  filósofo  pensa  que  deve  ser   o   ser   em   si.   Dentre   estas   vias,   a   mais   importante   e   que   vai   dar   o   nome   de   Filósofo   da  Existência   à   Karl   Jaspers   será   o   Esclarecimento   da   Existência,   que   no   fundo   é   a   sua  propriamente  a  sua  Filosofia  da  Existência.  

4.  Esclarecimento  da  Existência  Esta  é  a  Filosofia  da  Existência  propriamente  dita  no  pensamento  de  Jaspers.  O  filósofo  não  

pretende   uma   análise   da   Existência,   mas   um   esclarecimento   da   mesma.   Sendo   ela   um  abrangente,   nunca   pode   surgir   como   um   objeto,   de  modo   que   não   pode   ser   racionalmente  conhecida.   Dai   o   uso   do   termo   Esclarecimento   para   falar   dela.   Porem,   somente   falara   da  Existência  já  nos  trás  um  novo  problema.  

Quando  falamos  de  Existência  continuamos  a  falar  de  algo  bem  objetivo,  afinal  não  se  pode  falar   de   algo   sem  que   se   faça   desse   algo   um  objeto.  Dessa   forma,   Jaspers   vai   eapresentar   a  noção   de   símbolos.   Através   dos   símbolos   o   sujeito   pode   falar   daquilo   que   é   inobjetivo   de  maneira   objetiva.   Quando   falamos   “Existência”   ou   “ser   em   si”,   não   estamos   falando   dessas  coisas  mesmas,  mas  estamos  usando  palavras  que  simbolizem  essas  realidades.  Deve-­‐se  ainda  tomar   muito   cuidado   para   não   acabarmos   falando   de   um   mundo   das   Existência   como   um  mundo   paralelo   ao   mundo   empírico.   De   fato   há   somente   um   mundo,   porem   as   realidades  existenciais   que   permeiam   esse   mundo   são   simbolizadas   em   palavras   e   conceitos   que,   sem  esgotar   o   que   elas   são,   servem  para   falar   delas   da  maneira   como   nossa   linguagem   empírica  permite.  

Jaspers   afirma  que  quanto  mais   refinada   for   nossa   linguagem  empírica,  melhor   podemos  falar   daquelas   coisas  que  ultrapassam  essa   realidade.  Há   aqui   uma  grande  harmonia   entre  o  

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conhecimento  das  coisas  objetivas  e  a  aclaração  das  inobjetivas.  Se  temos  um  Consciência  em  Geral   para   a   qual   se   apresentam   as   coisas   empíricas,   também   há   a   chamada   Consciência  Absoluta  para  a  qual  os   símbolos   revelam  sua  dimensão  existencial.  Em  nenhum  momento  o  autor   pretende   negar   a   validade   do   conhecimento   racional,   mas   deseja   falar   de   um  conhecimento   transracional   que   é   capaz   de   atingir   as   coisas   em   si   não   pela   razão,  mas   pela  Existência.   Todo  Esclarecimento  existencial   é  um  voltar-­‐se  a   si  mesmo,  no   sentido  de  origem  autêntica  do  pensar  e  do  agir.  Disso  o  sujeito  pode  partir  não  só  para  o  em  si  das  coisas,  mas  para  a  Ser  Absoluto.  

De  maneira  muito  especial  podemos  ainda   falar  das  Situações  Limites  dentro  do   tema  do  Esclarecimento  da  Existência,  pois   é  nessas   situações  que  o   sujeito  percebe   seus   limites  e   se  abre  à  Transcendência.  Em  Jaspers,  Existência,  por  mais  importante  que  seja,  é  insuficiente  à  si  mesmo,  de  modo  que  nos  limites  que  lhes  são  próprios  encontra  o  Fracasso  que  pode  ou  fazê-­‐la  fechar-­‐se  nas  coisas  empíricas  e  seguras,  ou  a  ajudar  a  dar  o  salto  rumo  a  Transcendência  que  a  completa.  Isso  entretanto  já  não  é  mais  sua  Filosofia  da  Existência,  mas  sua  Metafísica.  

 

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Linha  Cronológica:    

1813  –  Nasce  Sören  Aabye  Kierkegaard  1821  –  Nasce  Fiódor  Dostoiévski  1830  –  Kierkegaard  começa  a  estudar  teologia  na  Universidade  de  Copenhague  1833  –  Nasce  Wilhelm  Dilthey  1837  –  Kierkegaard  conhece  Regina  Olsen  1838  –  Morre  o  pai  de  Kierkegaard                    –  Kierkegaard  escreve  a  crítica  à  Andersen  1840  –  Kierkegaard  torna-­‐se  noivo  de  Regina  Olsen  1841  –  Kierkegaard  separa-­‐se  de  Regina  Olsen                    –  Kierkegaard  assiste  as  lições  de  Schelling                    –  Kierkegaard  conclui  seu  doutorado  sobre    a  tese  “Sobre  o  Conceito  da  Ironia”  1843  –  Regina  Olsen  volta  com  seu  primeiro  pretendente,  Frederico  Schelegel                    –  Kierkegaard  publica  Aut-­‐Aut                    –  Kierkegaard  publica  Temor  e  Tremor    com  o  pseudônimo  Johannes  de  Silentio.                    –  Kierkegaard  publica  A  repetição  com  o  pseudônimo  Constantino  Constantius  1844  –  Kierkegaard  publica  Begrebt  Angest  com  o  pseudônimo  Vigilius  Haufniensis                    –  Kierkegaard  publica  Philosophiske  Smuler  com  o  pseudônimo  de  Johannes  Climacus                    –  Nasce  Friedrich  Nietzsche  1845  –  Kierkegaard  começa  sua  polêmica  com  “Corsário”                    –  Kierkegaard  publica  Stadier  paa  Livest  Vei  com  o  pseudônimo  Hilarius  Bogbinder  1847  –  Kierkegaard  publica  Dialética  da  comunicação  Ético-­‐Religiosa    1848  –  Kierkegaard  publica  Sygdommen  til  Doeden  com  o  pseudônimo  Johannes  Anticlimacus  1855  –  Morre  Soren  Kierkegaard  1859  –  Nasce  Edmund  Husserl                    –  Nasce  Henri  Bergson                    –  Nasce  John  Dewey  1864  –  Nasce  Max  Weber                    –  Nasce  Miguel  de  Unamuno                    –  Dostoievski  publica  Notas  do  Subterrâneo  1866  –  Nasce  Leon  Chéstov  1874  –  Nasce  Nicolai  Berdiaev                    –  Nasce  Max  Scheler  1878  –  Nasce  Martin  Buber  1883  –  Nasce  Karl  Jaspers                    –  Nasce  Franz  Kafka                    –  Nasce  José  Ortega  Y  Gasset  1886  –  Nasce  Paul  Tillich                    –  Nasce  Karl  Barth  1896  –  Bergson  publica  Matéria  e  Memória  1897  –  Max  Weber  se  torna  professor  de  Economia  Nacional  em  Heidelberg.  1888  –  Nasce  Jean  Wahl  1889  –  Nasce  Gabriel  Marcel  

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                 –  Nasce  Martin  Heidegger  1891  –  Nasce  Edith  Stein  1900  –  Chéstov  publica  A  ideia  de  Bem  em  Tolstoi  e  Nietzsche                    –  Morre  Nietzsche  1901  –  Jaspers  começa  a  estudar  medicina  após  abandonar  a  faculdade  direito                    –  Husserl  publica  Investigações  Lógicas  1903  –  Chéstov  publica  Filosofia  da  Tragédia  1905  –  Nasce  Jean-­‐Paul  Sartre                    –  Nasce  Emmanuel  Mounier  1906  –  Nasce  Hannah  Arendt  1907  –  Bergson  publica  A  Evolução  Criadora                    –  Wahl  conhece  Bergson  e  torna-­‐se  seu  discípulo  1908  –  Marcel  forma-­‐se  na  faculdade                      –  Jaspers  começa  sua  preparação  para  o  doutorado  em  medicina.                    –  Nasce  Simone  de  Beauvoir                    –  Nasce  Maurice  Merleau-­‐Ponty  1910  –  Jaspers  casa-­‐se  com  Gerturd  Mayer;  conhece  as  obras  de  Husserl;  começa  a  estudar  os  escritos  Webber  1911  –  Berdiaev  publica  Filosofia  da  Liberdade                    –  Morre  Dilthey  1913  –  Jaspers  publica  Algemeine  Psycophatologie                    –  Husserl  publica  Ideias  Relativas  a  uma  Fenomenologia  Pura                    –  Unamuno  publica  Sobre  o  Sentido  Trágico  da  Vida                    –  Nasce  Paul  Ricoeur                    –  Edith  Stein  ingressa  na  Universidade  de  Gotinga  onde  conhecerá  Husserl                    –  Nasce  Albert  Camus  1914  –  Jaspers  Descobre  as  obras  de  Kierkegaard                    –  Ortega  Y  Gasset  publica  Eu  Sou  Eu  e  Minhas  Circunstâncias  1919  –  Marcel  case-­‐se  com  Jacqueline  Boegner                    –  Jaspers  publica  Psycologie  der  Weltanschauungen  1920  –  Morre  Max  Weber  1921  –  Jaspers  assume  a  cátedra  de  filosofia  em  Springer  1922  –  Buber  publica  Eu  e  Tu  1924  –  Morre  Kafka  1925  –  Marcel  publica  Existence  et  objectivité  1927  –  Marcel  publica  Journal  Métaphysique                    –  Heidegger  publica  Ser  e  Tempo  1829  –  Morre  Scheler    1929  –  Marcel  Converte-­‐se  ao  catolicismo  e  é  batizado                    –   Simone   de   Beauvoir   ingressa   na   Universidade   de   Sorbonne   onde   conhece   Sartre   e  Merlau-­‐Ponty  1930  –  Unamuno  publica  São  Manuel  Bueno,  Martir  1931  –  Chéstov  publica  Sobre  o  Destino  do  Homem                    –  Nasce  Colin  Wilson  

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1932  –  Jaspers  publica  Philosophie:  Weltorientierung;  Existenzerkellung;  Methaphysik!                    –  Bergson  publica  Duas  Fontes  da  Moral  e  da  Religião  1933  –  Sartre  descobre  a  fenomenologia  de  Husserl  e  a  filosofia  de  Heidegger                    –  Começa  o  Terceiro  Reich  1935  –  Marcel  publica  Être  et  Avoir  1936  –  Chéstov  publica  Kierkegaard  e  a  Filosofia  Existencial                    –  Berdiaev  publica  Cinco  Meditações  Sobre  a  Existência                    –  Morre  Unamuno  1937  –  Jaspers  publica  Existenzphilosophie.  O  governo  nazista  tira  sua  cátedra  por  sua  esposa  ser  judia.  Karl  e  Gertrud  Jaspers  sem  da  Alemanha.  1938  –  Sartre  publica  A  Náusea                    –  Morre  Husserl                    –  Morre  Chéstov                    –  Berdiaev  publica  Espírito  e  Realidade  1940  –  Marcel  publica  Du  Refus  à  l`invocation                    –  Maurice  Merleau-­‐Ponty  publica  Humanismo  e  o  Terror                    –  Morre  Bergson  1942  –  Morre  Edith  Stein                    –  Sartre  e  Camus  se  conhecem  1943  –  Sartre  publica  O  Ser  e  o  Nada  1944  –  Marcel  publica  Homo  Viator  1945  –  Termina  a  Segunda  Guerra  Mundial                    –  Fim  do  Terceiro  Reich                    –   Jaspers   é   restituído   em   sua   cátedra   na   Alemanha   pela   administração   americana.   Fica  encarregado  de  reestruturar  a  faculdade.  1946  –  Berdiaev  publica  Ensaio  de  Metafísica  Escatológica  1948  –  Jaspers  publica  Der  Philosophie  Glaube                    –  Morre  Berdiaev  1950  –  Morre  Mounier  1951  –  Marcel  publica  Le  mystère  de  l’étre!  1952  –  Marcel  publica  Les  hommes  contre  l`hunian                    –   Sartre   e   Camus   se   desentende   devido   a   publicaçnao   da   obra   de   Camus   O   Homem  Revoltado                    –  Morre  Dewey  1955  –  Marcel  publica  L’homme  problématique                    –  Morre  José  Ortega  Y  Gasset  1956  –  Colin  Wilson  publica  The  Outsider  e  propõe  o  Neoexistencialismo  1958  –  Simone  de  Beauvoir  publica  Memorias  de  uma  Moça  Bem  Comportada.  1960  –  Morre  Albert  Camus  1961  –  Morre  Maurice  Merleau-­‐Ponty  1962  –  Jaspers  publica  Der  Philosopische  Glaube  Angesichts  der  Affenbarung  1965  –  Morre  Martin  Buber                    –  Morre  Tillich  1967  –  Morre  Jean  Wahl  

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1968  –  Morre  Karl  Barth  1969  –  Morre  Karl  Jaspers  1973  –  Morre  Gabriel  Marcel  1975  –  Morre  Hannah  Arendt  1976  –  Morre  Martin  Heidegger  1980  –  Morre  Jean-­‐Paul  Sartre  1986  –  Morre  Simone  de  Beauvoir  2005  –  Morre  Paul  Ricoeur  2013  –  Morre  Colin  Wilson    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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