introdução á recepção da obra de jorge andrade

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Uma Introdução à Recepção da Obra de Jorge Andrade “Pois gostaria de descobrir um meio de abrir as portas, ver como vivem, o que pensam, o que têm e o que gostariam de ter” (fala da personagem José, de As Confrarias, de Jorge Andrade) A obra do dramaturgo Jorge Andrade, assim como o teatro brasileiro em geral, não tem sido até o momento objeto de número significativo de análises na perspectiva das novas teorias da literatura (por exemplo, a Estética da Recepção de Hans Robert Jauss). Parece legítimo buscar uma nova compreensão sobre os objetos do campo do teatro brasileiro – como tem sido com outros objetos de diversas manifestações artísticas – sinalizando, por sua vez, que o horizonte de expectativa no qual ocorriam estas investigações modificou-se também, produzindo novas abordagens e molduras teóricas. Isso se deve à percepção de que grande parte dos livros, manuais, ensaios de história e críticas de teatro escritos no país estão em descompasso em relação à complexidade do seu objeto e que, portanto, precisariam instrumentalizar-se com novas molduras teóricas, que poderiam ser buscadas ou inspiradas nas renovações ocorridas nas ciências da história e da literatura no século XX.

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Uma Introdução à Recepção da

Obra de Jorge Andrade

“Pois gostaria de descobrir um meio de abrir as portas, ver

como vivem, o que pensam, o que têm e o que gostariam de

ter” (fala da personagem José, de As Confrarias, de Jorge

Andrade)

A obra do dramaturgo Jorge Andrade, assim como o teatro brasileiro em

geral, não tem sido até o momento objeto de número significativo de análises

na perspectiva das novas teorias da literatura (por exemplo, a Estética da

Recepção de Hans Robert Jauss). Parece legítimo buscar uma nova

compreensão sobre os objetos do campo do teatro brasileiro – como tem sido

com outros objetos de diversas manifestações artísticas – sinalizando, por sua

vez, que o horizonte de expectativa no qual ocorriam estas investigações

modificou-se também, produzindo novas abordagens e molduras teóricas. Isso

se deve à percepção de que grande parte dos livros, manuais, ensaios de

história e críticas de teatro escritos no país estão em descompasso em relação

à complexidade do seu objeto e que, portanto, precisariam instrumentalizar-se

com novas molduras teóricas, que poderiam ser buscadas ou inspiradas nas

renovações ocorridas nas ciências da história e da literatura no século XX.

A Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss, parece ser uma teoria

oportuna para compreender a dramaturgia de Jorge Andrade. A partir dela é

possível realizar o mapeamento parcial da recepção da crítica estética e

cultural da obra de autor paulista, abrangendo sobretudo os anos da sua

produção, para o qual este trabalho se propõe ser uma pequena introdução.

A obra de Jorge Andrade – de qualidade insuspeita que ensaios críticos

de Sábato Magaldi, Anatol Rosenfeld, Décio Almeida Prado, Antonio Candido,

entre outros, só vêm confirmar – não teve e nem tem a repercussão que

merecia. Andrade está, sem dúvida alguma, entre os mais importantes

dramaturgos do teatro brasileiro. Entretanto, seu nome é pouco mencionado

nos meios culturais. Mesmo no âmbito universitário, o autor é praticamente

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ignorado, com algumas poucas exceções. A hipótese que este trabalho levanta

para este fenômeno é a de que a obra do dramaturgo paulista no momento da

sua produção não teria encontrado o horizonte de expectativas adequado à sua

compreensão. Longe de ser um problema, estar além do horizonte de

expectativa de um período na teoria da estética da recepção só comprova o

valor da obra. Significa que a ela contém elementos inovadores que não se

enquadram nos parâmetros estéticos da época. Hans Robert Jauss, introdutor

da nova teoria, vai afirmar que a obra de valor oferece as condições de

ampliação e modificação do horizonte de expectativa do leitor socializado. Ou

seja, quanto maior a distância estética da obra em relação ao sistema de

referências habitual do leitor maior a sua originalidade.

A partir destes conceitos, é plausível pensar a rejeição à obra de Jorge

Andrade – mesmo considerando o sucesso inicial de suas primeiras peças –

como um indício forte da sua qualidade estética a frente do seu tempo.

Ademais, o fato de, até os dias atuais, o dramaturgo não gozar de

reconhecimento à altura do legado que deixou, um espaço de tempo de mais

de cinco décadas, permite considerar que o horizonte de expectativa em

condições de compreender sua grandeza ainda não chegou. Mas ele não está

só. Na galeria de autores que tiveram recepção desfavorável no lançamento de

uma obra, Jauss dá o exemplo de Gustave Flaubert, com Madame Bovari, que

precisou esperar que o horizonte de expectativas se modificasse, o que levou

muitos anos, para que aceitassem as inovações propostas pelo escritor

francês, rejeitadas inicialmente.

Um breve perfil de Jorge Andrade

Jorge Andrade nasceu Aluísio Jorge Andrade Franco, em 21 de maio de

1922, na cidade de Barretos, interior de São Paulo. Ele descendia de uma

família de fazendeiros de café ligada aos Junqueira, do Sul de Minas. Após

completar o estudo secundário em Barretos e Bebedouro em 1938, se mudou

para São Paulo para fazer a faculdade de Direito, curso que abandonou dois

anos depois.

Andrade, depois de cursar uma escola de cadetes no Nordeste e

trabalhar em banco, foi fiscal de cafezal na Fazenda Coqueiros, de propriedade

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de sua família, quando teve um contato próximo com os camponeses, que

serviram de matéria-prima para suas futuras peças teatrais. Em seu tempo

livre, costumava acompanhar a produção teatral de São Paulo viajando para a

cidade com freqüência, além da dedicação à leitura, outra grande paixão.

Após assistir à atuação de Cacilda Becker na peça O Anjo de Pedra, de

Tennessee Williams, decidiu seguir a carreira de ator. A atriz, procurada por ele

no camarim depois da encenação, aconselhou-o a entrar para a Escola de Arte

Dramática (EDA) mas ressaltou que o considerava mais vocacionado para a

dramaturgia. De fato, após algumas atuações nas peças montadas pela escola,

Jorge Andrade desistiu de seguir a carreira de ator. Em 1951, escreveu sua

primeira peça, O Telescópio, já chamando a atenção da crítica. Em 1955, A

Moratória, sua produção seguinte, foi encenada pelo diretor Gianni Ratto, no

Teatro Maria Della Costa, com excelente recepção de público e crítica.

No ano seguinte, em viagem aos Estados Unidos, Andrade conheceu

Arthur Miller, dramaturgo norte-americano, que junto com Eugene O’Nell e

Tchekhov são suas principais influências. Ainda em 1956, o dramaturgo

brasileiro casou-se com Helena de Almeida Prado, também de família oriunda

da aristocracia paulista. Com ela, teve três filhos: Gonçalo, Camila e Blandina.

Até o final dos anos 1950, o autor escreveria ainda Pedreira das Almas e

Vereda da Salvação, que ao lado de A Moratória, entre outras, fazem parte do

conjunto de peças dedicado ao “Ciclo do Café”. Na década de 1960, depois de

sua passagem pela fazenda da família em 1961, enveredou pela comédia e

escreveu Os Ossos do Barão e A Escada. Ambas foram mais tarde adaptadas

para a televisão alcançando sucesso. Com o Regime Militar, a partir de 1964,

sofreu problemas com a censura. Vereda da Salvação, que tinha como tema os

graves problemas sociais de camponeses – em plena época das Ligas

Camponesas em luta pela reforma agrária –, ficou pouquíssimo tempo em

cartaz. Não havia condições para tratar desses temas naquele momento.

Apesar disso, em 1966, o autor recebeu com a peça Rasto Atrás o prêmio do

Serviço Nacional de Teatro.

Senhora na Boca do Lixo, sua peça seguinte que criticava justamente os

abusos de autoridade, só pode estrear em Portugal, no ano de 1967. Jorge

Andrade ainda sofreu a proibição de Pedreira das Almas, em versão adaptada

para televisão. Milagre da Cela, peça baseada em um episódio verdadeiro

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envolvendo uma freira presa e seu torturador, provocou uma ação ainda mais

virulenta por parte da censura em 1977. Devido a essa pressão crescente, o

autor não escreveu nenhuma peça durante oito anos. Dedicou-se

principalmente às novelas de TV, que considerava um meio expressivo tão

importante quanto o teatro. Tornou-se conhecido do publico brasileiro

sobretudo pelas novelas Os Ossos do Barão – adaptação da peça de mesmo

nome – e O Grito, ambas na TV Globo. Escreveu ainda para a televisão Os

Adolescentes e Ninho da Serpente.

Entretanto, ele não se dedicava somente a escrever peças e novelas.

Desde 1967, passou a integrar o quadro de professores da USP. Em 1978,

publicou Labirinto, considerado por ele um romance, mas de cunho

profundamente autobiográfico, em que a adoção de várias técnicas não permite

classificar univocamente seu gênero. Sábato Magaldi comenta que “o livro

funde, com a memória do dramaturgo, as reportagens que ele fez para a

revista Realidade” (Andrade, 1978, p. 12). Andrade havia entrevistado para a

publicação nomes importantes como Érico Veríssimo, Wesley Duke Lee, Sérgio

Buarque de Holanda, Bento Prado, Gilberto Freyre, Murilo Mendes. A busca do

pai, um dos temas que atravessa sua obra teatral, está intensamente presente

em Labirinto. Sobre este aspecto, Magaldi entende “a decifração da esfinge

paterna como chave para encontrar-se no labirinto”. No ano seguinte, aos 57

anos, tornou-se colaborador do jornal Folha de São Paulo.

Em 13 de março de 1984, perto de completar 62 anos, Jorge Andrade

morreu de edema pulmonar no Instituto do Coração, em São Paulo. O autor foi

velado no Teatro Municipal e enterrado no Cemitério São Paulo. Na época, ele

estava escrevendo Sabor de Mel, novela da TV Bandeirantes, e cogita-se que

vinha sofrendo pressões nos bastidores da emissora, o que teria sido uma das

principais causas do infarto que sofreu quatro meses antes. A esse respeito, o

ator Kito Junqueira, que trabalhou nas duas primeiras novelas de Jorge

Andrade, lembrou, por ocasião da sua morte, que o autor sempre foi uma

"pessoa aberta à discussão, que exigia sempre o melhor em seu trabalho, mas

foi muito magoado pelos medíocres da televisão".

Recepção da obra de Jorge Andrade

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Para compor a teoria da Estética da Recepção, Hans Robert Jauss vai

buscar o leitor concreto da obra, historicamente situado no tempo e no espaço.

É a partir dele que a literatura será examinada. O leitor na perspectiva da

estética da recepção, conforme expõe Regina Zilberman, é o “leitor explícito,

indivíduo histórico que acolhe positivamente ou negativamente uma criação

artística, sendo, pois, responsável pela recepção propriamente dita dessa”

(Zilberman, 1989, p. 114). Trata-se, portanto, não do leitor individual mas de

uma comunidade de leitores que compartilha do mesmo quadro de referências

estéticas.

O modelo teórico estético-recepcional causou uma revolução

epistemológica ao propor pensar a literatura – posteriormente ampliado para

outros objetos como o teatro e a música, por exemplo – a partir da recepção do

leitor socializado. Jauss entende o fenômeno literário como um processo

comunicativo complexo entre o leitor e a obra, reservando ao primeiro o papel

central em sua teoria. A história da literatura – assim como a história do teatro,

da música e assim por diante –, para o teórico alemão, precisa considerar,

descrever e acompanhar a recepção dos leitores do texto literário em diferentes

períodos históricos. As mudanças observadas ao longo de diversas recepções

do objeto pesquisado vão explicitar a fenômeno literário. O leitor socializado,

nesta moldura teórica, é compreendido como o sujeito da experiência estética.

O objetivo é, através da descrição das experiências estéticas ao longo do

tempo, configurando as sucessivas recepções de uma obra, quando se chega

à história da recepção da mesma, compreender o fenômeno que ela

representa.

Isto porque o leitor não é uma tábula rasa sobre a qual o texto vai

imprimir seu sentido. Ao contrário, diante de um texto literário ele traz consigo o

repertório das obras já lidas, dos valores e idéias do tempo e lugar a que

pertence, portanto do seu contexto, que serão as molduras através das quais

vai interpretá-lo. Este é o significado do conceito de Horizonte de Expectativas.

Jauss estabelece implicações estéticas e históricas à sua teoria:

A implicação estética reside no fato de já a recepção primária de uma obra pelo leitor encerrar uma avaliação de seu valor estético, pela comparação com outras obras já lidas. A implicação histórica manifesta-se na possibilidade de, numa cadeia de recepções, a compreensão dos primeiros leitores ter continuidade e enriquecer-se de geração em geração, decidindo,

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assim, o próprio significado histórico de uma obra e tornando visível sua qualidade estética. (Jauss, 1994, p. 23)1

A obra de Jorge Andrade surge em um momento em que o Brasil sofria

profundas e radicais transformações. Os anos 1950 começaram eufóricos. O

período mais difícil do pós-guerra havia ficado para trás. No país, encerrava-se

mais um ciclo histórico. O país vivia na democracia desde que Getúlio Vargas

fora deposto. O horizonte de expectativa se modificava rapidamente. Na

música popular, por exemplo, iniciava o período que consolidou o samba-

canção, entre 1946 e 1957, sem esquecer o boom do Baião, um dos

fenômenos que marcou esta fase. Os anos 1950, sobretudo no período de

Juscelino Kubitschek, foi o início da transição entre tradição e modernidade no

Brasil. Além do projeto de industrialização do Presidente, na música surgiu a

Bossa Nova; na arquitetura Lúcio Costa e Niemayer planejaram Brasília, a

nova capital do país; na literatura, o profundo impacto representado pela

publicação de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa; a

originalidade do Cinema Novo; o abstracionismo emergindo nas artes plásticas

com muita força. A face do país estava mudando profundamente. A influência

da França nas artes e na vida cultural perdia cada vez mais terreno para a

avassaladora influência americana.

As forças conservadoras do teatro nacional resistiam a toda tentativa de

modernização empreendida pelas novas gerações – no caso das artes cênicas

as novidades vinham especialmente da Europa. Mas uma coisa era certa, a

partir de 1943, quando Os Comediantes, um grupo de amadores do Rio de

Janeiro, encenaram Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, o teatro brasileiro

nunca mais voltaria a ser o mesmo. Para Sábato Magaldi, a partir daí teve

início o bom teatro contemporâneo no país, “pelo alcance, pela repercussão,

pela continuidade e pela influência no meio” (Magaldi, 19, p. 207). O crítico

considera o Teatro do Estudante do Brasil, de Paschoal Carlso Magno, fundado

em 1938, um precursor imediato de Os Comediantes no tocante à “tentativa de

disciplinar a montagem”. Entretanto, concede ao grupo carioca o mérito, ao

encenar a grande obra inovadora de Nelson Rodrigues, de ter empreendido

uma mudança estética sem precedentes na história do teatro brasileiro. Tania

Brandão reforça: “Vestido de Noiva foi uma punhalada no coração do teatro 1 Grifo nosso.

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brasileiro. Em 1943, os atores profissionais do país não estavam preparados

para absorver a reviravolta que a peça representou” (Kaz, 2004/2005, p.126).

Até então, a encenação se concentrava num único trunfo, o ator principal.

Era ele quem garantia o prestígio da montagem, independentemente da obra a

ser encenada, do elenco, do figurino, do cenário ou qualquer outro elemento

teatral. Inspirados pelas mudanças que ocorriam na Europa, Os Comediantes

deram ao diretor, no caso Zibgniew Ziembinski, polonês radicado no Brasil, o

papel central na produção teatral. Era ele quem coordenava os vários aspectos

que envolviam a criação do espetáculo. O teatro brasileiro entrava em nova

fase. Porém, a ala mais conservadora da classe teatral, maioria até então,

reagiu desfavoravelmente às mudanças. Os mais jovens, por sua vez, não

aceitavam mais as regras rígidas do teatro tradicional. Tânia Brandão comenta

que havia ainda

até boa parte dos anos 50, dois procedimentos teatrais antigos: a organização tradicional do elenco e o ponto. O elenco era organizado segundo especializações (o trabalho do ator seguindo convenções: a ingênua, a dama galante...) e a trama sendo tecida a partir dos atributos do elenco. O ponto era um funcionário que se escondia numa pequena cúpula à frente do palco e ficava encarregado de soprar o texto para os atores.

O impasse que se instalou entre o teatro tradicional e o moderno teatro

perdurou por muitos anos. Entretanto, havia um agravante: a evasão do

público. Não era mais possível ignorar que o teatro, desde a década de 1930,

estava deixando de ser popular, perdendo gradativamente espectadores. Era

um teatro que baseava seu repertório em “revistas, operetas, mágicas,

fantasias, burletas, melodramas e dramalhões” (p.128), com uma

representação histriônica dos atores e a precariedade dos demais aspectos

cênicos. Sábato Magaldi confirma:

Naqueles anos, registrava-se a hegemonia do astro, representado por Leopoldo Fróes e depois por um Procópio Ferreira. Só em 1943, com a estréia de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1912-1980), sob a direção de Ziembinski, modernizou-se o palco brasileiro. Mas a excelência do texto não iniciou ainda a hegemonia do autor, que se transferiu para as mãos do encenador. Começava na montagem do grupo amador carioca de ‘Os Comediantes’ a preocupação com a unidade estilística do espetáculo, continuada a partir de 1948 pelo paulista ‘Teatro Brasileiro de Comédia’, que contratou diversos diretores estrangeiros e pelos elencos dele saídos - Cia. Nydia

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Lícia-Sérgio Cardoso, Cia. Tônia-Celi-Autran, Teatro Cacilda Becker e Teatro dos Sete. 2

O antigo modelo teatral sofreu, segundo Tânia Brandão, oposição

crescente em duas frentes: do público, cada vez mais urbanizado e sofisticado

nos seus gostos, e da nova classe teatral, de origem burguesa e com perfil

intelectualizado. Brandão aponta ainda para outros fatores que levaram à

decadência da forma antiga de se fazer teatro:

O mais forte, no interior mesmo da sociedade brasileira, foi a transformação socioeconômica da nação, no sentido de uma urbanização crescente, expansão do ensino e corrosão das antigas referências patriarcais, ainda que o país persistisse com um forte perfil agrário. Em 1940, 68% da população brasileira morava no campo, número que a década irá alterar. (Kaz, 2004/2005, p. 128)

Neste horizonte de expectativas brevemente desenhado, Vestido de

Noiva sofreu toda sorte de desqualificação por parte da ala mais tradicional do

teatro enquanto era consagrada pelos intelectuais e pela jovem classe teatral

emergente, além de corresponder aos anseios estéticos da nova geração de

espectadores. O quadro de referências estéticas estava sofrendo uma

transformação sem igual na história das artes cênicas brasileiras e, por maior

que fosse a resistência ao moderno teatro brasileiro, não havia mais como

retroceder. São Paulo, em especial, viu o desenvolvimento do seu teatro com a

fundação do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), em 1948. Com as paixões

ideológicas e as preocupações sociais na ordem do dia, o teatro não podia ficar

de fora. Com os ventos da redemocratização, os anos 1950 viram surgir vários

grupos, voltados para temáticas sociais, como o Arena (1953); o Oficina (1958),

de José Celso Martinez Côrrea, e o Pequeno Teatro de Comédia (1960). Sobre

este período, Magaldi comenta: “o ecletismo de repertório desses conjuntos

provocou, a partir do êxito de Eles Não Usam Black-tie, de Gianfrancesco

Guarnieri, em 1958, uma guinada na política do Teatro de Arena de São Paulo,

inaugurando a fase da hegemonia do autor brasileiro”3.

2 In MAGALDI, Sábato. Teatro. Trecho disponível no site:

www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/artecult/teatro/apresent/apresent.htm

3 idem.

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No governo Juscelino Kubitschek, apesar das oposições sofridas, era

quase impossível escapar da euforia reinante. 50 anos em 5, modernização,

Brasília, indústria automobilística, não se falava em outra coisa. Nos anos 60,

ao contrário, o cenário mudou radicalmente. Foram “anos de chumbo” com a

renúncia do Presidente Jânio Quadros, o conturbado governo de João Goulart,

o golpe de 1964 e o Ato Institucional nº 5 (mais conhecido como AI 5), que

endureceu ainda mais o Regime Militar, em 1968. A classe teatral no período

foi um dos principais canais de denúncia e resistência à Ditadura.

Foi entre os anos 1950 e 60 que nasceu grande parte da obra de Jorge

Andrade. Apesar da fase teatral no período preconizar o dramaturgo, como

sublinhou Sábato Magaldi, o autor paulista não obteve melhor recepção por

isso. Contudo, no contexto do período, não parece difícil compreender a

recepção desfavorável, ou mesmo rejeição, que sua obra despertou. Enquanto

o país, a cultura incluída, modernizava-se, num esforço de superação da

herança rural, patriarcal e oligárquica do país, Jorge Andrade propunha com

sua obra um mergulho quase psicanalítico sobre o tema. A recusa foi

inevitável. Além disso, sua obra causava profunda desconfiança tanto por parte

da esquerda quanto da direita, como se verá mais adiante.

O Telescópio, a primeira peça de Jorge Andrade, foi encenada em 1951.

A obra, que se desenvolve em apenas um ato, trata da crise e decadência dos

fazendeiros do café através da desagregação moral de uma família no interior

paulista. O Telescópio é a primeira de uma série de peças que formarão o

chamado “Ciclo do Café”. Ao analisá-las em conjunto, observa-se que já em

seu primeiro trabalho, Andrade obedecia a um plano bem arquitetado e

refletido. “Autor rigoroso, lidando com a metalinguagem e freqüentemente uma

complexa arquitetura teatral, Jorge Andrade se distingue pela apurada

exigência artística” salienta Magaldi4.

Em O Telescópio estão traçadas as linhas mestras de todo o “Ciclo do

Café” de que fazem parte A Moratória, Vereda da Salvação e Pedreira das

Almas5, todas peças dramáticas, além das comédias Os Ossos do Barão e A

4 Idem.5 Pedreira das Almas tem como contexto histórico a decadência do “Ciclo do Ouro” em Minas Gerais, que vai gerar a migração de parte das personagens da peça para São Paulo, quando se dá início ao “Ciclo do Café”.

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Escada. A maneira de Balzac, na Comédia Humana, suas personagens

aparecem, ora como protagonistas, coadjuvantes ou simplesmente citados, em

diversas peças, traçando um rico painel de época: desde os antepassados

mineiros que abandonam as minas de ouro esgotadas em busca de novas

terras e oportunidades no interior de São Paulo (Pedreira das Almas) até a

união das famílias tradicionais, embora falidas, com os imigrantes italianos

enriquecidos, através do casamento de seus filhos (Os Ossos do Barão),

passando pelo drama de camponeses que diante da falta de perspectiva se

entregam a um messianismo suicida (Vereda da Salvação). Já em O

Telescópio são citadas muitas das personagens que serão protagonistas das

outras peças do ciclo. Para Sábato Magaldi, assim como Jorge Amado realizou

em parte da sua obra o chamado “Ciclo do Cacau”, Jorge Andrade arquitetou o

“Ciclo do Café”. Nesta saga, o autor retrata a inevitabilidade da queda deste

universo, em que o “relógio sem ponteiros” que aparece em várias peças é o

grande símbolo. O telescópio que é quebrado ao fim da peça O Telescópio é

outra metáfora para o fim da visão de estabilidade que se tinha daquele mundo.

A propósito dos principais símbolos presentes na obra do dramaturgo, árvore,

Marta e relógio – que vão dar o título ao livro que reúne as suas principais

peças –, Anatol Rosenfeld escreveu:

A árvore e o relógio, símbolos multívocos que, anunciados no título, se enriquecem na sucessão das peças, surgem pela primeira vez no fim das Confrarias. São introduzidos por Matiniano, personagem que, tal como Marta, se liga à trama de Pedreira das Almas. Marta desde logo se impõe como uma das grandes figuras da dramaturgia brasileira. [...] Misteriosa e indefinível, atravessa os tempos e as peças do ciclo, algo como a encarnação do espírito da terra. Sua dimensão se abeira da esfera do mito. (Andrade, 1986, p. 611)

Rosenfeld assim descreve a obra do dramaturgo, apresentando uma

recepção importante:

No seu conjunto, esta obra é única na literatura teatral brasileira. Acrescenta à visão épica da saga nordestina a voz mais dramática do mundo bandeirante. É única, esta obra, pela grandeza da concepção e pela unidade e coerência com que as peças se subordinam ao propósito central, mantido durante longos anos com perseverança apaixonada, de devassar e escavar as próprias origens e as da sua gente, de procurar a própria verdade individual através do conhecimento do grupo social de que fez parte e de que, contudo, tende a apartar-se,

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precisamente mercê da própria procura de um conhecimento cada vez mais aguçado e crítico, que situa este grupo na realidade maior da nação. (p. 599)

Nos anos 1960, além dos autores vindos da década anterior como

Andrade, Ariano Suassuna e Nelson Rodrigues, novos nomes surgiram como

Gianfrancesco Guarnieri, já citado anteriormente, Oduvaldo Viana Filho, Plínio

Marcos, Dias Gomes, Augusto Boal. Em 1969, apareceram ainda Leilah

Assumpção, Consuelo de Castro, José Vicente e Isabel Câmara. Com o

recrudescimento do Regime Militar, a classe teatral se vê sem saída. Ela era

uma das mais perseguidas pelo novo regime. O próprio Jorge Andrade

enfrentou enormes pressões da censura que inviabilizavam seu trabalho, fato

que se repetia com a maioria dos dramaturgos do período.

A atriz Fernanda Montenegro em entrevista para a Folha de São Paulo

(14/03/1984), por ocasião da morte de Jorge Andrade, jogou luzes que ajudam

a desvendar as razões da recepção difícil que a obra de dramaturgo sofreu ao

longo de sua carreira:

Sua dramaturgia teve para as décadas de 50 um papel similar ao de 'Vestido de Noiva' na década de 40. Ela antecedeu em tema e concepção, o papel que depois seria exercido pelo Teatro de Arena. Dizer-se, como muitos fizeram, que ele era um autor conservador, voltado para a aristocracia, o amargurou, porque não é verdade, é mera leviandade, que só se explica por disputas no plano ideológico. Afinal, ele era um autor essencialmente progressista.

Este ponto destacado por Fernanda Montenegro, o preconceito que

Jorge Andrade sofreu devido à sua origem na camada mais privilegiada da

sociedade paulista, talvez seja um dos principais motivos da obra do autor não

ter encontrado até os dias de hoje o horizonte de expectativas adequado à

recepção à altura da sua obra. Na mesma edição da Folha de São Paulo, a

atriz Lélia Abramo, que com Otello Zeloni, protagonizou a versão mais

conhecida de Os Ossos do Barão, considerou o autor:

o último dramaturgo de um período que se fecha. Acho que perdemos um grande autor teatral, com uma cultura ampla, criador de peças muito bonitas e bem escritas. É pena que nos últimos anos ele não tenha recebido a consideração que merecia. Suas novelas de TV, que tinham um nível muito elevado, não tiveram um sucesso estrondoso, e como as televisões querem o retorno imediato, ele acabou se atritando

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com elas. Provavelmente ele tinha uma visão de mundo que não se coadunava com o pessoal das televisões.

Como afirmou Fernanda Montenegro, Jorge Andrade era um progressista,

um libertário, porém sua origem oligárquica gerou enorme desconfiança. Tal

suspeita ganha contornos ainda mais dramáticos quando se considera o

momento em que o país vivia, com ideais revolucionários guiando grande parte

da produção cultural brasileira. O problema neste caso, como analisou Sábato

Magaldi, é que “muitas vezes, no ardor ideológico, encenaram peças políticas

de má qualidade artística, e os resultados tinham de ser desastrosos” (Magaldi,

1997, p.216). O mergulho no passado proposto por Andrade, quando o ideal de

um futuro utópico impulsionava praticamente toda a sua geração, também foi

um fator que trouxe dificuldades para a recepção de sua obra. Para completar

seu isolamento, a Direita também o olhava com enorme suspeição, ainda que

por motivo distinto, contrariada com o tom extremamente crítico e sem

concessões de suas peças. Seu teatro, como o de Nelson Rodrigues, é

desagradável, incômodo. Com isso, o autor foi cada vez mais abrindo mão de

toda e qualquer concessão. Assim como foi abrindo mão também da

viabilidade de encenação de suas peças. Um número excessivo de

personagens, o que exigia um palco muito grande, além de uma série de

elementos cênicos trabalhosos, de difícil realização, ainda que constitutivos da

encenação – pois na dramaturgia de Jorge Andrade nada é supérfluo –,

tornavam a montagem das peças quase impossível. Outro fator que dificultava

a recepção é o fato de muitas vezes seu teatro exigir um expectador culto,

pelas inúmeras referências que fazia. Um exemplo são as citações de As

Confrarias em que discute, num exercício de metalinguagem, a função do ator,

através da personagem José, que faz um monólogo de As Bodas de Fígaro,

clássico teatral de Beaumarchais.

Todos esses fatores em conjunto parecem ter colaborado para a rejeição

que sua obra suscitou. Vereda da Salvação é um exemplo, como relata Sábato

Magaldi:

Vereda, obra pungente e poderosa, teve a infelicidade de estrear no Teatro Brasileiro de Comédia, templo da burguesia paulista (mesmo na fase de textos nacionais, em que sobressaíram O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, e Semente, de Gianfrancesco Guarnieri), em maio de 1964, pouco depois do

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golpe militar. A direita triunfante não admitiu a encenação de tal ousadia, em seu reduto privilegiado. E a esquerda míope, talvez ferida pela derrota inesperada, não soube enxergar na peça a revolta, embora irracional, dos dominados de todos os tempos. Incompreendido por uns e por outros (penso, comigo, não ter sido muito feliz, também, a encenação, histérica em demasia, do grande diretor Antunes Filho), o espetáculo foi retirado do cartaz com pouco mais de um mês de carreira. O dramaturgo passou a figurar, em definitivo, na incômoda galeria dos que atraem a desconfiança da esquerda ortodoxa e da direita obtusa. (Andrade, 1986, p.674)

O próprio Jorge Andrade demonstrava ter consciência dos problemas

que enfrentava e da natureza das dificuldades que envolvia a recepção de sua

obra na época da sua produção. Em peças de forte conteúdo autobiográfico e

metalingüístico, o autor discutia, através de muitos dos seus personagens –

entre eles, o escritor em Rasto Atrás e Sumidouro –, diversas questões que,

além da função dramática que exerciam no texto teatral, provavelmente muito o

incomodavam. Marta – nome simbólico presente em inúmeras peças,

designando personagens diferentes –, no caso a personagem de Os Ossos do

Barão, ecoando os problemas que o autor enfrentava devido à sua origem na

elite paulista, declara quase ao final da peça:

Se uma pessoa precisa trabalhar, trabalha em qualquer lugar, não é problema. Todo mundo pode fazer o que quiser, ninguém se importa. Mas se algum de nós faz a mesma coisa, logo gritam: vejam os quatrocentões! (Andrade, 1978, p. 450 A)

Em Rasto Atrás, escrita no auge das dificuldades vividas pelo autor, nos

sombrios anos 1960, há um diálogo revelador entre o escritor Vicente e sua

mulher Lavínia:

Lavínia: (Beija Vicente) Satisfeito? Agora...um prêmio em cada estante!

Vicente: (43 anos. Abaixa a voz) E um papagaio em cada Banco.

Lavínia: Não recomece, Vicente.

Vicente: É o resultado de cinco peças prontas que ninguém quer encenar.

Lavínia: P’ra que tanta amargura, Vicente.

Vicente: (Olha o prêmio em suas mãos) Com esse, são oito em meu escritório... e estou só diante deles. E como eu, muitos. Com encenações que não obedecem a nenhum objetivo, ninguém pode se sentir realizado. Cada espetáculo se transforma em questões de lucros e

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perdas. Como um autor pode criar, se precisa pensar em número de personagens, temas proibidos, censura, intolerância política...?

Lavínia: Vicente! Por favor!

Vicente: (Com obsessão) Existem, nesta cidade, cinco milhões de habitantes! Como levar a eles, o que é preciso dizer? (Senta-se)

A dificuldade de compreensão da obra pelo “leitor” (público, crítica e

pesquisadores) para Jauss é um dos fatores que permite constatar o seu

mérito6. Havia, sem sombra de dúvida, uma distância estética entre o que a

obra oferecia e o horizonte de expectativas do período em que esta obra foi

produzida. Em outras palavras, a estética de Jorge Andrade conflitava com o

padrão vigente. Este fato vai obrigar pouco a pouco – e este processo ainda

não terminou – a uma mudança no quadro de referências do leitor, exigindo

maior flexibilidade para as propostas estéticas do autor. Para isso alguns

modelos estéticos rígidos precisam ser abandonados (como por exemplo, os

da esquerda radical, como assinalou Magaldi).

A distância estética entre a obra de Jorge Andrade e o horizonte de

expectativas dos seus leitores-espectadores diminuiu nas últimas gerações

mas ainda não foi superada. Mesmo quando triunfa sua aceitação é

problemática como demonstra Osman Lins ao analisar Rasto Atrás:

Rasto Atrás, obteve o primeiro prêmio, em 1966, no Concurso do Serviço Nacional de Teatro, ao qual concorrem, anualmente, originais de todo o Brasil; foi encenada, com grande êxito de crítica e bilheteria, na Guanabara; e agora, publicada, na série Teatro Universal, pela editora Brasiliense. Nada disto, até o momento, fez com que algum dos empresários de São Paulo empreendesse a sua montagem, não obstante seja Jorge Andrade responsável por alguns dos maiores sucessos financeiros do teatro paulista e um dos poucos dramaturgos realmente importantes de nossa literatura. Quando isso acontece, quando uma peça com tantas credenciais mantem indiferentes os produtores de teatro (mesmo depois de vencer todas as provas) e um nome como Jorge Andrade desaparece, durante extensos períodos, dos cartazes, na própria região que, com amor e lucidez, estuda em seus dramas, a comunidade está doente. (Andrade, 1086, p. 653)

6 “Obra culinária” para Jauss, ao contrário da obra considerada de valor, é aquela que não trás nenhuma dificuldade para o leitor, que em nada inova, se adaptando ao horizonte de expectativas do período, sem contribuir para sua ampliação ou renovação.

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De fato, a importância que se dá ao dramaturgo hoje em dia é

circunscrita principalmente ao meio paulista, assim mesmo de forma exígua, e

ele, nem de longe, goza da popularidade de público e reconhecimento da

crítica que alcançou Nelson Rodrigues, por exemplo, cuja obra já foi adaptada

inúmeras vezes para o cinema, televisão e DVD (sem falar nas inúmeras

edições de suas peças em livro). Nelson Rodrigues, é importante lembrar,

também foi rejeitado pela esquerda, sobretudo nos anos 1960 e 1970, para ser

posteriormente reabilitado e excelsado pela indústria cultural e pela crítica

acadêmica, tornando-se “quase” uma unanimidade – o “quase” é para não

configurar uma unanimidade geral, pois o autor carioca costumava dizer que

“toda unanimidade é burra”.

Quando a obra de Jorge Andrade é citada em vestibulares, por exemplo,

trata-se em sua maioria de vestibulares de faculdades paulistas. Uma consulta

aos sites de busca da internet demonstra que, afora a crítica de teatro

especializada e currículos de atores e diretores, o dramaturgo é citado na maior

parte das vezes em páginas eletrônicas da Unicamp, USP e faculdades Cásper

Líbero, todas universidades paulistas. Jorge Andrade ainda é nos dias atuais

um fenômeno paulista e, mesmo em São Paulo, ele não recebeu a atenção que

merecia. Sua obra é muito pouco encenada. Osman Lins não deixa de ter

razão quando denuncia que a ausência de suas peças dos palcos brasileiros

revela uma comunidade doente. Na mesma edição da Folha de São Paulo

citada anteriormente, o crítico Jefferson Del Rios prevê o reconhecimento

completo do dramaturgo ainda por vir:

Ele ficará como um escritor maior do teatro, e uma dia será revisto em cena com admiração (tem peças inéditas em São Paulo). Dentro de um quadro temático variado e com autores do nível de Nelson Rodrigues, Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri e Plínio Marcos entre outros, Jorge Andrade traçou e cumpriu um belo destino de artista.

Em seu artigo, por ocasião da morte do dramaturgo, Del Rios analisa o

mundo descrito em suas obras como “um painel preciso e compassivo da

formação, crise e fim da aristocracia cafeeira paulista”. Para ele, “Jorge

Andrade via este mundo com olhos críticos ainda que não isento de difusa

nostalgia (afinal, ele era filho de fazendeiro)”. O crítico não deixa de cair numa

certa armadilha sociológica ao precisar recorrer às origens de Andrade para

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explicar sua empatia com aquele mundo, o que não explica a mesma empatia

com relação aos personagens de Pedreira das Almas – que relata o fim do

“Ciclo do Ouro” em Minas, que teria motivado a migração para São Paulo e

dado início ao “Ciclo do Café”. Isso, sem mencionar a comédia Senhora na

Boca do Lixo, entre outras peças urbanas. Esta peça em particular inaugurou

“o ciclo de industrialização da metrópole paulista”, no entender de Sábato

Magaldi (Andrade, 1986, p. 675), que considera o dramaturgo como “autor de

uma das obras mais orgânicas e conseqüentes tanto do nosso teatro como de

nossa literatura” (p. 673).

Tal coerência pode ser comprovada quando o dramaturgo reuniu dez de

suas peças em um volume intitulado Marta, a Árvore e o Relógio, uma edição

crítica que contou com ensaios sobre sua obra de Sábato Magaldi, Anatol

Rosenfeld, Lourival Gomes Machado, Décio Almeida Prado, Antonio Candido,

Richard Morse, Osman Lins. Esta publicação, além de comprovar e sublinhar a

importância de Jorge Andrade para a dramaturgia nacional, se constituiu em

um passo fundamental em direção à construção de um horizonte de

expectativas que possa compreender o alto valor estético de sua obra.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Jorge. Marta, a Árvore e o Relógio. São Paulo: Perspectiva,

1986.

ANDRADE, Jorge. Labirinto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária. São Paulo: Ática, 1994.

______________. “A Estética da Recepção: Colocações Gerais”. In: LIMA, Luiz Costa (org.). A Literatura e o Leitor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

KAZ, Leonel. Brasil: palco e paixão. Rio de Janeiro: Aprazível Edições, 2004/2005.

MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. 3a. ed. São Paulo: Global, 1997.

ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 1989.

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VI – Referências de sites consultados

http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2004/09/02/000.htm

http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_14mar1984.htm

http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Contemporanea/

Jorge_Andrade_A_Moratoria_resumo.htm

http://www.facasper.com.br/jo/projetosexperimentais.php?

tb_jo=&id_noticias=547 (Apostila 22 de Contemporânea da Lit.

Brasileira)

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-

01882001000300001 (Rev. bras. Hist. vol.21 no.42  São Paulo  2001)

http://www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/clipping/junho2006/

clipping060629.html

http://canais.ondarpc.com.br/vestibular/livros/conteudo.phtml?id=467

http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2004/jusp695/teatro.htm

http://www.webvestibular.com.br/resumo_livros_sub.asp?cod=93

http://diversao.terra.com.br/interna/0,,OI730481-EI3615,00.html

http://www.editoraagir.com.br/txt_historico.html (Livraria Agir)

http://www.viapolitica.com.br/perfil_view.php?id_perfil=5 (Gianfrancesco

Guarnieri - Eu e o teatro:uma vida em seis atos)

http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2001/10/24/

jorcab20011024013.html (25 de outubro de 2001)

www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/artecult/teatro/apresent/

apresent.htm

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