introdução ao direito i

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Introdução ao Direito I Dr. Aroso Linhares Eduardo Figueiredo Ano Letivo 2013/2014 BIBLIOGRAFIA UTILIZADA: BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I , 2009 JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, Coimbra editora, 2006

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Introdução ao Direito I

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  • FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    Introduo ao Direito I Dr. Aroso Linhares

    Eduardo Figueiredo

    Ano Letivo 2013/2014

    BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

    BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, reimpresso da 2 edio, Coimbra Editora, 2010

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, coletnea de mltiplos textos, Biblioteca da FDUC

    LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, 2009

    JUSTO, A. Santos, Introduo ao Estudo do Direito, 3 edio, Coimbra editora, 2006

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    INTRODUO AO TEMA

    1. ndole da Introduo do Direito:

    O Direito surge como fundamento e critrio de muitos dos nossos comportamentos, j que a

    licitude/ilicitude e a validade/invalidade de muitas das nossas aes dependem do Direito e da regulao da

    experincia social por ele feita. O Direito , antes de mais, um DEVER SER, determinando a validade dos

    comportamentos socialmente relevantes.

    2. O Direito enquanto Quid Ius e Quis Iuris

    O Direito normativamente perspectivado, pode ser considerado de dois modos diferentes:

    O Direito como critrio de soluo em questes de Direito, ou de Quid Iuris. O Direito visto

    como resposta a problemas juridicamente relevantes. Deste modo, visto como pressuposto e

    no interrogado.

    O Direito interrogado e questionado com um problema do Direito, ou de Quis Ius, sobre o qual

    importante refletir. Isto porque o direito se constri medida que se realiza.

    A atitude do jurista perante o Direito deve ser uma de duas distintas:

    A) Atitude tcnico-profissional: O jurista pretende conhecer as leis para as aplicar a um caso

    concreto, sem qualquer compromisso maior com o direito, tendo uma ao puramente tcnica,

    atendendo-se aos meios sem se problematizar os fins. Falamos de um Direito dado ao jurista.

    B) Atitude criticamente comprometida: O Direito enquanto uma tarefa que toca o jurista, que

    procura, ao question-lo, a sua inteno prtico-normativa.

    O jurista deve procurar compreender a especificidade do Direito e dos seus problemas, no

    esquecendo as questes ticas que ajudam determinao do que bom, isto , do que um dever ser.

    O entendimento das situaes concretas, com as quais se depara o jurista, s ser global quando este

    compreender o sentido das exigncias particulares ao direito.

    Assim, compreende-se o pensamento jurdico como prtico-normativo e, consecutivamente, como

    axiolgico.

    3. Perspectiva possveis perante o Direito:

    Perspectiva epistemolgica, sociolgica, filosfica

    O socilogo no est comprometido com o objeto que estuda e, como tal, heternimo ao objeto que

    pretende analisar. Deste modo, este perspectiva o direito como um facto social a analisar sob esta

    perspectiva.

    O filsofo faz uma reflexo meramente metanormativa acerca do sentido do Direito. No entanto, esta

    anlise no passa de um critica-reflexo, que no envolve a realizao histrico-concreta do Direito.

    O epistemlogo, preocupado em descrever o Direito nos seus quadros e conceitos, observa o Direito

    como uma mera cincia. A sua anlise redutora e pode levar a uma cincia do Direito sem direito.

    Perspectiva Normativa (Interna)

    Perspectiva o Direito como contedo a conhecer e compreender internamente, enquanto ponto

    de partida pra a resoluo de problemas de Quid Iuris. Recusa a distino entre os problemas de Direito e

    os problemas do Direito que, cada vez mais, se entrelaam, exigindo um interpenetrao por parte do jurista

    nos seus territrios. Procura-se uma perspectiva interna do Direito, distinta da que se verificou no sculo

    XIX, e num contexto de multiplicao das perspectivas de compreenso do Direito.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    CAPITULO I

    O SENTIDO GERAL DO PROJECTO HUMANO DO DIREITO

    1 A EXPERINCIA IMEDIATA DA CONTROVRSIA CONCRETA TRADUZIDA NUMA ABORDAGEM

    PERFUNCTRIA DO SEU CONTEXTO-CORRELATO COMUNICACIONAL: A RECONSTRUO

    ANALTICA DA ORDEM JURDICA.

    1.1 A CONTROVRSIA COMO PROBLEMA PRTICO MERGULHADO NO MUNDO.

    Sendo ns muitos () e sendo o mundo um s, estamos compelidos a repartir esse mundo do nosso

    encontro. E, sendo assim, o outro aparece sempre como meio ou obstculo () de acesso a cada um ao

    mundo, pelo que todos somos afinal mediadores da fruio do mundo por parte de todos.. (BRONZE, Lies

    de Introduo ao Direito, pg. 33)

    Partindo deste pressuposto, necessrio que as relaes sociais sejam reguladas pelo direito que define

    as responsabilidades, os direitos e deveres de cada um dos intervenientes. O direito reporta-se s relaes

    que desenvolvemos em sociedade, sendo que surge, desde logo, o problema da delimitao e

    compossibilitao dessas relaes no horizonte do mundo que pretendemos compartilhar. Deste modo,

    surgimos perante o direito sob a forma do nosso eu social, j que o nosso eu [puramente] pessoal no

    abrangido no seu domnio. por causa destes conflitos que surgem socialmente que se pode falar da

    existncia de controvrsias juridicamente relevantes as nicas nas quais se verifica a intromisso do

    Direito.

    Reconhecem-se vrios elementos da controvrsia juridicamente relevante:

    A situao histrico-concreta partilhada: Desde logo uma controvrsia que envolve dois

    sujeitos diferentes que partilham a mesma realidade social, isto , a mesma situao histrico-

    concreta [O mesmo contexto, se pretendermos]. No entanto so dois sujeitos que, perante a

    controvrsia, surgem em posies diferentes.

    O contexto- ordem: uma controvrsia que assume um mesmo horizonte integrante de

    fundamentos e de critrios estabilizados num mesmo sistema. [Se quisermos, umas mesma ordem

    jurdica que ser mobilizada para responder questo em causa]

    Os sujeitos na sua autonomia- diferena: A existncia, j supramencionada, de dois

    sujeitos em posies diferentes perante a controvrsia e perante a mesma situao histrico-

    concreta, assumida num mesmo horizonte de fundamentos e critrios.

    A exigncia de um tratamento desta diferena: Direito que surge como resposta esta

    controvrsia. Esta resposta no se pode limitar a confrontar afirmaes possveis da subjetividade-

    autonomia.

    A controvrsia , indubitavelmente, um litgio que o Direito tenta resolver atravs da convocao de

    um terceiro imparcial (feio objetiva), mas sempre sujeito a esse contexto-ordem (feio subjetiva). um

    terceiro que surge como julgador (e que no parte da controvrsia!) e que, ao pressupor esse mesmo

    contexto-ordem, anula a possibilidade de um decisionismo arbitrrio.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    1.2- A PRESSUPOSIO DE UMA ORDEM E A ANALTICA QUE LHE CORRESPONDE

    1.2.1- UMA TECTNICA DETERMINADA POR TRS GRANDES LINHAS ESTRUTURANTES

    Surge, desde logo, uma questo de partida: () porque razo carecer o Homem de uma ordem? 1

    A resposta a esta questo baseia-se na necessidade de existncia de regras que sejam susceptiveis de

    ordenar as relaes que cada um de ns cria com o outro. H um conjunto de regras, partida, eticamente

    valiosas que constituem esta mesma ordem que visa a projeo [se quisermos, insero] do particular no

    geral, ou do singular no comunitrio. No entanto, isso no impede que se postulem regras de carcter

    meramente formal, donde possam resultar ordens que tenderemos a qualificar como eticamente

    desvaliosas.2 [ Veja-se o caso das ordens dos gulags estalinistas ou da ordem nazi]

    Assim, ao nvel do direito fala-se de uma ordem jurdica, porque esta envolve o Direito como

    cosmos, surgindo como uma criao cultural dotada de racionalidade. A ordem que o Direito constitui a

    ordem da juridicidade. Mas como que somos atingidos prtica e normativamente pela ordem jurdica?3

    Para responder a esta questo em particular, termos de descrever as vrias linhas estruturais da ordem

    jurdica, na sua estrutura, funes, notas caracterizadoras e efeitos.

    ) ORDO PARTIUM AD PARTES (Relaes das partes para com as partes)

    Esta linha, que vigorou em toda a poca pr-moderna (quando ainda s existia esta linha), reporta-se a

    relaes juridicamente relevantes que estabelecemos uns com os outros na veste de sujeitos de direito

    privado, em que todos pretendemos atuar na nossa autonomia para realizar interesses. Existe um autntico

    equilbrio paritrio [relao de paridade], isto , nada estabelece uma prioridade subordinadora entre as

    partes parificadas. A ordem jurdica define as nossas autonomias, delimitando-as, permitindo a realizao

    dos nossos interesses, tutelando-os. A sociedade no sujeito desta relao.

    Esta linha integra, desde logo, os ramos do Direito Privado, como o Direito Civil (Direito das obrigaes,

    das coisas, da famlia, das sucesses) e o Direito Comercial.

    Quanto aos valores que a esta linha se associam destacam-se: a Liberdade Individual (centrada em cada

    um de ns); a Liberdade Relativa (as autonomias que se encontram, que se relacionam e se relativizam

    mutuamente) e a Igualdade (Todos podem realizar os seus interesses).

    Quanto inteno justia4 que nela se manifesta, podemos distinguir dois tipos de justia defendidos

    por esta ordem:

    Justia de Troca ou Comutativa: Troca de bens feita pela livre vontade, associado a um ganho

    e a uma perda, e a uma dinmica de participao. [Exemplo paradigmtico do Contrato Privado]

    1 BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 38

    2 BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 40

    3 BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 41

    4 Justia enquanto medida do Homem para o Homem; O modo como vemos a nossa situao relativa por mediao

    de certos valores ou exigncias em referncia aos quais nos auto- compreendemos e, por isso, procuramos projetar na ordem comunitria. - BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 43

    A

    B C

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    Justia Corretiva: Pretenso de repor o equilbrio perturbado, procurando tornar o lesado

    indemne. [Exemplo da Responsabilidade Civil]

    B ) ORDO PARTIUM AD TOTUM (Relaes das partes para com o Todo)

    Esta linha, que surge com o Estado de Direito Ps- Revolucionrio5, baseia-se no pressuposto de

    que a sociedade pode exigir prestaes a sujeitos privados, mas no arbitrariamente. Desde logo parte

    do princpio que os indivduos so tambm socii, sendo que esta linha se resume s relaes que cada

    um estabelece com a sociedade tomada no seu todo. Na verdade, a sociedade no surge como sujeito

    das relaes que estabelecemos com ela [surge como ente pblico]. Esta tem valores e interesses a

    garantir e, caso interfiramos com esses bens e valores que esta procura preservar, esta tem o direito de

    nos pedir responsabilidades. Assim, a sociedade surge em primeiro plano. No entanto, os indivduos

    tambm exigem sociedade condies para afirmar a sua autonomia. Cada individuo surge na forma

    das suas distintas mscaras de sujeito comunitrio6.

    Os ramos do Direito que esto includos nesta linha so: O Direito Constitucional, o Direito Penal, o

    Direito Fiscal e o Direito Militar. [Todos eles regulamentadores das exigncias que a sociedade nos

    dirige; mas no visam menos institucionalizar, legitimar e limitar o poder.]

    Os valores a ela associados traduzem-se, principalmente, na salvaguarda da nossa autonomia,

    sempre que for posta em causa a liberdade individual e a responsabilidade social.

    Nesta linha, o Direito desempenha importantes funes de tutela e garantia:

    Justia Geral: Aquilo que, em nome de todos, se pode exigir a cada um e aquilo que cada um

    pode exigir ao Todo.

    Justia Protetiva: O Direito chamado a institucionalizar formalmente, a limitar e controlar o

    poder, garantindo a situao dos particulares que com ele se confrontam.

    C ) ORDO TOTIUS AD PARTES (Relaes de todo com as Partes)

    Esta linha, que surge com o aparecimento do Estado Providncia7, v a sociedade como uma

    entidade atuante, dinmica, que tem um programa estratgico que quer ativar para atingir os objetivos a

    que se prope. Esses objetivos podem ser-nos favorveis, ou visar o benefcio da sociedade. A

    sociedade vai fazer atuar o seu programa, mas nos termos em que o Direito permita.

    Os ramos do Direito associados a esta linha so: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito

    de Previdncia Social, Direito Pblico da Economia, Direito do Ambiente. (Ramos do Direito Pblico)

    Esta linha tutela a liberdade pessoal comunitariamente radicada e a solidariedade. [por vezes,

    necessria uma atuao de desigualdade para que, no fim, se atinja a igualdade ex: Impostos]

    Nesta linha, defendem-se dois tipos de justia:

    Justia Distributiva: Parte de uma atuao de recolha e redistribuio dos meios por parte do

    Estado para corrigir problemas e desigualdades.

    Justia Corretiva [no sentido tomado na 1 linha]

    5 Forma de Estado que surgiu no sc. XIX, que se baseia na garantia das compossibilidades das liberdades Estado sem

    Fins. 6 LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 4 7 Forma de Estado que surge no sc. XX e reconhece direitos e deveres , intervindo no crculo social, prestando bens e

    servios aos cidados atravs de fins e estratgias por ele assumidas.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    EXCURSO: A distino entre Direito Pblico e Direito Privado.

    Direito Pblico: (Direito Constitucional, Administrativo, Penal, Fiscal, Processual, Internacional Pblico)

    Organizao e atividade do Estado e outros entes pblicos menores (autarquias regionais e locais)

    Relaes dos entes pblicos entre si no exerccio dos poderes que lhes competem.

    Relaes dos entes pblicos, enquanto revestidos de poder da autoridade (publica potestas), com os

    particulares.

    Direito Privado: (Direito Civil, Comercial e Internacional Privado)

    Relaes entre particulares

    Relaes entre particulares e Entes Pblicos, quando estes no intervenham revestidos do se

    imperium/ poder de autoridade.

    1.2.1- AS FUNES PRIMRIA E SECUNDRIA DA ORDEM JURDICA

    1.2.1.1 - A FUNO PRIMRIA OU PRESCRITIVA

    uma ordem que prescreve critrios para a nossa ao, exigindo-nos modelos de comportamento.

    Nesta funo, o Direito surge como instrumento de mediao social para resolver problemas jurdicos

    decorrentes da vivncia no meio em que decorre a existncia humana. Desde logo, surge o Direito como:

    Princpio de Ao O Direito tem, desde logo, uma tarefa imediata de orientao dos nossos

    comportamentos, fornecendo-nos modelos de dever ser, criando definies para o que

    justo/injusto, bom/mau, entre outros. Tem, assim, esta funo orientadora de comportamentos,

    prescrevendo modelos de ao/ comportamento. [Em suma, define os nossos direitos e deveres e

    valora os nossos comportamentos como lcitos/ilcitos]

    Critrio de Sano O Direito procura, simultaneamente, estabelecer um conjunto de

    consequncias para as relaes sociais que disciplina.

    Porque necessrio um Critrio de Sano?

    Se a ordem jurdica se ficasse pelo seu princpio de ao, determinando quais os direitos e deveres

    de cada um, isso no passaria de um apelo conscincia de cada um. E estaramos ento diante de pura

    ordem moral.8. Surge, assim, um confronto moralidade (tica) / direito (juridicidade). A moralidade tem de ser

    vista num plano interno, variando dos valores e princpios [ partida, morais] de cada um. J o Direito trata de

    problemas objetivados no plano social (plano externo).

    H, assim, uma intersubjectividade ou bilateralidade atributiva dos problemas jurdicos, que se traduz

    em dois tipos de conexo pertinentes:

    A conexo exterioridade/ ponto de vista externo.

    Do ponto de vista moral, devemos cumprir com os nossos deveres pelo facto de termos conscincia

    da moralidade neles presente, aderindo, na totalidade, ao critrio da moral. O mbil da nossa ao deve ser

    o sentimento de puro dever. Os problemas morais colocam-se, assim, s e apenas diante da nossa

    conscincia.

    No caso do Direito, os motivos de um individuo ou a sua conscincia so desvalorizados, j que este

    trata de aes materiais. Assim, para o direito, tem de haver uma exteriorizao das intenes e da

    conscincia. [Um individuo pode achar que matar outro correto o que o condena do ponto de vista

    8 BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 61

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    moral -, no entanto, para o Direito este s se torna um problema juridicamente relevante se se materializar a

    ao, ou seja, se matar efetivamente].

    A conexo intersubjetividade /exigibilidade / executabilidade.

    A intersubjetividade caracteriza-se pelo facto de A moral determina que se faa, mas ao destinatrio

    do comando cabe fazer ou no; ao passo que o Direito se caracteriza porque ordena e ao mesmo tempo

    assegura a outrem o poder de exigir que se cumpra.. Assim, para alm de ordenar, o direito exige certo

    comportamento por parte de um sujeito jurdico exigibilidade-, com vista ao cumprimento efetivo da ao ou

    obrigao que um individuo deve tomar executabilidade.

    Assim, a intersubjetividade ou bilateralidade atributiva baseia-se na ideia de que a moral um ato

    unilateral (o pobre no pode exigir a esmola; quando a d, o esmoler cumpre apenas uma obrigao que a

    sua conscincia lhe impe), ao passo que, no quadro do direito, a relao que se estabelece bilateral.9.

    Para alm desta nota distintiva capital que a intersubjetividade do Direito, surge ainda a ideia de

    comparabilidade ou tercialidade exigida pela controvrsia jurdica. Relativamente a esta nota, partimos do

    princpio que todos os indivduos so iguais em direitos e deveres e, como tal, podem ser comparados a

    outros sujeitos. As responsabilidade de um sujeito so limitadas/ correlativas de certos direitos, j que a

    esfera jurdica dos outros, acaba sempre por limitar a minha prpria esfera jurdica. Deste modo, o juiz deve

    dar resposta controvrsia jurdica sempre em nome do Direito, procurando um padro de comparabilidade

    das partes.

    A institucionalizao normativa dos meios capazes de garantir a eficcia social que o nexo

    intersubjetividade/ exigibilidade/ executabilidade impem determina: o problema da sano.

    As sanes podem ser positivas (funo promocional do Direito) e negativas (funo repressiva do

    Direito). As sanes positivas procuram potenciar as efetivas possibilidades de realizao da

    intersubjetividade social 10

    , e as negativas surgem como restries e proibies que acrescentam

    negatividade do ilcito a sua prpria negatividade real11

    .

    Tipos de Sanes: (Negativas)

    Sanes reconstrutivas:

    Reconstituio in natura/ em espcie: No recorre a um bem novo, relativamente ao danificado.

    Trata-se de uma reparao. (Art. 1341 C.C.)

    Execuo Especifica: Traduz-se no cumprimento de uma prestao que a norma violada impe.

    (Art. 1185 C.C. Art. 827 C.C)

    Indemnizaes especficas: Reposio da situao com um bem que, no sendo o que foi

    danificado, permite desempenhar a mesma funo. (Tem de ser igual ao destrudo).

    Sanes Compensatrias: Estabelecem uma situao que, embora diferente da violada,

    comparativamente equivalente.

    Modalidades de Ineficcia:

    Inexistncia Jurdica: O ato no produz quaisquer efeitos como se no tivesse sido celebrado (Art.

    1628/c )

    9 BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 65

    10 LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 10 11 LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 10

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    Invalidade Jurdica (nulidade e anulabilidade): O ato existe materialmente, mas no produz

    quaisquer efeitos porque sofre de algum vcio. A nulidade um modo de invalidade jurdica porque se

    entende que h, na violao da lei, a violao de um interesse pblico que insanvel, no produzindo

    quaisquer efeitos. (Art. 286 CC) J a anulabilidade um modo de invalidade jurdica, devido ao facto de

    estarem em causa interesses particulares, mas suscetvel de ser sanada com o decurso do tempo. (Art. 287

    CC)

    Ineficcia em sentido estrito: Os atos existem, no havendo problemas de validade, mas no

    produzem parte ou todos os seus efeitos porque viola a lei ou submetido a certas circunstncias. (Art. 270

    CC)

    Penas e medidas de segurana: Sanes punitivas (civis, criminais, ordenacionais, disciplinares) (Art.

    2034 CC)

    Sanes preventivas: Evitam a continuao da violao das normas. (Art. 781 CC)

    A especificidade do nus: No , em rigor, uma sano, mas consiste na necessidade que impende sobre

    certa pessoa de adotar certo comportamento para obter/manter certa vantagem. (Art. 342 CC)

    Estrutura Lgica da Norma:

    Entende-se a existncia de uma articulao hipottico- condicional:

    Se Ento

    Se.. : H uma determinada hiptese ou previso de que, se ocorreram cetos acontecimentos na realidade

    Ento : Surge uma estatuio ou injuno que determina que a resposta do Direito ser esta

    O problema da coao

    Nem todas as sanes negativas exigem o recurso fora, isto , coao(declarao de

    nulidade/anulabilidade de um negcio jurdico). H, no entanto, sanes que so coativas, como penas de

    priso, ou execuo de bens. O direito mobiliza vrios meios sancionatrios. preciso que no se

    confunda sano com coao, sendo que s a primeira predicativa do Direito. O carcter sancionatrio do

    direito implica a existncia de uma autoridade tribunais. Surge uma certa relao entre o direito e o poder,

    sendo que um poder tanto mais eficaz, quanto menos usar a fora e quanto mais recorrer a uma adequada

    argumentao para ser societariamente reconhecido como legtimo.12

    Em suma, a coao apenas um dos meios-instrumento do Direito, entre muitos outros, para a

    efetivao da normatividade jurdica. No se deve, no entanto, caracterizar o direito por estas notas de

    coercitividade (efetivao de aplicao de uma sano coativa) ou de coercibilidade (possibilidade de

    aplicao de uma sano coativa).

    1.2.1.2 - A FUNO SECUNDRIA OU ORGANIZATRIA

    Esta funo da ordem jurdica traduz-se numa tarefa institucional que resolve problemas da projeo

    jurdica na realidade. Tudo isto, porque a ordem jurdica tende desorganizao, j que o seu criador o ser

    humano que procura vencer a anomia e a anarquia- que , tambm, motivo para a necessidade de disciplina

    e estabilizao desta ordem jurdica. Surge, assim, esta funo secundria ou organizatria, no mbito da

    qual a ordem jurdica se volta para si prpria numa atitude de Auto descrio e Auto constituio, de modo a

    se auto organizar e subsistir.

    12

    BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 74

  • 9

    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    Surge a ideia de procura de uma unidade sistemtica13

    da ordem jurdica. Para tal, necessrio

    um conjunto de normas cuja funo evitar antinomias (entre normas; normas princpios; entre princpios),

    garantindo a unidade e a coerncia interna da ordem jurdica. H trs tipos de problemas possveis:

    (1) A concorrncia sincrnica dos critrios primrios

    Traduz-se na existncia de duas normas antnimas sobre a mesma matria, isto , do confronto

    entre as solues respostas prescritas. Este problema pode ser resolvido por dois critrios-regras:

    (1.1) Lex superiori derrogar legi inferiori : Fala-se um critrio da hierarquia, em que uma lei superior

    derroga lei hierarquicamente inferior.

    (1.2) Lex specialis derrogar legi generali : Fala-se de um critrio da especialidade, em que lei especial

    derroga lei geral.

    claro que, muitos destes conflitos, s podem ser tratados consoante o caso concreto, sendo que a

    esta procura de unidade passar a ser reflexivamente traduzvel apenas num plano metodolgico.

    (2) A concorrncia no espao

    Desde logo alerta para os casos em que se conexionam vrias ordens jurdicas nacionais. Surge a

    questo das normas de Direito Internacional Privado como critrios secundrios.

    (3) A concorrncia/convergncia diacrnica dos critrios: o problema da aplicao das leis

    no tempo

    Trata-se do problema ligado a certas situaes jurdicas que ocorreram num determinado momento e

    que se veem confrontados com alteraes posteriores no ordenamento jurdico. Estas alteraes derivam do

    facto de certas situaes terem de ser reguladas por um regime diferente. (Ex: Autonomizao do Direito

    Comercial do Direito Civil.)

    Surge, igualmente, um momento de desenvolvimento constitutivo baseado em normas para

    resolver o problema da criao do Direito e do incio /cessao da vigncia das leis. Baseia-se tambm na

    existncia de casos novos, cujas respostas no esto pr-determinadas. H vrios exemplos:

    (a) O problema das fontes do Direito

    A Lei surge como principal fonte do Direito Portugus; A importncia dos assentes do Supremo

    Tribunal de Justia; Usos e equidade. [Anlise dos arts. 1 a 4 do C.C.]

    (b) Os critrios/cnones da doutrina que tematizam o problema

    (c) As normas legais que enfrentam o problema do comeo e das cessao da vigncia das

    leis: [Ver artigos 5 e 7 do C.C.]

    (C1) Vacatio Legis O tempo que decorre entre os momentos de publicao e da entrada em

    vigor da norma legal.

    (C2) Caducidade Pode resultar da clusula expressa do legislador, contida na prpria lei, de

    que esta s se manter em vigor durante determinado prazo ou enquanto durar certa situao,

    podendo resultar no desaparecimento dos pressupostos da aplicao da lei.

    13

    LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 11

  • 10

    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    (C3) Revogao Resulta de uma nova manifestao da vontade do legislador, contrria

    anterior. A lei deixa de vigorar por efeito de uma lei posterior, que tem valor hierrquico igual ou

    superior, dando origem lei revogatria.

    (C3.1) Revogao Expressa (Nova lei declara que revoga uma nova lei anterior) e

    Revogao Tcita (Resulta da incompatibilidade entre as normas da nova lei e as da lei anterior).

    (C3.2) Revogao Global (Revoga totalmente um ramo do direito/ instituto jurdico) e

    Revogao Especfica (Revoga um diploma ou especficos artigos deste diploma.)

    (C3.3) Revogao Total (Todas as disposies da lei so atingidas ab-rogao) e

    Revogao Parcial (Quando s algumas disposies da lei anterior so revogadas pela nova

    derrogao)

    Alude-se ainda h existncia de normas obsoletas e caducas normas que esto em vigor, mas que

    efetivamente perderam a sua vigncia -, surgindo como normas s formalmente vigentes.

    Podemos ainda aludir a um momento de realizao orgnica. No fundo, este momento baseia-se

    na criao formal de rgos aos quais so atribudos poderes e competncias, criando, ainda, uma

    hierarquia entre estes rgos. O direito surgindo como meio de organizao e estruturao do poder poltico,

    conferindo-lhe legitimidade, mas limitando-o simultaneamente.

    Por fim, torna-se pertinente a referncia a um momento da determinao- realizao

    procedimental que est intimamente ligado ao anterior, correspondendo a uma autonomizao de regras de

    processo. Este momento institucionaliza um percurso () de tomada de deciso e o modus que este dever

    assumir.14

    Tem de se ter em conta o confronto entre condies normativas substantivas que so

    asseguradas por fundamentos e critrios materiais do ordenamento jurdico - e a especificidade dos cnones

    e esquemas de juzo. [Ver exemplo na pgina 13 dos Sumrios Desenvolvidos do Dr. Aroso Linhares]

    EXCURSO: HART E TEUBNER E AS REGRAS SECUNDRIAS

    Na sua obra The Concept of Law (1961), Hart identifica trs planos analticos de um sistema

    jurdico:

    (1) A regra de reconhecimento Esta uma regra que, uma vez aceite, combate a incerteza que pode

    resultar da convocao das regras primrias. Desde logo, identifica autoritariamente quais so os

    critrios de comportamento-ao que devem ser validamente reconhecidos como jurdicos e dotados

    de autoridade-potestas [Isto , regula o que o Direito e o que apenas inerente ordem social] Por

    outro lado, hierarquiza e unifica estes critrios de comportamento. esta regra de reconhecimento

    que unifica as normas primrias, outrora desconexas, introduzindo a ideia de sistema jurdico.

    (2) As regras de mudana-transformao Permitem a introduo de novas regras primrias e a

    eliminao de antigas, definindo quem o deve fazer e como. S, assim, se poder entender estas

    regras como exerccio da autonomia privada.

    (3) As regras de deciso-julgamento Combatem a ineficcia das regras primrias, dando poder a

    certos indivduos para julgar, respondendo autoritariamente ao problema de saber se uma regra foi

    ou no violada. Para mais, determinam o processo a seguir, dando origem ideia de tribunais,

    jurisdio e sentena.

    Assim, Hart reconhece vrias vantagens s regras secundrias: certeza e confiabilidade, flexibilidade,

    eficcia, tornando eficazes as regras primrias.

    J Teubner, defende que as regras secundrias nos permitem passar de uma fase de direito

    socialmente difuso para um direito parcialmente autnomo.

    14

    LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 13

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    2 DIFICULDADES E PERGUNTAS

    Desde logo, surge uma grande questo condutora: Porque que a analtica at agora ensaiada se

    mostra insuficiente (nos planos normativo e objetivo) se quisermos compreender o projeto-procura

    que prtico-culturalmente distingue o Direito?

    2.1. Desde logo, identificamos ordem de Direito um certo projeto/ sentido que lhe fundamental, sendo

    bvio que o Direito est inserido num plano cultural e concreto com um determinado sentido. O Direito no

    pode surgir como um mero regulador socialmente contingente15

    , disponvel para assumir quaisquer

    intenes ou finalidades. Se o Direito se submetesse economia, poltica ou at tica, perderia a sua

    autonomia.

    O Direito no pode ser visto como um mero instrumento de institucionalizao de uma ordem social

    e(ou) de uma ordem que possa responder ao problema da indeterminao ou inespecializao da

    espcie humana.16

    Algumas correntes do pensamento jurdico, como o positivismo estrito e o moderno

    positivismo sociolgico consideram que esta a nica funo do Direito. No entanto, se tal fosse considerado

    eramos obrigados a reconhecer muitos e inconfundveis direitos que mais nada teriam em comum seno a

    partilha do mundo e de ordenao de intersubjetividades.17

    No entanto, nem todas estas institucionalizaes/ordens so ordens que se podem dizer de Direito. Para

    a existncia de uma ordem de direito no basta a existncia de normas primrias e secundrias, satisfazendo

    as necessidades de certeza, flexibilidade ou eficcia. Uma ordem de direito pressupe a existncia de um

    conjunto de valores e princpios bsicos e fundamentais que tm de ser respeitados!

    2.2. Desde logo, podemos apontar uma quantidade de ordens (com estruturas, sanes, normas

    primrias e secundrias, etc) que surgem como eficazes. Pode-se falar de um conjunto de experincias-

    limite ou de um conjunto de ordens onde se funde o jurdico e o social, o formal e o informal, o privado e o

    pblico, etc e que representam o pluralismo dos nossos dias e uma certa face oculta da normatividade

    socialmente vigente.

    (a) s ordens das mfias e do gang.

    (b) As sociedades secretas e as organizaes clandestinas.

    (c) nova lex mercatoria (uma certa ordem das relaes comerciais internacionais)

    (d) ordem regulativa de organizaes terroristas

    (e) s experiencias macroscpicas de uma ordem estadual totalitria (estalinismo, nazismo, etc)

    (f) Um certo sistema de controlo e disciplina que operam em instituies, organizaes e grupos.

    (g) A experincias de regulao coletivamente negociada. (ordens das convenes, acordos e pactos.)

    (h) s situaes institucionais dos direitos dos privados (criadas pela dinmica de autodeterminao e de

    participao dos sujeitos jurdicos privados).

    (i) ordem da economia da informao.

    No entanto, devemos tambm atentar noutras ordens normativas- que concorrem com ordem jurdica

    estadual- e que no podem ser vistas como verdadeiras ordens de direito, apesar da sua estrutura e

    organizao interna de interesses e identidade comunitria.

    (j) ordem prtico-normativa das favelas.

    (k) s prticas e critrios das minorias rcicas, tnicas, sexuais, religiosas e culturais na sua interao

    com as maiorias.

    (l) s prticas consuetudinrias das pequenas comunidades (Indgenas, Rio de Honor, etc)

    15 LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 21 16

    LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 21 e 22 17

    LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 22

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    (m) normatividade criada pelos novos movimentos sociais e identidades coletivas (ecologia,

    feminismo, minorias sexuais, etc)

    Todas estas ordens, mais ou menos evidentemente criadas, so ordens normativamente reguladas,

    com critrios primrios, secundrios, sanes, julgadores, etc (que lhe conferem eficcia e a organizam).

    No entanto, nunca se podero referir como sendo ordens de Direito, pois faltam-lhe os elementos

    constitutivos de uma verdadeira ordem de Direito.

    2.3. Reconhece-se ao Direito, uma insuficincia objetiva, procurando-se critrios ou sinais que a

    manifestem. Esta traduz-se na ideia de falta de uma nota caracterizadora que distinga as ordem sociais de

    forma a distinguir quais so as de direito.

    A natureza de ordem, no sentido analisado de ordenamento global e unitrio, no exclusiva do

    ordenamento jurdico e da a necessidade de outra especificao () para o individualizar, j que o de

    direito no vai, na verdade, logicamente implicado no simples conceito de ordem ou de ordenamento social.

    A ordem jurdica seria o ordenamento estadual.18

    Esta passagem do Dr. Castanheira Neves alerta-nos

    para uma questo pertinente: Mas a estadualidade no pode surgir como essa nota caracterizadora?

    A nota da estadualidade importante, mas no suficiente. O Direito uma ordem normativa e o Estado

    uma instituio poltica. claro que o Estado pode criar em boa medida o Direito que est vontade para se

    servir do estado para atuar atravs da organizao do poder.

    No entanto, Direito e Estado no se identificam (historicamente j que o Direito muito mais antigo

    que o conceito de Estado; intencional-materialmente o Estado procura a realizao de valores

    especificamente polticos e o Direito justifica-se pelos valores especificamente jurdicos que intende;

    extensivamente Nem todo o Direito deriva do Estado (Costume, Direito Internacional); formalmente O

    Direito constitudo por princpios normativos e o Estado por um sistema programtico.).

    Nem todo o Direito estadual. O Direito estadual aquele que criado ou reconhecido ou tutelado

    (garantido coativamente) pelo Estado.19

    O Direito privado tem, no entanto, uma origem extra-estadual.

    Atente-se igualmente no Direito Consuetudinrio, em parte do Direito Internacional ou no Direito Eclesistico,

    cuja existncia no depende do reconhecimento pelo Estado da sua validade jurdica.

    A coao estadual no define o Direito j que o direito no utiliza exclusivamente a coao organizada

    institucionalmente pelo Estado20

    . Conclui-se que o Estado no fundamenta o Direito e que o conceito de

    Estado de Direito passa pela existncia de um estado fundamentado, regulado, legitimado e limitado pelo

    Direito.

    2.4. Reconhecemos, ainda, uma insuficincia normativa, que recusa a soluo de um nominalismo ou

    pluralismo acrticos que consideram que direito so todas as situaes institucionais de partilha do mundo

    () que fosse socialmente eficazes21

    .

    Se no fosse tomada em conta esta insuficincia teramos de considerar que toda a ordem

    estruturalmente ordenada fosse uma ordem de Direito. Se apenas se tivessem em conta esses termos

    meramente formais o ordem jurdica seria compatvel com uma inteno e um contedo de valor negativo,

    tica e axiologicamente insustentvel, uma ordem para o crime e criminosa ()22

    O Direito s pode ser

    pensado com uma carga axiolgica positiva e uma intencionalidade materialmente axiolgica que o justifique

    como direito. Uma ordem de Direito uma ordem marcada pela nota da estadualidade e de juridicidade-

    validade (autnoma do poder poltico) que juridicize o Estado, conferindo-lhe uma validade material, j que o

    direito o seu legitimador e limitador.

    Inteno regulativamente antecipante e constitutiva Para uma ordem jurdica cumprir a sua funo

    de critrio prtico-normativo da vida social necessrio que lhe estejam associadas um conjunto de

    18 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, pg. 59 19 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, pg. 65 20 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, pg. 69 21

    LINHARES, Aroso , Sumrios desenvolvidos das aulas de Introduo ao Direito I, pg. 25 22

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, pg. 73

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    intenes, sentidos e valoraes que garantam a dimenso prtico-comunitria, que sustenta a sua vigncia

    e existncia. o contedo normativo da ordem jurdica que regula a ao social de acordo com valores

    prprios e fundamentais. Fala-se de um projeto autnomo do direito, que visa a sua vigncia vlida numa

    comunidade pelo fato de estar fundamentada em valores e princpios e no apenas numa eficcia ou num

    ncleo gerador de autoridade-potestas.

    Inteno materialmente imanente de qualquer direito histrico Para mais, nenhuma ordem

    jurdica se fecha no contedo j constitudo, admitindo-se um contnuo constituindo. Isto , o Direito est em

    constante evoluo e mudana. Assim, o direito realiza-se historicamente, no apenas no presente-passado,

    mas fundamentalmente no presente em ato e no presente futuro antevendo, projetando, dominando

    possveis situaes. Esta natureza e funo do direito implica, na sua essncia, um dinamismo

    historicamente constituindo impulsionado por uma inteno normativa materialmente ordenadora()23

    .

    Inteno axiologicamente fundante 24

    O Direito no fica compreendido se visto como ordem

    instituda e instituinte, ou partindo da ideia de cumprimento de uma inteno normativa, j que este procura,

    fundamentalmente, a instituio de uma ordem, antes de mais, de validade que justifica o seu carcter.

    Mesmo que se entenda a ordem jurdica como um mero facto social, esta tem sempre duas finalidades

    fundamentais que so a segurana e a paz que so os valores que conferem ordem jurdica a sua

    validade social. O Direito, como verdadeiro Direito, no pode surgir apenas como um facto; tem de se revestir

    de validade. Apresentam-se trs razes:

    A prpria inteno normativa implica uma pretenso de validade que justifique a existncia

    de normas [que tm de ser vlidas e nunca arbitrrias]

    Para mais, a nossa cultura tem sempre entendido o direito, como um direito vlido. Desde os

    gregos que h um esforo histrico para realizar certos valores fundamentais na existncia

    comunitria. Este tem de manifestar na vida social algo axiologicamente fundado. Era

    absurdo no associar o direito a uma inteno social normativamente vlida e a um

    compromisso material com certas intenes e objetivos axiolgicos susceptiveis de fundarem

    a sua validade. Fala-se de uma inteno de justia.

    A nota de obrigatoriedade normativa do Direito exige este fundamento axiolgico de validade.

    Um Direito que no pretendesse surgir como obrigatrio no podia ser mais que ineficaz. A

    obrigatoriedade no tem sentido sem um fundamento axiolgico, sem uma validade

    normativa em sentido prprio.

    Conclumos, assim, que o direito tem de ter uma dimenso axiolgico-normativa. De modo algum,

    podemos procurar entender o direito apenas a nvel formal, sendo importante considerar o seu compromisso

    material. Surge a ideia de princpio normativo, associada a essa inteno normativa do direito, que considera

    o direito no seu verdadeiro sentido jurdico.

    23

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, pg. 78 24

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, pg. 78 a 89

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    CAPITULO II

    A EXPERINCIA DO SENTIDO ESPECIFICO DO DIREITO RECONSTITUIDA NUM DILOGO

    CRTICO COM O POSITIVISMO NORMATIVISTA DO SCULO XIX OU OS DESAFIOS E

    POSSIBILIDADES DE UMA REPRESENTAO PS-POSITIVISTA

    1- O GRANDE ARCO PR-MODERNO

    1.1- Descoberta e Autonomizao do Direito

    Para se compreender a ordem jurdica e o Direito, no podemos pensar numa situao hoc sensu, sem

    considerar a histria e a prtica que herdamos do passado. H qe olhar para o passado para compreender a

    nossa situao atual, de forma a responder s perguntas que se nos colocam, j que os paradigmas

    herdados demonstram ser insuficientes na formulao de uma resposta para esses problemas.

    Facilmente se concluiu que o Direito uma instncia de validade e crtica dos comportamentos sociais.

    Para o compreendermos nesses termos teremos de caraterizar o seu principio normativo, fundamentando a

    sua validade referindo valores e princpios que a integram e constituem. Surgem duas perguntas pertinentes:

    (a) Porque que o nosso tempo exige procura dessa normatividade?

    (b) Qual o contedo dessa normatividade?

    S poderemos compreender o hoje, se dialogarmos com abertura com o ontem, j que neste ltimo

    que encontramos um termo de comparao. Esta pergunta pode ser formulada doutra forma: Que herana

    recebemos e porque que ela j no nos serve? E esta pergunta deve-se ao fato do horizonte histrico ser

    indispensvel para uma adequada compreenso dos problemas prticos com que nos confrontamos, em

    virtude da radical historicidade que eles apresentam. O referente histrico da nossa situao podia ser

    procurado no sc. XIX, durante a poca do positivismo. Porm, convm recuar mais no tempo para

    podermos compreender na ntegra a nossa ordem jurdica e o Direito, j que classicamente, nunca se pensou

    o Direito como fez o positivismo.

    Nas pocas anteriores ao positivismo, o direito era uma normatividade sistematicamente ordenada e

    socialmente vinculante, que brotava de mltiplas fontes: a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudncia. O

    Direito no era um dado, mas sim uma normatividade muito complexa que os juristas iam constituindo

    medida que a realizavam. [O Direito era ento, portanto, um problema prtico em contnuo (e complexo)

    processo de realizao25

    ]

    Assim, o Direito s se manifestava para a resoluo de problemas concretos, integrando o domnio da

    filosofia prtica (sobre o bem e o justo) e no o da pura afirmao da voluntas poltica (como no legalismo).

    Direito e tica confundiam-se, j que o direito refletia os valores culturais da comunidade em causa.

    Para mais, at ao positivismo, o ius naturalis era o referente ltimo do pensamento jurdico e o direito

    constitua-se para alm das fontes que positivamente o objetivaram.

    Esta poca pr-positivista aquilo a que chamamos O GRANDE ARCO PR-MODERNO, onde se

    destaca um direito que se descobre e autonomiza sucessivamente:

    Como sentido e como especulao filosfica.*

    Como prtica jurisprudencial.*

    Como domnio cultural universitariamente reconstitudo e comunicado. *

    25

    BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 311 *Cada caracterstica aqui apresentada est explicada no sublinhado acima.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    1.2- As trs fases da poca pr-positivista

    1.2.1- A Polis Grega

    A prpria plis grega era entendida como uma comunidade de valores. Estes valores, provinham do

    Direito Natural e, como tal, eram considerados pressupostos, definitivos e perfeitos. Esta comunidade de

    valores s pode ser levada a cabo pelos seus membros, que so um conjunto de cidados vistos como

    animais polticos que participam na vida comunitria e na afirmao destes valores enquanto entidades

    adhistricas, imutveis, universais, etc

    1.2.2-A Civitas Romana

    Na poca clssica romana, o direito radicava na prudncia das situaes concretas, tornando-se

    muito relevante o papel da iurisprudentia que criou, desde logo, vrias exigncias axiolgicas densificadoras

    da communitas. [ex: bona fides, o animus, etc]

    O pensamento jurdico romano era um pensamento centrado na comparao de casos anlogos,

    sendo um dos maiores exemplos de direito jurisprudencial existente. As fontes legais eram muito escassas,

    mas tal no surgia como problemas desde que os juristas dessem o ius civitas. E entendia-se que o ius

    () [como] in sola prudentium interptretatione consistit, pois os juristas romanos () defendiam que no

    constituiam o Direito, mas que apenas o revelavam.26

    .

    Este direito era, tal como na polis grega, um direito natural imutvel, adhistrico, universal, surgindo

    como comum a todos os indivduos e experincias.

    1.2.3- A Respublica Christiana Medieval

    Na poca medieval, o direito era ainda uma iuris-prudentia, mas agora radicada numa hermenutica

    de textos das autoridades religiosas e laicas. Destacam-se o Corpus Iuris Civilis e o Corpus Iuris Canonici

    (que com os estatutos senhoriais e o costume constituam as fontes do direito medieval). E a hermenutica

    interpretao desses textos era orientada pelo mtodo escolstico. O pensamento escolstico era uma

    dialtica problemtica que cria um problema, prev hipteses de resposta com base em textos a favor e

    contra, para chegar a uma concluso. Na interpretao das obras, destaca-se a escola dos glosadores (sc.

    XII) que introduz um pensamento hermenutico filolgico-gramatical e a escola dos comentadores que

    introduz um pensamento mais construtivista e dialtico. Estes textos eram o direito em si mesmo e eram

    usados para a resoluo dos casos prticos.

    No entanto, o Direito medieval via o Direito ara alm destes textos. O texto era apenas uma

    manifestao de algo que estava para alm dele: dos valores fundamentais da filosofia prtica de ento.

    Eram esses princpios que identificavam a dimenso autenticamente constitutiva do direito medieval.

    Mas a instaurao da Respublica Christiana acrescenta uma vertente divina ideia de valores

    naturais, j que estes passam a ser uma criao da vontade e da razo divina. A fundamentao divina est

    presente na evoluo do pensamento jurdico.

    1.3- O direito natural foi sempre pensado na scientia que a ele se dirigia (), numa dupla

    inteno: uma inteno filosfica, que compreende o direito de forma absoluta pela explicao dos seus

    fundamentos oncolgicos; uma inteno normativa, que tem na primeira o seu fundamento regulativo, e se

    traduz numa determinao de normatividade vlida por si mesma. Esta normatividade procurava objetivar-se

    e constituir como cnone regulativo um critrio de validade. Desta forma, o Direito e o pensamento jurdico

    deixam de ser maioritariamente prticos, utilizando-se na realizao de problemas concretos, para se

    tornarem um pensamento e um direito cada vez mais teortico e com uma dimenso material, graas

    fundamentalmente atividade jurisprudencial que lhe est associada.

    26

    BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 313

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    Para o jusnaturalismo pr-moderno, o direito natural era um direito absoluto j que o direito

    positivo era um direito inserido numa contingncia histrico-social e poltica, surgindo como elemento bsico

    de um sistema normativo hierrquico e integrado, que teria no direito natural o seu fundamento

    normativamente constitutivo e regulativo. A este direito positivo cabia apenas uma funo varivel de

    determinao e concretizao.

    1.4- A viso pr-moderna do direito assenta na universalidade de valores imutveis (ordem

    natural viso jusnaturalista) e na viso acentuadamente jurisprudencial do Direito, j que este se manifesta

    medida que responde s vrias controvrsias. A vertente prtica e terica do Direito fundem-se para

    resolver as controvrsias concretas que surgem comunitariamente, tornando o juiz o grande protagonista.

    2- OS FATORES DETERMINANTES DO LEGALISMO E DO NORMATIVISMO POSITIVOSTAS

    RECONSTITUIDOS NO CONTEXTO PRTICO-CULTURAL DO PENSAMENTO MODERNO-

    ILUMINISTA. (SC. XVII XIX)

    2.1- Um fator antropolgico.

    Surge uma nova conceo do Homem, acentuando-se a autonomia humana, j que o

    individuo surge, agora, como sujeito individual de interesses e vontades. Esta mudana na conceo do

    individuo deve-se ao desenvolvimento da razo, nomeadamente comos progressos cientficos, e

    exaltao da Liberdade enquanto medida de exerccio da vontade. Esta transformao da comceo do

    homem d lugar ao individualismo. A questo : como que o Homem livre se integra numa

    comunidade? A resposta encontra-se no contratualismo.27

    (a) A passagem da comunidade Entendida no Grande Arco pr-moderno como uma

    comunidade de valores imutveis, universais e definitivos (portanto, era uma comunidade dada

    como integrante da ordem natural na qual o Homem se insere como homo institucionalis

    exterior sua vontade) - sociedade Construda prtico- culturalmente pelo Homem,

    enquanto socii, graas sua vontade prpria. O Homem comeou a ver a sua relao com o

    outro, enquanto sujeito individual como interesses, razo, etc

    (b) A substituio da ideia de um homem desvinculado com a criao da societas d-se a

    construo de uma nova conceo de individuo para responder ao problema das relaes

    humanas em sociedade. Assim, este individuo do Estado de Natureza ganha certas

    caractersticas prprias, como interesses, liberdade e razo.

    Cada uma destas dimenses Interesses (1), Liberdade-voluntas (2) e razo-ratio (2), desempenha

    papis distintos:

    (1) Surge um Homem de interesses emancipados. O problema da sociabilidade humana pode

    ser tratado partindo do chamado estado de natureza em que o Homem surge desvinculado. No entanto,

    h que se libertar deste estado de natureza atravs da concertao da sua vontade com as vontades

    dos outros sujeitos. Isto s possvel atravs de um pacto social que crie vnculos entre os sujeitos,

    conjugando as suas vontades livres num plano de igualdade, para originar uma verdadeira sociedade.

    (Teorias de Locke, Rousseau, Grcio)

    Atentemos no exemplo da lio de Hobbes: Hobbes tem uma viso muito pessimista do Homem

    e considera que este um ser egosta com o direito de se apropriar de tudo o que satisfaa as suas

    necessidades. Assim, criar-se-ia uma guerra de todos contra todos [Axioma Antropolgico]. necessria

    uma sociedade com autoridade que impea estas tendncias naturais de egosmo que pe em causa a

    ordem e a segurana Estado Leviathan.

    27

    A ver mais frente.

  • 17

    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    Existem outras teorias como a de Bentham, ou o funcionalismo pragmtico (que procura caraterizar o

    homem nesse seu estado de natureza).

    (2) A autonomia da voluntas e da ratio: Este sistema de pensamento radica no fundamento

    ltimo da autonomia humana. O homem volta-se para si prprio, sendo a razo e a liberdade os

    fundamentos ltimos das suas aes. A autonomia humana num domnio especulativo razo, no

    domnio prtico liberdade28

    . Este homem de liberdade , em ltimo termo, um homem de razo, que o

    fundamento de tudo o que faz. Esta ideia traduz-se, mais tarde, numa viso individualista dos problemas e

    das relaes sociais e polticas. nestes termos que o individualismo se torna a expresso poltico-social

    da liberdade moderno- iluminista.

    (3) A secularizao e o secularismo: parte deste fator antropolgico, podemos falar de um

    fator religioso a secularizao. Esta traduz-se no reconhecimento da autonomia especfica do mundo

    () e do homem nele em termos de aquilo que o homem e faz nesse mundo ser imediatamente

    imputvel sua liberdade e compreendido como sua responsabilidade.29

    . Isto , o homem a ver-se como

    sujeito responsvel por si mesmo e livre perante Deus, mas reconhecendo um conjunto de valores

    essenciais. Esta admite que a criao das sociedades uma obra tambm humana, deixando de se

    considerar o direito como meramente sacral. O Direito autonomiza-se da teologia e antropologia

    ocupa o lugar deixado pela religio secularismo. Mas se secularizao se distingue de secularismo e

    no o implica necessariamente, a verdade que a concorrncia dos outros fatores levou a que o referente

    prtico do Direito se tornasse poltico, com a institucionalizao do Estado.

    2.2- Surgem um conjunto de condies sociolgicas que concorrem para a estatizao do Direito.

    Desde logo, destaca-se a emancipao e exclusividade da afirmao dos interesses individuais. Desde

    logo, emancipao de interesses de ndole econmica que provocou o aparecimento do capitalismo. A

    mente capitalista uma mente dirigida para a satisfao dos interesses prprio, que se expandiu a todas

    as atividades econmicas, culturais, polticas, etc Surge, assim, a economia como cincia autnoma

    que introduz a ideia de Homem compreendido socialmente como homo aeconomicus. Agora, o Homem

    surge na totalidade da sua autonomia, liberdade e direitos e os referentes prticos deixam de ser o bem

    e o mal, para passarem a ser o meu e o teu [referentes econmicos]. assim que a societas, j no

    a polis ou a civitas, se tornou o campo e objeto principal do poltico que sociedade tico-religiosa-

    poltica viria a suceder a sociedade econmica dos nossos dias, pela mediao da sociedade poltica

    moderna.30

    .

    2.3- Surge, por fim, um fator cultural do racionalismo moderno- iluminista que, conjugado com um certo

    empirismo e com a experincia prtica, cria uma nova cincia, que surge como base do intelectualismo

    cientista do sc. XIX. Esta traz um novo tipo de racionalidade prpria da expresso cultural de autonomia

    humana, que v o mundo e o Homem como explicveis com toda a objetividade, j que podem ser

    analisadas as leis naturais que os regem como toda a objetividade e detalhe. A razo moderna basta-se

    a si prpria, sendo a legisladora da sua prpria ordem. Fala-se de uma razo autista j que esta partiu

    de si mesma para se fundamentar dando origem a um racionalismo prprio. Este fator divide-se em trs

    planos:

    A pressuposio axiomtica

    A construo hipottico explicativa (o mtodo indutivo vinculado comprovao emprica)

    A desimplicao lgico-formal (a conscincia lgico-dedutiva).

    28

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, PARTE III, pg 4 29

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, PARTE III, pg 5 30

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, PARTE III, pg 16

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    Associado a este aparecimento de uma nova conceo de cincia, est o declnio da racionalidade

    prtico-prudencial como a retrica e a dialtica.

    2.4- O aparecimento de uma razo axiomtico-sistemtica e explicativo-dedutiva d origem ao aparecimento

    de um jusracionalismo moderno-iluminista que se traduz em sucessivos modelos jurdicos elaborados com

    fundamento em valores, fundando o jurdico numa autnoma e especifica racionalidade. Rompeu-se com

    o entendimento do jusnaturalismo clssico, distinguindo direito natural e direito positivo, distinguindo-os

    como direito ideal e direito real. S este ltimo era verdadeiramente direito. Ao direito real faltava a

    sua positivao. Alimentou-se, assim, a codificao, procurou-se um poder poltico realizador deste

    jusracionalismo e recuperou-se no legalismo uma unidade superadora do dualismo acima referido. Assim,

    a juridicidade surge como normatividade sistematicamente explicitante de um auto-projecto humano.

    2.4.1- Surgem vrias classificaes possveis:

    (a) Jusracionalismo existencial ou emprico de Hobbes: Existe um direito de todos sobre todas as

    coisas e as leis naturais. Supera-se a guerra de todos contra todos atravs da criao do Estado

    Leviathan. Define um sentido pragmtico-instrumental da lei.

    (b) Jusracionalismo Comum: Alimentado por uma construo racional nuclearmente apriorstica,

    sincronizada com as exigncias do seu tempo. Surgem dois tipos de direito:

    (b.1) Direito racionalmente natural: O Direito natural (Direito que a razo conhece universal e

    imutvel, com legitimidade material) determina exigncias a aplicar ao contedo do direito

    positivo/voluntrio. Defendido por Grcio, Pufendorf, Thomasius e Wolf.

    (b.2) Direito racional ou Direito formalmente racional: A razo apenas intervm formalmente,

    impondo exigncias estruturais composio da vontade legislativa e ao texto em que esta se exprime.

    assim, um direito s com exigncias formais, que visa a universalizao, ignorando o contedo. Defendido

    por Rousseau defende leis com generalidade, abstrao e Kant acrescenta uma nota de formalidade

    em sentido estrito.

    2.4.2- Assim, a natureza humana assumida na sua evidncia tico-emprica traz consigo a possibilidade de

    se encontrar nesta um trao decisivo que se constri e reconstri racionalmente. O Homem moderno surge

    como um homem de antteses: afirma a sua autonomia na razo e na experincia, contrapondo-se ele

    prprio natureza. Contrape, ainda, o necessrio e o contingente. Ora, o homem moderno-iluminista,

    entende-se essencialmente como um homem livre. Pelo que, considerava que o mais natural que todos os

    homens, enquanto seres livres, elaborem um modelo de construo da sociedade, que assente num acordo

    dessas liberdades que traduza num vnculo mtuo das realidades mas para afirmao dessas liberdades.

    Esse acordo era um contrato social. O contrato social identificava uma vinculao das liberdades, por

    afirmao das prprias liberdades. E foi assim de Thomasius a Rousseau. S Kant que se prope a

    procurar compreender os princpios desta filosofia prtica numa autonomia ideal-regulativa ao ponto de

    reconhecer que o abandono do Estado Natural j um dever tico.

    2.4.3- Podemos concluir que o direito na sua conceo normativista um sistema autnomo de normas com

    uma realidade e um modo de existncia racional-abstratos. Este existe, independentemente da sua

    realizao concreta. O Direito s pode ser cumprido positivamente numa legislao um cdigo. Os cdigos

    jusracionalistas no se limitam a ordenar, especificar ou melhorar um direito j vigente, mas surgem como

    um direito novo para a planificao global da sociedade. Destacam-se o Cdigo Prussiano e o Cdigo civil

    Austraco.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    2.5- O modelo de organizao societria que o homem moderno lanou foi o do contrato social, pensando a

    sociedade como se todos fizessem parte de um contrato. Sendo todos os homens livres, este naturalmente

    tinha de assentar num acordo de liberdades que se traduz no vnculo mtuo das liberdades. O contrato social

    vincula as liberdades, afirmando-as com o objetivo de gerir interesses e resolver o problema da convivncia

    social. Assim, o contrato social radica na autonomia do Homem.

    O homem moderno-iluminista afirma a sua liberdade racional realizando os seus interesses. Era

    necessria uma ordem, j que o mais natural cada um afirmar interesses divergentes dos outros. Procura-

    se criar uma sociedade partindo do zero. De certa forma, este Homem nega a sociedade, j que esta parte

    de si mesmo, j que s o individuo tem sentido. A ideia de contrato prende-se na afirmao que da decorre

    da liberdade e igualdade dos contraentes. O status civilis surge como um status adventitius. (isto , que vem

    depois, que no natural, que acidental.)

    A sociedade surge como um mero artefacto e surge um novo Estado. Este novo Estado produto da

    vontade racionalizada em termos contratuais, j que s assim a vida social ganharia interesses. A sociedade

    moderna surge como revolucionria, pois satisfaz os interesses e objetivos do homem moderno e rompe com

    as ordens pressupostas anteriormente.

    Mas que novo poder seria este? No seria certamente o do Leviathan de Hobbes. Primeiramente, na

    experiencia do direito racionalmente natural defendia-se um Estado de despotismo esclarecido. Mais tarde,

    com Locke e Rousseau, exigiu-se uma rutura radical e revolucionria que traria o poder do Estado

    demoliberal, que exigisse liberdade e igualdade.

    A origem do direito , portanto, este contrato social. O direito aquele que o contrato social

    determinar, surgindo como estatuto de coordenao das liberdades de todos e de cada um e as regras de

    convivncia que o definem so leis. No pensvel o direito fora das leis, pois no h regras de convivncia

    fora do contrato destinado a constitui-las. Estas regras visavam, como vimos, garantir e coordenar as

    liberdades para cada um assegurar os seus interesses.

    2.6- Nesta poca, o direito era necessariamente, um direito-lei. Surge assim o legalismo que identifica o

    direito com a lei. Esta lei tinha de ser a constitutivo das liberdades e interesses e s podia ser criada pelo

    poder legislativo- vontade geral, representado a vontade da maioria. Assim, surge uma nova conceo de

    lei como expresso de um poder legislativo de vontade legtima que s se constitui na sua juridicidade

    quando o seu texto assimilar a estrutura racional de uma norma. Esta racionalidade resulta da:

    (1) Articulao hipottico-condicional (se Ento)

    (2) Da universalidade racional das suas formulaes

    (2.1) Generalidade (Leis iguais para todos, terminando com a diferenciao social)

    (2.2) Abstrao (ao irrevelarem a individualidade e a especificidade de situaes para

    poderem aplicar-se lgico-dedutivamente)

    (2.3) Formalidade em Sentido estrito (ao limitarem-se em definir as regras do jogo da atuao

    dos interesses sem nele se envolverem).

    (3) Do fundamento imanente que o sistema das normas lhe proporciona. (os princpios, normas e

    conceitos no esto ordenados por uma estrutura hierarquizante.)

    A politizao do direito atravs da sua estatizao legalista foi a primeira expresso moderna do

    esvaziamento axiolgico-material do direito a favor de uma perspetivao to-s formal.31

    Dois Contrapontos paralelos:

    A volont gnerale de Rousseau, traduzida na verdadeira universalizao da vontade de todos, j

    que inconfundvel com as vontades empricas e reais determinadas por interesses privados

    (vontade particular, vontade de todos [aqui, da maioria]). A lei surge como expresso0 da vontade

    geral, atingindo uma nova forma de associao.

    31

    NEVES, A. Castanheira, Curso de Introduo ao Estudo do Direito, PARTE III, pg 21

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    A liberdade de Kant, inconfundvel com o arbtrio e a contingncia material deste. Exige que cada

    individuo, ao agir em termos morais, regule a sua ao pelo Dever. Cria um imperativo categrico

    que distingue arbtrio (exerccio da vontade geral) e liberdade (condio que permite a

    compossibilidade dos diversos arbtrios. O direito a estabelecer condies para tornar possvel esta

    relao entre arbtrios). = Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na

    pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como

    meio

    2.7- Surgem duas condies epistemolgicas para a consumao do iluminismo no positivismo jurdico do

    sc. XIX:

    2.7.1- Era necessrio que a racionalidade se inserisse na evoluo e na mudana e torna-se o real histrico

    racional. A razo deixava de se identificar com o universal abstrato: ela prpria era a histria. A historicidade

    era mais racional do que real pois tinha apriori garantido o xito no seu sistema.

    Assim, era necessria uma historicidade que acentuasse o real, vendo nele prius de uma tentativa de

    compreenso racional s a posteriori.

    O historicismo mais relevante foi o da Escola Clssica, cujo adversrio comeou por ser o estatismo

    legalista. Esta considerava que o direito no era um produto de uma vontade racionalizada em termos

    abstrato-universais, mas uma cultura em geral sedimentada ao longo dos tempos. Estamos perante um

    direito pr-suposto que o jurista pesquisava e explicava. Traz consigo uma certa ideia de cincia, na projeo

    de um sistema dogmaticamente estruturado. Foi a formalidade que triunfou em Savigny, j que esta era

    necessria para garantir a cientificidade. Criou uma teoria da interpretao da lei A interpretao visava

    conhecer o critrio legal da sua verdade32

    .

    Em suma, pressupunham, assim, um direito dado nas leis, criadas para depois se aplicarem, e

    distinguiam um elemento poltico (elemento material que vincula o direito vida geral da comunidade-povo) e

    um elemento tcnico (que determina um autntica cincia do direito).

    2.7.2- O cientismo traduz-se na reduo de toda a validade cultural ao esquema das disciplinas emprico-

    analticas. Para este, a cincia o domnio da experincia de um objeto. No admira, que o pensamento

    jurdico pretendesse constituir o direito como uma cincia emprico-analtica. Por duas razes:

    (a) A poca do advento das cincias correspondeu a um apagamento da credibilidade da

    especulao metafsica. A nica objetividade a das cincias empricas ou seja, a objetividade teortica.

    (b) D-se a distino cincia/poltica. O pensamento jurdico limita-se a conhecer o direito, j que a

    poltica que tem a tarefa de o criar.

    Surge uma espcie de dualismo metodolgico: se a tarefa do juiz resolver questes de quid iuris, o

    pensamento jurdico surge como seu auxiliar na interpretao e aplicao das leis que foram criadas pelo

    poder legislativo. Assim, de um lado temos a tcnica (interpretao e aplicao da lei) e do outro a teoria da

    cincia do direito. Afirma-se, deste modo, a inteno prtica do direito e a inteno teortica do discurso

    decisrio.

    Em suma, o cientismo positivista vem hipertrofiar os discursos e os tipos de racionalidade que vimos.

    O direito converte-se num objeto do pensamento jurdico (ou deste enquanto cincia do direito).

    32

    BRONZE, Fernando Jos, Lies de Introduo ao Direito, pg. 348

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    3- O POSITIVISMO LEGALISTA RECONHECIDO NAS SUAS COORDENADAS

    CARATERIZADORAS.

    O positivismo jurdico introduziu uma fratura no modo com o direito era tradicionalmente compreendido,

    rompendo com a ideia de que este radicava numa filosofia prtica. Apesar da pluralidade de fatores

    responsveis pela sua gnese, o que certo que o positivismo se apresenta como um pensamento simples

    que reduz a juridicidade mera legalidade, ao identificar o direito com a lei e fazendo depender a juridicidade

    de um mero test of pedigree, isto , da prescrio das normas legais por instncias politicamente

    legitimadas. H certas coordenadas caracterizadoras do positivismo jurdico que explicitam o positivismo

    legalista.

    3.1- Coordenada poltico-institucional: O Estado-de-Direito de legalidade e os princpios da

    separao-diviso dos poderes, da legalidade e da independncia judicial.

    O positivismo radicou na compreenso do estado como um Estado moderno de contratualismo

    individualista, ou estado representativo demo-liberal. este Estado que vai dar origem a um Estado-de-

    Direito de legalidade formal. Este tipo de Estado pretendia dar uma dimenso jurdica a um problema politico-

    social o resultante do encontro das liberdades. Isto , este Estado visou dominar juridicamente o poder: o

    Estado-de-Direito de legalidade formal foi a tentativa histrico-cultural de solucionar juridicamente o problema

    do poder.

    Este Estado-de-Direito de legalidade formal estruturado por trs princpios:

    Princpio da Separao dos Poderes: Autonomizado, primeiro por Montesquieu e Locke, no seu

    sentido negativo, isto , estritamente poltico. A nica via suscetivel de garantir a defesa da liberdade numa

    sociedade com vrios estratos sociais seria a da moderao do poder. Uma vez repartidos, os poderes

    controlar-se-iam reciprocamente - checks and balances. Montesquieu utilizou a sua perspiccia ao

    defender que cada poder seria entregue a um estrato social: O poder executivo confiado ao monarca; o

    poder legislativo deve competir a duas cmaras que reflitam as diferenas de nascimento (Cmara dos

    Lordes e Cmara dos Comuns); o poder judicial surge como um poder nulo, porque para a criao do Direito,

    s interessa a Lei. O Juiz a mera boca que pronuncia a lei, trazendo-a para o caso concreto e aplicando-

    a.

    O poder era, assim, exercido pelos vrios titulares que o fiscalizavam, limitavam e moderavam. No

    entanto, o sentido deste princpio foi-se alterando, com a afirmao de um poder principal. O poder

    legislativo, tona-se o supreme power, porque era na assembleia representativa que se ouvia a expresso

    possvel da voz da volont genrale. Os demais poderes deixaram de se afirmar como poltico-socialmente

    autnomos e passaram a ter o seu quadro de atuao definido por este poder supremo: eram as leis do

    poder legislativo que prescreviam o modo de atuar do poder executivo e do poder judicial. D-se, assim, a

    transmutao do normativismo moderno-iluminista (lei como mero enquadrante da ao concreta) em

    positivismo legalista (lei como critrios imediatos da ao concreta, ditados pelo poder legislativo).

    Com Kant e Rousseau, surge uma outra conceo da separao dos poderes torna-se um corolrios

    institucional, livre de qualquer considerao pragmtica em que o poder legislativo o encarregue pela

    criao do direito; o poder executivo surge como fundamental para aplicar e executar a lei (com limites,

    certo!); e o poder judicial surge autnomo, no recebendo instrues ou comandos do poder legislativo,

    trazendo a voz da vontade geral para o caso concreto.

    Princpio da Legalidade: A lei entendida como estatuto geral, abstrato e formal da prtica poltica

    e da ao concreta, estando na base de toda a vida de relao. H, assim, exigncias de supremacia ou

    prevalncia da lei, j que os poderes executivo e judicial tm de agir cumprindo o prescrito pela lei, j que

    est um autntico fundamento destes poderes; e a reserva de lei, que afirma a lei como imperativo-

    norma constitutivo da juridicidade enquanto traduo de uma conceo representativa de legitimidade (os

    poderes s tm legitimidade se agirem de acordo com a lei) e do duplo postulado do legalismo (traduzido na

    ideia de que A lei todo o direito e toda e qualquer lei direito No h direito fora da lei.). Este

    princpio traduz, tambm, uma concertao do normativismo e do legalismo. (No h leis que no sejam

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    normas nem normas jurdicas que no sejam leis/O direito um sistema de normas gerais e abstratas

    prescrito pela vontade legisladora enquanto vontade geral coletiva do povo).

    Independncia judicial: Traduzia-se na mera obedincia do juiz lei. Mas estas normas legais eram

    critrios normativos racionalmente universais e no imposies de deciso, visando-se que o juiz no

    recebesse ordens de ningum aquando da deciso de casos concretos.

    Reinventa-se a imagem do juiz que ao ser a mera boca que pronuncia a lei se liberta da sujeio de

    poderes, porque surge como independente e neutro, garantindo que as prescries da vontade geral se

    cumpram em cada caso sem restries na sua universalidade racional. O julgador deve proferir uma

    sentena, dizendo o que de Direito em cada caso, de forma neutra e impessoal, resolvendo o problema. S

    pressuposto a normatividade este est em condies para se libertar da contingncia e do arbtrio.

    O Paradigma da Aplicao:

    (a) O direito-lei pr-determinado: O Direito existe em normas gerais e abstratas, sem interferncia do

    mundo dos casos concretos. O julgador deve, assim, abstrair-se do problema que o ocupa e

    interpretar a norma em abstrato, garantindo a sua inteligibilidade racional e a juridicidade que resulta

    da sua universalidade.

    (b) Exigncia de reconduzir os casos a fatos empricos desarticulados. Fatos extes que o juiz ir

    organizar consoante a relevncia e as exigncias de articulao que hiptese da norma lhe oferece

    (confronto: normas/fatos)

    (c) Realizar o esquema lgico-dedutivo do silogismo subsuntivo a garantir a relao entre o geral e

    o particular sem implicaes normativas.

    PREMISSA MAIOR H C PROPOSIO NORMATIVA RECONHECIDA NA SUA ESTRUTURA

    Programa condicional: hiptese H (se) corresponde a consequncia (-soluo) jurdica C (ento).

    PREMISSA MENOR P H SUBSUNO PROPRIAMENTE DITA

    O Problema P (determinado e comprovado na sua factualidade emprica) um exemplo do gnero H isto , corresponde previso realizada pelas normas em causa.

    CONCLUSO P C

    Para o problema P vigora a soluo tipificada C.

    P: Problema concreto C: Consequncia jurdica H: Hiptese

    3.2- Coordenada estritamente jurdica: as duas dimenses imprescindveis da lei.

    (a) A lei enquanto imperativo ou formale legis comando, prescrio ou estatuio normativa,

    quem tem a sua fonte na vontade do povo e no poder soberano que a representa, e que como tal se impe

    (e nos vincula)

    (b) A lei enquanto norma racionalmente universal geral, abstrata e formal, mas tambm

    permanente ou estvel (diramos, imutvel), entenda-se, subtrada contingncia e mutabilidade do

    individual histrico-concreto, relatividade histrico-concreta.

    As leis seriam vlidas se pudessem dizer-se racionais, isto , se fossem gerais, abstratas, formais e

    imutveis. A racionalidade (formal) e a validade coincidiam. Podemos ainda referir a importncia da

    normatividade constitucional e da organizao da legalidade, como resposta pretenso de unidade e

    completude.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    3.3- Coordenada axiolgico-jurdica: a racionalidade da lei a consubstanciar as exigncias normativas

    da juridicidade.

    (a) Generalidade: A fundar-se j na igualdade, excluindo o arbtrio e os privilgios e consumando uma

    exigncia de igualdade. A lei igual para todos, j que todos so iguais face da lei. H uma

    igualdade no plano dos sujeitos.

    (b) Abstrao: Assimila o comum racionalmente parificador, sendo fundamental para a existncia de

    uma previso e de estabilidade. Surge uma igualdade no plano das situaes. ~

    (c) Formalidade: Define o quadro normativo das possibilidades de atuao dos sujeitos sem impor fins,

    permitindo a cada um a prossecuo dos seus fins e a realizao dos seus arbtrios. A lei afirma,

    deste modo, a pureza jurdica da sua intencionalidade enquanto norma, desempenhando uma funo

    poltico-socialmente estaturia de garantia.

    (d) Permanncia enquanto condio de segurana: Acrescentada no sculo XIX, traz dois sentidos

    de segurana: atravs do direito e do direito. Privilegia o liberalismo individualista, isto , saber com o

    que se pode contar para no correr riscos - segurana atravs do direito. Surge uma conexo

    entre a previsibilidade e esta segurana atravs do direito: um direito dotado de estabilidade que

    conduz ideia de segurana.

    A axiologia do positivismo tem um carcter meramente formal e, com efeito, indiferente o contedo das

    leis, desde que estas sejam gerais, abstratas e formais e garantissem a igualdade visada. O positivismo foi

    um pensamento formal, at nos valores que defendeu.

    3.4- Coordenada funcional: a especificidade de um pensamento jurdico formalista.

    Verifica-se uma ciso intencional entre um direito-objeto pressuposto cuja criao ou constituio est

    entregue a um poder estadual (legislativo) e o pensamento jurdico (intencionalmente teortico e

    juridicamente autnomo cria-se um cincia do Direito, atravs da sua anlise puramente terica.) que se

    lhe dirige.

    Antes desta rutura, aberta pelo objetivismo historicista, todos os degraus do pensamento jurdico (no

    esquecendo a filosofia prtica ou iuris naturalis scientia) eram orientados por intenes prtico-normativas,

    partilhadas por ambos no projeto-procura do direito. [Pode dizer-se que ambos visavam a realizao do justo

    concreto.] De certa forma d-se a distino entre a criao (que cabe ao rgo legislativo) e aplicao (que

    cabe ao rgo judicial) do direito.

    H um confronto entre a contingncia prtico-material e poltico-ideolgica que sustenta o processo de

    criao do direito e a pureza formalmente jurdica do processo cognitivo e da cincia do direito que o torna

    possvel. No admira que o cientismo se tenha projetado nesta problemtica, j que o direito tambm

    pretendia ser cincia, com um objeto de estudo. O jurista devia conhecer o direito-objeto que lhe era dado

    por vrios rgos. No entanto, para o jurista pouco lhe interessava o contedo do direito, desde que este

    fosse formalmente vlido.

    A neutralidade perante o concreto contedo do objeto era justificada por uma determinante politico-

    ideolgica (que reconduzia exclusivamente o direito-legalidade vontade geral) e por outra de carcter

    cultural (que rompia com a radicao do direito na filosofia prtica). O jurista do positivismo legalista

    deparava-se epistemologicamente, assim, com os temas de uma cincia do direito preocupada em

    sistematizar conceitualmente a fragmentria matria jurdica.

    3.5- Coordenada epistemolgico-metodolgica: a assimilao exegtica dos sentidos e a sua

    traduo em estruturas conceitual-sistemticas.

    Porqu Epistemolgica? Porque a Cincia do Direito visava uma pura construo conceitual feita a partir

    de elementos do sistema jurdico.

    Porqu Metodolgica? Porque o Direito era por este pensamento reduzido mera legalidade pr-escrita,

    aplicando-se apenas formalmente, atravs da nica racionalidade conhecida: a lgico-dedutiva.

    O pensamento jurdico positivista era um mtodo para orientar o conhecimento exegtico-dogmtico da

    lei: o que importava era apreender o significado da lei enquanto proposio textual. O direito-lei era um objeto

  • 24

    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica 2013-2014

    que o jurista tinha de conhecer, empenhando-se na conceitualizao do material recolhiso, em termos

    consonantes com o cientismo do seu tempo. Para tal o jurista tinha de mobilizar as regras da hermenutica

    filolgica tradicional. Deste modo, o juz tinha de conhecer e interpretar a lei, visando extrair o sentido

    semanticamente comunicado pela norma-texto. E se o contedo das normas-textos era puramente

    contingente, o esprito do tempo exigia que se criassem estruturas invariantes.

    Em suma, o objetivo do jurista era o de mencionar o contedo histrico-concretamente contingente (logo,

    varivel) das normas e situaes prticas, sintetizando-o em conceitos, isto , em invariantes categorias

    formais com uma pluralidade de contedos.

    4- UMA PRIMEIRA ABORDAGEM DO UNIVERSO PS-POSITIVISTA CONCENTRADA NUMA

    EXPERIMENTAO ANTROPOLGICA E NO MODO COMO ESTA CORRESPONDE A UMA

    COMPREENSO (HOJE PLAUSVEL) DO SENTIDO ESPECFICO DO DIREITO (OU MAIS

    RIGOROSAMENTE, PR-DETERMINAO FUNDAMENTANTE DE UMA TAL

    COMPREENSO, CONSIDERADA NO SEU MOMENTO REGULATIVO).

    4.1- O processo de superao do positivismo legalista um diagnstico de crise concentrado e

    simplificado em seis sintomas exemplares.

    4.1.1- A crtica metodolgica

    O juzo jurisdicional concreto (que resolve questes prticas) irredutvel ao esquema silogstico-

    subsuntivo exigido pelo paradigma da aplicao, gerando-se crticas ao positivismo que denunciavam o

    absurdo de querer transformar uma prtica real num exerccio lgico dedutivo. Como tal, necessria uma

    alternativa, isto , outra racionalidade.

    Surge a problematizao da ciso interpretao (em abstrato) / aplicao (em concreto), conduzida

    pela autonomizao progressiva de uma interpretao normativo-teleolgica.

    O Mtodo Jurdico do sc. XIX reconhece os problemas que pressupunha como resolvidos: a

    construo do caso; a procura do critrio normativo; confronto da relevncia do caso com a relevncia da

    norma.

    Surgiu a conscincia de que o mtodo utilizado no era suficiente e adequado, surgindo a

    necessidade de se criar um novo mtodo, no baseado na interpretao abstrata e a aplicao em concreto

    a juridicidade deve deixar de se identificar com a legalidade racionalmente reconstruda em abstrato.

    D-se o isolamento progressivo de um Mtodo pr-determinado e as resistncias da realidade,

    traduzidas no xito de uma cincia do direito dogmtica assumida pelo positivismo normativista e que

    dependia da autonomizao de um direito puramente pensado.

    4.1.2- A exigncia de superar o normativismo como cincia formalista e abrir portas ao discurso

    finalista (teleolgico).

    Falamos de uma superao no plano do direito (para que a este deixe de importar apenas a forma na

    relao entre os arbtrios.) e no plano do pensamento jurdico (para que deixe de ser uma cincia jurdica de

    normas-textos).

    Destacamos a classificao de Kantorowicz, que defende:

    Um pensamento jurdico formalista a partir de uma estrutura dogmtica auto-subsistente (sistemas

    de conceitos), procurando um sentido para a frmula dada. (Defende o direito como sistema

    formalmente autnomo)

    O pensamento jurdico tambm finalista, partindo de um sentido da realidade material dos fins,

    exigncias e valores, procurando um sentido material para a soluo encontrada, assumindo a

    conexo direito/realidade social. Se o direito uma dimenso da realidade social no pode ser

    pensado num universo abstrato e isolado. Este deve ser compreendido como uma dimenso da

    prtica social, surgindo ao servio dos interesses, expetativas e fins manifestados na realidade

    social. (O direito pensado como uma dimenso da realidade social, inevitavelmente comprometida

    com fins.) = Comea a surgir uma viso finalista em detrimento da antiga viso formalista.

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    Eduardo Figueiredo 2 Turma Terica