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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 279-282 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Interferência de fases de deformação Varisca na estrutura de Torre de Cabedal; sector de Alter-do-Chão – Elvas na Zona de Ossa-Morena Interference between Variscan deformation events in Torre de Cabedal structure; Alter-do-Chão – Elvas sector (Ossa-Morena Zone) N. Moreira 1,2* , R. Dias 1,2,3 , A. Araújo 1,3 , J. Pedro 1,3 © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: O Sector de Alter-do-Chão – Elvas é caracterizado por uma espessa sequência meta-sedimentar escalonada entre o Neoproterozóico (Ediacariano) e o Câmbrico superior. Na região de Vila Boim, surge uma janela estratigráfica onde toda a sequência se encontra exposta (estrutura de Torre de Cabedal) e onde foi possível colocar em evidência duas fases de deformação Varisca principais. A primeira fase de deformação é gerada em andar estrutural superior e caracteriza-se pela génese de dobras deitadas com vergência para o quadrante SW, que invertem localmente a estratigrafia da região. Por sua vez, a segunda fase de deformação redobra a estrutura prévia, resultando disso um padrão de interferência que expõe o soco Neoproterozóico da Zona de Ossa-Morena. A segunda fase é responsável pela estruturação principal da região, sendo caracterizada por um dobramento de orientação NNW-SSE, com planos axiais verticalizados, evidenciando por vezes ligeira vergência para WSW; subparalelamente aos dobramentos desenvolve-se uma componente de cisalhamento sinistrógira regional. Palavras-chave: Sector de Alter-do-Chão – Elvas, Fases de deformação, Ciclo Varisco. Abstract: The Alter-do-Chão - Elvas Sector is characterized by a thick meta-sedimentary sequence from Neoproterozoic (Ediacarian) and upper Cambrian. In Vila Boim region, outcrops a stratigraphic window where all stratigraphic sequence is exposed (Torre de Cabedal structure). Here is possible to emphasize two main Variscan deformation phases. The first one was developed in an upper structural level and is characterized by recumbent folds with SW vergence, locally reversing the regional stratigraphy. The second deformation event is responsible for refolding previous structures, giving rise to an interference pattern which exposes the Ossa-Morena zone neoproterozoic basement. The second event, which controls the main regional structure, is characterized by NNW-SSE folds, with upright axial planes, sometimes slightly facing to WSW; subparallel to these folds a regional sinistral shear component is found. Keywords: Alter-do-Chão – Elvas Sector, Deformation phases, Variscan Cycle. 1 Centro de Geofísica de Évora. 2 Laboratório de Investigação de Rochas industriais e Ornamentais da ECTUE. 3 Dep. Geociências da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora; * Autor correspondente/Corresponding author: [email protected] 1. Enquadramentos geológico A Zona de Ossa-Morena (ZOM) foi tradicionalmente subdividida em zonas e sub-zonas ou domínios tectonoestratigráficos essencialmente com base na sua estratigrafia (e.g. Apalategui et al., 1990). Oliveira et al. (1991) propôs o conceito de sector que visa a melhor compreensão das várias secções desta zona paleogeográfica, não atribuindo conotação tectónica aos limites entre os diversos sectores; os autores dividem o domínio português da ZOM em cinco sectores com características próprias. O Sector Alter-do-Chão-Elvas (Fig. 1A) é limitado a norte pelo Cavalgamento de Alter do Chão (Pereira & Silva, 2006), sendo que a interpretação do limite sul, com o sector de Estremoz-Barrancos não é consensual. Alguns autores (e.g. Oliveira et al., 1991) consideram que o limite, no domínio português, é marcado pela presença de uma discordância cambro-ordovícica, enquanto para outros (e.g. Araújo et al., 1994) o limite é interpretado como uma estrutura à escala regional, com cinemática cavalgante, designado Cavalgamento da Juromenha. O presente trabalho pretende ser uma primeira aproximação à estruturação deste sector da ZOM, tendo como base de trabalho um domínio restrito onde toda a estratigrafia da região se encontra exposta (estrutura de Torre de Cabedal; Lopes, 2003) e onde as relações estratigráficas são bem conhecidas. 2. Síntese estratigráfica do sector de Alter-do-Chão- Elvas O sector de Alter-do-Chão – Elvas é caracterizado por uma espessa sequência de unidades atribuídas ao Câmbrico, ostentando um metamorfismo regional de baixo grau, pontualmente com evidências de metamorfismo de contacto associado à instalação de corpos magmáticos do Ordovícico e Carbónico (Pereira & Silva, 2006). Estas unidades assentam sobre o soco Neoproterozóico da ZOM, classicamente denominado de Série Negra (e.g. Oliveira et Artigo Curto Short Article

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Page 1: Interferência de fases de deformação Varisca na estrutura ... · em andar estrutural superior, em condições de baixo grau metamórfico. Esta fase de deformação é caracterizada

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 279-282 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Interferência de fases de deformação Varisca na estrutura de Torre de Cabedal; sector de Alter-do-Chão – Elvas na Zona de Ossa-Morena Interference between Variscan deformation events in Torre de Cabedal structure; Alter-do-Chão – Elvas sector (Ossa-Morena Zone) N. Moreira1,2*, R. Dias1,2,3, A. Araújo1,3, J. Pedro1,3

© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: O Sector de Alter-do-Chão – Elvas é caracterizado por uma espessa sequência meta-sedimentar escalonada entre o Neoproterozóico (Ediacariano) e o Câmbrico superior. Na região de Vila Boim, surge uma janela estratigráfica onde toda a sequência se encontra exposta (estrutura de Torre de Cabedal) e onde foi possível colocar em evidência duas fases de deformação Varisca principais. A primeira fase de deformação é gerada em andar estrutural superior e caracteriza-se pela génese de dobras deitadas com vergência para o quadrante SW, que invertem localmente a estratigrafia da região. Por sua vez, a segunda fase de deformação redobra a estrutura prévia, resultando disso um padrão de interferência que expõe o soco Neoproterozóico da Zona de Ossa-Morena. A segunda fase é responsável pela estruturação principal da região, sendo caracterizada por um dobramento de orientação NNW-SSE, com planos axiais verticalizados, evidenciando por vezes ligeira vergência para WSW; subparalelamente aos dobramentos desenvolve-se uma componente de cisalhamento sinistrógira regional.

Palavras-chave: Sector de Alter-do-Chão – Elvas, Fases de deformação, Ciclo Varisco. Abstract: The Alter-do-Chão - Elvas Sector is characterized by a thick meta-sedimentary sequence from Neoproterozoic (Ediacarian) and upper Cambrian. In Vila Boim region, outcrops a stratigraphic window where all stratigraphic sequence is exposed (Torre de Cabedal structure). Here is possible to emphasize two main Variscan deformation phases. The first one was developed in an upper structural level and is characterized by recumbent folds with SW vergence, locally reversing the regional stratigraphy. The second deformation event is responsible for refolding previous structures, giving rise to an interference pattern which exposes the Ossa-Morena zone neoproterozoic basement. The second event, which controls the main regional structure, is characterized by NNW-SSE folds, with upright axial planes, sometimes slightly facing to WSW; subparallel to these folds a regional sinistral shear component is found.

Keywords: Alter-do-Chão – Elvas Sector, Deformation phases, Variscan Cycle.

1Centro de Geofísica de Évora. 2Laboratório de Investigação de Rochas industriais e Ornamentais da ECTUE. 3Dep. Geociências da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora; *Autor correspondente/Corresponding author: [email protected]

1. Enquadramentos geológico

A Zona de Ossa-Morena (ZOM) foi tradicionalmente subdividida em zonas e sub-zonas ou domínios tectonoestratigráficos essencialmente com base na sua estratigrafia (e.g. Apalategui et al., 1990). Oliveira et al. (1991) propôs o conceito de sector que visa a melhor compreensão das várias secções desta zona paleogeográfica, não atribuindo conotação tectónica aos limites entre os diversos sectores; os autores dividem o domínio português da ZOM em cinco sectores com características próprias.

O Sector Alter-do-Chão-Elvas (Fig. 1A) é limitado a norte pelo Cavalgamento de Alter do Chão (Pereira & Silva, 2006), sendo que a interpretação do limite sul, com o sector de Estremoz-Barrancos não é consensual. Alguns autores (e.g. Oliveira et al., 1991) consideram que o limite, no domínio português, é marcado pela presença de uma discordância cambro-ordovícica, enquanto para outros (e.g. Araújo et al., 1994) o limite é interpretado como uma estrutura à escala regional, com cinemática cavalgante, designado Cavalgamento da Juromenha.

O presente trabalho pretende ser uma primeira aproximação à estruturação deste sector da ZOM, tendo como base de trabalho um domínio restrito onde toda a estratigrafia da região se encontra exposta (estrutura de Torre de Cabedal; Lopes, 2003) e onde as relações estratigráficas são bem conhecidas.

2. Síntese estratigráfica do sector de Alter-do-Chão-Elvas

O sector de Alter-do-Chão – Elvas é caracterizado por uma espessa sequência de unidades atribuídas ao Câmbrico, ostentando um metamorfismo regional de baixo grau, pontualmente com evidências de metamorfismo de contacto associado à instalação de corpos magmáticos do Ordovícico e Carbónico (Pereira & Silva, 2006). Estas unidades assentam sobre o soco Neoproterozóico da ZOM, classicamente denominado de Série Negra (e.g. Oliveira et

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al., 1991), que aflora pontualmente em janelas (Fig. 1A). Esta unidade é constituída por uma intercalação de xistos

negros e metagrauvaques, com liditos e carbonatos subordinados.

Fig. 1. A. Esboço geológico do Sector Alter-do-Chão-Elvas, com referência à localização da estrutura de Torre de Cabedal (adaptado de Carvalho et al., 1992); B. Mapa geológico e estrutural da estrutura de Torre de Cabedal (limites geológicos parcialmente adaptados de Gonçalves & Assunção, 1970); C. Estruturas observadas na área em estudo: 1 e 2 – dobras deitadas D1 na Fm. Carbonatada, 3 – critérios de cavalgamento para SW associado à D1, 4 – clivagem de crenulação D2 afectando pelitos da Fm. Vila Boim, 5 – dobras abertas D2 na Fm. Carbonatada (localização na Fig. 1B); D. Diagramas de densidades de pontos referentes a pólos dos planos de estratificação (S0) para quatro secções da estrutura, clivagem de segunda fase (S2) e lineações de intersecção (L2) – rede de Schmidt, hemisfério inferior. Fig. 1. A. Geological sketch from Alter-do-Chão-Elvas Sector, with reference to the Torre de Cabedal structure location (adapted from Carvalho et al., 1992); B. Geological and structural map of Torre de Cabedal structure (geological limits partially adapted from Gonçalves & Assunção, 1970); C. Structures observed in study area: 1 and 2 - D1 recumbent folds in Carbonated Fm., 3 – D1 thrust criteria, top to SW, 4 - D2 crenulation cleavage in pelites from Vila Boim Fm., 5 - D2 open folds in Fm. Carbonated (location in Fig 1B); D. Point diagram density relating to poles of bedding planes (S0) for four sections of the structure, second deformation event cleavage (S2) and intersection lineations (L2) – Schmidt lower hemisphere.

Sobre a unidade neoproterozóica ocorre, discordantemente, uma série clástica (com conglomerados e arcoses) do Câmbrico inferior (ca. 540-520 Ma) com intercalações de rochas ortoderivadas félsicas (tufos félsicos e riólitos), com espessura variável (e.g. Oliveira et al., 1991; Pereira & Silva, 2006). Esta unidade clástica passa progressivamente a uma série constituída por carbonatos (maioritariamente dolomíticos), com intercalações de rochas siliciclásticas, a Formação Carbonatada de Elvas (Oliveira et al., 1991). Esta formação tem sido correlacionada com a Formação de Alconera em Espanha, onde surgem faunas de trilobites e arqueociatas, que datam a unidade do Câmbrico inferior (Gozalo et al., 2003). Por vezes, as unidades

carbonatadas contactam directamente com a Série Negra de forma discordante, sem existência da unidade clástica na sua base.

A topo da unidade carbonatada surge uma sequência flychóide constituída por uma alternância de metagrauvaques, psamitos e metapelitos, designada por Formação de Vila Boim (e.g. Oliveira et al., 1991). Esta formação é atribuída ao Câmbrico inferior (Marianiano-Bibliano), com base em faunas de trilobites, acritarcos e braquiópodes (Gozalo et al., 2003). Intercalados na Formação de Vila Boim, ocorrem vulcanitos de natureza toleítica, interpretados como resultantes do processo de rifting intracontinental associado aos estádios iniciais do

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ciclo varisco (Mata & Munhá, 1990). A sequência anteriormente descrita termina, com o aparecimento de bancadas quartzíticas-conglomeráticas métricas datadas do Câmbrico médio (Barra Quartzítica; Oliveira et al., 1991).

Sobre a Barra Quartzítica sobrepõe-se, concordantemente, o Complexo Vulcano-Sedimentar de Terrugem (Araújo et al., 2013). Este é constituído por uma sequência terrígena com pelitos, arenitos e grauvaques, onde surgem intercaladas possantes massas de rochas vulcânicas bimodais com quimismo alcalino-transicional, semelhante ao exibido pelos basaltos intraplaca, muito embora nalguns casos surjam padrões geoquímicos típicos de E-MORB e N-MORB, correlacionáveis com basaltos de crista oceânica (Mata & Munhá, 1990; Sánchez-García et al., 2010). Este complexo é atribuído ao Câmbrico médio-superior por correlação com as Camadas de Playon e com os Basaltos de Umbria-Pipeta (Sánchez-García et al., 2010) onde foram identificados braquiópodes, trilobites e acritarcas dessa idade (Gozalo et al., 2003). Dados radiométricos recentes em rochas pertencentes aos Basaltos de Umbria-Pipeta forneceram idades entre os 505-515 Ma (Sánchez-García et al., 2010).

Este complexo passa gradualmente a um conjunto terrígeno constituído por alternâncias milimétricas a centimétricas de pelitos, siltitos e bancadas mais espessas de grauvaques (Formação de Fatuquedo; Oliveira et al., 1991). Esta formação é considerada do Câmbrico médio, por correlação com unidades semelhantes, em Espanha, onde foram identificados acritarcas. Referência ainda para a presença de intercalações de basaltos alcalinos-transicionais (Mata & Munhá, 1990) riólitos e tufos félsicos.

No topo desta série surge em discordância um conglomerado com calhaus decimétricos de quartzito e quartzo (por vezes com fragmentos de vulcanitos ácidos, básicos e granitos); este conglomerado tem sido mencionado como marcador da discordância Câmbrico-Ordovícico (e.g. Oliveira et al., 1991). Contudo, esta interpretação não é de todo consensual. Alguns autores consideram que o conglomerado em causa marca um acidente de 1ª ordem no limite entre os sectores Alter-do-Chão-Elvas e Estremoz-Barrancos, o designado Cavalgamento da Juromenha (e.g. Araújo et al., 1994).

3. Caracterização Estrutural da Estrutura de Torre de Cabedal

A deformação Varisca no sector em estudo é resultante da sobreposição de duas fases de deformação principais, à qual se junta uma fase de deformação tardia com características mais frágeis (Fig. 1B). Seguidamente apresenta-se uma descrição de cada um dos episódios de deformação presentes numa janela estratigráfica, onde é possível observar toda a sequência estratigráfica deste sector e que se denominou Estrutura de Torre de Cabedal (Lopes, 2003).

3.1. Primeira fase de deformação

A primeira fase de deformação Varisca (D1) desenvolve-se em andar estrutural superior, em condições de baixo grau

metamórfico. Esta fase de deformação é caracterizada pelo desenvolvimento de dobras cilíndricas fechadas a isoclinais, de plano axial sub-horizontal a pouco inclinado. As dobras apresentam diferentes amplitudes (desde a centimétrica à hectométrica) ostentando geralmente assimetria, que é variável tendo em conta a sua posição relativamente às dobras de 1ª ordem (Fig. 1C). Estas dobras apresentam frequentemente espessamento da charneira e flancos laminados (Fig. 1C). A clivagem S1 associada ao processo de dobramento é incipiente, desenvolvendo-se pontualmente nos níveis mais pelíticos.

Os eixos das dobras D1 apresentam grande dispersão na sua orientação, apresentando sentidos de mergulho variáveis entre NW-SE (mergulhantes geralmente para NW) e E-W. Esta variação na orientação dos eixos das dobras D1 pode ser resultado da actuação da segunda fase de deformação, não sendo de excluir a possibilidade de uma variação na sua orientação inicial, eventualmente associada a mantos dobras primeira ordem com eixos ondulados, como descrito para outras regiões da ZOM (e.g. Araújo et al., 2013). No que respeita à vergência das dobras D1, a análise da assimetria de dobras de 2ª ordem parecem mostrar que a vergência para o quadrante S-SW (Fig. 1C).

Este processo de dobramento é responsável pela inversão da estratigrafia da região, sendo possível observar, critérios de polaridade invertida nos litótipos típicos da Formação de Vila Boim, mas também nos níveis pelíticos intercalados na Formação Carbonatada. Esta inversão é bem evidente no sul da área em estudo onde é possível observar a inversão completa da estrutura, com a Formação Carbonatada a sobrepor-se à Formação de Vila Boim.

O regime de deformação progressiva durante a D1 leva à laminação dos flancos inversos das dobras deitadas, gerando cavalgamentos com vergência geométrica idêntica à evidenciada nos dobramentos (Fig. 1B). Como seria de esperar, os cavalgamentos D1 apresentam orientações variáveis, resultantes da actuação da segunda fase de deformação, que os redobram. Muito embora a superfície destes acidentes geralmente não aflorem, os mesmos são postos em evidência pelo padrão de afloramento.

3.2. Segunda fase de deformação

A segunda fase de deformação Varisca (D2) oblitera parcialmente a estrutura prévia associado à D1 Varisca. A D2 é responsável pela geração de dobramentos de orientação NNW-SSE, com planos axiais verticais, muito embora, estas estruturas apresentem por vezes clara vergência geométrica para WSW. As dobras D2 são também elas cilíndricas, muito embora a sua geometria seja variável no que respeita ao ângulo de abertura, sendo possível evidenciar dobras abertas a fechadas.

As dobras apresentam uma clivagem S2 de plano axial (que por vezes é de crenulação; Fig. 1C e D), geralmente em leque. Esta apresenta uma orientação NNW-SSE, ostentando elevados pendores para E (N16ºW, 85ºE; Fig. 1D), atitude que está de acordo com a vergência geométrica referida para as dobras D2. Pontualmente, é

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possível evidenciar a presença de critérios cinemáticos esquerdos associados às estruturas D2.

A lineação de intersecção L2 (S0^S2) apresenta grande uniformidade, mergulhando levemente para N-NNW (19º, N05ºW; Fig. 1D). Esta lineação é sub-paralela às dobras associadas a esta fase de deformação, muito embora os eixos das dobras apresentem um ligeiro ângulo no que respeita ao sentido de mergulho e pendores ligeiramente superiores (27º, N07ºE). A variação entre a atitude da lineação de intercepção e dos eixos das dobras D2 pode ser resultante da estruturação prévia D1 que é posteriormente redobrada durante esta fase de deformação.

Esta fase de deformação é gerada em níveis estruturais intermédios, sendo o metamorfismo incipiente. O pico metamórfico desta região dá-se durante esta fase de deformação, atingindo a zona da clorite (Pereira & Silva, 2006).

3.3. Deformação tardia

Em regime frágil, mas ainda associado às fases tardias do ciclo Varisco, surgem duas famílias de fracturação principais, uma de orientação NE-SW (N40ºE a N53ºE) e uma segunda E-W (E-W a S75ºE), ambas verticalizadas. A primeira família apresenta evidências de cinemática esquerda, com desenvolvimento pontual de bandas kink centimétricas. Esta família apresenta por vezes uma componente vertical, com abatimento do bloco sudoeste. É desta fase de deformação a falha que limita a este a área em estudo (Fig. 1B), pondo em contacto directo a Formação de Vila Boim com a Série Negra.

4. Considerações finais

O padrão de afloramento presente na estrutura de Torre de Cabedal é resultante da presença de duas fases de deformação Varisca principais. A primeira fase é responsável pela génese de dobras deitadas, associadas a cavalgamentos, com vergência para S-SW e que são responsáveis pela inversão da estratigrafia da região, colocando as unidades basais do Câmbrico sobre unidades mais recentes (Fm. Vila Boim), seguindo-se uma fase de deformação com geração de dobras de plano axial vertical, a ligeiramente vergente para WSW, acentuando a inversão da estratigrafia. O padrão de interferência exibido parece mostrar características intermédias entre tipo 2 e 3 de Ramsay & Huber (1987). Esta mudança de geometria no dobramento poderá ser resultante da mudança nos processos geodinâmicos actuantes na ZOM durante o Ciclo Varisco.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao financiamento atribuído ao Centro de Geofísica de Évora, através do contrato com a FCT (PEst-OE/CTE/UI0078/2011). Noel Moreira agradece à Fundação Calouste Gulbenkian pelo financiamento através do “Programa Estímulo à Investigação 2011” e à FCT pela bolsa de doutoramento de referência (SFRH/BD/80580/2011). J. Pedro agradece o financiamento através do projecto Petrochron (PTDC/CTE-GIX/112561/2009).

Referências

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Araújo, A., Lopes, L., Pereira, M.F., Gonçalves, F., Silva, J.B., Ribeiro, A., 1994. Novos elementos sobre a Carreamento da Juromenha (Elvas). Anais da Universidade de Évora, 105-109

Araújo, A., Piçarra de Almeida, J., Borrego, J., Pedro, J., Oliveira, J.T., 2013. As regiões central e sul da Zona de Ossa-Morena. In: R. Dias, A. Araújo, P. Terrinha, J.C. Kullberg (Eds). Geologia de Portugal, Vol. 1, Escolar Editora, 509-549.

Carvalho, D., Oliveira, J.T., Pereira, E., Ramalho, M., Antunes, M. T., Monteiro, J.H., 1992. Carta Geológica de Portugal na escala 1:500 000 (Folha Sul). Serv. Geol. Portugal, Lisboa.

Gonçalves, F., Assunção, C.T., 1970. Notícia explicativa da folha 37-A (Elvas) da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000. Serv. Geol. Portugal, Lisboa.

Gozalo, R., Liñán, E., Palacios, T., Gámezvintaned, J.A., Mayoral, E., 2003. The Cambrian of the Iberian Peninsula: an overview. Geologica Acta, 1, 103–112.

Lopes, L., 2003. Contribuição para o conhecimento Tectono – Estratigráfico do Nordeste Alentejano, transversal Terena – Elvas. Implicações económicas no aproveitamento de rochas ornamentais existentes na região (Mármores e Granitos). Tese de Doutoramento, Universidade de Évora (não publicada), 568 p.

Mata, J., Munhá, J., 1990. Magmatogénese de metavulcanitos câmbricos do nordeste alentejano: os estádios iniciais de "rifting" continental. Comun. Serv. Geol. Portugal, 76, 61-89.

Oliveira, J.T., Oliveira, V., Piçarra, J.M., 1991. Traços gerais da evolução tectono-estratigráfica da Zona de Ossa morena, em Portugal: síntese critica do estado actual dos conhecimentos. Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, 77, 3-26.

Pereira, M.F., Silva, J.B., 2006. Nordeste Alentejano, In: R. Dias, A. Araújo, P. Terrinha, J.C. Kullberg (Eds). Geologia de Portugal no Contexto da Ibéria. Uni. Évora, Évora, 145-150.

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Sánchez-García, T., Bellido, F., Pereira, M.F., Chichorro, M., Quesada, C., Pin, C., Silva, J.B., 2010. Rift related volcanism predating the birth of the Rheic Ocean (Ossa-Morena Zone, SW Iberia). Gondwana Research, 17(2/4), 392–407.