impactos sÓcio-econÔmicos das hidrelÉtricas do … · última década tem sido implementado pelo...

20
IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO MADEIRA: UM ESTUDO NO BAIRRO TRIÂNGULO EM PORTO VELHO/RO Felipe Pinheiro dos Santos, Rayanne Cristina Araújo, Sandra Garcia Aguiar, Clarides Henrich de Barba (Universidade Federal de Rondônia) Resumo: A construção de Hidrelétricas na Amazônia Legal tem provocado discussões acirradas entre população local e as empresas geradoras de energia elétrica estabelecidas na região. De um lado, a população nativa está sendo prejudicada pela cheia histórica do Rio Madeira, que no Estado de Rondônia, alcançou a maior cota já registrada, atingindo a marca de 19,74metros acima do nível normal, e de outro lado o Consórcio responsável pelas Usinas, que prometeu compensação social e econômica para toda população a ser atingida. A enchente prejudicou principalmente a capital e tem trazido além de prejuízos materiais; prejuízos sociais, ambientais e econômicos para a população ribeirinha. A capital, Porto Velho, está parcialmente submersa desde janeiro, e a previsão é que as águas voltem ao nível normal entre maio e junho de 2014, quando será possivel contabilizar todo o estrago. O objetivo principal deste artigo é comparar a previsão constante nos estudos de compensação sócio-econômica elaborados pelas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e as reais consequências dessa construção, através da análise do RIMA, e o que se percebe com a enchente. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que o EIA/RIMA foi ineficiente e não abrangeu todas as localidades e bairros, deixando de fora muitos distritos, fragilizando estes documentos quando se avalia a real situação desta população que tem sido duramente atingida, expondo a superficialidade dos estudos uma vez que não houve a compensação sócio-econômica adequada. Palavras-chaves: Impactos sócio-econômicos; Compensação social; Hidrelétricas; Rio Madeira ISSN 1984-9354

Upload: nguyennhi

Post on 08-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO MADEIRA: UM ESTUDO NO BAIRRO TRIÂNGULO EM PORTO VELHO/RO

Felipe Pinheiro dos Santos, Rayanne Cristina Araújo, Sandra Garcia Aguiar, Clarides

Henrich de Barba (Universidade Federal de Rondônia)

Resumo: A construção de Hidrelétricas na Amazônia Legal tem provocado discussões acirradas entre população local e as empresas geradoras de energia elétrica estabelecidas na região. De um lado, a população nativa está sendo prejudicada pela cheia histórica do Rio Madeira, que no Estado de Rondônia, alcançou a maior cota já registrada, atingindo a marca de 19,74metros acima do nível normal, e de outro lado o Consórcio responsável pelas Usinas, que prometeu compensação social e econômica para toda população a ser atingida. A enchente prejudicou principalmente a capital e tem trazido além de prejuízos materiais; prejuízos sociais, ambientais e econômicos para a população ribeirinha. A capital, Porto Velho, está parcialmente submersa desde janeiro, e a previsão é que as águas voltem ao nível normal entre maio e junho de 2014, quando será possivel contabilizar todo o estrago. O objetivo principal deste artigo é comparar a previsão constante nos estudos de compensação sócio-econômica elaborados pelas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e as reais consequências dessa construção, através da análise do RIMA, e o que se percebe com a enchente. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que o EIA/RIMA foi ineficiente e não abrangeu todas as localidades e bairros, deixando de fora muitos distritos, fragilizando estes documentos quando se avalia a real situação desta população que tem sido duramente atingida, expondo a superficialidade dos estudos uma vez que não houve a compensação sócio-econômica adequada.

Palavras-chaves: Impactos sócio-econômicos; Compensação social; Hidrelétricas; Rio

Madeira

ISSN 1984-9354

Page 2: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

2

“Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” Brecht

 

1. INTRODUÇÃO

A população de Porto Velho tem vivido recentemente, um intenso processo de

transformação decorrente da necessidade de desenvolvimento. Desenvolvimento este que na

última década tem sido implementado pelo Governo Brasileiro – na maioria das vezes – pelo

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, o qual já está na segunda fase

desde 2011.

Dentre as obras propostas pelo PAC estavam as construções das Usinas Hidrelétricas de

Santo Antônio e Jirau na Bacia Amazônica, cujo desafio foi o aproveitamento máximo do

potencial hídrico do Rio Madeira. A proposta, em princípio, era respeitar as populações locais e o

meio ambiente. Assim, nasceu a Concessionária Santo Antônio Energia. Em congruência com a

Santo Antônio, a Energia Sustentável do Brasil tem como objetivo fornecer energia barata e limpa,

com o menor impacto ambiental, visando evitar o desabastecimento de energia elétrica no Centro

Sul do Brasil.

Infere-se que o desenvolvimento por mais necessário que seja, deve ser efetivado de forma

sustentável. Sob o ponto de vista econômico, a possibilidade de crescimento deve ser definida de

acordo com a capacidade de suporte dos ecossistemas, pensando-se simultaneamente em maior

equidade e aumento da eficiência econômica de modo a suavizar os processos de elevação da

entropia. Para Cavalcanti (2001), essas são regras iniciais de um Modelo de Desenvolvimento

Sustentável, que deve contemplar objetivos ecológicos relacionados com a integridade dos

ecossistemas, com a manutenção da capacidade de suporte dos sistemas naturais, com a

preservação da biodiversidade, com o respeito aos limites do meio ambiente físico.

Porém, o poder predatório humano está comprimindo a natureza, que de mãos atadas,

pressente o avanço tecnológico e científico que corrobora com a degradação ambiental. Mesmo

diante destas externalidades negativas para a natureza, o investimento em produção de eletricidade

encontra-se como o cerne do desenvolvimento. O que não garante, no entanto, uma certeza quanto

Page 3: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

3

ao fornecimento de energia, diante o exposto, um temor recorrente cresce no meio empresarial por

conta de que o Brasil pode estar à mercê do racionamento de energia elétrica.

A barragem da Usina de Santo Antônio está a apenas 10 km de distância da cidade de

Porto Velho – de acordo com o Relatório de Impactos Ambientais (RIMA), surpreende a audácia

das construções faraônicas, asseverando a relevância deste estudo, visto que mais uma vez a

cidade está sendo usurpada por um ciclo econômico. E estando face a face com esse

empreendimento, tem-se bairros tradicionais do Município de Porto Velho, como é o caso do

bairro Triângulo, objeto desta pesquisa, que foram os primeiros a sofrer com as consequências da

enchente histórica deste ano.

Neste aspecto, o objetivo geral deste artigo é comparar a previsão constante nos estudos de

compensação sócio-econômica elaborados pelas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau

com as reais consequências desta construção, através da análise do RIMA das supracitadas usinas.

De acordo com o objetivo geral acima apresentado, formularam-se os seguintes objetivos

específicos:

Verificar a quantidade de localidades prejudicadas na área central de Porto Velho que não

constaram nos estudos de compensação social elaborados pelas Usinas.

Confrontar o número de famílias atingidas até 28/03/2014 que residiam no bairro

Triângulo com a estimativa proposta pelo RIMA;

Investigar se houve compensação social e econômica para os moradores do bairro

Triângulo que foram acometidos pelos impactos das Usinas.

2. METODOLOGIA

Adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental. Em relação a pesquisa bibliográfica foi

realizada com base em artigos de revistas e livros científicos. Quanto a pesquisa documental, a

mesma teve como características um processo exploratório considerando os estudos a respeito da

EIARIMA referente as Usinas de Santo Antonio e Jirau, além de outros documentos concernentes

a análise do processo qualitativo da pesquisa. Estas análises tiveram como base a pesquisa

Page 4: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

4

exploratória, que consoante Siena (2007) tem como objetivo obter maior familiaridade com o

problema para torná-lo explícito ou construir hipóteses.

No mesmo sentido, na presente pesquisa fez-se necessário a utilização da abordagem

qualitativa diante que a realidade estudada mostrou-se subjetiva e múltipla na quais determinadas

variáveis não poderiam ser quantificadas sob pena de perca de sua veracidade.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

3.1. Contextualização histórica

O Estado de Rondônia, um dos sete estados da Região Norte do Brasil (Figura 1), desde a

formação, teve sua economia sustentada em importantes ciclos e atividades econômicas que,

sempre seguidas de crises, determinaram características específicas do crescimento do Estado.

Figura 1 – Mapa do Brasil, apontando o Estado de Rondônia. Em destaque o Município de Porto Velho

Fonte: Imagem Internet

O primeiro grande ciclo econômico ocorreu com as descobertas de ouro a partir de 1744.

Nessa mesma época houve o período da exploração das drogas do sertão. Além disso, o ciclo da

mineração que se perpetuou pelo tempo foi responsável pela vinda de inúmeras famílias de todo o

país, porém, no início de 1990, a produção entrou em declínio, de acordo com o Relatório Técnico

28/90 que trata sobre o Perfil do Ouro, organizado pelo Ministério de Minas e Energia (MME)

(BRASIL, 2009).

Page 5: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

5

Seguiu-se a este ciclo econômico o da exploração da borracha, dividido em duas fases: no

período do primeiro ciclo de extração da borracha, por volta de 1877, uma grande quantidade de

nordestinos migrou para o vale do Madeira e seus afluentes. No entanto, a decadência se deu a

partir de 1912, não pela falta do produto, mas pelo preço praticado no mercado internacional,

principalmente na Malásia. Posteriormente, a retomada da demanda de extração de látex ocorreu

em decorrência da Segunda Guerra Mundial em meados de 1942, visto que os seringais da

Malásia foram ocupados por tropas japonesas e as fábricas de borracha sintéticas não tinham

capacidade suficiente para atender a demanda dos Estados Unidos (BATISTA, 2007).

Em 1952, ocorreu a descoberta de existência de estanho, que foi importante para a

economia regional de Porto Velho, surgindo o ciclo da extração da cassiterita.

A partir da década de 70, com a chegada de migrantes oriundos principalmente das regiões

Sul e Sudeste do Brasil através dos Programas de Integração da Amazônia (PIN), iniciou-se o

ciclo agropecuário, com destaque para a cafeicultura e bovinocultura - dentre outros produtos.

Nesse mesmo período, deu-se início à exploração madeireira que, ainda hoje, ambos foram

facilitados em decorrência da abertura da BR-364 na primeira metade da década de 1960, além de

serem de suma importância para a economia do Estado (BRASIL, MIRTIL e MACIEL, 2007).

Tais ciclos econômicos favoreceram novas dinâmicas econômicas e sociais a partir da

intensa onda migratória populacional para a região, mas não proporcionaram condições de

infraestrutura, técnicas, políticas econômicas e sociais suficientemente sólidas para promover o

desenvolvimento almejado, caracterizando a região como isolada em relação ao país.

Por sua vez, o município de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, foi criado pela

Lei nº 757 (AMAZONAS, 1914). Sua origem se deu graças à construção da Estrada de Ferro

Madeira-Mamoré, a qual foi criada para superar o trecho de 380 km de cachoeiras, para escoar a

borracha produzida rio acima. Na época, a Madeira-Mamoré Railway Company, detinha a

concessão para a construção da ferrovia e determinou a criação de uma vila para dar suporte ao

empreendimento. A vila nasceu 7 km à jusante da Cachoeira de Santo Antônio, onde viria a ser o

pátio ferroviário e a área nobre do município (Figura 2). Com o passar dos anos os primeiros

bairros começaram a surgir, dentre eles o bairro Triângulo (FONSECA & TEIXEIRA, 2003).

Porto Velho, possui uma área de 34.082,366 km2 (IBGE, 2002a), sendo a capital pouco

menor que o Estado do Rio de Janeiro, o qual ocupa uma área de 43.780,172 km2. É uma área tão

Page 6: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

6

extensa, que pode ser comparada com a área de países como a Bélgica (30.519 km2), Taiwan

(36.179 km2) e Guiné Bissau (36.125 km2). Se a capital fosse um país, seria o 136º maior país do

mundo. É a maior capital do Brasil em extensão, seguida por Manaus, com menos de um terço de

sua área (11.401,058 km2) e Rio Branco (9.222,577 km2). Comparando com outras capitais

brasileiras, São Paulo (capital) possui apenas 1.522, 986 km2e a cidade Maravilhosa, Rio de

Janeiro 1.182, 296 km2 (IBGE, 2002b).

Figura 2 - Vista panorâmica da Cidade de Porto Velho com o Rio Madeira ao fundo

Fonte: Skyscrapercity.com

Segundo o IBGE (2013), a população de Porto Velho em 2013 era de 485.000 habitantes,

dos quais 12% estão distribuídos nos 11 distritos do município apresentando um PIB per capita é

de R$ 17.636,36, conforme pode ser observado na figura 3:

Figura 3 – Composição Econômica de Porto Velho

Fonte: IBGE ( 2013)

A cidade de Porto Velho é banhada pelo Rio Madeira, segundo maior do Brasil, cuja

extensão é de 3315 km. Sua vazão em épocas de vazante de 24.400 m3/s, pode alcançar 31.200

m3/s em períodos de cheias normais, conforme pode ser demonstrado na figura 4 a respeito da

vazão de alguns rios brasileiros.

Figura 4 – Vazão de alguns Rios no Brasil

Rios Vazão em l/s Bacia

Page 7: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

7

1º Amazonas 209.000.000 Amazônica

2º Solimões 103.000.000 Amazônica

3º Madeira 31.200.000 Amazônica

13º Araguaia 5.500.000 Tocantins/Araguaia

15º São Francisco 2.850.000 São Francisco

16º Paraguai 1.290.000 Prata

Fonte: Portal Amazônia, 2014

Considerando o início do empreendimento, a partir de 2009, a capital sofreu um aumento

de cerca de 15% em sua população no período 2006-2011, passando de 380.974 para 435.732

habitantes em 5 anos, conforme figura 5, chegando aos 485.000 habitantes em 2013.

Figura 5 - Evolução demográfica em Porto Velho

Fonte: IBGE, 2013

Este crescimento é superior à média nacional, dado a chegada de pessoas de todo o país, os

chamados ‘barrageiros’, que vieram trabalhar direta ou indiretamente nas obras.

3.3 Usinas Hidrelétricas no Rio Madeira e seus impactos na bacia amazônica brasileira

Com a construção de duas Hidrelétricas, um novo ciclo se consolida na cidade de Porto

Velho e revela-se um período de prosperidade característico da implantação de grandes obras. As

Usinas Hidrelétricas (UHE’s) do Madeira estão sendo construídas utilizando-se do principal Rio

de Rondônia – Rio Madeira - o qual é formado pela da junção dos Rios Beni e Mamoré. As

UHE’s de Santo Antônio e Jirau serão as primeiras da Amazônia a utilizar o sistema de turbina

tipo bulbo, que, em tese, não exige grandes superfícies alagadas, sugerindo uma perspectiva de

sustentabilidade ecológica.

Page 8: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

8

Infere-se que o ciclo de prosperidade é temporário, assim como todos os outros verificados

na história do Estado, e evidências levantadas por especialistas afirmam que a construção de

hidrelétricas não trazem desenvolvimento no local de implantação diante do fato de que as Usinas

Hidrelétricas previstas têm como objetivo atender as demandas do centro sul do país. (MORET,

GUERRA, 2009).

Em consequência de decisões políticas guiadas pelos princípios econômicos que visam o

desenvolvimento, os grandes projetos na Bacia Amazônica apresentam possibilidades remotas de

respeito às necessidades ecológicas e sociais. Este é um problema geral: há recursos e

profissionais disponíveis para que se realizem estudos satisfatórios no ambiente em que será

realizada a obra, a fim de que se possa prever os impactos e encontrar alternativas técnicas para

minimizar os danos. Porém, somente quando as decisões já foram tomadas sob aspectos técnicos,

econômicos e políticos e os problemas começam a surgir, a população é alertada e finalmente os

profissionais capacitados são convocados meramente para constatar os fatos consumados, criticá-

los e tentar reduzir dentro do possível os impactos negativos.

Consequentemente, as possibilidades para uma colaboração eficaz entre engenheiros,

políticos e ecólogos são bastante reduzidas (WOLFGANG, MELLO, 1990)

A questão energética está em destaque no Brasil pela maior utilização das termelétricas, pelo

baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, pela incerteza de um apagão, pela diminuição da

tarifa para o consumidor e pelo envolvimento dessas questões com o meio ambiente. MÜLLER

(2003). De acordo com os argumentos de Wolfgang e Mello (1990), a construção de hidrelétricas

na Amazônia pode ter diversas restrições: deve-se enfatizar que muitos dos reservatórios

planejados provocarão tantos impactos negativos ao meio ambiente e à população que a sua

construção não é recomendável. Enquanto, por exemplo, Tucuruí pode ser considerada uma

alternativa aceitável em comparação com outras soluções para satisfazer a demanda de energia

elétrica (usinas termelétricas ou termonucleares), a construção de Balbina tem que ser considerada

um projeto que não compensa os danos infligidos ao meio ambiente, por causa da sua baixa

capacidade total. Além disso, deve-se enfatizar que a construção de represas hidrelétricas não

resolve o problema energético da Amazônia, mas somente aquele dos centros urbanos e

industriais.

O enorme potencial hidrelétrico da Bacia Amazônica e o entusiasmo justificado sobre a

impressionante capacidade tecnológica nacional não deveriam resultar numa aceitação total

precipitada de qualquer reservatório tecnicamente viável. Em muitos casos, os custos ecológicos e,

Page 9: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

9

a longo prazo, também os custos econômicos não são adequadamente correlacionados com os

benefícios. (WOLFGANG, MELLO, 1990)

3.4 Previsão dos impactos sócio-econômicos contidos na documentação do EIA/RIMA das

UHE’S do rio Madeira

O relevo do Estado de Rondônia é predominantemente plano, não havendo robustas

elevações ou depressões, requerendo a inundação de grandes áreas para o aproveitamento do

potencial energético de seus rios, necessitando-se assim que a Usina de Jirau e a Usina de Santo

Antônio alagassem uma área de 258 km² e 271 km² respectivamente, para a formação dos

reservatórios. Isto vem de encontro com os dados do RIMA, quando afirma que o sistema de

turbina tipo bulbo não necessita de grandes espaços alagados (RIMA 2003-2005, p. 10).

As Hidrelétricas de Tucuruí, de Samuel, Balbina e Manso, são exemplos dos problemas

advindos de grandes construções hidrelétricas na Amazônia, que segundo Marta, Moret e Guerra

(2007), apresentam problemas com a dimensão dos lagos e escassez de água em algumas épocas

do ano prejudicam até mesmo os potenciais de produção de energia elétrica local. Não obstante, as

Hidrelétricas do Rio Tapajós representam o medo e a possibilidade de um desastre ambiental sem

precedentes, já que se encontram rodeadas pelo maior conjunto de áreas protegidas do Brasil.

Em contra argumento, os Consórcios responsáveis, em Rondônia, afirmam que benefícios

como geração de milhares de empregos e a explosão da economia local compensam os riscos

sociais e ambientais. No entanto o que se observa no Estado é um crescimento desordenado, um

amontoado de impactos ambientais sendo remediados de forma superficial.

A avaliação dos impactos ambientais, realizada no âmbito do Estudo de Impacto

Ambiental (EIA), atende os critérios e condições requeridas pelo Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). As análises qualitativas e quantitativas

efetuadas baseiam-se no teor da Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA) (Brasil, 1986), e são resultados de discussões realizadas entre os componentes das

equipes responsáveis pelas áreas temáticas do EIA, cujos desdobramentos definiram as

características, a magnitude e a hierarquização dos impactos. (MINISTÉRIO PÚBLICO DE

RONDÔNIA, 2006).

Segundo o artigo 5º da Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986, do CONAMA, ipsis

litteris:

Page 10: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

10

Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; lV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade;

Além disto, o parágrafo único do artigo 9º da referida Resolução aborda que o RIMA deve

ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão, de modo que se possam

entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de

sua implementação.

Conforme dito no RIMA, as UHE’s de Santo Antônio e Jirau seriam constituídas por

conjuntos de estruturas que permitiriam o encaminhamento controlado das águas do Rio Madeira,

de forma a gerar energia elétrica, como barragens de enrocamento, canais de adução, canais de

fuga e vertedouros, dentre outras.

A previsão do Relatório de Impactos Ambientais (RIMA 2003-2005, p. 47) afirma que as

áreas urbanas a serem afetadas pela formação dos reservatórios das Usinas seriam apenas os

distritos portovelhenses de Mutum-Paraná e parte de Jaci-Paraná, além dos povoados Amazonas e

Teotônio, totalizando 2.849 pessoas, sendo 1.087 na área de Jirau e 1.762 na de Santo Antônio,

divididas em 763 domicílios, dos quais 253 localizam-se em áreas urbanas. A comunidade

residente no Bairro Triângulo não foi sequer citada neste relatório, revelando a inconsistência

destes estudos e precariedade das previsões diante dos grandes impactos ocorridos.

É notório que ao diagnóstico faltam análises mais aprofundadas e conclusões consistentes.

De acordo com Coelho (2006, p. 13)

De um modo geral, podemos afirmar que o diagnóstico e as propostas do EIA/RIMA ficaram num nível de generalidade, pouco adequada à magnitude do empreendimento. As medidas propostas são poucas e superficiais e embora saibamos que os empreendedores não podem assumir o papel do Estado, uma maior precisão se faz necessária, principalmente naquelas que afetam diretamente a qualidade da vida da população local.

A superficialidade do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório não fizeram

jus às consequências provenientes da Construção das UHE’s do Madeira. A necessidade de manter

Page 11: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

11

o abastecimento energético se sobressaiu perante os Direitos Fundamentais dos habitantes

atingidos e o Estado mais uma vez consagrou o processo desenvolvimentista com superioridade.

Outro ponto importante diz respeito à vazão do Rio Madeira, visto que os estudos das

Usinas de Santo Antônio e Jirau apontam que a vazão média observada durante o ano é de 19.000

m³/s de água, de que o comportamento hidrológico seria recomposto através dos canais de

restituição e aproximação (RIMA 2003-2005, p. 27). Não obstante, encontra-se o Boletim nº 10 de

Acompanhamento da Cheia do Rio Madeira, emitido pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM)

no dia 11/03/2014, o qual demonstra que a menor vazão registrada no ano de 2014 supera 20.000

m³/s, além de perceber que a maior vazão constada é de 56.063 m³/s também no mês de março,

onde corresponde ao apontamento feito pelo RIMA de que as maiores vazões são verificadas em

março.

Em consonância com a superficialidade dos relatórios, encontra-se o fato de o custo

ambiental e social previsto pelas Usinas do Madeira terem dobrado através da realocação das

famílias ribeirinhas para regiões não afetadas pelo empreendimento. Custos socioambientais que

foram estimados pela Energia Sustentável em R$ 600 milhões devem chegar a R$ 1,3 bilhão, na

mesma situação encontra-se a Santo Antônio Energia que calculou o valor de R$ 970 milhões,

porém já projetaram R$ 2 bilhões. Esta variação revela a fragilidade dos levantamentos prévios

(BORBA. 2013).

4. Cenário do município de Porto Velho: março de 2014

Segundo a Defesa Civil do Estado de Rondônia, a cheia do Rio Madeira atingiu vários

municípios do estado – Guajará-Mirim, Nova Mamoré, Rolim de Moura, Ji-Paraná e Cacoal. Na

cidade de Porto Velho, especialmente a região central onde se localizam os bairros Triângulo, Cai

N’água, Mocambo e Areal, Balsa, Centro teve várias ruas interditadas, casas e prédios públicos

atingidos pela enchente.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET, 2014), o estudo médio do tempo

para um determinado período ou mês em certa localidade, abrangendo considerações sobre os

desvios em relação às médias, variabilidade climática, condições extremas e frequência de eventos

que ocorrem em determinada condição do tempo. Pressupõe ser o clima mais estável que o tempo,

Page 12: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

12

sendo o último um estado físico das condições atmosféricas em determinado momento e local,

porém, nos últimos anos a imprevisibilidade climática tem predominado (INMET, 2014).

A chuva está ligada diretamente ao aumento do volume de qualquer rio, e por isso algumas

pessoas atribuem a quantidade de chuvas às enchentes provocadas pelo Rio Madeira,

desvinculando integralmente a influência das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau:

Gráfico 1 – Precipitação no município de Porto Velho dentre o período de 01/01/2014 até 18/04/2014. Fonte: Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

No entanto, como demonstrado no gráfico 1, o volume de precipitação dentre o período de

01/01/2014 até 18/04/2014 é de 981mm, o que de fato é uma grande quantidade de chuva, mas

ainda é menor do que no ano de 2012 dentre o mesmo período, o qual o gráfico 2 demonstra

1284mm, ambos os dados emitidos pelo INMET:

Gráfico 2 – Precipitação no município de Porto Velho dentre o período de 01/01/2012 até 18/04/2012

Page 13: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

13

Fonte: Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Ainda assim, outro fator que influencia no aumento do volume do Rio Madeira é o

aumento do volume dos rios bolivianos, como os Rios Madre de Dios e Bene, além do Rio

Mamoré, todos corroborados com o aumento do degelo nos Andes. O que nos leva a um

pensamento sistêmico, em que todas as atipicidades climáticas ao redor do mundo estão sendo

responsáveis pela enchente do Rio Madeira, menos a inconsistência dos estudos que viabilizaram

a construção das Usinas no leito deste rio.

Deste modo, foram afetados ainda, de maneira calamitosa, os Distritos de Porto Velho

situados no Baixo Madeira, como São Carlos e Vila de Nazaré, e Distritos ao longo da BR 364

como Jaci-Paraná, Extrema, Mutum e Vista Alegre do Abunã, como apontado no Mapa 1:

Mapa 1: Localidades atingidas

Page 14: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

14

Fonte: LabEpi/IPEPATRO/CEPEM.

Ações públicas de iniciativa de integrantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, da

(Ordem dos Advogados do Brasil) OAB, das Defensorias Públicas Estadual e da União adquirem

força a partir da liminar concedida pela Justiça Federal que obriga as usinas hidrelétricas de Santo

Antônio Energia a proverem assistência aos desabrigados das enchentes. Segundo o Procurador da

República Raphael Bevilacqua, o fundamento destas ações não é atribuir às usinas a

responsabilidade pelas cheias do Rio Madeira, mas sim, requerer o ressarcimento aos prejudicados

perante o agravamento da situação em razão das barragens não terem sido projetadas considerando

a possibilidade do aumento do volume de água acima do dimensionado no EIA/RIMA (MPE-RO,

2014).

A fragilidade e ineficiência dos estudos dos impactos se revelam. A Justiça Federal deferiu

o pedido para que esses estudos sejam refeitos com acompanhamento de especialistas indicados

pelo Ministério Público e sob a supervisão de órgãos, como o Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Departamento Nacional de

Infraestrutura de Transportes (DNIT),Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(IPHAN), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Operador

Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entre outros. No entanto, os efeitos de tal irresponsabilidade

estão sendo vividos de forma irreparável, principalmente por comunidades que sequer foram

incluídas nos impactos dos estudos iniciais, como o Bairro Triângulo.

Conforme Relatório emitido pela Prefeitura do Município de Porto Velho, até o dia

28/03/2014 eram 3464 famílias atingidas pela Cheia do Rio Madeira, 1384 famílias desabrigadas e

Page 15: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

15

2080 famílias desalojadas. Dentre as quais, 1633 famílias residiam na área urbana de Porto Velho,

distribuídas entre os Bairros Areal/Centro, Baixa da União, Balsa, Belmont, Nacional, São

Sebastião, Arigolândia, Mocambo, Vila Tupi e Triângulo/Cai N’água (Figura 8).

Percebe-se que nenhum dos bairros supramencionados encontra-se no Relatório de

Impactos Ambientais apresentado pelas construtoras das Usinas Hidrelétricas do Madeira. Sendo

importante ressaltar que somente no Bairro Triângulo, 562 famílias foram impactadas por causa da

cheia histórica do Rio Madeira, que alcançou quase 20 metros acima do nível normal, das quais

142 famílias estão desabrigadas e 420 desalojadas.

Figura 8 – Histórica Estrada de Ferro Madeira/Mamoré.

Antes da enchente Em 27de março/2014 Em 02 de abril/2014

Comparando estes dados com os dados apresentados anteriormente no tópico 4, o número

de famílias atingidas desde o primeiro desbarrancamento praticamente quadruplicou, passando de

aproximadamente cem moradias condenadas para mais de 560 famílias.

5. Bairro Triângulo e a Influência das Hidrelétricas

Em 23 de janeiro de 2012 as comportas da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio foram

abertas, ocasionando o desbarrancamento de cerca de 7 km à jusante do eixo da barragem,

afetando diretamente o Bairro Triângulo. Mais de cem moradias foram atingidas pela erosão,

sendo necessário um processo de remanejamento emergencial destes moradores, os quais foram

levados para hotéis e pousadas da capital (SANTO ANTONIO ENERGIA, 2012).

Em nota emitida em janeiro desse ano, a Concessionária Santo Antônio divulgou que 89

propostas de indenização já tinham sido apresentadas, e destas 48 haviam sido aceitas. No entanto,

esta benevolência não se deu por iniciativa única do Consórcio responsável, foi preciso que o

Ministério Público do Estado de Rondônia (MP/RO) e o Ministério Público Federal em Rondônia

(MPU/RO) firmassem junto à Santo Antônio Energia um Termo de Ajustamento de Conduta

(TAC), visando ao comprometimento da empresa para com os atingidos pela erosão decorrente da

Page 16: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

16

abertura das comportas (BRASIL, 2012). Mais tarde, em 30 de março de 2012 entraram em

operação as duas primeiras turbinas da Hidrelétrica Santo Antônio – de acordo com site

institucional da empresa responsável por esta - mas a situação dos moradores do bairro Triângulo

ainda não estava resolvida (Figura 6).

Figura 6 – Moradores do Bairro Triângulo retirando seus pertences de casa

Fonte: Level. Inaê. 2012.

Na tentativa de conter o processo erosivo, em 2013 um pedral – conjuntos de pedras

amontoadas - havia sido colocado ao longo das margens, porém, a cada nova superposição de

camada de pedras colocadas pela empresa, a força do Rio fazia com que cedesse, necessitando de

uma cerca de arame ao longo do rio, obrigando a Concessionária Santo Antônio Energia

monitorasse periodicamente a região. O que antes podia ser visto (Figura 6), eram os moradores

apreensivos retirando seus pertences de dentro de suas casas. Hoje, o Rio Madeira não nos permite

ver esta apreensão, nem mesmo os móveis, talvez, só o telhado de algumas casas, como

demonstrado na Figura 7, capturada no Bairro Baixa União, antes do Bairro Triângulo, onde a

Avenida Farquar tornou-se um “Rio Farquar.”

Figura 7 – Avenida Farquar, Bairro Triângulo/ Porto Velho/Rondônia

Page 17: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

17

Fonte: SANTOS. Felipe P. em 06 de Abril 2014 Fonte: Google Earth em Setembro de 2012.

a. Passeio de barco improvisado para conhecer as áreas alegadas.

b. O mesmo lugar, antes do alagamento

Então, quando se compara a Figura 7b, capturada da ferramenta Google Earth, temos

noção da dimensão do impacto, o mesmo local, porém, dois anos antes está afogada pelas águas

do Rio Madeira.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante o exposto, infere-se que a previsão constante nos estudos de compensação social

elaborados pelas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau não abrangeram o real conjunto

das localidades atualmente atingidas pela enchente histórica do Rio Madeira, uma vez que os

estudos embasaram-se na generalidade de dados disponíveis, ocasionando a falta de detalhamento

das informações contidas no Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório.

Destarte, o RIMA abrangeu os distritos de Mutum-Paraná e parte de Jaci-Paraná, mais os

povoados Amazonas e Teotônio como áreas potencialmente deterioradas pela construção das

Hidrelétricas. Porém, nota-se a fragilidade deste documento quando se avalia os atuais relatórios

que correspondem à realidade da enchente, os quais demonstram que a totalidade da região

alagada inclui os seguintes bairros de Porto Velho: Areal/Centro, Baixa da União, Balsa, Belmont,

Nacional, São Sebastião, Arigolândia, Mocambo, Vila Tupi, Triângulo/Cai N’água, além dos

distritos portovelhenses de São Carlos, Nazaré, Calama, Abunã, Jaci-Paraná, Fortaleza do Abunã e

as comunidades Boa Fé e São Sebastião, situadas na margem esquerda do Rio Madeira. Desta

forma, logrou-se êxito no objetivo específico quanto a verificação da quantidade de localidades

prejudicadas.

Page 18: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

18

Consoante o objetivo específico referente ao confronto do número de famílias atingidas até

28 de março 2014 que residiam no bairro Triângulo com as estimativas propostas pelo RIMA,

percebe-se que o supramencionado bairro não foi citado nesse relatório, o que indica a

superficialidade dos estudos. Ainda assim, o número de prejudicados pela enchente do Rio

Madeira até a referida data é de 562 famílias somente no bairro Triângulo, um número exorbitante

comparado à previsão feita pelas Usinas de Santo Antônio e Jirau para outras localidades, que nem

estimaram a possibilidade de impacto neste local.

Por derradeiro, objetivou-se averiguar se houve compensação social para os moradores

deste bairro que foram acometidos pelos impactos da construção das UHE’s do Madeira, o que

não foi possível devido à singela pretensão de demonstrar a viabilidade de os prejudicados terem

sido ressarcidos social e economicamente. Dentro deste viés, o aspecto da compensação ainda está

sendo tramitado no Poder Judiciário.

Longe de tentar atribuir culpabilidade às empresas responsáveis pela construção dos

empreendimentos, frisa-se ainda a ausência do necessário aprofundamento do EIA, o qual a Santo

Antônio Energia e a Energia Sustentável do Brasil agiram de forma leviana ao mensurar a real

comoção de seus projetos. Acrescenta-se ainda a existência de fatores climáticos atípicos, longe

do previsto pelo EIA/RIMA, tais como o volume de chuvas, o aumento da vazão inesperada do

Rio, o degelo nos Andes, dentre outros, que enfatizam a vulnerabilidade das previsões. Porém,

imputar a incumbência meramente à imprevisibilidade da natureza é menosprezar o poder

predatório do homem perante a ganância pelo desenvolvimento energético.

REFERÊNCIAS

AMAZONAS. LEI ESTADUAL nº 757/1914. Criação do Município de Porto Velho. 1914. BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazónia – Análise do processo de desenvolvimento. 2.ª Ed. – Manaus. Editora Valer, Edua e INPA. 2007. BORBA, Júlia. Custo Ambiental e Social dobra em Usinas do Madeira. Matéria de 06 de Outubro de 2013. Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/10/1352461-custo-ambiental-e-social-dobra-em-usinas-do-madeira.shtml >, Acessado em 28 de março de 2014. BRASIL. Conselho Nacional Do Meio Ambiente. CONAMA. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986 . Publicado no D. O . U de 17 /2/86.1986. Disponível em <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acessado em 04 de abril de 2014.

Page 19: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

19

BRASIL. Ministério das Minas e Energia. MME. Desenvolvimento de Estudos para Elaboração do Plano Duodecenal (2010 - 2030) de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. 2009. Disponível em <http://www.mme.gov.br/portalmme/opencms/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/a_mineracao_brasileira/P19_RT28_Perfil_do_Ouro.pdf>. Acessado em 22 de março de 2014. BRASIL. Ministério Público da União. Deficiências em Estudo de Impactos Ambiental. 2012. Disponível em <http://www.em.ufop.br/ceamb/petamb/cariboost_files/deficiencia_dos_eias.pdf >. Acessado em 10 de abril de 2014. BRASIL, Walterlina; MIRTIL, Emanuel; MACIEL, Francisco; (Orgs). Seminário 35 Anos de Colonização da Amazônia: Rondônia – Porto Velho: Fundação Universidade Federal de Rondônia/Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, 2007. CAVALCANTI, C. Condicionantes biofísicos da economia e suas implicações quanto à noção do desenvolvimento sustentável. In: Economia do Meio Ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. ROMEIRO, A. R. et all. Org. Instituto de Economia, UNICAMP. Ed. EDUNICAMP, 3ª ed. Campinas, 2001. COELHO, S. D. C. T.; MANSO, L. D. C.; MEIRELLES, M. C. Pareceres dos consultores sobre os estudos de impacto ambiental do projeto para aproveitamento Hidrelétrico de Santo Antônio e Jirau, Rio Madeira – RO. Ministério Público do Estado de Rondônia. Porto Velho, p. 13. Parte B, Vol II. 2006. FONSECA, Dante Ribeiro da & Teixeira, Marco Antonio Domingues, HISTORIA REGIONAL, 4ª Edição, Porto Velho/RO: Rondoniana, 2003. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Área territorial oficial. Resolução da Presidência do IBGE de n° 5 (R.PR-5/02). 2002a. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ÁREA TERRITORIAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS COM RESOLUÇÃO Nº 05 , DE 2002 (PDF). 2002b. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PIB dos Municípios. 2013. Disponível em < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/pibmunicipios/2004_2008/defaulttab.shtm>. Acessado em 23 de março de 2014. INMET. Instituto Nacional de Metereologia. Disponível em < http://www.inmet.gov.br/portal/> Acessado em 01 de abril de 2014. LEVEL, Inaê. Informativo Triângulo: As transformações no bairro triângulo em Porto Velho. 2012. Disponível em <Racismo Ambiental: expropriação do território e negação da cidadaniahttp://racismoambiental.net.br/2012/06/informativo-triangulo-as-transformacoes-no-bairro-triangulo-em-porto-velho/ >. Acessado em 10 de março de 2014. MARTA, José Manuel Carvalho ; MORET, A. de S. ; GUERRA, Sinclair Mallet Guy. As desgraças nos concedem certos direitos. Em: BRASIL, W.; MIRTIL, E.; MACIEL, F.. (Org.). 35 anos de colonização da Amazônia: Rondônia. 1a.ed.Porto Velho/RO. : Edufro. 2007.v. 01, p. 166-173.

Page 20: IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DAS HIDRELÉTRICAS DO … · última década tem sido implementado pelo Governo ... sendo a capital pouco menor que o Estado do Rio de ... A cidade de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

20

MORET, Artur de Souza e GUERRA, Sinclair Mallet Guy. Hidrelétricas no Rio Madeira: reflexões sobre impactos ambientais e sociais. Revista OIDLES - Vol 3, Nº 7 (2009). Disponível em: http://www.eumed.net/rev/oidles/07/smgg.htm. Acesso em: 27/03/2014. MÜLLER, Claudia. Construção de hidrelétricas gera debate sobre impacto ambiental. 2003. Disponível em < http://ciclovivo.com.br/noticia/construcao-de-hidreletricas-gera-debate-sobre-impacto-ambiental>. Acessado em 25?04/2014 PORTAL AMAZÔNIA. Maiores Rios Brasileiros em Vazão (m3/s). Disponível em <http://www.portalamazonia.com.br/secao/amazoniadeaz/interna.php?id=377> Acessado em 19 de abril de 2014). RIMA. Relatório de Impacto Ambiental das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau - RO. 2003. Furnas. Porto Velho. 2003-2005. RONDÔNIA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA. Relatório de Análise do Conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) dos Aproveitamentos Hidrelétricos de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, Estado de Rondônia. 2006. Disponível em http://www.fase.org.br/v2/admin/anexos/acervo/17_071001_relatorio_analise__eia_rima_uhe_madeira_mpf-ro_cobrape_a.pdf >.Acessado em 14 de março de 2014. SANTO ANTONIO ENERGIA. Usina inicia geração de energia. 2012. Disponível em <http://www.santoantonioenergia.com.br/pt/empresa/perfil/>. Acessado em: 31 de março de 2014. SIENA, Osmar. Metodologia da pesquisa científica: elementos para elaboração e apresentação de trabalhos acadêmicos. Porto Velho: GEPES/CDR/UNIR, 2007. ISBN 978-85-7764-023-2. Disponível em <http://www.mestradoadm.unir.br/downloads/104_manual_de_trabalho_academico_revisado_em_fev_2009.pdf>. Acessado em 01 de março de 2014. WOLFGANG J. Junk; J. A. S. NUNES de Mello. Impactos ecológicos das represas hidrelétricas na bacia amazônica brasileira. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. 1990. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141990000100010&script=sci_arttext>. Acessado em 26 de abril de 2014.

1.