ii- histórico da ocupação da fronteira amazônica

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO DESMATAMENTO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA AMAZÔNICA: DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA ANDRÉ ALBUQUERQUE SANT’ANNA Matrícula n º 096108058 Orientador: Prof º Carlos Eduardo Frickmann Young DEZEMBRO 1999

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

DESMATAMENTO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA AMAZÔNICA:

DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA

ANDRÉ ALBUQUERQUE SANT’ANNA

Matrícula n º 096108058

Orientador: Prof º Carlos Eduardo Frickmann Young

DEZEMBRO 1999

2

As opiniões expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor

3

Para Clarice, minha filha querida.

4

Agradecimentos

Agradeço à minha filha Clarice, estímulo primordial para a redação desta monografia.

À minha mulher, Paula, e sua família, pelo apoio, carinho e compreensão durante este

período. Aos meus pais, minhas irmãs, sobrinhos e avó, pela dedicação e amor ao longo da

minha vida. Ao meu orientador, Cadu, pela seriedade, dedicação e, sobretudo, pelo incentivo

essencial que mudou o rumo da minha vida. Agradeço ainda à Beatriz David e à sua equipe de

pesquisa, principalmente à Gabriela. Por último, lembro de todas as pessoas que me ajudaram,

de alguma forma, a realizar esta monografia.

5

Resumo

Nesta monografia, apresenta-se uma aproximação entre os fenômenos da violência e

do desmatamento na fronteira Amazônica. A relação é estabelecida a partir da observação do

processo histórico de ocupação da região e da identificação da natureza da ocupação das

terras e da dinâmica do desmatamento.

Para a comprovação da existência de tal relação, foram utilizados mapas e dados

estatísticos que comprovam a coincidência geográfica dos fenômenos. Assim, pôde-se

concluir que o desmatamento e a violência na Amazônia possuem uma matriz comum, que é a

exclusão ao acesso à terra, a qual é submetida boa parte da população.

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO

II – HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA

III – VIOLÊNCIA E DESMATAMENTO NA FRONTEIRA AMAZÔNICA

3.1 – Violência na fronteira Amazônica

3.1.1 – Violência e apropriação da terra

3.1.2 – Violência e direitos de propriedade

3.1.2.1 – Processo de titulação

3.1.2.2 – Estrutura Analítica

3.2 – Desmatamento na fronteira

IV – AS DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA

V – CONCLUSÃO

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Mapas e Tabelas

Mapa 1 – Principais rodovias federais, Região Norte

Mapa 2 – Origem do nascimento de pessoas beneficiadas por assentamentos

Mapa 3 – Número de assentamentos em 1996

Mapa 4 – Vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo – 1985/96

Mapa 5 – Áreas críticas de desmatamento na região Amazônica

Tabela 1 – Índice de Gini para concentração fundiária

Tabela 2 – Extensão do desmatamento

Tabela 3 – Vítimas de conflitos na Amazônia Legal

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40

32

42

42

8

I - INTRODUÇÃO

Este estudo propõe-se a abordar os temas da violência e do desmatamento na região de

fronteira agrícola da Amazônia Legal. Restringe-se aqui o conceito de violência à situação de

conflitos fundiários. O interesse por esses temas deve-se, em primeiro lugar, ao fato de serem

fenômenos que vêm ocorrendo ao longo da história do país, desde tempos coloniais. Em

segundo, porque refletem problemas de natureza social e ambiental, gerados, em parte, por

políticas econômicas que não levam em consideração seus impactos sobre esses problemas1.

Por último, devido ao agravamento das condições de vida nesta região, é urgente encontrar

possíveis caminhos para a solução dos dois problemas. O objetivo deste estudo é, portanto,

buscar compreender se existe uma relação entre os dois fenômenos, de modo a contribuir para

as discussões sobre os temas em questão.

Este trabalho está organizado em três capítulos. O capítulo II apresenta um breve

histórico da ocupação da região Amazônica, privilegiando um enfoque que demonstra que as

migrações para essa região estão ligadas a períodos de crescimento econômico nesse local.

Observa-se que, a partir do período do governo militar, houve um grande aumento de

migrações para a Amazônia, em virtude dos incentivos governamentais. Como parte dessa

estratégia, foram sendo criados, ao longo do tempo, diferentes programas de

desenvolvimento.

No capítulo III, faz-se uma seleção bibliográfica sobre os temas propriamente ditos. A

violência na fronteira Amazônica é abordada sob duas perspectivas: a da questão do processo

de apropriação da terra e a da forma como os direitos de propriedade são estabelecidos.

Assim, direitos de propriedade mal definidos acabam por ser o principal causador da violência

na fronteira (Alston et alli, 1996). Quanto ao desmatamento na fronteira, este é observado a

9

partir da natureza da ocupação das terras e da dinâmica do próprio desmatamento. Verifica-se,

então, o papel relevante da especulação sobre o preço da terra no processo de desmatamento.

O capítulo IV está dedicado a expor as interrelações entre violência e desmatamento,

explorando empiricamente os temas previamente discutidos neste trabalho. Através da análise

comparativa de mapas de conflito e de desmatamento, e de séries históricas com dados a esse

respeito, demonstra-se que o argumento desenvolvido ao longo desta monografia é

consistente com as estatísticas levantadas. Além disso, é efetuado um exercício que demonstra

que desmatamento e conflito estão correlacionados estatisticamente.

Desse modo, o objetivo deste trabalho é mostrar se desmatamento e conflito

configurando-se como dois lados de uma mesma moeda vêm a ser manifestações do mesmo

processo de exclusão do acesso à terra.

1 Para um estudo mais aprofundado sobre o impacto das políticas econômicas sobre o desmatamento, ver Young

(1997).

10

II- HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA

A ocupação da região Amazônica teve seu início no século XVI. Nesse primeiro

período, “foram os espanhóis as figuras centrais da aventura.” (Reis, 1971, p.91).

Comandados por Francisco de Orelana, adentraram a região seguindo o curso do Pacífico até

atingir o Atlântico. Durante o caminho combateram indígenas que lhes pareciam as lendárias

amazonas, o que os fez mudar o nome do rio que seguiam de Orelana para Amazonas.

Após este primeiro contato com a região, a coroa espanhola forneceu concessões, na

região, que, no entanto, não foram utilizadas para uma ocupação efetiva da área. Segundo

Reis (1971), nenhum dos beneficiários teve consciência do real valor de suas concessões, não

exercendo, portanto, qualquer tipo de posse e domínio. Deste modo, a Espanha não teve

como se estabelecer definitivamente naquele espaço, sendo, então substituída pelos ingleses e

holandeses, que logo se encarregaram da ocupação e exploração do vale do Amazonas.

Construíram fortes; aliaram-se a tribos da região; trouxeram escravos negros; iniciaram a

cultura de algodão, tabaco e cana e, sobretudo, começaram o extrativismo vegetal e a pesca,

que caracterizaram a dinâmica da economia amazônica durante sua história. A presença

anglo-batava representava as companhias de comércio sediadas em Londres e Amsterdã, que,

por sua vez, refletiam e conduziam os interesses de seus Estados.

A presença de holandeses e ingleses, contudo, não foi muito duradoura. Em 1616,

estes são definitivamente expulsos pelos portugueses, que, no mesmo ano, fundam a cidade de

Belém do Pará. Neste sentido, “são antes motivos políticos que determinaram a fundação.”

(Prado Júnior, 1976, p. 69). No seu princípio, a base econômica da colonização portuguesa foi

a lavoura da cana-de-açúcar. Contudo, em virtude das condições naturais adversas, a

agricultura encontrou sérias dificuldades para progredir. Para ser bem sucedida, a agricultura

11

demandava esforços enormes para submeter as contingências naturais, esforços esses que “a

colonização incipiente não os podia fornecer. [Assim,] A agricultura, que requer um certo

domínio sobre a natureza, apenas se ensaiou.” (Prado Júnior, 1976, p. 69).

Tendo em vista a impossibilidade da atuação agrícola na região, a extração de um

grande número de gêneros naturais comerciáveis, tais como o cravo, a canela, a salsaparrilha e

o cacau, além de madeira e a caça e pesca, constituíram-se na base econômica da colonização

amazônica. Para tanto, os colonos contaram com mão-de-obra relativamente fácil e

abundante: a população indígena.

A utilização dos indígenas na Amazônia foi, ao contrário das outras regiões do país,

bem sucedida porque as suas tarefas eram as mesmas que eles já desempenhavam antes da

colonização (Prado Júnior, 1976). Portanto, “ (...) o índio se amoldou com muito mais

facilidade à colonização e domínio do branco. Não se precisou do negro.” (Prado Júnior,

1976, p. 70).

A penetração na extensa região foi realizada, a partir da segunda metade do século

XVII pelas ordens religiosas, em especial, os jesuítas. Estes instalaram missões ao longo de

todo o imenso território. Estas missões constituíram, nas palavras de Prado Júnior (1976),

importantes empresas comerciais. Os padres jesuítas organizaram um sistema de exploração

dos índios, onde estes, primeiramente, construíam as instalações da missão e depois, se

dividiam entre aqueles destinados a uma pequena agricultura para a sustentação da

comunidade e aqueles que partiam em expedições de colheita dos produtos da floresta, de

caça e da pesca. O que se obtinha destas expedições era exportado, gerando grandes lucros

para as ordens que controlavam estas missões, o que lhes conferiu, “(...) na primeira parte do

século XVIII, grande poder e importância financeira.” (Prado Júnior, 1976, p. 71). Assim,

até meados do século XVIII, os padres usufruíram de uma situação monopolista na

exploração da mão-de-obra indígena e na extração das especiarias voltadas à exportação.

12

Contudo, em 1755, o Marquês de Pombal, livre da influência dos jesuítas na corte portuguesa,

aboliu o poder dos padres nas missões indígenas, entregando-o a administradores laicos.

A ausência dos padres foi, então, aproveitada pelos colonos, que eram impedidos por

aqueles de se infiltrar na região. Neste sentido, os colonos se fixaram nas antigas missões,

posto que essas já apresentavam índios domesticados, ou seja, mão-de-obra abundante e

relativamente preparada.

O povoamento da Amazônia reflete o padrão da produção local. Isto é, a colheita

natural demanda uma vasta extensão territorial, uma vez que as espécies vegetais apresentam

freqüência irregular. Portanto, a grande dispersão da população amazonense é explicada pela

dispersão das espécies relevantes para a economia local. Ademais, as comunidades são, via de

regra, ribeirinhas, em virtude do caminho oferecido pelos rios. Assim, de acordo com Prado

Júnior (1976, p. 72)

“Numa forma de atividade em que as fontes de produção se dispersam irregularmente,

sem pontos de concentração apreciável, não são elas, como se deu na agricultura ou na

mineração, que fixam o povoador; mas sim a via de comunicação.”

A desorganização do sistema de exploração indígena criado pelos jesuítas foi

responsável, na visão de Furtado (1976), pela decadência da economia amazônica do final do

século XVIII. A base da economia amazônica continuava a ser as especiarias extraídas da

floresta e que tornaram a penetração dos jesuítas possível na região. Contudo, a

desorganização do sistema imposto pelos padres trouxe à tona uma grande dificuldade na

exploração dos produtos de extração: “ (...) a quase inexistência da população e a dificuldade

de organizar a produção com base no escasso elemento indígena local.” (Furtado, 1976, p.

129).

Na segunda metade do século XIX, o preço da borracha começou a apresentar uma

tendência de forte ascensão. A borracha seria a matéria-prima de mais rápida expansão na

demanda mundial, devido ao surgimento da indústria de automóveis, “fator dinâmico das

economias industrializadas, durante (...) o último decênio do século passado e os três

13

primeiros do presente.” (Furtado, 1976, p. 130). A evolução da economia da borracha é

identificada por este mesmo autor como um fenômeno com duas fases distintas: a primeira

representou uma solução emergencial para o problema de oferta do produto; e a segunda se

caracterizou pela produção de borracha em bases racionais. A primeira fase da economia da

borracha foi um fenômeno amazônico, já que a organização da produção de borracha no

oriente foi posterior e caracterizou, portanto, a segunda fase dessa economia.

Segundo Furtado (1976), a produção de borracha, na Amazônia, era perfeitamente

elástica em relação à mão-de-obra. Assim, o crescimento de 500% observado em quarenta

anos na sua produção foi resultado exclusivo do influxo de mão-de-obra proveniente de

fluxos migratórios de nordestinos para a Amazônia. Furtado (1976, p.131) estima em cerca

de meio milhão de pessoas destacadas para a região amazônica.

A pressão demográfica existente no Nordeste tornou-se evidente em algumas sub-

regiões, na segunda metade do século XIX. As ondas de prosperidade, proporcionadas pelo

desenvolvimento da cultura algodoeira, contribuíam para a criação de um desequilíbrio

estrutural na economia de subsistência local, a saber, a pecuária. Na seca de 1877 – 80,

grande parte do gado da região desapareceu, gerando, pois, um período de intensa miséria,

que levou à morte de cerca de duzentas mil pessoas. A solução encontrada para a situação foi

a promoção da emigração para outras regiões do país, em especial, a amazônica. Esta

corrente migratória para a região norte foi subsidiada pelos estados amazônicos, posto que foi

a “grande corrente migratória que fez possível a expansão da produção da borracha na região

amazônica (...)” (Furtado, 1976, p. 133). No entanto, a situação do nordestino que fugia da

seca não podia ser considerada muito melhor na Amazônia. O homem já começava o seu

trabalho endividado, pois tinha que pagar os gastos com a sua viagem, com os instrumentos

de trabalho e com despesas extras para sua instalação. Ademais, o empresário que para lá o

14

levara monopolizava o acesso aos produtos de primeira necessidade, reduzindo o nordestino

a, de fato, um regime de servidão2 (Furtado, 1976).

Assim, com o fim do ciclo expansivo da borracha no Brasil, os nordestinos que para a

Amazônia haviam ido viviam sob a miséria, como antes, e “sem meios para regressar e na

ignorância do que realmente se passava na economia mundial do produto, lá foram ficando.”

(Furtado, 1976, p. 134). Neste sentido,

“... o grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente

em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema fundamental das

economia brasileira era aumentar a oferta de mão-de-obra.” (Furtado, 1976, p.135).

Após este período de grande fluxo migratório para a Amazônia em virtude do ciclo da

borracha, a região passou por um longo período de estagnação econômica resultante da Crise

da Borracha de 1912. "[Foi] somente com a Constituição de 1946, através do Artigo n. 199 é

destinado 3% da Renda Tributária Nacional para investimentos na região Norte." (Ferreira,

1999, p.269).

No Brasil, a política de ampliação da fronteira sempre foi uma maneira de se tentar

resolver o problema do excesso de mão de obra rural sem que fosse necessário realizar uma

reforma agrária nas áreas já ocupadas (Young, 1997). Este tipo de política teve seu auge, ao

longo do período do regime militar.

O governo militar que tomou o poder após o golpe de 1964 logo definiu uma

estratégia específica para a Amazônia. Não foi apenas o conceito de uma fronteira com

recursos para serem explorados para o desenvolvimento nacional que moveu o novo regime;

havia outros objetivos, dentre eles os geopolíticos, que visavam à proteção da soberania

nacional. Os projetos e ações concebidos para a região não passaram por nenhum teste de

viabilidade econômica. Os primeiros estudos dos maiores recursos naturais só começaram

depois que os projetos já haviam sido iniciados e, em muitos casos, grandes investimentos já

estavam implementados sem análise de custo-benefício. A maior preocupação dos militares

2 Vale ressaltar que Schneider (1994) apresenta perspectiva mais favorável sobre as condições de vida do

15

era ocupar rapidamente as imensas áreas despovoadas da Amazônia brasileira sem se

preocuparem com a sustentabilidade econômica e muito menos com a ambiental do processo.

Pensava-se que ocupando-se assim as vastas áreas despovoadas da Amazônia estaria-se

prevenindo eventuais pretensões das potências estrangeiras sobre a região. Um lema

freqüentemente ouvido nos anos setenta, para a Amazônia, era “use-o ou deixe-o”.

Em 1965 instituiu-se a Operação Amazônia, para implementar a nova estratégia, cujo

principal instrumento foi o abatimento de taxas e incentivos financeiros para o investimento

privado. Grande parte dos projetos contemplados eram agropecuários, sobretudo os relativos à

criação extensiva de gado.

Nos anos sessenta ocorreu também a construção da auto-estrada Cuiabá- Porto Velho

que mais tarde iria levar um grande número de colonos do Centro- Sul para Rondônia.

Nos anos setenta os militares intensificaram as políticas para promover a ocupação da

Amazônia. O principal instrumento foi o Programa de Integração Nacional (PIN), que

combinava grandes investimentos na construção de estradas na Amazônia com tentativas

de curta duração na implementação de modelos agrícolas públicos para pequenos fazendeiros

e colonos (Schneider, 1994). Virtualmente todas as terras públicas dos estados da região

passaram para o controle do governo federal.

O programa de construção de estradas, que pretendia cortar toda a Amazônia com

rodovias, foi extremamente ambicioso. A rodovia Transamazônica cruzou a região de leste a

oeste e pretendia-se construir estradas ao longo do perímetro de maior parte da fronteira

internacional da Amazônia. Porém, somente parte do projeto foi realmente construído. Essas

estradas foram fundamentais para a colonização da margem sul da Amazônia, dando acesso a

áreas previamente ocupadas apenas por florestas.

Pode-se observar no mapa 1, apresentado a seguir, uma visão da idéia da integração

Amazônica por meio de rodovias.

nordestino migrante na Amazônia do que Furtado (1976).

16

Mapa 13

Principais rodovias federais, Região Norte

3 Fonte: Home-Page: www.transportes.gov.br, consulta feita em dezembro/1999

17

Visando ao alivio das pressões demográficas do Nordeste, os militares incentivaram,

através do Projeto de Integração Nacional, a ocupação ao longo da parte oriental da rodovia

Transamazônica. Ao mesmo tempo, projetos de colonização modelo foram criados no então

Território Federal de Rondônia, com o objetivo de atrair pequenos produtores rurais do sul

com alguma experiência em agricultura moderna (Schneider, 1994; Young e Clancy, 1999).

O programa de incentivos fiscais também foi intensificado entre 1966 e 1972. Neste

período, áreas substanciais de terra foram incorporadas aos projetos agrícolas. A maior parte

dos projetos de incentivos fiscais está localizada numa grande área, compreendendo o

nordeste do Mato Grosso, o leste do Pará, o norte do Tocantins e o sudoeste de Maranhão. Os

altos preços mundiais da carne no início dos anos setenta levaram o regime militar a anunciar

que a Amazônia em breve se tornaria o maior exportador dessa commodity.

O Projeto de Integração Nacional pretendia por outro lado, ter um fluxo ordeiro de

imigrantes do nordeste e do sudeste ocupando partes da Amazônia, para produzir bens de

subsistência e fornecer mão de obra para outros projetos de desenvolvimento, e ainda, ter uma

iniciativa privada estimulada pelos esquemas de incentivos fiscais, aumentando a quantidade

de produtos agrícolas tanto para o mercado doméstico quanto para a exportação. Desse modo,

a região seria incorporada à economia nacional, pondo de lado o receio de uma intervenção

estrangeira.

Entre 1975 e 1979 ocorre uma mudança nos instrumentos utilizados. Por causa da

crise do petróleo nessa década, os eventos não se materializaram como esperado, reduzindo a

taxa de crescimento do país e tornando mais difícil a obtenção de recursos para o programa de

construção de estradas, tendo como resultado a diminuição no número de rodovias construídas

(Ferreira, 1999).

Esse período testemunhou considerável mudança nas táticas da ocupação da

Amazônia. Após 1974, o conceito de pólos de desenvolvimento foi introduzido, concentrando

os esforços nas áreas de maior potencial para evitar a dispersão de recursos.

18

Os projetos de colonização públicos passaram a apresentar contratempos. Houve

muitos problemas administrativos, a tecnologia agrícola aplicada pelos colonos não era a

mais apropriada e eles tiveram dificuldades em se adaptar ao meio ambiente da região.

Consequentemente, a colonização “modelo” começava a degringolar. Entretanto, um fluxo

muito maior de imigração espontânea havia começado, formado por pequenos produtores e

trabalhadores rurais desalojados pela modernização da agricultura no centro-sul, o que

obrigou o governo a continuar implementando projetos de colonização de modo a remediar a

situação. Porém, essa imigração espontânea foi tão intensa que a demanda por terra logo

excedeu as áreas disponíveis nos assentamentos, provocando aumento das invasões de terras,

tanto em Rondônia como na Amazônia oriental. As ocupações em terras públicas foram logo

perdoadas pelo governo, porém aquelas em terras privadas freqüentemente resultavam em

violência (Almeida, 1992).

Os projetos de colonização privada ganharam força particularmente do período de

1976 a 1981, com o fim do entusiasmo pela colonização pública. De acordo com Almeida

(1992), o governo passa a oferecer créditos subsidiados para a implementação de projetos

privados de colonização destinados principalmente aos colonos com algum capital e

experiência do sul do Brasil. A maior parte dos projetos se deu à margem da floresta ao norte

do Mato Grosso e áreas de transição entre a selva e o cerrado. O tamanho das fazendas

vendidas tinham geralmente de 100 a 500 hectares e o principal objetivo era para lavouras de

cultivo comercial. Assim, os altos preços internacionais e uma política ambiental favorável

logo tornaram o norte do estado do Mato Grosso num importante produtor de grãos de soja.

Apesar de, no fim dos anos setenta, os assentamentos terem diminuído um pouco de

ritmo por causa de novas regras estabelecidas que proibiram projetos no coração da floresta

amazônica, grandes projetos de investimentos foram postos em prática como o Projeto Jari no

leste da Amazônia, o qual, embora fosse privado, teve grande apoio do governo dando

mostras de qual seria o novo caminho para o desenvolvimento da Amazônia.

19

Entre os anos 1980 e 1988 foram efetuados os grandes programas de pólos de

desenvolvimento e a expansão descontrolada de projetos de incentivos. Os dois maiores

programas amazônicos do período foram o Polonoroeste4 e o complexo da Grande Carajás na

Amazônia oriental. Este último foi um imenso programa multisetorial baseado na extração,

transformação e exportação de minerais, numa clara orientação voltada para o mercado

externo. Os incentivos agrícolas no projeto Carajás foram modestos porém o grande número

de migrantes atraídos para a sua área de influência resultou em grandes impactos em termos

de desmatamento. Além disso, o projeto apresentava componentes controversos, como a

utilização de madeira vinda de florestas nativas como carvão para a fundição de minério de

ferro.

Na tentativa de criar ordem sobre a ocupação descontrolada de Rondônia e do Mato

Grosso, estabeleceu-se o Programa de Desenvolvimento Integrado da Fronteira Noroeste

(Polonoroeste), parcialmente financiado através de empréstimos obtidos junto ao Banco

Mundial (Redwood III, 1993). Aquele projeto visava melhorar as condições nas áreas de

migrantes, além de reduzir a degradação ambiental e proporcionar maior proteção às

populações indígenas. No entanto, a pavimentação da rodovia entre Cuiabá e Porto Velho

parece ter sido o principal resultado do Polonoroeste.

Na década de oitenta houve uma expansão quase descontrolada de projetos de

incentivos fiscais. Porém os insucessos sugeriam que essa linha de ação deveria ser

descontinuada. Contudo, a pressão política de grupos de interesse fizeram esse esquema

seguir em frente.

Os incentivos fiscais foram reduzidos em 1987 e temporariamente suspensos em 1989

por um decreto governamental. Contudo, a constituição aprovada em 1988 manteve o

mecanismo de incentivos fiscais como um instrumento de desenvolvimento regional e há o

4 Young e Clancy (1999) estimam a área desmatada por este projeto em 990.000 ha.

20

perigo do recomeço dos projetos agrícolas no futuro. Neste momento, eles só podem ocorrer

em áreas já degradadas ou nas regiões de cerrado da Amazônia Legal.

Em suma, de acordo com Ozório de Almeida e Campari (1995), uma combinação de

fatores legais, políticos, econômicos e agrícolas expulsou os pequenos produtores de suas

áreas já estabelecidas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país. Além disso, a ditadura

militar promoveu uma política de ocupação da Amazônia em um período de fácil acesso à

finança internacional para projetos de larga escala. Desta forma, houve uma melhoria nos

transportes e telecomunicações que, junto ao crédito agrícola e incentivos fiscais,

incentivaram a agroindústria e agricultura comercial. Assim, foi a conjunção destes dois

fatores que promoveu uma intensa migração interregional para a fronteira amazônica.

A destruição da floresta Amazônica é freqüentemente relacionada a um aumento da

pressão populacional. Neste sentido, a conservação da floresta equatorial só seria possível via

controle da migração para a região e redução da população local. No entanto, a partir dos anos

noventa, o padrão de ocupação de novas terras da fronteira passou por uma alteração. Os

exploradores das novas fronteiras não são mais oriundos de outras regiões, eles provêm das

regiões anteriores de fronteira, das quais foram expulsos (Ozório de Almeida e Campari,

1995). Para comprovar seus argumentos, os autores mostram que, tendo em vista o declínio

das taxas de fertilidade, assim como das taxas de crescimento da população e a generalização

do processo de urbanização no país, não se pode esperar uma forte pressão populacional de

outras regiões. Contudo, tanto o crescimento do êxodo rural na Amazônia quanto a

dificuldade de os pequenos produtores manterem suas fazendas vêm incrementando as

migrações intra-amazônicas e o desmatamento de terras mais ao interior da floresta,

promovendo o deslocamento da fronteira.

21

III- VIOLÊNCIA E DESMATAMENTO NA FRONTEIRA AMAZÔNICA

Importantes análises teóricas sobre a violência e o desmatamento na fronteira

amazônica vêm surgindo, nos últimos anos, em virtude da aceleração destes processos.

Apresenta-se, neste capítulo, uma seleção bibliográfica sobre os temas, de forma a atender os

objetivos deste trabalho.

3.1 - Violência na Fronteira Amazônica

3.1.1 - Violência e apropriação da terra

A natureza da utilização da terra e os agentes de sua apropriação privada constituem,

para Becker (1991), elementos imprescindíveis para a compreensão da escalada dos conflitos

fundiários na fronteira amazônica. De acordo com a autora, a criação de gado bovino para

corte é a principal forma de organização da atividade produtiva nas terras de fronteira. Esta

escolha pela pecuária extensiva pode ser explicada pela sua capacidade em capitalizar a

agricultura a curto prazo e, ao mesmo tempo, justificar a apropriação de grandes quantidades

de terra por poucos (Becker, 1991). A autora identifica dois grupos de agentes que possuem

grande parcela das terras na região: as empresas agrícolas e os fazendeiros individuais. Além

destes dois grupos, há ainda outros dois tipos de agentes importantes para a compreensão da

disputa pela posse da terra na fronteira: os pequenos produtores e os grileiros.

Segundo Becker (1991), a empresa agropecuária consolidou o seu predomínio na

região, na década de 1970, uma vez que “o governo considera impraticável a colonização

baseada em pequenos e médios proprietários (...). [Logo,] É o próprio governo (...) que

avaliza e credita subsídios aos empresários (...)” (Becker, 1991, p. 26).

22

Este processo de apropriação da terra baseado em empresas subsidiadas pelo governo

alterou a estrutura da concentração fundiária na região, uma vez que “algumas [fazendas]

constituem unidades gigantes”(Becker, 1991, p. 26), e, por conseqüência, a estrutura social,

ao expulsar os posseiros e induzir os fazendeiros a vender suas terras. Estas empresas, em

virtude de sua maior capacidade financeira, desmatam áreas maiores e em ritmo intenso.

O grande fazendeiro individual é, de acordo com Becker (1991), pecuarista por

tradição e utiliza a terra não só como reserva de valor, mas também como fator de produção.

No entanto, o fazendeiro dispõe de menos recursos do que a empresa agrícola. Sendo assim,

aquele contrata menos trabalho assalariado para a implantação do pasto e desmata menos,

embora de forma contínua.

Os pequenos produtores, em geral posseiros, pequenos proprietários, meeiros e

rendistas, representam uma parcela significativa da população, mas não em área apropriada.

Os posseiros continuam ocupando terras na fronteira, uma vez que ainda há estímulo

econômico para a ocupação de terras. No entanto, estes agentes são os que mais sofrem a

ação violenta na região, já que “o movimento de expansão das empresas empurra os

pequenos produtores para terras menos férteis e/ou menos acessíveis, através do violento

processo de expulsão e expropriação de suas terras.” (Becker, 1991, p. 30).

Apesar da violência à qual são geralmente submetidos e da política governamental

favorecedora de grupos de interesse poderosos, há, de acordo com Becker (1991), três razões

que asseguram a sobrevivência da pequena produção, quais sejam: a produção de alimentos

baratos para a crescente população urbana; a possibilidade eventual da venda de sua força de

trabalho; por último, as estratégias de sobrevivência do produtor, seja mediante uma

resistência pacífica, seja através da luta organizada pela terra.

Finalmente, o grileiro é “um agente cujo expediente para obter extensões de terra é a

falsificação de títulos de propriedade” (Becker, 1991, p. 31). Trata-se de um “personagem

23

clássico na expansão das fronteiras agrícolas brasileiras, (...) [tendo] um papel central nas

áreas de dominância de empresas e fazendas”(Becker, 1991, p. 31).

A generalização da violência na fronteira, nas duas últimas décadas, é identificada,

tanto por Becker (1991, p.38) quanto por Almeida (1992, p.260), como uma característica

estrutural do tipo de desenvolvimento capitalista da região, posto que “as inovações técnicas

decorrentes têm (...) função nitidamente conservadora porquanto não podem ser dissociadas

do monopólio da terra, dos mecanismos de imobilização e de atos coercitivos como forma de

resolução de conflitos agrários.” (Almeida, 1992, p.260). Pode-se dizer que as ações

promovidas pelo Estado, grosso modo, contribuíram para a intensificação dos conflitos

fundiários, ao favorecer, sobretudo, grupos empresariais e grandes fazendeiros. De acordo

com Almeida (1992), os conflitos eram interpretados pela tecnocracia estatal como fatores

inerentes à modernização da agricultura, onde a concentração fundiária seria o caminho

natural da apropriação da terra na fronteira. Não obstante a interpretação do autor, constata-se

que a retórica da integração e da colonização, também presentes nas políticas estatais, deixam

entrever a existência de objetivos conflitantes que apontam para dificuldades no

planejamento estatal para a ocupação da Amazônia.

3.1.2 - Violência e direitos de propriedade

A violência existente nas fronteiras agrícolas é, na visão de Alston et alli (1996),

associada a conflitos sobre os direitos de propriedade da terra. Expomos, a seguir, esta

questão sob duas perspectivas: como se dá o processo de titulação das terras e qual é a sua

estrutura analítica.

24

3.1.2.1 - Processo de Titulação

De acordo com a legislação brasileira, as terras ocupadas e lavradas podem ser

reivindicadas após um ano, no caso de terras devolutas, e após cinco anos, no caso de terras

privadas. Estes prazos facilitam que o demandante de títulos possa repassá-los, num curto

espaço de tempo, podendo, pois, sair em busca de novas posses e, assim, avançando sobre a

fronteira.

As reivindicações de títulos, então, devem passar por agências governamentais que

irão, pois, verificar a concordância com as leis fundiárias, processar os pedidos de títulos e,

finalmente, fornecê-los. Em geral, é necessária a organização em grupo dos colonos, porque

as agências emissoras de títulos de posse - suscetíveis ao poder da corrupção - aguardam um

certo número de pedintes para então averiguar se as condições necessárias são atendidas.

No caso do estado do Pará, estudado por Alston et alli (1996), tanto o governo federal

quanto o estadual estiveram envolvidos na emissão de títulos. Nos municípios com grande

parcela de terras federais, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)

foi o responsável pelo processamento de reclamações de terras. Já nos municípios cuja maior

parte das terras pertencia ao estado, foi a agência estadual (ITERPA), a responsável pelo

processo. Ademais, naquele estado, a migração foi estimulada através de programas de

colonização subsidiados pelo governo federal.

Os fazendeiros e empresários foram subsidiados pela SUDAM (Superintendência do

desenvolvimento da Amazônia), ao passo que, os pequenos produtores foram estimulados

pelo INCRA a se estabelecerem na região, gerando violentos conflitos entre os dois grupos,

em especial no sudeste do Pará. Isto reflete a incapacidade do Estado brasileiro em formular

uma política coerente para a região a despeito de seu caráter centralizador.

25

3.1.2.2 - Estrutura Analítica

Em geral, direitos de propriedade exclusivos sobre a terra fornecem a garantia

subsidiária aos fazendeiros para o acesso a mercado de capitais; promoção de investimentos

específicos, redução de custos privados na defesa da propriedade e aumento no valor da terra

mediante a expansão de seu mercado. Quando o valor da terra é baixo e, de certa forma,

estável, os modos informais de posse da terra são os mais apropriados e, portanto, a

ocorrência de violência é não é tão verificada. A situação acima descrita limita a competição

e, desta forma, fornece, para os pretendentes relativamente homogêneos, um acordo sobre os

direitos de propriedade.

Ao sair da fronteira para os mercados centrais, a renda proveniente da terra tende a

aumentar, intensificando, consigo, a competição pelo seu controle. Neste sentido, arranjos

informais tornam-se ineficazes, uma vez que, “private enforcement costs will increase,

uncertainty of control will rise, and violent conflict becomes more likely.” (Alston et alli,

1996, p. 160-161).

Nesta situação, os indivíduos terão incentivos para formar grupos de pressão política

a fim de conseguir que o governo lhes conceda títulos de posse da terra. Assim, quanto mais

forte for o lobby exercido por estes grupos, maior será a sensibilidade dos políticos em

relação às suas demandas. Entretanto, os custos de se prover os títulos também são

importantes componentes de decisão da classe política, uma vez que esta tem que responder

às pressões de diversos grupos com um dado limite orçamentário. Neste sentido,

“more remote sites on the frontier involve greater administrative costs, and hence

from a cost perspective should receive fewer titling services.” (Alston et alli, 1996,

p.161)

Nas áreas de fronteira, portanto, a distância do mercado é o fator determinante do

valor da terra. Logo, a partir de uma certa distância, os custos de transporte se tornam grandes

o suficiente a ponto de tornar a atividade econômica inexeqüível. Deste ponto em diante, a

26

terra não é ocupada, logo, não é desmatada. Assim, conclui Alston et alli (1996), aqueles que

ocupam a fronteira possuem custos de oportunidade relativamente baixos.

3.2 – Desmatamento na fronteira

O desmatamento na fronteira é observado, basicamente, a partir dos seguintes

problemas: a natureza da ocupação das terras e a dinâmica própria daquele.

O processo de desmatamento por que passa a Amazônia não é homogêneo, ou seja,

varia entre as diferentes partes da região. O desmatamento é resultado, principalmente, de

diversos usos não florestais na região (Fearnside, 1992). Dentre as diferentes formas de uso

da terra, a pecuária bovina é a que adquire maior importância, de modo que “as pastagens

dominem o uso da terra em áreas desmatadas na Amazônia brasileira.” (Fearnside, 1992, p.

208)

Tendo em vista o fraco desempenho da criação bovina e as perspectivas pouco

promissoras, a longo prazo, das pastagens, “as razões que explicam a dominação da paisagem

por este uso da terra só podem ser outras.” (Fearnside, 1992, p. 210). Os incentivos fiscais

dado aos grande fazendeiros da região pelo governo brasileiro é uma das razões encontradas

por Fearnside (1992) para explicar o porquê de tal criação de gado. Assim, “a pecuária

subsidiada ainda é um importante fator no desmatamento, porém a crise econômica do país

tem reduzido a quantidade de dinheiro disponível para este fim.” (Fearnside, 1992, p. 210).

Neste sentido, o segundo e principal fator de explicação para a predominância das pastagens

“é o papel chave deste uso da terra na especulação imobiliária.” (Fearnside, 1992, p. 211).

Isto porque o valor das terras, num contexto inflacionário, tende a aumentar, posto que o

retorno dos ativos reais é mais seguro do que o retorno de ativos monetários. A terra

funciona, portanto, como uma reserva de valor, ao invés de funcionar como um fator de

produção. Ademais, o valor da terra aumenta significativamente quando sua posse é

legalizada, o que ocorre mais facilmente quando a floresta é substituída por pastagens, já que,

27

assim, há uma justificativa para a concessão de títulos definitivos, além de protegê-la contra

posseiros, outros fazendeiros e programas de reforma agrária.

De acordo com Fearnside (1992), as empresas agrícolas são responsáveis por uma

pequena porção da área desmatada, podendo, porém, aumentar no futuro. A silvicultura, a

produção de álcool, as culturas perenes e o desenvolvimento da várzea não lograram o êxito

esperado, refletindo, então o pequeno impacto dessas atividades sobre o desmatamento. A

exploração madeireira, todavia, vem aumentando sua parcela sobre o desmatamento, pois as

florestas tropicais africanas e do sudeste da Ásia, melhores para a extração de madeira, estão

praticamente dizimadas do ponto de vista comercial. Neste sentido, as exportações da

Amazônia estão aumentando para suprir a demanda mundial. Assim,

“o esgotamento dos recursos naturais em outras partes, junto com o progresso

tecnológico no aproveitamento das espécies disponíveis, aumentam a probabilidade

de o cavaqueamento se tornar um fator importante na destruição de florestas da

Amazônia.” (Fearnside, 1992, p. 217).

Para o autor, outro fator no desmatamento da região é a agricultura pioneira. Isto é,

“os pioneiros que chegam (...) provenientes de outras partes do país, cortam e

queimam a floresta (...), porém (...), eles deixam as roças em pousio durante um curto

tempo (insuficiente para regenerar a capacidade produtiva da parcela) ou, com mais

freqüência, plantam a área com pastagens.” (Fearnside, 1992, p. 218).

Os pequenos agricultores, que realizam este tipo de agricultura, o fazem por falta de

opção de sobrevivência. Assim, segundo Fearnside (1992), apenas um programa de reforma

agrária seria capaz de alterar o curso daquela expansão. No entanto, o governo prefere realizar

uma distribuição de terras públicas, ao invés da reforma agrária, utilizando, então a Amazônia

como “válvula de escape” para o assentamento de camponeses sem-terra. Esta solução

representa, contudo, “(...) um desastre, do ponto de vista tanto do sacrifício da floresta como

da implantação de uma forma não sustentável de agricultura em grande escala.” (Fearnside,

1992, p. 219).

28

Em relação à dinâmica do processo de desmatamento, de acordo com Ozório de

Almeida e Campari (1995), os pequenos produtores que desmataram a floresta amazônica,

durante as décadas de setenta e oitenta, eram migrantes de fora da bacia do Amazonas.

Porém, a maior parte dos pequenos produtores que desmatam, na década atual, são oriundos

da própria região. A maior ameaça para a floresta, portanto, parece vir, agora, de migrações

intrarregionais. Neste sentido, a saída não está mais em prevenir o desmatamento a partir de

migrações do resto do país, mas sim assegurar que os produtores já estabelecidos na região

fiquem onde já desmataram, reduzindo, pois, a migração e o desmatamento para novas

fronteiras. Para isso, é necessário que se estabeleça um tipo de produção sustentável nas áreas

desmatadas. Ozório de Almeida e Campari (1995) argumentam que é improvável que a

Amazônia receba novos fluxos migratórios de fora da região, uma vez que as taxas de

fertilidade e o crescimento populacional estão caindo; o país está bastante urbanizado e a

experiência passada mostrou que a migração para a região é uma tarefa árdua.

A mudança abrupta das condições econômicas durante a década passada mudou o

padrão das migrações intrarregionais. Ao passo que o governo federal se enfraquecia, os

governos locais ganhavam força. A transição para a democracia e a descentralização fiscal

ampliaram as receitas dos governos locais, inclusive da região amazônica. No entanto, a

região perdeu diversas formas de incentivos federais. A fronteira teve suas atividades

primárias alteradas. Passou de uma ocupação agrícola e extrativista, nos anos setenta, para o

atendimento das necessidades urbanas. Na década atual, uma grande parte dos ocupantes

originais abandonou suas terras, que vêm sendo compradas por uma classe média urbana

local. Esta, ligada pelo comércio à região Sudeste (industrial), compra terras como uma

reserva de valor em resposta à crise econômica nacional.

É necessário, pois, que se aprenda com os erros passados para que a sustentabilidade

nas fronteiras velhas cresça. Durante a década passada, as oportunidades de emprego e os

salários reais caíram. Assim, os pequenos produtores da fronteira tiveram seus custos de

29

oportunidade de trabalho e capital cobertos5. Entretanto, como a instabilidade

macroeconômica aumentou o preço da terra, nessas condições, tornou-se mais interessante

ser um fazendeiro itinerante, vendendo nas fronteiras velhas e comprando nas novas, do que

ficar no mesmo local. Assim, para que se reduza o desmatamento, os incentivos econômicos

à mudança dos produtores devem ser alterados.

Este tipo de agricultura itinerante não é, necessariamente, prejudicial aos pequenos

produtores. Embora vários deles não tenham rendimentos provenientes da agricultura

suficientes para resistir à venda de suas terras, com preços inflados pela especulação rural

local, eles, ainda assim, estão em melhor situação do que se procurassem outras alternativas,

dado os baixos salários no resto da economia. Isto indica, segundo Ozório de Almeida e

Campari (1995), que a estabilização econômica e salários crescentes no resto da economia

tenderiam a reduzir o desmatamento, já que, assim, o custo de oportunidade de se produzir na

fronteira iria aumentar. Na fronteira, os pequenos produtores auferem uma renda maior do que

se estivessem no mercado de trabalho e conseguem rendimentos melhores do que no mercado

financeiro. Assim, dadas as condições político-econômicas atuais, vale mais a pena lavrar nas

terras da fronteira, realizar ganhos de capital com a venda daquelas e, portanto, mudar-se no

sentido de ampliação da fronteira. Neste sentido, concluem Ozório de Almeida e Campari

(1995), os benefícios distributivos da colonização de pequenos produtores na Amazônia

foram substanciais. Todavia, não foram acompanhados por uma estabilização da população

nas áreas de desmatamento originais.

Os pequenos produtores que não mudaram foram aqueles com alta produtividade

agrícola. No entanto, estes são, também, os que mais desmatam. Neste sentido, uma produção

agrícola bem-sucedida impede o desmatamento de novas fronteiras, mas ao custo da exaustão

das antigas.

5 Isto é, os custos de oportunidade, para os pequenos produtores, eram menores do que as expectativas de ganho

na fronteira, valendo a pena, pois, a sua ocupação.

30

Segundo Ozório de Almeida e Campari (1995), os produtores cuja fonte principal de

renda seja a agricultura reduzem o desmatamento quando o preço da terra sobe e a renda cai.

Sob as mesmas condições, os especuladores tendem a desmatar mais. Ao longo dos anos

oitenta, o aumento do preço da terra nas fronteiras antigas levou a um grande aumento do

desmatamento por razões especulativas. Neste sentido, o estímulo econômico à agricultura na

região declinou, levando os colonos a reduzir a produção agrícola e a se tornarem menos

sensíveis a políticas de estímulo agrícola.

O desmatamento, para Ozório de Almeida e Campari (1995), é influenciado pelas

características de origem dos migrantes. No entanto, atualmente, as características locais, em

especial o acesso ao crédito, possuem maior poder de determinação sobre o desmatamento.

Portanto, políticas que melhorem a performance agrícola dos pequenos produtores são

essenciais na redução do ritmo de desmatamento nas fronteiras velhas.

Ozório de Almeida e Campari (1995) propõem medidas de política econômica, nas

fronteiras antigas da Amazônia, que restrinjam as migrações intrarregionais para novas

fronteiras: promoção de agricultura produtiva mediante zoneamento apropriado; extensão

rural, comercialização e crédito voltados para intensificação agrícola em áreas já desmatadas;

taxação de rendas agrícolas a fim de penalizar a tendência crescente dos produtores bem-

sucedidos a desmatar; punição para a especulação através da taxação de ganhos de capital

baseados em transações com a terra; e, finalmente, uma forma de penalização para os

desmatadores, através de mecanismos de taxação. Tais medidas proveriam, indiretamente, as

condições econômicas necessárias para uma colonização sustentável da fronteira. O sucesso

da implementação de tais medidas, porém, dependeria de mudanças institucionais, tais como,

“... environmental authorities must understand and support new economic

instruments; economic authorities must do the same for new environmental

objectives; local governments must take on new executive responsibilities; federal

governments must assume new coordinating roles; international organizations (...)

must contribute more broadly to the building of institutions; and settlement agencies

must learn from the mistake of the past.” (Ozório de Almeida e Campari, 1995, p.7)

31

Apresentaram-se, ao longo deste capítulo, algumas abordagens sobre a violência e o

desmatamento na região Amazônica, sobretudo na sua fronteira agrícola. Todavia, nenhum

dos trabalhos apresentados trata da relação existente entre os dois problemas supracitados.

Neste sentido, faz-se necessário uma tentativa de compreensão conjunta dos dois fenômenos,

uma vez feita a constatação empírica de sua coincidência geográfica.

32

IV- AS DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA

Segundo Galeano (1979), da estrutura fundiária do Brasil colonial provém em linha

reta o latifúndio de nossos dias. Caracterizada pela grande concentração de terras, observa-se

a seguinte comprovação:

Tabela 1

Índice de Gini para a Concentração Fundiária6

Estado/Ano 1950 1960 1970 1975 1980 1985 1995

Acre 0,89 0,91 0,60 0,61 0,68 0,61 0,71

Amapá 0,60 0,92 0,87 0,85 0,69 0,86 0,79

Amazonas 0,91 0,96 0,66 0,92 0,85 0,81 0,80

Bahia 0,79 0,78 0,79 0,81 0,82 0,84 0,83

Ceará 0,74 0,74 0,78 0,78 0,77 0,81 0,84

Distrito Federal n.d. 0,77 0,79 0,77 0,74 0,76 0,79

Espírito Santo 0,51 0,53 0,59 0,61 0,64 0,66 0,68

Goiás n.d. n.d. 0,74 0,75 0,74 0,76 0,73

Maranhão 0,93 0,91 0,88 0,92 0,91 0,91 0,83

Mato Grosso 0,84 0,87 0,91 0,94 0,92 0,91 0,79

Mato Grosso do Sul 0,82 0,91 0,92 0,91 0,86 0,85 0,81

Minas Gerais 0,75 0,75 0,74 0,74 0,75 0,76 0,76

Pará 0,88 0,76 0,85 0,86 0,83 0,82 0,81

Paraíba 0,80 0,81 0,82 0,84 0,82 0,84 0,83

Paraná 0,72 0,69 0,69 0,72 0,73 0,74 0,73

Pernambuco 0,83 0,84 0,83 0,82 0,82 0,82 0,82

Piauí 0,79 0,83 0,88 0,89 0,89 0,89 0,86

Rio de Janeiro 0,78 0,77 0,78 0,78 0,80 0,81 0,78

Rio Grande do Norte 0,80 0,80 0,85 0,86 0,85 0,85 0,84

Rio Grande do Sul 0,75 0,75 0,74 0,74 0,75 0,75 0,75

Rondônia 0,92 0,90 0,66 0,62 0,65 0,65 0,76

Roraima 0,53 0,66 0,61 0,88 0,78 0,75 0,79

Santa Catarina 0,66 0,65 0,63 0,64 0,66 0,67 0,66

São Paulo 0,76 0,79 0,77 0,77 0,77 0,76 0,75

Sergipe 0,81 0,82 0,85 0,85 0,84 0,85 0,83

Tocantins n.d. n.d. 0,68 0,69 0,73 0,71 0,64 n.d. - não disponível

Fonte: elaboração própria, a partir de dados do IBGE (1996).

6 O índice de Gini, normalmente utilizado na mensuração da concentração de renda, foi adaptado, neste trabalho,

para a mensuração da concentração da terra.

33

Conforme pode ser observado na tabela 1, a estrutura fundiária é, historicamente,

demasiado concentrada por todo o Brasil, sobretudo na região Nordeste. Neste sentido, o

padrão de distribuição da terra demonstrado acima cria uma massa de mão de obra rural

excedente, uma vez que os pequenos produtores não conseguem obter, em geral, o suficiente

para a subsistência de sua família, posto que sua produção é pouco capitalizada, tendo que,

muitas vezes, recorrer ao emprego temporário e sazonal, para conseguir complementar uma

renda que seja suficiente para a sobrevivência de sua família. Além disso, os latifúndios são,

em geral, pouco intensivos em trabalho, visto que o uso da terra, nas grandes propriedades

brasileiras, é baseado, em grande parte, na pecuária extensiva, ou na agricultura mecanizada

(Young, 1997).

O grande fluxo migratório para a região amazônica, em especial, até o início da

década de oitenta7, foi, em grande parte, uma conjunção da estrutura da concentração e uso da

terra no Brasil, acima descritos, com uma política de grande estímulo estatal à ocupação da

região8 com vistas à garantia da soberania nacional sobre aquele vasto território. Neste

sentido, a Amazônia experimentou um processo de povoamento baseado no modelo clássico

de migrações inter-regionais (Ozório de Almeida e Campari, 1995), que resultou em uma

forte expansão da fronteira agrícola durante o período. Note-se que a região Nordeste, cujos

estados têm, historicamente, as maiores taxas de concentração fundiária (tabela 1), é,

também, a maior fonte de migrantes para a Amazônia. Tendo em vista a alta concentração de

terra supracitada, o imobilismo social, em parte decorrente daquela, e a proximidade

geográfica, é de se esperar que mudanças nos custos de oportunidade9 dos indivíduos

provoquem grandes fluxos migratórios para a região de fronteira. Isto é, expectativas de

grandes ganhos na fronteira impulsionam a migração, haja vista os exemplos do ciclo da

borracha, dos projetos de colonização e da corrida ao ouro (Serra Pelada).

7 Ver mais a respeito no capítulo II.

8 Almeida (1991) apresenta uma detalhada descrição sobre este tipo de política.

9 A saber: taxa de juros, preço da terra e salário na região de origem, segundo Ozório de Almeida e Campari

(1995)

34

A seguir, dois mapas são apresentados: o mapa de número 2 localiza a origem do

nascimento das pessoas beneficiadas por assentamentos. Verifica-se que o local que

concentra o maior número de beneficiários é a região Nordeste. Em relação ao mapa de

número 3, pode-se perceber que os assentamentos realizados pelo governo são concentrados,

essencialmente, na região Norte, sobretudo na área da fronteira agrícola.

35

Mapa 2

Origem do nascimento de pessoas beneficiadas por assentamentos

Fonte: David et alli (1998)

36

Mapa 3

Número de assentamentos em 1996

Fonte: David et alli (1998)

37

Não por coincidência, o processo de desmatamento ganhou força no período das

migrações interregionais (década de 70, principalmente), já que a grande quantidade de

pequenos produtores que chegavam à fronteira, assim como hoje em dia, precisava realizar a

limpeza do terreno, a fim de poderem lavrar a terra. Também neste período os conflitos pela

posse da terra crescem em importância. Isto porque “a pressão demográfica (...) era verificada

agora internamente à região Amazônica, funcionando como móvel de antagonismos. Os

conflitos estavam sendo reconhecidos nas chamadas ‘áreas de destino’.” (Almeida, 1991, p.

267).

A redução na taxa média de crescimento anual da população de 5,02%, no período

1970-80, para 3,96% na década seguinte (Ozório de Almeida e Campari, 1995, p.12) e para

2,43% no período 1991- 1996 (IBGE, 1999) foi resultado da diminuição das migrações inter-

regionais para a Amazônia. Não obstante, a expansão da fronteira passou a ter uma dinâmica

própria, na qual, de acordo com Ozório de Almeida e Campari (1995), as migrações

intrarregionais constituem um dos fatores daquela expansão.

Na medida em que o preço da terra aumenta, a fronteira vai se tornando "velha"10

.

Neste sentido, a competição por títulos de propriedade da terra se intensifica, posto que a

definição dos direitos de propriedade valoriza a terra ainda mais, gerando, assim, um grande

potencial de conflitos (Alston et alli, 1996). Logo,

“In many cases, the conflicting objectives of rent-seeking speculative purchasers

and the claims for land of ‘genuine’ but landless farmers has resulted in violent

conflicts.” (Young e Clancy, 1999, p. 39)

Neste processo, os posseiros e pequenos proprietários são, em geral, os mais

prejudicados, posto que se põem a enfrentar fazendeiros e grileiros com maior poder político,

econômico, que lhes permite expulsá-los através do uso da violência ou da corrupção. Isto é,

para expulsar os posseiros, estes grupos com maior poder corrompem as agências que

10

Ou seja, quando os direitos de propriedade vão se definindo e reduzindo as oportunidades de acesso a terras.

38

comandam o processo de titulação da terra, ou se utilizam da violência (Alston et alli, 1996;

Young e Clancy, 1999).

Assim, resta a esta população expulsa de suas terras duas opções: continuar na

fronteira velha a trabalhar como assalariado, posto que há uma crescente urbanização da

fronteira (Becker, 1991; Ozório de Almeida e Campari, 1995; Torres, 1991), ou então, migrar

para abrir uma nova região de fronteira. Em outras palavras,

“In most cases, the only feasible option for the expelled farmers is to squat on

forest margins, clearing land and expanding the social agricultural frontier in the

Amazon.” (Young e Clancy, 1999, p.39)

Nesse sentido, as migrações intrarregionais, identificadas por Ozório de Almeida e

Campari (1995), como fator relevante para a dinâmica do desmatamento na Amazônia, são,

em parte, resultado da violência resultante dos conflitos pelos direitos de propriedade da terra

na fronteira antiga.

39

Mapa 4

Vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo - 1985/96

Fonte: David et alli (1998)

40

O mapa anterior mostra que a área dos conflitos, na Amazônia, é coincidente com o

chamado arco do desmatamento. Este, de acordo com a home-page do INPE, inicia-se no

nordeste do Pará, segue em direção ao sul, margeando o noroeste do Maranhão e Tocantins,

entra pelo nordeste de Mato Grosso e prossegue pelo norte, em direção à Rondônia,

atravessando-o até atingir o meio-leste do Acre. Este arco está concentrado regionalmente na

fronteira agrícola, onde a terra é convertida para o uso agrícola e pecuário (Young, 1997),

conforme pode-se observar no mapa a seguir:

Mapa 511

Áreas críticas de desmatamento na região Amazônica

11

Fonte: home-page www.inpe.br

41

O padrão de distribuição de terras, historicamente concentrado nesse país, produz um

efeito de expulsão dos trabalhadores rurais, em especial na região Nordeste, onde a

concentração fundiária é ainda mais acentuada. A fim de evitar conflitos nas áreas onde a

propriedade da terra já é institucionalizada, diferentes governos adotaram como política o

incentivo à abertura de novas frentes de expansão das fronteiras agrícolas. Neste sentido, o

processo acelerado de migrações para a região Amazônica serviu como uma válvula de

escape para aliviar o potencial de conflito em outras regiões12

. Contudo, esse processo não

pode ser interminável, posto que é fonte renovadora e mantenedora de conflitos e de

desmatamento.

Nas regiões de fronteira, os direitos de propriedade sobre a terra não estão bem

definidos. Logo, a violência na fronteira surge, dentre outros motivos, a partir dos conflitos

pela definição dos títulos de posse entre posseiros, de um lado, e grileiros e fazendeiros de

outro. Neste sentido, os posseiros, mais frágeis diante da possibilidade do uso da violência

por parte dos latifundiários e, ainda, pela força que estes têm junto à classe política, são,

geralmente, expulsos e obrigados a buscar novas terras para se estabelecer, ampliando, dessa

forma, a fronteira agrícola. Ao expandir a fronteira, o posseiro têm que, necessariamente,

preparar a terra para o cultivo, logo é levado a desmatar para delimitar o seu espaço de

ocupação.

Na fronteira velha, então, uma vez bem definidos os direitos de propriedade, passa a

ocorrer uma demanda por terras por parte da classe média urbana local. Trata-se, na verdade,

de uma motivação cuja base especulativa define novos padrões de apropriação e de valor da

terra.

Percebe-se, assim, que há uma correlação entre o problema da violência na fronteira

agrícola e o desmatamento na mesma região. Tal fato pode ser constatado com base no índice

12

Este modelo de ocupação, na verdade, não é exclusivo da região Amazônica, o mesmo sucedeu quando da

ocupação de terras recobertas pela Mata Atlântica (Dean, 1997).

42

de correlação igual a 0,9013

, encontrado na correlação estabelecida entre os dados referentes

ao desmatamento bruto acumulado, por estado na Amazônia Legal- tabela 2 (até 1997) e ao

número total de conflitos, por estado na mesma região- tabela 3 (de 1985 a 1997, exceto

1991). Ou seja, além da evidência apontada acima por meio dos dois mapas (os de número 4

e 5), a comprovação estatística da coincidência geográfica entre o desmatamento e a violência

na região Amazônica ratifica a idéia central desta monografia.

Tabela 2

Extensão do desmatamento bruto (km²) de janeiro de 1978 a agosto de 1997

Estado Jan/78 Abr/88 Ago/89 Ago/90 Ago/91 Ago/92 Ago/94 Ago/95 Ago/96 Ago/97

Acre 2500 8900 9800 10300 10700 11100 12064 13306 13742 14203

Amapá 200 800 1000 1300 1700 1736 1736 1782 1782 1846

Amazonas 1700 19700 21700 22200 23200 23999 24739 26629 27434 28140

Maranhão 63900 90800 92300 93400 94100 95235 95979 97761 99338 99789

Mato Grosso 20000 71500 79600 83600 86500 91174 103614 112150 119141 125023

Pará 56400 131500 139300 144200 148000 151787 160355 169007 176138 181225

Rondônia 4200 30000 31800 33500 34600 36865 42055 46152 48648 50529

Roraima 100 2700 3600 3800 4200 4481 4961 5124 5361 5563

Tocantins 3200 21600 22300 22900 23400 23809 24475 25142 25483 25768

TOTAL 152200 377500 401400 415200 426400 440186 469978 497053 517067 532086

Fonte: INPE (1999)

Tabela 3

Vítimas Fatais de Conflitos na Amazônia Legal

Estado 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Total

Acre 0 0 0 4 0 2 0 0 0 0 1 1 8

Amapá 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 1 0 3

Amazonas 1 0 1 1 0 0 1 1 0 0 3 0 8

Maranhão 4 4 6 1 6 5 2 5 6 6 2 0 47

Mato Grosso 5 2 0 1 3 4 0 2 3 4 4 2 30

Pará 9 1 15 5 1 8 10 7 3 8 6 14 87

Rondônia 0 1 2 3 1 0 0 0 2 2 1 0 12

Roraima 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 3

Tocantins 5 9 1 3 1 1 3 0 2 3 1 1 30

TOTAL

ANO

24 17 25 21 12 20 16 15 18 23 19 18 228

Fonte: Elaborado para este trabalho a partir de dados da Comissão Pastoral da Terra.

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Onde, Cov (Xi, Yi)/ x y. Note-se que = 1 significa correlação máxima positiva, ao passo que = -

1,significa correlação máxima negativa, e = 0, eqüivale a eventos sem correlação. Logo, a encontrada de 0,9

corresponde à uma das comprovações da hipótese que norteia este trabalho.

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V - CONCLUSÃO

A hipótese central que norteou este trabalho mostrou-se pertinente, uma vez que,

procurou aproximar dois fenômenos, em geral, tratados em separado. Neste sentido, foi

possível demonstrar que fenômenos sociais costumam ocorrer a partir de uma conjunção de

elementos. A relação estabelecida, portanto, deixa clara a interdependência entre

desmatamento e violência, posto que ambos os fenômenos são afetados, não só por políticas

econômicas implementadas historicamente no país, como também pela estrutura econômica,

marcada, sobretudo, pela concentração fundiária.

Os instrumentos de análise empregados na busca da interrelação apontaram para a

verificação da hipótese central. Para isso concorreram a seleção e a análise dos mapas

referentes aos conflitos e ao desmatamento, comprovadores da aproximação pretendida. Os

mapas relativos à análise da migração corroboraram a importância do papel desse movimento

populacional para explicar a dinâmica que move o processo de expansão da fronteira. Um

elemento fundamental no elo estabelecido entre migração e expansão da fronteira foi

apresentado pelo índice de concentração fundiária, calculado a partir de uma adaptação do

índice de Gini, aos dados do Censo Agropecuário do IBGE. Quanto às duas tabelas finais,

estas percebe-se que pode ser estabelecida uma forte relação entre extensão do desmatamento

bruto e das vítimas de conflitos na Amazônia Legal.

O padrão da distribuição fundiária no Brasil instituiu uma dinâmica de expansão da

fronteira que, em princípio, deveria evitar a violência rural, mediante a facilitação da

ocupação de terras devolutas. No entanto, o mesmo padrão de distribuição é reproduzido nas

terras da nova fronteira, devido à disputa pelos direitos de propriedade ainda não

devidamente estabelecidos naquela região. Em virtude disso, os grupos com maior poder

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econômico e político têm maior acesso aos títulos de posse, o que traz como conseqüência,

muitas vezes, a violência resultante do confronto entre esses grupos e posseiros. Estes,

quando expulsos da terra, deslocam-se, em direção à floresta, abrindo novas terras para lavrar

e, assim, ampliando a fronteira. Percebe-se, pois, que a relação demonstrada pode ser

compreendida como duas faces de uma mesma moeda, revelando, assim, o processo de

exclusão a que estão submetidos os grupos humanos que não têm acesso à terra.

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VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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