igreja universal do reino de deus e reconstrucao imagem do fiel

Upload: helio-antonio-da-silva

Post on 26-Feb-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    1/164

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    CENTRO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DAS RELIGIES

    A RECONSTRUO PSICOSSOCIAL DA IDENTIDADE RELIGIOSA:

    ESTUDO DOS CONVERSOS IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

    MIGUEL PEREIRA DA SILVA

    Joo Pessoa-PB2009

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    2/164

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    CENTRO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DAS RELIGIES

    A RECONSTRUO PSICOSSOCIAL DA IDENTIDADE RELIGIOSA:

    ESTUDO DOS CONVERSOS IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

    MIGUEL PEREIRA DA SILVA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias das Religies daUniversidade Federal da Paraba, como requisitoparcial obteno do ttulo de Mestre em Cinciasdas Religies, na linha de pesquisa Religio, Culturae Produes Simblicas sob a orientao do

    professor Dr. Fabrcio Possebon.

    Joo Pessoa-PB

    2009

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    3/164

    FICHA CATALOGRFICA

    Responsvel pela catalogao: Maria de Ftima dos Santos Alves-

    CRB -15/149

    S586r Silva, Miguel Pereira da.

    A reconstruo psicossocial da identidade religiosa:um estudodos conversos Igreja Universal do Reino de Deus/MiguelPereira da Silva. Joo Pessoa, 2009.

    162f.

    Orientador: Fabrcio PossebonDissertao (Mestrado) UFPb - CE

    1.Igreja Universal do Reino de Deus. 2.

    Identidade Psicosso-Cial. 3. Neopentecostalismo.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    4/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    5/164

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus por ter me concedido a graa da existir e pensar;

    A minha me que sempre esteve presente em minha vida;

    A professora Dr Maria Otlia Telles Storni pelo fraternal apoio;

    Aos professores Dr Neide Miele, Dr. Carlos Andr, Dr. Severino, Dr. Ana Coutinho, Dr

    Eunice Simes, Dr Berta e aos demais que compem o Programa pela alteridade e

    dedicao ao corpo discente;Ao meu orientador professor Dr. Fabrcio Possebon pela orientao e credibilidade;

    Ao professor Dr. Joseph Comblin por ter aceitado o convite para banca examinadora;

    Aos amigos, Danielle Ventura, Idelbrando Lima, Grson Viana, Maria Elizabeth, Maria

    Jos Homes, Maria da Luz e Conceio pelos incentivos durante a pesquisa;

    A CAPES que financiou minha pesquisa durante os dois anos;

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    6/164

    RESUMO

    Este estudo se prope a analisar a reconstruo da identidade religiosa, a partir de um

    estudo do processo de converso Igreja Universal do Reino de Deus; enfocando os

    fatores psicossociais como elementos desencadeadores das crises de identidade e,

    consequentemente, de sua reestruturao pelo encontro com a totalidade da verdade

    neopentecostal da Igreja Universal, tanto atravs de seus discursos quanto do seu sistema

    ritual de converso e libertao. Aborda inicialmente algumas reflexes terico-conceituais

    sobre o protestantismo, o neopentecostalismo e o fenmeno da Igreja do Reino de Deus na

    contemporaneidade; assim como, das questes da identidade e dos processos psicossociais

    da identidade dos convertidos. Para atingir os objetivos propostos nesse estudo, utilizamos

    o mtodo de estudo de caso pelo vis da epistemologia qualitativa de Rey (2005) e Soriano

    (2005). Foram selecionadas doze pessoas que se consideravam convertidos IURD h

    mais de dois anos; dos quais trs se dispuseram a aprofundar as discusses que nortearam

    as entrevistas, o que possibilitou compreender como estes fiis reconstruram uma nova

    identidade e uma nova forma de perceberem a si mesmo e ao mundo pelo processo de

    converso religiosa Igreja Universal do Reino de Deus.

    Palavras-chaves:Identidade psicossocial; neopentecostalismo; Igreja Universal do Reino

    de Deus; reconstruo da identidade.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    7/164

    RSUM

    Cette tude vise examiner la reconstruction de l'identit religieuse, partir d'une tude du

    processus de conversion l'Eglise Universelle du Royaume de Dieu, en se concentrant sur

    les facteurs psychosociaux comme facteurs de dclenchement des crises d'identit et,

    partant, sa restructuration par la rencontre avec toute la vrit universelle sur l'Eglise no-

    pentectiste, la fois par l'intermdiaire de son discours rituel de son systme de

    conversion et de libration. Initialement, aborde quelques rflexions sur le plan thorique

    et conceptuel du protestantisme, le no-pentectisme et le phnomne de l'Eglise du

    Royaume de Dieu dans le contemporain, ainsi que les questions d'identit et de l'identit du

    processus psychosocial convertis. Pour atteindre les objectifs proposs dans la prsente

    tude, nous avons utilis la mthode de l'tude de cas par le biais de l'pistmologie de la

    qualit de Rey (2005) et Soriano (2005). Douze personnes ont t choisies pour tre

    converties en IURD examin plus de deux ans, dont trois taient prts approfondir les

    discussions qui ont guid les interviews, les croyants qui ont permis de comprendre

    comment ils se reconstruire une nouvelle identit et une nouvelle faon de comprendre

    votre et dans le monde par le processus de la conversion religieuse l'Eglise Universelle

    du Royaume de Dieu.

    Mots-cls: identit Psychosocial identit; no-pentectisme; Eglise Universelle duRoyaume de Dieu; conversion religieuse; reconstruction de l'identit.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    8/164

    SUMRIO

    1. INTRODUO...........................................................................................................8

    1.1CONSIDERAES METODOLGICAS...............................................................11

    2. CRESCIMENTO IURDIANO, CONVERSES E IDENTIDADE......................20

    2.1 ORIGENS HISTRICAS DO PROTESTANTISMO REFORMISTA....................20

    2.1.1 O Neopentecostalismo no Brasil............................................................................252.1.2 Aspectos histricos da IURD.................................................................................27

    2.1.3 Conceituando a identidade.....................................................................................31

    2.1.4 A identidade religiosa.............................................................................................37

    2.1.5 Conceituando a converso religiosa......................................................................43

    2.2 ASPECTOS HISTRICOS DA CONVERSO RELIGIOSA NO BRASIL..........49

    2.2.1 O Processo de Converso IURD..........................................................................51

    2.1.2 Trnsito religioso e converso................................................................................52

    3. PROCESSOS PSICOSSOCIAIS DA IDENTIDADE DOS

    CONVERSOS.....................................................................................................55

    3.1 A CRISE IDENTITRIA DOS FIIS ANTES DA CONVERSO........................59

    3.1.1 Diferenas e Identidade no Contexto Iurdiano.......................................................63

    3.1.2 O ncleo da construo de valores.........................................................................67

    3.1.3 O significado do trnsitoreligioso para os pr-conversos iurdianos......................70

    3.1.4 A crise nas instituies religiosas antes da converso........................................... 73

    3.2 PENSAR SOBRE SI-MESMO.................................................................................75

    3.2.1 Subjetividade e Construo Identitria...................................................................76

    3.2.2 A crise psquico-identitria.....................................................................................80

    3.2.3 Construindo nova identidade..................................................................................86

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    9/164

    4. A RECONSTRUO PSICOSSOCIAL DA IDENTIDADE

    RELIGIOSA.................................................................................................................. 91

    4.1 A EXPERINCIA DO SAGRADO IURDIANO.....................................................92

    4.1.1 Pare de sofrer..........................................................................................................96

    4.1.2 Converso, libertao.............................................................................................98

    4.1.3 O sincretismo na liturgia iurdiana........................................................................101

    4.1.4 A funo do rito na reestruturao da identidade.................................................104

    4.2 O ENCONTRO COM A TOTALIDADE NEOPENTECOSTAL..........................111

    4.2.1 O Discurso Fundamentalista.................................................................................111

    4.2.2 A incluso do fiel no universo iurdiano................................................................1144.2.3 O simbolismo dizimal como meio de incluso IURD.......................................116

    4.2.4 A viso de si mesmo no mundo neopentecostal...................................................119

    4.2.5 O paradoxo da libertao dos fiis iurdianos........................................................120

    4.2.6 O fiel frente culpa..............................................................................................122

    CONSIDERAES FINAIS......................................................................................126

    BIBLIOGRAFIAS.......................................................................................................129

    ANEXOS.......................................................................................................................136

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    10/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    1

    1. INTRODUO

    Sabemos que a religio orienta o sentido de vida dos indivduos que, muitas

    vezes, a entendem como sendo o prprio sentido de suas existncias. Nesse contexto, o

    discurso religioso contribui com a organizao de prticas sociais, estabelecendo

    valores, regras, tabus e premissas cujas origens se encontram na fundao da prpria

    vida social.

    O cristianismo, como matriz social da cultura ocidental, vem entrando em crise

    no cenrio da modernidade e ps-modernidade, especificamente, no momento em que

    no mbito da cultura, j no mais modela os comportamentos e as conscincias dos

    indivduos; visto que, outras expresses religiosas ou no, passaram a ocupar seu

    lugar. Com isso, a modernidade, enquanto modo de compreender a histria,reinterpretando o tempo e o espao, constitui-se como fenmeno cultural; deflagrando

    processos complexos entre religio e sociedade no campo simblico da cultura.

    Assim, as expresses plurais de religiosidades existentes no Brasil configuram-

    se num elemento significante para um ethos cultural, no qual as pessoas, mesmo adeptos

    de outras denominaes crists, transitam livremente neste universo simblico; onde so

    ressignificados, de acordo com a demanda pessoal, alguns dogmas que legitimaram o

    discurso cristo no Ocidente, em especial, no contexto latino-americano. Diante disso, ahegemonia da Igreja Catlica Apostlica Romana, garantida pelos que se declaravam

    catlicos, vem sofrendo decrscimo frente ao crescente nmero de evanglicos em todo

    o Pas; conforme os dados do IBGE de 20001.

    Essas pesquisas apresentam um constante trnsito religioso relacionado

    intrinsecamente s demandas das pessoas que se sentem isoladas, desamparadas,

    freqentemente migrantes, desgarradas de seus contextos relacionais de origem.

    No cenrio de excitao religiosa ligada ao pentecostalismo e, especificamente,ao neopentecostalismo, observa-se que a Igreja Universal do Reino de Deus - IURD

    uma das igrejas que mais cresce, tanto em nmero de fiis, quanto em nmero de

    templos2.

    1De acordo com dados do IBGE, a Igreja catlica perdeu espao, na ltima dcada, para o crescimentodas religies evanglicas e de brasileiros que se consideram sem religio. A proporo evanglica dapopulao brasileira subiu de 9,05% em 1991 para 15,45% em 2000 um aumento de 70,7%. Emnmeros absolutos, os evanglicos so hoje cerca de 26 milhes, o dobro dos 13 milhes de fiis de 1991.2Mariano diz que a Igreja Universal do Reino de Deus inaugura um templo por dia em mdia. O nmero

    de templos chega a 3 mil, o nmero de pases atingidos supera cinco dezenas e o nmero de fiisultrapassa 1 milho (1999, p. 53)

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    11/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    12/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    3

    (relaes socioculturais), no influenciem o seu devir, visto que a expresso simblica

    produo eminentemente humana.

    Queremos ressaltar que o ser humano como um ser aberto ao transcendente e,

    somente ele possui essa singularidade existencial; carece de ser compreendido como

    produtor de sentidos subjetivos dentro de cada experincia pessoal que a realidade lhe

    apresenta cotidianamente.

    A proposta desta pesquisa consiste em analisar os aspectos psicossociais que

    esto por trs das crises de identidade e de sua reconstruo pelo processo da converso

    religiosa de alguns fiis Igreja Universal do Reino de Deus; enfocando, dessa forma, a

    dimenso psicossocial da identidade nesse processo. Apesar de vrios autores e

    pesquisadores j terem se dedicado a analisar essa denominao religiosa, muitos do

    nfase apenas a fatores macrossociais. Assim, pouca nfase ser dada aos processos

    histrico-institucionais da Igreja Universal do Reino de Deus e sua incidncia na

    sociedade. Propomo-nos a investigar duas questes relacionadas IURD, centradas nas

    experincias subjetivas de fiis: como se d a reconstruo identitria no processo de

    converso religiosa IURD e quais fatores psicossociais esto envolvidos nas crises de

    identidades dos fiis que produzem novos sentidos subjetivos de perceberem a si e ao

    mundo nesse processo conversionista.

    Assim, interessa-nos a identidade religiosa iurdiana; pois nosso principal

    objetivo analisar a crise de identidade e sua reconstruo nas pessoas que se

    convertem a essa denominao religiosa. Desse modo, alguns objetivos especficos

    nortearam esse estudo, consistindo em:

    a) analisar como os fatores psicossociais incidem na crise de identidade

    religiosa;

    b) compreender como os conversos viam a si mesmo e ao mundo antes e depois

    da converso religiosa IURD;c) identificar como a converso religiosa reestrutura, reconstri e reorganiza a

    identidade dos indivduos nesse processo conversionista.

    Segundo Valle (2002) a religio tem a funo reordenadora de identidades,

    Na situao de anomia, pluralismo e transio criada pelo consumo e pelomercado de ofertas religiosas, os indivduos parecem experimentarprocessos de busca que afetam sua emoo, seus valores e seucomportamento, recentrando-os, de alguma forma, no religioso e no

    espiritual. O religioso readquire uma funo reordenadora da percepode si (auto-imagem, senso de identidade) perdida com o desencantamento

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    13/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    4

    do mundo provocado ali onde a razo secularizada adquiriu hegemonia.O religioso exerce, alm disto, uma funo de insero e/ou reinsero doindivduo em um grupo, respectivamente em um meio socioculturalmotivador e dotado de sentido (p. 60-61).

    A partir dessa considerao, torna-se possvel a anlise psicossocial do estudoapresentado. Partimos da hiptese, a ser comprovada, de que os fatores psicossociais

    envolvidos nas crises de identidade e sua reconstruo tm papel fundamental no

    processo da converso religiosa, uma vez que produzem sentidos subjetivos vida dos

    conversos iurdianos.

    Pressupomos que as trs pessoas convertidas IURD e que se dispuseram a

    aprofundar a discusso, expressando aspectos subjetivos de suas identidades se

    encontravam numa situao de crise afetivo-emocional, identitria, ou no-identificaocom uma realidade social; mediante a ausncia de referencial e de orientao, essas

    pessoas buscaram a Igreja Universal do Reino de Deus, como forma de compreender a

    si e s complexidades existenciais.

    E, pela promessa totalizante de realizao que esta Igreja apresenta abrangendo

    cura, prosperidade, libertao; pressupomos que esses convertidos encontram nos

    smbolos religiosos, no discurso, e nos ritos da IURD as diretrizes que daro novos

    significados a suas vidas. O processo de converso provavelmente desconstri um

    imaginrio que o desqualificava e o deixava incapaz de superar as contradies

    existentes no universo no qual se encontravam.

    1.1- CONSIDERAES METODOLGICAS

    Os fenmenos subjetivos sendo complexoss podero ser compreendidos por vias quedem conta dessa complexidade (MORIN,1996, p.12).

    Tendo como objeto de estudo, a crise identitria no processo de converso

    religiosa, buscamos dentre as abordagens metodolgicas existentes, aquela que primasse

    pela compreenso e explicao dos fenmenos subjetivos desse processo, de forma

    complexa e dialtica. Neste sentido, recorremos a Epistemologia Qualitativa de Rey

    (1999), pois, acreditamos que seguindo o mtodo construtivo-interpretativo doconhecimento possvel compreender, no s s crises identitrias, mas os aspectos

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    14/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    5

    psicossociais envolvidos nesse processo; reconhecendo sua possibilidade de produzir

    inteligibilidade sobre as configuraes de sentido subjetivo.

    Assim, um dos pressupostos da epistemologia qualitativa consiste em

    compreender a realidade em sua complexidade e no como algo que possa ser descrito a

    partir de poucas leis universais. A necessidade de transcender os paradigmas

    epistemolgicos a fim de compreender a natureza complexa da realidade no um

    movimento apenas na psicologia, mas em vrias cincias, como tem sido discutido pelo

    cientista social Edgar Morin (1990; 1996).

    Na psicologia, Rey (1997, 1998, 1999) tem sido um dos autores que tem se

    dedicado sistematizao e elaborao de uma proposta epistemolgica alternativa ao

    positivismo que contemple as especificidades do estudo do fenmeno humano. Segundo

    Rey (1999), os pressupostos centrais da epistemologia qualitativa so,

    O conceito uma produo construtivo-interpretativo: quer dizer, oconhecimento no representa a soma dos fatos definidos pelasconstataes imediata do emprico. O carter interpretativo doconhecimento aparece pela necessidade de dar sentido s expresses dosujeito estudado, cuja significao para o problema somente indireta eimplcita [...] Carter interpretativo do processo de construo doconhecimento. Este segundo atributo da epistemologia qualitativaenfatiza no que as relaes investigador-investigado so uma condio

    para o desenvolvimento das investigaes nas cincias humanas, mas simque o interativo uma dimenso essencial do processo de produo deconhecimento, uma atributo constitutivo desse processo no estudo dosfenmenos humanos [...] A significao da singularidade como nvellegtimo de produo de conhecimento. A singularidade foihistoricamente desconsiderada enquanto sua legitimidade como fonte deconhecimento cientfico. A afirmao da singularidade na investigao dasubjetividade reveste de uma importante significao qualitativa, que nosimpede identific-la com o conceito de individualidade. A singularidadese constitui como realidade diferenciada na histria da construosubjetiva do individuo (p.37; 39; 40).

    Ainda a esse respeito, comenta o autor,

    A Epistemologia Qualitativa defende o carter construtivo-interpretativodo conhecimento, o que de fato implica compreender o conhecimentocomo produo e no como apropriao linear de uma realidade que senos apresenta. A realidade um domnio infinito de campos inter-relacionados independente de nossas prticas [...] enfatizar que oconhecimento uma construo, uma produo humana, e no algo queest pronto para conhecer uma realidade ordenada de acordo comcategorias universais do conhecimento [...] O conhecimento umprocesso de construo que encontra sua legitimidade na capacidade deproduzir, permanentemente, novas construes no curso da confrontaodo pensamento do pesquisador com a multiplicidade de eventos

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    15/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    6

    empricos coexistentes no processo investigativo. Portanto, no existenada que possa garantir, de forma imediata no processo de pesquisa, senossas construes atuais so as mais adequadas para dar conta doproblema que estamos estudando. A nica tranqilidade que opesquisador pode ter nesse sentido se refere ao fato de suas construeslhe permitirem novas construes e novas articulaes entre elas capazesde aumentar a sensibilidade do modelo terico em desenvolvimento paraavanar na criao de novos momentos de inteligibilidade sobre oestudado (REY, 2005, p. 5-7).

    a partir desses pressupostos epistemolgicos amplos que podemos situar a

    pesquisa qualitativa, no como mera aplicao de certos mtodos, mas sim, como instilo

    de investigao comprometida com as rupturas epistemolgicas em relao proposta

    positivista. Nisso consiste a articulao entre proposta epistemolgica e metodolgica.

    Assim a metfora da metodologia como caixa de ferramentas da pesquisadeixa de ser vista como o conjunto de procedimentos que definem o como utilizar os

    mtodos cientficos, para ser compreendida como processo cclico, dinmico, que

    engloba as concepes de mundo e a experincia intuitiva do pesquisador, o fenmeno,

    o mtodo, os dados e a teoria (BRANCO; VASINER, 1997).

    Outro aspecto que podemos ressaltar diz respeito idia comumente difundida

    pelos pesquisadores de que dados falam por si s. Valsiner (1989, 1997) reflete este

    processo de reificao (coisificao) do dado emprico, em que o espao da teoria naconstruo do conhecimento reduzida descrio e organizao dos dados coletados

    na pesquisa emprica. Outra conseqncia da reificao dos dados empricos diz

    respeito minimizao do papel ativo do pesquisador no processo de construo do

    conhecimento, pois suas idias se tornaro legitimas apenas no momento que forem

    verificadas empiricamente (REY, 1999).

    Com isso, o emprico no considerado como o momento ltimo de legitimao

    (verificao) de hipteses rigidamente delimitadas, mas sim como um dos momentos da

    pesquisa que adquire sentido e relevncia a partir de uma perspectiva epistemolgica,

    atravs de um marco terico, por meio das perguntas e questionamentos levantados pelo

    pesquisador.

    A elaborao da Epistemologia Qualitativa teve por objetivo satisfazer as

    exigncias epistemolgicas inerentes ao estudo da subjetividade como parte constitutiva

    do indivduo e das diferentes formas de organizao social Rey (2002). Sobre o

    desenvolvimento desse referencial epistemolgico, Mitjns Martinez (2005) faz a

    seguinte considerao,

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    16/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    7

    Foi no processo de desenvolvimento da Teoria da Subjetividade queaguou, no autor, a preocupao epistemolgica e metodolgica quanto procura de novos caminhos para a produo de conhecimento em relao subjetividade. Isso o levou a mergulhar na produo e novos debatesfilosficos e epistemolgicos contemporneos, no encontro do paradigmada complexidade tal como formulado na atualidade. Esse encontro foifrutfero para a elaborao de suas concepes epistemolgicas,resultando em uma influncia importante na Epistemologia Qualitativa,concepo proposta para estudar e compreender a subjetividade humana(p.13).

    A Epistemologia Qualitativa ressalta o carter interpretativo, construtivo,

    singular e dialgico na pesquisa qualitativa. Esto presentes neste referencial

    simultaneamente a dialtica e a complexidade, visando produzir conhecimentos acerca

    da realidade multifacetada, irregular, complexa, histrica e recursiva que representa asubjetividade. Zavalloni enfatiza que: A Epistemologia Qualitativa representa um

    modo totalmente novo de conceber os princpios gerais de uma perspectiva

    metodolgica apropriada ao estudo dos processos psicolgicos (REY, 2005a. p. viii).

    A produo terica ocupa um lugar de destaque na construo de conhecimento

    cientfico, em especial na epistemologia qualitativa, o que a diferencia das investigaes

    qualitativas fundamentadas na perspectiva epistemolgica das investigaes qualitativas

    inspiradas nos critrios positivistas (REY, 1999).Assim, para a epistemologia qualitativa, a relao entre sujeito e objeto

    configura-se como dois plos indissociavelmente ligados na produo de

    conhecimentos (REY, 1997). Disto decorre o valor do emprico na construo terica,

    pois a produo de indicadores empricos pode representar uma fonte de

    questionamento da prpria teoria, bem como pode indicar a necessidade de

    reformulao de alguns dos seus pressupostos.

    Por outro lado, o papel do investigador considerado essencial, visto que as suasidias, os seus questionamentos, a sua perspectiva terica esto sempre presentes na

    atividade de pesquisa (mesmo que no sejam explicitados).

    Na pesquisa qualitativa, fundamentada em uma epistemologia qualitativa, os

    instrumentos deixam de ser vistos como um fim em si mesmo (instrumentalismo

    positivista) para se tornar uma ferramenta interativa entre o investigador e o sujeito

    investigado. Em outros termos, o instrumento deixa de ser considerado a via de estudo

    das respostas do sujeito, para englobar os procedimentos usados pelo pesquisador para

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    17/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    8

    estimular a expresso e a construo de reflexes pelo sujeito que esto alm das

    possibilidades definidas a priori pelos instrumentos (REY, 1999).

    Desta forma Rey (1999) sintetiza,

    A investigao qualitativa que defendemos substitui a resposta pelaconstruo, a verificao pela elaborao e a neutralidade pelaparticipao. O investigador entra no campo com o que lhe interessainvestigar, no qual no supe o encerramento no desenhometodolgico de somente aquelas informaes diretamenterelacionadas com o problema explcito a priori no projeto, pois ainvestigao implica a emergncia do novo nas idias doinvestigador, processo em que a o marco terico e a realidade seintegram e se contradizem de formas diversas no curso da produoterica (p.42).

    1.1.2 A Entrevista Como Instrumento Metodolgico

    Dentro de uma perspectiva epistemolgica positivista, o sujeito investigado

    visto como sujeito ingnuo, no-consciente das leis que regem o seu comportamento.

    Nesse sentido, por que deixar o sujeito se expressar mais livremente em uma situao

    de investigao pouco estruturada, como, por exemplo, na entrevista semi-estruturada?

    Qual a validade de sua expresso ingnua na produo de conhecimentos

    empiricamente verificveis? Portanto, o pouco prestgio da entrevista como instrumentometodolgico na pesquisa positivista perfeitamente coerente com os seus

    pressupostos epistemolgico-metodolgicos centrais.

    Em contrapartida, na investigao qualitativa - fundamentada nos pressupostos

    epistemolgicos discutidos no presente trabalho - a entrevista ganha um espao

    legtimo na produo de novos conhecimentos nas cincias humanas. Para tanto,

    necessrio superar a idia de que a utilizao da entrevista na prtica de pesquisa

    representa um meio para se acessar os contedos intra-psquicos do sujeitoinvestigado. Em outras palavras, no h uma relao direta entre as respostas do sujeito

    (os dados) e os fenmenos estudados.

    O momento da entrevista consiste em um espao dialgico, perpassado pelos

    significados que so co-construdos pelos participantes, ou seja, pelo entrevistado e

    pelo pesquisador (MELO, 1996). Portanto, a entrevista, enquanto instrumento

    metodolgico consiste em uma ferramenta interativa (REY, 1999) que adquire sentido

    dentro de um espao dialgico, em que o estabelecimento do vnculo entre o

    pesquisador e os sujeitos investigados cumpre uma funo essencial na qualidade dos

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    18/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    9

    indicadores empricos produzidos. Assim, o papel do entrevistador (do pesquisador)

    no se restringe atividade de perguntar.

    Da mesma forma, o papel do sujeito investigado no se restringe a responder s

    questes formuladas pelo investigador, pois as suas respostas no esto prontas a priori

    (dentro de suas cabeas), mas so verdadeiras construes pessoais implicadas no

    espao dialgico da entrevista, no tipo de vinculao estabelecido com o entrevistador

    (REY, 1999). Mesmo em uma entrevista no-estruturada como, por exemplo, a

    entrevista aberta, autobiogrfica, no possvel desconsiderar a participao da

    dimenso relacional (entrevistador e entrevistado) no momento da entrevista.

    A entrevista, enquanto instrumento metodolgico legtimo na produo de

    conhecimentos nas cincias humanas representa tambm uma valorizao do singular

    como campo produtivo de investigao e desenvolvimento terico. Contudo, como

    qualquer instrumento metodolgico, a entrevista, abre novas zonas de sentido sobre o

    fenmeno estudado e, por outro lado, fecha o nosso olhar para outras zonas de

    sentido do real.

    Por exemplo, ao realizar a transcrio e a interpretao de uma entrevista, o

    pesquisador tende a se concentrar nos indicadores verbais, devido dificuldade de

    recuperar, em termos de uma anlise pormenorizada, a complexidade dos processos

    comunicativos envolvidos no momento da entrevista (alm da linguagem verbal).

    A considerao acerca dessa dificuldade metodolgica aponta, portanto, para a

    necessidade de integrarmos diferentes instrumentos metodolgicos, a partir da natureza

    do problema investigado, dos objetivos da pesquisa e dos pressupostos epistemolgicos

    e tericos assumidos pelo investigador. importante enfatizar que qualquer

    instrumento metodolgico no consiste em um fim em si mesmo, mas adquire sentido

    dentro do processo amplo de construo de conhecimento.

    Portanto, no se pretendeu defender um mtodo de pesquisa (por exemplo, aentrevista) em oposio a outros mtodos, mas sim enfatizar o quanto construo

    metodolgica est intrinsecamente relacionada a certos pressupostos epistemolgicos e

    tericos, aos objetivos do pesquisador, bem como s caractersticas dos fenmenos

    estudados.

    Considerando os pressupostos apresentados, podemos afinal, indagar o que so

    os instrumentos metodolgicos? So meras ferramentas interativas utilizadas pelos

    protagonistas da produo cientfica: os seres humanos concretos. Infelizmente, oinstrumentalismo metodolgico defendido pelo positivismo nos fez acreditar que o

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    19/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    10

    mais importante so os meios, o como investigar a realidade. Em outras palavras, o

    mais importante seriam as tcnicas de pesquisa.

    Mas o que significa uma tcnica de pesquisa, ou o instrumento metodolgico

    em si, sem o sujeito do conhecimento? Significa justamente a morte de uma das mais

    instigantes aventuras humanas: a cincia.

    A utilizamos tcnica conversacional ou entrevista dialgica (aberta)

    apresentada por Rey (2005) e Soriano (2004), cujo processo tem por objetivo conduzir o

    entrevistado a campos significativos de sua experincia pessoal, com a capacidade de

    envolv-lo no sentido subjetivo dos diferentes espaos delimitadores de sua

    subjetividade individual. A relevncia dessa tcnica nesta pesquisa, consistiu-se na

    significao das concluses de uma pesquisa mediante estudo de caso, porque nessa

    perspectiva defende-se como sua unidade de trabalho a qualidade da informao

    produzida.

    Neste sentido, a construo de informao nessa investigao deu-se a partir da

    informao primria, conforme apresentada por Soriano (2004), onde o pesquisador

    obtm, diretamente com questionrios, observao ordinria (visitas preliminares a fim

    de reconhecer e delimitar a rea de trabalho) e a observao participante que permite ao

    pesquisador adentrar nas tarefas realizadas pelos indivduos no dia-a-dia.

    A observao participante deu-se por um perodo de trs meses, ou seja, de

    setembro a novembro de 2008, com freqncia diria, no Templo Maior da Igreja

    Universal do Reino de Deus IURD, da cidade de Bayeux, cenrio da pesquisa, onde se

    participou de toda liturgia iurdiana durante esse perodo. O cenrio da pesquisa,

    conforme salienta Rey (2005), fundamental na promoo do envolvimento dos

    participantes.

    Desse modo, buscou-se salientar os objetivos dessa proposta de estudo para que

    se criasse um lao de cooperao, porque so nesses espaos que o relato vai expressar,de forma crescente, seu mundo, suas necessidades, seus conflitos e suas reflexes.

    Inicialmente foi notado um pouco de resistncia j que, por meio do vocabulrio

    utilizado nas conversas, notou-se que o pesquisador no era da mesma religio. Aos

    poucos foi preciso conquistar a confiana dos lderes religiosos, em seguida dos fiis

    que corroboram com a pesquisa, mostrando que no se tratava de um estudo que

    interferisse na realidade analisada e que no seriam emitidos juzos de valor sobre

    quaisquer das atitudes ou relatos vivenciados ao longo do processo de pesquisa.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    20/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    11

    Desse modo, alm da observao participante, foram selecionados doze fiis, de

    ambos os sexos, que se comprometeram em corroborar com a pesquisa, dos quais trs,

    duas mulheres e um homem, se dispuseram a aprofundar as discusses abordadas;

    concordando em assinar o Termo de Consentimento, exigido pela Comisso de tica em

    Pesquisa Cientfica. A construo de informao do modelo terico dessa pesquisa

    restringiu-se aos trs depoentes, cujos nomes so fictcios, preservando-lhes as suas

    identidades. Eles expuseram suas prprias experincias, contando suas histrias de vida.

    Algumas perguntas fizeram parte de todas as entrevistas por servirem de base

    para o desenvolvimento da investigao. Todos que participaram desta pesquisa de

    forma direta (entrevistas, relatos de histria de vida) e indireta (observao, programas

    de televiso) foram pessoas adultas, acima de 18 anos, que se consideravam convertidos

    IURD h mais de dois anos.

    Tentou-se entrevistar obreiros ativos; alguns at se mostravam interessados, mas

    no podiam falar nada sem autorizao do pastor e, quando iam pedir permisso, eram

    impedidos de faz-lo. Uma ex-obreira disse que deixou o cargo por ser incompatvel

    com a sua nova situao de mulher casada: ser obreira exige muito da pessoa, uma

    dedicao muito grande.

    Este trabalho est estruturado em quatro partes. Na introduo abordamos o

    contexto e questes que envolvem a pesquisa. Na segunda parte pretendemos descrever

    as origens histricas do protestantismo reformista, do neopentecostalismo no Brasil e do

    crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus. Faze-se uma introduo terico-

    conceitual do que vem a ser identidade, converso e o trnsito religioso nesse processo

    conversionista contemporneo, para melhor compreenso do desenvolvimento desta

    pesquisa.

    Os autores que do suporte cientfico a este texto so: Reily (1993); Brakemeier

    (2004); Freston (in ANTONIAZZI, 1996); Mariano (1999); Corten et alli (2003);Sanchis (in ANTONIAZZI, 1996); Woodward (2000); Bauman (2004); Valle (2002).

    Na terceira parte dedicamos aos fatores psicossociais apresentados pelos trs

    conversos da Igreja Universal como desencadeadores da crise que os levou a buscarem

    a Universal. Analisam-se alguns dos processos psicossociais que levam o indivduo a

    buscar a IURD; enfatizando-se uma viso do social, centrando a anlise sobre o

    indivduo e o impacto dessas relaes sociais, tanto na subjetividade quanto nas

    mudanas ocorridas na sua identidade no processo de converso religiosa.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    21/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    12

    A quarta parte tem por objetivo descrever o processo da reconstruo da

    identidade religiosa a partir da experincia de converso Igreja Universal. Ressalta-se

    o encontro com a totalidade das verdades neopentecostais iurdiana como reordenamento

    psicossocial para aqueles que se encontravam no fundo do poo, pois conforme

    sugere Erickson (1968), as pessoas em alguns momentos de suas vidas necessitam do

    encontro com um universo totalizante.

    Assim como, procura-se compreender a mensagem de forte apelo aos

    desamparados: Pare de sofrer. Abordam-se trs elementos marcantes na experincia

    dos fiis, que so a converso, a libertao e o simbolismo de pertencimento e incluso

    dos escolhidos de Deus, segundo alguns fiis iurdianos.

    por compreender que as Cincias Humanas, como a Psicologia, em especial,

    esto sendo convidadas a participar desse debate que procuramos nesta pesquisa

    estabelecer como desafio a provocao do dilogo entre as reas das Cincias Sociais.

    Ressaltamos a Importncia do debate interdisciplinar por entender que estudar o

    fenmeno religioso apenas por uma perspectiva, seja sociolgica, antropolgica ou

    psicolgica, deixa-o limitado.

    O estudo da converso no pode ser abordado apenas e, especificamente, pelo

    vis teolgico; possvel que a Psicologia possa ser mais uma cincia a contribuir na

    anlise dessa temtica. Assim, compreendo que este trabalho uma pesquisa preliminar

    que abre portas para outros pesquisadores, em aprofundar pontos relevantes que se

    expressam na simbologia do neopentecostalismo.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    22/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    13

    2 CRESCIMENTO IURDIANO, CONVERSO E IDENTIDADE

    O tema A converso religiosa Igreja Universal do Reino IURD, como forma

    de ressignificao identitria requer algumas consideraes iniciais a respeito da

    origem da IURD. Esta Igreja surge como o principal brao do neopentecostalismo e est

    inserida na classificao de Freston (1996) como pertencente terceira onda.

    Nesse captulo sero abordadas algumas noes sobre as origens do

    Protestantismo e do pentecostalismo no Brasil, com o objetivo de se compreender o

    surgimento do neopentecostalismo. Apenas alguns aspectos do processo histrico de sua

    origem e de sua chegada ao Brasil sero aqui apresentados. Esse processo nos conduz

    compreenso do crescimento acelerado desse movimento religioso e, em especial, do

    crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus, que o nosso objeto de pesquisa, e

    toda a sua mobilizao em torno da converso na atualidade.

    Sero apresentados, tambm, alguns esclarecimentos sobre o que vem a ser

    converso religiosa e o trnsito religioso no processo conversionista contemporneo;

    assim como, sero mostradas algumas consideraes terico-conceituais sobre

    identidades.

    2.1 ORIGENS HISTRICAS DO PROTESTANTISMO REFORMISTA

    Dentre a religio crist, o Protestantismo se refere aos movimentos que surgiu

    das rupturas estabelecidas com a matriz catlica a partir da Reforma Protestante.

    Segundo Capellari (2001), o termo Protestantismo foi cunhado logo a seguir aos

    movimentos reformistas europeus do incio do sculo XVI, e utilizado como referncia

    tanto pela Igreja Catlica quanto pelos reformados, designando o prprio movimento da

    Reforma como um movimento antagnico em relao Igreja Catlica.Historicamente, o marco fundador do Protestantismo data de 31 de outubro de

    1517, dia em que Martinho Lutero, monge de uma ordem agostiniana, afixou na porta

    da Igreja de Wittenberg, Alemanha, um manifesto pblico contendo 95 teses3 que

    causaram grande repercusso no apenas no meio religioso, mas em toda sociedade,

    devido ao debate que elas propunham.

    3

    As teses de Lutero podem ser encontradas no site oficial da Igreja Evanglica de Confisso Luterana noBrasil: http://www.luteranos.com.br/lutero/95_teses.html.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    23/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    14

    Em suas teses, Lutero questionava principalmente o poder do Papa em perdoar

    os pecados atravs da cobrana de indulgncias e expunha, tambm, alguns elementos

    de sua doutrina religiosa. Estas teses so consideradas herticas pela Igreja Catlica e,

    em 1519, Lutero afasta-se do catolicismo. Dois anos mais tarde o monge foi

    excomungado, todavia, por conta do apoio conquistado em diferentes setores da nobreza

    e dos camponeses, o luteranismo difundiu-se na Alemanha (REILY, 1993).

    Rapidamente, os ideais de Lutero encontram receptividade para alm das

    fronteiras germnicas, sendo enfatizados e ampliados em vrias naes do continente

    europeu. Esta disseminao promoveu o surgimento de diferentes correntes de

    pensamento teolgico protestante e o nascimento das igrejas reformadas clssicas ou

    de um Protestantismo Histrico, como mais comumente apresentado nas bibliografias

    , conforme resumiu Capellari (2001),

    Com o movimento iniciado nos Estados alemes em 1517, nasceu aIgreja Luterana. Em 1534 surgiu, pela vontade de Henrique VIII, a IgrejaAnglicana, que manteve em seus primrdios as tradies e doutrinascatlicas. Logo a seguir, em 1536, surgiu a Igreja Calvinista; em 1546, aPresbiteriana; em 1580, a Congregacionista; em 1609, com influncia doAnabatismo, a Batista; e, em 1729, como um reavivamento sob aliderana de John Wesley (1703-91), a Metodista. (p. 22)

    Como pode ser visto, sob o significante Protestantismo repousa, na verdade, umconjunto heterogneo de igrejas e, evidentemente, de doutrinas. No objetivo deste

    captulo pormenorizar os debates doutrinrios e organizacionais dos reformistas

    ocorridos principalmente entre os sculos XVI e XVIII.

    Antes, procuraremos expor os elementos bsicos que compem, por assim dizer,

    um perfil protestante, a fim de facilitar a descrio a ser feita adiante acerca dos rumos

    do Protestantismo no Brasil, em especial as modificaes promovidas com a insero do

    Pentecostalismo em nossas terras.Essa opinio, da existncia de um perfil protestante, compartilhada por vrios

    pesquisadores que afirmam que h, apesar de ser o Protestantismo um campo diverso

    desde sua origem histrica, inspiraes e Princpios que nortearam os acontecimentos,

    e que lhes d uma feio unitria (AMARAL, 1962, p. 51).

    o caso de Azevedo (1996), que especifica essa tese ao identificar nos vrios

    protestantismos uma convergncia. Segundo este autor, todos os grandes nomes do

    Protestantismo afirmaram, cada um a seu modo, pelo menos cinco princpios

    fundamentais que orientaram a Reforma Protestante, os quais garantiriam uma certa

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    24/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    15

    continuidade entre tais igrejas. Estes princpios ficaram conhecidos como Solus

    Christus, Sola Scriptura,Sola Gratia,Sola Fide e Soli Deo Gloria.

    O princpio Solus Christus ou da suficincia e exclusividade de Cristo,

    somente Cristo anunciava que o prprio Cristo estava construindo Sua Igreja na

    terra, sendo, portanto, seu nico Senhor. Este princpio apresenta as bases da abolio

    que os protestantes sustentam, ainda nos dias atuais, ao culto de algumas figuras caras

    ao catolicismo, principalmente Virgem Maria e aos santos, que no mais apareceriam

    como intercessores na obra salvfica.

    A igreja reformada sustentou, a partir da doutrina do Solus Christus, a presena

    real de Jesus na Igreja e em cada membro por meio do Esprito Santo, acabando tambm

    com a importncia conferida pela Igreja Catlica aos elementos eucarsticos

    transubstanciados.

    O princpio doSola Scriptura ou seja, somente a Escritura Sagrada a ltima

    autoridade na questo da orientao para o pleno conhecimento do Evangelho da

    Salvao tambm um dos elementos essenciais s correntes Protestantes, uma vez

    que todas conferem palavra escrita (Bblia) o mximo de valor, em funo de ser uma

    exposio completa e final da vontade de Deus para com os homens, especialmente os

    seus eleitos.

    Ao contrrio da prtica que marcava a tradio da Igreja Catlica, em cujo

    alicerce da hermenutica dos textos bblicos se encontrava a figura do sacerdote, e

    conseqentemente numa interpretao derivada da tradio e dos dogmas da Igreja, o

    princpio do Sola Scriptura lana o protestante diretamente s Escrituras. Todavia,

    existia um problema fundamental a ser superado, afinal, como ler e interpretar as

    Escrituras se elas estavam acessveis quase que somente em latim ou em suas lnguas

    originais?

    Houve ento um esforo por parte dos principais representantes doProtestantismo para a traduo da Bblia em lnguas vernculas4, a fim de facilitar o

    contato do pblico leigo. Neste perodo, assistimos ao surgimento de inmeras

    tradues tanto do Antigo como do Novo Testamento. Lutero, por exemplo, traduziu as

    Escrituras para o alemo popular. A traduo francesa ficou sob a responsabilidade de

    4Tal projeto s se tornou vivel, tambm, pelo surgimento histrico da imprensa, com Guttemberg.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    25/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    16

    um primo de Calvino, Pierre Robert. Outras verses, como a inglesa e a holandesa

    datam tambm deste perodo5.

    importante notar que a Sola Scriptura, ao promover um enfraquecimento da

    legitimidade do poder eclesistico e da arbitragem de seu magistrio na interpretao

    dos textos bblicos, abre espao para a possibilidade de uma hermenutica

    individualizada das Escrituras, no sendo pouco, portanto, o favorecimento de cises

    (cismas) decorrentes de divergncias existentes no interior das confisses de f

    (BRAKEMEIER, 2004).

    o que constata, tambm, Capellari (2001),

    Sempre que a doutrina professada pelos lderes parecia no corresponders Escrituras, ou o que um segmento do grupo esperava delas, era naturalque ocorressem rupturas para permitir a organizao do culto ou dascrenas em novas bases. O Protestantismo , neste sentido,eminentemente denominacional (p. 20).

    Juntamente Sola Scriptura, o Protestantismo apresentou a idia da Sola Gratia.

    Propugnada por Lutero, mas principalmente por Calvino, a Sola Gratia somente a

    Graa de Cristo suficiente para a salvao dos pecados baseia-se na tese de que a

    salvao no pode ser conquistada, em sentido algum, por meio da obra humana, mas

    que esta antes de tudo um Dom, ou Graa (da a expresso: Sola Gratia), destinadapor Deus a alguns eleitos (NUNES, 2005).

    Nos moldes de uma eleio incondicional, ou ainda, de uma predestinao feita

    por Deus desde todo o sempre, torna-se suprflua, portanto, qualquer ao no sentido de

    desfazer o que Ele determinou. O mximo que se pode conseguir, neste sentido,

    testificar, por meio de um ato de f, a certeza de ser escolhido por Deus. Assim,

    adentramos em um outro princpio: Sola Fide.

    O Sola Fide Somente a F fundamenta-se na ao de crer na salvao

    oriunda do sacrifcio de Cristo mediante a ajuda do Esprito Santo. Este princpio vem

    complementar a idia de Graa proposta no Sola Gratia pelo simples fato de que, se a

    salvao est condicionada escolha feita por Deus acerca dos eleitos, e como no h

    meios pelos quais se saber de fato se ou no um desses, somente por um ato de f,

    numa crena justificada pela f, que o protestante teria a certeza de ser um dos filhos

    eleitos de Deus.

    5

    No caso da verso portuguesa, somente meio sculo mais tarde apareceria a traduo feita por JooFerreira de Almeida.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    26/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    17

    Na interpretao defendida por Max Weber, porm, percebemos que no foi

    somente a partir de um ato de f onde residiu a convico do protestante acerca de sua

    salvao, mas, antes de tudo, partiu de uma motivao psicolgica. Em seus estudos

    feitos sobre a tica protestante, o autor estabelece uma leitura da importncia dispensada

    pelos calvinistas s doutrinas da predestinao e da prosperidade, encontrando assim o

    fio de Ariadne utilizado pelos protestantes para a conquista dessa convico.

    Weber (2003) argumenta que a predestinao fez com que os adeptos do

    calvinismo se sentissem inseguros, afinal, em um tempo no qual a certeza da salvao

    era indispensvel, tudo o que a insondabilidade dos princpios Sola Gratiae Sola Fide

    poderiam trazer era um sentimento de insegurana insuportvel. Diante disso, formulou-

    se nos meios protestantes, no calvinismo/puritanismo principalmente, a idia de que o

    sucesso profissional consistira num sinal visvel de eleio.

    Falando de uma outra forma, apesar de no haver meios de se obter alguma

    certeza sobre a Graa proposta pelo Sola Gratia, os calvinistas nunca se deram por

    vencidos, posto que, mesmo acreditando na predestinao, eles criavam para si a prpria

    salvao ou, como seria mais correto dizer, a convico disso, atravs de um trabalho

    persistente, no sucesso profissional e na respectiva prosperidade (WEBER, 2002).

    Julgamos importante este aspecto, uma vez que, como veremos logo mais, a

    idia da prosperidade sofrer uma toro alguns autores afirmam ser uma deturpao

    fundamental a partir de uma teologia que surgiu nos EUA no segundo quartel do

    sculo XX e que se difundiu no Brasil em 1970. Referimo-nos Teologia da

    Prosperidade. Dentre os princpios fundamentais do perfil do Protestantismo, resta-nos

    agora tecer alguns comentrios sobre o Soli Deo Gloria.

    Traduzido como somente a Deus toda Glria, tal princpio enfatizava que o

    propsito da existncia do protestante seria glorificar a Deus em seus hinos e em sua

    atuao, tanto dentro como fora da igreja.Feito este rpido percurso, preciso ressaltarque, apesar de apresentarmos os princpios do perfil do Protestantismo Histrico de uma

    forma separada, deve-se perceber que no pode haver, pelo menos enquanto uma

    construo ideal, apenas parte ou um dos princpios para se caracterizar o

    Protestantismo.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    27/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    28/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    19

    A segunda onda pentecostal acontece nos anos 50 e incio dos anos 60, diz

    Freston (1996, p. 72). Ela comea com a urbanizao e a formao de uma sociedade de

    massas que possibilitam um crescimento pentecostal rompendo limitaes de modelos

    j existentes, em especial o modelo paulista. a chegada da Igreja do Evangelho

    Quadrangular com seus mtodos arrojados de comunicao de massa e centrada na

    mensagem da cura divina; a prpria dinamizao das relaes da igreja com a

    sociedade. Como se observa, a fragmentao do pentecostalismo est tomando forma.

    De acordo com Gutirrez (1996, p. 12), esses missionrios foram convidados por

    governantes latino-americanos a contriburem tanto com os valores do trabalho rduo

    como com os valores da vida disciplinada.

    A terceira onda, segundo Freston (1996), tem seu incio no final dos anos 70 e

    ganha flego na dcada de 80 considerada a dcada perdida , em meio ao processo

    que levou ao fim a ditadura militar. A terceira onda tem incio no Rio de Janeiro, que na

    poca apresentava um quadro de decadncia, de grande violncia, de guerra entre os

    integrantes da mfia do jogo.

    A anlise contextual feita por Freston (1996) para o nascimento e o crescimento

    das igrejas de terceira onda a capacidade de adaptao destas s mudanas do perodo

    militar. Ele se refere s questes sociais em decorrncia de fatores econmicos e

    crescimento das cidades, causado pela expulso de mo-de-obra do campo, o

    crescimento das comunicaes de massa no final dos anos 70.

    Mariano (1999) diz que, para classificar as igrejas, alm do corte histrico-

    institucional, devem-se considerar as distines de carter doutrinrio e comportamental

    (abandono do ascetismo intramundano), suas arrojadas formas de insero social

    (diminuio do sectarismo) e seu ethos de afirmao no mundo. Mariano critica tambm

    o fato de que, para Freston, na terceira onda, ou neopentecostalismo, segundo Mariano,

    o contexto carioca exerce grande influncia.Segundo Mariano (1999) o pentecostalismo no Brasil sempre sofreu forte

    influncia estrangeira e especificamente dos EUA, o que minimiza a importncia do

    contexto carioca na formao e configurao do neopentecostalismo. Ele diz que,

    A influncia estrangeira, naturalmente, se d por mltiplos canais: daliteratura [...] de autores vinculados teologia da prosperidade, confisso positiva e guerra espiritual que so encontrados na maioriadas livrarias evanglicas [...] da vinda cada vez mais freqente de

    telogos e pregadores estrangeiros e igualmente da ida de brasileiros paraparticipar de seminrios e cursar faculdades teolgicas nos EUA (p. 41).

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    29/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    20

    Mariano (1999) diz que as diferenas da primeira para a segunda onda esto na

    nfase que cada qual confere a um ou outro dom do Esprito Santo. A primeira enfatiza

    o dom de lnguas, a segunda, o de cura, mas no significa que tanto uma como outra no

    faa uso de todos esses dons, inclusive a terceira onda. A grande diferena entre as duas

    primeiras ondas e o neopentecostalismo, segundo Mariano (1999, p. 37), so suas

    considerveis distines de carter doutrinrio e comportamental, suas arrojadas formas

    de insero social e seus ethos de afirmao do mundo.

    nesse contexto que a terceira onda se consolida, explica Mariano (1999), tendo

    como sua representante maior a Igreja Universal do Reino de Deus (Rio de Janeiro,

    1977), que tem origem na Igreja Nova Vida (Rio de Janeiro, 1960). So tambm

    denominaes da terceira onda as Igrejas Internacional da Graa de Deus (Rio, 1980) e

    Cristo Vive (Rio, 1986), a Comunidade Evanglica Sara Nossa Terra (Gois, 1976) e a

    Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (So Paulo, 1994).

    2.1.2 Aspectos histricos da IURD

    importante que se faa uma retrospectiva do nascimento da Igreja Universal

    do Reino de Deus para que se possa compreender em que contexto poltico social ela

    nasce e vai ocupando espaos. Propomos-nos descrever um pouco da histria da Igreja

    Universal do Reino de Deus, passando por sua fundao, seu mentor intelectual e

    algumas estratgias utilizadas para demarcar territrio e aumentar o nmero de fiis.

    Apresentam-se, ainda, algumas caractersticas prprias da IURD, assim como algumas

    explicaes de socilogos sobre o seu crescimento.

    No pouca a produo de textos sobre a IURD, como, por exemplo, O reino da

    prosperidade da Igreja Universal Mariano (2003), Igreja Universal: um impriomiditico Fonseca (2003), Igreja Universal: um poder poltico Oro (2003) e Igreja

    Universal: uma organizao providncia Machado (2003).

    Tanto cresce o nmero de seu fiis, de seus templos e de programas no rdio e

    na televiso, como aumenta a tiragem de seus jornais, que so vendidos dentro de seus

    prprios templos, ora nos balces, ora como brinde para quem der uma oferta de at 5

    reais em seus cultos, conforme observao pessoal feita no Templo da Igreja Universal

    de Bayeux.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    30/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    21

    Que Igreja essa que, to jovem, tantas controvrsias provoca, seja em

    ambientes religiosos, seja no mundo profano e que, do alto dos seus 28 anos, j alou

    vo para mais de 80 pases? Parece ser uma jovem destemida, ousada, provocativa e ao

    mesmo tempo to conservadora!

    Num momento em que a sociedade moderna vivencia a quebra de lealdades

    (GIDDENS, 2005), a IURD, a todo instante, reafirma a importncia da fidelidade.

    Fidelidade para com Cristo, fidelidade para com Deus, fidelidade no dzimo.

    Fundada em 1977, no bairro da Abolio, que significa libertao, zona norte da

    cidade do Rio de Janeiro, onde antes funcionava uma pequena funerria, a Igreja

    Universal do Reino de Deus rapidamente transformou-se no maior fenmeno das

    ltimas dcadas no Brasil (MARIANO, 1999). Corten et alli (2003, p. 7), por sua vez,

    destacam que a IURD a Igreja que mais transcende fronteiras e mais cresce no mundo.

    A Igreja Universal do Reino de Deus foi fundada por Edir Macedo, carioca,

    quando tinha 33 anos de idade. Vindo de famlia de migrantes de origem catlica,

    Macedo j havia freqentado terreiros de umbanda e bancos universitrios na dcada de

    70. Seu estilo dentro da IURD tornou-se autoritrio, centralizador, tanto quanto

    carismtico, dinmico e pragmtico.

    Ao mudar-se em 1986 para os EUA, Macedo tinha como um dos seus objetivos

    difundir a IURD pelo mundo7, afirma Mariano (1999, p. 56). Reconhece-se em Edir

    Macedo um grande lder religioso, empresrio de sucesso e grande administrador de

    empresas, conforme afirma Oro (2000 apudCIPRIANNI e NEST, p. 284).

    Com apenas trs anos, a Igreja Universal do Reino de Deus j contava com 21

    templos em cinco Estados brasileiros. Em 1985, avanou para 195 templos em 14

    Estados e no Distrito Federal. Passado mais dois anos, reunia multido suficiente para

    lotar, ao mesmo tempo, o Estdio do Maracan, no Rio de Janeiro, afirma Mariano

    (2003, p. 58-59).J no se pode mais ignorar sua presena. Os iurdianos esto por todos os

    lugares, lembra Bonfatti (2000, p. 17). Nem sempre em atividades religiosas, eles esto

    na cultura, na poltica, nas favelas, na mdia8, na internet, nas empresas, nos presdios9,

    7Conforme Mariano 2003 (in ORO, CORTEN E DOZON), Macedo obteve o green card com o auxlio dopastor norte-americano Forrest Higgibothom, da East Side Church of Christ. Em 2001, a Universalpossua 101 templos nos EUA. Ao todo, a denominao est presente em mais de 80 pases, dentre osquais obteve maior sucesso institucional na frica do Sul, em Angola, Moambique, Portugal e na

    Argentina.8 Sobre a importncia da mdia na expanso institucional da Igreja Universal, ver (CAMPOS 1996);Fonseca (2003, p. 259-280); Mariano (1999, p. 66-69).

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    31/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    32/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    23

    explorao financeira dos fiis, sonegao de impostos, enriquecimento ilcito,

    curandeirismo, prtica de estelionato e charlatanismo (MARIANO, 2003; BARROS,

    1995, p. 32-33).

    A Globo foi acusada pelos iurdianos de perseguidora, por exibir os vdeos que

    mostram Edir Macedo danando numa viglia em Copacabana e instruindo, no intervalo

    de uma partida de futebol, pastores a serem mais incisivos, agressivos e eficazes na

    coleta de dzimos e ofertas (MARIANO 2003, p. 63). O bispo Edir Macedo chegou a

    ficar preso por 12 dias aps ter sua priso preventiva decretada pela Justia. Em 2005,

    ocorreu o escndalo das malas de dinheiro. Mas nada disso parece abalar

    profundamente a IURD.

    Mesmo assim, ela continua crescendo, desafiando a lgica do mercado e da

    poltica. Cada vez que polticos so envolvidos em escndalos de corrupo sua

    popularidade desmorona, enquanto a IURD parece permanecer inabalvel.

    Sobre o escndalo das malas de dinheiro, pudemos testemunhar que pastores da

    Igreja Universal do Reino de Deus, em julho de 2006, em Bayeux, valiam-se da

    situao, dizendo desejar que todos que estavam ali presentes chegassem a ganhar tanto

    dinheiro pela f e pudessem levar malas e malas de dinheiro como pagamento de

    dzimos e ofertas. E todos os presentes aplaudiam. O bispo Roberto, da IURD de Joo

    Pessoa, dizia em um de seus cultos de domingo:

    Prestem ateno, olhem para mim! At na poca de Jesus haviaperseguies. No tenham medo porque vocs tm coragem de daroferta e eles no conseguem entender porque dar cdulas de 50reais, 100 reais; 1 real moeda! (Nesse instante as pessoas riem). preciso pensar grande porque grande Deus (outubro, 2008).

    No que diz respeito s questes polticas, a posio da IURD tem sido de apoiar

    candidaturas conservadoras e de hostilizar a esquerda. Ela prega o individualismo e suareceita de enriquecimento baseada na libertao do trabalho assalariado, conforme

    Freston (1996, p. 135).

    Analisando o que diz Freston (1996) no pargrafo acima, pode-se dizer que a

    Igreja Universal do Reino de Deus no se preocupa em organizar coletivamente as

    pessoas que ali chegam. Ela no parece preocupada com questes de empregabilidade

    ou com as relaes empregado-patro. O que os pastores pregam em seus cultos que o

    fiel precisa ser audacioso e ser um empreendedor. Dessa forma, eximem a Igreja de

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    33/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    24

    qualquer responsabilidade pela frustrao ou pelo insucesso na incluso social do fiel

    iurdiano.

    Para a IURD, libertando-se do trabalho assalariado, com coragem e projetos

    audaciosos, que o fiel pode chegar no topo e, se no conseguir, deve continuar

    orando, pagando e acreditando que pela f um dia chegar a sua vez. Como ponto

    para seu sucesso, a IURD aponta a cura, a libertao pelo exorcismo e a teologia da

    prosperidade.

    Pratica uma magia organizada e institucionalizou o que foi denominado de

    prticas e crenas mgico-religiosas de inspirao crist. Possui um modelo bem

    estruturado de funcionamento e prope-se, na qualidade de mediadora dos poderes

    divinos, a resolver todos os problemas terrenos dos fiis.

    No que tange identidade da Igreja Universal do Reino de Deus, Oro (2000, p.

    286) diz que esta construda sobre a oposio com as religies afro-brasileiras. A

    Universal realiza verdadeira demonizao das religies afro e de suas entidades, que so

    sempre invocadas em seus cultos e, aps serem desmoralizadas, so expulsas por

    seus pastores. Mas outros autores, como Freston (1996) e Sanchis (1996), incluem

    tambm a guerra contra as igrejas tradicionais e o catolicismo, contra os seus smbolos,

    suas imagens.

    Um diferencial marcante na IURD em relao a outras Igrejas pentecostais

    refere-se ao exorcismo. Segundo Freston (1996, p. 140-141), o exorcismo no uma

    prtica com fins em si mesmo, uma demonstrao de poder do bem sobre o mal e visa,

    em ltima instncia, a converso da pessoa, ou seja, sua adeso Igreja Universal do

    Reino de Deus.

    2.1.3 Conceituando a identidade

    A conceituao da identidade tem se mostrado complexa e difcil. Algumas

    investigaes de autores sobre esse fenmeno e sua construo e concluses foram

    tiradas no desenvolvimento desse estudo.

    Segundo Woodward (2000, p. 9-16), as identidades so diversificadas e

    imprecisas, passam por mudanas e tambm promovem mudanas. Estas caractersticas

    de diversidade e impreciso acompanham as identidades tanto dentro do tecido social

    onde est inserida, quanto na estrutura simblica atravs do sujeito que d sentido saes e posicionamentos em sua vida.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    34/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    25

    No incio dos anos setenta, a questo da identidade surgiu em toda parte. A

    temtica da busca da identidade, da crise de identidade e a perda da identidade se

    tornaram o centro das pesquisas e das preocupaes. O novo mal do sculo

    (KAUFMANN, 2004, p. 56-57).

    Para Levi-Strauss (apudKAUFMANN 2004):

    A identidade pode ser analisada como uma imensa converso enteesta identidade que vem de fora do pensamento e aquela que nsmesmos experimentamos instituir dentro de ns Resta no obstante atentativa de estabelecer o conjunto de correspondncias entre estasconfiguraes identitrias contrastantes (p.59).

    O ser humano, dentro das sociedades em que vive, no s envolve e envolvido

    pelas diversas dos outros seres humanos como tambm est sujeito ao

    comprometimento com as suas prprias identidades a que est do lado de fora do seu

    prprio pensamento, a outra identidade que ele forma e submete prtica dentro dele.

    O desafio buscar a instaurao de uma reciprocidade entre estas identidades

    antagnicas. esta uma tarefa complexa uma vez que as sociedades esto de uma

    forma irreprimvel em constante movimentao, compelidas a uma mudana em seus

    sistemas de valores e esquema de pensamentos e comportamentos em razo da demanda

    de insertos nelas. Com tal cinesia as pessoas se submetem, cada vez mais, s

    modificaes no seu modo de ser.

    O reflexo da sociedade se reproduz nas pessoas inseridas e vice-versa. Tal

    circularidade se torna mais e sempre acelerada, promovida pela disseminao rpida e

    mais accessvel dos sabres, efeito da atual tecnologia dos meios de comunicao. Este

    fenmeno a causa de maior inquietao entre os sujeitos. Ao se afastar das pessoas

    que no passam como eles, muitos grupos tentam se proteger das influncias que os

    diferentes possam exercer sobre eles.Kaufmann (2004, p. 50) afirma que, na realidade, a possibilidade do ser humano

    e suas idias so uma expresso direta deste mundo ao qual pertence. Assim, a

    identidade no muito mais que um reflexo da sociedade na qual o sujeito est inserido.

    As suas idias, crticas e dvidas no so genuinamente suas, mas expresses diretas do

    mundo onde vive. Os seres humanos usam as mesmas palavras que pensam serem suas

    para falar de si e das demais coisas.

    Sob este ngulo v-se que a identidade, de fato, recebe as influncias de tudo ede todos que compartilham com ela o quase mesmo espao scio-cultural. Digo quase

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    35/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    36/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    27

    quotidianamente, construdos por sua prpria histria, tendoespecificamente interiorizado o social, em um dialogo contnuo entrepresente e passado secretamente memorizado (2004, p. 77).

    Bauman (2004) de maneira similar definio de Kaufmann, a considera uma

    constante construo, um ajustamento sem fim e tira uma concluso lgica:

    Uma identidade coesa, firmemente fixada e solidamente construdaseria um fardo, uma represso, uma limitao da liberdade de escolha.Seria um pressgio da incapacidade de destrancar a porta quando umanova oportunidade estiver batendo [...] Ajustar pedaosinfinitamente sim, no h outra coisa que se possa fazer. Mas,conseguir ajusta-los, encontrar o melhor ajuste que possa por fimao jogo do ajustamento? No obrigado, melhor viver sem isso(p.76).

    A identidade necessria como, uma forma de singularizar e diferenciar o

    individuo, uma maneira de recompor as falhas e responder s dvidas. A necessidade

    que o ser humano tem de uma organizao pessoal vinculada ao padro do grupo social

    ao qual pertence, faz com que ele se empenhe constantemente contra a falta de normas,

    uma luta que passa inevitavelmente pelo questionamento identitrio. A todo instante, ele

    precisa de respostas para pensar e para agir, respostas estas que correspondem ao seu

    sistema de valores (KAUFMANN

    , 2004, p. 79).A identidade pessoal no s o reflexo da estrutura social, ela no

    simplesmente isso. H que se atentar para o papel que a subjetividade representa na sua

    formao. A imagem que o sujeito tem de si mesmo um incio de construo

    identitria. Ela se apia, portanto, nestes dois plos: a subjetividade e a influncia da

    estrutura social onde est o sujeito inserido (KAUFMANN, 2004, p. 89). O conceito de

    identidade se torna ainda mais complexo com a inegvel presso que os auto-esquemas

    infligem subjetividade. Kaufmann faz a seguinte argumentao a respeito daidentidade:

    Inventar-se a si mesmo no se inventa; os mecanismos da criao daidentidade no tm nada de aleatrio. Embora o instrumento dainveno (imagens e emoes) seja o mais voltil, inscrevem-se entreos procedimentos socialmente definidos e precisos [...] A tese central que a identidade um processo histrico, que, aps uma fase detransio onde foi direcionado pelo Estado, no surgiu plenamente aonvel individual da inveno de si mesmo em menos da metade de umsculo. O surgimento que resulta de uma inverso entre estruturas

    sociais e reflexos de suas estruturas. No que estes ltimos tornaram-se menos, ou seja, menos determinantes sob o efeito misterioso de

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    37/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    38/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    39/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    30

    no alvo a ser atingido, mas algo que se vive na tenso, em uma permanente

    incompletude.

    O item concludo sem a pretenso de se ter esgotado o assunto e com uma

    referncia ao socilogo polons Bauman (2004) que assim se reportou identidade:

    As identidades flutuam no ar, algumas da nossa prpria escolha outrasinfladas e lanadas pelas pessoas em nossa volta, e preciso estar emalerta constante para defender as primeiras em relao s ltimas. Huma ampla probabilidade de desentendimento, e o resultado danegociao permanece eternamente pendente [..]. Pode-se at comeara se sentir che soi, em qualquer lugar mas o preo a ser pago aaceitao de que em lugar algum se vai estar total e plenamente emcasa (p. 19).

    2.1.4 A identidade religiosa

    As religies se vem, a todo instante, inconformadas com a indefinio religiosa

    entre alguns de seus adeptos. A insegurana que a indefinio provoca no privilegio

    de nenhum credo religioso em especial. Quando surge no distingue sexo, credo

    religioso ou posio social. Vrios so os provocadores deste estado de desproteo. O

    pluralismo religioso , sem dvida alguma, uma das causas fortes deste fenmenoobservado em todas as sociedades atualmente e, pelas prprias circunstncias da poca,

    muito mais visvel e mais presente que antes.

    Os meios de comunicao atraem, cada vez mais e mais rapidamente, olhares

    sobre as diversas faces religiosas do mundo inteiro. A grande exposio da mdia, esta

    globalizao to esperada e no raras vezes temida por alguns, faz este fenmeno se

    tornar cada vez mais natural. Como diz De Benedicto:

    Ter e manter uma identidade religiosa definida no contextoglobalizante do sculo XXI cada vez mais difcil. Algumas dasgrandes palavras da moda nos ltimos anos so: ecumenismo,diversidade, globalizao, multiculturalismo e pluralismo. Como ascompeties esportivas sempre nos lembram, ter uma identidadeparticular, com a bandeira do seu pas tremulando no lugar mais alto,ainda bom e emocionante, mais isso em certas reas j no tofcil. (2004, p. 10).

    A preocupao com as estatsticas dos migrantes dos movimentos religiosos

    integra quase todas as aes das igrejas. No menos intenso o cuidado com aidentidade religiosa de seus membros e do seu corpo dirigente. Este fenmeno tambm

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    40/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    41/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    42/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    43/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    34

    crenas religiosas e tambm as prticas religiosas que recebem diversas influncias

    simblicas do pluralismo religioso no contexto social contemporneo.

    Bellah (apudMARTELLI, 1995) d uma contribuio maneira de perceber os

    smbolos dos fenmenos religiosos. Em seus estudos, ele volta a valorizar a natureza

    simblica dos fenmenos religiosos e resgata a definio de religio como forma

    simblica: Religio um todo sistema de smbolos que serve para invocar [...] a

    experincia do todo, isto a totalidade que inclui o sujeito e o objeto e forma o contexto

    no qual a vida e a ao finalmente possuem um significado [...] (p. 195).

    Na perspectiva simblica de Bellah a identidade religiosa do sujeito tambm

    construda sob a gide do simbolismo da religio que ele adota. Uma montagem feita

    nesse processo identitrio. O autor se refere a estes smbolos religiosos como dotados de

    uma capacidade de estabelecer relaes superando as disposies em contrrio e a

    resistncia ao relacionamento entre realidades diferentes. Sobre o uso de smbolos

    Bellah fala dessa apropriao:

    [...] na sociedade moderna tambm possvel apropriar-se desmbolos religiosos de outros temos e de outra cultura, tornadosdisponveis pelas pesquisas histricas e comparativas, desde quesejam consideradas capazes de focalizar ou cristalizar o significado davida e do universo (apudMARTELLI, 1995, p. 117).

    Ao fazer um estudo sobre identidade religiosa da comunidade batista, De

    Benedicto (2004) destacou cinco aspectos que a caracteriza. A identidade religiosa

    dinmica, interativa, sociolgica, progressiva e transcendental:

    a) Dinmica porque est sempre em contnuo movimento de definio. Seus

    valores tambm se modificam, no o fundamental, atravs dos diversos contatos com os

    mais diferentes meios sociais. Ela assim deve ter esta vocao de adaptar-se, do

    contrrio est fadada ao desaparecimento. Para seu prprio reconhecimento a identidadereligiosa se dinamiza e continuamente modelada.

    b) Interativaporque necessita de estar com os outros para se realizar. Como a

    identidade pessoal, no existe uma identidade religiosa que pertena unicamente a uma

    pessoa e dela exclusivamente seja originria. No contexto social nasce, implementada

    e tem interaes. Simplesmente o contexto cultural lhe no s necessrio, mas

    imprescindvel.

    c) Sociolgica porque a religio um fator social, coletiva e tambmindividual. No mundo atual a religio, e por conseqncia a identidade religiosa, no

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    44/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    35

    mais herdade dos antepassados e sustenta grandes geraes afora. Ela escolhida e

    muitas vezes, por vrias razes, a pessoa monta a sua crena coletando influncias de

    vrias tradies.

    d) Progressivaporque medida que o ser humano se desenvolve fsica, mental e

    emocionalmente o seu modo de viver as experincias tambm evolui. As suas

    percepes deixam de ser infantis e passam a ter a maturidade que a idade e a

    convivncia com os grupos sociais lhe propiciam. Em determinado momento do seu

    crescimento integral, ele inicia um processo de conscientizao de identidade religiosa e

    de definio de sua f.

    Esta formao de identidade religiosa tem a ver com as experincias espirituais

    proporcionadas pelo meio em que vive. A sua fora e intensidade determinante na

    formao da identidade do jovem e do adulto. Estas experincias vo sendo

    reinterpretadas vista de novos conhecimentos adquiridos com o passar dos anos e

    podero ser aceitas e enriquecidas, ou abandonadas, por no mais terem sentido para

    eles no atual contexto e escolhas morais.

    e) Transcendental porque a identidade religiosa conta com a interveno

    de um ser superior e criador de tudo, Deus, sem o qual no teria motivos para existir.

    atravs de Deus que a identidade religiosa restaurada na terra.

    No livroLidentit,Ferret (1998, p. 47) define a identidade como uma relao

    que cada indivduo (coisa ou ente) mantm com ele mesmo ao longo de toda sua

    existncia ou de sua carreira. No seu sentido mais possvel e adequado, a identidade

    uma emoo existencial.

    E cita a frmula de Quine: No h entidade sem identidade (p. 47). E sem sair

    da linha cientfica, por analogia expande-se esta definio ao ente religioso e sua

    identidade religiosa. Ao fazer esta colocao Ferret (1998) no quer dizer que a

    identidade se mantm a mesma, definida e imutvel ao longo de sua existncia, pormentende que se uma ontologia no for constituda de seres idnticos a eles mesmos ela

    absurda, alguma coisa impensvel.

    De acordo com sua maneira de ver o mundo, a identidade no incompatvel

    com a mudana e afirma, para dar conta do problema do dinamismo da identidade

    atravs do tempo, que se uma pessoa altera a sua identidade isto no significa que esta

    pessoa perdeu a identificao consigo mesma. O mesmo raciocnio se aplica

    identidade religiosa: no porque o indivduo se converteu a outra crena religiosa queele perdeu sua auto-identificao.

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    45/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    36

    Durkheim (2000) em sua obra editada originalmente em 1912, fala da religio

    como sendo uma forma eminentemente coletiva, um sistema que h responsabilidade

    recproca e interesse comum de crenas e de aes relativas ao sagrado. Tais crenas e

    prticas unem num mesmo grupo religioso todas as pessoas que se identificam com

    elas. Embora as idias de Durkheim sejam, de certo modo, submetidas a anlises mais

    modernas, elas sempre iluminam o debate.

    Ele via no ser humano dois seres: um individual e outro social e medida que

    participa da sociedade o indivduo vai naturalmente alm de si mesmo, seja quando

    pensa, seja como age (DURKHEIM, 2000, p. 47). Esta vida participativa tem reflexos

    na identidade religiosa da pessoa. A sua identidade religiosa construda conectada aos

    aspectos aceitos pela comunidade religiosa que escolheu embora a construo de

    sentido seja funo subjetiva.

    No grupo, a ao social sentida e tanto pode reforar a identidade religiosa dos

    componentes como neg-la. Este poder dentre outros pode ser o das palavras de quem

    tem este dom do poder da aprovao, seja com gestos ou aes de pessoas com

    liderana. Enfim, para que seja preservada a identidade religiosa no pode ter apenas

    um ponto de convergncia, seja ela a prtica de vida o complexo de conhecimentos

    prprios da pessoa ou especficos adquiridos

    O Eu se torna capaz de construir os contedos subjetivos atravs do seu

    comportamento e de forma autntica, uma vez que, agora, se encontra, pelo qual

    contexto social, sem o amparo do Divino. Segundo Faifa (2005), autnomo e s, ele

    procura a intimidade (o mesmo que refexividade), a auto-referencialidade e o

    compromisso subjetivo fundamental. O sujeito revela com esta busca pela intimidade,

    uma coragem moral prpria de uma pessoa que est em constante mudana, em

    permanente processo de reestruturao e elaborao de sua personalidade, um ser

    humano obstinado e sempre presente, disposto a alterar hbitos e atitudes de sua vida etraos de sua personalidade, em contnuo processo de adaptao s injunes da vida

    pessoal e social, ou seja, em permanente construo de sua identidade.

    2.1.5 Conceituando a converso religiosa

    A converso, como processo complexo que , compromete vrias idias, tais

    como: transformar uma coisa em outra que tomado como parmetro, alterar apenasuma direo para outra direo sem mudanas profundas no modo de ser, substituio

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    46/164

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    47/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    38

    deixam de ser vistos, categorizados e classificados somente com base em

    comportamentos externos e passam a representar uma realidade psicossocial complexa

    da qual faz parte integral o itinerrio do convertido. Os esforos, contradies e avanos

    tambm passam a ser considerados nesse processo.

    Para Valle (2002), analisar o panorama da atual dinmica scio-religiosa

    brasileira deve incluir a premissa da intensa mobilidade e pluralidade desse campo. Isso

    porque o pas estaria atravessando uma onda conversionista sem precedentes.

    Para o autor, de modo geral, o comportamento religioso do brasileiro sempre foi

    um tipo de "bricollage", ou seja, uma identidade religiosa formada por um mix

    construdo com materiais de procedncias diferenciadas, mas que lhe apresentam algum

    tipo de sentido. Essa organizao mais livre talvez possa ser relacionada ao carter

    majoritariamente cultural de um catolicismo popular formado a partir de vrias culturas

    de base.

    No sculo XIX, com a entrada das religies protestantes, surgiram parmetros e

    exigncias de pertena mais definidos. Tambm dentro do catolicismo deram-se

    movimentos que levaram as elites religiosas a uma maior conscincia de pertena e, em

    alguns casos, a experincias diretas de converso em massa.

    No cenrio brasileiro to diversificado em termos de opes de trnsito

    religioso, comum observar a adeso a uma nova religio.

    Na situao de anomia, pluralismo e transio criada pelo consumo e pelo"mercado" de ofertas religiosas, os indivduos parecem experimentarprocessos de busca que afetam sua emoo, seus valores e seucomportamento, recentrando-os, de alguma forma, no religioso e noespiritual. O religioso readquire uma funo reordenadora da percepode si (auto-imagem, senso de identidade) e do mundo (sentido e opesde vida) que havia sido (parcialmente, ao menos) perdida com odesencantamento do mundo provocado ali onde a razo secularizadaadquiriu hegemonia. O religioso exerce, alm disto, uma funo deinsero e/ou reinsero do indivduo em um grupo, respectivamente emum meio socio-cultural motivador e dotado de sentido. (VALLE, 2002,p.60-61)

    Assim, a extenso e o modo como acontecem essas passagens religiosas se

    conectam a situaes culturais, econmicas e sociais concretas. Uma escolha em

    determinada situao frente a tal pluralidade em permanente expanso pode ser

    reavaliada no momento seguinte. A adeso a novos valores, mudana na viso de

    mundo e adoo de novos modelos de conduta no implica, como em outras pocas,

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    48/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    39

    ruptura social, cultural e da prpria biografia. A converso j no representa um drama

    pessoal e familiar nem tampouco uma mudana drstica.

    De modo prtico e operacional, Valle (2002, p.65) aponta quatro elementos a

    serem considerados pelos pesquisadores do tema converso religiosa: a considerao

    dos aspectos conscientes e inconscientes do psiquismo de cada convertido dentro de sua

    evoluo psico-religiosa individual; o levantamento das caractersticas, inclusive psico-

    afetivas, do grupo ao qual a pessoa se afilia (clima interno, regras, crenas, textos de

    referncia, prticas, estilos de liderana); a anlise de fatores de natureza cultural que

    refletem realidades sociolgicas, econmicas e polticas mais amplas; e a considerao

    da classe social, idade, sexo, profisso, dentre outros aspectos da vida do convertido tais

    como momentos existenciais de tenso, luto, sofrimento e inquietao.

    A palavra converso exprime mudana. Uma mudana que um retorno do ser

    humano para ele mesmo. Uma espcie de encontro com sua prpria pessoa. Ele se volta

    para si mesmo e o mundo que o cerca, interpretando-os, conforme, os elementos

    simblicos da converso religiosa; ressignificando, assim, a sua condio de ser

    humano. Entende-se que cada ser humano nico e no encontro consigo mesmo

    percebe os outros e ele como partes de uma realidade muito maior.

    Percebe tambm que o estar entre os outros, o que faz conhecer que o estar

    entre uma condio para que se possa se compreender cada vez mais. O convertere

    no um fechar-se, no um repetir, mas o converter, para Figueiredo (1976) que

    analisa a converso religiosa, um ultrapassado. Este ultrapassado visto como uma

    tentativa que se repete continuamente de transpor sua situao-limite de ser humano

    presente em sua finitude, em sua determinao e contingncia (p. 24). Porm, esta

    superao da situao-limite uma ao, uma maneira de viver e de se colocar na vida.

    De uma forma abrangente, a psicologia depreende que a converso religiosa

    um processo pelo qual uma pessoa se encontra num novo grupo religioso e, nestecontexto, se integra. Assume a linguagem religiosa deste grupo. O converso

    submetendo-se a novos valores e formas de perceber e viver a realidade. A maneira de

    perceber a vida aqui e agora, a escatologia mundana. Perde as preocupaes e

    angstias que antes o afligia. Sente-se em paz e em harmonia. Percebe coisas que antes

    no havia notado.

    O antes enigmtico torna-se agora claro. A vida volta a ter sentido. O ser

    humano se torna, praticamente, capaz de agentar qualquer coisa, pois tudo comea ater significado. Modificam-se hbitos, atitudes e comportamentos; pois o convertido

  • 7/25/2019 Igreja Universal Do Reino de Deus e Reconstrucao Imagem Do Fiel

    49/164

    SILVA, M.P UFPB-PPGCR 2009

    40

    se v de uma forma diferente e percebe o mundo tambm de uma maneira diferente. H

    um novo em todo ser derredor.

    James (1995) define de forma clssica a converso:

    Converter-se, renegar-se, receber graa, sentir a religio, obter umacerteza, so outras tantas expresses que denotam o processo gradualou repentino, por cujo intermdio um eu at ento dividido, econscientemente errado inferior e infeliz, se torna unificado econscientemente certo, superior e feliz em conseqncia de seudomnio mais firme das realidades religiosas. Isso, pelo menos, oque significa a converso em termos gerais, quer acreditamos querno, que se faz mister uma operao divina direta para produzir umamudana natural dessa ordem (p. 126)

    Nesta definio h muitas explicaes sobre o ato de converter-se. De fato, em

    algum momento da vida, as emoes se alteram e, de acordo com James, o que vai fazer

    com que o ser humano mude seu comportamen