ideologia e marxismo na crÍtica da ciÊncia geogrÁfica

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IDEOLOGIA E MARXISMO NA CRÍTICA DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA Danilo Amorim de Souza Universidade de São Paulo, [email protected] INTRODUÇÃO O presente texto sintetiza parcela da pesquisa em nível de mestrado (em andamento) centrada na problematização do pensamento geográfico marxiano 1 , a partir das recentes contribuições ao desvendamento de seu caráter ontológico 2 , enfocando sua compreensão do processo da individuação humana. Neste momento, especificamente, busca-se retomar o debate acerca da presença do marxismo no movimento de renovação do pensamento geográfico, explicitando a noção de ideologia aí hegemônica como mediação para compreensão do tipo de marxismo apropriado e/ou desenvolvido pelos geógrafos. Partimos do entendimento de que nos anos finais da década de 1960 explicita-se de maneira decisiva a situação crítica em que se encontrava e debatia a ciência geográfica: “neste momento se discutem os impasses gerados pelo próprio projeto da geografia enquanto um segmento do saber científico capaz de dar conta, compreender e explicar, enfim, os problemas concretos que se inscrevem no espaço geográfico em que vivemos” 3 . É certo afirmar, assim, que os fundamentos filosóficos e conceituais da 1 Reservamos o termo marxiano em referência ao pensamento original de Marx, às suas próprias obras escritas de meados de 1843 até 1883; já o termo marxista identifica todos aqueles, inclusive Engels, que se apropriam, desdobram, atualizam (ou mesmo deformam) suas categorias fundamentais. 2 Desvendamento que toma corpo a partir das contribuições do filósofo húngaro György Lukács. 3 Carlos Walter Porto GONÇALVES, A geografia está em crise. Viva a geografia!, p. 94.

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Page 1: IDEOLOGIA E MARXISMO NA CRÍTICA DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA

IDEOLOGIA E MARXISMO NA CRÍTICA DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA

Danilo Amorim de Souza

Universidade de São Paulo, [email protected]

INTRODUÇÃO

O presente texto sintetiza parcela da pesquisa em nível de mestrado (em

andamento) centrada na problematização do pensamento geográfico marxiano1, a partir

das recentes contribuições ao desvendamento de seu caráter ontológico2, enfocando sua

compreensão do processo da individuação humana. Neste momento, especificamente,

busca-se retomar o debate acerca da presença do marxismo no movimento de renovação

do pensamento geográfico, explicitando a noção de ideologia aí hegemônica como

mediação para compreensão do tipo de marxismo apropriado e/ou desenvolvido pelos

geógrafos.

Partimos do entendimento de que nos anos finais da década de 1960 explicita-se

de maneira decisiva a situação crítica em que se encontrava e debatia a ciência

geográfica: “neste momento se discutem os impasses gerados pelo próprio projeto da

geografia enquanto um segmento do saber científico capaz de dar conta, compreender e

explicar, enfim, os problemas concretos que se inscrevem no espaço geográfico em que

vivemos”3. É certo afirmar, assim, que os fundamentos filosóficos e conceituais da

1 Reservamos o termo marxiano em referência ao pensamento original de Marx, às suas próprias obras escritas de meados de 1843 até 1883; já o termo marxista identifica todos aqueles, inclusive Engels, que se apropriam, desdobram, atualizam (ou mesmo deformam) suas categorias fundamentais. 2 Desvendamento que toma corpo a partir das contribuições do filósofo húngaro György Lukács. 3 Carlos Walter Porto GONÇALVES, A geografia está em crise. Viva a geografia!, p. 94.

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disciplina não são reformulados ou mesmo criticamente problematizados até meados da

década de 19704, no quadro da explicitação da crise mesma da disciplina.

No entanto, é fundamental perceber que

qualquer esforço no sentido de desvendar a natureza da crise de um determinado segmento do espaço do saber deve, portanto, partir da premissa de que o trabalho intelectual, embora possuindo uma dinâmica específica, sofre influência do próprio contexto histórico que constitui a materialidade do trabalho científico5.

Nesse sentido, a compreensão da crise da geografia demanda a percepção de sua

inserção no contexto mais geral de crise da sociabilidade do capital em seus dois

subsistemas6, tal como se expressa exatamente no período citado. Em suma, à percepção

de que temos, “desde a passagem da década de sessenta à de setenta, a crise do

‘capitalismo democrático’ (como quer Przeworski), na sua acabada configuração que é

o Estado de bem-estar social”7, iniciando a crise global do capital8, que logo se espraia

4 Inclusive porque a outra “renovação” proposta, contemporânea à Geografia Ativa, isto é, a Geografia Quantitativa, “atinge mais a linguagem do que o conteúdo e o método específico, esta operação, que se explica em larga medida em razão das novas necessidades da programação econômica e territorial, se resolve, salvo poucas exceções, numa relação com os problemas reais, que é, sim relativamente nova, (porque a nível tecnocrático) mas não crítica e, afinal, serve de apoio e está subordinada às escolhas dos centros decisórios” (Massimo QUAINI, Marxismo e geografia, p. 12)

De outro lado, processo análogo pode ser identificado na trajetória da geografia brasileira, com suas particularidades: a emergência de novas temáticas, socialmente referenciadas, e a identificação da necessidade de novos referenciais teóricos efetiva-se já na década de 1940 com a formação de geógrafos como Pedro Pinchas Geiger e Orlando Valverde (para citarmos apenas alguns), mas problematização crítica efetiva dos referenciais teóricos tradicionais proceder-se-á apenas ao longo da década de 1970. 5 Carlos Walter Porto GONÇALVES, op. cit., p. 93. Publicado em 1981, o artigo “Abordagem contextual”, de Vicent BOURDOULAY, de perspectiva teórica distinta à de Gonçalves, sintetiza posições acerca da problematização do contexto na historiografia da geografia. 6 Termo utilizado por José CHASIN para caracterizar a dinâmica da crise tanto em seu polo capitalista como no pós-capitalista, cf. A sucessão na crise e a crise na esquerda, pp. 178-199. Sobre a definição de pós-capitalismo destaca a “determinação de um quadro regido pelo capital, mas cuja forma de sociabilidade descartara o capitalismo” (p. 185). Veja-se, ainda, I. MÉSZÁROS, Para além do capital, pp. 1012-1062, e J. CHASIN, Marx: da razão do mundo ao mundo sem razão. 7 José Paulo NETTO, Crise do socialismo e ofensiva neoliberal, p. 67-8. O que explicita, para o mesmo autor, “o fracasso do único ordenamento sócio-político que, na ordem do capital, visou expressamente compatibilizar a dinâmica da acumulação e da valorização capitalista com a garantia de direitos políticos e sociais mínimos” (ib.) 8 É exatamente nesse momento, especificamente em 1971, que se pode afirmar que “o status quo social de pouco tempo atrás vem se desintegrando rápida e dramaticamente diante de nossos próprios olhos – basta querer ver” (István MÉSZÁROS, A necessidade do controle social, p. 33).

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e configura-se terminal para as formações pós-capitalistas. Horácio Capel9 destaca

exatamente a centralidade da crise social para compreensão das transformações no

pensamento geográfico, na medida em que

no interior dos países desenvolvidos capitalistas e nos de sua periferia próxima, tornaram-se visíveis novos problemas sociais que exigiam novas respostas por parte dos cientistas. Em geral, pode-se dizer que a década de 1960 vê aumentar os conflitos no meio das sociedades capitalistas.

Destes “novos problemas sociais” podemos destacar, seguindo Capel, Lacoste e

Harvey, os movimentos anti-imperialistas e terceiro-mundistas, os movimentos sociais

urbanos e a explicitação da crise ecológica. Enfim, é a partir da busca de novas

possibilidades de engajamento prático dos geógrafos, isto é, de “uma nova relação com

a sociedade que seja ao mesmo tempo ativa e crítica”10, superando a identificação quase

que tradicional com o Estado, que os limites da ciência geográfica produzida até então

evidenciam-se de forma cada vez mais explícita e são refutados pelos próprios

estudantes ou “iniciantes”11.

Em suma, é com o reconhecimento de que “a geografia não está em condições

de fornecer uma descrição do mundo que responda às nossas preocupações”12 que se dá

a busca de novos referenciais teóricos, bem como a crítica do pensamento tradicional,

em que o marco essencial desse duplo movimento corresponde à apropriação do

pensamento marxista. Este movimento crítico, porém, sobejamente conhecido, logo

encontra certos limites. Com o que podemos passar aos objetivos do presente trabalho.

OBJETIVOS

9 Ruptura e continuidade no pensamento geográfico, p. 113. 10 Massimo QUAINI, op. cit., p. 12. 11 Assim Quaini se refere ao fato de que, quando não se abriam a transformações quase que impostas pelos alunos, as aulas de geografia eram simplesmente abandonadas. Nesse sentido, o caso brasileiro é paradigmático por contar com uma central participação dos estudantes, cf. Charlles de França ANTUNES e Manuel Fernandes de SOUSA NETO, Os estudantes, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e o movimento de renovação crítica da geografia brasileira, e Diamantino Alves Correia PEREIRA, A AGB, os movimentos sociais e a geografia: UPEGE, AGB e movimento estudantil no final da década de 70. 12 Yves LACOSTE, op. cit., p. 236.

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Objetiva-se contribuir ao aprofundamento do debate acerca do movimento de

renovação (condição de seu encaminhamento), lançando luzes sobre os avanços

teóricos da geografia acadêmica – bem como em seus limites e impasses – em especial

na consideração sobre suas relações com o pensamento de Marx; contribuindo

igualmente, portanto, com o projeto mais amplo da redescoberta de seu estatuto

ontológico13 e emersão do “destino trágico” que, por exemplo, condenou questões

relativas à ontologia, à individualidade e individuação como externas e exteriores à sua

lógica. Acredita-se que o aprofundamento do debate acerca do movimento de renovação

da disciplina, de seus fundamentos e impasses teóricos – à luz das mais recentes

análises e proposituras acerca da ontologia do ser social desenvolvida por Marx – possa

contribuir para compreender seu relativo bloqueio, bem como propiciar elementos para

sua continuidade.

Com efeito, não apenas na aplicação ao ensino da disciplina, mas mesmo acerca

dos próprios avanços teóricos em relação à tradição acadêmica da geografia passa-se a

se reconhecer, ao menos desde 1992, quando Ruy Moreira escreve um dos primeiros14

balanços sobre o processo, que os esforços nesse sentido (da ruptura) não alcançavam os

fundamentos mesmos da disciplina. Nesse sentido, o bloqueio do movimento de

renovação, ou mesmo seu refluxo, é identificado por vários de seus principais atores a

partir dos anos 1990. Não pretendemos, nesse momento, a caracterização completa do

complexo movimento de crítica ao pensamento geográfico que então se desdobra (como

vimos associado à busca de novo embasamento teórico-filosófico), nem algo próximo

13 O reconhecimento do caráter ontológico do pensamento marxiano implica igualmente em averiguar sua particularidade não tradicional, isto é, não temos a instituição de categorias abstratas, universais e ahistóricas, tal como nas metafísicas antiga e medieval, mas o reconhecimento de determinações essenciais, historicamente constituídas, dos modos de ser do ser social: “A ontologia marxiana não é um sistema abstrato de verdades absolutas ao feitio tradicional, mas um estatuto teórico, cuja fisionomia é traçada por um feixe de lineamentos categoriais enquanto formas de existência do ser social” (José CHASIN, Ad Hominem – Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista, p. 13), daí seguirmos a sugestão de Chasin com a noção de estatuto ontológico. Dentre outros, Ivo Tonet, O método científico, desdobrou tal problemática. 14 O pioneiro é Armando Corrêa da Silva, “A renovação geográfica no Brasil: 1976-1983. As geografias radical e crítica na perspectiva teórica”.

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disso. Trata-se, além de um processo amplo e diverso, em certa medida ainda em aberto

(tanto seu encaminhamento quanto em sua interpretação). Buscamos, apenas, a partir de

seus textos fundamentais, em especial aqueles de influência na geografia brasileira, a

aproximação à nossa temática específica: a questão do homem e do indivíduo. Nesse

sentido, destacamos as obras de Massimo Quaini, Yves Lacoste e Milton Santos, além

de uma incursão pelos periódicos lançados à época, “que costuraram o imaginário das

novas ideias e alimentaram o circuito das mudanças”15.

METODOLOGIAS

O trabalho realizado compreende a exploração teórica fundamentada em

pesquisa bibliográfica, identificando os principais autores do movimento de renovação

da ciência geográfica (passo no qual se destaca os de maior influência no “episódio”

brasileiro), as categorias e conceitos estruturantes e seus fundamentos teóricos, bem

como das posições críticas acerca do movimento, explicitadas desde o início dos anos

1990 com a percepção dos limites na renovação das práticas disciplinares e científicas.

RESULTADOS PRELIMINARES

Em fase final de desenvolvimento, foi possível constatar, através da pesquisa, a

predominância de uma crítica de caráter político e demarcado viés epistemológico,

fundamentalmente na própria apreensão da noção de ideologia, usualmente

caracterizada como “falsa consciência”. James Anderson, por exemplo, ainda que

acentue o “caráter material” do conceito de ideologia, resume que “empregado numa

linha marxista /.../ ideologia refere-se a sistemas de ideias que fornecem avaliações

distorcidas e parciais da realidade, com o efeito objetivo, e nem sempre pretendido, de

15 Ruy MOREIRA, Pensar e ser em geografia, p. 27.

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servir aos interesses parciais de determinado grupo ou classe social”16. Tendeu-se,

assim, a acentuar a funcionalidade sociopolítica do discurso geográfico clássico,

enquanto imputação e/ou mistificação da realidade, e, por via de consequência, a

exacerbar (e em certa medida deformar) algumas de suas dimensões (do que a pretensa

oposição “determinismo x possibilismo” é um significativo exemplo).

Não progredindo a crítica no sentido da problematização de alguns dos

fundamentos teóricos essenciais da ciência geográfica, tal como a própria concepção de

homem e de natureza hegemônicas, não desenvolveu-se uma crítica ontológica – tanto

no sentido de compreensão da concepção de ser presente nas matrizes clássicas da

geografia como no âmbito de apreender o enraizamento dessas concepções em uma

dada forma de ser (a sociabilidade e individuação capitalistas), ainda que fulcrais

determinações conceituais e teóricas para tanto estivessem postas em certos autores.

Quaini, por exemplo, apontava que “no fundo, o determinismo geográfico reflete de

forma mistificada a condição de alienação do território em relação ao homem”

enquanto uma “força autônoma que se contrapõe e domina o homem, embora sendo

uma criação do trabalho humano”17.

Em outros termos, é necessário problematizar em que medida as concepções de

homem presentes na ciência geográfica, para além da mistificação e ocultação (do papel

das classes e do Estado) e justificação (do imperialismo), efetivamente presentes,

constituem uma expressão (alienada, naturalizada) da individuação burguesa

(caracterizada por Marx, por exemplo, nos Grundrisse). Isto é, expressam uma

individualidade em oposição ao seu gênero, lançada num mundo regido por forças

externas e estranhas que, embora seu produto (social), não se encontram sob seu

controle, e, mais, submetida às pressões da sobrevivência material imediata. Em suma, o

16 James ANDERSON, “Ideologia em geografia: uma introdução”, p. 41. 17 Massimo QUAINI, A construção da geografia humana, p. 46. Quanto ao parco desdobramento dessa questão e das ideias do geógrafo italiano, Ruy MOREIRA (Pensar e ser em geografia, p. 30) aponta ser “irônica, por exemplo, a pouca importância que os próprios geógrafos de formação marxista emprestam a Marxismo e geografia. Texto efetivamente referenciado como uma obra marxista, esse livro teve circulação menor que a devida entre os próprios marxistas. E a desatenção é mais gritante e patente com a Construção da geografia humana /.../. Quem nele se referenciou ou quem o leu?”.

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homem atópico18 é, em realidade, o homem urbano no capitalismo, a individualidade

cindida19

.

Com efeito, Lefebvre lembra que, “para Marx, a consciência (social) que nasce

de uma práxis só reflete fielmente essa práxis em situações bastante definidas: quando a

própria práxis não está envolvida em véus nebulosos e as relações entre os seres

humanos permanecem diretas, sem intermediários ‘opacos’”20. Este não é o caso, muito

pelo contrário, da formação social capitalista – na qual o fetichismo alcança seu mais

puro estágio. De modo que, nessas situações, a prática social dos homens erige o que o

pensador francês chama de representações: “A realidade social, isto é, os homens e os

grupos humanos em suas interações, produz aparências, que são algo além e diverso de

ilusões sem consistência”21. Compreender o discurso geográfico clássico – e sua

categoria de homem atópico – nesse diapasão pode ser um fértil caminho sobre sua

função social, isto é, sua necessidade. E também lança luzes sobre a sua reprodução nas

práticas escolares da disciplina, mesmo com todo o processo de crítica à seus

compromissos políticos-ideológicos.

De outro lado, porém, se o reconhecimento dos limites da renovação, tanto no

ensino como na ciência, converte-se praticamente em um consenso, o mesmo não se põe

no que se refere ao entendimento das razões dessas limitações e, portanto, em como

encaminhar (ou se isso se deve buscar) suas resoluções. O único elemento que

comparece em quase todos os textos analisados, e como dimensão fundamental, é a

relação do movimento de renovação com o marxismo, tanto daqueles que pretendem,

em essência, a crítica e a recusa do próprio pensamento de Marx, como entre os que

objetivam sua preservação ou, então, sua “atualização”. Com efeito, constatou-se que as

problematizações desses limites usualmente identificaram suas raízes ou no próprio

marxismo ou no tipo de marxismo apropriado, tendendo a equalizar ortodoxia com

18 Termo com o qual Ruy MOREIRA, Para onde vai o pensamento geográfico? Por uma epistemologia crítica, designa o homem no discurso geográfico. 19 Antonio Lopes ALVES, op. cit. 20 Henri LEFEBVRE, A sociologia de Marx, p. 47. 21 Ib.

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dogmatismo e apresentar um ecletismo teórico e metodológico como caminho de

continuidade da crítica ao pensamento geográfico.

Se críticas isoladas à própria teoria marxiana já pudessem ser notadas mesmo

nos anos 198022, é ao longo da década de 1990, com a derrocada da experiência pós-

capitalista soviética e o influxo neoliberal consoante com o aprofundamento da

globalização capitalista, que tais posturas se generalizam e materializam, pela primeira

vez de modo explícito em um documento oficial, nos Parâmetros Curriculares

Nacionais de 1997-8, no qual, ainda que se reconheça que “é inegável a contribuição do

marxismo para o aluno compreender e explicar o processo de produção do espaço”, em

essência pretende-se afirmar que “tanto a Geografia Tradicional como a Geografia

Marxista militante negligenciaram a dimensão sensível de perceber o mundo”23, como

forma de se justificar uma postura eclética24 que possibilite “completar” as análises

fundamentadas no marxismo, que evidenciam as determinações econômicas da

geografia, com as baseadas na fenomenologia.

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22 Cf., por exemplo, o pioneirismo de Marcelo Lopes de SOUZA [“Espaciologia”: uma objeção (crítica aos prestigiamentos pseudo-críticos do espaço social)], José William VESENTINI (Percalços da Geografia crítica: entre a crise do marxismo e o mito do conhecimento científico) e Rogério Haesbaert da COSTA (Filosofia, Geografia e Crise da Modernidade). 23 BRASIL, Parâmetros curriculares nacionais: geografia, p. 22. 24Este ecletismo é criticado em diversas contribuições da obra Reformas no mundo da educação, em especial na de Ariovaldo Umbelino OLIVEIRA.

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